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PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E ECOTURISMO NA COMUNIDADE DO MARUJÁ, ILHA DO CARDOSO-SP

Larissa Paraguassú Campos* ([email protected])

*Departamento de Geografia/IGC – Universidade Federal de Minas Gerais Resumo: Localizado no extremo sul do litoral paulista, o Parque Estadual da Ilha do Cardoso (PEIC)

destaca-se por sua biodiversidade, sendo também um dos destinos daqueles que acreditam ser

possível aliar o turismo à preservação da Mata Atlântica. As Unidades de Conservação (UC’s) têm na

contemporaneidade importância na preservação e controle da exploração dos biomas brasileiros.

Sendo o ecoturismo uma das atividades passíveis de serem desenvolvidas nesses locais, tal prática

institui valor de mercado ao uso da natureza ao promover conservação e geração de renda,

funcionando como instrumento capaz de fomentar o desenvolvimento econômico em locais ainda

pouco explorados. Tendo em vista o turismo de base comunitária desenvolvido na praia do Marujá,

Ilha do Cardoso, nota-se que a pressão exercida por turistas resulta na integração dos moradores

tradicionais à lógica produtivista de mercado. Embora haja um efetivo controle de visitação, a

periódica intensificação do turismo resulta no crescimento do trabalho assalariado, no aumento das

tarifas em pousadas e campings, no custo das refeições e nos preços dos passeios ecológicos, o que

demonstra, neste caso, a relação direta entre a lógica conservacionista e a “indústria do turismo”.

Entrevistas realizadas com moradores e turistas da praia do Marujá e funcionários do PEIC durante os

meses de dezembro e janeiro de 2009 indicam que a consciência ambiental apresenta-se ligada aos

ganhos provenientes do turismo e não mais à idéia de preservação da natureza. Portanto, embora o

PEIC sirva como referência no âmbito da conservação ambiental, é a prática do “turismo sustentável”

na comunidade do Marujá o elemento responsável pela consciência de proteção da diversidade

biológica local.

Palavras-chave: Marujá, ecoturismo, consciência ambiental.

Abstract: Located at the south of São Paulo state, Ilha do Cardoso State Park (PEIC) is marked for

your biodiversity, being also one of the destinies of who believe in a preservation of Mata Atlântica

forest ally tourism. The Conservation Units (UC’s) have in contemporarily a great importance on the

preservation and exploration control of the Brazilian biomes. Seeing the ecotourism as one of the

potential activities of the island, is important to note that this practice establishing market values to the

use of nature, promoting conservation and income generation, working, wherefore, as a instrument

capable of fostering economic development in less exploited places. Owing to the tourism of

communitarian base developed at Maruja Beach, Ilha do Cardoso, we find that the pressure exerted by

tourists results integration of traditional residents with the market logical productivity. Although exists

an effective visitation control, the periodic intensification of tourism results the growth of employment,

increases in camping and hostel rates, alimentation costs and ecologic tour prices, which

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demonstrates, in this case, the direct relation between logical conservationist and the “tourism

industry”. Interviews with dwellers and tourists of Marujá Beach and PEIC’s officials during the months

of December of 2008 and January of 2009 indicate that environmental awareness is side by side to the

earnings from tourism and not to the nature preservation idea. Therefore, although PEIC configure a

environmental conservation reference, is the practice of “sustainable tourism” at Marujá Community the

sponsor element of this consciousness.

Keywords: Marujá, ecotourism, environmental awareness.

Introdução

Instituídas pelo Poder Público com a função de promover a preservação ambiental, bem como

histórica de determinados locais, as Unidades de Conservação (UC’s) têm na contemporaneidade

importância significativa no que tange à preservação/exploração dos biomas brasileiros. A

educação ambiental, a pesquisa, o “uso sustentável” dos recursos naturais e o acesso à visitação

desses configuram os principais objetivos de tais espaços protegidos.

