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Campo Geral Local das ações: um lugarejo chamado Mutum, “no meio dos Campos Gerais, mas num covão em trecho de matas, terra preta, pé de serra”. Foco narrativo: apesar de ser escrita em terceira pessoa, a história surge pelo ponto de vista de Miguilim, um menino muito sensível e míope (embora o narrador só mencione este fato explicitamente no final do romance).

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Campo Geral Local das ações: um lugarejo

chamado Mutum, “no meio dos

Campos Gerais, mas num covão

em trecho de matas, terra preta,

pé de serra”.

Foco narrativo: apesar de ser

escrita em terceira pessoa, a

história surge pelo ponto de

vista de Miguilim, um menino

muito sensível e míope (embora

o narrador só mencione este

fato explicitamente no final do

romance).

casados Nhanina – Vovó Izidra Bero

Terez / Luisaltino

Liovaldo Miguilim Dito Drelina Chica Tomezinho

amantes

Miguilim (míope)

Dificuldade para ver a realidade

Causa sua interiorização

Via o mítico, o mágico

Inventava histórias

Outros personagens

Rosa – cozinheira.

Mãitina – preta velha agregada da família.

Maria Pretinha – empregada que foge com Jé (depois retorna).

Luisaltino – trabalhador, morto por Bero.

Jé – vaqueiro.

Saluz – vaqueiro casado com Siarlinda (contava histórias).

Seo Deográcias – curandeiro (charlatão), pai de Patori (mau).

Seo Aristeu – criador de abelhas, positivo, sábio.

Grivo – amigo muito pobre de Miguilim.

Dr. José Lourenço – Médico que leva Miguilim.

O que rima com Miguilim: pertim, pelourim, sozim, papelim, espim, lugarim, menorzim, ioioim, durim, xadrezim, direitim, barulhim, demonim, bruxolim, barbim, passarim, beijim.

Desenvolvimento das ações

1. Miguilim (7 anos) viaja com Tio Terez para

crismar-se. Na volta da viagem, Miguilim só quer falar com a mãe,

sobre a beleza do Mutum e não pede a benção para o pai.

2. Miguilim é castigado e não vai para a pescaria com os irmãos,

mas Tio Terez lhe ensina a caçar passarinho.

3. Pai dá a cadela Pingo-de-Ouro (quase cega) a tropeiros.

4. Referências à relação entre Nhanina e Terez.

5. Tempestade (fora e dentro). Todos ficam com medo e rezam...

6. Seo Deográcias diagnostica doença em Miguilim, que faz um

trato com Deus: se não morresse em 10 dias, não morria mais.

Para a cura de Miguilim, uma árvore devia ser cortada. O pai não

consente. Dito fala com Saluz e resolve.

7. Bilhete de Tio Terez à mãe. Drama de Miguilim.

Miguilim: “- Dito, como é que a gente sabe certo como

não deve de fazer alguma coisa, mesmo os outros não estando vendo?”

Miguilim: “- Tio Terez, eu não entreguei o bilhete, não falei nada com

Mãe, não falei nada com ninguém!”

8. Luisaltino aparece e traz um papagaio.

9. Dito se fere com um caco de vidro e morre de tétano.

“Miguilim não aguentava ficar ali; foi para o quarto de Luisaltino, deitou

na cama, tapou os ouvidos com as mãos e apertou os olhos no

travesseiro – precisava de chorar, toda-a-vida, para não ficar sozinho.”

10. Na roça – Miguilim gostava de ver o pai no trabalho e até se oferece

pra trabalhar com ele: “- Pai, quando o senhor achar que eu posso, eu

venho também, ajudar o senhor capinar roça...”

11. Na visita de Liovaldo e Tio Osmundo, Miguilim defende o Grivo das maldades de Liovaldo e apanha do pai. “Batia, mas Miguilim não chorava. Não chorava, porque estava

com um pensamento: quando ele crescesse, matava o Pai. (...) e

então começou a rir.”

12. O pai solta os passarinhos de Miguilim e quebra as gaiolas.

Miguilim então, num acesso de raiva, quebra todos os seus

brinquedos (rompimento com a infância). 13. Miguilim adoece. O pai mata Luisaltino e se suicida. 14. Tio Terez reaparece para casar com a mãe. 15. Aparece o Dr. José Lourenço e percebe a miopia de Miguilim.

Dito “O Dito era menor mas sabia o sério (...) Deus tinha dado a ele

todo o juízo.”

