praticas de leitura anexo-2

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 Pr á ti c a sd el e i tu r a noEns i no Funda m ental

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Para Professores

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  • Prticas de leiturano Ensino Fundamental

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  • Presidente: Luis Incio Lula da SilvaMinistro da Educao: Fernando HaddadSecretrio de Educao Bsica: Francisco das Chagas FernandesDiretora do Departamento de Polticas da Educao Infantil e EnsinoFundamental: Jeanete BeauchampCoordenadora Geral de Poltica de Formao: Lydia Bechara

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOReitor: Amaro Henrique Pessoa LinsPr-Reitora para Assuntos Acadmicos: Lcia Souza Leo MaiaDiretor do Centro de Educao: Srgio AbranchesCoordenao do Centro de Estudos em Educao e Linguagem CEEL: Andra Tereza Brito Ferreira; Artur Gomes de Morais; ElianaBorges Correia de Albuquerque; Telma Ferraz Leal

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  • ORGANIZAO

    Maria Lcia Ferreira de Figueiredo Barbosa

    Ivane Pedrosa de Souza

    Prticas de leiturano Ensino Fundamental

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  • Copyright 2006 by Os autores

    CapaVictor Bittow

    Editorao eletrnicaCarolina Rocha

    RevisoNeide Mendona

    2006

    Todos os direitos reservados ao MEC e UFPE/CEEL.Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida, seja pormeios mecnicos, eletrnicos, seja via cpia xerogrfica sem a

    autorizao prvia do MEC e UFPE/CEEL.

    CEELAvenida Acadmico Hlio Ramos, sn. Cidade Universitria.

    Recife Pernambuco CEP 50670-901Centro de Educao Sala 100.

    Tel. (81) 2126-8921

    B238pBarbosa, Maria Lcia Ferreira de Figueiredo

    Prticas de leitura no ensino fundamental / organizado porMaria Lcia Ferreira de Figueiredo Barbosa e Ivane Pedrosa deSouza . Belo Horizonte : Autntica, 2006.144 p.ISBN 85-7526-200-91.Educao. 2.Alfabetizao. I.Souza, Ivane Pedrosa de.II.Ttulo.

    Ficha catalogrfica elaborada por Rinaldo de Moura Faria CRB6-1006

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  • SUMRIO

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    59

    77

    Apresentao.......................................................................................

    CAPTULO 1 Sala de aula: avanandonas concepes de leitura ...............................................................Maria Lcia Ferreira de Figueirdo Barbosa e IvanePedrosa de Souza

    CAPTULO 2 Leitura, letramento e alfabetizao na escola.....Ivane Pedrosa de Souza, Tnia Maria Rios Leite e ElianaBorges Correia de Albuquerque

    CAPTULO 3 Planejamento do ensino da leitura: a finalidadeem primeiro lugar.............................................................................Telma Ferraz Leal e Ktia Reis Melo

    CAPTULO 4 O ensino da compreenso e a formao doleitor: explorando as estratgias de leitura..................................Ana Carolina Perrusi Brando

    CAPTULO 5 Atividades de leitura nos livros didticos de Ln-gua Portuguesa...........................................................................Eliana Borges Correia de Albuquerque e Marlia de LucenaCoutinho

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  • 691

    111

    125

    141

    CAPTULO 6 Gneros textuais e a questo da intertextualida-de: mosaicos de leitura...........................................Ktia Maria Barreto da Silva Leite e Maria Lcia Ferreirade Figueiredo Barbosa

    CAPTULO 7 O trabalho com projetos didticos: integrando aleitura e a produo de textos............................................................Ana Carolina Perrusi Brando, Ana Colho Vieira Selva eMarlia de Lucena Coutinho

    CAPTULO 8 A literatura e o relato autobiogrfico naformao de professores leitores....................................................Ester Calland de Sousa Rosa

    Os autores ..........................................................................................

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  • 7APRESENTAO

    O livro Prticas de Leitura no Ensino Fundamental rene umacoletnea de artigos com o objetivo de discutir o ensino da leitura apartir de questes tericas e metodolgicas que se destinam aaprofundar o conhecimento e a prtica de ensino de professores eprofessoras de Lngua Portuguesa do Ensino Fundamental. Paracompor a obra foram escritos oito artigos, cujas discusses sopermeadas pela relao leitura e ensino. No primeiro captulo, cujottulo Sala de aula: avanando nas concepes de leitura, MariaLcia Barbosa e Ivane Pedrosa abordam diferentes formas de se definirlngua, texto e leitura, demonstrando como essas concepes estopresentes na prpria histria de vida dos leitores e como o ensinoatual da leitura, na escola, est avanando rumo a uma concepo deleitura como interao.

    No captulo 2, Leitura, Letramento e Alfabetizao na Escola,Eliana Borges, Ivane Pedrosa e Tnia Rios discutem sobre a relaoentre esses conceitos, proporcionando uma contextualizao e maiorcompreenso acerca das dificuldades escolares relacionadas leitura

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  • 8e produo de textos por parte dos alunos. Ao apresentar aAlfabetizao e o Letramento como fenmenos distintos, masinseparveis e interdependentes, as autoras refletem sobre os avanosda prtica docente de um grupo de professores que vm planejando luz dessa nova compreenso sobre os processos cognitivosenvolvidos no ato de ler e escrever. A temtica do letramento apresentada como uma ferramenta que pode ajudar a discutir aescolarizao das prticas de leitura.

    No captulo 3, Planejamento do ensino da leitura: a finalidadeem primeiro lugar, Telma Ferraz e Ktia Melo convidam o leitor apensar no ensino da leitura a partir de aes voltadas para oplanejamento do seu ensino. Ao longo do artigo, as autoras mostramcomo o planejamento precisa contemplar as diferentes finalidades deleitura no espao escolar e chamam a ateno para a relao entreessas finalidades e os objetivos de ensino. Tendo clareza do quepretendem ensinar, bem como planejando esse ensino, os professorese as professoras de Lngua Portuguesa avanaro em relao a umensino de leitura cujas situaes didticas contemplem objetivos aserem alcanados.

    De fundamental importncia para a compreenso de todos osdemais textos da coletnea o captulo 4 O ensino da compreensoe a formao do leitor: explorando as estratgias de leitura , noqual Ana Carolina Perrusi discute o ensino da leitura com base nanoo estratgica do ato de ler. O artigo tem por foco central a idia deque a compreenso leitora alcanada medida que so acionadasestratgias antes, durante e depois da leitura, o ato de ler supe,desse modo, processos de compreenso como os da inferncia.

    No captulo 5, Atividades de leitura nos livros didticos deLngua Portuguesa, Eliana Borges e Marilia Coutinho enriquecem acoletnea da presente obra, pois trazem para a discusso a questoda leitura nos manuais didticos de lngua portuguesa, mostrandocomo o livro didtico vem, cada vez mais, se tornando objeto depesquisa tanto na perspectiva das concepes ideolgicas como naperspectiva da qualidade das atividades que se prope desenvolvernos diferentes eixos de ensino da lngua materna. Mostram tambm

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  • 9como o Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD) tem contribudopara mudar o perfil dos manuais didticos. No que se refere leitura,esse fato importante, tendo em vista que o livro didtico de lnguaportuguesa , s vezes, um dos poucos suportes textuais acessvelaos professores e alunos na escola. O artigo discute ainda questesrelacionadas ao uso do livro didtico pelos professores e professo-ras ao trabalharem leitura no Ensino Fundamental.

    No captulo 6 Gneros Textuais e a questo da intertextuali-dade: mosaicos de leitura, Ktia Barreto e Maria Lcia Barbosa mos-tram que o dilogo entre textos visto como uma caracterstica es-sencial da linguagem, cujo princpio constitutivo o dialogismo. Odesenvolvimento de atividades com intertextos no ensino escolar daleitura contribui para o desenvolvimento de leitores autnomos ecrticos. O trabalho com a leitura precisa, assim, estimular os discen-tes quanto capacidade de relacionar os textos lidos na escola aoutros j lidos e ouvidos por eles fora desta. No captulo, encontram-se tambm situaes didticas envolvendo trabalhos com intertextosem sala de aula, desenvolvidas pelas professoras e professores doCurso de Extenso Prticas de Leitura no Ensino Fundamental.

    No Captulo 7, O trabalho com projetos didticos: integrandoa leitura e a produo de textos, Ana Carolina Perrusi, Ana Coelho eMarilia Coutinho destacam que apesar das inmeras publicaes derelatos de experincias sobre esse assunto, existem muitas dvidaspor parte dos professores sobre o que caracteriza um projeto didticoou como desenvolver um projeto dessa natureza na escola. Esse artigoalm de contribuir para o esclarecimento dessas e de outras questessobre to relevante temtica, discute um exemplo de projeto didtico,no qual a leitura e a produo de textos so as principais atividadesrealizadas, objetivando fornecer subsdios ao professor para elaborare executar os seus prprios projetos.

    O Captulo 8 finaliza a obra em destaque com o artigo de EsterCaland, A literatura e o relato autobiogrfico na formao deprofessores leitores, no qual a autora traz uma reflexo sobre o papeldo professor enquanto mediador na constituio de novas geraesde leitores, enfatizando a necessidade de mudanas tanto nas prticas

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    leitoras de professoras, como quanto s representaes existentesna sociedade quanto ao seu perfil de leitura. Para tal, estratgias deformao docente como a literatura e o registro autobiogrfico sodiscutidas argumentando-se que as mesmas podem ser maisamplamente utilizadas tanto na formao inicial quanto no processocontinuado de atualizao docente.

    Como ilustra a sntese dos captulos, esperamos que o pblicoleitor da rea de educao e demais reas do conhecimento encontremna presente obra, elementos que possam ampliar a compreenso sobreo tema, bem como sobre suas implicaes para a prtica dos quetrabalham diretamente com leitura em sala de aula.

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    CAPTULO 1

    Sala de aula: avanandonas concepes de leitura

    Maria Lcia Ferreira de Figueirdo BarbosaIvane Pedrosa de Souza

    Os materiais da vida1

    Drls Fao meu amor em vidrotilnossos coitos so de modernfoldat que a lana de inteflexvipax nos separe

    em claviluxcamabel camabel o vale ecoasobre o vazio de ondalita noite asfltica

    plkxCarlos Drummond de Andrade

    Se esse poema lhe causa algum estranhamento, natural. assim que nos parece um texto que, primeira vista, no tem para ns

    1 ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia potica. 11. ed. Rio de janeiro:Jos Olmpio, 1978. p. 182.

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    um sentido imediato colhido pela clareza das suas palavras. O quesignificam drls, vidrotil, modernfold, inteflex, vipax, clavilux, camabel,plkx? Seriam elas palavras verdadeiras ou meras esquisitices daimaginao potica, uma espcie de non sense? Nada disso! Elasfazem parte do jogo potico presente no poema de Drummond, cujosentido alcanado atravs da criao e recriao de palavras cujapossibilidade de significao somente pode ser alcanada no ato daleitura. Talvez um leitor mais desavisado, no resistindo tentao,consultasse um dicionrio para constatar os sentidos de tais palavras,mas, verificando que elas no se encontram l, seria obrigado asignificar o poema como um todo ou ento esquec-lo para sempre.

