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POSSIBILIDADES DIDÁTICAS PARA APROPRIAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS: UMA ANÁLISE A PARTIR DE PAINÉIS DECORATIVOS Ademir Damazio 1 Eloir Fátima Mondardo Cardoso 2 Ledina Lentz Pereira 3 Josélia Euzébio da Rosa 4 Daiane de Feitas 5 RESUMO: Apresenta-se o estudo de duas pesquisas, inter-relacionadas, desenvolvidas por integrantes do GPEMAHC - Grupo de Pesquisa Educação Matemática: Uma Abordagem Histórico-Cultural da UNESC- Universidade do Extremo Sul Catarinense. O grupo desenvolve estudos, cujo objetivo principal de investigação consiste no processo de ensino e aprendizagem de matemática com base na Teoria Histórico-Cultural. Desse modo, ambas as pesquisas se inserem no objeto de estudo que analisa as possibilidades didáticas da atividade de produzir painéis decorativos, desencadeadora de um processo de análise e síntese da apropriação de um sistema de conceitos matemáticos, em situação escolar. Uma das pesquisas pressupõe que a leitura de painéis decorativos pode se tornar elemento didático mediador das atividades de ensino e de estudo, no processo de apropriação de conceitos matemáticos. A outra apresenta a objetivação dos princípios da Teoria Histórico- Cultural, para o ensino das primeiras noções de equação do segundo grau. PALAVRAS-CHAVE: Conceitos Matemáticos. Painéis decorativos. Possibilidades didáticas. Movimento Conceitual. Davýdov. 1. Introdução No presente trabalho apresentam-se duas pesquisas, inter-relacionadas, desenvolvidas por integrantes do Grupo de Pesquisa Educação Matemática: Uma Abordagem Histórico-Cultural (GPEMAHC). O objeto central de investigação do grupo consiste no processo de ensino e aprendizagem de Matemática com base na THC (Teoria Histórico- Cultural). O foco incide na análise de painéis decorativos com azulejos em construção civil. O pressuposto é que a leitura dos painéis pode se tornar elemento didático mediador das atividades de ensino e de estudo, no processo de apropriação de conceitos matemáticos (PEREIRA, et al, 2010). Apresenta-se a possibilidade pedagógica para um processo de análise e síntese, em situação escolar, em que se confluem em um sistema de conceitos composto por contagem, expressões numéricas, sequências de números figurados, formulações algébricas e suas traduções em equação do segundo grau. Além disso, considerou-se a objetivação dos princípios da THC, para o ensino das primeiras noções de equação do segundo grau. Tais princípios tem como base o movimento de ascensão do abstrato ao concreto, expresso nas relações geral/universal/particular/singular (FREITAS, et al, 2013). 1 Docente do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 2 Docente da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 3 Docente da Universidade Extremo Sul Catarinense. 4 Docente do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Sul de Santa Catarina. 5 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação Extensão da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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POSSIBILIDADES DIDÁTICAS PARA APROPRIAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS: UMA ANÁLISE A PARTIR DE PAINÉIS DECORATIVOS

Ademir Damazio1 Eloir Fátima Mondardo Cardoso2

Ledina Lentz Pereira3 Josélia Euzébio da Rosa4

Daiane de Feitas5 RESUMO: Apresenta-se o estudo de duas pesquisas, inter-relacionadas, desenvolvidas por integrantes do

GPEMAHC - Grupo de Pesquisa Educação Matemática: Uma Abordagem Histórico-Cultural da UNESC-

Universidade do Extremo Sul Catarinense. O grupo desenvolve estudos, cujo objetivo principal de investigação

consiste no processo de ensino e aprendizagem de matemática com base na Teoria Histórico-Cultural. Desse

modo, ambas as pesquisas se inserem no objeto de estudo que analisa as possibilidades didáticas da atividade

de produzir painéis decorativos, desencadeadora de um processo de análise e síntese da apropriação de um

sistema de conceitos matemáticos, em situação escolar. Uma das pesquisas pressupõe que a leitura de painéis

decorativos pode se tornar elemento didático mediador das atividades de ensino e de estudo, no processo de

apropriação de conceitos matemáticos. A outra apresenta a objetivação dos princípios da Teoria Histórico-

Cultural, para o ensino das primeiras noções de equação do segundo grau.

PALAVRAS-CHAVE: Conceitos Matemáticos. Painéis decorativos. Possibilidades didáticas. Movimento

Conceitual. Davýdov.

1. Introdução

No presente trabalho apresentam-se duas pesquisas, inter-relacionadas, desenvolvidas por integrantes do Grupo de Pesquisa Educação Matemática: Uma Abordagem Histórico-Cultural (GPEMAHC). O objeto central de investigação do grupo consiste no processo de ensino e aprendizagem de Matemática com base na THC (Teoria Histórico-Cultural).

O foco incide na análise de painéis decorativos com azulejos em construção civil. O pressuposto é que a leitura dos painéis pode se tornar elemento didático mediador das atividades de ensino e de estudo, no processo de apropriação de conceitos matemáticos (PEREIRA, et al, 2010). Apresenta-se a possibilidade pedagógica para um processo de análise e síntese, em situação escolar, em que se confluem em um sistema de conceitos composto por contagem, expressões numéricas, sequências de números figurados, formulações algébricas e suas traduções em equação do segundo grau.

Além disso, considerou-se a objetivação dos princípios da THC, para o ensino das primeiras noções de equação do segundo grau. Tais princípios tem como base o movimento de ascensão do abstrato ao concreto, expresso nas relações geral/universal/particular/singular (FREITAS, et al, 2013).

1 Docente do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 2 Docente da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 3 Docente da Universidade Extremo Sul Catarinense. 4 Docente do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Sul de Santa Catarina. 5 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação Extensão da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

2. Painéis Decorativos com Azulejos em Construção Civil: Possibilidades Didáticas para Apropriações de Conceitos Matemáticos

O pressuposto é que a colocação dos azulejos se insere no contexto de uma atividade tipicamente humana. Isso, segundo Leontiev (1978), se caracteriza pela sua estrutura composta de fim, necessidade, motivo, sentido, significações, ações, tarefas e operações. Para Leontiev (2001), o desenvolvimento humano é marcado por fases que se distinguem entre si pela “atividade principal”. Esta determina o lugar que o indivíduo ocupa nas complexas relações sociais da humanidade. Além disso, há formação e reorganização de processos psíquicos particulares, bem como fonte de ocorrência das principais mudanças psicológicas. As atividades principais são: jogo, no período pré-escolar; estudo, na fase de escolarização; e trabalho, na idade adulta.

