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Recurso cível 240/2017 Página 1 Processo nº 240/2017 (Autos de recurso cível) Data: 14/Fevereiro/2019 Assunto: Utilização séria da marca SUMÁRIO O registo de marca caduca pela falta de utilização séria durante 3 anos consecutivos, salvo justo motivo. Provado o envio para a RAEM, pela sociedade de que o recorrido é sócio e único administrador, de óleos medicinais e outros produtos assinalados com a marca sob escrutínio, e não obstante ser de pequena quantidade o fornecimento daqueles produtos, mas há-de ter em consideração que foram várias as farmácias destinatárias, sendo os produtos importados colocados à venda em estabelecimentos de farmácia da Região. Nesta medida, não se pode dizer que o recorrido não usou a marca durante 3 anos consecutivos anteriores ao pedido de declaração de caducidade do registo da marca. Antes pelo contrário, provado está que antes de terminar o prazo de 3 anos consecutivos a contar da data da concessão do registo, ficou demonstrado o uso sério da marca pelo recorrido, qual seja, ter estabelecido relações comerciais com as farmácias da RAEM, fornecendo os seus produtos a essas retalhistas permitindo que as mesmas, por sua vez, os colocassem à venda no mercado.

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  • Recurso cível 240/2017 Página 1

    Processo nº 240/2017

    (Autos de recurso cível)

    Data: 14/Fevereiro/2019

    Assunto: Utilização séria da marca

    SUMÁRIO

    O registo de marca caduca pela falta de

    utilização séria durante 3 anos consecutivos, salvo justo

    motivo.

    Provado o envio para a RAEM, pela sociedade de

    que o recorrido é sócio e único administrador, de óleos

    medicinais e outros produtos assinalados com a marca sob

    escrutínio, e não obstante ser de pequena quantidade o

    fornecimento daqueles produtos, mas há-de ter em

    consideração que foram várias as farmácias destinatárias,

    sendo os produtos importados colocados à venda em

    estabelecimentos de farmácia da Região.

    Nesta medida, não se pode dizer que o recorrido

    não usou a marca durante 3 anos consecutivos anteriores

    ao pedido de declaração de caducidade do registo da

    marca. Antes pelo contrário, provado está que antes de

    terminar o prazo de 3 anos consecutivos a contar da data

    da concessão do registo, ficou demonstrado o uso sério da

    marca pelo recorrido, qual seja, ter estabelecido

    relações comerciais com as farmácias da RAEM, fornecendo

    os seus produtos a essas retalhistas permitindo que as

    mesmas, por sua vez, os colocassem à venda no mercado.

  • Recurso cível 240/2017 Página 2

    O Relator,

    ________________

    Tong Hio Fong

  • Recurso cível 240/2017 Página 1

    Processo nº 240/2017

    (Autos de recurso cível)

    Data: 14/Fevereiro/2019

    Recorrente:

    - XXX Manufactory Limited

    Recorrido:

    - B

    Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

    I) RELATÓRIO

    XXX Manufactory Limited, sociedade comercial com

    sede em Hong Kong, melhor identificada nos autos

    (doravante designada por “recorrente”), interpôs recurso

    da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade

    Intelectual dos Serviços de Economia, que indeferiu o

    pedido de declaração de caducidade do registo da marca

    N/4**** concedido a favor de B, melhor identificado nos

    autos (doravante designada por “recorrido”) com

    fundamento na falta de utilização séria da mesma na RAEM.

    Por sentença do Tribunal Judicial de Base, foi

    julgado improcedente o recurso e, em consequência,

    mantido o despacho administrativo impugnado.

    Inconformada, recorreu a recorrente

    jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações

    formulou as seguintes conclusões:

    “1. O presente recurso tem como fundamento os erros de

  • Recurso cível 240/2017 Página 2

    facto e de direito em que incorre a sentença impugnada, bem como a

    nulidade da mesma por excesso de pronúncia.

    2. Decorre do princípio “tempus regit actum” que o Tribunal

    está limitado a apreciar as questões fácticas e de direito

    existentes à data da prática do acto administrativo, pelo que não

    podia o Mm.º Tribunal a quo tomar em consideração factos relativos

    ao uso da marca ocorridos após o período de três anos imediatamente

    anteriores ao pedido de declaração de caducidade.

