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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 619 PRÁTICAS DE GEOCONSERVAÇÃO: UMA TROCA DE EXPERIÊNCIAS ENTRE BRASIL E PORTUGAL Vinícius Archanjo Ferraz¹ Laura Cristina Dias² Lineo Gaspar Júnior ³ [email protected]¹; [email protected]²; lineo.gaspar@unifal- mg.edu.br ³ Universidade Federal de Alfenas¹'³, Universidade Estadual Paulista² Bolsista CAPES² RESUMO Geodiversidade e geoconservação são conceitos recentes e pouco difundidos, porém de grande importância para o estudo das Geociências e da evolução do nosso planeta. O presente trabalho vem levantar as dificuldades encontradas dentro da legislação brasileira em relação à proteção do patrimônio geológico frente às ameaças pelas atividades antrópicas. Tais instrumentos jurídicos permitem o enquadramento da geodiversidade em algumas categorias legislativas, mas não abordam de maneira direta e objetiva a proteção do patrimônio geológico o que dificulta ações que visam a sua conservação. Num segundo cenário é levantada a mobilização do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional ao propor ações para proteção de uma das suas áreas, de acordo com as estratégias de proteção previstas na legislação portuguesa. Assim, podemos estabelecer um paralelo entre as estratégias de geoconservação de Portugal e Brasil, mostrando como cada país lida com as dificuldades jurídicas em relação ao assunto, a fim de divulgar as iniciativas internacionais e a troca de experiências, difundindo tais práticas e conceitos. Palavras-Chave: Geoconservação; Geodiversidade; Legislação Ambiental ABSTRACT

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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014

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PRÁTICAS DE GEOCONSERVAÇÃO: UMA TROCA DE

EXPERIÊNCIAS ENTRE BRASIL E PORTUGAL

Vinícius Archanjo Ferraz¹ Laura Cristina Dias²

Lineo Gaspar Júnior ³

[email protected]¹; [email protected]²; lineo.gaspar@unifal-

mg.edu.br ³

Universidade Federal de Alfenas¹'³, Universidade Estadual Paulista²

Bolsista CAPES²

RESUMO

Geodiversidade e geoconservação são conceitos recentes e pouco difundidos, porém

de grande importância para o estudo das Geociências e da evolução do nosso

planeta. O presente trabalho vem levantar as dificuldades encontradas dentro da

legislação brasileira em relação à proteção do patrimônio geológico frente às ameaças

pelas atividades antrópicas. Tais instrumentos jurídicos permitem o enquadramento da

geodiversidade em algumas categorias legislativas, mas não abordam de maneira

direta e objetiva a proteção do patrimônio geológico o que dificulta ações que visam a

sua conservação. Num segundo cenário é levantada a mobilização do Geopark

Naturtejo da Meseta Meridional ao propor ações para proteção de uma das suas

áreas, de acordo com as estratégias de proteção previstas na legislação portuguesa.

Assim, podemos estabelecer um paralelo entre as estratégias de geoconservação de

Portugal e Brasil, mostrando como cada país lida com as dificuldades jurídicas em

relação ao assunto, a fim de divulgar as iniciativas internacionais e a troca de

experiências, difundindo tais práticas e conceitos.

Palavras-Chave: Geoconservação; Geodiversidade; Legislação Ambiental

ABSTRACT

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Geodiversity and Geoconservation are recent concepts and a bit diffused, but with great

importance to for study of Geosciences and for evolution of our planet. The present work comes

up the difficulties encountered within the Brazilian legislation regarding the protection of

geological heritage threats by anthropogenic activities. Such legal instruments allow the framing

of geodiversity in some categories, however this approach is not direct and objetive when it

concerns to geological heritage protection. That difficults actions aimed to their conservation . A

second scenario is lifted to mobilization of Geopark Naturtejo da Meseta Meridional when it

proposes protection action in some of their areas according to strategies and laws by

Portuguese legislation. Thus, we can establish a parallel between the strategies of

geoconservation of Portugal and Brazil, showing how each country deals with legal difficulties in

relation to the subject, in order to promote international initiatives and exchange of experiences,

spreading these practices and concepts.