    Entre viajar na leitura para significar o escrito que se lhe apresentaestranho e desistir de ler tal estranheza h, um percurso, ao mesmotempo individual e social, ao qual nenhum leitor escapa. Trata-se datrajetria das nossas histrias de leitura e das histrias de leitura dasociedade em que vivemos. Ambas se imbricam e se cruzam,mostrando o que significa a leitura para cada um de ns e para asociedade como um todo. Mas esse significado no descolado dotempo, muito pelo contrrio, ele revela o tempo e suas diferentesprticas de leitura.

    Sendo o objetivo deste artigo apresentar e discutir diferentesconcepes de leitura e suas implicaes pedaggicas, vamosrestringir essa discusso esfera do ensino de lngua materna, maisparticularmente, ao ensino de leitura. Como vem se dando o ensinode leitura em nossas escolas? O que falam os professores sobre otema? Quais so as concepes escolares de leitura? Quais so assuas implicaes para a sala de aula?

    Essas questes, embora recorrentes no debate da leitura, nasltimas dcadas, assumem um significado que se traduz de formatoda especial no discurso de professores e professoras, cuja tarefade ensinar a leitura em escolas pblicas se lhes apresenta comdificuldades e desafios.

    Elas e eles tm a conscincia de que seus alunos precisam serinseridos em prticas de leitura diferentes das que foram ensinadash dcadas, pois consideram essas prticas obsoletas, caducas, sem

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    sentido. Os que ainda alcanaram a cartilha buscam exorcizarlembranas. Falam de concepes escolares de leitura como decifraode cdigo, cujas implicaes pedaggicas resultavam no ensino doBa-B-Bi-B-Bu e de elementos gramaticais. disso que nos falamalguns mestres e algumas mestras participantes do Curso Prticas deLeitura no Ensino Fundamental2, para os quais o nico livro de quedispunham na escola era o livro didtico. A noo de texto subjacenteao manual didtico e s prticas de ensino de leitura que marcaram assuas experincias com a leitura ainda se apresentam em nossas escolase so mostradas por Kleiman (2004): o texto como conjunto de elementosgramaticais, cuja leitura reduz-se identificao de frases e oraes.

    Diante dessa concepo de texto, restam prticas de leituratotalmente desvinculadas da realidade do mundo da escrita, cujasprticas sociais so, cada vez mais, mediadas pela leitura e escrita dediferentes gneros textuais.

    A professora Renata Arajo Jatob, que leciona no 2 ano do 2ciclo, da Escola Municipal Prof. Moacyr de Albuquerque, traz boasrecordaes de quando se alfabetizou pela primeira vez. Isso mesmo. que ela teve de ser alfabetizada novamente, por conta da idade, aomudar de escola. Na primeira experincia, ela teve acesso a livros egostava de ler, j na segunda, ela teve de deixar de lado tudo queaprendeu na escola anterior, pois deveria esperar os colegas sealfabetizarem para poder ler, ou seja, a leitura s deveria ocorrer numaetapa posterior ao processo de decifrao do texto.

    Esse exemplo esdrxulo no apenas mostra a trajetria pessoalde Renata como retrata tambm a viso social que se tinha de leitura.No era apenas a escola que via a leitura como um produto, cujoacesso dependeria somente do desenvolvimento de habilidadesindividuais, a ponto de ignorar as prticas de leitura que porventuraos aprendizes j tivessem conseguido alcanar em suas histrias devida, assim como o prazer que a leitura representa para os alunos.

    2 Curso de Extenso ministrado pelo CEEL Centro de Estudos em Educaoe Linguagem, do Centro de Educao da UFPE, durante o perodo de setem-bro a dezembro de 2005.

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    1 Concepes de lngua, texto e leitura

    Sabemos que, historicamente, a concepo de lngua influencioua de texto e a de leitura. Soares (1998), por exemplo, mostra trsconcepes de lngua e suas respectivas implicaes para o ensinode Lngua Portuguesa. A primeira delas v a lngua como expressode pensamento e marcou, de forma mais proeminente, o ensino deLngua Portuguesa at a dcada de 50. H razes polticas por trsdessa concepo medida que ela inspira as gramticas pedaggicasdentro de um modelo socioeconmico para o qual a escola o lugarda perpetuao dos privilgios de uma minoria rica. As implicaesda concepo de lngua como expresso do pensamento acarreta amanuteno desses privilgios em detrimento da excluso dos grupossociais economicamente pobres. Expressar o pensamento significavao bem falar e o bem escrever, restrito aos grupos sociais ricos.

    Como a leitura e a escrita so objetos escolares de ensino-aprendizagem, h uma relao estreita entre as diferentes concepesde lngua e as diferentes concepes de texto e de leitura.

    Observamos que essa concepo de lngua como expresso dopensamento muito prxima da concepo de texto como umrepositrio de signos e de elementos gramaticais a que se refereKleiman (2004), cuja viso reducionista leva a um conceito de leituracomo decodificao dos signos verbais dispostos no tecido superficialdo texto. Nessa concepo, o leitor encontra-se margem do processoda leitura, alheio ao sentido do que ele l, uma vez que, preso aossinais mais visveis do texto, nem desconfia que ali pode encontraruma rede de significaes at ento inauditas. Em um primeiromomento, l-se para decodificar letras; em outro, para copiar palavras,frases, sublinhar ditongos, dgrafos, etc.

    Retomando o depoimento da professora Renata, podemos suporque, ao seu segundo processo de alfabetizao, subjazia uma concepode leitura como decifrao do texto, no sentido de que cada um dosseus colegas deveria aprender as letras para decodificar as palavras,depois as frases at alcanar o texto, na melhor das hipteses.

    Os anos 60, com seus reveses sociohistrico, econmico eideolgico, mudaram o foco da lngua como expresso do pensamento

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    para lngua como instrumento de comunicao. As demandas domercado econmico, em relao mo-de-obra escolarizada, forou,no Brasil, o processo de escolarizao dos grupos socais pobres. Alngua agora era vista em uma concepo instrumental. Seu acessoatravs da escola deveria garantir aos aprendizes a comunicao nosentido mesmo de acesso ao cdigo da escrita, bastando-se, paraisso, operar processos como codificar e decodificar signos. H razespolticas subjacentes concepo de lngua como cdigo, uma vezque transcorriam os anos de chumbo da ditadura militar. Para esseregime, fosse talvez mais conveniente instrumentalizar os alunos declasses populares para a codificao e decodificao da escrita quedot-los de uma viso sociohistrica de lngua.

    semelhana dessa acepo de lngua, h uma outra que v o textocomo repositrio de mensagens. O texto nada mais do que um depsitode informaes, e a leitura o ato de o leitor ler as palavras para extrairmensagens. Nesse sentido, interpretar ler palavra por palavra, bastandoconhecer o significado literal de cada uma delas (KLEIMAN, 2004). Depoisvem a pergunta de sempre: Qual a mensagem do texto?

    O que seria da poesia de Drummond, ilustrada acima, se a leiturafosse, por definio, a soma do significado de palavras isoladas,descontextualizadas? Milhares de textos poticos e todos os que notraduzissem, de forma literal, as idias do seu produtor seriamautomaticamente negados por essa concepo, sequer existiriam.Haveria alguma razo para que eles existissem?

    Claro que no! Mas a existncia desses textos denuncia algomuito importante para ns, professores e professoras de LnguaPortuguesa: que no podemos reduzir a noo de texto relacionando-a estritamente s concepes de lngua como expresso dopensamento ou comunicao.

    A partir da dcada de 90, o quadro do ensino de lngua portuguesacomeou a ser movido por uma viso de lngua sociointeracionista.Em virtude dos avanos nos estudos da linguagem, particularmenteem reas de conhecimentos, como Pragmtica, Anlise daConversao, Anlise do Discurso, Sociolingstica, as quais jhaviam se iniciado a partir da dcada de 70, o conceito de lngua como

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    interao acarreta mudanas para a discusso sobre o ensino deLngua Portuguesa. A lngua passa a ser vista em uma perspectivabakthiniana como atividade dialgica, deixando de ser percebida noapenas em sua estrutura interna mas tambm em sua exterioridade.Ela assim sociohistrica e ideolgica.

    Como nos mostra Koch (2002, p. 17), a noo de texto vista naperspectiva da concepo de lngua como interao aponta para umaviso da leitura como processo de compreenso, sendo esta umaatividade interativa (grifo da autora) altamente complexa de produ-o de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elemen-tos lingsticos presentes na superfcie textual e na sua forma deorganizao, mas que requer a mobilizao de um vasto conjunto desaberes (enciclopdia) e sua reconstruo no interior do evento co-municativo. Assim, o sentido da leitura construdo no processo dainterao entre autor-leitor, mediado pelo prprio texto.

    A noo de texto se amplia, desse modo, para um conceito deleitura mais social, tendo em vista considerar como texto, econseqentemente como objeto de leitura, escritas de qualquerextenso, contanto que sejam dotadas de unidade sociocomunicativa(VAL, 1991) e sejam realizadas em eventos comunicativos cujas aessejam realizadas em situaes lingsticas, sociais, discursivas ecognitivas (KOCH, 2002).

    Para entendermos melhor como as diferentes concepes de leituraque permeiam as prticas escolares de ensino de leitura se relacionams concepes de lngua e de texto aqui mencionadas, passaremos aobservar outros relatos referentes s memrias das professoras.

    Esses relatos nos mostram quais so os usos e funes sociaisda leitura em uma perspectiva pessoal e social. Conforme j afirmamos,ambas as perspectivas se cruzam em algum momento da histria daleitura e da histria dos prprios leitores.

    Danielle da Mota Bastos, uma professora muito jovem, queensina atualmente na Escola dona Maria Tereza Corra, na 6 srie doEnsino Fundamental, tinha um desejo quando iniciou sua vida escolar.Ela assistia ao Stio do Pica Pau Amarelo na televiso e esperava queo texto de Monteiro Lobato entrasse na escola sob a forma escrita.

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    Restou-lhe, no entanto, satisfazer esse desejo, representando os per-sonagens da histria em frente ao espelho, em sua casa. J a professoraEdna Maria de Lima Silva, do 3 ano do 1 ciclo da Escola MunicipalIns Soares de Lima, lembra que, desde muito pequena, sempre tevecontatos com livros diversos em casa, e sua me contava muitas hist-rias e cantava pra ela. Eis o que diz a docente: Quando fui para aescola, aos sete anos de idade, a minha primeira professora lia as histo-rinhas da cartilha Caminho Suave e depois ensinava as letras e a famliasilbica e ns repetamos at aprender (decorar), depois pintava a letrae repetia, e dava lio, se no soubesse ficava de castigo.

