práticas de espiritualidade na gestão de pessoas

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1 Práticas de Espiritualidade na Gestão de Pessoas Autoria: Sylvia Constant Vergara, Leandro Souza Moura Resumo O tema espiritualidade insere-se no escopo da subjetividade humana e vem adquirindo relevância em estudos organizacionais, assim como em práticas na gestão de pessoas nas organizações. Com o propósito de contribuir para os estudos, este ensaio teórico movimenta- se no sentido de responder à seguinte questão provocadora: quais práticas nessa gestão podem ser identificadas como espirituais? Pautado por um encaminhamento metodológico alimentado pela reflexão e alicerçado em estudos que fazem a crítica do capitalismo, da racionalidade instrumental, do negligenciamento em relação à consideração da condição humana, este artigo apresenta, também, as possibilidades de realização de práticas espirituais na gestão de pessoas.

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Práticas de Espiritualidade na Gestão de Pessoas

Autoria: Sylvia Constant Vergara, Leandro Souza Moura

Resumo O tema espiritualidade insere-se no escopo da subjetividade humana e vem adquirindo

relevância em estudos organizacionais, assim como em práticas na gestão de pessoas nas organizações. Com o propósito de contribuir para os estudos, este ensaio teórico movimenta-se no sentido de responder à seguinte questão provocadora: quais práticas nessa gestão podem ser identificadas como espirituais? Pautado por um encaminhamento metodológico alimentado pela reflexão e alicerçado em estudos que fazem a crítica do capitalismo, da racionalidade instrumental, do negligenciamento em relação à consideração da condição humana, este artigo apresenta, também, as possibilidades de realização de práticas espirituais na gestão de pessoas.

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Introdução

O tema espiritualidade insere-se no escopo da subjetividade humana e vem adquirindo relevância na literatura organizacional que trata da gestão de pessoas. Busca-se a compreensão da condição humana no trabalho - isto é, a compreensão de um ser biológico e social, individual e coletivo, intelectual, emocional e espiritual, dotado de objetividade e de subjetividade, a partir da premissa de que não é possível a construção de um ambiente de trabalho prazeroso e produtivo sem que os valores e as necessidades espirituais das pessoas sejam atendidos.

Autores como De Masi (2003) questionam se o trabalho é por natureza uma maldição bíblica da qual o homem nunca poderá se libertar, se o trabalho deverá se desenvolver em locais de desencorajadora feiúra no qual se passa muito tempo, desperdiçando grande parte dele em rituais vazios e se o trabalho não pode fazer outra coisa senão tornar as pessoas infelizes. Em resposta a questionamentos como os de De Masi (2003), outros autores argumentam que há desemprego no atual capitalismo global e que as pressões pelo emprego aparentemente tornam inadequadas as discussões acerca da inclusão de valores espirituais nas organizações. Em uma análise sobre o desemprego, Sodré (1995) argumenta que ele faz crescer desmedidamente o exército de reserva, que funciona como espécie de seguro de força de trabalho, sempre disponível para as rápidas fases de euforia. Em sendo assim, o trabalhador luta pelo emprego (SODRÉ, 1995). A apreensão com o desemprego, adverte Sennett (1998), dilui a auto-estima, fragmenta famílias e comunidades e gera muita incerteza.

Tida como vilã na questão do desemprego, a tecnologia, que permite a dispensa de muitas pessoas e aumenta a pressão pelas vagas de emprego existentes, fornece também outra percepção, nos termos de De Masi (2003). Na lógica de seu pensamento, o computador torna mais precisa a tomada de decisão e o robô substitui a força muscular, os trabalhos nocivos e enfadonhos, logo, se as máquinas substituem o ser humano na execução de várias tarefas, a este ser resta o “monopólio do trabalho criativo”. Ou seja, se por um lado a tecnologia e seus avanços disponíveis às organizações podem explicar o desemprego e o estresse que ele provoca, a tecnologia pode também sinalizar para o fato de que o grande diferencial competitivo das organizações são as pessoas. Analisando por esse prisma, fica difícil afirmar que as pressões pelo emprego no atual capitalismo global tornam inadequadas as discussões sobre a inclusão de valores espirituais nas organizações. Como sublinharam Marsden e Towley (1996), quando se administra sem considerar as pessoas, qualquer coisa fica moralmente permissível. As organizações devem, pois, estar abertas aos valores espirituais.

Motta (2001) acredita que no futuro se acentuará, cada vez mais, a associação do progresso com a transformação social e o encontro de novos padrões valorativos para a sociedade. As grandes transformações, argumenta Motta, não virão pela inovação tecnológica, mas pelas novas imposições valorativas à produção. Ele prossegue, afirmando que os modelos favoráveis à qualidade, à consciência ecológica, à equidade e à revalorização crescente da pessoa no trabalho já estão avançando e, assim, estão sendo recuperados valores sobre a melhoria da vida humana como um projeto tanto material quanto espiritual e ético. Morin (2001) também entende que o trabalho deveria ser inspirado por valores morais, éticos e espirituais, e que o exame das regras e dos valores presentes no ambiente de trabalho, embora possa parecer supérfluo para alguns, é inevitável em um contexto de diversidade cultural e de promoção das liberdades individuais.

