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Possíveis Contribuições da Nova Economia Institucional à Pesquisa em História Econômica Brasileira: Uma Releitura das Três Obras Clássicas Sobre o Período Colonial Newton Paulo Bueno

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EST. ECON., SÃO PAULO, V. 34, N. 4, P. 777-804, OUTUBRO-DEZEMBRO 2004

Possíveis Contribuições da Nova Economia Institucional à Pesquisa em História Econômica Brasileira: Uma Releitura das Três Obras Clássicas

Sobre o Período Colonial

Newton Paulo Bueno Professor-Doutor, Dep. Economia e Programa de Pós-Graduação

em Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa

RESUMOAs sociedades que mais se desenvolveram economicamente sob a ótica da NEI foram as que criaram as instituições que mais reduziram custos de transação. O presente trabalho pre-tende avaliar em que medida as obras clássicas da nossa historiografia sobre o período colo-nial podem ser lidas, com proveito, à luz das contribuições recentes dos principais textos neo-institucionalistas. Diversas questões interessantes são levantadas nessa nova leitura; uma delas é a de se teria sido o empreendimento colonial e as instituições que ele criou, e que irão influenciar toda a história posterior do Brasil, uma obra de indivíduos movidos pelo interesse próprio, que constituem uma sociedade peculiar no novo mundo, ou um “negócio do rei”, que produz no Brasil uma sociedade sem coesão e destituída de projeto próprio, a qual, mesmo após a independência, não disporá de vigor institucional para constituir um governo diferente da monarquia portuguesa.

PALAVRAS-CHAVEnova economia institucional, história econômica brasileira, período colonial: obras historio-gráficas clássicas

ABSTRACTThe societies more developed economically, under NEI'S hypothesis, were the ones that cre-ated the institutions that more reduced transaction costs. The present work intends to eval-

uate if the classic works of our historiography on the colonial period can be read withadvantage on the light of the neo-institucionalists recent contributions. Several interesting

subjects are underlined in that new reading. One of them is it would have been the colonialenterprise and the institutions that it created, and that will influence the whole subsequenthistory of Brazil, a work of individuals moved by the own interest, that constitute a peculiarsociety in the new world. Or a "business of the king", that produced in Brazil a society with-

out cohesion and deprived of own project, which, even after the independence, will not haveinstitutional vigor to constitute a government different from the Portuguese monarchy.

KEY WORDSnew institutional economics, Brazilian economic history, Brazilian colony period: classic works

JEL ClassificationB15

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INTRODUÇÃO

A principal proposição da Nova Economia Institucional (NEI) é que as ins-tituições de uma sociedade se formam por meio de complexos processos denegociação entre indivíduos e grupos de indivíduos, de modo a reduzir oscustos de transação. Tais custos referem-se principalmente aos custos poten-ciais de rompimentos dos acordos, implícitos ou explícitos, estabelecidospara realizar empreendimentos conjuntos, em condições de racionalidade li-mitada e de presença de comportamentos oportunistas.1 Um exemplo sim-ples pode ajudar a esclarecer a perspectiva analítica geral da NEI.

Em comunidades em que os vínculos pessoais são fortes é comum que seorganizem mutirões de fins de semana para reformas ou construção de no-vas moradias; os indivíduos que participam desses mutirões aceitam sacrifi-car os dias de descanso porque sabem que a reciprocidade no futuro estágarantida pela força do costume e da reprovação social aos comportamentosoportunistas. Em comunidades maiores, nas cidades por exemplo, os indiví-duos não têm as mesmas garantias de que colaborando com seus vizinhosassegurarão a colaboração destes depois. Assim, se desejar ampliar sua casa,uma pessoa terá de contratar o serviço de um pedreiro que, mesmo moran-do na comunidade, só aceitará trabalhar para o primeiro em troca de dinhei-ro, que é a única forma de assegurar a cooperação impessoal intertemporaldo restante da comunidade. A forma específica sob a qual a transação serárealizada – denominada de estrutura de governança – dependerá das condi-ções do ambiente institucional em que ela ocorre, mas o que a NEI postulaé que os indivíduos procurarão a forma que seja menos custosa de realizaressa transação. Se for possível usar as formas tradicionais de garantir reci-procidade, então não será necessário recorrer a contratos, advogados e até àpolícia para garantir o acordo. Mas se isso não for possível, será necessárioredigir um contrato, estabelecendo com graus variados de minúcia as con-dições em que o pagamento será feito, o nível de qualidade esperado do ser-viço, o prazo para o término da obra, as multas pelo não cumprimento dascláusulas estabelecidas, e assim por diante. Mesmo que não tome muito

1 Define-se racionalidade limitada como a busca dos próprios interesses com base nas infor-mações necessariamente incompletas disponíveis, e comportamento oportunista como a pro-pensão a agir de forma a extrair vantagens individuais nas transações interpessoais, inclusiverompendo contratos, se isso for vantajoso.

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tempo redigir um contrato desse tipo, é necessário que haja garantias de queum juiz imparcial fará a parte eventualmente recalcitrante cumprir o estabe-lecido no contrato. Isto é, é necessário que haja formas de fazer com queaquele que recebeu cumpra sua parte no trato da forma combinada e comque aquele que pagou apenas uma parcela do montante total combinadonão se recuse a pagar o restante depois de concluído o trabalho.

O que acontece se a comunidade é grande o suficiente para não poder con-tar apenas com os vínculos pessoais para induzir as pessoas a atuarem deforma cooperativa, mas não dispõe de instituições que garantam os contra-tos individuais, é que os empreendimentos coletivos não serão realizados ousó o serão em parte. Os novos institucionalistas acreditam que é exatamenteisso o que ocorre nos países menos desenvolvidos: não se desenvolveraminstituições que permitam a essas sociedades aproveitarem plenamente osbenefícios da divisão do trabalho. O porquê disso não ter acontecido, inclu-indo as razões de por que é virtualmente impossível simplesmente copiar asinstituições mais eficientes de sociedades economicamente mais bem-sucedi-das, tem explicações relacionadas com as soluções institucionais que as soci-edades menos desenvolvidas deram ao problema econômico fundamental daescassez em momentos anteriores da sua história.

Uma das limitações da NEI é que embora os processos de negociação pare-çam plausíveis para explicar a formação de estruturas de governança – istoé, as instituições que regulam as transações em níveis mais microanalítico –,eles são muitas vezes insuficientes para explicar o surgimento e a evoluçãodas matrizes institucionais de sociedades mais complexas, por deixarem deincluir explicitamente a dimensão política do processo. Essa crítica – formu-lada internamente à NEI principalmente por Olson (2000) e Bates (1995) –tem aberto espaço para a consideração de acasos históricos e fatores institu-cionais extramercado nos modelos interpretativos mais recentes baseados nanova economia institucional. O discurso de North na cerimônia de premia-ção do Nobel2 é um exemplo do reconhecimento, por parte de um de seusautores mais importantes, do quanto a NEI, a despeito de ter já produzidouma literatura repleta de novos e importantes insights, ainda tem a caminhar

2 Reproduzido em NORTH (1994).

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para fornecer explicações intelectualmente mais satisfatórias do processo demudança institucional.

