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Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Recurso nº. : 138166 Matéria: : IRPJ e OUTRO – EX: DE 2000 Recorrente : PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA.. Recorrida : 2 a . TURMA DA DRJ/CURITIBA/PR. Sessão de : 11 de novembro de 2004 Acórdão nº. : 101-94.771 DESCONSIDERAÇÃO DE ATO JURÍDICO – Devidamente demonstrado nos autos que os atos negociais praticados deram-se em direção contrária a norma legal, com o intuito doloso de excluir ou modificar as características essenciais do fato gerador da obrigação tributária (art. 149 do CTN), cabível a desconsideração do suposto negócio jurídico realizado e a exigência do tributo incidente sobre a real operação. SIMULAÇÃO/DISSIMULAÇÃO – Configura-se como simulação, o comportamento do contribuinte em que se detecta uma inadequação ou inequivalência entre a forma jurídica sob a qual o negócio se apresenta e a substância ou natureza do fato gerador efetivamente realizado, ou seja, dá-se pela discrepância entre a vontade querida pelo agente e o ato por ele praticado para exteriorização dessa vontade, ao passo que a dissimulação contém em seu bojo um disfarce, no qual se encontra escondida uma operação em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou melhor, dissimular é encobrir o que é. IRPJ – GANHO DE CAPITAL – Considera-se ganho de capital a diferença positiva entre o valor pelo qual o bem ou direito houver sido alienado ou baixado e o seu valor contábil, diminuído, se for o caso, da depreciação, amortização ou exaustão acumulada. MULTA AGRAVADA – Presente o evidente intuito de fraude, cabível o agravamento da multa de ofício prevista no inciso II, art. 44, da lei nº 9.430/96. LANÇAMENTOS DECORRENTES – CSLL - A solução dada ao litígio principal, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica aplica-se, no que couber, ao lançamento decorrente, quando não houver fatos ou argumentos novos a ensejar conclusão diversa. Recurso provido parcialmente. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso interposto por PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA.

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Page 1: Processo nº. : 10935.01212/2003-78 . TURMA DA DRJ ... · investimento que a MUFFATÃO fizera na MASTER de R$ 5.732.318,00 e o ... permitido se a operação fosse contabilizada de

Processo nº. : 10935.01212/2003-78 Recurso nº. : 138166 Matéria: : IRPJ e OUTRO – EX: DE 2000 Recorrente : PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA.. Recorrida : 2a. TURMA DA DRJ/CURITIBA/PR. Sessão de : 11 de novembro de 2004 Acórdão nº. : 101-94.771

DESCONSIDERAÇÃO DE ATO JURÍDICO – Devidamente demonstrado nos autos que os atos negociais praticados deram-se em direção contrária a norma legal, com o intuito doloso de excluir ou modificar as características essenciais do fato gerador da obrigação tributária (art. 149 do CTN), cabível a desconsideração do suposto negócio jurídico realizado e a exigência do tributo incidente sobre a real operação.

SIMULAÇÃO/DISSIMULAÇÃO – Configura-se como simulação, o comportamento do contribuinte em que se detecta uma inadequação ou inequivalência entre a forma jurídica sob a qual o negócio se apresenta e a substância ou natureza do fato gerador efetivamente realizado, ou seja, dá-se pela discrepância entre a vontade querida pelo agente e o ato por ele praticado para exteriorização dessa vontade, ao passo que a dissimulação contém em seu bojo um disfarce, no qual se encontra escondida uma operação em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou melhor, dissimular é encobrir o que é.

IRPJ – GANHO DE CAPITAL – Considera-se ganho de capital a diferença positiva entre o valor pelo qual o bem ou direito houver sido alienado ou baixado e o seu valor contábil, diminuído, se for o caso, da depreciação, amortização ou exaustão acumulada.

MULTA AGRAVADA – Presente o evidente intuito de fraude, cabível o agravamento da multa de ofício prevista no inciso II, art. 44, da lei nº 9.430/96.

LANÇAMENTOS DECORRENTES – CSLL - A solução dada ao litígio principal, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica aplica-se, no que couber, ao lançamento decorrente, quando não houver fatos ou argumentos novos a ensejar conclusão diversa.

Recurso provido parcialmente.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso

interposto por PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA.

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ACORDAM os Membros da Primeira Câmara do Primeiro Conselho

de Contribuintes, por maioria de votos, DAR provimento PARCIAL ao recurso, para

excluir da tributação a parcela de R$ 4.490.150,16. nos termos do relatório e voto

que passam a integrar o presente julgado. Vencidos os Conselheiros Valmir Sandri

(Relator), Sebastião Rodrigues Cabral e Orlando José Gonçalves Bueno que

também reduziam o percentual da multa de ofício para 75% e o Conselheiro Mário

Junqueira Franco Júnior que negou provimento ao recurso. Designado para redigir o

voto vencedor o Conselheiro Caio Marcos Cândido.

MANOEL ANTONIO GADELHA DIAS PRESIDENTE CAIO MARCOS CANDIDO REDATOR DESIGNADO

FORMALIZADO EM:

Participaram, ainda, do presente julgamento os Conselheiros PAULO ROBERTO CORTEZ e SANDRA MARIA FARONI.

Recurso nº. : 138166 Recorrente : PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA..

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R E L A T Ó R I O

PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA., já qualificada nos autos do

processo em epígrafe, recorre a este E. Conselho de Contribuintes de decisão da 2a.

Turma de Julgamento da Delegacia da Receita Federal de Julgamento em Curitiba-

PR, que por unanimidade de votos julgou procedente os autos de infrações de fls.

636/643, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social Sobre

o Lucro, referente ao ano-calendário de 1999 – Exercício 2000.

De acordo com a descrição dos fatos e enquadramento legal, os

lançamentos foram efetuados, por terem sido apuradas as seguintes irregularidades

em relação ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o

Lucro Líquido:

001 – GANHOS E PERDAS DE CAPITAL

ALIENAÇÃO/BAIXA DE BENS DO ATIVO PERMANENTE

Falta de tributação do ganho de capital apurado na alienação de bens

conforme descrito no Termo de Constatação Fiscal L-999/2003, lavrado nesta data e

que faz parte integrante do presente Auto de Infração.

Fato Gerador Valor Tributável ou Imposto Multa (%)

31/12/1999 R$ 30.885.040,00 150,00

De acordo com o extenso e bem elaborado Termo de Constatação

Fiscal de fls. 604/635, entendeu a fiscalização, em síntese, que ocorreu simulação

em contrato de compra e venda de ações, disfarçada de subscrição de ações

emitidas com ágio, da seguinte forma:

A empresa SONAE DISTRIBUIÇÃO BRASIL S/A., empresa pré-

existente com sede em Porto Alegre-RS, por meio do Instrumento Particular de

Contrato de Investimento, Segregação de Interesses e Outros Pactos (fls. 34/67),

assumiu as atividades varejistas da empresa pré-existente PEDRO MUFFATO &

CIA. LTDA.