    Na escola, como pudemos perceber, as prticas de leitura res-tringiam-se, portanto, cartilha ou ao livro didtico, sendo uma leitu-ra imposta. O objetivo principal da leitura era interpretar o texto, nohavendo espao para ler por prazer, conforme expectativas das pro-fessoras. Como, no livro didtico, no havia uma diversidade textual,os gneros textuais, a que tinham acesso, eram limitados.

    O que a experincia dessas duas professoras tem a ver com asconcepes tradicionais de leitura?

    As prticas de leitura restritas ao livro didtico baseiam-se,segundo Kleiman (2004, p. 20),

    em uma concepo da atividade como equivalente atividadede decodificao. Essa concepo d lugar a leiturasdispensveis, uma vez que em nada modificam a viso demundo do aluno [...] Essa atividade passa por leitura, quandoa verificao da compreenso, tambm chamada, no livrodidtico, de interpretao, exige apenas que o aluno respondaperguntas sobre informao que est expressa no texto.

    Essa concepo v, pois, a leitura como decodificao.Se para Danielle e Edna cuja alfabetizao ocorreu em dcadas

    mais recentes, as prticas de leitura escolares eram desconcertantes,imaginem para Maria Yolanda Monteiro Pinto, professora da 5 e 7sries da Escola Joo Fonseca, cuja escolaridade foi iniciada na dcadade 50. Essa docente lembra como se dava a prtica de ler em voz alta.Segundo ela, em sua poca, cada pessoa lia por pargrafo, cada

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    um lia em pedacinhos e deveriam prestar a ateno para continuaronde os outros pararam. Ao terminar de ler, ela benzia-se. As lembranasde Llian de Oliveira Braga, que ensina no 1 ano do 1 ciclo da EscolaMunicipal Cristiano Cordeiro, tambm reiteram essa viso:

    A leitura faz parte da minha histria desde muito pequena.Minha me, professora de lngua portuguesa, diz que lia paramim desde que eu era beb. Adoro ler at hoje e tenho o gostobem variado, mas o incrvel que nunca gostei de ler o livroque a escola me obrigava a ler com o objetivo de preencheruma ficha de leitura para a nota. Lembro-me tambm queganhei muito menos um por no querer ler em voz alta, merecusava terminantemente, porque tinha muita vergonha.Enfim, a prtica realizada na escola na minha poca deestudante se resumia leitura silenciosa, leitura em voz alta,ler para decorar, ler para preencher a atividade. Na escola, euno lia o que queria e sim o que me obrigavam.

    Kleiman (2004, p. 21) atribui a prtica de leitura em voz alta a umafuno avaliativa. Sendo assim, a concepo de leitura comoavaliao que justifica o fato de os professores aferirem a compreensoda leitura dos alunos por meio da leitura em voz alta. Dentre as vriasrestries feitas a essa prtica, salientam-se os efeitos negativos paraa perda da autoconfiana pelos alunos, sobretudo quando ela frutode uma imposio e no visa a um objetivo de aprendizagem pertinentepara o desenvolvimento da leitura dos aprendizes. Isso no significaque a leitura em voz alta no deva ocorrer. Segundo Antunes (2003),essa modalidade deve estar presente em contextos funcionais eclaramente percebidos pelos alunos como situaes comunicativasespecficas, onde o sentido e a compreenso acerca do objetivo doler em voz alta fiquem claros.

    2 Sobre como era a leitura /Sobre como deve ser a leitura

    De modo geral, as experincias escolares de leitura de professorese professoras do Curso de Extenso partem de prticas semelhantes,

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    as quais no se diferenciam muito do ponto de vista das concepesde leitura que as embasam. Em sntese, as prticas citadas pelos(as)docentes foram:

    1. Leitura do texto cartilhado: individual e coletiva.2. Leitura feita pela professora3. Leitura feita para a professora.4. Leitura em voz alta.5. Leitura para preencher a ficha do aluno.6. Leitura para decorar contedos.7. Leitura para tomada pelo professor de lies obrigatrias.8. Leitura para passar o tempo da aula.Vemos assim como essas concepes de leitura refletem um

    contexto social mais amplo porque dependem do contexto histricoem que se situavam as concepes de lngua e de texto vigentes, asquais instruam o ensino de leitura cujas professoras, acimamencionadas, vivenciaram na sua trajetria escolar.

    Atualmente uma condio sine qua non para um ensino deleitura pertinente para a vida dos alunos tomar a leitura como prticainterativa. Essa concepo abre-se para o fato de que no h umanica maneira de abordar o texto, e uma nica maneira de interpret-lo. O que passa a contar para a construo do sentido do texto , emgrande parte, a experincia do leitor. Essa experincia, como nos mostraKleiman (2004, p. 23),

    indispensvel para construir o sentido, no h leiturasautorizadas num sentido absoluto, mas apenas reconstruesde significados, algumas mais e outras menos adequadas,segundo os objetivos e intenes do leitor.

    Antunes (2003, p.69), ao expor sobre a dimenso interacional dalinguagem, destaca: a interpretao de um texto depende de outrosconhecimentos alm do conhecimento da lngua. O professor deportugus no pode deixar de reconhecer a importncia desseprincpio e, por isso, no pode ficar to preso aos conhecimentosespecificamente lingsticos. A autora chama a ateno ainda para a

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    trplice funo implicada na realizao da leitura, ou seja, o ler parainformar-se, o ler para deleitar-se e o ler para entender asparticularidades da escrita. Sendo assim, vo estar em jogo,dependendo das condies do texto a ser lido e das funespretendidas com a leitura, diferentes processos e estratgias. Almdesses fatores, tambm, o grau de familiaridade do leitor com ocontedo do texto, constitui outro aspecto a interferir no modo derealizar a leitura, conforme mostrado no captulo sobre estratgiasde leitura nesta coletnea.

    As experincias do leitor abrangem, portanto, tanto a sua leiturade mundo como a leitura dos diferentes gneros textuais, segundonos revela o relato de Helena Pereira Silva, professora da 3 srie doensino fundamental da Escola Municipal Nova Santana, outra aluna doCurso de Extenso. Para ela, as prticas de leitura da me influenciaramsobremaneira a sua formao como leitora. Iniciada pela me na leiturade Cordel, aprendeu a ler nos folhetos, e essa leitura tinha uma funosocial bastante definida que era o entretenimento. Como no haviateleviso nessa poca, tanto se lia coletivamente entre os vizinhos,como a leitura era revezada com a troca de folhetos entre estes.

    Diferentemente das prticas escolares de leitura, essas prticasde letramento em famlia e na comunidade so, s vezes,surpreendentes na forma como criam, para os leitores, as condiesnecessrias construo do sentido da leitura atravs de experinciasvivas e interativas. dessa forma que a leitura alcana, de fato, a acepode atividade de interao verbal escrita, enquanto implica a participaocooperativa do leitor na interpretao e na reconstruo do sentido edas intenes pretendidas pelo autor (ANTUNES, 2003, p. 66).

    Avaliando as repercusses dessas experincias com leituraapresentadas nos relatos citados, observamos que as memrias, emsua maioria, restringiram-se a fatos negativos, sempre acompanhadosde sentimentos de medo e atitudes de afastamento em relao aatividades que envolvem leitura. As situaes destacadas comopositivas e que deram origem ao adulto leitor (aquele que, alm deser considerado um bom leitor, demonstra sempre sentir prazer emrelao ao ato de ler), em sua maioria, foram decorrentes de experincias

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    em contextos informais, onde a leitura ocorria em famlia ou em gru-pos de amigos, cujo propsito, ao ler, era o deleite, a busca de infor-maes de forma espontnea ou a aprendizagem, sempre movida porobjetivos claros, contagiantes, significativos.

    3 Concluso

    Diante dos aspectos aqui considerados e dos princpios inerentesa uma concepo de leitura interativa, fica claro o papel da escola emais especificamente, do professor, no planejamento e realizao deuma prtica em sala de aula, cujas implicaes sejam positivas para aformao de um leitor crtico e eficiente, um leitor capaz de desvelarsignificados, mesmo quando as palavras de um texto lhes paream, primeira vista, indecifrveis, esdrxulas, ininteligveis como as dopoema de Drummond.

    Ao inscrever a sua trajetria pessoal de leitor na histria socialda leitura, torna-se um interlocutor no apenas real como tambmvirtual de produtores de textos reais e virtuais. Rompe, assim, asbarreiras do tempo e do espao, conduzido pelo dilogo entre textosdo presente e do passado, cujos sentidos, assim como no seencontram apenas em palavras e frases literais, extrapolam os limitestextuais para juntar-se aos de outros textos, que sero escritos porgeraes futuras.

    nessa perspectiva que falamos de concepes de leitura eensino, de prticas escolares de leitura viveis e de alunos leitorespossveis. Falamos tambm de professores e professoras cuja cargade trabalho, s vezes, pesada, no os impede de ser modelos de leitura,pois entendem que decifrar textos maldio do passado.

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    Referncias

    ANTUNES, Irand. Aula de Portugus: encontro & interao. ParbolaEditorial: So Paulo, 2003.

    KLEIMAN, Angela. Oficina de Leitura: teoria & prtica. Pontes: Campinas,SP, 2004.

    KOCH, Ingedore e Grunfield Villaa. Desvendando os Segredos do Texto.Cortez: So Paulo, 2002.

    SOARES, Magda. Concepes de linguagem e o ensino da LnguaPortuguesa.In: BASTOS, Neusa Barbosa (org.) Lngua Portuguesa: Histria,Perspectivas, Ensino. So Paulo: Educ:; 1998.

    VAL, Maria da Costa Graa. Redao e Textualidade. So Paulo: tica, 1991.

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    CAPTULO 2

    Leitura, letramento ealfabetizao na escola

    Ivane Pedrosa de SouzaTnia Maria Rios Leite

    Eliana Borges Correia de Albuquerque

    Ao perguntarmos a uma criana, a um jovem ou a um adultoque esto iniciando seu processo de escolarizao sobre o que vofazer na escola, com certeza, ouviremos como resposta algo do tipo:vou escola para aprender a ler. inegvel o reconhecimento dopapel dessa instituio na introduo formal do indivduo no mundoda escrita, no s por parte desse seguimento, o alunado, mastambm por parte de toda a sociedade. No entanto, sabemos que osignificado desse aprender a ler, to ressaltado por parte dessesaprendizes iniciantes, no se caracteriza de maneira uniforme aolongo da nossa histria.

    Atualmente, em pleno Sculo XXI, nos deparamos com algunsproblemas que precisam ainda ser vencidos:

    elevados ndices de analfabetismo atingindo pessoas que ouno tiveram acesso escola, ou vivenciaram experinciasescolares que no lhes permitiram apropriar-se do Sistema deEscrita Alfabtica;

    OK

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    alunos que atingem nveis elevados de escolaridade (4 srie,e mesmo a 8 srie do Ensino Fundamental) sem conseguir lere produzir textos com autonomia;

    alunos que, explicitamente, afirmam que no gostam de ler;

    professores com dificuldades de trabalhar com turmasheterogneas no que se refere leitura e escrita de textos.

