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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016 1 PROBLEMATIZAÇÕES PARA PENSAR AS APROPRIAÇÕES/PRODUÇÕES DIGITAIS DE JOVENS 1 PROBLEMATIZATIONS TO THINK DIGITAL APPROPRIATIONS/PRODUCTIONS BY THE YOUTH Lívia Saggin 2 Jiani Bonin 3 Resumo: O texto tem como objetivo principal explorar perspectivas teóricas para entender aspectos relativos às apropriações/produções comunicativas das mídias digitais realizadas por sujeitos jovens. As problematizações empreendidas focalizam aspectos relativos ao processo de midiatização e às reconfigurações que ganha com o advento da comunicação digital, particularmente pensadas em relação ao âmbito da chamada recepção; incluem concepções mais específicas para o entendimento dos sujeitos comunicantes e de suas apropriações/produções midiáticas e, também, elementos para pensar os vínculos entre essas apropriações/produções e a constituição das culturas e identidades juvenis no contexto contemporâneo. Palavras-Chave: Midiatização digital. Apropriações midiáticas. Juventude e recepção. Abstract: This work intends to explore theoretical perspectives to understand aspects related to communicative appropriations/productions of digital media developed by young subjects. The undertook problematizations focus on aspects related to the process of mediatization and the reconfigurations that it gains with the advent of digital communication, especially thought in connection with the scope of the so-called reception; includes more specific conceptions to understand the communicative subjects and their media appropriations/productions and, also, elements to think about the ties among these appropriations/productions and the constitution of young cultures and identities in the contemporary context. Key-words: Digital mediatization. Media appropriations. Youth and reception. 1. Introdução No âmbito da pesquisa científica em comunicação, constatamos a presença de trabalhos que procuram investigar como as tecnologias de comunicação modificam os 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos do XXV Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal de Goiás, Goiânia, de 7 a 10 de junho de 2016. 2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: [email protected]. 3 Professora/pesquisadora Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: [email protected].

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016

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PROBLEMATIZAÇÕES PARA PENSAR AS APROPRIAÇÕES/PRODUÇÕES DIGITAIS DE JOVENS 1

PROBLEMATIZATIONS TO THINK DIGITAL APPROPRIATIONS/PRODUCTIONS BY THE YOUTH

Lívia Saggin2

Jiani Bonin3

Resumo: O texto tem como objetivo principal explorar perspectivas teóricas para

entender aspectos relativos às apropriações/produções comunicativas das mídias

digitais realizadas por sujeitos jovens. As problematizações empreendidas

focalizam aspectos relativos ao processo de midiatização e às reconfigurações que

ganha com o advento da comunicação digital, particularmente pensadas em

relação ao âmbito da chamada recepção; incluem concepções mais específicas

para o entendimento dos sujeitos comunicantes e de suas apropriações/produções

midiáticas e, também, elementos para pensar os vínculos entre essas

apropriações/produções e a constituição das culturas e identidades juvenis no

contexto contemporâneo.

Palavras-Chave: Midiatização digital. Apropriações midiáticas. Juventude e

recepção.

Abstract: This work intends to explore theoretical perspectives to understand

aspects related to communicative appropriations/productions of digital media

developed by young subjects. The undertook problematizations focus on aspects

related to the process of mediatization and the reconfigurations that it gains with

the advent of digital communication, especially thought in connection with the

scope of the so-called reception; includes more specific conceptions to understand

the communicative subjects and their media appropriations/productions and, also,

elements to think about the ties among these appropriations/productions and the

constitution of young cultures and identities in the contemporary context.

Key-words: Digital mediatization. Media appropriations. Youth and reception.

1. Introdução

No âmbito da pesquisa científica em comunicação, constatamos a presença de

trabalhos que procuram investigar como as tecnologias de comunicação modificam os

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos

do XXV Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal de Goiás, Goiânia, de 7 a 10 de junho de 2016. 2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos

Sinos (UNISINOS). E-mail: [email protected]. 3 Professora/pesquisadora Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale

do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: [email protected].

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cenários, as interações, as culturas, os modos de ser e estar no mundo contemporâneo e,

também, como os sujeitos se apropriam destas inovações que, não raras vezes, privilegiam

vieses tecnicistas e pouco preocupados com as dimensões das pessoas enquanto sujeitos

comunicantes complexos, histórica e contextualmente constituídos, atravessados pelos

processos de midiatização e por configurações socioculturais concretas.

No contexto contemporâneo, os processos de digitalização colaboraram para pôr em

cheque noções ainda vigentes no campo da comunicação do receptor como sujeito passivo,

manipulável e distanciado dos processos de produção simbólica. A digitalização da

comunicação estabelece novas condições de “recepção”, exigindo que sejam redesenhadas as

perspectivas para compreender os sujeitos e sua atividade produtiva. As renovadas condições

de “recepção” se colocam como espaços de participação dos sujeitos nos processos de

comunicação digital, abrindo a possibilidade de expressividade de temas, debates e exercícios

das pessoas não possíveis nos esquemas tradicionais da comunicação.