Alguns estudiosos das organizações, no entanto, argumentam que a espiritualidade organizacional pode se converter em um discurso com o intuito de manipular as pessoas com objetivos puramente materialistas (BERTERO, 2007; REAVE, 2005; SCHWARTZ, 2006; LIPS-WIERSMA, DEAN e FORNACIARI, 2009). Schwartz (2006) alerta para a possibilidade de converter um conjunto de valores da espiritualidade como “o único caminho” e, com isso, gerar intolerância. Bartoli (2007), por seu turno, afirma que a espiritualidade é

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um caminho para quem não pára no mundo das aparências e não se contenta com devaneios místicos, os quais podem manifestar proveniência patológica ou manipuladora com certa obviedade. Ou seja, o argumento de Bartoli sugere que o caminho da espiritualidade é para pessoas que não são facilmente manipuláveis.

O tema espiritualidade tem ensejado inúmeros estudos, discussões, posicionamentos e a eles se junta o presente ensaio, pautado por um encaminhamento metodológico alimentado pela reflexão. Partindo do pressuposto de que algumas organizações estão consolidando ou revendo seus valores na direção da prática da espiritualidade na gestão de pessoas, a pergunta que move o estudo é: que práticas na gestão de pessoas podem ser consideradas espirituais? A resposta a essa pergunta é, portanto, o objetivo do estudo.

O artigo é composto por quatro seções além desta introdução. Na primeira, são revisitados estudos que contemplam a questão da espiritualidade. A seção seguinte faz uma articulação entre espiritualidade e comprometimento. A terceira seção busca identificar a espiritualidade nas práticas organizacionais, de modo a responder à pergunta que provocou este ensaio teórico. As conclusões e sugestões para uma nova agenda de pesquisa conformam a última seção.

1 A espiritualidade nos estudos organizacionais

Ao se debruçarem sobre o tema espiritualidade, Rego, Pina e Cunha e Souto (2005) enfatizam que há um movimento de crescente visibilidade da espiritualidade nos estudos organizacionais e no “modo de vida” de muitos práticos. Esses estudiosos relacionam a espiritualidade nos locais de trabalho com a sensibilidade humana em relação a temas como: justiça; confiança; tratamento respeitador e digno; possibilidade de no trabalho ser obtido significado para a vida; oportunidades de membros organizacionais desenvolverem o seu potencial e se realizarem como seres emocional e intelectualmente válidos, com relações interpessoais de cooperação e ajuda; e, finalmente, possibilidade de os membros da organização se sentirem inseridos em comunidades humanas que lhes permitem satisfazer necessidades de afiliação e de pertencimento.

Considerando o ambiente turbulento das organizações e a competitividade cada vez mais acirrada do capitalismo global, assim como considerando a crença ainda difundida de que o empregado deve separar sua vida pessoal e seus interesses particulares da sua atuação no trabalho, não raro fica difícil a empregados e a gestores ver o ambiente de trabalho como um local adequado para expressão da humanidade, com todas as emoções, fraquezas, qualidades e defeitos que isso implica. Se, desde a Revolução Industrial, o empregado foi tratado como “máquina” ou “instrumento” de produção, esse tratamento fez com que ele buscasse deixar as expressões de sua humanidade do lado de fora da empresa. Entretanto, cada vez mais os estudos organizacionais revelam a percepção de que o ambiente das organizações não precisa ser hostil aos valores e às práticas de espiritualidade. Autores como Zohar e Marshall (2006), por exemplo, defendem que sem espiritualidade o capitalismo, tal como é conhecido, não se sustenta. Sennett (1998), por sua vez, advoga que um regime o qual não oferece aos seres humanos motivos para se ligarem uns aos outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo. Bertero (2007) reforça o posicionamento desses autores, ao argumentar que valores espirituais derivados do cristianismo - como uma moral de trabalho, austeridade, honestidade, sobriedade, adesão à verdade, rejeição da falsidade e da hipocrisia e busca constante da justiça – são importantes e benéficos para uma boa gestão pois, assevera Bertero, se os valores se tornarem ações, o comportamento será virtuoso e as virtudes serão a força da organização.

Partidários da espiritualidade nas organizações, como Gull e Doh (2004), reconhecem que o mundo industrializado é muito melhor materialmente, mas por nos fazer acreditar que tudo o que é importante é o externo, o material, o objetivo, e o empiricamente fundamentado,

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nos faz criar, como consequência, um mundo sem profundidade, ou, dito de outro modo, nos faz criar um mundo que não ultrapassa a superficialidade da matéria, das coisas palpáveis, e por isso incapaz de lidar com o que é subjetivo e espiritual. Como destaca Frost (1999), perdemos alguns aspectos fundamentais da vida organizacional e do seu funcionamento, porque como pesquisadores das organizações tendemos olhar para elas e para os seus membros, sustentados por uma formação que nos inclina a não incluir em nossas lentes a consideração da dignidade e a humanidade.

