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Processos de transculturação a partir de vestígios memoriais em Figura na Sombra de Luiz Antônio de Assis Brasil Wenderson Pinto Farias (Universidade La Salle - UNILASALLE) Resumo: Consideramos o romance como um meio produtivo de constituição de posições- sujeito em diálogo com Memória e Literatura, levando em conta as condições históricas de sua produção. Daí a intencionalidade de reconhecer os processos de transculturação a partir do regate de vestígios memoriais no romance Figura na Sombra (2012) de Luiz Antônio de Assis Brasil. Tivemos como pergunta norteadora: quais as marcas dos processos de transculturação a partir de vestígios memoriais encontrados no plano temático de Figura na Sombra? Para cumprir o objetivo estabelecido, nos fundamentamos em princípios teóricos para discutirmos a transculturação à luz das ideias de Bernd (2005), Reis (2010), Ortiz (1983), Silva (2000), Bernd e Imbert (2015); e para analisar a transculturação a partir dos vestígios memoriais fazemos uso dos pressupostos de Gagnebin (2006) e Bernd (2013). Trata-se de um trabalho de pesquisa, análise e interpretação de material bibliográfico com enfoque nas passagens transculturais a partir de vestígios memoriais na obra de ficção. E ao final deste texto percebemos que a transculturação a partir de vestígios memoriais se dá em um espaço dinâmico e que as manifestações culturais envolvidas no processo não estão estabelecidas; fundam-se na problemática de encontros com a alteridade para que surjam novas manifestações culturais. Palavras-chave: Literatura; Memória; Transculturação; Vestígios Memoriais. Abstract: We consider the novel as a productive means of constitution of subject positions in dialogue with Memory and Literature, taking into account the historical conditions of its production. Then the intentionality of recognizing the processes of transculturation from the regatta of memory traces in the novel Figura na Sombra (2012) by Luiz Antônio de Assis Brasil. We had as a guiding question: what are the marks of the processes of transculturation from the memory traces found in the thematic plan of Figura na Sombra? In order to fulfill the established objective, we are based on theoretical principles to discuss the transculturation in the light of the ideas of Bernd (2005), Reis (2010), Ortiz (1983), Silva (2000), Bernd and Imbert (2015); and to analyze the transculturation from the memory traces we make use of the assumptions of Gagnebin (2006) and Bernd (2013). It is a work of research, analysis and interpretation of bibliographical material focusing on the transcultural passages from memory traces in the work of fiction. And at the end of this text we realize that the transculturation from memory traces occurs in a dynamic space and that the cultural manifestation involved in the process is not established; is based on the problematic of encounters with otherness so that new cultural manifestation arise. Keywords: Literature; Memory; Transculturation; Memory Traces.

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Page 1: Processos de transculturação a partir de vestígios memoriais em … · Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu,

Processos de transculturação a partir de vestígios memoriais em Figura na Sombra de

Luiz Antônio de Assis Brasil

Wenderson Pinto Farias

(Universidade La Salle - UNILASALLE)

Resumo: Consideramos o romance como um meio produtivo de constituição de posições-

sujeito em diálogo com Memória e Literatura, levando em conta as condições históricas de sua

produção. Daí a intencionalidade de reconhecer os processos de transculturação a partir do

regate de vestígios memoriais no romance Figura na Sombra (2012) de Luiz Antônio de Assis

Brasil. Tivemos como pergunta norteadora: quais as marcas dos processos de transculturação

a partir de vestígios memoriais encontrados no plano temático de Figura na Sombra? Para

cumprir o objetivo estabelecido, nos fundamentamos em princípios teóricos para discutirmos

a transculturação à luz das ideias de Bernd (2005), Reis (2010), Ortiz (1983), Silva (2000),

Bernd e Imbert (2015); e para analisar a transculturação a partir dos vestígios memoriais

fazemos uso dos pressupostos de Gagnebin (2006) e Bernd (2013). Trata-se de um trabalho de

pesquisa, análise e interpretação de material bibliográfico com enfoque nas passagens

transculturais a partir de vestígios memoriais na obra de ficção. E ao final deste texto

percebemos que a transculturação a partir de vestígios memoriais se dá em um espaço dinâmico

e que as manifestações culturais envolvidas no processo não estão estabelecidas; fundam-se na

problemática de encontros com a alteridade para que surjam novas manifestações culturais.