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Neste instrumento contratual figuram como parte contratada a empresa

SONAE e como partes contratantes às pessoas físicas de Pedro Muffato, Pedro

Muffato Júnior e David Guilherme Muffato, e na condição de interveniente anuente a

empresa PEDRO MUFFATO & CIA. LTDA., ora autuada.

Por disposição contratual expressa, a assunção contratada ocorreu

mediante a implementação dos seguintes atos jurídicos:

1) Os contratantes constituíram a empresa denominada MUFFATÃO MASTER

S/A., com capital de R$ 5.000,00, para a qual transferiram posteriormente a

totalidade dos ativos empregados na exploração de comércio varejista até

então exercida pela empresa autuada, ato que elevou o seu capital social

para a importância de R$ 5.732.318,00;

2) Em 06 de outubro de 1999, foi constituída a COMERCIAL ATACADISTA PML

LTDA., com capital social de R$ 1.000,00, tendo como acionista as pessoas

físicas Pedro Muffato, Pedro Muffato Junior e David Guilherme Muffato.

3) Posteriormente, em 11 de outubro de 1999 (9:00hs), em Assembléia Geral

Extraordinária, aprovou-se aumento do capital social da MASTER para R$

6.635.475,00, em decorrência da subscrição de 898.157 ações, integralmente

subscrito pela SONAE, tendo como valor nominal de cada ação a importância

de R$ 1,00, e preço de emissão de aproximadamente R$ 40,80, totalizando

R$ 36.649.298,31, sendo R$ 898.157,00 destinados à conta capital e R$

35.751.141,31, destinados à conta de reserva de capital;

4) Ato continuo, às 10:00hs. do mesmo dia (11.10.1999), nova AGE da MASTER

aprovou uma cisão parcial da companhia, em que parte do seu patrimônio

líquido, representado por parte do seu caixa, em fundos imediatamente

disponíveis, no valor de R$ 36.649.298,31, foi vertido para a empresa

COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA., cujo capital foi elevado em R$

36.649.295,00, permanecendo R$ 3,31 em conta corrente na MASTER, em

nome dos sócios que se retiram;

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5) Em decorrência da cisão, o capital social da MASTER foi reduzido para R$

898.157,00, representado por 898.157 cotas, todas detidas pela SONAE, que

assim passou a ser única acionista da MASTER;

6) Ainda no mesmo dia (11/10/1999), às 14:00 H, na sede da empresa em

Cascavel - PR, a MASTER fez nova AGE, já sem a participação da

MUFFATÃO e dos Sócios, para aprovar a incorporação da empresa a

SONAE;

7) Também no mesmo dia (11/10/1999), às 16:00 H, na sede da SONAE em

Porto Alegre, com os mesmos componentes da mesa, foi realizada AGE da

SONAE, que aprovou o protocolo de incorporação da MASTER, cujo

patrimônio líquido foi estimado em R$ 5.973.569,00;

8) No mesmo dia (11/10/1999), através da Vigésima Nona Alteração Contratual,

a MUFFATÃO incorporou a COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA.,

absorvendo assim a totalidade do patrimônio líquido desta empresa,

composto, exclusivamente, de disponibilidades;

9) As 5.732.318 cotas que a MUFFATÃO havia integralizado no capital social da

MASTER e que foram transferidas, através da cisão, para o capital da

COMERCIAL ATACADISTA PML LTDA., foram canceladas;

10) O valor de R$ 30.885.040,00, referente à diferença entre o valor do

investimento que a MUFFATÃO fizera na MASTER de R$ 5.732.318,00 e o

valor que a MUFFATÃO passou a ter na PML após a cisão desta (R$

36.617.358,00), foi contabilizado diretamente na conta de RESERVAS DE

CAPITAL, sem transitar por contas de resultados e sem ser oferecido à

tributação.

11) Posteriormente, em 25/10/1999, através de AGE a SONAE formalizou a

incorporação da MASTER, sendo o seu patrimônio líquido avaliado por

empresa especializada, na importância de R$ 5.072.352,74.

Ao final, a fiscalização concluiu que o objetivo do negócio foi à

aquisição, pela SONAE, das atividades de varejo da MUFFATÃO, incluindo suas

instalações, estoques e créditos, deduzidos os débitos operacionais decorrentes

destas atividades, como está definido no INSTRUMENTO PARTICULAR firmado em

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28/09/1999, e que todos os atos anteriormente descritos, serviram para que a

SONAE ficasse com o controle das atividades de varejo da MUFFATÃO e esta com

o dinheiro desembolsado pela SONAE no negócio, ou seja, não passaram de

simulação para encobrir o negócio efetivamente realizado e, assim, permitir:

1) que a MUFFATÃO deixasse de pagar os tributos incidentes sobre o ganho de

capital gerado pelo negócio;

2) que o investimento feito pela SONAE pudesse ser deduzido de seus lucros

tributáveis num período de tempo muito mais curto que aquele que seria

permitido se a operação fosse contabilizada de forma a refletir a realidade do

negócio realizado, diminuindo assim a sua tributação futura.

Desta forma, a fiscalização desconsiderou as operações de

subscrição de capital, de cisão e de incorporação, e exigiu o tributo na operação,

com base em ganho de capital, com agravamento da multa de ofício em 150%, e

representação fiscal para fins penais.

Intimada dos Autos de Infrações, impugnou o feito às fls. 648/659,

aduzindo, em síntese que:

1) a forma jurídica escolhida pelas partes para atingir o resultado pretendido não

era (nem é) proibida por lei ou por qualquer outra razão, não ocorrendo

ocultação do referido resultado, que era revelado as claras no Instrumento

contratual assinado entre as partes;

2) restou exteriorizada a vontade real e intenção das partes de que o resultado

do negócio seria a transferência da titularidade de certos ativos relacionados

com a atividade de distribuição e que o meio adequado para a realização de

referido negócio envolveria a prática de um conjunto de operações lícitas,

tendentes à obtenção de um resultado fiscalmente menos oneroso,

inexistindo elemento de falsidade, engano ou encobrimento nesses negócios

jurídicos que permitam afetar sua substância ou mesmo fazer incidir dúvidas

acerca da absoluta coincidência entre a vontade real e a vontade declarada

pelas partes;

3) que os negócios queridos e realizados foram os de conferência de bens ao

capital para constituição de sociedade anônima, de subscrição de aumento de

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capital com ágio e de cisão. Nada, por razões de ordem legal ou outras, se

opõe à respectiva prática, e se desta coligação de atos jurídicos extraiu-se

efeito análogo ao de uma compra e venda, com a simples diferença de ser o

primeiro menos oneroso fiscalmente que a segunda, não se pode falar de

simulação e sim de negócio indireto, e ao pretender tributar o resultado da

operação com fundamento em simulação inexistente, está, na verdade, o

Fisco a ocultar sua real intenção que é a de tributar por analogia,

procedimento que viola ostensivamente direito e garantia individual o princípio

da legalidade da tributação.