    3. Ao considerar relevantes os documentos apresentados em

    sede de contestação ao presente recurso judicial e que reportam

    factos ocorridos posteriormente ao pedido de declaração de

    caducidade, de modo a concluir que esse suposto “reforço de

    utilização” demonstra que a primeira utilização era “séria”, o Mm.º

    Tribunal recorrido incorreu em excesso de pronúncia, razão pela qual

    a sentença impugnada é nula nos termos do artigo 571º, n.º 1, alínea

    a) do CPC.

    4. Sem prescindir, sempre se dirá que o Mm.º Tribunal a quo

    também incorreu em erro de facto, designadamente no que consta da

    alínea g) da matéria de facto dada por assente, que não corresponde

    manifestamente à verdade nem se consegue retirar dos elementos

    probatórios juntos aos autos.

    5. Desde logo, a redacção da alínea g) induz em erro,

    porquanto perpassa uma ideia de reiteração da comercialização de

    produtos assinalados com a marca n.º N/4**** desde o dia 24 de

    Setembro de 2013, o que só foi possível ao Tribunal concluir com

  • Recurso cível 240/2017 Página 3

    base em elementos de facto de que não podia tomar conhecimento por

    força do princípio “tempus regit actum”.

    6. Assim, tomando por referência os documentos apresentados

    no âmbito do procedimento administrativo, verifica-se que nenhuma

    relevância pode ser atribuída às supostas “cartas de intenções”,

    desde logo porque as mesmas não demonstram qualquer uso perante o

    público relevante, não estão assinadas (afectando a respectiva

    validade e eficácia, conforme cláusula 4ª), a respectiva selagem só

    ocorreu no dia 29 de Janeiro de 2014 (já depois do pedido de

    declaração de caducidade ter sido apresentado pela ora Recorrente)

    e, acima de tudo, porque a Parte Contrária, titular do registo de

    marca posto em crise, não é parte naqueles “acordos”.

    7. Por outro lado, os únicos documentos para prova da

    comercialização de produtos assinalados com a marca “ ”,

    que tomou o n.º N/4****, reportam-se a facturas de exportação para

    Macau emitidas por uma companhia de Taiwan relativas ao envio de

    medicamentos para quatro farmácias no dia 23 de Setembro de 2013.

    8. No entanto, do confronto entre os Docs. n.º 2 e 3

    (numeração indicada em sede de recurso judicial para os documentos

    apresentados pela Parte Contrária no âmbito do procedimento

    administrativo de caducidade de marca desencadeado pela Recorrente),

  • Recurso cível 240/2017 Página 4

    resulta que a marca “ ” apenas foi aposta em dois dos

    itens referidos nas citadas facturas, ambos referentes a duas

    versões do mesmo óleo medicinal, uma de 50ml e outra de 25ml, num

    total de quatro embalagens para cada uma das quatro farmácias de

    Macau.

    9. Não tendo sido enviados quaisquer outros produtos

    assinalados com a marca n.º N/4****, e considerando que aqueles

    produtos foram enviados num único dia, o Mm.º Tribunal a quo apenas

    poderia dar como provado que “No dia 23/09/2013, foram enviadas para

    quatro farmácias de Macau quatro embalagens (duas de 50ml e duas de

    25ml) referentes ao óleo medicinal assinalado com a marca n.º

    N/4****”.

    10. Finalmente, a sentença recorrida padece de um erro de

    direito, ao assentar num raciocínio tautológico que parte de uma

    premissa conclusiva incorrecta quanto ao uso da marca pela Parte

    Contrária, já que confundiu elementos de facto com o preenchimento

    do conceito legal de uso.

    11. Não havendo dúvidas que apurar o uso de uma marca se

    reconduz a uma questão de direito, tanto a doutrina relevante como a

    jurisprudência da RAEM têm entendido que há uso (sério) de uma marca

    quando a mesma seja usada através de actos concretos, reiterados e

    públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços.

  • Recurso cível 240/2017 Página 5

    12. Ora, como se viu, das provas apresentadas pela Parte

    Contrária, apenas indicam o envio para Macau de quatro embalagens

    (duas de 50ml e duas de 25ml) para cada uma de quatro farmácias

    referidas nas facturas de exportação.

    13. Nada nos autos permite concluir qualquer uso por parte

    do titular ou licenciado (devidamente inscrito) do registo de marca

    n.º N/4****, já que as embalagens foram enviadas por uma sociedade

    de Taiwan e as farmácias de Macau não têm qualquer relação ou

    contrato de licenciamento relativo à marca posta em crise.

