práticas exitosas na educação - prefeitura de...
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PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
Práticas Exitosas na Educação
Prelo Gráfica e Editora Ltda Florianópolis - SC
2010
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Catalogação na publicação
Biblioteca Central da Secretaria Municipal de Educação
Bibliotecária Fernanda Cláudia Lückmann da Silva CRB/SC-596
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PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
Dário Elias Berger Prefeito Municipal de Florianópolis
João Batista Nunes
Vice Prefeito Municipal de Florianópolis
Rodolfo Joaquim Pinto da Luz Secretário Municipal de Educação
Sidneya Gaspar de Oliveira
Secretária Adjunta da Secretaria Municipal de Educação
Pedro Rodrigues da Silva Diretor da Diretoria de Ensino Fundamental
Sonia Cristina Lima Fernandes
Diretora da Diretoria de Educação Infantil
Roberto Carlos Regis Diretor da Diretoria de Educação Continuada
Marcos Roberto de Abreu
Diretor da Diretoria de Administração Escolar
Mauricio Amorim Efe Diretor da Diretoria de Infraestrutura
Simone Cabral Leite Passamai da Silva
Diretora da Diretoria do observatório da Educação e Apoio ao Educando
Ricardo Leandro Medeiros Assessoria de Comunicação
Sueli Amália de Andrade
Assessora Técnica
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AGRADECIMENTOS
A todos os educadores e educadoras que abraçaram a profissão e nela
se realizaram pelo prazer de educar.
À Comissão que selecionou os trabalhos:
Sidneya Gaspar de Oliveira
Sueli Amália de Andrade
Liliana de Oliveira Granemman Rosa
Joseane Zimmeramm Vidal
Lucília Collares Ipiranga
Maeli Fae Montovane
Rosetenair Feijo Scharf
À DAE pela logística, organização dos cursos aos autores e apoio
constante, através da Gerência de Formação Permanente e do Departamento
de Eventos.
À Assessoria de Comunicação pelo empenho.
À UNDIME, pela colaboração da Jornalista Graziane Andréia Ubiali.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................... 11 DIVERSIDADE, ÉTICA E ESTÉTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO MUNDOS, DESCONTRUINDO MITOS ................................................................................... 13 ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL: OLHARES SOBRE O CURRÍCULO E O TRABALHO COM AS DIFERENÇAS NA ESCOLA .............................................................. 27 ALFABETIZAÇÃO DO OLHAR: HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO ............... 45 PROJETO GUARDIÕES DA ENERGIA ................................................................................... 54 SHAKESPEARE NA ESCOLA: A EXPERIÊNCIA DA MONTAGEM TEATRAL DE CLÁSSICOS: METODOLOGIA E ESTRATÉGIAS ................................................................ 77 A CULTURA DA PAZ: UMA PRÁTICA DIFERENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL .. 87 EUFRIDA, A BORBOLETA AZUL: RESPEITANDO AS DIFERENÇAS ....................... 95
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APRESENTAÇÃO
...”Porque todos, todos, temos algo a dizer aos
outros, alguma coisa, alguma palavra que pode
ser celebrada ou perdoada.”
(Eduardo Galeano)
Tudo o que possa ser dito nesta apresentação não expressa,
certamente, a alegria de, em nossas andanças pelos vários níveis educacionais,
ter (con)vivido com profissionais comprometidos como os da rede
municipal de Florianópolis.
É gratificante identificar educadores (as) motivados (as), que
buscam alternativas para a solução dos problemas em sala de aula,
desenvolvendo estratégias para o envolvimento e participação dos alunos,
protagonistas do fazer pedagógico.
Esse compromisso com a Educação é exatamente o que traduz esta
obra, mostrando algumas Experiências Exitosas da Rede Municipal de Ensino
de Florianópolis. Tais experiências apontam a multiplicidade do cenário
educacional, com ações e iniciativas que trazem mudanças na vida das
crianças, dos jovens e dos adolescentes. São essas boas práticas que a
Secretaria de Educação tem o compromisso de disseminar, na expectativa de
que tais exemplos impulsionem a prática pedagógica e contribuam para
qualificar o direito de aprender de todos os alunos.
Este livro traz 08 (oito) experiências, resultado das várias práticas
pedagógicas, selecionadas por uma Comissão da SME, que foram inscritas
para o Seminário de Experiências Exitosas 2010, no primeiro semestre do
corrente ano. Os trabalhos expressam, sem dúvida, a superação cotidiana do
ensinar e do aprender, assumindo a aprendizagem como um direito que reduz
as desigualdades sociais.
As experiências aqui apresentadas têm em comum a inclusão, em todas
as suas nuances, o acolhimento, a articulação com a comunidade escolar, a
motivação, o sentimento de “pertença”, que além de estimularem a
permanência dos alunos na unidade educativa, fortalecem a vivência de
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experiências diferentes e desafiadoras para todos, preparando-os para a vida
fora do contexto escolar.
Queremos, pois, reiterar nossa satisfação em apresentar as
Experiências Exitosas de nossas unidades educativas, que ampliam os
horizontes dos alunos e oferecem oportunidades de mudanças na educação,
contribuindo para respeitar a diversidade e fortalecer a cidadania.
Parabéns a todos que fazem, na rede municipal, Educação de
excelência!
Rodolfo Joaquim Pinto da Luz Secretário Municipal de Educação de Florianópolis
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DIVERSIDADE, ÉTICA E ESTÉTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO MUNDOS, DESCONTRUINDO MITOS
Adriana de Souza Broering
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“Não basta educar a inteligência.
É preciso educar a sensibilidade”.
Antônio Severino
Resumo
O projeto de formação em serviço, "Diversidade, ética e estética na educação
infantil: conhecendo mundos, desconstruindo mitos", foi desenvolvida com o
coletivo de profissionais que compõe a Creche Nossa Senhora Aparecida, no
ano de 2009. Propiciando experiências que acolhessem e divulgassem o
conteúdo das políticas afirmativas referendadas pela Lei 10.639/2003, fomos
“conhecer” a África por meio de diferentes linguagens para compreender e
trabalhar com a Diversidade Etnicorracial Brasileira no cotidiano da Educação
Infantil. Os caminhos escolhidos para a abordagem do tema e das questões
que envolvem o conteúdo da referida lei foram diferentes dos habituais.
Planejando, foram criadas estratégias, procurando-se meios de colocar os
educadores em contato com os conhecimentos acumulados, a partir de livros,
artes e expressões plásticas e artísticas, dando ênfase à diversidade social e
cultural que há no mundo. Essa experiência e os registros podem contribuir
tanto para a formação de educadores, quanto para aqueles que buscam
perspectivas de ação no campo da Diversidade Etnicorracial.
1 Supervisora Escolar da Creche Nossa Senhora Aparecida – Pantanal, da Rede
Municipal de Ensino de Florianópolis.
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Abstract
The project in-service training, "Diversity, ethics and aesthetics in early
childhood education: knowing worlds, deconstructing myths," was developed
with the collective of professionals who make up the Creche Nossa Senhora
Aparecida, in the year 2009. Providing experiences for welcoming and
disclose the contents of affirmative action policies countersigned by Law
10639/2003, we "know" Africa through different languages to understand
and work with the ethnic-racial Brazil, in everyday kindergarten. The paths
chosen to approach the subject and the issues involving the content of the law
were different from usual. Planning, strategies were created, trying to put
media educators in touch with the accumulated knowledge, either from books,
arts and plastic and artistic expressions, emphasizing the social and cultural
diversity that is in the experience in the world. This records can contribute to
both the training of educators and for those seeking prospects for action in the
field of ethno-racial diversity.
Keywords: ethnic and racial diversity, ethics and aesthetics in early childhood
education.
Introdução
O artigo "Diversidade, ética e estética na educação infantil: conhecendo
mundos, desconstruindo mitos" teve por base uma formação em serviço
desencadeada com o coletivo de profissionais que compõe a Creche Nossa
Senhora Aparecida, uma instituição pública da Rede Municipal de
Florianópolis, localizada no Bairro Pantanal, da Ilha de Santa Catarina.
Com o desejo de propiciar experiências que acolhessem e divulgassem
o conteúdo das políticas afirmativas referendadas pela Lei 10.639/2003,
organizamos um projeto, no âmbito da formação continuada, desenvolvido no
ano de 2009.
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Contextos e objetivos
Atualmente, a creche atende 98 crianças, com idades entre 1 e 5 anos,
sendo a maioria oriunda de famílias com baixa renda, cujas mães
trabalhadoras desempenham, em sua maioria, atividades de serviços gerais e
domésticas; já entre os pais, predomina o trabalho de serviços operacionais e
pedreiros.
Quanto à procedência das famílias, dos 183 pais, 150 são catarinenses,
sendo que, destes, 105 são nascidos em Florianópolis. Dos nascidos em outros
estados: 13 são do Paraná, 10 do Rio Grande do Sul, 03 da Bahia, 02 de São
Paulo, 01 de Minas Gerais, 01 do Maranhão, 01 de Pernambuco, 01 do Rio de
Janeiro. Há também 01 pai natural dos Estados Unidos e 01 da Argentina.
Quanto à etnia das crianças, constatamos, através de dados recolhidos
na ficha de matrícula de 2010, que 59,18% declaram-se brancas, 13,26%
pardas, 7,14% pretas, 1,02% amarela e 19,38% optaram por não declarar.
No quadro de recursos humanos, a Creche conta com 07 professores,
sendo 01 de educação física, 10 auxiliares de sala, 04 serviços gerais, 04
cozinheiras, 01 auxiliar de ensino, 01 supervisora, 01 diretora e 04
profissionais readaptados das suas funções, que dão apoio aos projetos
coletivos da instituição. Dos 32 educadores, 28 são catarinenses, sendo que,
destes, 24 são nascidos em Florianópolis e 04 são de outros estados: 03 do
Rio Grande do Sul e 01 de São Paulo. No que se refere à etnia, em entrevista,
87,5% dos profissionais se auto-declararam brancos, 6,25% pardos e 6,25%
pretos.
Em ambientes coletivos, como o de uma creche, marcados pela
diversidade, conhecer as histórias, valorizando-as, e lidar com essa
diversidade, significa fazer das diferenças o caminho, sendo este um elemento
fundamental para a conquista da igualdade de direitos. Para acolher a riqueza
do encontro entre diferentes histórias, possibilitando a troca, seja entre
adultos/crianças, crianças/criança, seja entre grupos étnicos, precisamos
seguir uma prática pedagógica de valorização do outro, na alteridade da sua
cultura, dos seus saberes e fazeres. Como indicam as Orientações e Ações para
a educação das Relações Etnicorraciais:
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Nas instituições educacionais, o papel das educadoras
está relacionado também à busca de formas que
possibilitem atuar para romper com os preconceitos, por
meio de pesquisas, levantamentos, assim como do
contato com as famílias das crianças, para permitir maior
conhecimento da história de vida das mesmas. (BRASIL,
2006, p.40)
Entendemos, como esclarece o Parecer CNE/003/2004, que as
mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas, nas relações etnicorraciais,
dependem de um trabalho conjunto e da articulação entre processos
educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais.
Embora saibamos que a reeducação das relações etnicorraciais não
se limita à escola, esta é, sem dúvida, um lugar privilegiado para a discussão
em pauta e, para tanto, é fundamental que os professores estejam preparados
e cientes da responsabilidade de trabalhar com a diversidade, sob a ótica do
conhecimento, respeito e valorização das diferenças.
Nesta direção, é importante enfatizar que a Lei 10.639/2003 não vem
apenas para determinar conteúdos a serem trabalhados na e pela escola, mas,
antes de tudo, aponta a essencialidade de se planejar uma formação ampla,
pois, nesse caso, o conteúdo refere-se a valores, a atitudes diante da vida
social. As recomendações contidas no Parecer CNE/CP n. 03/2004 reforçam
tal concepção, afirmando que a formação deve objetivar a compreensão da
dinâmica sociocultural da sociedade brasileira, tendo em vista a constituição
de representações sociais positivas que deem conta de apontar as diferentes
origens culturais de nossa população como um valor. Para tanto, é
imprescindível a criação de um ambiente escolar que oportunize o
conhecimento da nossa diversidade, cultivando espaços e experiências para
que a escola possa manifestar, de forma criativa e transformadora, caminhos
de superação dos preconceitos e discriminações etnicorraciais.
O presente projeto teve o seguinte objetivo geral: Conhecer a África por
meio de diferentes linguagens para compreender e trabalhar com a
Diversidade Etnicorracial Brasileira no cotidiano da Educação Infantil.
De seus objetivos específicos, destacamos: 1) Contribuir para a
formação de educadores conscientes da sua função no contexto de
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diversidades e pluralidades culturais; 2) Criar condições para que educadores
e crianças pensem, decidam, ajam, assumindo responsabilidades por relações
etnicorraciais positivas; 3) Combater o racismo, a partir da observação das
próprias práticas, atitudes e posturas; 4) Aprender sobre e com a diversidade
no espaço escolar; 5) Buscar pelo reconhecimento de nossas raízes, a nossa
identidade cultural; 6) Compreender que a formação do povo brasileiro teve
contribuições de diversos povos. 7) Conhecer o Continente Africano através
de mapas, textos, música, dança, comida e histórias; 8) Reconhecer que a
África vai muito além dos animais exóticos, do deserto e da pobreza; 9)
Valorizar as contribuições africanas para a formação da identidade brasileira;
10)Ampliar os repertórios artísticos e culturais dos educadores, valorizando a
oralidade, a corporeidade, a arte, a cultura, a escrita e a leitura.
Os caminhos do projeto no seu caminhar
Se há que definir um ponto de partida, podemos dizer que tudo
começou com a chegada de 10 livros de literatura sobre a África,
encaminhados à Creche pela Secretaria Municipal de Educação. Bastaria o
acesso aos livros para provocar o debate sobre a temática da diversidade e a
significativa mudança de atitude, em adultos e crianças? A coordenadora
pedagógica entendeu que não. O desafio era colocar a Lei 10.639/2003 em
prática, ampliando as aprendizagens sobre a questão da diversidade
etnicorracial brasileira. Como aponta o Parecer CNE/CP n. 03/2004, devemos
garantir o direito de aprender, mas isto implica fazer da escola um lugar em
que todos e todas se sintam valorizados e reconhecidos como sujeitos de
direito. Mas, como fazê-lo? Apostamos, primeiramente, na “educação do
educador”.
Para puxar o fio que desencadearia a experiência, guiava-nos o
questionamento da Professora Luciana Ostetto:
Aos professores, o que lhes encanta? O que lhes mobiliza
os sentidos? Que linguagens vivem, fazem,
experimentam? [...] É necessário uma formação que
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contemple experiências estéticas capazes de revolverem
o ser da poesia, presente e esquecido no professor -
adulto roubado em suas linguagens, ao longo da vida.
Pensar o gosto e repertório das crianças é problematizar
o gosto e repertório dos adultos. (OSTETTO, 2004, p.
57).
Partimos destes questionamentos, aproveitando a chegada dos livros
infantis específicos da cultura africana, e de uma constatação: para trabalhar
com a Lei 10.639/2003, tínhamos pouca informação sobre as diferentes
culturas que nos constituem brasileiros. Foi importante definir o mapa da
viagem, construindo o roteiro: O que cada um desejava saber? O que já se
sabia? Quais linguagens poderiam ser utilizadas nesse processo de
aprendizagens? Quais sentidos seriam aguçados?
Deste levantamento, formulamos dois princípios-guia para o estudo e a
estruturação das atividades de formação continuada, planejadas para o ano de
2009:
1) Ir além da escravidão estudada nas aulas de História do Brasil, afinal,
a História dos negros não começa nem termina na escravidão. Portanto, era
preciso sair da lógica negro/escravo, preconceito/discriminação.
2) Aceitar que, para desvelar este mundo desconhecido e também
negado, era imprescindível conhecer para, então, poder valorizá-lo.
Organizamo-nos em grupos, onde definimos que cada grupo de estudo
deveria escolher o que gostaria de pesquisar. A tarefa seria ampliar
os conhecimentos para depois socializar com os demais. As pesquisas
iniciaram e os grupos ficaram com as seguintes incumbências: Grupo 1-
História; Grupo 2 – Culinária; Grupo 3 – Música; Grupo 4 – Dança.
Com o grupo disposto a conhecer o continente africano, coube à
supervisão e à direção da creche garantir que o estudo estivesse focado em
destacar as potencialidades daquele Continente. Para isso, foi necessário
certo cuidado, pois muitos materiais circulantes reforçam a idéia de uma
África pobre, desprovida de beleza e cultura. Trazer a mídia para a escola
requer reflexões.
Com o objetivo de se trabalhar com as potencialidades, firmamos os
pilares da construção que se iniciava no reconhecimento do que há de bom em
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um povo, uma cultura. Por isso, a seleção do material procurou apresentar os
aspectos positivos da África. Não tínhamos a pretensão de mascarar fatos
negativos, eles existem, mas seria preciso trazer junto uma contextualização e
aprofundamento na história, e não apenas eles por eles mesmos. E, foi nesse
processo, que se iniciou a "construção de conhecimentos e a desconstrução de
mitos!"
No que se refere ao trabalho da coordenação pedagógica, foi necessário
também planejar as tarefas com cada grupo; trazer textos para o grupo de
estudo; pesquisar alguns materiais relacionados ao tema e socializar na sala
do lanche, por onde passavam todos os dias os educadores; convidar uma
pessoa que tivesse estado algumas vezes na África do Sul. Depois, como a
produção dos grupos de estudos seria compartilhada na reunião pedagógica,
foi preciso definir previamente os tempos e os espaços do encontro;
coordenar o encontro, cuja metodologia procurava articular os conteúdos
específicos com a formação estética, hoje amplamente reconhecida como
essencial na educação infantil.
Planejando, criamos estratégias, procurando meios de colocar os
educadores em contato com os conhecimentos acumulados, seja nos livros, na
arte, seja nas expressões plásticas e artísticas, dando ênfase à diversidade
social e cultural que há no mundo. É importante destacar que o Projeto
Político Pedagógico da instituição, no que se refere à formação em serviço de
seus profissionais, inclui tanto a formação teórica quanto a estética.
Investimos numa formação em serviço que contempla o ser inteiro,
buscando favorecer a apropriação de conhecimentos com estudos e reflexões,
tanto da nossa área, quanto do mundo, ampliando também nossos repertórios
artísticos/culturais.
