processos cognitivos no xadrez

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  • 8/3/2019 Processos Cognitivos No Xadrez

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    WILSON DA SILVA

    PROCESSOS COGNITIVOS NO JOGO DE XADREZ

    Dissertao apresentada comorequisito parcial obteno dograu de Mestre em Educao,

    Curso de Ps-Graduao emEducao, Setor de Educao,Universidade Federal do Paran.

    Orientador: Prof. Dr. Tamara daSilveira Valente

    CURITIBA

    2004

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    TERMO DE APROVAO

    WILSON DA SILVA

    PROCESSOS COGNITIVOS NO JOGO DE XADREZ

    Dissertao aprovada como requisito parcial para obteno do grau deMestre no curso de Ps-Graduao em Educao, Setor de Educao,Universidade Federal do Paran, pela seguinte banca examinadora:

    Orientador: Prof. Dr. Tamara da Silveira ValenteSetor de Educao, UFPR

    Prof. Dr. Rosely Palermo BrenelliFaculdade de Educao, UNICAMP

    Prof. Dr. Tania StoltzSetor de Educao, UFPR

    Prof. Dr. Sandra Regina Kirchner Guimares (Suplente)Setor de Educao, UFPR

    Curitiba, 25 de agosto de 2004

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    Dedico este trabalho minha esposa e ao meu filho:

    Virginia Roters da Silva

    Eduardo Roters da Silva

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    AGRADECIMENTOS

    Quero manifestar meu profundo agradecimento s pessoas que me auxiliaram narealizao deste trabalho:

    Prof. Dr. Tamara da Silveira Valente, por me ajudar a realizar estesonho. Sua preciosa orientao mostrou-me, dentre outras coisas, que eu poderiair mais longe, no momento em que pensei que o trabalho estava terminado.

    Aos Professores Doutores: Tnia Stoltz, Sandra Regina KirchnerGuimares, Maria Augusta Bolsanello, Maria Lcia Faria Moro, VernicaBranco, Araci Asinelli da Luz, Paulo Ricardo Ross e Egdio Romanelli, pelosvaliosos ensinamentos que recebi nas disciplinas e seminrios que cursei.

    Ao Grande Mestre Internacional de xadrez, Jaime Sunye, Superintendentedo Centro de Excelncia de Xadrez, por seu trabalho incansvel na popularizaodo xadrez no Brasil, e pelo apoio e incentivo que recebi ao longo de mais de umadcada de trabalhos em conjunto.

    Ao rbitro Internacional de xadrez, Prof. Claudio Antonio Tonegutti,Presidente da Federao de Xadrez do Paran, pelas sugestes, aquisio desoftwares utilizados nesta pesquisa, e pelo auxlio na obteno de alguns artigos.

    Ao ex-Secretrio Municipal do Esporte e Lazer de Curitiba, JulianoBorgetti, pela compreenso e apoio.

    Ao Sr. Armindo Angerer, Diretor da Organizao Educacional Expoente,ao Gerente de Projetos Educacionais da Secretaria Municipal da Educao deCuritiba, Prof. Antonio Carlos Demrio, Coordenadora da Diviso de JogosEducativos da Secretaria de Estado da Educao do Paran, Prof. Maria InzDamasceno e sua equipe, por proporcionarem os espaos onde pude debater eaprimorar algumas das idias apresentadas nesta pesquisa.

    Aos professores da banca examinadora, pela disponibilidade para ler estetrabalho e contribuir com sugestes, e em particular, Prof. Dr. RoselyPalermo Brenelli, que gentilmente aceitou o convite de integrar a banca.

    Teru Adriane da Silva, pelo emprstimo da filmadora utilizada nestapesquisa; a Wilson Jos da Silva, pelo auxlio com as questes de lgicaproposicional, e tambm pela ajuda na obteno de alguns artigos; ao estatsticoEveraldo Cordeiro Pereira, pelas sugestes; a Ivan Justen Santana, pela reviso; aLuciana Choma, pela pesquisa das informaes complementares.

    Aos sujeitos que participaram desta pesquisa, e aos seus pais, porpermitirem que seus filhos participassem.

    Agradeo especialmente minha esposa Virginia e ao meu filho Eduardo,pela compreenso e colaborao que demostraram durante a elaborao desteestudo.

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    SUMRIO

    LISTA DE ILUSTRAES......................................................................................................... vii

    LISTA DE QUADROS E TABELAS .......................................................................................... ix

    LISTA DE GRFICOS ................................................................................................................ xi

    RESUMO/ABSTRACT ................................................................................................................ xii

    1 INTRODUO .......................................................................................................................... 1

    1.1 JUSTIFICATIVA...................................................................................................................... 4

    1.2 ABORDAGEM DO PROBLEMA............................................................................................ 5

    1.3 HIPTESE DE PESQUISA...................................................................................................... 6

    1.4 OBJETIVOS ............................................................................................................................. 6

    2 O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO SEGUNDO JEAN PIAGET ............................... 6

    2.1 A INTELIGNCIA SENSRIO-MOTORA............................................................................ 8

    2.2 AS FASES DA INTELIGNCIA SENSRIO-MOTORA...................................................... 13

    2.3 A INTELIGNCIA PR-OPERATRIA ................................................................................ 19

    2.4 A INTELIGNCIA OPERATRIA CONCRETA .................................................................. 24

    2.5 A INTELIGNCIA OPERATRIA FORMAL....................................................................... 26

    3 PROCESSOS COGNITIVOS NO JOGO DE XADREZ........................................................ 30

    3.1 A TOMADA DE CONSCINCIA E O FAZER E O COMPREENDER ................................ 30

    3.2 PESQUISAS SOBRE XADREZ .............................................................................................. 39

    3.3 ESTRATGIA E TTICA ....................................................................................................... 55

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    4 METODOLOGIA ...................................................................................................................... 69

    4.1 CAMPO DE ESTUDO.............................................................................................................. 69

    4.2 SELEO DOS SUJEITOS..................................................................................................... 69

    4.3 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ..................................................................... 70

    4.4 PROCEDIMENTO DE ANLISE DE DADOS ...................................................................... 72

    5 ANLISE DOS DADOS ............................................................................................................ 74

    5.1 O SUJEITO SAULO................................................................................................................. 74

    5.2 O SUJEITO HEITOR................................................................................................................ 81

    5.3 O SUJEITO ALBERTO............................................................................................................ 86

    5.4 O SUJEITO TALES.................................................................................................................. 91

    5.5 O SUJEITO RAFAEL............................................................................................................... 95

    5.6 O SUJEITOALEXANDRE....................................................................................................... 102

    5.7 O SUJEITO NATHAN ............................................................................................................. 107

    5.8 O SUJEITO JOO.................................................................................................................... 112

    5.9 ANLISE COMPARATIVA DOS SUJEITOS........................................................................ 118

    5.10 ANLISE DOS ERROS......................................................................................................... 124

    6 CONCLUSES .......................................................................................................................... 130

    6.1 OS MECANISMOS DA TOMADA DE CONSCINCIA NO XADREZ............................... 132

    6.2 CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................... 135

    GLOSSRIO................................................................................................................................. 138

    REFERNCIAS ............................................................................................................................ 141

    ANEXOS ........................................................................................................................................ 146

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    LISTA DE ILUSTRAES

    FIGURA 1 INTERAO ENTRE O ORGANISMO E O MEIO.......................................................... 12

    FIGURA 2 LEI DA TOMADA DE CONSCINCIA................................ ............................................. 31

    FIGURA 3 O ESTUDO DE BINET................................................................ ........................................ 41

    FIGURA 4 POSIO REPRODUZIDA PELO GRANDE MESTRE................................................... 44

    FIGURA 5 POSIO REPRODUZIDA PELO MESTRE..................................................................... 44

    FIGURA 6 POSIO REPRODUZIDA PELO EXPERT ..................................................................... 44

    FIGURA 7 POSIO REPRODUZIDA PELO JOGADOR DE CLASSE C........................................ 44

    FIGURA 8 TIKHOMIROV E POZNYANSKAYA ........................................................ ....................... 49

    FIGURA 9 ESTUDO PERCEIVER 1.................................................................. ................................... 50

    FIGURA 10 ESTUDO PERCEIVER 2................................................................ ................................... 50

    FIGURA 11 POSIO BASE PARA SER REPRODUZIDA............................................................... 51

    FIGURA 12 REPRODUO: CHUNK 1 ......................................................... ..................................... 51

    FIGURA 13 REPRODUO: CHUNK 2 ......................................................... ..................................... 52

    FIGURA 14 REPRODUO: CHUNK 3 ......................................................... ..................................... 52

    FIGURA 15 REPRODUO: CHUNK 4 ......................................................... ..................................... 52

    FIGURA 16 REPRODUO: CHUNK 5 ......................................................... ..................................... 52

    FIGURA 17 REPRODUO: CHUNK 6 ......................................................... ..................................... 52

    FIGURA 18 REPRODUO: CHUNK 7 ......................................................... ..................................... 52

    FIGURA 19 PROGRAMA MAPP........... ................................................................ ............................... 53

    FIGURA 20 ESTGIOS DO MINIMAX............................................................ ................................... 64

    FIGURA 21 O TABULEIRO DE XADREZ ..................................................... ..................................... 177

    FIGURA 22 A POSIO INICIAL DAS PEAS ............................................................. .................... 177

    FIGURA 23 O MOVIMENTO DO REI ............................................................... .................................. 178

    FIGURA 24 O MOVIMENTO DA DAMA........................................ .................................................... 178

    FIGURA 25 XEQUE............................................................... .............................................................. .. 179

    FIGURA 26 XEQUE-MATE......................................................... ......................................................... 179

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    FIGURA 27 AFOGAMENTO ........................................................ ........................................................ 180

    FIGURA 28 O MOVIMENTO DA TORRE.............................. ............................................................. 180

    FIGURA 29 O MOVIMENTO DO BISPO.................................................. ........................................... 181

    FIGURA 30 O MOVIMENTO DO CAVALO ........................................................ ............................... 181

    FIGURA 31 O MOVIMENTO DO PEO ........................................................... .................................. 181

    FIGURA 32 COMO O PEO CAPTURA ............................................................ ................................. 181

    FIGURA 33 PROMOO......................................................................... ............................................. 182

    FIGURA 34 EN PASSANT ..................................................... ............................................................. .. 182

    FIGURA 35 ROQUE PEQUENO 1..................................................................... ................................... 183

    FIGURA 36 ROQUE PEQUENO 2..................................................................... ................................... 183

