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CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. spe 01, p. 155-170, 2011 155 Rita de Cássia P. Fernandes PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E OS DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS Rita de Cássia P. Fernandes * O artigo objetiva descrever a dor musculoesquelética como expressão do desequilíbrio entre capacidades humanas e modalidades de organização do trabalho. Através da articulação dos resultados epidemiológicos e da Análise Ergonômica do Trabalho (AET), discute os efeitos da precarização do trabalho, sendo a estratégia de aliar essas duas abordagens metodológicas pro- missora para o diálogo interdisciplinar. Caracterizaram-se 14 fábricas do ramo plástico da Região Metropolitana de Salvador, através do estudo do funcionamento e da organização da produção e do componente epidemiológico com desenho de corte transversal e uma amostra aleatória de 557 trabalhadores. A AET ocorreu no setor de acabamento de uma das fábricas. Constataram-se alterações na organização da produção que ocorreram à custa da intensificação do trabalho, com aceleração do ritmo dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que realizavam tarefas com força, repetitividade e posturas anômalas. O uso excessivo do corpo permitiu en- tender o surgimento e a manutenção da dor, cujas prevalências revelaram um enorme contin- gente de trabalhadores obrigado a continuar trabalhando sob as mesmas condições geradoras do seu sofrimento. PALAVRAS-CHAVE: intensificação do trabalho, doenças musculoesqueléticas, dor, precarização, LER/Dort. Um depoimento de uma auxiliar de pro- dução expressa as condições da precarização e de sofrimento no trabalho precarizado. Ela diz que, ao trabalhar naquelas condições, “sente o corpo” e doi o ombro, pede um analgésico ou faz massagem, mas volta para machucar o corpo no outro dia. Esse trabalho, fonte de dor e sofri- mento, está distante em muito da sua capacida- de estruturante e formadora de homens e mu- lheres mais criativos para uma vida melhor. Con- traditoriamente, é nesse trabalho que homens e mulheres, caracterizando o trabalho humano, inteligente por natureza (Wisner, 1994), adotam estratégias que refletem as diferentes formas de resistência e revelam seu saber-fazer frente ao real do trabalho. Os resultados do estudo conduzido reve- lam a face mais difícil do cotidiano do trabalho, uma morbidade flagrantemente perversa, consi- derando que se trata do adoecer no tempo e no curso do labor diário. Homens e mulheres tra- balhando com dor: é disso que se fala. Este texto pretende trazer algumas con- tribuições para o estudo do trabalho e do adoe- cer de homens e mulheres trabalhadores, com uma perspectiva interdisciplinar que promove o diálogo entre resultados obtidos através de dife- rentes métodos, aproximando-se de uma cons- trução etnoepidemiológica (Fernandes, 2003). O recorte aqui adotado focaliza os determinantes, os fatores de risco e as exigências das tarefas re- lacionadas com os distúrbios musculoesqueléticos (DME), em um percurso que vai dos resultados extensivos, quantitativos, aos resultados qualita- tivos, vistos em maior profundidade e na sua singularidade. Tomar o caso dos DME neste artigo justi- fica-se por mais de uma razão. A morbidade musculoesquelética vem se configurando no mundo inteiro como uma relevante questão de saúde pública, representando um alto custo so- cial, econômico e humano, resultando, não infrequentemente, em sequelas e ou incapacida- * Professora Adjunto da Faculdade de Medicina da Univer- sidade Federal da Bahia - UFBA. Doutora em Saúde Públi- ca/Epidemiologia pela UFBA, com estágio na McGill University, Montreal, Canadá, como bolsista da CAPES. Av. Reitor Miguel Calmon, S/N. Canela. Cep: 40420-060 - Salvador - Bahia - Brasil. [email protected].

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Rita de Cássia P. Fernandes

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E OS DISTÚRBIOSMUSCULOESQUELÉTICOS

Rita de Cássia P. Fernandes*

O artigo objetiva descrever a dor musculoesquelética como expressão do desequilíbrio entrecapacidades humanas e modalidades de organização do trabalho. Através da articulação dosresultados epidemiológicos e da Análise Ergonômica do Trabalho (AET), discute os efeitos daprecarização do trabalho, sendo a estratégia de aliar essas duas abordagens metodológicas pro-missora para o diálogo interdisciplinar. Caracterizaram-se 14 fábricas do ramo plástico daRegião Metropolitana de Salvador, através do estudo do funcionamento e da organização daprodução e do componente epidemiológico com desenho de corte transversal e uma amostraaleatória de 557 trabalhadores. A AET ocorreu no setor de acabamento de uma das fábricas.Constataram-se alterações na organização da produção que ocorreram à custa da intensificaçãodo trabalho, com aceleração do ritmo dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que realizavamtarefas com força, repetitividade e posturas anômalas. O uso excessivo do corpo permitiu en-tender o surgimento e a manutenção da dor, cujas prevalências revelaram um enorme contin-gente de trabalhadores obrigado a continuar trabalhando sob as mesmas condições geradorasdo seu sofrimento.PALAVRAS-CHAVE: intensificação do trabalho, doenças musculoesqueléticas, dor, precarização, LER/Dort.

Um depoimento de uma auxiliar de pro-dução expressa as condições da precarização ede sofrimento no trabalho precarizado. Ela dizque, ao trabalhar naquelas condições, “sente ocorpo” e doi o ombro, pede um analgésico oufaz massagem, mas volta para machucar o corpono outro dia. Esse trabalho, fonte de dor e sofri-mento, está distante em muito da sua capacida-de estruturante e formadora de homens e mu-lheres mais criativos para uma vida melhor. Con-traditoriamente, é nesse trabalho que homens emulheres, caracterizando o trabalho humano,inteligente por natureza (Wisner, 1994), adotamestratégias que refletem as diferentes formas deresistência e revelam seu saber-fazer frente aoreal do trabalho.

Os resultados do estudo conduzido reve-lam a face mais difícil do cotidiano do trabalho,uma morbidade flagrantemente perversa, consi-

derando que se trata do adoecer no tempo e nocurso do labor diário. Homens e mulheres tra-balhando com dor: é disso que se fala.

Este texto pretende trazer algumas con-tribuições para o estudo do trabalho e do adoe-cer de homens e mulheres trabalhadores, comuma perspectiva interdisciplinar que promove odiálogo entre resultados obtidos através de dife-rentes métodos, aproximando-se de uma cons-trução etnoepidemiológica (Fernandes, 2003). Orecorte aqui adotado focaliza os determinantes,os fatores de risco e as exigências das tarefas re-lacionadas com os distúrbios musculoesqueléticos(DME), em um percurso que vai dos resultadosextensivos, quantitativos, aos resultados qualita-tivos, vistos em maior profundidade e na suasingularidade.