Há, pois, o ensaio de uma formação estética como fundamento de uma
metodologia que acolhe a diversidade. Assim é que trabalhamos na Educação
Infantil, na perspectiva de apresentar o mundo às crianças e entendemos que
elas aprendem com todas as linguagens e dimensões humanas. Diante disso
caberia perguntar: Como os profissionais podem oferecer experiências
estéticas significativas, ou julgá-las relevantes, se eles mesmos não as
vivenciarem? Como podem elaborar sentidos de suas experiências se são fruto
de uma escola comprometida com o acúmulo de informações, pouco atenta
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para o desenvolvimento de um olhar sensível e para o enriquecimento das
linguagens expressivas? As vivências das crianças/alunos estão diretamente
relacionadas às experiências de seus educadores. Há portas e janelas para
serem abertas, lançando ao mundo a curiosidade e busca das crianças. Mas,
é prudente lembrar que:
A mão na trava, para abrir ou fechar, é do professor, sem
dúvida. A possibilidade de um cotidiano prazeroso,
criativo, colorido, musical, dançante, repleto de
movimento, aventura e trocas dependerá, em muito, das
possibilidades do adulto, da relação que estabelece com
as diferentes linguagens, do seu repertório
cultural. (OSTETTO, 2004, p. 57).
É preciso enriquecer os acervos pessoais, alimentar a imaginação
levando cada um a reconciliar-se com a própria expressão, resgatando a
palavra, o traço, as idéias e a autoria (DIAS, 1999), criar situações onde os
educadores possam “sentir na pele”, possibilitando que tenham a
oportunidade de experimentar a empatia gerada tanto pelo conhecimento
como pela vivência.
Desta maneira, a metodologia desenvolvida no projeto contemplou
experiências com múltiplas linguagens, como a dança, a música, o cinema, as
histórias, a pintura, a culinária, os livros, a poesia, as imagens etc. Linguagens
que tocam os sentidos, com conteúdos que fazem sentido!
Assistimos ao filme “Vista a Minha Pele”, potencializando as discussões:
estar no lugar do outro, ver de fato como as coisas acontecem , no dia-a-dia,
nesta sociedade que quer ser branca. Estudamos o Livro do professor, de Mara
Catarina Evaristo, 2006, e identificamos a origem dos negros que vieram para
o Brasil, a maioria vindo de Moçambique, Angola, Congo e Benin, percebendo
que aquilo que eles trouxeram foi, fundamentalmente, seus valores e os seus
princípios.
A cultura oral, traço marcante daquela civilização, foi amplamente
referenciada pela circulação de contos e histórias. A musicalidade da África,
traço forte observado entre nós brasileiros, foi trabalhada com a pesquisa
sobre os instrumentos trazidos pra cá.
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Toda instituição de educação infantil, em nosso município, tem uma
“bandinha”, com instrumentos com os quais brincamos com as crianças, sem
identificar a origem dos mesmos. A partir de tal pesquisa, observou-se quais
instrumentos presentes na bandinha da creche guardam a contribuição da
musicalidade africana. O mesmo acontece com a dança afro, uma das mais
antigas, raiz da nossa cultura e constituinte da nossa identidade. Buscando
referenciá-la e valorizá-la para que estes traços culturais não se percam, a
música Maracá de Lelê (PE) foi apresentada com a coreografia de Lucia
Cordeiro (RJ).
Identificamos, também, a significativa presença da cultura africana na
nossa alimentação atual. Na reunião pedagógica, fizemos um “café da manhã
temático” com cocada, bolos de milho, pudim de coco, e de almoço, uma
saborosa feijoada.
O espaço, ornamentado com os adereços trazidos pela palestrante, que
veio contar um pouco das suas viagens à África do Sul, foi um ponto alto da
reunião. O espaço, como importante ferramenta pedagógica, remetia ao tema,
reforçando a força da cultura e a beleza do que víamos.
Conteúdos trabalhados: saberes e fazeres
O documento da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura
Municipal de Florianópolis (SME/PMF), que observa as determinações legais
no que se refere à educação das relações etnicorraciais e delineia princípios
para as propostas pedagógicas da educação infantil municipal, salienta que:
[...] o tema Diversidade Ética não deve ser considerado
como mais um conteúdo a ser incluído no Currículo
Escolar, mas sim, um modo diferente de abordagem, de
Prática Pedagógica, ou seja, uma postura que contemple e
valorize as histórias, construções, culturas e visões de
mundo das diversas etnias. Enfim, o currículo necessita
urgentemente quebrar o seu padrão branco, masculino,
judaico-cristão, assexuado, e assumir a pluralidade
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humana em seus múltiplos aspectos. (FLORIANÓPOLIS,
2007, p. 47)
Neste contexto, o projeto acolheu os seguintes conteúdos:
1) A origem dos negros que vieram para o Brasil. 2) O que eles
trouxeram: fundamentalmente, seus valores e os seus princípios:
Circularidade, Oralidade, Corporeidade, Musicalidade, Ancestralidade,
Ludicidade, Comunitarismo, e Memória (FLORIANÓPOLIS, 2007). 3) A
diversidade do Continente Africano. 4) A cultura oral, contos e histórias de
África. 5) A musicalidade e a dança de África. 6) Reconhecimento dos países
pertencentes à África, com sua diversidade econômica, política e cultural. 7) A
presença da cultura africana na nossa alimentação atual. 8) Ornamentos e
adereços: a força e a beleza de uma cultura.
Avaliação
Enquanto conhecíamos mais sobre a África, o grupo foi identificando os
elementos da cultura africana que influenciaram e influenciam a cultura
brasileira. Reconhecer a importância de trabalhar a temática racial e toda essa
aproximação com o continente africano motivou a continuidade do trabalho
da coordenação pedagógica e da direção, no sentido de ampliar os repertórios
artísticos culturais dos educadores, provocando os sentidos e potencializando
as várias dimensões humanas.
Trazer um pouquinho da África para dentro da creche foi muito
importante para a valorização cultural, não somente daquele continente, mas
também de tudo o que tem dele aqui no nosso país.
Observou-se maior sensibilidade dos educadores para com a questão
da diversidade, revelada nas atividades pedagógicas planejadas e
desenvolvidas posteriormente com as crianças.
Os caminhos escolhidos para a abordagem do tema e das questões que
envolvem o conteúdo da Lei 10.639/2003, diferentes dos habituais, foi bem
avaliado pelos participantes. A aprendizagem por meio da observação, da
experimentação, da audição, da visão, da contextualização, da degustação, da
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movimentação e, acima de tudo, da participação, mostrou-se rica e
significativa, oferecendo aos educadores exemplos de ações e estratégias que
puderam levar para as atividades cotidianas junto às crianças.
Após efetiva participação nesta formação, a técnica da SME/PMF,
Rosinete Schmitt, elaborou a seguinte avaliação:
Ainda que esse parecer não traga detalhadamente a
riqueza dessa reunião, é preciso afirmar, pelas
observações obtidas, que a unidade vem seriamente, sem
perder a leveza e o encantamento, cumprindo seu
objetivo de garantir o espaço de discussão e formação.
Sua organização contribui também para vislumbrarmos
outras formas de pensar o planejamento dos trabalhos
com os profissionais, envolvendo-os de maneira plena.
Considerações Finais
Como síntese dos resultados alcançados, podemos citar: avanço na
desconstrução do mito da democracia racial no Brasil junto aos professores;
visibilidade da etnia negra e sua ancestralidade que constituem os grupos
infantis, os educadores desta creche e a própria nação brasileira;
reconhecimento e valorização das identidades, positivando-as e fortalecendo a
auto-estima; promoção de diálogos interculturais através de diferentes
linguagens.
Os educadores demonstram que ampliaram sua compreensão acerca da
diversidade ao planejarem brincadeiras de salão de beleza, para atender e
respeitar particularmente as crianças negras. Colocavam à disposição garfos
para que pudessem pentear os cabelos, ofereciam cremes e maquiagem
condizente com os diferentes tons de pele. Sabe-se que o fator auto-estima
influencia diretamente na aprendizagem das crianças e ,certamente, se
estamos trabalhando com isso já na educação infantil, teremos resultados
positivos desde este nível de ensino.
Uma grande conquista foi a inclusão enfática da temática no Projeto
Político Pedagógico da Creche: se as crianças devem ter acesso a leituras ou
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contação de história todos os dias, após o projeto “Diversidade, ética e estética
na educação infantil: conhecendo mundos, desconstruindo mitos”, como ações
para implementação da Lei 10.639/03, acordamos que um dia por semana
seria realizada a leitura ou contação de uma história de outras culturas/etnias.
No teatro coletivo, realizado uma vez por semana, incluímos a encenação de
contos africanos.
Diante das inúmeras aprendizagens, acabamos decidindo que era
preciso ampliar o conhecimento sobre as diferentes culturas, e considerando o
número de reuniões que teríamos durante o ano, definimos que estudaríamos
um país de cada continente. Decidimos também que a metodologia, os valores
e temas pesquisados seriam os mesmos estudados na África. Passamos, então,
pela Índia (Ásia), Portugal (Europa), Nova Zelândia (Oceania). Na América,
“fomos” em vários Países: Argentina, Chile, Cuba, Equador, EUA, Uruguai e
Peru, sempre com a presença de um convidado, sempre observando o que nos
diferencia e o que nos aproxima daquela cultura.
Na experiência obtida em agosto, quando elegemos o Continente
Asiático, tentamos responder a algumas perguntas: A Índia é aquela
apresentada pela novela Caminho das Índias? Ou é somente aquela
apresentada pelo filme, “Quem quer ser um milionário”? O que sabemos sobre
esta cultura milenar? O que tem da Índia dentro da nossa cultura? Os
caminhos percorridos seguiram a “visita” à África.
Estamos convencidos que nossa experiência e esses registros podem
contribuir tanto para a formação de educadores, quanto para aqueles que
buscam perspectivas de ação no campo da Diversidade Etnicorracial, mas,
sobretudo, ele pode assegurar que nossas crianças aprendam a reconhecer e a
valorizar as diferentes identidades como condição essencial ao exercício pleno
da cidadania, numa sociedade democrática, inclusiva, justa e equânime.
Assumir este projeto significou muito, afinal a creche não ignorou as
atribuições determinadas pelas diretrizes. Aliás, ninguém poderá se furtar
dessa responsabilidade, sob pena de estar quebrando ou inviabilizando essa
corrente política e educacional. E a corrente que já foi símbolo da opressão
sobre o povo negro pode ser agora um “símbolo do bem” (positivo),
representando o que está sendo proposto pelas diretrizes para implementar a
lei e quebrar a lógica racista e preconceituosa, ainda vigente. Se desejarmos,
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efetivamente, colocar a lei em prática, cada segmento será um elo que ajudará
a compor uma estrutura forte e resistente e esta “corrente” poderá remover
os mitos e preconceitos para, verdadeiramente, libertar...
Referências
ARAÚJO, Joel Zito. Vista a minha pele. [Filme-DVD]. Direção de Joel Zito
Araújo. Brasil. 1 DVD, 15 min.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das relações Ético-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana. Brasilia: MEC, [S.D.] Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/>
______. Lei 10.639. Brasília, 09 de janeiro de 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>
______. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais.
Brasília: MEC/SECAD, 2006.
DIAS, Karian Sperle. Formação Estética: em busca do olhar sensível. In:
Infância e Educação Infantil. Campinas, SP: Papirus, 1999.
EVARISTO, Mara Catarina. Livro do professor. Belo Horizonte: Mazza,
2006.
FLORIANÓPOLIS, Prefeitura Municipal de. Secretaria Municipal de
Educação. Orientações curriculares para o desenvolvimento da educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana na educação fundamental. Florianópolis, 2007.
OSTETTO, Luciana Esmeralda. “Mas as crianças gostam!” Ou sobre
gostos e repertórios culturais. IN: OSTETTO, L. E. e LEITE, M. I. (Org). Arte,
27
ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL: OLHARES SOBRE O CURRÍCULO E O TRABALHO COM AS DIFERENÇAS NA ESCOLA
Cristiane de C. Ramos Abud2
Resumo
Este artigo trata da pesquisa e sugestão de estratégias pedagógicas para se
perceber o currículo enquanto produtor de diferentes formas de
conhecimento, práticas pedagógicas históricas e culturais, que constituem
múltiplas identidades e subjetividades no espaço escolar. Algumas hipóteses
pedagógicas são apontadas a partir da proposta de Educação Integral de uma
escola da Rede de Ensino Municipal de Florianópolis, na qual a comunidade
escolar, como um todo, é reconhecida como sujeito da aprendizagem e
concebida nas suas diversas dimensões, dando voz à questão da diferença,
produzida na relação dialógica com o outro, em um processo de criação e
subversão curricular.
Palavras-chave: Educação Integral; Currículo; Diferença
Abstract
This article treats of the research and suggestion of pedagogic strategies to
notice the curriculum while producing of different knowledge forms,
historical and cultural pedagogic practices, that you/they constitute multiple
identities and subjectivities in the school space. Some pedagogic hypotheses
are pointed starting from the proposal of Integral Education of a school of the
Net of Municipal Teaching of Florianópolis, in the which the school community
2 Pedagoga, Mestre em História do Tempo Presente, pela UDESC-Florianópolis.
Auxiliar de Ensino da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis e atua como
secretária na E. B. M. Luiz Cândido da Luz-Vargem do Bom Jesus- Florianópolis/SC.
e-mail:[email protected].
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as an all is recognized as subject of the learning and become pregnant in their
several dimensions, giving voice the subject of the difference, produced in the
relationship dialogue with the other, in a creation process and subversion the
curriculum school.
Keywords: Integral Education; Curriculum; Difference.
Introdução
Historicamente, a escola tem sido um lugar que silencia e anula as
diferenças em nome de normas e práticas que homogeneízam os/as
alunos/as, produzindo estereótipos e formas de excluir aquele/a que é
considerado como fora do padrão culturalmente e pedagogicamente
esperados. Dessa forma, a escola é tida como único o meio formal e legítimo
que garante o acesso ao conhecimento; porém, tais conhecimentos são
reduzidos a conteúdos fixos, estáticos e previsíveis, um instrumento
“civilizador” necessário para transferir os conhecimentos universais e a
difusão de padrões de comportamentos ditados pelas elites brancas
européias.
Diante do atual momento de repensar valores, saberes, sentimentos,
vivenciamos novos cenários culturais, políticos e educacionais de incertezas e
de conflitos identitários, nos quais, a todo momento consomem-se
comportamentos, estéticas, corpos e produtos, que irão ser imediatamente
substituídos por outros. Segundo Silva, “vivemos paradoxalmente um tempo
onde novas identidades emergem, se afirmam, apagando fronteiras,
transgredindo tabus identitários, um tempo de deliciosos cruzamentos de
fronteiras, de um fascinante processo de hibridização de identidades”
(2001,p.7), e a escola acaba incorporando esses conflitos e rupturas, por isso
deverá estar preparada e atenta para receber e trabalhar com a diferença, as
angústias e anseios contemporâneos.
A escola, hoje, deve pensar em viabilizar a possibilidade de trabalho
com as subjetividades emergentes, reconhecendo a instabilidade do
conhecimento, a provisoriedade das identidades e a integração entre os
saberes. É preciso que a escola ponha em questão suas estratégias e currículos
29
até então adotados como únicos ou eficazes, abrindo caminhos para uma
dimensão afetiva, social e ética da prática pedagógica.
Entendemos que o sujeito da aprendizagem é aquele que aprende em
diferentes momentos, espaços, com distintas estratégias e ferramentas quanto
à alfabetização e ao letramento. Portanto, cada um/uma possui etapas de
aprendizagens, identidades autônomas e divergentes que devem ser
respeitadas, trabalhadas, exploradas e potencializadas por meio do diálogo e
de uma prática pedagógica que reconheça as diferenças e que promova trocas
entre as diversas dimensões do sujeito de forma integrada, tais como a
cognitiva, afetiva, ética, estética, social, política, corporal, biológica etc., já que
“nós educadores e educadoras, temos de lidar direta e cotidianamente com
um mundo onde a diferença assume cada vez maior relevância e que, bem por
isso, nos apresenta a um mundo sempre estranho” (VEIGA-NETO, 2002, p.11).
Diante disto, é essencial que o espaço escolar como um todo seja
ressignificado, ampliando os tempos e as possibilidades oferecidas ao
aprendizado, ocupando novos e diferentes territórios curriculares, assim
como a formação e a qualificação de seus profissionais.
Neste cenário atual, que se pretende forjar novos olhares sobre o
currículo escolar, é que traço algumas considerações teóricas e históricas
sobre a educação integral no Brasil, para em seguida mapear a experiência de
uma escola que trabalha com a concepção da educação integral, seus
resultados e desafios acerca de uma proposta pedagógica pulsante e que é
produzida em conjunto com a comunidade escolar.
Dewey já falava que “a concepção ampla de hábito envolve a formação
de atitudes tanto emocionais, quanto intelectuais; envolve toda nossa
sensibilidade e modos de receber e responder a todas as condições que
defrontamos na vida” (1979). Bourdieu (2001) e Abdalla (2006) falam de pôr
em evidência as “capacidades criadoras, ativas, inventivas do habitus e do
agente, chamando a atenção para a idéia de um agente em ação”. Apoiados
nestas teorias, pensamos que as mudanças propostas pela Escola de Tempo
Integral, principalmente, no que se refere a tempo e espaço escolar, só
poderão transformar-se em ação histórica, isto é, em história atuada e atuante,
se forem assumidas por agentes realmente envolvidos com a educação e
dispostos a assumirem uma vontade de mudança de atitude. E, ainda, com a
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percepção de uma formação que vá além dos conteúdos curriculares e atenta à
aprendizagem também através das dimensões culturais, sociais e holísticas
dos sujeitos.
Considerações sobre a educação integral
O conceito de Educação Integral nasceu com a emergência de
conquistas científicas, tecnológicas e como reivindicação dos movimentos
operários e anarquistas do início do século XX. No âmbito dos movimentos
educacionais de meados do século, o escolanovismo propôs uma nova
identidade para a escola pública e defendeu a bandeira de uma escola de
educação integral.
As primeiras experiências de implementação de escolas de tempo
integral, na perspectiva da educação integral, ocorreram no Brasil na década
de 50, apesar dessa concepção já estar presente nos textos de Anísio Teixeira
desde os anos 30. Em 1950, ocorreu a criação do Centro Educacional Carneiro
Ribeiro, na Bahia, e foram desenvolvidas experiências em cinco escolas
públicas de 1ª a 4ª série do Rio de Janeiro.
O debate sobre este tema ainda é pouco pesquisado, mas já incluído na
LDB 9394/96:
Art.34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá
pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de
aula, sendo progressivamente ampliado o período de
permanência na escola.