Key – Words: Geoconservation; Geodiversity; Environmental Legislation

INTRODUÇÃO

Atualmente, um assunto que vem ganhando cada vez mais espaço e promovendo

discussões diversas, é a conservação do patrimônio geológico através da criação de

Geoparques. As primeiras discussões, em âmbito internacional, sobre a conservação

e preservação do patrimônio geológico, tem início no I e II Simpósio Internacional

sobre Proteção do Patrimônio Geológico, dos quais culminaram na criação de

programas voltados para geoconsevação. Dentre os programas destaca-se o World

Heritage (Geosites), da UNESCO, com o objetivo de listar sítios geológicos de

interesse histórico mundial e a Rede Europeia de Geoparques, em 2000. No ano de

2004, a UNESCO passa a apoiar a Rede Internacional de Geoparques, que tem como

a finalidade de fomentar o geoturismo, preservar a história da Terra através da

geoconservação, promover a educação ambiental e o desenvolvimento sustentável

dos municípios englobados nos limites do geoparque.

A denominação Geoparque é conferida a áreas que atendem a uma série de diretrizes

estabelecidas no Operation and Guideline for Geoparque seeking UNESCO’s

Assistence, pela mesma instituição, e que apresentem, dentre outros requisitos, valor

ímpar quanto à sua relevância geológica, principalmente. Para região que apresente

tais atributos, e na qual se pretende a criação de um geoparque, é elaborado um

dossiê de candidatura conforme orientações pré-estabelecidas e enviada para

avaliação pela UNESCO. Caso o dossiê seja deferido, a região é tombada como

Patrimônio Mundial, recebendo o selo “Geoparque”.

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Para candidatura, são delimitados os chamados Geossítios, que são lugares de

interesse para o estudo da geologia, e que apresentam particularidades quanto sua

morfologia, estratigrafia, composição petrográfica ou mineralógica, dotada de

notoriedade científica, didática ou turística. De acordo com a UNESCO (2010), um

geoparque deve contribuir para a conservação de importantes características

geológicas, como rochas representativas e em exposição in situ, minerais e recursos

minerais, fósseis, formas e paisagens, todos estes protegidos em conformidade com a

legislação ou regulamentação nacional.

Dentro desta lógica, a legislação é de incontestável importância para garantir a

conservação dos geossítios, uma vez que o geoparque em si não se enquadra como

uma figura de proteção classificada em lei. Além disso, dentro do ordenamento jurídico

brasileiro não encontramos instrumentos legais direcionados especificamente para a

questão da preservação do patrimônio geológico, ou uma legislação que aborde e

ampare áreas de preservação voltadas para criação de geoparques.

Em contrapartida, temos bons exemplos mundiais de conservação da geodiversidade

e do patrimônio geológico, partindo de iniciativas dos geoparques. O Geopark

Naturtejo da Meseta Meridional – Portugal, buscou juntamente com associações

locais, amparo dentro da legislação portuguesa para proteger de maneira efetiva áreas

mais relevantes dentro do território do geoparque. É o caso da região das Portas do

Almourão, que está em processo de classificação perante a lei como Parque Natural

Regional. Este processo serve como exemplo de mais uma função que os geoparques

têm assumido, de consultores ambientais do território, apontando áreas a serem

preservadas sob o abrigo da lei.

OBJETIVOS

O reconhecimento de uma área natural e culturalmente interessante em dado território

é fundamental para a sua valorização. Em alguns casos, uma dada região diferenciada

pelos seus variados atributos pode assumir caráter patrimonial devido à importância

dos elementos existentes. O que entra em questão neste ponto, é a necessidade de

salvaguardar os fatores considerados como patrimônios, frente às vulnerabilidades as

quais possam estar expostos. A destruição de diversos patrimônios, fez com que as

autoridades passassem a criar instrumentos em lei para assegurar a preservação dos

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bens patrimoniais, assim também, os variados tratados internacionais preocuparam-se

em defender os mais importantes representantes mundiais da cultura e da natureza.