Muitos autores distinguem espiritualidade e religião. Levy (2000), por exemplo, define como um elemento chave da espiritualidade o ato de a pessoa procurar integrar suas experiências exteriores com sua voz interna. Essa integração, esclarece Levy, é uma etapa para a autotranscendência, válida para qualquer ser humano, não importando se ele é judeu, cristão, muçulmano, budista, ou agnóstico. Howard (2002) adverte que apesar de muitos sugerirem que a espiritualidade não precise ter qualquer associação religiosa é importante saber que a espiritualidade se alinha à noção de que há uma ordem invisível das coisas por trás do véu do materialismo. A espiritualidade promove o encontro da filosofia de vida básica de cada pessoa com seus valores, sua conduta e prática.

A dificuldade de definir a espiritualidade se dá pelo fato de ela ser, por um lado, intensamente pessoal, e por outro, inclusiva e universal (HOWARD, 2002). Na visão de Kinjerski e Skrypnek (2004), a falta de uma definição amplamente aceita de espiritualidade no trabalho dificultou o desenvolvimento e uso generalizado de um padrão por pesquisadores e profissionais e, consequentemente, atrasou as investigações sobre como os indivíduos desenvolvem o espírito no trabalho, que fatores aumentam ou impedem o espírito no trabalho, e se a espiritualidade no trabalho impacta positivamente o bem-estar e a produtividade.

Apesar do movimento em busca da espiritualidade no ambiente de trabalho estar adquirindo crescentes defensores em nosso tempo mais recente, é possível perceber que no pensamento administrativo ele sempre esteve, de alguma forma, presente. Mary Parker Follett (1926), por exemplo, defendia a adoção, pelos superiores, de uma forma respeitosa de tratamento em relação aos seus empregados, sem ameaças verbais e linguagem abusiva. Abraham Maslow (1943), autor tão mencionado nos estudos sobre motivação humana, afirmava haver pelo menos cinco necessidades básicas do ser humano, a saber: fisiológicas; de segurança; de amor, afetivo-sociais; de estima; e de auto-realização. Maslow argumentava que estas necessidades estão relacionadas entre si, sendo organizadas em uma hierarquia de prioridades. O tratamento com respeito e dignidade, as oportunidades de desenvolvimento e as necessidades de amor, de estima e de auto-realização são contemplados na literatura sobre espiritualidade nas organizações (ASHMOS e DUCHON, 2000; BROWN e LEIGH, 1996; KANUNGO e MENDONÇA, 1994; MILLIMAN, CZAPLEWSKI e FERGUSON, 2003; REGO, PINA E CUNHA e SOUTO, 2005; SETTOON, BENNETT e LIDEN, 1996).

Ainda no escopo do pensamento administrativo, Elton Mayo (1945), responsável pela abordagem de relações humanas nas teorias de administração, argumentava que os trabalhadores eram motivados por uma lógica de sentimento, enquanto a gerência estava preocupada com a lógica de custo e eficiência. Assim, o conflito só seria evitável se as diferenças fossem compreendidas e superadas. Douglas Mc Gregor (1957) afirmava que o homem era um animal que sempre tinha vontades, fossem elas psicológicas, de segurança, sociais, de auto-estima (ego needs) ou de auto-realização (self-fulfillment needs), sendo que uma vontade satisfeita não seria, necessariamente, um fator de motivação. Entretanto, a privação de necessidades sociais e de auto-estima (Ego Needs) levaria às doenças organizacionais, gerando comportamentos tais como a hostilidade e a passividade. Edgard Schein, cujas idéias são discutidas por Pugh e Hickson (2004), dizia que o principal determinante da motivação dos indivíduos nas organizações é o contrato psicológico, um conjunto não escrito de expectativas, operando o tempo todo entre os membros da organização e aqueles que representam a organização para esses membros. Essas expectativas

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incluem componentes econômicos, além de preocupações como a de ser tratado com dignidade, ter autonomia no trabalho e ter oportunidades de aprendizado e desenvolvimento. Frederick Edmund Emery e Eric Lansdown Trist (1965) afirmavam que entre alguns dos requisitos necessários para se operar com eficiência em turbulências estavam: equipes de trabalhos autônomas; colaboração, mais do que competição (entre organizações, assim como dentro delas); e redução da ênfase hierárquica.

Os exemplos aqui apresentados nos dizem da relevância da subjetividade humana, espaço da espiritualidade e do comprometimento do empregado com a organização. Que tipos de comprometimento podem ser mais claramente definidos? É o que veremos a seguir. 2 Espiritualidade e comprometimento

Rego, Pina e Cunha e Souto (2005) relacionam cinco dimensões de espiritualidade nas

organizações com três tipos de comprometimento. As cinco dimensões de espiritualidade contempladas por esses autores são: sentido de comunidade, alinhamento do indivíduo com os valores da organização, sentido de préstimo à comunidade, alegria no trabalho e oportunidades para a vida interior. Os três tipos de comprometimento são: normativo, instrumental e afetivo. Esses autores argumentam, como se verá adiante, que as empresas deveriam estimular o comprometimento afetivo em detrimento do puramente instrumental. Por seu turno, Morin (2001) entende ser um dever da organização do trabalho, oferecer aos trabalhadores a possibilidade de: (a) realizarem algo que, para eles, tenha sentido. Dito de outra forma, os empregados precisam entender a finalidade e o significado do que estão fazendo; (b) praticarem e desenvolverem suas competências; (c) exercerem seus julgamentos e seu livre-arbítrio; e (d) conhecerem a evolução de seus desempenhos e se ajustarem.

