presenÇa de conceitos espontÂneos e cientÍficos … · dois elementos básicos fazem parte desta...

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012 1 PRESENÇA DE CONCEITOS ESPONTÂNEOS E CIENTÍFICOS EM REDAÇÕES DE VESTIBULARES: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL PEREIRA, Terezinha Lima (UEM) 1 GASPARIN, João Luiz (UEM) 2 Introdução As dificuldades que cerceiam os processos de construção do gênero textual dissertativo, especialmente quando exigido como passaporte para o ingresso no ensino superior, representam sérias complicações para o futuro do acadêmico, que enfrenta o vestibular em situação de tensão e cobranças. A produção textual há algum tempo vem sendo considerada uma das formas de avaliação do conhecimento. Em muitos casos serve de ponto de partida para o ingresso no mundo do trabalho. É como se o texto se transformasse na “impressão digital” do aluno quando disputa uma vaga. Por meio de suas marcas é possível identificar níveis e hábitos de leitura. Ao dissertar sobre um tema qualquer, ele revela o grau de complexidade de seu pensamento. É possível, neste caso, recuperar o contexto de origem de elaboração do pensamento e perceber se as estruturas são simples ou complexas. A leitura é condição inerente à produção textual, sem ela é praticamente impossível a elaboração de textos coerentes e críticos, independentemente do gênero. No Ensino Superior, geralmente, os esforços se voltam para a formação do profissional que o mercado aguarda, e as reais necessidades dos alunos dificilmente serão sanadas, principalmente porque são “lacunas” originadas da Educação Básica, 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá – UEM. [email protected] 2 Doutor em História e Filosofia da Educação pela Universidade Católica de São Paulo, docente e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Estadual de Maringá- PR.

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012

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PRESENÇA DE CONCEITOS ESPONTÂNEOS E CIENTÍFICOS

EM REDAÇÕES DE VESTIBULARES: CONTRIBUIÇÕES DA

TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

PEREIRA, Terezinha Lima (UEM)1

GASPARIN, João Luiz (UEM)2

Introdução

As dificuldades que cerceiam os processos de construção do gênero textual

dissertativo, especialmente quando exigido como passaporte para o ingresso no ensino

superior, representam sérias complicações para o futuro do acadêmico, que enfrenta o

vestibular em situação de tensão e cobranças.

A produção textual há algum tempo vem sendo considerada uma das formas de

avaliação do conhecimento. Em muitos casos serve de ponto de partida para o ingresso

no mundo do trabalho. É como se o texto se transformasse na “impressão digital” do

aluno quando disputa uma vaga. Por meio de suas marcas é possível identificar níveis e

hábitos de leitura. Ao dissertar sobre um tema qualquer, ele revela o grau de

complexidade de seu pensamento. É possível, neste caso, recuperar o contexto de

origem de elaboração do pensamento e perceber se as estruturas são simples ou

complexas.

A leitura é condição inerente à produção textual, sem ela é praticamente

impossível a elaboração de textos coerentes e críticos, independentemente do gênero.

No Ensino Superior, geralmente, os esforços se voltam para a formação do

profissional que o mercado aguarda, e as reais necessidades dos alunos dificilmente

serão sanadas, principalmente porque são “lacunas” originadas da Educação Básica,

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá – UEM. [email protected] 2 Doutor em História e Filosofia da Educação pela Universidade Católica de São Paulo, docente e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Estadual de Maringá- PR.

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que, por diversas razões, não conseguiu que o aluno desenvolvesse o pensamento

conceitual.

Considerando que a formação dos “conceitos espontâneos” antecede a formação

dos “conceitos científicos”, podemos indagar: ampliar os “conceitos espontâneos” dos

alunos pode também ser tarefa da escola? Como a escola pode promover isso? É

importante que os pais tomem consciência de que os conhecimentos adquiridos na

família são importantes para a escola? Por que razão muitos alunos concluem a

Educação Básica e não se apropriam de conceitos básicos, inerentes a este nível escolar?

No decorrer desse estudo buscaremos, de alguma forma, responder a essas

questões com base nos pressupostos da Teoria histórico-cultural.

Nossa intenção, ao desenvolver esse estudo, é provocar reflexões sobre a origem

dos fatores que impedem a formação desses conceitos, bem como as generalizações

tendo em vista a importância que exercem no desenvolvimento escolar do aluno.

Buscamos contribuir, do ponto de vista teórico e prático, com a melhoria da prática

docente e, consequentemente, com a formação discente, por meio de uma análise textual

que explicite as dificuldades presentes nas redações de vestibulares.

As experiências vivenciadas pelos pesquisadores como docentes na Educação

Básica e Superior, atuando como professores de Língua Portuguesa e Filosofia,

membros de comissão de correção de redações de vestibular, pesquisadores e outras

funções, demonstraram que para muitos alunos a conclusão da Educação Básica e a

aprovação em provas de vestibulares não garante as condições prévias necessárias para

acompanhar um curso superior. Neste nível de ensino, as dificuldades ficam explícitas

para os professores, especialmente na falta de clareza em relação ao que são conceitos

científicos e cotidianos, fato este percebido em atividades específicas como orientação

de artigos, monografias, avaliações e outros trabalhos.

Diante do exposto, consideramos ter apresentado os principais motivos que

justificam estudar a presença dos “conceitos espontâneos e científicos” e as

potencialidades de “generalizações” em textos dissertativos de candidatos que buscam

ingressar no ensino superior.