A criação de geoparques e todo o processo de candidatura perante a UNESCO, visa

proteger, conservar e divulgar elementos importantes da geodiversidade, incluindo em

especial os atributos que já recebem o título de patrimônio geológico. Entretanto, essa

prática não assegura a proteção legal do território e muito menos dos geossítios com

mais valores patrimoniais associados, cabe assim encontrar brechas na legislação que

favoreçam a conservação efetiva destes locais.

O presente trabalho pretende analisar leis que possam contribuir para a proteção dos

patrimônios geológicos brasileiros que ultrapassam as práticas geoconservacionistas

dos geoparques. Assim também se apresenta o exemplo da iniciativa portuguesa do

Geopark Naturtejo da Meseta Meridional ao propor a classificação da região das

Portas do Almourão como Parque Natural Regional.

METODOLOGIA

A realização deste trabalho consistiu de algumas etapas partindo de análises de

informações e dados, que partiram do problema identificado pela falta de legislações

específicas direcionadas à proteção do patrimônio geológico brasileiro, e a

consequente percepção de um exemplo estrangeiro ao encontrarem uma estratégia de

conservar o patrimônio a partir de iniciativa de um geoparque.

Desta forma, o trabalho seguiu as seguintes ações:

1- Levantamento bibliográfico, buscando todas as informações voltadas aos

temas;

2- Análise da legislação brasileira e do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de

Conservação);

3- Análise de informações do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional, bem como

conversas e orientações sobre a proposta de classificação do Parque Natural

Regional do Almourão;

4- Confecção do presente trabalho.

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REFERÊNCIAL TEÓRICO

A Rede Global de Geoparques (Global Geoparks Networks) foi criada em 2004, e

atualmente possui um total de 100 geoparques tombados como Patrimônio Mundial e

distribuídos em 30 países, sendo que a maioria está localizada apenas na Europa.

Este fato se deve à criação da Rede Europeia de Geoparques (European Geoparks

Network) em 2000, anteriormente ao Programa Geoparques da UNESCO, a qual

propõe desde então, a cooperação na proteção do patrimônio geológico e promoção

do desenvolvimento sustentável. Para a UNESCO, geoparque é:

"um território de limites bem definidos com uma área

suficientemente grande para servir de apoio

ao desenvolvimento sócio econômico local". Deve abranger

um determinado número de sítios geológicos de relevo ou um

mosaico de entidades geológicas de especial

importância científica, raridade e beleza, que seja

representativa de uma região e da sua história geológica,

eventos e processos. Poderá possuir não só significado

geológico, mas também ao nível da ecologia, arqueologia,

história e cultura.”

O primeiro geoparque da América devidamente formalizado pela UNESCO, situa-se

no Brasil e foi criado em 2006: Geoparque do Araripe, no Ceará. Entretanto, o Projeto

Geparques da CPRM apresenta outras 31 propostas de potenciais geoparques a

serem criados no Brasil, nas diversas áreas do país e abrangendo toda a diversidade

geológica existente no território nacional.

O Patrimônio Geológico é a integração de todos os elementos notáveis que constituem

a geodiversidade: Patrimônio Paleontológico, Patrimônio Mineralógico, Patrimônio

Geomorfológico, Patrimônio Petrológico, Patrimônio Hidrogeológico, entre outros

(Brilha, 2005).

Os principais aspectos que um geoparque deve apresentar são suas características

geológicas únicas no mundo. As áreas onde estas particularidades físicas são

encontradas são listadas como geossítios e incorporadas ao dossiê de candidatura

que é submetido para avaliação. De acordo com Brilha (2005) geossítios são a

ocorrência de um ou mais elementos da geodiversidade, bem delimitados

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geograficamente e que apresentem valor singular do ponto de vista científico,

pedagógico, cultural, turístico ou outro. Pode-se definir geossítio ainda, como locais

chaves para o entendimento da história da Terra e da vida (Schobbenhaus et. al.,

2012) e por isso devem ser preservados para as gerações futuras.