O sentido de comunidade atende às necessidades humanas de pertencimento e contribuição. Morin (2001) afirma ser importante que os trabalhadores tenham a possibilidade de desenvolver o sentimento de vinculação e que possam trabalhar em condições apropriadas. Rego, Pina e Cunha e Souto (2005) argumentam que, devido ao declínio das relações de vizinhança, da participação em grupos cívicos e da inserção em famílias numerosas, essas necessidades são cada vez mais preenchidas no local de trabalho. Sennett (1998) reforça esse entendimento, ao afirmar que uma das consequências não pretendidas do capitalismo moderno é que ele fortaleceu o valor do lugar, despertou o desejo de comunidade. O sentido de comunidade é algo que ocorre com grupos de pessoas que estejam conectadas por interesses em comum, sejam eles profissionais, religiosos, culturais ou o que for. Wilber (2006) enfaticamente alerta para o fato de que, hoje, se tem à disposição todas as culturas do mundo, porque na “aldeia global” elas estão expostas umas às outras. Para Milliman, Czaplewski e Ferguson (2003), a essência da comunidade é que ela envolve um sentido mais profundo da conexão entre as pessoas, incluindo suporte e liberdade de expressão, e o fato de uma pessoa se importar com a outra, genuinamente. É possível dizer, portanto, que os interesses em comum podem criar um ambiente de comunidade e, uma vez criado, passa a haver uma preocupação com e entre os membros dessa comunidade, e não apenas com a causa que os uniu. Esses membros também compartilham experiências de vida. Mary Parker Follett (1918) já defendia que lealdade a uma coletividade que não se cria nem dela se é parte integrante, é escravidão.

Quanto aos valores, todas as pessoas têm os seus, adquiridos ao longo de suas vidas, de acordo com suas experiências. Esses valores, que contam um pouco a história de vida das pessoas, podem ser originários de sua família, de sua escola, das organizações nas quais trabalham, dos seus amigos, do lugar de onde a pessoa veio etc. Por sua vez, as organizações também têm seus valores e, nem sempre, valores pessoais e os organizacionais são congruentes. A literatura em administração é pródiga em sinalizar para esse fato e a tentar mitigá-lo. Mas autores como Moura (2007) chamam a atenção para a constatação de que as

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pessoas relutam em contrariar os seus princípios, ou os seus valores, e, quando o fazem, normalmente, é com muito pesar e sofrimento. Ao contrário, a afirmação de seus valores costuma lhes ser prazerosa. Se assim for, a tendência é que o desempenho dos empregados seja melhor na medida em que eles identifiquem congruência entre os seus valores e os da organização. A importância dessa congruência foi relatada por Mc Gregor (1957). Ele dizia que a harmonia na organização poderia ser alcançada por meio da mudança da percepção sobre as pessoas e da crença de que elas devem integrar seus objetivos pessoais aos organizacionais, e esse processo de integração deve ser facilitado e conduzido pelo administrador.

No que diz respeito ao sentido de préstimo à comunidade, estudiosos vêm argumentando que empregados necessitam de um sentido para o seu trabalho, caso contrário este tende a se tornar mais cansativo e enfadonho. Harman e Hormann (1990) já apontavam a possibilidade de proporcionar às pessoas um papel social nas atividades da sociedade, de modo a que elas sintam estar contribuindo para o oferecimento de bens e serviços desejados pela sociedade, como expressões de um trabalho significativo. Milliman, Czaplewski e Ferguson (2003) dizem que ter um sentido profundo do significado e da finalidade do trabalho de cada um, é um aspecto fundamental da espiritualidade no trabalho. A crescente especialização da natureza do trabalho funciona como um dificultador nesse sentido. Muitas pessoas têm pouca ou nenhuma idéia de sua contribuição para o produto final e a ordem social geral; por esse motivo, trabalham quase exclusivamente por dinheiro e nem sempre são felizes, a despeito de quanto ganham. Sennett (1998) já asseverava que o pouco envolvimento do empregado com o seu ofício no capitalismo atual ocorre pelo fato de que ele não entende o que está fazendo. Um “trabalho com significado”, explicitam Rego, Pina e Cunha e Souto (2005, p.7) representa o grau em que os indivíduos experimentam um sentimento profundo de sentido e propósito na realização de seu trabalho. Esses autores defendem que os seres humanos se interessam por outras coisas além de “fazer dinheiro”; procuram também no trabalho, a obtenção de significado para a vida. Uma vez que o empregado entenda o propósito do seu trabalho é provável que este se torne mais interessante e prazeroso. O prazer no trabalho também pode ser estimulado quando o empregado vislumbra nele algum grau de desafio. Hackman e Oldham (1976) argumentam que uma das consequências de um trabalho interessante e desafiante é a diminuição da rotatividade e do absenteísmo. Morin (2001) sustenta que as pessoas consideram ser importante a organização do trabalho de maneira eficiente, cuja realização conduza a resultados úteis, gastando-se energia de maneira rentável. Na visão desta autora, a organização das tarefas e das atividades favorece a eficiência, para a qual contribuem objetivos visados e resultados esperados que sejam claros e significativos para as pessoas que realizam o trabalho.