Desse modo, a produção dos painéis de azulejos é uma ação da atividade de trabalho, própria do ser humano em sua fase adulta. No entanto, a hipótese é que sua finalidade decorativa e sua expressão de arte manifesta, implicitamente, formas de pensamento matemático. Na referida ação criativa, há função de pensamento/abstrações com uma especificidade que a humanidade denomina matemática. Tais criações estão expostas à admiração ou à refutação das pessoas que as percebem ou as analisam, mas dificilmente pensadas matematicamente, mesmo pelos próprios autores e executores das obras. A exceção fica para aqueles que as vejam com evidência empírica pela forma geométrica.

Sendo assim, surge a hipótese de que é possível fazer leitura matemática da objetivação da referida ação de trabalho. Para tanto, requer a sua transformação em ação de outras atividades: de estudo, para o aluno; de ensino, para o professor. Dessa forma, migra de um contexto prático para assumir um papel de mediador do processo de apropriação de conceitos matemáticos em situação escolar.

É no âmbito dessa possibilidade, tendo como referência a THC, que foi definida a questão diretriz da pesquisa: quais os princípios lógicos matemáticos e pedagógicos podem ser explicitados a partir dos painéis decorativos das paredes externas das construções?

O teor didático desse questionamento tem sua razão de ser no grande contingente de estudos em Educação que manifestam descontentamento em relação ao ensino de Matemática. Por exemplo, Davýdov (1982) conclama pela necessidade de um modo de organização do ensino, que incida na atividade de ensino e na de estudo, como forma de colocar os alunos em processo de elaboração de conceitos científicos matemáticos. Isso requer, conforme Leontiev (1978 e 2001), que a ação esteja vinculada ao fim da atividade e depende das condições concretas de vida do ser humano. Para tanto, se desdobram diferentes operações, isto é, os procedimentos utilizados para o alcance dos objetivos. Como produção humana, toda atividade e suas constituintes, ação e operação, podem se transformar uma em outra. Por exemplo, a colocação de azulejos em uma parede é a atividade principal do trabalhador responsável pela fixação de cada peça na montagem do painel, impulsionado por um motivo: o salário, gerado pela necessidade de aquisição dos bens e produtos de sobrevivência. Dessa atividade, desdobram-se várias ações, entre outras: a preparação da massa fixadora, a demarcação do espaço do painel e a fixação dos azulejos. O modo, os procedimentos e os instrumentos de execução de cada uma delas determinam as operações. Por sua vez, para o arquiteto que planeja o painel decorativo, esse procedimento não se configura como atividade propriamente dita, mas apenas uma ação, pois tem relação direta com o fim da sua atividade de planejar as construções, em vez do motivo que também é o salário.

O painel idealizado pelo arquiteto, mas objetivado, em uma parede externa da construção, por outro profissional, pode se transformar em objeto de análise no processo de apropriação de conceitos matemáticos, isto é, na atividade de estudo. Nesse caso, insere-se no

sistema de tarefas da ação do aluno de aprender matemática, que requer um conjunto de procedimentos, operações.

De acordo com a teoria da atividade, na THC, os procedimentos lógicos matemáticos na leitura dos painéis, em situação escolar, não se constituem a totalidade do processo de apropriação de um determinado conceito. Trata-se de tomá-la como uma modalidade de tarefa, entre tantas, que a atividade de estudo requer para o desenvolvimento do pensamento, referentes a um determinado sistema conceitual.

Também pode caracterizar-se como tarefa que leva o aluno a apropriar-se do modo geral, da essência (universal) do conceito, ou do tipo que leva à explicitação de singularidades e particularidades do mesmo. Em outras palavras, conforme Davidov (1988) destina-se ao desenvolvimento do pensamento teórico e, como tal, traduz-se como método da ascensão do abstrato ao concreto. Isso requer tanto o pensar abstratamente - alicerçado em um conjunto de proposições fixas - como um complexo sistema, que apresenta uma relação inicial geral caracterizadora do conceito e se explicita em uma situação específica. Há, pois, um movimento dialético entre a relação geral subjacente ao conceito e a dedução de relações particulares em determinadas situações, referência do processo de análise/síntese próprio do ensino e da aprendizagem e, consequentemente, do desenvolvimento do pensamento teórico. Davidov (1988, p.175) explica:

Ao iniciar a apropriação do domínio de qualquer disciplina científica, os alunos, com o auxílio dos professores, analisam o conteúdo do material didático. Nele, separam alguma relação geral e descobrem, simultaneamente, que ela se manifesta em muitas outras relações particulares existentes no referido material. Ao registrar por meio de signo, a relação inicial geral, os alunos constroem uma abstração substantiva do objeto estudado. Na sequência da análise do material, eles descobrem a vinculação regular dessa relação inicial com suas diversas manifestações, assim, obtém uma generalização substancial do objeto de estudo. Assim sendo, as crianças, com ajuda do professor, utilizam a abstração e generalização substanciais para a dedução sucessiva de outras abstrações mais particulares e uni-las no objeto integral estudado (concreto). Quando os estudantes começam a fazer uso da abstração e generalização iniciais, como meio para deduzir e unificar outras abstrações, eles transformam as estruturas mentais iniciais em conceito que fixa a “célula” do objeto estudado. Esta “célula” serve, posteriormente, como um princípio geral para orientar o estudante em toda a diversidade de material factual a assimilar, em uma forma conceitual, por via da ascensão do abstrato ao concreto.

