processo tributário – 10. ed. rev e atual. · constante bom humor. sem ela, este livro não...

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    Impresso no Brasil Printed in Brazil

    Direitos exclusivos para o Brasil na lngua portuguesaCopyright 2018 byEDITORA ATLAS LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalRua Conselheiro Nbias, 1384 Campos Elseos 01203-904 So Paulo SPTel.: (11) 5080-0770 / (21) [email protected] / www.grupogen.com.br

    O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poder requerer aapreenso dos exemplares reproduzidos ou a suspenso da divulgao, sem prejuzo da indenizao cabvel (art. 102da Lei n. 9.610, de 19.02.1998).Quem vender, expuser venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depsito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidoscom fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem,ser solidariamente responsvel com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo comocontrafatores o importador e o distribuidor em caso de reproduo no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98).

    Fechamento desta edio: 29.09.2017

    Produo digital: Ozone

    DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)(CMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

    S459p10. ed.

    Segundo, Hugo de Brito Machado

    Processo tributrio / Hugo de Brito Machado Segundo. 10. ed. rev e atual. So Paulo : Atlas, 2018.

    Inclui bibliografiaISBN 978-85-97-01398-6

    1. Direito tributrio - Brasil. I. Ttulo.

    17-44817 CDU: 34:351.713(81)

    mailto:[email protected]://www.grupogen.com.br
  • Raquel, companheira, colega e professora,por tudo: conselhos inteligentes, carinhosas adver-tncias, ponderadas crticas, desmedido incentivo econstante bom humor. Sem ela, este livro no teria

    sido possvel.

    Lara, que, no obstante tenha apenas quatroanos, muito j me ensinou, com seus simples

    mas profundos questionamentos e com sualgica infalvel.

  • PREFCIO

    A solicitao de prefcio, com a qual nos distinguem os autores de obras jurdicas, sempre uma honra, e seu atendimento, uma tarefa prazerosa. No caso deste ProcessoTributrio, entretanto, alm de sentir-me honrado com a solicitao e de experimentarenorme prazer em atend-la, uma circunstncia especial me enche de orgulho. que oautor, Hugo de Brito Machado Segundo, meu filho caula, que ainda muito jovem est ademonstrar, com este livro, qualidades que todo pai quer ver em seus filhos.

    Realmente, este um livro de excelente feitura, que vai com certeza atender necessidade dos que estudam a matria em cursos jurdicos e daqueles que se dedicamao estudo de questes tributrias em suas atividades profissionais.

    Dizer isso talvez fosse o bastante, no fora eu suspeito, pela condio de pai. Devodizer mais, especialmente sobre o autor, para apontar fatos que falam de formaeloquente de suas qualidades. Sobre o livro, talvez no deva dizer mais nada, pois eleser mais bem avaliado pelos leitores, que insuspeitos, livres de qualquer laosentimental, com certeza iro consagr-lo como instrumento de aprendizagem dessaimportante disciplina jurdica.

    Hugo de Brito Machado Segundo j cursou todas as disciplinas do curso de Mestradoem Direito, estando agora a trabalhar na dissertao com a qual completar o referidocurso. J professor de Processo Tributrio em cursos de ps-graduao na Universidadede Fortaleza, integra a Comisso de Estudos Tributrios da Ordem dos Advogados doBrasil, Seo do Cear, e exerce a advocacia, como integrante da Machado AdvocaciaEmpresarial, e a consultoria jurdica, como meu scio na Brito Machado ConsultoresAssociados. Conhece, portanto, na teoria e na prtica, os temas versados neste livro.Temas que expe com simplicidade e clareza, no obstante o denso contedo doutrinriode suas lies.

    O livro est dividido em quatro partes. Na primeira, cuida de noes fundamentais,construindo a base necessria para a adequada compreenso dos temas seguintes. Nasegunda parte, estuda os princpios jurdicos do processo tributrio, com o que, alm desedimentar aquela base construda na primeira parte, oferece elementos para afundamentao das teses que esto expostas na terceira parte, na qual cuida doprocesso administrativo tributrio, e, na quarta parte do livro, cuida do processo judicialtributrio.

    O aumento do custo do Estado com a consequente elevao da carga tributria tem

  • despertado grande interesse pelos estudos do Direito Tributrio, instrumento com o qualbuscam os cidados condies para defender os seus interesses na relao tributriacontra indevidos avanos do fisco, geralmente sem qualquer respeito pela Constituio epelas leis. De outra parte, os agentes do fisco, embora geralmente prefiram utilizar opoder e construir frmulas destinadas a amesquinhar as prescries jurdicas, comosanes polticas cada dia mais numerosas e mais arbitrrias, tambm se veemobrigados a estudar o Direito Tributrio para enfrentar os questionamentos suscitadospelos contribuintes diante das exigncias fiscais.

    Nessa luta cada dia mais intensa, porm, no basta saber do Direito Tributrio,embora este seja da maior importncia. necessrio o conhecimento do processo, atporque muitas vezes se perde a causa no por no se ter Direito, mas por no se tersabido contornar dificuldades surgidas em sua aplicao contenciosa, vale dizer,dificuldades surgidas no processo.

    Neste livro, Hugo de Brito Machado Segundo oferece o seu conhecimento de professorda matria, depurado e exposto com os temperos da experincia colhida na advocaciaque j h alguns anos exerce com sucesso. Como na advocacia utiliza diariamente almdo conhecimento do Direito Processual, tambm o do Direito Tributrio Material, emmuitos pontos do livro as teses expostas albergam o Direito Material e o DireitoProcessual, numa simbiose que somente a vivncia profissional do advogado podeoferecer.

    Trata-se de uma obra feita com o propsito de oferecer ao estudante de Direito umaviso completa do Direito Processual Tributrio. um livro didtico, portanto. Mas notenho dvida de que tambm um excelente instrumento de trabalho para osprofissionais que atuam na advocacia, seja na consultoria ou na advocacia contenciosa,na esfera administrativa ou na esfera judicial.

    No obstante tenhamos j importantes obras sobre o assunto versado neste livro,estou certo de que ele acrescenta valiosa contribuio literatura jurdica especializada,e, por isso mesmo, nela certamente vai merecer um lugar de destaque.

    Fortaleza, 10 de maio de 2004.

    Hugo de Brito Machado

    Juiz aposentado do TRF da 5 Regio

    Professor Titular de Direito Tributrio da UFC

    Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributrios

    Membro da Academia Brasileira de Direito Tributrio, da Associao

  • Brasileira de Direito Financeiro, da Academia Internacional de Direito e Economia, do

    Instituto Ibero-Americano de Direito Pblico e da International Fiscal Association.

  • NOTA DCIMA EDIO

    Diante do rpido esgotamento da edio anterior, pelo qual sou muito grato aopblico leitor, no ocorreram mudanas legislativas ou jurisprudenciais cujo relevojustificasse significativa alterao no texto deste livro, que, de qualquer modo, foi polidoem um ou outro ponto, e posto em dia com algumas decises dos Tribunais sobre osassuntos tratados.

    Sou grato, uma vez mais, a todos os que fazem o Grupo GEN, e em especial aosmembros da equipe da Editora Atlas, que mais de perto cuidam deste livro, sempre muitoatenciosos e prestativos no preparo de cada edio, e aos que, em sala de aula, nasredes sociais, por e-mail ou em eventos jurdicos fazem crticas e observaes em tornodos assuntos aqui versados, importantes para fazer esta obra menos imperfeita. difcil aempreitada de manter um livro jurdico atualizado no s luz da legislao, mastambm da jurisprudncia, pelo o que sou grato a todos os que me ajudam nela.

    Fortaleza, setembro de 2017.

    Hugo de Brito Machado Segundo

  • NOTA PRELIMINAR

    O manejo dirio do processo tributrio, na advocacia e na consultoria tributria, aperplexidade com certas posturas adotadas por alguns julgadores e a lacuna aindapresente na literatura jurdica especializada, no que diz respeito a muitos dos problemasenfrentados (embora j existam inmeras obras respeitabilssimas), foram os principaismotivos que nos levaram a escrever este livro, de cunho eminentemente pragmtico.Esperamos, sobretudo, poder contribuir para despertar maior interesse pelo tema e pelosproblemas que o cercam, notadamente entre estudantes e advogados no iniciados namatria.

    Deste livro o leitor no deve esperar soluo para intricadas questes acadmicas,que podem ser suscitadas em um estudo aprofundado do Direito Processual Civil. Issono seria cabvel aqui, mas, sim, em um livro de Direito Processual Civil ou de TeoriaGeral do Processo. Alis, do leitor interessado em Processo Tributrio j se pressupe oconhecimento de muitas noes de Teoria do Processo, que por essa razo tambm nosero exaustivamente discutidas. Esperamos, apenas, fornecer subsdios para a soluode problemas surgidos na rbita dos conflitos entre fisco e contribuintes, no apenas naesfera judicial, mas tambm no mbito do ainda pouco explorado processo administrativotributrio. Esse exame especfico importante porque, no terreno das relaestributrias, as lies de renomados estudiosos do Direito Processual Civil so por vezesafastadas sob o plido argumento de que no se aplicam Fazenda Pblica, sem queessa inaplicabilidade conte com uma explicao satisfatria. Muitas vezes, h nisso puroe simples retrocesso, em prejuzo de alguns sculos de evoluo. Ao escrevermosespecificamente sobre o Processo Tributrio, nossas afirmaes podero no ser aceitas,evidentemente, mas no sob a cmoda alegativa de que foram pensadas e escritas luzde um processo no qual se discute o direito privado. Algo mais ter de ser invocado parademonstrar nossos equvocos.

    relevante lembrar que uma das notas caractersticas do jurdico a possibilidade deaplicao de uma sano organizada, que garanta a sua efetividade em face de umaeventual inobservncia. Pois bem, de nada valer todo o esforo para a construo de umdireito material tributrio justo, se no houver um direito processual tributrio que ogaranta de modo eficaz, especialmente em face da Fazenda Pblica, parte que noapenas malfere o direito como qualquer outra, mas tambm aquela dotada de maiorescondies de no se submeter s suas sanes. desse direito processual, aplicvel s

  • questes tributrias e especfico em face das peculiaridades destas, que tratamos nestelivro.

    Cabe ressaltar que o cunho pragmtico que imprimimos a esta obra e a considerao,em sua feitura, das especificidades do Direito Tributrio no a afastaram da doutrinaprocessualista, tampouco de aspectos relativos Filosofia e Teoria Geral do Direito.Primeiro, porque o Direito, como sistema de normas, uno e indivisvel. Segundo,porque, como lembra Pontes de Miranda, a cincia precisa, para ser verdadeiramenteprtica, no se limitar ao prtico.1

    Por fim, no poderia encerrar essas breves palavras introdutrias sem fazer especiaisagradecimentos a algumas pessoas, por terem contribudo decisivamente para que estelivro fosse escrito.

    A Hugo de Brito Machado, pai, professor, scio e acima de tudo amigo a quem devomeu interesse pelo conhecimento, pela pesquisa e pelo dilogo, exemplo de retido,responsabilidade e sinceridade, por suas inestimveis lies, e pelo carinho com que temme incentivado.