Art.87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um
ano a partir da publicação desta Lei [...]
5o. Serão conjugados todos os esforços objetivando a
progressão das redes escolares públicas urbanas de
ensino fundamental para o regime de escolas de tempo
integral.
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Entendemos que a escola deve ser um espaço aberto, em permanente
construção e de reformulação de propostas e estratégias que garantam a
aprendizagem de todos/as em diferentes tempos, níveis e lugares. Por ser um
ambiente que acolhe diferentes grupos, desejos, culturas, saberes, sujeitos, a
escola deve respeitá-los/as e produzir diferentes formas de conhecimento
sobre cada um/uma deles/as, sem criar rótulos ou hierarquias, tendo a
consciência de que cada identidade foi construída dentro de relações de poder
que envolvem disputas, conflitos, mas ainda inacabadas. Pensamos no desafio
de propor um ensino que respeite a cultura da comunidade escolar através da
constatação de cada realidade social e cultural, com a preocupação de se
traçar um projeto pedagógico que atenda a todos/as, conforme o Art. 20 da
Constituição Federal, que diz: “Serão fixados conteúdos mínimos para o
ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e
respeito aos valores culturais, artísticos, nacionais e regionais. Lei 9.394/96”.
O currículo é entendido aqui como um texto cultural, aberto a múltiplas
interpretações, diversas formas de narrar e de narrar-se. Como uma escrita
em permanente construção, o currículo será problematizador do cotidiano
escolar, produtivo em suas possibilidades enunciativas, potência e formas de
imanência. Um artefato construído em espaços que disputam conflitos,
resistências e rupturas que ocorrem em complexos jogos de poder e verdade
em torno de diferentes significados e práticas, obtendo uma dimensão política
e poética da diferença. Sobre isso, Silva afirma que:
Conceber o currículo como representação, implica vê-lo,
simultaneamente, inseparavelmente, como poética e
como política. Seus efeitos de poder são inteiramente
dependentes de seus efeitos estéticos; inversamente,
seus efeitos estéticos só fazem sentido no interior de uma
economia afetiva motivada pela obtenção de efeitos de
poder. (...) Significa também enfatizar que os recursos
retóricos que dirigem sua poética não têm objetivos ou
efeitos meramente ornamentais ou estéticos: sua
utilização está estreitamente ligada a relações poder
(SILVA, 2001, p.67).
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Uma experiência em construção
A E. B. M. Luiz Cândido da Luz está localizada no Bairro Vargem do Bom
Jesus, cerca de 30 km do centro da cidade de Florianópolis, atende 816
alunos/as do 1º ao 8º ano, distribuídos em 19 turmas, oriundos/as das
proximidades da escola (Morro do Mosquito e Vila União), bem como de
outros bairros como Ingleses e Canavieiras.
A faixa etária dos/as alunos está 06 a 15 anos, filh@s, na maioria, de
pais que não completaram o ensino médio e que trabalham em serviços
temporários, tais como em hotéis e empresas terceirizadas.
Desde o ano de 2005, devido ao número significativo de repetência,
distorção série/idade e dificuldades na aprendizagem diagnosticados,
implementou-se, através de discussões com a comunidade escolar, uma
proposta pedagógica diferenciada das demais da Rede Municipal de Ensino de
Florianópolis, sendo baseada em uma concepção de currículo multicultural,
formador de sujeitos críticos e autônomos, que não pretende apagar os modos
de ser, viver, falar de seus/suas alunos/as, porém, a partir das características
próprias dos diferentes grupos e busca levá-los a conhecer e vivenciar
práticas de diálogo e trocas de conhecimento.
Pensar numa escola pública de qualidade é pensar na perspectiva de
uma educação inclusiva, olhar a especificidade da diferença, é instigá-la e vê-la
no plano da coletividade, tanto nas questões de gênero, geração, etnia e
aprendizagem.
Refletindo desta forma foi que a escola implementou os “Projetos de
Trabalho”, baseados na perspectiva de Fernando Hernández (1998), em que é
o próprio aluno que sabe o seu tempo de aprender, sendo professor e aluno
ambos pesquisadores cotidianos e parceiros; esse sujeito da aprendizagem, o
aluno, é resultado de múltiplas relações de forças que irão conferir-lhe
subjetividades e identidades transitórias. Assim, é no vivenciar experiências
práticas que o sujeito conhece e si mesmo e passa a estabelecer seu
conhecimento com o outro.
É através da proposta de Projetos que se proporciona aos alunos a
oportunidade de aprender a fazer planejamentos, cronogramas e auto-
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avaliação. Não esquecendo de se definir, no início, quais serão seus objetivos
(não fixos), para depois serem avaliados quanto a sua trajetória e execução.
O espaço da escola, como um todo, assim como todos os seus
integrantes passam a fazer parte do currículo, produzindo saberes, práticas e
identidades. As salas de aula estão constituídas em salas ambientes de acordo
com as disciplinas e montadas com o auxílio de materiais pedagógicos
diversos. Concebendo o currículo enquanto local representação, circulação e
produção de signos, tornado-o texto legível que pode ser transcrito,
desmontado, multifacetado, forjado na sua intertextualidade para entendê-lo
como um espaço de troca entre culturas.
Quanto ao desenvolvimento da proposta do trabalho com projetos, é
partir de questões ou situações reais e concretas, contextualizadas, que
interessem de fato aos alunos que são elencados pelos mesmos temas de
estudos trimestrais. Compreender a situação-problema é o objetivo do
projeto. As ações e os conhecimentos necessários para a compreensão são
discutidos e planejados entre o professor e os alunos reunidos em grupos em
cada Núcleo, rompendo com a concepção rígida de série. Todos têm tarefas e
responsabilidades na elaboração do projeto vinculado ao tema escolhido por
cada grupo no seu Núcleo. Essa organização inicial dos alunos é feita entre
eles em Assembléia Geral a cada início de trimestre.
Esses Núcleos de aprendizagem do 1º ano a 8ª série nos remetem a
idéia de célula ou rizoma (DELEUZE, 1995), pois não há hierarquia entre as
disciplinas ou séries, mas formas de resistência, linhas de fuga à concepções
fixas. Kohan lembra que:
No rizoma não há sujeito e objeto, mas determinações,
dimensões; um rizoma conecta dois pontos quaisquer
sem origem ou ponto de reunião, com traços de outras
naturezas, signos diferentes; o rizoma não tem começo
nem fim, apenas meios pelos quais cresce e
transborda;ele pode ser quebrado num lugar e nascer em
outro, suas direções são movediças e instáveis; sempre
provisório, em devir, não se deixa apreender ou calcar,
34
mas cartografar nas suas múltiplas entradas e saídas
(KOHAN 2007, p.56).
Entendendo que cada tema não se esgota e que não é fixo, os conteúdos
são elaborados de acordo com estes para serem organizadas as matrizes
curriculares de cada Núcleo. No decorrer de cada trimestre, é feita
cotidianamente e com registros diários, avaliação individual e descritiva do
aluno, com a participação e registro de todos os envolvidos no processo, ou
seja, criterial e formativa, através de relatórios descritivos que demonstram a
aprendizagem do aluno a partir de critérios e conteúdos das disciplinas.
Dentro da concepção de rizoma, os alunos podem flutuar dentro de cada
Núcleo a qualquer tempo, na medida em que adquirem os conhecimentos
necessários.
A cada final de trimestre são entregues à comunidade escolar relatórios
de avaliação de atividades pedagógicas, priorizando a produção de saberes e
aprendizado do aluno, tendo como objetivos o ler, escrever, interpretar e
resolver problemas, e a elaboração destes relatórios acompanhada pelos
Coordenadores de Núcleo, juntamente com a equipe de supervisão e
orientação escolar.
Constata-se, no ambiente escolar, que nem todos os aprendizes
vivenciam as mesmas experiências, nem todos pertencem a mesma faixa
etária, mesmo sendo da mesma série; cada um tem sua história, classe,
escolaridade, formação, cada um/a constrói sua experiência subjetiva, elabora
estratégias e recursos distintos, sendo que estas especificidades devem ser
levadas em conta no processo avaliativo e no planejamento diário.
Nesta perspectiva, o sujeito da educação torna-se o centro do processo
de ensino-aprendizagem, através da educação em tempo integral se pode
pensar sobre
(...) as possibilidades de se oferecer uma alternativa que
conjugue o ensino formal regular a outros espaços de
aprendizagem, pressupondo que qualquer espaço que se
pretende educativo só ganha sentido quando recheado
35
pela relação educativa entre crianças e educadores
(GUARÁ, 2006, p.22).
Dentro da proposta curricular de tempo integral, são desenvolvidas
atividades que visam à formação do sujeito integral, trabalhando questões
esportivas, culturais, sociais e cognitivas, tais como dança, karatê, volei,
basquete, futsal, pequenos cientistas, percussão e meio ambiente. Essas
atividades fazem parte da grade curricular comum dos alunos do 1º ao 8º ano,
do turno integral, ministradas por professores voluntários, através do projeto
Mais Educação, do MEC. Salientamos que essas atividades potencializaram o
despertar pelo esporte e pela arte nesses alunos, na composição de bandas,
times esportivos que participam de campeonatos, obtendo ótimos resultados.
A escola, para eles, ganhou outro sentido e a aprendizagem e o trabalho de
grupo trouxe novos valores de sociabilidade, auto-estima e convívio.
Essa unidade escolar tem como objetivos traçados para o trabalho com
a Educação Integral, os seguintes eixos norteadores:
� Promover experiências de organização curricular que
articulem a produção de múltiplas identidades e saberes na prática
pedagógica cotidiana;
� Examinar, discutir e compreender as teorias educacionais
curriculares, seus limites, desafios e possibilidades;
� Perceber a relação do currículo enquanto prática cultural e
produtor de conhecimento em todo o espaço pedagógico;
� Refletir criticamente sobre as funções e os papéis do docente
no cotidiano escolar;
Os índices de repetência e evasão, com o entendimento de que todos
aprendem a qualquer tempo e lugar e que estes tempos devem ser
respeitados, foram praticamente sanados, já que com o trabalho por Núcleos,
e não por série, o aluno pode avançar para outra etapa dentro do mesmo
Núcleo a qualquer tempo. Sendo assim, segundo esta prática, os índices de
reprovação, em 2004, que eram de 16,69%, em 2006, caíram para 1,22%. Já os
dados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação) de 2005, que nos
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anos iniciais era de 3,7, em 2007, passou para 4,5. Nos anos finais, em 2005,
era de 4,2 e em 2007 passou para 4,4.
O Programa Saúde Escolar, presente na escola, que tem por objetivo
contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de
educação básica por meio de ações de prevenção e atenção à saúde (Decreto
n.6286 de 05 de dezembro de 2007 - Parcerias Ministérios da Saúde e da
Educação), também auxiliou para que muitos/as alunos/as pudessem ter sua
qualidade de vida melhorada, no sentido de terem acesso a consultas médicas,
oftalmológicas, avaliações nutricionais, encaminhamento para psicólogos,
fisioterapeutas e postos de saúde.
A escola também conta com o apoio da Associação de Pais e Professores
(APP) da escola, e da comunidade escolar como um todo, nas decisões quanto
ao andamento do projeto pedagógico e na implementação de novos projetos
para o turno integral, incentivando que a escola ofereça atendimento aos
alunos em turno integral. Atualmente, em turno integral, permanecem na
escola 320 alunos que recebem, além dos lanches diários, almoço e
atendimento por parte de profissionais voluntários no intervalo do almoço até
o início do turno da tarde com brincadeiras dirigidas, cinema e informática.
Constatamos também a importância de se estabelecer parcerias para a
ampliação do projeto com ONG´s, instituições públicas e culturais.
Sob essa concepção, o aluno torna-se o sujeito da aprendizagem, ou
seja, não o vimos mais como o indivíduo do Iluminismo que busca uma
verdade paradisíaca sobre seu passado ou futuro. Um indivíduo que seria
conduzido por discursos e práticas, sejam elas sociais, culturais, políticas ou
econômicas, de como deveria se portar, em que valores acreditar e a seguir
para uma falsa crença de sua autonomia ou liberdade. O tempo onde o
conhecimento da totalidade era o reconhecido, e representado, por exemplo,
na enciclopédia, onde em um único lugar caberia todo o saber e de como
utilizá-lo.
Pensamos aqui na instabilidade desse sujeito, ou seja, em sua
incompletude, na constituição de suas identidades móveis e cambiantes, pois
como alerta Stuart Hall (2005), “A identidade é uma festa móvel”. É nas
relações estabelecidas e no entendimento da constituição histórica dos
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discursos e de suas representações que a identidade do sujeito será
processada de forma não linear, conflitante e transitória.
Por isso, não estamos preocupados no que ele vai ser, mas em suas
possibilidades identitárias, ocupando diferentes posições de sujeito e relações
de gênero que questionam um currículo masculino e eurocêntrico.
É ai, então, que entramos na questão da diferença (DELUZE, 1988). Não
somos todos iguais como pregam os defensores da escola cidadã, mas
diferentes entre si. Por isso, o termo inclusão não tem mais sentido, pois, ao
falarmos que estamos incluindo, significa que estamos nos colocando em uma
posição superior, segura, distante do diferente, do considerando “normal”,
inferior, exótico, a ser estudado, decifrado ou diagnosticado. O sujeito tido
como “outro”, “exótico”, da educação, raramente é valorizado como agente
ativo de oposição frente às desigualdades históricas e culturais que lhe são
impostas, tornado-o um corpo dócil, passível de análise, representação e
invenção discursiva da diferença.
Trabalhamos com a questão da diferença, onde encontramos a
possibilidade de uma nova escrita, prática ainda não traduzida, como uma
linha de fuga aos dispositivos disciplinares da construção e da manutenção da
escola tradicional.
O projeto que trabalha com a diferença e com o aprendizado com o
outro é o ensino da LIBRAS para todas as turmas, já que a escola possui alunos
surdos atendidos por intérprete na sala de aula, pela coordenação da sala
multimeios e instrutor de LIBRAS.
Com o desenvolvimento do turno integral e das atividades curriculares
por ele proposta, houve uma grande procura de alunos de outros turnos para
fazerem parte dele, pois a escola se tornou um espaço atrativo de criatividade
e de busca de novos conhecimentos. Além disso, foram sanadas, na medida no
possível, situações de violência no ambiente escolar em nome do respeito e da
tolerância.
Diante disso, constata-se a necessidade de um currículo aberto,
fundamentado no reconhecimento dessas diferenças e que celebre as “vozes”
da comunidade escolar como um todo, ou seja, dentro e fora dos muros da
escola, criando ferramentas pedagógicas para perceber as diferentes culturas
do entorno da escola, como o trabalho na ótica da diversidade cultural. Trata-
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se de uma proposta de trabalho que reivindica uma política de
reconhecimento, tanto das diferenças, como das identidades e das
discriminações decorrentes das relações de gênero, etnia, orientação sexual,
classe, religião etc. e voltada para o estabelecimento de políticas públicas e da
possibilidade da reflexão crítica sobre as diferenças entre homens e mulheres
como construções históricas, culturais, econômicas, políticas e de gênero. Ao
mesmo tempo, apresenta-se como um espaço onde os conflitos são discutidos,
colocados em questão e não camuflados ou silenciados em nome do que é
considerado natural.
Adotar essa linha pedagógica, flexível e diversa na escola, significa
incorporar aos discursos escolares, uma postura que não essencialize as
identidades, mas que as perceba como mutantes, transitórias, em permanente
transformação e no movimento contínuo das múltiplas criações e devires,
levando-se em conta, também, as diferentes experiências, saberes, práticas,
histórias, trajetórias, escolhas de todos os envolvidos no ambiente escolar e,
incluindo a história da comunidade para que todos sejam reconhecidos e
trabalhados em uma dimensão formadora educacional, cultural e política, de
forma coletiva, autônoma e participativa. Devemos considerar, ainda, que suas
identidades foram produzidas cultural, social e historicamente dentro de
relações de poder nem sempre estáveis ou tranquilas, portanto passíveis de
questionamento e mudança.
É preciso questionar a escola atual, perversa em seus tempos, espaços e
currículos, com normas e regras que buscam produzir um certo tipo de sujeito
manejável e controlado, excluindo muitos e onde a indisciplina é tida como
algo fora do “normal” e não como uma brecha para se compreender desordens
ou outras possibilidades de conhecimento e de prática pedagógicas. De acordo
com Dorneles:
(...) precisamos perceber e compreender o mundo e a vida de outra
maneira. Precisamos aprender e ensinar essa percepção e
compreensão sob novas disposições ético-estéticos-afetivas, abertos
a novas possibilidades capazes de surpreender o dinamismo da
vida, captar-lhe a inteligência e deixar ver os acontecimentos, as
mutações, as inovações, tudo o que se deixa ver, para além de todos
39
os a priori legitimadores, indicativos e normativos do ser do mundo
e do dever ser do estar sócio-cultural (DORNELES, 2006, p.16).
A Educação Integral de hoje pressupõe que a escola seja capaz de juntar
seus esforços aos das demais instituições sociais da comunidade para, de
forma integrada e plural, dialogar e compartilhar as responsabilidades da
construção de um projeto comum de educação que pressupõe, que a escola,
família, comunidade e instituições sociais se organizem como uma
comunidade de aprendizagem, pois como diz Torrres:
Uma comunidade de aprendizagem é uma comunidade
humana organizada que constrói um projeto educativo e
cultural próprio para educar a si própria, suas crianças,
seus jovens e adultos, graças a um esforço endógeno,
cooperativo e solidário, baseado em um diagnóstico não
apenas de suas carências, mas, sobretudo, de suas forças
para superar essas carências. (TORRES, 2003, p. 83).
O conceito de “comunidade de aprendizagem” amplia a ação da escola
para além de seus muros; engloba a presença de muitos outros atores, além
dos professores, conduzindo as atividades junto os alunos e congrega muitos
saberes originários de diferentes contextos e culturas para dentro do
currículo escolar.
Considerações Finais
A escola que se compromete com esse tipo de projeto tem de entender
e internalizar que se trata de viver, na escola e na comunidade, situações de
compartilhamento de ações e decisões. Não se trata mais de atravessar os
muros da escola e viver um “fazer de- conta” protegido e irreal, e sim, de
baixar e de derrubar esses muros, interagindo com a comunidade, ampliando
o território de uso e circulação das crianças e de culturas. Elas precisam
40
circular pelo bairro, pela cidade, equipamentos e espaços públicos para que
possam conhecê-los, ver como as pessoas os utilizam para valorizá-los e
construir, assim, suas identidades de cidadãos e a noção de pertencimento na
relação com a sua comunidade.