Esse movimento atende a um conjunto de princípios de ordem conceitual de uma determinada disciplina, que direciona a organização do ensino com vistas ao desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes:

1) todos os conceitos que constituem uma disciplina escolar ou de seus aparatos

fundamentais devem ser assimilados, pelos crianças, por meio do exame das condições de origem, graças as quais os referidos conceitos se tornam indispensáveis (dito com outras palavras, os conceitos não são dados como “conhecimentos prontos”);

2) a assimilação dos conhecimentos de caráter geral e abstrato precede a familiarização com os conhecimentos mais particulares e concretos; estes últimos devem ser separados do abstrato como de seu fundamento único; este princípio se desprende da orientação para revelar a origem dos conceitos e corresponde às exigências da ascensão do abstrato ao concreto;

3) no estudo das fontes objetal-material de um ou outro conceito, os alunos devem, antes de tudo, descobrir a conexão geneticamente inicial, geral, que determina o conteúdo e a estrutura do campo de conceitos dados (por exemplo, para todos os conceitos da matemática escolar esta conexão geral são as grandezas, para o conceito da gramática escolar, é a relação da forma e o significado da palavra);

4) é necessário reproduzir esta conexão em modelos objetal, gráficos e simbólicos especiais que permitam estudar suas propriedades em “forma pura” (por exemplo, as crianças podem representar as conexões gerais das grandezas em fórmulas com letras, propícias para o estudo posterior das propriedades dessas conexões; a estrutura interna das palavras pode ser representada com a ajuda de esquemas gráficos especiais);

5) em especial, há que se formar nos alunos ações objetais de forma tal que lhes permitam revelar no material de estudo e reproduzir nos modelos as conexões essenciais do objeto e a seguir estudar as suas propriedades (por exemplo, para revelar a conexão que está na base do conceito de números inteiros, fracionários e reais é necessário formar nas crianças uma ação especial para determinar a característica de divisibilidade e multiplicidade das grandezas).

6) Os escolares devem passar paulatinamente e no seu devido tempo da realização de ações objetais ao plano mental. (DAVÝDOV, 1982 p. 444-445).

Assim, as tarefas que serão desenvolvidas, na próxima seção do presente artigo, só tem razão de ser na proposta de ensino de Davýdov, quando antecedidas por aquelas que propiciam a apropriação do caráter geral e abstrato do conceito. Ao analisar os painéis decorativos com azulejos, em situação escolar, entram em cena três aspectos do pensamento matemático: o visual-imaginativo, o lógico-verbal e a inseparabilidade geométrica/aritmética/algébrica. O componente visual imaginativo, de acordo com Luria (1978), manifesta-se nas ações empíricas da atividade humana. Entretanto, a referida produção traz implicitamente um modo de pensar com a indicação dos procedimentos originadores daquela criação. Nesse processo, apresenta-se um teor conceitual matemático à mercê de verbalização em nível de pensamento teórico. Segundo o autor em referência, o ensino contribui em grande medida para que ocorra substituição das formas ativo-visuais, do pensamento prático, pelas formas abstratas, ou seja, pelo pensamento lógico-verbal.

Ao buscar, na atividade de colocação de painéis com azulejos, as formas de pensamento matemático e sua contribuição para o processo de ensino e de aprendizagem na escola pode se manifestar em dois tipos de conceitos os empíricos e os teóricos (DAVÝDOV, 1982). Para Vygotski (1993), o um conceito inserido num sistema conceitual se constitui no desenvolvimento do conceito científico e exerce uma ação transformadora nos empíricos.

A matemática, como conhecimento sistematizado ao longo dos anos pelos homens, constitui um sistema de conceitos científicos constituído por seus campos (aritmética, geometria e álgebra). Davýdov (1982) estabelece como função primordial da educação escolar o desenvolvimento do pensamento teórico e faz referência ao ensino de matemática para que se atenha à superação do desenvolvimento do pensamento aritmético, enfatizado pelas propostas pedagógicas atuais, para atingir o nível do pensamento algébrico. Entende que a aritmética, com seus vínculos empíricos, torna-se obstáculo para o desenvolvimento do pensamento teórico-matemático.

Essas formulações teóricas fundamentam o pressuposto de que a atividade de colocação dos azulejos para a produção de painéis pode ser adotada como mediadora, em situação escolar, para a apropriação de significações de conceitos científicos matemáticos e, dessa forma, ressignificar os conceitos empíricos. Além disso, dá base para explicitação da inter-relação dos pensamentos aritmético, algébrico e geométrico. Trata-se, pois, de material curricular, em que os alunos, com auxílio direto ou indireto do professor, detectam a vinculação regular entre a relação essencial do conceito e suas manifestações naquelas situações particulares, como forma de obter uma generalização substantiva do conteúdo estudado.

3. Painéis com azulejos: leituras matemáticas e possibilidades didáticas O foco são alguns painéis selecionados entre os trinta catalogados e fotografados

de prédios da cidade de Criciúma-SC. O presente texto contempla um sistema conceitual constituído pela contagem decimal, operações aritméticas em formas de expressões, área, sequência, números figurados. As formas mais encontradas nesses painéis foram retangulares, quadradas e triangulares, o que contribuiu para as generalizações algébricas da equação do segundo grau em situações particulares de ordem e de números figurados. Essas trazem ideias conceituais tipicamente das atividades interna e externa do homem, produzidas pelos gregos, na Antiguidade. Portanto, são produções históricas que caracterizam um modo de pensar de um determinado momento da humanidade, que se alastram até a atualidade e se mantêm presentes nos conteúdos curriculares da Matemática.

Nesses contextos histórico e social, insere-se a escola pitagórica, cuja filosofia supunha que a causa das várias características do homem e da matéria são os números inteiros. Com tal compreensão, são apresentados os números figurados (exemplo: quadrados e triangulares) como expressão da quantidade de pontos em configurações geométricas e, dessa forma, traduz-se uma interligação entre a aritmética e a geometria.

Vale reafirmar que tais proposições, se analisadas com fundamentos no sistema de ensino proposto por Davýdov, precedem a uma sequência de tarefas que conduzem a apropriação do caráter geral e abstrato do referido conceito. Em outras palavras, as expressões matemáticas, advindas da análise dos painéis, não traduzem o modo geral, por exemplo, do conceito de equação do segundo grau, mas sim manifestações em situações particularidades com suas singularidades. O modo geral, isto é, a essência caracterizadora do conceito, ponto de partida do processo de apropriação em situação escolar, de acordo com o sistema davydoviano, é a igualdade que envolve um trinômio quadrado perfeito.

Como mencionado anteriormente, as formas retangulares são evidentes nos painéis pesquisados, como pode ser observado nas figuras 1 a 5 (PEREIRA, et al, 2010).

Figura 1: Painel de superfícies retangulares sobrepostas

Na figura 1, visualmente, o destaque é para as três superfícies retangulares

sobrepostas que estão em uma sequência crescente: vermelho, amarelo e azul. A unidade de área (u.a) da superfície é um azulejo. Ao se desconsiderar as intersecções entre si e proceder à contagem, a figura vermelha possui 10 x 13 azulejos; a amarela 16 x 13 azulejos; a azul 22 x 15 azulejos. Com essas medidas, calcula-se a área de cada uma que seria, respectivamente, 130, 208 e 330 u.a. Nessa contagem e na forma de expressá-la, configura-se um sistema conceitual constituído por multiplicação, a área e medida de comprimento.