    Enfim, a escola brasileira, instituio responsvel pelo ensinoda leitura e da escrita, tem fracassado em sua tarefa primeira, porqueainda no consegue ensinar efetivamente todos os alunos a ler eescrever, especialmente quando provm de grupos sociais poucoletrados. Pretendemos, neste capitulo, discutir sobre a relao entreleitura, letramento e alfabetizao, na tentativa de contextualizar osproblemas acima citados.

    1 Alfabetizao e letramento: fenmenos distintos,mas inseparveis e interdependentes

    Ao longo da nossa histria, o termo alfabetizao esteveassociado a diferentes significados: saber ler e escrever seu prprionome, saber codificar e decodificar palavras simples, saber ler eescrever um bilhete, entre outros. Nas duas ltimas dcadas, essetermo passou a ser associado a um outro: o letramento.

    Segundo o Dicionrio Houaiss (2001), letramento um conjuntode prticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos dematerial escrito. Como apontado por Soares (1998), o termoletramento a verso para o Portugus da palavra de lngua inglesaliteracy, que significa o estado ou condio que assume aquele queaprende a ler e escrever.

    Os estudos sobre letramento no Brasil configuram-se como umadas vertentes de pesquisa que melhor concretizam a unio dointeresse terico, a busca de descries e explicaes sobre umfenmeno, com o interesse social ou aplicado, a formulao deperguntas cuja resposta possa vir a promover uma transformao deuma realidade to preocupante, como a marginalizao de grupos

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    sociais que no conhecem a escrita. O conceito de letramento come-ou a ser usado nos meios acadmicos numa tentativa de separar osestudos sobre o impacto social da escrita (KLEIMAN,1991) dosestudos sobre alfabetizao, cujas competncias escolares destacamas competncias individuais no uso e na prtica da escrita, como, porexemplo, os sentidos que Paulo Freire atribua alfabetizao, comocapaz de levar o aprendiz a organizar reflexivamente seu pensamento,desenvolver a conscincia crtica, introduzi-lo num processo real dedemocratizao da cultura e da libertao (FREIRE,1980).

    Aos poucos, os estudos foram se alargando para descrever ascondies de uso da escrita, a fim de determinar como eram, e osefeitos das prticas de letramento em grupos minoritrios, ou emsociedades no industrializadas, que comeavam a integrar a escritacomo uma tecnologia de comunicao dos grupos quesustentavam o poder. Assim, os estudos j no mais pressupunhamefeitos universais do letramento, mas sim efeitos que estariamcorrelacionados s prticas sociais e culturais dos diversos gruposque usavam a escrita. Por exemplo, possvel estudar as prticas deletramento de grupos de analfabetos que funcionam em meio a umgrupo altamente letrado e tecnologizado, como os funcionriosanalfabetos de uma instituio, com o objetivo de examinar, emrelao a estes grupos, as conseqncias sociais, afetivas elingsticas de tal insero social.

    Um argumento que justifica o uso do termo em vez do tradicionalalfabetizao est no fato de que as crianas, de certo modo, soletradas antes mesmo de serem alfabetizadas. Uma criana quecompreende quando o adulto lhe diz: olha o que a fada madrinhatrouxe hoje! est fazendo uma relao com um texto escrito, um contode fadas. Assim, ela est participando de um evento de letramento(porque j participou de outros, como o de ouvir uma histria antesde dormir), tambm est aprendendo uma prtica discursiva letrada,e, sendo assim, essa criana pode, inclusive, ser considerada letrada,mesmo que ainda no saiba ler e escrever. Sua oralidade comea a tercaractersticas da oralidade letrada, uma vez que junto me, nasatividades do cotidiano, que essas prticas orais so adquiridas.

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    O mesmo acontece com adultos analfabetos. Se, por um lado,eles no possuem autonomia para ler e escrever os diferentes textos,eles, por viverem em um meio em que a leitura e a escrita tm presenasfortes, se inserem em prticas de leitura e escrita atravs da mediaode outras pessoas: recebem cartas e, com isso, ouvem a leitura dessetexto ou ditam uma carta para se comunicar com algum distante; escu-tam a leitura de notcias de jornais para se manterem atualizados; solici-tam que as pessoas leiam as instrues de uma receita para poderemfazer um prato especfico, etc. O depoimento de Seu Aguinaldo, alunodo Programa Brasil Alfabetizado, em 2003, revela essa questo:

    Eu tinha uma namorada em Caruaru, uma menina bem bonita.A ela mandava carta para mim. A eu mandava um colega ler.A ele lia e ele mesmo fazia para mim, eu pagava a ele. Eletinha uma caligrafia bonita. Quando eu ia l pra Caruaru eutrabalhava na Rodoviria Caruaruense, nessa poca eu eracobrador de nibus a ela ficava elogiando minha caligrafia eeu no sabia de nada. Era ele que escrevia, n? Ler eu no lia,nem escrevia.

    Concordamos, assim, com a distino que Soares (2003) faz entreos termos alfabetizao e letramento. Para essa autora, o primeirotermo corresponde ao processo de aquisio de uma tecnologia, aescrita alfabtica e as habilidades de utiliz-la para ler e para escrever. Jletramento relaciona-se ao exerccio efetivo e competente da tecnolo-gia da escrita. Assim, adultos analfabetos apresentam experincias deletramento, da mesma forma que pessoas com elevados nveis de esco-larizao podem apresentar dificuldades na leitura e produo de cer-tos gneros textuais. Esse ltimo fenmeno revela que a leitura nopode ser associada apenas atividade de decodificao de textos eque uma vez que o aluno se alfabetize, ele poder ler qualquer texto.

    2 Leitura, letramento e escolarizao

    Segundo os historiadores, o termo leitura pode ser aplicado aprticas muito diferentes e historicamente variveis, uma vez que,como eles tm observado, a maneira de ler mudou ao longo do tempo:

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    mudanas decorrentes da estrutura dos prprios textos, das premis-sas adotadas a respeito do que eles significam, do contexto onde aleitura se desenvolvia.1 Trataremos, nesta seo, da leitura desenvol-vida em um contexto especfico: a escola, considerando sua relaocom o contexto sociohistrico. Os estudos mais recentes que abor-dam a temtica do letramento podem nos ajudar a discutir a escola-rizao das prticas de leitura.

    O ensino de leitura baseado no treino da habilidade de decodifi-cao do cdigo escrito, to criticado nas duas ltimas dcadas dosculo XX, tanto nos textos acadmicos quanto nos oficiais, umaprtica antiga especfica, criada e desenvolvida em um meio tambmespecfico: a escola. Ela se distancia das prticas sociais de leituravivenciadas por diferentes grupos, em diferentes contextos e pocas.Cook-Gumperz (1991) relaciona essa prtica escolar de leitura comnfase no processo de decodificao expanso da escolarizao populao com o objetivo de alfabetiz-la ou de controlar a alfabeti-zao e no promov-la; controlar tanto as formas de expresso quan-to o comportamento que acompanham a passagem em direo alfa-betizao (p. 40). Nesse contexto, segundo a autora, as prticassociais de leitura e de escrita se diferenciavam, j no final do sculoXIX, da alfabetizao escolarizada, relacionada a uma nooestratificada e potencialmente padronizvel de alfabetizao.

    Predominante durante todo o sculo XX, o ensino de leitura,centrado no desenvolvimento da habilidade de decodificao/decifrao do texto escrito, relaciona-se a um tipo especfico deletramento: o escolar. Como afirma Kleiman (1995b),

    a escola, a mais importante das agncias de letramento, pre-ocupa-se, no com o letramento, prtica social, mas comapenas um tipo de prtica de letramento, a alfabetizao, oprocesso de aquisio de cdigos (alfabtico, numrico), pro-cesso geralmente concebido em termos de uma competncia

    1 Para aprofundamento sobre a histria da leitura ver CHARTIER, 1994, 1998;CHARTIER (org.), 1996; CHARTIER e HBRARD, 2000; LAJOLO EZILBERMAN, 1996; MANGUEL, 1997; FARIA FILHO (org.), 1998.

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    individual necessria para o sucesso e promoo na escola. Joutras agncias de letramento, como a famlia, a igreja, a ruacomo lugar de trabalho, mostram orientaes de letramentomuito diferentes. (p. 20)

    O letramento escolar relaciona-se, segundo a autora, com o queStreet (1984) denomina de modelo autnomo de letramento, queconsidera a escrita como produto completo em si mesmo, no estandopreso ao contexto de sua produo para ser interpretado. Essaconcepo pressupe a existncia de apenas uma maneira de oletramento ser desenvolvido, sendo que essa forma est associadaquase que causalmente com o progresso, a civilizao, a mobilidadesocial (KLEIMAN, 1995b, p. 21). Os autores que se enquadram nessemodelo (HILDYARD; OLSON, por exemplo) defendem que os sistemaseducacionais se justificam por desenvolverem uma competnciaintelectual que, de outro modo, no seria amplamente desenvolvida,e isso justificaria a vasta expanso desses sistemas no ocidente.

    Em contraposio ao modelo autnomo de letramento, Street(1984) prope o modelo ideolgico, o qual reconhece a multiplicidadede letramentos uma vez que os significados e usos das prticas deletramento esto relacionados a contextos culturais especficos e sosempre associados a relaes de poder e ideologia, no sendosimplesmente tecnologias neutras. Para esse autor, como afirmaKleiman (1995B), as prticas de letramento, no plural, so social eculturalmente determinadas, e, como tal, os significados especficosque a escrita assume para um grupo social dependem dos contextose instituies em que ela foi adquirida (p. 21). Nessa perspectiva, oletramento escolar pode ser considerado como apenas uma daspossibilidades de letramento, que se relaciona s prpriascaractersticas dessa instituio e ao que privilegiado por ela.

    Soares (1998a) faz uma distino entre a dimenso individual e asocial do letramento. A primeira considera o letramento como umatributo pessoal, relacionando-o ao desenvolvimento de um conjuntode habilidades individuais e capacidades cognitivas e metacognitivas,que constituem a leitura e a escrita. Os que priorizam a dimensosocial do letramento vo alm: para eles, o letramento no pura e

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    simplesmente um conjunto de habilidades individuais; o conjuntode prticas sociais ligadas leitura e escrita em que os indivduos seenvolvem em seu contexto social (p. 72).

    A escola, nas sociedades contemporneas, a instituio res-ponsvel por promover oficialmente o letramento. Pesquisas, no en-tanto, tm apontado para o fato de as prticas de letramento na escolaserem bem diferenciadas daquelas que ocorrem em contextos exterio-res a ela. Esse distanciamento pode ocorrer devido prpria nature-za, funo e organizao dessa instituio. Como enfatizado por So-ares (1998a),

    o sistema escolar estratifica e codifica o conhecimento,selecionando e dividindo em partes o que deve ser aprendido,planejando em quantos perodos (bimestres, semestres, sries,graus) e em que seqncia deve se dar esse aprendizado, eavaliando, periodicamente, em momentos pr-determinados,se cada parte foi suficientemente aprendida (p. 84-85).