Palavras-chave: Literatura; Memória; Transculturação; Vestígios Memoriais.

Abstract: We consider the novel as a productive means of constitution of subject positions in

dialogue with Memory and Literature, taking into account the historical conditions of its

production. Then the intentionality of recognizing the processes of transculturation from the

regatta of memory traces in the novel Figura na Sombra (2012) by Luiz Antônio de Assis

Brasil. We had as a guiding question: what are the marks of the processes of transculturation

from the memory traces found in the thematic plan of Figura na Sombra? In order to fulfill the

established objective, we are based on theoretical principles to discuss the transculturation in

the light of the ideas of Bernd (2005), Reis (2010), Ortiz (1983), Silva (2000), Bernd and Imbert

(2015); and to analyze the transculturation from the memory traces we make use of the

assumptions of Gagnebin (2006) and Bernd (2013). It is a work of research, analysis and

interpretation of bibliographical material focusing on the transcultural passages from memory

traces in the work of fiction. And at the end of this text we realize that the transculturation from

memory traces occurs in a dynamic space and that the cultural manifestation involved in the

process is not established; is based on the problematic of encounters with otherness so that new

cultural manifestation arise.

Keywords: Literature; Memory; Transculturation; Memory Traces.

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Introdução

Os romances denominados históricos são, cada vez mais, contributivos para as

reflexões sobre a relação entre Literatura e Memória. A literatura sul-rio-grandense não está

isenta deste fato; pelo contrário, é uma das grandes produtoras de romance desta natureza.

Observamos, a partir desta constatação, o aspecto representativo da vida cotidiana, dos

costumes, das tradições, da religiosidade, de revoluções e de guerras, ou seja, da cultura do

povo do Rio Grande do Sul, marca importante que permeia esses romances.

Nesse contexto, consequentemente, notamos a habilidade dos autores em escolher

personagens inspiradas em personalidades do mundo científico, político, artístico, religioso.

Eis que surge a figura do viajante na ficção gaúcha, a imagem do forasteiro, foco da análise

empreitada por nós acerca do Figura na sombra (2012) de Luiz Antônio de Assis Brasil. Este

romance é o nosso objeto de análise cuja temática foca os processos de transculturação por

meio de vestígios memoriais.

Essa obra de Assis Brasil nos chama atenção por alguns motivos: é uma produção que

traz à tona o envolvimento com dados e personalidades historiográficos; executa uma

representatividade da cientificidade do século XIX por meio da ficção; torna-se construção

narrativa que emana riqueza nas descrições do espaço, tempo e personagens.

Vale ressaltar que notamos, nessa obra, a mudança de estilo de Assis Brasil na busca

por uma escrita mais objetiva, entretanto não perdedora da profundidade de suas reflexões

sobre a realidade e as descrições de suas personagens. Ele se moderniza, ficando mais

minimalista.

Dessa forma, a principal motivação para construção desta análise é identificar as marcas

das passagens transculturais de sua personagem viajante, Aimé Bonpland, a partir de vestígios

memoriais, que tem como destino um novo espaço a conhecer: o Rio Grande do Sul.

Portanto, temos a expectativa de que a partir desta análise surjam contribuições aos

estudos da Memória Social e Literatura, uma vez que se trata de histórias que nos permitem

refletir sobre as experiências de viajantes estrangeiros entre o fim do século XIX e início do

século XX, além de sua convivência com os habitantes do sul do Brasil e seus estranhamentos

manifestados em seus próprios relatos em relação à paisagem e às terras da região sul do Brasil,

causando, assim, mudanças em sua vida.

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1 Breves considerações sobre Cultura e suas contribuições para Memória Social e

Literatura

Segundo Tylor (1871 apud LARAIA, 2001, p. 25) cultura seria “o complexo que inclui

conhecimento, crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo

homem como membro da sociedade”. Isto nos remete ao sistema organizacional de um povo,

seus costumes e tradições transmitidos de geração a geração que, a partir de uma experiência

vivencial comum, se tornam a identidade desse grupo de pessoas.