    14. Pelo que ainda que nada fosse alterado quanto à

    redacção da alínea g) dos factos dados como provados, a verdade é

    que nada está demonstrado nos autos quanto a uma eventual

    comercialização de produtos efectuada pelo titular do registo de

    marca em causa na RAEM ou por seu licenciado devidamente inscrito.

    15. Por tudo o exposto, a Parte Contrária não logrou ilidir

    a presunção de não utilização da marca estabelecida pelo artigo

    232º, n.º 5, do RJPI, razão pela qual a sentença impugnada deverá

    ser revogada e substituída por outra que declare a caducidade do

    registo de marca n.º N/4****.

    Nestes termos, e no mais de Direito, deverá o presente

    recurso jurisdicional ser considerado procedente e, por conseguinte,

    deverão V. Ex.as, Venerandos Juízes:

    A) Declarar a nulidade da sentença proferida pelo Mm.º

    Tribunal Judicial de Base, por excesso de pronúncia, nos termos do

    artigo 571º, n.º 1, alínea d), in fine;

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    B) Modificar a decisão de facto no que concerne à alínea g)

    da matéria dada como provada, nos termos do artigo 629º do CPC; e,

    C) Revogar a sentença proferida pelo Mm.º Tribunal Judicial

    de Base e substituí-la por outra que declare a caducidade do registo

    de marca n.º N/4****, para assinalar produtos da classe 5a.

    Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”

    *

    Ao recurso respondeu a recorrida, formulando as

    seguintes conclusões alegatórias:

    “I. Dos documentos juntos às alegações de recurso – Os dois

    documentos datados de 20/7/2016 com que a Recorrente instruiu as

    suas alegações de recurso não se inscrevem em nenhuma das hipóteses

    de junção previstas no artigo 616º do CPC, pelo que devem ser

    desentranhados, com as legais consequências.

    II. Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia – Nas

    alíneas 2) e 3) das conclusões das suas alegações de recurso a

    Recorrente imputa à decisão recorrida o vício da nulidade por

    excesso de pronúncia.

    III. Mas, sem razão. Isto porque a questão de fundo é saber

    se a utilização que o Recorrido fez da sua marca se inscreve no

    conceito legal ou normativo de utilização séria.

    IV. E foi essa a questão dirimida pelo Tribunal a quo, o

    qual, para o efeito e face aos artigos 436, 558/1 e 562/3 do CPC,

    apreciou livremente todas as provas realizadas no processo, tendo

    ainda tido em consideração os factos provados por documentos por

  • Recurso cível 240/2017 Página 7

    força do disposto no artigo 562/3 todos do mesmo diploma.

    V. Sendo por isso evidente que o Tribunal a quo não estava

    impedido de tomar em consideração todos os factos contrapostos pelo

    Recorrido na resposta de fls. 36 a 40 oferecida no processo n.º

    N/4**** da Direcção dos Serviços de Economia relativos ao uso da

    marca ocorridos após o período de três anos imediatamente anteriores

    ao pedido de declaração de caducidade, por tais factos serem

    instrumentais à aferição da seriedade do uso da marca durante esse

    período.

    VI. Por outro lado, entende a Recorrente nas alíneas 4) a

    9) das conclusões das suas alegações de recurso que o ponto g) da

    matéria de facto foi incorrectamente julgado.

    VII. Isto, por na sua perspectiva, não se poder dar nenhuma

    relevância à documentação apresentada para o efeito pelo Recorrido.

    VIII. Mas sem razão por a sindicância ao trabalho do

    julgador, no tocante à matéria de facto só ser admissível nos casos

    e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC.

    IX. E, in casu, o certo é que da análise e exame crítico de

    toda a prova produzida, não resulta que os elementos de prova de que

    se serve a Recorrente apontem no sentido por ela pretendido, nem

    que, muito menos, imponham decisão diversa da ora recorrida.

    X. Sendo assim, a impugnação da matéria de facto se não é

    despropositada, também não contribui para o remédio, na medida em o

    Tribunal “a quo”, no exercício do “munus” de julgar, seguiu o

    resultado que melhor pareceu ajustado de acordo com a sua livre

  • Recurso cível 240/2017 Página 8

    convicção num quadro de imediação da prova holística produzida.

    XI. Nada havendo por isso a censurar à avaliação da matéria

    de facto, tal como a fez o Tribunal “a quo” na alínea g) dos Factos

    Assentes.

    XII. Do erro de direito – Nas alíneas 11) a 15) das

    conclusões das suas alegações de recurso diz a Recorrente que o

    Tribunal a quo também incorreu em erro de direito por, supostamente,

    ter confundido elementos de factos com o preenchimento do conceito

    legal de uso.