O Estado de São Paulo apresenta atualmente cerca de 10% do seu território ocupado por

UC’s de Proteção Integral1. Localizado no litoral sul, a 272 km da capital, o Parque Estadual da

Ilha do Cardoso abrange uma área aproximada de 151km², entre as coordenadas 48º 05’ 42” W,

25º 03’ 05” e 48º 53’ 48”, 25º 18’ 18”S. O local é banhado pelo Oceano atlântico e pelo Canal do

Ararapira e insere-se na região do Baixo Vale do Ribeira, tendo sido instituído pelo Decreto nº

40.319 em 03 de julho de 1962, sem consulta popular prévia.

Atualmente o PEIC participa de 4 projetos governamentais distintos de proteção ambiental

(Projeto de Preservação da Mata Atlântica, Reserva da Biosfera, Plano Estadual de

Gerenciamento Costeiro, APA Cananéia- Iguape- Peruíbe). Constituído por 6 comunidades (cujos

habitantes são caiçaras) e uma aldeia indígena da etnia Guarani Mybia, estabelecida em 1992, o

PEIC tem a Comunidade do Marujá como o principal destino de ecoturistas que procuram na Ilha

do Cardoso.

Objetivos e Metodologia Visando-se observar as relações entre a consciência ambiental e o ecoturismo, foram

realizadas entrevistas com as 54 famílias da comunidade do Marujá, turistas da praia e

funcionários do PEIC, durante os meses de dezembro e janeiro de 2009. Além disso, foram

levantados dados bibliográficos e informações acerca do funcionamento do Parque Estadual da

Ilha do Cardoso, desde a sua instituição em 1962. Em seguida, os dados foram interpolados e

1 Fonte: Programa Estadual de Conservação da Biodiversidade (PROBIO/SP) citado por Maretti & Raimundo, no texto A Participação em Planos de Gestão Ambiental (mímeo).

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analisados com base nas atividades econômicas, sociais e culturais empreendidas pela

comunidade caiçara nos dias de hoje.

A Ilha do Cardoso nas trilhas do turismo

A beleza e os estado de conservação das formações observadas foram inicialmente os

principais motivos que fomentaram a criação do PEIC. Situada na região central do Complexo

Estuarino-Lagunar de Iguape, Cananéia e Paranaguá, a Ilha do Cardoso constitui-se

predominantemente de topografia montanhosa, podendo ser divida em dois diferentes

compartimentos: planícies costeiras que margeiam a ilha e relevo montanhoso visto nas partes

centrais e norte. Importantes criadouros de espécies marinhas do Atlântico Sul são também

encontrados no local. Dentre os ecossistemas reconhecidos localmente, destacam-se os campos

de altitude, a vegetação de dunas, os costões rochosos, os manguezais, a floresta de planície

litorânea, dentre outros.

Descobertas arqueológicas apontam que os primeiros habitantes da Ilha do Cardoso são os

chamados “homens sambaquis”. A história moderna de ocupação da região relaciona-se ao início

do povoamento do território brasileiro. No século XVI, colonizadores portugueses aportaram na

região com o intuito de fazerem cumprir as determinações do Tratado de Tordesilhas.

Quanto à ocupação do solo, verifica-se que até a década de 1960 a Ilha era alvo da

especulação imobiliária, encontrando-se inclusive dividida em loteamentos. A partir da instituição

do PEIC dois anos mais tarde, o direito de uso dos recursos ambientais pelos caiçaras

(“moradores tradicionais”) é regulamentado.

De acordo com relatos de moradores locais, aproximadamente até a década de 1960

praticava-se a atividade agrícola (principalmente a cultura de mandioca) com base nos “saberes

caiçaras“ (sistema de corte/ queima/ pousio), o que garantia parte do abastecimento do núcleo

familiar. Acompanhando os processos de plantio, os chamados “mutirões” eram manifestações

festivas freqüentes ao final da colheita, envolvendo a participação dos “fandangueiros” e suas

rabecas.

