pragmatismo e serviÇo social: elementos para a crítica...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Filosofia e Ciências Humanas Escola de Serviço Social Programa de Pós-Graduação em Serviço Social Camila Silva Brandão PRAGMATISMO E SERVIÇO SOCIAL: elementos para a crítica ao conservadorismo RIO DE JANEIRO Outubro de 2010

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Filosofia e Cincias Humanas

    Escola de Servio Social Programa de Ps-Graduao em Servio Social

    Camila Silva Brando

    PRAGMATISMO E SERVIO SOCIAL: elementos para a crtica ao conservadorismo

    RIO DE JANEIRO

    Outubro de 2010

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    CAMILA SILVA BRANDO

    PRAGMATISMO E SERVIO SOCIAL: elementos para a crtica ao conservadorismo

    Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Servio Social da Escola de Servio Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Servio Social. Orientadora: Prof Dr Yolanda Guerra

    Rio de Janeiro Outubro de 2010

    Camila Silva Brando

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    PRAGMATISMO E SERVIO SOCIAL: elementos para a crtica ao

    conservadorismo

    Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Servio Social da Escola de Servio Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Servio Social.

    Dissertao aprovada em ____ de _____________ de _______. Banca examinadora:

    ______________________________ Prof Dr Yolanda Guerra (Orientadora/ Presidente da banca ESS/UFRJ)

    _____________________________ Prof Dr Cludia Mnica dos Santos (FSS/UFJF)

    ______________________________ Prof Dr Ftima Grave (ESS/UFRJ)

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    minha me, Carmen, pelo apoio incondicional.

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    AGRADECIMENTOS minha orientadora, Yolanda Guerra, pelos dilogos que travamos, por tornar o processo de elaborao da minha dissertao mais instigante e desafiador e por estimular a minha constante busca pelo processo de conhecimento. minha famlia, pela compreenso e apoio. Em especial em memria de meu pai, por todo o investimento em meus estudos, por ter me incentivado a ir mais longe. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior - CAPES, pelo incentivo atravs da bolsa de mestrado possibilitando minha dedicao exclusiva aos estudos. Aos professores, que sempre nos instigam em nossas buscas tericas. Aos meus amigos, sempre disponveis e solcitos a dividir e compartilhar bons momentos; em especial a Nadjara Luana por termos caminhado juntas desde o processo de seleo do mestrado, pelas nossas conversas e debates; a Camila Ottoni, a quem sempre dividi minhas inquietaes, pelo companheirismo e amizade; a Hudna, sempre presente e amiga, uma pessoa que admiro pela sua luta e dedicao; a Carolina e ao Caio, sem palavras para descrever o apoio de sempre. A todos que estiveram, de certa forma, presentes desde o incio dessa jornada.

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    Mas ele desconhecia

    Esse fato extraordinrio: Que o operrio faz a coisa

    E a coisa faz o operrio. De forma que, certo dia mesa, ao cortar o po O operrio foi tomado De uma sbita emoo

    Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa - Garrafa, prato, faco

    Era ele quem os fazia Ele, um humilde operrio

    Um operrio em construo. Olhou em torno: gamela

    Banco, enxerga, caldeiro Vidro, parede, janela Casa, cidade, nao!

    Tudo, tudo que existia Era ele quem o fazia

    Ele, um humilde operrio Um operrio que sabia

    Exercer a profisso.

    (Fragmento do poema Operrio em Construo 1956 - Vincius de Moraes)

  • 7

    Resumo A dissertao, que ora apresentamos, tem como centro de seu debate a anlise do pragmatismo norte-americano e sua relao com o Servio Social brasileiro partindo de uma crtica da

    sociedade capitalista. Buscamos questionar a cultura dos resultados imediatos, da negao das

    teorias, da relatividade da verdade, da busca por uma prtica vantajosa e utilitria. Nossa

    hiptese a de que o conservadorismo pragmtico possui elementos de caracterizao que se

    atualizam no Servio Social brasileiro. A profisso apresenta caractersticas do pragmatismo que

    incidem de forma incisiva configurando uma determinada forma de ser. Nosso objetivo analisar

    o conservadorismo pragmtico e suas refraes no Servio Social apresentando seus traos

    conservadores e sua expresso como um modo de ser e de pensar da cultura norte-americana.

    Destacamos que nossa preocupao surge da necessidade de entendermos as questes postas ao

    Servio Social na contemporaneidade.

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    Abstract

    The thesis that we are presenting have the center of his debate the analysis of north-

    american pragmatism and its relationship with the brazilian Social Work based on a critique of

    capitalist society. We seek to challenge the culture of instant results from the denial of theories of

    "relativity of truth," the search for an advantageous and useful. Our hypothesis is that

    conservatism has a pragmatic characterization elements which update in brazilian Social Work.

    The profession has features of pragmatism that focus starkly configuring a particular way of

    being. Our goal is to analyze the pragmatic conservatism and its refractions in Social Work

    conservatives showing their traits and their expression as a way of being and thinking of north-

    american culture. We stress that our concern stems from the need to understand issues pertaining

    to social service in contemporary.

    http://www.google.com.br/dictionary?source=translation&hl=pt-BR&q=&langpair=fr|pt

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    SUMRIO

    Introduo ................................................................................................................................... 10 1 As bases do pensamento conservador: elementos para uma compreenso crtica do conservadorismo no Servio Social ........................................................................................... 19 1.1.Crtica ao conservadorismo: a contribuio de Gyrgy Lukcs ............................................. 20 1.2. O debate da questo social: bases para a compreenso da relao do conservadorismo no Servio Social ............................................................................................................................... 40 1.3. A sociologia em xeque: expresso do conservadorismo ....................................................... 56 2 O debate do conservadorismo no Servio Social ............................................................... 69 2.1. A tensa relao do Servio Social como reformismo conservador ....................................... 70 2.2. O debate do sincretismo: elementos para anlise do conservadorismo no Servio Social .... 75 2.3. O conservadorismo romntico como uma das expresses da ideologia dominante .............. 83 2.4. O debate das duas teses: da compreenso conservadora a compreenso crtica do Servio Social ............................................................................................................................................ 96 3 A racionalidade conservadora de origem pragmtica: aspectos e caractersticas para o debate crtico .............................................................................................................................102 3.1. A leitura de Pogrenbinschi sobre o pragmatismo clssico .................................................. 116 3.2. A experincia como conhecimento: a crtica do pragmatismo ao racionalismo e ao materialismo ............................................................................................................................... 137 Consideraes finais ................................................................................................................. 148 Referncias ................................................................................................................................ 154

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    INTRODUO

    O debate do conservadorismo no Servio Social foi objeto de diversas anlises ao longo

    da produo bibliogrfica da rea. Podemos considerar que a preocupao em compreender a

    relao da profisso com o conservadorismo tornou-se mais latente no perodo do movimento de

    reconceituao. Este marco foi importante, pois possibilitou o questionamento das bases

    tradicionais nas quais o Servio Social esteve ancorado e permitiu um amadurecimento

    intelectual de um segmento significativo dos assistentes sociais.

    No Brasil, a conjuntura dos anos 60 e 70 do sculo passado apontou para avanos dos

    movimentos questionadores da ordem social capitalista (reprimidos no perodo da ditadura

    militar). Nesse momento, houve um ambiente propcio para o desenvolvimento das lutas sociais.

    Por outro lado, ocorreram perseguies e coeres queles que questionavam a tomada do poder

    pelos militares. Segmentos do Servio Social se atentaram ao movimento da poca e participaram

    ativamente tanto da militncia poltica contra a ordem social estabelecida quanto voltaram-se

    para reavaliar os laos conservadores presentes na profisso.

    A preocupao dessa dissertao no consiste apenas em compreender essa base

    conservadora, mas sim em sinalizar elementos que nos permitam entender como o

    conservadorismo se reatualiza e de que forma se expressa no Servio Social. A anlise que

    pretendemos traar busca contribuir para problematizar o Servio Social frente ao avano de

    tendncias conservadoras na atualidade. Nosso questionamento parte da inquietao de apontar

    como o Projeto tico-Poltico do Servio Social se estrutura na contracorrente das tendncias

    capitalistas ou como o Projeto tico-Poltico do Servio Social se coloca como uma forma de

    resistncia s tendncias conservadoras da ordem social burguesa.

    consenso que a profisso deu um salto de qualidade aps a dcada de 1980, o que

    representou um avano em sua produo terico-bibliogrfica, em sua perspectiva tico-poltica e

    no nvel de organizao da categoria frente anlise da realidade, o que poucas profisses

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    conseguiram, efetivamente, realizar. Por outro lado, o Brasil um pas que recebe facilmente a

    cultura imperialista, com poucos questionamentos e crticas; seja pela sua histrica ausncia de

    movimentos questionadores e revolucionrios, seja pela sua capacidade econmica de ser

    explorado pelas ditas grandes potncias mundiais. Nesse sentido, o modo de ser e de pensar

    norte-americano possui certa influncia nas esferas da vida social, cultural e cotidiana dos

    brasileiros. Por ser uma profisso inserida nesta realidade, o Servio Social brasileiro recebe os

    influxos desta conjuntura.

    Dessa forma, o centro do nosso debate consiste em abordar o pragmatismo (como uma

    das influncias norte-americana) e sua relao com o Servio Social brasileiro. Trata-se de

    questionar a cultura dos resultados imediatos, da negao das teorias, da relatividade da

    verdade, da busca por uma prtica vantajosa e utilitria; de criticar as caractersticas do

    pragmatismo.

    Partimos da hiptese de que o conservadorismo pragmtico possui elementos de

    caracterizao que se atualizam no Servio Social a partir da influncia da cultura norte-

    americana. A profisso apresenta caractersticas do pragmatismo que incidem de forma incisiva

    na profisso configurando uma determinada forma de ser como a busca desenfreada por

    resultados e intervenes imediatas.

    Mesmo apresentando estes traos conservadores o Servio Social se coloca como uma

    profisso vinculada a um projeto de orientao progressista. Essa contraditoriedade uma

    caracterstica prpria da profisso que surge como uma demanda do capital e do trabalho. Assim,

    o Servio Social brasileiro expressa diversas contradies, sendo esta tambm uma caracterstica

    prpria de sua constituio.

    As atuais expresses do pragmatismo tambm apresentam aspectos diferentes daqueles

    manifestados originalmente na Escola de Chicago. Essa nova configurao est muito atrelada s

    requisies do perodo da financeirizao do capital que precisa se valorizar a todo custo. Todos

    os aspectos que contribuam para o crescimento do capital fictcio so considerados como teis.