    Maria Jos de Farias Machado, cuja pacincia e perseverana sempre admirei, porhaver to bem conciliado o mister de advogada com o de me, sobretudo por os haverseparado em minha infncia, deixando a advogada no escritrio, mas no os separaragora, no deixando em nenhum momento de ser a me deste seu jovem colega.

    A Schubert de Farias Machado, meu irmo, advogado exemplar, por ensinar--me,desde quando fui seu estagirio, e continuar a faz-lo, com muita pacincia, a teoria e aprtica necessrias ao exerccio de uma advocacia correta, ponderada e consistente.Muito do que consta deste livro aprendi com ele.

    Raquel, minha mulher, pela atenta leitura dos originais, pelas sugestes que emmuito colaboraram para tornar este livro menos imperfeito, pelos compromissosprofissionais que muitas vezes em meu lugar assumiu, para que pudesse faz-lo, e,acima de tudo, pela grande energia que lhe transborda, contagiando-me, tiran-do-me dainrcia e encorajando-me a escrev-lo.

    Agradeo, ainda, aos professores Marcelo Lima Guerra e Napoleo Nunes Maia Filho,da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cear, por haverem despertado emmim o gosto pelo Direito Processual Civil; ao professor Carlos Csar Sousa Cintra, queprovocou e incentivou minhas primeiras incurses na atividade docente; e s professorasMaria Alessandra Brasileiro de Oliveira e Maria Lrida Calou de Arajo e Mendona, peloconvite que me formularam, em 2003 e em 2004, para ministrar aulas nos cursos de ps-graduao em Direito e Processo Tributrio, que coordenam, na Universidade deFortaleza, aulas que me serviram de inegvel estmulo para escrever este livro.

  • Fortaleza, maio de 2004.

    Hugo de Brito Machado Segundo

    1 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, atualizado por Vilson Rodrigues Alves,Campinas: Bookseller, 1999, v. I, p. 29.

  • 11

    1.11.21.31.4

    2123

    3.13.23.33.43.53.63.73.8

    44.1

    4.24.34.44.54.64.7

    55.15.2

    SUMRIO

    NOES FUNDAMENTAISO Direito e o processo

    O DireitoO Estado, o Direito Pblico e o Direito TributrioO processoOutros significados da expresso processo. Processo e procedimento

    PRINCPIOS JURDICOS DO PROCESSO TRIBUTRIOConceito de princpio jurdicoPapel dos princpios jurdicos na atual Teoria Geral do DireitoPrincpios gerais

    Relao processual como relao jurdica submetida a princpiosJustiaSegurana jurdicaIsonomiaLegalidadeRazoabilidadeProporcionalidadePublicidade

    Princpios vetores da conduo de procedimentos administrativosA peculiar classificao do mero procedimento. Atividade administrativatpicaOficialidadeInquisitoriedadeCientificaoBusca pela verdade realSubordinao hierrquicaDever de fundamentao

    Princpios do processoPrincpios inerentes aos processos administrativo e judicialPrincpios peculiares ao processo administrativo

  • 5.36

    312

    2.12.22.32.42.52.62.72.8

    33.13.23.33.4

    4

    4.14.24.34.44.5

    41

    1.11.21.31.4

    22.1

    Princpios peculiares ao processo judicialQuadro esquemtico

    PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTRIOEspcies e fundamentosLanamento tributrio

    Noes iniciaisAs vrias espcies de lanamentoO procedimento preparatrio do lanamento por declaraoO procedimento preparatrio do lanamento por homologaoO procedimento nos casos de lanamento de ofcioO ato de lanamento. Natureza e requisitosApreenso de mercadorias e devido processo legalA decadncia do direito de a Fazenda Pblica efetuar o lanamento

    Processo de controle interno da legalidade administrativaNoes iniciaisAs vrias etapas do processo administrativo fiscal. Disciplinamento normativoPrazo para concluso do processo administrativoInscrio em dvida ativa

    Outras espcies de procedimentos, de atos e de processos administrativos decontrole da legalidade destes

    Reconhecimento de isenes ou imunidadesHomologao de compensaes ou deferimento de restitui- esDeferimento de parcelamentoConcluso do procedimento e a possibilidade de impugnaoConsulta fiscal

    PROCESSO JUDICIAL TRIBUTRIONoes Gerais

    ConceitoAs vrias espcies de tutela jurisdicionalFormalidade e formalismo. Instrumentalidade e proporcionalidadeAes de iniciativa do Fisco e aes de iniciativa do contribuinte

    Aes de iniciativa do fiscoExecuo fiscal

  • 2.23

    3.13.23.33.43.53.63.73.83.93.103.11

    44.14.24.34.44.54.64.74.84.9

    4.105

    5.15.2

    Cautelar fiscalAes de iniciativa do contribuinte

    Legitimidade ativa ad causam nas aes de iniciativa do contribuinteEmbargos do executadoMandado de seguranaAo anulatria de lanamentoAo declaratriaAo de repetio do indbitoAlgumas notas sobre as tutelas provisrias em matria tributriaAo de consignao em pagamentoHonorrios advocatcios de sucumbnciaA prova no processo judicialO Simples Nacional e o processo tributrio

    Aes de controle de constitucionalidadeO controle de constitucionalidade pelo JudicirioControle difuso e controle concentrado de constitucionalidadeAo direta de inconstitucionalidadeAo declaratria de constitucionalidadeJura novit curia e as aes de controle concentrado de constitucionalidadeParticipao de terceiros na ADIn e na ADCControle concentrado de constitucionalidade e leis municipaisMedida cautelar nas aes de controle concentrado de constitucionalidadeEfeitos da deciso que declara, em tese, a inconstitucionalidade de atonormativoA arguio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)

    Aes da coletividadeAo popularAo civil pblica

    BIBLIOGRAFIA

  • 1

    1.1

    1NOES FUNDAMENTAIS

    O DIREITO E O PROCESSO

    O Direito

    O ser humano, para preservar sua existncia e a de sua espcie, h de alimen-tar-se,proteger-se e reproduzir-se. A racionalidade d-lhe a capacidade de abstrair, representaro futuro,1 e planejar, potencializando-lhe as necessidades, impelindo-o busca porconforto, conhecimento, e uma infinidade de outros bens. A busca por esses bens podeser chamada de interesse.2 A sociabilidade, outra caracterstica humana, faz com que osseres humanos procurem viver em grupos, e d margem a que surjam interessesconflitantes: dois indivduos com necessidades iguais e um bem apto a atender a apenasum deles. Esse conflito de interesses h de ser disciplinado por algum critrio que limiteliberdades, para que continue possvel a vida em sociedade.3

    A prevalncia da maior fora detida por uma das partes em conflito uma maneirapossvel de equacion-lo. Desse modo, por exemplo, resolvida a disputa entre animaisirracionais pelo alimento. Prevalecem, e sobrevivem, os mais fortes, sagazes epoderosos. A racionalidade humana, contudo, permite a criao de realidadesinstitucionais e a construo de um instrumento superior para a soluo de conflitos, desorte a que no prevalea o querer do mais forte, mas sim e em igual intensidade oquerer de todos. Tem-se, assim, o Direito, como forma de compartir a liberdade humanaatravs de normas preestabelecidas, que devem orientar-se segundo critrios de justia,segurana e razoabilidade.4 Pode-se dizer, portanto, que o Direito instrumento deconvivncia inerente criatura humana, por decorrer de aspectos essenciais desta: aracionalidade e a sociabilidade.5

    Esse instrumento exprime-se atravs de enunciados, cuja forma e procedimento decriao variam conforme a sociedade que os idealiza, mas que, essencialmente: (a)prescrevem genericamente valores a serem realizados na medida do que for factual ejuridicamente possvel (princpios); (b) preveem determinadas hipteses e prescrevemcondutas a serem observadas se e quando tais hipteses se concretizarem (regras), estes

  • 1.2

    dois primeiros de natureza hipottica (normas); ou, finalmente, (c) determinam aconduta a ser seguida em determinado caso concreto, de sorte a pr termo aos conflitosde interesses (ordens ou provimentos). O sistema hierrquico composto pela totalidadedesses enunciados prescritivos denomina-se ordenamento jurdico.

    O Estado, o Direito Pblico e o Direito Tributrio

    O ser humano, desde o seu surgimento, vive entre semelhantes. Os primeiros grupossociais, famlias, cls, tribos etc., cresceram em quantidade e em complexidade,ensejando a criao de uma entidade organizada maior, o Estado, cuja finalidadeprecpua tornar efetivas as normas jurdicas e proteger seus integrantes, tanto uns dosoutros como principalmente de fatores externos ao mesmo.

    Criado o Estado, este atraiu para si a tarefa de elaborar normas jurdicas, e deprocurar faz-las eficazes, o que fez com que doutrinadores incorressem no equvoco deconfundir Estado com Direito, ou de somente reconhecer como jurdico aquilo que fosseproduzido pelo Estado e imposto coativamente aos sditos. Colocada a questo nessestermos, no seria a rigor possvel submeter o Estado ao Direito, pois inexistiria um podersuperior que lho impusesse.6 Curioso, nesse particular, observar o que determinavamas Ordenaes Filipinas, segundo as quais nenhuma lei, pelo rei feita, o obriga, senoenquanto ele, fundado na razo e igualdade, quiser a ela submeter o seu poder real(Livro 2, Ttulo 35, 21).

    Hoje essa concepo deve ser vista como superada. O Direito inerente a qualquergrupo social, sendo historicamente anterior ao Estado, com este no se confundindo.Embora atualmente o Estado elabore grande parte das normas de um ordenamento, eprocure assegurar sua eficcia atravs da coao institucionalizada, no se pode negar aexistncia de fontes do direito no estatais, tais como o costume, os princpios gerais dodireito e a doutrina; tampouco se pode ignorar a existncia de princpios superiores,fundamentais, inerentes prpria dignidade da pessoa humana, ao qual o Direito Estatalse deve submeter. exatamente por isso, e porque o Estado corporificado por sereshumanos, to falveis quanto os demais integrantes da sociedade, que o Direito devedisciplinar tambm os atos estatais. A parcela do ordenamento jurdico a tanto incumbida denominada Direito Pblico, e o Estado que submete a sua conduta a normaspreviamente estabelecidas chamado Estado de Direito.

    O Direito Pblico pode ser ainda subdividido em outras ramificaes, conforme aparcela da atividade estatal disciplinada. Assim, temos o Direito Penal, o DireitoAdministrativo etc. No que mais de perto interessa ao presente estudo, o conjunto das

  • 1.3

    normas que disciplinam a maneira como o Estado exige compulsoriamente dos cidadosos recursos financeiros de que necessita para desempenhar suas atividades denomina-seDireito Tributrio.

    de ressaltar, contudo, que referidas divises no tm fundamento cientfico. 7 Tmpropsito exclusivamente didtico, sendo feitas no estudo do Direito, e no nesteenquanto objeto do conhecimento. O Ordenamento Jurdico uno e indivisvel,8 nosendo possvel falar-se de um Direito autnomo, que regre os atos do Estado, distinto,paralelo e incomunicvel com um outro, que discipline a conduta dos cidados entre si.Essa ideia deve ser repelida, especialmente por conduzir ao equvoco segundo o qual oDireito Pblico estabelece relaes de subordinao dos sditos aos governantes,enquanto o Direito Privado estabelece relaes de coordenao entre cidados iguais.