    XII. Mas também aqui sem razão, conforme, desde logo,

    resulta do conjunto de argumentos expendidos pela Direcção dos

    Serviços de Economia, máxime nos artigos 14 e 15 da contestação

    (fls. 54 a 61).

    XIV. Depois, porque segundo as 出口報單 de fls. 56 e 57, 62,

    63, 65 a 68 do processo n.º N/4**** da Direcção dos Serviços de

    Economia, o Recorrido em nome da sociedade “YYY工廠有限公司” cumpriu

    os contratos de fls. 45, 47 e 49 desse procedimento administrativo

    através do envio dos produtos da marca em causa em 24/09/2013.

    XV. O que demonstra que o fornecimento dos produtos se

    inscreveu na execução da estratégia de implantação da marca em

    Macau, logo do seu uso sério, o qual implicou o estabelecimento de

    relações comerciais estáveis com as farmácias de Macau.

    XVI. Não se verifica, pois, o apontado vício à sentença

    recorrida.

    XVII. Do preenchimento do conceito da utilização séria –

  • Recurso cível 240/2017 Página 9

    Por último, na alínea 15) das conclusões das suas alegações de

    recurso diz a Recorrente que o Recorrido não logrou ilidir a

    presunção de não utilização da marca estabelecida pelo artigo 232º,

    n.º 5, do RJPI, razão pela qual a sentença impugnada deverá ser

    revogada e substituída por outra que declare a caducidade do registo

    de marca n.º N/4****.

    XVIII. Contudo, nenhum dos argumentos da Recorrente

    expendidos nas alíneas 12), 13) e 14) das suas alegações de recurso

    consegue demonstrar o desacerto da decisão recorrida.

    XIX. Desde logo por, como se sabe a utilização séria

    implicar uma utilização real para fins de comercialização dos

    produtos ou serviços em questão a fim de gerar um valor

    acrescentado, ao contrário da utilização artificial unicamente

    destinada a manter a marca no registo.

    XX. Ora, tal utilização real da marca para fins de

    comercialização dos produtos ocorreu, in casu, dentro do prazo de

    caducidade de três anos previsto no n.º 1, al. b) do artigo 231º do

    RJPI conforme resulta da documentação junta aos autos.

    XXI. Acresce que a comercialização da marca pela primeira

    vez na RAEM pressupôs a participação prévia de em certames, feiras,

    exposições, contactos com potenciais clientes, fornecimento de

    amostras as grossistas e retalhistas, negociação com os clientes e

    realização dos necessários estudos de mercado necessários à

    elaboração de uma estratégia séria de negócio.

    XXII. Por isso, em 15/08/2013, o Recorrido, em nome da

  • Recurso cível 240/2017 Página 10

    sociedade YYY工廠有限公司 de que é sócio e único administrador da

    sociedade (fls. 75 a 84) celebrou as cartas de intenção cooperativa

    com várias farmácias de Macau.

    XXIII. Sendo inquestionável que a sociedade YYY工廠有限公司

    celebrou os contratos referidos com o consentimento do Recorrido e

    que tais contratos foram cumpridos, conforme resulta de o facto de

    os produtos da marca em questão se encontrarem comercializados nas

    farmácias de Macau muito antes do decurso do prazo de caducidade

    previsto no n.º 1, al. b) do artigo 231º do RJPI.

    XXIV. Foi assim feita uma utilização real da marca para

    fins de comercialização dos produtos em questão e que tal estratégia

    comercial se revelou acertada, como revelam os documentos de fls. 92

    a 101.

    XXV. Daí se pode ver que antes do termo do prazo de

    caducidade do registo da marca se verificou o seu uso efectivo e

    real em Macau através de actos concretos, reiterados e públicos

    manifestados no mercado, de modo estável, para fins de

    comercialização dos produtos em questão e obtenção de valor

    acrescentado, o que preenche aos requisitos do conceito de uso

    sério.

    XXVI. Pelo que, como a marca ora em causa não se encontrava

    na situação de não utilização durante três anos consecutivos à data

    do termo do prazo de caducidade previsto no n.º 1, al. b) do artigo

    231º do RJPI, nada há a censurar à sentença recorrida.

    Nestes termos e com o mais que V. Exas., muito doutamente,

  • Recurso cível 240/2017 Página 11

    não deixarão de suprir, deve ser negado provimento ao recurso

    interposto, com as legais consequências.

