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Preconceito linguístico humor a qualquer custo: uma abordagem sociolinguística
Rayani Andressa da Cruz Oliveira (PPGL-UNEMAT)1
Jocineide Macedo Karim (PPGL-UNEMAT)2
Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar como os textos de humor, piadas e
tirinhas utilizam as variações linguísticas de modo equivocado como elementos para causar o
riso. Estes equívocos podem reforçar uma imagem preconceituosa do falantes e das regiões
geográficas a que ele estão vinculados. Para tanto tomamos como base a Sociolinguística.
Assim, procuramos observar como esses textos embora pareçam ingênuos, livres de intenções
além de causar o riso reforçam uma série de preconceitos, dentre eles em relação a língua o
preconceito linguístico. Desse modo, a partir da descrição dos principais fatores que
caracterizam o preconceito linguístico, buscou-se classificar os textos a partir dos mecanismos
linguísticos, com intuito de identificar os principais preconceitos que se formam a partir desses
textos humorísticos. É importante salientar que o preconceito linguístico presente nos textos de
humor mostram-se como um forte instrumento preconceito social.
Palavras-chave: Sociolinguística. Variação linguística. Preconceito linguístico. Textos de
humor.
Abstract: The purpose of this article is to present how humor texts, jokes and comic strips use
language variations in the wrong way as elements to cause laughter. These misconceptions may
reinforce a biased image of the speakers and the geographic regions to which they are attached.
For that we take as base the Sociolinguística. Thus, we try to observe how these texts, although
they seem naive, free of intentions besides causing laughter reinforce a series of prejudices,
among them in relation to language the linguistic prejudice. In this way, from the description
of the main factors that characterize the linguistic prejudice, we tried to classify the texts from
the linguistic mechanisms, in order to identify the main prejudices that are formed from these
humorous texts. It is important to point out that the linguistic prejudice present in the humor
texts show itself as a strong social prejudice instrument.
Keywords: Sociolinguistics. Linguistic variation. Linguistic prejudice. Texts of humor.
1 Introdução
Ao analisarmos textos de humor em relação a língua e sua diversidade, não é difícil
notar que as diferenças linguísticas são nítidas em toda a sociedade brasileira. No entanto, o
1 Mestranda em Linguística pela UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Cáceres/MT.
Bolsista CAPES-FAPEMAT. Graduada pela Unemat (2017). E-mail: [email protected] 2 Professora Adjunta da Universidade do Estado de Mato Grosso. Doutora em Linguística pela UNICAMP.
Docente do Departamento de Letras e Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Linguística da Unemat –
Campus de Cáceres. E-mail: [email protected]
que ainda prepondera é a ideia de que o modo de falar certo é aquele remete à alta sociedade,
e que o modo de falar errado está associado a grupos de nível social inferior. As piadas
evidenciam essas diferenças linguísticas e sociais, e tudo isso de forma muito contundente,
carregadas de estereótipos, estigmas, reforçando o preconceito as variedades linguísticas de
menor prestígio social
As variantes linguísticas que caracterizam os grupos sociais mais estigmatizados
encaram uma série de reações sociais. Os falantes dessas variedades convivem com a censura,
a crítica e até mesmo com o deboche. Nesse aspecto, o texto de humor, em princípio engraçados
e ingênuos, reforçam o preconceito linguístico, do mesmo como o fazem em outros tipos de
preconceito.
Assim este estudo consiste em analisar textos humorísticos que caracterizam os falares
regionais mais estigmatizados pela sociedade e que circulam pela internet. Pois considerando
que o humor pode ser um objeto de grande valor para os estudos linguísticos, nos deteremos
neste trabalho, dentre as mais diversas faces do humor, em um grupo de textos composto por
piadas, tirinhas e charges visto que nelas, o verbal é quem institui a substância do risível e
reforçam o preconceito linguístico em relação as variantes não padrão, embora pareçam
discursos neutros, fortalecem uma série de preconceitos, que em relação a língua tornam-se
mais um meio para descriminação dos falantes das variantes não padrão.
Para tanto, nos deteremos a observar a presença do preconceito nesses textos de humor,
serão considerados os fenômenos de variação, tais como o rotacismo, a eliminação das marcas
de plural redundantes, a simplificação das conjugações verbais e outros fenômenos que
caracterizam as variações Linguísticas.