No Brasil, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) cria em 1997 a

Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleontológicos (SIGEP), que é

responsável pelo inventário de diversos sítios geológicos e paleontológicos no país. O

objetivo desta comissão era listar os geossítios do Brasil para o inventário de

geossítios de âmbito mundial, a Global Indicative List of Geological Sites (GILGES)

que atualmente encontra-se desativada. A SIGEP continua em atividade, porém, os

geossítios listados ou a inserção destes na lista do Patrimônio Mundial Natural da

UNESCO, não garantem por si só a proteção efetiva dos mesmos (Pereira e.t al.,

2009). É necessário, portanto, a criação de unidades de proteção para tais geossítios

a fim de assegurar sua conservação. A vulnerabilidade do patrimônio geológico deve-

se às diversas atividades humanas, como implantação de estruturas rodoviárias,

atividade mineraria e ocupação desordenada de áreas litorâneas (Costa1987, apud

Azevedo 2009).

Se por um lado busca-se a conservação dos sítios geológicos, por outro, temos as

diversas formas de uso e ocupação do território que exploram economicamente os

recursos minerais: exploração minerária, empreendimentos imobiliários, rodovias, etc.

Estas são atividades necessárias para o desenvolvimento do homem como sociedade,

a mineração, por exemplo, é amparada, permitidas e defendidas pela legislação

brasileira, por ser de utilidade pública e interesse social, ou seja, necessária para o

desenvolvimento e crescimento econômico da sociedade, de acordo com o CONAMA,

pela Resolução n° 369/2006, 28 de março de 2006. Da mesma maneira, os lugares de

interesse geológico necessitam também de um amparo legal para garantir sua

proteção, sendo esta ainda deficiente dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Sendo assim, a extração dos recursos minerais, e outras atividades antrópicas tornam-

se um impasse. Conforme aborda ASSUMPÇÃO (et al, 2009), a legislação brasileira

toma a riqueza geológica como um bem ambiental e um recurso mineral de valor

econômico, conferindo uma insegurança jurídica quanto à proteção do patrimônio

geológico, o que por outro lado é incompatível com os valores da UNESCO.

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Dessa maneira, faz-se de grande importância o conhecimento de desenvolvimento

sustentável, abordado de acordo com Seiffert (2007) como a ‘’utilização dos recursos

naturais sem o comprometimento da capacidade das gerações futuras de atenderem

às suas necessidades’’. Sendo assim, estariam unidas a recuperação das áreas

degradadas e a continuidade das atividades do homem, de forma a manter um

equilíbrio entre crescimento socioeconômico e meio ambiente.

Buscar o desenvolvimento sustentável é um dos princípios da UNESCO, assim como

o princípio de cooperação, onde deve haver empenho comum entre instituições

públicas, instituições privadas, instituições de ensino e comunidade, para a criação de

geoparques. Sendo assim, os proprietários de áreas de mineração devem buscar pelo

desenvolvimento sustentável em comum acordo com outras instituições para então

consolidar e sustentar uma área que preze pela geoconservação.

O conceito de geoconcervação se resume de acordo com Sharples (2002, apud Brilha,

2005): “A geoconcervação tem como objetivo a preservação da diversidade natural (ou

geodiversidade) de significativos aspectos e processos geológicos (substrato),

geomorfológicos (formas de paisagem) e de solo, mantendo a evolução natural

(intensidade e velocidade) destes aspectos e processos”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No Brasil, podemos encontrar alguns instrumentos onde a proteção da geodiversidade

pode ser enquadrada. De acordo com (VILAS BOAS, 2012), as políticas de

conservação da geodiversidade estão baseadas em 4 documentos fundamentais: as

Áreas de Preservação Permanente; Áreas de Tombamento (Decreto 25 de 1937);

Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC - (Lei 9985, 18 de julho de

2000) e Decreto – Lei que dispõe da proteção dos depósitos fossilíferos (Decreto – Lei

4146 de 1942).