    FIGURA 37 ROQUE GRANDE 1.................................................................... ...................................... 183

    FIGURA 38 ROQUE GRANDE 2.................................................................... ...................................... 183

    FIGURA 39 NOTAO ALGBRICA................................................... .............................................. 184

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    LISTA DE QUADROS E TABELAS

    QUADRO 1 - AS INVARIANTES FUNCIONAIS E AS CATEGORIAS DA RAZO.......................... 10

    QUADRO 2 - SIGNIFICADO E SIGNIFICANTE ...................................................... ............................. 19

    QUADRO 3 - IMITAO, JOGO E REPRESENTAO COGNITIVA................................................ 24

    QUADRO 4 - MATRIZ DE DUPLA ENTRADA................. ........................................................... ......... 27

    QUADRO 5 - AS 16 COMBINAES POSSVEIS DAS 4 CLASSES .................................................. 28

    QUADRO 6 - O SISTEMA DAS 16 OPERAES BINRIAS............................................................. . 29

    QUADRO 7 - PARTIDA DE DEFICIENTE MENTAL............................................................................ 42

    QUADRO 8 - MTODO DE PONTUAO USADO POR DE GROOT ............................................... 45QUADRO 9 - VALOR DAS PEAS EXPRESSO EM PEES............................................. ..................... 62

    QUADRO 10 - SMBOLOS PARA AVALIAR POSIES ................................................................... . 65

    QUADRO 11 - VALORES NUMRICOS PARA AVALIAR POSIES............................................ .. 66

    QUADRO 12 - RELAO ENTRE AS JOGADAS: A JOGADA E A RESPOSTA............................... 68

    QUADRO 13 - CARACTERIZAO DOS SUJEITOS..................................................................... ...... 70

    QUADRO 14 - AVALIAO DOS ERROS DE SAULO....................... ................................................. 75

    QUADRO 15 - CLASSIFICAO DAS JOGADAS DE SAULO...................................................... ..... 76

    QUADRO 16 - JOGADAS CORRETAS E ERRADAS DE SAULO ....................................................... 76

    QUADRO 17 - JOGADAS DE SAULO........................................................ ............................................ 77

    QUADRO 18 - JOGADAS E JUSTIFICATIVAS DE SAULO ................................................. ............... 79

    QUADRO 19 - TOMADA DE CONSCINCIA DE SAULO........................................ ........................... 80

    QUADRO 20 - AVALIAO DOS ERROS DE HEITOR .......................................................... ............ 82

    QUADRO 21 - CLASSIFICAO DAS JOGADAS DE HEITOR.......................................................... 82

    QUADRO 22 - JOGADAS CORRETAS E ERRADAS DE HEITOR...................................................... 82

    QUADRO 23 - JOGADAS DE HEITOR....................................................... ............................................ 83

    QUADRO 24 - JOGADAS E JUSTIFICATIVAS DE HEITOR............................................... ................ 84

    QUADRO 25 - TOMADA DE CONSCINCIA DE HEITOR ........................................................... ...... 85

    QUADRO 26 - AVALIAO DOS ERROS DE ALBERTO............................................................ ....... 87

    QUADRO 27 - CLASSIFICAO DAS JOGADAS DE ALBERTO.......................... ............................ 87

    QUADRO 28 - JOGADAS ADEQUADAS E ERRADAS DE ALBERTO .............................................. 87

    QUADRO 29 - JOGADAS DE ALBERTO................. ...................................................................... ........ 88

    QUADRO 30 - JOGADAS E JUSTIFICATIVAS DE ALBERTO ........................................................... 89

    QUADRO 31 - TOMADA DE CONSCINCIA DE ALBERTO.............................................................. 90

    QUADRO 32 - AVALIAO DO ERRO DE TALES.......................................................... ................... 92

    QUADRO 33 - CLASSIFICAO DAS JOGADAS DE TALES.................. .......................................... 92

    QUADRO 34 - JOGADAS CORRETAS E ERRADAS DE TALES .................................................. ...... 92QUADRO 35 - JOGADAS DE TALES................ ........................................................... .......................... 93

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    QUADRO 36 - JOGADAS E JUSTIFICATIVAS DE TALES .................................................. ............... 94

    QUADRO 37 - TOMADA DE CONSCINCIA DE TALES.................................................................... 95

    QUADRO 38 - AVALIAO DO ERRO DE RAFAEL................................................................. ......... 96

    QUADRO 39 - CLASSIFICAO DAS JOGADAS DE RAFAEL............................................ ............. 97

    QUADRO 40 - JOGADAS CORRETAS E ERRADAS DE RAFAEL..................................................... 97QUADRO 41 - JOGADAS DE RAFAEL................................... ........................................................... .... 98

    QUADRO 42 - JOGADAS E JUSTIFICATIVAS DE RAFAEL ......................................................... ..... 99

    QUADRO 43 - TOMADA DE CONSCINCIA DE RAFAEL ................................................................ 101

    QUADRO 44 - AVALIAO DO ERRO DE ALEXANDRE................................................................. 102

    QUADRO 45 - CLASSIFICAO DAS JOGADAS DE ALEXANDRE......................... ....................... 103

    QUADRO 46 - JOGADAS CORRETAS E ERRADAS DE ALEXANDRE ............................................ 103

    QUADRO 47 - JOGADAS DE ALEXANDRE............. ........................................................... ................. 104

    QUADRO 48 - JOGADAS E JUSTIFICATIVAS DE ALEXANDRE ..................................................... 105

    QUADRO 49 - TOMADA DE CONSCINCIA DE ALEXANDRE........................................................ 107

    QUADRO 50 - AVALIAO DOS ERROS DE NATHAN .......................................................... .......... 108

    QUADRO 51 - CLASSIFICAO DAS JOGADAS DE NATHAN ....................................................... 108

    QUADRO 52 - JOGADAS CORRETAS E ERRADAS DE NATHAN................... ................................. 109

    QUADRO 53 - JOGADAS DE NATHAN ....................................................... ......................................... 109

    QUADRO 54 - JOGADAS E JUSTIFICATIVAS DE NATHAN........................................................... .. 110

    QUADRO 55 - TOMADA DE CONSCINCIA DE NATHAN............................................................... 112

    QUADRO 56 - AVALIAO DO ERRO DE JOO .................................................................... ........... 113

    QUADRO 57 - CLASSIFICAO DAS JOGADAS DE JOO.............................................................. 114

    QUADRO 58 - JOGADAS CORRETAS E ERRADAS DE JOO ....................................................... ... 114

    QUADRO 59 - JOGADAS DE JOO........................................................... ............................................ 115

    QUADRO 60 - JOGADAS E JUSTIFICATIVAS DE JOO................................................................... . 116

    QUADRO 61 - TOMADA DE CONSCINCIA DE JOO............................. ......................................... 118

    QUADRO 62 - MODELO DO ERRO NO ATAQUE ..................................................................... .......... 125

    QUADRO 63 - MODELO DO ERRO NA DEFESA................................................................................. 125

    TABELA 1 - TABELA-VERDADE.................................... ................................................................ ... 127

    QUADRO 64 - TIPOS DE PROPOSIES E FALHAS................................................................ .......... 127

    QUADRO 65 - TIPOS DE ERROS NAS PROPOSIES......................................................... .............. 128QUADRO 66 - PROPOSIES E ERROS................................................................. .............................. 129

    TABELA 2 - AS PEAS DO JOGO........................................................ ............................................... 178

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    LISTA DE GRFICOS

    GRFICO 1 - ELEMENTOS DE UM GRFICO DE XADREZ............................................................. 67

    GRFICO 2 - O GRFICO DE XADREZ ..................................................................... .......................... 67

    GRFICO 3 - AVALIAO DAS POSIES DA PARTIDA SAULO X FRITZ............................... .. 75

    GRFICO 4 - TEMPO GASTO POR SAULO ................................................................. ........................ 78

    GRFICO 5 - AVALIAO DAS POSIES DA PARTIDA HEITOR X FRITZ ............................... 81

    GRFICO 6 - TEMPO GASTO POR HEITOR ................................................................. ....................... 84

    GRFICO 7 - AVALIAO DAS POSIES DA PARTIDA ALBERTO X FRITZ............................ 86

    GRFICO 8 - TEMPO GASTO POR ALBERTO ............................................................. ....................... 89

    GRFICO 9 - AVALIAO DAS POSIES DA PARTIDA TALES X FRITZ.................................. 91

    GRFICO 10 - TEMPO GASTO POR TALES ............................................................. ........................... 93

    GRFICO 11 - AVALIAO DAS POSIES DA PARTIDA RAFAEL X FRITZ............................. 96

    GRFICO 12 - TEMPO GASTO POR RAFAEL ................................................................... ................. 99

    GRFICO 13 - AVALIAO ALEXANDRE X FRITZ .......................................................... ............... 102

    GRFICO 14 - TEMPO GASTO POR ALEXANDRE .................................................... ........................ 104

    GRFICO 15 - AVALIAO DAS POSIES DA PARTIDA NATHAN X FRITZ ........................... 107

    GRFICO 16 - TEMPO GASTO POR NATHAN........................................................................ ............ 110

    GRFICO 17 - AVALIAO DAS POSIES DA PARTIDA JOO X FRITZ...... ............................ 113

    GRFICO 18 - TEMPO GASTO POR JOO.............................................................................. ............. 115

    GRFICO 19 - JOGADAS DE ATAQUE, DEFESA E NEUTRAS.............................................. ........... 119

    GRFICO 20 - NMERO DE JOGADAS EM QUE FICOU PERDIDO ................................................ 120

    GRFICO 21 - MDIA DOS ERROS .......................................................... ............................................ 121

    GRFICO 22 - TEMPO DOS ERROS............................................................. ......................................... 122

    GRFICO 23 - TRMINO DA PARTIDA.................................................................. ............................. 123

    GRFICO 24 - TOMADA DE CONSCINCIA...................................... ................................................. 123

    GRFICO 25 - TIPOS DE ERROS................................................................ ........................................... 130

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    RESUMO

    Este estudo buscou analisar a tomada de conscincia no jogo de xadrez em

    sujeitos experts de 8 a 17 anos, bem como analisar as jogadas erradas feitaspelos sujeitos. A anlise da tomada de conscincia envolveu dois passos: 1)avaliao da qualidade de cada jogada; 2) anlise das justificativas apresentadaspara a escolha das jogadas. A anlise dos erros envolveu os seguintes passos: 1)identificao dos erros, tomando como critrio para tal escolha as jogadas queimplicaram em perda de material (peas); 2) anlise das justificativasapresentadas para estas escolhas; 3) anlise dos erros tomando por base o seucarter proposicional. A metodologia utilizada foi uma variao do MtodoClnico piagetiano e envolveu os seguintes passos: 1) cada sujeito jogou umapartida contra o computador; 2) ao efetuarem suas jogadas, os sujeitos tiveram

    que justific-las; 3) registro em vdeo das partidas e justificativas para posteriortranscrio e anlise. A base terica que subsidiou o estudo foi a Epistemologia ePsicologia Gentica de Jean Piaget, sendo privilegiado o conceito de tomada deconscincia. Os resultados parecem indicar que os processos cognitivosenvolvidos no xito e no fracasso numa partida de xadrez podem ser explicadospelo conceito de tomada de conscincia.Palavras-chave: Teoria piagetiana, cognio, tomada de conscincia, anlise deerros, jogo de xadrez.