    Na verdade, as relaes jurdicas no se confundem com as relaes de poder, 9 edevem ensejar, sempre, a coordenao de condutas com o necessrio equilbrio daspartes envolvidas, quaisquer que sejam.10 Esse o papel a ser desempenhado peloDireito, e deve sempre estar na conscincia dos que o elaboram, interpretam e aplicam.

    O processo

    Entre as normas que compem o Direito, algumas tratam da distribuio dos bens davida, de sorte a que, se observadas por todos, os conflitos de interesses sejamimediatamente superados. Exemplos dessa espcie de norma so as que disciplinam asrelaes de famlia, as relativas propriedade, aos contratos, s espcies de tributos,suas alquotas, bases de clculo, prazos para pagamento, isenes etc. Tais normasintegram o direito material, tambm chamado direito substancial.

    Quanto mais justas e legtimas forem essas normas, menos numerosas sero as suasviolaes e, por conseguinte, menos frequente ser a verificao de conflitos.11 Ocompleto fim destes, porm, meta inalcanvel, na medida em que toda regra deconduta envolve, necessariamente, a possibilidade de sua violao. Trata-se de algoinerente prpria natureza humana,12 em cuja essncia est a capacidade de abstrair,que faz com que o homem anteveja o futuro e suas inmeras possibilidades, conferindo-lhe o livre-arbtrio e a possibilidade de escolha entre uma srie de valores contraditrios,tais como a bondade e a maldade, o egosmo e o altrusmo etc. Alm disso, existemmuitas outras circunstncias, cujo exame no se comporta nos limites desta obra, quetambm levam inobservncia das normas, tais como o desconhecimento de quem asdeveria observar, a completa inexistncia de condies materiais ( v. g., o devedor quesimplesmente no tem patrimnio), ou, no caso de normas que disciplinem a conduta de

  • 1.4

    agentes pblicos, a natural tendncia dos que tm poder a abusar do mesmo, ou ainda obastante comum desprezo que autoridades detentoras de outras espcies deconhecimento, especialmente na rea da Economia, tm pelo Direito na conduo dosassuntos do Estado.

    Em muitas circunstncias, o conflito decorre de controvrsia quanto ocorrncia, ouno, no mundo fenomnico, dos fatos previstos nas regras jurdicas. Faz-se indispensvel,ento, a produo de provas, tais como a ouvida de testemunhas e a realizao depercias, a fim de esclarecer a ocorrncia do fato em face do qual as partes discutem. Soas chamadas questes de fato.

    s vezes, porm, os conflitos no dizem respeito ocorrncia de fatos, mas giram emtorno do significado jurdico desses fatos; ou do significado das prprias normas jurdicas,em razo da vaguidade ou da ambiguidade, inevitveis nas expresses utilizadas; ouainda do cotejo destas com as demais normas constantes do ordenamento, notadamenteas de superior hierarquia e de natureza principiolgica. So as chamadas questes dedireito.

    Tais questes tanto podem surgir em suas formas puras, nas quais se discutemapenas o significado e a validade das normas ou apenas a ocorrncia de certos fatos,mas tambm se podem apresentar de forma mesclada, em conflitos nos quais as partesdiscutem tanto questes de fato quanto questes de direito.

    Em todos esses casos, o simples disciplinamento de condutas atravs de normasjurdicas no se mostra suficiente para pr fim aos conflitos de interesses. Impe-se aadoo de um mecanismo prprio para garantir a efetividade, no caso concreto, dodireito previsto mas no observado. Esse mecanismo, composto de uma srie de atosque culminam, se necessrio for, na aplicao forada do direito violado, denominadoprocesso. Por isso que Pontes de Miranda diz, com inteira propriedade, que oprocesso nada mais do que o corretivo da imperfeita realizao automtica do Direitoobjetivo.13 Com a criao do Estado, a este foi atribudo quase que exclusivamente o usolegtimo da fora, e, por conseguinte, do exerccio da funo jurisdicional, entendidacomo a incumbncia de resolver de forma definitiva os conflitos de interesses, nos termosdo devido processo legal, dizendo o direito aplicvel ao caso concreto, resguardando-o dedanos iminentes, ou, se for o caso, aplicando-o foradamente.14 O conjunto das normasque disciplinam a prtica desses atos, por sua vez, denominado direito processual.

    Outros significados da expresso processo. Processo e procedimento

    Por vezes, encontramos a expresso processo empregada em sentido bastante amplo,

  • que engloba no apenas o conjunto de atos tendentes a restabelecer de forma definitivao direito violado em determinado caso concreto, mas igualmente abrange quaisquersries de atos tendentes a produzir um efeito jurdico final. o que ocorre na elaboraode uma lei, criada nos termos de um processo legislativo. Outro exemplo o processoadministrativo no qual se faz o controle interno da legalidade de atos da AdministraoPblica, o qual no necessariamente pe termo ao conflito de interesses de formadefinitiva, mas no deixa de ser uma sequncia de atos cuja finalidade a aplicao denormas pelo Poder Executivo, no exerccio de uma autotutela vinculada, maispropriamente denominada autocontrole.15

    importante notar que, entre todas essas espcies de processo em sentido amplo,existem algumas nas quais no h a necessria participao ou influncia de vriossujeitos no resultado final. o que ocorre durante a fiscalizao de um contribuinte, porexemplo, atividade administrativa tpica que dividida em vrios atos apenas em virtudede sua complexidade, mas que no tem por fim resolver um conflito, e que por essarazo no se submete a algumas garantias constitucionais processuais como ocontraditrio e a ampla defesa. J outras espcies de processo em sentido amplo sosemelhantes a um processo judicial, havendo a necessria participao e influncia daspartes no resultado final, que envolve a resoluo de u m conflito. So tidas comoatividades de carter jurisdicional, ou quase jurisdicional, que so excepcionalmentedesenvolvidas por outros Poderes do Estado, ou ainda por outros rgos no estatais.Exemplo dessa espcie o processo administrativo de controle da legalidade dolanamento tributrio. Precisamente por existir um conflito que lhes subjacente, nessasespcies de processo devem ser observados os princpios constitucionais da ampladefesa, do contraditrio etc.

    So muitos os autores que empregam a palavra processo com a amplitude acimadescrita, sem cuidar que s vezes designam com o mesmo termo realidades diferentes,submetidas a regramento jurdico inteiramente distinto. Isso no parece recomendvel,pois leva a uma desnecessria impreciso na linguagem.16 A preciso cientfica impeuma distino terminolgica.

    prefervel chamar de meros procedimentos aquelas sequncias de atos ordenadoscom vistas produo de um efeito jurdico final, mas que no asseguram a participaodos interessados, pois no visam produo de um efeito jurdico final que tenha de serlegitimado por essa participao. Diversamente, quando a srie de atos ordenadosenvolve a possibilidade de participao dos sujeitos interessados na deciso final, sejaporque cuida de solucionar um conflito, atravs da atividade jurisdicional, ou deatividades com feio17 jurisdicional, seja porque cuida de produzir qualquer outroresultado final que deva ser legitimado pela participao dos interessados,18 tem-se no

  • apenas o procedimento, considerado como a srie de atos em seu aspecto formal, mastambm um processo.

    Note-se que, sendo o procedimento o conjunto de atos visto sob seu aspecto formal,servindo assim para designar qualquer srie ordenada de atos, e significando a palavraprocesso esse mesmo conjunto de atos considerado por seu aspecto substancial, no qualas partes em conflito podem interagir na formao de um resultado final,19 podemos dizerque todo processo tambm um procedimento (ou, mais precisamente, desenvolve-seno mbito de um procedimento), enquanto nem todo procedimento pode ser chamado deprocesso.20

    Desse modo, pode-se afirmar a existncia de um processo em sentido estrito, que oprocesso judicial, no qual rgos do Poder Judicirio exercem a funo de dizer o direitono caso concreto e em ltima instncia;21 e de um processo em sentido amplo, que podeser definido como qualquer srie ordenada de atos tendentes produo de um efeitojurdico final,22 e que se divide em processos, nos quais h uma necessria participao einfluncia de vrios sujeitos na formao do ato final, e em meros procedimentos,23

    quando no h tais participao e influncia, mas to somente a sequncia de atos emseu aspecto formal. O conjunto de normas e princpios que disciplinam esses processos,por lgica, divide-se tambm em Direito Processual em sentido estrito e em sentidoamplo.

    Assim, esquematicamente, temos:

    No que diz respeito ao direito tributrio, podemos dizer que as normas que definem elimitam competncias, instituem tributos, majoram alquotas, atribuem responsabilidade,concedem isenes etc. so normas de direito material tributrio. As normas queregulam os atos de fiscalizao, o modo como deve ser feita a apurao do montante dotributo devido (lanamento do tributo), o prazo para o contribuinte impugn-lo, ainterposio de recursos administrativos, a competncia da autoridade julgadora etc. sonormas de direito processual em sentido amplo, disciplinando o processoadministrativo tributrio, que se desenvolve ainda no mbito da AdministraoTributria, inicialmente de forma no contenciosa, em mero procedimento verificadoantes da prtica do ato de lanamento, e, depois, de modo contencioso, como uma formade controle interno da legalidade deste, consubstanciando esta ltima etapa o processoadministrativo tributrio propriamente dito. Por fim, as normas que tratam daexecuo do crdito apurado pelo Fisco, da penhora de bens, da interposio deembargos pelo contribuinte, ou da propositura de ao para anular o lanamento, para

  • 1.4.1

    obter a restituio de tributos pagos indevidamente etc., so normas de direitoprocessual em sentido estrito, e tratam do processo judicial tributrio.

    relevante notar que os termos empregados no contam com aceitao pacfica naleitura especializada. Alguns empregam a palavra procedimento para nomear todo oconjunto de atos praticados no mbito administrativo, tenham por fim a resoluo de umconflito com a participao dos interessados, ou no. Outros preferem designar toda essarealidade de processo administrativo, sem distinguir o mero procedimento que h em seuincio. Como toda questo terminolgica, no se pode dizer que determinada correntedoutrinria est correta e outra errada. O que se pode, quando muito, dizer que algunstermos so adequados para significar a realidade a que dizem respeito, e outros soinsuficientes. Preferimos dar um nome diferente fase no litigiosa da atividadeadministrativa tributria, meramente procedimental (procedimento administrativo),tornando-a distinta da fase litigiosa, processual (processo administrativo), porque,embora ambas possam ser consideradas como integrantes do processo administrativotributrio em sentido amplo, a primeira est submetida a regime jurdico radicalmentedistinto da segunda, no sendo prudente design-las de modo igual.