Tomar o caso dos DME neste artigo justi-fica-se por mais de uma razão. A morbidademusculoesquelética vem se configurando nomundo inteiro como uma relevante questão desaúde pública, representando um alto custo so-cial, econômico e humano, resultando, nãoinfrequentemente, em sequelas e ou incapacida-

* Professora Adjunto da Faculdade de Medicina da Univer-sidade Federal da Bahia - UFBA. Doutora em Saúde Públi-ca/Epidemiologia pela UFBA, com estágio na McGillUniversity, Montreal, Canadá, como bolsista da CAPES.Av. Reitor Miguel Calmon, S/N. Canela. Cep: 40420-060 -Salvador - Bahia - Brasil. [email protected].

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de para o trabalho, podendo levar a aposentado-rias (Marras et al., 2009; EASHW, 2007; NRC/IM, 2001). Além disso, os DME têm como prin-cipal expressão a dor, sintoma que reflete, maisdo que qualquer outro, a repercussão física e psí-quica de um sofrimento humano. O trabalhoprecário é também um trabalho “doloroso”, ouseja, penoso, que expropria a saúde, muitas ve-zes insidiosamente. E é de forma insidiosa queos DME se instalam.

Datam dos anos 1980 os estudos sobre amorbidade musculoesquelética, realizados entreos australianos, que, desde então, já alertavampara o fato de que

as alterações do sistema musculoesquelético po-dem se manifestar inicialmente com quadros sin-tomáticos de dor que ocorrem durante a jornadade trabalho, desaparecendo com o repouso e, as-sim, mantendo a capacidade para o trabalho. Es-ses sintomas dolorosos são potencialmente re-versíveis. No entanto, podem evoluir, atingindoestágios clínicos que são incompatíveis com odesempenho das tarefas, obrigando ao afastamen-to do trabalho (Browne et al., 1984).

No Brasil, o Ministério da Previdência Social(MPS) informa que os Distúrbios OsteomuscularesRelacionados ao Trabalho (ou Lesões por Esfor-ços Repetitivos) representam as doençasocupacionais mais frequentes no país (Brasil,2010). Esses quadros, como é amplamente sabi-do, incluem diferentes entidades nosológicas dosistema musculoesquelético, a exemplo dassinovites e tenossinovites, das síndromescompressivas, como a síndrome do túnel do carpoe tantas outras. Essas informações do MPS dizemrespeito aos casos de trabalhadores segurados pelaPrevidência Social, que fazem jus ao seguro aci-dente de trabalho (SAT) e que tiveram sua doen-ça reconhecida como relacionada ao trabalho pelaperícia, representando apenas uma parcela dostrabalhadores acometidos pelo agravo.

O conceito de Lesões por Esforços Repetitivosou Distúrbios Osteomusculares Relacionados aoTrabalho (LER/Dort) adotado pelo Ministério daSaúde para essa morbidade ocupacional designaquadros clínicos do sistema musculoesquelético

adquiridos pelo trabalhador quando submetidoa determinadas condições de trabalho. Tais qua-dros clínicos se caracterizam pela ocorrência devários sintomas, concomitantes ou não, de apa-recimento insidioso, geralmente nos membrossuperiores, tais como dor, parestesia, sensaçãode peso e fadiga (Brasil, 2000, 2006).

Embora haja uma estreita relação entre otrabalho informatizado e o aparecimento das quei-xas musculoesqueléticas como fenômeno contem-porâneo – resultante das mudanças impostas aotrabalhador nos novos postos estruturados parao trabalho, realizado, em geral, na posição sen-tada, com isolamento do corpo e uso excessivode alguns segmentos, a exemplo das extremida-des superiores distais (dedos, mãos, punhos) –,esse adoecer não é prerrogativa da revolução debase eletrônica, embora venha na sua esteira. Essaforma de adoecimento no trabalho guarda estrei-ta relação com as diferentes modalidades de ges-tão do trabalho e gestão da produção também naindústria, particularmente durante e após as mu-danças introduzidas pela reestruturação produti-va. As demandas sobre o corpo, sobre as capaci-dades cognitivas e psíquicas, em um ambiente detrabalho transformado para responder às novasexigências de um mercado competitivo, podemse expressar nas queixas musculoesqueléticas.

Evidências acumuladas de estudosepidemiológicos indicam a associação entre osDME e demandas físicas no trabalho, comorepetitividade, posturas anômalas e força. Quan-to às demandas psicossociais, as teorias correntespara explicar sua relação com os DME são aque-las que associam diretamente o estresse geradopor essas demandas ao aumento da atividademuscular e aquelas que admitem haver uma in-fluência desse estresse sobre a percepção dosDME. Ou seja, consideram que, na presença decondições de trabalho estressoras, haveria umareduzida habilidade dos trabalhadores para lidarcom os sintomas, aumentando sua percepção. Nocaso da atividade muscular aumentada, uma vianeuroendócrina, com elevação de epinefrina,neuroepinefrina e cortisol, tem sido indicada como

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resposta às demandas psicossociais (NRC/IM,2001, Huang et al., 2002).

O modelo demanda–controle–suporte deKarasek (1998) tem sido amplamente utilizado emestudos epidemiológicos para explicar a associa-ção entre demandas psicossociais e DME (Huanget al., 2002, 2003; Devereux et al, 1999, 2002;Fonseca; Fernandes, 2010). Segundo esse mode-lo, a alta demanda psicológica – em especial, oritmo de trabalho – determina tensão e dor mus-cular. No entanto, os trabalhadores que têm altograu de controle (alto grau de latitude de decisão)podem mais facilmente escolher as tarefas, fazerpausas e adotar posturas que sejam menos onero-sas para o corpo, tornando o trabalho possível deser realizado sem efeitos sobre o sistemamusculoesquelético. O suporte social, ao permi-tir o compartilhamento do trabalho com colegase supervisor, reduziria as demandas físicas e psi-cológicas (Theorell et al., 1991). Mas a alta de-manda, o baixo controle e o baixo suporte geramestresse, com os possíveis mecanismos de lesão járeferidos sobre o sistema musculoesquelético, oque acarreta não apenas a impossibilidade de re-duzir a exposição às demandas físicas, mas atuadiretamente sobre a atividade muscular (NRC/IM,2001; Huang et al., 2002).

Objetiva-se, no presente texto, tomar a dormusculoesquelética, socialmente reconhecida nasua relação com o trabalho como LER/Dort, comomorbidade que representa a expressão dodesequilíbrio entre capacidades humanas de pro-dução e modalidades de organização do traba-lho. Esse desequilíbrio resulta na insuficiênciadas estratégias de prevenção do adoecimentoadotadas pelos trabalhadores. Neste texto, serãodiscutidos alguns resultados epidemiológicos so-bre DME e resultados baseados na AnáliseErgonômica do Trabalho (AET), a fim de forne-cer alguns elementos para as reflexões acerca daprecarização e intensificação do trabalho na in-dústria, por meio do segmento econômico dematerial plástico.