Destacam-se as Unidades de Conservação apesar de centralizar em sua maioria na

proteção dos elementos bióticos da natureza, deixando os aspectos abióticos em

segundo plano. PEREIRA (et. al 2008), sugerem o enquadramento da geodiversidade

em 7 das 12 categorias do SNUC, a fim de assegurar sua proteção. Dentro das

Unidades de Proteção Integral, aparecem o Parque Nacional que abordam de um

modo geral a preservação dos ecossistemas de relevância ecológica e beleza cênica,

além de compatibilizar a prática de educação ambiental, recreação e turismo; e

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Monumento Natural, com o objetivo de preservar os sítios naturais raros ou singulares,

sendo este o melhor enquadramento da geodiversidade. Dentro das Unidades de Uso

Sustentável, temos as Áreas de Proteção Ambiental que abordam os atributos

abióticos como importantes elementos a serem protegidos; as Áreas de Relevante

Interesse Ecológico onde são citadas as áreas com características naturais singulares;

as Reservas Extrativistas, que pode ser aplicada á regiões que façam uso sustentável

dos recursos da geodiversidade; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável

semelhante à anterior; e a Reserva Particular do Patrimônio Natural aplicável às áreas

particulares onde se pode manter uso sustentável da natureza, como a recreação

turística e pesquisa científica.

Mesmo com os instrumentos atuais disponíveis, é de comum senso que o patrimônio

geológico brasileiro necessita de um olhar mais atento no que tange à

geoconservação. Com base nos exemplos de enquadramentos citados, não temos

legislação objetiva e especifica que garanta segurança jurídica ao patrimônio

geológico, uma vez que, por outro lado, temos uma gama de atividades antrópicas que

necessitam de espaços e recursos naturais que competem com a geodiversidade.

Ao tomar como exemplo a iniciativa do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional,

analisamos a proposta da classificação de determinada área dentro do território do

geoparque, indicada como Parque Natural Regional do Almourão, sob o abrigo do

Decreto-Lei n.º 142/2008 de 24 de Julho, a qual institui as categorias de áreas

protegidas para o território português. As áreas classificadas são automaticamente

associadas à Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP). Para melhor ilustrar a ação

do Geopark Naturtejo como consultor ambiental do território, ou seja, indicando e

propondo uma área considerada importante, objetivando a conservação desta ao

abrigo da legislação portuguesa, veremos mais a fundo como se deu esta proposta.

A figura de classificação considerada mais adequada para a região é a de Parque

Natural Regional, pois se entende esta categoria de acordo com o referido diploma,

como “... uma área que contenha predominantemente ecossistemas naturais ou

seminaturais, onde a preservação da biodiversidade em longo prazo possa depender

de atividade humana, assegurando um fluxo sustentável de produtos naturais e de

serviços...” (DL nº 142/2008 de 24 de Julho, art. 17º); a esta definição poderia

acrescentar-se também a preservação da geodiversidade muito representativa na

região em estudo, além disso, é estampada neste conceito a preservação dos laços

entre homem e a natureza, valorizando os aspectos naturais e culturais,

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correspondente à relação existente na região proposta. Ainda sob o diploma, os

objetivos propostos vão de encontro com o que se pretende nesta proposta de

classificação, considerando que esta unidade de área protegida visa, segundo o

Decreto “...a protecção dos valores naturais existentes, contribuindo para o

desenvolvimento regional e nacional...” (DL nº 142/2008 de 24 de Julho, art. 17º).