Requer ao final o cancelamento dos lançamentos.

A vista de sua impugnação, a 2a. Turma da Delegacia da Receita

Federal de Curitiba-PR, por unanimidade de votos, julgou procedente os

lançamentos, ementando a decisão da seguinte forma:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ano-calendário: 1999

Ementa: SIMULAÇÃO. COMPRA E VENDA DE 100% DAS AÇÕES, EMITIDAS COM ÁGIO.

Trata-se de compra e venda o negócio jurídico pelo qual as partes concertaram livremente suas vontades e ajustaram – por meio de contrato no qual estipularam o preço, os ativos incluídos, a forma de pagamento, as garantias recíprocas, a possibilidade de execução judicial específica, a responsabilidade dos sucessores, etc. – a transferência das atividades varejistas desenvolvidas por uma delas.

Não sendo possível um mesmo negócio jurídico ser consumado por mais de uma modalidade negocial, e também pela manifesta divergência entre a vontade real e declarada, materializam simulação os diversos atos jurídicos pelos quais se intentaram implementar a transferência dos ativos, a saber: (i) transferência, a título de integralização de capital, para uma empresa recém criada – Muffatão Máster S/A. – dos ativos já alienados; (ii) emissão de ações representativas de 13,536% do capital dessa nova empresa, subscritas pela adquirente dos ativos, pelo valor correspondente ao preço total dos ativos vendidos, com a denominação de ágio à diferença entre este e o valor nominal das ações; (iii) cisão dessa empresa, pela qual os antigos proprietários se retiraram levando apenas o numerário acrescido ao caixa pela subscritora das ações, ou seja, a empresa que adquiriu os ativos.

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Aludidos negócios jurídicos, que compõem o planejamento tributário, devem ser afastados porque se apegam tão-somente à literalidade da estipulação, com total desprezo da real intenção dos interessados e dos fins econômicos que os aproximaram. Não existia nem possibilidade jurídica e nem vontade sincera de transferir ativos para a empresa Muffatão Máster S/A., prevalece o fato de que jamais existiu vontade efetiva de pagar ágio pela aquisição de apenas 13,536% de suas ações. A verdadeira e confessada vontade das partes contemplava a transferência de 100% das ações, posto que naquele momento os ativos formalmente lhe pertenciam. Ademais, o laudo de avaliação existente atribui a 100% das ações o preço pago.

Restou caracterizada a simulação em razão do manifesto e intencional desacordo entre a vontade interna das partes – comprar e vender os ativos ligados à atividade varejista – e a declarada, com o objetivo de ocultar sob a aparência de ágio na emissão de parte das ações, aquele ato realmente querido pelas partes, e também pela existência de acordo simulatório com intuito de enganar o Fisco.

DECORRÊNCIA. CSLL.

Aplica-se ao lançamento decorrente, CSLL, a mesma solução dada ao lançamento matriz, relativo ao IRPJ, quando ambos tiverem por fato imponível as mesmas ocorrências fáticas.

Lançamento Procedente.

A razão de decidir da decisão recorrida, foi de que a família Muffato

e a empresa SONAE jamais concertaram sua vontade com o objetivo de se

associarem e esta subscrever, com ágio, ações correspondentes a 13,536% do

capital da empresa Muffatão Máster S/A., pois, o verdadeiro e confessado objetivo

de ambas as partes era, e sempre foi em todos os momentos, transferir para SONAE

todas as atividades varejistas da impugnante.

Uma vez que tais atividades se encontravam em poder desta

empresa no momento da subscrição das ações, significa que o objetivo era transferir

100% das ações, conforme consta de laudo de avaliação para esse fim elaborado.

Em assim sendo, o diferencial entre o preço recebido e o custo de aquisição dos

ativos alienados consubstancia ganho de capital, e não ágio na emissão de ações,

estando presente, portanto, todos os elementos da simulação, de vez que tentaram

disfarçar um negócio – compra e venda de ativos – com a roupagem de outra –

emissão de ações com ágio.

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Intimada da decisão a quo, tempestivamente recorre a este E.

Conselho de Contribuintes (fls. 699/736), aduzindo como razões do recurso, após

fazer uma explanação dos fatos ocorridos, em síntese, que:

1) a autoridade fiscal, ao exigir imposto sobre pretenso ganho de capital, o fez

com base no artigo 51 da Lei n. 7.450/85, tendo em vista que os artigos 247,

248 e 251 § único do RIR/99 são normas genéricas e o art. 418 e parágrafos

deste mesmo regulamento se referem a simples tributação de ganho de

capital, e que para chegar a essa tributação o Termo de Constatação

apresenta o artigo 51 da referida lei, c/c os artigos 109 e 108 do CTN, como

base da desconsideração dos negócios jurídicos;

2) a equivocidade da interpretação do alcance do artigo 51 da Lei n. 7.450/85,

para o caso concreto, se vislumbra na tentativa de aplicar essa norma em

todo e qualquer caso, quando simulação é circunstância real a ser

inequivocadamente comprovada em cada caso concreto.

3) outro equivoco consiste em invocar esse mesmo comando legal, quando o

mesmo tinha o endereço certo e exclusivo das incidências do imposto sobre

rendimentos e ganhos de capital em aplicações financeiras, previstas nos

artigos 39 e 40 da mesma Lei n. 7.450/85, conforme se depreende da

exposição de motivos que acompanhou o anteprojeto da referida lei, que cita;

4) desta forma, entende que o artigo 51 não pode alcançar os atos praticados

pela recorrente, posto que sua aplicação se restringe a validar lançamentos

sobre situações concretas que se subsumam as hipóteses de incidência

expressamente previstas na lei, às quais se refere umbilicalmente;

5) quanto aos artigos 109 e 118 do CTN e a interpretação econômica dada pela

administração tributária, ao considerar os verdadeiros efeitos econômicos

subjacentes desses atos que se procuram mascarar, apresenta-se o princípio

da legalidade como óbice a essa interpretação;

6) após discorrer sobre o princípio da legalidade e da interpretação econômica

pelo aplicador da lei, de transcrição de doutrina, assevera que não se pode

declarar ocorrido o fato gerador abstraindo-se do ato jurídico e dos seus

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elementos formadores, para adentrar tão somente em dados ou efeitos

econômicos;

7) os atos jurídicos praticados foram completamente legais. A vontade lícita

contratada pelas partes restou sempre clara pelo Instrumento Particular de

Contrato de Investimento, Segregação de Interesses e Outros Pactos, firmado

em 28/09/99, inexistindo prejuízo de terceiros na efetivação do negócio, por

isso só se pode falar em elisão e jamais de evasão fiscal, resultante de

simulação, tendo em vista que um ato alternativo praticado pelo contribuinte

que não se submeta a qualquer dos vícios relacionados no artigo 102 do

Código Civil, ainda que adotado com intuito de economizar tributo, e ainda

que conduza indiretamente ao mesmo resultado econômico a que um outro

ato direto tributado conduziria;