Desse modo, para atingirmos os objetivos propostos pela pesquisa, foram realizadas
leituras teóricas, primordialmente as relacionadas à Sociolinguística, a qual passa a ser um
espaço de investigação interdisciplinar, já que atua entre duas fronteiras, língua e sociedade.
Pois, como sabemos a língua, ao ser expressa no momento da fala, é dinâmica, variando em
parâmetros, tais como: época, região geográfica e fatores sociais, entre outros.
2 Contextualizando a pesquisa: Humor
Inicialmente, é necessário contextualizarmos a extensão do nosso corpus pois, quando
falamos de textos humorístico notamos que o conceito muitas vezes se limita as piadas. No
entanto, conforme apontam Facin e Spessatto;
“Quando se fala em humor, a primeira manifestação das pessoas é pensar em
piada. No entanto, não se pode caracterizar o mesmo princípio acerca do
humor, pois este não se restringe apenas à piada, ou seja, a piada que não faz
rir deixa de ser piada, já o humor pode aparecer em outros textos que não
sejam necessariamente uma piada.” (Facin e Spessatto, 2007, p. 5).
Assim, afim de compreender o humor através dos estudos linguísticos,
buscamos o autor Sírio Possenti, que procurando esclarecer em bases linguísticas o humor,
frisa o fato de não existir uma categoria de linguística do humor. Ele acentua que existem, na
realidade, áreas da Linguística que possuem a capacidade de oferecer aporte para um bom
trabalho não só desse tipo de texto, mas também não humorísticos:
Na verdade, não faria sentido propor uma lingüística do humor. Se a
lingüística [...] for razoavelmente boa, deve servir para análise de diversos
tipos de manifestação da linguagem [...]. Em suma, não existe uma lingüística
do humor. No máximo, existem lingüistas que trabalham eventualmente sobre
ou a partir de dados colhidos em textos humorísticos. Com estes dados,
podem-se discutir sintaxe, morfologia, fonologia, regras da conversação,
inferências, pressuposições etc. Tudo isso poderia, evidentemente, ser
discutido também com textos não humorísticos [...] (POSSENTI,1998, p.21).
O riso sendo algo constante na vida e na história do ser humano, tem provocado o
interesse de muitos pesquisadores na área da linguagem. Segundo Possenti (1998), no que se
refere à Linguística, o humor quase não tem sido alvo de pesquisa como realmente deveria, o
que é uma grande, uma vez que os textos de humor são um excelente objeto de análise para o
estudioso da língua. Eles dispõem de uma grande riqueza de elementos e informações que
contribuem para um estudo completo do funcionamento e da estrutura da linguagem (verbal).
Desse modo, ainda no que tange às relações entre humor e Linguística, a autora Célia
Maria Carcagnolo Gil argumenta que existem vários fundamentos linguísticos que ligam ao
humor: “há numerosos fatores lingüísticos [...] se relacionando de diferentes modos com o
humor” (GIL,1995, p.119). Nesse sentido, Travaglia afirma que “o humor constitui um campo
de estudos com múltiplas possibilidades para a Lingüística” (TRAVAGLIA, 1990, p.78).
Assim, ainda sob os estudos do autor Luiz Carlos Travaglia, pensando no modo como
o humor se constitui, podemos visualizar que o humor é algo que vai além da propensão de
causar o riso:
O humor é uma atividade ou faculdade humana cuja importância se deduz de
sua enorme presença e disseminação em todas as áreas da vida humana, com
funções que ultrapassam o simples fazer rir. Ele é uma espécie de arma de
denúncia, de instrumento de manutenção do equilíbrio social e psicológico;
uma forma de revelar e de flagrar outras possibilidades de visão do mundo e
das realidades naturais ou culturais que nos cercam e, assim, de desmontar
falsos equilíbrios. (TRAVAGLIA, 1990, p.55)
Desse modo, podemos ver que o humor se dá quando regras preestabelecidas são
quebradas e quando se ultrapassa normas linguísticas e sociais.
3 Uma disciplina relevante ao estudo do humor: Sociolinguística
Ao compreendermos que os textos de humor reforçam estereótipos, já que associam
alguma variante dos grupos sociais tradicionalmente marginalizados, como por exemplo os
falantes da área rural, compreendemos também que o que ocorre é que os grupos falantes de
qualquer variante linguística, que não seja a norma culta, sofrem preconceito em virtude dessa
variante. Entre as formas de propagação do preconceito linguístico, as piadas caracterizam-se
como uma das mais marcantes.