    ABSTRACT

    This study has searched to analyse the consciousness taking at the game of chessby expert subjects from 8 to 17 years old, as well as analyse the subjectsmistakes. The analysis of consciousness taking was done through the followingsteps: 1) evaluation of the quality of each move; 2) analysis of the justificationspresented for these choices; 3) analysis of the mistakes, on the grounds of theirpositional character. The methodology employed was a variation of the ClinicMethod from Piaget, through the following steps: 1) each subject played a game

    against the computer; 2) while making their moves, the subjects had to justifythem verbally; 3) recording the games and justifications in video for transcriptionand analysis. The theoretical background that guided the study was the GeneticEpistemology and Psychology of Jean Piaget, with special attention to theconcept of consciousness taking. The results seem to point out that the cognitiveprocesses involved in the success and failure at a game of chess can be explainedby the concept of consciousness taking.Keywords: Jean Piagets Theory, Cognition, Consciousness Taking, MistakeAnalysis, Chess.

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    1 INTRODUO

    Os jogos de tabuleiro tm um importante papel em pesquisas, desde

    meados do sculo XX. Em 1944, baseando-se em jogos como xadrez e pquer,John von Neumann e Oskar Morgenstern elaboraram a teoria dos jogos, cuja

    aplicao estende-se a problemas matemticos, sociais, polticos, econmicos, da

    psicologia e tambm na guerra (DAVIS, 1973, p. 15).

    A teoria dos jogos representa um mtodo para abordar, de modo

    formalizado, os processos de tomada de deciso por parte de agentes que

    reconhecem sua interao mtua. (FIANI, 2004, p. XII). Considera que problemas de comportamento econmico, como a troca direta ou indireta de

    mercadorias entre duas ou mais pessoas, o monoplio, o oligoplio e a

    competio livre podem ser analisados pela teoria matemtica dos jogos de

    estratgia (NEUMANN; MORGENSTERN, 1990, p. 1).

    Em 1994, os matemticos John F. Nash, John C. Harsanyi e Reinhard

    Selten foram laureados com o prmio Nobel em economia por suas anlises

    sobre o equilbrio na teoria dos jogos no-cooperativos. A teoria dos jogos

    fornece importantes elementos para se entender como um enxadrista escolhe

    bons movimentos durante a partida, conforme se ver no item 3.3.2 sobre a

    anlise enxadrstica.

    Dentre todos os jogos de tabuleiro, o mais estudado , sem dvida, o

    xadrez, sendo que sua utilizao pela psicologia comparada da Drosophila

    (mosca da fruta) em pesquisas de gentica: as genetics needs its model

    organisms, its Drosophila and Neurospora, so psychology needs standard task

    environments around which knowledge and understanding can cumulate. Chess

    has proved to be an excellent model environment for this purpose. (SIMON;

    CHASE, 1973, p. 394).

    O impacto das pesquisas sobre o xadrez nas cincias cognitivas foi bem

    captado por Charness num artigo de 1992. Charness pesquisou em duas

  • 8/3/2019 Processos Cognitivos No Xadrez

    14/196

    2

    respeitadas fontes de informaes, a Social Science Citation Index e a Science

    Citation Index, para localizar as publicaes mais citadas referentes ao xadrez, e

    encontrou o livro Thought and choice in chess (DE GROOT, 1946) e o artigo

    Perception in chess (CHASE; SIMON, 1973a).O livro de De Groot acumulou 250 citaes desde sua primeira edio

    em ingls em 1965 at 1989, enquanto que o artigo de Chase e Simon acumulou

    350 citaes no perodo de 1973 at 1989, sendo, portanto, duas citaes

    clssicas: a citation classic accolade is usually awarded when a work has

    between 100 and 400 citations, depending on size of the field of inquiry, so these

    two works can safely be judged to be classic ones. (CHARNESS, 1992, p. 4).SAARILUOMA (1995, p. 17-20), descreve algumas particularidades

    que esclarecem porque o xadrez to apropriado para investigaes cognitivas:

    a) O xadrez tem uma base finita (32 peas com apenas 6 tipos

    diferentes de movimentos, um tabuleiro com 64 casas e um conjunto de regras

    bem definidas), mas a complexidade gerada a partir desses elementos simples

    de tal ordem que o enxadrista no capaz de calcular todas as variaes e dever

    conceituar as posies da partida antes de fazer suas escolhas.

    b) Os enxadristas podem ser classificados em nveis de habilidade

    atravs do sistema de classificao (ELO, 1978) chamado rating1 que adotado

    mundialmente. Assim, experimentos feitos em qualquer pas podem ser

    comparados com preciso. Os experts reagem mesma posio de jogo de modo

    diferente dos novatos, e isto muito til para compreender a seletividade. Os

    jogadores profissionais ou semiprofissionais tiveram que trabalhar milhares de

    horas para adquirirem seus nveis, e as habilidades que desenvolveram permitem

    aos pesquisadores analisar sistemas conceituais de diferentes nveis, o que faz do

    xadrez um jogo que possibilita obter informaes sobre esses sistemas de

    processamento.

    1 Os termos enxadrsticos em itlico encontram-se explicados no Glossrio.

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    3

    c) Os jogadores desenvolveram hbitos para verbalizar seu pensamento

    de forma espontnea. comum ver enxadristas gastarem horas analisando

    partidaspost mortem com seus adversrios ou com os amigos. Para pesquisas em

    psicologia cognitiva essa caracterstica de grande importncia, pois notria adificuldade das pessoas verbalizarem seus pensamentos.

    GOBET (1998, p. 117) acrescenta tambm algumas caractersticas

    relevantes relativas adequao do xadrez para investigaes cognitivas: a) O

    xadrez oferece uma rica base de dados de partidas jogadas por competidores de

    diferentes nveis de habilidade, que podem ser usadas em estudos envolvendo

    ambiente estatstico. b) A base relativamente simples do xadrez facilmentetransformada em linguagem matemtica ou computacional. c) Permite um

    cruzamento com a Inteligncia Artificial. d) uma atividade flexvel que permite

    muitas manipulaes experimentais.

    Embora o jogo de xadrez apresente muitas caractersticas que o tornam

    atrativo para pesquisas cognitivas, poucos estudos foram feitos apoiados na teoria

    de Piaget. Encontramos somente um, a dissertao de mestrado do belga

    Christiaen intitulada Chess and cognitive development(GOBET, 2002, p. 10-13),

    que buscou verificar se o estudo e a prtica do xadrez aceleram a passagem do

    estgio operatrio concreto para o operatrio formal, mas nenhum efeito

    considervel foi encontrado (GOBET, 2002, p. 12).

    Nossa investigao ter como suporte a teoria de Piaget, mais

    precisamente na obra A tomada de conscincia (PIAGET, 1974a2), buscando

    estudar os processos cognitivos no jogo de xadrez. Acreditamos que essa

    investigao se mostrar relevante, no somente por no ter sido realizado um

    estudo semelhante, mas principalmente por que os processos cognitivos durante o

    jogo de xadrez podem ser descritos de forma clara e objetiva, sob o escopo da

    Epistemologia e da Psicologia Gentica.

    2 Sero mantidas as datas das publicaes originais de Piaget.

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    1.1 JUSTIFICATIVA

    O estudo e prtica do xadrez visando o desenvolvimento cognitivo

    uma idia bastante sedutora no meio enxadrstico, sendo foco de muitas

    pesquisas que tm como premissa que as habilidades cognitivas desenvolvidas

    pelo xadrez podem ser transferidas para outras reas, como matemtica, leitura,

    etc. Algumas dessas pesquisas foram recentemente criticadas por GOBET (2002)

    que assinalou nelas problemas metodolgicos.

    Segundo CHI et al. (1982, 1992) e POZO (1998, 2002), que estudaram

    a forma que especialistas e principiantes resolvem problemas, as habilidades e

    estratgias de soluo de problemas so especficas a um determinado domnio, e

    por isso, dificilmente transferveis de uma rea a outra.

    O objeto deste estudo, no entanto, no conhecer se h ou no essa

    transferncia, e sim a tomada de conscincia no jogo de xadrez, bem como

    efetuar a anlise dos erros nas jogadas do jogo de xadrez de sujeitos experts de

    8 a 17 anos.

    Acreditamos que este estudo mostra-se relevante por abordar dois

    aspectos importantes para se entender o desenvolvimento cognitivo na

    perspectiva piagetiana: a tomada de conscincia e a anlise dos erros.

    A tomada de conscincia, conforme se ver mais adiante, um conceito

    muito importante na teoria piagetiana para se entender como se d o

    conhecimento, enquanto que a importncia dos erros na construo dos

    conhecimentos assinalada pelo construtivismo piagetiano, conforme se vermais adiante.

    No entanto, esses dois aspectos, a tomada de conscincia e anlise dos

    erros, ainda no foram estudados no objeto jogo de xadrez, o que caracteriza,

    portanto, um estudo indito a ser realizado.

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    1.2 ABORDAGEM DO PROBLEMA

    Depois de muitos anos ensinando xadrez, pudemos perceber que a

    criana ao jogar xadrez reproduz, sem saber, parte da histria do

    desenvolvimento do xadrez. como se a antiga teoria da recapitulao pudesse

    ser aplicada aprendizagem deste jogo. No entanto, nenhuma pesquisa foi ainda

    realizada sobre esse assunto envolvendo o jogo de xadrez, ficando este tema

    como um objeto a ser estudado futuramente.

