primeira cÂmara criminal apelante: nardel ribeiro … · primeira cÂmara criminal apelaÇÃo nº...
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PRIMEIRA CÂMARA CRIMINALAPELAÇÃO Nº 111869/2010 - CLASSE CNJ - 417 - COMARCA CAPITAL
Fl. 1 de 14
TJ
Fls.-------
APELANTE: NARDEL RIBEIRO DA SILVAAPELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
Número do Protocolo: 111869/2010Data de Julgamento: 16-8-2011
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO
QUALIFICADO - VEREDICTO CONDENATÓRIO - INSURGIMENTO DO
RÉU - PRETEXTO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À
PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - PRIVILEGIADORA DO ART. 121,
§ 1º, DO CÓDIGO PENAL NÃO CARACTERIZADA - DECISÃO DOS
JURADOS AMPARADA EM UMA DAS VERSÕES CONTIDAS NO
CADERNO PROCESSUAL - PERTINÊNCIA DA DECISÃO DIANTE DOS
ELEMENTOS DE CONVICÇÃO - SOBERANIA - CF, ART. 5º, XXXVIII, “C” -
ONIPOTÊNCIA ARBITRÁRIA NÃO REVELADA - CONDENAÇÃO
MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO.
O artigo 593, inciso IV, alínea “d”, do Código de Processo Penal só
autoriza a anulação da decisão dos jurados quando esta se manifestar
completamente dissociada das provas produzidas no processo.
Os jurados decidem ex conscientia propria. A soberania dos veredictos
prevista no Texto Magno obriga restrição e não ampliação dos limites do juízo de
cassação, e não se revelando decisão como produto da pura criação mental dos
jurados, sem lugar o provimento do apelo neste ponto.
“No homicídio privilegiado os elementos ‘violenta emoção’ e ‘injusta
provocação da vítima’ devem estar bem delineados nos autos (...)” (RT 605/302), o
que não verificou-se no caso em tela.
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APELANTE: NARDEL RIBEIRO DA SILVAAPELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATÓRIO
EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO
Egrégia Câmara:
Nardel Ribeiro da Silva, qualificado nos autos, submetido a julgamento
perante o Tribunal do Júri da Comarca de Cuiabá/MT, foi condenado nos autos da ação penal
nº 230/2008, por infringência do disposto no artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV, combinado
com artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, ao cumprimento da pena privativa de
liberdade de 08 (oito) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto (fls. 175 a 178).
Não se conformando com o veredicto condenatório, com fundamento
no artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal, foi interposto o presente
recurso de apelação pela defesa do réu (fls. 183). Em suas razões argumenta que a decisão dos
jurados estaria em contrariedade à prova dos autos, expondo ter agido sob violenta emoção ante
a injusta provocação da vítima, sendo que a condenação ocorreu exclusivamente com base nas
declarações da vítima e das testemunhas ligadas a vítima. Objetiva ainda, a exclusão da
qualificadora do recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima. Assim, pede o
provimento da apelação para que seja o apelante submetido a novo julgamento (fls. 188 a 195).
Em resposta o Parquet pugnou pela manutenção na íntegra da decisão
condenatória. Explica em síntese que o conselho de sentença optou pela versão verossímil que
se abstrai dos autos, rechaçando o reconhecimento do privilégio, estando a decisão dos jurados
amparada na prova produzida sob o crivo do contraditório, não havendo se falar em decisão
arbitrária ou completamente divorciada da prova dos autos (fls. 197 a 204).
O ilustre Procurador de Justiça Élio Américo, manifestou-se pelo
improvimento do recurso (fls. 211 a 219 TJ/MT), assim sintetizando:
“Apelação Criminal – Júri – Homicídio qualificado, na forma tentada
(art. 121, § 2º, inc. IV c/c art. 14, inc. II, ambos do CP) – decisão tarifada de
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manifestamente contrária à prova dos autos – impossibilidade de reconhecimento
do privilégio da violenta emoção, porquanto a decisão da corte popular encontra
respaldado no conjunto probatório – ausência de requisito indispensável para a
configuração do privilegium – decisum escorreito – inocorrência do disposto no
art. 593, inc. III, ‘d’, do CPP, eis que não há falar-se em decisão manifestamente
contrária às provas dos autos, porquanto a corte laica optou por uma das versões
verossímeis existentes – Pelo desprovimento do recurso.” (sic fls. 211 TJ/MT).