8) que todos os atos praticados o foram legalmente, com documentos que

retratam a realidade decorrente de uma estruturação de atos jurídicos

efetivamente adotados, para contornar o fato gerador, tudo conforme previsto

no instrumento particular, cujo objetivo era a assunção, por parte da SONAE

das atividades varejistas da MUFFATÃO;

9) como tal liberdade foi exercida por intermédio da prática de atos válidos e

lícitos, sem qualquer falsidade ideológica ou documental, fatos todos ele

previsto em instrumento anterior, não é possível ao fisco manifestar qualquer

pretensão tributária ao abrigo de interpretações que lhe são vedadas, em

especial a interpretação econômica posta na acusação fiscal;

10) fica evidenciado que o fisco diz simulada uma operação válida com o único e

exclusivo propósito de tributar uma operação válida com o único e exclusivo

propósito de tributar um resultado que de outra forma não poderia atingir;

11) em relação à integralização do capital subscrito pela SONAE na MASTER,

alega que o mesmo foi integralizado através de cheques administrativos, e

que a importância de R$ 20.000.000,00 relativo ao cheque nr. 10.559, do

Banco Real S/A., não foi imediatamente depositada, por tratar-se de depósito

em conta específica como garantia ao implemento das obrigações da cindida,

com a empresa SONAE;

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12) os vícios de forma apontados pelo auto de infração aos laudos de avaliação,

dizem respeito única e exclusivamente a encomendante de referidos laudos –

a SDB - , não podendo por isso ser invocados para sugerir a existência de

vícios que afetem a validade jurídica dos negócios praticados com a

interveniência da Impugnante, em relação aos quais não se pode apontar

qualquer mácula à validade jurídica;

13) ao atacar a decisão recorrida, alega a recorrente que se todos os atos e

negócios jurídicos praticados pela recorrente e a SONAE foram simulados,

nenhuma eficácia poderia advir daqueles atos ou negócios jurídicos e, assim,

não poderia resultar em nenhum efeito tributário e, conseqüentemente, não

poderia ser objeto de lançamento, pois todas as operações e negócios

jurídicos seriam nulos, e que, portanto, não só o capital social, mas também, a

responsabilidade por todos os atos e negócios jurídicos recairia sobre a

responsabilidade das pessoas físicas da família Muffato, e sendo assim, se

todos os atos ou negócios jurídicos foram praticados pelas pessoas físicas da

referida família, está caracterizado o erro de identificação do sujeito passivo

que não poderia ser, de forma alguma a Recorrente: PEDRO MUFFATO &

CIA. LTDA.;

14) entende que a desconsideração de atos e negócios jurídicos para fins de

tributação prevista na Lei Complementar n. 104/2001, não era aplicável na

data da ocorrência do fato gerador e nem na data da lavratura do Auto de

Infração, porquanto carecia e carece da competente regulamentação, não

podendo, portanto, como prosperar o lançamento por falta de fundamento

legal;

15) em relação ao agravamento da multa, após transcrever

doutrina, entende que na remota hipótese de ter ocorrido alguma infração,

essa seria de declaração inexata, passível de multa normal de lançamento de

ofício, por não estarem presentes os atos caracterizadores de evidente intuito

de fraude, exigidos pela norma legal, de vez que todos os atos foram

estruturados na forma da lei, não havendo qualquer falsidade material ou

ideológica, pois devidamente registrados na Junta Comercial e regularmente

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contabilizados, sendo apresentados ao fisco assim que intimados, nada tendo

sido ocultado, para se caracterizar o evidente intuito de fraude.

Requer ao final, seja acolhida a preliminar de nulidade de lançamento

por erro de identificação do sujeito passivo e, no mérito, dado provimento ao recurso

voluntário pela inocorrência de simulação e, alternativamente, a dispensa da multa

qualificada.

É o Relatório.

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V O T O V E N C I D O

Conselheiro VALMIR SANDRI, Relator

O Recurso é tempestivo e preenche os requisitos para a sua

admissibilidade. Dele, portanto, tomo conhecimento.

Conforme se depreende do relatório, trata a hipótese de recurso

interposto contra decisão de primeira instância, que manteve as exigências de

créditos tributários por suposta simulação imputada pelas autoridades autuantes

contra a Empresa Pedro Muffato & Cia Ltda, por haver a fiscalização considerado

que as operações realizadas pela empresa e seus sócios tiveram o único objetivo de

encobrir a verdadeira “intenção” das partes de realizarem alienação/baixa de ativos

sem a tributação do respectivo ganho de capital, consoante extenso Termo de

Constatação Fiscal de fls. 604/635.

Ou seja, constata-se que a acusação de irregularidade feita pela

fiscalização foi exatamente de que houve simulação decorrente do fato da

Recorrente, por meio de operações triangulares, ao proceder à venda de toda a sua

atividade de varejo à empresa Sonae. O fundamento da acusação foi à constatação

de um suposto negócio que teria sido apresentado pelas partes, mas que, na

verdade, escondia, de forma simulada, a “verdadeira intenção” que era de vender os

ativos e a atividade de varejo da Muffatão.

Portanto, a hipótese prevista nos presentes autos encerra a

discussão sobre o tênue limiar existente entre os procedimentos e operações

praticadas pelos contribuintes com total amparo legal, por isso considerados como

lícitos, por se encontrarem ao abrigo dos comandos legais e não existir nenhuma

norma que vede o comportamento ou obrigue em contrário, e aqueles

procedimentos que encerram manobras, artifícios ou subterfúgios que contrariam

leis ou normas e contêm no seu bojo comportamentos revestidos da característica

de dolo, fraude, conluio ou simulação e, portanto, enquadra-se como evasão ilícita,

configurando o tipo legal dos crimes tributários.

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Assim, para que se possam fundamentar os motivos que justificam as

conclusões do presente voto, contudo, mister se faz, inicialmente, colocar detalhada

e cronologicamente quais foram às operações praticadas pelas empresas

envolvidas na operação.

De acordo com o item 6.7.2 do Termo de Constatação Fiscal, as

operações que justificaram a autuação foram assim descritas, sinteticamente:

1) criação da empresa denominada Muffatão Máster S/A., com capital inicial de

R$ 5.000,00, com 100% das ações em nome dos sócios Pedro Muffato, Pedro

Muffato Junior e David Guilherme Muffato;

2) criação da empresa denominada Comercial Atacadista PML Ltda., com 100%

das ações em nome dos sócios acima;

3) ingresso da ora Recorrente (Muffatão) no quadro societário da Muffatão

Máster S/A., subscrevendo e integralizando ações pelo valor nominal, em

bens, direitos e dívidas, ou seja, ativos e atividades de varejo;

4) ingresso da SONAE (SDB) no quadro societário da Muffatão Máster S/A.,

integralizando ações com ágio, em dinheiro;

5) cisão seletiva da Muffatão Master S/A., com destinação de parte de seus

ativos, representados exclusivamente por disponibilidade imediatas para a

Comercial Atacadista PML Ltda.;

6) incorporação da Comercial Atacadista PML Ltda. pela ora Recorrente

(Muffatão);

7) incorporação da Muffatão Master S/A. pela SONAE (SDB).