    Nessa perspectiva, a dimenso individual do letramento, en-quanto um conjunto de habilidades individuais relacionadas leiturae escrita, que priorizada nessa instituio, por possibilitar um bomfuncionamento dela. Segundo a referida autora, na escola, o fen-meno complexo e multifacetado do letramento reduzido quelashabilidades de leitura e escrita e queles usos sociais que os testesavaliam e medem (p. 86).

    Como abordado por Morais e Albuquerque (2004), essa concep-o de letramento considerada na escola o letramento escolar no se adequaria ao desenvolvimento socioeconmico-cultural denossas sociedades, em que os indivduos convivem em contextos ondea escrita se faz presente de forma mais complexa. A prtica tradicionalde alfabetizao em que, primeiro, se aprende a decifrar o cdigo apartir de uma seqncia de passos/etapas, para s depois se ler efeti-vamente, no garante a formao de leitores/escritores. Pesquisas tmapontado para o fato de que os alunos saem da escola com o domniodas habilidades de codificao e decodificao, mas so incapazes deler e escrever funcionalmente textos diversos em diferentes situaes.

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    Segundo Soares (1998a), adultos de pases desenvolvidos, ten-do alcanado um letramento escolar, so capazes de comportamentosescolares de letramento, mas so incapazes de lidar com os usoscotidianos da leitura e da escrita em contextos no-escolares. Nasdcadas finais do sculo XX, pesquisas que investigam a temtica daleitura apontaram para o fenmeno do iletrismo mesmo emsociedades com altos ndices de escolarizao.2

    Enquanto os pases desenvolvidos se preocupam com ofenmeno do iletrismo, nosso problema maior continua a ser osaltos ndices de analfabetismo e fracasso escolar. Esses fenmenospassam, a partir da dcada de 1980, principalmente, a ser analisadosem relao a problemas didticos e pedaggicos vivenciados naescola. nesse contexto que so difundidas, no Brasil, as teoriasconstrutivistas e sociointeracionistas de ensino/aprendizagem, e, emrelao ao ensino da lngua especificamente, novas teoriasdesenvolvidas em diferentes campos Lingstica, Sociolingstica,Psicolingstica, Pragmtica, Anlise do Discurso levam a umaredefinio desse objeto.

    Como abordado por Soares (1998b), sob a influncia dessesestudos, a lngua passa a ser vista como enunciao, discurso, noapenas como comunicao, incluindo as relaes da lngua com aquelesque a utilizam, com o contexto em que utilizada, com as condiessociais e histricas de sua utilizao. Essa concepo de lngua altera,em sua essncia, o ensino da leitura, agora vista como processo deinterao autor/texto/leitor, em determinadas circunstncias deenunciao e no quadro das prticas socioculturais contemporneasde uso da escrita, o que j foi discutido no captulo 1 deste livro.

    O ensino de leitura baseado em uma concepo interacionistade lngua implica consider-la como prtica social. Nessa perspectiva,o letramento escolar, que envolve o processo de didatizao daleitura precisa ser feito de modo a garantir que as prticas de leitura,desenvolvidas nesse espao se aproximem daquelas realizadas fora

    2 Sobre essa problemtica do iletrismo ver Hbrard (1990), Chartier e Hbrard(2000).

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    dele. Isso implica trazer, para a sala de aula, os contextos significati-vos de leitura, que envolvem diferentes gneros presentes no conv-vio social dos alunos e professores. Cabe escola, fundamentalmen-te, levar seus educandos a um processo mais amplo de reflexo acercadas prticas sociais que envolvem a leitura e a escrita, proporcionandoaos mesmos o desenvolvimento da capacidade de serem usuriosefetivos da lngua escrita.

    Como observado por vrios pesquisadores (ALBUQUERQUE,2002; COUTINHO, 2004; ALBUQUERQUE, FERREIRA; MORAIS,2005), os professores tm se apropriado das novas perspectivas deensino da Lngua Portuguesa e buscam (re)construir suas prticasde ensino com base em suas experincias como docentes e nasnovas orientaes na rea.

    Ser um professor empenhado em transformar sua prtica, de for-ma a contemplar a perspectiva do letramento implica, portanto, ter emmente alguns princpios ou diretrizes norteadores desse novo fazer.Peixoto, Silva e Ferreira (2005) destacam, como papel do professornesse contexto:

    Investigar as prticas sociais que fazem parte do cotidianodo aluno, adequando-as sala de aula e aos contedos aserem trabalhados;

    Planejar suas aes visando a ensinar para que serve alinguagem escrita e como o aluno poder utiliz-la;

    Desenvolver, no aluno, atravs da leitura, interpretao eproduo de diferentes gneros de textos, habilidades de leiturae escrita que funcionem dentro da sociedade;

    Incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita,de forma criativa, descobridora, crtica, autnoma e ativa,j que a linguagem interao e, como tal, requer aparticipao transformadora dos sujeitos sociais que autilizam;

    Buscar reconhecer o que o educando j possui de conhecimen-to emprico, e respeitar, acima de tudo, esse conhecimento;

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    Desenvolver uma metodologia avaliativa com certa sensibili-dade, atentando para a pluralidade de vozes, a variedade dediscursos e linguagens diferentes;

    Avaliar de forma individual, levando em considerao as pecu-liaridades de cada indivduo;

    Trabalhar a percepo de seu prprio valor e promover a auto-estima e a alegria de conviver e cooperar;

    Ativar mais do que o intelecto em um ambiente de aprendizagem,ser professor-aprendiz tanto quanto os seus educandos; e

    Reconhecer a importncia do letramento, e abandonar os mto-dos de aprendizado repetitivo, baseados na descontextualiza-o.

    Destacamos a relevncia dos aspectos trazidos pelos autoresacima citados, considerando que, cada vez mais, reconhecemos ser opapel da escola propiciar condies para o desenvolvimento de pessoascom capacidades mltiplas de interao com a sociedade, ampliandosuas experincias de letramento , abrindo caminhos para o indivduoestabelecer conhecimentos amplos com o mundo em que vive.

    3 Leitura e letramento:refletindo sobre a prtica docente

    Como observado por vrios pesquisadores (ALBUQUERQUE,2002; COUTINHO, 2004; ALBUQUERQUE, FERREIARA; MORAIS,2005), os professores tm se apropriado das novas perspectivas deensino da Lngua Portuguesa e buscam (re)construir suas prticas deensino com base em suas experincias como docentes e nas novasorientaes na rea.

    A seguir, apresentaremos uma experincia desenvolvida por umgrupo de professoras que participaram de um curso de extenso oferecidopelo CEEL (setembro a dezembro de 2005), cujo tema focalizado foiPrticas de Leitura no Ensino Fundamental. No processo de seleo,os professores foram solicitados a planejarem, individualmente, umaatividade de leitura para alunos desse nvel (1 a 8 srie ou 1 ao 4 ciclo),a partir de um texto especfico, apresentado a seguir:

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    O quadro a seguir apresenta algumas atividades propostaspelos professores para serem realizadas antes, durante e depois daleitura do texto:

    Sntese dos Planejamentos de atividades realizadaspor um grupo de professores do ensino fundamental

    diferentes sries, com base no texto acima apresentado:

    a) Antes da leitura do texto, atividades visando:

    z Explorar o conhecimento prvio sobre o gnero textual em foco, nocaso a reportagem, alm do prprio contedo do texto a partir deantecipaes com base em elementos presentes no texto, como:ttulo, foto, etc;

    z Explorar conhecimento sobre outros gneros ou suportes textuais,onde temas semelhantes podem tambm ser encontrados oupesquisados;

    z Desenvolver a capacidade de identificar personagens, narrador,ilustrador, etc;

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    z Desenvolver a capacidade de identificar outras fontes, onde possvel se pesquisar sobre o tema focalizado, no caso, ataque atubares;

    z Desenvolver a capacidade de expor oralmente, apresentando ele-mentos que foram identificados (individualmente, em dupla ou empequenos grupos) durante esse momento que antecede a leitura;

    z Discutir em grupo acerca dos elementos que mais chamam atenonessa fase inicial de contato com o texto, com solicitao para a elabo-rao de cartazes, incluindo textos e ilustraes (imagens/figuras).

    z Discutir sobre o que j se apropriaram (aspectos comportamentaise biolgicos), em relao aos animais focalizados pela reportagem,antes de terem acesso ao contedo do texto a ser lido;

    b) Atividades durante a leitura propriamente dita (individual,em dupla ou coletiva)

    Essas atividades foram propostas para serem vivenciadas nasmodalidades voz alta e silenciosa, devendo ser acompanhadas dereflexes e destaques a informaes relevantes do texto, atravs de:

    z Inferncias durante a realizao do ato de ler;

    z Registro de pontos-chave levantados pela turma;

    z Questionamento sobre a veracidade das informaes;

    z Constatao da necessidade de um maior nmero de informaes/conhecimentos para a formao de novas atitudes/ valores;

    z Confronto entre o pr-concebido e o conhecimento comprovadocientificamente;

    c) Atividades aps a leitura

    z Interpretao do texto (respondendo s questes oralmente, porescrito; atravs de desenho, etc);

    z Criao de outra reportagem sobre tema idntico ou novo tema;

    z Transformao do texto lido em outra modalidade de texto a serlido. Ex: histria em quadrinhos ou narrativa;

    z Vivncia de dinmicas, gerando debates e troca de opinies sobre asidias expressas ou implcitas no texto. Ex: jri popular;

    z Pesquisa em outras fontes, buscando uma integrao com outrasreas de conhecimento;

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    z Elaborao de grficos a partir de outros dados obtidos;

    z Exerccios envolvendo aspectos relacionados ortografia, gramti-ca, pontuao, concordncia;

    z Realizao de palavras cruzadas com vocabulrio presente notexto;

    z Reescrita do texto, alertando para a necessidade de o aluno expressarseu ponto de vista como leitor.

    z Leitura dos textos reescritos para os colegas;

    z Produo de ilustraes ou outros desenhos para os novos textosproduzidos;

    z Atividades em grupo, envolvendo elaborao de questes relevantespara serem discutidas com a turma (fundamentadas na reflexo equestionamentos tirados do texto);

    z Construo de painel / mural com as produes das crianas;

    Pela sntese dos resultados apresentados, percebe-se que jexiste uma compreenso por parte dessas professoras de que asprticas de leitura a serem desenvolvidas nas salas de aula precisamcontemplar situaes que possibilitem aos alunos a descoberta dosusos e funes da lngua e o desenvolvimento da capacidade dereconhecer a diversidade de textos existentes em nossa sociedade,bem como as convenes inerentes a cada um deles, implicando,portanto, a noo de letramento, conforme vem sendo explicitada naliteratura recente (KLEIMAN,1991; SOARES,1998; ALBUQUERQUE;LEAL, 2004; SANTOS; MENDONA, 2005).