Embora a abrangência dos meios de comunicação de massa ainda tenha significativo

alcance em relação aos sujeitos contemporâneos, vivemos uma época de “transformação de

uma realidade (expandida) de sistemas de comunicação de massas para sistemas,

configurações e conjuntos culturais de geração múltipla de produtos culturais digitalizados”

(MALDONADO, 2008, p. 27). Diante disto entendemos, ainda compartilhando das ideias

desse autor, que os sujeitos encontram-se em condições de depender menos das mídias

tradicionais para se manterem informados, conectados a outras culturas e a outras pessoas,

espaços, fenômenos ao redor do mundo, etc., e que esse acesso está cada vez mais

subordinado às suas características e competências midiáticas, intelectuais, técnicas, artísticas

e criativas na convivência e relação com os bens simbólicos, produzidos para, com ou por

eles; transformações estas que no caso dos jovens, afiguram-se como expressivas.

Considerando o advento da comunicação digital e o desafio que coloca às pesquisas

comunicacionais de constituir perspectivas para entender os sujeitos e suas

apropriações/produções comunicativas nos propomos, nesse texto, a contribuir para essa

discussão, a partir da exploração e problematização de algumas linhas teóricas que

consideramos produtivas para a compreensão dessa problemática. O horizonte investigativo

concreto para o qual estas problematizações são realizadas é relativo a uma pesquisa que

desenvolvemos para investigar as apropriações da comunicação digital realizadas por jovens

de uma comunidade periférica do Vale do Rio dos Sinos, do município de Novo Hamburgo,

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Rio Grande do Sul.4 No recorte de problematizações que trazemos nesse texto, tratamos

inicialmente de aspectos relativos ao processo de midiatização e às reconfigurações que

ganha com o advento da comunicação digital, procurando pensar como incidem nos sujeitos e

em suas apropriações midiáticas, foco a que nos dedicamos de modo mais detido no segundo

momento do texto, no qual exploramos elementos específicos para a sua compreensão.

Finalizamos o texto com alguns elementos para pensar as configurações relativas à cultura e

às identidades culturais juvenis vinculadas à problematização de suas apropriações

midiáticas.

2. O processo de midiatização e as apropriações digitais

Assumimos, para pensar a problemática das apropriações digitais dos jovens, que a

sociedade está em processo de midiatização, que gera transformações e modificações

vinculadas à expansão e penetração das mídias nos seus diferentes domínios. Novas

complexidades estão emergindo nos campos sociais, nas culturas, nas instituições e nos

sujeitos que encontram-se, cada vez mais, atravessados por lógicas, matrizes e modelos

vinculados ao campo midiático, que também se transforma nesse processo.

A estruturação do campo das mídias, como apontado por Maldonado (2002), foi um

aspecto constitutivo central das formações sociais contemporâneas; os processos de

informatização e digitalização dos modos de vida atuais tem antecedentes fundamentais no

século anterior, cujas características são fundantes do modo de pensar, consumir e reproduzir

culturalmente os meios de comunicação no continente latino-americano.

Contemporaneamente, o processo de midiatização da sociedade é atravessado pela crescente

expansão tecnológica aliada à comunicação, especialmente pela criação e expansão dos

meios de comunicação digital. O exponencial desenvolvimento tecnológico presenciado

principalmente na passagem do século XX para o século XXI permitiu a transição da

4 Trata-se da pesquisa de mestrado intitulada Educomunicação, mídias digitais e cidadania: apropriações de

oficinas educomunicativas por jovens da Vila Diehl na produção do blog Semeando Ideias (SAGGIN, 2016)

que busca investigar e compreender as apropriações de oficinas educomunicativas ofertadas a jovens de classe

popular e dos processos de criação e manutenção de um blog pensando as potencialidades, as aprendizagens e os

conhecimentos desenvolvidos na perspectiva da cidadania comunicativa. Em sua fundamentação, são

trabalhadas quarto linhas de problematização teórica, a saber: a educomunicação; a midiatização digital e as

apropriações realizadas pelos sujeitos comunicantes dentro desta esfera; as culturas populares juvenis, e a

cidadania pensada desde a comunicação. Para esse texto foram trabalhados apenas elementos relativos a

midiatização digital e às apropriações dos sujeitos comunicantes. A pesquisa, desenvolvida por Lívia Saggin no

PPGCC da Unisinos, tem a orientação da Profa. Dra. Jiani Bonin.

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comunicação midiática centrada nos meios massivos (rádio, televisão, cinema, jornais) para

novas configurações associadas ao uso e à penetração das mídias digitais. Como apontava

Sodré (2002, p. 11), “a virada do século coincide com a passagem da comunicação

centralizada, vertical e unidirecional [...] às possibilidades trazidas pelo avanço técnico das

telecomunicações, relativas à interatividade e ao multimidialismo”.

Esse maciço uso das novas tecnologias de comunicação se apoia e coincide, em

termos econômicos, com a expansão e aceleração do que Sodré (2002) denomina de

“turbocapitalismo”, um processo acelerado de atualização do já conhecido liberalismo e de

transnacionalização do sistema produtivo. Esse processo, no qual o deslocamento de capitais

entre nações e culturas distintas mostra-se cada vez mais dinâmico, vem sendo nomeado de

globalização. Apoiando-nos na argumentação do autor, concebemos que ele não se dá de

forma homogênea dentro do tecido social, mas concentrada e localizada, especialmente, em

sociedades industrializadas e que recebem investimentos estratégicos (econômicos, voltados

à promoção da ciência e da tecnologia, bélicos, de grandes riquezas naturais, etc.),

contrapondo-nos à ideia uniformizadora a que o termo “globalização” pode levar.