    Essas novas expresses do pragmatismo se distinguem em certa medida das concepes

    elaboradas por James, Pierce e Dewey; trs dos principais precursores do pragmatismo.

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    Compete destacar que no iremos abordar as vrias tendncias do pragmatismo, e, sim,

    nos deteremos no chamado pragmatismo clssico, ou seja, o originado na Escola de Chicago

    por James, Pierce e Dewey. Optamos pelo entendimento de sua forma original, pois sabemos que

    h uma lacuna no Servio Social quanto ao estudo do pragmatismo e resgatar sua origem e sua

    fundamentao nos parece de suma importncia.

    O nosso objetivo analisar o conservadorismo pragmtico e suas refraes no Servio

    Social apresentando seus traos conservadores e sua expresso como um modo de ser e pensar da

    cultura norte-americana. Partimos de uma crtica da sociedade em que vivemos, ou seja, atravs

    da leitura crtica do modo de produo capitalista. Este modo de produo, que atingiu uma

    globalidade mundial, prope um modo de ser que est presente em nossa vida social e cotidiana.

    Para compreender a realidade da sociedade capitalista e as bases que geraram as

    condies para a propagao do pragmatismo nos reportamos, nesse momento, a Ianni (1988),

    pois ele mostra que as anlises de Marx apresentam a preocupao de discorrer sobre a

    historicidade por meio da anlise do capitalismo. Atravs de uma apropriao das relaes, dos

    processos e das estruturas sociais possvel compreender a forma de organizao capitalista e seu

    modo de ser. Segundo Ianni, Marx apontou as tendncias do modo de produo capitalista

    atravs da perspectiva dialtica que consiste em captar a articulao presente-passado-presente

    de uma forma singular (Ianni, 1988, p. 33).

    Isso significa que Marx parte do presente em suas analises com vistas a uma prxis

    transformadora para o futuro. A histria compreendida a partir do presente, dos problemas e

    questes pensadas no presente. Porm, para entender o presente necessrio conhecer o

    movimento histrico nos reportando ao passado. A pesquisa do passado permite o estudo de

    estruturas e categorias que so essenciais para conhecer a organizao do presente. Por isso, a

    relao ocorre de forma a articular presente-passado-presente com vistas a um futuro

    transformador.

    Para Marx a histria dada a partir do presente, pela anlise dialtica do presente. O presente do capitalismo repe toda a sua histria, na medida em que todo o passado indispensvel ao entendimento do presente resurge no interior das relaes presentes. Toda a histria do capitalismo parece surgir no curso da anlise da mercadoria. Muitas vezes, temos a impresso de que toda a obra de Marx o produto de uma ampla, sistemtica, demorada e obstinada reflexo sobre o presente. O presente pe e repe

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    relaes, processos e estruturas que exigem a pesquisa do passado (Ianni, 1988, p. 36).

    As bases de fundamentao e de sustentao do capitalismo esto manifestadas no

    presente. Ao nos remetermos ao passado possvel desvelar suas origens com mais propriedade

    para avanarmos na possibilidade de ruptura futura. A histria do capitalismo reposta no

    presente porque sua estrutura est baseada em uma forma de organizao especfica do modo de

    produo capitalista com uma ideologia dominante que se recria e se reinventa em suas crises,

    mas que mantm seu cerne estrutural.

    Ianni (1988, p. 37) diz que o passado que operou na produo do presente aparece na

    pesquisa do presente e exige a sua pesquisa. Ao pesquisarmos o presente necessitamos nos

    reportar ao passado para compreender sua estrutura e fundamentos. As questes e problemticas

    aparecem no presente e demandam uma resposta; mas essa resposta no dada por si s nem

    desvelada em sua aparncia. quando surge a necessidade de se estudar o passado a partir das

    articulaes e mediaes necessrias que ele estabelece com o presente para atingirmos sua

    essncia. Reportamo-nos ao passado para buscar respostas a problemas ou questes expressas na

    esfera da vida cotidiana, nas esferas da vida social, da poltica e da vida econmica.

    Conforme Ianni (1988) aponta, nos interessa tratar da historicidade do modo de produo

    capitalista. O autor diz que a anlise dialtica apresenta a historicidade a partir dos antagonismos

    produzidos pelas foras produtivas e pelas relaes de produo e possuem relao com as

    contradies do modo de produo capitalista. As relaes sociais so uma expresses

    antagnicas do desenvolvimento capitalista porque elas no se do de formas iguais entre os

    sujeitos sociais, j que estes ocupam lugar na sociedade de acordo com a classe social na qual

    esto inseridos.

    Ianni (1988, p. 34) diz que o segredo da historicidade do capitalismo est no divrcio

    entre a produo e a apropriao do valor. Isso acontece porque o prprio trabalhador que

    produz o valor totalmente alienado do produto de seu trabalho. ele quem gera a riqueza social

    no modo de produo capitalista atravs da apropriao da mais-valia1, mas ele no tem

    1 Para uma anlise detalhada sobre a mais-valia ver as terceira, quarta e quinta partes do livro O Capital in: Marx, Karl. O capital: crtica da economia poltica. 12 edio. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1988. Em poucas

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    conscincia desse processo. A maior parte dos capitalistas percebe a mais-valia como se ela fosse

    lucro obtido. O trabalhador passa a ser reconhecido pelo seu valor de troca, pois vende sua fora

    de trabalho em troca de um salrio. Assim como ocorre com as mercadorias, a fora de trabalho

    comprada pelo seu valor de uso. O primeiro momento do antagonismo a alienao do

    trabalhador em relao mercadoria. O segundo momento consiste na forma de compreenso da

    mais-valia. Para o capitalista ela aparece como lucro e para o operrio ela aparece como trabalho

    no pago.

    Segundo Ianni (1988, p. 35) diz que essa relao do capitalista com o produto do

    trabalho operrio o leva a tomar o tempo como uma entidade conjuntural, que permeia apenas as

    relaes presentes para aperfeio-las. Para o capitalismo, o importante o presente, so os

    resultados imediatos, as respostas emergenciais para que seja possvel acrescentar mais valor ao

    capital inicialmente investido. A busca por uma produo mais vantajosa para a ampliao de

    seu capital inicial. Essa forma de pensar ir se refletir em um modo de ser da sociedade

    capitalista que faz com que os indivduos sociais pensem apenas no presente. Esse modo de

    pensar estar intimamente relacionado ao pragmatismo, por isso podemos tratar o pragmatismo

    como uma ideologia, j que ele surge atrelado a um propsito: manter a lgica capitalista,

    especialmente na sociedade norte-americana.

    Ianni (1988) aponta como possibilidades de ruptura o momento em que a classe operria

    percebe as contradies e antagonismos de suas relaes com o modo de produo capitalista.

    Nesse instante, a classe operria projeta sua prtica poltica com o fim de mudar a estrutura

    social, ou seja, ela projeta uma sociedade sobre novas bases e fundamentos. quando o operrio

    busca entender a historicidade do capitalismo, sem se limitar a compreenso das aparncias de

    suas relaes. Esse processo ocorre quando a classe trabalhadora adquire conscincia de classe linhas destacamos a seguinte passagem: na produo de mercadorias, nosso capitalista no movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. Tem dois objetivos. Primeiro, quer produzir um valor-de-uso que tenha um valor-de-troca, um artigo destinado a venda, uma mercadoria. E segundo, quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessrias para produz-la, isto , a soma dos valores dos meios de produo e fora de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado (Marx, 1988, p.210); e o processo de produzir valor simplesmente dura at o ponto em que o valor da fora de trabalho pago pelo capital substitudo por um equivalente. Ultrapassando esse ponto, o processo de produzir valor torna-se processo de produzir mais valia (valor excedente) (idem, p.220).

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    para si, atravs de um movimento reflexivo e crtico. Este autor diz que:

    A histria no nem unilinear nem evolutiva; e muito menos cronolgica. Fundamentalmente, a historicidade do capitalismo dada pelo carter essencialmente antagnico das suas categorias. Por isso que h ocasies em que a histria parece precipitar-se, num ritmo que sobrepassa o andamento cronolgico e em direes radicalmente novas. Ocorre que, de fato, ela se acelera, conforme se agudizam e explicitam as contradies de classes. Reciprocamente, h ocasies em que a histria parece adquirir outro andamento, mais lento. Isto tambm est relacionado ao carter, expanso e profundidade das contradies de classe (idem, p.38) (grifo nosso).

    Ianni (1988, p. 39), na direo de Marx, trata ainda da existncia e da conscincia. Diz

    que a conscincia social, ao mesmo tempo, exprime e constitui as relaes sociais. O lugar

    social ocupado e o posicionamento de classe social permitem a manifestao da conscincia

    social. Para o autor a forma como os homens pensam em relao aos outros e em relao a si

    mesmos define a existncia de uma autoconscincia. A compreenso da existncia de cada classe

    social no capitalismo depende da forma como elas se compreendem e como elas percebem uma a

    outra.

    No se completa a compreenso da existncia do operrio e do capitalista a no ser quando a anlise passa pela forma pela qual um e outro se compreendem a si prprios e reciprocamente. Para reconhecer-se como operrio, indispensvel que o operrio reconhea o capitalista como tal; e vice-versa. Esse reconhecimento , ao mesmo tempo, uma condio fundamental da existncia e negao recprocas (Ianni, 1988, p.39).

    A classe operria s existe em relao classe burguesa e vice-versa. Para se reconhecer

    como classe necessrio reconhecer a existncia da outra classe social e a forma como ela se

    estrutura. importante que a anlise dialtica apreenda as condies de existncia social e as

    formas de conscincia. Com base nisso a existncia e a conscincia possuem uma relao

    intrnseca, pois as condies de existncia determinam o nvel de conscincia, no de maneira

    direta e imediata, mas por meio de mediaes.

    A sociedade compreendida a partir de suas relaes sociais, polticas, econmicas, de

    produo, mas tambm, como destaca Ianni (1988) a realidade possibilita a determinao da

    conscincia. Isso pode ocorrer devido s condies materiais, sociais, polticas e individuais dos

    sujeitos histricos. Por isso, o autor trata da relao das cincias com a conscincia. As formas de

    conscincia constituem-se a partir do lugar ocupado pelos sujeitos nas relaes nas quais esto

    inseridos. A finalidade precpua das idias, conceitos, doutrinas ou teorias exprimir e constituir

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    as relaes sociais (idem, p. 41).