Nos dias de hoje, poucas famílias dedicam-se a algum cultivo. A pesca artesanal, fortemente

praticada em períodos anteriores, também apresenta declínio. Tal postura não se deve apenas às

leis ambientais que muitas vezes impedem tal prática, mas também ao fato de que a agricultura

não mais é fundamental para o sustento da comunidade: os ganhos advindos do turismo praticado

principalmente no período do verão garantem às famílias grandes lucros que cobrem seus gastos

durante o resto do ano. Desse modo, o turismo de base comunitária2, seguido da pesca, constitui

hoje a grande atividade econômica na comunidade do Marujá. Numa breve análise, nota-se a

2 “Turismo comunitário ou de base comunitária pode ser definido como aquele onde as sociedades locais possuem controle efetivo sobre seu desenvolvimento e gestão. E por meio do envolvimento participativo desde o início, projetos de turismo devem proporcionar a maior parte de seus benefícios para as comunidades locais” (WWF Internacional, 2001, p. 2)

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vulnerabilidade econômica a que essa comunidade está exposta, visto que tanto a atividade

pesqueira quanto a turística é sazonal.

Marujá: a consciência ambiental patrocinada pelo “turismo sustentável”

O contexto sócio-econômico observado no PEIC sugere uma adaptação da população caiçara

à lógica produtivista de mercado. O trabalho familiar que em outras épocas voltava-se para a

produção de bens primários de consumo hoje é direcionado à prática do “turismo sustentável” 3,

fato que aponta em direção à adequação da população local às demandas dos visitantes.

Constituída de 54 famílias, a Comunidade do Marujá é o maior dos “bairros” que configuram o

PEIC. As principais atividades de cunho econômico atreladas ao turismo que são desenvolvidas

pelos moradores tradicionais (caiçaras) abrangem os segmentos de hospedagem (aluguel de

casas, pousadas, quartos em casas de família e área para acampamento), de alimentos e bebidas

(restaurantes, bares, comércio informal de doces e salgados), de serviços gerais (caseiros,

faxineiros), dos serviços de lazer (monitoria ambiental e pesca amadora) e de serviços de

transporte (aluguel de bicicletas, embarcações para passeio e traslados).

O acampamento selvagem, algo comum em épocas anteriores, é proibido. O efetivo controle

da quantidade de turistas é realizado por meio da contagem de barracas e de leitos ocupados

realizado por estagiários do PEIC, que contam com a fiscalização dos próprios moradores.

Entretanto, é válido salientar que nenhum estudo técnico de capacidade suporte foi realizado até

os dias de hoje. O número limite de visitantes foi estabelecido pelo bom senso dos moradores: a

quantidade máxima de barracas é calculada de acordo com o número de banheiros.

O poder decisório dos habitantes do Marujá verifica-se na atuação da sua Associação de

Moradores (AMOMAR). Tal entidade, criada em 1998, intervém nas decisões juntamente ao PEIC.

A AMOAMCA (Associação dos Monitores Ambientais de Cananéia) também é importante nas

medidas tomadas em relação às atividades turísticas locais.

É perceptível o valor que os moradores do Marujá aferem às belezas naturais do local. Em

todas as moradias, pousadas e campings o apelo à preservação ambiental é pregado pelos

caiçaras. A noção de que o PEIC é uma área imprescindível para a manutenção da biodiversidade

da Mata Atlântica é nítida. Os apelos à separação do lixo orgânico do lixo inorgânico, ao não-

consumo de drogas no local e à não-poluição das praias e águas são alguns exemplos do respeito

que os caiçaras têm pela sua terra.

3 “Um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar das populações envolvidas” (EMBRATUR, 1994).

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A consciência ambiental é uma realidade no Marujá fomentada, no entanto, pelo turismo: a

preservação ambiental em destinos quase desconhecidos pela grande população é uma atitude

extremamente rentável. A procura por lugares rústicos que conjugam uma bela natureza e um

estilo próprio de vida da população local em sítios pouco explorados representam uma

“exclusividade sustentável”. Tal exclusividade deve-se aos custos das hospedagens que crescem

em todo verão, aos preços das refeições, bem como dos passeios ecológicos indispensáveis

àqueles que buscam um maior contato com a natureza. Os ganhos provenientes da atividade

turística são os responsáveis pela conservação ambiental do Marujá pelos seus moradores, antes

pescadores e hoje empresários.