No desenvolvimento de um sistema de tarefas de ensino para o cálculo da quantidade de azulejos há que se considerar a relação de conteúdo ou de conceitos a serem ensinados/elaborados. De acordo com Vygotski (1995 e 1996), um conceito está sempre vinculado a outro, ou seja, faz parte de um sistema conceitual. Desse modo, não há um

conceito que seja essencial e outro secundário, mas, no momento escolar de ensino e aprendizagem, um deles é referência para a apropriação do outro. Assim, na análise da figura 1, é possível estabelecer um diálogo entre professor e alunos mediado por significações de um sistema conceitual. Este – para efeito do presente estudo, como anunciado – constitui-se de contagem decimal, operações algébricas e aritméticas em formas de expressões, área, sequência, números figurados e equação do segundo grau, a seguir apresentados:

I - Contagem simples e visíveis – por cor, a representa a unidade de área na altura e na largura: a) Área da superfície retangular vermelha: 13a ×10 ou 10a ×13. b) Área da superfície retangular amarela: Superfície 1 - 10a × 6 ou 6a ×10; Superfície 2 - 6a × 13 ou 13a ×6. Área total: 10a × 6 + 6a × 13 ou 6a ×10 + 13a ×6 c) Área da superfície retangular azul: Superfície 1 - 16a × 9 ou 9a × 16; Superfície 2 - 6a × 15 ou 15a ×6. Área total: 16a × 9 + 6a × 15 ou 9a ×16 + 15a × 6 d) Área Total da Figura 1: vermelho + amarelo + azul = = (10a ×13) + (6a× 10 + 13a ×6) + (9a × 16 + 15a ×6) = =130a + (60a + 78a) + (144a + 90a) = =130a + 138a + 234a = 502a = 502 u.a

Considerando a unidade de área, u.a = 10cm ×10cm = 100cm2, então, em

centímetros quadrados, a área total da figura 1 é 502 ×100cm² = 50 200cm². II – Contagem complexa referente às superfícies retangulares visíveis de cada cor:

a) Vermelho = 13a ×10 b) Amarelo =13a × 16 - 7a × 10 c) Azul = 15a × 22 - 6a × 16 d) Quantidade Total = vermelho + amarelo + azul = =13a × 10 + 13a × 16 - 7a × 10+ 15a × 22 - 6a × 16 = =130a + 208a - 70a + 330a - 96a = 502a ou 502u.a

III – Contagem complexa - considera-se a maior superfície quadrada em cada figura de cor diferente, acrescida de superfícies retangulares que completam cada figura: a) Vermelho = 102 + 10 x 3 b) Amarelo = 62 × 3 + 6 × 4 + 6 c) Azul = 92 × 2+ 9 × 4 + 62

d) Quantidade de área total = vermelho + amarelo + azul = = (102 + 10 ×3) + (62 × 3 + 6 × 4 + 6) + (92 ×2+ 9 × 4 + 62) =

= (100 + 30) + (36 × 3+ 24 + 6) + (81 × 2 + 36 + 36) = =130 + (108 + 24 +6) + (162 + 36 + 36) = =130u.a + 138u.a + 234u.a = 502u.a

É possível observar expressões aritméticas com várias operações relacionadas a

um contexto, com ascendência de uma percepção cotidiana aparente para uma leitura

matemática num sistema conceitual operativo. A busca do valor de cada uma delas pode ser orientada de forma que os alunos entendam as razões e os significados sobre: a necessidade de usar os parênteses e de cada operação.

IV – Salto para a álgebra - Equação do segundo grau:

Uma das possibilidades da passagem da aritmética para álgebra, por exemplo, é a possibilidade da explicitação da equação do segundo grau na relação da medida da área de cada figura no centro do painel. Nessa relação, propõe-se uma unidade de comprimento n, e, por consequência, uma unidade de área (n×n), para cada figura. Convém salientar que a proposição inicial pode ser mudada, e isso é demonstrado na medida da superfície vermelha.

a) A expressão numérica da área da superfície retangular vermelha se transforma em igualdade algébrica:

Proposição 1- unidade de área na largura n = 10 u.a: Superfície retangular vermelha = 102 + 10.3 = 130 u.a;

n

2 + 3n = 130; n

2 + 3n - 130 = 0

Proposição 2 - unidade de área na largura n = 5 u.a: Superfície retangular vermelha = 52×4 + 5×6 = 130 u.a; 4n² + 6n = 130; 4n² + 6n – 130 = 0

A determinação das raízes da equação do segundo grau, numa situação de ensino e aprendizagem escolar, pode ser seguida das seguintes etapas que atendem aos princípios lógico-históricos:

1º) tentativas, isto é, por substituições aleatórias de valores numéricos (procedimento adotado na China por Tsu Chung Chin);

2ª) formação algébrica/geométrica de trinômio quadrado perfeito (formulações similares aos estudos dos hindus, babilônios, egípcios e árabes);

3ª) dedução e uso de fórmula resolutiva, como a de Baskara ou o método de Viéte. Esses procedimentos serão tratados em um próximo estudo. Segue, então, o

raciocínio apontado no primeiro parágrafo dessa seção. b) A expressão algébrica da área da superfície retangular amarela: Superfície retangular amarela = 62 × 3 + 6 × 4 + 6 = 138u.a. Partindo da premissa da Proposição 1, do item (a), onde fora considerado a unidade de comprimento n = 10, então é possível afirmar que 6 = (n – 4), deste modo, tem-se: (n-4)2 .3 + (n-4).4 + (n-4) = 138. Pode-se optar por mudança de variável m = n-4 e obtém-se a igualdade algébrica: 3m² + 4m + m = 138 3m² + 5m – 138 = 0

c) Expressão algébrica da área da superfície retangular azul: Superfície retangular azul = 92 × 2 + 9 × 4 + 62 = 234u.a (n-1)2 .2+ (n-1).4 + (n-4)2= 234 d) Expressão algébrica da área total: Nessa situação se apresenta a necessidade de diferentes formas de associação: uso dos parênteses e colchetes. Área total = (102 + 10. 3) + (62 .3 + 6.4 + 6) + (92.2 + 9.4 + 62) = 502 u.a (n2+ 3n) + [(n-4)2 .3 + (n-4).4 + (n-4)] + [(n-1)2. 2 + (n-1).4 + (n-4)2 ] = 502u.a n

2 + 3n + 3n² -19n + 28 + 3n² - 8n+ 14 = 502 7n² - 24n + 42 – 502 = 0 7n² - 24n- 460 = 0

Procedimentos similares podem ser adotados ao serem considerados partes do painel da figura 1. Desse modo, para não cair na rotina da análise de uma mesma situação e, ao mesmo tempo acrescentar a ideia de números figurados, a referência passa ser a figura 2. Sua aparência visual dá destaque para a superfície amarela, com a ilusão de ser um triângulo, em termos quantitativos de unidades quadradas. Tal percepção triangular é desfeita teoricamente, pois a figura contém 25 unidades de área; portanto, um número quadrado. A contagem das unidades quadradas, por linhas, estabelece a soma de números ímpares 1 + 3 + 5 + 7 + 9 = 25. Em termos sequenciais, os números determinam uma progressão aritmética (1, 3, 5, 7, 9) de razão dois.