Em relação à alegria no trabalho, Rego, Pina e Cunha e Souto (2005) argumentam que esse sentimento significa que a pessoa gosta do que faz, que na maior parte do tempo sente prazer no trabalho, não o vendo como uma estrita obrigação. Em estudo conduzido por Morin (2001), sobre o sentido do trabalho, mais de 80% das pessoas entrevistadas responderam que trabalhariam, ainda que tivessem dinheiro para viver o resto da vida confortavelmente, sem trabalhar.

A última das cinco dimensões apontadas por Rego, Pina e Cunha e Souto (2005) é a oportunidade para a vida interior, que abrange itens referentes ao modo pelo qual a organização respeita os valores espirituais da pessoa. Milliman, Czaplewski e Ferguson (2003) definem essa dimensão como auto-estima de base organizacional (organization-based self-esteem). Para eles, a dimensão se refere à crença das pessoas segundo a qual elas podem satisfazer suas necessidades espirituais no trabalho. Esses autores argumentam que empregados com alto grau de auto-estima de base organizacional estão satisfeitos com sua função na organização; eles se vêem como importantes, valiosos e respeitados. Uma forma de gerar a auto-estima de base organizacional é delegando autoridade.

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Se cinco foram as dimensões de espiritualidade sintetizadas por Rego, Pina e Cunha e Souto (2005), a cuja síntese aqui se agregou o pensamento de outros autores, no que concerne ao comprometimento atrelado a essas dimensões os autores destacam o normativo, o instrumental e o afetivo.

O comprometimento normativo – “empenhamento normativo”, nas palavras de Rego, Pina e Cunha e Souto (2005, p. 8 e 9) - ocorre quando as pessoas sentem obrigações e deveres de lealdade para com a organização. Ele tende a ocorrer quando o empregado internaliza as normas da organização por meio da socialização, recebe benefícios que o induzem a atuar reciprocamente, ou estabelece com a organização um contrato psicológico.

Com relação ao comprometimento instrumental – “empenhamento instrumental”, como dizem Rego, Pina e Cunha e Souto (2005, p.9) – ele é característico daquele comportamento em que o empregado não sente qualquer propensão a facultar à organização nada além daquilo a que está estritamente obrigado. Se o comprometimento instrumental for o laço preponderante, é possível que as pessoas adotem comportamentos retaliatórios para com a organização. A tendência é que esse tipo de comprometimento se desenvolva quando a pessoa reconhece que se sair da organização perderá investimentos nela feitos ou quando percebe não ter alternativas atrativas de emprego em outras organizações.

Já em relação ao comprometimento afetivo – “empenhamento afetivo” nas palavras de Rego, Pina e Cunha e Souto (2005, p. 8) – se assenta num vínculo emocional à organização. A literatura (ALLEN & MEYER, 1996; MEYER & HERSCOVITCH, 2001) sugere que o empenhamento afetivo se desenvolve quando o empregado se envolve ou reconhece o valor ou deriva a sua identidade da associação com a organização.

Rego, Pina e Cunha e Souto (2005) advogam que a espiritualidade no trabalho favorece o desenvolvimento de um laço afetivo do empregado para com a organização. Por seu turno, o comprometimento puramente instrumental está mais presente em organizações que não vêem seus empregados como seres humanos, mas apenas como “recursos a serem explorados”.

Se os autores aqui relacionados apresentam argumentos sobre a definição das dimensões de espiritualidade e sua relação com o comprometimento das pessoas, vale a pena destacar o ponto de vista de Bertero (2007) que apesar de, como vimos, advertir para a possibilidade de o discurso da espiritualidade ser utilizado de forma manipuladora, afirma que a espiritualidade organizacional pode gerar repercussão favorável no clima organizacional mediante o estímulo de sentimentos como lealdade, franqueza, respeito e generosidade entre as pessoas.

3 Em Busca da Espiritualidade nas Práticas Organizacionais

A literatura crítica no estudo das organizações tem destacado que o ambiente altamente competitivo e o desenvolvimento de uma cultura impessoal e mecanicista nas organizações, a busca frenética por ganhos de produtividade, reduções de custos e maior eficiência, são fatores que têm afastado a dimensão humana das organizações. A pressão por redução de custos pode ser traduzida na utilização de um número cada vez menor de trabalhadores, com salários cada vez menores, práticas desleais e antiéticas, como a utilização de trabalho escravo e infantil, além da degradação do meio-ambiente. As condições assim colocadas remetem à percepção do quão estressantes são os ambientes de trabalho desses tempos e inclina a concordar com Zohar e Marshall (2006) no sentido de que o capitalismo não se sustenta sem o que eles designam como “capital espiritual”.