No que diz respeito à categoria de Parque Natural, esta lei define a preservação de

ecossistemas naturais ou semi naturais visando a proteção dos valores naturais ali

existentes. A legislação ainda se preocupa em associar essa categoria com os usos

humanos, buscando alternativas para o desenvolvimento sustentável, citando

atividades como as de lazer e recreação.

A área proposta ao Parque Natural Regional do Almourão, localiza-se entre os

municípios de Vila Velha do Ródão e Proença-a-Nova, ambos pertencentes ao distrito

de Castelo Branco, região central de Portugal continental (Figura 1). A região é ainda

cortada pelo Rio Ocreza um importante afluente na margem direita do Rio Tejo, e

neste percurso do Ocreza localiza-se um dos geossítios mais importantes da área que

é a garganta epigênica formada pela erosão deste rio nas cristas quartzíticias, as

Portas do Almourão, que dá nome à proposta do Parque Natural.

Figura 1: Mapa de Enquadramento do Geopark Naturtejo. (modificado de Lobarinhas,

2010).

A região indicada para a classificação como Parque Natural Regional localiza-se,

geologicamente, no bordo SW da Zona Centro Ibérica (ZCI), inserida na

morfoestrutura da Península Ibérica. As unidades litológicas que compõe a região em

estudo, apresentam rochas e estruturas geológicas com idades desde o Proterozóico

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Superior a Cambriano, até ao Ordoviciano Médio e Superior, afetadas pela Orogenia

Hercínica (EDP, 2009). Apesar de uma zona fisicamente restrita, mostra uma grande

variedade de elementos e registros de processos geológicos. Esta rica geodiversidade

composta por rochas (magmáticas, metamórficas e sedimentares), estruturas

tectônicas (dobras, falhas), fósseis, geoformas, modelagens do relevo, entre outros

aspectos impressos na paisagem, recontam uma longa história da evolução geológica

na Terra.

A geologia do local é constituída basicamente por três unidades geológicas

representativas e bem demarcadas. A unidade mais antiga é o Grupo das Beiras,

anteriormente designado de Complexo Xisto Grauvaquico, são as rochas que

constituem o soco ou substrato, a unidade possui características turbiditícas formadas

por filitos e metagrauvaques, sendo a mais basal de toda sequência litoestratigráfica.

A outra unidade litológica bem representada é a dos Quartzitos Amoricano, esta

unidade é composta basicamente por rochas quartziticas e alternâncias entre

quartzitos e xistos, esta é a unidade responsável pelos principais relevos da região.

Compondo também a geodiversidade da região, conta-se também com os Depósitos

Aluvionares e Depósitos de Vertente, relacionados principalmente com os cursos

d´água no local.

Para assegurar a importância natural que a região apresenta, na candidatura para a

proposta de classificação como parque natural regional, alguns pontos de maior

interesse (geossítios) foram listados e selecionados baseados nos valores associados

aos materiais geológicos e as geoformas em questão, sejam eles científicos, didáticos,

paisagísticos, culturais, etc. (Tabela 1).

Tabela 1 – Patrimônio Geológico do Parque Natural Regional do Almourão

Nº Sítio Localização UTM Observações

1

Miradouro de

Sobral Fernando

0606604 4399739

Miradouro pelo qual se observa antigos terraços fluviais, vestígios de atividades mineiras romanas e o Vale do Rio Ocreza. No local também aparecem icnofósseis impressos nos quartzitos.

2

Pego do Inferno

0606740 4400143

Situado na dobra da Albarda, o local sofreu erosão diferencial gerando uma forma cônica na vertente, onde é possível passar por detrás de uma cascata. O ponto também serve de miradouro para os depósitos coluvionares e

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aos afloramento de fósseis.

3

Corte do

Caminho de Sobral Fernando

0606368 –

4399371

0607065 –

4399297

Afloramentos que mostram as deformações e estruturas geradas pela Orogenia Varisca. No local também aparecem Ripple Marks e icnofósseis, além de ser um ponto de miradouro com vista às Portas do Almourão, afloramentos quartzíticos e depósitos coluvionares.