PERCURSO METODOLÓGICO

Há um debate contemporâneo a respeitodas diferentes estratégias e técnicas de pesquisamais adequadas para abordar os DME, em espe-cial acerca da avaliação da exposição ocupacional(Stock et al., 2005). A Epidemiologia tem dadoirrefutável contribuição ao estudo desses qua-dros, especialmente ao revelar a magnitude e adistribuição do problema em populações de tra-balhadores e, especialmente, ao identificar seusfatores de risco. Mas há limites do métodoepidemiológico, que, embora não constituam umproblema para o conhecimento acerca da magni-tude dos DME, podem ser importantes quando aprodução de conhecimento objetiva subsidiar asações de controle e de prevenção desses agravosnos ambientes de trabalho. Nesse caso, essas in-tervenções, baseadas exclusivamente nos resulta-dos quantitativos e extensivos, podem ser insufi-cientes. Isso porque, ao se considerar a diversida-de de contextos e relações no mundo do trabalhoe a existência do saber-fazer cotidiano, de dife-rentes modos operatórios e competências, ficadifícil conceber intervenções sobre os riscos notrabalho (os quais, quando implementados, in-terferirão no modo operatório dos trabalhadores)que ignorem esses sujeitos na sua atividade coti-diana, cuja complexidade revela a variabilidadedas situações. Portanto, essa complexidade nãopode ser alcançada pelo método epidemiológicoisoladamente (Fernandes, 2003). Em concordân-cia com isso, identificaram-se alguns autores quequestionam até onde intervenções voltadas parao controle de fenômenos complexos, como osepisódios de saúde, identificados sem conside-rar a singularidade do adoecer humano, pode-rão obter respostas mais satisfatórias (Sevalho;Castiel, 1998).

Com base nisso é que os estudos sobre osDME podem se beneficiar ao aliar à abordagemepidemiológica a AET, corrente teórico-metodológica da Ergonomia, de corte etnológico.

Em função da sua conhecida faceta de dis-ciplina aplicada, a Ergonomia tem sido hegemo-

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nicamente identificada com o estudo de condi-ções fisiológicas e biomecânicas do trabalho físi-co, na qual se reserva um importante capítulopara a antropometria e para o estudo e adequa-ção de mobiliários dos postos de trabalho. Essemodelo se distancia dos propósitos da AET, quetem como objeto de estudo a atividade de traba-lho, produzindo conhecimentos relacionadoscom a ação e cognição situadas. Recusa o estudoda situação de trabalho através dos modeloslaboratoriais e das simulações em condições ide-ais. Para os autores da AET, por exemplo, a pos-tura de trabalho não resulta apenas de decisõese hábitos pessoais; ao contrário, é determinadapela inter-relação complexa dos múltiplos fato-res constituintes da situação de trabalho (Lima,2000). Essa perspectiva – da análise situada dotrabalho – é o essencial nessa escola. Não há pa-drões antropométricos ou situações ideais: hácontextos de trabalho e sujeitos em atividade,em relação dinâmica.

A AET compartilha os princípios geraisda abordagem etnográfica como estratégia doestudo da atividade, e utiliza como técnica deestudo a observação participante, com a parti-cularidade de incluir a entrevista emautoconfrontação (Lima, 2000a; Wisner, 1996).Toma como pressuposto que, dentro dos limitesimpostos pela organização do trabalho e pela di-visão social do trabalho, específicas em cada caso,há uma margem de manobra na qual os traba-lhadores estabelecem algumas estratégias.

Para realizar a tarefa (trabalho prescrito), ohomem desenvolve certa atividade (trabalho real),entendida como o modo pelo qual, numa situa-ção de trabalho, ele se relaciona com os objetivospropostos, com a organização do trabalho e comos meios fornecidos para realizá-los. Nesse con-texto, o trabalhador se move, gesticula, olha, es-cuta, se comunica; organiza seu trabalho, planifi-ca suas ações, raciocina, toma decisões, controlaos resultados; colocando em ação suas funçõesfisiológicas e mentais (Guérin et al., 2001).

A população de referência para os estu-dos, cujos resultados serão a base para as discus-

sões apresentadas neste texto, é composta por tra-balhadores inseridos em indústrias produtoras dematerial plástico da Região Metropolitana de Sal-vador (RMS). A opção metodológica de selecio-nar empresas de um mesmo ramo industrial, oramo plástico, ao invés da seleção de diversasempresas de ramos industriais distintos, foi ado-tada com base na compreensão de que o acesso àsfábricas, o desenvolvimento dos estudos, bemcomo a interlocução dos pesquisadores com osatores sociais organizados e interessados na con-dução da pesquisa – especialmente para adoçãode medidas de controle e prevenção que fossemrecomendadas –, são etapas que devem envolverempregadores e trabalhadores identificados a par-tir de suas organizações representativas. Portan-to, a opção pelo ramo plástico orientou-se porpressupostos epidemiológicos, tecnológicos e so-ciais. Ou seja, definiu-se pela realização de estu-dos com uma população possivelmente expostaaos fatores de risco para DME, o que delimitou ocontexto epidemiológico, considerando, no entan-to, além disso, o processo produtivo com caracte-rísticas tecnológicas próprias no qual se insere essapopulação e a demanda social dos atores princi-pais envolvidos (Pinheiro, 1996; Machado, 1996).

Métodos e técnicas da pesquisa

Em uma primeira etapa da investigação,foi realizada a caracterização das empresas plásti-cas, como aproximação do campo de estudo. To-das da RMS, com mais de 35 empregados, foramelegíveis. Do total de 17 empresas existentes àépoca, três se recusaram a participar do estudo.Foram feitas visitas a todas as áreas de produçãodas 14 unidades fabris que concordaram em par-ticipar do estudo. Nessa etapa de visita às empre-sas, foram observados aspectos do funcionamen-to e da organização da produção; foram registradosos resultados dessa observação de ordem geral etambém as informações coletadas junto aosprepostos das empresas e junto aos trabalhado-res. Ademais, foram feitos registros fotográficos.