Figura 2: Painel na forma triangular amarela e fundo preto

Os números ímpares, colocados segundo um determinado modelo, com figuras que aparecem uma após as outras em séries paralelas, formam a sequência dos números quadrados. Adaptado de Caraça (2003) pode-se dizer que, pelas adjunções sucessivas dos termos, nesse arranjo geométrico, se formam quadrados perfeitos. O fato geométrico, geração de quadrados a partir uns dos outros, é regido pela lei matemática: 1+3 = 4 = 2², 1 + 3 +5 = 9 = 3², generalizado por: 1+3+5+...+ (2n – 1) = n², com n ∈ Ν = {1, 2, 3, 4, ...}. Assim, a transformação em equação do segundo grau leva a questionamentos do tipo: quantos números ímpares, a partir de 1, são adicionados para se obter um determinado quadrado perfeito?

O recorte do painel da figura 2, figura 3, traduz a ideia de duas sequências de números triangulares: a primeira constituída pelos azulejos pretos e a segunda pelos azulejos amarelos.

Figura 3: Recorte do painel da figura 2

Os números figurados, neste caso triangulares, podem ser generalizados

algebricamente. A análise de cada forma triangular (amarela e preta) da figura 3 dá elementos para observar que cada um desses números se constitui pela soma dos n números naturais, além disso, qualquer um deles inclui a soma dos anteriores. Para isso, basta adotar a contagem dos azulejos, por exemplo, os amarelos da esquerda para direita ou de cima para baixo, tendo como referência a unidade:

O primeiro número triangular é 1 O segundo número triangular é 3 = 1 + 2 O terceiro número triangular é 6 = 1 + 2 + 3 Na sequência, o enésimo número triangular (Tn) é dado pela soma da progressão

aritmética:

2

1) (n n n...321 Tn

+=++++=

Muitas possibilidades interpretativas, com argumentos matemáticos, podem ser

adotadas para atingir a referida generalização em nível de compreensão aritmética, geométrica e algébrica. A partir da análise da figura 3, observa-se que ela é uma superfície retangular de base n = 5 u.c (unidade de comprimento da largura) e altura n+1= 6u.c (unidade de comprimento da altura), cuja área é 30 u.a = 5× (5+1) = n × (n + 1). A superfície é constituída por duas formas triangulares, que requerem a divisão por dois para determinar cada um dos

números triangulares, ou seja: 15 = 1) (5 2

5+× , genericamente, ( )1

2

n+= nTn . Para que o aluno

atinja tal nível de generalização, faz-se necessária a orientação do professor, pois requer o trânsito por procedimentos e pensamentos indutivos e dedutivos.

Na forma geral, ao aplicar a propriedade distributiva a esquerda, explicita-se uma função polinomial do segundo grau que, para transformá-la em equação, também requer uma problematização do tipo: quantos números naturais, a partir de 1, são adicionados para obter um determinado número triangular?

O painel da figura 4 - consideradas as superfícies vermelhas - expressa um número triangular composto de retângulos.

Figura 4: Números triangulares produzidos por retângulos

Tais retângulos podem ser considerados como pontos formadores da figura triangular. Numericamente: 1 + 2 + 3 = 6, isto é, o terceiro termo da sequência dos números

triangulares. A comprovação pela forma geral: 62

)13(33 =

+=T , ou seja, o terceiro número

triangular é formado por seis pontos, representado por retângulos. Porém, cada um desses pontos (superfícies retangulares vermelhas) apresenta, segundo Caraça (2003), 15 u.a., igual a 3 u.a vezes 5 ou 5 u.a vezes 3. Isso significa dizer que foram usados 90 azulejos vermelhos, 15 u.a vezes 6. Ao valer-se da forma genérica, adota-se: 90

2

)13(315 =

+× .

Na sequência, apresenta-se o painel da figura 5, que explicita uma composição figurativa mais complexa, que possibilita também elaborar os casos particulares já discutidos neste trabalho, mas que trazem elementos novos.

Figura 5: Composição de vários números figurativos

Numa observação ao painel, mesmo que visualmente, é impossível não se inquietar frente às possibilidades de trazer à tona leitura com raciocínio e componentes conceituais matemáticos. Todos os tipos tratados anteriormente, em relação às outras figuras, constituem pequenas particularidades da figura 5. Ela traz elementos novos à mercê de explicitação e de generalização. Desse modo, será elucidada apenas uma possível análise, em situação escolar, tendo como referência a unidade central (amarela) do painel. Observa-se que, a partir dela, inicia-se uma sequência de superfícies quadradas em que as anteriores se incluem no imediatamente posterior. Em outras palavras, a primeira tem uma unidade (azulejo de superfície amarela); a segunda inclui a anterior acrescida de oito unidades de superfície preta e, assim, sucessivamente, até atingir a décima. Em termos aritméticos, tem-se:

Superfície 1: 1 u.a, (uma u.a amarela); Superfície 2: (1 + 8) = 9 u.a, (uma u.a amarela e oito pretas); Superfície 3: (1 + 8 + 16) = 25 u.a (uma u.a amarela, oito pretas e dezesseis amarelas); Superfície 4: (1 + 8 + 16 + 24) = 49 u.a (...) Superfície 5: (1 + 8 + 16 + 24 + 32) = 81 u.a (...) Superfície 6: (1 + 8 + 16 + 24 + 32 + 40) = 121 u.a (...) Superfície 7: (1 + 8 + 16 + 24 + 32 + 40 + 48) = 169 u.a (...) Superfície 8: (1 + 8 + 16 + 24 + 32 + 40 + 48 + 56) = 225 u.a (...) Superfície 9: (1 + 8 + 16 + 24 + 32 + 40 + 48 + 56 + 64) = 289 u.a (...) Superfície 10: (1 + 8 + 16 + 24 + 32 + 40 + 48 + 56 + 64 + 72) = 361 u.a (...)