    Ianni (1988) tambm destaca a importncia de distinguir a concepo de essncia da

    concepo de aparncia. Muitas vezes as coisas aparentam ser algo diferente ou superficial de sua

    essncia. Por isso, importante uma anlise dialtica j que no cotidiano as coisas no aparecem

    transparentes, mas so escamoteadas. E por termos essa viso aparente das coisas, por estarmos

    imbudos da ideologia capitalista, prevalece a perspectiva burguesa da compreenso das relaes

    estabelecidas socialmente. Na conscincia burguesa, a maior parte dos problemas tende a ser

    equacionada a partir do princpio da mercantilizao geral das relaes, pessoas e coisas (idem,

    p. 42) (grifo nosso).

    Essa forma de conscincia ocorre porque as mercadorias expressam o produto do trabalho

    do operrio e a fonte de riqueza do capitalista. H uma impresso aparente de que a mercadoria

    final a principal parte do processo de produo, pois ela ser vendida no mercado por troca de

    um valor monetrio. Importante destacar que para o modo de produo capitalista a mercadoria

    aparece como o principal resultado de todo seu processo. Nesse sentido, o que pesa no resultado

    final a utilidade das mercadorias, seu valor de uso e sua funcionalidade imediata. Assim, a

    tendncia transformar tudo que gira em torno da produo capitalista em mercadoria, inclusive

    as relaes sociais.

    Essa leitura de Ianni nos permite afirmar que o debate que travaremos perpassa por uma

    compreenso da estrutura do modo de produo capitalista e de seus processos constitutivos. No

    possvel compreendermos o Servio Social de forma isolada de toda essa dinmica e, por isso,

    apresentamos essa dissertao de forma a articular a anlise da estrutura social do capitalismo,

    passando pelo Servio Social, at chegarmos ao debate do pragmatismo.

    Tambm necessrio destacarmos que mesmo nos reportando ao surgimento do

    pragmatismo e sua forma clssica, nossa preocupao parte da necessidade de entendermos as

    questes postas ao Servio Social na contemporaneidade, especialmente ao que diz respeito s

    influncias conservadoras como a ps-modernidade. A partir da anlise da leitura de Ianni

    reconhecemos a relevncia de buscarmos no passado os fundamentos do conservadorismo para

    entender essa relao presente na profisso, assim como para propor possibilidades de

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    interveno.

    Cabe destacar, que minha aproximao com o tema do pragmatismo no provm de

    inquietaes recentes, ela se manifesta desde o perodo da graduao, especialmente com minha

    insero na iniciao cientfica atravs do Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre os Fundamentos

    do Servio Social na Contemporaneidade NEFSSC que estimulou minha capacidade crtica e

    questionadora e foi o grande impulso para aprofundar meus estudos e culminou na elaborao do

    estudo sobre a modernidade e a ps-modernidade para o meu trabalho de concluso de curso na

    graduao e, principalmente, no desejo de aprofundar meus estudos na ps-graduao.

    Dessa forma, no primeiro captulo intitulado As bases do pensamento conservador:

    elementos para uma compreenso crtica do conservadorismo no Servio Social temos como

    objetivo abordar uma leitura crtica da sociedade capitalista questionando seus elementos

    conservadores e sua base de sustentao. Traremos para o debate a anlise de Gyrgy Lukcs

    sobre a crtica ao conservadorismo na sociedade capitalista, sobre seu modo de pensar, sobre a

    ideologia dominante. A partir da leitura que o autor realiza da obra de Marx podemos destacar o

    surgimento de algumas manifestaes e propostas de aplicao de conhecimento como funcionais

    ideologia que sustenta as bases do capitalismo. Por fim, versaremos sobre o surgimento da

    sociologia como uma expresso dessa forma de pensar que produz e reproduz a lgica da

    estrutura da sociedade burguesa. Apontaremos algumas questes abordadas por Gouldner quanto

    a sociologia acadmica e a cultura norte-americana. Sua anlise nos fornece aportes para

    atrelarmos o surgimento da sociologia ao aparecimento do pragmatismo, ao considerarmos como

    expresses de um mesmo contexto societrio, ou seja, ambos defendem interesses que permitem

    justificar as bases de sustentao do modo de produo capitalista. Por fim nesse captulo, nos

    reportamos ao debate da questo social e sua relao com o surgimento da profisso.

    Consideramos a questo social como uma expresso das consequncias oriundas da relao

    capital/ trabalho no modo de produo capitalista. Por ser um debate relevante a compreenso do

    significado da profisso e de sua relao com o conservadorismo, abordamos diversos autores

    que tratam da questo social e as diversas perspectivas do debate.

    No segundo captulo apresentaremos O debate do conservadorismo no Servio Social.

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    Apresentaremos as bases da relao da profisso com o pensamento conservador. Trataremos das

    contribuies dos autores que partem do estudo do Servio Social atravs de uma leitura crtica

    da sociedade capitalista analisando as tenses pelas quais a profisso passou e passa em sua

    relao com o pensamento conservador e a apropriao da perspectiva marxista. De tal modo, nos

    baseamos nas leituras de Iammamoto sobre o reformismo conservador, de Netto sobre o

    sincretismo, de Machado sobre o conservadorismo romntico e de Montao sobre o debate das

    duas teses no Servio Social. Consideramos importante dizer que h outros autores que tratam do

    conservadorismo na profisso, assim sinalizamos uma sntese do debate apresentado

    considerando os elementos que nos permitem pensar a relao do Servio Social com o

    pragmatismo.

    No terceiro captulo abordaremos A racionalidade conservadora de origem pragmtica:

    aspectos e caractersticas para o debate crtico. Realizamos uma aproximao discusso do

    pragmatismo a partir da leitura de Pogrenbinschi. Consideramos que h uma lacuna no Servio

    Social quanto aos estudos relacionados ao pragmatismo, assim nossa proposta foi realizar um

    panorama geral do debate, das caractersticas e da origem do pragmatismo. Neste captulo

    esperamos oferecer um aporte inicial para a crtica ao conservadorismo pragmatista,

    especialmente no trato da relao dessa expresso ideolgica no Servio Social.

    Diante da estrutura apresentada no pretendemos levantar concluses sobre o debate que

    apresentamos e sim algumas consideraes observadas ao longo das leituras que realizamos, pois,

    sabemos que iremos destacar notas preliminares acerca de um assunto to denso que requer uma

    leitura de um aporte terico crtico capaz de permitir uma apreenso do significado do

    pragmatismo na sociedade capitalista. Ainda que nos parea distante, o pragmatismo se expressa

    com uma intensidade cada vez maior quando se exige a busca por resultados imediatos, a

    exigncia desenfreada da prtica pela prtica, a necessidade de se buscar uma utilidade terica, a

    relatividade da verdade, a negao prxis. Se o debate que apresentamos instigar a busca por um

    aprofundamento deste estudo consideraremos que nossa proposta tenha atingido seu objetivo.

  • 19

    1 - As bases do pensamento conservador: elementos para uma interpretao crtica

    do conservadorismo no Servio Social

    Este captulo visa apresentar algumas analises tanto de autores que possuem como

    preocupao estudar o Servio Social, como de importantes pensadores da rea da filosofia e das

    cincias humanas e sociais. A leitura que iremos fazer desses autores no esgota o debate do

    conservadorismo, mas permite apresentar um subsdio para a compreenso de seu significado.

    Iniciaremos tratando do pensamento de Gyrgy Lukcs analisando a estrutura da

    sociedade capitalista e seus elementos conservadores. Nossa preocupao pontuar a anlise

    crtica de Lukcs, como ele percebe a cultura norte-americana atravs de seu modo de ser e de

    pensar colocando os Estados-Unidos como centro da potncia mundial hegemnica no

    capitalismo. Atravs de suas elaboraes poderemos sinalizar os traos de imediaticidade, de

    individualizao, a busca pelo conhecimento utilitrio no qual o modo de produo capitalista se

    baseia e que se caracterizam como aspectos do pragmatismo.

    Por fim, abordaremos a consolidao da sociologia acadmica como uma expresso da

    necessidade do pensamento capitalista produzir conhecimento que seja funcional a sua estrutura

    para reproduo de sua ordem social. da base da constituio da sociologia acadmica que

    emanar as possibilidades de determinadas formas de pensar contribuindo para a configurao da

    lgica capitalista, como o caso do pragmatismo. Dessa forma, apresentaremos o pensamento de

    Gouldner para analisarmos a sociologia acadmica e sua relao com nosso objeto de estudo.

    Ainda que saibamos das crticas feitas e da pouca proximidade que Gouldner possui com o

    marxismo, no desmerecemos sua anlise visto que ela apresenta uma importante apreenso da

    constituio da forma de ser e de pensar da sociedade norte-americana.

    A partir destas consideraes resgataremos o debate sobre a questo social destacando a

    perspectiva crtica e a perspectiva conservadora. Iremos apresentar o debate a partir de diversos

    autores, principalmente no Servio Social. Dessa forma poderemos expor a crtica do surgimento

  • 20

    da profisso e entender a relao do conservadorismo no/ do Servio Social.

    1.1. Crtica ao conservadorismo: a contribuio de Gyrgy Lukcs

    Lukcs, baseado em uma apreenso da teoria marxiana, realizou a crtica a sociedade

    capitalista e a seus traos conservadores. O autor nos possibilita uma leitura densa e crtica, pois

    tem como fonte terica a ontologia do ser social de Marx. Para ele, todo intelectual que busque

    uma anlise, de forma sria e crtica, da realidade na qual vive, deve se apropriar de um

    referencial terico metodolgico marxiano. Essa apreenso parte da preocupao com sua

    prpria concepo de mundo e do desenvolvimento social, particularmente a situao atual, a sua

    insero nela e seu posicionamento frente a ela (Lukcs, 2008, p. 36). Lukcs parte da anlise de

    Marx, pois ele elaborou uma teoria da mais-valia, uma concepo de histria como a histria da

    luta de classes, alm de demonstrar a existncia da sociedade dividida em classes sociais

    antagnicas, de interesses divergentes. Ou seja, Marx apresentou uma teoria a partir de uma

    perspectiva dialtica baseada numa noo de totalidade e de prxis. Ele realizou uma anlise dos

    problemas do presente, mas sempre resgatando o passado histrico com o objetivo de atingir um

    futuro transformador, que superasse a sociedade capitalista.