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Em seguida, utilizando roteiro semiestruturado,realizaram-se entrevistas com diretores ou pro-prietários de fábricas, encarregados de pessoal,gerentes industriais, encarregados de produção,representantes sindicais dos empregadores e re-presentantes sindicais dos trabalhadores. Duran-te as entrevistas, foram obtidos dados sobre: histó-ria da empresa e sua política de desenvolvimento(origem, estrutura administrativa, estratégias);mercado (consumidores ou clientes, regulamenta-ção e concorrência); geografia da empresa (locali-zação, aprovisionamento de matérias-primas e demateriais de consumo, vias de acesso, mercado demão de obra, qualidade do tecido industrial e soci-al de suporte); organização da produção (processoprodutivo, tecnologia e técnicas de produção,automação); procedimentos operacionais e do fun-cionamento do setor ou serviço (em especial, asexigências de produção, de qualidade e de segu-rança); regras formais da organização do trabalhoindividual e coletivo (horários, formas de rodízio,postos, hierarquia, grau e formas de terceirização,divisão de tarefas, funções, formas de remunera-ção e de controle).1

Na etapa seguinte, o componente epide-miológico utilizou o desenho de corte transver-sal. De uma população formada por 1.177 traba-lhadores inseridos nas 14 unidades fabris do ramoplástico na RMS, foi retirada uma amostra aleató-ria, estratificada e proporcional de 557 trabalhado-res para estudo.

Para a coleta de dados, um questionário foipré-testado e aplicado através de entrevista den-tro de cada empresa participante, durante o ex-pediente de trabalho, em local reservado. A equi-pe de entrevistadores foi treinada previamente,incluindo esclarecimentos acerca de cada item doquestionário e alternativas de resposta, participa-ção em simulações de situação de entrevista e emum estudo-piloto com entrevistas a trabalhado-res durante o expediente normal de trabalho.

O questionário continha perguntas sobre:condições sociodemográficas; história ocupa-

cional, incluindo vínculos formais e informais,jornada de trabalho diária e semanal, demandasfísicas no trabalho e ambiente físico do posto detrabalho; demandas psicossociais no trabalho; usode fumo, medicamentos, consumo de bebidas al-coólicas; e trabalho doméstico, atividades físicas,esportivas, grau de condicionamento físico. Incluíaainda questões sobre DME e outras informaçõesde saúde (antecedentes de fratura, história de dia-betes, artrite reumatoide e hipotireoidismo).

Para identificar os casos de DME, foi utiliza-da uma tradução do Nordic MusculoskeletalQuestionnaire - NMQ (Kuorinka; Forcier, 1995) parao português, feita pela autora. As questões avaliamgravidade, duração e frequência dos sintomas emtodas as áreas corporais, visando a melhorar aespecificidade da sintomatologia. Definiu-se comocaso de DME a dor verificada nos últimos dozemeses, com duração mínima de mais de umasemana ou frequência mínima mensal, acompa-nhada de pelo menos um dos seguintes sinais degravidade: grau de severidade ≥ 3, em uma esca-la numérica de 0 a 5, com âncoras nas extremi-dades (nenhum desconforto a desconforto insu-portável); busca de atenção médica pelo proble-ma; ausência ao trabalho (oficial ou não); mu-dança de trabalho por restrição de saúde.

Quanto à localização da dor, foram consi-deradas as seguintes áreas corporais: dedos, pu-nhos, mãos, antebraços, cotovelos, pescoço,ombro, região alta das costas, região lombar, qua-dril e coxas, joelhos, pernas ou tornozelos.

A demanda física no trabalho foi avaliadaatravés de questões respondidas pelo trabalha-dor em uma escala de 0 a 5 (de duração,frequência ou intensidade, a depender da variá-vel). Questões sobre movimentos repetitivos comas mãos, força exercida com braços ou mãos,postura no trabalho, posição sentada, em pé ouandando, braços elevados acima da altura dosombros, tronco inclinado para frente e troncorodado, levantamento de carga e pressão porcontato, foram selecionadas para análise.

Os aspectos psicossociais do trabalho fo-ram medidos através do Job Content Questionnaire

1 Descrição detalhada dessa etapa encontra-se em Fernandeset. al (2010c).

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(JCQ), cujas questões permitiram a obtenção dosescores para demanda psicológica, controle e su-porte social (Karasek, 1985; Araújo; Karasek, 2008).

A análise incluiu uma etapa descritiva dosdados e uma análise multivariada para verificaros fatores associados aos DME, conduzida atravésde regressão logística (RL) não-condicional (des-crição detalhada dos métodos, técnicas e instru-mentos em Fernandes et al., 2010a).

O último componente da investigação foidesenvolvido através da AET, baseada no mode-lo proposto por Guérin et al. (2001), em umadas unidades fabris, no setor de acaba-mento de embalagens plásticas.

Realizou-se uma análise do pro-cesso técnico e das tarefas com observa-ções globais da atividade. Uma vez feitoum pré-diagnóstico, foi definida a situa-ção para análise, e então conduzida aobservação sistemática a partir de umplano de observação.

Buscou-se estabelecer relações en-tre variáveis do contexto físico e social e aatividade situada do trabalhador, consi-derando sua dinâmica própria, isto é, pre-servando a organização temporal e espa-cial (Suchman, 1994; Guérin et al., 2001).

Assumiu-se que os DME podem re-sultar de modos operatórios adotados emdecorrência dos limites rígidos da orga-nização do trabalho e das condições ob-jetivas impostas ao sujeito que trabalha(descrição detalhada da AET emFernandes et al., 2010b).

DE ALGUNS RESULTADOS À DISCUSSÃO

O que o estudo do funcionamento e or-ganização das empresas revela?

Ao estudar empresas do ramo plástico naRMS, foram constatadas profundas alterações naorganização da produção e do trabalho, ressalvadaalguma heterogeneidade entre as empresas.

Várias unidades fabris instaladas desde a dé-cada de 1980 foram encontradas, de pequeno ou mé-dio porte, e empresas com implantação mais recenteprocedentes do sudeste do país. A capacidade de pro-dução das unidades mais novas, em geral, superava adas empresas previamente instaladas no Estado(Figuras 1, 2). Esse diferencial na capacidade de pro-dução determinou alterações no panorama decompetitividade, com mudanças na gestão dos negó-cios e, consequentemente, na gestão da produção e nagestão de pessoal, com novas tarefas e novas exigênci-as postas aos trabalhadores.

Nessa corrida, observaram-se diversas es-tratégias adotadas pelas empresas, que resulta-ram, entre outras consequências, no fechamen-to de algumas unidades fabris, gerando demis-

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sões de trabalhadores em geral, e das trabalha-doras em especial, que tinham uma inserçãomaior nesse ramo industrial do que em outros(uma fábrica de embalagens que realizava exclu-sivamente as etapas de acabamento de embala-gem chegou a ter uma presença feminina de 84%no quadro de pessoal) (Figura 3). A reabertura denovas unidades fabris em áreas urbanas de muni-cípios menores da RMS, com a fragmentação dociclo da produção (antes realizado em uma únicaunidade, de maiores dimensões e maior quantida-de de empregos, situada em polo industrial), visouà redução do custo de produção e redução de cus-tos, entre outros, com a desobrigação da alimenta-ção e transporte de trabalhadores.