A Teoria histórico-cultural no contexto educacional

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As ideias de Vygotsky influenciaram substancialmente o âmbito educacional na

contemporaneidade. Suas contribuições podem ser vistas nas áreas da psicologia e da

educação e se tornaram referência teórica para muitos educadores e também direcionam

o trabalho educativo de muitas instituições de ensino. Suas pesquisas tinham as crianças

como foco central, embora ele tenha elaborado importantes contribuições teóricas

envolvendo adolescentes e adultos.

A educação, que busca constantemente bases para sustentar e dar sentido a suas

práticas encontra em Vygotski contribuições valiosas. A ótica pela qual observou

questões envolvendo a educação encontrou continuidade no olhar de muitos estudiosos.

O estudioso russo dedicou-se, principalmente, ao estudo das “[...] funções

psicológicas superiores ou processos mentais superiores”. Buscou compreender “[...] os

mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, que são típicos do ser

humano e que envolvem o controle consciente do comportamento, a ação intencional e a

liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes”

(OLIVEIRA, 2010, p. 28).

As chamadas “[...] funções psicológicas superiores [...] que consistem no modo

de funcionamento psicológico tipicamente humano, tais como a capacidade de

planejamento, memória voluntária, imaginação [...]” receberam especial atenção em

suas pesquisas. Vygotsky considerou estes processos mentais sofisticados e superiores,

referindo-se “[...] a mecanismos intencionais, ações conscientemente controladas

processos voluntários que dão ao indivíduo a possibilidade de independência em relação

às características do momento e espaço presente” (REGO, 2008, p. 39).

As funções psicológicas superiores se desenvolvem através da mediação da

relação do homem com o mundo e com os outros homens. Dois elementos básicos

fazem parte desta mediação: “[...] o instrumento, que tem a função de regular as ações

sobre os objetos; e o signo, que regula as ações sobre o psiquismo das pessoas.” A

espécie humana muito evoluiu com a invenção desses elementos mediadores. Vygotsky

esclarece que “[...] o uso de instrumentos e dos signos, embora diferentes, estão

mutuamente ligados ao longo da evolução da espécie humana e do desenvolvimento de

cada indivíduo” (apud REGO, 2008, p.50-51).

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O surgimento da linguagem permitiu ao homem relacionar-se com objetos

presentes e ausentes de forma especial. Vygotsky explica três situações nas quais a

linguagem se envolve: A primeira se relaciona ao fato de que a linguagem permite lidar com os objetos do mundo exterior mesmo quando eles estão ausentes. Por exemplo, a frase ‘O vaso caiu’ permite a compreensão do evento mesmo sem tê-lo presenciado, pois operamos com esta informação internamente. A segunda se refere ao processo de abstração e generalização que a linguagem possibilita, isto é, através da linguagem é possível analisar, abstrair e generalizar as características dos objetos, eventos, situações presentes na realidade. Como, por exemplo, a palavra “árvore” designa qualquer árvore [...]. A terceira está associada à função de comunicação entre os homens que garante, como consequência, a preservação, transmissão e assimilação de informações e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história. (REGO, 2008, p. 53-54).

As possibilidades da linguagem transformaram as relações do homem com o mundo e

permitiram a ele elaborar atividades psicológicas superiores, diferentes das ações realizadas por

meio de “[...] mecanismos elementares tais como ações reflexas [...] reações automatizadas [...],

ou processos de associação simples entre eventos [...]” (OLIVEIRA, 2010, p. 28).

O funcionamento dos processos psicológicos pode ser compreendido com mais clareza

pelo conceito de “mediação”. Vygotsky entende que [...] a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas, fundamentalmente, uma relação mediada. As funções psicológicas superiores apresentam uma estrutura tal que entre o homem e o mundo real existem mediadores, ferramentas auxiliares da atividade humana [...] os instrumentos e os signos (apud OLIVEIRA, 2010, p. 29).

Os instrumentos e os signos, mesmo possuindo certa semelhança entre si, devem

ser vistos em separado, dadas as diferentes características de cada um. Nesse sentido,

Vygotsky (apud OLIVEIRA 2010, p.31-32) descreve as principais atribuições desses

instrumentos:

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.), é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho.

Sobre essas duas ferramentas auxiliadoras da atividade humana, destacamos, com base em

Oliveira (2010, p. 32), a relação existente entre o indivíduo e esses elementos mediadores.

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Os instrumentos são elementos externos ao indivíduo, voltados para fora dele; sua função é provocar mudanças nos objetos, controlar processos da natureza. Os signos são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo; dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas.

Assim, os signos auxiliam nos processos psicológicos, enquanto que os

instrumentos auxiliam nas ações concretas. Conforme Oliveira, a utilização de marcas

externas, aos poucos, vai se transformando em processo interno de mediação, chamado

por Vygotsky de “processo de internalização”. O indivíduo, ao longo do seu

desenvolvimento, vai deixando as marcas externas e usando signos internos, ou seja,

“[...] representações mentais que substituem os objetos do mundo real” (2010, p.36).

Vygotsky concluiu que as funções psicológicas superiores devem ser buscadas

nas relações sociais entre o indivíduo e os outros homens “[...] o fundamento do

funcionamento psicológico tipicamente humano é social e, portanto, histórico” (apud

OLIVEIRA, 2010, p. 41).

A questão da linguagem recebeu de Vygotsky especial atenção e é entendida,

conforme Rego (2008, p. 53), como um sistema simbólico fundamental em todos os grupos humanos, elaborado no curso da história social, que organiza os signos em estruturas complexas e desempenha um papel imprescindível na formação das características psicológicas humanas.