    A partir desta anlise, Lukcs (2008) demonstrou a real articulao entre teoria/ prtica e a

    existncia de uma prxis revolucionria. A intensidade de seu compromisso e da apropriao da

    obra de Marx lhe permitiram entender que a realidade sempre mais complexa e dinmica do

    que a capacidade do homem de apreend-la. Sua apropriao de Marx possibilitou uma anlise

    consistente ao atingir a compreenso de que a teoria revolucionria torna-se vazia sem uma

    prtica que a acompanhe e esta articulao s torna-se possvel atravs da prxis. Esse

    entendimento parte da contribuio de Marx que se props a realizar a crtica da sociedade

    capitalista e a busca do pleno desenvolvimento do homem. Sua anlise rica em detalhes da

    histria, da apreenso das contradies capitalistas, das lutas de classes, do trabalho como

  • 21

    expresso do livre desenvolvimento do homem e como direo de sua existncia - mas que

    apresenta formas degradantes e alienantes no capitalismo. A transformao desta realidade s

    possvel atravs de uma apropriao crtica dialtica e uma perspectiva de totalidade, mas no

    apenas, necessrio transformar essa realidade atravs da ao dos homens.

    O materialismo dialtico, a doutrina de Marx, deve ser conquistado, assimilado, dia a dia, hora a hora, partindo-se da prxis. Por outro lado, a doutrina de Marx, na sua inatacvel unidade e totalidade, constitui o instrumento para a interveno prtica, para o domnio dos fenmenos e de suas leis. Se separarmos desta totalidade um s elemento constitutivo (ou, simplesmente, se o descurarmos), novamente teremos rigidez e unilateralidade. Se no apreendermos, nesta totalidade, a relao entre seus momentos, perderemos o cho da dialtica materialista (Lukcs, 2008, p. 41).

    Lukcs tambm chamou a ateno para o fato de que as cincias naturais tiveram amplo

    espao favorveis a seu desenvolvimento, mesmo apresentando conflitos e crises, mas seu

    progresso era uma questo to importante para o desenvolvimento capitalista que ela foi

    amplamente incentivada e estimulada. Por outro lado, no campo das cincias sociais, a poltica e

    a filosofia tiveram dificuldades de expandir-se. Isso ocorreu, e de certa forma ainda ocorre,

    porque para o capitalismo importante o desenvolvimento das foras produtivas, e para tanto,

    so necessrios estudos nas reas da fsica, matemtica, qumica, enfim, na rea das cincias

    naturais. Quanto aos estudos desenvolvidos sobre as relaes humanas, o incentivo capitalista

    ocorre apenas quando h interesse em desvendar os processos de explorao do capitalismo com

    o objetivo de aprimorar as formas de dominao e alienao. O investimento de pesquisas na rea

    das cincias humanas no ocorre no sentido de desvendar as bases do sistema capitalista.

    Interessa apenas o investimento que permita manipular e incentivar o homem ao consumo

    criando constantes e novas necessidades. Para o capitalismo no interessam estudos sobre as

    relaes humanas no sentido de tornar o homem emancipado e independente, e nem interessa as

    pesquisas que possuem objetivo de desvelar os processos de explorao.

    Nesse sentido, o capitalismo se desenvolve a partir de suas prprias leis2. Estas se

    2 Lukcs (2008, p. 62) acrescenta que Marx formulou tais leis mais corretamente que os tericos da sociedade burguesa, ou seja, ele as compreendeu em sua essncia e totalidade a partir da perspectiva da qual defendiam: a classe burguesa. E mais, a lei jamais opera diretamente, sem a superao de contradies dialticas, e at pode ocorrer que, em certos casos, no atue em sua direo fundamental, mas, de fato, seja temporariamente travada por condies desfavorveis (Lukcs, 2008, p. 56).

  • 22

    desenvolvem de acordo com os interesses da sociedade em questo postos pela classe dominante.

    Basta ressaltar que para o capitalismo importante seu desenvolvimento a partir de suas prprias

    leis, mas ele necessita da ideologia para obter aceitao na sociedade.

    Na fenomenalidade da apreenso da lgica capitalista, o mercado aparece como um

    modelo universal de toda prxis humana (Lukcs, 2008, p. 101). A mercadoria aparece de

    forma fetichizada e cria novas necessidades de consumo para que novos produtos possam ser

    produzidos e vendidos no mercado capitalista. As propagandas comerciais parecem apresentar

    produtos inovadores e de utilidade necessria. Rapidamente um produto entra em circulao e

    passa a ser um falso artigo de necessidade para a vida humana. Esse comportamento consumista e

    utilitarista, de compra de produtos a partir de sua utilidade para a vida cotidiana, passa a ser

    cobrado tambm na vida pblica e nas relaes sociais. Todo conhecimento produzido no sentido

    de fortalecer essa lgica ser til para fomentar o domnio capitalista sobre as esferas da vida

    humana.

    Com efeito, as relaes sociais do capitalismo manipulado, a busca de prestgio atravs do consumo que ele necessariamente estimula, tornam esta relao [do homem com a mercadoria] extremamente problemtica at mesmo para o mercado. A manipulao sutil consiste precisamente em sugerir aos compradores a aquisio de uma determinada mercadoria de tal modo que cada um deles imagine que a posse de tal mercadoria o resultado de uma deciso livre, ou melhor, a expresso da prpria personalidade (Lukcs, 2008, p. 101).

    Ao destacar a relao teoria/ prtica, diz que no plano do cotidiano h uma tendncia a

    relacionar imediatamente os fundamentos da teoria com os problemas do dia-a-dia (Lukcs,

    2008, p. 58). Essa relao imediata prpria das exigncias da cotidianidade que no requer a

    realizao de mediaes ou de crticas, que permitam buscar a essncia e o fundamento das

    coisas.

    Quanto a ideologia e a necessidade de uma relao com o compromisso prtico, Lukcs

    destaca, que existe uma ideologia com fim de manter os interesses da classe dominante, mas

    tambm se expressa como fruto de conflitos.

    preciso entender ideologia em seu exato sentido marxista. No prefcio Contribuio crtica da economia poltica, as formas ideolgicas so definidas como o meio social que permite aos homens conceber este conflito [no nvel da economia] e lev-lo at o fim. Nesta definio, chama ateno a duplicidade de sua dialtica interna. Por um lado, os conflitos a resolver se formam em funo da lei necessria objetiva que faz surgir

  • 23

    contradies entre foras produtivas e relaes de produo; por outro, e ao mesmo tempo, toda ideologia um conjunto de meios atravs dos quais os homens tornam-se capazes de tomar conscincia de tais conflitos e de enfrent-los na prtica (Lukcs, 2008, p. 142).

    O autor prossegue dizendo que o desenvolvimento das foras produtivas tambm acarreta

    em implicaes aos conflitos ideolgicos. Ele demonstra que o processo de constituio e

    expanso do capitalismo aparece como um processo de democratizao constitudo de

    determinada ideologia. Ao mencionar Marx, Lukcs demonstra que a ideologia uma forma de

    travar a luta no interior dos conflitos que se manifestam na esfera econmica e social. Como a

    sociedade de classes produz conflitos ela apresenta uma contnua batalha ideolgica.

    Na leitura de Lukcs (2008) Marx considera que quando uma ideologia desaparece

    significa que ocorre um processo socialmente determinado que apresenta uma movimentao de

    acordo com a funo do desenvolvimento social. Ou seja, uma ideologia pode ser superada

    atravs de um processo social e histrico e no desaparece abruptamente. Assim, na sociedade

    capitalista a ideologia dominante tem relao com uma determinada forma de ser de acordo com

    interesses de uma classe especfica.

    A ideologia deve sempre ter um fundamento material, o que naturalmente no anula sua ao prtica como potncia social, mas, ao contrrio, refora-a extensiva e intensivamente, emprestando-lhe uma base real no interior do concreto ser-precisamente-assim (Lukcs, 2008, p 182).

    Em suas anlises, Lukcs destaca que aps a ascenso da burguesia ao poder no tardou

    para que ela se mostrasse como uma classe que apresenta um projeto societrio voltado para si

    mesma. O autor destaca um pensador burgus que considera relevante para apresentar a crise da

    filosofia burguesa. Segundo Lukcs (2008, p. 72) Sartre afirmou que toda a cincia burguesa se

    encontra em crise, que a filosofia burguesa no est em condies de criar novos conceitos nem

    de promover de modo exitoso o progresso cientfico. Lukcs acrescenta que mesmo sendo um

    pensador burgus, Sartre afirma que a nica concepo de mundo capaz de desenvolver uma ao

    com resultados mais profundos seria o marxismo, mas que este no o fez, pois, segundo sua

    crtica, o marxismo no foi capaz de produzir nenhum trabalho cientifico de flego para atender a

    tais expectativas.

  • 24

    Depois da guerra, a ideologia burguesa no mais foi capaz de dar vida a uma concepo de mundo de tal magnitude. O fato de ser precisamente Sartre a proclamar a crise da filosofia burguesa, de ser precisamente ele a indicar no marxismo o caminho de resoluo desta crise, tem um enorme significado, de ressonncia internacional 3 (Lukcs, 2008, p. 73).

    Lukcs tenta demonstrar como o pensamento burgus entrou em crise e apresentou-se de

    forma decadente. Aquela classe social, que buscou superar o feudalismo em prol da liberdade, da

    razo e da justia humana em busca da emancipao do feudalismo - reivindicando pela razo

    humana - mostrou-se, a partir de ento, como uma classe social em busca de seu enriquecimento

    pessoal e que, para atingir seus objetivos pessoais, universalizou seus interesses pessoais.

    Uma crtica realizada pelo autor est na compreenso de que na teoria dos clssicos do

    marxismo, o ser-precisamente-assim dos fenmenos histrico-sociais e as leis que os regem,

    formulveis em termos universais, no constituem nunca antteses metodolgicas, mas, ao

    contrrio, formam uma indivisvel unidade dialtica (Lukcs, 2008, p. 84). Nesse aspecto

    manifesta-se sua crtica: no basta ser marxista, ser adepto desta perspectiva, necessrio

    compreender categorias e direes nas quais se baseiam a perspectiva marxista. Lukcs (2008)

    trata, especificamente, da importncia de se compreender a categoria de ser-precisamente-

    assim. Esta compreenso to importante quando o estudo das particularidades e das

    universalidades. Ele explica essa categoria da seguinte forma:

    o ser-precisamente-assim , antes de mais nada, uma categoria histrico-social, ou seja, o modo necessrio pelo qual se apresenta o jogo contraditrio das foras socioeconmicas que operam em determinado momento no interior de um complexo social situado num estgio especfico de seu desenvolvimento histrico (Lukcs, 2008, p. 84).