As mudanças constatadas neste estudoconfiguram um cenário no qual, embora os tra-balhadores sejam contratados formalmente pelaempresa, as características do emprego permiti-ram identificá-lo com o que a literatura trazcomo emprego precário, com limitados benefí-cios sociais, profunda insegurança no trabalho,curto tempo de manutenção do emprego e bai-xos salários (Lewchuk et al., 2003, 2005) .

Nesse panorama da indústria de materialplástico na RMS, o aumento de produtividadeocorreu com a intensificação do trabalho. O rit-mo de produção com máquinas novas chegou aaumentar em mais de 50%, ultrapassando, mui-tas vezes, a capacidade prevista para o maquinário.Constatou-se que a intensificação do trabalho se

deu através da hipersolicitação dos trabalhado-res, que passaram a acelerar seu ritmo durante ajornada de trabalho, ao tempo em que realizavamtarefas com exigência de força, repetitividade eadoção de posturas anômalas. Essas posturas fo-ram resultantes de uma situação restritiva, emque o uso confortável do corpo, produzindomudanças no arranjo corporal, não era compatí-vel com a execução da tarefa, conforme discuteLima (2000).

As jornadas de trabalho também foramobjeto de mudanças. Além do caráter sazonalde algumas fábricas – o que implicava períodosde extensão de jornada para atender à demandade produção e os prazos para escoamento dos

produtos para o mercado (como é o casodo Dia das Crianças e do Natal para aprodução de brinquedos e bonecas) –, ob-servou-se a utilização da modalidade debanco de horas. Nas palavras do gestorde uma das unidades fabris, “... este sis-tema compensa as jornadas mais longasno período de maior produção, com féri-as e folgas coletivas no período de menoratividade”. Mas essa afirmação não foicompatível com o observado: no períodoque seria de baixa produção e suposta-mente destinado às compensações, a jor-nada nessa unidade chegou, em alguns

setores, a cinquenta horas por semana. Além dis-so, 85,4% dos trabalhadores dessa fábrica, nesseperíodo, trabalhavam em horas extras. A con-tradição entre o informado durante as entrevis-tas com gestores, acerca da possibilidade de com-pensação com férias e folgas, e o constatado nasobservações, estava no fato de essa empresa terassumido novos contratos para a fabricação deitens no período que seria de baixa produção.Analisando os efeitos da precarização do traba-lho, Franco e colaboradoras (2010, p.232) cha-mam a atenção para o fato de que “os tempossociais do trabalho (ritmos, intensidade, regimesde turnos, hora extra, bancos de horas) encon-tram-se em contradição com os biorritmos dosindivíduos, gerando acidentes e adoecimento”.

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Para entender como os trabalhadores serelacionam com as condições reais, é necessáriose apropriar da noção de estratégias de regulaçãoe modos operatórios que são adotados, levandoem conta os resultados a atingir. Em situações detrabalho sem restrições (perturbações relativas aosmeios e objetivos da produção), ou em situaçõesem que os trabalhadores detêm certa margem demanobra (ou autonomia), as estratégias provocammodificação dos objetivos ou dos meios, adequan-do-os, com o fim de assegurar a conclusão da ta-refa e minimizar o esforço e a fadiga. No caso emestudo, por exemplo, tal margem de manobra seexpressaria na possibilidade de descansar as es-truturas musculares uma vez que a fadiga se ma-nifestasse, interrompendo a tarefa, compartilhan-do seu cumprimento com o colega ou reduzindoo ritmo de execução. No entanto, observaram-sesituações restritivas, de intensificação do traba-lho, com a ocorrência de grande número de per-turbações no desenvolvimento das tarefas. Dian-te disso, os trabalhadores tentavam regular essasperturbações para assegurar a produção, mas aconclusão da tarefa se impunha à custa de fadigae desconforto, não sendo possível ao trabalhador(sem qualquer grau de autonomia) agir sobre osobjetivos (modificando o ritmo predefinido) ouos meios (obtendo recursos de ajuda). Assim,mantidas as restrições, os efeitos adversos à saú-de tiveram lugar (Figura 4).

Esse modelo de regulação tem sido ade-

quado para o entendimento do uso excessivo docorpo no trabalho, nas condições de intensifica-ção e precarização, para o surgimento e manu-tenção dos quadros de dor músculo-esquelética.Evidenciou-se que a gestão da produção era ori-entada preponderantemente pela demanda demercado e, independentemente da infraestruturadisponível e da capacidade instalada, os contra-tos de venda eram efetivados. Na verdade, aoaceitar a demanda dos clientes por produtos não-previstos na linha de produção habitual, ou pro-dutos com os quais a força de trabalho não vi-nha lidando mais recentemente, os gestores daprodução estabeleciam um cenário de fortes exi-gências cognitivas e motoras, sob pressão de tem-po. Observou-se que era gerado um ambienteimprovisado, com exiguidade de recursos físicos– tais como máquinas em condições de funciona-mento e quantidade suficiente – e ausência deoportunidades de aprendizagem das novas habi-lidades requeridas, ou oportunidades dereciclagem dos trabalhadores que lidariam de ime-diato com as exigências impostas pela fabricaçãode novos produtos. Essa modalidade de gestão,que revela a precarização das condições de traba-lho, acarretou o aumento das demandas físicas epsicossociais (baixo controle, alta demanda psi-cológica, baixo suporte de supervisores e colegas).As demandas psicossociais se expressaram, entreoutros, pelo ritmo acelerado e pela impossibilida-de de se fazer pausas devido à pressão temporal

para atender às exigências de produção.

Sobre a dimensão do problema

Encontraram-se elevadas prevalênciasde dor, com 64% dos trabalhadores refe-rindo-se à sua ocorrência em algum seg-mento do corpo nos últimos doze meses.Quando se aplicaram os critérios de dura-ção, frequência e gravidade, a prevalênciafoi de 50,1%. Essa última prevalência re-fere-se a uma dor músculo-esqueléticacom duração de mais de uma semana ou