Embora seja ponto pacífico a identificação do pensamento com a linguagem,

esclarece alguns aspectos importantes que nos levam a perceber que a relação do

indivíduo com a linguagem ultrapassa o campo do pensamento e abrange outras esferas

desse mesmo processo. Assim, [...] Quem funde pensamento com linguagem fecha para si mesmo o caminho para abordar a relação entre eles e antecipa a impossibilidade de resolver a questão. [...] Quem considera a linguagem uma expressão externa do pensamento, a sua veste, quem [...] tenta libertar o pensamento de tudo o que ele tem de sensorial, inclusive a palavra, e conceber a relação entre pensamento e palavra como um vínculo puramente externo, tenta, de fato, resolver a seu modo o problema da relação entre pensamento e palavra (VYGOTSKY, 2000, p. 3).

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Vygotsky, ao perceber a complexidade que envolvia a natureza psicológica do

significado da palavra, realizou diversos experimentos e concluiu que o significado [...] não está onde se costuma procurar. A palavra nunca se refere a um objeto isolado, mas a todo um grupo ou classe de objetos. Por essa razão, cada palavra é uma generalização latente, toda palavra já generaliza e, em termos psicológicos, é antes de tudo uma generalização. (REGO, 2008, p. 9).

Conforme Rego (p. 10), o significado da palavra, “[...] do ponto de vista

psicológico, tem na sua generalização um ato de pensamento na verdadeira acepção do

termo. Ao mesmo tempo, porém, o significado é parte inalienável da palavra como tal,

pertence ao reino da linguagem tanto quanto ao reino do pensamento”.

Sobre a formação de conceitos Vygosky afirma que estes começam a se

desenvolver na infância, envolvem as funções mentais superiores e é um processo

mediado por signos, que se constituem no meio para a sua aquisição. Contudo, as

funções intelectuais básicas para esse desenvolvimento aparecem somente aos 11, 12

anos, idade considerada mais apropriada para realizar abstrações para além dos

significados relacionados às suas práticas imediatas.

Os conceitos são compreendidos “[...] como um sistema de relações e

generalização contidas nas palavras, e determinado por um processo histórico-cultural:

são construções culturais, internalizadas pelos indivíduos ao longo de seu processo de

desenvolvimento” (REGO, 2008, p. 76). “Se a generalização foi construída de

determinada maneira, umas operações lhe serão impossíveis e outras possíveis”

(VYGOTSKY, 2001, p. 519).

Concorre para a formação dos conceitos a idade, as experiências e o contexto

histórico-cultural que apresentam situações que exigem atividade intersubjetiva, da

criança ou do adulto, necessária à apropriação de significados da linguagem que,

consequentemente, contribui para a formação de conceitos. Vygotsky chamou de

cotidianos ou espontâneos os conceitos construídos na experiência pessoal, concreta e

cotidiana, construídos a partir da observação, manipulação [...]. “Os conceitos

elaborados na sala de aula, adquiridos por meio do ensino sistemático e das interações

escolarizadas denominou-os de científicos” (REGO, 2008, p. 77).

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Na concepção de Vygotsky, “[...] todo conceito científico deve apoiar-se em

uma série de conceitos espontâneos que germinaram até chegar à escola e transformá-

los em científicos”. Além disso, “[...] tanto os conceitos científicos se apoiam em uma

série de informações anteriormente adquiridas quanto o desenvolvimento dos conceitos

espontâneos se realiza não só de baixo para cima, mas também a partir daqueles

conhecimentos que os adultos enviam de todos os lados para a criança” (2001, p. 543-

539).

“A potencialidade dos conceitos científicos na promoção do desenvolvimento

não pode ser considerada uma condição inerente ao ensino”, é o que explica Sforni ao

citar Davydov que considera a apropriação como “o processo de desenvolvimento, mas

somente sob certas condições, a saber, quando envolve o domínio de métodos e formas

gerais de atividade mental” (2004, p. 3).

No processo de formação de conceitos, Vygotsky (2000; 2001) percebe três

fases:

a) o pensamento sincrético – nesta fase a criança realiza os primeiros

agrupamentos, de forma desordenada, subjetiva, ainda não é capaz de formar classes

entre os diferentes atributos dos objetos, apenas os agrupa formando amontoados. Nessa

fase, os objetos concretos e as situações empíricas são percebidos com maior facilidade.

Dessa forma, se for solicitada a formar grupos com diferentes objetos (plantas, animais,

objetos de cozinha...), poderá juntá-los por acaso, sem que exista relação entre si como,

por exemplo, animais e objetos de cozinha.

b) pensamento por complexos – baseia-se nas experiências imediatas; a criança

é capaz de formar um ou mais conjuntos de objetos pela percepção de ligações

concretas entre componentes diferentes. Nessa fase, já é capaz de perceber e isolar

certas singularidades de um todo ou de um objeto. O agrupamento ocorre por

características complementares, semelhanças concretas ou por qualquer relação que ela

perceba entre os objetos. O desenvolvimento do pensamento por complexo, para

Vygotsky, representa um agrupamento concreto de objetos e fenômenos, unido por

ligações, denominado “pseudoconceito”. As conexões entre o pensamento concreto e o

abstrato têm início nesta fase, e se aproxima do pensamento conceitual de um adulto.

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c) O pensamento conceitual, terceira fase, ocorre com base na determinação e

na separação de variados atributos do objeto, situando-o em uma categoria específica - o

conceito abstrato codificado numa palavra; em outras palavras a criança se mostra capaz

de pensar o concreto. Em síntese conclui que o conceito é impossível sem a palavra e o

pensamento conceitual não existe sem o pensamento verbal.