    Quanto a esta contraditoriedade das foras socioeconmicas, Lukcs (2008) ir destacar

    como fato importante na Revoluo Francesa a relao estabelecida entre Estado e sociedade

    civil, caracterstica at ento inexistente nas sociedades anteriores. Essa relao objetiva tornar a

    vida poltica como um interesse de toda populao e no mais de um grupo ou segmento restrito

    da sociedade. Assim, a batalha ideolgica realizada pela burguesia em busca do reino da

    razo passa a constituir a base da vida social. Mesmo que tenha ocorrido uma busca pela

    3 Aqui, Lukcs (2008) trata da Guerra Fria.

  • 25

    unidade da relao entre Estado e sociedade civil, os interesses defendidos no eram sempre os

    mesmos. Lukcs destaca que o Estado de toda sociedade uma arma ideolgica para travar os

    conflitos de classe segundo o modo de pensar da classe dominante (Lukcs, 2008, p. 92).

    Posio, esta, apresentada por Marx no Manifesto do Partido Comunista.

    Na leitura que realiza de Marx, Lukcs (2008) destacou que o idealismo produzido em

    torno do Estado e da vida poltica, aps o feudalismo, buscou uma realidade baseada no

    materialismo da sociedade civil. Ou seja, esse idealismo deveria ser ancorado nas expresses

    reais de relao entre sociedade civil e Estado, como foi o caso das Constituies estabelecidas

    posteriormente. A realidade capitalista estabeleceu um patamar no qual o sujeito da prxis um

    homem egosta, incapaz de se sobrepor a particularidade. Essa caracterstica do capitalismo afasta

    as possibilidades do homem se realizar em seu sentido mais amplo, em se constituir como

    homem genrico. A sua vida material se ope a sua vida genrica e isso o distancia de sua

    essncia emancipadora.

    Lukcs (2008) tratou da concepo de liberdade e de igualdade para demonstrar as bases

    das relaes sociais na sociedade capitalista. Vale destacar que, nessa conjuntura, ambas as

    concepes esto, de certa forma, atreladas a circulao de mercadorias e ao aspecto econmico.

    Isso significa, que liberdade e igualdade possuem um sentido especfico dentro do marco

    capitalista, que pouco est relacionado a liberdade e igualdade humana, a emancipao dos

    homens. O que hoje se costuma chamar de liberdade o resultado da indiscutvel vitria das

    foras capitalistas (Lukcs, 2008, p. 94) (grifo nosso). A liberdade nos marcos do capitalismo

    tem um sentido restrito, mas que apresenta uma falsa aparncia de ampla liberdade. No entanto,

    ela est sempre atrelada ao aspecto econmico. Isso ocorre porque nos marcos do capitalismo a

    liberdade est, inicialmente, atrelada a possibilidade do homem poder vender livremente sua

    fora de trabalho a outro homem detentor dos meios de produo. Ou seja, ele no mais um

    escravo obrigado a sofrer determinada condio de sobrevivncia, ele pode optar se vende ou no

    sua fora de trabalho em troca de um salrio. Essa liberdade restrita porque o homem precisa

    vender sua fora de trabalho para sobreviver e h uma srie de fatores que implicam na forma

    como esse processo ocorrer.

  • 26

    Vejamos: sabido que na sociedade na qual estamos organizados, todos possuem o direito

    igualdade e a liberdade. Caractersticas, inclusive, que diferenciam a sociedade capitalista de

    outras formas de organizao social como o escravismo e o feudalismo. Mas a liberdade est

    associada ao trabalho. O homem passa a ter liberdade de escolha, pois ele decide se quer ou

    no trabalhar para determinado indivduo possuidor dos meios de produo. Nas demais

    sociedades, o homem era forado a trabalhar, independente de sua vontade. No escravismo, a

    relao se estabelecia entre dono e escravo. A relao era degradante, inclusive, o senhor,

    dono dos escravos, tinha direito a impetrar castigos severos, desumanos, degradantes. No

    feudalismo, o homem trabalhava para o senhor feudal em troca de casa e comida. A grande

    diferena no capitalismo que o homem passa a vender sua fora de trabalho, ele recebe um

    valor monetrio e agora a relao passa a ser entre patro e empregado. Essa aparente liberdade

    escamoteia as reais relaes capitalistas que no se expressam na sua essncia.

    O fato que a essncia humana ligada a totalidade real das relaes sociais e ao

    desenvolvimento dessas relaes. Lukcs (2008, p.98) parte da afirmao de que a vida genrica

    do homem est em contradio com sua vida material [isso] implica uma inter-relao ontolgica

    e, por isso, histrico-social entre o indivduo e o gnero. A unidade entre individualidade e

    genericidade no naturalizada, mas sim resultado de um processo scio-histrico. Para tanto,

    necessrio que a sociedade se socialize de forma que o homem saia de sua origem animal, de sua

    socializao primria para atingir sua genericidade. De certa forma, o capitalismo que inicia

    esse processo rumo a genericidade dos homens porque ele permite o desenvolvimento das foras

    produtivas.

    Toda a anlise apresentada por Lukcs demonstra a relao da sociedade capitalista com

    as possibilidades de elevao social. O capitalismo possui limites reais em suas estruturas que

    no permitem superar barreiras como a desigualdade, a misria, o individualismo. A base da

    sociedade capitalista est em fomentar mais valor no processo de produo, em multiplicar as

    mercadorias para o consumo, em criar necessidades, muitas vezes superficiais. Assim, Lukcs

    (2008) esclarece de forma clara uma categoria muito constante na relao entre indivduo e

    sociedade capitalista, que exatamente a categoria do ter. Esse ter, associado ao consumo

  • 27

    desenfreado, a posse de bens materiais; acarreta em consequncias para as relaes sociais entre

    os homens. No casual que o fenmeno da alienao, ao mesmo tempo econmico, social e

    humano-individual (...) tenha hoje se tornado um problema scio-humano universal (Lukcs,

    2008, p. 100) (grifos nossos).

    No capitalismo a liberdade e a igualdade no desaparecem, mas elas adquirem formas

    cada vez mais prximas dos contedos ideolgicos da classe dominante. Quanto mais a liberdade

    est atrelada aos ideais originrios da burguesia, mais ela assume uma forma vazia e repleta de

    fetiche. Assim, o fetiche da liberdade no pode estar vinculado apenas ao aspecto ideolgico, ele

    passa a ter que ser operado, efetivado na vida cotidiana.

    Ao citar Marx, Lukcs destaca que o aspecto econmico extremamente importante na

    anlise de qualquer sociedade apesar de no ser o nico relevante. Isso significa que a liberdade

    do homem est vinculada a sua condio diante da realidade econmico-social. Para que essa

    liberdade de fato seja exercida necessrio criar condies de igualdade econmica entre os

    homens, diferente do que o ocorre no sistema capitalista que gera a desigualdade social. Cabe

    destacar uma citao do autor que apresenta uma sntese das questes apontadas:

    A economia e permanece o processo de reproduo material da sociedade e dos homens, processo no qual o indivduo, no final das contas, resulta ser um objeto; sua conscincia no vai alm da compreenso o mais possvel correta das possibilidades objetivas mais favorveis. Neste terreno, no h espao para atividades que funcionem como atividades do gnero humano tomado como fim em si mesmo. Mas isso no anula o salto que tem lugar quando se socializam os meios de produo: em primeiro lugar, elimina-se assim o fenmeno social pelo qual indivduos ou grupos conseguem pr as funes sociais da economia a servio de seus interesses privados egostas; e, em segundo, em estreita conexo com este primeiro ponto, surge a possibilidade objetiva de pr conscientemente o desenvolvimento econmico a servio dos interesses superiores do gnero humano, o que, no quadro da propriedade privada dos meios de produo, sempre foi, quando muito, um subproduto no intencional (Lukcs, 2008, p.113).

    A estrutura da sociedade na qual o homem est inserido tem como necessidade adapt-los

    a determinados tipos de comportamentos coerentes com a ideologia dominante de uma poca. Em

    sua anlise marxista Lukcs tambm destaca que as grandes decises histricas so realizadas de

    acordo com a prxis relacionada vida cotidiana dos homens, ou seja, no so apenas tomadas a

    partir de uma leitura terica, mas tambm de problemas em torno da vida cotidiana.

    Principalmente, as grandes decises esto articuladas a mudanas de fato atravs da ao

  • 28

    humana.

    Lukcs (2008) ir tratar da luta contra as tendncias burocrticas. A burocracia

    identificada como uma tendncia que consolida o passado em detrimento do presente. A busca

    pelo passado ocorre pela rotina que se estabelece nas prticas burocrticas que no requerem

    nenhum rigor ou relao com atitudes presentes ou atualizadas. Este um aspecto brevemente

    abordado em suas anlises, mas no menos importante. Para o capitalismo as prticas

    burocrticas tero uma importncia essencial para a organizao estatal, muito em decorrncia

    dessa busca pelo passado e pela manuteno do institudo pela ideologia dominante.

    Esse debate tem relao com a leitura marxista do trabalho feita por Lukcs (2008) porque

    em alguns momentos a exigncia por um trabalho burocratizado ou ainda a burocracia instituda

    em algumas esferas da produo dificultam uma apreenso crtica do modo de produo

    capitalista. Quanto mais elevada for a forma econmica assumida pelo trabalho, mais se dar

    ateno para aqueles que vivem da venda de sua fora de trabalho, ou seja, os trabalhadores. No

    capitalismo, o trabalho possui um sentido puramente econmico. Marx defende que o trabalho

    para ser emancipador no pode estar submetido a qualquer tipo de diviso que gere relaes

    desiguais. O trabalho uma questo central quando se trata da humanizao do homem.

    Sobre o marxismo recaem diversas crticas, dentre elas a concepo de verdade. Lukcs

    (2008) nos aponta com preciso crtica a importncia do mtodo marxista.

    O marxismo afirma a existncia, para cada questo, de apenas uma resposta correta, aquela adequada realidade objetiva. Mas tal resposta no se forma a partir das deliberaes de uma instncia qualquer, mas por meio da pesquisa, da anlise etc.; e, quando formulada, deve ser criticamente avaliada com exatido atravs de discusses, o que faz com que seja necessrio frequentemente um certo tempo antes que uma verdade seja universalmente reconhecida como tal. (Lukcs, 2008, p.188).