    Assim, primeiro a criana desenvolve o jogo de combinao (baseado

    na ttica) e depois o jogoposicional (baseado na estratgia), repetindo de certa

    forma na sua ontognese enxadrstica (evoluo enxadrstica individual) o que

    ocorreu na filognese do xadrez (evoluo do xadrez).

    medida que a criana vai praticando o xadrez ela vai cometendo

    diversos tipos de erros que praticamente todo enxadrista comete. O professor de

    xadrez, normalmente, limita-se a corrigir esses erros, sugerindo ao aluno que no

    os cometa mais, para melhorar seu nvel.

    Neste estudo, nosso interesse reside justamente nos processos

    cognitivos implcitos nos erros. Existe relao entre os tipos de erros cometidos

    com o processo de tomada de conscincia estudado por Piaget? possvel

    identificar alguma estrutura de pensamento tpica no erro numa partida de

    xadrez?

    A questo da importncia do erro na prtica pedaggica muito

    estudada pelos construtivistas piagetianos e foi bem captada pelo professor Linode Macedo, na seguinte passagem:

    Uma das formas de lidar com os erros ter uma atitude de pesquisa e reflexo comrelao a eles. saber observ-los na prtica pedaggica. saber interpret-los.

    poder torn-los um instrumento de trabalho; no algo do qual se quer ficar livre omais fcil e rapidamente possvel , mas que nos coloca uma questo cujo desenlace

    poder ter como resultante o desenvolvimento da criana e de ns mesmos.(MACEDO, 1999, p. 181).

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    1.3 HIPTESE DE PESQUISA

    Os processos cognitivos inerentes ao jogar bem em sujeitos de

    diferentes faixas etrias, podem ser explicados pela teoria da tomada da

    conscincia de Piaget.

    1.4 OBJETIVOS

    Geral: explicar os processos cognitivos que determinam o xito e o

    fracasso numa partida de xadrez pelo processo de tomada de conscincia

    de sujeitos entre 8 e 17 anos, classificados como experts (que tm muitaexperincia no jogo de xadrez).

    Especficos: identificar os tipos de jogadas presentes nas partidas; criar um

    sistema de classificao para as jogadas; analisar as jogadas tendo por

    base o conceito piagetiano de tomada de conscincia; identificar os tipos

    de erros presentes nas partidas, classific-los e analis-los.

    2. O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO SEGUNDO JEAN PIAGET

    Pode-se dizer que o objetivo central na obra de Piaget foi o de resolver

    o problema do conhecimento, ou seja, como ocorre a passagem de um

    conhecimento inferior ou mais pobre a um saber mais rico (em compreenso e

    em extenso). (PIAGET, 1970, p. 9).

    Para abordar este complexo problema, que tem interessado filsofos a

    centenas de anos, Piaget recorreu Biologia, Psicologia, Filosofia,

    Epistemologia e Lgica.

    O resultado desta investigao foi o desenvolvimento de uma teoria que

    revela que o conhecimento no pode ser concebido como algo predeterminado

    nas estruturas internas do indivduo, pois que estas resultam de uma construo

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    efetiva e contnua, nem nos caracteres preexistentes do objeto, pois que estes s

    so conhecidos graas mediao necessria dessas estruturas. (PIAGET, 1970,

    p. 7).

    ...o conhecimento no procede, em suas origens, nem de um sujeito consciente de simesmo nem de objetos j constitudos (do ponto de vista do sujeito) que a ele seimporiam. O conhecimento resultaria de interaes que se produzem a meiocaminho entre os dois, dependendo, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas emdecorrncia de uma indiferenciao completa e no de intercmbio entre formasdistintas. (PIAGET, 1970, p. 14).

    Sua teoria mostra que a inteligncia se desenvolve desde suas bases

    orgnicas at as formas mais elevadas do pensamento formal, passando por

    quatro grandes perodos de desenvolvimento: sensrio-motor, pr-operatrio,operatrio concreto e operatrio formal, que sero abordados nos tens 2.1 a 2.5.

    Para explicar o desenvolvimento de um perodo ao outro, PIAGET

    (1964, p. 3-4) recorreu a quatro fatores: 1) a maturao do sistema nervoso; 2) o

    papel desempenhado pela experincia com os objetos: a) a experincia fsica, que

    consiste em agir sobre os objetos e tirar algum conhecimento pela abstrao

    emprica. b) A experincia lgico-matemtica, onde o conhecimento no

    deduzido dos objetos, mas das aes realizadas sobre os objetos; 3) a transmisso

    social, entendida como transmisso lingstica (assistemtica) ou transmisso

    educacional (sistemtica); e 4) a equilibrao ou auto-regulao, que visa

    equilibrar os trs fatores anteriores e compensar as perturbaes externas que o

    sujeito encontrar no ato de conhecer, tendendo assim para o equilbrio.

    Cada um dos fatores constitui, para Piaget, condio necessria mas

    no suficiente ao desenvolvimento (MORO, 1987, p. 21).

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    2.1 A INTELIGNCIA SENSRIO-MOTORA ( at 2 anos3)

    A inteligncia sensrio-motora a inteligncia anterior ao

    aparecimento da linguagem e caracteriza-se por ser essencialmente prtica,

    quando a criana visa somente ao xito ou utilizao prtica (PIAGET, 1937, p.

    335). Esse perodo de desenvolvimento da inteligncia foi analisado por Piaget,

    principalmente, em duas grandes obras: O nascimento da inteligncia na criana

    (PIAGET, 1936)eA construo do real na criana (PIAGET, 1937).

    2.1.1 Organizao e Adaptao, Assimilao e Acomodao

    Todo ser vivo, seja animal ou vegetal, apresenta duas grandes

    tendncias, ou invariantes funcionais: organizao e adaptao. Essas so as

    funes biolgicas mais genricas e pode-se encontrar isomorfismo parcial

    dessas funes entre os planos orgnico e cognoscitivo (PIAGET, 1936, p. 16;

    1967, p. 73).

    Para PIAGET (1936, p. 16), h adaptao quando o organismo se

    transforma em funo do meio, e essa variao tem por efeito um incremento do

    intercmbio entre o meio e aquele, favorvel a sua conservao, isto ,

    conservao do organismo.

    Quanto organizao, PIAGET (1936, p. 18) diz que, do ponto de

    vista biolgico [e psicolgico], a organizao inseparvel da adaptao: so

    dois processos complementares em um mecanismo nico, sendo o primeiro [a

    organizao] o aspecto interno do ciclo do qual a adaptao constitui o aspecto

    exterior.

    Por intermdio da organizao, e em estreita interao com o meio, a

    inteligncia constri a noo de objeto permanente, e categorias como espao,

    tempo, causalidade, classificao, seriao e nmero, categorias essas que

    3 Lembrando que as idades indicadas so sempre mdias e, ainda assim, aproximativas. (PIAGET,INHELDER, 1966, p. 11).

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    correspondem a aspectos da realidade, proporcionando assim uma melhor

    adaptao ao meio. Ao adaptar-se ao meio, a inteligncia organiza-se e, ao

    organizar-se, estrutura o meio (PIAGET, 1936, p. 19).

    Um sistema organizado est aberto para o meio e seu funcionamentosupe assim trocas com o exterior, cuja estabilidade define o carter adaptado

    que possui (PIAGET, 1967, p. 198).

    Considerando uma totalidade organizada composta pelos elementos a,

    b, c,etc. e elementos do meio ambiente x, y, z,etc. O esquema da organizao

    o seguinte:

    1) a + x

    b; 2) b + y

    c; 3) c + z

    a, etc.Os processos 1), 2) etc. tanto podem consistir em reaes qumicas

    (quando o organismo ingere substnciasx que ele transformar em substncias b

    que fazem parte da sua estrutura), como em transformaes fsicas quaisquer ou,

    enfim, de um modo particular, em comportamentos sensrio-motores (quando

    um ciclo de movimentos corporais a combinados com os movimentos exteriores

    x chega a um resultado b que participa igualmente no ciclo de organizao).

    A relao que une os elementos organizados a, b, c etc. aos elementos

    do meio x, y, z etc. constitui uma relao de assimilao, ou seja, o

    funcionamento do organismo no destri, mas conserva o ciclo de organizao e

    coordena os dados do meio de modo a incorpor-los nesse ciclo.

    Supondo que se produza no meio uma variao que transformex emx'

    pode ocorrer das duas uma: ou o organismo no se adapta e h ruptura no ciclo,

    ou h adaptao, o que significa que o ciclo organizado se modificou ao fechar

    sobre si mesmo, como pode ser visto a seguir.

    1) a + x' b'; 2) b' + y c; 3) c + z a.

    Se chamarmos acomodao a esse resultado das presses exercidas

    pelo meio (transformao de b em b'), podemos dizer que a adaptao um

    equilbrio entre a assimilao e a acomodao (PIAGET, 1936, p. 17).

    Como para PIAGET (1936, p. 15) a inteligncia um caso particular de

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    adaptao biolgica, esse ciclo aplica-se prpria inteligncia.

    Resumindo, a assimilao cognoscitiva a integrao [do objeto do

    conhecimento] a estruturas prvias, que podem permanecer invariveis ou so

    mais ou menos modificadas por esta prpria integrao, mas semdescontinuidade com o estado precedente, isto , sem serem destrudas, mas

    simplesmente acomodando-se nova situao. (PIAGET, 1967, p. 13).

    Quanto ao conceito de acomodao: Chamaremos acomodao (por

    analogia com os acomodatos biolgicos) toda modificao dos esquemas de

    assimilao sob a influncia de situaes exteriores (meio) aos quais se aplicam.

    (PIAGET, 1967, p. 18).Sintetizando o que foi dito obtm-se o seguinte quadro sobre as

    invariantes funcionais e as categorias da razo.

    QUADRO 1 - AS INVARIANTES FUNCIONAIS E AS CATEGORIAS DA RAZO

    Funes biolgicas Funes intelectuais Categorias

    Organizao

    Assimilao

    Adaptao

    Acomodao

    Funo reguladora

    Funo implicativa

    Funo explicativa

    A. Totalidade x Relao(reciprocidade)

    B. Ideal (fim) x Valor (meio)

    A. Qualidade x ClasseB. Relao Quantitativa x

    Nmero

    A. Objeto x EspaoB. Causalidade x Tempo

    FONTE: PIAGET, 1936, p. 20

    2.1.2 Funo Reguladora: Totalidade x Relao e Ideal x Valor

    PIAGET (1936, p. 21) explica essas categorias relativas funo de

    organizao afirmando que so fundamentais e que, no plano intelectual, tm

    funo de regulao, ou seja, combinam-se com todas as outras e encontram-se

    em todas as operaes fsicas. Pode-se defini-las, do ponto de vista esttico, pela

    totalidadee relao, e do ponto de vista dinmico pelo ideale valor.