Desse modo para evidenciar esse preconceito linguístico, contamos com a
Sociolinguística a qual possui como uma de suas tarefas essenciais o combate ao preconceito
linguístico, em suas mais diferentes formas de manifestação, decorrente tanto da
incompreensão em relação os fatores determinantes nos processos de mudança e variação
linguística, como, sobretudo, do uso da norma padrão como fator de prestígio social de uma
minoria de falantes ditos cultos em desfavor das formas variantes de uma maioria de falantes
do português não padrão.
O preconceito linguístico, como o próprio nome diz, é o pré-julgamento de pessoas com
base na linguagem. Ele parte do pressuposto de que só existe uma língua portuguesa digna
deste nome, a ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. A
partir daí, aquele cujo discurso desvia dessa língua “correta” é discriminado e reprimido. O
preconceito linguístico tem consequências graves, na medida que pode resultar em um
preconceito de uma pessoa contra si mesma. Ela acredita que por não dominar a forma padrão
da língua portuguesa, não é capaz e não tem o direito de se expressar, adquirindo grandes
dificuldades de comunicação ou até mesmo achando normal quando é motivo de riso por sua
variante não padrão.
A sociolinguística preocupada com uma correlação entre língua e sociedade,
compreende o tema da variação sob uma visão descritiva da língua. Ocupa-se da análise das
variáveis linguísticas condicionadas por fatores internos e externos à língua.
Nesse sentido, Tarallo (1986, p. 08) o qual afirma que: "variantes linguísticas são
diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de
verdade. Nesse sentido, a Teoria da Variação considera a língua em seu contexto sociocultural,
uma vez que parte da explicação para a heterogeneidade que emerge nos usos linguísticos
concretos pode ser encontrada em fatores externos ao sistema linguístico e não só nos fatores
internos à língua.
Assim podemos ver que estudar a língua abarca muitas outras questões, pois como
sabemos a língua está inteiramente em nós, portanto em nossas relações de poder e com a
sociedade, indo ao encontro da diversidade linguística. Assim constatamos que o povo fala a
língua que faz parte de si, que identifica seu grupo, que comunica. Dessa forma, concordamos
com Bagno quando nos diz que “Nas relações entre língua e poder o que realmente pesa é o
prestígio ou a falta de prestígio social do falante, e que esse critério muitas vezes prepondera
sobre os elementos estritamente linguísticos presentes em seu modo de falar”. (2003, p.70).
Dessa forma, com o suporte teórico da sociolinguística, uma área que estuda os aspectos
e as relações entre linguagem e sociedade, podemos compreender os estudos das diversidades
linguísticas encontradas nas sociedades, afirmando que essa relação é a base da constituição do
ser humano.
4 Variação linguística: um caso de humor preconceituoso
Ao falarmos investigarmos o preconceito linguístico, encontramos nas afirmações de
Bagno (2003), p. 16), que esse fenômeno não existe, e sim um preconceito especificamente
social.
Se discriminar alguém por ser negro, índio, pobre, nordestino, mulher,
deficiente físico, homossexual etc. já começa a ser considerado publicamente
inaceitável [...] e politicamente incorreto [...], fazer essa mesma discriminação
com base no modo de falar pessoa é algo que passa com muita naturalidade,
e a acusação de atropelar a gramática ou não saber português pode ser
proferida por gente de todos os aspectos ideológicos, desde o conservador
mais empedernido até o revolucionário mais radical. O que ocorre
Pois, como sabemos o preconceito linguístico é gerado pela ideia falsa da unidade da
língua portuguesa falada no Brasil. Assim, muitos defendem que há uma língua falada padrão,
correta, que deve ser respeitada por todos e por todos falada, esquecendo, assim, das variações
linguísticas presentes em nosso enorme país, e de que não há, em hipótese alguma, uma língua
portuguesa falada correta. Essa concepção gera um grave problema: o preconceito linguístico,
que afeta os falantes das variantes ditas não-padrão, incorretas, fazendo com que eles mesmos
desprestigiem sua maneira de falar, envergonhando-se de sua cultura. Casos comuns dessa
manifestação de preconceito linguístico são encontrados em tiras de humor e piadas.