Concebendo que existem diversos processos em andamento e que cada sociedade está

permeada pelas lógicas das mídias em diferentes níveis consideramos essencial, para a

compreensão de como o processo de midiatização modifica os cenários sociais, problematizar

a cultura e os sujeitos como elementos significativos dentro desse cenário. Há quase duas

décadas, Eliseo Verón (1997) já argumentava que, do mesmo modo que as lógicas dos meios

de comunicação interferiam nas ações dos sujeitos, os usos sociais que os indivíduos faziam

dos dispositivos eram consideravelmente importantes dentro do processo de midiatização. E

nesse sentido, afirmava (p. 12) que “um mesmo dispositivo tecnológico pode inserir-se em

contextos de utilização múltiplos e diversificados”. Essa afirmação sinalizava que os

diferentes contextos nos quais os dispositivos tecnológicos se inserem podem gerar formas de

uso distintas.

Desse modo, pensamos que os usos e invenções sociais dados a essas novas

tecnologias de comunicação encontram-se diretamente ligados aos objetivos e características

próprias de cada sociedade. Como argumenta Fausto Neto (2006), converter tecnologias em

meios é um trabalho cadenciado por práticas sociais diversas, e é na intersecção entre

sociedade e os modos de apropriação que a tecnologia ganha uma racionalidade, uma lógica

de funcionamento.

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Retomando o debate realizado por Verón (1997), podemos argumentar que o processo

de midiatização não pode ser pensado somente como a mera produção e recepção de

mensagens através dos dispositivos tecnológicos. É necessário considerar, também, os

sujeitos e suas complexidades e os contextos socioculturais múltiplos nos quais estão

inseridos, rejeitando uma perspectiva de linearidade comunicacional. Vale considerar,

também, a partir das proposições de Verón (1997) e de Maldonado (2002), que as lógicas

apropriativas/inventivas em relação aos meios de comunicação não foram iniciadas a partir

dos dispositivos midiáticos de comunicação digital, mas foram constituídas historicamente no

seio de uma cultura popular dos meios originada e gestada no século XX e que permitiu, ao

longo de gerações culturalmente capacitadas a consumir, se apropriar, significar, adaptar,

fazer usos inesperados, encontrar “pontos de fuga” aos processos comunicacionais

inicialmente planejados, adentrar na virada do século fazendo uso das tecnologias da

comunicação no ambiente digital de inúmeras maneiras.

Levando em conta essas proposições, consideramos que o desenvolvimento dos

sistemas de comunicação e contemporaneamente, dos processos de comunicação digital,

transforma integralmente a vida dos sujeitos contemporâneos, tanto nas suas relações sociais

mais elementares quanto nas mais complexas. O extremo dinamismo e a imediatez das trocas

informacionais, econômicas e culturais, as alterações de noções de espaço e tempo, a

experiência midiatizada, a diminuição das relações face-a-face, os dispositivos de

espionagem global sobre as comunicações, ou seja, o “infocontrole”, etc. conformam o que

Sodré (2002, p. 16, grifo nosso) chama de “um novo tipo de formalização a vida social, que

implica outra dimensão da realidade, portanto, novas formas de perceber, pensar e

contabilizar o real”.

A ideia de midiatização enquanto ambiência, que enfoca a necessidade de

problematização sobre os processos de circulação e aproximação entre as esferas de produção

e recepção nos processos comunicacionais já era proposta por Sodré a partir da noção de bios

midiático. Nessa perspectiva, o processo de midiatização era entendido como “uma ordem de

mediações socialmente realizadas caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica”

(SODRÉ, 2006, p. 20). Os dispositivos tecnológicos seriam apropriados socialmente,

enquadrando-se dentro das lógicas sociais nas quais estariam inseridos.

Apoiando-nos nas considerações de Sodré (2002 e 2006), entendemos a tecnologia

para além do aparato técnico. Mais do que uma facilitadora de interações e trocas

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comunicacionais/culturais, ela é uma obra humana e, portanto, dentro dela avistamos as

habilidades, as competências, o conhecimento e o propósito, sem os quais ela não teria êxito.

Ou seja, no encontro da tecnologia com as esferas da vida cotidiana geram-se as invenções

sociais sobre essa tecnologia criada e disponibilizada, o que aponta para a existência de uma

nova ambiência, reconhecida como sociotécnica.

O ambiente comunicacional contemporâneo, profundamente dinamizado pela

expansão das mídias digitais, aprofunda transformações nas formas de ser, conhecer,

comunicar e produzir em sociedade, de fato, novas maneiras de ser e estar no mundo. A

digitalização possibilitou uma ampliação do acesso a recursos de produção antes restritos

somente a oligopólios e conglomerados midiáticos. Como observa Maldonado (2002), os

modos de comunicação digitais superam, em sua essência configurativa, as lógicas dos

monopólios de comunicação e de geração concentrada de lucro, onde a produção de bens

simbólicos depende menos desses conglomerados megaindustriais e mais das “competências

intelectuais, científicas, técnicas e artísticas” dos seus produtores. Entretanto pensamos que,

apesar de as novas tecnologias de comunicação possibilitarem um acesso maior às condições

de produção e circulação de bens midiáticos/culturais, não há como considerar a existência,

no panorama social/comunicacional contemporâneo, de um acesso universal a esse campo,

distribuído de maneira igualitária e democrática.