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    A categoria totalidade refere-se ao sentido de interdependncia de toda

    e qualquer organizao, inteligente ou biolgica. O correlativo categoria

    totalidade a categoria relao, pois toda e qualquer totalidade consiste num

    sistema de relaes, assim como a relao um segmento da totalidade.Chama-se ideal todo e qualquer objetivo final das aes, e valores os

    meios que permitem alcanar esse objetivo. As relaes entre o ideal e os valores

    so da mesma ordem que as da totalidade e das relaes, pois o ideal a forma

    ainda no atingida de equilbrio das totalidades reais, e os valores so as relaes

    entre os meios e os fins.

    2.1.3 Funo Implicativa: Qualidade x Classe e Relao Quantitativa x Nmero

    PIAGET (1936, p. 22) diz que a funo implicativa comporta duas

    invariantes funcionais que so encontradas em todas as fases, onde uma delas

    corresponde sntese de qualidades, ou seja, s classes (conceitos e esquemas), e

    outra sntese das relaes quantitativas ou numricas.

    Piaget analisou a formao das operaes de classificao na obra

    Gnese das estruturas lgicas elementares (PIAGET; INHELDER, 1959), e o

    estudo sobre a formao do nmero em A gnese do nmero na criana

    (PIAGET; SZEMINSKA, 1941).

    2.1.4 Funo Explicativa: Objeto, Espao, Tempo e Causalidade

    Essa funo foi analisada detalhadamente por Piaget na obra A

    construo do real na criana (PIAGET, 1937).

    PIAGET (1937, p. 330-331) diz que a atividade intelectual inicia pela

    indiferenciao entre a assimilao e a acomodao, o que faz o conhecimento do

    mundo exterior iniciar pela utilizao imediata das coisas, enquanto que o

    conhecimento do eu fica impossibilitado por esse contato puramente prtico e

    utilitrio. Portanto, h apenas uma interao entre a zona mais superficial da

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    realidade exterior e a periferia corporal do eu.

    Mas medida que ocorrem a diferenciao e a coordenao entre

    assimilao e acomodao, a atividade experimental (acomodao) avana na

    compreenso dos objetos, enquanto que a atividade assimiladora organiza-se.Ocorre, ento, um relacionamento progressivo entre as zonas cada vez

    mais profundas e distantes do real e as operaes mais internas da atividade do

    sujeito. Portanto, a inteligncia no inicia pelo conhecimento do eu nem pelo

    conhecimento das coisas, mas pela interao dos dois. Nessa interao, a

    inteligncia organiza o mundo organizando a si prpria.

    FIGURA 1

    FONTE: PIAGET, 1937, p. 330

    Na figura 1 pode-se ver a representao esquemtica do que foi dito: o

    crculo pequeno representado pelo organismo e o grande, o meio ambiente. O

    encontro dos dois registrado pelo ponto A.

    Como todo conhecimento , ao mesmo tempo, acomodao ao objeto e

    assimilao ao sujeito, a inteligncia progride operando no duplo sentido da

    exteriorizao e interiorizao, sendo seus dois plos a experincia fsica ( Y)

    e conscientizao do prprio funcionamento intelectual ( X) (PIAGET, 1937,

    p. 331).

    Organismo

    Meio

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    2.2 AS FASES DA INTELIGNCIA SENSRIO-MOTORA

    Ao estudar o desenvolvimento da inteligncia sensrio-motora,

    PIAGET (1936) encontrou caractersticas que possibilitaram dividi-la em seis

    fases, separadas em dois blocos: adaptaes sensrio-motoras elementares (fases

    1 e 2) e adaptaes sensrio-motoras intencionais (fases 3 a 6).

    2.2.1 Primeira fase: o exerccio dos reflexos ( at 1 ms)

    A criana, quando nasce, est equipada somente com os reflexos

    hereditrios, dentre os quais o de suco e o de palmar desempenham grandeimportncia para o desenvolvimento da inteligncia, sendo que o reflexo de

    palmar ser posteriormente integrado na preenso intencional (PIAGET;

    INHELDER, 1966a, p. 14).

    Por intermdio do exerccio dos reflexos o beb mama melhor depois

    de alguns dias do que por ocasio das primeiras tentativas. O processo de

    acomodao possibilita criana em contato com o seio materno modificar o

    reflexo de suco, que hereditariamente orientado para esse contato,

    consolidando-o (PIAGET, 1936, p. 39). De modo geral, pode-se afirmar que o

    reflexo se consolida e se refora em virtude do seu prprio funcionamento.

    (PIAGET, 1936, p. 41).

    Indissocivel da acomodao est a assimilao, que inerente ao

    exerccio reflexo, e se manifesta, num primeiro momento, pela necessidade

    crescente de repetio, caracterizando o exerccio do reflexo (assimilao

    reprodutiva ou funcional).

    Num segundo momento, a assimilao busca o reconhecimento prtico

    dos objetos, o que proporciona criana adaptar-se aos diferentes objetos com

    que sua boca entra em contato (assimilao recognitiva). Posteriormente, a

    assimilao incorpora objetos cada vez mais variados ao esquema do reflexo

    (assimilao generalizadora) (PIAGET, 1936, 41-43).

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    Esquema a estrutura ou a organizao das aes, as quais se

    transferem ou generalizam no momento da repetio da ao, em circunstncias

    semelhantes ou anlogas. (PIAGET; INHELDER, 1966a, p. 15).

    2.2.2 Segunda fase: as primeiras adaptaes adquiridas e a reao circular

    primria ( de 1 a 4 meses e meio)

    s montagens hereditrias do beb so acrescidas as adaptaes

    adquiridas, sendo que aquelas pouco a pouco se subordinam a estas. Tal o caso

    da suco do polegar por ocasio da coordenao com a preenso, pois os

    reflexos hereditrios de suco e preenso no prevem hereditariamente esta

    coordenao, posto que no existe o instinto de chupar o dedo (PIAGET, 1936, p.

    56-57).

    Estas novas aquisies so obtidas mediante reaes circulares: a

    reao circular , pois, um exerccio funcional adquirido, que prolonga o

    exerccio reflexo e tem por efeito alimentar e fortificar no j um mecanismo

    inteiramente montado, apenas, mas todo um conjunto sensrio-motor de novos

    resultados, os quais foram procurados com a finalidade pura e simples de obt-

    los. (PIAGET, 1936, p. 73).

    A coordenao paulatina dos esquemas referentes viso, audio,

    suco e preenso marca o incio dos comportamentos complexos denominados

    assimilao por esquemas secundrios. Fato caracterstico o desenvolvimento

    da preenso, em que PIAGET (1936, p. 95-120) identificou cinco etapas:Primeira etapa: movimentos impulsivos e reflexo puro, onde o recm-

    nascido fecha a mo quando se pressiona levemente a palma da sua mo.

    Segunda etapa: ocorrem as primeiras reaes circulares referentes aos

    movimentos das mos, antes que ocorra a coordenao entre preenso, suco e

    viso. a preenso pela preenso que visa agarrar os objetos e mant-los na mo,

    sem buscar olh-los ou lev-los boca.

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    Terceira etapa: surge a coordenao entre a preenso e a suco, ou

    seja, a mo agarra os objetos que leva boca e se apodera dos objetos que a boca

    est chupando.

    Quarta etapa: ocorre a preenso desde que a criana perceba o objeto ea sua mo ao mesmo tempo.

    Quinta etapa: ocorre a preenso do que visto no seu espao prximo

    sem as restries relativas quarta etapa. Esta etapa ocorre por volta dos 4 meses

    e meio, portanto pertencente fase seguinte da inteligncia.

    Com a coordenao entre viso e preenso abre-se a srie de

    comportamentos denominados adaptaes intencionais, que abrangem as fases 3a 6 da inteligncia sensrio-motora.

    2.2.3 Terceira fase: reao circular secundria e processos para fazer durar os

    espetculos interessantes ( de 4 meses e meio at 8-9 meses)

    A criana desta fase encontra-se numa transio entre os atos pr-

    inteligentes (fases 1 e 2) e os atos inteligentes (fases 4 a 6), sendo esta fase

    portanto o limiar dos atos inteligentes.

    Ao contrrio das reaes circulares primrias, caractersticas da fase

    precedente, onde os movimentos estavam centrados em si mesmos (centrpetos) e

    no destinados a manter um resultado ocorrido no meio exterior, nas reaes

    circulares secundrias os movimentos esto centrados num resultado produzido

    no meio exterior [centrfugos] e a ao tem por nica finalidade manter esseresultado (PIAGET, 1936, p. 154).

    Portanto, a nica diferena entre as reaes circulares primrias e

    secundrias e que nestas o interesse est centrado no resultado exterior,

    enquanto que naquelas o interesse est centrado na atividade pura e simplesmente

    (PIAGET, 1936, p. 174).

    Mas dentre os fenmenos desconhecidos que a criana observa,somente conduziro a reaes circulares aqueles que forem sentidos como

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    dependentes da ao da criana (PIAGET, 1936, p. 168).

    Piaget diz que, quando a criana encontra-se diante de um objeto novo,

    ela limita-se a utiliz-lo como alimento para seus esquemas habituais. Mas pode

    ocorrer que a novidade seja um espetculo interessante sobre o qual a criana notenha domnio direto, e, nesse caso, o desejo de ver o espetculo continuar faz

    com que ela utilize seus esquemas habituais para exercer ao sobre este

    fenmeno, mesmo no havendo contato real com o objeto (PIAGET, 1936, p.

    192-193).

    Deve-se finalmente destacar que todos os comportamentos consistem

    em repetir o que acabou de fazer ou o que j est habituada a fazer, sendo que osmeios permanecem ainda inseparveis dos fins, ou seja, a criana ainda no

    percebe relacionamento entre meios e fins (PIAGET, 1936, p. 201).

    2.2.4 Quarta fase: coordenao dos esquemas secundrios e sua aplicao s

    novas situaes ( de 8-9 meses at 11-12 meses)

    Nesta fase surgem as primeiras condutas inteligentes, quando, atravs

    da coordenao dos esquemas secundrios, a criana se prope a atingir um fim

    que no est diretamente acessvel, colocando em ao, para este fim, esquemas

    relativos a outras situaes. Portanto, ocorre simultaneamente a distino entre

    meios e fins, e a coordenao intencional entre os esquemas (PIAGET, 1936, p.

    202-203).

    O ato intencional implica num fim a ser atingido e os meios a seremutilizados. Piaget explica que desde que haja inteno haver um fim a atingir e

    meios a empregar, logo, uma conscientizao de valores (o valor ou interesse dos

    atos intermedirios que servem de meios est subordinado ao do fim) e de ideal

    (o ato a realizar faz parte de uma totalidade ideal oufim, em relao totalidade

    real dos atos j organizados). (PIAGET, 1936, p. 147).

    Piaget diz que o grande progresso da quarta fase consiste nestamobilidade dos esquemas: tornando-se mveis, isto , aptos a novas

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    coordenaes e snteses, os esquemas secundrios destacam-se do seu contedo

    habitual para se aplicarem a um nmero crescente de objetos: de esquemas

    particulares, com um contedo especial ou singular, eles convertem-se, pois, em

    esquemas genricos de contedo mltiplo. (PIAGET, 1936, p. 227).Mas os progressos destes comportamentos so limitados por duas

    circunstncias que marcam o limite dos comportamentos relativos fase

    seguinte.

    Primeiro: para se adaptar s novas circunstncias a criana limita-se a

    coordenar os esquemas que conhece, sem diferenci-los por acomodao

    progressiva, ajustando uns aos outros.Segundo: as relaes que a criana estabelece entre as coisas dependem

    ainda de esquemas j montados sendo nova somente a coordenao, no

    chegando a elaborar objetos inteiramente independente da ao (PIAGET, 1936,

    p. 249).

    2.2.5 Quinta fase: reao circular terciria e descoberta de novos meios por

    experimentao ativa ( 11 ou 12 meses at 18 meses)

    Nessa fase observa-se o desenvolvimento de novos esquemas devidos

    experimentao ou busca de novidades, levando ao aparecimento de um tipo

    superior de coordenao dos esquemas: a coordenao dirigida pela busca de

    novos meios (PIAGET, 1936, p. 250).

    Na reao circular terciria, quando a criana no consegue assimilarcertos objetos ou certas situaes aos esquemas, ela adota uma conduta inusitada:

    investiga, por uma espcie de experimentao, em que consiste a novidade do

    objeto ou evento.

    No dizer de Piaget: quando a criana repete os movimentos que a

    levaram ao resultado interessante, no os repete literalmente, [como na reao

    circular secundria] mas, pelo contrrio, gradua-os e varia-os de modo adescobrir as flutuaes do prprio resultado. (PIAGET, 1936, p. 252).

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    Nessa fase observam-se as formas mais elevadas da atividade

    intelectual, antes do aparecimento da inteligncia sistemtica, que so as

    condutas relativas ao suporte, ao barbante e vara (PIAGET, 1936, p. 264).

    A conduta do suporte ocorre quando a criana percebe a relao postosobre, onde se coloca um objeto interessante e no imediatamente acessvel

    criana sobre outro (almofada, pedao de tecido, etc.) e a criana utiliza-se deste

    para alcanar aquele. A conduta do barbante consiste em puxar para si um objeto

    servindo-se do seu prolongamento (barbante, corrente, etc.). A conduta da vara

    a utilizao de um instrumento (vara, basto, etc.) para alcanar um objeto.

    2.2.6 Sexta fase: inveno de novos meios por combinao mental ( 18 meses

    at 24 meses)

    Quando a criana dessa fase encontra-se diante de uma situao onde

    obstculos se interpem entre ela e o fim desejado, surge uma adaptao

    particular que leva a criana a descobrir meios adequados para resolver o

    problema. Esses meios envolvem inveno (e no apenas descoberta), e

    representao (e no apenas explorao sensrio-motora) (PIAGET, 1936, p.

    319-320).

    Piaget diz que inventar combinar esquemas mentais, isto ,

    representativos, e, para tornarem-se mentais, os esquemas sensrio-motores

    devem ser suscetveis de combinarem-se entre si, de todas as maneiras, ou seja,

    de poderem dar lugar a verdadeiras invenes. (PIAGET, 1936, p. 320).Assim, atravs de caractersticas como a combinao mental dos

    esquemas, a evocao de imagens-smbolo, dentre outras, a inteligncia da

    criana avana na aquisio da linguagem e se transforma, com o auxlio do

    grupo social, em inteligncia refletida (PIAGET, 1936, p. 334).

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    2.3 A INTELIGNCIA PR-OPERATRIA ( de 2 a 7 anos)

    PIAGET (1946, p. 351-364) tambm chamou este perodo de atividade

    representativa egocntrica, dividindo-o em duas fases: pensamento pr-conceitual

    e pensamento intuitivo, que sero brevemente descritos a seguir.

    2.3.1 O Pensamento Pr-Conceitual ( de 2 a 4 anos)

    Para Piaget, todo pensamento (reflexivo e conceitual), toda atividade

    cognitiva e motora, toda percepo e todo hbito consistem em relacionar as

    significaes, e toda significao supe uma relao entre um significante e arealidade significada (PIAGET, 1947, p. 162-163).

    No fim do perodo sensrio-motor surge uma funo fundamental para

    o desenvolvimento da inteligncia, a funo simblica ou semitica, cuja

    propriedade permite a representao do real, por intermdio dos significantes

    (smbolos individuais ou coletivos), distintos das coisas significadas (PIAGET;

    INHELDER, 1966a, p. 46).

    QUADRO 2 SIGNIFICADO E SIGNIFICANTE

    FONTE: PIAGET, 1966b, p. 517.

    No estudo da representao, Piaget diferenciou indcio, smbolo e

    signo: no indcio o significante constitui uma parte ou um aspecto do objeto

    significado, ou ainda est unido a este por uma relao de causa e efeito que

    anuncia a presena de um objeto ou a iminncia de um acontecimento,

    permitindo criana antecip-lo sem representao mental, por simples ativao

    de esquemas (1936, p. 185; 1946, p. 129; 1947, p. 163).

    O smbolo uma imagem evocada mentalmente ou um objeto material

    Significados Significantes

    Figurais Objetos Imagens

    Gerais Conceitos Signos verbais

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    escolhido intencionalmente para designar uma classe de aes ou objetos. O

    smbolo implica numa relao de semelhana entre o significante e o significado

    (PIAGET, 1936, p. 185).

    O signo um smbolo coletivo e, portanto, arbitrrio. Smbolo e signoso os dois plos (individual e social) de uma mesma elaborao de significaes

    (PIAGET, 1936, p. 185).

    PIAGET e INHELDER (1966a, p. 48) apontam cinco estgios de

    desenvolvimento da funo simblica, em ordem crescente de complexidade: a

    imitao diferida, que uma imitao que ocorre na ausncia do modelo; o jogo

    simblico, ou jogo de fico; o desenho, ou imagem grfica; a imagem mental,que surge como imitao interiorizada; e a evocao verbal de acontecimentos

    no atuais, que surge com a linguagem nascente.

    J foi visto que, quando assimilao e acomodao encontram-se em

    equilbrio, existe adaptao inteligente. No havendo equilbrio pode ocorrer

    duas possibilidades: a assimilao predominar sobre a acomodao, ou,

    inversamente, a acomodao predominar sobre a assimilao.

    Quando a acomodao sobrepuja a assimilao ocorre a imitao: na

    medida em que os objetos exteriores modificam os esquemas de ao do sujeito,

    sem que este, por seu turno, utilize diretamente esses objetos, por outras palavras,

    na medida em que a acomodao predomina sobre a assimilao, a atividade se

    desenrola no sentido da imitao (PIAGET, 1946, p. 18).

    Quando a assimilao sobrepuja a acomodao ocorre o jogo: o jogo

    essencialmente assimilao, ou assimilao predominando sobre a acomodao.

    (PIAGET, 1946, p. 115).

    A funo simblica possibilita o surgimento da linguagem, e junto com

    essa, desenvolve-se a primeira forma de pensamento conceitual, o pr-conceito,

    cujas caractersticas so de no atingir nem a generalidade (incluso hierrquica)

    nem a individualidade verdadeira (permanncia do objeto idntico fora do campo

    de ao prximo) (PIAGET, 1946, p. 358).

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    No dizer de Piaget: o pr-conceito caracterizado por uma

    assimilao incompleta porque centrada sobre o exemplar tipo em vez de

    englobar todos os elementos do conjunto e por uma acomodao incompleta

    porque limitada evocao por imagens daquele indivduo-tipo, em vez deestender-se a todos. (PIAGET, 1946, p. 359-360).

    Os primeiros raciocnios da criana so portanto inferncias

    transdutivas, no procedendo do particular para o geral (induo), nem do geral

    para o particular (deduo), mas sim do particular ao particular (PIAGET, 1946,

    p. 299):

    ...a transduo um raciocnio sem imbricaes reversveis de classes hierrquicas,nem de relaes. Sendo sistema de coordenaes sem imbricaes, por conexodireta entre esquemas semi-singulares, a transduo ser, pois, uma espcie deexperincia mental que prolonga as coordenaes de esquemas sensrio-motores no

    plano das representaes; como no constituem conceitos gerais, e sim merosesquemas de aes evocados mentalmente, essas representaes ficaro a meio-caminho entre o smbolo-imagem e o prprio conceito. (PIAGET, 1946, p. 300).

    No plano da lgica, a criana do perodo pr-operatrio permanece

    numa pr-lgica, sendo que nesse estgio (pensamento pr-conceitual), a pr-

    lgica representada por colees figurais. Nessas a criana dispe os

    elementos a classificar agrupando-os segundo as configuraes espaciais que

    comportam uma significao (PIAGET; INHELDER, 1959, p. 32), por

    exemplo, colocar um tringulo em cima de um quadrado porque forma o telhado

    da casa.

    2.3.2 O Pensamento Intuitivo ( de 4 a 7 anos)

    As anlises do pensamento da criana da fase anterior baseiam-se na

    observao, pois sua inteligncia muito instvel para ser interrogada

    proveitosamente. Com o incio dessa fase, ao contrrio, possvel fazer breves

    experincias com a criana levando-a a manejar objetos que a interessam e

    obtendo assim respostas regulares (PIAGET, 1947, p. 168-169).

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    Dos quatro aos sete anos assiste-se a uma coordenao gradual das

    relaes representativas, ou seja, a uma conceitualizao crescente que conduzir

    a criana s operaes (PIAGET, 1947, p. 169).

    No entanto, como j foi dito, a inteligncia da criana deste perodopermanece pr-lgica, sendo que essa falta suprida pelo mecanismo da intuio,

    o que quer dizer que, diante de um problema prtico num brinquedo ou num

    jogo, as respostas da criana apiam-se nas configuraes perceptivas ou nos

    tateios empricos da ao.