Nas superfícies de 3 a 10, observa-se que, a partir do segundo termo, tem-se 8 u.a comum as demais parcelas. Usando a distributividade, reescreve-se a superfície 10, por exemplo, colocando o 8 em evidência a partir do segundo termo, obtendo-se: 1 + 8 (1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 8 + 9). Como (1+2+3+4+5+6+7+8+9) se constituem

números triangulares, que podem ser escrito na forma: 1+8.2

1)(n n +=1+4.(n2+n)=1+4n+4n2.

Com a fatoração, obtém-se: (1 + 2n)2. Para essa particularidade, é possível adotar a generalização, considerando-se a Superfície 1, como ponto de partida, isto é, n = 0: Qn = (1 + 2n)2, em que Qn é a quantidade de unidade de área da superfície e n a ordem do quadrado na sequência numérica.

A equação do segundo grau é explicitada ao se determinar a medida de uma das superfícies, cuja solução é a ordem do quadrado que a contém. Isso requer que se considere Qn = (1 + 2n)2, com n= 0,1,2,3,..., com a interpretação de que n indica a posição do quadrado que contém o anterior. Assim, Qn = 1, tem-se: 1 = (1 + 2n)2, cuja solução é n = 0. Isso significa que o quadrado, com apenas uma unidade de área, é o que não teve nenhuma inclusão de outros. Se, por exemplo, o problema é encontrar o quadrado que tem 9 unidades de área, leva-se este valor à forma geral e obtém-se a equação: 9= (1 + 2n)2, resultando n = 1. O resultado quer dizer que as 9 unidades de área representam o quadrado que tem em sua área a adição da anterior, isto é, do primeiro quadrado, cuja ordem é n = 0.

Outra generalização pode ser obtida pela sequência das unidades de área: 1, 9, 25, 49, 81, 121, 169, 225, 289 e 361 correspondem aos quadrados dos números ímpares, algebricamente representado por 2n–1. Desse modo, Qn = (2n-1)2, com Qn, a quantidade de unidade da superfície, e n a ordem do quadrado na sequência numérica, com n = 1, 2, 3,.... Para determinar, por exemplo, qual o quadrado que tem 225 unidades de área, faz-se a substituição de Qn por esse valor, isto é, 225 = (2n - 1)2, cuja solução é n = 8. Ou seja, é a área da oitava superfície.

Muitos outros procedimentos, raciocínios e elaborações podem aparecer nas análises promovidas pelo desenvolvimento de um conjunto de tarefas, previamente, organizadas pelo professor. Como diz Luria (1991, p. 42): “O processo de atividade perceptiva é sempre determinado pela tarefa que se coloca diante do sujeito”. Portanto, não ocorrem de forma espontânea.

A seguir apresenta-se um estudo do painel decorativo, recorte da figura 5 citada anteriormente, na qual a centralidade volta-se para o modo de organização de ensino proposto por Davýdov (1982) e colaboradores. 4. Elaboração de tarefas particulares com noções iniciais do sistema conceitual de equação do segundo grau

A organização de ensino, do sistema integral de tarefas davydovianas, se refere à atividade de estudo – que constitui o segundo estágio de desenvolvimento da criança ao se inserir na educação escolarizada – cujos componentes estruturais são tarefas de estudos e suas correspondentes ações e operações (ROSA, 2012). No desenvolvimento das ações surge a necessidade de apropriação dos procedimentos de reprodução da resolução de tarefas particulares.

As primeiras tarefas particulares, proposta por Davýdov (1982) e colaboradores iniciam-se pela ação investigativa, que expressam as propriedades dos objetos que permitem ser captadas sensorialmente pelo pensamento. O conhecimento sensível é apenas o ponto de partida para a apropriação do concreto síntese (ROSENTAL; STRAKS, 1958), em que o pensamento passa por um processo de abstração. Esse movimento aparece nas tarefas

particulares sobre as relações entre grandezas (área, volume, entre outras), analisadas por meio das propriedades (maior, menor e igual) e representadas na forma objetal, gráfica e literal, eleva a um nível de pensamento mais abstrato. Isso permite a apropriação do geral dos conceitos matemáticos: a grandeza.

Conforme Rosa (2012), a generalização teórica do conceito de número resulta da relação entre grandezas contínuas e grandezas discretas. Tal relação decorre do processo de comparação entre grandeza e unidade de medida, devido a impossibilidade do método de comparação direta entre as duas grandezas. Desse modo, o resultado da medição, de quantas vezes a unidade de medida cabe na grandeza, permite determinar a relação universal reproduzida no modelo para o conceito teórico de número: A/B=N ou A=BN.

Com base na relação geral/universal/singular/particular, caracterizadora do movimento conceitual da matemática, no campo dos números reais inicia-se as reflexões sobre a elaboração das tarefas particulares pertinentes à seguinte tarefa de estudo: obtenção das noções do conceito de equação do segundo grau por meio da comparação de grandezas, que possibilite a formação de quadrado perfeito em termos aritméticos, geométricos e algébricos.

No modo de organização do ensino davydoviano, cada tarefa de estudo requer seis ações (ROSA, 2012). Entretanto, neste estudo a ênfase consistirá nas duas primeiras: “Transformação dos dados da tarefa a fim de revelar a relação universal, geral, do objeto estudado; Modelação da relação universal na unidade das formas literal, gráfica e objetal” (DAVIDOV, 1988, p. 181).

Ao elabora-las, segue-se a orientação de Davýdov (1982) de explicitar a grandeza e a medida como referência de todos os conceitos matemáticos. Tendo como parâmetro o painel decorativo (figura 6), e seguindo a orientação davydoviana, que a tarefa de introdução tem por finalidade desenvolver a ação investigativa, é que se inicia a organização do ensino para o conceito de equação do segundo grau.

Figura 6: Painel de azulejos.

Fonte: PEREIRA, et al,2010.

Para tal, o painel decorativo, foi decomposto em partes que se constitui em uma

sequência de superfícies quadradas, cujas áreas aumentam em relação à anterior (figura 7).

Figura 7: Decomposição do painel decorativo.

Fonte: Autores

O processo de investigação será orientado pelo professor por meio de perguntas,

em que se propõe a comparação entre as superfícies, no que se refere as propriedades tais como: cor, forma, tamanho e posição.