    Assim, mais uma vez, farão V. Exas.

    JUSTICA!”

    *

    Enquanto a Direcção dos Serviços de Economia

    ofereceu o merecimento dos autos.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    ***

    II) FUNDAMENTAÇÃO

    A sentença recorrida deu por assente a seguinte

    factualidade com relevância para a decisão da causa:

    Em 07/05/2010 B requereu o registo de um

    determinado sinal como marca para assinalar produtos da

    classe 5ª (óleos e pomadas medicinais, emplastros

    medicinais e líquidos repelentes de mosquitos). (alínea

    a))

    O pedido recebeu o nº N/4**** e o registo foi

    concedido por despacho do Chefe do Departamento da

    Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de

    Economia de 25/10/2010, o qual foi publicado no Boletim

    Oficial de 17/11/2010. (alínea b))

    Em 13/12/2013, XXX Manufactory Limited, sociedade

    comercial com sede em Hong Kong, requereu ao Director dos

    Serviços de Economia que declarasse a caducidade do

  • Recurso cível 240/2017 Página 12

    registo da referida marca por falta de utilização séria

    da mesma na RAEM por um período superior a três anos

    consecutivos. (alínea c))

    O pedido de declaração de caducidade foi

    indeferido por despacho do Chefe do Departamento da

    Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de

    Economia de 16/04/2014. (alínea d))

    Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da

    RAEM, nº 23, II Série, de 21/05/2014. (alínea e))

    Em 23/06/2014 foi apresentado recurso judicial no

    TJB. (alínea f))

    Desde 24/09/2013 (até, pelo menos, 20/10/2014)

    que se encontram à venda em estabelecimentos de farmácia

    da REAM óleos medicinais e outros produtos assinalados

    com a marca nº N/4****, na sequência da celebração, em

    15/08/2013, de contratos escritos, nos quais consta

    impressa a marca nº N/4****, dos quais se mostra junta

    cópia a fls. 45, 47 e 49 do processo administrativo

    apenso. (alínea g))

    *

    Está em causa a seguinte decisão:

    “Dispõe o art. 231º, nº 1, al. b) do RJPI que “o registo de marca caduca

    pela falta de utilização séria durante 3 anos consecutivos, salvo justo motivo”.

    O recorrido provou que utilizou a marca e que não esteve três anos

    consecutivos sem a utilizar. A recorrente aceita isso e não se vêm razões para

  • Recurso cível 240/2017 Página 13

    despender ociosas considerações quanto a este aspecto, pois que, entre a data da

    concessão do registo (25/10/2010) e a data da utilização da marca nos contratos

    escritos (15/08/2013) não decorreram três anos (als. b) e g) dos factos provados).

    A divergência entre recorrente, por um lado, e o recorrido e a recorrida

    entidade administrativa, por outro, reside apenas no facto de a recorrente entender que

    tal utilização não é de molde a evitar a caducidade do registo e as recorridas (parte e

    entidade administrativa) entenderem que é. Dito de outro modo, a recorrente entende

    que a utilização feita não consubstancia o conceito legal de utilização séria e as

    recorridas têm entendimento oposto.

    Consubstanciará a utilização que o recorrido fez da sua marca o conceito

    legal ou normativo de utilização séria?

    A utilização séria das marcas é uma utilização verdadeira, real,

    consistente, empenhada e genuína com o objectivo de cumprir as funções das marcas

    na actividade comercial e não apenas simulada, fingida, enganosa ou artificial e com

    objectivos desviados.

    O conceito de utilização séria é mais de ordem qualitativa que

    quantitativa. É a seriedade da utilização que está em causa, não a frequência da

    utilização, embora a utilização frequente possa ser indiciadora da seriedade e a

    utilização esporádica ou acidental possa ser indiciadora da falta de tal seriedade.

    A nosso ver, o conceito normativo de utilização séria recorta-se a partir da

    consideração da natureza do direito do titular do registo sobre a marca. É primordial o

    disposto no art. 219º do RJPI. É um direito de exclusivo sobre um sinal, que reserva

    ao titular a faculdade de o utilizar para assinalar os seus bens de comércio e de

    impedir terceiros de o utilizarem na sua actividade comercial para assinalarem bens

    idênticos e afins. A utilização mais nobre da marca é marcar bens para os distinguir