Na concepção de Vygotsky (2000), “O processo de formação de conceitos

pressupõe, como parte fundamental, o domínio do fluxo dos próprios processos

psicológicos, através do uso funcional da palavra ou do signo”. Isso explica porque a

formação dos conceitos é alcançada com mais facilidade na adolescência, pois nessa

fase há maior domínio do fluxo dos “[...] próprios processos de comportamento com o

emprego de meios auxiliares” (p. 172).

Sforni & Galuch (2009, p. 116) explicam

que os conceitos científicos, portadores de um grau mais elevado de abstração, não são tão evidentes nos fenômenos e contextos; para que sejam adquiridos, é preciso que a consciência do sujeito lhes seja intencionalmente dirigida. Caso contrário, corre-se o risco de não haver apropriação do conceito e de se manter na superficialidade dos fenômenos.

As próprias autoras alertam que a inserção do “[...] estudante em situações de

uso do conhecimento, pode não ser tão favorável à aprendizagem conceitual [...]. É

preciso que o conceito esteja explícito, para que possa ser conscientizado pelos alunos

na condição de um instrumento de generalização” (SFORN & GALUCH, 2009, p. 117).

Para a organização escolar do ensino de conceitos, as autoras (2009) recorrem

aos esclarecimentos feitos por Leontiev nos quais questiona as condições em que o

aluno se conscientiza e afirma “que o objeto da consciência é aquele para o qual se

dirige a atenção do sujeito”.

Conforme Leontiev (apud SFORNI & GALUCH, 2009), Para que um conteúdo possa conscientizar-se é necessário que este ocupe dentro da atividade do sujeito um lugar estrutural de objetivo direto da ação e, desse modo, entre em uma relação correspondente com o motivo desta atividade. Este postulado tem validade tanto para a atividade interna como para a externa, tanto para a prática como para a teórica (p. 120).

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Na visão de Sforni “A apropriação da cultura é propiciada pela educação, tendo

a educação escolar um papel significativo”. Assim sendo, [...] o acesso ao ensino não é apenas direito do cidadão, ou apenas necessário à formação para o trabalho; nem se destina a desenvolver resistência ou adequação do indivíduo à sociedade; mas é condição para aquisição de instrumentos cognitivos que permitam o trânsito consciente no interior da sociedade em que está inserido, e é meio de se adquirir competência no uso de signos, códigos e instrumentos desenvolvidos socialmente (2004, p. 23).

Assim sendo, o processo do conhecimento e a aprendizagem propriamente dita

resultam na apropriação da experiência sócio-cultural, através da mediação. A prática

pedagógica é parte integrante da formação dessas capacidades e a aprendizagem,

consequentemente, é a garantia de sua aquisição.

Definidos os elementos teóricos que nortearam esse estudo passamos para a

metodologia que conduziu a análise dos conceitos espontâneos e científicos e suas

possibilidades de generalizações em provas de vestibulares.

Metodologia

A abordagem foi realizada sob a orientação de elementos teóricos da Teoria

histórico-cultural, especialmente os conceitos espontâneos e científicos e as

generalizações. As redações foram digitadas para viabilizar a leitura e conservou-se a

originalidade da estrutura da forma e do conteúdo. Trata-se de uma pesquisa

bibliográfica, de natureza qualitativa, orientada por meio da técnica de análise de

conteúdo. Esse tipo de análise “pode constituir-se de qualquer material oriundo de

comunicação verbal ou não-verbal, como cartas, cartazes, jornais, revistas, informes,

livros, relatos autobiográficos, discos’ [...] (MORAES, 1999, p. 7-32). O objeto dessa

análise compõe-se de duas redações de vestibular, realizadas em janeiro de 2011, em

instituição privada, localizada na região Centro Oeste do Paraná.

Os textos que serviram de apoio para a elaboração das redações foram

referenciados pela abreviatura: TA1, TA2, TA3. As redações foram denominadas de R1

e R2. Assim codificadas, foram analisadas no sentido de abstrair, isolar e explicar o

grau de “generalizações” e os “conceitos espontâneos e científicos” presentes nos

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textos. Desse modo, apresentamos a seguir os textos de apoio norteadores da proposta

de redação do vestibular. Em seguida discorremos sobre algumas perspectivas a respeito

das quais o tema poderia ser abordado. As redações e suas respectivas análises

encontram-se após a apresentação dos textos-base. Cada redação está distribuída no

decorrer da análise e sua totalidade pode ser recuperada pela referência R1 e R2.

Tema de Redação TA1: Enchentes: o excesso de chuvas é o único responsável pelo desastre? Um ano após o deslizamento de terras que matou cerca de 50 pessoas em Angra dos Reis, o

Estado do Rio de Janeiro voltou a sofrer as consequências das fortes chuvas de verão. Neste

ano foram mais de 700 mortes na região serrana, motivo de comoção nacional. A Austrália

também foi tomada por fenômeno semelhante, mas lá a enchente, que deixou mais de 3,5 mil

desalojados, matou apenas cerca de 30 pessoas. A comparação entre o que ocorreu nos dois

lugares dá o que pensar, principalmente quando se leva em conta que, segundo muitas

previsões, há mudanças climáticas em curso e o volume de chuvas pode aumentar

gradativamente ao longo do século. A questão é se o homem está totalmente à mercê das forças

naturais e nada pode fazer diante da fúria da natureza ou se existem formas de prevenir os

desastres e proteger-se deles. Fonte: http://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes, acesso em 20/01/2011.