Até onde sei, entretanto, mesmo os insights menos controversos gerados poressa literatura não foram ainda explorados pelos historiadores econômicosbrasileiros. O objetivo deste texto é contribuir para reduzir esse descompas-so, resumindo os aspectos mais relevantes da NEI para o leitor não familia-rizado com o tema, principalmente para o historiador econômico,mostrando especificamente como ela permite reler sob uma nova ótica asobras clássicas da nossa historiografia do período colonial, ajudando a for-mular novas questões e talvez sugerindo novas respostas para questões aindanão convincentemente respondidas porque, à falta de um fio condutor teóri-co comum, não puderam nem mesmo ser claramente formuladas. Esse es-forço tem ainda uma outra justificativa: como reconhece um de seusprincipais autores, os neo-institucionalistas não estão suficientemente famili-arizados com a bibliografia histórica da colonização da América Latina.(NORTH, 1989, p. 1328). Assim, parece relevante verificar até que pontorealmente o modelo de análise neo-institucional é consistente com a evidên-cia histórica no caso brasileiro.

O texto está estruturado do seguinte modo. A seção 1 resume o núcleo daargumentação neo-institucionalista; a 2 mostra, com base nos trabalhos deum de seus principais autores, Douglass North, como eles constroem umaexplicação para o fato de que as instituições dos países latino-americanos,Brasil incluído, tornaram-se historicamente pouco compatíveis com umaeconomia de mercado plenamente desenvolvida A seção 3 compara essa in-terpretação com as formuladas em Formação do Brasil Contemporâneo, CasaGrande e Senzala e Raízes do Brasil, sugerindo que o “modelo” neo-instituci-onalista não só não é incompatível com as conclusões dessas três obras clás-sicas, como pode ser substancialmente enriquecido por essa releitura; aúltima seção conclui o trabalho

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1. AS IDÉIAS CENTRAIS DA NEI

1.1 Introdução: Um Panorama Geral

A nova economia institucional, para introduzir a discussão, emerge e se di-funde dentro da própria economia do mainstream, mas o faz como umramo que ganha crescentemente maior autonomia teórica, embora seja dis-cutível que venha um dia a se separar definitivamente da corrente principal.Suas principais proposições são: a) a de que as instituições importam quan-do se trata de explicar os processos econômicos e b) a de que a dinâmicainstitucional, isto é, o surgimento e a evolução de instituições, é passível deteorização. A segunda proposição é a que de fato define o locus teórico danova economia institucional, na medida em que a teoria econômica ortodo-xa nunca evidentemente afirmou que as instituições não eram importantespara explicar os processos econômicos. O que ela afirma é que o ambienteinstitucional não é passível de teorização, devendo, por isso, ser consideradocomo um conjunto de parâmetros do sistema econômico, cujas alterações(exógenas) conduziriam a economia para diferentes pontos ótimos de Pare-to. A nova economia institucional, ao contrário, parte do princípio que osmesmos princípios utilizados para derivar proposições puramente econômi-cas podem ser utilizados para estudar como as instituições originam-se e setransformam ao longo do tempo, influenciando e sendo influenciadas pelosprocessos econômicos; sua tese fundamental é a de que as instituições sãorestrições ao comportamento humano criadas pelos próprios indivíduospara reduzir custos de transação.

A forma mais simples de entender a relação entre custos de transação e ins-tituições talvez seja recorrer à proposição que, após ser formulada pelo au-tor, ficou conhecida como Teorema de Coase. Em texto seminal de 1960,Coase sugeriu que em um mundo onde não houvesse custos de transação asinstituições não seriam importantes para explicar o nível de eficiência comque a economia opera. Como o exemplo que usou para explicar este pontofundamental – envolvendo ferrovias e fazendeiros – não é mais tão represen-tativo para o leitor atual, utilizemos um outro mais condizente com nossaexperiência cotidiana. Suponhamos que um profissional liberal – digamosum dentista – more ao lado de um bar que toque música em alto volume até

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a madrugada. Se, por pressão dos vizinhos, a lei do silêncio em vigor passara ser efetivamente observada, o bar terá de reduzir o volume do som, diga-mos, à meia-noite, o dentista poderá ter sua noite de sono e atender o pri-meiro paciente do dia seguinte às 8:00 horas da manhã. Mas, e se a lei nãofor observada? A conclusão intuitiva é que o dentista dormiria até mais tar-de deixando de atender os primeiros pacientes do dia. A contribuição semi-nal de Coase foi mostrar que essa conclusão é válida apenas se existiremcustos de transação. Em um mundo onde não houvesse empecilhos para ocumprimento de contratos, o dentista teria interesse em pagar um certo va-lor para o dono do bar desligar o som depois de uma certa hora, valor esteque igualaria na margem o valor da consulta dos clientes que o dentista dei-xaria de atender se tivesse de levantar mais tarde. O dono do bar, por suavez, teria interesse em desligar seu som para não incorrer no custo de perdero prêmio pago pelo dentista. O resultado (teórico) seria o de que, havendoou não uma lei do silêncio eficaz, o som seria desligado à meia noite e omesmo número de pacientes seria atendido pelo dentista. É óbvio que Coa-se não estava sugerindo que um mundo como esse existisse; o que ele estavade fato propondo é que como sempre existem riscos contratuais nas transa-ções – devido ao oportunismo dos agentes envolvidos – o dentista podeachar arriscado demais pagar ao dono do bar por algo que ele pode não re-ceber depois. Assim ele pode decidir não pagar e dormir até mais tarde dei-xando de atender os primeiros pacientes; quer dizer, as instituições – nocaso, a existência de uma lei do silêncio eficaz – importam para explicar onúmero de pacientes que serão atendidos. A analogia óbvia com uma eco-nomia é que quanto maiores forem os riscos envolvidos nos contratos, mai-ores serão os custos para implementá-los (custos de transação), menor onúmero de acordos e transações realizados e menor a quantidade de riquezaproduzida (menor o número de pacientes atendidos).

As sociedades que mais se desenvolvem ao longo do tempo, portanto, são asque conseguem construir mecanismos institucionais que reduzem os custosdas transações realizadas pelos indivíduos em uma economia de mercado.Como em geral há ganhos implícitos em grande parte das transações, existe,em tese, interesse potencial das partes envolvidas em desenvolver mecanis-mos que permitam que elas se efetivem. Por exemplo, proprietários de imó-veis para locação assim como os potenciais locatários terão interesse em

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desenvolver mecanismos que garantam que os últimos não deixem de pagaro aluguel combinado uma vez instalados e que os locadores não chantagei-em os inquilinos por aumento de aluguéis quando estes já tenham incorridonos custos do deslocamento. Ambos aceitarão restrições ao seu comporta-mento assinando um contrato de locação em que são especificados, entreoutros itens, o tempo de duração da locação, condições de manutenção doimóvel e multas por descumprimentos de cláusulas contratuais. Quantomais impessoais forem as relações entre as partes, por exemplo nas grandescidades, menos informações os proprietários terão sobre a confiabilidadedos futuros inquilinos, e assim, em geral, mais detalhados precisam ser oscontratos, maiores as garantias exigidas destes, depósitos prévios por exem-plo, e portanto maiores os custos envolvidos na transação.