  • Recurso cível 240/2017 Página 14

    (arts. 197º e 219º, nº 1 do RJPI). Mas também releva a utilização “menos nobre” da

    marca em papéis, impressos, páginas informáticas, publicidade e documentos

    relativos à actividade empresarial do titular (nº 2 do art. 219º). O uso da marca é sério

    se for feito em conformidade com a função essencial da marca, que é distinguir bens

    de comércio e criar-lhes uma identidade de origem comercial, sempre perante o

    público relevante. E não será sério se for feito com outro objectivo, ainda que

    dissimulado, designadamente de conservar o registo apenas para afastar terceiros do

    uso do sinal que compõe a marca. O registo concede um exclusivo de utilização para

    distinguir, promover, publicitar, mas não concede um instrumento para apenas manter

    os concorrentes afastados do sinal registado ou um instrumento meramente

    especulativo. Por isso o uso da marca é um ónus do seu titular. Se quer garantir a

    exclusividade que o direito de propriedade industrial lhe proporciona sobre a

    utilização do sinal distintivo, tem de o usar efectivamente no exercício do exclusivo e

    não apenas na sua aparência. De outra forma, o sinal deve ficar livre e disponível para

    assinalar bens e não “preso” ou “ocupado” para que ninguém o use. De facto, os

    sinais distintivos do comércio têm de estar ao serviço do comércio, a exercer a sua

    função distintiva, não podendo o registo servir de cemitério ou prisão de sinais ou de

    reserva táctica de “trunfos” de especulação. Se o titular do registo não der

    cumprimento ao ónus que sobre si impende, sofre as legais consequências, deixa de

    ter a protecção do registo porque este caduca para que o sinal se liberte, em rigor, o

    uso do sinal não está na livre disposição do titular do registo respectivo.

    O uso sério da marca é aquele que é feito para que a marca desempenhe a

    sua função que justifica a sua protecção através de um direito de exclusivo: distinguir

    origens comerciais. É , portanto, uma utilização perante o público consumidor da

    RAEM, perante o qual a marca se exibe e publicita para assinalar os bens para que foi

  • Recurso cível 240/2017 Página 15

    pedido o registo e não outros e numa utilização da marca íntegra e sem alteração

    essencial dos seus elementos (art. 232º, nº 1, als. a) e b) do RJPI).

    Provou-se que, dentro do período de três anos posteriores à concessão do

    registo, o titular da marca em causa colocou à venda no mercado da RAEM os

    produtos que a marca se destina a assinalar, estando os mesmos assinalados com tal

    marca. E provou-se que vem reforçando a oferta igualmente assinalada. Embora este

    reforço de utilização da marca surja já depois do referido período de três anos, é

    indiciador de que aquela primeira utilização era séria, pois “teve seguimento” porque

    visava implantar os produtos no mercado da RAEM e não apenas evitar o

    cancelamento do registo por falta de utilização.

    Crê-se que o titular da marca em crise demonstrou que a utilizou para o

    exercício do seu comércio e para distinguir os seus bens dos dos demais concorrentes

    e não apenas para evitar que a recorrente possa utilizar sinais idênticos. Crê-se, pois,

    que o titular fez utilização séria da sua marca e que não ocorre a causa de caducidade

    do registo em análise.

    Pelo que fica exposto, conclui-se que não merece censura o despacho

    recorrido, nem mesmo parcialmente nos termos do nº 4 do art. 231º do RJPI.”

    São três as questões suscitadas pela recorrente:

    - da nulidade da sentença por excesso de

    pronúncia;

    - da impugnação da matéria de facto; e

    - do erro na aplicação do direito.

    Vejamos.

  • Recurso cível 240/2017 Página 16

    Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia

    Invoca a recorrente a nulidade da sentença

    recorrida por excesso de pronúncia, alegando que, sendo o

    Tribunal recorrido chamado para se pronunciar sobre o

    acto administrativo decisório praticado pela Direcção dos

    Serviços de Economia, essa pronúncia devia estar limitada

    ao mesmo período temporal, isto é, os três anos

    imediatamente anteriores ao pedido de declaração de

    caducidade por falta de uso da marca, sob pena de o

    Tribunal tomar conhecimento de questões inexistentes à

    data da prática do acto administrativo.

    De acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo

    571.º do Código de Processo Civil, quando o juiz conheça

    de questões de que não podia tomar conhecimento, a

    sentença padece de nulidade.

    É fora de dúvida que o juiz não pode conhecer,

    sob pena de nulidade, de pedidos e causas de pedir não

    invocadas, nem excepções que não sejam de conhecimento

    oficioso.