4

Miradouro

Geomorfológico do Galego

0604918 4403363

Ponto a mais de 600 m de altitude que proporciona uma perspectiva dos aspectos geomorfológicos (relevos antigos, arrasamentos, vales e hidrografia) e estruturas geológicas (dobras, falhas etc.) No local também há afloramentos de Skolithos.

5

Portas do Almourão

606870 4399046

Garganta epigênica formada a partir da erosão do Rio Ocreza em zonas mais frágeis das duras formações quartzíticas da Serra das Talhadas. Local de grande beleza cênica, considerado como o coração do Parque Natural Regional do Almourão. Conta também com alforamentos de estruturas do tipo Skolithos.

6

Buraca da Moura

de Chão de Galego

0602318 4403684

Buracos naturais existentes nas cristas quartzíticas aproveitados pelas antigas explorações mineiras de acesso às galerias subterrâneas que continham depósitos de ferro em suas paredes.

7

Conheira da Foz do Cobrão/Sobral

Fernando

0605744 4398731

(ponto médio)

Local com vestígios e registros de antigas explorações mineiras, onde encontra-se ainda depósitos dos rejeitos (conheiras), evidências da frente de desmonte e outras estruturas características de mineração.

8

Miradouro do

Almeirão

607268,36

4398655,82

Deste ponto ainda tem-se a vista do Anticlinal de Sobral Fernando, a Dobra da Albarda, o Pêgo do Inferno, os depósitos coluvionares de vertente, o relevo residual quartzítico, além das Portas do Almourão.

9

Corte Geológico da Portelha de

Milhariça

0609920 4393760

Afloramento que evidência a estratigrafia, com o contato entre xistos argilosos mais antigos e quartzitos mais recentes, através de processos tectônicos da Orogenia Varisca.

10

O Nascente

0607008 4398278

O local apresenta as estruturas de uma dobra, além de ser a descarga de um importante aquífero que abastece a população local.

11

Conheira da

Ladeira

0605500 4396820

Depósitos de fragmentos de quartzo e xistos, correspondentes às antigas atividades mineiras romanas, as quais amontoavam seus rejeitos próximos ao rio.

CONCLUSÃO

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Fica perceptível ao que tange o patrimônio geológico e a geodiversidade como um

todo, que a legislação brasileira de proteção ambiental ainda deixa muito a desejar.

Isso é reflexo de leis pautadas ainda numa ideia “biocêntrica” (proteção principalmente

voltada aos recursos naturais bióticos), deixando os elementos abióticos mais

vulneráveis sem a devida proteção de acordo com o amparo legal.

Cabe aqui a discussão sobre o quão os recursos abióticos da geodiversidade são

importantes para a natureza e também para a vida, e vale ressaltar que o suporte para

os elementos bióticos encontram-se na geologia. Acrescenta-se também o fato de

algumas paisagens consideradas de alta beleza cênica estarem profundamente

relacionadas com características geológicas. É neste sentido que preservar a natureza

como um todo, seja em seus elementos bióticos e abióticos torna-se de extrema

importância, independente do que a lei aborda. Sendo assim, é necessário encontrar

“brechas” na legislação que permitam esta proteção direta ou indiretamente.

O caso mencionado para exemplificar uma destas estratégias, foi a proposta de

classificação do Parque Natural Regional do Almourão, com iniciativa do Geopark

Naturtejo da Meseta Meridional – Portugal. Ao identificar o potencial natural

(principalmente em valores da geodiversidade) da área das Portas do Almourão, o

geoparque não se contentou apenas com suas estratégias geoconservacionistas e

está em busca de uma proteção de amparo legal para o local, com a tentativa da

criação de um Parque Natural, no qual os protagonistas serão os locais considerados

patrimônios geológicos. Assim também fica esta iniciativa para estimular novas ações

com o objetivo maior de conservar os recursos naturais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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(Doutorado em Geologia) UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2007.

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