Vemos então que os riscos contratuais, bem como os custos de transação as-sociados e as instituições desenvolvidas para reduzi-los – como a lei do silên-cio, a forma como esta lei é aplicada e os diferentes tipos de contratos dealuguel, nos exemplos acima – serão diferentes conforme a complexidadedas relações sociais envolvidas. Quando se trata de sociedades ou países, asmatrizes institucionais contêm instituições que viabilizam transações em vá-rios níveis, desde as transações mais simples entre firmas, fornecedores econsumidores até as complexas operações que envolvem inúmeros agentestomando decisões que produzem efeitos por longos períodos de tempo,como é o caso das decisões de investimento. Neste caso, estão envolvidasinstituições de caráter muito mais abrangente, como as que regulamentam odireito de propriedade e o próprio regime político. Uma das duas correntesprincipais em que a NEI se desdobra, originada nos trabalhos seminais deDouglass North, busca entender como se formam essas instituições de cará-ter abrangente, identificando aquelas que são mais propícias ao desenvolvi-mento econômico e mostrando por que em alguns países as instituiçõesmais adequadas não são adotadas, perpetuando-se uma situação de subde-senvolvimento econômico.3 A segunda corrente principal, que versa basica-mente sobre o comportamento individual de firmas e indivíduos, origina-secom o famoso trabalho de Ronald Coase (1937), mas só vem a frutificarmuito mais tarde com base nas contribuições de Oliver Williamson (1979,

3 Alguns dos trabalhos recentes mais representativos são NORTH (1996, 1994, 1991).

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1985, 1996).4 O objetivo principal dessa corrente é entender como se for-mam e se modificam as estruturas de governança, isto é, o conjunto de ins-tituições que permite que um determinado tipo de transação se realize deforma contínua. O presente trabalho inscreve-se na primeira corrente acimamencionada.

1.2 As Instituições Como Solução Para o Problema da Cooperação

A imagem mais forte que um economista já criou foi certamente a metáforada mão invisível, embora Smith só a tenha citado duas vezes em toda a suaobra. Sua força não era tanto a resposta que dava à questão, mas o simplesfato de a haver formulado. A divisão do trabalho faz com que o trabalho setorne mais produtivo, mas torna cada indivíduo mais dependente dos de-mais para obter o que necessita para viver. Assim, para produzir mais (emum mundo hipotético em que os indivíduos realmente pudessem optar)cada indivíduo tem que abrir mão de produzir coisas de que necessita paraproduzir bens os quais produz mais eficientemente do que os outros. Oque garante que ele conseguirá obter o que precisa dos demais? Esse é oproblema da cooperação em economia.

A solução que Smith deu a esse problema é bem conhecida e não precisa serelaborada neste texto, cabendo apenas dizer que a compatibilização entre ointeresse egoísta dos indivíduos e a maximização do bem-estar coletivo, quesupostamente a economia de mercado garante, é ainda hoje o argumento re-tórico principal dos políticos e economistas conservadores. O ponto dos no-vos institucionalistas é que os mecanismos que promovem a cooperaçãoentre os indivíduos não emergem espontaneamente, como deixa implícito ametáfora da mão invisível.

Para que a cooperação inerente ao funcionamento de uma economia demercado possa ocorrer de forma sistemática os indivíduos precisam confiarnaqueles com os quais estão negociando ou, na falta dessa confiança pessoal,nas instituições que induzem ou restringem o comportamento individualem favor da cooperação. Sociedades diferentes desenvolvem instituições dis-

4 Os principais estudos inspirados pelos trabalhos de Coase/Williamson estão reunidos em WIL-LIAMSON (1993, 1990).

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tintas, as quais operam com graus muito diferentes de eficiência, para per-mitir que transações interpessoais aconteçam. Em alguns lugares, astransações comerciais se basearam desde o princípio em critérios personalis-tas, de raça, parentesco ou religião. Em outros, mecanismos mais impesso-ais, como direitos de propriedade e instituições que garantem esses direitos,se desenvolveram de forma inicialmente mais ou menos acidental e, depois,porque apresentavam claras vantagens sobre as outras formas de organiza-ção disponíveis.

As formas mais impessoais são mais eficientes porque reduzem os custos detransação entre as partes. Para esclarecer esse ponto, imagine-se uma empre-sa que se instalasse, digamos, no México do século XIX (para usarmos umexemplo clássico de Douglass North). Além dos custos normais de produ-ção que ela incorreria em qualquer lugar, se depararia com custos caracterís-t icos de um meio ambiente inst i tuciona l baseado em re laçõespersonalísticas, que forçam a empresa

“...to operate in a highly politicized manner, using kinshipnetworks, political influence, and family prestige to gain pri-vileged access to subsidized credit, to aid various stratagemsfor recruiting labor, to collect debts or enforce contracts, toevade taxes or circumvent the courts, and to defend or asserttitles to lands. Success or failure in the economic arena alwaysdepend on the relationship of the producer with politicalauthorities – local officials for arranging matters close athand and the central government of the colony for sympathe-tic interpretations of the law and intervention at the local

level when condition required it…”5

A empresa, em outras palavras, teria que contabilizar como custos os gastospara assegurar simplesmente não ser preterida pelas empresas concorrentesque estão sujeitas às mesmas restrições institucionais. Observe-se que os cus-tos a que se está se referindo não têm nada a ver com os custos de transfor-mação, que normalmente são maiores em países menos desenvolvidos emrazão de desvantagens tecnológicas e escalas menos eficientes de produção,

5 COATSWORTH apud NORTH (1990, p. 116).

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referindo-se apenas ao meio ambiente institucional em que a empresa se lo-caliza; não há meios de a empresa reduzi-los internamente.

As empresas que operam nesses ambientes institucionais operarão, em su-ma, com custos pouco competitivos internacionalmente. Então não apenasutilizarão os recursos internos ineficientemente, como não terão condiçõesde exportar seus produtos, quando esses têm que concorrer com produtossimilares produzidos por firmas operando em países onde as instituições sãomenos onerosas para a atividade econômica.

A questão óbvia que a discussão acima suscita é: por que alguns países con-seguem desenvolver instituições mais compatíveis com a eficiência econômi-ca? Na seção 2, à frente, apresenta-se a explicação de North de por que nãosó o México da citação acima, mas todos os países de colonização ibéricaapresentaram uma evolução institucional desfavorável do ponto de vistaeconômico quando comparados aos Estados Unidos. Antes, porém, exami-na-se uma questão correlata prévia: por que é tão difícil substituir uma ma-triz institucional economicamente ineficiente por outra?

