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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA COORDENADORIA DE RECURSOS CRIMINAIS EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL GILMAR MENDES. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 444 Requerente: Ordem dos Advogados do Brasil. Interessados: Carlos Alberto Richa, José Richa Filho, Ezequias Moreira Rodrigues, Luiz Abi Antoun, Deonilson Roldo, Celso Antônio Frare, Edson Luiz Casagrande, Túlio Marcelo Dening Bandeira, André Felipe Dening Bandeira, Joel Malucelli, Aldair Wanderlei Petry, Emerson Savanhago, Robinson Savanhago, Dirceu Pupo Ferreira e Fernanda Bernardi Vieira Richa. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por meio de seu Procurador-geral de Justiça e dos seus membros integrantes da Coordenadoria de Recursos Criminais, nos autos em epígrafe, nos termos do artigo 317 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, vem, tempestivamente, interpor AGRAVO REGIMENTAL contra decisão monocrática concessiva de habeas corpus de ofício, “determinando a revogação da prisão temporária do requerente e demais prisões provisórias que venham a ser concedidas com base nos mesmos fatos objeto de investigação, com base no art. 654, §2 o , do CPP”, proferida por Vossa Excelência, no dia 14 de setembro de 2018, nos autos em epígrafe, pelas razões a seguir expostas. 1

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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇACOORDENADORIA DE RECURSOS CRIMINAIS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL GILMAR MENDES.

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 444

Requerente: Ordem dos Advogados do Brasil.

Interessados: Carlos Alberto Richa, José Richa Filho, Ezequias Moreira

Rodrigues, Luiz Abi Antoun, Deonilson Roldo, Celso Antônio Frare, Edson

Luiz Casagrande, Túlio Marcelo Dening Bandeira, André ́ Felipe Dening

Bandeira, Joel Malucelli, Aldair Wanderlei Petry, Emerson Savanhago,

Robinson Savanhago, Dirceu Pupo Ferreira e Fernanda Bernardi Vieira Richa.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ,

por meio de seu Procurador-geral de Justiça e dos seus membros integrantes da

Coordenadoria de Recursos Criminais, nos autos em epígrafe, nos termos do

artigo 317 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, vem,

tempestivamente, interpor

AGRAVO REGIMENTAL

contra decisão monocrática concessiva de habeas corpus de

ofício, “determinando a revogação da prisão temporária do requerente e demais prisões

provisórias que venham a ser concedidas com base nos mesmos fatos objeto de

investigação, com base no art. 654, §2o, do CPP”, proferida por Vossa Excelência, no

dia 14 de setembro de 2018, nos autos em epígrafe, pelas razões a seguir expostas.

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I – Da Breve Contextualização

No dia 14 de março de 2017 o Conselho Federal da Ordem

dos Advogados do Brasil ajuizou a presente Ação Constitucional de Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental em que requereu que o Supremo

Tribunal Federal determinasse a “impossibilidade de condução coercitiva na fase

investigativa, ou que se restrinjam fielmente à hipótese de descumprimento de anterior

intimação, nos termos exatos do art. 260 do CPP”.

No dia 18 de dezembro de 2017 o relator da ADPF 444,

Ministro Gilmar Mendes, deferiu a medida liminar “para vedar a condução

coercitiva de investigados para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar,

civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da

responsabilidade civil do Estado”.

No dia 14 de junho de 2018 o Supremo Tribunal Federal,

por maioria, julgou procedente o mérito da ADPF “para pronunciar a não recepção

da expressão ‘para o interrogatório’, constante do art. 260 do CPP, e declarar a

incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou

de réus para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do

agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da

responsabilidade civil do Estado”.

No dia 14 de setembro de 2018 CARLOS ALBERTO

RICHA, às 10h39min, protocolou petição no bojo da ADPF requerendo o

relaxamento da prisão temporária determinada pelo Dr. Juiz da 13a Vara

Criminal de Curitiba contra o requerente e outros investigados.

No mesmo dia 14 de setembro de 2018, o Ministro Gilmar

Mendes não conheceu do pedido formulado por CARLOS ALBERTO RICHA,

diante da impossibilidade de pessoa física formular pedido no aludido processo

constitucional objetivo. No entanto, surpreendentemente, concedeu, de ofício,

Habeas Corpus ao requerente, “determinando a revogação da prisão temporária do

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requerente e demais prisões provisórias que venham a ser concedidas com base nos

mesmos fatos objeto de investigação, com base no art. 654, §2o, do CPP”.

Ademais, estendeu essa concessão de Habeas Corpus de

ofício aos outros investigados, cuja prisão temporária havia sido determinada,

nomeadamente José Richa Filho, Ezequias Moreira Rodrigues, Luiz Abi Antoun,

Deonilson Roldo, Celso Antônio Frare, Edson Luiz Casagrande, Túlio Marcelo

Dening Bandeira, André Felipe Dening Bandeira, Joel Malucelli, Aldair

Wanderlei Petry, Emerson Savanhago, Robinson Savanhago, Dirceu Pupo

Ferreira e Fernanda Bernardi Vieira Richa.

Inconformado com essa decisão, vem o Ministério Público

do Estado do Paraná, por seu Procurador-geral de Justiça e de sua Coordenadoria

de Recursos Criminais, interpor o presente Agravo Regimental.

II – Da Tempestividade, Cabimento, Adequação, Legitimidade e Interesse

Recursal do Ministério Público na interposição do Agravo

O Ministério Público do Estado do Paraná, por meio desta

petição, dá-se por intimado da decisão ora agravada, de concessão de Habeas

Corpus de ofício em favor dos interessados, oportunidade em que, na mesma

data, interpõe o presente recurso. O agravo é, portanto, tempestivo, vez que

apresentado dentro do prazo de 05 (cinco) dias (RI-STF, art. 317).

Ademais, o presente recurso é cabível e adequado, nos

termos do aludido art. 317 do RI-STF, verbis:

“Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental,

no prazo de cinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou

do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte.”

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A hipótese em mesa é justamente aquela prevista no artigo

acima reproduzido. Impugna-se, aqui, decisão monocrática concessiva de Habeas

Corpus, proferida de ofício e incidentalmente por Relator de Autos de Arguição

de Descumprimento de Preceito Fundamental, em trâmite perante o Supremo

Tribunal Federal. O recurso, portanto, além de cabível é o adequado à pretensão

de reforma da decisão.

Com efeito, na espécie, a decisão recorrida causou

prejuízo direto aos direitos da sociedade e do Ministério Público do Estado do

Paraná, enquanto parte autora em processo penal cautelar, através do qual

obteve as prisões temporárias e, a título sucessivo, preventivas, de Carlos Alberto

Richa e dos demais interessados, acima nominados. Tais prisões foram cassadas

pela decisão agravada. Igualmente, o Ministério Público revela seu interesse e

legitimidade recursal em razão de ser o titular da ação penal pública (CR, art. 129,

I), que será deflagrada para iniciar a persecução penal dos delitos, em tese,

praticados pelos beneficiados na ordem ora impugnada e apurados pelo Grupo

Especial do Crime Organizado (GAECO) de Curitiba, sob a supervisão da 13a

Vara Criminal de Curitiba.

Neste contexto, o afastamento das cautelares pessoais

prejudica a pretensão punitiva (jus puniendi estatal), pela vulneração causada à

ordem pública e à instrução probatória. Os crimes sob persecução são exemplos

parciais de práticas criminosas realizadas de forma sistemática pelos

interessados, à cabeça da governadoria do Estado do Paraná por quase uma

década, conluiados com empresários “de confiança”, igualmente poderosos e

influentes. Concretamente, podem levar adiante crimes da mesma espécie, pelo

poder que ainda exercem atualmente sobre funcionários e agentes públicos em

atividade, haja vista que seu grupo político segue no poder, bem como ante a

perspectiva concreta de eleição de CARLOS ALBERTO RICHA para o Senado da

República.

A decisão de restituição de CARLOS ALBERTO RICHA e

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demais interessados ao status libertatis prejudica o jus puniendi, ademais, por força

da fragilização do desenvolvimento probatório afeto à ação principal, mediante a

restauração dos riscos para a instrução evidenciados nos decretos prisionais da

13a Vara Criminal de Curitiba, ora cassados.

Portanto, a pretensão cautelar do Ministério Público de

manter os investigados presos preventivamente (a prisão preventiva já havia sido

decretada quando sobreveio a decisão agravada) foi diretamente afetada pela

decisão ora recorrida. Resta, portanto, evidente tanto a legitimidade quanto o

interesse recursal da Instituição, pelo prejuízo às suas pretensões processuais

derivados da decisão monocrática que agora se impugna.

Desse modo, sendo cabível e adequado o recurso de

agravo regimental, estando ele tempestivo, havendo legitimidade e interesse

recursal, requer-se o seu conhecimento.

III – Das razões de fato e direito do agravo regimental

Seguem os fundamentos recursais de fato e direito,

adiante delineados:

III.1 – Nulidade da Decisão Agravada por Violação ao Principio do Juiz

Natural e das Normas de Competência

Como é de amplo conhecimento, a jurisdição é expressão

do Poder Estatal, dotada de unidade e indivisibilidade, de modo que todos os

juízes do país exercem a mesma jurisdição1.

Sem embargo, o exercício da jurisdição não é universal e

1 DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do novoProcesso Civil. 3a ed. Sao Paulo: Malheiros, 2018, p. 102-103.

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ilimitado, sendo tal poder restringido pela competência jurisdicional, que é

configurada previamente por lei. A ideia de competência, enquanto limite ao

exercício da jurisdição, fixa para cada causa o denominado juiz natural (ou juiz

legal – “gesetzlichen Richter“2). As partes têm a garantia fundamental da

preservação do juiz natural, nos termos do art. 5o, incisos XXXVI e LIII, da

Constituição da República.

Como já decidido pela Corte Constitucional alemã, a

garantia do juiz natural (ou juiz legal), tem por objetivo “evitar o perigo de que a

Justiça, por meio de uma manipulação dos Órgãos jurisdicionais, possa sofrer influências

externas” 3.

No mesmo sentido, FIGUEIREDO DIAS afirma que o

princípio do juiz natural pretende “vincular a uma ordem taxativa de competência,

que exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária ou mesmo discricionariamente”4.

Na doutrina brasileira, há importante passagem de SCARANCE FERNANDES.

Para além da jurisdição estar afeta a órgãos instituídos pela Constituição e ex ante

factum, o princípio do juiz natural permite deduzir regra segundo a qual “entre os

juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer

alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja”5.