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frequência mínima de uma vez por mês, o quecausou alguma mudança na capacidade para otrabalho ou procura de médico, com gravidadetrês ou mais, em escala de zero a cinco. Estimaressa prevalência trouxe como consequência a re-flexão acerca do que ela representa, consideran-do tratar-se de trabalhadores em plena ativida-de de trabalho, com jornadas longas, e 71% de-les realizando horas extras. O achado de dor comduração de mais de uma semana, ou que se re-petia todo mês, determinando a busca de aten-ção médica para o problema, ou redução da ca-pacidade para o trabalho, mostrou a importân-cia dessa morbidade e o comprometimento dasaúde desses trabalhadores, que, ademais, reali-zavam tarefas com altas exigências sobre essescorpos que doíam. Além da gravidade da dorexperimentada nos últimos doze meses de tra-balho, mais achados corroboraram a importân-cia dessa morbidade no que se refere à sua si-multaneidade com o exercício das tarefas: 20,6%dos trabalhadores relataram dor em região depescoço, ombro ou parte alta das costas nos últi-mos doze meses; essa dor tinha duração de maisde uma semana ou frequência mínima mensal,com redução da capacidade para o trabalho oubusca de atenção médica, ou com média a altaintensidade (três a cinco). Desses trabalhadores,cerca de 65% apresentaram dor nessa região cor-poral nos últimos sete dias, e mais da metade dosque se referiram a dor em extremidades superio-res distais (punhos, mãos ou dedos) também dis-seram que ela havia ocorrido nos últimos sete dias(Fernandes et al., 2011). Mascarenhas (2010), uti-lizando o mesmo banco de dados, analisou espe-cificamente os DME em pescoço, ombro e partealta das costas, observando que, entre os traba-lhadores expostos às demandas físicas no traba-lho, a prevalência de dor passou de 20,6%(prevalência geral) para 36,7%.

Os quadros clínicos incapacitantes de DMEem trabalhadores da indústria constituem par-cela relevante da demanda aos Serviços de Saú-de do Trabalhador do Sistema Único de Saúde.Devido à incipiente estruturação do SINAN (Sis-

tema de Informação de Agravos de Notificação),não há informação consolidada para morbidadeocupacional no país, incluindo os dados sobre aocorrência de DME entre os trabalhadores, in-dependentemente de sua vinculação securitária.O que há disponível é constituído por dados daPrevidência Social, que se restringem à popula-ção com vínculo formal de emprego, beneficiáriado auxílio-acidentário. Considerando que maisde metade dos trabalhadores está fora desse se-guro social, os dados da Previdência revelamapenas uma parte do problema.

A incidência de DME incapacitantes e quegeraram afastamento do trabalho e benefícioprevidenciário foi de 15 casos/10.000 trabalha-dores no ano de 2008 no município de Salvador,segundo Souza (2010), que realizou importanteestudo de incidência. Essa autora comparou talincidência àquela encontrada para casosincapacitantes da doença nos Estados Unidos(EUA), de 3,2 casos/10.000. Portanto, a incidên-cia em Salvador é mais de 4 vezes maior que aincidência americana. Considerando que, no Bra-sil, o benefício previdenciário apenas é recebidoapós 15 dias de afastamento e que os dados paraos EUA se referem a casos de um dia ou mais,constata-se que a diferença acima pode ser mui-to maior se feita uma comparação com casos deincapacidade de um dia ou mais no Brasil.

Os resultados do presente estudo com tra-balhadores industriais do ramo plástico da RMS,que se encontravam no seu labor diário, ou seja,não estavam afastados do trabalho, permitem afir-mar que os dados de adoecimento por DME dasestatísticas oficiais da Previdência Social, como asreferidas acima (Souza, 2010), não revelam o enor-me contingente de homens e mulheres que se en-contra trabalhando com dor músculo-esquelética.Essa pode ser a face mais perversa do fenômeno: osujeito com dor é obrigado a seguir trabalhandosob as mesmas condições geradoras da dor. Essequadro pode ser compreendido como expressãoda precarização da saúde dos trabalhadores e estádiretamente ligado à precarização da organização edas condições de trabalho (Franco et al., 2010).

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Para compreender a origem do problema: umolhar mais de p erto

A dor pode ser a expressão do desequilíbrioentre as capacidades humanas de produção edeterminadas modalidades de organização dotrabalho. A dor que a cada dia maltrata e que, naprecariedade daquela vida, já é uma velha conheci-da, varia em intensidade, segundo as variabilida-des do sistema de trabalho. No curso da AET, hou-ve referência a uma dor habitual, aquela que inco-modava ao final da jornada, que melhorava comuso de analgésico, mas reincidia (frequentementecom maior intensidade) em função de perturbaçõesno sistema de trabalho. Um exemplo de perturba-ção evidenciada foi a presença do “saco duro”. O“saco duro” era uma referência ao filme plástico como qual se fabrica a embalagem plástica. Quando essefilme resulta de um processo industrial de extrusãoplástica, no qual se misturam grânulos depolipropileno sem uso prévio (resina virgem) comgrânulos de material plástico reciclado, ocorre re-dução do custo de produção. Tal filme plástico é dedifícil manuseio, pois não permite o livre deslizardas faces da embalagem. Essa variabilidade do sis-tema (relativa à matéria-prima) determinava mudan-ças no modo operatório das trabalhadoras, a fim delidar com uma perturbação e garantir a conclusãoda tarefa: em um trabalho manual cíclico, cujos ci-clos podiam durar menos de cinco segundos, pro-movia-se um enorme esforço de repetitividade comresistência. Assim, decisões da gestão visando à re-dução do custo de produção podiam produzir, àjusante – no setor de acabamento da embalagem –,sobrecarga física, representada pela atividade quedemandava mais força com as mãos para superar aresistência para separação das faces da embalagem,associada à repetitividade de movimentos com algu-ma precisão. Essa reunião de demandas físicas noexercício da tarefa, sob pressão de tempo, promoveucondições ideais para instalação da fadiga das estru-turas corporais envolvidas e surgimento de dor.

Situações como a que é descrita acima ape-nas serão evidenciadas através de uma abordagemque privilegie a análise do trabalho em profundi-

dade. Observar apenas a linha de produção, ad-mitindo-a estável ao longo do tempo, não permiti-rá identificar perturbações que podem ser estrutu-rais em determinados cenários do mundo do tra-balho e acarretarão sobrecarga para quem trabalha.

As perturbações podem ser mais facilmenteevidenciáveis, como no caso das insuficiênciasrelativas ao mobiliário e instalações físicas. Emfunção do mau estado de conservação das máqui-nas, foram frequentes seus problemas de funcio-namento, ocorrendo, muitas vezes, interrupçõesdos ciclos de trabalho, com a consequente neces-sidade de os operários acelerarem o ritmo paracompensar o tempo perdido e não comprome-ter as metas. Nessa situação de variabilidade doprocesso, à repetitividade de movimentos e àadoção de posturas anômalas se associava a pres-são temporal para viabilizar o desenvolvimentodas tarefas, em ciclos cuja duração variava de4,9 a 14 segundos. De acordo com Kilbom (1994),trabalho cíclico é aquele que implica ciclos quese repetem durante a realização de uma tarefa,com duração inferior a 30 segundos, ou aquelecujo componente essencial do ciclo ocupa maisdo que 50% do ciclo total. Assim, no trabalhocíclico na indústria, conjugavam-se exigênciassobre o corpo e exigências cognitivas. Umaregulação adotada deve ser acomodada no tem-po mínimo possível, a fim de não comprometera duração dos ciclos seguintes. Se a duração to-tal de um ciclo era de cinco segundos, umaregulação para ajuste de perturbação nesse ciclonão podia representar uma proporção significa-tiva do tempo total. Delineou-se, assim, o con-texto favorável para instalação da dor.