    Como observa Viriato Lima: “Há excesso de

    pronúncia e, por conseguinte, nulidade da sentença, se o

    juiz fundamenta a decisão com base em factos não

    articulados pelas partes, violando também o disposto no

    n.º 2 do artigo 5.º.”1

    1 Manual de Direito Processual Civil, Acção Declarativa Comum, 3.ª edição, 2018, pág. 569

  • Recurso cível 240/2017 Página 17

    Ora bem, face aos elementos carreados aos autos,

    não se descortina a alegada nulidade de sentença por

    excesso de pronúncia, considerando que o Tribunal a quo

    fundamentou a sua decisão, entre outros, nos factos

    alegados pelo recorrido.

    Em boa verdade, o que a recorrente pretende é que

    o Tribunal dê relevância apenas à matéria de facto

    ocorrida nos três anos imediatamente anteriores ao pedido

    de declaração de caducidade por falta de uso da marca, ou

    seja, que desconsidere os factos ocorridos após o pedido

    de declaração de caducidade.

    A nosso ver, não se vislumbra a suposta nulidade

    de sentença por excesso de pronúncia, pois o juiz a quo

    limitou-se a apreciar as questões (de facto) que lhe

    foram submetidas por uma das partes, e quanto à questão

    de saber se os factos ocorridos após o pedido de

    declaração de caducidade relevam, ou não, para o pedido

    de declaração de caducidade por falta de uso da marca, é

    uma questão jurídica.

    Improcede, pois, a alegada nulidade de sentença.

    *

    Da impugnação da matéria de facto

    Em seguida, a recorrente vem impugnar a matéria

    constante da alínea G) dos factos assentes, alegando que

    os elementos probatórios juntos pelo recorrido durante o

  • Recurso cível 240/2017 Página 18

    procedimento administrativo relativo à declaração de

    caducidade da marca não permitam dar como provado aquele

    facto, por entender que os contratos escritos juntos no

    procedimento administrativo não passam de meras “cartas

    de intenções”, as quais não se encontram assinados nem

    permitem demonstrar qualquer uso perante o público

    relevante.

    Ora bem, o Tribunal recorrido deu por provado o

    seguinte facto:

    “Desde 24/9/2013 (até, pelo menos, 20/10/2014)

    que se encontram à venda em estabelecimentos de farmácia

    da RAEM óleos medicinais e outros produtos assinalados

    com a marca n.º N/4****, na sequência da celebração, em

    15/08/2013, de contratos escritos, nos quais consta

    impressa a marca n.º N/4****, dos quais se mostra junta

    cópia a fls. 45, 47 e 49 do processo administrativo

    apenso.” – alínea G)

    Estatui-se nos termos do artigo 558º do CPC que:

    “1. O tribunal aprecia livremente as provas,

    decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção

    acerca de cada facto.

    2. Mas quando a lei exija, para a existência ou

    prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial,

    não pode esta ser dispensada.”

  • Recurso cível 240/2017 Página 19

    A jurisprudência da RAEM2 é quase unânime no

    entendimento de que quando a primeira instância forma a

    sua convicção com base num conjunto de elementos

    probatórios, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e

    visível que logo detecte na análise da prova, não deve

    interferir nela, sob pena de se transformar a instância

    de recurso, numa nova instância de prova.

    Em boa verdade, com excepção daqueles meios de

    prova que possuem força probatória plena, os restantes

    têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade

    da sua valoração e decidir segundo a sua prudente

    convicção acerca dos factos controvertidos, em função das

    regras da lógica e da experiência comum.

    A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de

    provas produzidas nos autos e na audiência, se a houver,

    competindo-lhe atribuir o valor probatório que melhor

    entender, nada impedindo que se confira, salvo raras

    excepções, maior relevância ou valor a determinadas

    provas em detrimento de outras.

    No caso vertente, dúvidas não restam de que a

    recorrente pretende sindicar a íntima convicção do

    Tribunal recorrido formada a partir da apreciação e

    valoração global da prova documental junta aos autos.

    Na verdade, estando no âmbito da livre valoração e

    2 No TSI, entre outros, Acórdãos nos Processos n.º 551/2012, 332/2015, 670/2016

  • Recurso cível 240/2017 Página 20

    convicção do julgador, a alteração da resposta dada pelo

    Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se

    conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto

    na apreciação das provas.