Ainda, consoante o item 6.7.3. do citado Termo de Constatação

Fiscal, todos os passos descritos no item 6.7.2. não passaram de meros

instrumentos que as partes envolvidas utilizaram para chegar ao objetivo definido no

Instrumento Particular, ou seja, fazer com que a Sonae ficasse com o controle das

atividades de varejo da Muffatão e este com o dinheiro desembolsado pela Sonae

no negócio.

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Em outras palavras, todo os passos listados acima não passaram

de uma simples simulação para encobrir o negócio efetivamente realizado e permitir

que a Muffatão deixasse de pagar os tributos incidentes sobre o ganho de capital, e

o investimento feito pela Sonae pudesse ser deduzido de seus lucros tributáveis em

um período de tempo muito mais curto.

Pois bem, colocada a questão acima, faz-se necessário tecer uma

pequena consideração acerca do chamado ato simulado.

A simulação é visualizada como algo que se apresenta como

falseamento da realidade, indicando a aparência de algo que não existe,

diferentemente da dissimulação, que embora essa, também, apresente-se como

falseamento da realidade, contém no seu bojo um disfarce, no qual encontra-se

escondida uma operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio, em que

o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade.

Ainda, a doutrina faz a distinção entre a simulação absoluta,

identificada quando não há relação negocial entre as partes, e a simulação relativa,

quando dois negócios se sobrepõem: o simulado, que não espelha o íntimo querer

das partes e o negócio dissimulado que se encontra oculto, esse como o negócio

real efetivamente concretizado pelas partes.

Na verdade, a simulação é um vício que contamina o ato jurídico e

encontra-se regulamentada nos artigos 102 a 105 do Código Civil brasileiro vigente

à época do lançamento do crédito, cujas disposições hoje consta do artigo 167, do

Código Civil atualmente vigente, aprovado pela Lei nº 10.406/2002, que estavam

assim expresso:

“Art. 102. Haverá simulação nos atos jurídicos em geral:

I - Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a que realmente se conferem, ou transmitem;

II – Quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III – Quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

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Art. 103. A simulação não se considera defeito em qualquer dos casos do artigo antecedente, quando não houver intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei.”

Por conseguinte, a simulação caracteriza-se por produzir uma falsa imagem da

realidade e em cujo conteúdo se encerra uma fraude à lei, ou seja, a simulação se

caracteriza quando embaixo da aparência de um negócio jurídico normal se oculta

outro propósito negocial.

Pois bem, da análise de todos os procedimentos adotados pelas empresas

envolvidas nas operações, conclui-se que todos os atos e supostos negócios que

teriam sido apresentados pelas partes, na verdade, diferentemente do que alegado

pela fiscalização, trata-se de dissimulação, que embora essa, também, apresente-se

como falseamento da realidade, contém no seu bojo um disfarce, no qual encontra-

se escondida uma operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio, em

que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou seja, a

“verdadeira intenção” que era a de vender os ativos e a atividade de varejo da

Muffatão, porquanto conforme se constata do Instrumento Particular de Contrato de

Investimentos, Segregação de Interesses e Outros Pactos assinado em 28.09.1999,

entre os sócios da ora Recorrente e a empresa SONAE (SDB), tendo como

interveniente ela própria, ocorreu a transferência dos ativos empregados pela

Recorrente na exploração de suas atividades varejistas para a empresa SONAE

(SDB), tentando evitar com isso a tributação decorrente de ganho de capital na

alienação de bens e direitos na empresa Recorrente, conforme se depreende da

cláusula 1.1 do Contrato, verbis:

“1.1. O presente Instrumento tem por objeto regular a assunção, pela SDB ou por qualquer outra empresa controlada, direta ou indiretamente, por Modelo Continente S.G.P.S. S.A., do controle das atividades varejistas desenvolvidas por MUFFATÃO nos estabelecimentos constantes do Anexo 1.1, mediante a implementação dos negócios jurídicos aqui descritos.”

De fato, da leitura do dispositivo acima se verifica que o verdadeiro

objetivo de ambas as partes foi de transferir para a empresa SONAE todas as

atividades varejistas da Recorrente, servindo apenas as operações materializadas

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pelas empresas envolvidas, tais como, transferência de ativos, subscrição com ágio,

cisão de empresa, etc., tão somente para disfarçar o intento das partes e fugir a

tributação decorrente de ganho de capital, caso a operação de venda tivesse sido

efetuada de forma direta.

Não fossem os dados acima que por si só já descaracterizariam

toda a operação engendrada pelas partes, o fato é que todos os atos societários,

tais como, constituição de empresas, integralização de capital, cisão e incorporações

foram realizados em questão de horas, sem que houvessem os devidos registros

perante o Registro de Comércio, tendo, inclusive, a Recorrente procedido à

equivalência patrimonial sobre parcela de capital subscrito pela empresa SONAE

ainda não totalmente integralizado.

O fato é que foi desencadeado pelas empresas envolvidas nas

operações uma série de atos que não guardam qualquer correspondência com a

real intenção das partes, porquanto se produziu uma série de documentos

envolvendo uma pretensa operação de participação societária, quando na verdade o

único objetivo do negócio foi de transferir toda a atividade varejista da Recorrente

para a empresa SONAE, com os benefícios fiscais que poderiam advir destas

operações para ambas as empresas se não detectadas pela Fisco.

Não se nega que é perfeitamente admissível ao contribuinte utilizar-

se de quaisquer meios lícitos para economizar tributos e, por decorrência, deve-se

considerar como legítimo o planejamento tributário.

Entretanto, o que deve ser investigado é se a estrutura adotada foi

legítima e se o seu regime jurídico foi observado. Em outras palavras, impende

confirmar a circunstância concreta se o negócio jurídico realizado pelas partes é

autorizado pelo direito privado como foi demonstrado e se revelam às verdadeiras

intenções das partes, pois se assim não for, é dever das autoridades fiscais coibir

práticas de utilização no ordenamento jurídico por meio de estratagemas,

formalizados através de negócios simulados ou dissimulados, com o objetivo de

causar prejuízo ao Erário Público.

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A vista dos documentos carreados aos autos pela fiscalização,

especialmente o Instrumento Particular de Contrato de Investimento, Segregação de

Interesses e outros Pactos, não deixam qualquer dúvida de que a declaração de

vontade expressa nos atos de constituição de empresa, integralização de capital

com ágio, cisão e incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do

ostensivamente indicado, qual seja, a transferência/venda da atividade varejista da

Recorrente, os quais foram procedidos de forma contrária tão somente para eximir-

se do pagamento de tributo.