    Processo tributrio e direito processual tributrio

    Em face do que vimos at aqui, a rigor, e tomando a expresso processo em seusentido mais amplo possvel, podemos detectar no mbito da aplicao do DireitoTributrio a existncia de trs processos diferentes.

    H uma srie de atos por intermdio dos quais a autoridade competente verifica aocorrncia do fato gerador do tributo, determina-lhe o montante, define o sujeito passivoe, se for o caso, aplica uma penalidade. Ao cabo dessa srie de atos, a autoridade praticao ato de lanamento, constituindo o crdito tributrio (CTN, art. 142). Trata-se semdvida de um processo em sentido amplo, srie de atos encadeados que culminam emum resultado final, mas que no gira ainda em torno da resoluo de um conflito, nemconta com a necessria participao e influncia dos sujeitos interessados na formaodo resultado final,24 no se submetendo, portanto, a muitos dos princpios constitucionaisprocessuais. Assim, a rigor, e considerando a distino que fizemos no item anterior,denominamos essa fase de procedimento administrativo preparatrio dolanamento, no qual exercida atividade tipicamente administrativa, ou Executiva, semnenhuma feio ou carter jurisdicional ou judicante.

    Aps a feitura do ato administrativo de lanamento, o contribuinte deve ser notificadopara pagar o montante do crdito tributrio apurado ou, se o considerar indevido, equiser, oferecer impugnao, dando incio a um processo contraditrio, no qual poder

  • haver produo de provas, interposio de recursos etc., a fim de que se obtenha umjulgamento por parte de uma autoridade da administrao fazendria. Tem-se, ento,um processo administrativo atravs do qual feito o controle da legalidade dolanamento. Por conta do conflito que lhe subjacente, a ensejar a aplicao dosprincpios constitucionais processuais, essa fase geralmente denominada de processoadministrativo tributrio propriamente dito. No se cuida, nessa fase, de atividadetipicamente executiva, ou de administrao, mas sim de atividade de feiesjurisdicionais exercida pelo Poder Executivo de modo atpico.

    Embora a impugnao de um lanamento seja a forma mais comum de incio de umprocesso administrativo tributrio contencioso, este se pode instaurar, tambm, em facedo indeferimento de um pedido de restituio ou compensao feito pelo contribuinte,em razo de um ato administrativo de suspenso de imunidade etc. Existem, tambm,outras espcies de procedimento, alm daquele verificado antes do lanamento. Oassunto ser tratado com mais vagar no Captulo 3 deste livro.

    Finalmente, os conflitos entre Fisco e contribuintes podem ser resolvidos, tambm, porintermdio de um processo instaurado no mbito do Poder Judicirio. Tem-se, no caso, oprocesso judicial tributrio, por intermdio do qual exercida a funo jurisdicional. Aele tanto podem recorrer contribuintes, com o fito de obter o controle jurisdicional dosatos da administrao tributria, aps sucumbirem no processo administrativo fiscal, oumesmo antes, prescindindo deste; como tambm o Fisco, com a finalidade de recebercompulsoriamente o crdito tributrio no pago (execuo fiscal), ou assegurar-lhe opagamento ulterior (cautelar fiscal). Alis, podem valer-se do processo judicial tambmterceiros, no mbito das chamadas aes da coletividade (ao popular e ao civilpblica), e das aes de controle concentrado de constitucionalidade, embora nestasltimas no seja exercida a jurisdio em sua feio clssica, mas atividade maisassemelhada de um legislador negativo, tutelando-se no direitos subjetivos mas ahigidez da ordem jurdica constitucional, em tese.

    de se ressaltar que o Fisco, em regra, no se pode utilizar de aes deconhecimento, no mbito do processo judicial tributrio, mas somente da execuo fiscale da cautelar fiscal.25 s aes de conhecimento s recorrem os contribuintes, e a razo simples. O Fisco, como a Administrao Pblica de uma maneira geral, constitui seusprprios ttulos executivos, unilateralmente. desnecessrio, portanto, buscar o PoderJudicirio para constitu-los, em uma ao de conhecimento.26 A deciso proferida nombito do processo administrativo fiscal, por seu turno, sempre do prprio Fisco, razopela qual este no pode recorrer ao Judicirio para pugnar pelo seu desfazimento.

    O processo judicial tributrio regido em grande parte pelas normas gerais aplicveis

  • ao processo civil, que convivem paralelamente com normas especficas, a exemplo da leide execuo fiscal. do que cuidaremos no Captulo 4 deste livro.

    Poderamos sintetizar esquematicamente o que foi dito assim:

    Todas essas formas de processo tm o seu desenvolvimento disciplinado por normasjurdicas, cujo conjunto denominamos direito processual tributrio, diviso que se fazaqui com propsito exclusivamente didtico, tendo em vista a unidade do Direitoenquanto sistema hierrquico de normas.

    importante lembrar, porm, que, embora no exista um Direito Processual Tributrioautnomo e distinto do Direito Processual Civil, do Direito Administrativo ou do DireitoConstitucional, em razo da unidade do sistema normativo, a realidade em face da qualse desenvolve o processo tributrio diferente daquela subjacente a um processo noqual litigam scio e sociedade, servidor pblico e administrao, contratante econtratado. o que basta para justificar, saciedade, o estudo autnomo do processotributrio e do sistema jurdico em face dele considerado.29 A necessidade de oscientistas do direito se dedicarem a esse estudo inequvoca, e demonstra o acertodaqueles que veem na doutrina o papel de fonte do direito, pois a ausncia de umadoutrina especfica pode fazer surgir, na prtica, um processo tributrio disforme,desigual e inquo, que inutilizar as conquistas obtidas pelos contribuintes nos ltimossculos no campo do direito material.30

    1 Sobre a representao do futuro como distino entre o homem e os demais animais,confira-se Pontes de Miranda, Garra, Mo e Dedo, revisto e prefaciado por VilsonRodrigues Alves, Campinas, Bookseller, 2002.2 Cf. Francesco Carnelutti, Sistema de Direito Processual Civil, traduo de HiltomarMartins Oliveira, Classicbook, 2000, v. 1, p. 55 ss; Como se Faz um Processo, traduo deHebe Caletti Marenco, Campinas: Mineli, 2002, p. 34 ss.3 Cf. Arnaldo Vasconcelos, Teoria da Norma Jurdica . 5. ed., So Paulo: Malheiros, 2000,p. 11.4 Cf. Hugo de Brito Machado, Uma Introduo ao Estudo do Direito. So Paulo: Dialtica,2000, p. 16. certo que tais critrios nem sempre so observados, e jamais socompletamente atingidos, mas no se deve esquecer que o Direito, como toda obrahumana, imperfeito, sofrendo constantes aprimoramentos (e, s vezes, algunsretrocessos) ao longo da Histria.5 verdade que a prpria distino entre o homem (racional) e os outros animais

  • (irracionais) no estanque, mas sim gradual. O homem possui mais caractersticasanimais, e os outros animais mais caractersticas antes tidas como apenas humanas,do que primeira vista pode parecer. Entre animais no humanos, por exemplo, htambm manifestaes que revelam a existncia de um senso tico ou moral,notadamente entre primatas, que talvez no seja uma autntica e pura criao darazo humana, mas fruto, assim como ela, do processo de seleo natural. Confira-se, apropsito: WAAL, Frans B. M. de. Good natured: the origins or right and wrong in humansand other animals. Cambridge: Harvard University Press, 2003. Isso, porm, no refuta oque dissemos acima. Muito pelo contrrio. Como adverte Norbert Rouland, as sociedadesanimais, tambm elas, souberam inventar regras que no lhes eram dadas e sancion-las. Mas o homem se distingue para sempre do animal pela amplitude do que constri(Nos Confins do Direito, traduo de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvo, SoPaulo: Martins Fontes, 2003, p. 4).6 Cf. Arnaldo Vasconcelos, Teoria da Norma Jurdica , 5. ed., So Paulo: Malheiros, 2000,p. 43.7 Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributrio , 3. ed., So Paulo: Lejus,1998, p. 115 ss.8 Valmir Pontes ensina que o Direito uno e essencialmente indivisvel. No temcompartimentos estanques, isto , inteiramente isolados uns dos outros. Por isso mesmo,todas as divises do Direito se interligam, ou se intercomunicam, atravs de um fioininterrupto que as percorre e lhes imprime unidade e harmonia. Essa interligao ouintercomunicao dos vrios compartimentos do Direito que forma a ordem jurdica,conjunto sistematizado das normas de Direito (Elementos de Direito Administrativo, 2.ed., So Paulo: Sugestes Literrias, 1968, p. 31). Alis, toda e qualquer diviso narealidade de algum modo arbitrria, sendo feita pela mente humana apenas para finsde organizao da atividade cognitiva.9 O poder, lembra Karl Engisch, certamente pode influir na elaborao do Direito, namedida em que considerado na valorao efetuada pelo legislador na elaborao deregras jurdicas, mas, mesmo quando isso acontece, o interesse do detentor do poderser apenas um entre os muitos elementos axiolgicos a serem considerados pelolegislador, todos submetidos a um processo de seleo jurdica atravs do qual se julgacom certa liberdade da legitimidade de cada um deles e da posio que lhe cabe nahierarquia do conjunto. E assim teremos de dizer que, com a valorao dos interesses ede outros fatores causais da constituio do Direito, ascendemos a um plano mais alto noqual novos conceitos e ideias se nos deparam: os conceitos de justia, da equidade, daresponsabilidade moral, da dignidade humana, do respeito pela pessoa etc. (KarlEngisch, Introduo ao Pensamento Jurdico, 8. ed., traduo de J. Baptista Machado,Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2001, p. 377 e 378).10 Vicente Ro, a propsito, destaca que no existe liberdade entre os homens se nohouver reciprocidade entre as faculdades e as obrigaes a eles atribudas (O Direito e aVida dos Direitos, 5. ed., So Paulo: RT, 1999, p. 53).11 Cf. Arnaldo Vasconcelos, Teoria da Norma Jurdica , 5. ed., So Paulo: Malheiros, 2000,p. 258.