TA2: Previsão do tempo Ignorando evidências sobre eventos climáticos extremos, governantes abandonam populações à

mercê de inundações e deslizamentos Todo ano o discurso se repete. Diante dos desastres

provocados pelas chuvas, autoridades das diversas esferas se referem ao caráter excepcional,

inédito, fora do normal, das precipitações que acabaram de ocorrer. Não mentem ao dizer isso

- mas a constatação não lhes serve de desculpa. O aumento de episódios de chuvas extremas

era previsível, diante do crescimento desordenado das cidades e da mudança climática

provavelmente em curso no planeta. Em São Paulo ou em qualquer outra região do país, as

projeções do clima ganham cada vez mais precisão e credibilidade, mas não apontam para

fenômenos novos. Enchentes e deslizamentos se repetem todos os verões, assim como as

promessas de que não voltarão a ocorrer no próximo. Os governantes não agem na medida do

necessário para adaptar as cidades brasileiras a uma situação que se agrava, a olhos vistos, de

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ano para ano. E que não se explica só por "causas naturais": surgem na medida da

irresponsabilidade humana, em sua repetição e em seus trágicos efeitos.

Fonte: Folha de S.Paulo, editorial, 16 de janeiro de 2011. TA3: O emergente submergiu

No caso da tragédia do Rio, é só somar 1+1+1 e o resultado inexorável será a incompetência

do poder público e o retrato de um país que tem mais de submergido que de emergente.

Primeiro 1 - O "Jornal Nacional" de quinta-feira mostrou que choveu mais em Portugal e na

Austrália do que no Rio de Janeiro. Mas o número de mortos no Rio foi esmagadoramente

superior. Segundo 1 - O serviço de meteorologia emitiu aviso especial sobre a iminência de

fortes chuvas precisamente nas áreas que acabaram sendo devastadas. Uma das prefeituras

reconheceu ter recebido o aviso cinco horas antes da explosão. Nada foi feito. Terceiro 1 - A

manchete desta Folha, ontem, mostra que desde 2008 o Rio de Janeiro sabia perfeitamente que

havia riscos tremendos nas cidades que foram as principais vítimas. O que foi feito? Nada.

Tudo somado, o que se tem é o óbvio fato de que chuvas torrenciais podem acontecer,

deslizamentos formidáveis também - e, até aí, a culpa é só da natureza-, mas falta, no Brasil,

acontecer a prevenção. (Fonte: Clóvis Rossi, Folha de S.Paulo, 16 de janeiro de 2011).

Com base nos textos acima, elabore sua redação sobre o tema Enchentes: o excesso de

chuvas é o único responsável pelo desastre?

Os textos acima relatam alguns fatos decorrentes de eventos climáticos como

chuvas torrenciais, enchentes, deslizamentos e também o crescimento desordenado das

cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Para a sua interpretação tem-se o pressuposto de

que o aluno, durante a Educação Básica, tenha internalizado e compreendido

determinados conceitos associados ao tema, e pode recorrer à memória para retomar,

discutir e ampliar os argumentos apresentados nos textos sugeridos como base. Esses

argumentos, no entanto, não devem ser extraídos do senso comum e sim dos “conceitos

científicos”, potencialmente generalizados, de forma ordenada, coerente e crítica. Assim

poderá elaborar o seu texto, argumentando e compreendendo que o excesso de chuvas

não é o único fator responsável pelos desastres ambientais, há outros, entre eles: o lixo,

que é despejado a “céu aberto” e obstrui a passagem da água pelas galerias e tubulações,

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impedindo o seu escoamento; o desmatamento, especialmente de matas ciliares, a baixa

permeabilidade do solo em determinadas regiões, as residências construídas em áreas de

risco, o assoreamento dos rios, o solo impróprio para a construção, a falta de

fiscalização e prevenção por parte da Defesa Civil e de outros órgãos competentes e,

sobretudo, a falta de conscientização da sociedade.

Cada desdobramento do tema poderia ser recortado para a elaboração da

dissertação. Esse gênero textual exige conhecimento de sua forma estrutural:

introdução, desenvolvimento e conclusão.

Logo na introdução, o leitor espera encontrar o tema central e as ideias que serão

defendidas ao longo do texto. O desenvolvimento é a parte do texto na qual se discutem

as ideias, por meio de argumentos originados dos conceitos científicos, estudados nas

diversas disciplinas que fazem parte do currículo na educação básica, especialmente as

de Ciências e Geografia.

Finalmente, na conclusão, o desfecho do assunto. Essas etapas de construção

textual deveriam ser elaboradas com a norma padrão da escrita e, em cada uma o aluno

deveria demonstrar capacidade para opinar, selecionar, relacionar, criar e interpretar,

bem como apresentar domínio pleno das “funções psicológicas superiores”, “conceitos

científicos” e capacidade para “generalizações”.

Considerando os elementos metodológicos que embasam esse estudo,

apresentamos as redações elaboradas pelos alunos e suas respectivas análises. O todo de

cada redação pode ser recuperado pela observação dos fragmentos isolados para análise;

estes seguem a estrutura do texto dissertativo, introdução, desenvolvimento e conclusão.

Nesta sequência, cada fragmento da R1 e da R2 analisado está referenciado.

R1- Título: Problemas de chuvas nas cidades brasileiras

Iniciamos a análise da R1 apresentando a sua introdução e os possíveis

argumentos a serem defendidos: Em um Brasil tão lindo e exulberante, as chuva em algumas cidades criou pesadelo para os moradores. Tanto enchentes quanto deslizamentos se tornou perigo (Introdução R1).