Ainda, em grau de recurso, alega a Recorrente que se todos os

atos e negócios jurídicos por ela praticados e pela empresa SONAE foram

simulados, nenhuma eficácia poderia advir daqueles atos ou negócios jurídicos e,

assim, não poderia resultar em nenhum efeito tributário e, conseqüentemente, não

poderia ser objeto de lançamento, pois todas as operações e negócios jurídicos

seriam nulos, e que, portanto, não só o capital social, mas também, a

responsabilidade por todos os atos e negócios jurídicos recairia sobre a

responsabilidade das pessoas físicas da família Muffato, e sendo assim, se todos os

atos ou negócios jurídicos foram praticados pelas pessoas físicas da referida família,

está caracterizado o erro de identificação do sujeito passivo que não poderia ser de

forma alguma a Recorrente.

Entretanto, ao que pese os argumentos despendidos pela

Recorrente, entendo que os mesmos não têm como prosperar.

A relação jurídico-tributária obrigacional exige, como um dos

elementos vitais, que haja dois figurantes: de um lado, o sujeito ativo, em proveito de

quem terá de ser efetuada a prestação, cabendo-lhe exigi-la ou pretender o seu

cumprimento; e do outro lado, o sujeito passivo, sobre o qual recai o dever de

realizar e cumprir a prestação devida ao outro.

Desse modo, para que haja o dever de pagar tributo é

imprescindível que sejam corretamente identificados os sujeitos dessa relação

jurídica: sujeito ativo e sujeito passivo. Sem que se conheça com exatidão quem tem

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o direito de exigir e o dever de pagar a exação não pode haver qualquer imposição

ou exigência tributária.

Tratando-se de tributo da competência da União, dúvidas não

existem acerca da pessoa que ocupa o pólo passivo da relação jurídico-tributária,

tendo em vista que o CTN, no seu artigo 121, expressamente coloca como sujeito

passivo da obrigação tributária, a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou

penalidade pecuniária, identificando como elementos necessários para caracterizar o

sujeito passivo: i) na qualidade de contribuinte a pessoa que tenha relação pessoal e

direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador e ii) na qualidade de

responsável tributário, aquele cuja obrigação decorra de lei.

Assim, para que uma pessoa coloque-se no pólo passivo da relação

tributária como contribuinte, é imprescindível que preencha as condições previstas

na lei como aquele sujeito que realiza a materialidade do fato gerador, isto é, aquela

pessoa que pratica no mundo concreto o fato previsto em abstrato na hipótese de

incidência, bem assim que seja a pessoa que aufere os benefícios econômicos do

respectivo fato gerador e pode deles usufruir, estando, portanto, diretamente

obrigado a pagar o tributo.

Ainda, em atendimento ao princípio da legalidade, o sujeito passivo

de cada relação jurídico-tributária é aquele eleito pela lei que esteja diretamente

vinculado ao fato que gerou o crédito tributário. Conseqüentemente, somente poderá

ser sujeito passivo aquele que realize a materialidade do respectivo fato gerador e

aufira os seus benefícios econômicos. Para tanto, mister se faz identificar com

exatidão e comprovar quem é esse sujeito passivo, sob pena de não existir qualquer

vínculo jurídico que dê suporte à exigência tributária.

Importa considerar ainda que a pessoa jurídica é um ente criado por

ficção legal, mas que adquire personalidade jurídica própria diferente das dos seus

sócios e com eles não se confunde. Igualmente, as transações e aquisições de

disponibilidades econômicas e jurídicas de rendas dos sócios não podem se

confundir com receitas ou benefícios da pessoa jurídica ou vice-versa.

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Releva observar, contudo, que os sócios são os legítimos

proprietários e donos das cotas ou ações de uma pessoa jurídica. Desse modo,

quando da alienação de uma empresa, na verdade, o que está sendo vendido são

essas ações ou cotas cuja propriedade está sendo transferida das pessoas físicas

ou jurídicas cotistas ou acionistas para o terceiro comprador. A pessoa jurídica em si

mesma não se vende ou se transfere, pois quem detém a respectiva titularidade são

os seus sócios ou acionistas, sendo estes, portanto, o sujeito passivo da obrigação

tributária.

Por outro lado, quando há uma venda dos ativos ou a atividade da

própria empresa, na verdade constata-se que a pessoa jurídica não está sendo

alienada por seus legítimos proprietários, no caso os sócios, mas tão somente

alienando seu próprio patrimônio com a intervenção daqueles, sendo ela, portanto, o

sujeito passivo da obrigação tributária, porquanto é ela que está auferindo a renda, o

acréscimo patrimonial, a riqueza, ou seja, os benefícios econômicos dos respectivos

fatos geradores.

No tocante especificamente ao presente lançamento, resta

examinar quem pode ser o sujeito passivo da relação jurídico-tributária formalizada e

exteriorizada por meio desse instrumento. Necessária e inexoravelmente, será a

pessoa que realizar o fato gerador e auferir os respectivos benefícios econômicos,

seja pessoa física ou jurídica.

Da análise da verificação dos documentos carreados ao processo,

constata-se que o verdadeiro beneficiário da renda auferida em decorrência das

operações realizadas foi à própria Recorrente, onde ao final aportou todos os

recursos oriundos da operação, não havendo, portanto, o que se falar em erro de

identificação do sujeito passivo da obrigação tributária, porquanto o lançamento foi

efetuado na pessoa que realizou a alienação de ativos e sobre eles auferiu o ganho

de capital.

Desta forma, rejeito os argumentos despendidos pelo Recorrente

em relação ao erro de identificação do sujeito passivo da obrigação tributária.

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Por outro lado, entendo que merece uma pequena reforma a r.

decisão recorrida, especificamente em relação à apuração da base de cálculo do

tributo apurado no guerreado auto de infração, tendo em vista que a fiscalização

utilizou como custo do bem alienado, a diferença entre o valor que a Muffatão

detinha na PML menos o Patrimônio Líquido vertido (R$ 36.617.358,00 (-) R$

5.732.318,00 = R$ 30.885.040,00), ao invés do preço formado pelos bens

transferidos que esta consignado no item 1.3 do Termo de Constatação Fiscal,

formado pelos estoques, móveis e instalações, direito de uso de linhas telefônicas

que somam a importância de R$ 10.222.468,16.

Ou seja, a base de cálculo do tributo ficou inflacionada

indevidamente na importância de R$ 4.490.150,16 (quatro milhões, quatrocentos e

noventa mil, cento e cinqüenta reais e dezesseis centavos), que corresponde ao

montante da dívida da Muffatão assumidas pela SONAE; valor este que não deve

compor o resultado da base de cálculo do tributo, porquanto em desacordo com o

disposto no § 1o. do artigo 418 do RIR/99 (Decreto 3.000/99).

Logo, entendo que merece reforma a r. decisão recorrida, no

sentido de se recalcular a base de cálculo do tributo, excluindo a importância de R$

4.490.150,16, ou melhor, considerando como custo dos bens alienados não a

importância de R$ 5.732.318,00, conforme consta do lançamento, mas sim a

importância de R$ 10.222.468,16, que corresponde ao custo dos bens alienados.