“- Dito, vamos ficar nós dois, sempre um junto com o outro,

mesmo quando a gente crescer, toda a vida?”

“- Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais:

é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda

coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve poder ficar

então mais alegre, mais alegre, por dentro!...”

O único que sabia obter o perdão do pai; O único que compreendia Miguilim; Tinha a sabedoria intuitiva; Morre e se transforma em símbolo de pureza

e de sabedoria.

Algumas relações possíveis

1. Mãe – fragilidade; insatisfação Pai – brutalidade; selvageria

2. Mundo adulto Mundo infantil

3. Dito e Miguilim (pureza) Patori e Liovaldo (maldade)

4. Mutum / Sertão Cidade / Meio urbano Primitivo / mágico (local de crescimento (Metáfora do universo infantil) intelectual, amadurecimento)

5. Infância mágica Aprendizagem da vida

Mundo adulto X Mundo infantil

Tema

Aprendizado - perda da ingenuidade através da dor de crescer,

de aprender com as coisas do mundo.

“Miguilim não tinha vontade de crescer, de ser pessoa grande, a

conversa das pessoas grandes era sempre as mesmas coisas

secas, com aquela necessidade de ser brutas, coisas assustadas.”

Óculos: nova visão, nova vida, amadurecimento.

Em 1952, no interior de Minas, o escritor João Guimarães Rosa pediu ao primo, o fazendeiro Chico Moreira, que lhe apresentasse um sertanejo legítimo. Chico lembrou-se do vaqueiro e amansador de burros Manuelzão, que virou guia e inspirador. Manuel Nardi percorria os sertões desde moço: “Conheci cinco estados andando a cavalo”, dizia. Com ele, Rosa cavalgou dez dias pelo norte de Minas, levando 680 bois de Andrequicé até Araçaí, 240 km sertão adentro. “João Rosa era um perguntador. Com um caderno espiral amarrado no pescoço e um lápis, tudo o que via perguntava e tomava nota” - dizia o sertanejo. O escritor deparou-se com violeiros, sanfoneiros, contadores de causos, a bóia e a cachaça dos vaqueiros. Da aventura nasceu um marco da literatura brasileira: Grande Sertão: Veredas. Manuelzão ainda deu outros motivos de histórias. Virou personagem e nome de outro livro: Manuelzão e Miguilim. O velho vaqueiro morreu em 5 de maio de 1997, aos 92 anos. E sobre as obras que inspirara dizia: “Essas histórias são quase tudo verdade.”

Histórias quase verdadeiras (Almanaque Brasil; maio de 2000)

Uma Estória de Amor (Festa de Manuelzão)

Local das ações: Fazenda Samarra, “nem fazenda, só um

reposto, um currais-de-gado, pobre e novo ali entre o Rio e a

Serra dos Gerais”.

Tempo: apenas três dias. Mas há o tempo psicológico, a partir das reflexões do protagonista.

Foco narrativo: terceira pessoa, com uso do discurso indireto livre.

Personagens principais:

Manuelzão, protagonista, velho vaqueiro de quase 60 anos, solteirão. A personagem de ficção foi inspirada no mineiro Manuel Nardi, de quem Guimarães Rosa ouviu muitas histórias que foram depois aproveitadas por ele.

Adelço de Tal, filho natural de Manuelzão, tipo fechado que

parece querer bem apenas aos filhos (7) e à mulher. Leonísia, mulher de Adelço, sertaneja bonita, bondosa,

trabalhadeira, que atrai a simpatia e o desejo silencioso de Manuelzão.

Promitivo, irmão de Leonísia. Sabe ser simpático, mas não gosta de trabalhar.

Camilo, “era apenas uma espécie doméstica de mendigo, recolhido, inválido, que ali viera ter e fora adotado por bem-fazer, surgido do mundo do Norte: Ele asséste mais é aqui, às vezes descasca um milhozinho, busca um balde d'água. Mas tudo na vontade dele. Ninguém manda, não....”

Joana Xaviel, tinha um caso com Camilo; contava histórias para as mulheres na cozinha.

Senhor do Vilamão, visita considerada por ser rico e de prestígio. É um homem velho e antiquado.

João Urúgem, homem selvagem que vive como animal no meio do mato. “Homem-bicho”. Federico Freyre, dono das terras da Samarra, patrão de Manuelzão. Não aparece fisicamente, mas povoa os pensamentos de Manuelzão.