    Concluiremos este artigo com depoimentos de alguns professoresque participaram do curso anteriormente citado, os quais revelamcomo buscam desenvolver uma prtica de ensino da leitura naperspectiva do letramento:

    Nessa atividade de leitura (refere-se reportagem CovardiaExplcita, acima apresentada), de extrema importncia,apresentar aos alunos que gnero textual esse. Falar que setrata de um texto informativo e que, geralmente, esses textosso encontrados em revistas, jornais, panfletos, etc. Pergun-taria a eles se j manusearam uma revista e o que encontraram

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    ou para que serve a revista? importante ressaltar para osalunos que cada gnero textual possui caractersticas prpri-as e finalidades diferentes, por exemplo: no encontramosum texto informativo iniciado por Era uma vez e que, emuma receita, no necessrio que as palavras rimem. Enfim,seria realizado uma comparao entre esse texto e os outrostrabalhados em sala de aula.

    A professora conclui, ainda colocando:

    Alfabetizar letrando tornar o aluno um leitor ativo, queinterage com o material escrito, critica, seleciona o que desejaler, j que tudo que lido deve ter um objetivo, desde extrairinformaes a levar o aluno ao prazer de ler. (Mnica LemosNewton, professora do 2 ano do 1 ciclo da Escola MunicipalNossa Senhora dos Prazeres).

    Face proposta de letramento que vem sendo difundida hojeno meio educacional, de extrema importncia que o professorpossibilite aos alunos uma diversidade de gneros textuais,fazendo um efetivo trabalho de explorao dos mesmos. Pois,dessa forma, ir estimular e formar alunos leitores, que oque desejamos. (Professora Maria do Carmo Soares da Costa,2 ano do 1 ciclo, da Escola Prof. Antnio de Brito Alves).

    Sendo a leitura um ato social, em que produtor e leitorinteragem entre si, atendendo aos seus objetivos enecessidades e, a escola, tambm vista como responsvelpelo processo de letramento das crianas, cabe aos professoresoportunizar modelos de leitura em que o aluno, em usoconstante com a linguagem, torne-se um usurio competenteda lngua. Logo, a leitura deve ser vista como objeto de estudo;no h mais espao para tratar a leitura como decodificaodos smbolos grficos. (Professora Helena Pereira Silva; 1ano do 2 ciclo da Escola Municipal Nova Santana).

    Com base nos depoimentos das professoras acima apresentados,fica evidente a compreenso de que o trabalho com os diversosgneros textuais constitui a maneira mais adequada de propiciar aoaluno o conhecimento sobre os usos sociais da lngua. Destacamosque esse aspecto no se fez presente nas memrias dessas mesmas

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    professoras acerca das prticas de leituras existentes em suas salasde aula, na poca em que eram aprendizes ou alunas de sries iniciais.Em seus relatos, a leitura foi citada como algo atrelado ao decorarpara fazer provas ou fez-se referncia a uma leitura de textoscartilhados ou ainda, leitura de trechos do livro didtico,objetivando a realizao das chamadas fichas de leitura, enfim, comoatividades impostas sendo, em algumas situaes,vivenciadas commedo e, s vezes, at pnico.

    A partir do exposto, fica evidente, portanto, que cresce, porparte dos professores, um entendimento do quanto imprescindvelhoje se alfabetizar letrando, ou seja, no cabe mais uma organizaoda prtica didtica que privilegie leituras, visando apenas flunciado ato de ler, como algo mecnico e desprovido do sentido que umaleitura significativa deve possuir. preciso possibilitar aos alunosuma compreenso mais ampla dos significados diversos que a leituraassume em nossa sociedade.

    Referncias

    ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia. Apropriaes de propostas oficiaisde ensino de leitura por professores: o caso do Recife. 2002. 361 f. TeseDoutorado em Educao. Universidade Federal de Minas Gerais. BeloHorizonte, 2002.

    ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia; LEAL, Telma Ferraz.; Aalfabetizao de jovens e adultos em uma perspectiva de letramento. BeloHorizonte: Autntica, 2004.

    FREIRE, Paulo. Educao como prtica da Liberdade.10 ed.,Rio de Janeiro,Paz e Terra,1980.

    GOMES, M. L. M. Da materialidade do texto constituio do leitor: poruma Leitura significativa. Revista Thlos Revista electrnica de Humanidadesy Cs. Sociales del Departamento de Humanidades de la U. TecnolgicaMetropolitana (UTEM), Stgo., Chile. N1, Marzo. 2005.

    KATO, Mary. No mundo da Escrita. So Paulo: tica, 1989.

    KLEIMAN, ngela B. Os significados do letramento: uma nova perspectivasobre a prtica social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

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    _______Leitura: Ensino e Pesquisa. So Paulo: Pontes Editores,1989.

    PEIXOTO, C.; SILVA E.; SILVA, I.;FERREIRA, L. Letramento: voc prati-ca? Artigo Publicado no site: www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno09-06.html

    SANTOS, Carmi Ferraz.; MENDONA, Mrcia (Orgs). Alfabetizao eLetramento: conceitos e relaes. Belo Horizonte: Autntica, 2005.

    SOARES, Magda. Letramento: um tema em trs gneros. 2 ed. 6 reimp.Belo Horizonte: Autntica, 2003.

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    CAPTULO 3

    Planejamento do ensino da leitura:a finalidade em primeiro lugar

    1 Intencionalidade e ao docente:planejamento reflexivo parauma prtica pedaggica consistente

    Planejar o que fazer todos os dias nem sempre fcil. Correriapara l, correria para c. No sobra tempo para nada, no ? Essa arealidade de muitas pessoas. Trabalhar, estudar, cuidar de casa e defilhos. muito! Mas no s isso. Tem os amigos tambm! E ns? ,tambm precisamos de cuidados especiais. E a? O que podemos fazer?

    Olhando dessa forma, podemos achar que o planejamentoatrapalha, pois seria mais uma tarefa a darmos conta. No entanto,quando pensamos direitinho, vemos que no bem assim. No dia-a-dia, planejamos a nossa rotina, organizamos nossos armrios, fazemoslistas de tarefas a executar, dentre outras estratgias que adotamospara otimizar nosso tempo e aproveitar o que sobra com atividades delazer, por exemplo.

    Telma Ferraz LealKtia Reis Melo

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    Com o planejamento do ensino, tambm funciona desse modo.Se planejarmos uma boa rotina de trabalho, com estratgias eficazesde registro de situaes bem sucedidas, armazenamento de recursosdidticos, classificao dos planejamentos de aula em pastas, porexemplo, podemos reaproveitar muito do que fizemos em um ano noano seguinte. Nesse sentido, o planejamento ajuda a aproveitar melhoro tempo e a repensar o que fazemos em sala de aula.

    Se no planejamos, tornamos o trabalho repetitivo ou vazio.Como professoras, vemos claramente a diferena entre as aulas queforam planejadas e aquelas que precisamos conduzir sem refletir antes,sem calcular o tempo, sem organizar os materiais. Falhamos muitasvezes em situaes planejadas, mas, sem dvida, falhamos muito maisquando agimos sem um trabalho prvio de organizao do tempo edo espao do ensino.

    No estamos querendo, com isso, dizer que podemos planejartudo. Isso no verdade. A dinmica da escola , realmente, muitasvezes, imprevisvel e precisamos improvisar. No entanto, improvisamosmelhor quando temos a viso do todo, quando sabemos aondequeremos chegar e quando temos outras referncias de situaesplanejadas que possam ser tomadas como modelo para as novassituaes. Essa viso geral inclui a clareza sobre o que devemos ensinar.

    Falando sobre a rea de lngua portuguesa, sabemos queprecisamos organizar o tempo de modo a contemplarmos situaesde ensino nos quatro eixos bsicos: linguagem oral, leitura, produode textos escritos e anlise lingstica. Sabemos que esses eixos soindissociveis e que, em determinado momento, enfocamos mais umdeles do que os outros, mas sem perdermos de vista que existempontos de interseo entre eles. Se soubermos aproveitar essespontos, teremos mais chance de ajudar os alunos a articular osdiferentes objetos de ensino.

    Como no podemos tratar de todos esses eixos de uma s vez,resolvemos, nesta obra, dedicarmo-nos a olhar mais atentamente paraas questes relativas ao ensino de leitura. Neste captulo, nossoobjetivo refletir sobre o planejamento do ensino da leitura, atentandoque precisamos variar, nesse planejamento, as finalidades de leitura,

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    a fim de atingirmos diferentes objetivos didticos. Retomando o quefoi discutido anteriormente, reafirmamos que,

    Atualmente, as pesquisas convergem para uma definio deleitura que, ao que parece, no pode ser reduzida nem escrita-decodificao (modelo ascendente), nem a uma puraantecipao (modelo descendente). H um acordo em tornodo modelo probabilstico e interativo: o aprendiz-leitor deveimplementar uma estratgia probabilstica de explorao daescrita; sobretudo deve combinar, coordenar duas operaespsicolingsticas bem distintas: 1) produzir intuiessemnticas (antecipaes, previses de significados); 2)buscar indcios grficos diversos (letras, slabas, palavras,pontuao, marcadores gramaticais, etc) para elaborar everificar suas previses. O que importa agora esclarecer amaneira como as crianas podem tomar conscincia dos usossociais e construir estratgias pertinentes de leitura(BERNARDIN, 2003, p. 53)

    Assim, partindo da concepo interacionista de leitura,concebemos que ler uma atividade social e que, portanto, asestratgias cognitivas so adequadas aos propsitos de leitura, sfinalidades que orientam nossa ao de ler. Quem l, l um texto paraalgum fim. As caractersticas desse texto e essa finalidade de leituranortearo a atividade globalmente, ativando, na nossa memria,conhecimentos prvios relevantes, que nos ajudaro a prever o quevir e a adotar estratgias de leitura adequadas a tais propsitos. Naescola, precisamos planejar situaes didticas, que levem os alunosa desenvolver estratgias de leitura diversificadas e conhecimentosapropriados para diferentes contextos de interao. Sobre tal questo,refletiremos a seguir.

    2 A leitura como objeto de ensino

    Coll e Martn (2004, p. 25), ao refletirem sobre o currculo escolar,defendem que Na educao bsica e obrigatria h uma duplafinalidade: formar futuros cidados e cidads e prepar-los paraprosseguir com sucesso sua formao posterior. Essa forma de

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    apresentar os objetivos gerais da Educao Bsica leva-nos, de fato,a refletir sobre os critrios que adotamos para escolher os contedosque sero objetos de ensino.

    O que ensinar, muitas vezes, no uma questo que se colocaentre profissionais da educao. Parece, para alguns, que as listagensde contedos so inegociveis, inquestionveis. No entanto, oponto de partida para nosso planejamento.