  • 12 E, dentro de certos limites, de alguns outros animais tambm. Confira-se, a propsito,WAAL, Frans B. M. de. Good natured: the origins or right and wrong in humans and otheranimals. Cambridge: Harvard University Press, 2003, passim.13 Pontes de Miranda, Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, 5. ed., atualizada porSrgio Bermudes, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 78; Comentrios Constituio de1967, So Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 43.14 Confira-se, a propsito, a definio bastante completa de Jos de Albuquerque Rocha,para quem jurisdio a funo de atuao terminal do direito, realizada por rgos doJudicirio independentes e imparciais, decidindo conflitos de interesses atravs do devidoprocesso legal (Estudos sobre o Poder Judicirio, So Paulo: Malheiros, 1995, p. 34).15 Costumvamos empregar, para designar esse autocontrole da Administrao Pblica,a expresso autotutela (Cf. Impossibilidade de declarao de inconstitucionalidade de leipela autoridade administrativa de julgamento, em Revista Dialtica de DireitoTributrio, no 96, p. 91 ss). A expresso autotutela, contudo, pode gerar incompreenses,especialmente porque se presta para designar a forma arbitrria de soluo dos conflitospela parte mais forte (cf. Napoleo Nunes Maia Filho, Estudo Sistemtico da TutelaAntecipada, Fortaleza: Grfica Nacional, 2003, p. 29). Para sanar essa impropriedade, hquem prefira a expresso autotutela vinculada, ressalvando sua estrita vinculao lei(James Marins, Direito Processual Tributrio Brasileiro Administrativo e Judicial , 2. ed.,So Paulo: Dialtica, 2002, p. 86). Acatamos, contudo, a lio de Alberto Xavier, quemuito nos honrou ao nos retificar, demonstrando que a expresso autocontrole maisapropriada (A questo da apreciao da inconstitucionalidade das leis pelos rgosjudicantes da Administrao Fazendria, em Revista Dialtica de Direito Tributrio, no103, p. 17 ss).16 Em cincia, se empregamos palavras que no tm sentido (e vale o mesmo teremmais de um), erramos de comeo. No saberemos, no momento de dificuldade, aotratarmos dos problemas, de que que estvamos ou estamos a falar. Nada maisperigoso, nem mais contrrio aos propsitos de resultados lgicos, precisos, verificveis,da cincia (Pontes de Miranda, Comentrios Constituio de 1967, So Paulo: Revistados Tribunais, 1967, p. 55).17 Essa feio jurisdicional faz com que Pontes de Miranda chame o rgo que profereesses atos de judiciariforme, e no judicial, porque muito embora julgue, a sua inserono Poder Executivo, ou, o que tambm possvel, no Poder Legislativo, no inclui asgarantias de imparcialidade completa e no poderia dar s suas resolues a fora desentena judicial. Da, em suas palavras, no haver, contra o administrado, coisajulgada material quanto cognio da res pela justia (Comentrios Constituio de1967, com a Emenda no 1 de 1969, 2. ed., So Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, t. V, p.378-379).18 Essa a concepo de processo, por exemplo, de Elio Fazzalari (Cf. Istituzioni di DirittoProcessuale, 8. ed., Pdua: Cedam, 1996, passim), que nos permite incluir entre asespcies de processo, com pequena ampliao na ideia do contraditrio, no apenasaqueles contenciosos (aos quais se aplicam, v. g., as garantias do art. 5o, LV, da CF/88),mas tambm aqueles no contenciosos nos quais a atuao dos interessados , no

  • obstante, essencial (licitao, concurso pblico, processo legislativo etc.).19 Cf. Willis Santiago Guerra Filho, Teoria Processual da Constituio, So Paulo: CelsoBastos Editor, 2000, p. 20.20 James Marins, Direito Processual Tributrio Administrativo e Judicial , So Paulo:Dialtica, 2001, p. 69.21 Jos de Albuquerque Rocha, Teoria Geral do Processo, 3. ed., So Paulo: Malheiros,1996, p. 86.22 Jos de Albuquerque Rocha, Teoria Geral do Processo, 3. ed., So Paulo: Malheiros,1996, p. 41.23 Hely Lopes Meirelles, por exemplo, e com inteira propriedade, faz aluso aos processosadministrativos propriamente ditos (aqueles que encerram um litgio entre aAdministrao e o administrado ou o servidor), e aos impropriamente ditos, que eleprefere chamar de simples expedientes (que tramitam pelos rgos administrativos,sem qualquer controvrsia entre os interessados), sendo estes ltimos precisamente osque chamamos de meros procedimentos ao longo deste livro (Cfr. Hely Lopes Meirelles,Direito Administrativo Brasileiro, 22. ed., So Paulo: Malheiros, 1997, p. 592).24 O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), rgo de julgamentoadministrativo tributrio no mbito federal, por exemplo, tem entendimento sumulado, aesse respeito, segundo o qual O lanamento de ofcio pode ser realizado sem prviaintimao ao sujeito passivo, nos casos em que o Fisco dispuser de elementos suficientes constituio do crdito tributrio (Smula CARF no 46).25 O Poder Pblico pode tomar a iniciativa, certo, de propor aes de controleconcentrado de constitucionalidade. Tais aes, contudo, como j foi dito, no so deconhecimento. Alis, no so sequer aes, no sentido estrito da palavra, pois noprovocam o exerccio da atividade de dizer o direito no caso concreto.26 possvel, em casos excepcionais, a utilizao da ao cognitiva pelo Poder Pblico, nocaso, por exemplo, de demanda entre dois Estados-membros, ou entre Estado e a Unio,a ser processada perante o STF (CF/88, art. 102, I, f). Tambm podem ser apontadoscomo exemplo os embargos a uma execuo de sentena promovida pelo cidado e aao rescisria de uma sentena ou de um acrdo proferidos em ao de conhecimentoanterior, movida pelo cidado. Estes dois ltimos exemplos, contudo, dizem respeito aaes de conhecimento que, conquanto autnomas, esto diretamente ligadas a aesde conhecimento anteriores, movidas pela iniciativa do contribuinte. Em qualquer caso,porm, so hipteses nas quais a pretenso da Fazenda Pblica no pode ser satisfeitacom a fabricao, por ela prpria, de um ttulo executivo, e por isso mesmo so exceesque s confirmam a regra geral anunciada no texto mencionado.27 As aes da coletividade (ao civil pblica e ao popular) no foram enumeradasseparadamente acima, mas so aes de conhecimento, que do origem formao deum processo de conhecimento como outro qualquer, que pode ser inclusive acautelado outornado efetivo por uma das outras duas espcies de processo. O mesmo pode ser dito arespeito das aes de controle concentrado de constitucionalidade, com a ressalva, aquij feita, de que nelas no h exerccio de uma jurisdio propriamente dita. O assunto

  • ser tratado com maior detalhamento na parte final deste livro.28 Com o advento do novo CPC, a maior parte das medidas cautelares passou a poder serdeferida no mbito do processo principal, sincrtico. Continua sendo possvel, porm,falar-se em processo cautelar, pois subsistem algumas excees a essa regra, como ocaso da cautelar fiscal, objeto de estudo em item especfico deste livro.29 Como tem insistido Cassio Scarpinella Bueno, para melhor compreender o prpriosistema processual civil, indispensvel partir da premissa metodolgica segundo a qualo processo deve ser estudado a partir do tipo de direito material que nele veiculadopara resoluo perante o Estado-juiz. Trata-se, em ltima anlise, da aproximaomxima do que vem sendo destacado pela doutrina do direito processual: a necessriaminimizao do binmio direito-processo, vale dizer, a assuno definitiva que o direitoprocessual mero condutor de relaes materiais conflituosas ao Poder Judicirio e que,de uma forma ou de outra, amolda-se (ou, quando menos, desejvel que se amolde)ao prprio direito nele veiculado ou reage diferentemente a cada espcie de direitomaterial nele contido (Mandado de Segurana Impetrado por Filial e o Novo art. 253, II,do Cdigo de Processo Civil, em Problemas de Processo Judicial Tributrio, 5o vol., coord.Valdir de Oliveira Rocha, So Paulo: Dialtica, 2002, p. 35-36). No mesmo sentido,Marcelo Abelha doutrina que se o processo vive em funo do direito material paraimpor as solues nele previstas, sinal de que diversos sero os pontos de contatoentre esses dois planos, especialmente porque toda ferramenta que se preze deve sermoldada de forma a atender melhor o desiderato para o qual ela serve. Isso se passacom o processo, que recebe influxos do direito material, que, em razo de suaspeculiaridades, molda e torna adequada a ferramenta processual apta a ampar-lo(Elementos de Direito Processual Civil, 3. ed., So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v.1, p. 71).30 James Marins, Direito Processual Tributrio Brasileiro (Administrativo e Judicial) , SoPaulo: Dialtica, 2001, p. 11.

  • 1

    2PRINCPIOS JURDICOS DO PROCESSO TRIBUTRIO

    CONCEITO DE PRINCPIO JURDICO

    Princpio a prpria linguagem coloquial est a dizer o primeiro momento daexistncia de algo, ou, ainda, o que serve de base a alguma coisa; causa primeira, raiz,razo.1 No plano jurdico no diferente. Se bem observarmos, veremos que todoOrdenamento Jurdico composto de um ou alguns princpios fundamentais, que sedesdobram em outros princpios decorrentes, e, posteriormente, em regras.2

    Como j se acenou no Captulo 1, as normas jurdicas podem conter descrieshipotticas de determinados fatos, e prescries a serem seguidas se e quando taishipteses se concretizarem, sob pena da cominao de uma sano. Nesse caso, sochamadas regras. A imprevisibilidade das situaes futuras, porm, torna insuficiente umordenamento jurdico composto apenas de regras, pois os fatos futuros no ocorremexatamente tal como descritos nas regras anteriormente elaboradas.

    Nesse contexto, assumem importncia os princpios, espcie de norma jurdica queno prev hipteses nem prescreve determinadas condutas, mas sim consagradeterminados valores, fins ou objetivos, a serem seguidos, na medida do que for jurdicae factualmente possvel, na elaborao, na interpretao e na aplicao de outrosprincpios, e especialmente das regras jurdicas.

    Cumpre esclarecer, quanto aos conceitos acima oferecidos, que a literatura jurdicabrasileira costuma designar como princpios algumas normas que no necessariamentetm a citada estrutura (algumas so, a rigor, regras). E isso se deve ao fato de que, paraalguns autores, tambm so consideradas como princpios aquelas normas que,independentemente de sua estrutura normativa, consubstanciam a positivao ou odesdobramento de valores fundamentais para a ordem jurdica.3 o caso da legalidade eda anterioridade, as quais, a rigor, tm estrutura de regras.4

    Essa questo terminolgica, contudo, no tem muita relevncia, caso se tenha ocuidado de fazer com que cada norma seja observada e aplicada conforme a suaestrutura lgica, pouco importando o nome que se lhe d. Assim, embora se possachamar a regra da legalidade de princpio, jamais se poder sopesar a legalidade,relativizando-a em face de princpios constitucionais como o da eficincia da

  • 2

    3

    3.1

    administrao, por exemplo.

    Feita essa advertncia, e com o propsito de evitar incompreenses, no pudemosdeixar de incluir, na enumerao abaixo, algumas dessas regras que, por suafundamentalidade, so, talvez impropriamente, chamadas de princpios.

    PAPEL DOS PRINCPIOS JURDICOS NA ATUAL TEORIA GERAL DO DIREITO

    Aps a Segunda Grande Guerra, especialmente em razo do impacto causado pelasatrocidades cometidas pela Alemanha nazista, atrocidades estas autorizadas e algumasvezes at impostas pelo ordenamento jurdico nacional-socialista, os tericos do Direitopassaram a admitir a positividade de certos princpios, a exemplo do princpio da justia,da segurana jurdica, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, reconhecendoa sua fora normativa e teorizando a sua interpretao e aplicao.5 A partir de ento, osprincpios passaram de uma posio subsidiria lei, na qual eram aplicveis de modopraeter legem somente na hiptese de lacuna, para uma posio de superioridade.Foram positivados6 na Constituio da maioria dos Estados, ou tidos pela doutrina e pelajurisprudncia como nela implicitamente presentes, orientando assim a interpretao detodo o ordenamento jurdico e determinando o contedo das normasinfraconstitucionais.7

    Em face disso, de fundamental importncia para o trato de qualquer questo jurdicao conhecimento dos princpios jurdicos pertinentes, especialmente porque o modoimplcito como alguns desses princpios esto positivados na Constituio impe doutrina a devida explicitao.