    Lukcs (2008) tambm trabalha com a concepo de racionalismo e irracionalismo.

    Destaca que esta anlise no deve ser feita de forma isolada e sim histrica, relacionada a uma

    juno de teorias irracionalistas que predominaram na esfera social e moral. Para o autor a crise

    do racionalismo decorre do triunfo da Revoluo Francesa, precisamente porque esta vitria

    permitiu a vigncia da Revoluo Industrial e, consequentemente, conduziu s contradies

    capitalistas. A conseqncia deste processo, do ponto de vista ideolgico, foi a instaurao de

  • 29

    uma situao que implica, simultaneamente e inseparavelmente, uma realizao e uma refutao

    das idias do Iluminismo (Lukcs, 2008, p.27).

    Ao tratar da crise da democracia Lukcs demonstra sua origem atravs da contradio

    entre liberdade e igualdade. Ao serem instauradas na vida social, a liberdade e a igualdade

    apresentaram seu carter contraditrio e se expressaram nas esferas poltico-sociais do sculo

    XIX. Ou seja, foi a formalizao da igualdade e da liberdade na vida social que aguou tais

    contradies e gerou a crise ora destacada. A democracia, da qual o projeto de modernidade de

    caracterstica emancipadora trata, no pode estar ligada ao capitalismo, por isso o motivo desta

    crise. Lukcs (2007) ir abordar a conformao das relaes sociais a partir do desenvolvimento

    da sociedade de classes, ou seja, do capitalismo. Ele destaca que quanto mais se desenvolve a

    teoria econmica capitalista, mais as relaes so caracterizadas pelas consequncias do vis

    explorador. A proposta capitalista de que o homem necessita sempre de uma dimenso concreta

    para configurar as coisas e as relaes humanas, trata-se de atribuir caractersticas da

    mercantilizao e das mercadorias a todas as esferas da vida. Essa caracterstica no aparece de

    forma clara e slida, ela aparece de forma fetichizada. As formas de explorao do homem pelo

    homem manifestam-se fetichizadas, sua socializao aparece como uma forma de destruio de

    sua personalidade.

    Todos estes aspectos acarretam em uma direo: a ideologia irracionalista. A presena e o

    vigor do irracionalismo esto relacionadas a condies e espaos propcios para a emergncia do

    questionamento do racionalismo. Ao tratar da concepo irracionalista, Lukcs (2007, p. 41) diz

    que:

    A ideologia irracionalista nasceu opondo-se Revoluo Francesa e, por isso, dirige-se energicamente contra o conceito de progresso, contra a necessria destruio do velho pelo novo. Constitui, desde o incio, uma defesa da velha sociedade aristocrtica e no s no plano poltico. Est voltada ideologicamente contra o reino da razo postulado pela Ilustrao e quer to-somente manter as instituies etc., simplesmente porque parecem vivas, independentemente do seu carter racional ou no. Trata-se, pois, de um repdio da razo como critrio. A independncia assim estatuda das instituies, tradies etc. em face da razo converte-se em concepo positiva: justamente porque tais instituies, tradies etc., representam algo mais elevado que qualquer racionalidade, nelas se manifesta o ncleo supra-racional ou o irracional da realidade em geral.

    A propagao do irracionalismo decorre da decadncia ideolgica que se estabelece

  • 30

    devido ao distanciamento da cultura em relao aos interesses da classe trabalhadora. Com o

    avano do imperialismo h um estmulo a ideologias decadentes que incitam o embrutecimento

    das massas. O perodo da decadncia ideolgica se inicia exatamente com o avano do

    imperialismo quando filosofias reacionrias ganham espao e so oriundas das conquistas

    cientficas.

    Lukcs (2007) tambm trata do mtodo marxista. Destaca que Marx e Engels se

    empenharam para constituir o materialismo dialtico. A filosofia marxista prioriza o contedo

    sobre a forma, por isso, a tarefa da filosofia marxista estabelecer uma dimenso dialtica em

    relao ao contedo e forma. Isso no significa desconsiderar a forma e sim considerar o

    contedo sobre a perspectiva de totalidade4 atravs de um critrio concreto e histrico.

    O marxismo apresenta inovaes na leitura da realidade e na perspectiva de apropriao

    desta realidade. A prxis ocupar um lugar de destaque e um lugar inovador. A concepo

    filosfica marxista do mundo algo novo, possui como herana: a grande filosofia materialista

    dos sculos XVII e XVIII, o desenvolvimento do mtodo dialtico na filosofia clssica alem, a

    economia poltica at Ricardo, a dissoluo de sua escola, os clssicos do socialismo utpico, os

    grandes historiadores do incio do sculo XIX e as correntes democrtico-revolucionrias na

    Rssia (Lukcs, 2007, p. 68).

    Ao tratar do mtodo e da dialtica marxista, Lukcs (2007) resgata a contribuio de

    Hegel e realiza uma crtica da perspectiva e da leitura de Marx. Aponta Hegel como o precursor

    da dialtica materialista de Marx. Ao analisar a contribuio de Hegel, Lukcs sinaliza para a

    prpria dialtica que envolve a importncia de resgatar o passado para compreender o presente.

    Diz que a filosofia importante para a compreenso do movimento da histria, dessa forma, o

    presente pode necessitar de um resgate de tendncias do passado. Ao ser considerado o precursor 4 Lukcs (2007, p. 59) explica a dialtica da totalidade da seguinte forma: A verdadeira totalidade, a totalidade do materialismo dialtico, (...), uma unidade concreta de foras opostas em uma luta recproca; isto significa que, sem causalidade, nenhuma totalidade viva possvel e, ademais, que cada totalidade relativa; significa que, quer em face de um nvel mais alto, quer em face de um nvel mais baixo, ela resulta de totalidades subordinadas e, por seu turno, funo de uma totalidade e de uma ordem superiores; segue-se, pois, que esta funo igualmente relativa. Enfim, cada totalidade relativa e mutvel, mesmo historicamente: ela pode esgotar-se e destruir-se seu carter de totalidade subsiste apenas no marco de circunstancias histricas determinadas e concretas (grifos nossos). E acrescenta: ... os filsofos marxistas devem precaver-se para no transformar esta relatividade necessria em relativismo metodolgico.

  • 31

    de Marx, Hegel apresenta uma contribuio relevante para os estudos da teoria marxiana. Ele

    desvendou a relao entre economia e dialtica como uma questo essencial do mtodo. Essa

    relao entre dialtica materialista e contradies da economia capitalista foi um aspecto

    essencial na obra de Marx. Em outro momento, Lukcs relembra que Hegel foi um defensor

    fervoroso da Revoluo Francesa e de seus ideais revolucionrios.

    Hegel apontou na economia poltica um caminho importante para compreender as

    contradies da atividade social do homem e da propriedade privada no capitalismo. O essencial

    no processo desta anlise o fato de ele considerar o trabalho como atividade fundamental da

    humanidade, ou seja, como uma relao essencial entre o homem e a natureza. Disse que o

    trabalho possui uma estrutura teleolgica. Essa concepo do trabalho em Hegel foi reforada e

    aprofundada pela teoria marxiana. A importncia dessa contribuio pode ser elucidada por uma

    passagem de Lukcs (2007, p. 97) ao tratar da relevncia do trabalho para o homem:

    O trabalho, por sua essncia, uma atividade teleolgica; mas esta atividade teleolgica inseparvel da categoria da causalidade, j que somente se conhecermos as relaes causais entre as coisas, a qualidade de matria com a qual trabalhamos, a qualidade dos instrumentos de que nos valemos, somente assim que um trabalho efetivo possvel. Quanto maior for nosso conhecimento, tanto mais amplo ser nosso trabalho.

    Existe uma verdadeira e uma falsa antologia em Hegel. A verdadeira o mtodo porque

    ele permite ver o movimento, a contradio, as particularidades. Por outro lado, o sistema

    hegeliano fechado, dando possibilidades para a manifestao do conservadorismo. Aqui Hegel

    usado pelo pensamento conservador como seu aliado, como seu mentor. Ele pode ser usado

    tanto pelo conservador como pelo progressista. Lukcs mostra como Marx supera Hegel.

    importante destacar que o trabalho possui uma finalidade. A princpio esta finalidade

    aparenta ser um aspecto particular do sujeito que realiza o trabalho, entretanto, h trabalho que

    torna-se essencial, universal, geral, que ultrapassa a finalidade particular e torna-se uma

    necessidade coletiva. Por isso, segundo Hegel, o meio algo mais elevado, mais geral, mais

    universal do que as finalidades individuais dos homens (Lukcs, 2007, p. 98). Para Hegel, o

    homem torna-se homem atravs do seu trabalho, ou seja, ele capaz de desenvolver suas

    potencialidades e evoluir seu ser genrico atravs do trabalho.

    Entretanto, o principal destaque de Lukcs (2007) a Hegel para a aplicao de seu

  • 32

    mtodo. Ele afirma que a histria apresenta todo fenmeno de forma abstrata para em seguida

    torna-se concreto. Hegel idealista, para ele a conscincia determina a existncia,

    posteriormente, Marx demonstra como Hegel abordou o mtodo de forma invertida, partindo do

    abstrato para o concreto, enquanto Marx, apropriando-se da dialtica hegeliana realizou o

    caminho de ida e de volta, pois partiu do concreto para o abstrato retornado ao concreto a partir

    da captao das determinaes da realidade. Marx faz o processo do abstrato ao concreto, a

    diferena de Marx para Hegel que o primeiro faz o caminho de volta. Marx apreende o

    concreto, mas ele parte de um concreto catico, um todo catico que no se apresenta em sua

    aparncia, necessrio desvend-lo para atingir sua essncia. Ele supe que seja concreto porque

    o concreto sntese de determinaes, a unidade de vrias determinaes. Ele supe que pode ir

    alm da mera aparncia, ento ele investiga quais so as determinaes concretas desse todo

    catico, por isso ele parte do pensamento para a concreo, do abstrato para o concreto. no

    caminho de volta que ele consegue apreender a totalidade. O mtodo em Marx parte da aparncia,

    do concreto, chega ao conhecimento crtico de forma a superar a positividade do real e enfrentar a

    ideologia. A positividade do real a aparncia, aquilo que est na positividade, por isso,

    necessrio negar aquilo que se v a fim de desvendar sua essncia.