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Nota-se que o aluno tinha o propósito de desenvolver no mínimo dois conceitos:

“enchentes e deslizamentos”. Entretanto, prossegue dizendo:

No Rio de Janeiro em menos de dois anos foram dois deslizamentos deixando mais de 700 mortes e muitos desabrigados na região serrana. Governantes dessas cidades com riscos de que esses fenomeno podem acontecer, deixam de lado moradores dessas regiões com a promessa de que essas catástrofes não se repetirão novamente. Governos não se adaptam de forma adequada para se preparar às chuvas. (Desenvolvimento R1)

Nota-se que os vocábulos “enchentes e deslizamentos” são retomados no

desenvolvimento e apresentam como informação complementar o lugar onde ocorreram

(região serrana do Rio de Janeiro), a quantidade de vítimas desabrigadas (700) e a

informação de que em dois anos ocorreram dois deslizamentos, informações que já

constavam no TA1 o que constitui uma repetição. Nesse sentido, a tentativa de

apresentar informações novas não se concretiza e os “conceitos espontâneos” se

fortalecem.

Na tentativa de generalizar as ideias sugere o desenvolvimento de novos

argumentos que não foram apresentados na introdução, mas que aparecem no

desenvolvimento, entre eles inferimos: responsabilidade do poder público e ações de

prevenção. Algumas expressões, como por exemplo, “fenômeno”, “catástrofes”,

parecem ensaios de estruturas cognitivas mais elaboradas, criam expectativas no leitor,

que aguarda informações imprevisíveis, novas, esclarecedoras do problema. No entanto,

as ideias se resumem no sentido da própria palavra, sem qualquer relação conceitual.

Embora Vygotsky tenha afirmado que “toda palavra é uma generalização” e

esta, por sua vez, “um excepcional ato verbal do pensamento”, isto não significa

garantia de sentido e organização do pensamento, conforme se nota no fragmento

anterior. Dando continuidade, o texto apresenta o segundo parágrafo do

desenvolvimento:

Hoje, com muitos recursos, nas grandes (chuvas) metropolis, se tem muito previsibilidade de chuvas extremas. Então porque a prefeitura da cidade não toma alguma providencia antes de acontecer? (Desenvolvimento R1)

A forma de pensar o problema indica a presença do “pensamento por

complexo”. A generalização é extraída de “conceitos espontâneos”, já que não há

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qualquer acréscimo de informações novas, oriundas de “conceitos científicos”,

necessários à elaboração de estruturas cognitivas mais complexas. Os argumentos

seguintes mostram um pensamento um pouco mais complexo e potencialmente mais

próximo do “pensamento conceitual”.

Governantes do nosso Brasil deveriam tomar alguma atitude em relação à esses acontecimentos providenciar ajuda para moradores de regiões ameaçadas, ou mais quantas vidas se desperdiçaram enquanto eles ficam de braços cruzados (conclusão R1).

A proximidade pode ser percebida no posicionamento mais situado do aluno

perante o problema. Os problemas referentes à concordância verbal e nominal, bem

como o uso inadequado da ortografia indicam pouca leitura, logo justificam as

dificuldades na formação precisa do “pensamento conceitual”. Além disso, revelam a

presença da oralidade no uso da linguagem, permitindo-nos inferir que o aluno ainda

cultiva “conceitos espontâneos”, oriundos do cotidiano.

As potencialidades cognitivas percebidas nessa redação demonstram que a

conclusão da educação básica não assegurou a este aluno a internalização do

“pensamento conceitual”, principalmente sobre o tema que deveria abordar na

dissertação, consequentemente, sua capacidade cognitiva não permite generalizações

mais complexas, coerentes e críticas acerca do tema. Assim, os “conceitos espontâneos”

baseados no senso comum acabam predominando no texto.

Os termos: “exulberante”, “chuva”, “criou”, “se tornou”, “dessas cidades”,

“fenomeno”, “metropolis”, “providencia”, “à”, “desperdiçaram” foram empregados no

texto de modo não consciente, e também demonstram a presença de conceitos

espontâneos. As regras de concordância verbal e nominal também foram rompidas, o

termo “dessas” é usado como elemento de retomada de um referencial inexistente, a

grafia e a acentuação explicitam alguns dilemas envolvendo o processo de ensinar e

aprender.

As dificuldades percebidas na R1 trazem à tona problemas que acompanharam o

seu autor durante a educação básica e, possivelmente irão acompanhá-lo no ensino

superior, cujo enfoque está centrado na dimensão técnico-científica e não no

preenchimento de “lacunas” originadas dos níveis escolares que o precedem.

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Os problemas mais visíveis da R1 são suficientes para perceber que o aluno

possui dificuldade no uso da norma padrão da escrita. A linguagem utilizada não indica

relações com textos científicos, as palavras são colocadas de modo não consciente, o

que nos permite inferir que, mesmo tendo concluído a educação básica regular, exceto

se foi aluno da EJA (educação de jovens e adultos), não conseguiu internalizar conceitos

fundamentais de uso da língua e isso interfere na produção de sentidos, pois o aluno, ao

mesmo tempo em que apresenta tais dificuldades, demonstra também pouco domínio na

elaboração do “pensamento conceitual”, comprometendo, consequentemente, as

generalizações, já que as operações cognitivas mais complexas não lhes são permitidas.

R2 - Desastres provocados A R2 apresenta uma estrutura confusa de pensamento. Na introdução, uma

pergunta deslocada e uma afirmação demonstram as dificuldades para iniciar a

discussão, conforme segue:

Culpa da natureza? Desde a antiguidade o homem vem evoluindo e progredindo como espécie, trazendo consigo há tempo sua ambição e acabando com o mundo, por assim dizer (Introdução R2).

A generalização expressa neste fragmento poderia ser considerada se outras

expressões, como por exemplo, “por assim dizer” e “Culpa da natureza?” não

denunciassem a presença da oralidade, da escassez de vocabulário e do senso comum.