Como afirma Possenti (2001, p. 26), “as piadas funcionam em grande parte na base de
estereótipos, seja porque veiculam uma visão simplificada dos problemas, seja porque assim
se tornam mais facilmente compreensíveis para interlocutores não-especializados.”
Assim, conforme já dito anteriormente, o corpus em análise consiste de textos
de humor como piadas e tirinhas retiradas da internet. Optamos por tirinhas e piadas divulgadas
na internet pensando-se que elas têm grande circulação e penetração na leitura cotidiana dos
brasileiros, o que pode ser verificado em uma rápida busca no Google. E por uma questão de
condicionamento de espaço do artigo serão apenas três piadas e duas tirinhas.
TEXTO 1
O empregador. Certo candidato a prefeito numa pequena cidade do interior
gaúcho fazia seu discurso de campanha com muita empolgação, mas num
português todo estropiado: – Vou mandá patrulhar as rua. – Vou construí
muitas escola. – Vou fazê moradia popular para todas as pessoa dessa cidade.
Um assessor chega ao ouvido do orador e diz: – Prefeito, emprega o plural!
O candidato prontamente emenda o discurso: – E tem mais: vou empregá o
plural, a mulher do plural, os filho do plural. Não vou deixar ninguém sem
emprego. (HUMORTADELA, 2006).
O fenômeno que desencadeou o riso nessa piada foi a ausência de plural redundante, é
necessário considerarmos que mesmo que não tenha sido a intenção, o resultado foi alguém
ridicularizado no caso a figura do político brasileiro, no momento em que ele entende “plural”
como um cidadão qualificado ao voto.
Desse modo, podemos dizer o que muitas vezes não compreende-se é que a piada que
muitos brasileiros compartilham sobre este fenômeno que faz parte da fala de muitos deles não
é tão ingênua assim, pois, aquele que faz uso das variantes linguísticas marcadas pela ausência
de plural, pode expressar estigma por estar fora do que é prescrito, o que leva alguns estudos
sociolinguísticos anteriores a fortalecerem como hipótese que a ocorrência do mesmo pode se
dar, com mais ocorrência, entre os falantes de classes cujo status social é de menor prestigio, o
que não se confirma nos estudos posteriores, uma vez que esse fenômeno já se estabeleceu nos
estratos sociais, o que Scherre (1991) chama de “um estilo tipicamente brasileiro”.
TEXTO 2
Soltando o Verbo. Perguntaram ao mineiro: – Diz aí um verbo! Ele pensou,
pensou e respondeu indeciso: – Bicicreta. – Não é bicicreta, seu mineiro
burro, é bicicleta. E bicicleta não é verbo! Perguntaram a outro mineiro: – Diz
você aí um verbo! Ele também pensou, pensou e arriscou ressabiado: –
Prástico. – Não é prástico, ô mineiro burro, é plástico. E plástico não é verbo!
Perguntaram a um terceiro mineiro: – Diz aí um verbo! Esse aí nem pensou:
– Hospedar. – Muito bem! Até que enfim um mineiro inteligente. Agora diga
aí uma frase com o verbo que você escolheu. O mineiro encheu o peito de
coragem e mandou bala: – Hospedar da bicicreta são de prástico!
(HUMORTADELA, 2006).
Nessa piada o fenômenos rotacismo (a “troca” do som de /l/ por /r/) é o elemento
utilizado para causar o riso. A piada se desenvolve na medida em que os mineiros trocam
bicicleta por bicicreta, plástico por prastico e pedal por hospeda, que envolve também a
eliminação de marca do plural, visto que a piada ocorre no momento em que o ultimo mineiro
diz “os pedar da bicicreta” no lugar de “os pedais”. Para a realização do rotacismo, acontece a
troca de uma vibrante líquida (r), por uma líquida lateral (l), muitas vezes o termo continua
com o mesmo sentido, e outras modificando o significado. Conforme afirma Costa;
No português brasileiro, a alternância entre as líquidas pode ocorrer em dois
contextos silábicos: no ataque complexo, como, por exemplo, a realização de
brusa ou blusa, ou na coda silábica, como, por exemplo, a realização de purso
ou pulso. O fenômeno tem sido tradicionalmente descrito como a troca de um
som lateral por um som vibrante. (COSTA, 2011, p. 16).
