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56 Dica Cultural ARTE PRÉ-COLOMBIANA POR JULIO LANDMANN Minha história de vida está intimamente relacionada à arte pré-colombiana. Meu pai, Oscar Landmann, começou a colecionar artefatos de arte pré- colombiana no final dos anos 30, durante suas inúmeras viagens pela América do Sul. Naquela época, só eram valorizadas as peças em ouro e prata e todas as outras, cerâmicas e tecidos, que caiam nas mãos dos chamados “caçadores de tesouros”, eram destruídas. Meu pai considerava igualmente preciosos os tecidos e a cerâmica e começou a colecioná- los, evitando assim que fossem extinguidos pelos “caçadores de tesouros”. Várias exposições sobre arte pré- colombiana já foram realizadas no Brasil. A primeira delas foi na década de 60. Em 2006, fomos privilegiados com a mostra “Por ti América”, idealizada pelo Banco do Brasil e com recorde de visitação. Reuniu objetos pré-colombianos de várias regiões, desde o sul da Patagônia até o Alaska. Em 2006, a Pinacoteca trouxe uma exposição exclusivamente do Perú, a região mais expressiva

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Are pré-colombiana

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Dic

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ultur

al ARTE

PRÉ-COLOMBIANAPOR JULIO LANDMANN

Minha h i s tó r i a de v ida e s t á i n t imamen t e r e l a c i on ada à arte pré-colombiana. Meu pai, Oscar Landmann, começou a colecionar artefatos de arte pré-colombiana no final dos anos 30, durante suas inúmeras viagens pela América do Sul . Naquela época, só eram valorizadas as peças em ouro e prata e todas as outras, cerâmicas e tecidos, que caiam nas mãos dos chamados “caçadores de tesouros”, eram destruídas. Meu pai considerava igualmente preciosos os tecidos e a cerâmica e começou a colecioná-los, evitando assim que fossem extinguidos pelos “caçadores de tesouros”.

Várias exposições sobre arte pré-colombiana já foram realizadas no Brasil. A primeira delas foi na década de 60. Em 2006, fomos privilegiados com a mostra “Por ti América”, idealizada pelo Banco do Brasil e com recorde de visitação. Reuniu objetos pré-colombianos de várias regiões, desde o sul da Patagônia até o Alaska.

Em 2006, a Pinacoteca trouxe uma exposição exclusivamente do Perú, a região mais expressiva

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na produção cerâmica e têxtil . Intitulada “Tesouros do Senhor de Sipán”, o foco desta mostra foi peças da fantástica tumba do Senho r de S i pán , r e cém descober ta pe lo a rqueó logo Wal te r A lva e cons iderada o equivalente latino à tumba de Tutankamon. Foi uma negociação de três anos, da qual participei, até que o governo peruano permitisse que 40% das peças or ig inais , tombadas, saíssem do Peru, pela primeira vez.

Mas ainda faltava abordar mais espec i f i camente um aspecto muito importante da arte pré-colombiana: a metalurgia. Neste campo, a Colômbia é o grande destaque. Comecei então a namorar a possibi l idade de trazer peças do Museo Del Banco De La Republica da Colômbia para uma exposição no Brasil. Com meus colegas da Pinacoteca do Estado de São Paulo, embarcamos neste projeto e conseguimos o empréstimo de aproximadamente 250 peças, as quais comporão a exposição que acontecerá na Pinacoteca entre os dias 29 de maio e 22 de agosto deste ano.

No caso da metalurgia, o mais intrigante é observar a tecnologia usada por estes povos, mais de dois mil atrás. É fantástico ver o que foram capazes de fazer. As peças de metal colombianas são menores que as peruanas, porém riquíssimas em detalhes, fruto do emprego de esmeradas técnicas. Hoje, sabemos que existiam pelo menos três técnicas para a elaboração de artefatos de metal: cera perdida (lost wax), molde aberto (open cast) e martelamento (hammering). As peças eram produzidas com os mais

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O ponto alto das culturas pré-hispânicas na Colômbia foi sem dúvida a elaboração de artefa-tos de ouro.

A cultura Calima (300BC ‒ AD 700) é considerada a primeira a produz i r objetos de ouro com a técnica de hammering / martelamento. Calima é es-pecificamente conhecida pela produção de peitorais com ele-mentos centrais em alto relevo, apresentando rostos humanos decorados com pingentes.