A revisão realizada às fls. 224 TJ/MT.
É o relatório.
PARECER (ORAL)
A SRA. DRA. VALÉRIA PERASSOLI BERTHOLDI
Ratifico o parecer escrito.
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VOTO
EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Busca o apelante Nardel Ribeiro da Silva ver-se submetido a novo
julgamento, sob o argumento de que a decisão a que chegaram os Senhores Jurados estaria em
contrariedade à prova dos autos (artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo
Penal) .
Cediço que no sistema processual vigente inexiste hierarquia de provas,
o que dá ao juiz, no caso o Conselho de Sentença, a liberdade para poder, com qualquer delas,
formar seu convencimento.
A apelação relativa ao veredicta do Júri com base na manifesta
contrariedade à prova dos autos não devolve ao Tribunal de Justiça o julgamento da causa, para
substituir pela sua própria a decisão do Conselho de Sentença. Incumbe-lhe, se for o caso,
apenas cassar o arbitrário, sem nenhum apoio do conjunto probatório.
No recurso se possibilita a delibação da prova, não para eleger a melhor
dentre as versões opostas, mas unicamente para verificar a existência delas, cada uma com um
mínimo de suporte na prova. Dispondo de algum apoio nas provas dos autos, a decisão tomada
pelo Conselho de Sentença deve prevalecer.
Sobre o alcance das apelações de decisão do Tribunal do Júri com base
no artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal, menciono:
“Não é qualquer dissonância entre o veredicto e os elementos de
convicção colhidos na prova que autoriza a cassação do veredicto: unicamente a
decisão dos jurados que nenhum arrimo encontre na prova dos autos é que pode
ser invalidada. Desde que uma interpretação razoável dos dados instrutórios
justifique o veredicto, deve este ser mantido, pois, nesse caso, a decisão deixa de
ser ‘manifestamente contrária à prova dos autos’.” (José Frederico Marques,
“Elementos de Direito Processual Penal”, Vol. IV, fls. 233).
“Trata-se de hipótese em que se fere justamente o mérito da causa, em
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que o error in judicando é reconhecido somente quando a decisão é arbitrária,
pois se dissocia integralmente da prova dos autos, determinando-se novo
julgamento. Não se viola, assim, a regra constitucional da soberania dos
veredictos. Não é qualquer dissonância entre o veredicto e os elementos de
convicção colhidos na instrução que autorizam a cassação do julgamento.
Unicamente, a decisão dos jurados que nenhum apoio encontra na prova dos autos
é que pode ser invalidada. É lícito ao Júri, portanto, optar por uma das versões
verossímeis dos autos, ainda que não seja eventualmente essa a melhor decisão.”
(MIRABETE, Júlio Fabbrini, “Código de Processo Penal Interpretado”, 6ª ed.
Atlas, São Paulo; p. 751).
“Que se poderá entender por manifesto, por evidente, senão aquilo que
se impõe à percepção de todos, que todos vêem necessariamente, e sobre o que não
é admissível, em sã consciência, a possibilidade de afirmações díspares?
Onde exista, porém, matéria sujeita ao critério da observação pessoal
do julgador, dependente, para firmar-se, não da força dominadora da realidade
indubitável, mas da apreciação subjetiva de cada um - não se pode cogitar de
evidência.
Assim, sempre que o fato se apresente suscetível de ser divisado à luz
de critério divergentes, capazes de lhe emprestarem diversa fisionomia moral ou
jurídica, qualquer que seja a orientação vencedora, refletida na decisão do
Tribunal, não poderá ser havida como manifestamente contrária à prova.”
(FRANCO, Ary Azevedo, “O Júri e a Constituição Federal de 1946”, Forense,
1956, p. 262).