Dentro desse contexto dinâmico das sociedades em processo de midiatização,

notadamente marcada pelas transformações vinculadas à comunicação digital, consideramos

que os sujeitos são potencialmente capazes realizar seus percursos midiáticos/digitais,

construindo suas referências a partir de necessidades comunicacionais/informacionais que

avistam em seu cotidiano. Nessa lógica, as divisões sociais passam pela detenção da

informação concebendo-se que hoje, mais do que nunca, poder e informação estão

imbricados numa inter-relação. Observamos ainda, que a midiatização abre espaços de

empoderamento onde não existiam antes - políticos, econômicos e sociais. Entendemos, com

isso, que criam-se possibilidades para o aparecimento de sujeitos e coletivos e empoderados

digitalmente/midiaticamente/comunicacionalmente, que utilizam a construção e o

compartilhamento de bens simbólico-sociais para dar voz a aspectos de suas realidades,

marcadas pela exclusão. Esse movimento revela uma característica contemporânea de

resistência, que surge de comunidades invisíveis à mídia hegemônica, mas visíveis nas

mídias digitais, impulsionado pelos novos contornos dos processos de midiatização.

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Entretanto, apesar de avistarmos nos processos de comunicação ampliados pela esfera

digital passos importantes para a democratização e participação dos sujeitos vislumbramos,

também, obstáculos que necessitam de atenção e de problematização. Neste sentido, quando

analisamos os processos de apropriação/produção midiática contemporâneos, especialmente

os realizados nos meios de comunicação digitais, vemos a necessidade de problematização

sobre os condicionamentos impostos aos mesmos. Compartilhamos as proposições de

Moglen (2012) de que os sujeitos contemporâneos demonstram crescentemente capacidades

de produção e criação culturais e comunicacionais, o que subverte a lógica geral de inserção

nos sistemas midiáticos massivos nos quais estavam socialmente alocados. Entretanto, como

também argumenta o autor, essa mesma tecnologia digital que aproxima os sujeitos das

esferas de produção e criação também realimenta um sistema de produção apoiado por uma

cultura de consumo de massa, levando a novas condições sociais nas quais uma renovada

estrutura de antagonismos de classe se acelera.

Moglen (2012) alerta, ainda, para um movimento de cerceamento das inúmeras

liberdades possibilitadas pelo avanço e peça participação na esfera digital, realizado a partir

de interesses político-sociais hegemônicos que perceberam, historicamente, que esses

movimentos de libertação popular, de acesso ao conhecimento e à informação, eram nocivos

aos seus planos de dominação e subjugação social. É nesse sentido que compreendemos que

as apropriações comunicacionais podem ser condicionadas, limitadas a um estreitamento

quanto à possível formação de sujeitos comunicantes, que se vêem forçadamente realocados

numa posição de consumidores ordinários da cultura de massas.

Ainda compartilhando da perspectiva de Moglen, consideramos que problematizar a

internet e os avanços possibilitados desde a sua expansão crescente apenas pelo viés

integrador é perigoso e danoso à pesquisa científica em comunicação. A internet contribuiu

muito para que o direito à informação e à comunicação como necessidade humana, social e

política fosse expandido. Entretanto, não foi capaz de possibilitar acesso a todas as pessoas

de maneira igualitária e democrática. São consideráveis os deslocamentos em direção a

quebras das restrições impostas às informações ditas confidenciais, protegidas por direitos

autorais, políticos e econômicos que são estratégicas, provocadas pelo avanço das redes

digitais.

Em um movimento crítico profundo a certa euforia que gira em torno dos avanços da

internet, especialmente pelas práticas de comunicação digital proporcionadas pelas novas

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redes sociais digitais, Mattelart (2009) argumenta que estamos em um mundo vigiado, no

qual o controle é potencializado pelas tecnologias de informação e comunicação postas a

serviço cotidiano, onipresente e constante. O alerta do autor tem como foco as políticas de

controle e espionagem impostas principalmente pelo governo dos Estados Unidos, embasadas

por aparatos judiciais, legislações e, até mesmo, pelo incentivo e fortalecimento de iniciativas

privadas nesse âmbito. Essas questões colocam a exigência de, ao problematizar as

perspectivas abertas pela comunicação digital, considerar que os movimentos de mudança

social, de empoderamento e de visibilização de grupos e minorias culturais/sociais estão sob

a vigilância e potenciais tentativas de controle por parte desses poderes.

É necessário, portanto, pensar o processo de midiatização por diferentes ângulos.

Quando apontamos que este é um processo que possibilita novas formas de produção, acesso

e aproximação entre as esferas de produção e recepção, estamos pensando que as

apropriações dos jovens relativas à comunicação digital podem possibilitar que os jovens

envolvidos nele possam se colocar como produtores/criadores de um meio de comunicação

próprio. Com isso, reiteramos que cada vez mais os sujeitos contemporâneos necessitam dos

seus saberes, práticas, características e competências midiáticas, intelectuais, técnicas,

artísticas e criativas para estarem interligados aos diferentes meios e processos de

comunicação, e que essa relação se constitui, também, em cenários dissociados dos grandes

conglomerados de mídia.

Compreendemos, ainda, que existem midiatizações no sentido plural e que elas estão

ligadas a características econômicas, sociais, políticas e culturais de cada contexto. Pensar e

conceber isso é assumir que o processo de midiatização não se dá de forma homogênea, por

conta de distintos fatores. Desde o acesso e a utilização dos meios de comunicação,

notadamente os meios digitais que são, na contemporaneidade, potencializadores de

renovadas configurações do processo de midiatização, às formas de inteligibilidades que são

postas nos usos sobre esses meios, vemos que o tecido social está permeado não por um

processo único, senão por plurimidiatizações. Também pela concepção e visualização diária

de que as práticas cotidianas nos ambientes de comunicação digital são vigiadas,

condicionadas a determinados aspectos, restritas em elementos e plataformas que não

permitem aos usuários/sujeitos comunicantes as mesmas condições de produção e circulação

fornecidas às grandes mídias tradicionais.