Chanlat (1996) já nos advertia que em um mundo essencialmente dominado pela racionalidade instrumental e por categorias econômicas rigidamente estabelecidas, as pessoas que povoam as organizações são consideradas, na maioria das vezes, meros recursos cujo rendimento deve ser satisfatório do mesmo modo que as ferramentas, os equipamentos e a

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matéria-prima. No entanto, lembra Chanlat (1996), cada vez mais os pesquisadores em geral contestam a concepção instrumental, adaptativa e até mesmo manipuladora do ser humano. Procuram, cada um a seu modo, tornar compreensível a experiência humana e captar sua complexidade e riqueza. Chanlat lembra que não apenas no nível inferior da tradicional hierarquia organizacional, como também nos níveis intermediário e superior a organização aparece frequentemente como um lugar propício ao sofrimento, à violência física e psicológica, ao tédio e ao desespero. Assim, não só muitos empregados procuram, cada vez mais, realizar-se fora do trabalho nas organizações, como numerosos executivos não parecem mais manter com elas nenhuma lealdade. Eles refletem a imagem de uma sociedade que levou o individualismo às últimas consequências, de uma sociedade na qual reina o pensamento a curto prazo e que não se preocupou em transformar o trabalho em um meio de vida, ocupada que estava, antes de tudo, em acumular riqueza.

O avanço tecnológico, além da óbvia pressão sobre os empregos, também tem gerado uma menor identificação com o trabalho. É o que aponta Sennett (1998), ao argumentar que as máquinas fáceis de usar permitem que se contratem pessoas com salários mais baixos do que as da época em que as pessoas, e não as máquinas, possuíam as qualificações. Embora hoje todos tenham qualificações técnicas formais mais elevadas, destaca Sennett, os empregados não entendem o que estão fazendo e, por ser assim, é fraca a identificação com o trabalho.

No entanto, práticas nas organizações que privilegiam a espiritualidade, preconizam que as pessoas sejam reconhecidas e tratadas como seres humanos que são, com todas as suas características de personalidade, expectativas, medos, alegrias, tristezas e demais singularidades e imperfeições características de sua condição humana. Seria então, esse mundo dominado pela racionalidade instrumental e por categorias econômicas rigidamente estabelecidas como diz Chanlat (1996), hostil à espiritualidade nas relações entre o empregado e a organização? Por um lado sim; as características da sociedade em que se vive são dificultadores do desenvolvimento adequado dessas relações. Sennett (1998) lembra que na sociedade impera o princípio de que “não há longo prazo” e isso corrói a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo. Experiências mais profundas de confiança, como em quem confiar ou com quem se pode contar para uma tarefa difícil ou impossível, necessitam de laços sociais que levam tempo para surgir, enraizando-se devagar nas fendas e brechas das organizações. Além disso, a insegurança é um componente estressante no ambiente organizacional, afetando significativamente os empregados, as organizações e as relações entre eles.

Sennett (1998) pondera que apesar de na maior parte da história humana as pessoas têm aceitado o fato de que suas vidas mudarão de repente devido a guerras, fomes ou outros desastres, e de que terão de improvisar para sobreviver, a instabilidade de hoje é singular por pretender ser normal; está entremeada nas práticas cotidianas de um vigoroso capitalismo. Bem, se por um lado o ambiente das organizações em nossa sociedade parece hostil à espiritualidade, por outro tal ambiente, dialeticamente, parece fazer com que a espiritualidade nas relações entre os empregados e as organizações seja cada vez mais necessária, pois o ambiente aguça necessidades do ser humano que se tornam mais fortes conforme aumentam as pressões sobre ele. Um regime que não oferece aos seres humanos motivos para se importarem uns com outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo, adverte Sennett.

Parece claro que a organização não precisa ser espaço para o sofrimento ou para a fragmentação do ser humano. Ao contrário, o ser humano pode ter na organização um espaço para a realização de seus valores pessoais, para a conexão, para um sentido mais profundo de existência. Mais que isso, as organizações não podem viver a ilusão de que o verdadeiro profissional deixa todos os seus problemas pessoais do lado de fora da empresa. O estudo realizado por Morin (2001) mostrou que, ao serem indagados sobre do que sentem ou

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sentiriam mais falta se não trabalhassem mais, a resposta não foi somente o salário; entre as respostas também se destacaram: ter alguma coisa para fazer, ser produtivo, sentir-se útil, ter dignidade pessoal, manter as relações com os outros e o sentimento de fazer parte de um grupo. Maslow (1954) já defendia que o indivíduo é um todo organizado e integrado. Na perspectiva espiritual, as organizações devem ter em seus quadros pessoas que sejam capazes de manter um continuum de harmonia entre seus ambientes de trabalho e de convivência social e familiar.