1.3 A Natureza Path Dependent da Evolução Institucional

A matriz institucional de uma sociedade em um determinado tempo é cons-tituída de regras e normas formais e informais, bem como pelas instituiçõesque garantem a aplicação (enforcement) dessas regras, e é em razão principal-mente das restrições comportamentais informais que se pode dizer que aevolução dessa matriz, ao longo de tempo, é path dependent. Isto porque sãoestas que, em última instância, dão legitimidade às regras formais e estão su-jeitas a um processo muito mais gradual de evolução, por implicarem rendi-mentos crescentes. O fato de que, em uma sociedade cuja matrizinstitucional recompensa a pirataria, organizações piratas prosperarão, ilus-tra este ponto. Quanto menores as restrições à corrupção, por exemplo,mais provável se torna que muitas das instituições existentes adotem essaspráticas e maior é o incentivo para que as que inicialmente não o fazem ve-nham a se tornar corruptas no futuro. Assim, é relativamente fácil mudarleis e regulamentos formais, mas como o código não escrito de comporta-

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mento é muito mais difundido, as mudanças institucionais são, em geral,muito mais incrementais do que radicais.

Um segundo elemento que explica a estabilidade da matriz institucional estárelacionado à hipótese de racionalidade (limitada) adotada pelos neo-institu-cionalistas. Os indivíduos perseguem seus interesses e, neste sentido, agemracionalmente. Mas o fazem da forma como os percebem, o que não neces-sariamente implica que eles avaliem corretamente as opções disponíveis,nem que possam medir precisamente as conseqüências de suas decisões. Asopções são feitas de acordo com modelos mentais que propiciam uma repre-sentação da realidade. Tais modelos são elaborados a partir de estruturas ge-neticamente dadas, que se modificam à medida que são confrontadas com aexperiência. O quanto alteramos nossos modelos mentais a partir da experi-ência mede o aprendizado que conseguimos realizar. Essas alterações entre-tanto não ocorrem simplesmente substituindo um modelo mental poroutro, masmediante a constante reelaboração do modelo inicial, por meio,principalmente, de analogias. Uma forma de avaliar a sofisticação de nossosmodelos mentais é avaliando o grau de generalidade de nossas metáforas.

A herança cultural comum em uma sociedade fornece um meio de reduzir adivergência entre os modelos mentais individuais. As estruturas explicativasque passam de geração para geração são então explicações sobre fenômenosalém da experiência imediata que os indivíduos compartilham na forma dereligiões, mitos e dogmas. Tais estruturas tiveram mais importância nas soci-edades pré-modernas, mas possuem ainda hoje um papel fundamental naconstrução das instituições econômicas e sociais, moldando as regras for-mais e as normas informais que regem o comportamento. Os modelos men-tais são, assim, representações que os indivíduos criam para interpretar oambiente em que vivem, enquanto que as instituições são os mecanismosque desenvolvem para atuar sobre este ambiente. (NORTH, 1996, p. 348).

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2. AS DIFERENTES TRAJETÓRIAS INSTITUCIONAIS NO NOVOMUNDO SEGUNDO A TEORIA NEO-INSTITUCIONALISTA

A revolução ocorrida na tecnologia militar no final da idade média tornouproibitivos os custos da guerra a particulares. Mas mesmo os Estados nacio-nais que surgem e ou se fortalecem no período são incapazes de arcar comesses custos sem mudar as formas institucionais que historicamente susten-tavam a extração do excedente dos súditos. Na Inglaterra desse período, porexemplo, o governo transformou-se progressivamente numa burocracia cujaprincipal tarefa era controlar e regular a economia de modo a aumentar aprodução e extração do excedente. Tal tarefa foi malsucedida, e assim o fi-nanciamento da Guerra dos Cem Anos deu origem a sucessivas crises fiscaisque induziam a Coroa a aumentar ainda mais a pressão sobre os súditos. Es-tes reagiram por meio da oposição do Parlamento, que se manifestava emduas frentes. Em uma, lutava-se por estabelecer direitos de propriedade maisseguros e, em outra, por se estabelecer direitos civis que permitissem aosparlamentares escapar da ira real. O processo foi complexo, envolvendoavanços e recuos entre as partes, o qual não pode ser descrito apenas comoum conflito bipolar entre uma monarquia absolutista e um parlamento uni-ficado, mas culminou com a vitória deste último em 1689.

A vitória do Parlamento induziu um amplo processo de mudança institucio-nal, o qual, como mencionado na seção anterior, definiu as bases de umamatriz institucional que favorecia o aparecimento de instituições e organiza-ções que só poderiam vicejar em um ambiente em que os direitos de propri-edade estivessem plenamente assegurados. À criação do Banco da Inglaterraem 1694, refletindo os retornos crescentes propiciados pela nova matriz ins-titucional, seguiu-se o desenvolvimento de uma série de novos instrumentosfinanceiros que reduziram expressivamente os custos de transação e puseramà disposição do Estado um volume sem precedentes de fundos para financi-amento da guerra em curso contra a França. É possível argumentar, inclusi-ve, que a vitória inglesa não teria sido possível sem isso, o que teriaimpedido que a Inglaterra emergisse como principal potência mundial apósa segunda vitória contra a França em 1714. (NORTH, 1990, p. 139).

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A estrutura de governança que emergiu nos países ibéricos para financiar oscustos militares foi completamente distinta. Se na Inglaterra a matriz insti-tucional – ao proteger os direitos de propriedade – incentivava a inovaçãotecnológica e a acumulação de capital, o afluxo de riqueza proveniente donovo mundo abriu uma outra possibilidade. Ao invés de terem de negociar,os reis puderam manter e mesmo ampliar seu poder, criando enormes e cus-tosas burocracias para administrar a manutenção dos fluxos de riqueza. EmPortugal, caso que mais interessa aqui, o marquês de Pombal teria reinadocomo um virtual ditador entre 1755 e 1777, colocando o comércio colonialsob o controle estrito da burocracia real. Segundo North (1989, p. 1329),quando a Câmara de Comércio de Lisboa protestou contra o controle exces-sivo, Pombal simplesmente a dissolveu, aprisionou alguns de seus membrose fundou uma outra associação comercial sob controle estrito da coroa.

Como a divergência de trajetórias institucionais nas metrópoles influenciaráas colônias? A América inglesa formou-se exatamente quando o conflito en-tre a monarquia e o Parlamento estava no auge. A diversidade política e reli-giosa na metrópole reproduziu-se na colônia pelos dois motivos apontadosna seção anterior. Os rendimentos crescentes gerados e a adaptação dos mo-delos mentais favoreciam ambas as coisas: a formação de instituições seme-lhantes às inglesas, principalmente às relacionadas às garantias do direito depropriedade,6 e o predomínio do controle local sobre o central, o que, entreoutras conseqüências, permitiu um grau de liberdade econômica que nuncaremotamente tiveram as colônias latino-americanas.

Nestas últimas, formadas quando nas metrópoles o rei recuperava seu poderapós os descobrimentos, perpetuaram-se as características associadas à es-trutura de governança burocrática adotada por Portugal e Espanha para ad-ministrar seus impérios coloniais: personalismo nas relações econômicas epolíticas, regulação estatal, direitos de propriedade mal definidos e nemsempre adequadamente defendidos pelo Estado, e outras que, ao invés deestimular, restringiram a atividade econômica. O resultado em termos dedesempenho econômico desse tipo de evolução institucional é que a matrizinstitucional dos países latino-americanos irá favorecer o desenvolvimento

6 Os norte-americanos parecem ter sido mesmo mais rigorosos na definição de regras que prote-gessem esses direitos que os próprios ingleses. (NORTH, 1989, p. 1329).