É somente a partir do Projeto Político Pedagógico, construído
coletivamente, que a escola pode orientar e articular as ações e atividades pro-
postas na perspectiva da consecução da Educação Integral, baseada em
princípios legais e valores sociais, referenciados nos desafios concretos da
comunidade onde está inserida a escola.
É importante ressaltar que o aumento do tempo escolar necessário à
Educação Integral que propomos não objetiva dar conta apenas dos
problemas que os alunos enfrentam devido ao baixo desempenho nos
diversos sistemas de avaliação, pois o que se pode constatar, em alguns casos,
é que o aumento da jornada de trabalho escolar dos alunos em disciplinas
específicas, como Matemática ou Língua Portuguesa, tem gerado processos de
hiperescolarização, que não apresentam os resultados desejados.
Já ampliação da jornada, na perspectiva da Educação Integral, auxilia as
instituições educacionais a repensarem suas práticas e procedimentos, a
construirem novas organizações curriculares voltadas para concepções de
aprendizagens como um conjunto de práticas e significados multirreferencia-
dos, interrelacionais e contextualizados, nos quais a ação educativa tenha
como meta compreender e modificar situações concretas do mundo.
Nessas circunstâncias, a ampliação da jornada não pode ficar restrita à
lógica da divisão em turnos, pois isso pode significar uma diferenciação
explícita entre um tempo de escolarização formal, de sala de aula, com todas
as dimensões e ordenações pedagógicas, em contraposição a um tempo não
instituído, sem compromissos educativos, ou seja, mais voltado à ocupação do
tempo do que à educação.
Assim, faz-se necessária uma nova organização do currículo escolar em
que se priorize muito mais a flexibilização do que a rigidez ou a
compartimentalização, o que não significa tornar o currículo frágil e
descomprometido com a aprendizagem do conjunto de conhecimentos que
estruturam os saberes escolares; mas que promova o desequilíbrio de suas
forças para produzir outras formas de escrita, expressão e artistagens
41
pedagógicas, em nome da mobilidade perpétua do “ser-professor, daquele ser
que não para nunca de se deter no jogo da sua própria proliferação”
(CORAZZA, 2007, p.21).
É nosso papel, enquanto profissionais da educação, fomentar pesquisas,
complementar conhecimentos e práticas pedagógicas voltadas para a
discussão sobre a produção das teorias educacionais curriculares no que se
refere aos seus aspectos políticos, históricos e pedagógicos enquanto prática
de exclusão, processos de dominação, narrativas raciais, étnicas, de gênero,
corpo etc.; propor formas de planejamento e produção de currículos que
ocupem outros territórios educacionais, tais como políticas de inclusão social
e de formação do sujeito em tempos e espaços integrais com uma abordagem
contemporânea.
Realizar uma escola em tempo integral vai além da ampliação da
jornada escolar, significa um compromisso social e político para uma
educação de qualidade, com seus tempos e espaços desenvolvidos de forma
democrática, contribuindo para a produção de competências diversas. Deve-se
refletir se as experiências desenvolvidas pela escola, somente no contraturno,
não são mera extensão de atividades estritamente escolares, que não levam
em conta a formação integral do sujeito, estando a parte do currículo e da
realidade dos alunos.
É preciso uma ação coletiva, sob a forma de políticas públicas,
programas e ações articulados, formulados a partir de princípios como a
complementaridade e a intersetorialidade, construídos no interior das
comunidades e que, sob a orientação da escola e pelo efetivo exercício da
participação e do diálogo, possam produzir experiências educativas
comprometidas com a integralidade dos sujeitos e da sua formação, bem como
com a qualidade da educação para todos. Isto implica romper com o
tradicional isolacionismo da escola, prevendo uma disposição para o diálogo e
para a construção de um projeto político e pedagógico que contemple
princípios e ações compartilhadas na direção de uma Educação
integral/integrada. bLembrando Yus:
É difícil educar em uma escola integral se ele próprio, o
professor ou a professora, não pensa a educação de uma
42
maneira mais global e não põe em questão sua própria
formação distorcida. Ele deve buscar novos horizontes,
conhecer melhor as teorias que fundamentam a educação
integral (2009:22).
Os diferentes espaços da comunidade e da cidade, nessa perspectiva,
podem constituir-se em espaços de aprendizagem, na medida em que
possibilitam experiências de caráter pedagógico.
Deve haver, também, uma formação constante dos professores e
profissionais que trabalham na perspectiva da Educação Integral, respeitando
os tempos e espaços do aprender de cada envolvido em um processo
pedagógico, dialógico e democrático.
Romper e ousar com novas abordagens pedagógicas significa
redesenhar o mapa estratégico de poder, tanto no campo político como
educacional, possibilitando que novos espaços de circulação de saber possam
emergir, tornando-se mais visíveis e passíveis de transformação.
Referências
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Cortez, 2006.
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Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
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Esquizofrenia. Vol. 1, São Paulo, Editora 34, 1995.
43
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45
ALFABETIZAÇÃO DO OLHAR: HISTÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Edgar de Sousa Rego3
Resumo
Este artigo relata a experiência vivida no programa PROJOVEM Urbano de
Florianópolis. O projeto intitulado “Alfabetização do Olhar: história e
patrimônio histórico”, respondeu a uma necessidade de trazer para a
realidade local dos jovens do programa um conteúdo expresso no material
didático, produzido para a realidade nacional. O projeto realizou-se no ano de
2009, quando os jovens seguiram alguns roteiros pelo centro histórico da
cidade, fotografando o que achavam de interessante. Durante estas
caminhadas, o professor mediava as informações necessárias ao
reconhecimento do patrimônio histórico. Assim, iniciou-se uma proposta de
educação patrimonial.
Palavras-chave: Alfabetização do Olhar, PROJOVEM, Educação Patrimonial.
Abstract
This article reports the experience in the program PROJOVEM Urban
Florianópolis. The project entitled "Literacy of Looking: history and heritage,"
answered a need to bring to reality the local youth program content expressed
in the educational materials produced for the national reality. The project
took place in 2009, when young people followed some routes through the
historic center of the city, photographing what they thought interesting.
During these walks, the teacher mediated the information necessary for the
recognition of historical heritage. So began an education proposal sheet.
Keywords: Literacy's Looking, PROJOVEM, Heritage Education
Introdução
3 Educador de Ciências Humanas PROJOVEM Urbano do Município de
Florianópolis. [email protected]
46
Canhões do Forte São Francisco Xavier - Praça Esteves Júnior Data: 17/09/2009 Autores: Daiana Wiggenhauser Anacleto, Andrea Gomes da Silva,Claudemir J. Moreira da Silva, Eder C. dos Reis e Prof.ª Andrea Folk
O projeto “Alfabetização do Olhar” foi desenvolvido junto aos jovens
do PROJOVEM Urbano do Município de Florianópolis. Teve como objetivo
identificar com os alunos o patrimônio histórico e cultural da cidade de
Florianópolis e trabalhar melhor a questão da educação patrimonial, que foi
abordada no capítulo 10 da Unidade Formativa I do material didático do
programa PROJOVEM Urbano. Por essa razão, é importante explicar o
currículo do programa, assim como a sua dinâmica de funcionamento.
O PROJOVEM Urbano é um programa do Governo Federal, que faz
parte da política nacional de inclusão de jovens, coordenada pela Secretaria
Nacional da Juventude. A política ainda conta com o envolvimento do
Ministério do Desenvolvimento Social e do Ministério da Educação. O caráter
interministerial do programa é o resultado de uma necessidade das políticas
públicas para o jovem ter amplitude no seu alcance social.
47
O seu objetivo é complementar a escolaridade dos jovens em nível do
ensino fundamental, iniciar uma formação profissional e incentivar a
participação cidadã. Para isso, os jovens têm aulas de disciplinas básicas como
Português, Matemática, Língua Inglesa, Ciências da Natureza e Ciências
Humanas. O currículo ainda é composto por uma disciplina de Participação
Cidadã, responsável por articular um plano de ação comunitária junto a uma
comunidade da cidade e estimular o exercício da cidadania pelo jovem. O
aluno ainda participa da disciplina de qualificação profissional, na qual
aprende noções básicas de uma profissão, assim como uma formação técnica
geral para o trabalho, onde são abordados temas tais como: legislação
trabalhista, como se portar numa entrevista de emprego, economia solidária,
cooperativismo, entre outros.
Casario Oitocentista – Praça XV de Novembro
Data: 01/09/2009
Autores: Emanuela Amorim Pereira, Adonildo Adão, Felipe G. Silva,Mayco
Nascimento e Paulo Roberto Vasconcelos da Silva.
48
Todo o currículo tem caráter interdisciplinar e as disciplinas interagem
e se complementam. Para estimular o caráter interdisciplinar do currículo, o
jovem, a cada quinzena, tem que refletir sobre um assunto proposto na síntese
integradora. A síntese integradora é um texto escrito pelo jovem que aborda
um assunto/tema problematizador. O jovem utiliza da interdisciplinaridade
curricular para exercitar múltiplos olhares acerca da problemática estudada.
Este currículo está dividido em seis unidades formativas, cada uma com
duração de três meses, totalizando em 18 meses, o tempo de o jovem concluir
a sua formação no programa. As unidades formativas são temáticas: Unidade
Formativa I – Juventude e Cultura; Unidade Formativa II – Juventude e Cidade;
Unidade Formativa III – Juventude e Trabalho; Unidade Formativa IV –
Juventude e Comunicação; Unidade Formativa V – Juventude e Tecnologia e
Unidade Formativa VI – Juventude e Cidadania.
O jovem, por frequentar o programa, tem direito a uma bolsa auxílio de
R$100,00 (cem reais), mais o vale transporte concedido pela Prefeitura
Municipal de Florianópolis. Esses benefícios são concedidos em contrapartida
ao empenho do jovem no programa, para isto, ele tem que obter o percentual
de 75% de frequência e realizar os trabalhos como as Sínteses Integradoras, o
POP (Programa de Orientação Profissional) e o PLA (Plano de Ação
Comunitária).
Em Florianópolis, o programa inicialmente dividiu-se em dois núcleos:
Centro e Continente, cada um com cinco turmas, como indicado nas normas de
implantação pela coordenação nacional. O núcleo do centro está localizado na
Escola Estadual Básica Silveira de Souza. O Núcleo continente dividiu-se entre
duas escolas: a Escola Estadual Básica Rosa Torres de Miranda, que se localiza
no Jardim Atlântico e a Escola Estadual Básica Professor Aníbal Nunes Pires,
que está localizada em Capoeiras. Esta localização teve como objetivo
aproximar o programa das residências dos jovens.
Há muito a juventude necessitava de uma política pública que viesse
ao encontro das algumas problemáticas enfrentadas por esta faixa etária.
Problemas como o desemprego, a baixa escolaridade e a falta de engajamento
político, são algumas das questões que o programa tenta problematizar.
Assim, aproveitando uma atividade curricular, o projeto “Alfabetização do
Olhar” auxiliou em algumas destas frentes.
49
Relatando o processo da Alfabetização do Olhar
Mercado Público de Florianópolis
Data: 01/09/2009 Autores: Neide de Oliveira Mattos, Alvaro Siqueira Filho, Fernando Rosa,Elias da Rocha e Edvaldo da Lapa Costa
A ideia da “Alfabetização do Olhar” vem da aproximação da Rede
Municipal de Florianópolis com a Universidade do Estado de Santa Catarina -
UDESC. Através de e-mail e contatos, conheci o projeto de extensão
coordenado pela Profa. Dra. Janice Gonçalves, do Departamento de História,
intitulado “Caminhadas com a História”. O projeto de extensão visava
principalmente à formação de professores de escolas públicas, no
aperfeiçoamento na área de memória e patrimônio. As saídas consistiam num
roteiro temático, como por exemplo, as igrejas do centro da cidade. Além
disso, os professores eram estimulados a fazerem fotos.
O método utilizado por mim foi praticamente o mesmo da caminhada
com a professora Janice. Elaborei um roteiro com pontos ligados aos Arcos
Ocupacionais, já que as turmas, em sua maioria, foram divididas por arco.
50
Depois, fomos ao centro da cidade e caminhamos por ruas, becos e ladeiras.
Sempre com uma provocação feita em sala de aula por mim aos jovens, que
era: “Existe uma cidade escondida pela Florianópolis que eu conheço e
caminho no meu dia-a-dia?” No início, a reação dos alunos foi de surpresa e de
incompreensão, perguntando: “Professor, como assim, cidade escondida?
Existe uma cidade secreta?” E foi como se todas as respostas às indagações e
incompreensões se dissipassem devido ao deslumbramento do contato com a
cidade e com a memória fixada em ruas, prédios e monumentos do centro
histórico de Florianópolis.
Nossa Senhora Apareceida – Escola Estadual Básica Silveira de Sousa Data: 17/09/2009 Autores: Daiana Wiggenhauser Anacleto, Andrea Gomes da Silva,Claudemir J. Moreira da Silva, Eder C. dos Reis e Prof.ª Andrea Folk.
Continuando a falar do método, a turma foi dividida em grupos e cada
grupo tinha uma câmera fotográfica. Foi dada ampla liberdade aos jovens
fotografarem. Em nenhum momento tiveram alguma instrução de estética
fotográfica, ou alguma explanação sobre a arte da fotografia; a única coisa que
51
pedi, é que não fizessem fotos como turistas, ou seja, que eles não
aparecessem na foto. No momento da produção fotográfica, é que talvez
enfrentamos o maior problema, pois devido a baixa qualidade das câmeras
fotográficas dos jovens, e até mesmo do professor não ser um fotógrafo
profissional, acabaram não compensando a falta de luz em algumas partes do
centro da cidade. Mas, isto não interferiu de modo algum no resultado do
projeto, mesmo porque o mais importante não era a produção fotográfica, mas
sim, o processo de ensino e aprendizagem das caminhadas. Assim, em cada
ponto, tinha-se uma aula de História que, de alguma forma, em loco, tornaram-
se muito mais interessantes. Eu, como professor de História da Rede
Municipal de Ensino de Florianópolis, acredito que a História tem que sair da
sala de aula e ir ao centro da cidade, pois o centro histórico de Florianópolis é
um laboratório de História a céu aberto, com fontes e discursos políticos.
A atividade do projeto causou uma mudança de perspectiva do olhar do
jovem para a sua cidade. Como diz Rubem Alves, é necessário que a escola
ensine a experimentar, pois a experiência é essencial para que o jovem ou o
aprendiz sinta e, deste modo, desperte o interesse para o conhecimento.
Monumento ao Miramar Data: 31/08/2009 Autores: Silvete Moraes, Maria do Carmo Santana e Diego R Laurentino
52
Como resultado do projeto, foi produzida uma mostra fotográfica
apresentada na Semana da Alfabetização de 2009, realizada pela Prefeitura
Municipal de Florianópolis. A exposição foi alojada no prédio do Centro de
Educação Continuada, na Rua Ferreira Lima. O mesmo trabalho foi
selecionado para a Mostra Jovem, que é um evento organizado pela
coordenação nacional do PROJOVEM Urbano, que selecionou trabalhos em
todo o Brasil, realizado em Brasília, em agosto de 2010.
Esse projeto, de certa forma, transformou não só o olhar dos jovens
para com a cidade, mas também o meu olhar para com a minha atividade
docente. Deste modo, a “Alfabetização do Olhar”, faz parte da minha prática
docente, evidentemente sendo adaptado ao uso das novas tecnologias e às
necessidades locais, pois, no PROJOVEM, fiz uma escolha pelo centro histórico,
mas há muitos lugares de memória interessante por todos os bairros,
principalmente aqueles ligados à antigas freguesias, tais como Rio Vermelho,
Santo Antônio de Lisboa e Ribeirão da Ilha.
Para além das fotografias
As fotos incorporadas a este relato é o resultado palpável do projeto
realizado. Porém, os resultados alcançados vão muito além da fotografia. O
PROJOVEM Urbano é um programa transformador de vidas. As diversas
vivências e trajetórias de vida, sendo elas uma tragédia familiar, ou pessoal,
encontram-se neste programa, que acaba se tornando uma porta para a
esperança. No mês de agosto de 2010, o programa possibilitou a alguns jovens
a oportunidade de conhecer Brasília. A I Mostra Jovem foi um evento que
reuniu mais de 800 jovens de todo o Brasil. Mais de 100 trabalhos artísticos-
culturais foram levados até Brasília onde foram expostos e apresentados.
Dança, música, teatro, artesanato, produzido por todos os cantos do país
reunidos em Brasília.
A participação dos alunos nesta mostra foi uma experiência única, já
que possibilitou a primeira viagem de avião aos jovens e a hospedagem em
hotel na capital federal. Assim, constrói-se uma mudança de perspectiva
perante os estudos. A empolgação e o brilho nos olhos demonstram o triunfo
53
da prática que iniciou apenas como uma experiência curricular e teve sua
conclusão em Brasília.
Para além das fotografias, também ficaram os conhecimentos
adquiridos sobre educação patrimonial. E para além dos conhecimentos, fica a
esperança de novas oportunidades. Oportunidades que ultrapassam qualquer
expectativa que esses jovens já tiveram na vida. Pensar o possível e planejar o
futuro, essas são as contribuições que o PROJOVEM e a “Alfabetização do
olhar” tiveram, e ainda têm, para promover em dezoito meses de convivência.
Referências
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na educação. 9.ed. Campinas: Papirus, 2006.
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003.
Internet
http://www.projovemurbanob.gov.br (acessado em 20/08/2010)
55
PROJETO GUARDIÕES DA ENERGIA
Elaine Cristina Pamplona Seiffert4
Resumo
O presente artigo relata os resultados da aplicação do projeto Guardiões da
Energia, desenvolvido na Escola Básica João Gonçalves Pinheiro desde 2007.
A idéia do projeto surgiu em um curso oferecido pela ELETROSUL, em 2007,
no qual foi possível rever conceitos, valores e a importância da Energia para a
nossa vida. Retornando à sala de aula, incentivamos à construção desses
conceitos, incorporando-os aos conteúdos das Ciências Naturais com a
intenção de formar multiplicadores cientes da necessidade de economizar
energia como forma de preservar o ambiente. Atualmente, participam do
projeto 278 alunos de 5ª e 7ª série do ensino fundamental e os resultados
foram surpreendentes, sendo alguns deles apresentados ao longo do texto, e
vão ao encontro da formação de cidadãos críticos, responsáveis e
comprometidos com a construção de um mundo socialmente justo,
economicamente sustentável e ecologicamente correto.