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Ao nos depararmos com essas plumimidiatizações relacionadas, também, às

características locais de cada contexto, precisamos compreender que as pessoas que fazem

parte delas são configurados como sujeitos comunicantes plurimidiatizados, e que suas

características pessoais, históricas, familiares, técnicas, artísticas, criativas, etc. têm relação

com - e são também configuradas por - esse processo no qual estão inseridos. Com isso

compreendemos que a racionalidade da midiatização não esgota a inteligibilidade dos

processos comunicacionais contemporâneos. As competências, características,

subjetividades, espiritualidades, saberes e culturas dos sujeitos, constituídos em suas

trajetórias de vida, também configuram, como multimediações, os usos e apropriações das

tecnologias e mídias.

3. Sobre as apropriações/produções digitais

Em nossa pesquisa, o processo que desenvolvemos e investigamos se preocupa com a

dimensão tradicionalmente denominada de “recepção”, investigando as apropriações e

produções comunicativas realizadas por jovens das mídias digitais. Concebemos que, para

além de “receptores” da comunicação, esses jovens são sujeitos comunicantes, produtores de

comunicação, ativos e partícipes do processo dentro do qual estão inseridos.

Recuperando alguns elementos da trajetória de problematizações teóricas relativas à

recepção, vemos que os pesquisadores da comunicação têm, desde o início da constituição do

campo, se voltado à pesquisa deste âmbito do processo comunicacional ou, como chamado

no princípio, à pesquisa das audiências. A palavra receptor ganha força nas formulações de

teóricos da comunicação em correspondência com o esquema da comunicação linear

proposto pelo funcionalismo. A noção do receptor é concebida no âmago da pesquisa

administrativa, como audiências. No âmbito dessa perspectiva, o sujeito era situado numa

relação de alteridade, como parte de um público afastado das esferas de produção da

comunicação. Essa concepção dos sujeitos “receptores”, não levava em conta, entre outros

aspectos, seus complexos modos de produção de sentido no processo comunicativo.

A vertente dos estudos culturais gerou, em suas propostas mais produtivas, uma

complexificação da compreensão do lugar desses sujeitos “receptores” nos processos

comunicacionais. No seu âmbito, grosso modo eles foram concebidos como produtores de

sentido nos processos de recepção e situados em contextos socioculturais concretos

reconhecidos como constitutivos de suas significações. Mas esta vertente também produziu,

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em desdobramentos de suas propostas, a ideia do “receptor” soberano, com poder de decisão

sobre suas formas de consumo. As possibilidades de escolher entre as diversas opções

midiáticas abertas pela internet potencializaram esse tipo de concepção.

Contemporaneamente, assistimos a um processo de midiatização que assume, como já

argumentamos, novo dinamismo a partir do advento das mídias digitais, que penetra e

reconfigura os diversos campos sociais e, também, as culturas e identidades dos sujeitos que

se apropriam das mídias. Mas é preciso reconhecer que sua incidência e suas consequências

se dão de formas distintas nos diversos campos sociais e domínios da experiência. Avistamos

um processo que se entrelaça visceralmente às práticas de apropriação comunicativa dos

sujeitos que potencialmente criam e recriam, reconstroem e modificam as práticas sociais

mais variadas a partir de seus universos socioculturais constituídos historicamente contextos

concretos em que vivem.

Sinalizamos a importância, em termos metodológicos, de olhar os processos de

apropriação midiática a partir da ótica de que o mundo da produção de sentidos não é

mecânico, pelo contrário, é múltiplo, vasto, marcando um distanciamento com a ideia de

recepção passiva. Consideramos que os processos de digitalização da comunicação, como

condição de produção simbólica, promovem uma ruptura e desarticulação da ideia clássica e

formal do receptor a partir do estabelecimento de novas condições de produção comunicativa

para os sujeitos.

Deste modo, concebemos que a utilização do termo “receptor”, dentro do horizonte da

pesquisa em comunicação, precisa ser repensada de forma que dê conta desta nova

configuração na qual estão postos os sujeitos em relação à mídia e as possibilidades de

apropriação, produção e circulação simbólica. Compartilhando das ideias de Maldonado

(2014) e de Bonin (2015), entendemos que as pesquisas em comunicação que se voltam a

investigar os usos e apropriações que os sujeitos fazem nas mídias precisam pensar esses

sujeitos como partícipes de processos comunicativos, na qual tomam lugar de sujeitos que

tem ação, reação, voz, participação ativa e muitas vezes crítica, ou seja, como sujeitos

comunicantes.

Entendemos, também, que estes sujeitos são complexos, constituídos em dimensões

históricas, sociais, políticas, técnicas, éticas, psicológicas, etc. Suas atividades significativas

estão diretamente relacionadas com essas dimensões múltiplas pelas quais são formados. A

isto já se referia Martín-Barbero (1995, 2006, 2009) ao argumentar que, para pensar nos

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sujeitos contemporâneos e em suas relações com as mídias, é necessário problematizá-los

dentro das suas mediações socioculturais, históricas, políticas, familiares, tecnológicas,

midiáticas, etc.