    No que diz respeito ao processo tributrio, considerando a existncia de trsrealidades distintas (mero procedimento administrativo, processo administrativo eprocesso judicial), trataremos dos princpios preponderantes em cada uma delas tambmseparadamente. Primeiro cuidaremos de alguns princpios gerais, aplicveis a quaisquerdas trs etapas, porquanto inerentes ao Direito como um todo, como o caso dasegurana e da justia, e ainda dos princpios pertinentes ao Direito Pblico de umamaneira geral, como a legalidade e a publicidade, para em seguida tratarmos dosprincpios relacionados precipuamente a cada uma dessas trs etapas.

    PRINCPIOS GERAIS

    Relao processual como relao jurdica submetida a princpios

  • A atividade de resoluo de conflitos atravs da aplicao do Direito por meio de umprocesso foi, durante muito tempo, inteiramente arbitrria. Assim como o Direito nodisciplinava as atividades materiais do Estado, tambm a funo jurisdicional no sesubmetia a normas preestabelecidas, especialmente quando o Estado era parte.8 Talcompreenso derivava da prpria ideia que se tinha do Estado, infalvel e irresponsvel.The king can do no wrong. Bastante ilustrativa, a propsito, era a postura adotada emalguns julgamentos na Europa Medieval, nos quais o direito de defesa era tido porabsolutamente desnecessrio em face da diligncia dos julgadores, que sempre teriam odiscernimento suficiente para reconhecer os inocentes. Seria uma heresia qualquerdefesa, na medida em que ou seria uma tentativa de enganar o julgador, ou pressuporiaa insuficincia deste em descobrir a verdade sozinho.

    A evoluo que se operou, neste ponto, foi notvel, medida que governante chamoua si a funo de julgar, e que a perdeu, quando a distribuio da justia saiu das mosdos reis para os tribunais dos reis e, mais tarde, para os tribunais dos Estadosconstitucionais e, finalmente, democrticos quer dizer, para os tribunais perante osquais comparecem tambm os reis e governantes.9 Com efeito, paralelamente ao direitomaterial, que passou a disciplinar a conduta do Estado e dos que o corporificam, evoluiunaturalmente o direito processual, a fim de lhe assegurar a efetividade. Isso mostra queo direito material e o processo caminham juntos, de modo que este instrumentodaquele e, alis, se dignifica na razo direta em que se manifesta como buscando aestabilidade e a justia.10

    Atualmente, portanto, no apenas devem existir regras que disciplinem a atividadejurisdicional, mas essa atividade deve ser exercida por rgos independentes, queconsigam impor ao Estado e s pessoas que o corporificam o cumprimento do Direito. Arelao processual uma relao jurdica, submetida a uma srie de princpios, em suamaioria constitucionais, que estabelecem diretrizes a serem seguidas pelas partes eespecialmente pelo julgador no exerccio da funo de aplicar o direito na resoluo deconflitos, quer na esfera judicial, no exerccio da atividade jurisdicional propriamente dita;quer na esfera administrativa, na qual a resoluo de conflitos por meio de um processocontraditrio se submete aos praticamente mesmos princpios do processo judicial. Emesmo os meros procedimentos administrativos no contenciosos, nos quais exercida aatividade administrativa prpria, ou tpica tais como o procedimento de fiscalizao, dereconhecimento de imunidades ou isenes etc. , submetem-se a princpios inerentes aoDireito como um todo, e especialmente ao Direito Pblico.

    Vejamos, sucintamente, e de modo evidentemente no exaustivo, os maisimportantes deles.

  • 3.2 Justia

    A justia o princpio fundamental, que deve orientar a elaborao de todos osdemais princpios e regras de um Ordenamento Jurdico. Encontra limites vlidos apenasem um outro princpio fundamental, o da segurana jurdica, com o qual deve conviverequilibradamente. da justia que se desdobram princpios como o da dignidade dapessoa humana, da tributao de acordo com a capacidade contributiva, da isonomia,entre outros.

    Alguns doutrinadores de respeito afastam a justia das preocupaes do jurista,daquele que estuda o Direito. Seria um problema de quem o elabora, do legislador,exclusivamente. A justia, para o jurista, significaria apenas a exata aplicao da lei, talcomo elaborada. Essa viso, contudo, no encontra mais amparo na moderna TeoriaGeral do Direito. Reconhecida a injustia de determinada regra de inferior hierarquia, oude sua aplicao em determinado caso concreto o que um outro problema , o juristano pode insistir no faz de conta de transferir a questo para outras cincias ou paraoutras pessoas.

    Primeiro, porque houve uma grande modificao na maneira de conceber oOrdenamento Jurdico, bem como na viso do papel do cientista do direito e do juiz nainterpretao e na aplicao das normas jurdicas, que sempre comportam mais de umentendimento se vistas apenas no seu aspecto formal, abrindo margem para correesexegticas que lhes aperfeioam o contedo.

    Segundo, porque a positivao de certos princpios, explcita ou implcita, e oreconhecimento de sua fora normativa impem mesmo ao mais arraigado positivista asua aplicao. No caso do Brasil, nossa Constituio consagra uma srie de princpiosque, considerados de modo sistemtico, impem ao julgador a adoo de soluesjustas, como o caso dos princpios da razoabilidade, da proporcionalidade e daisonomia, adiante tratados, e da prpria justia, expressamente positivada no art. 3o, I,da Carta de 1988.

    Doutrinadores mais legalistas sempre invocam, quando se lhes ope uma soluohermenutica calcada em princpios, a excessiva liberdade que seria conferida aomagistrado, e os possveis abusos que poderiam da decorrer. No nos parece ser este,contudo, um problema sem soluo. Tambm no est a soluo, definitivamente, com olegalismo. Seno vejamos.

    No nos parece um problema, pois a proporcionalidade oferece critrio de conciliaodos vrios princpios consagrados em uma ordem jurdica, e no a prepondernciaabsoluta de um deles sobre todos os demais. Entre tais princpios, a propsito, podem ser

  • 3.3

    elencados os seguintes, de modo evidentemente no exaustivo, que se prestam paraafastar o citado temor: (a) segurana jurdica e democracia, que impem a observnciadas regras legais, editadas por representantes eleitos; (b) razoabilidade, segundo a qualdeve haver compatibilidade entre a soluo encontrada e o senso comum; e, ainda, (c) anecessria e racional fundamentao das decises judiciais, que faz com que omagistrado demonstre as razes pelas quais, de acordo com todos esses princpios, eainda com outros eventualmente envolvidos, chegou concluso posta na sentena.Tudo isso faz com que o magistrado no tenha o alegado excesso de liberdade.

    E, por outro lado, no nos parece que a soluo para a liberdade do juiz possatampouco ser encontrada no legalismo, pois, como advertia o prprio Kelsen, a cinciapositiva do direito, pura e alheia a valores, incapaz de oferecer uma nicainterpretao correta de suas normas, mas apenas um quadro ou moldura de vriossignificados possveis, sendo a escolha de um deles para Kelsen, que no admitia oestudo cientfico de valores subjetivos uma opo poltica do intrprete.11

    O emprego dos princpios na interpretao jurdica, portanto, ainda que de princpiosvagos como a justia, por mais subjetivo e fluido que possa parecer, ainda maisracional, objetivo e controlvel que a escolha poltica a que aludia Kelsen.

    Quanto ao contedo do princpio da justia, em torno do qual gravitam inmerascontrovrsias doutrinrias, este se encontra em grande parte explicitado em outrosprincpios constitucionais como o da proteo vida, da dignidade da pessoa humana eda isonomia. Ademais, importante destacar que somente uma injustia evidente eincontroversa autoriza a prevalncia absoluta do princpio da justia sobre o dasegurana, prevalncia esta que ensejaria o expresso afastamento da regra ou do atoinjusto (embora aparentemente vlido sob o aspecto formal, e ainda luz de outrasnormas).12 Nesse caso, a injustia seria evidente e chocaria a todos os membros dacomunidade, dispensando maiores digresses quanto ao seu contedo.13

    Seja como for, o ordenamento jurdico, complexo e permeado de princpios e regras osmais diversos, sempre oferecer ao intrprete mais de uma soluo formalmentepossvel. Na escolha de uma delas, o art. 3o, I, de nossa Constituio impe que se adotea mais justa.

    Devemos lembrar, finalmente, que a dificuldade na delimitao do contedo de umobjeto no pode autorizar o cientista a tomar a cmoda deciso de ignor--lo, pois assimno se faz cincia, e a que est feita no evolui.

    Segurana jurdica

  • 3.4

    O princpio fundamental da justia tem o seu alcance delimitado por outro princpiobasilar, que com ele tem de conviver harmonicamente. Trata-se do princpio dasegurana, que impe a atribuio da maior previsibilidade e estabilidade possvel srelaes humanas.

    Se bem observarmos, toda a ordem jurdica desdobra-se, ou pelo menos devedesdobrar-se, a partir desses dois princpios fundamentais, segurana e justia, que secompletam e se limitam reciprocamente. Assim, por exemplo, a justia impe que umasentena incorreta, mesmo transitada em julgado, possa ser revista. A segurana,contudo, determina que isso s possa ocorrer em certos casos, em ao prpria (aorescisria), e dentro de prazo previamente estabelecido. Caso admitssemos aimodificabilidade absoluta da coisa julgada, a justia seria em alguns casosinaceitavelmente suprimida por um exagerado prestgio conferido segurana.Entretanto, se fosse permitida a reviso de toda e qualquer deciso transitada emjulgado, a qualquer tempo e por qualquer razo, a segurana seria excessivamentediminuda, praticamente extinta, em razo de um demasiado apego justia. Ambos osvalores, pois, ho de conviver harmonicamente, sendo proporcionalmente dosados emcada caso concreto.

    O princpio da segurana foi tambm expressamente positivado em nossa ConstituioFederal, especialmente por conta da referncia a ele feita no seu Prembulo, e no caputdo seu art. 5o.

    No mbito do processo tributrio de uma maneira geral, o princpio da segurana dfundamento existncia de prazos para a realizao de procedimentos de fiscalizao,de prazos de decadncia do direito de a Fazenda Pblica lanar tributos que consideradevidos, de prazos para a interposio de recursos, da precluso e da coisa julgada etc.

    Isonomia

    Decorrncia direta do princpio da justia, o princpio da isonomia est expressamentepositivado na Constituio Federal de 1988, que em seu art. 5o, caput, dispe que todosso iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, e pode ser visto sob doisaspectos: formal e substancial.

    Em seu aspecto formal, impe que as prescries do Direito sejam aplicveisindistintamente a todos, no que atendida com a mera hipoteticidade de normasjurdicas.