Ao consultarmos Geertz (2008, p.4), vemos que o autor escreve e ressalta o conceito de

cultura como um conjunto de fenômenos sistêmicos sígnicos, isto é, sistemas de significação:

O conceito de cultura que eu defendo, [...] é essencialmente semiótico.

Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias

de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias

e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis,

mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.

E segundo David Schneider (1949 apud MACHADO, 2013, p.63) “cultura é um

sistema de símbolos e significados [...]” criados pelo homem, ou seja, cultura é um fenômeno

social, cuja origem, dinamismo e transmissão estão a cargo dos atores sociais.

Ao detectarmos conceitos sobre cultura à luz de Tylor, Geertz e Schneider, embora se

diferenciem, não se contrapõem, ao contrário as três ideias se completam. Em vista disto,

percebemos a convergência para o domínio transdisciplinar da cultura por meio da

simbologização ao pensar a cultura como um fenômeno social contributivo para Memória

Social e Literatura, como diz White e Dillingham (2009, p. 23):

Homem e cultura são inseparáveis. Por definição, não há cultura sem homem

nem home sem cultura. [...] Definimos o homem como um animal

simbologizador e definimos cultura em termos de simbologização. Por isso,

como dissemos, não há homem sem cultura nem cultura sem homem.

Por definição, portanto, a cultura é realizada pela simbologização [...] uma

concepção de crenças, ideologias, organização social e tecnologia (uso de

ferramentas).

Então, nesse momento podemos nos questionar: palavra “simbologizar” significa a

mesma coisa que “simbolizar”? A resposta é não! “Simbolizar”, explica White e Dillingham,

significa representar por um símbolo (a concretude de algo). Enquanto “simbologizar” é

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criar, definir e atribuir significados a coisas e acontecimentos, bem como

compreender esses significados, que não são sensoriais. Portanto, ‘simbologizar’ é

um tipo de comportamento para o qual, até hoje a Ciência não tem nome. Pode ser,

é claro, que este não seja um bom nome, mas até agora nada melhor foi proposto.

Escolhemos ‘simbologizar’, palavra derivada de ‘símbolo’, porque já e uma palavra

bem estabelecida em inglês (WHITE e DILLINGHAM, 2009, p. 13).

A cultura, assim, torna-se um conceito hábil para pensamos sobre identidades e

alteridades nos grupos sociais; um meio para a afirmação da diferença e da exigência de seu

reconhecimento; abordagem também utilizada pela Memória Social e a Literatura. Ao se tornar

um conceito hábil, ou seja, estratégico, vários conceitos passam a derivar do conceito de cultura

e a ser constituídos, empregados, refletidos e debatidos, os quais denominamos neste texto de

aspectos constitutivos da cultura, tal como o fenômeno transcultural, ou simplesmente

transculturação, que iremos abordá-lo mais à frente.

Dessa forma, constatamos que cultura se configura numa forma comportamental das

comunidades humanas; processa uma criação acumulativa da mente humana, resultado de um

sistema simbólico; torna-se um rizoma de conhecimentos; consiste em tudo aquilo que um

sujeito tem de conhecimento para operá-lo de maneira aceitável dentro de sua comunidade;

concretiza-se a partir do resultado das diversas etapas evolutivas nos grupos sociais; e por fim,

“o papel da cultura é tornar a vida segura e duradoura para a espécie humana” (WHITE e

DILLINGHAM, 2009, p. 29).

Ao entendermos essas constatações temos condições de nos defrontarmos com a noção

de transculturação, a qual é, deste modo, uma ampliação dos conceitos dos aspectos

constitutivos da cultura, anteriormente mencionada.

Por meio dos processos transculturais, temos não só a consciência de nossa cultura, mas

também de que somos diferentes, múltiplos, plurais e estabelecemos inter-relações,

reconhecemos o “Outro” e, obviamente, seus aspectos culturais. E a partir disso se pode gerar

uma nova forma de relações que se dissolvem de quaisquer essências e características

generalizantes e se mostram disponíveis a outras formas de existência cultural. Eis a definição

de transculturação que adiante iremos discutir.