Neste sentido, concebemos que os sujeitos comunicantes que participaram do

processo educomunicativo desenvolvido nessa investigação são capazes de realizar

movimentos qualitativos sobre os processos comunicacionais e educacionais nos quais são

partícipes, distinguindo sobre as produções realizadas em termos de avaliações técnicas,

criativas, inventivas; sobre elementos de inclinação política e ideológica; sobre suas próprias

participações e aproveitamento das temáticas trabalhadas, etc. Esses movimentos avaliativos

e críticos têm como marcas suas mediações familiares, escolares, oriundas da cultura popular

juvenil, bem como, do próprio contexto sociocultural e midiático no qual foram constituídos.

Com base nisso, compreendemos que há uma distinção na forma pela qual os

conteúdos são entendidos, imaginados, interpretados, circulados, interiorizados, etc., a partir

de cada sujeito, gerando não uma interpretação uníssona, mas um campo de interpretações

possíveis. Essa multi-semantização tem relação com seus contextos culturais,

socioeconômicos, sociais, ideológicos, políticos, históricos nos quais estão inseridos.

Pensar nas formas como os sujeitos se apropriam dos bens culturais, em especial, dos

produtos midiáticos, é central de nossa pesquisa. Nesse sentido, consideramos produtivas as

problematizações desenvolvidas por Certeau (1994) que lembra que, desde o princípio dos

movimentos de entrada das culturas europeias, os sujeitos latino-americanos já inventavam

formas de resistir às imposições dos invasores, apropriando-se e reformulando elementos

culturais que permeavam suas cotidianidades, o que sinaliza que os movimentos inventivos

realizados pelos sujeitos detêm uma vasta historicidade, não sendo realizados somente no

contexto contemporâneo. Mas o contexto contemporâneo apresenta diferenciações em termos

de aparatos, meios e formas de resistência que precisam ser reconhecidas e analisadas.

O pensamento de Certeau (1994) é fundamental para restituir o lugar da cultura como

um lócus de produção, de constituição de lógicas e vínculos próprios. As culturas têm o

potencial de constituir sentidos desviantes, diferenciados, valores que se contradizem com os

determinados pelos sistemas hegemônicos. Ao olhar para os meios de comunicação e suas

produções, podemos compreender que os mesmos oferecem um sentido preferencial de

significação que entretanto, não está fechado, e que tem possibilidade de desvio pelo trabalho

de apropriação comunicativa, de significação e reinterpretação, constituídos no contexto de

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diversificadas mediações sociais, políticas, culturais, econômicas, éticas, religiosas,

emocionais, familiares, educativas, etc., em uma multiplicidade complexa. Para nossa

pesquisa, mostra-se fundamental a compreensão da obra de Certeau (1994) de maneira

recontextualizada, compreendendo que os sujeitos comunicantes, agora inseridos em

ambientes comunicacionais atravessados pela esfera digital, hegemônicos ou não, são

capazes de realizar movimentos de interpretação, produção comunicativa e de sentido que

podem ser desviantes dos sentidos imaginados pela mídia.

No diálogo que empreendemos com as argumentações destes autores-chave,

procuramos estabelecer uma teia teórico-argumentativa que nos auxilie a pensar nas

significações realizadas por sujeitos tão complexos. Neste sentido, os sujeitos comunicantes

precisam ser pensados como multimidiatizados e de maneira a levar em conta suas mediações

mais diversas em configurações complexas que são decisivas para a constituição de sentidos,

usos, e apropriações e produções midiáticas. Ou seja, o “receptor” passivo e inoperante não

existe. Existem processualidades em espaços-tempo e os sujeitos em comunicação não

podem ser compreendidos sincronicamente, pelo contrário. É preciso que sejam

problematizados na diacronia, nas suas trajetórias, deste modo, podemos ser capazes de

pensar e compreender suas significações.

Pensamos, ainda, que os contextos de pesquisa são elementos problematizadores em

termos das mediações que são constitutivas dos movimentos de apropriação e produção dos

sujeitos, concebendo que cada cenário de investigação possui especificidades, elementos

singulares e que necessitam ser considerados. Neste sentido, compreendemos as

argumentações de Maldonado (2014) e de Bonin (2013) no sentido de que suscitam

reformular e pensar a gama de mediações investigadas pelas pesquisas em comunicação de

maneira própria e contextualizada dentro da problemática de pesquisa construída, de modo a

permitir que o pesquisador eleja quais são as fundamentais para a investigação.5

5 Diante destas concepções, pensamos no contexto investigativo no qual estávamos inseridos

visualizando, a partir dos movimentos exploratórios, as marcas de mediações que teriam maior ênfase

no processo investigado: familiar, entorno educativo, cultura popular juvenil, contexto social, cultura

midiática/digital. Desse modo, as construções metodológicas que realizamos no desenvolver da

investigação abordam estas mediações, procurando fornecer subsídios para a compreensão de como

os sujeitos comunicantes presentes em nossa pesquisa realizavam seus processos significativos e

interpretativos dentro das dinâmicas e processos educomunicativos que realizamos para a criação do

blog.