    Tomando essas duas dimenses citadas por Coll e Martn (2004),podemos afirmar que a leitura um dos eixos principais a ser priorizadono Ensino Fundamental. Ensinar a ler uma ao inclusiva, poispossibilita ao indivduo ter acesso a diferentes informaes e participarde eventos de letramento que ampliam sua participao na sociedade,ou seja, saber ler possibilita ao indivduo inserir-se em situaesdiversas prprias da nossa sociedade letrada em que o texto escrito usado para mediar as interaes. Colabora, portanto, para a construoda identidade cidad dos alunos.

    Por outro lado, a leitura indispensvel para o prprio processode escolarizao. As dificuldades de leitura provocam conseqnciasnegativas na aprendizagem de todas as outras reas de conhecimento,pois, na esfera cientfica, o texto escrito o principal instrumento decirculao do conhecimento.

    Desse modo, preciso ajudar os alunos a desenvolvercapacidades que possibilitem atender a diferentes finalidades deleitura, presentes na escola e fora dela. Um primeiro passo para isso fazer com que os alunos tomem conscincia sobre os diferentes modosde ler, relacionados aos diferentes propsitos de leitura na sociedade.Em relao a esse aspecto, Bernardin (2003) relata uma pesquisa emque realizou entrevistas com crianas de 5/6 anos de uma escolafrancesa, que atende a famlias de baixo poder aquisitivo. Dentre outrasperguntas, questionou as crianas Para que serve a escrita?. Muitosderam respostas tautolgicas (ler serve para aprender a ler, para ler) eoutros deram respostas vagas (serve para ler o livro). O autor percebeuque para um tero dos alunos interrogados, ler no parece ter muitosentido (p. 32). Diante desses dados, pergunta-se, ento: Deve-sever nisso os efeitos de uma concepo da escola apartada do mundo,

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    indiferente s prticas sociais de referncia, onde a escrita assumiriauma significao diferente? Ou a conseqncia da falta deoportunidades de se interrogar sobre os usos sociais, que sepressupem evidentes? (p. 32)

    Tendemos a achar que as crianas podem, por um lado, noarticular o que se aprende na escola com o que necessrio saberfora dela e, por outro lado, no terem parado para pensar sobre taltipo de questo, ou seja, elas podem, embora reconheam diversasprticas de leitura, no refletir que essas prticas implicam diferentesfinalidades para se ler. Essa conscincia pode ser um bom comeopara que a criana adote estratgias diversas a partir da reflexo sobreas finalidades que guiam a leitura. A seguir, abordaremos algumasdessas finalidades, sem que tenhamos a pretenso de esgot-las,refletindo sobre a importncia de contempl-las na escola.

    2.1 Ler para divertir-se, para relaxar, para apreciar

    s vezes sentava-me na rede, balanando-me com olivro aberto no colo, sem toc-lo, em xtase purssimo.No era mais uma menina com um livro: era umamulher com o seu amante

    (Clarice Lispector, 1987, p. 10).

    Ler por prazer o que nos faz leitores de fato, ou seja, o quenos impulsiona a buscar mais e mais textos, o que nos faz usufruir odireito de negar um texto, escolher outro texto, pedir sugestes, darsugestes.

    Na escola, parece, muitas vezes, haver certa desvinculao entreleitura e prazer. Na verdade, no defendemos que ler na escola sejasempre um ato de fruio. No entanto, fundamental que possa ser,tambm, deleite, para que essa instituio passe a constituir-se, defato, como um espao de formao de leitores.

    Silva (1995) afirma que, na escola, as experincias com a linguagemescrita tendem a ser marcadas por uma reproduo de significadosdesvinculados das experincias discursivas cotidianas dos alunos.O autor, repetidas vezes (SILVA: 1987, 1995 a, 1995b), alerta para o

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    fato de que, com freqncia, no espao escolar, dissemina-se a imagemdo leitor oculto, que deve ler determinadas obras e no outras, e anoo de que o que est registrado tem valor absoluto, verdadeiro eimutvel. Assim, desfaz-se a possibilidade de conduo de projetosde leiturizao em que o leitor seja encarado como um agente ativo deconstruo de sentidos.

    Para formar leitores, objetivo que vem sendo cada vez maisverbalizado no meio educacional, ser necessrio enfrentar taisprticas e reconstruir as concepes sobre texto e sobre leitura.

    Em primeiro lugar, ser preciso reintegrar as preocupaes como ensino das estratgias de leitura e as preocupaes com a formaodo leitor. Observa-se, com freqncia, professores que investemdemasiadamente nas atividades de domnio das estratgias de leiturae de fluncia de leitura, mas que no se preocupam com o acesso leitura como prazer. Por outro lado, h professores que tentampossibilitar o contato dos alunos com bons materiais escritos, masque no organizam uma ao sistematizada para ajud-los adesenvolver as estratgias de leitura.

    Tal conjugao essencial, pois, como salienta Kleiman (1998, p.16),ningum gosta de fazer aquilo que difcil demais, nem aquilo do qualno consegue extrair o sentido. Essa uma questo pertinente para serpensada pelos professores. Para muitos alunos, ler difcil demais.

    Assim, torna-se essencial ajudar o aluno a desenvolver aautonomia na leitura, possibilitando o acesso a textos interessantespara ele. Esse intento vem sendo perseguido por outros segmentosda comunidade de educadores. Perguntamos sempre o que podemosfazer para que os jovens gostem de ler e os motivos que afastamtantas pessoas dos livros.

    Em um estudo realizado por Gouveia e Leal (2001), realizado emuma escola municipal de Olinda (PE), buscou-se investigar as prticasde leitura na biblioteca escolar. Pretendia - se, a partir da escuta sobreo que dizem os alunos, verificar o quanto a escola, como instituiocultural, intervm nas prticas de leitura dos estudantes,considerando-se que, para a viabilizao do projeto de formao doleitor, imprescindvel compreender os motivos que levam um jovemestudante a gostar ou no gostar de ler.

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    Foram entrevistados 40 estudantes da 5 e 6 sries do EnsinoFundamental. A seleo dos alunos foi feita atravs do dirio de fre-qncia da biblioteca escolar. Metade dos alunos tinha alta freqnciade utilizao da biblioteca e metade, baixa freqncia. Dentre outras per-guntas, indagou-se sobre se eles gostavam de ler, porque gostavam ouno de ler e o que eles gostavam de ler. Desse total de alunos, 60%disseram que gostavam de ler. No entanto, quando conversaram sobreporque gostavam de ler, a maioria (50%) disse que era para aprender mais.Na verdade, eles apontaram motivos ligados aprendizagem escolar.

    Quando eram analisadas as respostas que explicitavam motivosligados leitura por puro deleite (gosto de sonhar, gosto de imagi-nar, gosto de me divertir), 25% dos alunos que pertenciam ao grupocom alta freqncia biblioteca explicitavam tais motivos e apenas 5%dos que freqentavam pouco a biblioteca o faziam. Uma das crianas(5a srie) que apontou motivos ligados ao deleite conseguiu expressara possibilidade de ingresso ao mundo da literatura quando disse: ashistria de fada me alegra, tem horas que desejo ser fada e outra horaquero ser bruxa. Infelizmente, a descoberta ou a conquista dessa ca-pacidade de sonhar no parece ser to simples, dado que apenas 15%dos alunos demonstraram, em suas falas, que buscavam, atravs daleitura, exercer tal direito. Parece que a funo de aprendizagem atravsda leitura, que tambm importante, sempre a mais privilegiada.

    Muito freqentemente, os alunos diziam que no gostavam deler, s gostavam de gibis, ou revistas, dentre outros.... Esses jovens,quando davam essa resposta, traziam a concepo de que o bomleitor aquele que l o que a escola diz que bom. possvel, pois,que tais concepes de leitura atuem como bloqueios para a leituralivre. Quando foram questionados sobre se gostavam de ir para abiblioteca, os alunos disseram que s quando iam para ler o quequisessem: ler assuntos interessantes, ler literatura, romance..., noprecisar fazer pesquisa....

    Assim, verificamos que existe um espao aberto a ser ocupado,desde que saibamos como conduzir os alunos, suprindo asnecessidades e desejos. Dessa forma, essencial saber o qu osalunos lem na biblioteca e fora da escola e o que gostariam de ler.

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    Uma das perguntas feitas aos alunos foi: Qual o tipo de texto(de leitura) que voc gostaria que fosse oferecido na biblioteca? Ostemas freqentemente citados foram: textos sobre adolescncia,romances, revistas sobre temas variados, cincias e animais e gibis.

    Parece, portanto, que, mais do que uma simples rejeio ao atode ler, como supunham as pessoas em geral, e os professores, emparticular, existe um complicado conjunto de representaes eexpectativas sobre os espaos escolares que impedem tais alunos defreqentarem a biblioteca e de participarem de eventos de leitura, emgeral, promovidos nessa instituio.

    O importante investigar como os alunos que freqentam asbibliotecas conquistaram esse direito e tentar dissuadir os demais aparticiparem tambm dos eventos que podem ser propiciados nabiblioteca ou em outras instancias escolares. Diante de algumasrespostas apresentadas pelos adolescentes, principalmente os que jincorporaram a prtica de freqentarem a biblioteca, vem-sedepoimentos que evidenciam a paixo pela leitura.

    So palavras suaves que ficam guardadas na memria (6a

    srie, relembrando as Poesias de Carlos Drumond);

    Um dia eu li um romance, gostei bastante, passei muito tempocom a histria na minha mente (6a srie);

    Quando leio alguma histria, a gente fica pensando semprena histria, querendo fazer parte tambm (5a srie);

    Sem compromisso, posso brincar com o jogo da leitura (5a srie);Momento de prazer quando a gente l histria e no sentevontade de ir para casa (5a srie).

    Embora esses emocionantes depoimentos representem o quanto possvel formar jovens leitores, os dados revelaram que essaconquista parece ser resultante muito mais de fatos isolados ou dedescobertas individuais do que propriamente das aes da escolapara essa formao na instituio.

    Na verdade, as representaes sobre leitura, especialmente naescola, e, mais especificamente entre jovens de baixa renda, afastamos alunos de qualquer proposta que envolva a interao social atravs

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    do texto escrito. Podemos salientar que entender esse jogo de repre-sentaes acerca da leitura e do objeto escrita indispensvel paraatuar nesse processo de, atravs da linguagem, interferir nessa cons-tituio do sujeito leitor. A reside nosso desafio. O que fazer para queas prticas leitoras dos alunos sejam reconhecidas e integradas aocotidiano da escola? O que fazer para que os jovens assumam seusdireitos de serem leitores autnomos e vejam a leitura no como umatarefa meramente escolar e sim como uma atividade ldica e social?

    Para avanarmos nesse sentido, precisamos, a partir de algunsdos indcios apontados, promover situaes em que o texto sejaoferecido ao alunos como um presente, como um objeto de prazer,como fonte de deleite. Para tal, torna-se necessrio definir princpiosbsicos da ao educativa, tais como o de variar os textos a seremlidos, deixando os jovens livres para recusarem o que no quiseremler; possibilitar o acesso a diferentes materiais de leitura, buscandoapreender as preferncias do grupo; planejar situaes de leituracoletiva e atividades ldicas a partir das leituras; reconhecer asatividades de leitura como interao interpessoal em que os jovenspodem lanar mo de seus conhecimentos prvios, seus sonhos,desejos, intenes e interagir com os demais para discutir sobre sualeitura de mundo, pois, como diz Paulo Freire (1976), a leitura do mundoprecede a leitura da palavra.