Por isso, pouco vale “rechear” o texto usando termos como “homem”, “antiguidade”,

“espécie”, “ambição”, se esses se encerram na incapacidade de o aluno expressar o que

significam e o tipo de relação que o homem tem com eles.

Embora Vygotsky (2000) tenha percebido que na adolescência a formação de

conceitos é alcançada com mais facilidade decorrente de um domínio maior do fluxo

dos processos psíquicos, a idade, nesta análise, não representou fator determinante nessa

formação.

A discussão do assunto continua e uma conjunção adversativa (mas) dá início a

um “chavão” empregado fora de contexto. Outros elementos sequenciadores poderiam

ser usados, todavia o limitado vocabulário constitui fator de impedimento. Com poucos

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recursos linguísticos e cognitivos, o candidato busca desenvolver o texto e apresenta um

novo raciocínio: Mas como para cada ação existe uma reação, agora em consequência de tantas “provocações” a natureza está nos respondendo de forma que merecemos Chuvas tremendas têm nos assolado, causando deslizamento formidaveis, e enchentes em diversos lugares, trazendo mortes, doenças, pessoas desabrigadas, famílias desesperadas e todo tipo de sofrimento, dia após dia. (Desenvolvimento R2).

O emprego de uma frase, cujo uso está desgastado, serve para dar continuidade

ao texto. A ideia que vem na sequência, “agora em consequência...” sugere “vingança”

da natureza, construída com base em conceitos espontâneos. Fica difícil imaginar que

tenham sido elaborados por um candidato ao ensino superior. As dificuldades para a

elaboração de estruturas cognitivas mais complexas indicam ausência de leitura e

prática com a escrita. Dando sequência, escreve: Houve previsão, havia possibilidade mas nenhuma medida foi tomada. E por isso que o motivo de tantos desastres provocados pelas chuvas não se dá apenas por causas naturais mas irresponsabilidade humana. (Desenvolvimento R2).

Esse fragmento poderia ter sido desenvolvido com base em conceitos científicos,

originados nas aulas de geografia, ciências e outras. Entretanto, o autor do texto parece

não possuir condições de explicar o que entende por “previsão”, “causas naturais”,

“irresponsabilidade humana”. O leitor fica na expectativa, esperando encontrar

informações novas, mas as palavras usadas são insuficientes, seus sentidos estão em

outras palavras (Vygotsky), próximas do texto, porém imperceptíveis ao aluno. Se

fossem percebidas e captadas poderiam ampliar a ideia relacionada às possibilidades de

previsão de catástrofes, explicitando leituras anteriores, originadas de conceitos

científicos. A generalização percebida, em termos psicológicos, representa uma frágil

organização cognitiva do pensamento. O modo de argumentar para responsabilizar a

sociedade é amparado pelos conceitos espontâneos. Para finalizar seu texto, expõe: Agora o que não pode ocorrer é ficarmos com os braços cruzados, esperando tudo passar. Medidas precisam ser tomadas, depressa (conclusão R2).

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No decorrer do texto, termos como “evoluindo”, “progredindo”, “respondendo”

(gerundismo), “por assim dizer”, “para cada ação existe uma reação” (chavão, uso

desgastado e ausência de pontuação), “merecemos” (moralismo), “deslizamento

formidaveis” (adjetivação imprópria, ausência de acentuação e emprego inadequado do

plural). “Houve previsão, havia possibilidade” (falta complemento), “com os braços

cruzados” (chavão). O emprego desses termos revela pouca habilidade para articular o

texto, percebe-se claramente um processo de generalização insuficiente, decorrente de

operações cognitivas simples. Os ensaios de conceitos científicos se encerram nas

próprias palavras, cujo sentido se restringe ao próprio texto.

Os “erros” ortográficos encontrados na R2 também apontam para as práticas

pedagógicas com as quais teve contato nos anos iniciais do ensino fundamental, etapa

na qual a ortografia recebe maior atenção e é exercitada com mais intensidade. Mesmo

assim, por razões desconhecidas e praticamente impossíveis de serem explicitadas, não

se apropriou da grafia correta de certas palavras.

O advérbio “agora”, empregado no intuito de encerrar o assunto, não é o melhor

recurso para essa finalidade. O uso de outro chavão “braços cruzados” contribui para o

baixo grau de informação textual. A conclusão se transforma em uma generalização

baseada em “conceitos espontâneos” que sugere uma tomada de consciência, sem

apresentar um ponto de partida.

Contudo, ainda não podemos afirmar as causas que resultaram na

impossibilidade de elaboração de conceitos científicos e de generalizações conscientes,

mas podemos inferir causas possíveis, entre elas: uso não consciente e funcional da

palavra no interior do texto e fora dele, idade incompatível no momento em que

determinados conteúdos foram trabalhados, dificuldade de domínio do fluxo do próprio

processo psicológico, ausência de condições apropriadas para a promoção do

desenvolvimento, interferência de uma formação docente incapaz de promover e mediar

situações efetivas de aprendizagem. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Os dilemas envolvendo o processo de ensinar e aprender são velhos conhecidos

no âmbito escolar. Igualmente velhas são as tentativas de transformar a escola num

espaço que assegure o desenvolvimento integral do aluno.

As dificuldades na elaboração do pensamento conceitual são alarmantes,

principalmente porque os candidatos ao ingresso no ensino superior já freqüentaram a

Educação Básica. Como são ingressantes tem-se o pressuposto de que terão de 4 a 5

anos para melhorar o seu desenvolvimento. Contudo, esse período não é suficiente;

durante a graduação irão estudar conteúdos referentes ao curso que escolheram não

sobrando, portanto, tempo para o preenchimento de falhas anteriores.