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4. As culturas e identidades juvenis

Para pensarmos as realidades culturais contemporâneas, precisamos compreender suas

vinculações com macro-fenômenos que as perpassam em diferentes níveis, formas de

afetação, singularidades e velocidades. García Canclini (1998) realiza uma problematização

relevante para o campo da comunicação, propondo que a cultura e as identidades necessitam

fazer parte do contexto pensado para pesquisar os fenômenos comunicacionais, mesmo que o

autor não tenha problematizado a comunicação no âmbito digital. Concebemos a ideia de que

a mídia tem uma centralidade e uma marca que, nas nossas pesquisas, ganha um foco de

atenção. Entretanto, não podemos deixar de lado a existência de outras dimensões que vão

problematizar e estar presentes na configuração da sociedade, como a globalização, que são

também constitutivas dos processos midiáticos.

Com García Canclini (2007) vemos que a globalização é uma dimensão relevante de

ser considerada para entender os processos comunicacionais contemporâneos e suas

vinculações com as culturas e identidades dos sujeitos. Esse fenômeno deve ser concebido a

partir de suas vastas dimensões e afetações, abandonando qualquer tentativa de seu

entendimento de maneira linear, homogênea e aplicável a todas as sociedades dado que suas

concretizações são plurais, localizadas, desenvolvendo-se de maneiras diferenciadas em cada

contexto social. Como argumenta Sousa Santos (2008), o fenômeno que presenciamos e

vivenciamos na atualidade é multifacetado, dinâmico, suas dimensões extrapolam as

afetações no campo econômico, levando a modificar os cenários culturais, sociais, políticos,

jurídicos, religiosos, etc. Fica evidente que a consideração da globalização não pode se dar

somente pela sua concepção banalizada da formação de um livre mercado mundial.

Buscamos, nesse sentido, nos aproximar de entendimento sobre a globalização que

considera suas afetações sobre o âmbito da cultura, com ênfase nas culturas populares juvenis

vinculadas, sobretudo, aos processos de midiatização potencializados pelas redes de

comunicação digital. Ao analisarmos os processos de comunicação contemporâneos,

problematizados pelos avanços gerados pelo âmbito digital, percebemos aberturas de espaços

para participações dos sujeitos comunicantes. Essa característica de aceleração dos processos

de comunicação e alteração nas relações de tempo e espaço é geralmente associada aos

processos de globalização. Seu entendimento é muitas vezes marcado por um viés positivista

e pouco aprofundado que dá ênfase à mediação tecnológica como solucionadora de

problemas vinculados à distância, ao compartilhamento de bens culturais, ao acesso ilimitado

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a informações, dados, pesquisas, a trocas socioculturais diversas entre diferentes pessoas,

nações, ao acesso à educação, cultura, formação política, etc. É necessário considerar que

essa mesma tecnologia digital que aproxima os sujeitos das esferas de produção e criação

também realimenta um sistema produtivo apoiado por uma cultura de consumo de massa,

levando a novas condições sociais nas quais uma nova estrutura de antagonismos de classe se

acelera.

Sousa Santos (2002) observa que o cenário imposto pelo fenômeno da globalização

privilegia determinados grupos e cenários sociais, formados por elites capitalistas que detêm

o poder de controlar informações substanciais; em outro polo, encontram-se grupos

subordinados, formados por classes trabalhadoras, estudantes, jovens e outros que, apesar de

seus esforços de participação dos processos de comunicação permitidos pela esfera digital,

acabam não tendo controle de tais processos. Como argumenta ainda esse autor, existem

desigualdades extremas nas velocidades em que diferentes sociedades se globalizam, se

conectam, têm acesso às dimensões privilegiadas de aceleração do tempo e encurtamento de

distâncias. Há, portanto, limites e desigualdades neste processo de globalização imposto de

cima para baixo, mas que podem ser combatidos por movimentos de resistência (SOUSA

SANTOS, 2008).

Pensando o fenômeno da globalização nas suas múltiplas implicações, como

delineado até aqui, vemos a necessidade de destacar como vem afetando as culturas e as

identidades culturais, entendendo que os sujeitos participantes desta pesquisa são

profundamente afetados por essas dinâmicas de transformação. Partimos da concepção de

que os sujeitos contemporâneos são multifacetados, configurados de maneira complexa,

atravessados por inúmeras culturas, constituindo-se como sujeitos com singularidades. No

cenário de desenvolvimento de nossa pesquisa, sobretudo, a emergência dos meios e das

redes de comunicação digitais possibilita a estes sujeitos a colocação frente à prática do fazer

comunicacional, à expressão e ao desenvolvimento de suas identidades a partir das múltiplas

configurações que os tornam sujeitos complexos. As possibilidades de atravessamentos

culturais, de práticas sócio-comunicacionais diversas e permeadas por culturas distintas, de

formações de identidades diversas e assimétricas fazem parte do contexto de investigação

desenhado.

Neste sentido, recorremos a Hall (2009) que atribui às dinâmicas de globalização a

responsabilidade, ainda que parcial, da existência e emergência do multiculturalismo, que se

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constrói e manifesta de maneiras distintas dentro de cada tecido social, e que se potencializa

diante dos novos fluxos e velocidades comunicacionais/midiáticas.

Retomar pressupostos desenvolvidos por García Canclini (1998) é produtivo para a

compreensão dos fenômenos multiculturais de maneira mais ampla. A noção de culturas

híbridas proposta pelo autor ajuda a compreender que não se pode pensar a problemática da

constituição das culturas e identidades sem que se considere a existência de dinâmicas

culturais, de transações, de movimentos de articulação e de flexão. O conceito de culturas

híbridas nos provoca a olhar não para os elementos que separam as diferentes culturas (etnias,

classes, raças, etc.), mas para os que as aproximam. Esse exercício não nega a existência dos

desníveis e diferenças culturais, mas foca no entendimento de que essas distinções se dão de

outros modos.

