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PRÁTICAS CULTURAIS COMO RESGATE DA IDENTIDADE SOCIAL NO PROJETO DE ASSENTAMENTO (PA) VENEZA, PILÕES/PB Thais dos Santos Taveros Aluna de Graduação em Geografia Universidade Estadual da Paraíba UEPB [email protected] Polyana Raquel Silva do Nascimento Aluna de Graduação em Geografia Universidade Estadual da Paraíba UEPB [email protected] Maria Aletheia Stedile Belizário Prof.ª. Ms. Do Depto. de Geografia/Campus III/ Universidade Estadual da Paraíba UEPB [email protected] 1. INTRODUÇÃO O presente artigo analisa as práticas culturais da comunidade Veneza, localizada na Serra do Espinho, no município de Pilões/PB, na vertente oriental do Planalto da Borborema, inserida na microrregião de Guarabira/PB. Transformada em Projeto de Assentamento (PA) em 1997, oriunda da decadência da produção canavieira no município. Trata-se de um ambiente que possui limitações e instabilidades naturais, econômicas, sociais e, por isso, merecem ser discutidas, principalmente no que diz respeito ao resgate da identidade social de seus assentados. Foi a partir da desapropriação das terras que pertenciam à Usina Santa Maria, que se formou o Projeto de Assentamento Veneza, através da aplicação da política do Governo Federal por meio do programa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). As terras foram divididas em 5,5 hectares para cada um dos 26 assentados e suas famílias, totalizando 143 hectares. Desde então, abandonou-se o cultivo da cana-de- açúcar, principal atividade desenvolvida nessa área, para desenvolver agricultura de subsistência com o plantio de mandioca, macaxeira, inhame, milho, feijão e a pequena produção pecuária.

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PRÁTICAS CULTURAIS COMO RESGATE DA IDENTIDADE SOCIAL NO

PROJETO DE ASSENTAMENTO (PA) VENEZA, PILÕES/PB

Thais dos Santos Taveros

Aluna de Graduação em Geografia

Universidade Estadual da Paraíba – UEPB

[email protected]

Polyana Raquel Silva do Nascimento

Aluna de Graduação em Geografia

Universidade Estadual da Paraíba – UEPB

[email protected]

Maria Aletheia Stedile Belizário

Prof.ª. Ms. Do Depto. de Geografia/Campus III/

Universidade Estadual da Paraíba – UEPB

[email protected]

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo analisa as práticas culturais da comunidade Veneza, localizada

na Serra do Espinho, no município de Pilões/PB, na vertente oriental do Planalto da

Borborema, inserida na microrregião de Guarabira/PB. Transformada em Projeto de

Assentamento (PA) em 1997, oriunda da decadência da produção canavieira no

município. Trata-se de um ambiente que possui limitações e instabilidades naturais,

econômicas, sociais e, por isso, merecem ser discutidas, principalmente no que diz

respeito ao resgate da identidade social de seus assentados.

Foi a partir da desapropriação das terras que pertenciam à Usina Santa Maria,

que se formou o Projeto de Assentamento Veneza, através da aplicação da política do

Governo Federal por meio do programa do Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA).

As terras foram divididas em 5,5 hectares para cada um dos 26 assentados e suas

famílias, totalizando 143 hectares. Desde então, abandonou-se o cultivo da cana-de-

açúcar, principal atividade desenvolvida nessa área, para desenvolver agricultura de

subsistência com o plantio de mandioca, macaxeira, inhame, milho, feijão e a pequena

produção pecuária.

A fauna e flora, em processo de recuperação desde a formação do assentamento,

quando ficou proibido desmatar e caçar animais, favorecem o desenvolvimento de

outras atividades, como por exemplo, o artesanato com matéria-prima local e a

gastronomia.

A estrutura principal do Assentamento Veneza, além das moradias, é composta

pela Casa de Farinha, a capela de Nossa Senhora das Graças, Associação das mulheres e

a Casa Grande (antiga residência do administrador da propriedade), que será restaurada

e convertida em pousada e restaurante.

As atividades culturais do PA são produzidas manualmente por todos os

membros das famílias assentadas (homens, mulheres, crianças). Nos trabalhos

artesanais os assentados utilizam materiais reciclados, a pintura e o crochê. Depois de

toda produção concluída os objetos são vendidos em feiras nos municípios vizinhos do

estado da Paraíba.

As características descritas anteriormente vêm fazendo do assentamento um

local de visitação, principalmente na época do festival Rota cultural intitulado

CAMINHOS DO FRIO que acontece anualmente em seis municípios da microrregião

do brejo paraibano, entre os meses de Julho e Agosto. A comunidade também participa

do festival gastronômico e cultural SONS E SABORES entre os meses de novembro e

dezembro.

O Assentamento dessa forma desenvolve diversas modalidades do turismo,

principalmente o turismo rural, cultural e gastronômico, através da participação e

interação de toda a comunidade com os visitantes que, além de interagirem, ainda

participam da vivência local.