A noção de variabilidade é central paraentender que, embora o trabalho seja repetitivo,ele muda (Assunção, 2002). Essa variação, emcontexto repleto de restrições e estreita margemde manobra, impõe ao trabalhador a necessidadede lidar com o que varia e regular aquilo que varia(no sentido de superar as dificuldades e concluira tarefa), sem a garantia de que isso não repercu-tirá negativamente, por exemplo, em termos deprejuízo de tempo na execução da tarefa.

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Um diferencial de gênero

Tanto resultados epidemiológicos quanto osresultados obtidos através da AET revelaram dife-renças entre homens e mulheres na distribuiçãoda exposição às demandas físicas e, particular-mente, aos gestos repetitivos. Tais gestos, embo-ra presentes em quase todas as tarefas, foramconstatados predominantemente no trabalho fe-minino. A situação das mulheres no trabalhonessa indústria foi fortemente marcada pela sub-missão, sem escolha, às condições adversas decontratação e de manutenção do trabalho. A forçade trabalho feminina podia ser “muito farta” emalguns municípios da RMS, nos dizeres de umdono de fábrica. A maior disponibilidade dessasmulheres acarretava uma condição desfavorávelpara essa força de trabalho na sua interlocuçãocom os empregadores, ou seja, havia o corres-pondente a um “exército de reserva”.

Além da inserção desvantajosa das mu-lheres nas fábricas, as exigências das tarefas im-punham uma situação que resultava na sobre-carga física e psíquica. Considerando as condi-ções adversas em que o trabalho se dava, a ne-cessidade de regulação das perturbações impli-cava a aceleração da execução das tarefas. Nocaso das mulheres, essa aceleração era mais queuma exigência de produtividade, passando a seruma habilidade necessária para manutenção doemprego. O medo de perder o emprego provo-cava, nessa força de trabalho feminina, uma mí-nima vocalização no ambiente de trabalho e asubmissão incondicional às precárias condições.Segundo Franco e colaboradoras (2010, p.231),essa é uma característica marcante do processode precarização, ou seja, “a forte pressão de tem-po, somada à intensificação do controle ou dainstrumentalização do medo à demissão, con-duzem à intensificação do trabalho”.

As mulheres estavam presentes no ramoplástico na RMS em proporção pouco usual emoutros ramos industriais, representando 30% dapopulação, e estavam engajadas principalmentenas atividades operacionais e, dentre essas, nos

setores de acabamento de produtos. Constatou-se a prática de contratação de mulheres com títu-los de ocupação inferiores aos dos homens parafunções equivalentes; além disso, a elas eram re-servadas as tarefas que implicavam altarepetitividade aliada à precisão de movimentos(Fernandes et al., 2010c).

No processo de precarização do trabalho,as diferenças de gênero se explicitam. A incorpo-ração da força de trabalho feminina no mercadode trabalho ocorre à custa, muitas vezes, da sub-missão de mulheres a situações desvantajosasquanto à carreira, ao tipo de inserção e nível sala-rial. Além disso, o lugar destinado às mulherestem sido marcado pela presença de fatores de ris-co para a saúde, como são os trabalhos que secaracterizam pela repetitividade das tarefas. Dis-cute-se, assim, a maior vulnerabilidade das mu-lheres nesse processo (Brito, 2000).

Entre os trabalhadores que estavam em ati-vidade, não-afastados, trabalhando com dor, amaior proporção era de mulheres. Elas apresen-tavam prevalências superiores às dos homens paraquadros de DME em membros superiores, trêsvezes o valor de prevalência para os homens nasextremidades superiores distais (34,6% e 11,6%,respectivamente) e 1,5 vezes o valor na região depescoço, ombro ou parte alta do dorso (27,4% e17,6%, respectivamente) (Fernandes et al., 2011).

Além dos resultados descritivos, os resul-tados analíticos exploratórios revelaram que asmulheres apresentaram, de forma consistente,uma maior prevalência de DME em extremida-des superiores distais (dedos, mãos e punhos),com 2,25 vezes o valor da prevalência para oshomens, mesmo após considerar as demais vari-áveis, em análises multivariadas (Fernandes etal., 2010a). Ou seja, embora a maior prevalênciafosse parcialmente explicada pela maior exposi-ção das mulheres à repetitividade, o efeito resi-dual, ou seja, o obtido após ajuste para as demaisvariáveis, incluindo a exposição ocupacional, foium resultado independente dessa exposição.

Outros autores têm encontrado elevadasprevalências de DME em extremidades superio-

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res para mulheres em vários grupos ocupacionais.Entretanto, a explicação para essas diferençasentre os sexos ainda é controversa (Strazdius;Bammer, 2004; De Zwart et al., 2001; Kelsh; Sahl,1996; Silverstein et al., 1986, 1987).

A despeito da segregação de homens e mu-lheres no trabalho, com tarefas diferentes, emborasob títulos de ocupação iguais, resultando em ex-posição distinta para as demandas físicas no tra-balho, os resultados epidemiológicos mostraramque a maior ocorrência de DME em extremidadessuperiores distais entre as mulheres não foiexplicada apenas pela sua maior exposição àrepetitividade.

Quando Almeida (2010), utilizando omesmo banco de dados epidemiológicos, testoua hipótese de associação entre sexo feminino eDME nessa região corporal, após análise deinteração estatística e de confundimento (análi-se para controlar ou ajustar o efeito de outrasvariáveis, ditas de confusão, a exemplo da expo-sição ocupacional), manteve-se a associação en-tre sexo feminino e DME e ainda observou-seque, entre os indivíduos que referiam estar commelhor condicionamento físico, após ajuste parademandas psicossociais, as mulheres apresenta-ram 3,4 vezes o valor de DME para os homens.

Outros resultados epidemiológicos obti-dos neste estudo no ramo plástico permitem dis-cutir o papel das mulheres frente ao trabalhodoméstico, que é admitido, muitas vezes, comotraço da cultura nacional, mas que, nesse caso,chamou a atenção especialmente por elas teremjornada de trabalho nas empresas um pouco maislonga do que a dos homens. Portanto, não setratava da dedicação diferenciada ao trabalhodoméstico entre mulheres sem atividade de tra-balho externa à sua casa e homens inseridos nomercado de trabalho. Nesse caso, além de traba-lharem em média 45,5 horas semanais na em-presa (contra 43,1 horas dos homens), as mu-lheres trabalhavam, em média, 17 horas sema-nais em casa (contra 5,0 horas dos homens)(Fernandes et al., 2010a). À jornada regular detrabalho na empresa eram acrescidas as horas

extras, mais frequentes entre as mulheres. A exi-gência de horas extras para as mulheres podeindicar também a submissão da força de traba-lho feminina às imposições do empregador.