No cerne da compreensão do conceito está o entendimento de que as culturas e

identidades são constituídas historicamente. As hibridizações culturais têm históricas muito

largas temporalmente. São processos constituídos por fatores como migrações, colonizações,

religiões, histórias familiares, etc. Por isso, entendemos que é simplificador e perigoso pensar

que somente a ação das mídias é capaz de modificar as culturas e as identidades. Elas

certamente contribuem de modo relevante para estas transformações, mas são um fator numa

multiplicidade de outros, que devem ser também levados em conta.

Essas imbricações e modificações culturais estão relacionadas ao trabalho e à

influência de diversas instituições e agentes, entre eles as mídias que, entrelaçados, tecem

uma rede que atua em várias dimensões. Compreendemos, portanto, em diálogo com García

Canclini (1998), que as mídias têm um papel fundamental nos processos de constituição e de

hibridização culturais. Entretanto, sua configuração e atuação junto ao tecido social não pode

ser pensada de forma vertical.

Pensar a cultura como elemento vivo e em movimento é, também, um elemento

central no pensamento de Hall (2009). Nesse sentido, é indispensável o entendimento de que

a cultura não tem um repertório fixo, mas sim em movimento, no qual precisamos reconhecer

suas complexidades em suas misturas, hibridismos. É nessa perspectiva que se quebram as

ideias conservadoras que relacionam a cultura e sua manutenção apenas a partir de tradições,

de patrimônios, etc.

Compreendemos, portanto, que as dinâmicas interculturais contemporâneas são

marcadas, entre outros movimentos, pelos processos de intensificação da midiatização dentro

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do tecido social das mais diversas sociedades, principalmente pelo uso e expansão das

tecnologias de comunicação utilizadas na esfera digital. Esses movimentos são potenciais

geradores de encontro entre distintas culturas, configurando zonas de contato que não se

limitam a gerenciar as dinâmicas interculturais como co-presenças de diferentes culturas,

senão nos contatos, afetações, negociações e desestabilizações identitárias.

Diante das abordagens a que recorremos para a compreensão da problemática da

cultura e de suas vinculações ao universo comunicacional/midiático contemporâneo,

avistamos um cenário no qual as práticas dos sujeitos em comunicação estão permeadas por

elementos formadores de suas culturas, pensadas a partir de um prisma amplo e complexo,

que relaciona sujeitos, comunicação e cultura em uma teia de múltiplas afetações e

construções de sentidos sociais.

Nosso outro esforço se concentra na concepção de um arranjo teórico que

problematize as implicações destes sujeitos jovens enquanto sujeitos histórica e

socioculturalmente situados, mediados por implicações com os contextos sociopolíticos,

culturais, simbólicos, de inserções dentro dos ambientes da comunicação multimidiatizada,

perpassada pelas dinâmicas da globalização, de desencanto político e social, de

enfrentamento de variados modos da violência, da pobreza e da negação e não-representação

sócio-comunicacional.

Ao problematizarmos as apropriações digitais juvenis, levamos em conta as

argumentações de Reguillo (2007) de que a noção de juventude não pode ser conformada

somente pela delimitação biológica que os enquadra como tal, e que considera a idade como

elemento definidor central. Na recuperação de aspectos históricos de formação e

conformação das culturas populares juvenis realizadas por essa autora, notamos uma

aproximação com os contextos socioculturais e políticos que permeiam os cotidianos dos

sujeitos e, de modo semelhante, de elementos culturais, tecnológicos e suas consequências

simbólicas nas sociedades, a partir da introdução de novos modos de representar e interpretar

o mundo. A isto, adicionamos nossa ideia de que, contemporaneamente, as novas tecnologias

incorporadas aos processos comunicativos têm repercutido em novos modos de ser e estar no

mundo, de representar-se, de construir projetos, anseios, necessidades de vida, de requerer e

expressar valores de igualdade, justiça, liberdade dentro dos espaços de debate público.

Ao considerar as próprias dinâmicas sociais atravessadas por processos de

globalização e de multimediatização cujas construções, representações e formações

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socioculturais que emergem deste caldo geram identidades multifacetadas, contraditórias,

híbridas, não pré-determinadas e parcialmente compreensíveis, como delimitar e definir

características juvenis de forma a gerar concepções teóricas sobre as mesmas? A resposta

esteja, talvez, na consideração destes movimentos e contextos que atravessam a formação dos

sujeitos jovens, procurando compreender suas identidades enquanto se movimentam dentro

destas dinâmicas.

A compreensão que emerge deste esforço revela elementos de riqueza teórica e,

também, de retificação de algumas abordagens pensadas e desenvolvidas nos âmbitos

institucionais, científicos e também políticos/públicos. Enquanto as indústrias culturais se

esforçam para alimentar suas demandas econômicas a partir do consumo da juventude, seu

papel tem sido estrutural para a construção e reconfiguração constantes do sujeito juvenil.

Esta experimentação da cultura globalizada, multimidiatizada, acelerada, tem fornecido

subsídios para os sujeitos jovens se relacionem com as representações midiáticas

mundializadas realizando mais movimentos paradoxais do que uma esperada

homogeneização cultural, de busca pela construção e afirmação de uma identidade própria

dentro do apanhado cultural consumido e apropriado.

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