    Lukcs ressalta que Marx desenvolveu uma ontologia histrico-materialista que

    objetivava superar o idealismo-lgico-ontolgico de Hegel. Hegel concebeu a ontologia como

    uma histria em contraste com a ontologia religiosa. A ontologia religiosa, a de Hegel partia de

    baixo, do aspecto mais simples, e traava uma histria evolutiva necessria que chegava ao

    alto, s objetivaes mais complexas da cultura humana (Lukcs, 1978, p.2). Em Hegel o

    homem criador de si mesmo, ou seja, traa sua prpria histria. Hegel no valoriza o trabalho,

    ele valoriza o intelecto. Mas para Marx o ser que trabalha o ser que transforma a si mesmo, que

    transforma a sociedade.

    A ontologia marxiana se afasta desse idealismo lgico-ontolgico de Hegel, do elemento

    lgico dedutivo. Para Marx o ponto de partida sempre objetivo, parte de um complexo concreto.

    J Hegel parte do simples ser abstrato. Marx v o ser como um processo histrico e considera as

    categorias como moventes e movidas pela matria, pois elas no so estanques, podem ser

  • 33

    alteradas de acordo com o movimento histrico.

    A conscincia para Marx produto do desenvolvimento do ser material. Reflete a

    realidade e pode intervir na mesma para modific-la. A conscincia tem poder no plano do ser. O

    pensamento conservador suprime o papel da conscincia, o ser humano passa a ser considerado

    como um ser que recebe uma inspirao de seres superiores, como a religio e as doutrinas, ou

    ele um ser alienado e no consciente. No pensamento conservador, ignora-se o potencial do

    homem como um ser capaz de alcanar a conscincia de si e de classe.

    O amadurecimento do pensamento de Marx, at atingir o desenvolvimento do

    materialismo histrico e dialtico, ocorreu atravs da sua preocupao em estudar os elementos

    centrais e decisivos para a compreenso da sociedade. Ele se reportava universalidade para

    aprofundar o conhecimento sobre os fenmenos em sua totalidade e, assim, se debruava na

    atividade de pesquisa. Essa busca incessante pela pesquisa demonstra a importncia desta

    atividade para se atingir um amadurecimento intelectual, mas no s, tambm necessria uma

    perspectiva que confira ao pesquisador um norte em suas anlises. Marx desenvolve sua

    perspectiva a partir da realidade concreta. O amadurecimento intelectual de Marx e sua

    ampliao de concepo de mundo foram acompanhadas por mudanas sociais, polticas,

    culturais e econmicas (Lukcs, 2007).

    Hegel exerceu influncia na vida de Marx ainda muito cedo. Em 1839, Marx se dedicava

    a sua tese de doutorado e realizava uma crtica a Hegel. Lukcs (2007) destaca uma diferena

    essencial do resultado desta tese: seu trabalho no se restringia apenas a uma crtica da ideologia

    de Hegel5, mas apresentava um pensamento crtico denso e profundo; fato que o diferenciava dos

    demais crticos da poca. Ainda que Lukcs advirta para o fato de Marx no ter apresentado em

    sua tese de doutorado uma crtica ao ncleo central da filosofia hegeliana, ao seu idealismo e as

    suas contradies no mtodo dialtico, considera que Marx no deixa de ter apresentado uma

    5 Lukcs (2007, p. 125) trata da filosofia Hegeliana. Marx foi capaz de critic-la de forma distinta dos crticos da poca, pois percebeu que em seu idealismo e no carter metafisicamente fechado de sua sistematizao, estavam previamente contidas as premissas que haviam tornado possvel a acomodao de Hegel diante do Estado reacionrio prussiano, ou melhor, que a tinham tornado necessria precisamente em virtude da prpria essncia de seu sistema filosfico.

  • 34

    crtica densa obra de Hegel. Nesse sentido, para Lukcs, uma das principais contribuies de

    Marx nesse perodo de sua produo foi resgatar o materialismo e realizar uma abordagem

    dialtica. Ele trabalhou com o objetivo de elaborar uma perspectiva universal da histria e de

    apreender os aspectos dialticos da tradio materialista.

    Marx realizou uma crtica a situao histrica e social da Alemanha conservadora em sua

    poca. O motivo de fundo desta crtica e desses ataques era o desmascaramento implacvel no

    s de todas as instituies feudal-corporativas e absolutistas da Alemanha da poca, mas tambm

    de todas as tentativas de conciliao com tais instituies, por mais bem intencionadas ou

    romntico-demaggicas que fossem (Lukcs, 2007, p. 138). Marx realizava uma crtica ao

    conservadorismo romntico existente na Alemanha, sua crtica se volta contra o feudalismo e a

    manuteno de instituies feudais ou a tentativa de recuper-las. Ele defendia a democracia e o

    direito das massas populares oprimidas, apresentava uma concepo de Estado e de direito oposta

    a de Hegel6.

    Em 1843, Marx tinha a preocupao em mostrar as contradies e as desigualdades da

    sociedade capitalista. Ou seja,

    Ele esboa um grandioso quadro do carter dilacerado e contraditrio do capitalismo, mostrando como, nesta formao social, o trabalho aliena o trabalhador do seu prprio trabalho, torna o homem alienado do homem, da natureza, do gnero humano. (Lukcs, 2007, p. 183).

    Lukcs (2007) destaca a leitura realizada por Marx quanto a esfera social como

    determinao do homem e de sua relao com os demais homens. A relao entre capitalista e

    operrio consiste em uma sntese desse processo social. Trata-se de ao dos homens que

    realizam sua prpria histria, so os prprios homens que fazem a sua histria; que eles mesmos

    e o sistema de relaes em que vivem com seus semelhantes so produtos da sua prpria

    6 Em outro momento Lukcs (2007) ir explicar a concepo de direito e de Estado de Hegel. Ele demonstra que a crtica de Marx centra-se na luta contra a monarquia constitucional e ao fato de Hegel justificar esse tipo de organizao. O principal problema da filosofia hegeliana sinalizado por Marx foi a idia de direito baseada na relao sociedade civil, burguesia e Estado. Concomitantemente a esta questo Marx critica o idealismo de Hegel por atribuir uma existncia autnoma aos conceitos, por inflar as abstraes at atribuir-lhes uma realidade independente, ele se baseia em sua crtica da filosofia hegeliana do direito e do Estado de 1843. Esta a premissa para que a unidade de universal e particular possa ser concebida pelo marxismo de modo dialtico-materialista, ou seja, pela primeira vez de modo cientfico (Lukcs, 2007, p. 150).

  • 35

    atividade (Lukcs, 2007, p. 219).

    Para explicar a relao do homem com a realidade, Lukcs (2007) parte dos fundamentos

    do trabalho. o trabalho que produz e reproduz, cria, desenvolve suas faculdades e sua

    conscincia. Ele capaz de projetar o resultado de suas aes ao agir de forma teleolgica, mas

    para concretizar as aes projetadas ele necessita de condies objetivas e de intervir na realidade

    a partir de suas aes.

    importante entender a ontologia do ser social porque seu surgimento est relacionado ao

    desenvolvimento com base em um ser orgnico que se manifesta e se desenvolve a partir do ser

    inorgnico. Entre a forma mais simples do ser e a mais complexa ocorre um salto. Em seguida h

    um aperfeioamento da nova forma que aparenta ser uma simples variao dos modos relativos

    do ser. O trabalho expressa uma base dinmico-estruturante do ser social. Para trabalhar

    necessrio um grau de desenvolvimento do processo de produo orgnica, desse processo que

    surge a diviso social e tcnica do trabalho. A essncia do trabalho consiste em ir alm da

    competio biolgica com o ambiente e o movimento que realiza essa separao a conscincia

    (Lukcs, 2007).

    A essncia do trabalho consiste precisamente em ir alm dessa fixao dos seres vivos na competio biolgica com seu mundo ambiente. O momento essencialmente separatrio constitudo no pela fabricao de produtos, mas pelo papel da conscincia, a qual, precisamente aqui, deixa de ser mero epifenmeno da reproduo biolgica: o produto, diz Marx, um resultado que no incio do processo existia j na representao do trabalhador, isto , de modo ideal (Lukcs, 1978, p. 4).

    Nesse sentido podemos destacar que a conscincia confere ao homem um conhecimento

    parcial ou total do seu trabalho e faz com que ele se percebera como produtor e reprodutor. Na

    sociedade burguesa podemos afirmar que o trabalho alienado, pois o trabalhador no se v

    como produtor da mercadoria final produzida.

    O trabalho no apenas o modelo objetivamente ontolgico de toda prxis humana, mas tambm nos casos aqui mencionados o modelo direto que serve de exemplo criao divina da realidade, onde todas as coisas aparecem como produzidas teleologicamente por um criador onisciente (Lukcs, 1978, p. 8).

    O trabalho um ato de pr consciente que pressupe um conhecimento concreto. Ocorre

    uma autonomizao das atividades preparatrias do trabalho que se desenvolvem. Quanto mais as

    cincias se aperfeioam, mais elas incidem no trabalho, mais desenvolvem as tcnicas e mais

  • 36

    aperfeioam e dinamizam a produo.

    A matemtica, a geometria, a fsica, a qumica etc., eram originalmente partes, momentos desse processo preparatrio do trabalho. Pouco a pouco, elas cresceram at se tornarem campos autnomos de conhecimento, sem, porm perderem inteiramente essa respectiva funo originria. Quanto mais universais e autnomas se tornam essas cincias, tanto mais universal e perfeito torna-se por sua vez o trabalho; quanto mais elas crescem, se intensificam etc., tanto maior se torna a influncia dos conhecimentos assim obtidos sobre as finalidades e os meios de efetivao do trabalho (Lukcs, 1978, p. 9).

    O homem que trabalha - podemos dizer que um animal que se torna homem atravs do

    trabalho, por isso o trabalho ontolgico - um ser que d respostas. O trabalho surge como uma

    necessidade de conferir respostas s necessidades dos homens. To-somente o carecimento

    material, enquanto motor do processo de reproduo individual ou social, pe efetivamente em

    movimento o complexo do trabalho; e todas as mediaes existem ontologicamente apenas em

    funo da sua satisfao (Lukcs, 1978, p. 5). exatamente o processo que de mediao permite

    ao homem transformar a natureza e a sociedade.

    O trabalho permite um desenvolvimento superior, que o desenvolvimento dos homens.