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de organizações rent-seeker e desestimular organizações produtivas capazesde elevar a produtividade da economia. (NORTH, 1990, p. 9).

3. EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL BRASILEIRA

A interpretação neo-institucionalista da evolução institucional das colôniasde Espanha e Portugal, descrita na seção anterior, sugere que deveríamosobservar no Brasil um processo de colonização inteiramente controlado e re-gulamentado pela coroa e sua burocracia, que se tornam dominantes em re-lação ao restante da nação em razão de não terem de negociar poder políticopor fundos financeiros. O enorme poder do Estado absolutista teria, assim,implicado que a forma essencial de organização da sociedade colonial tenhasido ditada externamente pelo objetivo mercantil da colonização; esta é exa-tamente a tese de Caio Prado Jr. em Formação do Brasil Contemporâneo(FBC).

Essa interpretação clássica de nossa historiografia sustenta que a colonizaçãofoi um processo que se desdobrou em três direções complementares. Primei-ro, seu objetivo fundamental foi a produção de mercadorias no âmbito docircuito de valorização mercantil do capital metropolitano; o sentido da co-lonização – para usar o termo clássico e recorrente na obra de Caio Prado –foi, assim, o de colonizar apenas e tão-somente para gerar lucros para Portu-gal. Segundo, a forma mais eficiente de fazê-lo foi provavelmente recorren-do ao trabalho escravo, o que, se por um lado viabilizou o projeto colonial,por outro, imprimiu marcas profundas e duradouras nas instituições políti-cas e sociais brasileiras. Terceiro, o próprio caráter da inserção da produçãocolonial no circuito capitalista internacional impôs que a expansão da eco-nomia colonial ocorra por meio de ciclos cuja dinâmica é sistematicamenteinterrompida antes de produzir as bases de um crescimento econômico ge-neralizado. Examinemos um pouco mais detidamente como esses processosse combinaram para produzir um ambiente desfavorável ao desenvolvimen-to de instituições independentes e compatíveis com o desenvolvimento eco-nômico nacional.

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A colonização foi para o autor, em primeiro lugar, um negócio do rei, quefoi também seu principal beneficiário, sendo a riqueza proveniente do co-mércio colonial a base do poder político do monarca:

“… o império lusitano não será um desdobramento naturalda nação, e esta não figurará em sua base, nem será o núcleoconvergente da monarquia ... [e da política lusitana] é antesde tudo um ‘negócio’ do rei, e todos os assuntos que se referemà administração pública são vistos desse ângulo particular’.

É aliás ao rei que Portugal deve suas conquistas: os descobri-mentos lusitanos resultam de uma obra empreendida exclusi-vamente, desde os seus primeiros passos até a últimaprovidência, por iniciativa e atos dos soberanos ou de seus dele-gados imediatos. Foi esta aliás a base do absolutismo portu-guês, do poder imenso e incontrastável do monarca.” (FBC,p. 1450).

Numa primeira etapa, até meados do século XVII, o poder da coroa foi atécerto ponto limitado diante dos colonos.7 Caio Prado interpreta esse perío-do como de convergência de interesses; não interessava contrariar os colo-nos que, afinal, estavam desbravando o território e promovendo osinteresses da metrópole, a quem faltavam os recursos materiais e humanospara tal empreitada. Mas com a decadência da influência de Portugal no co-mércio com o oriente e com a descoberta das minas, o Brasil passa a ser ajóia da coroa, que devia ser administrada com a máxima eficiência. Instala-seaqui a partir desse momento, para usar um termo típico dos economistasneo-institucionalistas, a estrutura de governança adotada pela monarquia es-panhola no restante do novo mundo. É criado o Conselho Ultramarino,que, como o Conselho das Índias dos espanhóis, regulamentava e adminis-trava as atividades coloniais. O monopólio comercial se torna mais rígido,porque monitorado com mais rigor pelas recém-criadas Companhias de Co-mércio, a quem cabia parcela fixa de todas as cargas embarcadas no Brasil.No âmbito interno, o poder político desloca-se das Câmaras Municipais, an-tes sob controle dos grandes proprietários, para a burocracia real, que passa

7 Este ponto é mais enfatizado em Evolução Política do Brasil, escrito em 1933.

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a, de fato, administrar, com mão de ferro, a colônia. Se antes os delegadosda Coroa temiam irritar os colonos e faziam vistas grossas à sua crescenteautonomia ante os interesses metropolitanos, agora a primeira providênciade Rodrigo César de Menezes ao assumir sua capitania, por exemplo, foiconstruir uma forca em praça pública e executar alguns condenados, paralembrar aos nativos que não seria tolerada qualquer oposição aos interessesde Lisboa.

A economia colonial é então direcionada para atender a esses interesses,concentrando-se na produção de gêneros destinados ao comércio internacio-nal, exatamente como previsto pelo modelo interpretativo de Douglass Nor-th. E este era um processo que se auto-reforçava. Ao aumentar o peso dotrabalho escravo a ponto de torná-lo o principal fundamento do nexo socialda colônia, a especialização extrema das relações econômicas coloniais pro-duz uma sociedade que, de um lado, desvaloriza o trabalho e, de outro, é in-capaz de produzir, entre as classes subalternas, agentes políticos capazes depressionar por mudanças nas instituições do regime colonial. A sociedadecolonial assim:

“... se definirá antes pela desagregação, pelas forças dispersi-vas; mas elas são em nosso caso as da inércia; e esta inércia,embora infecunda, explica suficientemente a relativa estabili-dade da estrutura colonial; para contrariá-la e manter a pre-cária integridade do conjunto, bastaram os tênues laçosmateriais primários, econômicos e sexuais, ainda não destaca-dos de seu plano original e mais inferior, que se estabelecemcomo resultado imediato da aproximação de indivíduos, raçasgrupos díspares, e não vão além desse contacto elementar. Éfundada nisto, e somente nisto, que a sociedade brasileira semanteve e a obra da colonização pôde progredir.” (FBC, p.1434).

O aprofundamento da especialização da sociedade colonial à sua função nocircuito de valorização do capital mercantil internacional finalmente reduzia,progressivamente, o espaço para o desenvolvimento de atividades que pu-dessem constituir uma alternativa para a inserção completamente subordi-

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nada ao centro do sistema colonial, inserção esta que sujeitava a evoluçãoeconômica da colônia a um padrão cíclico, em que fases de prosperidade lo-calizadas eram seguidas inevitavelmente por períodos de estagnação econô-mica. Isto acontecia, em parte, porque não havia oportunidades econômicasexpressivas (e as que havia eram proibidas pela metrópole) fora das ativida-des diretamente ligadas ao comércio colonial. Mas também porque o climade ócio generalizado, que resultava da desvalorização psicológica do traba-lho, fazia com que mesmo atividades potencialmente lucrativas existentesnão fossem exploradas. A esse respeito é ilustrativo o exemplo da escassezgeneralizada de alimentos, inclusive nas cidades mais ricas como Salvador,onde mesmo dispondo de dinheiro era virtualmente impossível comprarcarne fresca de boi, aves, leite, legumes e frutas de qualidade aceitável.