Em relação ao agravamento da multa de ofício, impende observar

que, de acordo com o artigo 957, II, do vigente Regulamento do Imposto sobre a

Renda, a multa será de 150%, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos

arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64, que dispõe:

Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária;

I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II – das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

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Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.”

Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, visando a qualquer dos efeitos referidos nos artigos 71 e 72.”

Da leitura dos dispositivos acima, verifica-se que a lei exige que o

intuito de fraude seja evidente, que aflore com tal clareza que não se possa suscitar

dúvida acerca da má fé nos atos praticados, com o inequívoco propósito de violar a

lei, cabendo a autoridade fiscal apresentar as provas, irrefutáveis da conduta

configurada, além de contrária à lei como fraudulenta, com o objetivo de escusar-se

ao pagamento do tributo ou de pagar importância a menor, ou seja, a intenção

dolosa de esconder o fato gerador da obrigação tributária da Administração.

Conforme se verifica dos autos, após desconsiderar as operações

de subscrição de capital, cisão e de incorporação e exigir o tributo com base em

ganho de capital, a fiscalização procedeu ao agravamento da multa de ofício em

150% e representação fiscal para fins penais, por entender que ocorreu no caso

simulação em contrato de compra e venda de ações, disfarçada de subscrição de

ações emitidas com ágio.

Desta forma, mister se faz necessário dar a definição dos termos

simulação e dissimulação para só então verificar em qual dos dois léxicos se

enquadram os procedimentos adotados pelo contribuinte, e a partir daí, a análise da

aplicabilidade ou não do agravamento da multa.

Em apertada síntese, o termo simular conforme já anteriormente

citado, tem, em linguagem comum, o sentido de falsear a realidade, indicando a

aparência de algo que não existe, ou seja, simular é fingir o que não é, ao passo que

na dissimulação, contém em seu bojo um disfarce, no qual se encontra escondida

uma operação em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva

realidade, ou melhor, dissimular é encobrir o que é.

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Pois bem, da análise dos termos acima e dos procedimentos

adotados pelo contribuinte para a transferência de suas atividades varejistas à

empresa SONAE, não resta qualquer dúvida tratar-se de dissimulação, tendo em

vista que, embora tenha ocorrido a prática do fato gerador do tributo (compra e

venda de ativos), o contribuinte procurou encobrir tal realidade através de atos e

negócios jurídicos reais e efetivos, e, portanto, válidos na substância e na forma,

porquanto baseados em normas civis, comerciais e societárias, distorcendo com isso

a causa típica do negócio com intuito de obter uma vantagem tributária, ocorrendo

com isso uma lesão à lei tributária que a rigor não se configura como uma violação

frontal ao ordenamento tributário, mas sim em um procedimento sofisticado pelo qual

se busca evitar a ocorrência do fato gerador.

Diferentemente é a fraude tributária tratada nos artigos 149, VII,

150, § 4o., 154, parágrafo único do CTN, art. 72 da Lei 4.502/64, e art. 2o, I da Lei n.

8.137/91, que necessariamente implica violação grave e frontal de deveres

tributários principais e acessórios, tais como falsificar documentos, livros, etc., ou

seja, é toda ação ou omissão praticada com ardil, astúcia, malícia ou ma fé, com o

qual o sujeito passivo visa impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação

tributária ou que implique a modificação de algum dos outros aspectos (quantitativo,

pessoal, territorial ou temporal) da relação jurídica tributária, típicos fenômenos da

evasão de tributos praticados quase sempre de comportamentos criminosos.

Da analise dos procedimentos adotados pelo contribuinte, verifica-

se que inocorreu a fraude tributaria, mas tão somente o uso de negócios jurídicos

artificiais, com a utilização de comportamentos opostos aos estabelecidos em

normas pelo legislador (comercial, civil e societário), distorcendo com isso a causa

típica do negócio com o intuito de obter uma vantagem tributária, ou seja, trata-se de

abuso de forma com o propósito de iludir o pagamento de tributo, amparando-se no

texto de normas ditadas com distinta finalidade e produzindo um resultado

equivalente ao fato gerador.

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In casu, não se trata, de fraude tributária, mas sim a pratica de atos e

negócios jurídicos que buscam dissimular a ocorrência do fato gerador, vulnerando a

estrutura típica do negocio privado de constituição, desconstituição, cisão e

incorporações de sociedades, aproveitando se da letra da lei civil, comercial e

societária, e com base neste procedimento a penalidade deve ser graduada, sob

pena de ferir o principio da legalidade.

Diante do acima exposto, entendo inaplicável para o presente caso o

agravamento da multa prevista no inciso II, art. 44 da Lei n. 9.430/96, razão porque,

voto no sentido de sua redução para 75%.

Em relação aos lançamentos reflexos, a solução dada ao litígio

principal, aplica-se, no que couber, ao lançamento decorrente, quando não houver

fatos ou argumentos novos a ensejar conclusão diversa.

A vista de todo o exposto, voto no sentido de DAR provimento

PARCIAL ao recurso.

É como voto.

Sala das Sessões - DF, em 11 de novembro de 2004

VALMIR SANDRI

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V O T O V E N C E D O R

Conselheiro CAIO MARCOS CANDIDO,Redator Designado

Tendo em vista que o Conselheiro Relator se viu vencido no

julgamento do recurso voluntário, ora analisado, na matéria tocante à qualificação da

multa de ofício, fui designado para elaborar o voto vencedor acerca de tal matéria.

O ilustre Conselheiro Relator do voto vencido após descrever os fatos

que deram causa aos presentes autos e fazer distinção entre os conceitos de

simulação e de dissimulação, concluiu que:

Pois bem, da análise de todos os procedimentos adotados pelas empresas envolvidas nas operações, conclui-se que todos os atos e supostos negócios que teriam sido apresentados pelas partes, na verdade, diferentemente do que alegado pela fiscalização, trata-se de dissimulação, que embora essa, também, apresente-se como falseamento da realidade, contém no seu bojo um disfarce, no qual encontra-se escondida uma operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio, em que o fato revelado não guarda correspondência com a efetiva realidade, ou seja, a “verdadeira intenção” que era a de vender os ativos e a atividade de varejo da Muffatão, porquanto conforme se constata do Instrumento Particular de Contrato de Investimentos, Segregação de Interesses e Outros Pactos assinado em 28.09.1999, entre os sócios da ora Recorrente e a empresa SONAE (SDB), tendo como interveniente ela própria, ocorreu a transferência dos ativos empregados pela Recorrente na exploração de suas atividades varejistas para a empresa SONAE (SDB), tentando evitar com isso a tributação decorrente de ganho de capital na alienação de bens e direitos na empresa Recorrente, conforme se depreende da cláusula 1.1 do Contrato, verbis:

1.1. O presente Instrumento tem por objeto regular a assunção, pela SDB ou por qualquer outra empresa controlada, direta ou indiretamente, por Modelo Continente S.G.P.S. S.A., do controle das atividades varejistas desenvolvidas por MUFFATÃO nos estabelecimentos constantes do Anexo 1.1, mediante a implementação dos negócios jurídicos aqui descritos.