A piada, reforça o preconceito linguístico, podemos visualizar melhor no momento em
que se desfaz a ideia de que o mineiro entendeu o que seria um verbo, quando ele diz “Os pedar
da bicicreta são de prastico” Pois, aqueles que utilizam fenômenos linguístico como o
rotacismo são menos inteligentes, o que podemos confirmar na a partir da afirmação na piada
“Até que enfim um mineiro inteligente!”. As ocorrências de rotacismo muitas vezes sem
intenção, estão presente na fala, os falantes efetuam a troca da lateral pela vibrante. Agora o
que não se pode afirmar, é a ocorrência do rotacismo são realizadas por pessoas com menos
escolaridade, ou até mesmo utilizando o termo pejorativo “burro”. Visto que a presença ou
ausência dos fenômenos linguístico não garante ascensão social de ninguém.
TEXTO 3
Mineiro gago. O filho do matuto vai estudar na cidade grande. No
primeiro dia de aula ele acompanha o filho para uma entrevista com o
diretor da escola. O diretor examina o garoto e pergunta: – Este menino
gagueja sempre? – Não, sinhô. Só quando fala. (HUMORTADELA,
2008).
Nessa piada, existem alguns conceitos que devem ser repensados. Primeiramente o filho
do mineiro é considerado como matuto (termo pejorativo utilizado para que vive na roça),
posteriormente o que podemos notar é que não só nas piadas mas no senso comum também,
que a norma padrão está atrelada ao meio urbano, e as variações linguísticas atreladas ao meio
rural, o que as tornam variantes de menor prestigio.
Desse modo, as tirinhas também são um exemplo de texto de humor, a grande maioria
das tirinhas que encontramos relacionadas a linguagem, estão quase sempre ligadas ao falar
rural, caipira. Essas tirinhas que além de provocar o riso estão cheias de estereótipos, afim de
representar o falar caipira. Somando-se isto ao fato de que a imagem do caipira quase sempre
esteve ligada ao campo, consequentemente seu estereótipo de pessoa pouco instruída também
ainda é ilustrado pelas tirinhas. Isso foi agravado pela oralidade de falantes da área rural
(alfabetizados ou não) que não seguiam a risca as normas cultas da gramática da língua
portuguesa, como afirma Sant’Anna;
Perceptível e estigmatizada como “errada”, a fala caipira pouca importância
dedica às regras sintáticas de concordância, talvez pela percepção da
redundância da regra normativa e, em muitos casos, pela pouca diferença
fonética entre singular e plural, sem nenhuma implicação que turve o sentido
lógico e poético do vernáculo. (SANT’ANNA, 2009, p.67).
TEXTO 4
Fonte: google imagens.
TEXTO 5
Fonte: google imagens
Assim, partir das tirinhas do Chico Bento, personagem de Maurício de Sousa que é
conhecido por ‘falar mal’ o português, na primeira história em quadrinhos, ele é repreendido
pela professora pelos ‘erros’ de concordância cometidos.
E na segunda tirinha, além do efeito que causa o riso ser a resposta do Chico Bento ao
pai, podemos notar a presença de uma representação da variação diatópica nos elementos:
“num”, “pr'eu”, “drumi”, “pru”, “fio”, “drumindo”, “sabe”, “dos fim”, que são, tidos como
exemplos de uma fala considerada caipira, própria do interior do Brasil. Estes mesmos
elementos costumam ser considerados típicos de baixo estrato social.
Contudo, o que gostaríamos de ressaltar é que muitas vezes, utilizam uma grafia
alterada afim de representar um fenômeno linguístico que pretendem que seja rural, e em
muitos trabalhos tratam as tirinhas do Chico Bento como representação do falar caipira.
Contudo, vale lembrar que é um texto escrito, artístico. Não devemos tomá-lo como a própria
fala caipira, e pior fazer com que vejam o falar caipira ou outro que seja como estigma das
variantes não padrão. Pois, Bagno (2013) alerta que o preconceito linguístico, figurado de
terminologia científica, alça as tirinhas de Chico Bento, entre outros, a exemplos de variação
linguística. Mas estas expressões linguísticas, também expressões artísticas, não são
representações fiéis das variedades linguísticas que supostamente apresentam, causando uma
alteração entre o que efetivamente é da variedade os traços descontínuos e o que são traços
linguísticos graduais do português brasileiro.