1) Quais as características presentes nas superfícies?

2) Quais as características que diferem umas das outras? 3) Estabelecendo a relação da primeira superfície com a imediatamente posterior,

quais as novas características? 4) Estabelecendo a relação da superfície que se encontra na terceira posição da

esquerda para direita com a superfície anterior a ela, quais as novas características?

5) Da esquerda para direita, de que modo as figuras estão posicionadas? Tais questionamentos tem por objetivo possibilitar o estudante a levantar

hipóteses, delimitar perguntas e estabelecer relações entre objetos. Também propicia o diálogo entre professor e aluno, na busca de respostas que expressem o resultado das relações estabelecidas.

Nesse caso, as reflexões subsidiarão conclusões como: ambas se diferem em relação ao tamanho, ou seja, a superfície anterior é menor que a posterior. Essas relações de igualdade e desigualdade resultam, pois, da comparação entre grandezas e, na situação dos painéis, ainda ocorrem de maneira direta. Contudo, os resultados obtidos desse processo são base para a elaboração de uma síntese com componentes conceituais da matemática como: a partir da menor superfície, inicia-se uma sequência de superfícies quadradas em que as anteriores se incluem nas posteriores.

A próxima tarefa, parte do pressuposto, que é impossível comparar grandezas isoladas. Conforme Rosa (2012, p. 82), “a possibilidade de determinar o tamanho de uma figura ocorre somente na relação com outra”. Nesse sentido, é necessário estabelecer uma das grandezas como unidade de medida, como elemento mediador do movimento entre o geral, universal e singular.

Com base nesse pressuposto, propõe-se a tarefa a fim de que os estudantes estabeleçam novas relações entre as grandezas. Por exemplo, comparar entre si o comprimento da largura de cada superfície quadrada, tomando como unidade de medida o comprimento da largura da menor superfície quadrada (A), conforme a figura 8. Para tanto, além da observação das figuras, requer atenção para a representação dos respectivos resultados: reta, literal e sequência numérica.

Figura 8: Comparação entre grandezas (comprimento da largura).

Fonte: Autores

Tais representações traduzem o movimento de sucessivas abstrações de grau mais

elevado, o que distancia da representação direta. Ao verificar quantas vezes a unidade de media (A) coube em cada grandeza (A, B, C e D) obteve-se como resultado: 1, 3, 5 e 7. No caso das sequências obtidas (figura 8), os resultados constituem uma das singularidades do número: naturais ímpares, isto é, não divisíveis por 2, por não se obter um quociente inteiro. Em matemática, o modelo universal produzido historicamente que representa a generalização e a forma algébrica do número ímpar é: 2� � 1, com � ∈ �.

Esse modelo expressa a especificidade do conjunto das figuras que, por meio da combinação de operações algébricas e aritméticas, permite a relação entre a ordem que elas ocupam na sequência e a medida do respectivo lado, com a seguinte leitura:

1a figura: 1 u.c

2a figura: 1 + 2 = 1 + 2.1 = 3 u.c

3a figura: 1 + 2 + 2 = 1 + 2. (1 + 1) = 5 u.c 4a figura: 1 + 2 + 2 + 2 = 1 + 2. (1 + 1 + 1) = 7 u.c

Partindo da hipótese que a sequência pode se expandir, o modelo continua válido, pois tem-se:

Em cada figura, o número 2, colocado em evidência, traduz duas vezes a soma de unidades e, consequentemente, leva à expressão numérica 1 + 2. (1+1+1+...+ 1). O número 2 se converte em unidade intermediária que, segundo Madeira (2012), é o elemento essencial caracterizador do conceito de multiplicação. Assim, a medida inicial, por exemplo, A (1) é denominada de básica e o 2 de intermediária. Esta permite tornar mais cômoda e rápida a medição, quando a unidade é demasiadamente pequena. Assim passa-se a medir de duas em duas unidades básicas e, algebricamente, a sequência, em foco, assume a sua representação 1 + 2. (n - 1), com � ∈ �. Com base nesses procedimentos generalizados, atinge-se a conclusão de que o comprimento da largura de cada superfície quadrada que compõe o painel decorativo corresponde a expressão geral 2� � 1.

Ainda com base no processo de comparação entre grandezas, a próxima tarefa (figura 9), tem por finalidade estabelecer relações entre áreas das superfícies (A, B, C, D e E) com a unidade básica de medida (A).

Figura 9: Comparação entre grandezas (áreas)

Fonte: Autores.

Vale ressaltar que cada segmento, na reta, corresponde à grandeza área. As

medidas obtidas no processo de comparação, entre as grandezas áreas (A, B, C, D e E) em

relação à unidade de medida de área (A), correspondem aos quadrados dos números ímpares. Pelas relações algébricas e aritméticas é possível assim representá-las:

A análise de tais relações subsidia a formulação do seguinte modelo:

�2� � 1 �, M é qualquer grandeza a ser medida de cada uma das figuras quadradas, A é a unidade básica e n a posição da figura na sequência. A expressão (2n – 1)2 assume, nessas circunstâncias, duas significações. Uma delas como o quadrado dos números ímpares, síntese de 1, 9, 25, 49, 81, ... surgida no processo de medição. A outra oriunda da fórmula da área do quadrado A= l

2 = l.l, uma vez que, pela tarefa da figura 8, se chegou à generalização da

medida dos lados dos quadrados como 2n – 1. Logo de A = l2, tem-se que A = � �2� �

1 �.

A razão expressa a relação universal de multiplicidade e divisibilidade, e ao se

estabelecer a unidade de medida, surge as diversas manifestações singulares (ROSA, 2012). Nessa perspectiva, a unidade de medida é o elemento particular, esse “se expressa na forma de conceitos e juízos “particulares” que são etapas do conhecimento no seu desenvolvimento do singular ao universal” (ROSENTAL; STRAKS, 1958, p. 257). O singular está relacionado com a casualidade, em que possui características e propriedades que se assemelham ao um determinado grupo. Desse modo, as medidas 1, 9, 25, 49, 81..., são singularidades, pois compreendem o grupo dos quadrados dos números ímpares, que apresentam propriedades e características que não se repete em outras casualidades. Inseridos em um grupo mais amplo: os números reais.