Aos senhores jurados foi dado conhecer a prova produzida, bem como
os aspectos evidenciados nas sustentações orais e debates ocorridos na sessão de julgamento
(fls. 159 a 174), optando, por maioria, pelo acolhimento da tese da acusação de que o apelante
foi o autor da tentativa de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, inc. IV, do CP), ocorrido em 09
de setembro de 1996, onde vítima Nelson Pasini.
Fazem-se presentes nos autos duas versões dos fatos: a) tese defensiva,
de homicídio privilegiado, e b) tese acusatória, de homicídio qualificado. A decisão do Júri foi
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no sentido de afastar a tese de defesa e acolher a tese da acusação, que encontra amparo na
prova testemunhal e nos demais elementos de prova colacionados. Vejamos.
Emerge dos autos que em 09 de setembro de 1996, por volta das 09
horas, no interior do estabelecimento comercial denominado Transpasini, o apelante utilizando
de uma arma de fogo desferiu 03 (três) disparos contra a vítima Nelson Pasini, causando-lhe os
ferimentos descritos no laudo de lesões corporais (fls. 22 e 23) e mapa topográfico para
localização de lesões (fls. 24), só não consumando o delito por circunstâncias alheias a vontade
do ofensor.
A autoria delitiva é incontroversa, contudo o apelante alega que agiu
sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, assim
afirmando em juízo:
“... a vitima disse ao interrogando compraria mais 10 cabeças de
novilhas pois o gado era do seu agrado; que quando da segunda remessa foi
acertado no escritório da vitima que esta lhe pagaria a importância de 600,00
reais por cabeça, que oriunda na da mesma remessa anterior; que essa segunda
remessa foi acertado na escritório da vitima, estando presente a pessoa de Elias;
que foi Elias quem apresentou a vitima ao interrogando para que este
comercializasse os animais; que a segunda compra foi feita no mês de agosto e a
entrega no dia 08 de setembro de 1996; que na madrugada do dia 08 de setembro
o interrogando descarregou as novilhas na Fazenda da Vítima; que a fazenda da
vitima chama-se Realeza; que fica distante de Cuiabá 40 KM as margens da BR
364; que tendo descarregado as novilhas na propriedade da vitima, esta dizendo
que não tinhas folhas de cheque, deu apenas um cheque do pagamento do frete no
prazo de aproximadamente 15 dias; que no dia seguinte o interrogando procurou
receber sua venda lá no escritório da vitima, quando esta lhe disse que não iria
mais ficar com o gado, pois as novilhas não mais interessava; que a alegações da
vitima era que as novilhas não eram no padrão da primeira compra; que o gado
foi adquirida em Minas Gerais, pela pessoa que atende pelo nome Antonio; que o
pagamento ao seu Antonio fora com Cheque pré-datado; que antes a recusa da
vitima a lhe pagar a mercadoria, o interrogando perdeu a cabeça e atirou contra a
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vitima; que foi disparados 3 tiros na Vitima; que não se recorda se arma estava
municiada na sua totalidade, mas parece que tinha 4 munições; que um Delegado
de Policia conhecido de um amigo do interrogando, fora até ao hospital onde
estava a vitima, para que este lhe devolvesse a mercadoria, porém a vitima dissera
‘que ficaria com o gado para pagar as despesas do hospital’; que foi necessário a
intervenção da Policia para entrega do gado; que só foram entregues 09 (nove)
cabeças de gado; ...” (sic fls. 79 e 79v).
Declarações ratificadas em plenário (fls. 171 – CDROOM), tentando
explicar a violenta emoção, logo após a injusta provocação da vítima, pois a mesma teria
desfeito a compra das 10 (dez) cabeças novilhas, tendo o apelante desferido os tiros contra a
vítima.
A vítima Nelson Pasini, por sua vez, esclarece perante a autoridade
judiciária que:
“... no dia seguinte, o declarante estava em sua firma, quando ali
chegou o acusado dizendo que queria conversar, e então o atendeu na varanda,
estando ali mais três pessoas, todas sentadas; que o acusado insistia para que o
declarante ficasse com o gado, e diante da recusa, em determinado momento, o
mesmo sacou de um revólver e começou a atirar contra o declarante;...” (sic fls.