    Ele se expressa na nova peculiaridade do ser social e se converte no modelo da nova forma do ser

    em seu conjunto. Ele constituido pela teleologia. Teleologia o modo de pr, realizado por uma

    conscincia. uma expresso teleolgica, a possibilidade de projetar os resultados de nossas

    aes, de conhecer as conseqncias futuras de determinada interveno. A teleologia utilizada

    pelo homem de forma consciente, mas ele no consegue ver todos os condicionamentos da

    prpria atividade, ou seja, ele no consegue captar a perspectiva de totalidade de forma imediata.

    Isso gera duas conseqncias. A primeira tendncia a dialtica do constante aperfeioamento do

    trabalho, pois, enquanto o trabalho realizado, seus resultados so observados por ele mesmo (o

    homem busca aperfeioar seu trabalho constantemente). A segunda consequncia consiste no

    trabalho se tornar mais variado, abarcar campos maiores, subir de nvel em extenso e

    intensidade (isso ocorre conforme o homem vai aperfeioando seu trabalho).

    Atravs da teleologia surge o ato social que faz parte da prxis e consiste em uma deciso

    a ser tomada entre alternativas distintas. A prxis possui um carter contraditrio (a contradio

    aqui faz parte da ontologia humana), pois em determinadas situaes os homens realizam suas

    prprias aes, mesmo que atuem contra sua prpria convico. Ela uma deciso entre

  • 37

    alternativas, mas nem sempre podemos implementar a alternativa que escolhemos, por isso,

    mesmo que tenhamos a capacidade teleolgica, muitas vezes projetamos nossas aes, mas o

    resultado delas no correspondem ao esperado.

    Todos os problemas reais do complexo da liberdade derivam do homem que vive em

    sociedade. O conhecimento se distingue em duas formas em relao ao trabalho: a primeira o

    ser-em-si que existe objetivamente; o segundo o ser-para-ns que existe de forma pensada. o

    ser-para-ns que faz com que surjam valores no processo de trabalho, ou seja, a conscincia

    coletiva e principalmente do resultado final do trabalho.

    No trabalho, ao contrrio, o ser-para-ns do produto torna-se uma propriedade objetiva realmente existente: e trata-se precisamente daquela propriedade em virtude da qual o produto, se posto e realizado corretamente, pode desempenhar suas funes sociais. Assim, portanto, o produto do trabalho tem um valor (no caso de fracasso, carente de valor, um desvalor). Apenas a objetivao real do ser-para-ns faz com que possam realmente nascer valores (Lukcs, 1978, p. 7).

    Como conseqncia principal do trabalho, temos sua diviso social e tcnica. Quando

    surge uma nova forma de posio teleolgica, o homem induzido a realizar posies

    teleolgicas segundo um modo predeterminado. Ele projeta o resultado de seu trabalho de acordo

    com a necessidade vigente dos meios de produo. Com o surgimento de classes sociais de

    interesses antagnicos essa nova posio teleolgica faz surgir a ideologia. A ideologia consiste

    na produo de formas atravs das quais os homens tornam-se conscientes dos conflitos e se

    inserem em lutas. Ela est diretamente relacionada com as posies teleolgicas, se relaciona a

    uma classe social, por exemplo: ideologia burguesa e ideologia proletria ou revolucionria.

    Entre as conseqncias importantes da gnese teleolgica para os processos sociais

    podemos destacar que ela produz objetos que no podem ser obtidos pela natureza e que o nvel

    da necessidade deixa de operar de maneira mecnico-espontnea, pois o homem passa a pensar

    naquilo que ir realizar. A forma de manifestao da necessidade passa a ser o de estimular ou

    impedir os homens de tomarem certas decises teleolgicas.

    A razo ontolgica fundamental a causalidade posta em movimento por razes

    teleolgicas alternativas. Algumas tendncias gerais so visveis, mas, s vezes, elas se traduzem

    de modo desigual, portanto, em um segundo momento conseguimos perceber seu carter

  • 38

    concreto. por isso que achamos que na prtica a teoria outra, pois, normalmente, no plano da

    imediaticidade, no conseguimos realizar esse momento de desvendar o real.

    No desenvolvimento econmico h trs exemplos de orientaes que se manifestam

    independentemente da vontade e do saber dos homens, que serviram de fundamento s posies

    teleolgicas. Ou seja, os homens passaram a pensar seu trabalho a partir de tais posies. A

    primeira consiste na tendncia de diminuir o tempo de trabalho socialmente necessrio

    reproduo dos homens. A segunda trata-se da tendncia de tornar o processo de produo cada

    vez mais social. A vida humana no se desvincula dos processos naturais, mas o papel puramente

    natural diminui. A terceira tendncia consiste no desenvolvimento econmico criar ligaes

    intensas entre as sociedades. importante destacar que o progresso econmico aparece na forma

    de conflitos sociais. Essas tendncias alteraram as posies teleolgicas dos homens no seu

    processo de trabalho, momento no qual o homem deixa de se expressar como um ser individual

    para se apresentar um ser social.

    O homem deixa a condio de ser natural para tornar-se pessoa humana, transforma-se de espcie animal que alcanou um certo grau de desenvolvimento relativamente elevado em gnero humano, em humanidade. Tudo isso o produto das sries causais que surgem da sociedade (Lukcs, 1978, p. 13).

    Destacamos que o trabalho na sociedade capitalista exige muito menos um trabalho

    teleolgico em si no sentido de desenvolver todas as faculdades dos homens. Visto que:

    S quando o trabalho for efetiva e completamente dominado pela humanidade e, portanto, s quando ele tiver em si a possibilidade de ser no apenas meio de vida, mas o primeiro carecimento da vida, s quando a humanidade tiver superado qualquer carter coercitivo em sua prpria autoproduo, s ento ter sido aberto o caminho social da atividade humana como fim autnomo (Lukcs, 1978, p. 16).

    O pensamento conservador suprime o papel do sujeito que faz histria (Lukcs, 2007). Os

    homens fazem histria, mas no em condies por eles escolhidas. Nisso se expressa a unidade

    entre liberdade e necessidade que opera como unidade contraditria entre alternativas com as

    premissas e conseqncias ineliminavelmente vinculadas por uma relao causal.

    As leituras que realizamos de Lukcs foram extremamente relevantes para uma anlise

    crtica e para uma compreenso da estrutura e da base de sustentao do capitalismo. Lukcs nos

    fornece um aporte marxista denso e rico para criticarmos o conservadorismo. Ao trazer suas

  • 39

    analises para o centro do debate conseguimos captar o movimento histrico que fornece bases

    para a sustentao do pragmatismo, ou seja, as necessidades da sociedade capitalista. E

    conseguirmos tambm entender a influncia internacional exercida pelos Estados-Unidos por ser

    a grande potncia ideolgica de propagao e fortalecimento do capitalismo.

    A lgica da sociedade capitalista baseada em interesses da classe dominante e visa

    defender suas individualidades de classe, seus objetivos de produo e reproduo do capital e a

    manuteno do seu poder sobre o domnio das esferas da vida em sociedade. Dessa forma, a

    requisio por um conhecimento instrumentalizvel e formal torna-se funcional a toda essa

    lgica.

    Para a lgica capitalista, a busca por uma prtica desatrelada da anlise crtica e da

    apropriao de uma teoria rica de possibilidades de apreenso do movimento real e dialtico

    totalmente relegada e descartada. A inteno manter uma prtica funcional aos interesses da

    classe dominante, reforando o discurso de fragmentao entre teoria e prtica. O

    conservadorismo se expressa de forma a sustentar essa lgica, de manter instituies e formas de

    pensar presas ao passado e refuncionalizadas no presente.

    As desigualdades sociais e as latentes contradies do capitalismo possuem em sua

    aparncia formas naturalizadas e impossveis de serem modificadas. A prxis desconsiderada e

    aos que esto inseridos na lgica formal do trabalho cabe serem colaboradores dos interesses

    capitalistas conforme a lgica da reestruturao produtiva que objetiva manter os interesses que

    se manifestem como teis ao capitalismo.

    Toda essa lgica difcil de ser apreendida sem um aporte que subsidie uma anlise

    crtica. Ele apresenta uma falsa aparncia de estar enraizada na vida do homem. Assim

    acontece com o pragmatismo. Tratamos pouco sobre seus elementos, mas em muito os

    reproduzimos. Por no o conhecermos em sua densidade e em suas propostas no conseguimos

    captar todos os elementos que esto presentes nessa ideologia.

    Dessa forma, a exposio do pensamento de Lukcs permitiu apresentar as mediaes

    necessrias para realizarmos o debate sobre a relao do Servio Social como pragmatismo frente

    a lgica capitalista. Assim, partimos para uma anlise da questo social e os debates abordados

  • 40

    pelo Servio Social.

    Dessa forma, o conservadorismo torna-se expresso de uma necessidade do sistema

    capitalista para manter a reproduo de sua lgica e de seus valores. Para entendermos a relao

    do conservadorismo com o Servio Social necessrio nos reportarmos ao debate da questo

    social, pois ele nos permite entender a gnese da profisso e os interesses aos quais o Servio

    Social foi requisitado a servir. A contraditoriedade da profisso expressa em tais interesses

    reflexo das contradies da prpria sociedade capitalista. Assim, apresentaremos os diversos

    debates em torno da chamada questo social que versam desde a perspectiva conservadora at a

    perspectiva crtica.

    1.2. O debate da questo social: bases para a compreenso da relao do

    conservadorismo no Servio Social

    At este momento, buscamos tratar do pensamento conservador e de suas manifestaes

    na sociedade capitalista. Torna-se relevante trazer o debate da questo social para

    compreendermos a relao do conservadorismo no Servio Social. Assim conseguiremos resgatar

    as bases que possibilitaram o surgimento da profisso. Consideramos a questo social como

    expresso das contradies oriundas da relao entre capital e trabalho do modo de produo

    capitalista. Historicamente, e desde seu reconhecimento oficial, pelas instncias governamentais e

    pela classe dominante, buscou-se o seu enfrentamento a partir de respostas imediatas e no sentido

    de conservar a ordem dominante. Diante dessa consideraes, o Servio Social no pode ser

    compreendido a partir do debate do pragmatismo sem uma ntida apreenso do significado da

    questo social.

    importante mencionar a relevncia do debate da questo social para a proposta de

    estudos que apresento. A origem da profisso est diretamente relacionada ao movimento da

    expanso capitalista na dcada de 1930 e ao afloramento da questo social. A relao do

  • 41

    Servio Social com a questo social nos permite pensar nos elementos que reafirmam o

    conservadorismo existente na profisso. Segundo Netto (2001), a expresso questo social