As ações atuais, referentes ao PA vêm possibilitando e reforçando o

reconhecimento das famílias assentadas, assim como a inclusão da sua cultura em

projetos voltados para o resgate da identidade social do seu povo.

2. OBJETIVOS

Os objetivos estão voltados para a questão do resgate da identidade social das

famílias do Assentamento Veneza, através de uma visão histórica, das origens

familiares e culturais traçadas por seus antecedentes ao longo dos anos, tornando o local

através dessas informações não só um ponto turístico, que possa receber a visitação de

diferentes grupos sociais, mas também aproximar os assentados, principalmente os mais

jovens da sua história, despertando o interesse da comunidade local e dos visitantes

através da sua própria cultura.

3. A IMPORTÂNCIA DA GEOGRAFIA CULTURAL NO ESTUDO DAS

PAISAGENS HUMANAS

Um dos fatores abordados pela Geografia contemporânea é a relação entre o

espaço e a cultura. Dessa forma, a Geografia Cultural tem interesse em estudar as

paisagens humanas a partir da vivência, ou seja, o conhecimento do ser humano e suas

práticas com relação à paisagem.

O desenvolvimento de uma cultura local para a valorização da sua sociedade

considera principalmente as expressões e manifestações de sucessivas culturas até a

cultura presente em sua área.

Essa percepção se dá através de suas ideias e sentimentos, de acordo com o

espaço e o lugar onde o grupo atua. Assim, a paisagem é capturada por uma sociedade

que a produz e a transforma de acordo com seu modo de vida, imprimindo suas marcas

e mostrando qual o tipo de relação que mantém com o espaço.

A área cultural do geógrafo consiste unicamente nas expressões do aproveitamento

humano da terra, o conjunto cultural que registra a medida integral do uso humano da

superfície. Para TUAN “(...)as paisagens servem como pano de fundo para as

atividades humanas...” (TUAN; 1980:162), mostrando-se ricas em simbologia, todos

os objetos presentes nelas podem ser utilizados e analisados de maneiras diferentes,

ou seja, “(...) todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são o

produto da apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem”.

(COSGROVE; 1998:108)

Em seus estudos BERQUE (1998), faz uma diferenciação entre dois tipos de

paisagens culturais, a paisagem – marca e a paisagem – matriz1. Como marca, ela

caracteriza um grupo social, ou seja, expressa as características de uma civilização, mas

1 Essa caracterização das paisagens - marca e matriz, procura entender a relação do sujeito coletivo com o

meio, ou seja, a sociedade que produziu as formas de acordo com suas próprias lógicas, analisando o

sentido da paisagem cultural produzida. (BERQUE, 1998)

também é considerada como matriz porque relaciona a sociedade com o espaço e com a

natureza, marcadas por sua cultura.

Ainda nos estudos sobre paisagem, COSGROVE faz uma abordagem sobre as

paisagens culturais, buscando a partir do simbolismo existente em cada lugar,

decodificar as paisagens simbólicas. “Assim, a paisagem está intimamente ligada a uma

nova maneira de ver o mundo (...) cuja estrutura e mecanismo são acessíveis à

mente humana”. (COSGROVE, 1998:109)

HOLZER (1999) afirma que para haver uma geografia da paisagem tem que haver

uma relação entre o eu e o meio. Deve haver uma dimensão simbólica, uma

subjetividade rica em atitudes e valores, relacionando as diversas experiências do

espaço, convergindo para a análise de idéias e sentimentos em relação ao homem e o

contexto que a circunda. A paisagem não pode ser analisada isoladamente, pois somente

quando somada ao valor social assume uma função transformando-se em espaço.

4. AS PRÁTICAS CULTURAIS COM RELAÇÃO À PAISAGEM NO

ASSENTAMENTO VENEZA

As famílias que vivem no Assentamento Veneza têm uma relação de afeto com o

espaço. A paisagem que é passada de geração em geração, onde as pessoas cultivam

características tanto históricas, como culturais são consideradas de extrema importância,

principalmente no que diz respeito ao resgate da identidade social da população local.

As principais atividades culturais existentes no Assentamento Veneza são

desenvolvidas na Casa de Farinha, onde ocorre o processo de transformação da

mandioca em farinha de forma tradicional e a produção do beiju, da tapioca e do bife de

macaxeira.

Essa produção não é desenvolvida com permanência. Em um único dia da

semana na casa de farinha, os moradores se dividem em grupos para desenvolver essa

atividade. Os homens colhem a mandioca plantada pelos próprios moradores, as

mulheres por sua vez descascam e peneiram a mandioca e em seguida é levada ao forno,

para ser torrada e assim ficar pronta para o consumo.

Funcionando através de um sistema de visitas agendadas, a casa de farinha abre

mais vezes, mostrando aos turistas e curiosos como se dá esse processo de produção. As

pessoas que se deslocam para lá têm a oportunidade de participar ou semente observar o

processo de produção da farinha. Os grupos são recebidos pela comunidade e

participam, durante um dia, das atividades ali desenvolvidas. Também tem acesso à

gastronomia local, tomando café da manhã e almoçando na comunidade.