As formas de se promover a espiritualidade nas práticas organizacionais podem ser inspiradas em diversas fontes como as que foram aqui apresentadas. Veja-se o exemplo clássico de Mary Parker Follett, a qual argumentava que a maneira mais eficaz de exercer autoridade é despersonalizando o ato de dar ordens, enfatizando a importância da tarefa, em vez dos direitos que uma pessoa tem sobre a outra (KANTER, 1997). Certamente, o autoritarismo não é condizente com inúmeras necessidades espirituais, tais como o reconhecimento, a valorização do ser humano e a auto-estima.

Empresas espiritualizadas, reforçam Wagner-Marsh e Conley (1999), valorizam seus funcionários como indivíduos e estão comprometidas com o desenvolvimento deles, muito além do desenvolvimento profissional. Nessas empresas há uma ênfase acentuada na seleção de pessoas mais propensas a se adequarem e serem produtivas em uma cultura corporativa espiritual.

A ética, que sempre esteve no âmbito das discussões filosóficas, precisa estar presente no âmbito das organizações. Motta (2001) defende que só o constante recurso a uma ética universal é capaz de produzir uma nova perspectiva de solidariedade e de obrigações comunitárias para um ambiente de trabalho mais justo.

À luz das provocações teóricas aqui apresentadas, é possível perguntar: o que pode ser considerado uma Gestão de Pessoas com Espiritualidade?

Em primeiro lugar, o respeito ao ser humano. Esse valor necessita estar presente em todos os espaços, incluindo os organizacionais. Casos de autoritarismo, de assédio moral e sexual não deveriam fazer parte da realidade e do cotidiano de organizações do nosso tempo.

As organizações devem buscar a valorização do ser humano em seu aspecto intelectual e emocional, ouvindo as pessoas, procurando entendê-las em sua humanidade - com todos os seus problemas, aflições, inseguranças, alegrias e tristezas - e fornecer, sempre que possível, subsídios para o seu aprendizado e consequente desenvolvimento.

A valorização da auto-estima das pessoas se dá pelo reconhecimento de um trabalho bem feito, e a recompensa não precisa, necessariamente, ser pecuniária. Na maioria das vezes, um simples e sincero agradecimento já é capaz de mudar radicalmente para melhor o desempenho do empregado. Quando o desempenho não for satisfatório, uma conversa reservada procurando entender os motivos do rendimento não ter sido adequado e buscando orientar para que no futuro o resultado seja melhor é sábia decisão. É necessário que o gestor forneça feedback personalizado ao empregado, atuando como um coach.

Em seu ambiente interno, a organização deve incentivar a colaboração, em detrimento da competição. Esta deve ocorrer no mercado entre os concorrentes, não dentro do ambiente de trabalho. A competição interna torna o trabalho mais estressante, podendo trazer consequências práticas bastante indesejáveis, como o maior número de afastamento por doenças. Ao contrário, um ambiente no qual as pessoas colaboram, é mais prazeroso e tem potencial para que a criatividade ocorra de maneira fluida. Nesse tipo de ambiente, a tendência é que se desenvolvam laços comunitários, formando-se uma equipe, nas quais as pessoas se preocupem umas com as outras e estabeleçam laços de confiança. Também é relevante um ambiente no qual as pessoas não sejam constantemente ameaçadas, direta ou indiretamente, de demissão.

É importante que os empregados tenham uma visão do todo, ou seja, que conheçam todo o processo no qual o seu trabalho está inserido. Quando o empregado deixa de ser um

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simples “apertador de botões” ou “operador de computador” e passa a entender a finalidade do seu trabalho, é provável que se identifique com ele e, mais ainda, que dele tenha orgulho.

Uma gestão de pessoas com espiritualidade pode considerar adequada a promoção de atividades sociais que, além de prestar serviços a comunidades fora do ambiente da organização, têm potencial para ajudar a unir as pessoas no interior das organizações. Empresas são as organizações que mais influência exercem na sociedade, então é pertinente que mostrem não serem indiferentes aos problemas da sociedade na qual estão inseridas. Conforme Morin (2001), o trabalho deve se realizar de acordo com as regras do dever e do saber viver em sociedade e, desse modo, deveria ser inspirado pelos valores morais, éticos e espirituais.

A reflexão sobre a espiritualidade na gestão de pessoas remete aos primeiros “serviços de pessoal”, nutridos pelo desenvolvimento de técnicas e ferramentas ancoradas em um espírito funcionalista que marcou todo o trabalho de Taylor, Fayol e seguidores. Posteriormente, cresceram estudos sobre motivação, liderança, comunicação que se juntaram às funções de atração, seleção, treinamento, remuneração, avaliação de desempenho. O “departamento de pessoal” se transformou na “área de recursos humanos (RH)”. Mais tarde esta área buscou atrelar-se aos objetivos estratégicos das organizações. Supôs-se criar um novo RH, já agora alinhando suas funções tático-operacionais (para utilizar o jargão funcionalista) aos objetivos estratégicos das organizações. Na prática, contudo, persiste a obediência a regras impostas, conformidades, dissimulações. Uma gestão de pessoas com espiritualidade é, então, tarefa que se faz urgente. Ela deverá privilegiar o reconhecimento de cada pessoa como um ser individual e coletivo, intelectual e emocional, valorizando a condição humana e sua diversidade e a compreensão da organização como uma obra aberta, que cria e se recria nas relações. É o que Vergara (2009) designa por “um RH mais H”.