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2 Transculturação

Dentre seus muitos sentidos, o prefixo trans remete àqueles de ‘movimento através de’,

‘movimento de ir e vir’, ‘movimento perpétuo’, ‘trânsito’, ‘circulação’, ‘troca’. Embora não

seja a proposta deste texto aprofundar discussões terminológicas, citamos a ideia de

transculturação defendida por Bernd (2005, p. 147):

O prefixo trans, que comporta as noções de ultrapassagem, de passar além,

de sair de si mesmo, gera novas formas de conhecimento e de relação com o

mundo, sendo, portanto, mais performante, no incontornável contexto de

mundialização no qual vivemos, do que inter(cultural), multi(cultural)

ou como em reatualização, proposto por Jocelyn Létourneau, pois o

processo de transculturação parece ser aquele que melhor se ajusta à

realidade da condição pós-moderna onde há trocas, perdas e ganhos nas

passagens de uma cultura à outra.

Lívia de Freitas Reis, por sua vez, nos chama atenção para o tratamento dado pelo

antropólogo Fernando Ortiz ao sistema formativo do povo cubano, o qual “[...] sempre giraram

em torno de um tema principal: Cuba e a dinâmica de sua formação social, econômica e

cultural” (2010, p. 465) e esta formação resulta “[...] os diversos grupos que se mesclaram e

resultaram no que hoje chamamos de cubanos” (p. 467).

Assim, o antropólogo percebeu a necessidade de criar um novo termo que fosse capaz

de abranger e significar o “[...] processo sempre em movimento que é o encontro dos povos e

de suas culturas” (REIS, 2010, p. 467). Daí, em 1940, Fernando Ortiz escreve sua obra mais

importante Contrapunteo cubano del azúcar y del tabaco na qual menciona pela primeira vez

o termo transculturação. Nela afirma que

el vocablo transculturación expresa mejor las diferentes fases del proceso

transitivo de una cultura a otra, porque éste no consiste solamente en adquirir

una distinta cultura [...] sino que el proceso implica también necesariamente

la pérdida o desarraigo de una cultura precedente [...] y, además, significa la

conseguiente creación de nuevos fenómenos culturales que pudieran

denominarse de neoculturación (ORTIZ, 1983, p. 90).

Surge nesse momento o termo transculturação, que segundo o ponto de vista de Reis,

Ortiz ultrapassa “[...] a visão limitada de mestiçagem racial, para significar o movimento que

subjaz ao encontro de culturas [...], deve-se, ainda, ressaltar a extrema contemporaneidade da

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reflexão de Ortiz em um trabalho produzido em 1940” (2010, p. 468). O conceito de Ortiz

sobre transculturação tem seu valor confirmado com as inúmeras “redes de discussões,

reapropriações e novas leituras que seguem até a atualidade” (REIS, 2010, p. 477).

A partir desse conceito, o escritor e crítico uruguaio Ángel Rama se apropriou das ideias

do cubano em relação à transculturação para analisar as narrativas latino-americanas do século

XX. Rama ampliou a proposta de estudo de Ortiz, nomeficou sua análise de transculturação

narrativa e a dividiu em três níveis: uso da língua, estrutura literária e cosmovisão. A partir

dessa divisão

fica claro que os produtos que resultam do contrato cultural da modernização

não podem assemelhar-se às criações urbanas cosmopolitas, nem aos do

antigo regionalismo. A mediação alcançada pelos narradores transculturados

foi resultado de séculos de contato e negociação cultural que gerou um

paulatino acrioulamento, ou assimilação, das mensagens culturais europeias

e sua hibridação ao longo da história (REIS, 2010, p. 477).

Desse modo, presente nos três níveis amplos e globais como sugere Rama, as relações

transculturais levam a uma transformação constante os grupos sociais. Muitas vezes se

estabelecem por meio do contato entre esses indivíduos o intercâmbio de novas formas de

percepção de mundo.