Na articulação entre o pensamento geométrico, aritmético e algébrico as noções essências do conceito de equação do segundo grau se evidenciam durante a análise necessária ao desenvolvimento das tarefas com base na sequência de painéis (figura 8 e 9). O geométrico se revela nas figuras de superfície quadrada e pela adoção da reta numérica como elemento mediador da representação do resultado da medição. A propriedade aritmética se apresenta pela necessidade de contagem das unidades de medidas, bem como na apresentação do resultado, expresso em símbolo numérico, isto é, um valor singular no campo dos números reais. O algébrico flui nas relações entre as grandezas, movidas por abstrações como a igualdade e a desigualdade, que conduzem ao modelo próprio do conceito e da solução da equação.

Para que o conteúdo do conceito de equação do segundo grau seja referência no processo de elaboração conceitual, duas ideias centrais são consideradas: relação de igualdade e trinômio quadrado perfeito. Isso se sintetiza na definição de Caraça (2003): uma equação algébrica do tipo, ��� � �� � � � 0, tendo como condição de existência �� � 0 . Trata-se, de uma abstração que, para a compreensão da lógica conceitual de equação do segundo grau, carece de explicitação de outros conceitos inter-relacionados como: polinômio (trinômio quadrado perfeito), fatoração de polinômio, operações elementares, entre outros.

Além disso, por se tratar de equação, aponta para a necessidade de procedimentos matemáticos peculiares para determinar suas raízes, solução. No entanto, para determinar estas raízes, o referido autor parte do modelo universal de equação quadrática, a fórmula de

Baskara: � � ���√�������� , na qual, a lógica conceitual se expressa na ideia de transformar

qualquer área em quadrado perfeito. Nosso intuito, consiste em contemplar a lógica conceitual de quadrado perfeito,

no modelo � �2� � 1 �, obtido a partir da análise da figura 9. Este propicia a orientação

para que os estudantes recorram as propriedades e princípios matemáticos adotados na

dedução da fórmula de Baskara, como: 1) extração da raiz quadrada, �� � ��2� � 1 �,

que reduz ao �� � 2� � 1; 2) isolamento da incógnita n que produz o modelo � � ��!

"� . O

modelo não expressa as possibilidades da fórmula que a literatura matemática considera com a aquela que resolve todas equações do segundo grau. Porém, traduz o universal do conhecimento matemático: relação de multiplicidade e divisibilidade entre grandezas. Segundo Rosental e Straks (1958, p. 257) o universal deve se refletir “no conhecimento sob a forma dos conceitos gerais, dos juízos universais das leis da ciência”. Nele encontra-se a existência “dos traços, propriedades e características dos objetos e fenômenos singulares da realidade objetiva” (ROSENTAL E STRAKS,1958, p. 257).

No modelo, � corresponde à ordem (posição) da superfície que tem a respectiva

medida de área #. Nele se conflui a relação geral/universal/ particular/singular do conceito.

Por exemplo, no processo de comparação entre a grandeza de área B (figura 9) e a unidade de

medida (A), obteve-se como medida # � 9%. �. Ao substituir o valor na fórmula, encontrou-

se a ordem da figura da sequência que corresponde à referida área: � � ��&"

� , → � � �√'� ,

→ � � �(� , → �) � *(

� � �� � 2 ou �" � �(

� � ��� � �1.

Considerando n apenas para os números naturais, a ordem correspondente a essa área é a segunda superfície quadrada. Desse modo, o geral se manifesta na comparação entre as grandezas, o particular quando ‘uma’ torna-se unidade de medida em relação à outra, o universal como a lei, e o singular no tipo de número - natural.

Apesar dessa síntese partir de uma situação singular (quadrados dos números ímpares), durante o processo de análise revelou-se as propriedades e características gerais correspondes ao quadrado perfeito. Sendo assim, o modelo também contempla os quadrados

dos números pares, como é o caso da existência de uma possível área � 4%. �, que levando

à � � ��!"

� , tem-se: � � �√�� → � � ��

� → �) � *�� � (

� → .%�" � ��� � �

� . Considerando apenas o valor para � positivo. No entanto, o valor encontrado foi

� � (�, que não corresponde aos números naturais. O mesmo ocorre para outras medidas, por

exemplo, � 16%. �, o valor de � � 0

�. Os resultados obtidos pelos quadrados pares

representam os números racionais, considerados outra singularidade de �. Isso significa que, na sequência obtida com os painéis, um possível quadrado de superfície de 16 u.a se situaria entre a segunda e terceira figura.

Contudo, esse modelo carece de outras deduções para que traduza todas as significações conceituais e singularidades numéricas (no campo dos números reais e complexos). Surge, a necessidade de elaboração de outras tarefas particulares que explicitem a amplitude do referido conceito.

Considerações

A análise dos painéis primou pela superação dos aspectos conceituais empíricos e pela centralidade nas apropriações de conceitos científicos. Evidenciaram-se dois tipos de leitura matemática e pedagógica desses painéis:

1) aparente - em que as ideias geométricas se sobressaem pelo seu visual de figuras planas;

2) essência- na qual são realizadas as inter-relações com as noções aritméticas e algébricas, só possível à luz do conhecimento científico, o que pode ser traduzido nas situações didáticas da educação escolarizada.

Nesse momento, os conceitos matemáticos de expressões numéricas e sequência de números figurados se transformam em conceitos algébricos de equação do segundo grau; o pensamento intuitivo dá lugar ao pensamento dedutivo; as generalizações se apresentam nas particularidades, e vice-versa.

A atividade de produzir painéis decorativos subsidia o desencadeamento do processo de análise/abstração e síntese/generalização que conduz à apropriação de conceitos científicos e ao desenvolvimento do pensamento teórico, referente a um sistema conceitual. Nesse sentido, destaca-se uma característica fundamental: a leitura conceitual, em que manifesta o desenvolvimento do pensamento matemático: geral/universal/particular/singular

na inseparabilidade geométrica/aritmética/algébrica.

Desse modo, o modelo � � ��!"

� , para 1 0, expressa a relação

geral/universal/particular/singular do conhecimento matemático e traduz as bases essenciais do conceito de equação do segundo grau (igualdade, trinômio quadrado perfeito, processo resolutivo). Mas, não se caracteriza ainda como generalizador, por não atingir o potencial da fórmula de Baskara, seus resultados se restringem apenas a duas singularidades numéricas: naturais e racionais positivos. Por isso, o estudo em andamento centra-se na elaboração de tarefas que levem à apropriação do referido conceito, cuja essência conceitual de equação do segundo grau se explicite num modelo generalizador para todas as singularidades numéricas (reais e complexos). Referências

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