    Piaget cita a experincia realizada com Szeminska (PIAGET;

    SZEMINSKA, 1941) onde so apresentados criana dois copos pequenos (A eA) de forma e dimenses iguais, onde so colocados os mesmo nmeros de

    prolas. A equivalncia reconhecida pela criana, pois ao mesmo tempo em que

    coloca uma prola com a mo esquerda em A, coloca tambm uma com a mo

    direita em A. Deixando o copo A intacto verte-se o contedo de A em um copo

    B de forma diferente e observa-se que as crianas desta fase concluem que a

    quantidade de prolas variou, embora tenham certeza que nada foi retirado ou

    acrescentado. Se B for mais fino e alto dizem que h mais prolas ali pois o copo

    mais alto, ou que h menos prolas pois mais fino (PIAGET, 1947, p. 169-

    170).

    Ao estimar que o copo B contm um maior nmero de prolas do que o

    copo A porque o nvel subiu, a criana est centrando seu pensamento ou sua

    ateno nas relaes de altura de B e de A, mas desprezando as relaes de

    largura (PIAGET, 1947, p. 170). Mas ao se verter as prolas do copo B em copos

    ainda mais estreitos e mais altos ocorrer, necessariamente, que em um dado

    momento a criana dir que coube menos prolas porque o copo mais estreito.

    Haver ento a correo da centrao sobre a altura, para uma centrao na

    largura. Ora, esta passagem de uma s centrao a duas sucessivas anuncia a

    operao: se a criana raciocina em duas relaes, ao mesmo tempo, porque

    deduz, com efeito, a conservao. (PIAGET, 1947, p. 170).

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    Outra experincia interessante consiste em colocar numa caixa aberta

    20 prolas, que a criana reconhece sendo todas de madeira, formando uma

    classe B. A maioria destas prolas escura (parte A) e duas so brancas (parte

    complementar A'). Para determinar se a criana capaz de reunir as partes notodo (A + A' = B) pergunta-se a ela se h na caixa mais prolas de madeira ou

    mais prolas escuras, ou seja, A < B? (PIAGET, 1947, p. 173).

    Os resultados indicaram que as crianas at aproximadamente 7 anos

    centram sua ateno no todo B, ou nas partes A e A'. Mas centrando-se em A o

    todo B destrudo de tal sorte que a parte A pode somente ser comparada outra

    parte A'. H novamente no-conservao do todo, por falta de mobilidade nascentraes sucessivas do pensamento. (PIAGET, 1947, p. 173-174).

    O pensamento intuitivo vai progressivamente sendo corrigido por um

    sistema de ajustes que anunciam as operaes. Toda descentrao de uma

    intuio traduz-se, assim, num ajuste que tende para a direo da reversibilidade,

    da composio transitiva e da associatividade, portanto, no total, da conservao

    por coordenao dos pontos de vista. De onde as intuies articuladas, cujo

    progresso induz mobilidade reversvel preparando a operao. (PIAGET,

    1947, p. 180).

    Sintetizando o que foi dito sobre a imitao e o jogo obtm-se o quadro

    3, que mostra tambm a passagem do perodo sensrio-motor para o pr-

    operatrio, e deste ao operatrio concreto, que ser abordado a seguir.

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    QUADRO 3 - IMITAO, JOGO E REPRESENTAO COGNITIVA

    I. AtividadesSensrio-motoras

    II. Atividaderepresentativa egocntrica

    III. AtividadeOperatria

    Jogos de

    construo

    Jogo simblico

    Assimilao a preceder aAcomodao (Jogo)

    Imaginao criadora

    Esquemas deAssimilao

    Equilbrio: IntelignciaSensrio-motora

    Pr-conceitos Intuio Operaes

    Acomodao a preceder aassimilao (Imitao)

    Imaginao reprodutora

    Imitao representativa

    Imitaorefletida

    FONTE: PIAGET, 1946, p. 369

    2.4 A INTELIGNCIA OPERATRIA CONCRETA ( de 7 a 11/12 anos)

    Por volta dos sete anos ocorre um fato decisivo no desenvolvimento da

    inteligncia: as aes interiorizadas ou conceptualizadas com as quais o sujeitotinha at aqui de se contentar adquirem o lugar de operaes enquanto

    transformaes reversveis que modificam certas variveis e conservam as outras

    a ttulo de invariantes. (PIAGET, 1970, p. 32).

    Tomando como exemplo o transvasamento das prolas citado no item

    anterior, que trata do perodo pr-operatrio, observa-se que a criana deste

    perodo percebe a conservao do conjunto, e apresenta trs argumentos: 1) nada

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    foi acrescentado ou retirado (operao idntica); 2) a largura do novo copo

    compensada pela altura (reversibilidade por reciprocidade das relaes); 3) a

    operao da passagem das prolas do recipiente A para B pode ser corrigida pela

    operao inversa (reversibilidade por inverso). (PIAGET, 1947, p. 182;PIAGET, 1970, p. 36).

    Piaget diz que neste caso o equilbrio mvel foi alcanado, pois as

    transformaes seguintes se produziram simultaneamente: 1. duas aes

    sucessivas podem coordenar-se numa s; 2. o esquema de ao, j em obra no

    pensamento intuitivo, torna-se reversvel; 3. um mesmo ponto pode ser atingido

    sem se alterar, por duas vias diferentes; 4. o retorno ao ponto de partida permiteachar este idntico a si prprio; 5. a mesma ao, ao repetir-se, ou nada

    acrescenta a si mesma ou uma nova ao de efeito cumulativo. (PIAGET,

    1947, p. 183).

    As cinco transformaes assinaladas no pargrafo anterior so

    denominadas por Piaget de leis do agrupamento, por sua semelhana com o

    grupo matemtico, e refletem as prprias leis do funcionamento da estrutura

    mental dos sujeitos desse perodo. Piaget define grupo como:

    ...um conjunto de elementos (por exemplo, os nmeros inteiros, positivos enegativos) reunidos por uma operao de composio (por exemplo, a adio) talque, aplicada aos elementos do conjunto, torna a dar um elemento do conjunto;existe um elemento neutro (no exemplo escolhido, o zero), tal que, composto comoutro, no o modifica (aqui n + 0 = 0 + n = n) e, sobretudo, existe uma operaoinversa (no caso particular a subtrao), tal que, composta com a operao direta,fornece o elemento neutro (+ n n = n + n = 0); finalmente, as composies soassociativas (aqui [n + m] + l = n + [m + l]). (PIAGET, 1968, p. 18-19).

    Estes agrupamentos elementares so as nicas estruturas de conjunto

    acessveis ao nvel ao nvel das operaes concretas, e caracterizam-se por duas

    particularidades que se ope as operaes formais:

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    1) Constituem sistemas de incluses ou de encadeamento simples ou mltiplos, massem combinatria que inclua uma combinatria que ligue os diversos elementos de n

    porn;por conseguinte no atingem a estrutura do reticulado que comporta uma talcombinatria (conjunto das partes), mas permanecem no estado semi-reticulados;2) Apresentam uma reversibilidade que consiste seja em inverso (classes), seja emreciprocidade (relaes), mas no chegam a reunir essas duas formas dereversibilidade num sistema nico; por isso, no coincidem com a estrutura do grupodas inverses e reciprocidades (o grupo INRC) e permanecem no estado de gruposincompletos. (INHELDER; PIAGET, 1955, p. 207).

    2.5 A INTELIGNCIA OPERATRIA FORMAL ( a partir de 11/12 anos)

    A constituio das operaes formais requer toda uma reconstruo

    destinada a transpor o nvel dos agrupamentos concretos do perodo anterior, para

    um novo patamar de pensamento, sendo que esta reconstruo caracteriza-se por

    uma srie de desequilbrios (ou defasagens) verticais. Quando os desequilbrios

    ocorrem dentro de um mesmo perodo so chamados de horizontais, e quando

    ocorrem em perodos diferentes, verticais (PIAGET, 1947, p. 190).

    A obra de INHELDER e PIAGET (1955) apontou trs caractersticas

    principais que caracterizam o raciocnio do adolescente: 1) para o adolescente, a

    realidade concebida como um subconjunto do possvel; 2) o raciocnio do

    adolescente apresenta um carter hipottico-dedutivo; e 3) o carter

    proposicional do raciocnio do adolescente.

    Inhelder e Piaget apontaram que a inverso de sentido entre o real e o

    possvel constitui o carter funcional mais fundamental do pensamento formal.

    (INHELDER; PIAGET, 1955, p. 191).

    ...num estado de equilbrio fsico, s o real eficiente, enquanto que o possvel permanece relativo ao esprito do fsico que deduz esse real; num estado deequilbrio mental, ao contrrio, no so somente as operaes realmente executadasque desempenham um papel na sucesso dos atos do pensamento, mas tambm oconjunto das operaes possveis, na medida em que orientam a pesquisa para ofechamento dedutivo, pois nesse caso o sujeito que deduz e as operaes possveisfazem parte do mesmo sistema dedutivo que as operaes reais realizadas por esse

    sujeito. (INHELDER; PIAGET, 1955, p. 199).

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    Um dos traos mais caractersticos da inteligncia operatria formal o

    raciocnio hipottico-dedutivo, que a capacidade de raciocinar sobre simples

    suposies, sem relao necessria com a realidade ou com as crenas do

    indivduo, confiado apenas na necessidade de raciocinar. (PIAGET, 1947, p.191).

    Para se entender a capacidade da inteligncia operatria formal convm

    compar-la com os agrupamentos mais complexos de que a inteligncia

    operatria concreta capaz: as classificaes multiplicativas (matrizes).

    PIAGET e INHELDER (1959, p. 188) fornecem o exemplo: dado um

    jogo de elementos de duplas caractersticas (quadrados e crculos, vermelhos eazuis) que podem ser repartidos em duas classes A1 e A'1, segundo uma das suas

    caractersticas (A1= quadrados e A'1= crculos) e, igualmente, em duas classes A2

    e A'2, segundo a outra caracterstica (A2= vermelhos e A'2= azuis), chama-se B1

    reunio das duas primeiras classes (formas), ou seja, B1= A1 + A'1, e B2 reunio

    das duas segundas (cores), ou seja, B2= A2 + A'2.

    A classificao multiplicativa consiste em classificar esses elementos

    ao mesmo tempo, segundo a classificao aditiva B1 e segundo a classificao

    aditiva B2, o que originar quatro classes distintas: A1 A2+ A1 A'2 + A'1 A2 + A'1

    A'2. Para resolver o problema o sujeito deve, necessariamente, construir uma

    matriz de duas dimenses (quadro de dupla entrada m n), como pode ser visto a

    seguir:

    QUADRO 4 - MATRIZ DE DUPLA ENTRADA

    B1

    A1 A'1A2

    A1 A2 A'1 A2B2

    A'2 A1 A'2 A'1 A'2

    FONTE: Adaptado de PIAGET; INHELDER, 1959, p. 188.