Ou seja, na trilha doutrinária e jurisprudencial de países

democráticos, o juiz natural é uma garantia no sentido de que em nenhum

momento será criada ou firmada uma nova competência para julgar um fato

pretérito, pois isto poderia representar – ainda que forma velada – o intuito de

prejudicar possíveis inimigos ou favorecer possíveis apadrinhados. O problema

2 Expressão utilizada no Direito alemão, que, com muita propriedade, reafirma a necessáriavinculação competência do juiz à prévia lei. Essa garantia constitucional é prevista pelo art. 101,da Norma Fundamental alemã. 3 BVerfGE 95, 322/327; 118, 212/239. Nesse sentido, confira-se: JARASS, Hans D.; PIEROTH,Bodo. Grundgesetz für die Deutschland – Kommentar, 10a ed. Munique: Beck, 2009, pp. 989 eseguintes. 4 FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito Processual Penal. Volume 1. Coimbra: Editora Coimbra,1974, p. 322.5 SCARANCE FERNANDES, Antônio. Processo Penal Constitucional. 3a ed. São Paulo: RT, 2003, p. 127.

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se agrava se somarmos o que a história da República brasileira apresenta em

termos de constante oscilação entre democracias e ditaduras com o atual estágio

de instabilidade política pelo qual passa o país. Como ditadores normalmente

não se autoproclamam ditadores, violações do juiz natural, promovidas e/ou

toleradas pelo Supremo Tribunal Federal em período democrático, poderiam

servir de mote para que possível ditador de plantão (de esquerda ou de direita,

não importa) legitimasse perseguições políticas mediante criação de novas varas,

novas competências, ou mesmo novas invocações de competências ex officio

parecendo apenas obedecer à interpretação dos Tribunais. Portanto, o Poder

Judiciário não pode legitimar mitigações do princípio do juiz natural, e deve

garantir aos cidadãos que nunca haverá possibilidade de manipulação – ainda

que velada, repita-se – de competências.

O juiz natural, portanto, é expressão significativa do

devido processo legal e sua burla não pode ocorrer por vias transversas, sob pena

inclusive de violar o fair trial que norteia essa garantia fundante do Estado

Democrático de Direito, conforme, inclusive, lição do próprio e. Relator Ministro

Gilmar Mendes que assim se pronunciou noutro julgado RE 464963:

A máxima do 'fair trial' é uma das faces do princípio do

devido processo legal positivado na Constituição de 1988, a qual

assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado para a

proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que

depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé e lealdade dos

sujeitos que dele participam, condição indispensável para a

correção e legitimidade do conjunto de atos, relações e processos

jurisdicionais e administrativos.

Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção

alargado, que exige o 'fair trial' não apenas dentre aqueles que

fazem parte da relação processual, mas de todo o aparato

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jurisdicional, o que abrange os sujeitos, instituições e órgãos,

públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente,

funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à

Justiça.

Contrárias à máxima do 'fair trial' – como corolário do

devido processo legal, e que encontra expressão positiva, por

exemplo, no art. 14 e seguintes do Código de Processo Civil – são

todas as condutas suspicazes praticadas por pessoas às quais a lei

proíbe a participação no processo em razão de suspeição,

impedimento ou incompatibilidade; ou nos casos em que esses

impedimentos e incompatibilidades são forjados pelas partes com

o intuito de burlar as normas processuais.

Com essa bela passagem do i. Ministro GILMAR

MENDES, reforça-se a compreensão de que esses comezinhos princípios e ideias

fundantes são imprescindíveis para que exista um devido processo penal, um

processo com pretensão de Justiça (fair trail). Estes, no entanto, foram

deliberadamente ignorados pelo peticionário CARLOS ALBERTO RICHA e

acabaram por não ser observados pela decisão ora recorrida.

Na espécie, restou evidente o estratagema da defesa de

manipulação da competência constitucional, ao veicular pretensão de Habeas

Corpus (que sequer era cabível, por ilegitimidade ativa, conforme registrou a

própria decisão reprochada), num Processo Constitucional objetivo, que não

comporta esse tipo de debate, máxime por não ter legitimidade em postular nesse

feito em razão de ser pessoa física (como reconhecido expressamente pelo e.

Relator), e, no mesmo tom, por não ter sido determinada no caso condução

coercitiva, mas sim prisão temporária, com base na Lei n. 7.960/89, que não era

sequer objeto da petição inicial da Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental.

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Note-se que CARLOS ALBERTO RICHA e demais

interessados não haviam, sequer, sido submetidos à condução coercitiva

constitutiva do objeto da ADPF, mas sim à prisão temporária, com base na Lei

n. 7.960/89. A prisão temporária simplesmente não era objeto da petição inicial

da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Em outras palavras, a defesa utilizou-se de subterfúgio

para literalmente escolher o juiz que julgaria a sua causa, segundo sua

discricionariedade e conveniência.

Pior: a decisão agravada chancelou o estratagema. Afinal,

na própria decisão consignou-se ser incabível o pedido de Habeas Corpus,

formulado por pessoa natural, no bojo de ADPF. Neste ponto, ficou evidente

para o próprio Relator que a defesa de CARLOS ALBERTO RICHA

simplesmente se serviu de expediente maroto para lhe submeter a causa. Frise-se

que a defesa assim agiu porque já sabia, pela imprensa (enquanto fato notório),

que o Ministro Relator considerava abusiva a situação prisional de RICHA e

demais (cf. item abaixo).

Nada obstante, a decisão concessiva de Habeas Corpus

evidenciou a assunção da competência, forçada pelo interessado CARLOS

ALBERTO RICHA, para julgar Habeas Corpus que não era (pelo menos, na ocasião

e ainda agora) do Relator, pois que não houvera prévia distribuição livre para

identificar o juiz natural entre os Ministros da Corte.

Note-se que o d. Relator apoiou-se no art. 654, 1o, CPP,

para justificar a concessão do writ de ofício. Tal qual o RISTF, art. 193, II (ainda

que dirigido ao Tribunal), o dispositivo autoriza a concessão de ofício do Habeas

Corpus, quando constatada coação ilegal sofrida por qualquer cidadão. Esta

possibilidade, todavia, é conferida pela lei apenas ao juiz natural da causa.

Do contrário, ocorre exatamente a manipulação grosseira

que aqui se deu, seguindo o seguinte roteiro:

a) a parte escolhe Relator cuja posição de seu interesse é9

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conhecida – porque antecipada e publicizada em entrevista – sobre dada questão;

b) a parte localiza um qualquer processo em andamento,

sob a condução deste Relator;

c) a parte força conexão entre a matéria de seu interesse e

aquela que dá objeto ao feito em andamento, por mais distante que seja;

d) a parte submete o caso ao Relator, sem que tenha

legitimidade ativa para fazê-lo e sem que haja real conexão entre os objetos do

feito em andamento e da causa de pedir incidentalmente apresentada;

e) a parte obtém a decisão de Relator incompetente que já

se mostrara inclinado a dá-la.

Note-se: no caso concreto, era publicamente conhecida,

pela imprensa, a posição do e. Relator sobre a suposta ilegalidade dos decretos

prisionais que cassou, antes de ter conhecimento processual da causa. Lado

outro, os interessados cumpriam prisão temporária, tema alheio à Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental em mesa.

Aqui, um adendo: o e. Relator consignou, na f. 6 da

decisão agravada, vinculação entre o tema da ADPF e a petição de CARLOS

ALBERTO RICHA porque Ministério Público e Juízo da 13a Vara Criminal de

Curitiba teriam usado a prisão temporária, “via mais extrema e inadequada”, como

opção, diante da proibição da condução coercitiva, em vez de escolherem pela

“tutela do direito fundamental à liberdade”. Ora, não há a mais mínima indicação de

que agentes do GAECO quisessem a mera condução coercitiva dos

interessados e, diante da decisão da ADPF, postularam prisão cautelar. A maior

evidência disto é o fato de que se seguiu pedido – e decretação – da prisão

preventiva de CARLOS ALBERTO RICHA e demais, pela 13 a Vara Criminal de

Curitiba, após as prisões temporárias a que se refere a decisão agravada.

Nesta passagem da f. 6, a decisão agravada aderiu ao

expediente da defesa de CARLOS ALBERTO RICHA de forçar conexão

inexistente entre o objeto da ADPF e a prisão cautelar a que estava submetido,10

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talvez antecipando o problema cristalino de violação ao princípio do juiz natural.

O fato é que o Relator foi escolhido. E o foi porque o Relator já havia anunciado,

antecipadamente, pela imprensa, que considerava ilegais as prisões, ao

contrário do MM. Juiz da 13a Vara Criminal de Curitiba, do Desembargador do

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Dr. LAERTES FERREIRA GOMES, que

já indeferira liminares nos Habeas Corpus derivados do decreto prisional, e da

Ministra do Superior Tribunal de Justiça, LAURITA VAZ, que igualmente

indeferira liminares em Habeas Corpus impetrados por força das citadas prisões.

Curioso que a decisão agravada vincula o objeto do

Habeas Corpus concedido de ofício à ADPF, no sentido de que a prisão temporária

teria sido “opção” à impossibilidade de condução coercitiva, quando outro trecho

da mesma decisão ora agravada deixa claro que, para o próprio e. Ministro

Relator, a prisão temporária transcendeu a mera pretensão de ouvida dos

interessados suspeitos de crimes. Trata-se da f. 5, último parágrafo, em que o e.

Relator registra que as prisões temporárias foram decretadas para “maior

probabilidade de sucesso no cumprimento da medida de busca e apreensão pleiteada”.Vai-

se vendo, aí, como a conexão entre o objeto da ADPF e a causa de pedir constante

do Habeas Corpus foi forçada e mostra-se frágil.

Enfim, sendo ilegítima a parte para peticionar concessão

de Habeas Corpus nos autos em mesa, pois em ADPF postulam apenas os

legitimados – como assinala a própria decisão agravada à f. 8 –, mostra-se

totalmente forçada a conexão entre o pedido e o objeto da ADPF. A distribuição

livre do Habeas Corpus ao juiz natural foi driblada.

O caminho correto, com a devida vênia, era não conhecer

do pedido e, quando muito, enviá-lo à livre distribuição como ação de Habeas

Corpus.

Vale anotar que se a exegese dada ao art. 654, 2o, CPP,

fizer escola, pedidos de Habeas Corpus poderão ser distribuídos a juízes de eleição

do interessado, por mais candentes que sejam suas incompetências, ferindo de11

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morte a garantia processual do juiz natural.

Na decisão ora agravada, o d. prolator intuiu sua

incompetência para concessão do writ. E tentou neutralizá-la, defendendo-se

competente através da invocação do precedente consistente na Reclamação

24.506, Rel. Min. DIAS TOFFOLI. Trata-se, porém, de julgado sem similitude

com a situação em mesa. Vamos ao trecho da decisão agravada:

“No julgamento da medida cautelar e do mérito na

Reclamação nº 24.506, Rel. Min. Dias Toffoli, a Segunda

Turma decidiu pela concessão da ordem ex officio, mesmo em se

tratando de caso no qual inexistia a usurpação da competência

do Supremo Tribunal Federal. Ao decidir aquele caso, que

tratava da competência por prerrogativa de função do STF, o

Ministro Toffoli registrou não vislumbrar “situação de violação

da competência prevista no art. 102, inciso I, alínea l, da

Constituição Federal, à luz do que ficou decidido no INQ nº

4.130-QO”.

Apesar disso, Sua Excelência decidiu, no que foi acompanhado

pela maioria, pela possibilidade de concessão da ordem de ofício.

Desta feita, no caso em questão, apesar de se tratar, de modo

semelhante, de caso a priori de não conhecimento do pedido,

entendo que a flagrante ilegalidade da constrição cautelar

autoriza a concessão do habeas corpus ex officio.”

Onde está a falta de similitude com a situação em mesa?

No fato de que a Reclamação 24.506-STF foi distribuída para o Ministro DIAS

TOFFOLI, então prevento, na forma do art. 70, 6o, RISTF, porque este já tinha

conhecimento dos fatos a partir do IP 4130. Neste inquérito, o Min. DIAS

TOFFOLI conhecera dos fatos e determinara a cisão de competência para a

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respectiva supervisão da investigação, processamento e julgamento,

preservando-a em favor do C. STF somente em relação à investigada GLEISI

HOFFMANN. O objeto da reclamação era a usurpação de competência do STF

quanto a fatos que, em continência subjetiva, teriam sido praticados por PAULO

BERNARDO e seriam objeto da mesma investigação. A solução foi rechaçar a

Reclamação, porquanto o próprio STF havia determinado que a investigação

contra o reclamante corresse em primeiro grau. A decisão do Min. DIAS

TOFFOLI, secundado por seus pares, foi pelo indeferimento da Reclamação, em

seu mérito.

Aqui, a defesa de CARLOS ALBERTO RICHA valeu-se

destes Autos de ADPF, que já tinha no Min. GILMAR MENDES o respectivo

relator, para levar-lhe pedido de habeas corpus sobre fatos acerca dos quais o d.

Ministro não tinha competência nenhuma. Eram fatos que nunca estiveram sob

seu juízo. Forçou-se a conexão entre o suporte de fato do suposto

constrangimento ilegal – à altura, a decretação de prisão temporária de RICHA e

demais - e o objeto de mérito da ADPF, qual seja, o instituto da condução

coercitiva, submetido a mecanismo de controle de constitucionalidade

concentrado, cuja natureza é alheia à solução de fato concreto e específico.

Na indicada Reclamação 24.506-STF, o interessado dirigiu-

se a Ministro que já tinha conhecido dos fatos objeto da Reclamação.

Simplesmente, discutia prerrogativa de foro para julgá-los. Aqui, a parte escolheu

Relator sob cuja competência os fatos nunca estiveram, forçando a conexão com a

ADPF. E fê-lo por já saber da “abusividade” que, por conceito previamente

tornado público, o Relator vislumbrava na sua prisão.

Outro ponto em que é brutal a dessemelhança entre o

paradigma da Reclamação 24.506-STF e o caso em mesa consiste na vinculação de

Reclamações à resolução de casos concretos, nos quais se dá usurpação da

competência do C. STF e desrespeito das suas decisões. Eventual questão

constitucional constitui objeto de controle de constitucionalidade difuso acerca13

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das decisões que recaem sobre tais casos ou fatos concretos. A ADPF distancia-se

imensamente deste quadro, porquanto, como exposto, versa sobre o controle

abstrato de constitucionalidade. Não está atada a fato concreto.

Sem embargo do exposto, até mesmo a solução dada na

Reclamação 24.506 é discutível. Conquanto versasse sobre Reclamação incabível,

fez com que o C. STF tomasse conhecimento de situação concreta, permitindo à

parte não que escolhesse o Relator, como feito no caso em mesa, mas que

escolhesse o Supremo, enquanto órgão jurisdicional.

De fato, a Corte assentou, naquele julgado, que endossa a

concessão de Habeas Corpus de ofício em sede de Reclamação:

“O Supremo Tribunal Federal não se distancia dessa premissa

teórica, já que admite, em sede de reclamação constitucional, a

implementação de ordem de ‘habeas corpus' de ofício no intuito

de reparar situações de flagrante ilegalidade devidamente

demonstradas. Cito precedentes:

“Reclamação. 2. Alegação de descumprimento da decisão

proferida no HC 81769. 3. Pena. Dupla valoração.

Internacionalidade do delito considerado no cálculo da pena base

e como causa especial de aumento. 4. Correção levada a efeito

pelo juiz sentenciante, que excluiu da fundamentação da pena

base a internacionalidade, contudo, manteve o mesmo quantum.

5. Reclamação improcedente. 6. Concessão de habeas corpus de

ofício para que se proceda à nova dosimetria da pena-base, ante a

impossibilidade desta ser igual à inicialmente glosada” (STF -

Rcl nº 2.636/RJ, Pleno, Relator o Ministro Gilmar Mendes,

DJ de 10/2/06).

No mesmo sentido, destaco: Rcl nº 21.649/SP-AgR,

Segunda Turma, de minha relatoria DJe de 18/3/16; Rcl nº

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1.047/AM-QO, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sidney

Sanches, DJ de 18/2/2000; e Rcl nº 412/SP, Tribunal

Pleno, Relator o Ministro Octavio Gallotti, DJ de 26/2/93.

Há que se refletir sobre a tolerância do C. STF quanto à

concessão de writ em Reclamações. É que este expediente permite que a parte

interessada possa, mesmo fora das hipóteses legais, impetrar uma Reclamação

para forçar uma discussão de Habeas Corpus, burlando as regras de competência

recursais. De fato, simplesmente a parte encaminha ao C. STF uma Reclamação,

por mais esdrúxula que seja, como meio artificioso para que membro da Corte

conheça da matéria de fato.

Neste caso, conquanto não escolha o julgador, tem o

poder de escolher o órgão jurisdicional, saltando toda a estrutura hierarquizada

de competências contida em lei. Afinal, a Reclamação é ação originária de

impugnação excepcional direcionada ao C. STF. Literalmente, a parte “pula”

todas as instâncias, fazendo o que não poderia fazer por habeas corpus, segundo

a Súmula 691, STF.

Para além de servir de direcionamento e burla ao

princípio do juiz natural e do devido processo legal orientado pelo fair trial, o

expediente desmoraliza e anarquiza o sistema de competências e de recursos do

processo penal brasileiro. Em sentido similar, a pertinente crítica doutrinária de

Rubens Casara e Antonio Pedro Melchior, apontando para a proibição do juiz de

encomenda:

“Frise-se que a evolução do conteúdo normativo do princípio

do juiz natural impede de considerá-lo apenas como uma

vedação aos tribunais de exceção (ex post facto). Para a

concretização do projeto constitucional, faz-se necessário

impedir a escolha direcionada de juízes “de” e “para” cada

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situação ou pessoa. Veda-se a avocação de causas e a existência

de juízes ad hoc. (…)

A vedação ao juiz de encomenda exige regras gerais e abstratas

de competência, bem como regras rígidas para a distribuição dos

processos, de modo a evitar o fenômeno da distribuição

dirigida nas hipóteses de pluralidade horizontal de órgãos

jurisdicionais com a mesma competência”6.

Porém, é certo que a admissão de HC de ofício, em feitos

de controle de constitucionalidade difuso, em que fatos concretos são levados a

conhecimento de Ministro Relator, como consta da Reclamação 24.506, não pode

servir de paradigma para a inusitada concessão do writ no espaço da ADPF,

destinado ao controle de constitucionalidade concentrado e não destinado à

solução de caso concreto.

Dessa forma, constata-se grave violação ao princípio do

juiz natural e às normas de competência por distribuição livre e aleatória (CPP,

art. 757 c.c. RI-STF, art. 668), razão pela qual o Ministério Público do Estado do

Paraná, requer seja anulada a decisão recorrida, na parte em que concedeu

Habeas Corpus de ofício ao requerente e demais interessados.

III.2. Da nulidade da decisão agravada por desrespeito ao art. 70, parágrafo 1 o ,

RISTF

6 CASARA, Rubens R. R.. MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do Processo Penal Brasileiro.Dogmática e Crítica: conceitos fundamentais. Vol. 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 138.7 CPP: “Art. 75. A precedência da distribuição fixará a competência quando, na mesma circunscriçãojudiciária, houver mais de um juiz igualmente competente. Parágrafo único. A distribuição realizada parao efeito da concessão de fiança ou da decretação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior àdenúncia ou queixa prevenirá a da ação penal.”8 RI-STF: ”Art. 66. A distribuição será feita por sorteio, mediante sistema informatizado, acionadoautomaticamente, em horários pré-determinados, em cada classe de processo, ressalvadas as exceçõesprevistas neste Regimento. § 1o O sistema informatizado de distribuição automática e aleatória de processos é público, e seus dados sãoaccessíveis aos interessados. § 2o Sorteado o Relator, ser-lhe-ão imediatamente conclusos os autos.”

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Para além do exposto, a flagrante quebra da mecânica de

distribuição de competências no âmbito interno da Corte Constitucional deu-se

ainda por outra via.

O art. 70, parágrafo 1o, RISTF, cuja força normativa

equipara-se à lei, prevê o seguinte:

“Art. 70. (...)

§ 1º Será objeto de livre distribuição a reclamação que tenha

como causa de pedir o descumprimento de súmula vinculante ou

de decisão dotada de efeito erga omnes”.

Ora, se a defesa de CARLOS ALBERTO RICHA peticionou

ao STF por considerar que a orientação consolidada na ADPF fora desafiada,

materialmente valeu-se de reclamação. E foi o que ocorreu, como consta do

próprio relatório da decisão ora agravada, f. 1, terceiro parágrafo:

“Afirma, ainda, que a prisão teria subvertido a posição

definida pelo STF no julgamento das ADPFs 395 e 444, de

minha relatoria, que declararam a inconstitucionalidade

da condução coercitiva do réu investigado, na medida em

que essa medida foi substituída, no caso, pela prisão temporária,

de forma ainda mais ilegítima e inconstitucional.”

E ainda do final do mesmo relatório da decisão agravada

(f. 2, terceiro parágrafo):

“Ao final, requer o imediato relaxamento da prisão temporária

cominada ao Requerente, nos autos do Pedido de Prisão

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Temporária sob o nº 21378-25.2018.8.16.0013, tendo em vista

se tratar de verdadeira condução coercitiva utilizada de

forma oblíqua, em flagrante afronta ao decidido pelo STF

no julgamento da ADPF nº 444.”

Assim, pouco importa o nome que a parte deu ao pedido

levado ao i. Ministro GILMAR MENDES, ou se se tratou de pedido inominado.

Materialmente, tratou-se de reclamação. E, como tal, deveria ter livre distribuição

a um dos Srs. Ministros integrantes da Corte, como consta cristalinamente da

norma.

Nula, pois, a competência do d. Relator da decisão atacada,

também por este viés. O Ministro recebeu reclamação para a qual não estava

prevento, segundo o art. 70, 1o, RI-STF.

III.3 – Da nulidade da decisão agravada por incompetência do Supremo

Tribunal Federal para conhecer Habeas Corpus impetrado, diretamente no STF,

contra: a) ordem de prisão proferida por juiz de primeiro grau; b) decisão

monocrática de Relator de Habeas Corpus impetrado perante o Tribunal de

Justiça; e c) decisão monocrática de Relator de Habeas Corpus impetrado

perante o Superior Tribunal de Justiça (Súmula 691-STF):

No dia 28 de agosto de 2018 o Ministério Público do

Estado do Paraná formulou, perante a 13a Vara Criminal de Curitiba, pedido de

busca e apreensão e de prisão temporária, que recebeu o n. 0021378-

25.2018.8.16.0013, contra Carlos Alberto Richa, José Richa Filho, Ezequias

Moreira Rodrigues, Luiz Abi Antoun, Deonilson Roldo, Celso Antônio Frare,

Edson Luiz Casagrande, Túlio Marcelo Dening Bandeira, André́ Felipe Dening

Bandeira, Joel Malucelli, Aldair Wanderlei Petry, Emerson Savanhago,18

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Robinson Savanhago, Dirceu Pupo Ferreira e Fernanda Bernardi Vieira Richa.

No dia 04 de setembro de 2018 o Juiz da 13a Vara

Criminal, Dr. Fernando Bardelli Silva Fischer, deferiu os pedidos formulados

pelo Ministério Público.

Inconformados, os defensores dos requeridos impetraram

diversos Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, senão

vejamos:

a) Habeas Corpus n. 0037931-89.2018.8.16.0000, impetrado

em favor de Carlos Alberto Richa, teve o pedido de concessão de medida liminar

indeferido pelo e. Des. Laertes Ferreira Gomes, no dia 12 de setembro de 2018;

b) Habeas Corpus n. 0037832-22.2018.8.16.0000, impetrado

em favor de Fernanda Bernardi Vieira Richa, teve o pedido de concessão de

medida liminar indeferido pelo e. Des. Laertes Ferreira Gomes, no dia 12 de

setembro de 2018;

c) Habeas Corpus n. 0037942-21.2018.8.16.0000, impetrado

em favor de José Richa Filho e interessado Celso Antonio Favre, teve o pedido

de concessão de medida liminar indeferido pelo e. Des. Laertes Ferreira Gomes,

no dia 12 de setembro de 2018;

d) Habeas Corpus n. 0038225-44.2018.8.16.0000, impetrado

em favor de Joel Malucelli, teve o pedido de desistência do writ, formulado pela

defesa, homologado pelo e. Des. Laertes Ferreira Gomes, no dia 12 de setembro

de 2018;

e) Habeas Corpus n. 0038266-11.2018.8.16.0000, impetrado

em favor de Emerson Savanhago e Robison Savanhago, teve o pedido de

concessão de medida liminar indeferido pelo e. Des. Laertes Ferreira Gomes, no

dia 12 de setembro de 2018.

Como se pode verificar, todos os Habeas Corpus acima

referidos estavam em fase muito incipiente. Em nenhum deles houve decisão de

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mérito pela d. 2 a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça. A discussão,

portanto, ainda não estava encerrada neste âmbito.

Veja-se que o requerente Carlos Alberto Richa, contra a

decisão monocrática do Desembargador relator, impetrou o Habeas Corpus n.

469261/PR, perante o Superior Tribunal de Justiça, tendo a e. Min. Laurita Vaz

indeferido liminarmente o HC.

Mesmo destino teve o Habeas Corpus impetrado perante o

Superior Tribunal de Justiça por Fernanda Bernardi Vieira Richa (HC nº

469274/PR).

Não foi encontrado, no sistema de busca do Superior

Tribunal de Justiça, Habeas Corpus impetrado por José Richa Filho, Celso

Antonio Favre, Emerson Savanhago ou Robison Savanhago.

Toda essa explicação foi feita para deixar claro que: i) nem

todos os investigados que tiveram prisão temporária decretada impetraram

Habeas Corpus; ii) todos os que impetraram tiveram o pedido de concessão de

medida liminar indeferido, sendo que, em nenhum caso, houve, ainda, decisão

de mérito final pela 2a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do

Paraná; e iii) os dois pacientes que impetraram Habeas Corpus perante o Superior

Tribunal de Justiça contra decisão monocrática do Tribunal de Justiça do Estado

do Paraná, tiveram a petição inicial indeferida liminarmente.

Como se pode ver, mesmo se a defesa tivesse impetrado

Habeas Corpus perante o Supremo Tribunal Federal, com distribuição livre e

aleatória, a partir da jurisprudência consolidada pela própria Instância Rara,

deveriam ter a petição indeferida de plano, por falta de competência do Supremo

para tanto. Foi a orientação seguida pela Min. LAURITA VAZ, no Superior

Tribunal de Justiça.

É precisa nesse sentido a conhecida Súmula n. 691 do STF,

que consigna:

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“Súmula n. 691 – Não compete ao Supremo Tribunal Federal

conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator

que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a

liminar.”

Reafirmando a validade do conteúdo da aludida súmula,

pode-se ver, a título de exemplo, os seguintes julgados do STF: HC 158042 AgR,

Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/08/2018,

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 05-09-2018 PUBLIC 06-09-2018; HC

156663 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em

24/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 05-09-2018 PUBLIC 06-

09-2018; HC 158877 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda

Turma, julgado em 17/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 04-

09-2018 PUBLIC 05-09-2018; HC 123776, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,

Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em

19/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-153 DIVULG 31-07-2018 PUBLIC 01-

08-2018; HC 154149 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma,

julgado em 11/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-103 DIVULG 25-05-2018

PUBLIC 28-05-2018.

Veja-se que o caso é mais grave ainda, uma vez que, como

já dito, parte dos interessados ou não impetraram qualquer Habeas Corpus ou

sequer impetraram Habeas Corpus em Tribunal Superior (apenas dois impetraram a

ordem perante o Superior Tribunal de Justiça).

Sabe-se que a Súmula 691, STF, é episodicamente afastada

quando se concebe “teratológica” e “manifestamente abusiva” a decisão. Porém: a)

tais expressões se prestam a jogos de palavras e manipulação retórica, eis que

“manifesta abusividade” e “teratologia” são expressões de carga semântica fraca,

sem conteúdo material consistente, cujo preenchimento dá-se ao sabor da

conveniência ou impressão subjetiva dimanada da situação concreta; b) a21

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constatação de “abusividade manifesta” ou “teratologia” é inversamente

proporcional ao esgotamento das Instâncias judiciais que decidem sobre o caso

concreto. Aqui, já havia multiplicidade de decisões do Tribunal de Justiça do

Paraná e do Superior Tribunal de Justiça validando o decreto prisional. Este

quadro é forte indicativo da falta de manifesta abusividade ou teratologia,

capazes de obstar a incidência da Súmula 691, STF. Aliás, a Ministra Laurita Vaz

do Superior Tribunal de Justiça deixou anotado expressamente essa ausência de

urgência ou de manifesta ilegalidade:

“Não se verifica, prima facie, ilegalidade patente que autorize a

mitigação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, cuja

essência vem sendo reiteradamente ratificada por julgados desta

corte, sobretudo porque a decisão que decretou a prisão

temporária não se encontra, em juízo de cognição sumária,

desprovida de fundamentação”9.

Ademais, a prisão temporária foi convertida em

preventiva, denotando suporte probatório concreto de interferência na produção

de provas ainda por vir, conforme anotado tanto na petição do Ministério

Público, quanto na decisão de prisão preventiva proferida pelo juízo singular, o

que passou ao largo da decisão monocrática do e. Ministro Relator, ora agravada.

Na petição em que requereu a prisão temporária, o Ministério Público deixou

anotado que:

“tal situação, de influenciar as testemunhas e embaraçar as

investigações foi observada concretamente no presente caso, com

a atuação do representado DIRCEU PUPO FERREIRA que

procurou o corretor de imóveis AUGUSTO ALBERTINI, em

9 Nos HC 469.261 e HC 469.274 22

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seu local de trabalho portanto uma mala “suspeita”, para que ele

mentisse sobre as condições de venda das salas localizadas no

Centro Cívico que foram adquiridas pela família RICHA.”

Importa registrar que nas negociações de imóveis da

família Richa, considerados em tese como lavagem de dinheiro, parte dos valores

pagos o foi em dinheiro vivo. Não se trata de pouco dinheiro, mas de

aproximadamente R$1.700.000,00 (hum milhão e setecentos mil reais)!! Ainda

constam dos autos depoimento de Antonio Celso Garcia, investigado

colaborador, relatando que o corretor de imóveis Augusto Albertini narrou que

Dirceu Ferreira Pupo, contador e homem de confiança na realização de negócios

imobiliários da família Richa (a ponto de possuir diversas procurações

outorgadas por familiares e pelo próprio ex-governador Carlos Alberto Richa e

de empresas da família Richa usarem o endereço do escritório do contador em

seus contratos sociais), lhe procurou demonstrando preocupação em relação às

investigações que estariam em curso contra a família Richa e que, segundo o

corretor de imóveis, Dirceu o procurou para combinar uma versão da compra

desses conjuntos localizados no Centro Cívico caso alguém o procurasse para

prestar depoimento a esse respeito. Albertini ainda revelou que Dirceu Pupo o

orientou sobre o que deveria falar. Os elementos colhidos na investigação,

portanto, denotam práticas de lavagem de dinheiro e de interferência na

produção de provas futuras que são características de ensejar prisão preventiva.

O colaborador ainda apresentou prova documental desse encontro, isto é, o

registro de entrada no prédio localizado na Rua Carlos de Carvalho, 417, em

Curitiba, local de trabalho de Augusto Albertini, que demonstra que Dirceu Pupo

Ferreira ingressou no edifício no dia 08 de agosto de 2018, às 10:49 e saiu às 11:42.

Além disso, entregou as filmagens das câmaras de segurança do edifício que

demonstram a entrada de Dirceu e o encontro com o corretor de imóveis, as quais

foram transpostas para o pedido de preventiva em fotografias reveladoras desse

23

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encontro. E estes aspectos foram considerados pelo Magistrado de primeiro grau

para decretação da custódia preventiva dos pacientes, verbis:

“Além da garantida da ordem pública e da garantia da ordem

econômica, as prisões preventivas dos denunciados CARLOS

ALBERTO RICHA (BETO RICHA) e DIRCEU PUPO

FERREIRA se fundamentam na conveniência da instrução

criminal. Conforme se infere das declarações prestadas por

CARLOS AUGUSTO ALBERTINI (mov. 1.5 destes autos), em

agosto de 2018 ele foi procurado pelo investigado DIRCEU

PUPO, supostamente agindo no interesse de BETO RICHA,

com o intuito de lhe orientar quanto ao teor das declarações que

deveriam ser prestadas às autoridades, com a finalidade de

ocultar supostos delitos de lavagem de dinheiro. Assim, resta

concretamente demostrado que a liberdade dos investigados

poderá implicar no comprometimento probatório, por meio de

práticas que implicam no induzimento de testemunhas”10.

Não bastasse, o fato de Carlos Alberto Richa ter se

afastado do governo do Paraná para concorrer às eleições como candidato a

Senador não afasta sua influência política no grupo que permanece no poder

como é público e notório no Estado do Paraná. E o poder político e econômico

dos investigados é fator decisivo para influenciar os ânimos das testemunhas –

muitas delas ainda detentoras de cargos públicos – que ainda deverão prestar

depoimentos e mesmo para facilitar possível produção de provas a posteriori.

Ademais, chegou ao conhecimento do GAECO indícios de que BETO RICHA e

PEPE RICHA podem estar utilizando a residência de sua genitora, Sra. Arlete

10 Decisão proferida nos autos 0023147-68.2018.8.16.0013, em trâmite na 13ª Vara Criminal deCuritiba.

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Vilela Richa, localizada à Rua Gutemberg, 104, ap. 1501, bairro Batel, em Curitiba,

para esconder valores ou provas que os incriminem. Com efeito, a informação dá

conta que em meados do mês de julho de 2018 os irmãos Richa foram vistos

entrando na residência de sua genitora com “grandes volumes em malas e

bolsas”, acompanhados de terceiras pessoas, sendo que na saída da residência

nada portavam. Tudo isso atualiza as práticas delitivas e revela a necessidade

presente da medida cautelar da preventiva. De resto, afasta possível alusão a

“teratologia” ou “manifesta ilegalidade” da prisão preventiva decretada pelo

juízo “a quo”. Ademais, trata-se de fato notório, conforme reportagem do Jornal o

Estado de São Paulo (doc. 07).

Diante desse cenário vê-se que o e. Ministro Relator da

decisão ora agravada, com a devida vênia, está distante do quanto anotado

nessas peças processuais e na realidade fática que as sustenta, especialmente em

relação ao fato objetivo de que o grupo das pessoas investigadas já procurara esse

ano (2018), em agosto, pessoas que poderiam ser testemunhas, para que essas

omitissem a verdade ou mentissem aos investigadores. Ora, tal situação atualiza

o periculum libertatis e é exemplo de dez entre dez manuais de processo penal

caracterizadores da necessidade de decretação de prisão preventiva por

conveniência da instrução criminal. De resto, repita-se pela relevância, esses

dados objetivos afastam possível alegação de teratologia ou de manifesta

ilegalidade nas decisões tanto do juiz de primeiro grau, quanto do Tribunal de

Justiça do Paraná, quanto da e. Ministra Laurita Vaz do Superior Tribunal de

Justiça.

Diante do exposto, o Ministério Público do Estado do

Paraná requer seja anulada (ou reformada) a decisão recorrida, por manifesta

falta de competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer Habeas Corpus

impetrado, diretamente perante o STF, contra: a) ordem de prisão proferida por

juiz de primeiro grau; b) decisão monocrática de Relator de Habeas Corpus

impetrado perante o Tribunal de Justiça; e c) decisão monocrática de Relator de25

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Habeas Corpus impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça.

III.4 – Da Nulidade da Decisão Agravada por falta de fundamentação e por

importar em antecipada blindagem aos investigados, com clara supressão de

instâncias

Consta da decisão ora agravada, o seguinte comando:

“Ante o exposto, acolho os requerimentos formulados pelo

postulante para, ex officio, conceder a ordem de habeas corpus a

CARLOS ALBERTO RICHA, determinando a revogação da

prisão temporária do requerente e demais prisões

provisórias que venham a ser concedidas com base nos

mesmos fatos objeto de investigação, com base no art. 654,

§2o, do CPP.

Considerando que os fundamentos para as prisões dos demais

investigados são idênticos e não se fundam em questões de

ordem personalíssima, estendo a ordem, ex officio, aos demais

presos pelo Juízo da 13a Vara Criminal de Curitiba, JOSE

RICHA FILHO, EZEQUIAS MOREIRA RODRIGUES,

LUIZ ABI ANTOUN, DEONILSON ROLDO, CELSO

ANTONIO FRARE, EDSON LUIZ CASAGRANDE, TULIO

MARCELO DENING BANDEIRA, ANDRE FELIPE

DENING BANDEIRA, JOEL MALUCELLI, ALDAIR

WANDERLEI PETRY, EMERSON SAVANHAGO,

ROBINSON SAVANHAGO, DIRCEU PUPO FERREIRA e

FERNANDA BERNARDI VIEIRA RICHA, com base no art.

580 do CPP.” (grifou-se)

26

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A decisão é inconsistente, também, nesse ponto, uma vez

que importa em afronta a princípio do processo penal, a saber, o dever de

fundamentação das decisões judiciais (CR, art. 93, IX), para além da já apontada

violação ao princípio do juiz natural, por supressão de instância.

A afronta ao dever de fundamentação é clara, vez que

antecipa a invalidade de decretos de prisão cautelar “com base nos mesmos fatos

objetos de investigação”.

Ora, os “fatos objetos de investigação” constituem os

pressupostos da prisão cautelar: materialidade e indícios de autoria. Formam o

requisito da prisão cautelar denominado “fumus commissi delicti”. Não se

confundem com o “periculum libertatis”, dado pelos fundamentos da cautelar

processual penal pessoal, centralizados na proteção da ordem pública,

econômica, da neutralização de riscos para a aplicação da lei penal e para a

instrução processual.

Certamente que é possível a concessão de Habeas Corpus

pela fragilidade da materialidade e indícios de autoria, evidenciando falta de

justa causa para o decreto prisional. Porém, esta não foi a fundamentação da

decisão agravada, ao conceder o writ.

Realmente, quando vamos à leitura da decisão ora

agravada, vê-se que nela não há linha ou palavra que evidencie fragilidade do

fumus commissi delicti. Não há palavra sobre a materialidade e autoria dos fatos.

Dos fatos criminosos, apenas se diz que são “antigos”

(interessante que decisão concessiva da ordem chama “crimes” de “fatos”;

denegatória, “fatos” de “crimes”; aqui, também é assim). Omite-se a decisão ora

agravada sobre o fato de que:

a) ao contrário do declarado pelo Min. Gilmar Mendes em

suas de manifestações à imprensa, o Procedimento Investigatório Criminal,

instaurado pelo Ministério Público (GAECO) é recentíssimo, tendo sido

instaurado no dia 15 de agosto de 2018, uma vez que a notícia que foi objeto da27

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investigação aportou ao Ministério Público há pouco tempo (doc. 01);

b) conquanto antigos, os crimes contra a administração

pública, de corrupção ativa e passiva, foram praticados por anos, por parte de

pessoas que se utilizaram de altos cargos públicos (CARLOS ALBERTO RICHA,

da posição máxima de Governador de Estado);

c) que CARLOS ALBERTO RICHA, mesmo com os

deméritos derivados destes fatos, materializados mediante gravações de própria

voz (em que se refere às propinas como “tico-ticos” - movimento 1.25, Autos

Eletrônicos de origem 0023147-68.2018.8.16.0013), concorre ao Senado da

República, para onde acorrerá com seu grupo, que o assessora em atividades

lícitas e ilícitas, segundo apontam c.1- os decretos de prisão temporária e

preventiva, ao esmiuçarem o papel dos interessados; c.2- fatos de conhecimento

público e notório, da história pública de parte dos interessados (veja-se, por

exemplo, EZEQUIAS MOREIRA, condenado por manter a sogra como

funcionária fantasma de CARLOS ALBERTO RICHA, quando ainda Deputado

Estadual e que foi considerado um “traidor” por Carlos Alberto Richa. Mesmo

tendo “traído” Richa, já que o “enganou” nomeando funcionários fantasmas em

seu gabinete de Deputado Estadual, Carlos Alberto Richa, quando Governador

do Estado nomeou Ezequias para cargos em comissão no Estado do Paraná, ao

argumento sintomático de que “é preciso punir o pecado, mas perdoar o

pecador”. Carlos Alberto Richa inclusive chegou a criar uma Secretaria de Estado

para cuidar do cerimonial do palácio do Governo, para a qual Ezequias foi

nomeado na véspera da audiência criminal que redundaria em sua condenação.

A nomeação para esse cargo altamente questionável quanto ao status de

secretaria de Estado, deu ao seu pecador-aliado a prerrogativa de foro de ser

julgado apenas no Tribunal de Justiça do Paraná, circunstância que atrasou o

trâmite processual e permitiu que, mesmo condenado, Ezequias, se livrasse da

condenação pela prescrição). Isso é notório no Estado do Paraná e revela como o

poder influencia no trâmite de processos criminais em curso.28

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d) que o Governo do Estado está em mãos de aliados

políticos de quase uma década;

e) principalmente, omite-se sobre o fato de que tais “fatos

antigos”, que são crimes gravíssimos de corrupção ativa e passiva, organização

criminosa, fraude à licitação e lavagem de dinheiro, foram trazidos a lume, por

delações, há poucos meses, conforme constante dos autos em que se decretou a

prisão;

f) desconsidera os dados recentes de influência nas

testemunhas, ocorridos em agosto de 2018, conforme detalhado no tópico

anterior.

Mais: a decisão agravada diz que os crimes foram até 2013

à f. 4, segundo parágrafo. Em flagrante contradição, afirma dois parágrafos após

– f. 4, quarto parágrafo – que “a organização criminosa investigada durante a operação

estava vinculada ao exercício das funções de Governador do Estado por parte do

requerente, função que ele não ocupa mais…”, aludindo a passagens do decreto

prisional.

Ora, se o crime de promover, constituir, financiar ou

integrar organização criminosa é permanente, na forma do art. 2o da Lei

12.850/13, e o grupo é ativo – neste momento arregimentado em busca de uma

nova posição de poder, no Senado da República – há estado de flagrante11. E,

mais, mesmo que a organização cessasse com a renúncia de CARLOS ALBERTO

RICHA ao cargo de Governador, justamente para concorrer ao Senado, isto se

deu há poucos meses, e não há “longínquos 5 (cinco) anos”, como refere a decisão

agravada. A visão dos fatos constante da decisão agravada é contraditória e

incompleta, para dizer o mínimo.

Note-se, ainda, que pesando sobre parte dos investigados,

em particular CARLOS ALBERTO RICHA, fumus commissi delicti ligado à

11 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol. I. Niterói: Impetus, 2011, p. 1.289,afirmava-o para o então vigente crime de quadrilha.

29

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lavagem de bens, valores ou direitos, e verificando-se que o tipo penal também

apresenta forma típica permanente, pelo núcleo “ocultar” do art. 1o, caput, Lei

9.613/98, a hipótese de flagrante12 e atualidade delitiva também aqui se revela.

Omissa sobre todos estes aspectos, reafirma-se o ponto

central: a decisão agravada não aponta nenhuma fragilidade no fumus commissi

delicti. Insista-se: dela não consta que os fatos criminosos tenham indícios fracos

de materialidade e autoria.

Se é assim, como a decisão pode declarar um salvo-

conduto contra novas cautelares “com base nos mesmos fatos objetos de

investigação”? Esse efeito extensivo sim é que, com a vênia devida, revela-se

“teratológico”, absolutamente fora dos padrões jurídicos consagrados doutrinária

e jurisprudencialmente no Brasil.

Por outro lado, os fundamentos do periculum libertatis

variam segundo a marcha do processo, sobrevindo fatos novos, como fuga ou

possibilidade concreta de fuga de réus, ameaça de testemunhas, etc. E, como já

destacado, há dados concretos e atuais nesse sentido. Nesta perspectiva, os

fundamentos empregados na concessão do writ não apreendem, e nem teriam

como, a globalidade de possibilidades capazes de conduzir, sobretudo, à prisão

preventiva.

E isso fica evidente, pois a decisão de decretação de prisão

preventiva dos interessados, expedida pela 13a Vara Criminal de Curitiba, não

era ainda conhecida pelo i. Relator, Min. GILMAR MENDES, quando da

lavratura do decisum agravado. O decisum não se reporta à decisão de preventiva.

Assim, não há nos autos apreciação integral de todos os

elementos de informação que foram amealhados na investigação e nas medidas

determinadas pelos Dr. Juiz de primeiro grau.

O decreto da “revogação da prisão temporária do requerente e

demais prisões provisórias que venham a ser concedidas com base nos mesmos

12 Idem, p. 1.289.30

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fatos objeto de investigação” importou em verdadeira blindagem dos

investigados contra futuras prisões cautelares, dando-lhes salvo conduto para

praticarem toda a classe de violações a ordem pública, para furtarem-se à

aplicação da lei penal ou mesmo eventualmente para perturbarem a instrução

criminal (CP, art. 312)!

Em outras palavras, de forma inédita e, insista-se, mesmo

teratológica, os investigados foram beneficiados por uma verdadeira imunidade

processual absoluta não prevista em lei.

Há manifesta afronta ao contido no art. 93, inciso IX, da

Constituição da República, bem como art. 381, CPP, extensível às decisões

cautelares. Tudo para além da usurpação da competência constitucional do juiz

natural do caso (de primeiro grau), para conhecer (notio) e julgar (juditio) as ações

penais cautelares pessoais contra os investigados.

Com isso, uma vez mais, violou os limites fixados

legalmente para a competência dos atos do Supremo, bem como suprimiu das

instâncias competentes a sua função jurisdicional para apreciar aludidos pedidos.

Por essas razões, o Ministério Público do Estado do

Paraná, pelo presente recurso, vem requerer a nulidade da decisão recorrida, por

manifesta falta de fundamentação, por violação da competência constitucional

dos Órgãos do Poder Judiciário e por supressão de instância.

III.5 – Da Nulidade da Decisão Agravada por Violação ao Princípio do Juiz

Imparcial (afronta ao art. 36, inciso III, da LOMAN)

Conforme petição juntada pelo senhor Carlos Alberto

Richa nos presentes autos, no dia 12 de setembro de 2018, o Ministro Gilmar

Mendes criticou abertamente as prisões decretadas contra os investigados, ora

interessados (docs. 04, 05 e 06). Fê-lo em reportagem com o seguinte teor, citado

na parte relevante:31

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POLÍTICOS NA BERLINDA

Gilmar diz que há abusos em decisões contra candidatos em época de

eleição

O ministro citou que denúncias contra Alckmin e Haddad são resultado de investigações quecorrem há 4 anos

MATHEUS TEIXEIRA

BRASÍLIA

12/09/2018 15:46

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou ações do

Ministério Público e decisões judiciais contra candidatos em meio às eleições.

O ministro citou a prisão preventiva contra o candidato a senador pelo Paraná

Beto Richa (PSDB) e as denúncias contra os presidenciáveis Geraldo Alckmin e

Fernando Haddad e disse que é “notório o abuso de poder de litigar”.

“Pelo que estava olhando no caso do Richa é um episódio de 2011, vejam vocês que

fundamentaram a prisão preventiva há uns dias da eleição. Alguma coisa que

suscita muita dúvida. Essas ações que já estão sendo investigados por quatro, cinco anos,

ou mais, no caso de Alckmin, Haddad, todos os candidatos, e aí se anuncia uma ação

agora. É notório um abuso de poder de litigiar. É preciso realmente colocar

freios”, disse.

O ministro afirmou que a Procuradoria-Geral da República e o Conselho Nacional de

Justiça têm que atuar nessa questão e elogiou a inciativa de Luiz Fernando Bandeira de

Mello, integrante do Conselho Nacional do Ministério Público, de pedir apuração dos

promotores que denunciaram Haddad e Alckmin.

“Acho que em boa hora o CNMP tomou essa deliberação. Acho que é preciso haver

moderação. Do contrário, daqui a pouco nós podemos inclusive tumultuar o pleito

eleitoral. Sabemos lá que tipo de consórcio há entre um grupo de investigação e um dado

candidato”, afirmou.

Gilmar ressalta que a restrição do foro privilegiado agrava esse cenário, mas lembrou que

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sempre há a possibilidade de recursos para corrigir erros. “O problema são essas decisões

midiáticas. ‘Vamos conceder uma prisão preventiva de imediato’. Você pode produzir

resultados trágicos para o sistema. Então nós temos que ter muito cuidado com relação a

isso. Felizmente, acho que o CNMP, que era um órgão muito retraído, está funcionando.

Acho que também o CNJ tem de entrar nisso”, disse.

Para o ministro, essas decisões podem mudar o resultado da eleição. “Com sérias

consequências e isso não é bom para a democracia e não é bom para a instituição. Uma das

funções do MP é preservar as instituições, preservar a legalidade. Esse ciclo precisa ser

esquecido. Vocês têm visto o festival de besteira que se tem arquivado na Turma. E com

votos unânimes”.

O ministro retomou as duras críticas a delações firmadas pela PGR e disse que o papel do

Supremo, agora, é cassar os benefícios concedidos aos delatores.

MATHEUS TEIXEIRA – Repórter em Brasília” 13 (grifou-se)

Como se pode ver, essa reportagem explica muito o

porquê a defesa do senhor Carlos Alberto Richa optou por não impetrar Habeas

Corpus perante o Supremo Tribunal Federal, mas sim contornar a distribuição

livre e aleatória, violentando o princípio do juiz natural, ao literalmente escolher

o relator para o seu caso, um Ministro que já havia censurado publicamente a

decisão que decretou a prisão temporária dos investigados.

Aliás, essa prévia manifestação de censura pública à

decisão revogada pelo Ministro Gilmar Mendes importa em clara afronta ao

princípio do juiz imparcial, corolário imprescindível para o devido processo

penal.

O princípio da imparcialidade, de acordo com a melhor

doutrina, tem duas facetas: a imparcialidade subjetiva (ou pessoal) e a

13Além da cópia da reportagem juntada pela defesa, ela pode ser encontrada no seguinteendereço: https://www.jota.info/eleicoes-2018/gilmar-abusos-decisoes-candidatos-eleicao-12092018. Consultado no dia 15 de setembro de 2018.

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imparcialidade objetiva (ou processual)14.

A imparcialidade subjetiva é aquela que diz respeito ao

dever de atuar sem qualquer vinculação aos interesses particulares que estão em

jogo no processo. Assim, ao membro do Poder Judiciário é imposto o dever de

imparcialidade subjetiva, de modo que seu agente não deve estar

particularmente ligado a qualquer uma das partes. Impõe-se aos seus membros o

dever jurídico de estar pessoalmente alheio e subjetivamente desvinculado do

caso.

Justamente nesse sentido é que vem decidindo o Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos, por exemplo, nos famosos e importantes casos

Piersack versus Bélgica (1982) e Cubber versus Bélgica (1984).

A imparcialidade objetiva vem da preservação de uma

posição de distanciamento ou “terzietà” em relação aos dois polos em litígio,

como aponta TRANCHINA:

“O órgão “terceiro” - escreve CAPOGRASSI com extrema lucidez – é

precisamente a figura na qual se simboliza o desinteresse na busca

pura e simples da verdade, o desinteresse do juiz em meio aos

interesses em contraste e em crise; à medida que este desinteresse

assim concretamente entendido se realiza, o processo existe; no tanto

que a busca desinteressada da verdade, a lógica objetiva desta

pesquisa, realiza-se no processo, o processo existe no seu proprium

quid.”15

Também sobre o tema da imparcialidade judicial vale

consignar o seguinte trecho de julgado do Tribunal Constitucional Espanhol, no

STC 162/1999, de 27 de setembro de 1999, que traz importantes lições para a

14 VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del Sistema Penal. 2ª. ed., Valencia: Tirant loBlanch, 2011, pp. 981-982.15 SIRACUSANO, D.; GALATI, A.; TRANCHINA, G.; ZAPPALÀ, E. Diritto Processuale Penale.Vol. primo. 2a. ed. Milano: Giuffrè, 1996, pp. 58-59.

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compreensão da objetividade:

“A separação e o afastamento das partes em litígio e de

seus interesses permite ao Juiz ‘situar-se por cima das

partes acusadoras e acusadas, para decidir justamente a

controvérsia determinadas pelas suas pretensões em relação à

culpabilidade ou inocência’ (SSTC 54/1985, fundamento

jurídico 6o, e 225/1988, fundamento jurídico 1o). Esta obrigação

de ser alheio ao litígio, de não envolver de forma alguma nele, de

não ser ‘Juiz e parte’, nem ‘Juiz da própria causa’, pode resumir-

se em duas regras: segundo a primeira, o Juiz não pode assumir

processualmente funções de parte; pela segunda, o Juiz não

pode realizar atos, nem manter com as partes relações

jurídicas ou conexões de fato que possam expor ou

exteriorizar uma prévia decisão anímica a favor ou

contra (Sentenças do T.E.D.H., de 22 de junho de 1989, caso

Lanborger, de 25 de novembro de 1993, caso Holm, e de 20 de

maio de 1998, caso Gautrin e outros)”.16

A esse respeito, como bem consigna FIGUEIREDO DIAS,

ao dizer que não basta a independência judicial:

“(...) é necessário, ao lado e para além daquela segurança geral,

não permitir que se ponha em dúvida a ‘imparcialidade dos

juízes’, já não em face de pressões exteriores, mas em virtude de

especiais relações que os liguem a um caso concreto que devam

julgar.

16 Disponível em: <http://hj.tribunalconstitucional.es/es/Resolucion/Show/3904>. Acesso em:15 setembro 2018.

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São várias, na verdade, as razões que, perante um caso concreto,

podem levar a pôr em dúvida a capacidade de um juiz para se

revelar imparcial no julgamento; o que aqui interessa – convém

acentuar – não é tanto o facto de, a final, o juiz ter conseguido ou

não manter a imparcialidade, mas sim defende-lo da suspeita de a

não ter conservado, não dar azo a qualquer dúvida, por esta via

reforçando a confiança da comunidade nas decisões de seus

magistrados” 17.

É precisamente nesse sentido a vedação expressa da Lei

Orgânica da Magistratura, que preconiza o seguinte no seu art. 36, inciso III:

“Art. 36 - E vedado ao magistrado:

(...)

III - manifestar, por qualquer meio de comunicação,

opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de

outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou

sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e

em obras técnicas ou no exercício do magistério.”

Assim, também, é o art. 8, §1, da Convenção Americana de

Direitos Humanos, que dispõe que:

“Toda pessoa tem direito a um processo com as devidas garantias

e com uma razoável duração julgado por um tribunal

competente, independente e imparcial, previamente

estabelecido pela lei, na busca de provas em causa de natureza

penal ou para determinação de seus direitos e obrigações de

17 FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito Processual Penal. Coimbra: Editora Coimbra, 1984, p. 31536

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natureza, civil, trabalhista, fiscal ou qualquer outra natureza.”

Na espécie, o Ministro Gilmar Mendes, ao citar em

entrevista a atuação ministerial, bem como a decisão proferida contra o candidato

Beto Richa e demais interessados, vinculou-as aos seguintes comentários:

“notório o abuso de poder de litigar” e que “É preciso realmente colocar freios”.

Disse também, repise-se: “Pelo que estava olhando no caso do

Richa é um episódio de 2011, vejam vocês que fundamentaram a prisão preventiva

há uns dias da eleição. Alguma coisa que suscita muita dúvida. Essas ações que já

estão sendo investigados por quatro, cinco anos, ou mais...”

Claramente, fez um juízo antecipado e depreciativo da

atuação estatal que culminou na decisão que, posteriormente, acabou por

pessoalmente revogar. Pior: explicitou seu pré-conceito e este foi aproveitado por

quem nele tinha interesse. Chegou a colocar sob suspeita a atividade de

investigação dos GAECOS do país em relação a candidatos a cargos eletivos no

atual processo eleitoral, inclusive o do Ministério Público do Paraná, ao lançar

suspeita generalizante: “Sabemos lá que tipo de consórcio há entre um grupo de

investigação e um dado candidato...” Esse tipo de alusão, desprovida de concretude

mínima e lançada ao vento de forma prévia e em diálogo com jornalista,

desautoriza que o magistrado possa vir a ser julgador do tema por ele criticado

publica e antecipadamente. É evidente o pré-julgamento do tema. Pergunta-se:

depois de ter dito publicamente tudo o que disse a respeito dos casos concretos

que não conhecia e dos quais somente tinha ouvido falar, como ele poderia

desdizer-se quando instado a se pronunciar como magistrado nos autos? A

situação é tão inusitada que recorda a relevante e consagrada passagem

doutrinária de Franco Cordero, doutrinador italiano, que consagrou a expressão

“quadros mentais paranoicos” ao explicar a possibilidade de serem

desenvolvidos determinados efeitos dissociados da realidade no âmbito da

psique do magistrado quando ele age de ofício. Transcreva-se a ilustrativa

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passagem de Franco Cordero:

“A solidão com que os inquisidores trabalham, nunca expostos

ao contraditório, fora das grades dialéticas, talvez seja propício

ao trabalho policialesco, mas desenvolve quadros mentais

paranoicos. Vamos chamá-los “primado das hipóteses sobre os

fatos”; quem pergunta segue uma delas, às vezes a olhos

fechados; nada a garante ser mais fundada em relação às

alternativas possíveis, nem mesmo esse trabalho estimula

cautela autocrítica; assim como as cartas do jogo estão em suas

mãos é ele quem as põe na mesa, centra-se na “sua” hipótese”.18

O que se vê da explicação de Franco Cordero é que juízes

que laboram sozinhos, longe do contraditório, podem reforçar possíveis recortes

de representações mentais que se aproximem da ideia da paranoia no sentido de

não apenas imaginar hipóteses diversas do contexto do quanto se apresenta na

realidade do caso penal, mas querer fazê-las impor ao caso concreto. Imaginar

hipóteses sobre o fato é da natureza humana. O problema é quando juízes, a

exemplo do que sucede no caso presente com o e. Ministro Gilmar Mendes, não

apenas imaginam, mas mesmo “decidem” graciosamente e de ofício, e

externalizam publicamente essa decisão mental para afirmar que haveria um

“abuso de poder” no agir de promotores, usando a prisão do ex-governador

Carlos Alberto Richa como exemplo do que afirmara, como se deu quando da

entrevista concedida por Sua Excelência aos jornalistas de plantão. O dado mais

assustador é que o fez antes mesmo de ser instado processualmente a tanto. Uma

18 CORDERO, Franco. Guida alla Procedura Penale. Torino: UTET, 1986, p. 51. Tradução livre. Nooriginal, em italiano: La solitudine in cui gli inquisitori lavorano, mai esposti al contradittorio, fuori dagriglie dialettiche, può darsi che giovi al lavorio poliziesco ma sviluppa quadri mentali paranoide.Chiamiamoli ‘primato dell’ipotesi sui fatti’; chi indaga ne segue una, talvolta a occhi chiusi; niente lagarantisce più fondata rispetto alle alternative possibili, né questo mestiere stimola cautela autocritica;siccome tutte le carte del gioco sono in mano sua ed è lui che l’há intavolato, punta sulla ‘sua’ ipotesi.

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situação é certa em qualquer país que se pretenda civilizado: ali, naquele

momento, qualquer juiz se torna suspeito para julgar qualquer questão

relacionada ao caso. Surpreendentemente, no entanto, o e. Ministro Gilmar

Mendes agiu mesmo assim. E de ofício (!!) novamente, só que agora em autos de

processo que já tramitava sob sua relatoria, mesmo reconhecendo que o pedido

não poderia ter sido ali formulado!

Frise-se, e com o devido acato, o d. Ministro Relator, ao

previamente emanar juízo de valor depreciativo contra a decisão proferida pelo

juízo de primeiro grau, tornou-se imediatamente suspeito de julgar o caso em

questão. Ao arrepio do art. 254, IV, CPP, seu pronunciamento revelou-se espécie

de aconselhamento público, pela imprensa, com um conjunto sugestivo de

argumentos voltados a coarctar a atividade de persecução criminal, inclusive

concitando a atuação do CNMP e CNJ, em favor de partes – dentre as quais

CARLOS ALBERTO RICHA – que são investigadas e concorrem, neste momento,

a cargos eleitorais. Revelou prévio alinhamento com a motivação de pedir que,

posteriormente, foi-lhe apresentada pela parte, distanciando-se da devida

“terzietà” objetiva que deveria preservar quanto ao caso, de modo a permanecer

imparcial e independente. Nesse sentido, a consagrada doutrina de Fernando da

Costa Tourinho Filho, de longa data já alertava: “Se o Juiz deu conselhos a qualquer

das partes, externando sua posição a respeito, dizendo-lhe, por exemplo, que o direito a

ampara e que pode entrar com a ação, a outra deverá procurar afastá-lo, já que a sua

imparcialidade ficou comprometida”.19

Por essas razões é que o Ministério Público do Estado do

Paraná (sem prejuízo de eventual oposição de exceção de suspeição), requer, no

presente agravo regimental, seja declarada a nulidade da decisão recorrida, ante

a clara violação ao princípio do juiz imparcial, corolário imprescindível para o

devido processo penal.

19 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. Volume 1. 8ªed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 597.

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IV – Da higidez da prisão cautelar de CARLOS ALBERTO RICHA e demais

investigados

Na hipótese remota de que não se reconheça nula a

decisão agravada, deve ser reformada no mérito. Isto porque o decreto de prisão

preventiva, que substituiu o título cautelar pessoal de prisão temporária,

inicialmente censurado na decisão ora agravada, mostra-se rico de fundamentos

concretos para a constrição da liberdade.

Não se diga que este decreto de prisão não constituiu

objeto do decisum ora atacado: rememore-se que ele se dirigiu tanto à prisão

temporária que pesou sobre CARLOS ALBERTO RICHA e demais interessados,

como às “demais prisões provisórias que venham a ser concedidas com base nos mesmos

fatos objeto de investigação” (folha 9, penúltimo parágrafo da decisão agravada). E

houve, de fato, conversão da prisão temporária em preventiva, antes mesmo da

publicação da decisão agravada.

Atendo-se ao pressuposto do fumus commissi delicti, de

plano deve ser assinalado que a decisão ora agravada nada disse a respeito.

Nenhuma linha. Isto pressupõe a higidez da materialidade e indícios de autoria,

tanto apontados no decreto de prisão temporária, como na preventiva. A decisão

pela qual se decretou a prisão preventiva, emanada do Juízo da 13a Vara Criminal

de Curitiba, segue anexa, incorporando-se a estes fundamentos toda a análise do

“item a”, respectivo.

Quanto ao periculum libertatis, já aduzimos ausência de

enfrentamento integral dos fundamentos destinados à manutenção de CARLOS

ALBERTO RICHA e demais interessados sob custódia cautelar. Em especial, o

fato de testemunha haver sido procurada para orientação de seu depoimento.

Repete-se, então: há manifesto risco para a instrução, eis

que testemunha foi procurada recentemente, em agosto transato, para

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combinação de versões capaz de ocultar a prática de crime de lavagem de

dinheiro, que é objeto parcial da investigação pela qual respondem CARLOS

ALBERTO RICHA e demais.

Reprisa-se que constam dos autos depoimento de Antonio

Celso Garcia, investigado colaborador, relatando fato que evidencia riscos para a

instrução. Disse que o corretor de imóveis Augusto Albertini narrou que Dirceu

Ferreira Pupo, contador e homem de confiança na realização de negócios

imobiliários da família Richa (com procurações outorgadas por familiares e pelo

próprio ex-governador Carlos Alberto Richa, sendo que as empresas da família

Richa usam o endereço do seu escritório em seus contratos sociais), procurou-o.

Demonstrou preocupação em relação às investigações contra a família Richa e

que, segundo o corretor de imóveis, Dirceu queria combinar uma versão da

compra dos conjuntos localizados no Centro Cívico, pelos quais houve lavagem

de dinheiro, caso alguém o procurasse para prestar depoimento a esse respeito.

Albertini ainda revelou que Dirceu Pupo o orientou sobre o que deveria falar. Os

elementos colhidos na investigação, portanto, denotam práticas de lavagem de

dinheiro e de interferência na produção de provas futuras que são características

de ensejar prisão preventiva. O colaborador ainda apresentou:

a) prova documental desse encontro, isto é, o registro de

entrada no prédio localizado na Rua Carlos de Carvalho, 417, em Curitiba, local

de trabalho de Augusto Albertini, que demonstra que Dirceu Pupo Ferreira

ingressou no edifício no dia 08 de agosto de 2018, às 10:49 e saiu às 11:42;

b) filmagens das câmaras de segurança do edifício que

demonstram a entrada de Dirceu e o encontro com o corretor de imóveis, as quais

foram transpostas para o pedido de preventiva em fotografias reveladoras desse

encontro.

Tais aspectos constam da decretação da custódia

preventiva dos pacientes, em 1o grau: “Além da garantida da ordem pública e da garantia

da ordem econômica, as prisões preventivas dos denunciados CARLOS ALBERTO RICHA

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(BETO RICHA) e DIRCEU PUPO FERREIRA se fundamentam na conveniência da instrução

criminal. Conforme se infere das declarações prestadas por CARLOS AUGUSTO ALBERTINI

(mov. 1.5 destes autos), em agosto de 2018 ele foi procurado pelo investigado DIRCEU

PUPO,supostamente agindo no interesse de BETO RICHA, com o intuito de lhe orientar quanto

ao teor das declarações que deveriam ser prestadas às autoridades, com a finalidade de ocultar

supostos delitos de lavagem de dinheiro. Assim, resta concretamente demostrado que a liberdade

dos investigados poderá implicar no comprometimento probatório, por meio de práticas que

implicam no induzimento de testemunhas”.20

Quanto aos riscos para a ordem pública, cumpre

transcrever os fundamentos concretos da decisão de prisão preventiva,

substitutiva da temporária:

“No presente caso, os milhões de reais envolvidos na licitação

fraudada, a relevância desta licitação na esfera estadual, bem como o

poder econômico e político mobilizado para a concretização de

condutas criminosas, dão a dimensão do abalo que tais fatos geram à

ordem econômica e social.

Não estamos diante de mais um dos tantos crimes “comuns” que

diariamente são processados neste Juízo, mas de um dos maiores

esquemas de fraudes e pagamentos de propinas do Estado do Paraná,

esquema este que, segundo o Ministério Público, era capitaneado pelo

próprio Governador do Estado à época dos fatos.

Dessa forma, diante da gravidade dos fatos imputados ao investigado

CARLOS ALBERTO RICHA (BETO RICHA), sob o qual foram

depositadas as esperanças do eleitorado paranaense na correta e proba

chefia executiva do Estado do Paraná, mostra-se imprescindível a sua

prisão cautelar para reestabelecer o senso geral de justiça.

O acautelamento da ordem pública também depende da segregação do

núcleo político do Governo, incluindo os ex-Secretários de Governo

20 Decisão proferida nos autos 0023147-68.2018.8.16.0013, em trâmite na 13ª Vara Criminal deCuritiba.

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JOSE RICHA FILHO (PEPE RICHA), EZEQUIAS MOREIRA

RODRIGUES, DEONILSON ROLDO (DEO) e EDSON LUIZ

CASAGRANDE, bem como o diretor ALDAIR WANDERLEI

PETRY (NECO), com o fito de fortalecer a confiança da população

nas instituições públicas.

Quanto a CELSO ANTONIO FRARE, embora não faça parte do

núcleo político, o impacto da sua participação no esquema criminoso,

figurando como um dos idealizadores e principais beneficiados, motiva

a necessidade da sua prisão.

Com a garantia da ordem pública também se busca evitar a reiteração

de condutas delitivas. Nesse escopo, verifica-se que o investigado

DEONILSON ROLDO foi denunciado por delitos semelhantes

perante a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba. LUIZ

ABI ANTOUN foi condenado pela 3ª Vara Criminal de Londrina nos

autos nº 0016299-67.2015.8.16.0014 nas sanções dos delitos

tipificados nos artigos 2º, § 4º, inciso II, da Lei nº 12.850/2013 e

artigos 299, caput, do Código Penal e artigo 89, parágrafo único, da

Lei nº 8.666/1993, respondendo ainda pelos crimes de corrupção e

lavagem de dinheiro na ação penal nº 0038210-38.2015.8.16.0014 do

mesmo Juízo. EDSON LUIZ CASAGRANDE, em abril deste ano, foi

preso durante a deflagração da Operação SINECURAS, sendo réu

também por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro na ação penal

nº 0004444-53.2018.8.16.0025 da Vara Criminal de Araucária.

TULIO MARCELO BANDEIRA estava em prisão domiciliar em

decorrência da mesma Operação SINECURAS, na qual é réu pelos

crimes de corrupção e lavagem de dinheiro na ação penal nº 0004444-

53.2018.8.16.0025 da Vara Criminal de Araucária, responde às ações

penais nº 0007030- 82.2017.8.16.0030 e 0019692-78.2017.8.16.0030,

respectivamente na 1ª e 3ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu que

versam sobre o crime previsto no art. 89 da Lei nº 8666/1993, além de

diversos outros registros criminais. Aqui não serão valoradas menções

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aos investigados em depoimentos prestados em outros processos e que

não se fazem presentes nestes autos, como as provenientes da

Operação QUADRO NEGRO em que este magistrado atua, tendo em

vista a ausência de imputação formal de suas condutas. De qualquer

forma, os elementos aqui expostos denotam indícios de envolvimento

dos investigados em anteriores práticas criminosas da mesma espécie,

reforçando a necessidade da prisão cautelar diante do risco concreto da

realização de novas condutas delituosas.

Não só a ordem pública restou de sobremaneira abalada, diante da

quebra da confiança na estabilidade e confiabilidade das instituições

públicas, em específico do Poder Executivo Estadual, mas igualmente

há uma repercussão de tais condutas na ordem econômica. Uma

fraude, nas dimensões aqui concretamente apuradas, gera um efeito

espiral em todo o mercado, não se limitando aos licitantes

prejudicados, uma vez que as demais empresas do ramo precisam se

adequar à corrupção governamental para que possam sobreviver em

um mercado altamente competitivo. A partir disso, observa-se um

efeito ressaca, em que mais empresas se corrompem para se adaptarem

às regras nefastas do jogo de poder.

Assim sendo, considerando a gravidade concreta dos desvios narrados

e a extensão do dano causado à ordem pública e econômica,

materializado no enfraquecimento da credibilidade do próprio Estado

de Direito, bem como nas consequências perniciosas que uma fraude à

licitação deste porte gera à iniciativa privada e à livre concorrência,

apenas a segregação cautelar dos investigados se mostra efetiva, neste

momento, a estabilizar contrafaticamente as expectativas normativas

frustradas com os eventos ora apurados.

Cabe ressaltar que além dos efeitos jurídicos imediatos, decisões

judiciais contam com uma dimensão comunicativa, sendo que a prisão

dos investigados se mostra o meio expressivo mais eficaz para, em

caráter de urgência, reestabelecer as expectativas congruentemente

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generalizadas da nossa sociedade, reestabelecendo a ordem pública e a

ordem econômica que foram severamente abaladas com fatos

gravíssimos envolvendo agentes públicos e uma parcela do setor

empresarial paranaense.”

A decisão agravada aludiu à suposta ausência de riscos

para a ordem pública, ante a saída de Carlos Alberto Richa do governo do

Paraná, para concorrer às eleições como candidato a Senador. Ora, isto não

diminui em nada sua influência política no grupo que permanece no poder, como

é público e notório no Estado do Paraná. E o poder político e econômico concreto

dos investigados é fator decisivo para influenciar os ânimos das testemunhas –

muitas delas ainda detentoras de cargos públicos – que ainda deverão prestar

depoimentos e mesmo para facilitar possível produção de provas a posteriori.

Disse o decisum agravado, também, da antiguidade dos

fatos criminosos. Ora, a um, deixou de considerar que a organização criminosa é

crime permanente e nada na investigação indica tenha deixado de operar. A dois,

modalidades de lavagem, crime investigado, também são permanentes. A três, a

apuração dos fatos emergiu com a descoberta recente, apoiada em colaborações

premiadas, acerca dos fatos. Basta verificar a homologação da colaboração de

ANTONIO CELSO GARCIA, efetuada em agosto próximo passado. A quatro,

constam do pedido de prisão preventiva dados concretos indicando a não

cessação dos delitos, como aquele segundo o qual CARLOS ALBERTO RICHA e

seu irmão JOSÉ RICHA FILHO estariam utilizando a residência de sua genitora,

Sra. Arlete Vilela Richa, localizada à Rua Gutemberg, 104, ap. 1501, bairro Batel,

em Curitiba, para esconder valores ou provas que os incriminem. Com efeito, a

informação dá conta que em meados do mês de julho de 2018 os irmãos Richa

foram vistos entrando na residência de sua genitora com “grandes volumes em

malas e bolsas”, acompanhados de terceiras pessoas, sendo que na saída da

residência nada portavam. Tudo isso atualiza as práticas delitivas e revela a

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necessidade presente da medida cautelar da preventiva.

Enfim, há necessidade de revalidação da prisão cautelar

preventiva de CARLOS ALBERTO RICHA e demais interessados acima

nominados, presentes que estão os respectivos pressupostos e fundamentos.

V – Da Conclusão e Requerimentos

Diante de tudo o que foi exposto, o Ministério Público do

Estado do Paraná requer sua habilitação na ADPF em epígrafe, por força do

interesse na causa derivado da decisão ora agravada, bem como seja considerado

intimado da respectiva decisão nesta data.

Ainda, requer que seja conhecido o agravo regimental,

para que:

a) nos termos do art. 317, §2º, do RISTF, seja oportunizado

juízo de retratação ao e. Ministro Gilmar Mendes, Relator do feito a fim de que

reconheça as nulidades levantadas no presente agravo e reforme sua decisão,

restabelecendo imediatamente a prisão preventiva decretada em primeiro grau;

b) não sendo realizado juízo de retratação, para que seja

submetida a decisão ao Plenário (art. 8º, I, c.c. art. 317, §2º, ambos do RISTF) para

que seja anulada a decisão recorrida, diante:

b.1) da grave violação à garantia constitucional do juiz

natural (CR, art. 5o, XXXVI e LIII), ao devido processo legal por violação ao fair

play (CR, art. 5º, LIV) e às normas de competência por distribuição livre e

aleatória (CPP, art. 75 c.c. RI-STF, art. 66);

b.2) da violação flagrante da regra de distribuição livre

contida no art. 70, 1o, RISTF, com nova conclusão pela incompetência do d.

Relator;

b.3) da manifesta falta de competência do Supremo

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Tribunal Federal para conhecer Habeas Corpus impetrado, diretamente perante o

STF, contra: i) ordem de prisão proferida por juiz de primeiro grau; ii) decisão

monocrática de relator de Habeas Corpus impetrado perante o Tribunal de

Justiça; e iii) decisão monocrática de relator de Habeas Corpus impetrado perante

o Superior Tribunal de Justiça;

b.4) da manifesta falta de fundamentação, por violação

da competência constitucional dos Órgãos do Poder Judiciário e por supressão

de instância;

b.5) da clara violação ao princípio do juiz imparcial,

corolário imprescindível para o devido processo penal.

c) acaso mantida a higidez da decisão, que, no mérito, seja

revertida a concessão do habeas corpus em favor dos interessados, restaurando-

se os mandados de prisão exarados pelo Juízo de Direito da 13a Vara Criminal de

Curitiba.

Curitiba, 18 de setembro de 2018.

Ivonei Sfoggia

Procurador-geral de Justiça do Estado do Paraná

Rodrigo Régnier Chemim Guimarães

Procurador de Justiça – Coordenador da Coordenadoria

de Recursos Criminais

Fabio André Guaragni

Procurador de Justiça

Rodrigo Leite Ferreira Cabral

Promotor de Justiça

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