De fato, da leitura do dispositivo acima se verifica que o verdadeiro objetivo de ambas as partes foi de transferir para a empresa SONAE todas as atividades varejistas da Recorrente, servindo apenas as operações materializadas pelas empresas envolvidas, tais como, transferência de ativos, subscrição com ágio, cisão de empresa, etc., tão somente para disfarçar o intento das partes e fugir a tributação decorrente de ganho de capital, caso a operação de venda tivesse sido efetuada de forma direta. (grifei)

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Prossegue o Conselheiro Relator descaracterizando as “operações

intermediárias” 1 ao real negócio jurídico pretendido:

Não fossem os dados acima que por si só já descaracterizariam toda a operação engendrada pelas partes, o fato é que todos os atos societários, tais como, constituição de empresas, integralização de capital, cisão e incorporações foram realizados em questão de horas, sem que houvessem os devidos registros perante o Registro de Comércio, tendo, inclusive, a Recorrente procedido à equivalência patrimonial sobre parcela de capital subscrito pela empresa SONAE ainda não totalmente integralizado.

O fato é que foi desencadeado pelas empresas envolvidas nas operações uma série de atos que não guardam qualquer correspondência com a real intenção das partes, porquanto se produziu uma série de documentos envolvendo uma pretensa operação de participação societária, quando na verdade o único objetivo do negócio foi de transferir toda a atividade varejista da Recorrente para a empresa SONAE, com os benefícios fiscais que poderiam advir destas operações para ambas as empresas se não detectadas pela Fisco. (grifei)

Cite-se outro excerto do voto vencido acerca da real intenção das

“operações intermediárias”:

A vista dos documentos carreados aos autos pela fiscalização, especialmente o Instrumento Particular de Contrato de Investimento, Segregação de Interesses e outros Pactos, não deixam qualquer dúvida de que a declaração de vontade expressa nos atos de constituição de empresa, integralização de capital com ágio, cisão e incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, qual seja, a transferência/venda da atividade varejista da Recorrente, os quais foram procedidos de forma contrária tão somente para eximir-se do pagamento de tributo. (grifei)

Apesar de tal conclusão o Conselheiro Relator do voto vencido

desqualificou a multa agravada de 150% (inciso II do artigo 44 da lei nº 9.430/1996),

por entender que o caso dos autos tratava de dissimulação, posto que:

(...)não resta qualquer dúvida tratar-se de dissimulação, tendo em vista que, embora tenha ocorrido a prática do fato gerador do tributo (compra e venda de ativos), o contribuinte procurou encobrir tal realidade através de atos e negócios jurídicos reais e efetivos, e, portanto, válidos na substância e na forma, porquanto baseados em normas civis, comerciais e societárias, distorcendo com isso a causa

1 O termo “operações intermediárias” utilizado neste voto representa as diversas operações relatadas no item 6.7.2 do Termo de Constatação Fiscal, que, segundo o AFRF autuante “não passaram de meros instrumentos que as partes envolvidas utilizaram para chegar ao real objetivo do negócio”: transferir o controle das atividades de varejo da Muffatão para a Sonae sem a tributação do valor recebido por Muffatão.

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típica do negócio com intuito de obter uma vantagem tributária, ocorrendo com isso uma lesão à lei tributária que a rigor não se configura como uma violação frontal ao ordenamento tributário, mas sim em um procedimento sofisticado pelo qual se busca evitar a ocorrência do fato gerador.”

Peço vênia ao Conselheiro Relator para discordar da conclusão a

que chegou em relação à desqualificação da multa de ofício.

O estabelecimento das multas a serem aplicadas de ofício em função

de infrações à legislação tributária são as previstas no artigo 44 da Lei nº

9.430/1996:

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição:

I - de setenta e cinco por cento, nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do inciso seguinte;

II - cento e cinqüenta por cento, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.

Cite-se o conteúdo dos artigos 71, 72 e 73 da lei nº 4.502/1964,

necessários ao entendimento do que venha a ser os casos de “evidente intuito de

fraude”:

Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária;

I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II – das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.”

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Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, visando a qualquer dos efeitos referidos nos artigos 71 e 72.”

Não resta dúvida que a inclusão das “operações intermediárias”, que

na verdade não passaram de operações fictícias, desconexas de qualquer fato do

mundo real, tiveram como intuito exclusivo, excluir da tributação valores que

deveriam ser tributados, caracterizando o “evidente intuito de fraude” pressuposto da

aplicação do agravamento da multa de ofício.

Tais operações foram dolosamente concebidas para impedir o

surgimento do fato gerador do imposto de renda, apurado sobre o ganho de capital

da recorrente em virtude da alienação de seus ativos diretamente à real adquirente,

de modo a reduzir a zero o montante do imposto devido, caracterizando fraude

tributária.

Nos excertos do voto vencido supra citados pode-se extrair

expressões que não deixam dúvida acerca da intenção da recorrente de esconder a

realidade dos fatos: “falseamento da realidade”, “encontra-se escondida uma

operação por meio de manipulação, artifício ou subterfúgio”, “o fato revelado não

guarda correspondência com a efetiva realidade”, “verdadeiro objetivo”, “disfarçar o

intento das partes”.

Entender que só há fraude tributária quando há “violação grave e

frontal de deveres tributários principais e acessórios” (falsificação de documentos,

por exemplo) é limitar indevidamente o alcance da norma supra referida.

No caso sob análise a recorrente usou de “negócios artificiais” 2,

inexistentes de fato, para descaracterizar a ocorrência do fato gerador da obrigação

tributária principal.

2 No dizer do Conselheiro Relator do voto vencido.

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Caso típico de fraude, como conceituada no artigo 72 da lei nº

4.502/1964, pelo que, entendo desnecessária a discussão acerca da caracterização

dos fatos como simulação ou dissimulação.

Portanto, voto no sentido de que seja mantido o agravamento da

multa de ofício em 150%, na forma do inciso II do artigo 44 da lei nº 9.430/1996.

É como voto.

Sala das Sessões - DF, em 11 de novembro de 2004

CAIO MARCOS CANDIDO

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I N T I M A Ç Ã O

Intime-se o Senhor Procurador da Fazenda Nacional, credenciado

junto a este Conselho de Contribuintes, da decisão consubstanciada no Acórdão

supra, nos termos do parágrafo 2º, do artigo 44, do Regimento Interno, aprovado

pela Portaria Ministerial nº. 55, de 16 de março de 1998 (D.O.U. de 17.03.98).

Brasília - DF, em

MANOEL ANTONIO GADELHA DIAS PRESIDENTE

Ciente em

PAULO ROBERTO RISCADO JUNIOR PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL