pré-projeto de dissertação - arca.fiocruz.br · figura 1 – ciclo de investigação da área de...

124
Claudia Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira Corrêa Adaptação de um instrumento para avaliação de eventos adversos em Odontologia ambulatorial no Brasil Rio de Janeiro 2017

Upload: phamminh

Post on 08-Oct-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Claudia Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira Corra

    Adaptao de um instrumento para avaliao de eventos adversos em Odontologia

    ambulatorial no Brasil

    Rio de Janeiro

    2017

  • Claudia Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira Corra

    Adaptao de um instrumento para avaliao de eventos adversos em Odontologia

    ambulatorial no Brasil

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Sade Pblica, da Escola

    Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, na

    Fundao Oswaldo Cruz, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Mestre em

    Sade Pblica. rea de concentrao: Polticas,

    planejamento, gesto e prticas em sade.

    Orientador: Prof. Dr. Walter Vieira Mendes

    Jnior.

    Rio de Janeiro

    2017

  • Catalogao na fonte

    Fundao Oswaldo Cruz

    Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica

    Biblioteca de Sade Pblica

    C824a Corra, Claudia Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira

    Adaptao de um instrumento para avaliao de eventos

    adversos em Odontologia ambulatorial no Brasil. / Claudia

    Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira Corra. -- 2017.

    122 f. : graf.

    Orientador: Walter Vieira Mendes Jnior.

    Dissertao (Mestrado) Fundao Oswaldo Cruz, Escola

    Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2017.

    1. Segurana do Paciente. 2. Odontologia. 3. Tcnica

    Delfos. 4. Rastreadores de eventos adversos. 5. Registros

    Odontolgicos. I. Ttulo.

    CDD 22.ed. 617.60981

  • Claudia Dolores Trierweiler Sampaio de Oliveira Corra

    Adaptao de um instrumento para avaliao de eventos adversos em Odontologia

    ambulatorial no Brasil

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Sade Pblica, da Escola

    Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, na

    Fundao Oswaldo Cruz, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Mestre em

    Sade Pblica. rea de concentrao: Polticas,

    planejamento, gesto e prticas em sade.

    Aprovada em: 20 de fevereiro de 2017.

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. Josu Laguardia

    Fundao Oswaldo Cruz Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica

    em Sade

    Prof. Dra. Mnica Silva Martins

    Fundao Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    Prof. Dr. Walter Vieira Mendes Jnior (Orientador)

    Fundao Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    Rio de Janeiro

    2017

  • Ao Marcelo, meu amor e companheiro de vida, e aos nossos filhos Yasmin e Daniel, pessoas

    adorveis que renovam minhas esperanas na humanidade e me fazem querer ser um pouco

    melhor todos os dias.

  • AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar, minha enorme gratido a Deus pela beleza da vida.

    Aos meus pais, Francisco e Lcia, que j no esto mais no plano terrestre, mas que enquanto

    aqui estiveram me deixaram um exemplo de vida correto e justo a ser seguido.

    Ao meu orientador que me apresentou a Segurana do Paciente. Sua inteligncia coberta de boa

    vontade fez com que todo o percurso de produo deste estudo transcorresse de forma tranquila

    e agradvel. Exigiu esforo, mas foi um trabalho instigante e aprazvel ao mesmo tempo, graas

    ao prof. Walter Mendes.

    Aos especialistas que compuseram o painel aqui discutido. Sem eles esse trabalho no seria

    possvel.

    equipe da Biblioteca da ENSP, em particular s bibliotecrias Gizele da Rocha Ribeiro e

    Simone Faury Dib que me auxiliaram prontamente nas buscas bibliogrficas e na formatao

    deste trabalho.

    equipe da Biblioteca do CRORJ que me auxiliou prontamente nas buscas bibliogrficas.

    Letcia Janotti, tambm orientanda do prof. Walter Mendes, com quem troquei muitas

    consideraes que enriqueceram sobremaneira o contedo aqui apresentado.

    A todos os professores e colegas de sala de aula pelas discusses produtivas que me trouxeram

    um grande aprendizado com seus diversos pontos de vista sobre a Sade Pblica.

    Dos colegas de mestrado, quero agradecer, em especial, s meninas poderosas: Adriana

    Iglesias, Juliana Loureiro, Helena Reis, Mariana Incio e Tatiana Ferreira. Estas dividiram

    comigo todos os momentos de alegria e de dificuldade do curso. Foram muitos cafs e pes de

    queijo na cantina, mas foi mais ainda: uma troca de afeto e a formao de uma bonita amizade.

  • No h lugar de cuidado ao paciente que seja livre de risco. Precisamos colocar a segurana

    do paciente no DNA dos profissionais.

    (CHAN, 2012)

  • RESUMO

    A prtica odontolgica , em geral, invasiva e eminentemente cirrgica; isto a torna

    potencialmente propcia ao evento adverso (EA). O objetivo deste estudo foi adaptar para a

    pesquisa em odontologia ambulatorial um instrumento de rastreamento de EA (trigger tool) j

    utilizado na fase explcita do mtodo de reviso retrospectiva de pronturios em outras reas da

    sade. O instrumento foi elaborado em duas etapas: na primeira, por intermdio de uma reviso

    da literatura, aprofundou-se no tema segurana do paciente em odontologia onde se verificou

    a necessidade de ampliar os estudos brasileiros sobre o assunto. Optou-se, ento, pela adaptao

    para a odontologia dos rastreadores de EA utilizados em outras reas de sade. Para embasar

    esta proposio, buscou-se identificar a composio das ferramentas de rastreamento utilizadas

    nas demais reas da sade e identificar os principais EA em odontologia. Por fim, construiu-se

    um conjunto preliminar de rastreadores. Na segunda etapa, empregando o mtodo Delphi

    modificado, os rastreadores preliminarmente construdos foram aprimorados por um painel de

    especialistas. A concluso do estudo ratificou a hiptese inicial de que as ferramentas para

    rastreamento de EA, j utilizadas em pesquisas no mbito hospitalar e ambulatorial das diversas

    reas da sade, podem ser adaptadas para o uso especfico em pesquisas de EA em odontologia

    ambulatorial. No entanto, so necessrios estudos adicionais para testar a validade do

    instrumento.

    Palavras-chave: Segurana do Paciente. Odontologia. Tcnica Delfos. Rastreadores de eventos

    adversos. Registros odontolgicos.

  • ABSTRACT

    The dental practice is, in general, invasive and eminently surgical; this makes it

    potentially propitious to the adverse events. The objective of this study was to adapt to the

    research in outpatient dentistry an instrument of tracing of adverse events (trigger tool) already

    used in the explicit phase of the method of retrospective review of medical records in other

    health areas. The instrument was elaborated in two stages: in the first one, through a review of

    the literature, it deepened on the theme "patient safety in dentistry", where it was verified the

    need to expand the Brazilian studies on the subject. Then, the option was made for the

    adaptation to odontology triggers tools used in other health areas. To support this proposition,

    it was sought to identify the composition of the triggers tools used in other health areas and to

    identify the main adverse events in dentistry. Finally, a preliminary trigger tool was constructed.

    In the second step, using the modified Delphi Technique, the preliminary trigger tool was

    improved by a group of experts. The conclusion of the study ratified the initial hypothesis that

    the trigger tool, already used in hospital environment and outpatient researches in different

    health areas, can be adapted for specific use in researches of adverse events in outpatient

    dentistry. However, further studies are required to test the validity of the instrument.

    Keywords: Patient safety. Dentistry. Delphi Technique. Triggers tools. Dental Records.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Ciclo de investigao da rea de segurana do paciente................... 15

    Figura 2 Esquema representativo da utilidade relativa das abordagens para

    medir erros e EA.............................................................................. 36

    Quadro 1 Vantagens e desvantagens dos mtodos para detectar danos no

    cuidado em sade............................................................................. 38

    Quadro 2 Livros pesquisados para compor a primeira etapa do estudo............ 46

    Quadro 3 Busca bibliogrfica para compor a primeira etapa do estudo............ 47

    Fluxograma 1 Processo metodolgico do estudo..................................................... 52

    Quadro 4 Classificao dos tipos dos eventos adversos em odontologia.......... 61

    Grfico 1 Repostas da primeira rodada do rastreador 1..................................... 67

    Grfico 2 Repostas da segunda rodada do rastreador 1..................................... 68

    Quadro 5 Propostas para o rastreador 1............................................................ 68

    Grfico 3 Respostas da primeira rodada do rastreador 2.................................. 70

    Grfico 4 Repostas da segunda rodada do rastreador 2.................................... 70

    Quadro 6 Propostas para o rastreador 2........................................................... 71

    Grfico 5 Resposta da primeira rodada do rastreador 3................................... 72

    Grfico 6 Resposta da segunda rodada do rastreador 3.................................... 73

    Grfico 7 Resposta da terceira rodada do rastreador 3..................................... 73

    Quadro 7 Propostas para o rastreador 3........................................................... 74

    Grfico 8 Respostas da primeira rodada do rastreador 4.................................. 76

    Grfico 9 Respostas da segunda rodada do rastreador 4.................................. 77

    Quadro 8 Propostas para o rastreador 4........................................................... 77

    Grfico 10 Respostas da primeira rodada do rastreador 5.................................. 78

    Quadro 9 Propostas para o rastreador 5........................................................... 79

    Grfico 11 Respostas da primeira rodada do rastreador 6................................. 80

    Grfico 12 Respostas da segunda rodada do rastreador 6.................................. 80

    Quadro 10 Propostas para o rastreador 6........................................................... 81

    Grfico 13 Respostas da primeira rodada do rastreador 7.................................. 82

    Quadro 11 Propostas para o rastreador 7........................................................... 83

    Grfico 14 Respostas da primeira rodada do rastreador 8.................................. 84

    Grfico 15 Respostas da segunda rodada do rastreador 8.................................. 85

  • Quadro 12 Propostas para o rastreador 8........................................................... 85

    Grfico 16 Respostas da primeira rodada do rastreador 9.................................. 86

    Grfico 17 Respostas da segunda rodada do rastreador 9.................................. 87

    Quadro 13 Propostas para o rastreador 9........................................................... 87

    Grfico 18 Respostas da primeira rodada do rastreador 10................................ 88

    Grfico 19 Respostas da segunda rodada do rastreador 10................................ 89

    Grfico 20 Respostas da terceira rodada do rastreador 10................................. 90

    Quadro 14 Propostas para o rastreador 10......................................................... 90

    Grfico 21 Respostas da primeira rodada do rastreador 11................................ 91

    Grfico 22 Respostas da segunda rodada do rastreador 11................................ 92

    Grfico 23 Respostas da terceira rodada do rastreador 11 93

    Quadro 15 Propostas para o rastreador 11......................................................... 93

    Grfico 24 Respostas da primeira rodada do rastreador 12............................... 94

    Grfico 25 Respostas da segunda rodada do rastreador 12................................ 95

    Quadro 16 Propostas para o rastreador 12......................................................... 96

    Grfico 26 Respostas da primeira rodada do rastreador 13............................... 97

    Grfico 27 Respostas da segunda rodada do rastreador 13................................ 98

    Quadro 17 Propostas para o rastreador 13......................................................... 98

    Grfico 28 Respostas da primeira rodada do rastreador 14................................ 99

    Grfico 29 Respostas da segunda rodada do rastreador 14................................ 100

    Grfico 30 Respostas da terceira rodada do rastreador 14................................. 101

    Quadro 18 Propostas para o rastreador 14......................................................... 101

    Formulrio 1 Rastreadores de eventos adversos em odontologia ambulatorial....... 103

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AHRQ Agency for Healthcare Research and Quality

    AL Anestsico local

    Anvisa Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

    APS Ateno Primria em Sade

    ATM Articulao temporomandibular

    BCRORJ Biblioteca do Conselho Regional de Odontologia-RJ

    BBO Biblioteca Brasileira de Odontologia

    CED Council of European Dentists

    CREO Centros de Referncia de Especialidades Odontolgicas

    EA Evento Adverso/Eventos Adversos

    FDI World Dental Federation/Federao Dentria Internacional

    Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz

    GTT Global Trigger Tool

    ICPS International Classification for Patient Safety/Classificao Internacional

    sobre Segurana do Paciente

    HMPS Harvard Medical Practice Study

    ICICT Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnologia em Sade

    IHI Institute for Healthcare Improvement

    IOM Institute of Medicine

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    LILACS Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias da Sade

    MP Ministrio Pblico

    MS Ministrio da Sade

    MTA Mineral Trioxide Aggregate/Agregado de Trixido Mineral

    NCC MERP National Coordinating Council for Medication Error Reporting and

    Prevention

    OMS Organizao Mundial de Sade

    OESPO Observatorio Espaol para la Seguridad del Paciente

    Odontolgico/Observatrio Espanhol para a segurana do paciente

    odontolgico

  • OPAS/OMS Organizao Pan-Americana da Sade/Organizao Mundial da Sade

    PNSB Poltica Nacional de Sade Bucal

    PNSP Programa Nacional de Segurana do Paciente

    PubMed Public/Publisher MEDLINE

    Proqualis Centro Colaborador para Qualidade e Segurana do Paciente

    RDC Resoluo da Diretoria Colegiada

    Reniss Rede Nacional Para Investigao de Surtos e EA em Servios de Sade

    SUS Sistema nico de Sade

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    WHO/OMS Word Health Organization/Organizao Mundial de Sade

  • SUMRIO

    1 INTRODUO....................................................................................... 13

    2 QUESTO DE PESQUISA.................................................................... 20

    3 OBJETIVOS............................................................................................ 21

    3.1 Objetivo geral.......................................................................................... 21

    3.2 Objetivos especficos............................................................................... 21

    4 MARCO TERICO............................................................................... 22

    4.1 O tema Segurana do Paciente.......................................................... 22

    4.2 A sade bucal no Brasil........................................................................... 26

    4.3 A segurana do paciente em odontologia............................................. 28

    4.4 Metodologias para a deteco de eventos adversos e outros

    incidentes................................................................................................. 35

    5 MTODO................................................................................................ 41

    5.1 O mtodo Delphi..................................................................................... 42

    5.2 Etapas para a elaborao e adaptao do rastreador.......................... 45

    5.3 Consideraes ticas................................................................................ 53

    6 RESULTADOS E DISCUSSO............................................................ 54

    6.1 Os eventos adversos em odontologia...................................................... 54

    6.2 Os rastreadores (triggers tools)............................................................... 61

    6.3 Proposta de rastreadores para odontologia ambulatorial .................. 66

    6.4 Limitaes do estudo............................................................................... 104

    7 CONCLUSO......................................................................................... 105

    REFERNCIAS...................................................................................... 107

    ANEXO A QUESTIONRIO DE DETECO DE EVENTOS

    ADVERSOS DO GUIA METODOLGICO PARA HOSPITAIS

    CARENTES DE DADOS........................................................................ 117

    APNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

    ESCLARECIDO.....................................................................................

    121

  • 13

    1 INTRODUO

    Este estudo tem por objeto a segurana do paciente em odontologia e pretende adaptar

    para a rea odontolgica ambulatorial um conjunto de rastreadores de eventos adversos (EA)

    (trigger tool) j utilizado em outras reas da sade.

    De incio, necessrio explicar que na rea de segurana do paciente a taxonomia varia

    bastante, e isto, muitas vezes, dificulta a pesquisa. Para tentar minimizar este entrave adotar-se-

    neste trabalho as definies propostas pela estrutura conceitual da Classificao Internacional

    para a Segurana do Paciente (International Classification for Patient Safety - ICPS)

    estabelecidas em 2009 pela Organizao Mundial de Sade (OMS).

    No referido documento (WHO, 2011)1, segurana do paciente definida como reduo

    do risco de danos desnecessrios relacionados com os cuidados de sade, para um mnimo

    aceitvel (p.21); incidente um evento ou circunstncia que poderia resultar, ou resultou, em

    dano desnecessrio para o doente (p.21); evento adverso um incidente que resulta em dano

    para o doente (p.22); e dano prejuzo na estrutura ou funes do corpo e/ou qualquer efeito

    pernicioso da resultante. Inclui doena, leso, sofrimento, incapacidade ou morte (p.22). A

    diferena entre EA e incidente que EA o incidente que causou um dano que poderia ter sido

    evitado.

    Tambm se faz importante trazer os conceitos de EA evitvel e no evitvel, utilizados

    pela primeira vez no Harvard Medical Practice Study (HMPS) (BRENNAN, LEAPE, LAIRD,

    1991; LEAPE et al 1991). Este estudo, realizado em 51 hospitais no estado de Nova York,

    exps de forma contundente o problema do EA nos hospitais americanos e teve sua metodologia

    replicada posteriormente por outros estudos sobre frequncia de EA. O HMPS definiu como

    EA um dano no intencional causado pelo cuidado (e no pela doena de base) que resultou em

    disfuno temporria ou permanente e/ou prolongamento da hospitalizao que poderia ou no

    ter sido evitado. Esse conceito se diferencia do proposto pela OMS, pois na ICPS o dano

    inevitvel ocasionado pelo cuidado no seria um EA, e sim uma complicao inevitvel dadas

    condies tcnico-cientficas disponveis no momento, ou seja, a ICPS elimina a figura do EA

    inevitvel (MENDES, 2014).

    1 Utilizado o documento traduzido para o portugus.

  • 14

    Assim sendo, como bem explana Mendes (2014) em seu texto sobre Taxonomia em

    Segurana do Paciente, segundo a ICPS, todo incidente chamado de EA evitvel, pois resultou

    em dano desnecessrio ao paciente e poderia ter sido evitado mediante o emprego das condies

    tcnico-cientficas disponveis, enquanto que as complicaes ditas inevitveis so aquelas que

    fogem completamente ao esperado.

    Esclarece-se que neste trabalho somente sero considerados os EA. No sero

    considerados os danos inevitveis em consequncia da prtica odontolgica, como por

    exemplo: danos por incises feitas para se ter acesso ao campo cirrgico; leses gengivais

    ocasionadas pela ao de matriz e de cunha interproximal para a confeco de restauraes;

    entre outros. Nem as complicaes onde no se poderia prever o desfecho, como as

    caracterizadas como casos fortuitos ou ocasionadas por fora maior. Por ltimo, tambm no

    sero considerados outros incidentes que no tenham atingido o paciente ou que o tenham

    atingido, mas no lhe causaram danos. Isto posto, passa-se ao objeto e pretenso deste estudo.

    Em 2001, o Institute of Medicine (IOM) props que a segurana do paciente passasse a

    figurar como uma das dimenses da qualidade do cuidado em sade, pois constatou-se que

    muitos EA acometem os indivduos nos hospitais causando-lhes prejuzos que poderiam ser

    temporrios, mas tambm permanentes, podendo, inclusive, causar-lhe a morte.

    De Vries et al (2008) confirmam a necessidade dessa importante dimenso para a

    qualidade do cuidado ao procederem uma reviso sistemtica de janeiro de 1966 a fevereiro de

    2007, que reuniu estudos de frequncia de EA em mbito hospitalar publicados no idioma

    ingls. Seus achados concluram que em torno de 10% de todos os pacientes admitidos em

    hospitais estiveram sujeitos a pelo menos 1 (hum) EA e, destes, 7% evoluram ao bito.

    Muitos incidentes associados ao cuidado tambm foram observados na ateno primria

    sade. Marchon e Mendes (2014) levantaram o tema por meio de uma reviso sistemtica de

    2007 a 2012 e encontraram dentre os tipos mais frequentes, propiciados por uma prtica clnica

    solitria, os erros de diagnsticos e de medicamentos. Observaram uma variao entre 12,4% e

    83%, resultado que estava de acordo com outra reviso sistemtica referida por eles feita por

    Makeham et al em 2008 que encontrou uma variao de 7% a 52% em um levantamento de

    publicaes feitas entre 1966 e 2007.

    Como explcito, um servio de sade de qualidade deve ser seguro no cumprimento de

    sua finalidade, mas no essa a realidade encontrada. preciso lidar com o risco sempre

    presente na prtica clnica, importando empreender aes na busca da maior segurana possvel.

  • 15

    Mas para se alcanar um cuidado seguro necessrio conhecer o problema do EA. Com

    esta inteno, na 57 Assembleia Mundial da Sade em 2004, props-se um ciclo de

    investigao cujos componentes encontram-se representados pela figura abaixo:

    Figura 1 Ciclo de investigao da rea de segurana do paciente

    Fonte: WHO, 2012c

    Identifica-se neste ciclo que para atuar nas causas do problema do EA (a fim de combat-

    lo e alcanar um cuidado mais seguro) o passo inicial medir o dano. Para este propsito

    existem alguns mtodos j estabelecidos, dentre eles, a reviso retrospectiva de pronturios.

    A reviso retrospectiva de pronturio composta de duas etapas, uma explcita e outra

    implcita, que sero explicadas mais adiante, no captulo de metodologia. Mas aqui

    interessante trazer que, por exemplo, em relao notificao voluntria, autores constatam

    que a reviso retrospectiva de pronturio detecta 10 vezes mais EA (CLASSEN et al, 2011).

    Esta diferena se torna ainda mais ntida com a constatao de que na notificao voluntria

    apenas 10 a 20 por cento dos erros so denunciados e que, destes, 90 a 95 % no causaram

    nenhum dano aos pacientes (GRIFFIN e RESAR, 2009).

    Conforme apontam Trindade e Lage (2014), o primeiro estudo empregando a

    metodologia da reviso retrospectiva de pronturio foi The Medical Insurance Feasibility Study

    realizado na Califrnia no ano de 1974. Em 1978, Mills, um dos autores do estudo, fez um

    artigo com o seu resumo tcnico, onde refere que foram utilizados 20 rastreadores que eles

    mesmos elaboraram com a finalidade de dar conta do grande nmero de pronturios a serem

    avaliados. A pesquisa se voltava para determinar a viabilidade de sistemas dos seguros de sade,

    isso porque ocorria um notvel acrscimo dos custos globais em sade decorrentes de

    compensaes monetrias pagas s vtimas de danos em ambiente de sade. Porm, como

    benefcios secundrios, emergiram novos insights sobre os tipos e as fontes de deficincias

    medir o dano

    compreender as causas

    Identificar as solues

    Avaliar o impacto

    Transpor as evidncias em cuidados mais

    seguros

  • 16

    causadas pela m conduo dos cuidados em sade e o desenvolvimento de novos mtodos para

    a realizao de monitoramento.

    Na dcada seguinte, em 1984, no Estado de Nova York, uma amostra de 3.121

    pronturios de pacientes foi revista utilizando 18 rastreadores. Essa amostra deu origem ao The

    Harvard Medical Practice Study (HMPS) (BRENNAN, LEAPE, LAIRD, 1991; LEAPE et al,

    1991) que, por sua vez, foi um dos estudos que originou o relatrio To Err is Human do Institute

    of Medicine (IOM, 2000) que delimitou e exps de vez a magnitude do problema dos EA no

    EUA, lanando foco sobre um assunto que h muito permanecia, e ainda permanece, cercado

    de tabus.

    Depois disso, muitos outros trabalhos com desenhos semelhantes foram realizados em

    diversos pases, inclusive no Brasil (MENDES et al, 2009), e os resultados da problemtica tem

    se confirmado. Disso decorre a necessidade de valorizar as ferramentas de rastreamento que

    so utilizadas na fase explcita do mtodo de reviso retrospectiva de pronturios.

    Como, em geral, a amostra de pronturios analisada muito grande, o rastreador se

    prope a ser um facilitador na identificao de pronturios com potencial EA na primeira etapa

    da metodologia de reviso retrospectiva de pronturios.

    A despeito das fragilidades reconhecidas no emprego desse tipo de abordagem, como

    por exemplo: a necessidade de registros de boa qualidade e de um sistema de arquivamento

    adequado; treinamento exaustivo das pessoas que iro fazer a avaliao; alm do risco de

    subestimar a magnitude da ocorrncia dos EA (PAVO et al, 2011; WHO, 2012). Entende-se

    que o mtodo bastante til, e que o rastreador utilizado em sua primeira fase essencial para

    viabilizar o seu desenvolvimento, principalmente quando se pretende analisar fontes

    abundantes.

    Sob essa perspectiva, o Institute for Healthcare Improvement (IHI), organizao

    independente e sem fins lucrativos com sede em Cambridge, Massachusetts, desenvolveu um

    grupo de ferramentas denominadas Global Trigger Tool (GTT). A Instituio, que trabalha com

    uma ampla gama de entidades para alcanar resultados significativos em termos de qualidade,

    tem como um de seus propsitos ajudar s organizaes de sade a detectar e a medir EA.

    Inspirada na ferramenta proposta pelo IHI para pacientes ambulatoriais, um trabalho realizado

    na faculdade de odontologia da universidade de Harvard props e testou um conjunto de

    rastreadores para detectar EA em registros odontolgicos (triggers tools dental) por meio de

  • 17

    uma reviso retrospectiva de registros em pronturios eletrnicos, mas que, segundo os autores,

    tambm se aplicariam aos pronturios fsicos (KALENDERIAN et al, 2013).

    O presente estudo pretende valer-se dos trabalhos cientficos desenvolvidos at a

    presente data para a elaborao dos rastreadores aqui propostos, mas a referncia principal da

    qual se pretende lanar mo a do documento editado em 2010 por Especialistas do Programa

    de Segurana do Paciente da OMS denominado Assessing and tackling patient harm: a

    methodological guide for data-poor hospitals (WHO, 2012a). No prlogo deste documento, o

    Prof. David Bates, diretor de pesquisas sobre segurana do paciente da OMS, expressa muito

    bem o mal-estar social gerado pela insegurana no atendimento em sade. O proeminente

    pesquisador refora o que se vem dizendo: milhares de incapacidades, ou mesmo as mortes

    decorrentes da falta de segurana no atendimento de sade em todo o mundo, mobilizam

    vultosos recursos financeiros por conta do prolongamento das internaes hospitalares, dos

    tratamentos recuperadores ou paliativos, assim como a perda de rendimento pelo afastamento

    do trabalho e com as aes indenizatrias que decorrem das lides judiciais. Ressalta que a

    maioria dos mtodos para a deteco de EA so utilizados e testados em pases desenvolvidos,

    onde, em geral, possvel ter em mos registros de sade adequados e, da, a importncia de se

    obter dados em contextos de pases em desenvolvimento, pois embora danos a pacientes

    ocorram em pases de todo o mundo, h evidncias de um impacto maior em pases em

    desenvolvimento, a exemplo do risco de infeces relacionadas ao cuidado que 20 vezes

    maior nos pases em desenvolvimento que nas naes desenvolvidas de acordo com o que

    especifica a OMS.

    Sendo assim, o referido documento foi traduzido para o portugus em 2012 com o apoio

    do Programa de Cooperao Internacional em Sade da OPAS/OMS (Organizao Pan-

    Americana da Sade/Organizao Mundial da Sade) no Brasil e Ministrio da Sade (MS) sob

    o ttulo Avaliao e tratamento de danos aos pacientes: Um guia metodolgico para hospitais

    carentes de dados, publicao destinada aos pesquisadores, gestores de qualidade, clnicos e

    outros profissionais interessados em compreender e lidar com questes de segurana do

    paciente em hospitais (WHO, 2012a). Seu objetivo foi oferecer dispositivos que no estejam

    to atrelados boa qualidade dos registros de sade, nem aos recursos fsicos e humanos

    disponveis, com protocolos para a aplicao dos mtodos, assim como as ferramentas

    necessrias para a sua implementao prtica.

  • 18

    Pelo exposto, fica evidente que, principalmente em pases em desenvolvimento,

    essencial desenvolver pesquisas na rea de segurana do paciente a fim de melhorar a qualidade

    do atendimento, pois alm das vidas prejudicadas pelo EA em si, ainda h aquelas que sofrem

    pela falta dos atendimentos que poderiam ter sido feitos e no foram por conta do

    redirecionamento dos recursos monetrios destinados resoluo da problemtica oriunda do

    EA.

    No campo odontolgico, principalmente nas ltimas dcadas, houve um grande avano

    tecnolgico propiciando maior agilidade e preciso aos diagnsticos e tratamentos (VIOLA,

    OLIVEIRA, DOTA, 2011). Entretanto, aliada ao bnus, que nos remete melhoria na qualidade

    do cuidado, agrega-se a possibilidade de maior ocorrncia de EA frente sua maior

    complexidade tecnolgica (THUSU et al, 2012).

    A odontologia, a despeito de sua natureza, em geral, invasiva e eminentemente cirrgica;

    do contato ntimo com secrees como saliva e sangue; da grande dependncia das habilidades

    do cirurgio-dentista; das possveis emergncias mdicas que podem ocorrer durante o

    atendimento; ou seja, do amplo conjunto que configura como potencialmente propcio a

    ocasionar EA, caminhou muito pouco no campo da segurana do paciente em comparao com

    outras reas da sade.

    Poucos estudos foram empreendidos para se conhecer os EA que acometem o cuidado

    odontolgico, bem como suas causas, para que se direcione na busca de solues que possam

    abrandar o problema. Ainda existe uma profunda lacuna no conhecimento nesse aspecto,

    embora, mais recentemente, alguns pases venham desenvolvendo pesquisas na rea (BAILEY,

    2015; BAILEY et al, 2015; OBADAN, RAMONI, KALENDERIAN, 2015; HIIVALA, 2016;

    PEREA-PREZ, 2011; PEREA-PREZ et al, 2014).

    Portanto, este estudo se justifica pela necessidade de se ampliar o conhecimento a

    respeito dos EA em odontologia no contexto ambulatorial brasileiro, o que pode ser obtido

    utilizando-se da metodologia de reviso retrospectiva de pronturios. Quando esta tcnica

    escolhida, imprescindvel o uso de uma ferramenta de rastreamento que sinalize

    adequadamente a possibilidade de que naquele pronturio possa existir um EA,

    imprescindvel. A ferramenta de rastreamento ir auxiliar na agilidade e na eficincia do

    emprego da tcnica e, por conseguinte, na obteno dos melhores resultados na identificao

    dos EA permitindo a adoo de medidas eficazes para atenuar o problema da segurana do

    paciente e com isso contribuir para a melhoria da segurana do paciente odontolgico no Brasil.

  • 19

    Assim sendo, este estudo tem por objetivo inicial verificar os principais tipos de EA

    oriundos do cuidado odontolgico e os principais rastreadores utilizados para detectar EA no

    cuidado em sade, a fim de dar suporte ao seu objetivo principal, que adaptar rastreadores de

    EA j utilizados em outras reas da sade para a pesquisa de eventos adversos em revises

    retrospectivas de pronturios em odontologia ambulatorial.

    O desenvolvimento deste estudo ser apresentado em sete captulos: neste primeiro se

    pretendeu introduzir o tema com a apresentao do objeto do estudo, o esclarecimento da linha

    taxonmica que se empregou, a referncia ao instrumento que se pretende adaptar para a

    odontologia e a justificativa do estudo; no segundo se expe a questo de pesquisa; no terceiro

    se apresenta o objetivo geral e os especficos; no quarto se apresenta o marco terico com o

    tema segurana do paciente, o atual contexto da sade bucal no Brasil, a segurana do paciente

    em odontologia e as metodologias encontradas na literatura para a deteco de EA e outros

    incidentes; no quinto se descreve as etapas metodolgicas percorridas com o emprego do

    mtodo Delphi, bem como as consideraes ticas pertinentes; no sexto se discute os resultados

    e as limitaes do estudo; e, no stimo, e ltimo captulo, se apresentam as concluses.

  • 20

    2 QUESTO DE PESQUISA

    Hiptese: Rastreadores j utilizados para detectar eventos adversos em mbito hospitalar e

    ambulatorial das diversas reas da sade podem ser adaptados para auxiliar na deteco

    especfica de eventos adversos em revises retrospectiva de pronturios odontolgicos

    ambulatoriais.

  • 21

    3 OBJETIVOS

    3.1 Objetivo geral

    1. Adaptar rastreadores para detectar potenciais eventos adversos no cuidado odontolgico

    ambulatorial no Brasil.

    3.2 Objetivos especficos

    1. Selecionar os principais tipos de EA oriundos do cuidado odontolgico adequado ao contexto

    brasileiro;

    2. Identificar os principais rastreadores utilizados para detectar EA no cuidado em sade.

  • 22

    4 MARCO TERICO

    4.1 O tema Segurana do Paciente

    O entendimento de que a qualidade do servio prestado em sade deveria se encontrar

    intimamente ligado a um cuidado seguro j vinha sendo sublinhado desde a segunda metade do

    sculo XIX quando Ignaz Semmelweiss, mdico hngaro, estabeleceu a ligao entre a

    transmisso da infeco e a higiene das mos. Nessa mesma poca, Florence Nightingale, a

    dama da lmpada2, voluntria na Guerra da Crimia (1853 a 1856), promove a drstica reduo

    de mortes com a organizao da internao hospitalar dos feridos de guerra (TRINDADE e

    LAGE, 2014).

    Entretanto, como referido na introduo, apenas a partir de 2000 com a divulgao do

    relatrio To Err is Human do IOM nos EUA, que se dispara o alerta para toda a sociedade em

    relao aos custos tangveis e intangveis do problema do EA, tais como: a quantidade de

    recursos gastos em repetir testes de diagnstico ou em medicamentos para reparar os efeitos

    dos danos; o maior nmero de dias de internao hospitalar; o maior desgaste fsico e/ou

    psicolgico tanto do paciente como dos profissionais; a perda de produtividade laboral; a

    reduo na frequncia escolar das crianas; e, ainda, os menores nveis do estado de sade da

    populao em geral aliado perda de confiana e de satisfao com o sistema (IOM, 2000).

    O mesmo Instituto publicou em 2001, o relatrio Crossing the quality chasm que

    recomendava a necessidade de um redesenho dos sistemas de sade em que a segurana do

    paciente deveria ter precedncia e contar com uma estratgia global de envolvimento dos

    governos, profissionais de sade, indstrias e consumidores. Reconheceu-se que havia uma

    grande distncia entre a qualidade em sade oferecida, e aquela que, em realidade, se poderia

    oferecer mediante toda a estrutura e o conhecimento cientfico disponvel. Admitiu-se que os

    cuidados em sade, alm de no repassarem todos os benefcios possveis, por vezes, ainda

    acrescentavam malefcios (IOM, 2001). Mediante essa constatao a segurana do paciente

    passou a receber esforos concentrados para o seu aprimoramento por parte da OMS e de seus

    pases-membros.

    Em maio de 2002, foi aprovada na quinquagsima quinta Assembleia Mundial da Sade,

    a resoluo WHA55.18 que exortou ao Diretor-Geral da OMS, com a efetiva aderncia dos

    2 Ficou conhecida assim porque percorria as enfermarias onde estavam os feridos de guerra com uma lanterna na

    mo.

  • 23

    pases-membros, o estmulo a uma srie de aes destinadas promoo da segurana do

    paciente, dentre as quais: o desenvolvimento de normas e padres globais para todos os pases-

    membros; o incentivo pesquisa para subsidiar a promoo de polticas baseadas em

    evidncias; e o apoio aos esforos para a promoo de uma cultura de segurana no mbito de

    suas organizaes de sade.

    Outro passo importante se deu em outubro de 2004, quando a OMS lanou formalmente

    a Aliana Mundial para a Segurana do Paciente na 57 Assembleia Mundial da Sade. Esta

    aliana objetivou despertar a conscincia e o comprometimento poltico para melhorar a

    segurana na assistncia, alm de prestar apoio aos pases membros no desenvolvimento de

    polticas pblicas e prticas para a segurana do paciente (BRASIL, 2011).

    A partir desta Aliana, diversas contribuies tm sido dadas segurana do paciente

    focalizando as mltiplas facetas do problema. Para citar algumas: a campanha cuidado limpo

    cuidado seguro que preconiza o combate infeco com guias que estimulam a lavagem das

    mos; a busca da conformidade e da reduo de incidncia de complicaes nas cirurgias com

    a campanha cirurgia segura salva vidas e a proposio de cheklists; a procura pela

    identificao e mensurao do problema do EA para a compreenso de seus fatores

    contribuintes com a recomendao de instituio de sistemas de notificaes nas organizaes

    de sade; o estmulo ao estudo e s pesquisas com a proposio de metodologias de investigao

    e de cursos a exemplo do Guia metodolgico para investigao de EA em hospitais carentes

    de dados e das aulas virtuais de Introduo investigao de segurana do paciente

    (respectivamente), ambos traduzidos para a lngua portuguesa.

    Como aludido no captulo de introduo, tambm importante reforar a observao

    em relao s definies e s nomenclaturas utilizadas. Nesse campo, a taxonomia varia

    profusamente e por motivos diversos, tais como: significados que variam de acordo com o

    contexto; falta de consenso entre profissionais de sade sobre o que se constitui como erro;

    barreiras de idiomas que dificultam tradues adequadas dos termos (MENDES, 2014).

    Por conta dessa diversidade de conceitos, a OMS comps um grupo para definir uma

    classificao internacional para a segurana do paciente. O tema se encontra em constante

    processo de atualizao e o objetivo permitir a categorizao e a padronizao de termos e

    conceitos sobre o assunto para balizar pesquisadores da rea e facilitar a comparao, medio

    e anlise das investigaes (WHO, 2009).

    Diante desse movimento, e sob o reconhecimento de que a magnitude dos EA impacta

    diretamente na qualidade dos servios oferecidos pelo SUS e se reverte em transtornos para a

  • 24

    sociedade, o assunto encontra resposta na agenda poltica brasileira, como exposto nos

    pargrafos a seguir:

    Em 2004, se concebe no Brasil uma Rede Nacional Para Investigao de Surtos e EA

    em Servios de Sade (RENISS) com a ideia de que o controle e a anlise das situaes de surto

    contribuem para o entendimento da dinmica de ocorrncia desses eventos e orienta mudanas

    nas prticas assistenciais e regulamentaes (BRASIL, 2004a).

    A Portaria do Ministrio do Trabalho e Emprego de n 485 de 11/11/2005 aprova a

    Norma Regulamentadora n. 32 (NR-32) para a Segurana e Sade no Trabalho em

    Estabelecimentos de Sade que um mecanismo que traz medidas obrigatrias proteo dos

    profissionais de sade, mas, ao mesmo tempo, pode favorecer a um processo de trabalho mais

    seguro, o que pode aumentar igualmente a qualidade do servio e a segurana do paciente

    (BRASIL, 2005).

    Outra importante medida foi a criao, em 2009, do Centro Colaborador para Qualidade

    e Segurana do Paciente (Proqualis)3, um portal eletrnico que trata da produo e disseminao

    de informaes e tecnologias em qualidade e segurana do paciente. vinculado ao Instituto

    de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnologia em Sade, rgo pertencente Fundao

    Oswaldo Cruz (ICICT/Fiocruz) e que conta com o financiamento do Ministrio da Sade. O

    portal est organizado em grandes temas e referncia para a busca de contedo voltado

    segurana do paciente.

    A permanente preocupao e a prioridade do Ministrio da Sade brasileiro mais uma

    vez so demonstradas quando em 2013, tambm a partir da Agncia Nacional de Vigilncia

    Sanitria (Anvisa), disponibilizou-se a publicao Investigao de Eventos Adversos em

    Servios de Sade como parte da srie Segurana do Paciente e Qualidade em Servio de

    Sade. O documento se destina aos gestores, profissionais de sade, educadores e aos

    profissionais que atuam no SUS. Tomou por base a RENISS e tem a investigao e a

    compreenso dos fatores de risco, fontes e causas dos eventos, como instrumento para intervir

    nas demandas da segurana e da qualidade, guiando mudanas para a melhoria da prtica

    (BRASIL, 2013).

    Neste mesmo ano, a Portaria/MS N 529 de 1 de abril de 2013 instituiu o Programa

    Nacional de Segurana do Paciente (PNSP). As diretrizes do Programa esto no Documento

    de referncia para o Programa Nacional de Segurana do Paciente (BRASIL, 2014)

    3 Disponvel no site http://proqualis.net/seguran%C3%A7a-do-paciente.

  • 25

    destacando-se a contribuio da avaliao externa, do licenciamento de estabelecimentos de

    sade e a inspeo. O PNSP salienta que as situaes de no conformidades encontradas nas

    inspees reorientam o planejamento dos estabelecimentos de sade e constituem-se em

    oportunidade de implementao de medidas de melhoria da qualidade e da segurana do

    paciente.

    Ainda em 2013 a Anvisa publicou a Resoluo da Diretoria Colegiada (RDC) N 36 que

    tem por objetivo instituir aes para a promoo da segurana do paciente e para a melhoria da

    qualidade nos servios de sade determinando a criao do Ncleo de Segurana do Paciente e

    suas competncias em todas as organizaes de sade, sejam elas pblicas, privadas,

    filantrpicas, civis ou militares, incluindo aquelas que exercem aes de ensino e pesquisa.

    Esto excludos dessa obrigatoriedade somente os consultrios individualizados, os

    laboratrios clnicos e os servios mveis e de ateno domiciliar.

    importante sublinhar que, mesmo antes desse reconhecimento internacional da

    importncia da segurana do paciente para a melhoria da qualidade dos servios, algumas

    medidas pioneiras nesta direo j vinham sendo tomadas no Brasil. Dentre elas: a maior

    segurana em transfuses sanguneas, tanto para os doadores como para quem recebe (lei 7.649

    de 1988 que estabeleceu a obrigatoriedade do cadastramento dos doadores de sangue bem como

    a realizao de exames laboratoriais no sangue coletado, visando a prevenir a propagao de

    doenas); a maior preveno de infeces nos ambientes hospitalares (Programa Nacional de

    Controle de Infeces Hospitalares foi lanado pela Anvisa em 1997 com os objetivos de

    reduzir em 30% a taxa de infeco do servio) e a produo de barreiras de segurana nos

    equipamentos utilizados por anestesistas com conectores que no permitem que haja

    administrao trocada de gases (BRASIL, 2014).

    Por fim, um mecanismo muito importante a Rede Sentinela que fica a cargo da Anvisa

    em conjunto com as Vigilncias Sanitrias Estaduais e Municipais que foi idealizado antes

    mesmo das deliberaes da OMS feitas em 2002, embora o projeto piloto tenha sido implantado

    naquele mesmo ano. Os estabelecimentos que compem a rede possuem gerncias de risco que

    alimentam e monitoram o sistema com informao/notificao de queixas tcnicas dos produtos

    de sade que eles utilizam. Essas informaes subsidiam aes de regulao desses produtos

    no mercado e, consequentemente, propiciam melhoria da qualidade de servios, pois as falhas

    de produtos de sade esto diretamente relacionadas qualidade da ateno prestada ao

    paciente e, no raro, podem ser responsabilizadas por agravos sua sade e mesmo sua morte.

  • 26

    Todavia, no Brasil, ainda hoje h pouca tradio em notificar os problemas o que, segundo a

    prpria Anvisa, compromete a sua atuao4.

    4.2 A sade bucal no Brasil

    A Resoluo 161/2015 do Conselho Federal de Odontologia (BRASIL, 2015) dispe

    em seu artigo 39 as especialidades odontolgicas: Acupuntura; Cirurgia e Traumatologia Buco-

    Maxilo-Faciais; Dentstica; Disfuno Temporomandibular e Dor Orofacial; Endodontia;

    Estomatologia; Homeopatia; Implantodontia; Odontogeriatria; Odontogeriatria; Odontologia

    do Esporte; Odontologia do Trabalho; Odontologia Legal; Odontologia para Pacientes com

    Necessidades Especiais; Odontopediatria; Ortodontia; Ortopedia Funcional dos Maxilares;

    Patologia Oral e Maxilo-Facial; Periodontia; Prtese Buco-Maxilo-Facial; Prtese Dentria;

    Radiologia Odontolgica e Imaginologia; e Sade Coletiva. A Coordenao Nacional de Sade

    Bucal do Ministrio da Sade articula essas diversas especialidades de acordo com as Diretrizes

    para a Poltica Nacional de Sade Bucal (PNSB) lanada em janeiro de 2004 (BRASIL, 2004).

    A PNSB, tambm denominada programa Brasil Sorridente, distingue o Sistema de

    Sade Bucal por faixa etria e por grupos portadores de necessidades especiais em trs nveis

    orquestrados de atuao:

    a) Ateno Bsica Serve como a porta de entrada ao usurio. Visa a promoo e a

    proteo da sade bucal, a preveno de seus agravos, o diagnstico, o tratamento, a

    reabilitao e a manuteno. Por meio de aes de sade individuais ou coletivas, este

    primeiro nvel est apto a resolver problemas de baixa complexidade que correspondem

    a maior parte da demanda da populao e se voltam para as peculiaridades de cada

    territrio;

    b) Ateno de mdia complexidade Para este nvel so encaminhados aqueles pacientes

    que necessitem de procedimentos especializados. a contrarreferncia da Ateno

    Bsica; e

    c) Nvel de alta complexidade Para este nvel so encaminhados os pacientes que

    necessitem de intervenes em mbito hospitalar.

    O modelo tem como proposta a ateno integral sade e coloca as aes de promoo

    e de proteo, lado a lado com aquelas propriamente ditas de recuperao. Sendo assim, de

    4 http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/hsentinela/historico.htm

  • 27

    responsabilidade da Ateno Bsica detectar as necessidades, providenciar os

    encaminhamentos necessrios, acompanhar a evoluo do tratamento, devendo tambm

    acompanhar e buscar manter a sade oral no perodo ps-tratamento. Levando-se em

    considerao a complexidade dos problemas da populao e a busca continua de aumentar a

    oferta e a qualidade dos servios, a PNSB recomenda a organizao e desenvolvimento das

    aes de:

    a) Preveno e controle do cncer bucal Exames preventivos de rotina e acompanhar

    casos suspeitos e/ou confirmados. Referenciar tratamento;

    b) Implantao e aumento da resolutividade do pronto-atendimento Organizado de

    acordo com a realidade local, com avaliao da situao de risco para a sade bucal e

    orientao para a continuidade ao tratamento;

    c) Incluso de procedimentos mais complexos na Ateno Bsica e fase clnica da

    reabilitao prottica na Ateno Bsica Inserir procedimentos mais complexos com o

    intento de aumentar o vnculo, a credibilidade e o do valor da existncia do servio; e

    d) Ampliao do acesso Por sua insero transversal, a sade bucal pode ser trabalhada

    nos diversos programas integrais de sade, tanto por linha de cuidado como por condio

    de vida.

    Em relao s faixas etrias a PNSB orienta o seguinte:

    a) Grupo de 0 a 5 anos: as aes de sade bucal devem aproveitar a atuao

    multiprofissional sendo parte de programas integrais a sade;

    b) Grupo de crianas e adolescentes (6-18 anos): Aes adaptadas situao

    epidemiolgica. Ateno curativa individual para pacientes de maior risco e garantia de

    fluxo para o atendimento do adolescente;

    c) Grupo de Gestantes: Ao iniciar o pr-natal a gestante deve ser encaminhada consulta

    odontolgica. importante para receber cuidados para si, alm de ser fundamental para

    a introduo de bons hbitos de higiene oral e alimentao na vida de seu filho, pois a

    me tem papel fundamental nos padres de comportamento apreendidos durante a

    primeira infncia.

    d) Grupo de adultos: a dificuldade de compatibilizar horrios de consulta com o trabalho

    por vezes agrava as necessidades preexistentes. Buscar disponibilizar horrios

    alternativos; e

  • 28

    e) Grupo de idosos: a sade bucal fator preponderante para a uma boa qualidade de vida

    e o acesso deve ser garantido. Alm disso, o planejamento das aes deve considerar o

    Estatuto do Idoso.

    Os Centros de Referncia de Especialidades Odontolgicas (CREO) so as unidades

    responsveis pelos atendimentos especializados e funcionam a referncia para as equipes de

    Sade Bucal da Ateno Bsica. Entre os procedimentos especializados cita-se: tratamentos

    cirrgicos periodontais; endodontias; dentstica de maior complexidade; procedimentos

    cirrgicos especializados; dentre outros.

    A Estratgia de Sade da Famlia tem como eixos fundamentais o territrio e a

    populao adscrita, o trabalho em equipe e a intersetorialidade. A visita domiciliar da equipe

    de sade bucal tem por objetivo estratgico ampliar o acesso ao cuidado e criar vnculos entre

    a populao e os servios. As visitas da equipe de sade bucal s pessoas acamadas ou com

    dificuldades de locomoo visam identificao dos riscos para possibilitar o tratamento das

    necessidades e a manuteno da sade bucal.

    Percebe-se, dessa forma, no campo odontolgico, uma atividade complexa e com muitas

    peculiaridades, o que eleva o risco potencial para a ocorrncia de EA. No Brasil no se

    encontrou estudos que versassem especificamente sobre a segurana do paciente em

    odontologia durante a pesquisa exploratria para a construo deste estudo. Na literatura

    internacional, apesar de poucos em relao s outras reas da sade, alguns estudos vm sendo

    desenvolvidos nos ltimos anos com esta preocupao. Descrever-se- a seguir os estudos

    encontrados.

    4.3 A segurana do paciente em odontologia

    Os estudos especficos sobre o tema Segurana do Paciente em odontologia so

    escassos. Na pesquisa feita para este estudo, o primeiro que se encontrou foi o de LEONG et al

    (2008) que versou sobre a cultura de segurana do paciente odontolgico. Os autores realizaram

    um inqurito em faculdades de odontologia dos EUA utilizando um instrumento desenvolvido

    pela Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) e compararam os resultados com

    estudos que utilizaram o mesmo instrumento em hospitais. Diferentemente das faculdades de

    medicina, enfermagem e farmcia onde a prtica se d em hospitais, em odontologia o paciente

    recebe atendimento na prpria faculdade. Os resultados mostraram uma menor propenso aos

    relatos de EA, o que levou inferncia de que os sistemas de notificao nas faculdades

  • 29

    poderiam ser pouco amigveis, que havia receio de julgamento, falta de tempo, falta de

    reconhecimento do valor da notificao e falta de retorno sobre a sua utilidade. Sugeriram que

    as escolas participantes da pesquisa reduzissem barreiras e criassem um ambiente seguro para

    notificaes. As escolas de odontologia tambm foram consideradas menos proativas em

    relao ao aprimoramento da segurana do paciente. No entanto, na avaliao geral dos

    entrevistados o grau geral de segurana do paciente mais alto. Os autores entendem que essa

    melhor avaliao de desempenho possa ser, por exemplo, pela menor morbidade resultante dos

    erros e/ou pela a falta de conhecimento dos incidentes relatados. Portanto, apesar de uma

    avaliao global de segurana positiva, as escolas participantes devem investir na orientao de

    seus funcionrios, alunos e professores para um melhor foco no monitoramento, na melhoria

    das notificaes e nas questes de segurana dos pacientes, o que poder resultar em atitudes

    positivas para a segurana do paciente oriundas da compreenso das condies de segurana de

    suas clnicas e no de uma falta de conhecimento.

    A partir disso, se faz importante destacar algumas peculiaridades da segurana do

    paciente em odontologia que diferenciam o cirurgio-dentista de outros profissionais de sade,

    especialmente daqueles que trabalham no campo dos cuidados hospitalares (PEREA-PREZ,

    2011a; YAMALIK e PEREA-PREZ, 2012):

    1. O atendimento odontolgico , em geral, menos agressivo que o atendimento mdico-

    cirrgico e, consequentemente, gera danos mais leves. Mas como os procedimentos dentrios

    so muito numerosos e repetitivos, se aliado sofisticao tecnolgica e ao contato bem

    prximo com sangue e fluidos corporais, um cuidado potencialmente sujeito ocorrncia de

    EA que podem levar, inclusive, ao bito.

    2. Distinto do ambiente hospitalar, que altamente estruturado e hierrquico, o

    atendimento odontolgico, na maior parte do mundo, se presta em pequenos consultrios por

    profissionais isolados e com pouca conexo entre eles, isso delimita o conhecimento acerca da

    ocorrncia dos EA.

    3. Na configurao ambulatorial as manifestaes causadas por um problema no

    tratamento dental so muitas vezes atendidas por outros profissionais de sade (emergncia

    mdica, etc.) e o prprio dentista no tem conhecimento do ocorrido.

    4. Como o atendimento odontolgico principalmente privado, muitas vezes a

    ocorrncia de EA ocultada para evitar o impacto negativo na clientela.

    5. H uma falta geral de conhecimento sobre a cultura da segurana do paciente entre

    os dentistas, pois esse assunto mais frequentemente abordado no ambiente hospitalar

  • 30

    (campanhas, cursos, maior controle dos EA), por esta razo os profissionais que trabalham

    nestes locais se encontram mais familiarizados com o problema.

    Sendo assim, o investimento na cultura organizacional e na implementao de medidas

    voltadas para um cuidado mais seguro na prtica odontolgica, se fazem imprescindveis para

    o aprimoramento da segurana do paciente em odontologia. De acordo com YAMALIK e

    PEREA-PREZ (2012) todos (formuladores de poltica, profissionais de sade, pacientes,

    acadmicos e organizaes) devem envidar esforos e estar familiarizado com o contexto geral

    de segurana do paciente. Para os autores, o primeiro passo a avaliao inicial da cultura

    organizacional atual (que deve continuar a ser medida com instrumentos confiveis); tambm

    so importantes o desenvolvimento e a introduo de programas de gesto de recursos e a

    adoo de uma prtica clnica baseadas em evidncias, assim como a busca da reduo das

    variaes entre os estabelecimentos de sade e a partilha de experincias bem-sucedidas.

    Sugerem: realizar treinamento para incentivar a assimilao da cultura e o compartilhamento

    de experincias dando destaque ao papel da liderana; conceber protocolos para tornar as

    manobras e atividades potencialmente menos perigosas; estabelecer limites que no devem ser

    ultrapassados na prtica diria, mas que se forem ultrapassados (provavelmente por uma razo

    excepcional) devem ser justificados no registro clnico (Ex.: no realizar tratamento

    endodntico sem isolamento absoluto; no reutilizar recipientes descartveis; no prescrever

    nenhuma droga sem consultar o registro clnico do paciente e sem diretamente perguntar ao

    paciente sobre alergias ou outros problemas de sade e nunca tomar um raio-X em uma mulher

    em idade frtil sem proteo e sem perguntar sobre possvel gravidez). Preconizam a reduo

    da influncia hierrquica com treinamento em equipe multidisciplinar e consideram que a

    promoo da segurana do paciente uma obrigao tica, bem como a qualidade do tratamento

    est diretamente ligada ao sucesso do resultado e, por conseguinte, reduo da probabilidade

    de ocorrncia de EA e de seus custos econmicos associados. Alm disso, implicam numa

    melhor segurana jurdica para os cirurgies-dentistas que ficam menos expostos ao litgio.

    Importante destacar que o prof. Perea-Perz, referenciado no pargrafo anterior,

    diretor do OESPO (Observatorio Espaol para la Seguridad del Paciente Odontolgico) e

    grande parte dos artigos encontrados, tiveram a sua participao. Resumir-se- alguns a seguir:

    A proposta de um plano de gerenciamento de risco da assistncia odontolgica com a

    inteno de implementar a gesto dos riscos no atendimento odontolgico no territrio espanhol

    composta pelos seguintes objetivos: 1) promover a cultura de segurana dos pacientes em

    cuidados odontologia; 2) ampliar os termos de segurana do paciente em geral e do atendimento

  • 31

    odontolgico em particular; 3) criar uma estrutura organizacional abrangendo todo o territrio

    para a gesto de riscos no cuidado; 4) desenvolver ferramentas para a identificao, anlise e

    avaliao dos riscos relacionados com o atendimento odontolgico; 5) estabelecer linhas de

    informao oriundas de diferentes fontes (bibliogrficas; proveniente de organizaes

    semelhantes OESPO; proveniente de queixas ou reclamaes; originrias de denncias

    annimas voluntrias feitas por profissionais ou pacientes); 6) estabelecer medidas destinadas

    a prevenir os riscos tanto em nvel de um local especfico (quando a existncia de um risco

    especfico resultante de uma circunstncia em particular que foi verificada em um

    determinado local) quanto em um nvel geral (quando envolvendo risco conhecidos como:

    preveno de infeces em consultrios odontolgicos; preveno de erro cirrgico; preveno

    de erro na prescrio de medicamentos) e que possam ser traduzidas em recomendaes simples

    de boas prticas clnicas, sendo importante analisar as experincias e recomendaes de outras

    entidades similares; 7) a formao contnua de profissionais na segurana do paciente; 8) a

    investigao no domnio da segurana do paciente odontolgico para aumentar o conhecimento

    sobre o tema (PEREA-PREZ et al, 2011a).

    A construo de listas de verificao para cirurgia odontolgica ambulatorial e

    endodontia tambm so contribuies importantes que contaram com a participao do autor.

    Estas listas pretendem ser de utilizao simples e rpida requerendo pouco tempo da equipe

    clnica. Com a lgica e sistematizao que leva em conta conceitos bsicos para aumentar o

    nvel de segurana do paciente a sua aplicao pretende tambm evitar erros ou distraes e,

    ainda, podem ser de valor significativo se houver aes legais (PEREA-PREZ et al, 2011a;

    DAZ-FLORES-GARCA et al, 2014).

    J no sentido de conhecer o problema e quantificar o dano decorrente do cuidado

    odontolgico, Perea-Prez et al (2014) verificaram 4.149 aes judiciais na Espanha nos anos

    de 2000 a 2010 dos quais, 415 foram atribudos odontologia e analisadas pelos autores. Quase

    metade (44,3%) foi considerada previsvel e evitvel e as maiores frequncias decorreram de

    tratamentos de implante dentrio, endodontia e cirurgia oral. E tambm quase metade exigiu

    internao hospitalar para o tratamento (46,2%), o que condiz com um importante vis desta

    anlise (posto tratar-se de lides judiciais, a maior parte so relatos graves); os tratados e

    resolvidos no prprio centro em que ocorreram foi de apenas 3,4%. A conseqncia mais

    comum foi a perda de dentes, embora consequncias mais graves tenham sido descritas, tais

    como danos permanentes aos troncos nervosos, leses ao globo ocular, perda ssea

    significativa, leso crnica do seio e at mesmo a morte do paciente. Os autores colocam ainda,

  • 32

    que um esforo significativo tem sido feito pela World Dental Federation (FDI) e pelo Council

    of European Dentists (CED) e destacam a iniciativa do Conselho Geral de dentistas e

    Estomatologistas da Espanha em criar o Observatrio Espanhol para a Segurana do Paciente

    Odontolgico (OESPO). Frisam que para estudar o EA em profundidade e propor medidas para

    a sua preveno essencial determinar como e onde eles ocorrem para que as medidas de

    preveno propostas se baseiem no conhecimento da situao real (frequncia e gravidade).

    Os autores acima tambm advertem que, no campo da odontologia, a maioria dos

    estudos disponveis esto limitados s descries de EA individuais ou de pequenas sries de

    casos e citam dois estudos mais amplos: Thusu et al (2012) e Hiivala, Mussalo-Rauhamaa,

    Murtomaa (2013a). O primeiro colheu seus dados de janeiro a dezembro de 2009 por meio de

    registros eletrnicos de incidentes reportados anonimamente base de dados da Agncia

    Nacional para a Segurana do Paciente (criada para atender ao Sistema Nacional de Sade da

    Inglaterra e do Pas de Gales). Dos 2.339 registros encontrados, 327 foram atribudas

    incidentes relacionados odontologia. No segundo, os autores analisaram questionrios

    respondidos por 1041 dentistas finlandeses no ano de 2010 onde se perguntou o nmero e o

    tipo de incidente ocorridos nos ltimos 12 meses em sua prtica. O resultado foi que quase um

    tero dos dentistas relatou algum incidente nos ltimos e dos 872 relatos, 53% foram

    classificados como EA, 45% como near miss e 2% no foram classificados. A concluso foi de

    que os EA menos graves e os nears misses so comuns na Finlndia, especialmente em cirurgia

    dentria, tratamento endodntico e tratamento restaurador. Este ltimo foi um dos estudos que

    foi objeto da tese de doutorado finlandesa que ser referida um pouco mais adiante, ainda neste

    captulo (HIVALLA, 2016).

    Por fim, mais recentemente, em 2015, por meio da anlise dessa amostra

    retromencionada (415 danos decorrentes do cuidado odontolgicos) Perea-Prez et al

    verificaram que um pequeno nmero de circunstncias propicia um grande nmero de EA. Com

    isso, sugerem 11 procedimentos bsicos para a prtica da segurana do paciente odontolgico.

    So eles: 1) Desenvolver uma cultura de segurana do paciente e um sistema de cuidados de

    sade focado na priorizao da segurana do paciente; 2) Cuidar da qualidade dos registros

    clnicos; 3) checar procedimentos para a limpezas, desinfeco, esterilizao e preservao dos

    instrumentos clnicos; 4) exercer extremo cuidado quando for prescrever medicamentos; 5)

    limitar a exposio do paciente radiao ionizante ao extremamente necessrio; 6) nunca

    reutilizar embalagens ou substncias indicadas para um nico uso clnico; 7) proteger os olhos

    do paciente durante os procedimentos; 8) estabelecer barreiras para preveno do ingesto ou

  • 33

    inalao de materiais e pequenos instrumentos; 9) usar listas de verificao em todos os

    procedimentos cirrgicos; 10) monitorar o incio e a progresso da infeco na cavidade oral; e

    11) ter um protocolo para emergncias de ameaa de vida na clnica dentria.

    Uma reviso retrospectiva de artigos cientficos realizada por Obadan et al (2015) reuniu

    EA em odontologia relatados no idioma ingls de 1970 a 2013. A reviso encontrou 182 estudos

    com 270 EA. Em relao a gravidade e a temporalidade do dano, obtiveram o seguinte: 91

    relatos foram de danos temporrios; 66 de danos permanente; 65 precisaram de tratamento

    hospitalar de emergncia ou internao, mas o dano foi revertido, enquanto 18 pacientes

    passaram a necessitar de suporte vida e 30 foram ao bito. Na classificao dos EA tm-se

    como os mais frequentes (N=62) o tratamento tardio, desnecessrio ou a progresso da doena

    por erro de diagnstico; complicaes sistmicas foi a segunda maior categoria (N=57);

    seguidas de reaes alrgicas/hipersensibilidades (N=29) e infeces sistmicas (N=28); as

    demais categorias agregam EA que, entre outros, vo desde a injeo acidental de substncias,

    aspirao se corpo estranho, anorexia nervosa induzida por tratamento ortodntico, at o mal

    posicionamento de implantes dentrios com prejuzos estticos.

    Uma tese de doutorado (HIIVALA, 2016) objetivou proporcionar conhecimentos acerca

    dos incidentes odontolgicos incluindo EA e Near Miss. A autora buscou compreender os

    fatores que contribuem para o problema e o que poderia ser feito para prevenir a sua recorrncia.

    Para isso se baseou em duas fontes de dados obtidos a partir de quatro estudos anteriores,

    tambm de sua autoria em colaborao com outros autores. O primeiro conjunto de dados era

    oriundo das respostas de 54% dos dentistas membros da Associao Dental Finlandesa e que

    praticavam a odontologia nas regies do Sul, do Sudoeste e no interior da Finlndia em 2010.

    Os questionrios foram enviados por meio eletrnico e inquiriam acerca da ocorrncia de

    incidentes odontolgicos que tivessem cometido ou tomado conhecimento em sua prtica no

    ano anterior (HIIVALA, MUSSALO-RAUHAMAA, MURTOMAA, 2013a; HIIVALA,

    MUSSALO-RAUHAMAA, MURTOMAA, 2013b). O segundo conjunto de dados foi

    compilado a partir de estudos da avaliao de 948 notificaes feitas aos rgos de superviso

    e controle do Estado entre 2000-2012 (HIIVALA, MUSSALO-RAUHAMAA, MURTOMAA,

    2015; HIIVALA et al 2016). Os resultados das anlises quantitativas e qualitativas

    demonstraram diferentes retratos quando comparando os dois grupos: a maioria dos relatrios

    de incidentes feitos por dentistas apresentavam incidentes com baixa gravidade, ao passo que

    as queixas do paciente e das instncias regulatrias apresentavam incidentes mais graves. Os

  • 34

    incidentes mais graves foram raros, enquanto os menos graves foram mais comuns. Foram

    identificados vrios fatores contribuintes, tanto ativos quanto latentes.

    Os dentistas no diferenciaram a taxa de incidncia entre a prtica pblica e a privada,

    mas dois teros das queixas do paciente e outras notificaes apontam para os profissionais

    privados e a maioria foi feita diretamente contra os profissionais, apenas uma minoria foi contra

    as organizaes. J a prtica odontolgica variou entre indivduos e organizaes de acordo

    com a sua cultura. Mostrou que a questo complexa e multidimensional. A tese tambm

    demonstrou que os pacientes e suas famlias so capazes de identificar vrios incidentes e

    circunstncias perigosas que no seriam capturadas de outro modo.

    A autora sugere que o investimento numa cultura de segurana propcia aos relatos de

    incidentes com foco no aprendizado e no na culpa, podem melhorar a segurana do paciente.

    Assim como o desenvolvimento de maneiras proativas para intervir rapidamente mediante a

    queixa pode evitar a evoluo do problema. Acrescenta que questes de segurana do paciente

    devem ser implementadas em cursos de graduao, ps-graduao e formao contnua

    profissional e que mais pesquisas devem usar diferentes conjuntos de dados e grupos-alvo

    (profissionais de sade, pacientes e suas famlias), incluindo consequncias fsicas, emocionais,

    sociais e econmicas necessitam ser implementadas para que se tenha domnio do campo.

    A autora observa ainda, que as especialidades odontolgicas que apresentaram maior

    nmero de ocorrncia de EA foram as de Prtese Dentria, de Cirurgia e Traumatologia Buco-

    Maxilo-Faciais e a de Endodontia. Esse achado corroborou com o que encontraram Pera-Perez

    et al (2014) e Pera-Perz et al (2015) sendo que neste ltimo estudo, os autores tambm

    mencionam as especialidades de implantodontia e ortodontia.

    Corroborando com o exposto, conclui-se que os relatos de EA em odontologia

    publicados fornecem uma janela para a compreenso de sua natureza e extenso, mas que ainda

    h uma escassez de publicaes na literatura odontolgica, especialmente no contexto

    brasileiro, que possibilite uma melhor compreenso do assunto.

    Outro estudo feito por Bailey (2015) na universidade de Manchester, no Reino Unido,

    com 12 cirurgies-dentistas muito experientes (25 anos de prtica docente e clnica, em mdia),

    exprime a viso contempornea destes sobre a segurana do paciente, suas opinies e ideias

    para manter ou melhorar as prticas de segurana. Os pontos de vista colhidos a partir de grupos

    focais foram sobre os seguintes assuntos: conceituao do tema, as questes importantes,

    salvaguardas e ferramentas para manuteno de cuidados seguros, eventos sentinelas e

    prioridades de investigao. Como principais resultados obteve-se que as maiores dificuldades

  • 35

    esto em lidar com a histria mdica (polifarmcia e comorbidades), as competncias e nvel

    de habilidade, o uso de salvaguardas e de ferramentas para garantir a segurana, a importncia

    de uma comunicao eficaz (entre o profissional e o paciente e/ou o acompanhante) e a prtica

    reflexiva. As melhorias sugeridas foram: o melhor compartilhamento de informaes com

    outros profissionais de sade, maior acesso a orientaes e ferramentas educacionais, adoo

    de protocolos de prtica clnica, trabalho em equipe e o uso de sistemas de grficos universais

    para limitar a ambiguidade. Concluram que os dentistas so bem versados no conceito de

    segurana do paciente e esto ansiosos para implementar ferramentas baseadas em evidncias

    e/ou intervenes destinadas a melhorar a segurana de seus pacientes.

    Por fim, toda a complexidade do atendimento em sade compreende fatores inerentes

    ao ambiente e ao humana que, em odontologia, como descrito acima, podem ter as chances

    de ocorrncia de danos amplificadas mediante uma atuao solitria e fragmentada em

    consultrios individualizados, mesmo nos ambulatrios do SUS.

    Sendo assim, aps lanar mo desse arcabouo inicial, se percebe que o movimento

    internacional em direo busca de um cuidado odontolgico mais seguro vem se

    consolidando. Como bem representado pela figura 1 (ciclo de investigao da rea de segurana

    do paciente) constante na Introduo deste trabalho importante, de incio, medir o dano.

    Desta forma, ingressa-se no prximo tpico com a finalidade de identificar as principais

    metodologias apresentados na literatura para auxiliar na adaptao dos rastreadores que se

    pretende construir para a realidade brasileira.

    4.4 Metodologias encontradas na literatura para a deteco de EA e outros incidentes

    Para avaliar a segurana das intervenes no processo de atendimento em sade, se faz

    necessrio o desenvolvimento e a implementao de ferramentas apropriadas para a

    identificao e o monitoramento dos EA.

    Thomas e Petersen (2003) identificaram e discutiram as vantagens e desvantagens de

    oito mtodos usados com a finalidade de medir a ocorrncia de erros e EA no cuidado de sade.

    Houve enfoque na confiabilidade, na validade e na capacidade de cada mtodo para detectar

    erros latentes (ou erros do sistema organizacional), erros ativos (diretamente atribudos ao

    profissional) e EA. Com isso propuseram um referencial bastante til para gestores e

    pesquisadores com as abordagens utilizadas para medir erros e EA, apresentado na figura

    abaixo:

  • 36

    Figura 2 Esquema representativo da utilidade relativa das abordagens para medir erros e EA

    Fonte: Souza, Lage e Rodrigues (p. 97, 2014)

    Com propsito semelhante, Murff et al (2003) fazem um levantamento da literatura e

    classificam os mtodos em manuais e combinados. Os mtodos manuais so os mtodos de

    notificao voluntria (relato de incidentes e notificao espontnea) e os mtodos de relatrios

    involuntrios (reviso de pronturios, observao e entrevistas com pacientes). E os

    combinados so os que juntam os mtodos manuais aos dados eletrnicos advindos dos sistemas

    de deteco de infeces hospitalares, assim como dos dados originrios do monitoramento

    eletrnico dos EA ocasionados por medicamentos.

    Identificam que os mtodos manuais so limitados pelas provveis subnotificaes e

    listam alguns motivos para isso: a interrupo do fluxo de trabalho; a falta de crena do

    trabalhador de que seu relato ir se traduzir em melhoria; a no percepo de que um EA

    ocorreu; e, por ltimo, o medo de expor-se ao litgio. J nas entrevistas com pacientes, assim

    como nos relatos de observadores, detectam como limitaes a substancial exigncia de

    recursos e a sujeio grande subjetividade, mas destacam que a observao do cuidado pode

    ser fundamental para a deteco de EA que no seriam visveis por outros meios. Outra

    limitao importante so os recursos para mant-las. Os mtodos combinados mitigam um

    pouco os custos por diminuir o tempo de anlise e pela possibilidade de utilizar menos recursos

  • 37

    humanos, todavia tem a dificuldade de encontrar codificaes eletrnicas apropriadas e

    abrangentes.

    Frisam que a maioria dos erros no resultam em EA e concluem que a reviso manual

    de pronturio considerada padro-ouro, mas que cara e imperfeita, pois conta com a

    subjetividade do revisor e que com a combinao com a triagem eletrnica pode vir a render

    melhores resultados. Referem que todas as metodologias captam um nmero limitado de

    acontecimentos adversos, que, embora teis, podem representar apenas a ponta do iceberg

    com a tendncia a vieses inerentes a cada uma delas.

    importante aqui abrir um parntese para falar um pouco do gerenciamento do risco na

    rea de sade. Seu manejo est diretamente ligado origem de suas causas. O problema do EA

    pode ser abordado pelo enfoque nas falhas individuais, onde se procura a culpa em atos

    inseguros - erros e violaes de procedimento - das pessoas que prestam o cuidado direto; ou

    pelo enfoque que inclui as armadilhas do local de trabalho e dos processos organizacionais.

    Neste ltimo, os erros humanos so vistos como consequncias e no como causas. Suas

    contramedidas baseiam-se no pressuposto de que, embora no possamos mudar a condio

    humana, podemos mudar as condies sob as quais os seres humanos trabalham (REASON,

    2000).

    Entretanto, a tradio dominante na medicina a de buscar a causa no erro do indivduo

    e desta forma as contramedidas sero dirigidas, principalmente, reduo da variabilidade

    indesejada no comportamento humano com restries e punies individuais. Porm, a cultura

    da culpabilidade um importante entrave segurana do paciente (YAMALIK e PEREA-

    PREZ, 2012) e, desta forma, haver sempre uma grande dificuldade no combate e no

    gerenciamento do problema, pois haver a tendncia de se omitir relatos de erros o que

    prejudica a atuao sobre eles (REASON, 2000).

    Uma reviso sistemtica da literatura feita pela Health Quality & Safety commission

    New Zealand (2016) traz uma comparao entre as vantagens e as desvantagens de uma srie

    de mtodos existentes para avaliar a extenso dos danos que ocorrem nas instituies de sade.

    Essa reviso explica que tentativas convencionais para quantificar danos (como por exemplo

    relatrios de incidentes) so limitados, notoriamente pela baixa notificao de incidentes, talvez

    por medo de punio; as revises de pronturios e os estudos observacionais so muito

    dispendiosos; os indicadores baseados em dados administrativos podem no ter relevncia

    clnica; casos identificados a partir de reivindicaes de negligncia, sries de autpsia ou

  • 38

    reclamaes podem no ser representativos. Os autores expuseram essas inferncias no quadro

    esquemtico abaixo:

    Quadro 1 Vantagens e desvantagens dos mtodos para detectar danos no cuidado em sade

    Mtodo

    Vantagens Desvantagens

    Reviso de

    pronturio

    Fcil avaliao,

    especialmente se os

    registos forem eletrnicos

    processo caro

    necessita de revisores treinados

    dificuldade com a padronizao do

    julgamento

    no possvel detectar EA no

    documentados nos registros

    Ferramentas de

    rastreamento

    facilidade para pesquisar

    grande volume

    pode gerar

    automaticamente relatrios

    peridicos

    pode ser em tempo real

    no possvel detectar todos os eventos

    necessita de recursos para configur-lo

    ainda precisa de reviso de pronturios

    para confirmar EA

    Dados

    administrativos

    dados prontamente

    disponveis

    fcil de analisar

    Variao na codificao

    Dados incompletos

    Dados separados do contexto clnico

    Reclamaes de

    m-prtica

    Mltiplas perspectivas

    (sistema legal)

    Vis de relatrios retrospectivos

    fonte no-padronizada de dados

    Observao

    Potencialmente preciso e

    capaz de detectar erros em

    tempo real

    Processo caro

    Precisa de observadores treinados

    efeito Hawthorn5

    ameaa equipe ou confidencialidade

    do paciente

    vis de percepo

    grande quantidade de informaes

    Sries de

    autpsia Fornecida pelos familiares

    pouco frequentes e de seleo no-

    aleatria

    vis retrospectivo

    vis de relatrios

    focado em diagnosticar o erro

    Conferncias de

    mortalidade e

    morbidade

    fornecida pelos

    familiares

    Casos selecionados mais

    propensos a ter erros

    erro pode no ser reconhecido facilmente

    vis retrospectivo

    vis de relatrios

    Queixas mltiplas perspectivas poucos recursos

    vis de relatrio

    vis retrospectivo Precisa de processo para investigar os

    eventos de forma confivel.

    Fonte: The global trigger tool: A review of the evidence (2016 edition) (p.8). Traduzido pela

    autora.

    5 Indivduos que sabem que so participantes de um estudo e que esto sendo observados se comportam de forma

    diferente.

  • 39

    A adaptao de alguns desses instrumentos para estudo e anlise da ocorrncia de EA

    no contexto brasileiro j vem acontecendo, principalmente no mbito hospitalar (MENDES et

    al, 2005) e, mais recentemente, tambm na ateno primria, apesar das dificuldades que

    pudessem vir a limitar a traduo e a confeco do instrumento, como a pouca familiaridade

    com os conceitos de segurana do paciente. Esse empecilho foi contornado com a apresentao

    de um glossrio com os conceitos relativos ao tema segurana do paciente aos especialistas que

    fizeram a adaptao e traduo do instrumento (MARCHON, 2015).

    Especificamente para odontologia poucas ferramentas vm sendo desenvolvidas na

    busca por uma melhoria da segurana nos procedimentos odontolgicos como demonstram

    Bailey et al (2015). Em uma reviso sistemtica os autores visaram apreender estudos que

    versassem sobre metodologias que foram desenvolvidas para auxiliar na gesto dos servios e

    na prtica odontolgica com enfoque na segurana do paciente. O objetivo foi identificar,

    avaliar e discutir vantagens e limitaes das ferramentas ou intervenes utilizadas em

    ambientes de cuidados dentrios para manter ou melhorar a segurana do paciente. As

    Ferramentas identificadas foram: listas de verificao (quatro); sistemas de notificao (trs);

    o uso de alertas eletrnicos (um); e ferramentas de rastreamento (uma).

    Das quatro listas de verificao encontradas, trs eram voltadas para a cirurgia segura.

    Duas destas evidenciavam benefcios, principalmente quanto a no ocorrncia de extrao de

    elemento dentrio errado, posto que nos dois estudos relatou-se a extrao errnea de 5 dentes

    de dois a trs anos antes da implementao da lista de verificao, enquanto que aps os 24

    meses de sua implementao nenhum caso ocorreu em ambos os locais. Um terceiro estudo no

    deu detalhes se a adoo da lista de verificao levou a um decrscimo nesses enganos. A quarta

    lista se volta para o diagnstico de tumores malignos em pacientes com trismo. Esse sintoma

    comum nos distrbios da articulao temporomandibular (ATM) o que pode levar ao erro ou

    ao atraso no diagnstico de malignidade, e, consequentemente, na instituio do seu tratamento.

    Esses quatro estudos so de observao e os autores frisam que os resultados, embora claros,

    devem ser interpretados com cautela devido falta de grupos de controle.

    Os trs artigos sobre o uso de sistemas de comunicao em odontologia se tratavam de

    estudos epidemiolgicos com resultados semelhantes que giravam em torno das reaes

    adversas aos materiais dentrios. As suas concluses foram de que as causas mais frequentes

    so de reaes adversas aos metais (incluindo amlgamas) em pacientes, e produtos de ltex

    em profissionais de odontologia (luvas). Eles tambm descobriram que no existem critrios

    padronizados quanto ao que constitui uma reao adversa a um material dentrio e que ocorria

  • 40

    o problema da subnotificao. Os autores reconheceram que preciso uma quantidade

    considervel de tempo para se estabelecer um sistema de comunicao proativo.

    O estudo que avaliou a utilizao de alertas eletrnicos baseados em diretrizes clnicas

    verificou que a taxa na qual os praticantes acessavam as orientaes aumentava durante os

    primeiros seis meses, mas que at o final do perodo de estudo (18 meses), a taxa de utilizao

    de orientaes havia retornado aos nveis basais. Os efeitos clnicos dos acessos a essas

    diretrizes, ou se elas tm algum impacto nos resultados de segurana do paciente no ficou

    claro.

    A ferramenta de rastreamento encontrada, um conjunto de registros que quando

    presentes nos pronturios poderia indicar a presena de EA, ser descrita no captulo 6.3 desta

    dissertao (Os rastreadores - triggers tools).

    E, por fim, a concluso a que chegaram foi que as nicas intervenes em odontologia

    que reduzem ou minimizam os efeitos adversos so as listas de verificao para a cirurgia

    segura.

  • 41

    5 MTODO

    O mtodo considerado padro ouro para detectar os EA no cuidado em sade a reviso

    retrospectiva de pronturios (MURFF et al, 2003). Esse mtodo pressupe duas fases, uma

    explcita e outra implcita. Na fase explcita, profissionais treinados selecionam pronturios

    com potenciais EA, atravs de um conjunto de rastreadores composto por critrios explcitos.

    Eles servem para separar pronturios com potencial para apresentar EA, que, neste estudo, so

    os incidentes com danos ocasionados pelo cuidado odontolgico. A presena de apenas um

    destes critrios j seleciona o pronturio para a segunda fase na qual um mdico revisor

    confirma, ou no, a presena de EA (WHO, 2012a).

    O presente estudo teve como objetivo geral elaborar um conjunto de rastreadores para

    detectar potenciais EA no cuidado odontolgico ambulatorial no Brasil. A hiptese norteadora

    que rastreadores j utilizados no mtodo de reviso retrospectiva de pronturios em outras

    reas da sade poderiam ser adaptados para auxiliar na deteco especfica de EA

    odontolgicos ambulatoriais. O caminho percorrido para se chegar ao objetivo geral comps-

    se de seus dois objetivos especficos: conhecer os principais tipos de EA oriundos do cuidado

    odontolgico e identificar os principais rastreadores utilizados para detectar EA no cuidado em

    sade.

    Foi conduzido em duas etapas. Na primeira foi feita uma reviso da literatura de forma

    exploratria e descritiva para atingir aos objetivos especficos. Na segunda buscou-se adaptar

    os rastreadores ao cuidado odontolgico ambulatorial no Brasil para se alcanar o objetivo

    geral.

    A adaptao dos rastreadores contou com a expertise de um painel de especialistas das

    reas odontolgica e de segurana do paciente. Para isso se empregou o mtodo Delphi

    modificado. A tcnica baseia-se na consulta de opinies especializadas partindo do pressuposto

    que um julgamento coletivo, adequadamente conduzido, melhor que a opinio de um nico

    indivduo (DALKEY, 1969). Caracteriza-se pela troca annima de informaes e a

    possibilidade de reviso de vises individuais com o objetivo de obter uma opinio coletiva

    sobre determinadas questes (WRIGHT e GIOVINAZZO, 2000). Abriu-se a possibilidade de

    reunir os especialistas em um encontro presencial, mas isso no foi necessrio. Todavia, a

    autora do estudo, que tambm foi a mediadora das respostas dos participantes, interagiu com

    estes e, alm disso, a troca de informaes se deu por meio eletrnico, o que caracterizou a

    modificao do mtodo primariamente idealizado.

  • 42

    5.1 O mtodo Delphi

    O mtodo Delphi foi desenvolvido na dcada de 1950 pelo RAND Corporation.

    Instituio de pesquisa sem fins lucrativos, apartidria, foi constituda ao final da II Guerra

    Mundial. Inicialmente, teve o objetivo de conectar o planejamento militar americano ao

    desenvolvimento industrial e de pesquisa do pas. Porm, aps os primeiros anos, na dcada de

    60, ampliou seu foco dentro e fora dos Estados Unidos e, atualmente, a pesquisa da RAND

    encomendada por uma clientela global que inclui agncias governamentais, fundaes e

    empresas do setor privado em diversas reas. Ao contextualizar a instituio de onde partiu o

    mtodo obtm-se a exata dimenso de