A cultura Tolima (300BC ‒ AD 700) é famosa pela elaboração de figuras de cabeças humanas e de animais. Tolima é provavelmente a primeira cultura a utilizar a téc-

nica de open cast (molde aberto) e da lost wax (cera perdida).

Tecnicamente falando, o open cast consiste em derramar o metal derretido em um molde elaborado em pedra, na qual foi esculpida em baixo relevo uma determinada forma. Na técnica da cera perdida, uma mistura de carvão e resina é esculpida na forma desejada e recoberta com cera, na qual de-talhes adicionais são delineados. Esta forma é recoberta com argila, deixando-se dois orifícios abertos. O metal derretido é então introdu-zido no orifício superior, derreten-do e substituindo a cera que escor-re pelo orifício inferior. Quando o metal endurece, o molde de argila é quebrado, retirando-se a peça de

O ouro pré-hispânicoouro contendo o núcleo de carvão e resina que é posteriormente retira-do mecanicamente. Desta forma os povos pré-hispânicos elaboravam figuras de ouro, ocas por dentro e extremamente detalhadas.

As técnicas desenvolvidas por Calima e Tolima tiveram seu apo-geu na cultura Quimbaya (AD 500 ‒ 1.000), que as aperfeiçoou, elaborando os mais fantásticos objetos de ouro do Novo Mundo.

As formas e técnicas desenvol-v idas pe la cu l tura Quimbaya influenciaram não somente as posteriores culturas colombianas como Darine, Sinu e Tairona, mas também todas as culturas pré-conquista da região da América

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variados tipos de metais: cobre puro, ouro e a mistura de ambos. Já havia o caráter de preciosidade do ouro, por sua raridade. Desenvolveram também o tumbago, uma mistura de cobre, prata e ouro, que fazia uso de técnicas de oxidação para que no produto final apenas o ouro aparecesse na superfície. Nesta exposição do ouro colombiano, vídeos explicarão o processo de elaboração das peças metálicas.

Os ob je tos que comporão a exposição do ouro da Colômbia eram uti l izados como colares, nar igueiras , orelheiras , etc . e representavam seres, divindades e o próprio Xamã. Acompanhavam os mortos na sua próxima vida. Estes ornamentos são verdadeiras obras de arte, repletas de beleza e importantes por si só. Além disso, são também testemunhos de um período histórico, fazem parte de um contexto, quase impossível de ser redesenhado em função da ação dos seus caçadores de tesouros.

C o m o r e c i p r o c i d a d e a o empréstimo das peças do Museo Del Oro Del Banco de La Republica d a Co l ômb i a , a P i n a co t e c a o r g a n i z a r á , em 2 0 1 1 , uma exposição do período modernista da arte brasileira na Colômbia. O objetivo desta troca é promover o intercambio entre estes dois paises, fomentando a curiosidade e despertando nos brasi leiros e co l omb i anos o de se j o de conhecer seus “vizinhos”, países com um maravilhoso potencial em história, gastronomia, cultura, fauna e flora. Era na necessidade deste intercambio cultural entre os pa í ses da Amér i ca La t ina que meu pai acreditava. Esta foi minha herança. Procuro difundi-la através de projetos como esta exposição.

Central, incluindo o Panamá, a Costa Rica e o México.

Por ocasião da chegada dos con-quistadores espanhóis, as duas culturas atuantes eram a Tairona na costa norte e a Muisca (Chib-cha) nos Andes Centrais (ambas AD 1000 ‒ 1500).

O nosso conhecimento destas culturas é baseado não somente nas evidências arqueológicas, mas também nas observações escritas pelos conquistadores espanhóis.

A sociedade Tairona era organiza-da em centros urbanos relativa-mente grandes, formada por resi-dências, estruturas cerimoniais e sistemas de irrigação. A economia

era baseada principalmente em trocas. Possuíam uma religião altamente organizada com uma classe importante de guerreiros e sacerdotes.

Os Muiscas, famosos pela lenda do Eldorado e a Laguna Guata-vita, possuíam uma população basicamente rural e organiza-da em uma confederação de pequenas vilas governadas por poderosos chefes.

Embora, materialmente falando, os Muiscas tenham sido menos sofisticados do que os Taironas, eles possuíam uma cosmologia bastante desenvolvida, em cer-tos aspectos similar à praticada pelos povos da América Central.