Manuelzão em 1994. Morreu em 1997, aos 92 anos

Desenvolvimento das ações

Solteiro, depois de uma ampla vida de atribulações,

Manuelzão resolve instalar sua mãe, D. Quilina, na fazenda

Samarra, pela qual é responsável. Em seguida, numa busca um

pouco tardia, tenta estabelecer um sentimento de família através

de um seu descendente, fruto de um relacionamento perdido no

tempo. É o seu filho, Adelço, sujeito desamistoso, seco, casado

com Leonísia, mulher linda a ponto de inspirar desejos proibidos e

sufocados por Manuelzão, o que provoca nele um conflito interior.

Uma noite, o riacho que cortava a fazenda misteriosamente

secou (velhice de Manuelzão?). Então o protagonista decide

erguer uma capela para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro:

“Foi no meio duma noite, indo para a madrugada, todos

estavam dormindo. Mas cada um sentiu, de repente, no coração,

o estalo do silenciozinho que ele fez, a pontuda falta da toada, do

barulhinho. Acordaram, se falaram.

Até as crianças. Até os cachorros latiram. Aí, todos se levantaram, caçaram o quintal, saíram com luz, para espiar o que não havia (...). O riacho soluço se estancara, sem resto, e talvez para sempre. Secara-se a lagrimal, sua boquinha serrana. Era como se um menino sozinho tivesse morrido”.

Terminada a construção da igrejinha –

“templozinho, nem mais que uma guarita, feita

a dois quilômetros da Casa”, prepara-se para

inaugurá-la, esperando a chegada de um padre.

Surpreendentemente, vem chegando uma enorme quantidade

de gente, de todas as partes, para participar desse evento. É um

festejo que já começa na véspera do grande dia e sobre o qual

Manuelzão não tem mais controle, a não ser no que se refere à

preocupação de garantir alimentação para todos. Inaugurada a

capelinha, todos se entregam ao prazer de um caloroso almoço,

participando depois da cantoria e do folguedo.

Interessante é notar como se manifesta no texto a

colagem de vários poemas, advindos de cantigas

populares, folclóricas, tornando-o uma colcha de retalhos.

Enquanto isso, Manuelzão está mergulhado em três problemas:

o primeiro é a dor constante que sente em seu pé; o segundo é a

necessidade de conduzir uma boiada. No estado em que se

encontrava, poderia muito bem transferir tal tarefa para seu filho.

Mas esse era o terceiro problema: seria ele confiável?

No final da noite é que todos esses problemas começam a ser

sanados. Sem perceber, a dor havia sumido. Além disso, Adelço

se oferece para conduzir a boiada em lugar do pai. E o quadro

muda radicalmente de figura quando Camilo começa a contar

uma história a pedido de Manuelzão. É a história do Boi Bonito.

Trata-se da narrativa que em alguns pontos se assemelha a um

conto de fadas. Um fazendeiro muito rico possui um cavalo que

ninguém consegue domar.

Além disso, propõe-se a dar a mão de sua filha a quem conseguir caçar o famoso Boi Bonito, tão belo quanto perigoso. Vários vaqueiros tentaram, mas só encontraram a morte. A entrega da mão da filha a quem conseguir resolver uma tarefa é um motivo muito comum nas fábulas e está ligado à idéia de renovação do “eu”, já que uma estrutura antiga precisa da ajuda de uma nova para a completude de suas ações. Isso tudo parece simbolizar a relação entre Manuelzão e Adelço de Tal. A adequação é tão perfeita aos contos de fada que de fato surge um vaqueiro, Menino, que não só consegue domar o cavalo, como é o único de quem o Boi Bonito foge. Quando finalmente o animal é pego, declara ao moço que por muito tempo esperava por ele. Aqui o encantamento sensibiliza todos os ouvintes. Suspendem-se as animosidades entre pai e filho. A festa recebe mais ímpeto. Manuelzão ganha disposição para a viagem com a boiada.

Manuelzão e seu balanço

existencial:

- Não tem mulher (companheira);

- Não tem boa relação com o filho;

- Não tem bens, propriedades (apesar de ser o “chefe” da

Samarra);

- “Festa de Manuelzão, todos se divertem, ele não...”

- Sente o peso do tempo, a velhice (o riacho secou...).

Consegue reencontrar-se consigo mesmo através da história do velho Camilo.

Purogessó! Tudibom aí, minha gente!