4 Para concluir

A construção do ensaio teórico aqui apresentado foi movida pela seguinte questão provocadora: tendo em vista que algumas organizações estão consolidando ou revendo seus valores na direção da prática da espiritualidade na gestão de pessoas, que práticas nessa gestão podem ser consideradas espirituais?

Diariamente ouve-se falar que se vive uma “crise de valores”. Discute-se a formação dos seres humanos, a desagregação das famílias e até mesmo o papel da mídia na formação de pessoas. Esse tipo de discurso, associado a pessoas de mais antigas gerações e, às vezes, considerado retrógrado, conservador, saudosista e ultrapassado, vem, no entanto, ecoando em discursos de pessoas cada vez mais jovens. A tal “crise de valores” aparece frequentemente em discursos de especialistas de áreas como, por exemplo, a educação e a segurança pública. A sociedade capitalista que preza pelo individualismo e as pressões por empregos cada vez mais escassos e com exigências cada vez maiores fornecem ao sistema uma nuance de capitalismo selvagem, valorizando um comportamento que, muitas vezes, não se orienta pela ética nem pelo respeito ao próximo.

Os altos índices de violência urbana fazem com que as organizações tenham necessidade de vigiar clientes, fornecedores e todos aqueles que têm acesso às suas dependências. O “Sorria, você está sendo filmado”, já faz parte das dependências de quase todas as organizações, pelo menos as sediadas nas grandes metrópoles. Ao se observar a necessidade de vigilância sobre os próprios empregados, pode-se entender um pouco da crise de valores aqui referida. Faltam aqueles que podem ser relacionados à espiritualidade, valores como a lealdade, o respeito, a confiança, o reconhecimento, a alegria no trabalho. Por outro lado, pode-se observar que, aos poucos, novos valores vão se impondo para a sociedade, entre eles a consciência ecológica, a ética. Organizações que cultivam esses valores (espirituais) já aparecem na mídia como organizações de sucesso.

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Se é possível dizer que o mercado tende a ser cada vez mais competitivo, também é possível dizer que as organizações que promovem valores espirituais deverão, naturalmente, obter importante vantagem competitiva por dois motivos principais. Um deles está referido à tecnologia. Uma vez que a tendência é que ela deve, cada vez mais, estar à disposição de todos, o grande diferencial competitivo serão – e em grande medida já o são – as pessoas. Desse modo, desenha-se para o futuro um panorama no qual as organizações que se importam com seus empregados tenham grande diferencial competitivo, ao passo que aquelas que insistirem em tratá-los como simples recurso de produção estejam, em pouco tempo, sendo consideradas ultrapassadas. O outro principal motivo remete à imagem das organizações. Uma vez que tal imagem é prejudicada por condutas antiéticas e, ao contrário, é beneficiada pelo comportamento cidadão da organização e pelos valores que promove, os efeitos do comportamento das organizações serão sentidos em relação aos clientes, aos empregados, aos fornecedores, à comunidade na qual elas atuam, e à sociedade em geral. Resumidamente, a ausência de valores espirituais pode resultar em grande desvantagem competitiva para as organizações.

As práticas de gestão de pessoas que podem ser identificadas como espirituais contempladas no presente estudo e que respondem à nossa questão, são aquelas que promovem: o respeito ao ser humano; a valorização do ser humano em suas dimensões intelectual e emocional; a valorização da auto-estima das pessoas; o tratamento justo; a valorização da ética nos discursos e nas ações; laços comunitários e formação de equipe; a valorização da cooperação ao invés do acirramento da competição entre os membros da organização; laços de confiança; um ambiente de trabalho marcado pela alegria e harmonia, minimizando a tensão e a insegurança diante da ameaça constante de descontinuidade da relação de trabalho; atividades sociais; a facilitação, para o empregado, da visão do todo, de modo a permitir-lhe o entendimento da finalidade do seu trabalho, ao invés da exigência do simples cumprimento de ordens sem nenhum questionamento; o feedback, reconhecendo e valorizando o trabalho realizado e, quando for o caso, analisando junto com o empregado o motivo da inadequação do resultado e a forma pela qual o desempenho pode ser melhorado.

O ensaio teórico aqui construído provoca que lancemos um olhar para o mercado. Se, de um lado, percebemos ainda um grande número de organizações que ignoram e desdenham práticas na gestão de pessoas alimentadas pela espiritualidade, também percebemos um movimento crescente de organizações que vêm realizando tais práticas. Uma pesquisa empírica que pudesse apresentar e justificar tais práticas em organizações acreditamos que seria uma contribuição relevante para a área de estudos organizacionais e para a sociedade em geral. Ela poderia facilitar a compreensão das implicações de seus achados para as teorias que a embasaram.

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