Considerações finais

De acordo com Brito (1995) “as UC’s têm sido estabelecidas para funcionarem com “ilhas”

onde estão ausentes ou reduzidos os efeitos do processo de desenvolvimento a que estão

submetidas outras áreas”. Em escala global, a instituição das UC’s tem garantido a preservação

de ecossistemas. Diante disso, as reais finalidades e importância dessas unidades para a

população são aspectos que devem ser debatidos em torno do eixo da conservação ambiental.

Necessita-se que sejam elaboradas diretrizes as quais impliquem na melhoria da qualidade de

vida dessas pessoas juntamente a uma política que regulamente o uso do solo, de modo que a

geração de divisas (através do “turismo sustentável”) e a redução de impactos na área sejam

garantidos.

É importante salientar que não somente a região que abrange o Parque Estadual da Ilha do

Cardoso e todo o seu ecossistema devem ser prioridades para o estabelecimento de estratégias

de conservação. A história e a cultura caiçara da ilha também devem ser aspectos contemplados.

Considerando-se fatores socioeconômicos e culturais, a necessidade da preservação e o processo

de gestão ambiental atingem um caráter inicialmente local, exigindo-se a participação da

comunidade pertencente à área e ao seu entorno no gerenciamento e manejo dos recursos.

O processo de integração ao mercado global a partir da atividade turística modificou os

hábitos e relações econômica, social e ambiental dos habitantes do PEIC, especificamente na

comunidade do Marujá. A partir dos recursos oferecidos pelos ecossistemas presentes na Ilha, a

prática do ecoturismo passou a promover uma geração de renda distinta das daquelas tradicionais

que eram vivenciadas. Não apenas o crescimento do trabalho assalariado numa economia

anteriormente de subsistência deve ser observado, como também modificações de cunho cultural.

No entanto, não é possível afirmar que a cultura tradicional está se esvaindo, visto que a cultura é

algo mutável assim como os homens e as sociedades.

É crucial apontar que a troca de valores entre turistas e moradores tradicionais, a partir do

diálogo entre caiçaras/ visitantes, reforça a idéia da conservação ambiental. Mesmo que essa seja

permeada pelos valores da sociedade capitalista contemporânea que “mercantiliza” territórios,

histórias e culturas, impondo-lhes um valor de mercado. Sob o “véu” da proteção da natureza essa

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sociedade promove a propagação do ecoturismo, conferindo valor de uso aos aspectos naturais e

sociais da comunidade. Ainda não é possível confirmar que a degradação social -característica

inerente às sociedades pautadas no desenvolvimento/ acumulação capitalista- é algo presente na

comunidade do Marujá. Entretanto, a intensificação do uso de drogas e bebidas alcoólicas

(principalmente nos períodos de Ano Novo e Carnaval) é verificada.

Apesar de incorporar os valores dos visitantes, será bastante difícil que o processo de

massificação do turismo estabeleça-se no Marujá. O Sistema Nacional de Unidades de

Conservação (SNUC) constitui-se como um instrumento capaz de impedir que medidas de

características predatórias e comercialmente empreendedoras sejam implementadas pelos

moradores da comunidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

www.maruja.org.br (Acessado em 12/05/2009);

www.cananet.com.br (Acessado em 12/05/2009);

BRITO, M. C. W. de. Workshop sobre populações e parques, 1994. Instituto Florestal (SP):

relatório não publicado. (revisão e edição de Rita Mendonça, abril de 1998);

DIEGUES, A. C. S. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1994.169p.

RODRIGUES, Carmem Lúcia. A Cultura Caiçara e Turismo no Bairro do Marujá, Ilha do

Cardoso. In: Antonio Carlos Diegues; Virgílio Viana. (Org.). Comunidades Tradicionais e Manejo

dos Recursos Tradicionais na Mata Atlântica. São Paulo: NUPAUB, 2000;

WWF-BRASIL. Certificação em Turismo: Lições mundiais e recomendações para o Brasil.

SALAZAR, Sergio (Coord.). Brasília: WWF Brasil, 2001.