    Trata-se, contudo, de aspecto to necessrio quanto insuficiente para definir aisonomia em sua completude, pois, como j registrava Aristteles, seguido de Leon

  • Diguit e Rui Barbosa, a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais, edesigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.14 Impe-se, portanto, aconsiderao do princpio da isonomia em seu aspecto material, ou substancial, queimpe tratamentos diferenciados para situaes diferenciadas.

    A questo que se coloca, ento, qual critrio deve ser adotado pelo legislador parafazer discriminaes, e, ainda, qual deve ser a finalidade dessas discriminaes, pontosnos quais o princpio da isonomia toca o princpio da justia, com ele confundindo-se emlarga medida. Com efeito, esse tratamento diferenciado deve guardar relao lgicadireta com a finalidade buscada pela norma jurdica,15 sendo tambm pertinente, naavaliao de sua validade, a invocao dos princpios da razoabilidade e daproporcionalidade, dos quais cuidaremos logo abaixo.

    Hugo de Brito Machado oferece exemplo bastante elucidativo:

    [...] em um concurso para o cargo de Juiz, pode a norma exigir que os candidatossejam bacharis em Direito (critrio finalstico plausvel, tendo-se em vista asfunes do cargo). No pode, todavia, exigir que os candidatos tenhamdeterminada altura, ou peso. J em se tratando de uma seleo para competioesportiva acontecer precisamente o contrrio. A exigncia de altura, ou peso,pode ser um critrio seletivo plausvel, enquanto no o ser a exigncia do ttulode bacharel em Direito.16

    No mbito processual, o princpio da isonomia vincula no apenas o legislador, mastambm o administrador e especialmente o juiz, os quais no podem permitir osurgimento de situaes que favoream injustificadamente um contribuinte emdetrimento dos demais, ou, o que mais comum, beneficiem a Fazenda Pblica emdetrimento dos contribuintes em geral.

    H quem afirme que a Fazenda Pblica, precisamente porque distinta dos cidadosem geral, reclama, do mesmo modo, tratamento diferenciado. Essa afirmao emprincpio verdadeira. O problema o demasiado elastrio que do a ela, fazendo-ajustificativa para toda sorte de abusos e injustificados privilgios.

    importante ter em mente que o tratamento desigual para os desiguais no umavlvula de escape para arbitrariedades, mas sim, como visto acima, uma soluo racionaldiretamente relacionada com um propsito legtimo. Por isso mesmo, evidente que acondio diferenciada da Fazenda Pblica no suficiente para validar todos osprivilgios que eventualmente se lhe concedem, tais como diminuio e at dispensa dehonorrios advocatcios de sucumbncia, recursos que lhe so privativos etc.

  • 3.5

    3.6

    Legalidade

    Por legalidade entende-se a garantia concedida aos cidados de que estes somentepor lei podero ser obrigados a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa. Consagrada noart. 5o, II, da Constituio Federal de 1988, a legalidade impe-se nas relaesprocessuais como nos atos do Poder Pblico de uma maneira geral. Desse modo, noapenas os procedimentos administrativos preliminares (v.g., uma fiscalizao tributria),como tambm o processo administrativo de controle interno da legalidade dos atosadministrativos, e o processo judicial tributrio, enfim, toda a atividade processualtributria desenvolve-se, como no poderia deixar de ser, nos termos em que previstapreviamente em lei.

    Embora consagrado na doutrina e na jurisprudncia o uso da expresso princpio dalegalidade, na verdade nem sempre a legalidade poder ser vista como um princpio, massim como uma regra, como j explicamos no item 1 (Captulo 2). No raro, a exignciade legalidade no se mostra como a positivao direta de um valor, que dever seratendido na medida do possvel, sendo sopesado com outros que lhe so antagnicos luz de cada caso concreto, como o caso da capacidade contributiva, da justia, dasegurana, da proteo livre iniciativa, ao meio ambiente, ao pleno emprego, daeconomia e instrumentalidade processuais, da efetividade da tutela jurisdicional etc. No.Em muitas situaes, a legalidade estrutura-se tal como as regras jurdicas, e a sanopara o ato desprovido de amparo legal a nulidade. No existem, ou pelo menos nodevem existir, temperamentos.17

    Em matria processual, a legalidade, embora assaz relevante, como que tornadadesnecessria quando isoladamente considerada, porquanto tida como englobada peloprincpio do devido processo legal. A importncia da legalidade subsiste na esfera dosmeros procedimentos, como o caso do procedimento de fiscalizao, especialmenteporque h quem no considere aplicvel a esse tipo de atividade meramenteprocedimental o princpio do devido processo legal. Voltaremos ao assuntooportunamente.

    Razoabilidade

    Outro princpio que orienta a elaborao e aplicao das regras jurdicas, e dos atoscom base nelas praticados, especialmente quando se tratar da conduta do Poder Pblico, o da razoabilidade, tido pelo STF como positivado implicitamente na ConstituioFederal, podendo ser deduzido de seu art. 5o, inciso LIV, que trata do devido processolegal.

  • 3.7

    No entendimento afinal prevalente no Supremo Tribunal Federal, caso o devidoprocesso legal pudesse ser entendido como uma mera imposio a que o processo fossedisciplinado por lei, sem uma referncia constitucional ao contedo dessa lei que odisciplinaria, ter-se-ia uma mera repetio desnecessria do princpio da legalidade. Queo processo deve ser regido por lei, isso a legalidade j impe: devido processo legal, nostermos do art. 5o, LIV, da CF/88, processo regido por leis razoveis, que regulemdevidamente o processo. Extraiu-se, da, no apenas o princpio do devido processo legalem seu aspecto substantivo, mas o prprio princpio da razoabilidade, que se derramoupara alm do Direito Processual e de outros ramos que disciplinam a aplicao de normasjurdicas, e passou a exercer influncia sobre a ordem jurdica como um todo.

    Tida por muitos como sinnimo de proporcionalidade, a razoabilidade na verdade comela no se confunde, embora ambas tenham algumas semelhanas. Assim como aproporcionalidade, a razoabilidade possibilita um maior controle dos atos do PoderPblico quando estes tenham uma finalidade lcita, mas empreguem na consecuo dessafinalidade meios no admissveis, seja porque excessivos, seja porque desviados. Assemelhanas, contudo, no so muito maiores que essas, visto que a maneira comoesses dois princpios possibilitam um controle da relao entre meios e fins um tantodiferente.

    Pelo princpio da razoabilidade, originrio do Direito norte-americano e ingls, osmeios empregados para atingir determinada finalidade devem no apenas ser adequadose necessrios a essa finalidade, mas devem, tambm, estar em conformidade com osenso comum, o que nos conduz a uma ideia de consenso, de legitimidade, decompatibilidade com os valores prevalentes naquela comunidade na qual o princpio seraplicado. Alm disso, a razoabilidade pode ser usada no apenas na aplicao deprincpios a serem conciliados, mas tambm na aplicao de regras jurdicas,assemelhando-se, nesse caso, equidade.

    Proporcionalidade

    O princpio da proporcionalidade possui, como dissemos no item anterior, um ncleocomum com o princpio da razoabilidade. Ambos tm por finalidade viabilizar o controledas relaes entre meios e fins, especialmente quando a Constituio imponha ao PoderPblico a consecuo de determinada finalidade sem apontar-lhe os meios a tantonecessrios. relevante destacar, nesse ponto, que ambos devem orientar a conduta dointrprete e do aplicador das normas jurdicas, visto que no se excluem, ao contrrio, sesomam, na difcil tarefa de controlar os abusos do Poder Pblico.

  • De acordo com o princpio da proporcionalidade, o ato estatal praticado como meio consecuo de um fim, ainda que lcito esse fim, e alm de naturalmente atender aoutros requisitos decorrentes de outras normas jurdicas, deve ser adequado, necessrioe proporcional em sentido estrito.

    Diz-se adequado o meio que realmente alcanar a finalidade pretendida, sem aindaperquirir-se sobre os efeitos colaterais desse meio sobre outros direitos fundamentaisenvolvidos. Basta saber se o meio realmente se presta ao fim visado.

    Ultrapassado o quesito da adequao, verifica-se se o meio necessrio, isto , seno existe outro meio igualmente adequado, e que ao mesmo tempo seja menos nocivo,ou menos agressivo, a outros direitos fundamentais relacionados.

    Caso esse meio seja realmente adequado e necessrio, passa-se ento ao requisitofinal, que o da proporcionalidade em sentido estrito, que consiste em saber se, daconciliao entre o ato praticado, a finalidade por ele buscada, e o valor a elessubjacente, de um lado, e outros princpios constitucionais, de outro, devem prevalecer, luz do caso concreto, os primeiros ou os ltimos.

    nesse derradeiro quesito que a proporcionalidade diferencia-se com mais nitidez darazoabilidade, pois, enquanto a razoabilidade faz o controle da relao entre meios e finsde acordo com o senso comum, a proporcionalidade o faz conciliando os princpiospertinentes que estejam positivados na Constituio. Essa conciliao se d com aatribuio de maior peso, ou de maior eficcia, ao princpio que, em determinado casoconcreto, em sendo aplicado, cause menor estrago aos demais com os quais est sendoconciliado. Isso pode fazer com que, luz das circunstncias, em um determinado casodeva prevalecer o princpio X sobre o princpio Y, e, em outra situao, em face de outraspeculiaridades, o mesmo princpio X deva ceder espao para a preponderncia doprincpio Y.18

    Como a Constituio Federal de 1988 possui um imenso rol de princpios, umaquantidade assaz grande de normas que impem finalidades, sem apontarexaustivamente os meios, sendo essas finalidades, se consideradas de modo absoluto,muitas vezes contraditrias entre si, o princpio da proporcionalidade o mtodo deconciliao de princpios por excelncia. No se concebe a aplicao das normasconstitucionais, especialmente as de cunho principiolgico, sem a utilizao dos critriosoferecidos pela proporcionalidade. Tem-se, por isso, que o princpio da proporcionalidadeno est expressamente positivado em nenhum dispositivo de nossa Constituio, sendoantes uma decorrncia inexorvel da admisso da fora normativa dos princpiosconstitucionais, na medida em que representa a nica maneira de concili-los e aplic-lossatisfatoriamente.

  • 3.8

    Em matria processual, exemplo bastante elucidativo da aplicao daproporcionalidade na conciliao de princpios reside na concesso de medidas liminares,na exigncia de garantia de juzo como condio para a oposio de embargos execuo, no estabelecimento de determinadas formalidades processuais para oconhecimento de recursos, entre outros temas dos quais trataremos oportunamente aolongo deste livro.