51).
Em plenário, a vítima ratificou as declarações prestadas anteriormente,
confirmando que não houve discussão com o apelante e que não esperava aquela reação do
mesmo (fls. 171 – CDROOM).
A testemunha Elias Rufino da Cruz ratificou perante o conselho de
sentença (fls. 171 – CDROOM) o depoimento prestado em juízo, quando asseverou que:
“... que o acusado queria que a vítima ficasse com o gado, esta se
recusava a ficar; que inclusive o gado já estava na fazenda da vítima, mas aquele
gado era de qualidade inferior ao da primeira compra feita pela vítima; que a
vítima estava calma, mas o acusado estava bastante exaltado, quando então o
acusado sacou da arma e Nelso com medo correu, mas foi atingido por dois
disparos;... que em momento algum a vítima agrediu com palavras o acusado; que
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a vítima não esboçou nenhuma reação pois estava sentada conversando...” (sic fls.
53).
Desta forma, a tese de que o apelante cometera o crime sob domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, não encontra abrigo nos
elementos de prova, uma vez que não configuradas as 03 (três) condições para o seu
reconhecimento, quais sejam: a) emoção violenta; b) injusta provocação da vítima e c) sucessão
imediata entre a provocação e a reação.
Nesse sentido, trago à colação jurisprudência pátria acerca dos
requisitos necessários para o reconhecimento do homicídio privilegiado:
“No homicídio privilegiado os elementos ‘violenta emoção’ e ‘injusta
provocação da vítima’ devem estar bem delineados nos autos (...)” (RT 605/302).
“O homicídio privilegiado exige, para sua caracterização, três
condições expressamente determinadas por lei: provocação injusta da vítima;
emoção violenta do agente e reação logo em seguida à injusta provocação (...)”
(RT 519/362).
Na espécie, conforme devidamente reconhecido pelo conselho de
sentença, não houve qualquer provocação da vítima, ou sequer domínio de violenta emoção por
parte do acusado, o que afasta a configuração do homicídio privilegiado, por faltar as
elementares dessa figura penal.
A propósito, confira-se o entendimento jurisprudencial:
“APELAÇÃO CRIMINAL - JÚRI - HOMICÍDIO PRIVILEGIADO -
DECISÃO QUE SE MOSTRA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA A PROVA DOS
AUTOS - PRIVILÉGIO INEXISTENTE - ANULAÇÃO DO JÚRI.
Se a decisão proferida pelos juizes naturais da causa se apresenta
manifestamente contrária à prova dos autos, não encontrando guarida no caderno
probatório, deve o réu ser submetido a novo julgamento pelo Júri Popular.
O privilégio a que se refere o § 1º, do artigo 121, CP, para que reste
caracterizado, deve decorrer de uma injusta provocação da vítima, que se mostre
apta, a desencadear no agente uma reação advinda de uma violenta e dominadora
emoção.” (TJMG, Ap. Crim. nº 1.0079.00.001787-5/001, Rel. Des. Vieira de Brito,
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p. 16-7-2008).
Logo, eventual negativa da vítima em adquirir as novilhas do apelante
não é apta a configurar a tese alegada - privilégio, ainda mais quando não há prova de que a
vítima tenha se exaltado ou agredido o apelante, inclusive emerge das palavras do apelante que
“... antes a recusa da vitima a lhe pagar a mercadoria, o interrogando perdeu a cabeça e
atirou contra a vítima...” (sic fls. 79).
A versão acolhida pelos Jurados, portanto, encontra ressonância no
conjunto probatório carreado, não havendo, pois, como cassá-la, sob pena de manifesta afronta
à garantia constitucional da soberania dos veredictos do Colegiado Popular.