O desempenho econômico da colônia nas atividades não ligadas diretamen-te ao comércio colonial:

“Não pode deixar ser, e não foi efetivamente, mais que umalástima. Porque afora o trabalho constrangido e mal execu-tado do escravo, não se vai além do estritamente necessáriopara não perecer à mingua... o Brasil em conjunto [segundoVilhena], apesar dos recursos naturais dele é ´a morada dapobreza´. E aos habitantes da Bahia, a segunda, senão a pri-meira cidade da colônia em riqueza, com exceção dos grandescomerciantes e de alguns senhores de engenho e lavradores´aparatosos´, que aliás nada mais têm de seu que esta apa-rência de ricos, chamará de ´congregação de pobres´.” (FBC,p. 1438).

À visão desoladora da sociedade colonial de Caio Prado contrapõe-se a sen-sual e otimista descrição de seus usos e costumes em Casa Grande e Senzala(C&S). Diferentemente do que afirma o primeiro autor, e os neo-institucio-nalistas, desde o início o empreendimento colonial foi muito mais produtoda iniciativa particular do que uma mera extensão do braço da burocraciaestatal metropolitana.

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“A família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado nemnenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI ogrande fator colonizador no Brasil, a unidade produtiva, ocapital que desbrava o solo, instala as fazendas, compra escra-vos, bois, ferramentas, a força social que se desdobra em polí-tica, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa daAmérica. Sobre ela o rei de Portugal quase que reina semgovernar.” (C&S, p. 19).

Não que ele considerasse o colonizador e depois o senhor de engenho comoum modelo de operosidade; ao contrário, o retrato que traça com condes-cendência e às vezes com mal disfarçada admiração é o de fidalgos rústicos,homens mais preocupados com mulher e aventuras do que com trabalho,como aliás eram os senhores no sul dos Estados Unidos escravista (ver espe-cialmente C&S, p. 377-379). Mas as circunstâncias que encontraram na co-lônia forçaram-no a ter um papel muito mais criativo em nossa sociedade:

“Para os portugueses, o ideal teria sido não uma colônia deplantação, mas outra Índia com que israelitamente comerci-assem em especiarias e pedras preciosas; ou um México ouPeru donde pudessem extrair ouro e prata.... As circunstân-cias americanas é que fizeram do povo colonizador de tendên-cias menos rurais ou, pelo menos com o sentido agrário maispervertido pelo mercantilismo, o mais rural de todos: do povoque a Índia transformara no mais parasitário, o mais cria-dor.” (C&S, p. 24).

A matriz institucional que irá se formar no Brasil refletirá alguns dos traçosmais negativos do modo como o colonizador branco interagiu com o negroe o indígena durante o período colonial, em especial essa matriz incluirá asnormas comportamentais informais que regulavam as relações entre senho-res e escravos no período colonial. Esse antagonismo básico que estruturoua vida colonial, e outros, culturais e econômicos, manifestam-se ainda hoje,por exemplo, nas mais variadas formas de discriminação racial, mas foramsuavizados pelas condições de confraternização e de mobilidade social pecu-liares ao Brasil:

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“......a miscigenação, a dispersão da herança, a fácil e fre-qüente mudança de profissão e de residência, o fácil e fre-qüente acesso a cargos e a elevadas posições políticas e sociaisde mestiços e de filhos naturais, o cristianismo lírico à portu-guesa, a tolerância moral, a hospitalidade a estrangeiros, aintercomunicação entre as diferentes zonas do país.” (C&S,p. 54).

A sociedade que emerge após a abolição será então dotada de uma vitalida-de interna que deriva em grande parte de termos temperado a herança dopassado colonial escravista com as características próprias da nossa naciona-lidade, em particular deriva da facilidade com que aqui a condição odiosa daescravidão foi atenuada pela forma relativamente benigna como senhores eescravos coexistiram. O modelo mental que se formou, nessas circunstânci-as, foi um em que prevaleceu a cordialidade sobre o antagonismo, o orgâni-co e comunal sobre o impessoal e mecânico, a família e o partido políticosobre o indivíduo

Sendo os modelos mentais instrumentos para as pessoas interpretarem a rea-lidade em que vivem, e as instituições as formas de organização que criampara atuar sobre esta realidade, tem-se que a matriz institucional que vaiprevalecer no Brasil pós-abolição irá refletir essas características do caráterbrasileiro. Para Gilberto Freyre, ao fazê-lo, ela é favorável ao desenvolvimen-to de uma sociedade criativa e próspera. O Brasil, para ele nas palavras deum autor recente, não tem nada que o inviabilize, desde que ele seja maispassado do que futuro, mais continuidade do que mudança.8 A própria ten-dência ao autoritarismo do brasileiro, que gosta do dono bravo, de um go-verno másculo e corajosamente autocrático, não torna a ditadura o regimede governo mais adequado à nossa natureza. A forma de governo queFreyre tem em mente como mais adequada para o Brasil é uma que combi-ne as tendências democráticas de seu povo com sua necessidade de um dés-pota benigno, o qual, por compartilhar com a população de suas

8 REIS (2000, p. 82).

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características fundamentais de cordialidade e afetividade, não ultrapassaráos limites de um regime democrático.

Mas essas características – que Freyre exalta em livros posteriores, de formaum tanto ridícula aos olhos do leitor atual, na figura de Pedro II – podemser lidas de uma forma completamente diferente: como indutoras de insti-tuições que, ao privilegiar as relações pessoais que são incompatíveis comformas mais avançadas de estruturação social, freiam o nosso desenvolvi-mento econômico e político. Esta é a tese central de Raízes do Brasil (RB),que passamos a examinar.

A colonização foi um empreendimento muito mais particular do que gover-namental, mas, diferentemente de nos Estados Unidos, implicou o desen-volvimento de insti tuições que não são, em geral , propícias aoestabelecimento de uma economia capitalista moderna. Ao apoiar-se e tentartransportar para outras esferas da vida os preceitos e valores da vida familiar(que foi a unidade básica do processo colonizador), o processo de coloniza-ção moldou uma matriz institucional que não estimulava as virtudes antifa-miliares essenciais ao funcionamento de uma economia de mercado, como oespírito de iniciativa individual e a concorrência. Ao contrário, favoreceu acristalização da importância das relações pessoais nas relações comerciais enas relações com o Estado.

A tendência a estabelecer relações pessoalizadas é, em certo sentido, inata aoportuguês (e ao espanhol), e se manifesta numa incapacidade natural de es-tabelecer laços comerciais que não se baseiem em relações de caráter orgâni-co e comunal, como as que se fundam no parentesco, na vizinhança e naamizade. (RB, p. 137). Mas essas condições iniciais não seriam suficientespara explicar por que o modelo mental português, baseado nesses valores,acabou prevalecendo e forjando uma matriz institucional que irá regular avida de uma população muito maior da que lhe deu origem e por muitotempo após se desfazerem os laços de dependência política e econômicacom a metrópole.