    2.2 Ler para receber mensagens de outras pessoas

    Interagir por meio de textos escritos o fundamento bsico daleitura. Quando lemos, resgatamos e atribumos sentido ao que outroindivduo (ou ns mesmos, em outro momento) quis transmitir. Assimcomo conversamos usando a fala, podemos dialogar atravs da escrita.As cartas, os convites, os e-mails, os anncios, as propagandas soescritos para causar efeitos nos que lem. Ns lemos esses materiais paraapreendermos o que eles querem nos dizer, para interagir atravs deles.

    Na escola, esses materiais podem ser abundantes e freqentes.As cartinhas de amor que recebemos dos alunos mostram o quantoessa finalidade pode ser mobilizada na escola. Nesses casos, os alunosquerem realmente expressar seus sentimentos e fazem isso atravs da

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    escrita. fundamental, portanto, que procuremos, de fato, promoversituaes em que as cartas e outros textos usados com finalidadesrelacionadas ao dilogo entre pessoas apaream em situaessignificativas de interlocuo.

    As cartas redao, por exemplo, so timos exemplos demateriais que podem suscitar excelentes trabalhos em sala de aula.Vieira de Melo (1999), em sua pesquisa, nos revela que:

    Atravs das cartas redao, os leitores comuns podemparticipar do debate pblico, podem fazer ouvir, opinarsobre o que est acontecendo nas diferentes esferas sociais,podem tomar parte nas discusses de carter poltico, eco-nmico e social que esto em foco. A carta redao trans-forma-se, portanto, num espao de discusso, de embate deopinies. Nas cartas, os leitores defendem idias, doutri-nas, crenas, ou seja, posicionam-se publicamente comosujeitos. (p.22)

    Cabral, Nunes e Leal (2005) relatam uma experincia com cartas redao, que exemplifica o quanto a finalidade para a escrita e leitura importante nesses casos. O trabalho relatado constou da anlise daaplicao de uma seqncia didtica pela professora Solange Alvesde Oliveira. Os 25 alunos da 4 srie da Escola Municipal (CludioAgrcio), em Jaboato dos Guararapes PE, discutiram, em nove aulas,sobre o tema meninos de rua. A professora comeou a seqnciaexplorando, com os alunos, um jornal e, depois, localizou com elesonde estavam as cartas redao. Os alunos discutiram sobre asfinalidades dessas cartas, e ela conversou sobre suas caractersticas.Nas outras aulas, a professora lia reportagens e notcias sobre o temae depois analisava com eles cartas redao que tratavam sobre omesmo tema e faziam referncias s reportagens lidas em sala. Assim,os alunos comearam a entender, de fato, o que motiva as pessoas aescreverem para os jornais. Perceberam que, por meio das cartas redao, as pessoas participavam do debate sobre o tema, expondoseus pontos de vista, concordando ou discordando dos autores dostextos lidos. Passaram, ento, a escrever tambm para o jornal a fim departicipar da discusso. Nesse caso, as crianas liam e escreviam

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    para dialogar sobre um tema relevante na vida delas. Assim, a finali-dade de interao pela linguagem fazia-se presente de modo vivo.

    2.3 Ler para orientar-se como realizar atividades diversas

    Dentre os motivos que nos levam a ler, est o de procurarorientaes sobre como fazer coisas (uma comida, um brinquedo desucata, participar de um concurso, dentre outras). Essas finalidadesgeralmente so atreladas busca de textos injuntivos. Val e Barros(2003, p. 135-136) explicam-nos que esses textos se caracterizam,

    por organizar informaes e instrues ou ordens com afinalidade de orientar determinado comportamento dointerlocutor. Tambm chamado de instrucional, esse tipo detexto se manifesta, por exemplo, nos gneros regras de jogo,receitas culinrias, regulamentos, instrues de uso demquinas e aparelhos eletrodomsticos, entre outros.

    Muitos exemplos de situaes em que lemos textos com essasfinalidades podem ser discutidos. Na escola, esses textos tambm sefazem presentes. No entanto, importante que busquemos refletirsobre os modos como so lidos. Se prestarmos ateno s estratgiasde leitura que usamos para ler uma receita culinria, por exemplo,veremos que, geralmente, a gente d uma olhada geral nosingredientes, para verificar se dispomos do material e a a gente vaiexecutando a receita e consultando o texto para verificar quais passossero dados a seguir. Do mesmo modo, lemos instrues de montagemde um eletrodomstico, por exemplo.

    Um aspecto que podemos destacar aqui que a localizao deinformaes uma estratgia muito importante nesse tipo de situao.Para leitura de um regulamento sobre como participar de um concurso,por exemplo, muitas vezes, no lemos o texto todo: vamos em buscados requisitos para participar e das orientaes para inscries.Voltamos a esse texto quando temos novas dvidas.

    Estamos, assim, destacando o quanto as finalidades de leituraimpem que determinadas estratgias sejam mais recorrentes. Naescola, precisamos estar atentos a essa questo. Fazer uma receita

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    para depois ler pode no ser a melhor estratgia didtica para ensinara ler essa espcie de texto, embora seja muito freqente na escola. Leruma receita que j sabemos como preparar os alimentos tambm noparece razovel. Os procedimentos didticos, portanto, precisam serpensados em funo do que fazemos com os textos fora da escola.

    2.4 Ler para informar-se

    A leitura uma fonte que nunca pra e as pessoas precisamsempre estar abastecendo (aluna de 6a srie de uma EscolaMunicipal de Olinda-PE).

    Agregar conhecimentos pode ser considerado como umafinalidade que pode estar presente em qualquer uma das outrassituaes descritas neste artigo. Queremos aprender atravs dostextos que lemos: aprender sobre ns mesmos e sobre os outros,aprender sobre a natureza, aprender sobre a sociedade, sobre omundo. Somos seres pensantes e curiosos!

    Mesmo que consideremos que, em qualquer situao, a buscapor informaes pode estar presente, no podemos deixar de ressaltarque h alguns textos e algumas prticas de leitura que esto maisintimamente motivadas pela busca de conhecimentos. Os jornais, asrevistas, os livros e peridicos cientficos, por exemplo, so suportesusados predominantemente para a construo de conhecimentos.

    Na escola, aliar a leitura de textos desses suportes a esses tiposde finalidades uma boa estratgia didtica de levar os alunos a aprendera selecionar, organizar, articular e comparar informaes de um ou maistextos. Ler para estudar tambm uma finalidade importante dentro efora da escola. Saber estudar, desenvolver modos de acessar o textopara compreender sobre um tema, para guardar informaes na memria, tambm, uma finalidade legtima, que pode ajudar o aluno a progredirna escola, a dar continuidade ao seu processo de escolarizao.

    Por outro lado, podemos, tambm, estimular a prtica de leiturade jornais, realizando, em algum momento de nosso planejamento,atividades de socializao de notcias lidas. Deixar que os alunosselecionem textos para ler para o grupo e levar textos sobre temas

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    atuais para ler para eles e solicitar a opinio deles sobre a matria uma boa maneira de mostrar para eles que, no dia-a-dia, fora da escola,essa finalidade tambm est presente entre as pessoas.

    2.5 Ler para escrever

    A busca de informaes tambm necessria para o trabalho deescrita: preciso ter o que dizer. Zayas e Esteve (2004, p. 103) salientam que:

    Com efeito, a capacidade de planejar os contedos de umtexto relaciona-se com a capacidade de selecionar a informaorelevante de outros textos. Isso o que acontece quando,para compor um texto, busca-se informao em outros.(ZAYAS; ESTEVE, 2004, p. 103)

    Assim, na escola, os alunos precisam aprender que escrever umtexto no copiar outro texto, como, s vezes, acontece com ostrabalhos solicitados pelos professores. necessrio no aceitar queos alunos adotem essa postura. preciso mostrar que buscar fontesde conhecimentos em outros textos no nos autoriza a copiar essesoutros textos sem resguardar a autoria deles. , portanto, nossaobrigao ajudar os alunos a ler para escrever de modo crtico,verdadeiro e honesto.

    Os projetos didticos em que os alunos participam de feiras deconhecimento ou escrevem livretos sobre temas especficos soexcelentes oportunidades para que os alunos desenvolvam estratgiasde apreender o sentido global de um texto, a selecionar as informaesrelevantes para os seus propsitos, a organizar essas informaes,elaborando esquemas ou resumos, e, a partir da, escrever os textos aserem apresentados.

    Por outro lado, a leitura tambm importante para a prpriaescritura do texto, no que se refere ao processo de reviso. Quandoescrevemos, somos os primeiros leitores de nossos textos. Sautchuk(2003), em um estudo sobre produo de textos, mostra que o sentidode um texto construdo pela pessoa que escreve o texto, tentandodar as pistas para que o outro o compreenda, e pelo leitor, que, usandoseus conhecimentos prvios e suas capacidades, reconstri os

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    sentidos, muitas vezes, alterando o que era inteno do autor. Nessadiscusso, Sautchuk acrescenta que, entre esses dois interlocutores,aparece uma outra entidade, que o leitor interno. Ns mesmos,quando estamos escrevendo, lemos o que est sendo elaborado,assumindo as representaes que supomos serem do leitor externo,ou seja, ns lemos nosso texto como se fssemos o leitor para o qualo texto se destina.

    Essa atividade de ler para revisar precisa ser aprendida, poisexige de quem l um olhar atento ao contedo e forma textual. Preci-samos ler, segmentando o texto em partes (pargrafos, perodos, ora-es) e, ao mesmo tempo, avaliando se a organizao seqencial estbem estruturada. So, portanto, capacidades especficas que podemser aprendidas na escola.

    2.6 Ler para aprender a ler

    Por fim, no podemos esquecer que, na escola, tambm lemospara aprender a ler. Sabemos, obviamente, que quando lemos com asfinalidades j descritas, estamos aprendendo a ler, estamos desen-volvendo estratgias de leitura. No entanto, um trabalho sistemticode ensino da leitura pode ser imprescindvel para avaliar que capaci-dades os alunos j desenvolveram e o que ainda no conseguiramdesenvolver. Assim, planejamos situaes de leitura com finalidadesdiversas e, ao mesmo tempo, propomos atividades para dar conta dedesenvolver as capacidades que perpassam todas essas finalidades.

    Essa conscincia por parte do professor fundamental para queele, ao mesmo tempo, diversifique as finalidades de leitura paraaproximar os alunos das diferentes esferas sociais de interlocuo eproponha atividades que ajudem a desenvolver as estratgias deleitura, necessrias ao prprio processo de escolarizao e de acessoaos textos diversos. Batista (2004, p. 20) atenta que:

    Parafrase