A jurisprudência desta Corte:
“APELAÇÃO CRIMINAL - JÚRI - DECISÃO CONDENATÓRIA -
PRETEXTO - DECISÃO TARIFADA COMO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À
PROVA DOS AUTOS - QUALIDADE DA DISSONÂNCIA ENTRE O VEREDICTO
E OS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO - SOBERANIA DOS VEREDICTOS - CF,
ART. 5º, XXXVIII, ‘C’ - ONIPOTÊNCIA ARBITRÁRIA NÃO REVELADA -
RECURSO DESPROVIDO. Os jurados decidem ‘ex conscientia propria’. A
soberania dos veredictos prevista no Texto Magno obriga restrição e não
ampliação dos limites do juízo de cassação, e não se revelando decisão como
produto da pura criação mental dos jurados, de rigor a manutenção da
condenação.” (TJ/MT, 1ª Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 34631/2005,
minha relatoria, 21-02-2006).
“APELAÇÃO CRIMINAL - HOMICÍDIO QUALIFICADO - ALEGADA
DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS -
INOCORRÊNCIA - DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA EM HARMONIA
COM AS PROVAS DO PROCESSO - RECURSO IMPROVIDO. Restando
demonstrado que o Conselho de Sentença, após análise detida das provas contidas
no Processo, optou por uma das versões constantes nos Autos, não pode a Decisão
ser considerada teratológica ou manifestamente contrária à prova dos Autos.”
(TJ/MT, Segunda Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 26174/2005, Relator
Des. Omar Rodrigues de Almeida, 21-9-2005).
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Julgados do Superior Tribunal de Justiça corroboram nossas ilações, in
verbis:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO. ANULAÇÃO DO
JULGAMENTO PELO TRIBUNAL ‘A QUO’ SOB O FUNDAMENTO DE TER
SIDO A OPÇÃO DO JÚRI MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS
AUTOS. EXISTÊNCIA DE DUAS VERSÕES. ESCOLHA PELO CONSELHO DE
SENTENÇA. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. CONCESSÃO DA ORDEM. 1.
Verifica-se nos autos a existência de duas versões a respeito dos fatos ocorridos
(dolo eventual e culpa consciente), oportunizando, desta forma, ao Conselho de
Sentença, a escolha da tese que lhe pareceu mais convincente, ainda que possa não
ser a mais técnica ou mais justa. 2. Não estando a tese acolhida pelos jurados
efetivamente divorciada das provas produzidas no processo, inadmissível é a sua
reavaliação pelo Tribunal de Justiça, desconstituindo a opção do Júri, sob pena de
afrontar o princípio da soberania dos veredictos, consagrado no art. 5º, inc.
XXXVIII, da Constituição Federal.(...).” (STJ, Quinta Turma, HC 39286 / RS, Min.
Arnaldo Esteves Lima, DJ 22-8-2005, p. 309).
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO
JÚRI. CRIME CONTRA A VIDA. SOBERANIA DE VEREDICTOS. VERTENTES
ALTERNATIVAS DA VERDADE DOS FATOS. CONHECIMENTO. 1. À instituição
do júri, por força do que dispõe o artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘c’, da
Constituição da República, é assegurada a soberania de veredictos. 2. O artigo
593, inciso IV, alínea ‘d’, do Código de Processo Penal, autoriza que, em sendo a
decisão manifestamente contrária à prova dos autos, ou seja, quando os jurados
decidam arbitrariamente, dissociando-se de toda e qualquer evidência probatória,
é de ser anulado o julgamento proferido pelo Tribunal Popular. 3. Oferecidas aos
jurados vertentes alternativas da verdade dos fatos, fundadas pelo conjunto da
prova, mostra-se inadmissível que o Tribunal de Justiça, em sede de apelação,
desconstitua a opção do Tribunal do Júri - porque manifestamente contrária à
prova dos autos - sufragando, para tanto, tese contrária. 4. Recurso conhecido
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para restabelecer a sentença.” (STJ, Sexta Turma, REsp 242592 / DF, Relator
Min. Hamilton Carvalhido, DJ 24-6-2002, p. 349).
Resta claro, in casu, que os Senhores Jurados nada mais fizeram que
optaram por uma das versões que lhes foi apresentada em plenário de julgamento, inteiramente
respaldada nas provas colacionadas, e não há qualquer contrariedade às provas dos autos, o que
basta ao improvimento do recurso.