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    No nvel das operaes concretas o sujeito capaz de montar esta

    matriz multiplicativa para resolver o problema, mas ainda no tem um mtodo

    sistemtico que inclua principalmente o emprego do procedimento que consiste

    em fazer variar um nico fator, conservando iguais todas as outras coisas.(INHELDER; PIAGET, 1955, p. 207).

    Esse mtodo, no entanto, est disponvel para o adolescente que, em

    vez de limitar-se a multiplicar as classes pelas associaes sucessivas, o mtodo

    do estgio III (operatrio formal) consiste inicialmente em repartir as 4 classes

    A1 A2+ A1 A'2 + A'1 A2 + A'1 A'2 segundo suas combinaes n por n.

    (INHELDER; PIAGET, 1955, p. 208). O adolescente obtm assim o seguintequadro com as 16 combinaes possveis:

    QUADRO 5 - AS 16 COMBINAES POSSVEIS DAS 4 CLASSES

    1 0 9 A1 A'2 + A'1 A2

    2 A1 A2 10 A1 A'2 + A'1 A'2

    3 A1 A'2 11 A'1 A2 + A'1 A'2

    4 A'1 A2 12 A1 A2 + A1 A'2 + A'1 A2

    5 A'1 A'2 13 A1 A2 + A1 A'2 + A'1 A'2

    6 A1 A2 + A1 A'2 14 A1 A2 + A'1 A2 + A'1 A'2

    7 A1 A2 + A'1 A2 15 A1 A'2 + A1 A'2 + A'1 A2

    8 A1 A2 + A'1 A'2 16 A1 A2 + A1 A'2 + A'1 A2 + A'1 A'2

    FONTE: INHELDER; PIAGET, 1955, p. 208.

    Apoiado nesse mtodo sistemtico, o adolescente torna-se capaz decombinar idias ou hipteses sob a forma de afirmaes e de negaes, e de

    utilizar assim operaes proposicionais que desconhecia at esse momento.

    Assim, observamos o uso da implicao (se... ento...), da disjuno (ou... ou...

    ou os dois), da excluso (ou... ou), da incompatibilidade (ou... ou... ou, nem um

    nem outro), da implicao recproca, etc. (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1972, p.

    30).

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    Formalizando o que foi dito: sendo p uma proposio e p' sua negao,

    e q outra proposio e q' sua negao, ao combinarem-se as proposies obtm-

    se os seguintes resultados: p.q (este animal um cisne e branco); p.q' ( um

    cisne mas no branco); p'.q (no um cisne mas branco); p'.q' (no nemcisne nem branco). (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1972, p. 31). Tendo por base o

    quadro 5 e a formalizao das proposies, pode-se construir o sistema das 16

    operaes binrias (INHELDER; PIAGET, 1955, p. 219-226):

    QUADRO 6 - O SISTEMA DAS 16 OPERAES BINRIAS

    N Descrio Proposio N Descrio Proposio1 Negao completa 0 = 0 16 Afirmao completa p*q = p.q' v p.q v p'.q

    v p'.q'2 Conjuno p.q = p.q 15 Incompatibilidade p/q = p.q' v p'.q v p'.q'3 No-implicao p.q' = p.q' 14 Implicao pq = p.q v p'.q v

    p'.q'4 No-implicao

    recprocap'.q = p'.q 13 Implicao recproca qp = p.q v p.q' v

    p'.q'5 Negao conjunta p'.q' = p'.q' 12 Disjuno p v q = p.q v p.q' v

    p'.q6 Afirmao de p p[q] = p.q v p.q' 11 Negao de p p'[q] = p'.q v p'.q'7 Afirmao de q q[p] = p.q v p'.q 10 Negao de q q'[p] = p.q' v p'.q'8 Equivalncia pq = p.q v p'.q' 9 Excluso recproca pwq = p.q' v p'.q

    Os nmeros das proposies (N) correspondem aos nmeros 1 a 16 do quadro 5. O signo "v"significa "ou", e o signo "." significa "e".FONTE: DOLLE, 1987, p. 165; INHELDER; PIAGET, 1955, p. 219-226.

    Inhelder e Piaget identificaram que a reversibilidade por inverso e por

    reciprocidade atuam como formas complementares no pensamento do

    adolescente.

    ...esta interdependncia das transformaes por inverso e por reciprocidade implicauma estrutura formal. (...) apenas no plano das operaes formais que essas duasformas de reversibilidade podem ser reunidas num sistema nico. Ao contrrio doque ocorre com agrupamentos elementares que dependem, seja da inverso (classes),seja da reciprocidade (relaes), as operaes proposicionais comportam umainversa (N), uma recproca (R), e uma correlativa (C), isto , a inversa da recproca.Com a transformao idntica (I), essas transformaes constituem um grupocomutativo de tal ordem que: NR= C; CR= N; CN= R e NRC= I. (INHELDER;PIAGET, 1955, p. 239).

    O sistema das 16 operaes binrias, juntamente com o grupo INRC

    descrito acima, compe as duas estruturas lgicas do pensamento formal.

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    Inhelder e Piaget identificaram oito esquemas operatrios com estrutura

    formal: 1) as operaes combinatrias, 2) as propores, 3) a coordenao de

    dois sistemas de referncia e a relatividade dos movimentos e das velocidades, 4)

    a noo de equilbrio mecnico, 5) a noo de probabilidade, 6) a noo decorrelao, 7) as compensaes multiplicativas, e 8) as formas de compensao

    que ultrapassam a experincia. (INHELDER; PIAGET, 1955, p. 230-245).

    3 PROCESSOS COGNITIVOS NO JOGO DE XADREZ

    Dentro da frondosa obra piagetiana optou-se por adotar, como suporte

    para a anlise dos dados, o referencial da tomada de conscincia por entendermos

    que fornece os elementos necessrios ao objetivo desta pesquisa: explicar os

    processos cognitivos que determinam o xito e o fracasso numa partida de

    xadrez. A seguir, ser descrito brevemente os conceito de tomada de conscincia,

    juntamente com os conceitos correlatos de fazer e compreender.

    3.1 A TOMADA DE CONSCINCIA E O FAZER E O COMPREENDER

    Para PIAGET (1974b, p. 172), a ao constitui um conhecimento, um

    saber fazer autnomo, cuja conceituao somente se efetua por tomadas de

    conscincia posteriores de acordo com uma lei de sucesso, que conduz da

    periferia para o centro, ou seja, partindo das zonas de adaptao ao objeto paraatingir as coordenaes internas das aes.

    A tomada de conscincia pode ser definida, portanto, como um

    processo de conceituao que reconstri e depois ultrapassa, no plano da

    semiotizao e da representao, o que foi adquirido no plano dos esquemas de

    ao (PIAGET, 1974a, p. 204).

    Dizer que a tomada de conscincia parte da periferia significa dizer queela parte dos objetivos e resultados, e se orienta para as regies centrais da ao

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    quando procura alcanar o mecanismo interno desta: reconhecimento dos meios

    empregados, motivos de sua escolha ou de sua modificao durante a experincia

    etc. (PIAGET, 1974a, p. 198).

    Portanto, para PIAGET (1974a, p. 198-199), o conhecimento no podeproceder a partir do sujeito, nem do objeto, mas sim da interao entre os dois,

    portanto do ponto P da figura 2, ponto que efetivamente perifrico tanto em

    relao ao sujeito (S) quanto ao objeto (O). A tomada de conscincia orienta-se

    ento para os mecanismos centrais (C) da ao do sujeito, ao passo que o

    conhecimento do objeto orienta-se para suas propriedades intrnsecas igualmente

    centrais (C), e no mais superficiais como ainda relativas s aes do sujeito.FIGURA 2

    C P C

    FONTE: PIAGET, 1974a, p. 199.

    A lei da direo da periferia (P) para os centros (C e C) no se limita

    tomada de conscincia da ao material, pois a passagem da conscincia do

    objetivo (bem como do resultado) dos meios (interiorizao da ao) leva, no

    plano da ao refletida, a uma conscincia dos problemas a resolver e da

    conscincia dos meios cognitivos (e no mais materiais) empregados para

    resolv-los (PIAGET, 1974a, p. 200).

    A tomada de conscincia, que caracterizada pela evoluo da ao em

    relao com sua conceituao, passa por trs nveis: 1) ao material sem

    conceituao, mas cujo sistema de esquemas j constitui um saber muito

    elaborado; 2) conceituao, que tira seus elementos da ao em virtude de suas

    tomadas de conscincia, mas a eles acrescenta tudo o que o conceito comporta de

    novo em relao ao esquema; 3) abstraes refletidas, constitudas por operaes

    de 2 potncia, portanto em operaes novas mas realizadas sobre as operaes

    S O

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    anteriores (PIAGET, 1974a, p. 208).

    Os processos solidrios, embora de sentidos opostos, que levam da

    periferia (P) para as regies centrais da ao (C) e dos objetos (C), so

    denominados processos de interiorizao (P C) e de exteriorizao (P C).O primeiro (interiorizao) acaba levando construo das estruturas

    lgico-matemticas enquanto que o segundo (exteriorizao) elaborao das

    explicaes fsicas, portanto da causalidade, e todo progresso de um acarreta em

    progresso do outro (PIAGET, 1974a, p. 209).

    PIAGET (1975, p. 136) esclarece que o conhecimento envolvido na

    tomada de conscincia inversamente proporcional ao grau de pensamentoreflexivo exigido: fcil quando a conceituao simples, isto , da aplicao

    direta de uma forma a um contedo; e tanto mais difcil, e por conseguinte

    retardada, quando exige uma conceituao reflexiva sobre composies internas,

    e implica na reorganizao de uma conceituao inicial.

    Para PIAGET (1974b, p. 185-186), existe uma lei da primazia inicial

    dos elementos positivos (o que se afirma sobre o objeto) sobre os negativos (o

    que se nega sobre o objeto), sendo que as afirmaes, sem as negaes

    complementares que lhes esto logicamente ligadas, situam-se na periferia das

    atividades do sujeito, enquanto que as negaes se aproximam das regies mais

    centrais.

    Por exemplo, percebe-se primeiro que um objeto vermelho ou

    quadrado antes de constatar que ele no azul nem redondo, pois as qualidades

    negativas s tm sentido em relao a outros obj