Sendo assim, gostaríamos de ter demonstrado que assim como tomar o mineiro
expresso nas piadas e Chico Bento das tirinhas, como um caipira real, em um Brasil de uma
nova ruralidade é um equívoco como exemplos reais de variação linguística, incide-se,
concomitantemente, nos erros de tomar como variedade desprestigiada o que é efetivamente
um uso linguístico regular e de tomar a variação regional por social. Estes equívocos podem
reforçar uma imagem preconceituosa do caipira e das regiões geográficas a que ele está
vinculado. Por isso, a representação da variação linguística em tirinhas e piadas, devem ser
tratadas dentro de seu contexto de expressividade artística e de caracterização ficcional.
5 Considerações finais
O presente trabalho procurou mostrar a questão do preconceito linguístico e das visões
que o sustentam, a partir da análise dos dados apoiada nos conhecimentos científicos da
linguagem, abordando, ainda, a maneira como o humor pode reforçar o tom preconceituoso
presente nos textos de humor.
Para que o objetivo deste trabalho fosse atingido, foi necessário um levantamento
bibliográfico que fez uso de diversos conceitos relacionados ao humor. Optamos por estudos
em que pudéssemos compreender a aproximação entre a Sociolinguística e o humor por se
dedicar à análise dos usos da língua, e aquela aborda fatores igualmente essenciais ao
entendimento dos mecanismos de produção verbal que provocam um resultado jocoso.
Desse modo, procuramos demonstrar manifestações de preconceitos linguísticos em
espaços que pareciam destinado somente ao humor, ao riso livre e descompromissado, como
em sites destinados a piadas. Assim podemos compreender que o preconceito, mais do que
linguístico, é cultural e social. Quem eventualmente troca uma vogal por outra pertence a uma
classe social desprestigiada e, sendo assim, sofre uma ação opressora que tem como objetivo
ser uma tentativa de segregação e controle. De acordo com Leite, o preconceito linguístico é
“[...] a discriminação silenciosa e sorrateira que o indivíduo pode ter em
relação à linguagem do outro: é um não-gostar, um achar-feio ou achar-errado
um uso (ou uma língua), sem a discussão do contrário, daquilo que poderia
configurar o que viesse a ser o bonito ou correto.” (LEITE, 2008, p. 24-25).
Contudo, é claro que as pessoas que trabalham com humor são livres para fazer piadas
sobre o que quiserem. Mas também são pessoas cidadãs dotadas de consciência. Não existe
piada inofensiva: se alguém riu é porque alguém “se deu mal”. A questão é, quem se dá mal
nessa piada? Certamente muitos já ouviram uma piada sobre o nordestino, o caipira, o gaúcho,
o cearense, ou o baiano? Onde as variantes desses indivíduos é o maior alvo da piada, tornando
os sempre motivo de riso de graça e de chacota.
Assim, o trabalho apresentou relevância linguística e social, pois a medida em que as
piadas não têm autor, os preconceitos, quase que em sua totalidade proibidos, veiculam de uma
forma normal, sem que estejam relacionados a um indivíduo. Este estudo não se limitou apenas
na análise linguística das piadas, o mecanismo colaborou para que se pudesse entender mais
detalhadamente como se constroem os estereótipos nos textos humorísticos que tratam da
variação linguística.
Ficou claro como o preconceito existe em relação aos grupos de falantes da norma não
padrão. Como foi possível ver na maior parte dos exemplos, de falantes de classes baixas, com
pouca escolaridade e que vivem no meio rural. Podemos ver esse fato afirmados a todo instante
em textos de humor.
Nesse sentindo, é interessante como a tese de Bagno (2003), de que não existe
preconceito linguístico, e sim social, confirma-se a partir da análise dos textos de humor aqui
presentes. Certamente, no caso das piadas analisadas, o preconceito não está diretamente ligado
à variante linguística dos indivíduos, ela é apenas uma forma de condenar os grupos que estão
distantes das pessoas falantes da norma culta, pertencentes ao grupo de maior prestígio social.
Assim, acreditamos que a temática desta pesquisa ainda precisa, ser estudada, pois, por
mais que ainda não exista uma ciência que trate especificamente do humor, é interessante
perceber o quanto os textos de humor proporcionam aos estudiosos da linguagem uma
excelente fonte de compreensão dos fenômenos que envolvem a complexa relação dos falantes
que vivem em uma mesma sociedade, mas que estão distantes por diversos fatores, inclusive
pela linguagem, o meio que utilizam para se comunicar.
Referências
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