É importante ressaltar que a maiormorbidade entre as mulheres, encontrada emuma população que estava em plena atividadenas fábricas de plástico, foi também encontradaentre os casos de incapacidade que geraram be-nefício, segundo estudo de Souza (2010), quemostra três vezes mais doença entre mulheresdo que entre os homens que receberam benefí-cio por DME. Entre as mulheres com renda men-sal de um salário mínimo, a incidência de DMEsobe para 123 casos/10.000 (de uma incidênciageral de 15/10.000) (Souza, 2010); esses núme-ros já ajudam a evidenciar parte do problema econstatar a desigualdade no adoecer, na depen-dência da posição socioeconômica, e a desigual-dade de gênero.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de precarização social e do tra-balho tem engendrado um cenário determinantedos DME, com a intensificação do trabalho. Nessecenário, tomam lugar os fatores de risco, como oaumento das demandas físicas (repetitividade,trabalho com força e em posturas anômalas) edas demandas psicossociais (ritmo acelerado, fal-ta de controle dos trabalhadores sobre seu fazercotidiano, baixo suporte social). A análiseergonômica do trabalho permitiu compreendercomo são gerados os fatores de risco nas situa-ções restritivas de trabalho. A repetitividade oua postura anômala, como fatores de risco, so-mente se expressam no quadro de pressão tem-poral, em que a pausa, a interrupção do traba-lho, a recuperação das estruturas corporais emuso não podem acontecer. Advêm daí o uso ex-cessivo do corpo e a instalação dos efeitos sobreo sistema músculo-esquelético, cuja principalexpressão é a dor.

Considerando o cenário difícil de precarização

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do trabalho, toda e qualquer intervenção paraprevenção ou controle de DME nos locais de tra-balho deve ser alicerçada na ação comunicativa,assegurando vocalização aos protagonistas do tra-balho, os trabalhadores, contribuindo para o seuempoderamento e sua constituição como sujeitodas práticas de replanejamento do seu própriotrabalho. Qualquer programa deve considerar aorganização do trabalho e a experiência já exis-tente dos sujeitos que lidam com essa organiza-ção, antes de prescrever medidas de controle compossível impacto na realização das tarefas. É ne-cessário que os proponentes de um programa decontrole ou programa preventivo estejam certosde que as modificações indicadas não acarretemmais sobrecarga aos trabalhadores, ao interferirno seu saber-fazer, nos conhecimentos tácitos,aprendidos nas condições adversas. Para isso, énecessário incorporar ao programa de controle oconhecimento acerca da atividade de trabalho,considerando a existência desse saber prático,construído na experiência cotidiana, que modu-la, na situação real de trabalho, a exposição aosfatores de risco. Além disso, identificar asregulações adotadas nas condições reais visa acontribuir para ampliação das margens de ma-nobra dos trabalhadores. Os programas devemser sensíveis ao diferencial de gênero na ocor-rência de DME.

(Recebido para publicação em 20 de dezembro de 2010)(Aceito em 01 de abril de 2011)

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Rita de Cássia P. Fernandes

PRECARIZATION OF LABOR ANDMUSCULOSKELETAL DISORDERS

Rita de Cássia P. Fernandes

This paper aims to analyze musculoskeletalpain as an expression of the imbalance betweenhuman capabilities and methods of workorganization. Through the combination ofepidemiological results and Ergonomic WorkAnalysis (EWA) this paper discusses the effectsof labor precarization, using the strategy to com-bine these two methodological approaches,promising to interdisciplinary dialogue. 14 plasticfactories in the metropolitan region of Salvadorwere characterized, through the study of theirfunctioning and production organization; theepidemiological component in a cross sectionused a random sample of 557 workers in thesector and EWA ocurred in the finishing sectonrof one of the factories. One noticed changes inthe organization of production that occurred atthe expense of work intensification, withacceleration of the rhythm of workers, while theyperformed tasks with strength, repetition andabnormal postures. Excessive use of the bodyallowed to understand the emergence andmaintenance of pain, which prevalence revealeda huge number of workers required to continueworking under the same conditions thatgenerated their suffering.

KEYWORDS: intensification of work, musculoskeletaldisorders, pain, precarization, RSI

LA PRÉCARISATION DU TRAVAIL ET LESTROUBLES MUSCULOSQUELETTIQUES

Rita de Cássia P. Fernandes

Cet article traite de l’analyse de la douleurmusculosquelettique en tant qu’expression dudéséquilibre entre les capacités humaines et lesméthodes d’organisation du travail. Grâce à lacombinaison des résultats épidémiologiques etde l’Analyse Ergonomique du Travail (AET), onpeut discuter des effets de la précarisation dutravail. La stratégie consiste à allier ces deuxapproches méthodologiques prometteuses pourun dialogue interdisciplinaire. Un relevé descaractéristiques de 14 fabriques de plastique dela Région Métropolitaine de Salvador a été réaliséà partir de leur fonctionnement et de l’organisationde la production ; la composante épidémiologiqueavec un croquis de coupe transversale part d’unéchantillonnage de 557 travailleurs et l’AET a étéfaite dans le département des finitions de l’unedes fabriques. On a pu constater des changementsdans l’organisation de la production dus àl’intensification du travail et à l’accélération durythme des travailleurs qui doivent en mêmetemps utiliser la force pour réaliser des tâchesrépétitives et dans des postures inadaptées. L’usageexcessif du corps permet de comprendre pourquoiles douleurs apparaissent et persistent et l’on apu constater que de nombreux travailleurs doiventcontinuer à travailleur dans ces mêmes conditionsqui provoquent leur souffrance.

MOTS-CLÉS: intensification du travail, maladiesmusculosquelettiques, douleur, précarisation, TMS.

Rita de Cássia P. Fernandes - Professora Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federalda Bahia - UFBA. Doutora em Saúde Pública/Epidemiologia pela UFBA, com estágio na McGill University,Montreal, Canadá, como bolsista da CAPES. Tem experiência na área de Saúde Coletiva com ênfase emSaúde do Trabalhador e Epidemiologia Ocupacional, atuando principalmente nos seguintes temas: vigi-lância em saúde do trabalhador, distúrbios músculo-esqueléticos relacionados com o trabalho (LER elombalgias), ergonomia e acidente de trabalho. É autora de capítulos de livros e artigos em diversosperiódicos (Cadernos de Saúde Pública, ENSP; Ciência & Saúde Coletiva; Revista Brasileira deEpidemiologia; Scandinavian Journal of Work and Environmental Health; Occupational Medicine,Oxford).