Palavras Chaves: Energia Elétrica, Meio Ambiente, Sustentabilidade
Abstract
This article reports the results of implementing the project Guardians of
Energy, developed at João Gonçalves Pinheiro Elementary School since 2007.
The project idea emerged in a course offered by Eletrosul and Procel in 2007,
when it was possible to review concepts, values and the importance of energy
for our lives. Returning to the classroom, we encourage the construction of
these concepts by incorporating them into the contents of Natural Sciences
with the intent to form multipliers aware of the need to conserve energy to
4 Professora de Ciências da E.B.M. João Gonçalves Pinheiro, da Rede Municipal de
Ensino de Florianópolis, e idealizadora do Projeto Guardiões da Energia.
56
preserving the environment. Currently, participants include 278 students of
5th and 7th grade education and the results were amazing, and some are
presented throughout the text, and meet the formation of critical citizens,
responsible and committed to building a world socially just, economically
sustainable and environmentally correct.
Key words: Electrical Energy, environment, sustainability
Introdução
O Projeto Guardiões da Energia, cujo objetivo principal é formar
multiplicadores cientes da necessidade de economizar energia como forma de
preservar o ambiente, constitui-se como uma ferramenta fundamental na
formação de cidadãos cientes do seu papel na sociedade. A palavra chave para
esta formação é responsabilidade. Participam do projeto 278 alunos das 5as e
7as séries da EBM João Gonçalves Pinheiro, escola do ensino fundamental da
Rede Municipal de Florianópolis. Os guardiões exercem sua responsabilidade
com o meio ambiente através do uso racional da Energia elétrica e do repasse
dessa responsabilidade para seus familiares.
Atualmente, tem sido cada vez maior a preocupação com a diminuição
do gasto de energia elétrica. Além do aspecto ecológico, existe também a
questão econômica: o valor da conta, ao final do mês, pode diminuir em alguns
reais. A comunidade do Rio Tavares (onde a Escola está inserida) é uma
comunidade carente, desta forma, pode-se dizer que diminuir o valor da conta
em alguns preciosos reais pode significar viver com um pouco mais de
dignidade e conforto.
Ser Guardião da Energia é ser um cidadão atuante na busca de um
desenvolvimento sustentável. A idéia de ser sustentável deve tomar partido
por uma consciência global, mas a partir de uma ação local, iniciada por
comunidades sustentáveis. O tempo é de ação; ação transformadora para o
bem e para a manutenção da vida em todas as suas formas. CIMADON (1998),
afirma que vivemos em um momento de globalização e de preocupação com a
formação do homem para enfrentar novos tempos. Na verdade, precisamos
não apenas pensar criticamente a respeito do capitalismo, avanço tecnológico
57
e consumismo desenfreado, mas agir de maneira rápida para obtermos
resultados. Agir localmente, em nossas escolas, ambiente de trabalho e
vizinhança para a construção de uma consciência ecológica madura de que
homem e natureza precisam ser preservados.
Esse projeto constitui-se em um passo inicial na busca de estratégias
para amenizar os impactos do consumo desenfreado e do desperdício de uma
maneira geral, uma vez que propicia aos envolvidos visões diferenciadas do
mundo, permitindo assim que os mesmos entendam o quanto suas atitudes
são importantes nas mudanças que ocorrem no meio ambiente. Dentre os
vários autores que abordam as questões ambientais, ANDRADE et al. (1996)
alerta para o fato de que o homem, discutindo a questão ambiental, pode
alterar a realidade em que estamos vivendo e que ameaça o futuro do planeta.
Quando falamos de meio ambiente não podemos esquecer que o ser
humano faz parte deste contexto. Mais do que isto, ele é o responsável direto
pelas ações que resultam em alterações indesejáveis e é também ele,
juntamente com os demais seres vivos que habitam o planeta, que sofre as
conseqüências. Hoje temos defensores e predadores do ambiente natural,
ambos com seus valores e pontos de vista a serem defendidos, mas todos
sabem que é preciso fazer algo para que o caos em que as questões ambientais
estão inseridas não nos levem ao insustentável.
Desenvolvimento e demonstração dos resultados:
A metodologia utilizada baseia-se no monitoramento mensal das
faturas de consumo de energia elétrica trazidas pelos alunos e confecção de
gráficos que ficam disponíveis para que toda a comunidade escolar
acompanhe os resultados. Pode-se dividir a metodologia em três fases:
Sensibilização (para estimular mudanças de atitude e proporcionar o
entendimento da importância de economizar energia), Informação (ninguém
preserva aquilo que não conhece) e Responsabilidade (a partir do momento
que temos informação, somos responsáveis pela preservação da energia que
chega até nós com um alto custo para o meio ambiente e para o nosso bolso).
58
Para cada fase foram realizadas atividades lúdicas e eficazes na busca da
formação dos “guardiões da energia”.
Sensibilização: Foi utilizado o texto Carta ao Inquilino (disponível na
internet), que veio ao encontro e complemento do texto “Inquilinos”, de Luiz
Fernando Veríssimo (“A vida que a gente quer depende do que a gente faz”,
p.188), para que os alunos pudessem entender o que é pertencer a uma
coletividade, bem como perceber a importância de conhecer e preservar o
ambiente em que vivemos. Também para que descobrissem que pequenas
atitudes individuais podem gerar grandes mudanças, com impactos positivos
ou negativos, foram escritas por eles cartas resposta ao proprietário.
Informação: Foram realizadas várias atividades com o objetivo de
informar aos alunos a respeito dos conceitos e relações da energia no nosso
cotidiano. Para tanto, utilizou-se o material cedido pelo Programa Nacional de
Conservação de Energia - Procel, composto de Flip Chart, livros, jogos, CD.
Trabalhou-se em sala de aula a relação do ser humano com a energia desde os
seus primórdios, a energia vital que vem do alimento, as várias fontes de
energia disponíveis, os vários significados da palavra “energia” e, finalmente, a
energia elétrica (impactos ambientais para chegar a nossas casas, geração de
energia, energia e a mudança de comportamento no mundo moderno,
tecnologia etc.). Na Sala Informatizada, foi possível acessar ao site da Celesc -
Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. Os alunos navegaram no site,
acompanharam seu consumo na fatura on line e registraram informações que
acharam interessantes, dúvidas, sugestões e conclusões tiradas a partir desta
atividade.
Responsabilidade: Foi possível perceber durante o processo que o
gasto de energia provoca vários impactos ambientais causados pelo homem,
assim sendo, os “Guardiões da Energia” iniciaram sua ação transformadora em
relação ao uso da Energia Elétrica. Os pais foram convidados a participar
através da adesão a um termo de responsabilidade e cuidados em casa e na
escola para reduzir o desperdício de energia. O “Guardião da energia da sala
de aula" é responsável por desligar luzes e ventiladores quando a turma se
ausenta da sala.
59
Os resultados são visíveis não só na diminuição de consumo de energia,
mas também no comportamento dos "Guardiões" em relação ao desperdício,
responsabilidade e envolvimento com as atividades do cotidiano escolar.
Em 2008, o projeto foi realizado em três turmas de quinta série que,
juntas, economizaram 573,2 KW/h, o que representa uma economia no bolso
de R$ 311,12.
Em 2009, aconteceu junto a três quintas séries e duas sétimas séries,
que economizaram, juntas,1081 KW/h e R$ 441,92.
Em 2010, está sendo implantado junto a 278 guardiões (de quintas e
sétimas séries) e os resultados prometem superar todas as expectativas.
Esse trabalho foi escolhido como prática exitosa da Rede de Ensino de
Florianópolis. A escola ganhou a bandeira verde do projeto Eco-Escolas, do
qual sou coordenadora na Unidade Escolar (para ganhar a Bandeira Verde a
escola precisa cumprir os 7 passos do programa: Conselho Eco-Escolas,
Auditoria ambiental, Plano de ação, Monitoração/Avaliação, Trabalho
curricular, Divulgação à comunidade e Eco-código. Nossos guardiões estão
cumprindo seu papel com orgulho e nossa escola é conhecida como a "Escola
dos Guardiões da Energia".
Considerações finais
Durante nossa trajetória pelo mundo da educação ambiental viajamos
do macro ao microcosmo, nos sentimos poeira ao vento, repensamos nossas
atitudes, nos posicionamos, nem sempre do mesmo lado dos demais. Tivemos
a oportunidade de reavaliar nossas necessidades e as conseqüências de um
consumo desenfreado. No projeto relatado, utilizamos atividades lúdicas
buscando trabalhar a sensibilização, informação e responsabilidade para que
os alunos pudessem entender que pequenas atitudes podem gerar impactos
tanto positivos quanto negativos.
Repensar nossas atitudes, valores e objetivos e traçarmos juntos
(alunos, professores, comunidade escolar e local) estratégias para um
desenvolvimento sustentável é um desafio e um dever de cada cidadão. Assim
60
sendo, o aprendizado deixa de ser um saber pelo saber e passa a ser um saber
para poder fazer.
Se o futuro que desejamos começa no presente e depende
exclusivamente de nossas ações, pode-se considerar o projeto Guardiões da
Energia como o primeiro passo na construção desse futuro. O projeto
Guardiões da Energia tornou-se destaque na nossa escola, uma vez que
propiciou interação com as famílias dos guardiões e mudanças de atitudes dos
mesmos em relação ao desperdício de uma forma geral.
Durante o desenvolvimento do projeto, encontramos muitos desafios,
mas os alunos da Escola Básica Municipal João Gonçalves Pinheiro se
mostraram dispostos a enfrentá-los e superá-los, pois os Guardiões da
Energia, quando estimulados, superam expectativas, tornando sua experiência
de vida e prática escolar pautada em valores como amor, harmonia, família,
amizade e isso os torna cidadãos de bem.
Atualmente, os Guardiões ocupam um papel importante no cenário da
escola e os alunos das séries iniciais também querem chegar à 5ª série para
tornarem-se “Guardiões da Energia”. Tenho orgulho de ser a professora
desses Guardiões que economizam energia e esbanjam responsabilidade.
Referências
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de mudanças. Petrópolis: Vozes, 1996.
CIMADON, A. Ensino e aprendizagem na universidade: um roteiro de
estudos. Joaçaba: UNOESC, 1998.
GUIMARÃES, L. B. et al. Tecendo subjetividades em educação e meio
ambiente. Florianópolis. Núcleo de Publicações – NUP, UFSC, 2003.
INSTITUTO ECOFUTURO. A vida que a gente quer depende do que a
gente faz. São Paulo: Pingo é letra, 2007.
63
Rádio MDP: uma experiência midiática na escola
Gisely Córdova5
Não é porque certas coisas difíceis, que nós não ousamos.
É justamente porque não ousamos, que tais coisas são difíceis.
(Sêneca)
Resumo
O presente artigo é resultado da experiência da produção de uma rádio
escolar em Florianópolis. Este trabalho visa discutir a inserção das mídias
como instrumento pedagógico na construção do sujeito crítico, reflexivo e
autor de sua aprendizagem; visa, também, refletir sobre a formação docente
para o uso das mídias e TICs na escola. Um dos grandes problemas
encontrados no processo de leitura-escrita é dar à produção textual um
caráter significativo. Na maioria das vezes, os alunos produzem textos
“artificiais” que serão lidos apenas pelo professor. Assim, eles se questionam
quanto à importância do que escrevem. Uma das formas de ressignificar a
escrita na escola é através da produção de jornais e rádios.
Palavras-chave: Rádio Escolar; Mídias; Produção de Mídias na Escola;
Formação Docente.
Abstract
This article is the result of experience producing a radio school in
Florianopolis. This paper aims to discuss the integration of media as an
educational tool in building the critical subject, author and reflective of their
learning, and also reflect on teacher training for the use of media and ICT in
5 Professora Auxiliar de Sala Informatizada da E. B. M. José Amaro Cordeiro, da
Rede Municipal de Ensino de Florianópolis.
64
school. One of the major problems encountered in the process of reading-
writing is to give the character a significant textual production. In most cases,
students produce texts "artificial" to be read only by the teacher. Thus, they
question themselves as to the importance of what they write. One way to
reframe the writing in school is through the production of newspapers and
radios.
Keywords: radio school, media, media production at school, teacher training.
Introdução
Comunicar é preciso! Desde tempos remotos a comunicação faz parte
da vida dos homens. A evolução da comunicação humana passou por criações
de sistemas simbólicos e avanços tecnológicos que transformaram e
transformam o processo de comunicação da sociedade. Vários aspectos da
comunicação impulsionaram estudos e pesquisas no mundo todo.
Como lembra Matterlat:
Situados na encruzilhada de várias disciplinas, os
processos de comunicação suscitaram o interesse de
ciências tão diversas quanto a filosofia, a história, a
geografia, a pscicologia, a sociologia, a etnologia, a
economia, as ciências políticas, a biologia, a cibernética
ou as ciências cognitivas. (MATTERLAT, 1999, p.09)
A partir de estudos realizados acerca do tema, são lançadas as teorias
da comunicação, tendo como destaque o cientista político Harold Lasswell
(1902-1978), com sua pesquisa conhecida como "análise de conteúdo", na
qual o autor analisa a influência dos meios de comunicação nos indivíduos.
Neste estudo, o autor afirma que toda mensagem produz em cada indivíduo
sensações diferentes.
Outro pesquisador, que trouxe idéias inovadoras sobre o uso dos meios
de comunicação, foi o filósofo e educador Herbert Marshall McLuhan (1911-
65
1980), que introduziu a famosa expressão “aldeia global”; o autor afirma que
o progresso tecnológico reduz todo o planeta à mesma situação, a uma aldeia,
ou seja, à possibilidade de se intercomunicar diretamente com qualquer
pessoa que nela vive. Este conceito define o mundo de modo interligado, com
estreitas relações econômicas, políticas e sociais, fruto da evolução dos meios
de comunicação e das tecnologias.
A evolução dos meios de comunicação de massa (as mídias) está
diretamente ligada à evolução das tecnologias, a partir do surgimento da
imprensa escrita, passando pelo surgimento da rádio e, posteriormente, da
televisão, até chegar aos dias de hoje com os meios digitais e a internet. Com
isto, o seu conceito é ampliado, e as mídias deixam de ser apenas meios ou
canais de comunicação usados na transmissão de mensagens a um grande
número de receptores, mas passa a exercer, também, influência sobre o
homem, exercendo o quarto poder6.
Há muitos anos, a sociedade vem consumindo estas mídias como fontes
de lazer e informação. O rádio e a televisão se tornaram populares, já que para
ter acesso às mensagens que eles veiculam, o receptor não precisa ler nem
escrever. Mas, por serem meios de informação e conhecimento, estas mídias
também adentram o espaço escolar como recursos pedagógicos.
Desta forma, é crescente a discussão sobre as possibilidades de uso das
mídias no processo de ensino-aprendizagem e a postura de professores e
alunos frente à produção midiática.
O presente projeto enfoca a importância do uso das mídias, como a
rádio escolar, na dinâmica de ensino. Inicia a discussão situando o leitor
quanto aos desafios que a escola, representada por seus educadores, enfrenta
nesta sociedade da informação, enfatizando a função social da escola na atual
6 O quarto poder foi uma expressão criada e utilizada por alguns autores para
qualificar, de modo livre, o poder da mídia ou do jornalismo em alusão aos outros
três poderes típicos do Estado democrático (Legislativo, Executivo e Judiciário).
Essa expressão refere-se ao poder da mídia quanto a sua capacidade de manipular a
opinião pública, a ponto de ditar regras de comportamentos e influir nas escolhas
dos indivíduos e, por fim, da própria sociedade.
66
conjuntura tecnológica e a formação do docente para o uso das mídias e
tecnologias.
Em um segundo momento, relatamos a experiência da produção de
uma rádio escolar em Florianópolis. O relato finaliza com algumas reflexões
pertinentes ao tema mídia-educação.
Mídia-Educação e Formação docente
O uso das mídias e das novas tecnologias da informação e comunicação
(NTIC) no contexto escolar torna-se cada vez mais presente nas práticas
pedagógicas atuais. O professor, assim como os demais profissionais, se
depara com as novas exigências da chamada “sociedade da informação”.
Assmann (2000), ao definir a sociedade da informação, ressalta que é
fundamental considerá-la como uma sociedade da aprendizagem. Para o
autor, o processo de aprendizagem já não se limita ao período de escolaridade
tradicional.
Kenski aponta que
Os novos processos de interação e comunicação no
ensino mediado pelas tecnologias visam ir além da
relação entre ensinar e aprender. Orientam-se pela
formação de um novo homem, autônomo, crítico,
consciente da sua responsabilidade individual e social,
enfim um novo cidadão para uma nova sociedade.
(KENSKI, 2002, p.264)
Dessa forma, pensar em uma prática pedagógica escolar alienada,
distante das mudanças constantes que as mídias e as novas TICs provocam,
seria impossível! As atuais formas de interação estabelecidas pelas
tecnologias midiáticas estão presentes em todos os espaços sociais, e ignorar a
tecnologia dentro da escola é promover a exclusão social, entendendo como
Toschi que “(...) a escola se apresenta como espaço privilegiado para a seleção
67
crítica das informações, para preparação do jovem que seja capaz de desvelar
o real na informação que vem pasteurizada e espetacularizada” (2002, p.274).
Aprender a ler nas entrelinhas as mensagens que as mídias sussurram a
todo o momento, desde um simples anúncio no outdoor até a música que toca
na rádio, é um processo permanente de educação que poderá ser promovido
por meio do uso das tecnologias midiáticas na escola. A esse movimento
podemos chamar de mídia-educação.
Sobre isso, Belloni explica que
Os autores brasileiros utilizam o termo “mídia-educação”
ou “educação para as mídias”, que se refere à dimensão
“objeto de estudo” e tem importância crescente no
mundo da educação e da comunicação. Corresponde a
media education em inglês; education aux médias, em
francês; educación em los medios, em espanhol;
educação e media, em português e comunicação
educacional, referente à dimensão “ferramenta
pedagógica” (2001, p.9).
Mônica Fantin, ao estabelecer algumas considerações a respeito da
mídia-educação, lembra que estamos sendo educados por imagens e sons e
muitos outros meios provindos da cultura das mídias, e a escola precisa
redimensionar tais potencialidades.
Afinal as mídias não só asseguram formas de socialização
e transmissão simbólica, mas também participam como
elementos importantes da nossa prática sócio-cultural na
construção de significados da nossa inteligibilidade do
mundo e apesar destas mediações culturais ocorrerem de
qualquer maneira, tal fato implica a necessidade de
mediações pedagógicas. (FANTIN, 2006, p.27)
Apesar de ainda persistir uma cultura escolar que nega esta realidade,
reduzindo toda complexidade das interações em mera transmissão de
informações, os educadores acabam se envolvendo com a tecnologia midiática
68
como recurso didático. Toschi explica que esse uso precisa ser maximizado,
dizendo que: “Fazemos isso quase que de forma autodidata, intuitiva,
sensitiva, precisamos agora nos preparar para isso, racionalizar os processos,
enfim, educar-nos para as mídias. E o professor tem papel fundamental neste
processo.” (TOSCHI, 2002, p.270).