Entretanto, as relações transculturais não se reduzem somente ao seu aspecto

comunicativo, mas permite superar também os limites de espaço, ou seja, uma posição

transcultural que suscita uma dinâmica híbrida e uma representação de manifestações culturais

entendida como uma forma transcultural em determinados contextos geográficos.

Tanto o aspecto da comunicação, quanto o aspecto dos limites geográficos ajudam na

compreensão do conceito de transculturação de forma que dirigem discussões para uma nova

perspectiva de percepção da alteridade.

Nessa nova perspectiva, é possível fazer reflexões entre a “nossa” cultura e a cultura do

“outro” para que a transculturação seja constituída, observando semelhanças ou mesmo

diferenças. É preciso ainda negar estereótipos, ou seja, formas que privilegiam certas culturas

em detrimento de outras, por questões políticas, econômicas, sociais, culturais.

Assim, o termo transculturação, nas perspectivas de Ortiz e Rama, traduz a atual

conjuntura mundial, cujas culturas nos grupos sociais que são mescladas. E isto faz com as

comunidades consideradas culturalmente híbridas levem em consideração os interesses

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comuns e não somente o fato de pertencerem a uma mesma raça, a um mesmo país ou a um

mesmo grupo político e/ou religioso.

Silva (2000, p. 78) afirma ainda sobre esse fenômeno que é possível reduzir “[...] o

impacto do choque cultural próprio das situações de intercâmbio nos âmbitos culturais

diversos”, sem que os indivíduos necessariamente renunciem totalmente sua identidade e nem

sua personalidade. Vai além da simples percepção de grupos culturais amplamente diversos;

ultrapassa muros estabelecidos, tanto geográficas como culturais; tem forte repercussão na

formação identitária de grupos sociais, pois é um fenômeno operacional relacionado às

transferências culturais.

Portanto, transculturação considera a formação cultural a partir do híbrido, das misturas,

das mesclas, seja do choque entre culturas ou do resgate de elementos culturais herdados, além

de respeitar a diversidade e autonomia das formas culturais dos grupos sociais.

2 Transculturação a partir dos vestígios memoriais em Figura na Sombra de Luiz Antônio

de Assis Brasil

Ginzburg (2013, p. 11-12) nos alerta para um aspecto importante nas reflexões sobre

Memória e Literatura:

Processos de disputa da memória, em que atuam políticos, ideólogos, intelectuais e

legisladores, elaboram de variados modos imagens do passado. [...] Entre muitos

acessos ao passado, a literatura ocupa um papel importante. Obras literárias podem

ser interpretadas de acordo com ângulos que sustentam potência de reflexão.

Escritores constantemente confrontam o tempo. E com isso, se deparam com perdas,

esvaziamentos, e com enigmas, impasses sem solução.

Dito isso, percebemos que as ideias sobre o processo de transculturação a partir de

vestígios memoriais, inseridas em obras literárias, alcançam análises reflexivas sobre questões

ligadas à memória, tais como: sociais, históricas e políticas; configuram um importante

exemplo nos estudos das transformações culturais de grupos sociais; mostram sua pertinência

na tentativa de compreensão desse processo empreendido na literatura; e não deixam dúvidas

a respeito de sua relevância na atualidade.

Aliado a essas ideias, Bernd nos chama atenção para outro aspecto: “Estéticas

transculturais que emergem da travessia das diferentes culturas e da utilização criativa de

vestígios e rastros memoriais [...] são preenchidas pela força imaginativa dos escritores” (2013,

p.218). Isto podemos constatar nos romances de Luiz Antônio de Assis Brasil, autor de

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destaque na literatura do Rio Grande do Sul, conhecido por sua extensa e premiada obra

literária, publicada no Brasil e também no exterior.

Ao pesquisar sua produção romanesca observamos seu compromisso em ficcionalizar

os episódios mais marcantes da história gaúcha, em que sujeitos de comprovada existência

histórica dividem espaço com personagens ficcionais. Dentre eles, frequentemente têm voz

personagens imigrantes que trazem ao texto sua bagagem cultural e suas diferentes identidades.