Não vislumbro, pois, razão para que se anule a decisão do Tribunal do
Júri, uma vez que ausente a alegada contradição do veredicto popular com as provas
produzidas no presente caso, o que afasta a pretensão do apelante.
A qualificadora prevista no inciso IV do § 2º do artigo121, qual seja, do
recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima, conforme visto acima restou
devidamente comprovada, já que a vítima não tinha qualquer razão para esperar ou suspeitar da
reação do apelante.
Assim, a versão acolhida pelo Conselho de Sentença não se mostra
manifestamente contrária ao contexto fático-probatório, encontrando suporte na prova
constante dos autos. Mudar essa decisão seria forçar um julgamento contra os princípios
basilares de Justiça, entre eles o da convicção íntima que norteia os julgamentos do Júri. Em
observância à soberania dos veredictos, devem ser acatadas as decisões por eles tomadas, ainda
que formadas pela intuição, por persuasão, de forma emocional, de acordo com a moral do
grupo, desde que apoiadas em um mínimo de prova constante dos autos.
Decidindo os jurados ex conscientia propria, com o assento
constitucional da soberania dos veredictos - conforme artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “c” -,
deve-se restringir ao máximo e não ampliá-la a hipótese do juízo de cassação via decisão
manifestamente contrária à prova dos autos, uma vez que, enquanto nas apelações em relação a
decisões de juízes singulares ocorre um reexame da matéria decidida no pronunciamento
jurisdicional, ao alcançar-se os veredictos, realiza-se apenas a apreciação da regularidade do
que os jurados declararam, dissolvendo-se a onipotência arbitrária se presente revelada,
novamente, conforme o jurista José Frederico Marques (O Júri no Direito Brasileiro, 2 ed., São
Paulo: Saraiva, 1955, p. 72).
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Tendo o Juiz Natural da causa valorado a versão apresentada pela
acusação em plenário de ser o apelante autor de homicídio qualificado, que não se mostra
completamente dissociada do contexto probatório, não cabe ao Tribunal de Justiça substituir
esse entendimento, por entender que haveria nos autos provas mais robustas em sentido
contrário ao da tese acolhida.
Ressalte-se que não cabe a este Tribunal verificar qual das versões para
os fatos era a mais convincente - se a da acusação ou a da defesa - pois essa escolha compete
exclusivamente ao Júri. O que importa, em verdade, é indagar se os autos consagram também a
versão acolhida pelos jurados. Em assim sendo, resta inviável o acolhimento da anulação do
julgamento com fulcro no art. 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal,
devendo, pois, prevalecer o veredicto popular.
Por todo o exposto, em consonância com o Parecer, nego provimento
ao apelo de Nardel Ribeiro da Silva.
É como voto.
VOTO
EXMO. SR. DES. MANOEL ORNELLAS DE ALMEIDA
(REVISOR)
Egrégia Câmara:
O recurso não tem o mínimo suporte nas provas dos autos, uma vez que
o depoimento da vítima é claro em mostrar que o apelante insistia na aceitação da compra do
gado em um determinado momento. E, naquele ato, sem que os ânimos fossem alterados, ele
lhe atacou de surpresa praticando a tentativa de homicídio. O conjunto probatório não revela
estado de animo do apelante capaz de fazer os jurados optar pela ocorrência da violenta
emoção e afastar a qualificadora da surpresa.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
É como voto.
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VOTO
EXMO. SR. DES. PAULO DA CUNHA (VOGAL)
Egrégia Câmara:
De acordo com o voto do Relator.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. MANOEL ORNELLAS DE ALMEIDA, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. RUI RAMOS RIBEIRO (Relator), DES. MANOEL ORNELLAS DE ALMEIDA (Revisor) e DES. PAULO DA CUNHA (Vogal), proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVERAM O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Cuiabá, 16 de agosto de 2011.
----------------------------------------------------------------------------------------------------DESEMBARGADOR MANOEL ORNELLAS DE ALMEIDA - PRESIDENTE DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
----------------------------------------------------------------------------------------------------DESEMBARGADOR RUI RAMOS RIBEIRO - RELATOR
----------------------------------------------------------------------------------------------------PROCURADOR DE JUSTIÇA