É importante, entretanto, que a escola transforme estes recursos em
mídias didáticas, conheça seu processo de produção e identifique as intenções
das mensagens que as mídias veiculam.
Além de interpretar os discursos produzidos pelas mídias, a escola, ao
se apropriar das mídias e novas TIC, pode estabelecer práticas pedagógicas
voltadas à inclusão digital e, conseqüentemente, social, já que estas são
indissociáveis. O grande equívoco é tratar inclusão digital como
democratização apenas do acesso ao uso do computador: aquilo que
transforma o sujeito não são os equipamentos, mas a informação. É o acesso
ao conhecimento que possibilita a inclusão social.
Desenvolver uma pedagogia inclusiva, principalmente no âmbito
digital, requer conhecimento amplo, reflexivo e crítico que possibilite
vislumbrar novas perspectivas, práticas e propostas didático-pedagógicas
inclusivas de fato. A tão proclamada “inclusão digital” deve ser pensada em
primeiro plano para o professor. Conforme Almeida (2004):
É necessário interagir com a tecnologia, apreender suas
principais propriedades e potencialidades para uso
pedagógico. Isso não significa apenas facilitar a compra
de computadores e ofertar curso técnico de informática
aos professores. Trata-se de uma formação continuada
que integra as dimensões de domínio tecnológico, prática
pedagógica com o uso da tecnologia, teorias educacionais
e gestão de espaços, tempos e recursos. O sentido da
inclusão digital do aluno está inter-relacionado com o
sentido da inclusão digital do professor, do gestor escolar
e de todos que atuam na escola.
A utilização das mídias e TICs, com ênfase na aprendizagem, converge
para o desenvolvimento das habilidades, expectativas, interesses,
69
potencialidades e condição de aprender; todas essenciais ao processo
educativo autônomo. Os alunos são estimulados a se expressarem a partir de
suas próprias ideias, desenvolverem a autonomia e a capacidade de se
sociabilizar e construirem conhecimento, o que exige um novo papel do
professor.
Papel este que, ao que tudo indica, tende a ser cada vez
mais mediatizado. O professor tende a ser amplamente
mediatizado: como produtor de mensagens inscritas em
meios tecnológicos, destinadas a estudantes a distância, e
como usuário ativo e crítico e mediador entre estes meios
e os alunos. (BELLONI, 2001, p.27)
Para a autora, assumir esse novo papel compreende um novo desafio, o
de aprender a trabalhar em equipe e penetrar em diferentes áreas
disciplinares. A utilização das mídias e TICs, focada na aprendizagem, exige
funções novas e diferenciadas. "A figura do professor individual tende a ser
substituída pelo professor coletivo. O professor terá que aprender a ensinar a
aprender." (BELLONI apud BELLONI, 2001, p.29)
No quadro de um ensino inovador, esse papel será cada vez mais
marcado pela preocupação em criar situações de aprendizagem estimulantes,
desafiando os alunos a pensar e apoiando-os no seu trabalho, favorecendo a
diversificação dos percursos de aprendizagem. Com isto, a formação do
professor para o uso das mídias e tecnologias na escola é mais que necessário.
Formar professores para incorporar as novas ferramentas e ambientes
digitais de aprendizagem em sua prática pedagógica implica pensar, na visão
de Belloni (2002), a função social da escola e a relação tecnologia e sociedade.
Requer a compreensão dos processos de educação e comunicação como meios
de emancipação, e não como instrumentos de dominação e exclusão.
A formação de professores, incorporando o uso das mídias e novas
TICs, favorece à compreensão dos alunos como sujeitos em processo de
formação e, por isso, mais suscetíveis às influências das tecnologias em
relação aos seus conteúdos e mensagens.
70
Entende-se que um processo de formação deva possibilitar ao
professor compreender as diversas facetas que permeiam a necessidade ou a
imposição da inserção das mídias e tecnologias em sua prática pedagógica,
garantindo ao docente segurança e autonomia no desempenho de suas
funções.
Assim, faz-se necessário que a formação para o uso das mídias e
tecnologias no contexto escolar possibilite ao professor refletir sobre seus
objetivos educacionais e sobre suas práticas pedagógicas, para que este
consiga ter condições de escolher qual recurso tecnológico utilizar. Como diz
Behrens: “A tecnologia precisa ser contemplada na prática pedagógica do
professor, de modo a instrumentalizá-lo a agir e interagir no mundo com
critério, com ética e com visão transformadora” (BEHRENS, 2001, p.72).
Contudo, a formação continuada de professores para o uso das mídias e
TIC não deve ficar apenas no aspecto teórico. É importante possibilitar a
prática, promover o uso das ferramentas e explorar os ambientes virtuais.
Oferecer ao professor uma formação em que possa experimentar os recursos
tecnológicos, é uma forma de incentivar a criar estratégias e opções para que
possa desenvolver na escola um trabalho pedagógico que envolva a
participação colaborativa de alunos e demais professores.
Um exemplo de que a formação continuada de professores voltada para
o uso das mídias e TICs promove este retorno pedagógico à escola, é o relato
de experiência a seguir, que aborda a produção de rádio em uma escola
municipal de Florianópolis.
Rádio MDP: atitude para aprender
Para dar vez e voz aos alunos, um computador, um microfone, um
programa de edição de áudio livre e muita dedicação foram suficientes para
iniciar o projeto da Rádio MDP (Morro das Pedras) com os alunos da 7ª série
da Escola Básica Municipal José Amaro Cordeiro, em abril de 2008.
A idéia de criar uma rádio na escola surgiu da participação em uma
formação de rádio escolar para professores, oferecida pelo Núcleo de
71
Tecnologia Municipal (NTM), da Secretaria Municipal de Educação (SME) de
Florianopolis, SC, em 2007.
Com o apoio da professora da disciplina de Língua Portuguesa, Rosinete
Lopes da Silva, e da professora Suleica Fernanda Biesdorf Kretzer, assessora
pedagógica do NTM;SME, iniciamos a construção da rádio na escola. As
atividades iniciaram com a leitura de textos jornalísticos e os alunos
observaram sua estrutura e sua intencionalidade. O NTM foi até a escola José
Amaro Cordeiro, situada no bairro Morro das Pedras, e realizou uma
formação sobre rádio com os alunos. Neste processo de formação, discutiu-se
o papel da mídia na sociedade e os alunos aprenderam a utilizar o programa
Audacity, editor de áudio.
Os encontros para construir a rádio foram feitos nos meses de abril e
maio de 2008, no período de aula. Durante os encontros, o grupo discutiu
idéias e dividiu as tarefas. Nestes momentos de formação, foi planejada a
programação do programa piloto da rádio.
Entretanto, a rádio precisava de um nome e, simultaneamente com a
formação, o grupo de alunos participantes fez um levantamento e selecionou
dois nomes que foram levados para votação na escola: Rádio MDP e Rádio JAC
Escola. Com 54,72% dos votos venceu a “Rádio MDP”, uma homenagem ao
nome do bairro Morro das Pedras, onde está localizada, como já referida, ab
Escola Básica Municipal José Amaro Cordeiro. Neste momento, o grupo criou o
slogan da rádio: Rádio MDP – Atitude para Aprender. Nos meses de agosto e
setembro, os componentes da Rádio MDP organizaram um concurso de
desenhos entre todos os alunos da escola para escolher o logotipo da rádio.
Após o término da formação e de criação da identidade da Rádio MDP,
iniciou-se o processo de produção dos programas. Os alunos criaram, em sala
de aula, os textos que seriam gravados e, na sala informatizada, começaram as
gravações. Alguns programas envolveram entrevistas com professores e
alunos, que também gravaram suas participações.
Posteriormente a esse trabalho de gravação, os alunos editaram o
material produzido, veicularam no recreio da escola e também no site da
unidade. O trabalho da Rádio MDP também foi divulgado nos meios de
comunicação local. Os alunos e professores participantes concederam
entrevistas sobre a rádio para jornais televisivos e impressos.
72
No final do ano letivo de 2008, os alunos participantes da Rádio MDP
realizaram suas avaliações sobre o projeto da rádio e ficou evidente em suas
falas que o potencial educativo desta mídia ultrapassa o ensino de produção
de textos, sejam orais ou escritos, viabilizando o ensino da produção de
discursos que transitam por esse veículo de comunicação, visto que possibilita
a passagem de uma consciência ingênua para uma consciência crítica,
permitindo aos alunos reconhecer, além das intenções explícitas, as implícitas,
que são veiculadas nos diferentes tipos de rádios e demais meios de
comunicação.
Além de dar significado à produção textual dos educandos e criar
espaços de discussão sobre o papel das mídias entre alunos e professores, este
projeto promove a autoria dos alunos, proporcionando a valorização de suas
produções.
Atualmente, a organização e produção dos programas da Rádio MDP
são realizadas por alunos e professores de 5ª à 8ª série. Os programas, além
de serem exibidos durante o recreio, são também disponibilizados no podcast
da Rádio MDP7.
Reflexões Finais
A rádio escolar, além de estimular uma aprendizagem participativa,
pode abrir espaços para a prática interdisciplinar, promovendo práticas
pedagógicas inovadoras e significativas. Perpassando o ensino de gêneros
textuais orais e escritos, próprio da disciplina de Língua Portuguesa,
utilizando-se do procedimento de escrita e reescrita, há no trabalho com a
rádio a possibilidade de desenvolver habilidades e competências, que
proporcionam aos sujeitos envolvidos a participação ativa no processo de
ensino-aprendizagem de forma dinâmica e motivadora, contribuindo, assim,
7 Endereço da Podcast Rádio MDP:
www.podcast1.com.br/canal.php?codigo_canal=5100
73
para o desenvolvimento de múltiplas competências que buscam formar
sujeitos críticos e reflexivos, autores de sua própria aprendizagem.
Em virtude de a produção envolver sempre mais
conhecimento do que a mera percepção, parece provável
que, uma vez que as crianças tenham tido experiência
como produtoras, elas serão consumidoras mais
exigentes. (GREENFIELD, 1988, p.144).
A produção de rádio na escola permite ao aluno refletir sobre a
linguagem e a programação radiofônica, principalmente quando ele está no
papel de emissor e receptor. Com isto, a análise de todo o processo da
produção permitirá ao aluno compreender não só a linguagem, mas as
relações sociais.
De acordo com Thier, a rádio, como instrumento didático, propõe a
aproximação de professores e alunos de uma nova forma de ensino-
aprendizagem. No entanto, para que a rádio desempenhe papel educativo, é
preciso que professor e aluno conheçam e dominem a linguagem e a produção
radiofônica, o que os levará a compreendeemr a função desse meio e sua
atuação na sociedade contemporânea.
Desta forma, um dos desafios enfrentados pelo educador, em relação ao uso
das mídias e novas tecnologias na escola, é exatamente o de repensar suas ações
metodológicas e redimensionar a sua prática pedagógica. Como afirma Behrens
(2001), o desejo de mudança da prática pedagógica se amplia na sociedade da
informação quando o docente se depara com uma nova categoria do conhecimento,
denominada digital. Em tal situação, o professor é desafiado a mudar o eixo do
ensinar para optar pelos caminhos que levem ao aprender. Para tanto, é essencial
que professores e alunos estejam num permanente processo de aprender a aprender.
No âmbito educacional, muito já se discutiu sobre o papel do professor
no processo de aprendizagem com a inserção das mídias e TICs, mas antes de
se pensar nas possibilidades de atuação do educador, é necessário conhecer as
intenções e expectativas deste quanto ao processo tecnológico, que cada vez
mais faz parte do seu cotidiano profissional.
O que realmente o educador entende sobre educar para as mídias ou
sobre educar com as mídias? Como fazer mídia-educação na escola? E de que
74
forma o uso das mídias e tecnologias no contexto de mídia-educação escolar
tem refletido na prática do educador? Estas, entre outras questões, pautam as
discussões necessárias ao atual cenário educacional.
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agosto/2010.
77
SHAKESPEARE NA ESCOLA: A EXPERIÊNCIA DA MONTAGEM TEATRAL DE CLÁSSICOS: METODOLOGIA E ESTRATÉGIAS
Nara Micaela Wedekin8
Resumo
O presente artigo relata a experiência de montagem teatral na escola. Esta
experiência se desenvolve numa escola de Ensino Fundamental da Rede
Municipal de Florianópolis. A adaptação de obras de William Shakespeare se
dá através do uso da metodologia dos jogos teatrais, que são trabalhados a
partir da fábula da história escolhida com os alunos. Esta adaptação das cenas
é feita através de improvisações realizadas nos ensaios. O contexto da história
é recriado e retrabalhado pela metodologia do drama na educação. Num
segundo momento, os alunos são divididos em grupos de trabalho para a
realização de diferentes tarefas relacionadas à montagem teatral. No final do
processo, a montagem teatral de William Shakespeare é apresentada para
todos os alunos, transformando a rampa da escola num espaço cênico.
Palavras-chave: Teatro-educação, metodologias de montagem teatral na
escola, adaptações de obras de William Shakespeare, Jogos Teatrais.
Abstract
This article reports the experience of theatrical production at school. This
experience is developed in an Elementary School of the Municipal
Florianópolis. The adaptation of works of William Shakespeare is done
through using the methodology of theater games, which are worked from the
fable of the chosen story with the students. This adaptation of the scenes is
8 Professora de Artes Cênicas da E. B. M. Maria Conceição Nunes, da Rede
Municipal de Ensino de Florianópolis, e idealizadora do Projeto Shakespeare no
Rio Vermelho.
78
done through improvisations performed the tests. The context of the story is
recreated and reworked by the methodology of drama in education. Secondly,
students are divided into working groups to perform different tasks related to
theatrical production. In the end, the stage production of William Shakespeare
is presented to all students, transformed the ramp in a scenic area of the
school.
Keywords: Theatre-education methodologies at the school assembly
theatrical adaptations of works of William Shakespeare, Theater Games.
O Projeto Shakespeare no Rio Vermelho teve início no ano de 2004,
tendo como principal objetivo o fomento da prática e do ensino de teatro na
Escola Maria Conceição Nunes, situada no bairro Rio Vermelho, na cidade de
Florianópolis. O bairro do Rio Vermelho, que outrora era uma freguesia da
Ilha de Santa Catarina e foi colonizado inicialmente por açorianos, hoje é um
bairro onde moram principalmente comerciantes e operários que geralmente
trabalham no centro da cidade, que fica a 45 km do bairro.
A Escola Maria Conceição Nunes é uma escola que tem cerca de 750
alunos de quinta à oitava série. De acordo com os subsídios curriculares do
município, o ensino de artes é oferecido nas habilitações de música, artes
visuais e artes cênicas. O presente projeto é executado com os alunos das duas
turmas de oitavas séries do período matutino, focalizando o ensino das artes
cênicas e, a cada ano, cerca de oitenta alunos são atendidos. Mas, todo ano se
faz necessário, por causa do crescente interesse de outros alunos da escola e
da comunidade, proporcionar possibilidades de participação dos alunos de
outras séries no projeto. Para tanto, o projeto oferece oficinas aos sábados,
dentro do projeto Escola Aberta, uma iniciativa da Secretaria Municipal de
Educação em parceria com o Governo Federal, que disponibiliza, dentre
outras, as oficinas de teatro para a comunidade nos finais de semana.
Em 2004, ano do início do projeto, o principal objetivo era montar
espetáculos baseados em textos do dramaturgo inglês William Shakespeare.
Esse objetivo se justifica pela minha experiência anterior de docência ao
ensino público, a partir do trabalho numa escola privada da cidade, quando
79
percebi ser possível a montagem de espetáculos teatrais com adolescentes, no
ambiente escolar. Entendi também que este processo de construção,
elaboração e apresentação de um espetáculo teatral no ambiente escolar
vinha ao encontro dos objetivos cognitivos da disciplina de teatro na escola,
como apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais:
O jogo teatral é um jogo de construção em que a
consciência do “como se” é gradativamente trabalhada,
em direção à articulação de uma linguagem artística — o
teatro.
O teatro favorece aos jovens e adultos possibilidades de
compartilhar descobertas, idéias, sentimentos, atitudes,
ao permitir a observação de diversos pontos de vista,
estabelecendo a relação do indivíduo com o coletivo e
desenvolvendo a socialização.
A experiência do teatro na escola amplia a capacidade de
dialogar, a negociação, a tolerância, a convivência com a
ambigüidade. No processo de construção dessa
linguagem, o jovem estabelece com os seus pares uma
relação de trabalho combinando sua imaginação criadora
com a prática e a consciência na observação de regras.
(PCN Artes, 2001)
A construção coletiva que uma montagem teatral na escola demanda é
uma experiência que pode se mostrar extremamente significativa dentro da
cultura escolar. Primeiro, por causa do fato de o grupo se colocar com um
objetivo em comum e, depois, por vê-lo alcançado no final do processo, tendo
o resultado do esforço materializado na apresentação do espetáculo teatral.
Quando o resultado do esforço ocupa e modifica o espaço do cotidiano escolar,
o processo da criação adquire um valor e uma importância ímpar no contexto
escolar e na comunidade.
Partindo-se do jogo de construção, passando pelo jogo do faz-de-conta
e chegando até ao jogo teatral, que leva o educando ao contato com a arte,
tem-se um caminho de domínio das técnicas, convenções e códigos usados na
linguagem teatral. O caminho metodológico usado para tal, no caso do Projeto
80
Shakespeare no Rio Vermelho, foi se delineando ao longo dos anos de
execução do projeto. No caso, o uso do jogo teatral e do drama foram se
mostrando como as metodologias que mais se adequavam ao processo de
construção do espetáculo e, mais tarde, também ao processo de adaptação do
texto original. Através destas duas metodologias, foi trabalhada a trilha que
levou os educandos da oitava série da escola a remontarem e a revisitarem os
textos de William Shakespeare. E essa escolha não foi por acaso, foi,
sobretudo, produto da experiência construída ao longo dos anos e das
montagens de William Shakespeare que o projeto já realizou.