Sabe-se que uma formação teórica e metodológica é imprescindível à prática

pedagógica, sobretudo quando existem alunos, cujos conceitos espontâneos prevalecem,

mesmo após anos de estudos em contato com conceitos científicos.

A intensidade da leitura, a qualidade dos textos, e até mesmo a frequência com

que os alunos entram em contato com a leitura são fatores decisivos para o

desenvolvimento de capacidades que levem à percepção de informações implícitas que

permitem encontrar no texto marcas de outros textos, discursos, relações de conexão

com discursos já internalizados. Isso possibilita uma abordagem do assunto para além

do senso comum, do previsível. Podemos dizer que o texto bem elaborado, com base em

conceitos científicos tem início nos pequenos textos, orais e escritos, originados dos

conceitos espontâneos.

É necessário que o aluno entenda as “artimanhas” da construção textual. Quanto

mais domínio possuir dos conceitos científicos, mais chance terá de experimentar os

recursos de linguagens, capazes de afastar ou aproximar o leitor do texto, levando-o a se

envolver mais profundamente com o texto, percebê-lo como resultado de um trabalho

pensado, minuciosamente elaborado, estruturado para provocar sentidos, por meio de

palavras que ocupam lugares determinados no interior do texto, conforme a intenção a

ser alcançada.

Este estudo, embora seus resultados não possam ser generalizados, mostra uma

realidade preocupante que nos permite indagar: por que, após frequentar a educação

básica, muitos alunos ainda não conseguem elaborar um texto envolvendo um assunto

simples, como chuva, formular e argumentar sobre sua relação com os fenômenos e

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catástrofes ocorridas em diversos países do mundo? O que houve durante as abordagens

desse tema que impediu a formação de conceitos científicos e generalizações? Qual a

razão para a predominância dos conceitos espontâneos mesmo após a conclusão da

Educação Básica? Por que o contato com a escola e todas as possibilidades inerentes à

sua função, não foram suficientes para que esses alunos desenvolvessem o pensamento

conceitual sobre o tema proposto?

O predomínio dos conceitos cotidianos indica que, no ensino superior, há muitos

acadêmicos despreparados para enfrentar os desafios desse nível de ensino. Além disso,

suas dificuldades podem ser somadas às de muitos professores, que sem conhecer os

fundamentos teóricos e metodológicos que envolvem o processo de ensino e

aprendizagem, se aventuram leigamente na docência.

Muitos candidatos demonstram na produção da redação que não adquiriram, na

educação básica, as condições necessárias para transformar os “conceitos espontâneos

em conceitos científicos”. Isso os impede de construírem determinadas generalizações,

especialmente as que demandam estruturas cognitivas mais complexas.

A escola, por sua vez, é desafiada constantemente a compreender e a valorizar os

conceitos espontâneos que o aluno aprendeu e trouxe para a escola, pois reconhece que

esses conhecimentos são importantes e contribuem para o seu desenvolvimento. O

contrário não acontece, a família, geralmente não tem consciência de que os

conhecimentos adquiridos no cotidiano, fora da escola, representam um ponto de partida

para a aquisição de novos conteúdos escolares, tampouco sabe que a escola precisa

deles e que ela pode potencializá-los por meio de ações simples, antecipando o

desenvolvimento da linguagem, do raciocínio, fortalecendo os conhecimentos da

criança dando a ela uma base mais sólida, mais consistente, o que certamente irá

contribuir com o seu aprendizado escolar, aumentando, assim, suas possibilidades de

desenvolvimento.

Nesse sentido, entendemos que no ambiente familiar é possível exercitar

diálogos mais complexos, detalhados, explicativos das situações e ações cotidianas. As

palavras monossílabas e dissílabas, tais como “não”, “sim”, “sai” “pode”, “talvez”,

“vai”, “pare”, por si sós, não contribuem para o desenvolvimento linguístico e

intelectual da criança. É importante que os pais e professores detalhem, expliquem,

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problematizem para os alunos os contextos dessas palavras e que objetos ou situações

representam, para que possam distinguir o que podem ou não fazer e como devem se

relacionar com o meio. Assim, ao ingressarem na escola, gradativamente podem

substituir os conceitos espontâneos pelos científicos.

Ainda que os pais tenham pouca escolaridade, podem e devem contribuir com o

desenvolvimento dos filhos, mas antes, é necessário tomarem consciência do verdadeiro

papel que executam nesse processo e como podem desempenhá-lo nos limites de suas

possibilidades.

As dificuldades de apreensão dos conceitos científicos também dão sinais de

fracasso e evasão escolar no ensino superior. Isso pode ser percebido nas primeiras

avaliações do semestre letivo. A evasão é o caminho a ser trilhado por aqueles que não

possuem condições para a compreensão e elaboração de pensamentos mais complexos.

Com uma escolarização aquém da esperada terão poucas oportunidades no mundo do

trabalho, pois, sem formação acadêmica provavelmente terão que desempenhar funções,

cuja remuneração não lhes garante subsistência digna.

Desta forma, é necessário levar ao conhecimento docente uma abordagem

teórica e metodológica capaz de responder aos desafios da docência no ensino superior.

Nesta pesquisa, considerou-se que a Teoria Histórico-cultural pode ser indicada para

instigar um novo olhar sobre o desenvolvimento tanto dos professores como dos alunos,

com vistas à superação das dificuldades.

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VIGOTSKY, Lev Seminovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. VIGOTSKY, Lev Seminovich. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes: 2000.