A explicação fundamental para seu sucesso é que essas instituições funciona-ram bem, em termos dos objetivos dos colonizadores, e tiveram seu escopo

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ampliado no Brasil. Em outras palavras, os valores básicos sobre o qual oportuguês construiu seu modelo mental não foram contestados significativa-mente pelas condições com que se defrontou no período colonial. Ao con-trário, foram funcionais para permitir a colonização de um ambienteextremamente hostil ao europeu, como ilustra a tentativa dos holandeses emcolonizar Pernambuco:

“...Seu empenho [dos holandeses] de fazer do Brasil umaextensão tropical da pátria européia sucumbiu desastrosa-mente ante a inaptidão que mostraram para fundar a pros-peridade da terra que lhes seriam naturais, como, bem oumal, já o tinham feito os portugueses. Segundo todas as apa-rências, o bom êxito destes resultou justamente de não teremsabido ou podido manter a própria distinção com o mundoque vinham povoar. Sua fraqueza foi sua força.”

Não é necessário enfatizar o quanto foi importante a facilidade de miscige-nação, tão vividamente descrita em Casa Grande e Senzala, para a formaçãoda sociedade colonial. Mas, em uma das metáforas mais famosas cunhadapor Sérgio Buarque, um outro fator teve também papel decisivo para o su-cesso da colonização portuguesa: o espírito de semeador do português. Àmeticulosidade espanhola, que imaginava poder adaptar, por meio de legis-lação minuciosa e controle burocrático, o novo mundo aos interesses milita-res, econômicos e políticos da metrópole, os portugueses preferiram adotara atitude, em geral, mais liberal de se opor o mínimo possível à natureza dascoisas, seja em termos de costumes, na administração da colônia, ou na edi-ficação de cidades. Essa atitude mental, entretanto, não deve ser confundidacom simples preguiça ou desleixo (como acreditava Caio Prado), mas comouma convicção íntima de que “não vale a pena...”

“Pode-se acrescentar que tal convicção, longe de exprimirdesapego por esta vida, se prende antes a um realismo funda-mental, que renuncia a transfigurar a realidade por meio deimaginações delirantes ou códigos de posturas e regras formais(salvo nos casos onde essas regras já se tenham estereotipadoem convenções e dispensem, assim, qualquer esforço ou sacrifí-

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cio). Que aceita a vida, em suma, como a vida é, sem cerimô-nias, sem ilusões, sem impaciências, sem malícia e, muitasvezes, sem alegria..”. (RB, p. 110).

É esse realismo fundamental que explica o triunfo do português ali onde ou-tros povos fracassaram. Abrandou as restrições e até estimulou os casamen-tos mistos com indígenas para viabilizar o povoamento do território;arranhou a costa brasileira como caranguejo, de preferência a entrar territó-rio adentro, por ser esta habitada por uma única família de indígenas que fa-lava a mesma língua (aprendida e domesticada às leis da sintaxe clássicapelos jesuítas), aprendeu a comer pão de milho porque não havia trigo.Tudo isso com a mesma atitude mental de quem se lançou à aventura de ex-plorar o mundo, mas sopesando os riscos envolvidos e tomando as medidasnecessárias para reduzi-los a níveis aceitáveis.

“Comparada ao delirante arroubo de um Colombo, porexemplo, não há dúvida que mesmo a obra do grande Vascoda Gama apresenta, como fundo de tela, um bom senso atentoàs minudências e uma razão cautelosa e pedestre. Sua jor-nada fez-se quase toda por mares já conhecidos – uma cabota-gem em grande estilo, disse Sophus Ruge – com destino jáconhecido, e, quando foi necessário cruzar o Índico, pôde dis-por de pilotos experimentados como Ibu Majid.

A expansão dos portugueses no mundo representou sobretudoobra de prudência, de juízo discreto, de entendimento ‘queexperiências fazem repousado’...” (RB, p. 110).

A circunstância de que o modelo mental do português era compatível comas necessidades da colonização reforçou este modelo e assim ampliou seu es-copo, definindo a trajetória institucional do Brasil após o final do períodocolonial. As mesmas características que permitiram a coesão social indispen-sável para colonizar e manter unido um imenso território – os valores asso-ciados à família, à amizade e ao parentesco – são, entretanto, incompatíveiscom as instituições requeridas para o desenvolvimento de uma economiaeficiente, porque esta requer mecanismos impessoais de regulação dos mer-

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cados de bens e de capitais. A burocracia governamental no Brasil, a quemem última instância caberia zelar pela aplicação (enforcement) de tais meca-nismos, irá incorporar os valores paroquiais do modelo mental que herda-mos do período colonial sob a forma do patrimonialismo:

“...Para o funcionário patrimonial, a própria gestão políticaapresenta-se como assunto de seu interesse particular; as fun-ções, os empregos e os benefícios que deles aufere relaciona-se adireitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos,como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que pre-valecem a especialização das funções e o esforço para se asse-gurarem garantias jurídicas aos cidadãos... No Brasil, pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema admi-nistrativo e um corpo de funcionários puramente dedicado ainteresses objetivos e fundado nesses interesses. Ao contrário, épossível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínioconstante das vontades particulares que encontram seu ambi-ente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a umaordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida oda família aquele que se exprimiu com mais força e desenvol-tura em nossa sociedade. E um dos efeitos decisivos da supre-macia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – aesfera, por excelência dos chamados ´contatos primários´, doslaços de sangue e de coração – está em que as relações que se

criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo

obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso

ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas

em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a

sociedade em normas antiparticularistas.” (RB, p. 146).

Os negritos são nossos e destacam a conclusão fundamental para nosso tra-balho de que as normas informais estão profundamente enraizadas em nos-sos modelos mentais, o que, como estes determinam a natureza dasinstituições, ajuda a compreender por que é tão difícil ajustá-las a formasmais compatíveis com o desenvolvimento econômico. Nas palavras de Nor-th (1996, p. 353):

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“It is the admixture of formal rules, informal norms, andenforcement characteristics that shapes economic perfor-mance. While the rules may be changed overnight, the infor-mal norms usually change only gradually. Since it is thenorms that provide ´legitimacy´ to a set of rules, revolutio-nary change is never as revolutionary as its supporters desireand performance is different from what is anticipated. Andeconomies that adopt the formal rules of another economy willhave very different performance characteristics than the firsteconomy because of different informal norms and enforce-ment. The implication is that transferring the formal politi-cal e economic rules of successful Western market economies toThird World and Eastern European economies is not a suffi-cient condition for good economic performance.”

CONCLUSÃO

A conclusão fundamental da NEI, resumindo radicalmente suas proposi-ções, é que as instituições formais e informais de uma sociedade serão tantomais compatíveis com o progresso econômico quanto mais elas permitiremaos indivíduos interagirem e assim liberarem seu potencial produtivo e cria-tivo. Isso acontecerá quando as leis, os costumes, a prática social e econômi-ca e as organizações favorecerem a iniciativa individual e a cooperação pormeio de mecanismos impessoais, principalmente garantindo os direitos depropriedade e gerando uma estrutura de preços relativos que premia as ativi-dades produtivas.