É de se esperar que a experiência de montagens teatrais e todos os seus
passos culminem na apresentação do produto final ao público. Ela é
considerada a parte central do fazer teatral. No teatro-educação, o produto (a
peça) precisa ser visto como parte do processo de aprendizagem do aluno. O
pisar no palco, o submeter o produto final a um público externo e ver a ação, o
acontecimento teatral, o evento teatral, aparecer e acontecer frente ao
público, é somente um dos objetivos do passo-a-passo, na montagem do
espetáculo, no ensino de teatro. No entanto, o ato de submeter a peça ao
público externo sempre me pareceu a parte mais significativa da experiência
educativa.
É claro que o objetivo de se montar Shakespeare em uma escola
pública, num primeiro momento, pode parecer um objetivo difícil de ser
alcançado, e até pretensioso. E, de fato é, se a proposta for montar o texto de
Shakespeare integral, sem cortes. O que foi realizado no referido ano , trata-se
de uma montagem a partir de uma adaptação infanto-juvenil proporcionada
pelo do Programa Nacional de Livros Didáticos – PNDL que, além de livros
didáticos, manda para as bibliotecas das escolas livros de literatura infanto-
juvenil. O livro da adaptação de “Sonho de uma Noite de Verão” chegou à
biblioteca da escola com quatro exemplares. Quando folheei o livro e vi que a
adaptação mantinha a forma dramática do texto original, decidi que poderia
valer à pena tentar a realização da montagem. Quando deu certo a montagem
de “Sonho de uma Noite de Verão”, já havia sido criada uma demanda na
escola: os alunos da sétima série que viram o primeiro espetáculo, também
queriam montar Shakespeare no próximo ano.
81
O projeto da montagem, portanto, começa na formação anterior dos
educandos, nas séries anteriores ao projeto; é neste momento que o currículo
de teatro se debruça no que se costuma denominar de “alfabetização teatral”.
Essa alfabetização tem como princípio a introdução dos elementos iniciais que
devem ser dominados para a criação teatral. Na sexta série, o foco do currículo
escolar é o aprendizado da criação teatral através do jogo. O jogo teatral é a
ferramenta que possibilita a criação artística usando a linguagem teatral.
Como Ingrid Koudela aponta: “Os jogos teatrais são ao mesmo tempo
atividades lúdicas e exercícios teatrais que formam a base para uma
abordagem alternativa de ensino e aprendizagem” (2008, p.15). Esse processo
de desenvolvimento parte do lúdico intrínseco ao desenvolvimento do ser
humano em direção ao aprimoramento e à complexidade que vai levar à
criação artística, utilizando a linguagem teatral. Na sétima série são
introduzidos, além dos jogos, o trabalho com texto.
Acresce-se aos jogos teatrais, para se chegar ao texto e ao contexto do
original de Shakespeare, a metodologia do drama, que é utilizada em
episódios exploratórios. Como afirma Beatriz Ângela Cabral:
O drama como método de ensino, eixo curricular e/ou
tema gerador constitui-se atualmente como subárea do
fazer teatral e está baseado num processo contínuo de
exploração de formas e conteúdos relacionados com um
determinado foco de investigação (selecionado pelo
professor ou negociado entre professor e
aluno).(CABRAL, 2006, p.12)
No caso das montagens de Shakespeare, o drama é utilizado na
investigação do tema gerador escolhido. A partir deste tema, situações
análogas às do texto dramático são exploradas, encenadas e investigadas.
Estas situações ainda não introduzem o contexto histórico original do texto
shakespeareano. Parte-se de situações próximas ao contexto do aluno para se
chegar às situações do texto. Neste caso, o drama é utilizado para a construção
do subtexto e para a investigação das situações dramáticas deste. Nesse
período, é construído um repertório de situações, expressões e marcações de
82
cenas que serão reaproveitadas e resgatadas no momento em que as cenas do
texto estiverem sendo ensaiadas e marcadas.
O drama e seu contexto são utilizados para gerar diferentes visões e
versões do mesmo tema. O contexto e suas circunstancias de ficção é que vão
ser investigadas até que o tema escolhido seja cercado e compreendido de
maneira mais profunda. Essa investigação se dá até o ponto em que os atores e
participantes estejam aptos, a partir do repertório investigado, a construírem
os personagens, os subtextos e super objetivos destes. O texto é compreendido
de maneira mais ampla. A encenação do texto é construída neste momento de
maneira indireta. Ela é realizada através da investigação do texto nos
episódios de ficção quando os alunos são envolvidos pelo drama. Esses
episódios colocam os alunos num contexto ficcional em que eles são
confrontados com situações análogas às do texto. O tema é visto, revisto e
investigado através do contexto ficcional. Nesta fase do projeto, todos os
alunos participam, mesmo aqueles que não farão parte do elenco. Esse
envolvimento de todos dá ao grupo visibilidade de todos os participantes do
processo; todos sabem sobre o tema explorado no texto e todos também
acabam conhecendo a história do texto escolhido.
Depois da investigação livre do tema escolhido (ou colhido) e do texto
que será montado, passa-se à divisão dos alunos nos grupos de trabalho.
Durante os anos definiu-se que os grupos de trabalho seriam formados
por elenco, máscaras, cenário, figurino, sonorização e divulgação. A partir
deste momento, os alunos são divididos nestes grupos de trabalho de acordo
com a afinidade de cada um. Os alunos são orientados quanto às tarefas que
cada grupo fica responsável durante o processo da montagem. Os grupos têm
que realizar uma série de tarefas e elaborar um projeto para a realização final
do espetáculo.
É relevante salientar, primeiramente, o trabalho com as máscaras. O
trabalho com as formas animadas foi introduzido em 2006, na montagem de
“Muito Barulho por Nada”, também de Shakespeare, em função de uma
demanda que vinha do texto original. Havia no texto um baile de máscaras.
Portanto, era necessária a confecção de máscaras para o uso no espetáculo.
Contei com a inestimável ajuda e contribuição do estagiário que depois virou
professor e ainda continua colaborando nas montagens do projeto, Juliano
83
Thomaz. Conseguimos, com isso, elaborar uma metodologia em que a
confecção de máscaras é realizada por todos os alunos que não estejam
participando do elenco, dado que para estes a demanda de dedicação é
consideravelmente maior, já que são exigidos, além dos ensaios no horário
regular das aulas, outros ensaios que acontecem em horários extra-classe.
Ainda assim, alguns alunos do elenco se interessam e participam ativamente
no processo de confecção de máscaras.
Portanto, além de fazerem as máscaras, os outros grupos (que não o do
elenco) têm tarefas específicas em cada uma das áreas de atuação. No grupo
do cenário, confecciona-se uma maquete da rampa, que é o espaço em que o
espetáculo é representado para a escola, e o grupo também elabora e
confecciona o cenário, pensando, inclusive, nas ambientações possíveis para o
espaço da rampa. Para este grupo, o desafio é de pensar como se pode
interferir num espaço que é de uso cotidiano da escola e transformá-lo num
espaço teatral.
No grupo do figurino, é sempre feito inicialmente uma pesquisa
histórica do figurino de época. Neste caso, além das imagens disponíveis em
livros, recorre-se às referências cinematográficas que recriam a época. A
partir destas, os educandos fazem um levantamento do material já disponível
na escola. Aí passam a fazer um estudo dos personagens da peça e elaboram
desenhos de propostas para os figurinos de cada um dos personagens. Os
figurinos, ou parte deles, são confeccionados com a ajuda de mães dos alunos
da escola, utilizando uma máquina de costura doada para o projeto.
O grupo da sonorização faz uma pesquisa sobre as cenas e as úsicas que
remetam à época e elabora propostas para a inserção de músicas e efeitos
sonoros no espetáculo.
No grupo de divulgação, a tarefa é de elaboração do cartaz da peça,
elaboração de um blog sobre a montagem e é também responsável por tirar
as fotos de todo o processo da montagem e das apresentações na escola e fora
dela.
Com a ampla gama de possibilidades de colaboração na montagem
teatral, é difícil algum dos educandos não se engajarem com interesse em
alguma delas. Há sempre uma tarefa que pode despertar o interesse deles e
que acaba por envolvê-los no processo de construção do espetáculo. Nas
84
apresentações, ainda há as tarefas de maquiagem e arrumação dos cabelos,
que ainda podem ser feitas e, portanto, avaliadas e consideradas como parte
do projeto. Nas apresentações em espaços teatrais, há também a possibilidade
do trabalho com iluminação.
A elaboração do texto do espetáculo é criada a partir da fábula, que é
uma sinopse do texto cena por cena, encenada e improvisada pelos atores.
Nesse momento, todos os atores passam por todos os papéis e há uma rotação
e experimentação entre os atores que fazem todos os personagens. Na última
etapa da montagem, os personagens e elenco são fixados e o ensaio é feito na
rampa da escola, já marcando as movimentações cena a cena. Nesta etapa,
situações e personagens podem ser criadas. Personagens podem ser
suprimidos ou modificados.
Na adaptação, as modificações na história e nos personagens do texto
são encontradas e propostas através das improvisações das cenas. Aqui,
propõe-se uma definição transitória para adaptação, que é a uma obra de arte
recriada a partir de uma fonte (normalmente outra obra de arte), e onde essa
referência se mantenha clara e presente. É o que acontece com as adaptações
de Shakespeare, feitas no Projeto Shakespeare no Rio Vermelho.
Durante esses anos, foram montadas várias comédias de William
Shakespeare: Sonho de uma Noite de Verão (2004), Muito Barulho por Nada
(2006), Noite de Reis (2007), A Megera Domada (2008) e As Alegres
Comadres (2009). As participações dos alunos são cada vez maiores a cada
ano. Durante esses anos, pelo menos 450 alunos participaram do projeto.
Além disso, as apresentações acabaram por representar uma iniciativa de
formação de público e de acesso cultural às localidades distantes do centro da
capital. Cada uma das montagens teve pelo menos 900 pessoas como público,
que são os espectadores da escola, nos três turnos de apresentação, além do
público do bairro que vai aos sábados à escola, no Projeto Escola Aberta, para
ver as peças de Shakespeare.
Há, ainda, um desdobramento feliz do projeto, pois foi criado na escola
um grupo de teatro. O grupo, “Procurando Riso Cia Teatral”, é formado por
alunos e ex-alunos participantes do projeto. Este grupo ganhou uma das cotas
do edital de fomento à cultura Elisabeth Anderle. Com isso, além de
85
possibilitar que os alunos e ex-alunos continuem fazendo teatro, pudemos
ainda gerar alguma renda para eles e suas famílias.
Shakespeare nos abriu as portas. Agora, o céu é nosso limite.
Referências
CABRAL, Beatriz Ângela Vieira. Drama como método de Ensino. São
Paulo: Hcitec, Mandacaru, 2006 p12.
KOUDELA, Ingrid. Texto e Jogo. São Paulo: Perspectiva, 2008.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte.
Brasília, 2001.
87
A CULTURA DA PAZ: UMA PRÁTICA DIFERENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Rosane Gesualdi Mesquita
Grault Vianna de Lima9
Resumo
O presente artigo relata os resultados do projeto A cultura da paz : uma
prática diferente na educação infantil”, desenvolvido em uma creche da Rede
Municipal de Educação de Florianópolis. O projeto, enquanto desdobramento
do Programa Educação para a Cultura de Paz, teve como objetivo propor ações
, junto à comunidade em que a creche está inserida, que desenvolvessem a
cultura de paz e sensibilizasse seus atores também para o cuidado com o meio
ambiente e o estabelecimento de relações de respeito no âmbito institucional
e pessoal.
Palavras-chaves: Cultura de paz, meio ambiente, respeito e valores.
Abstract
This article reports the results of the project "A Different Practice in Early
Childhood Education," developed into a nursery of the Municipal Education
Florianópolis. The project, while unfolding of Education for a Culture of Peace,
aimed to propose actions in the community in which the nursery is included
to develop a culture of peace and also sensitize the actors to care for the
environment and establishing relationships respect in the institutional and
personal.
Keywords: Culture of peace, environment, respect and values.
9Graduação em Supervisão Escolar. Pós-Graduação Educação Infantil e Séries
Iniciais. e-mail <[email protected]>
88
Introdução
Nada melhor que algo novo para renovar a nossa prática pedagógica. O
projeto “Uma prática diferente na educação infantil”, surgiu da necessidade de
se conservar a difícil arte da não-violência nas unidades escolares.
Acreditando na proposta de estabelecimento da cultura da paz, já
existente na Rede Municipal e Estadual de Educação de Florianópolis, e tendo
a oportunidade de incentivá-la, como coordenadora pedagógica na Unidade
Municipal Creche Irmã Scheilla, propusemos a articulação do “Programa
Educação para Cultura de Paz” com os núcleos de ação da unidade,
objetivando trabalhar numa perspectiva integradora de três eixos: paz
comigo, paz com os outros e paz com o ambiente.
A proposta foi de articular a “Cultura de Paz” e a “Paz em Ação” nas
relações de profissionais, envolvendo equipe pedagógica, crianças e famílias e
outros que quisessem aderir a nossa idéia.
Não poderíamos deixar passar em branco este incentivo à paz e propor
atitudes e ações, empenho e muita esperança, para que outras pessoas se
engajassem, mesmo com pequenos exemplos, ampliando a rede de
multiplicadores de paz.
Buscar a construção da paz não significa simplesmente a ausência de
guerra, muito menos resignação e passividade. Ela não elimina conflitos ou
oposições, mas pressupõe a resolução pacífica dos mesmos, respeitando as
diferenças, mudando radicalmente o paradigma belicoso que dá sustentação
ao modelo civilizatório vigente. A cultura de paz não aceita a violência, quer
física, sexual, étnica, psicológica, de classe, palavras ou de ações.
A cultura de paz precisa ser trabalhada especialmente com os
profissionais que atuam junto às crianças, podendo incentivá-las por meio de
atividades que estimulam práticas sustentáveis de solidariedade e de respeito,
envolvendo toda comunidade escolar e adotando um estilo de vida
pacificador, voltado para o bem estar das pessoas e para a construção de uma
sociedade melhor. Segundo Crema,
89
Cuidar da Paz é investir em nosso potencial de inteireza,
de integralidade, de conectividade e de comunhão. É
conquistar um centro, que nos direcione para o bem
viver e conviver, para transparecer. Estar em paz é estar
centrado. Comum centro, em lugar algum seremos
estrangeiros... Não basta existir, há que viver. Não basta
viver, há que ser. Não basta ser, há que transparecer. Não
basta transparecer, há de servir. (CREMA, 2001, p.06)
Precisamos educar para a paz e trabalhar pelo resgate da dignidade
humana, ainda que pareça utopia. Não podemos deixar que os bons
sentimentos e os ideais sejam esmagados pelo cotidiano triste e cinzento. A
idéia é que sejamos plantadores de esperança e paz, pois “A paz não é um
objetivo a ser alcançado, a Paz é o caminho” (Gandhi)
O projeto desenvolvido na Creche Irmã Scheilla tinha como objetivos:
� Estimular profissionais, crianças, famílias, comunidade e
outros a compartilharem e vivenciarem, no seu cotidiano,
ações que desenvolvam os princípios da Cultura de Paz.
� Envolver o coletivo com atitudes e ações pacifistas de
respeito à vida, rejeitar a violência, desenvolver práticas e
vivências de paz e de esperança.
� Redescobrir valores, sentimentos, direitos e ideais que
contemplem a Cultura da Paz.
� Cultivar ações e práticas sustentáveis junto à comunidade
escolar da Creche Irmã Scheilla.
A paz como caminho
90
É preciso reconhecer que a educação atual precisa não só se preocupar
em transmitir conhecimentos e informações, na forma de conteúdos, como
também tem a função social de educar para a vida. Muitas vezes, esquecemos
de educar com o coração, valorizando o primordial para o ser humano, que é
aprender a ser feliz.
O Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século
XXI, da UNESCO, aponta os Quatro Pilares da Educação do Futuro, que são
fundamentais para se construir e estabelecer uma cultura de paz de forma
sólida. São eles:
• Aprender a conhecer
• Aprender a fazer
• Aprender a viver junto
• Aprender a ser
Já a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou, em 1997, o ano de
2000 como o Ano Internacional da Cultura de Paz e, em 1998, o período de
2001 a 2010 como a Década Internacional da Cultura de Paz e Não-Violência
para as Crianças do Mundo.
Na Nova Zelândia, no dia 02 de outubro de 2009, aniversário do
nascimento de Gandhi, foi declarado “Dia Internacional da Não-Violência”.
No âmbito dessas iniciativas, um mundo sem guerras é uma proposta
que abre perspectivas de um futuro que se deseja, unindo-se as forças do
pacifismo com os multiplicadores e agentes de paz.
A cultura de paz começa quando se cultiva a memória e o exemplo das
figuras que representam o cuidado e a vivência da dimensão de generosidade
que nos habita, por isso; buscar as inspirações para cultura da paz é ter
vontade e compromisso.
O ser humano é o único que pode intervir nos processos da natureza
para o bem ou para o mal e a competitividade continua valendo, mas no
sentido do melhor e não da destruição do outro ou do ambiente em que
vivemos. Assim, todos ganham e não apenas um ou outro.
91
A paz não nasce por si mesma, é sempre fruto dos valores,
comportamentos e relações que são vividos entre as pessoas.
Pensar numa prática diferente na educação infantil motivou-nos a
experimentar a vivência de valores afetos à cultura de paz no fazer
pedagógico, na Creche Irmã Scheilla.
Inicialmente, divulgamos e desenvolvemos o Projeto da Paz e Não–
Violência nas reuniões pedagógicas e reuniões com as famílias, propondo
atividades de preservação do meio ambiente e desenvolvimento de valores
éticos e estéticos perdidos.
Posteriormente, realizamos atividades com as crianças que
expressavam interesse coletivo, criando um dia da semana do agente da paz e
institucionalizamos o uso do blocão de registros nas salas de aula, referentes
ao que de bom fizemos no dia.
Como exemplo, o Projeto Refeitório, foi uma atividade coletiva de
estímulo à alimentação, aproveitando a colheita na horta construída junto às
famílias, em mutirão, cujo objetivo era complementar a alimentação diária,
com os temperos que cada grupo colhia, e efetivar ações renovadoras de bem
estar, de confiança e de reciclagem.
Além disso, desenvolvemos a “Arte de Viver em Paz”, fazendo parcerias
de adesão ao Projeto da Cultura da Paz a partir de caminhadas e passeios com
piquenique em um bosque que fica próximo à creche, atividade essa em favor
da paz e da tranqulidade, cuja finalidade foi divulgar a Marcha Mundial pela
Paz e Não-Violência.