    No caso vertente, para além de ter sido juntas no

    procedimento administrativo cartas de intenções

    cooperativas entre a sociedade, de que o recorrido é

    sócio e único administrador, e diversas farmácias da

    RAEM, também há prova de que foram enviados para Macau

    óleos medicinais e outros produtos relacionados, marcados

    com sinais iguais ou quase idênticos à marca n.º N/4****

    do recorrido, os quais se destinavam à venda nas

    farmácias da RAEM.

    Na medida que os elementos probatórios constantes

    dos autos não permitem impor decisão diversa

    insusceptível de ser destruída por quaisquer outras

    provas, nem se vislumbra, a nosso ver, erro manifesto na

    apreciação daquela matéria de facto impugnada, improcede

    o recurso nesta parte.

    *

    Do erro na aplicação do direito

    Entende a recorrente que não ficou demonstrado o

    uso sério da marca pelo recorrido durante o período de

    três anos imediatamente anterior ao pedido de declaração

    de caducidade.

  • Recurso cível 240/2017 Página 21

    Preceitua-se na alínea b) do n.º 1 do artigo

    231.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que o

    registo de marca caduca pela falta de utilização séria

    durante 3 anos consecutivos, salvo justo motivo.

    Ao abrigo do n.º 1 do artigo 232.º do mesmo

    diploma legal, é considerada utilização séria da marca:

    - a utilização da marca tal como está registada

    ou que dela não difira senão em elementos que não alterem

    o seu carácter distintivo, feita pelo titular do registo

    ou por seu licenciado devidamente inscrito;

    - a utilização da marca para produtos ou serviços

    destinados apenas a exportação; ou

    - a utilização da marca por um terceiro, desde

    que sob o controlo do titular e para efeitos da

    manutenção do registo.

    Conforme se decidiu no Acórdão do Processo n.º

    39/2014, deste TSI: “O conceito “utilização séria” é

    composto de dois vocábulos: “utilização” e “séria”. Isto

    significa que o qualificativo “séria” só faz sentido

    quando apendiculado ao substantivo que pretende

    qualificar. A discussão em torno do conceito carece,

    portanto, e em primeiro lugar de uma situação de facto

    que revele uma utilização da marca (elemento a montante

    do conceito) e só depois se indagará se ela é séria

    (elemento a jusante). E a utilização deve ser feita

  • Recurso cível 240/2017 Página 22

    “através de actos concretos, reiterados e públicos,

    manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços

    e da finalidade distintiva e um uso meramente simbólico,

    esporádico ou em quantidades irrelevantes não parece

    preencher o referido requisito de uso efectivo, muito

    menos uma abstenção de uso”. Evidentemente, se o titular

    de uma marca não fizer dela qualquer utilização, então o

    problema acaba por ser muito mais grave e nem sequer

    precisa de apuramento sobre os elementos que possam

    densificar a seriedade.”

    No caso dos autos, provado o envio para a RAEM,

    pela sociedade de que o recorrido é sócio e único

    administrador, de óleos medicinais e outros produtos

    assinalados com a marca sob escrutínio, e não obstante

    ser de pequena quantidade o fornecimento daqueles

    produtos, mas há-de ter em consideração que foram várias

    as farmácias destinatárias (...... 藥 房 、 ...... 集 團 的

    Z、......藥行、......藥房), sendo os produtos importados

    colocados à venda em estabelecimentos de farmácia da

    Região desde finais de Setembro de 2013.

    Nesta medida, não se pode dizer que o recorrido

    não usou a marca durante 3 anos consecutivos anteriores

    ao pedido de declaração de caducidade do registo da

    marca. Antes pelo contrário, provado está que antes de

    terminar o prazo de 3 anos consecutivos a contar da data

  • Recurso cível 240/2017 Página 23

    da concessão do registo (i.e., até 25/10/2013), ficou

    demonstrado o uso sério da marca pelo recorrido, qual

    seja, ter estabelecido relações comerciais com as

    farmácias da RAEM, fornecendo os seus produtos a essas

    retalhistas permitindo que as mesmas, por sua vez, os

    colocassem à venda no mercado.

    Por tudo o que se disse, temos que negar

    provimento ao recurso.

    ***

    III) DECISÃO

    Face ao exposto, acordam em negar provimento ao

    recurso, confirmando a sentença recorrida.

    Custas pela recorrente, fixando-se o valor da

    causa, para efeito de custas, em 500 U.C.

    Registe e notifique.

    ***

    RAEM, 14 de Fevereiro de 2019

    Relator

    Tong Hio Fong

    Primeiro Juiz-Adjunto

    Lai Kin Hong

    Segundo Juiz-Adjunto

    Fong Man Chong