Em seu romance Figura na sombra1, objeto de nossa análise, Assis Brasil insere, ainda

que por diversos caminhos, sua personagem-protagonista Aimé Bonpland na região do Rio

Grande do Sul, dimensão espacial na qual vivencia momentos cruciais para sua vida. Assim, é

decisiva a escolha da região Sul como espaço para o permanente trânsito desta personagem.

Também é relevante a dimensão temporal, já que para o protagonista o passado retorna para

impor questões emocionais, construir significados existenciais e delinear variações históricas

e sociais, no ritmo dos seus passos e das recuperações memorialísticas. As dimensões espacial

e temporal nas quais a personagem-protagonista perpassa na obra são molas propulsoras para

a temática frequente em Figura na sombra: o contato entre diferentes culturas e as questões

identitárias decorrentes dele.

Nessa obra é explorado os processos transculturais por meio de vestígios memoriais

observados em diversas instâncias, desde o deslocamento espacial das personagens até as

imigrações no plano imaginário, e suas implicações identitárias.

A partir disso, notamos que a obra Figura na sombra, como toda obra literária é

confeccionada essencialmente sob três planos: o plano da linguagem, o plano da estruturação

e o plano temático. Para não esgotarmos todas as possibilidades de análise, optamos para este

trabalho apenas o plano temático, no qual podemos verificar o processo de transculturação a

partir dos vestígios memoriais. Stephan (1990) fala sobre o plano temático:

El plano temático está jerarquizado, y presenta tres elementos constitutivos:

los personajes, la acción y el médio ambiente (espacio). Estos elementos se

condicionan mutuamente, pero también alguno surge como dominante y los

otros como subordinados. Por ejemplo, el espacio puede ser el elemento

destacado, y los personajes y acciones estarán em función del desarrollo o

presntentación de aquél.

1 Romance que compõe juntamente com O pintor de retratos (2001), A margem imóvel do rio (2003) e A música

pedida (2006) a série Viajantes ao Sul de Luiz Antônio de Assis Brasil.

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Outro elemento importante à nossa análise, aliando-se ao plano temático do texto e na

transculturação, é o vestígio memorial; Bernd (2013, p. 98) fala que “a noção de vestígio ou

rastro pode ser definida como a presença de uma ausência”, ou seja, “está, pois, associada à

presença de resíduos das práticas do passado naquilo que chamamos de presente” (p. 99); e nos

faz pensar, ainda, que há três tipos de vestígios memoriais: oral (canções, os rituais religiosos,

os provérbios), escrito (cartas, testamentos, rascunhos, livros de lembrança, manuscritos) e

psíquico (correspondendo ao choque deixado por um acontecimento marcante, prazeroso ou

até mesmo trágico).

Para balizar esta análise, portanto, partiremos da seguinte questão: quais as marcas dos

processos de transculturação a partir de vestígios memoriais encontrados no plano temático de

Figura na sombra?

Vemos que o plano temático é minunciosamente elaborado por Assis Brasil em vários

momentos da narrativa a partir de um importante jogo entre passado e presente que emerge a

transculturação a partir do vestígio psicológico e suas implicações nas questões identitárias:

Alguém se aproxima. A filha de Don Amado Bonpland vem de fora e

apoia-se à ombreira da porta aberta para o campo. [...] Carmem tem rosto

redondo das indígenas. Ela conhece pouco a língua que o pai fala com o

estrangeiro, mas o suficiente.

Ela vigia as lembranças do pai. Ele lhe retribui com o olhar infantil que

pessoas de muita idade destinam aos familiares.

Don Amado Bonpland, depois de sorver um gole de mate, começa a

falar.

[...]

“No dia que nasci, na marítima La Rochelle, reino da França, o sol

deitava-se violáceo no horizonte das águas atlânticas. Os pesacadores saíram

com suas embarcações. Passariam a noite no mar. Era verão” (BRASIL,

p.17).

Notamos que a transculturação a partir do vestígio psicológico e suas implicações nas

questões identitárias é uma reflexão crucial no comportamento do indivíduo, pois nessa

passagem percebemos o quanto a “Memória Social no âmbito das sociedades, com ênfase para

a importância do resgate dos vestígios (resíduos, rastros, fragmentos, traços) do passado

permitem iluminar nosso presente (BERND, 2013, p.27).

Em Figura na sombra, o viajante, frequentemente à margem do discurso histórico

tradicional, é o foco principal; ele passa de uma posição periférica à de protagonista e, nesta

passagem, carrega consigo conflitos identitários e culturais. O contato entre culturas incita as

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passagens transculturais decisivas na constituição identitária da personagem-protagonista da

obra, lembradas por meio dos vestígios memoriais:

Don Amado Bonpland interrompe o pensamento de Avé-Lallemant:

“Minha viagem com Humboldt foi errática, comandada pelas pestes,

pela política, pela paixão, pela geografia, pela boa ou má disposição dos

capitães de navios. O gênio de Humboldt deu sentido a uma aventura dirigida

pelo acaso. A viagem, para ele, foi um meio para comprovar sua teoria. Ele

buscou a totalidade meio à confusão dos seres. Ele morrerá com a certeza de

havê-la encontrado. Quanto a mim, encontrei a solidão, a malária e o amor.

Depois disso, encontrei o pesar, o remorso e, por fim, a remissão e a

sabedoria. E quanto mais vivo, mais constato que tudo é diverso, tudo é frágil,

tudo é múltiplo e surpreendente” (BRASIL, p.19).

Esse desabafo de Bonpland nos remete a ideia de Gagnebin (2006, p.118):

Ao juntar os rastros/restos que sobram da vida [...] não efetuam somente um

ritual de protesto. Também cumprem a tarefa silenciosa, [...] mas

imprescindível: reunião paciente e completa de todas a s almas do Paraíso,

mesmo das mais humildes e rejeitadas, segundo a doutrina teológica. [...]

Hoje não existe mais nenhuma certeza de salvação, ainda menos do Paraíso.

No entanto, podemos – e talvez mesmo devamos – continuar a decifrar os

rastros e a recolher os restos.

Detectamos em Figura na sombra a questão da posteridade, em jogo na trajetória do

protagonista, que mais tarde ele iria compreender que “uma posteridade só existe quando a vida

é contada a alguém” (BRASIL, p.209), ou seja, narrar o vivido a alguém a partir dos vestígios

memoriais se torna importante na trajetória de um indivíduo.

Aimé Bonpland escrevia seu diário na cabine repartida com

Humboldt: “O viajante não vê o conjunto, mas o pormenor imediato. E, ainda,

ele tudo avalia segundo seu próprio interesse e suas paixões. A imparcialidade

é a menor de suas virtudes”.

[...]

“- Eu, portanto, serei incompleto e imparcial”.

Entendo, Aimé. Ser parcial e incompleto é a única forma de realizar

algo que fique na memória das pessoas. Você pensa na Posteridade, aquilo

que virá depois de você?

Aimé voltou-se:

-Não. Não entendo sua pergunta, Alexander. Sou muito jovem para

pensar nessas coisas.

-Considere este barco. Todos, exceto nós, estão aqui por razões

imediatas e úteis. Ninguém pensa na Posteridade (BRASIL, p. 55-56).

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Ao destacar a complexidade da figura do Outro – tão intrinsecamente relacionada a

qualquer processo de construção identitária – nos chama a atenção à necessidade de se pensar

a questão da alteridade de maneira mais ampla, sem necessariamente categorizá-lo de forma

fixa neste ou naquele grupo social.

A questão vai muito além, e é fundamental que se pense o encontro das alteridades nas

mais diversas instâncias para melhor compreensão dos processos de construção da

personagem-protagonista na obra estudada por meio da transculturação a partir dos vestígios

memoriais. Esta experimenta não só, em diversos momentos, sensações de estranhamento em

relação ao Outro marcadamente diferente, como também compreende que deve passar a

“reconhecer os autóctones como sujeitos e a viver a alteridade como relação com o outro no

diverso” (BERND, 2013, p.86).

Enxergaram o primeiro índio em suas vidas. Uma gravura ambulante:

trazia um coco em uma das mãos e um ananás na outra. Sorria, como quem

acolhe convidados em sua casa.

Não era o bom selvagem de Rousseau. Cobrou caro pelas frutas. Em

sua fala espanholada, misturava expressões em latim de missa. Vestia-se igual

aos mestiços. Proferia calculadas injúrias aos portugueses.

Nessa tarde, Aimé Bonpland viu-o sentado sobre uma pedra. À sua

frente, Humboldt dirigia-lhe a palavra. O índio o escutava com os olhos

submissos (BRASIL, p. 62).

A partir de uma representação do gaúcho, lhe vieram à mente imagens frias: um gaúcho

tomando mate, apreciando a imensidão do pampa em um quadro invernal, o verde dos campos

contrastando com o azul do céu, poucos elementos formando a paisagem. Estas cenas da

paisagem fria lhe remeteram a mente palavras como rigor, profundidade, clareza, concisão,

pureza, leveza e melancolia, todas relacionadas em um quadro formado por vestígios

memoriais, mas com grande significado:

Ele conhecerá as tonalidades lânguidas e inclinadas da luz na região

meridional da América do Sul.

[...]

Os dias passam a ficar mais curtos. Os pássaros recolhem-se mais cedo.

Aparecem novas estrelas. O cruzeiro do Sul começa a baixar no horizonte. O

ar é nítido. O brilho da via Láctea torna-se mais vivo.

As noites são frias. Nas manhãs, eleva-se uma nuvem de vapor que

passa a errar pelas margens do rio (BRASIL, p. 194).

A análise do espaço é fundamental para que se entenda também a presença das questões

de alteridade na constituição pessoal de Bonpland em terras americanas. O ponto de chegada é

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o Sul do Continente americano, uma importância para além de mero cenário; é o Sul um dos

responsáveis pelas transformações identitárias que enfrenta a personagem. Isto quer dizer que

Aimé Bonpland é o sujeito de sua história; ele nos confere visibilidade a uma reelaboração de

imagens do passado e nos alerta sobre o vivido por meio de vestígio memorial que “inscreve a

lembrança de uma presença que não existe mais e que sempre corre o risco de se apagar

definitivamente” (GAGNEBIN, 2006, p.44).

Considerações Finais

Nesse artigo, nos pareceu importante refletir os processos da transculturação a partir

dos vestígios memorias como uma questão que se dá na relação entre Memória e Literatura,

forma comunicativa e interativa, em um espaço de troca que é do outro. Ou seja, analisar estes

processos “é negociar uma relação dialógica em um ato que afirma [...] e dinamiza as interações

grupo/indivíduo em função de uma vitalidade expansiva em que todos merecem ter acesso aos

bens deste planeta” (BERND e IMBERT, 2015, p. 14-15).

Para tanto, inicialmente, procuramos mostra a as contribuições da cultura à Memória

Social e à Literatura e conceituar o termo transculturação. Ao conceituarmos o fenômeno

transcultural a partir das ideias de vários autores citados, percebemos que eles concordam que

os aspectos transculturais se manifestam por identidades atribuídas às identidades de travessia,

pautados em ideias de recomeços e novas partidas.

Assim, essas reflexões são observadas na obra literária Figura na Sombra de Luiz

Antônio de Assis Brasil; romance que se configura como ferramenta para a comunicação entre

Memória e Literatura e no qual, sucintamente, apresentamos as marcas dos processos de

transculturação a partir de vestígios memoriais de Aimé Bonpland, personagem-protagonista.

Constatamos, por fim, na obra de Assis Brasil o pensamento dialógico e a abertura ao

novo, fenômenos de passagens transculturais a partir dos vestígios memoriais que ocorrem ao

mesmo tempo na rememoração de histórias pessoais da personagem Aimé Bonpland e da

história contada sobre o Sul do Continente Americano.

Portanto, Luiz Antônio de Assis Brasil nos alerta que a transculturação a partir dos

vestígios memoriais age em um espaço dinâmico, híbrido, mesclado e que nenhuma das

culturas envolvidas neste processo está verdadeiramente estabelecida. Pelo contrário, fundam

a problemática de encontros com a alteridade para que surjam novas manifestações culturais.

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EIRzAF#v=onepage&q&f=false> . Acessado em: 18/07/2017 às 18h42.

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