Na Inglaterra e depois na América do Norte, segundo a NEI, a matriz insti-tucional que prevaleceu, ao proteger os direitos de propriedade, favoreceu oaprofundamento da divisão do trabalho e o desenvolvimento de instituiçõespolíticas e econômicas que foram consistentes com o desenvolvimento eco-nômico; na América Latina, diferentemente, a estrutura de governança dosistema colonial baseou-se, desde o início, em relações personalistas, nãoporque o colonizador ibérico tivesse uma propensão inata a estabelecer rela-ções dessa forma. Segundo os neo-institucionalistas, isto teria acontecido

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porque as circunstâncias em que a Espanha e Portugal resolveram o proble-ma do financiamento interno do Estado – com recursos oriundos do novomundo – implicou o fortalecimento do poder central e a constituição deuma extensa e elaborada burocracia, em torno da qual a sociedade colonialamalgamou-se.

Procurou-se mostrar neste texto que esta interpretação pode ser correta paraas colônias espanholas, mas é muito mais duvidosa para o Brasil. Aqui, for-mou-se uma sociedade muito mais independente do Estado do que no res-tante da América Latina. Não deixa de ser curioso – dada a origemneoclássica da NEI – que a visão que mais se aproxima da interpretação aci-ma é exatamente à do único marxista entre os três intérpretes clássicos denossa história colonial. Para os dois outros autores analisados, a importânciada burocracia colonial, em termos de formação de nossas instituições, pareceter sido bem mais modesta, mas suas conclusões não são incompatíveis coma visão neo-institucionalista.

A colonização foi feita principalmente por famílias que se tornaram quasefeudos em seus territórios e, como sugere a fracassada experiência holandesade colonização em Pernambuco, essa foi provavelmente a forma mais racio-nal de fazê-lo. Mas enquanto, para Gilberto Freyre, isto não chegará a seconstituir posteriormente em um freio para nosso desenvolvimento econô-mico, para Sérgio Buarque foi precisamente isto o que ocorreu. O modelomental português ao qual as instituições do período colonial se integraram,e que se mostrou consistente com o regime econômico colonial, moldou asinstituições do período pós-colonial, quando este modelo teria que ser alte-rado para se adaptar às exigências de uma moderna economia de mercado.Como a evolução institucional de qualquer sociedade é dependente da tra-jetória (path dependent), as formas mais democráticas de instituições políti-cas e econômicas nunca de fato chegaram a prevalecer sobre as relaçõespessoalizadas e patrimonialistas em todos os níveis da sociedade brasileira,mas particularmente nas relações entre Estado e sociedade.

Estranhamente, dado o período de efervescência política em que foram es-critas, as três obras que acabamos de reler são um tanto vagas em termos deconclusões sobre as possibilidades de mudança institucional, exatamente

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como alguns dos últimos trabalhos de Douglass North, dos quais a citaçãoda página anterior é representativa.9 Nosso palpite é que não se trata desimples coincidência, mas que isso reflete, de um lado, uma possível insufici-ência, apontada na introdução deste texto, tanto dessas obras como da novaeconomia institucional e, de outro, um resultado analítico essencialmenteidêntico para um problema teórico com profundas implicações práticas.

Primeiro a insuficiência. Alguns dos trabalhos recentes mais sugestivos em-pregando o enfoque da NEI têm argumentado que as instituições mais fun-damentais de um país – como as leis que regulam os direitos individuais –normalmente não se modificam por negociação entre os agentes relevantes,por mais complexos que esses processos possam ser. A razão é que nesses ca-sos, em geral, manifestam-se o que se denomina na literatura de dilemas so-ciais, situações em que a sociedade pode ficar aprisionada a um equilíbriodo tipo dilema do prisioneiro porque a nenhum agente isolado interessa ar-car sozinho com os custos da transição para um equilíbrio socialmente maiseficiente. Assim, para que essa transição fosse possível, a sociedade teria dedar um salto, o qual não há razões para imaginar que seja dado automatica-mente, para uma nova arquitetura institucional. North, no exemplo resumi-do neste texto, sugere que eventos às vezes historicamente fortuitos, comomudanças tecnológicas, revoluções e guerras, podem ser decisivos para colo-car o processo de negociação entre os indivíduos em trajetórias que levem aalterações institucionais substanciais. Mas isso, para alguns, deixa uma mar-gem desconfortavelmente elevada para o componente inexplicado do pro-cesso.

9 Casa Grande & Senzala não tem nem mesmo um capítulo conclusivo, embora, é claro, essasconclusões em geral otimistas sobre as instituições brasileiras (e portanto sobre a necessidadede transformá-las) estejam implícitas no texto. Formação do Brasil Contemporâneo não vai expli-citamente além das conclusões sobre o período colonial, que teria se encerrado por volta de1808, embora em livros posteriores Caio Prado nunca tenha deixado de destacar a importânciadesse passado colonial sobre as instituições políticas do Brasil moderno. É essa percepção decontinuidade na história brasileira que aliás parece explicar a moderação do autor quanto àsexpectativas de mudança em A Revolução Brasileira, por exemplo. Raízes do Brasil, finalmente,identifica um processo de mudança institucional em curso, induzido principalmente pelaurbanização do país, que enfraquece a influência das instituições agrárias depositárias dos usose costumes do Brasil colonial. Mas o livro é, pensamos, deliberadamente reticente em relaçãoao quanto essa mudança teria avançado no momento em que era escrito, embora não deixedúvidas sobre o ritmo necessariamente lento em que ela provavelmente avançaria no futuro. (p.180).

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Os autores estudados neste texto, no entanto, apesar de serem pouco explíci-tos a respeito, identificam, assim como fazem os novos economistas institu-cionais, uma característica fundamental do processo de transformaçãoinstitucional, a saber, o de este ser necessariamente lento. Na reconstruçãodo nosso passado, postulamos que os autores examinados adotaram princí-pios metodológicos consistentes com a NEI, principalmente ao privilegia-rem a racionalidade (limitada) dos agentes relevantes envolvidos e nãoaspectos unicamente físicos ou culturais do meio em que a colonizaçãoocorreu. Mas, ao fazê-lo, constataram que as instituições que assim se for-maram eram altamente resistentes a mudanças, exatamente porque eramproduto do cálculo racional e não, em geral, de ignorância ou ineficiência.Não é surpreendente, portanto, que ao olhar para o futuro, em um momen-to histórico em que mudanças importantes estavam ocorrendo, parecessemmais reticentes do que se poderia esperar, nas circunstâncias, sobre o alcancedessas mudanças, destacando a necessidade de evitar rupturas radicais comas instituições existentes. Exatamente o que postula a NEI.

Com isso, chegamos à conclusão que, não exatamente da forma como osautores neo-institucionalistas supõem, e com as devidas reservas metodoló-gicas, a NEI pode ajudar a esclarecer aspectos importantes da história daevolução de nossas instituições; em particular, é útil para reler as obras clás-sicas da nossa historiografia do período colonial sob uma nova ótica. Suge-riu-se neste texto que nenhuma dessas obras é essencialmente incompatívelcom a NEI; ao contrário, parece razoável acreditar que esta possa ser útilpara definir um fio condutor comum para apreciar importantes questões,como às relativas à possibilidade de transformação institucional no Brasil,numa perspectiva histórica comparativa.

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(Recebido em julho de 2003. Aceito para publicação em março de 2004).