    Como j escrevemos em outra ocasio, em coautoria com Raquel Cavalcanti RamosMachado, a proporcionalidade, assim como a razoabilidade, princpio inerente noapenas ao direito, mas conduta de uma maneira geral, frente vida. Toda pessoaracional e de bom senso os concretiza a cada passo, a cada escolha realizada. De todomodo, o mrito dos modernos doutrinadores da Teoria Geral do Direito e do DireitoConstitucional foi o de procurar teorizar a aplicao de tais princpios, explicandoobjetivamente como isso deve ser feito.19

    Publicidade

    Outro princpio da maior importncia no disciplinamento da conduta daqueles quecorporificam o Poder Pblico, especial, mas no exclusivamente no mbito das relaesprocessuais, o da publicidade. Trata-se, em verdade, de um desdobramento lgico dosprincpios republicano e democrtico. Como a Fazenda Pblica no dos governantes,mas do povo que eles em tese representam, indispensvel que o povo conhea o queem seu nome feito com os bens e direitos que, em ltima anlise, so tambm seus.Poderamos acrescentar, ainda no rol dos fundamentos do princpio da publicidade, oprincpio do Estado de Direito, na medida em que a publicidade o principal instrumentoatravs do qual as ilegalidades so levadas a pblico e devidamente impugnadas edesfeitas.

    Assim que o princpio da publicidade transparece em inmeros dispositivos daConstituio, tais como no seu art. 1o, II, que cuida da cidadania, e respectivo pargrafonico, que assevera emanar do povo o poder exercido pelos governantes, no inciso LX doart. 5o, pertinente publicidade dos atos processuais, e ainda no caput do art. 37, quetrata da publicidade como vetor da conduta da Administrao Pblica.

    A publicidade, portanto, de ser observada no apenas no processo judicial, por forada literalidade do inciso LX do art. 5o da Constituio Federal, mas tambm nosprocedimentos e nos processos administrativos, bem como em todos os demais atos doPoder Pblico.

    Deve ser destacado que, no mbito dos processos, a publicidade tem funo ainda

  • 4

    4.1

    mais ampla que a de prestigiar o princpio democrtico: viabilizar a participao daspartes, bem como um controle, por parte da opinio pblica, da funo de julgar. Essecontrole da opinio pblica, contudo, se se mostrou relevante poca das revoluesburguesas, quando havia julgamentos secretos, inteiramente arbitrrios, pode serprejudicial nos dias de hoje, em alguns casos. So aquelas hipteses nas quais apublicidade pode trazer mais desvantagens que vantagens, por implicar exposioprejudicial intimidade das partes, ou ao interesse social. Por essa razo foi que aConstituio cuidou de estabelecer excees regra geral de publicidade dos atosprocessuais. Assim, por exemplo, certos atos de um procedimento ou mesmo de umprocesso administrativo podem ter sua publicidade restringida para que se preserve osigilo fiscal do contribuinte.

    muito importante referir, contudo, que a restrio da publicidade de atos processuaisadmitida pela Constituio diz respeito somente a terceiros, e nunca s partes. Estasjamais podem ser privadas do conhecimento de todo e qualquer ato do Poder Pblico,condio indispensvel para o exerccio do controle da legalidade, administrativo oujudicial. So inteiramente inconstitucionais, portanto, as orientaes dominantes emmuitas reparties da Administrao Tributria, em face das quais certos atos doprocesso administrativo, e em alguns casos o processo inteiro, so ocultados docontribuinte sob as mais descabidas justificativas.

    A propsito, o STJ tem considerado nulo o processo administrativo, quando oadministrado no tem assegurado o acesso aos autos:

    Administrativo Direito de defesa Impossibilidade de acesso aos autos Ineficcia. I No processo administrativo, a intimao para a defesa visa trsobjetivos: fixar o incio do prazo; delimitar a matria a ser impugnada e,finalmente, determinar o local em que se encontram os autos, para exame. II ineficaz a intimao, se o intimado no tem acesso aos autos porque eles foramremetidos a outro local que no aquele indicado.20

    PRINCPIOS VETORES DA CONDUO DE PROCEDIMENTOSADMINISTRATIVOS

    A peculiar classificao do mero procedimento. Atividade administrativatpica

    Os princpios arrolados no item 3, assim como todos os demais princpios e regras

  • inerentes atividade estatal, aplicam-se naturalmente a todas as fases do processotributrio em sentido amplo, desde os procedimentos que antecedem a prtica de atosde lanamento, de parcelamentos, de compensaes, de reconhecimento de imunidadese isenes etc., ao processo administrativo de controle da legalidade desses mesmosatos, e, finalmente, ao processo judicial tributrio, tambm chamado processo tributrioem sentido estrito.

    O processo judicial tributrio, contudo, assim como o processo administrativo decontrole interno da legalidade de atos administrativos, tem um conflito de interesses quelhe subjacente, sendo o seu propsito o de dirimi-lo. Aplicam-se a tais processos,portanto, com toda a intensidade, os princpios do devido processo legal, da ampladefesa e do contraditrio, e todos os que deles decorrem.

    Os meros procedimentos que antecedem a prtica de alguns atos administrativos, aexemplo de lanamentos, reconhecimentos de imunidades ou isenes, o deferimento decompensaes etc., estes no tm por fim resolver um conflito de interesses. Pelocontrrio, constituem mera sequncia de atos logicamente encadeada, mas cujo fim no resolver um conflito, nem viabilizar a participao dos interessados, mas apenasoperacionalizar a prtica de atos administrativos tpicos, atos inerentes atividade doPoder Executivo. Tais procedimentos, exatamente porque no contam com a participaodos interessados como forma de legitimar a formao do resultado final, nem tm por fimresolver um conflito de interesses (conflito que asseguraria tal participao sob a formade um contraditrio), no so processos no sentido estrito do termo. Sua finalidade tosomente a de viabilizar um maior controle e propiciar melhor organizao da atividadeadministrativa, no se submetendo por isso a princpios como o da ampla defesa e docontraditrio durante o seu trmite, nem ao princpio do devido processo legal em seuaspecto substancial mais comum. Essa a razo pela qual se diz que o contribuinte podedefender-se do auto de infrao contra si lavrado, mas no tem, necessariamente,oportunidades de defesa antes da feitura do lanamento, em face da mera fiscalizaoem seu estabelecimento, por exemplo, at porque o procedimento de fiscalizao tempor fim uma mera conferncia do cumprimento espontneo da norma tributria, e no asoluo de uma lide. Lide poder haver em momento posterior, se for o caso, na hiptesede ser efetuado um lanamento.

    por isso que se diz que, no mbito do processo tributrio em sentido amplo, tm-se,nos meros procedimentos, garantias constitucionais em grau mnimo; nos processosadministrativos, garantias constitucionais em grau intermedirio e, no processo judicial,em grau mximo.21 Isso no quer dizer, contudo, que tais princpios constitucionaisprocessuais no tenham nenhum significado dentro dos procedimentos. De maneiranenhuma.

  • 4.2

    Quanto ao devido processo legal, importante referir que, em sua concepo maisampla, j admitida pelo STF, tal princpio consiste na prpria materializao darazoabilidade. Seu contedo estende-se, portanto, ao Ordenamento Jurdico como umtodo, e a todos os atos, pblicos ou particulares, com base no Direito praticados. Assim,embora no se possa exigir que um procedimento de fiscalizao assegure prviaoportunidade de defesa ao contribuinte, isso no libera o agente fiscal de seguir umprocedimento calcado no apenas na lei formal (legalidade), mas tambm no que forrazovel.

    No que diz respeito ao contraditrio e ampla defesa, decorrncias do princpio dodevido processo legal relativamente aos processos de soluo de conflitos, importantereferir por que o mero procedimento no os tem de observar previamente: isso ocorreporque o mero procedimento, quando de seu trmino, pode ensejar a prtica de um atoque no resolva nem muito menos crie conflito algum, como o do fiscal que conclui umafiscalizao afirmando que a situao do contribuinte regular, ou apura tributo que ocontribuinte reconhece como devido, e paga. Trata-se, na verdade, de mero exerccio dafuno administrativa tpica, ou da funo prpria do Poder Executivo, sem envolverqualquer julgamento de conflitos de interesses ou a prtica de qualquer outro ato quereclame, para se tornar legtimo, ampla participao dos sujeitos interessados.

    Apesar disso, o mero procedimento, seja de fiscalizao, seja de reconhecimento deiseno etc., no pode desenvolver-se e restar concludo de tal maneira que inviabilize aefetividade dos princpios do contraditrio e da ampla defesa que eventualmente podemser importantes para o cidado contribuinte em momento posterior.

    Assim, por exemplo, no porque no mbito do mero procedimento o contribuinte notem necessariamente oportunidades de defesa que esse procedimento pode ser concludode modo obscuro, com a lavratura de um ato de infrao sem fundamentao. Do mesmomodo, esse procedimento no pode ser concludo com a prtica de um ato contra o qualo contribuinte no possa oferecer impugnao com efeito suspensivo perante aautoridade administrativa competente, dando incio a um processo de controle interno dalegalidade de tal ato sem nus para a sua defesa ou para o exerccio de outros direitosfundamentais que lhe assistem.

    Voltaremos ao assunto quando tratarmos concretamente dos meros procedimentos, noCaptulo 3 deste livro. Por ora, vejamos quais princpios constitucionais orientam a suainstaurao e o seu desenvolvimento.

    Oficialidade

  • 4.3

    Pelo princpio da oficialidade, tem-se que a Administrao Tributria tem a faculdadede agir de ofcio na instaurao de procedimentos, bem como na prtica de atostendentes ao seu trmino. Enfim, cabe Administrao instaurar, desenvolver e concluirseus procedimentos.

    Isso porque, como j afirmamos, os meros procedimentos consubstanciam a prtica deatos tipicamente administrativos, que em face da sua complexidade exigem a prtica deatos anteriores, preparatrios. Neles no se resolve um conflito, e por isso mesmo no seassegura a participao dialtica (em contraditrio) dos interessados. Assim, emboraalguns procedimentos possam ser instaurados por iniciativa dos administrados, todos elespodem igualmente ter incio por iniciativa da Administrao, que tambm deveimpulsion-los e conclu-los independentemente de provocao.

    Saliente-se que o dever de agir de ofcio independe da questo de saber se issoatender aos interesses arrecadatrios do Estado, ou se beneficiar o cidado. O deverda autoridade o de cumprir a lei, pouco importando a quem isso beneficiar, sendoabsurdo pretender que tais atos de ofcio somente deveriam ser praticados quandodesfavorveis ao cidado, devendo os que o beneficiam ser praticados apenas se houverrequerimento. Posturas assim minam a legitimidade da relao tributria, fazendo comque o cidado veja no Fisco algum de quem deve desconfiar, e na lei um instrumentoque s valorizado pela Fazenda quando isso a interessa. Deve-se reconhecer que osprocessos administrativos contenciosos, de controle da legalidade do ato administrativo,tambm devem ser impulsionados e concludos pela autoridade competente. Alguns delespodem inclusive ser instaurados de ofcio, o que menos comum em matria tributria.Em outros termos, o princpio da oficialidade tambm se aplica aos processosadministrativos contenciosos, ou processos administrativos propriamente ditos.

    Inquisitoriedade

    Os meros procedimentos so inquisitrios, no sentido de que levados a cabounilateralmente pela Administrao, sem a necessria participao do contribuinte.Trata-se de decorrncia do fato de os procedimentos operacionalizarem atividadeadministrativa tpica, sem contedo decisrio acerca de um conflito de interesses.

    Alis, precisamente na inquisitorie