Nas figuras 1 a 4, podemos observar as práticas culturais da produção da farinha

e alguns alimentos que são feitos pela comunidade e consumidos pela população local e

visitantes.

Figura 1 a 4 – Atividades desenvolvidas pela comunidade do Projeto de

Assentamento Veneza.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2016.

Outra atividade de grande valor no Assentamento Veneza é a produção do

artesanato local todas as sextas-feiras, na Casa do Artesanato, algumas pessoas da

comunidade se reúnem para produção de artigos manuais. A casa do artesanato também

funciona como Associação das Mulheres, fundada em 2012 é formada por oito mulheres

e um homem, construindo assim uma variedade cultural que é o resultado do trabalho

diário das famílias assentadas.

Há alguns anos as mulheres associadas vêm participando de várias capacitações

e consultorias promovidas pelo Serviço de Apoio às Microempresas da Paraíba

(SEBRAE) e outros órgãos, aprimorando, assim, seus trabalhos que as auxiliam nas

despesas domésticas e que as garantem uma melhor qualidade de vida.

Dentre os objetos produzidos na comunidade estão: porta- toalha, pintura em

tecido, crochê, lixeiro de bambu, entre outros. Para que haja a confecção desses

produtos diversos materiais são reciclados, temos como exemplo garrafas pet, cd’s,

partes do coco e tampinhas de garrafa.

Tais produções são comercializadas de porta em porta ou nas barracas de

artesanato, montadas em feiras da cidade de Pilões/PB e em cidades vizinhas do estado

da Paraíba. Nas figuras 5 a 8, podemos observar algumas das etapas de produção do

artesanato local.

Figuras 5 a 8 – Artesanato local

Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2016.

5. INCLUSÃO DO ASSENTAMENTO VENEZA EM EVENTOS CULTURAIS

As manifestações e expressões populares construídas e apresentadas pela

população do Assentamento Veneza além de contribuir na valorização dos artistas da

terra, vem ganhando grande destaque no evento rota cultural intitulado CAMINHOS

DO FRIO, criado em 2005 com intuito de resgatar a cultura local, explorando o

passado patriarcal da região. Um grande projeto que ocorre sempre ao final das festas

juninas, mais especificamente entre os meses de julho e agosto envolvendo sete

municípios da microrregião do brejo paraibano, nas cidades de Areia, Alagoa Grande,

Pilões, Solânea, Bananeiras, e Alagoa Nova, e que tem reforçado a valorização do

ambiente, bem como sua cultura, que apresenta atributos que chamam a atenção de

visitantes que tem curiosidade de conhecer a vivencia e a cultura da região.

O Festival Gastronômico SONS E SABORES que acontece em algumas cidades

da Paraíba (Alagoa Grande, Remígio, Bananeiras, Solânea, Areia e Pilões), também

apresenta a diversidade gastronômica do Assentamento Veneza.

Durante o festival SONS e SABORES a comunidade pode mostrar a

gastronomia desenvolvida por eles. A presidente da associação da Casa das Mulheres,

Maria Conceição Porfírio Ramalho afirma que está é a época mais lucrativa do ano para

população local. (Figuras 9-11)

Figuras 9-11: Principais pratos da gastronomia do assentamento Veneza.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2016.

6. METODOLOGIAS

O estudo das práticas culturais no Assentamento Veneza é um projeto iniciado

em fevereiro de 2016, com o intuito de entender as práticas culturais da comunidade

com relação à paisagem.

A pesquisa in loco e o pesquisador participante são fundamentais para a

percepção e entendimento do grupo que interage no local. Foram utilizados como

principais instrumentos de coleta de informações registros fotográficos e entrevistas

feitas com alguns representantes do Assentamento, que puderam dar um panorama de

como as práticas culturais estão sendo encaradas pelos moradores como resgate da

identidade social dos assentados, mostrando característica e envolvimento de cada um

com o local.

7. RESULTADOS PRELIMINARES

A pesquisa nessa comunidade ainda se encontra no início. O acompanhamento

das atividades culturais no Assentamento Veneza teve início em fevereiro de 2016.

Devido ao fato da Geografia Cultural trabalhar com percepções, observações e

sensações, as visitas à comunidade nos deram uma perspectiva do grande potencial

cultural a ser analisado.

O artesanato, a gastronomia e o turismo, são grandes potenciais vetores de

desenvolvimento econômico. Parcerias com a prefeitura de Pilões/PB e capacitação

juntos aos órgãos competentes podem auxiliar a inserção dessa comunidade em eventos

de natureza cultural que ocorrem na região ao longo do ano.

Através do contato com as culturas apresentadas nesse artigo, foi possível dar

início à compreensão da memória e até mesmo da identidade social do Assentamento,

visualizando a importância da valorização das relações simbólicas e do conceito

histórico-cultural da sociedade local.

8. BIBLIOGRAFIA

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