Já a participação no Ecofestival se deu com a “dança da paz” junto com
as crianças, caracterizadas com roupas recicladas e confeccionadas com sacos
plásticos e caixas de leite. Cada grupo e segmento da unidade confeccionaram
sua bandeira da paz, que depois foi unificada na Bandeira da Paz da Creche
Irmã Scheilla.
Finalmente, envolvemos o coletivo com atitudes e ações pacifistas de
respeito à vida, a partir de palestras e mutirões na mostra educativa,
momento em que houve confecção de brinquedos e roupas recicláveis no
âmbito de atividades pedagógicas que incentivavam uma alimentação
saudável e preservação do meio ambiente.
92
Considerações Finais
O Projeto, “Uma prática diferente na educação infantil”, foi avaliado
pelo coletivo durante todo o processo e, no final do ano, registraram-se os
principais resultados e benefícios alcançados. Foi realizada uma avaliação
satisfatória, com retomada de objetivos e desdobramentos possíveis,
incentivando a continuidade no ano seguinte. Estimulamos os profissionais,
crianças, famílias e comunidade a compartilharem e vivenciarem, no cotidiano
da Creche Irmã Scheilla, ações que desenvolveram os princípios da Cultura de
Paz a partir de atividades práticas e simples, resgatando valores perdidos. Os
resultados positivos foram observados, tanto no convívio diário com as
crianças, professores e funcionários, quanto na relação família-creche. Nesse
processo, todos aprenderam bastante.
A intenção foi de irradiar ações e práticas sustentáveis e descobrimos
muitas coisas simples, mas de grande importância, tais como: ver e ouvir
melhor as pessoas, dar mais atenção aos outros e às pequenas coisas e ações,
preservar o nosso planeta com novas atitudes, fazendo a diferença no espaço
em que estamos praticamente o dia todo. Desta forma, cada criança teve
oportunidade de aprender como diminuir um pouquinho a violência existente
no planeta, começando em nosso ambiente educativo, transformando-o em
instrumento vivo da paz, do amor, da solidariedade, levando alegria para as
pessoas que estavam por perto como multiplicadores da Paz.
A violência tem sido uma característica comum nas escolas e nas
relações entre as pessoas neste mundo globalizado. Por isso, estimular e
multiplicar a idéia de Cultura pela Paz se faz urgente e necessária. Isso nos fez
mudar de atitudes e mostrar que podemos ter um novo olhar, adotando um
estilo de vida pacificador e construindo uma sociedade melhor.
Fica, como conclusão, o lema que estampou as camisetas de uma das
passeatas pela cultura de paz:
“ Bala, só se for de goma...
Bomba, só se for de chocolate...
Explosão, só se for de alegria !!!
93
Nunca no mundo uma bala
matou uma idéia.”
(Monteiro Lobato)
Referências
CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. RESOLUÇÃO CEB Nº 1, DE 7 DE
ABRIL DE 1999. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil 1999. Brasília, 1999.
CREMA, Roberto. Cuidar da paz. Disponível em:
http://www.ibrad.org.br/site/Upload/Artigos/20.pdf. Acesso em: julho de
2010.
FARIA, Vitória Líbia Barreto & Dias Fátima Regina Teixeira de Salles.
Currículo na Educação Infantil: diálogo com os demais elementos da proposta
pedagógica. São Paulo: Scipione, 2007.
MAGALHÃES, Dulce.A Paz como Caminho. Rio de Janeiro: Qualitymark,
2006.
SECRETARIA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Proposta Municipal do
Projeto pela Cultura de Paz. Florianópolis: Secretaria Municipal de Educação
de Florianópolis.
UNESCO. Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para
Século XXI. Quatro Pilares de Educação do Futuro: Década Internacional da
Cultura de Paz e Não-Violência. 2001.
95
EUFRIDA, A BORBOLETA AZUL: RESPEITANDO AS DIFERENÇAS
Vanessa Philippi Cecconi10
Monique Ouriques Maia11
Resumo
O presente artigo trata de um projeto educativo realizado na Creche Municipal
Waldemar da Silva Filho em 2009, apresentando “EUFRIDA, A BORBOLETA
AZUL: RESPEITANDO AS DIFERENÇAS”, visando trabalhar a inclusão e o
respeito à diversidade. Teve como objetivo desenvolver o gosto pela música e
ao mesmo tempo promover a inclusão por meio da transformação social,
assim proporcionando alegria, movimento, expressão, ritmo e respeitando as
diferenças. Através da música, juntamente com as brincadeiras, os jogos, o faz-
de-conta e a literatura infantil, o trabalho buscou contribuir para a formação
de um cidadão crítico, criativo, participativo, cooperativo, autônomo e
transformador. A música, “Eufrida, a Borboleta Azul”, representou as raças, as
deficiências, as diferentes idades, sendo a borboleta o símbolo dessa
transformação social e do próprio ser humano nesta caminhada para a
inclusão. Desta forma, este projeto nos mostrou que podemos educar as
crianças a partir das diferenças, proporcionando um trabalho diferenciado,
contribuindo para a conscientização ambiental, o amor e o respeito pela
natureza e por tudo o que está ao seu redor.
Palavras-chave: Inclusão, Meio Ambiente, Educação Infantil.
Abstract
This article is an educational project conducted in the Daycare Municipal Waldemar da Silva Filho in 2009, presenting "EUFRIDA, THE BLUE BUTTERFLY: RESPECTING DIFFERENCES", aiming to work on inclusion and
10 Graduada em Educação Física pela UDESC em 1997, Graduada em pedagogia educação
infantil – UFSC 1999, Especialização Educação Física Escolar – UFSC 1999. 11 Graduada em Educação Física pela UDESC – 2006, Especialização em Educação Infantil,
Séries Iniciais com ênfase em Educação Especial – Faculdade Dom Bosco, 2008.
96
respect for diversity. Aimed to develop a love for music while promoting inclusion through social transformation, thus bringing joy, movement, expression, rhythm, and respecting differences. Through music, along with jokes, games, make-believe, children's literature and the study aimed to contribute to the formation of a national critical, creative, participatory, cooperative, autonomous and transformative. The song "Eufrida, the Blue Butterfly," played the races, disabilities, different ages, and the butterfly a symbol of social transformation and the actual human being on this journey towards inclusion. Thus, this project showed us that we can educate children from the differences by providing a unique work, contributing to environmental awareness, love and respect for nature and everything around you. Keywords: Inclusion, environment, early childhood education Introdução
A instituição educacional é um dos principais espaços de convivência
social do ser humano, cujo papel primordial é desenvolver a consciência
cidadã e de direitos. É na educação infantil que as crianças começam a
conviver num coletivo diversificado fora do contexto familiar.
O ambiente de aprendizagem na educação infantil se constitui como um
espaço de vivências sociais e culturais diversificadas, proporcionadas por
meio de atividades que enfatizam a interação. Permite o encontro de sujeitos
(adultos e crianças) que possuem diferentes individualidades, confrontando
essas diferenças que se tornam aspecto sine qua non para que os princípios
inclusivos se consolidem.
Para que a inclusão aconteça, há necessidade da experiência da
aprendizagem mediada, ou seja, da interação. O educador tem papel
importante nesse processo, pois ele conduzirá o olhar da criança para o
diferente e ela irá perceber como “normal” e possível de conviver e respeitar
as diferenças. Conforme Beche (2009):
Nossas relações mudaram muito desde então, sempre na
perceptiva de processo. Deste modo vivemos
aprendizado após aprendizado nos modificando a cada
experiência. Com a temática, a deficiência, isso não foi
diferente. Muitas mudanças na forma de ver e conceber
as diferenças que nos identificam aconteceram para que
97
hoje pudéssemos ter leis especificas e políticas publicas
que defendam e impulsionam a inclusão de todos.
Segundo Vygotsky (1998), a criança entrelaça emoção com cognição,
confrontando idéias, buscando soluções na compreensão e cooperação. Assim,
a Educação Infantil assume para si a função de contribuir para a inserção
crítica dos sujeitos nas relações que se processam na sociedade.
Desta forma, a criança age, interage e transforma a natureza e a si
mesma, através do seu conhecimento e das ações das famílias, como no
cuidado do lixo, da utilização da água, no cuidado com os animais e plantas.
Casulos... Vários deles apareceram colados à parede de
minha casa. Lá dentro, eu sabia, encontravam-se lagartas
que dias antes haviam comido folhas das plantas do meu
jardim. Enquanto dormiam espantosas transformações
aconteciam com seus corpos. As criaturas aladas que
antes moravam nela apenas como sonhos estavam se
tornando realidade. Metamorfoses (ALVES, R. , 2002).
Este artigo se caracteriza por ser o relato de experiência em uma
Creche Municipal de Florianópolis, sobre um projeto desenvolvido com
crianças pequenas em que as educadoras procuraram trabalhar a inclusão, o
respeito à diferença e a consciência ambiental, por meio da música “Eufrida: a
borboleta azul”, como também por meio de brincadeiras, jogos, faz-de-conta e
literatura infantil, proporcionando alegria, movimento, expressão e ritmo às
crianças envolvidas, contribuindo para a formação de valores identificados
com a consciência cidadã e solidária desses sujeitos.
Eufrida, a Borboleta Azul: um relato de experiência
O projeto “EUFRIDA, A BORBOLETA AZUL: respeitando as diferenças”,
foi realizado em 2009, na Creche Municipal Waldemar da Silva Filho, no grupo
5C, formado de 20 meninas e 05 meninos, sendo uma criança com deficiência
98
(Síndrome de Down12 e Síndrome de West13). O projeto buscou desenvolver o
gosto pela música e, ao mesmo tempo, promover a inclusão por meio de
atividades de interação, entre as crianças, mediadas pelas professoras,
proporcionando alegria, movimento, expressão e ritmo ao grupo.
Acreditamos que, num trabalho pedagógico, utilizando a música como
recurso didático e de interação entre os pequenos, poder-se-á desenvolver um
processo contínuo de construção da percepção, do sentir, do experimentar,
instigar a imitação, a criação e a reflexão. Além do mais, Brito (2008) afirma
que a música possibilita a construção de vínculos afetivos. Cantando
coletivamente, aprende-se a ouvir a si mesmo e aos outros e ampliar aspectos
da personalidade como a colaboração, cooperação e espírito de coletividade.
Ao longo do ano, nos reuníamos uma vez por semana com os demais
grupos para cantar. Aos poucos os outros dois grupos foram deixando de
participar da roda de música, mas nós continuamos cantando e aumentado
nosso repertório musical. No final do mês de junho, tivemos a idéia de montar
com nosso coral, um musical. Realizamos uma reunião com os pais para
socializar a idéia e discutirmos sobre os elementos necessários para que ele se
realizasse.
Pensamos, então, em uma música que refletisse a essência do grupo de
crianças. Procuramos entre as já ensinadas, mas faltava alguma coisa... A
música deveria mostrar um pouco da consciência do meio ambiente, o amor,
os valores e as atitudes visando à proteção da natureza, já que esses
12
A Síndrome de Down é uma deficiência de caráter genético. Seu fenótipo
(características) foi descrito, pela primeira vez, em 1866, por John Langdon Down. Porém, a
descoberta que a síndrome é uma anomalia cromossômica causada pela presença de um
par cromossômico 21 adicional (trissomia do 21), só ocorreu em 1959 (FIGUEIRA et all.,
2004).
13 A Síndrome de West teve os aspectos clínicos descritos pela primeira vez, em 1841, por
William James West. Mais de um século depois, com o desenvolvimento da
eletroencefalografia, a doença foi caracteriza como uma tríade, que combina: um tipo de
crise epilética (espasmo infantil), uma parada ou involução do desenvolvimento neuro-
psico-motor e um padrão característico em exame neurológico (padrão
eletroencefalográfico-hipsarritmia) (FIGUEIRA et. all., 2004).
99
elementos foram construídos de forma lúdica, através da arte, de jogos e
brincadeiras, despertando o interesse e a curiosidade das crianças. Assim,
foram estimulados o trabalho em grupo, as atitudes de cooperação e a
criatividade, desenvolvendo a capacidade de atenção, observação e o senso
crítico das crianças.
A professora Monique (auxiliar de educação especial), conhecedora do
projeto, pesquisando em seus cadernos, apresentou-nos, certo dia, a música
da Borboleta Eufrida. Sua letra continha os elementos que estávamos
procurando.
Eufrida, eufrida, é uma borboleta azul (2x)
Ela á azul e voa assim
Mexe as anteninhas piscando para mim,
Mas eu amo e como eu amo e gosto dela assim
Asas abertas asas fechadas sorrindo pra mim, Hi hi
Eufrosa, eufrosa, é uma borboleta rosa(2x)
Ela é rosa e voa assim
Mexe as anteninhas piscando para mim,
Mas eu amo e como eu amo e gosto dela assim
Asas abertas asas fechadas sorrindo pra mim, Hi hi
Eufronga, eufronga, é uma borboleta monga(2x)
Ela é monga e voa assim
Mexe as anteninhas piscando para mim,
Mas eu amo e como eu amo e gosto dela assim
Asas abertas asas fechadas sorrindo pra mim, Hi hi
Eufréia, eufréia, é uma borboleta véia (2x)
100
Ela é véia e voa assim
Mexe as anteninhas piscando para mim,
Mas eu amo e como eu amo e gosto dela assim
Asas abertas asas fechadas sorrindo pra mim, Hi hi
Realizamos uma reunião com os pais (100% presentes), que também se
dispuseram a concretizar o figurino, depois de apresentarmos a pesquisa de
preços, qualidade, quantidade e tipo dos nossos acessórios, já discutidos com
as avós que seriam nossas costureiras. A professora Vanessa (regente) e as
avós de 04 crianças da sala se reuniram diversas vezes para ver detalhes de
aviamentos, corte, babados e tule ou filó. Ao final dessas reuniões, tínhamos a
lista de materiais: zíper, elástico, cetim, ganchos, linha; e para compor o visual,
asas e antenas de borboleta.
Ao mesmo tempo em que os figurinos eram confeccionados, a música e
a coreografia eram ensaiadas. Todas as crianças estavam preocupadas com a
locomoção e o acesso da nossa amiga especial, e sugeriam como, onde e quem
ficaria ao seu lado para ajudar ou a cor que teria sua borboleta.
Isso nos revelou o quanto é importante resgatarmos valores que
tornem a sociedade mais humana, consciente e justa com amor, respeito pela
vida e pela natureza, solidariedade, amizade, sinceridade, responsabilidade,
assim tornando a inclusão social possível.
“É o sentimento que nos faz sensíveis ao que está à nossa
volta, que nos faz gostar ou desgostar. É o sentimento
que nos une às coisas e nos envolvem as pessoas. É o
sentimento que produz o encantamento face à grandeza
dos céus, suscita veneração diante da complexidade da
Mãe-Terra e alimenta benternecimento face à fragilidade
de um recém-nascido“ (BOFF, L . 1999 ).
No mês de setembro, estávamos com o musical, o figurino e as crianças
prontas para se apresentarem. Os locais e o público para a apresentação foram
variados. A estréia foi no salão da creche para os amigos e pais, na Casa de
101
Repouso das Freiras (em frente à creche) e, posteriormente, no parque da
unidade para todas as crianças. A apresentação mais esperada foi em
dezembro de 2009, no Eco Festival, realizado pela Secretaria Municipal de
Educação de Florianópolis, que aconteceu no Auditório Antonieta de Barros
da Assembléia Legislativa.
Durante o trabalho realizado, presenciamos as possibilidades que as
crianças nos dão de (con)viver com os nossos pares, independentemente dos
seus limites cognitivos, físicos, sociais, enfim, de qualquer forma ou formato
instituídos para classificar ou colocar o outro em situação de desigualdade.
Potencializamos os talentos, tanto dos pequenos quanto dos adultos, e
envolvemos a todos numa grande rede de cooperação e fomos envolvidas por
ela. Isto, porque acreditamos que uma instituição educacional, que se
compromete com o verdadeiro processo de inclusão, deve criar e organizar
atividades que potencializem talentos, cultivem o respeito, a solidariedade, a
cooperação, a colaboração, o cuidado de si e do outro.
Considerações finais
O trabalho visou contribuir para a formação de um sujeito criativo,
participativo, autônomo, crítico e transformador, respeitando, assim, as
diferenças, formando um cidadão crítico, atuante e participativo do processo.
Desta forma, a música como recurso didático de interação, contribuiu
significativamente, proporcionando alegria, movimento, expressão e ritmo. A
música “Eufrida a Borboleta Azul”, portanto, procurou representar as raças,
as deficiências, as diferentes idades, sendo a borboleta o símbolo dessa
transformação social e do próprio ser humano nesta caminhada para a
inclusão.
Acreditamos que a inclusão na educação infantil é muito importante,
pois com ela podemos mudar a sociedade em que vivemos. A partir do
momento em que as crianças convivem com as “diferenças”, elas passam a
entendê-las e respeitá-las, tornando-se pessoas sensíveis ao próximo e aos
acontecimentos que estão em sua volta.
102
Quando ensinamos as crianças que elas têm seus direitos e seus
deveres, elas vão para casa e falam, cobram de seus pais para que também
façam da mesma forma que aprenderam. O mesmo acontece com o respeito e
a visão de mundo da criança a partir do que é especial. Quando ela vê o amigo
precisando de ajuda ou a frente de um obstáculo, ela ajuda sem pestanejar.
Este projeto plantou uma pequena semente em cada criança, para que
elas possam, já desde pequenas, exercitarem seus direitos e deveres, sua
imaginação e criatividade, sua autonomia, assim tornando o mundo mais
humano e digno frente às diferenças.
“E assim o pó de pirlim-pimpim continuará a transportar
crianças do mundo inteiro ao Sitio do Picapau Amarelo,
onde não há horizontes limitados por muros de concreto
e idéias tacanhas” (LOBATO, M. 1994).
Referências
ALVES, R. A Alegria de Ensinar. 4º ed. São Paulo, Papirus, 2002.
BECHE, R. C. E., SILVA, S. C. da. Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva. Unidade 3 In: Modulo 4: Educação de Temas Específicos.
Florianópolis: OVER/ NUP/ CED/ EAD/ UFSC, 2009.
BRITO, Teca de Alencar. A música na educação infantil: proposta para a
formação integral da criança. Editora Peirópolis: 2008.
BOFF, L. Saber Cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra. São
Paulo: Vozes, 1999
FIGUEIRA, F., ALVES, J. G. B., FERREIRA, O. S., MAGGI, R. S. Pediatria:
Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP). 3. Ed. Rio de Janeiro: Medica
e Cientifica: Guanabara Koogan, 2004.
103
VYGOTSKY, Lev S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
LOBATO, M. Reinações de Narizinho. São Paulo, 50 ed. Brasiliense,
1994.