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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS julho | agosto | setembro 2010 | v. 76 — n. 3 — ano XXVIII 142 RELATÓRIO Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Elvis Lúcio Barbosa Lima, Presidente da Câmara Municipal de Águas Formosas. O consulente inicia seu questionamento relatando que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em 23 de agosto de 2001, firmou, com a Assembleia Legislativa do Estado, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio do qual se acordou o pagamento de um subsídio extra aos deputados estaduais, a ser efetuado ao final de cada ano, no mês de dezembro. Alegou, ainda, o consulente que o benefício foi denominado de parcela pelo exercício do mandato parlamentar no ano e que, nos termos estipulados no TAC, os deputados investidos em cargo de Secretários Estaduais e aqueles licenciados não fariam jus ao dito benefício. CONSULTA N. 803.574 [...] a partir de uma perspectiva humanista/garantista do texto constitucional, que se coaduna com o ideal de um Estado Democrático de Direito e enseja uma hermenêutica ampliativa da expressão trabalhadores, prevista no caput do art. 7° da CR/88, defendo que o décimo terceiro salário deverá ser concedido aos agentes políticos. Acrescento, ainda, que o dispositivo constitucional não fez qualquer distinção, dentro da categoria dos agentes públicos, entre os agentes políticos e os servidores públicos (titulares de cargo ou ocupantes de emprego público). RELATOR: CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA EMENTA: Consulta — Câmara Municipal — Concessão de décimo terceiro salário a vereadores — Possibilidade — Regulamentação em resolução ou em lei em sentido estrito de iniciativa privativa da Câmara Municipal — Obediência ao princípio da anterioridade — Súmula n. 91 do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais — Observância dos limites constitucionais referentes ao total da despesa do Legislativo municipal e ao subsídio dos vereadores. Possibilidade de concessão de 13° salário a Vereadores ASSCOM TCEMG

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RELATÓRIO

trata-se de consulta formulada pelo sr. elvis lúcio barbosa lima, Presidente da câmara municipal de Águas Formosas.

o consulente inicia seu questionamento relatando que o ministério Público do estado de Minas Gerais, em 23 de agosto de 2001, firmou, com a Assembleia Legislativa do estado, termo de ajustamento de conduta (tac), por meio do qual se acordou o pagamento de um subsídio extra aos deputados estaduais, a ser efetuado ao final de cada ano, no mês de dezembro. alegou, ainda, o consulente que o benefício foi denominado de parcela pelo exercício do mandato parlamentar no ano e que, nos termos estipulados no tac, os deputados investidos em cargo de secretários estaduais e aqueles licenciados não fariam jus ao dito benefício.

CONSULTA N. 803.574

[...] a partir de uma perspectiva humanista/garantista do texto constitucional, que se coaduna com o ideal de um Estado Democrático de Direito e enseja uma hermenêutica ampliativa da expressão trabalhadores, prevista no caput do art. 7° da CR/88, defendo que o décimo terceiro salário deverá ser concedido aos agentes políticos. Acrescento, ainda, que o dispositivo constitucional não fez qualquer distinção, dentro da categoria dos agentes públicos, entre os agentes políticos e os servidores públicos (titulares de cargo ou ocupantes de emprego público).

RELATOR: CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

EMENTA: Consulta — Câmara Municipal — Concessão de décimo terceiro salário a vereadores — Possibilidade — Regulamentação em resolução ou em lei em sentido estrito de iniciativa privativa da Câmara Municipal — Obediência ao princípio da anterioridade — Súmula n. 91 do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais — Observância dos limites constitucionais referentes ao total da despesa do Legislativo municipal e ao subsídio dos vereadores.

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em seguida, o consulente informou que o ministério Público estadual nega qualquer vinculação da parcela prevista no tac com o décimo terceiro salário bem como a substituição deste por aquela, tendo em vista que o pagamento da parcela somente será efetuado àqueles deputados que efetivamente exerceram o mandato parlamentar durante o ano.

o consulente também destacou que o ministério Público estadual vem arguindo, por meio de várias adins, a constitucionalidade do pagamento de décimo terceiro salário aos agentes políticos municipais.

Ao final, indagou se é possível instituir um subsídio extra aos vereadores, denominado de parcela pelo exercício do mandato parlamentar, a ser pago a cada ano, no mês de dezembro, mediante a observância dos seguintes requisitos: criação por lei específica; previsão e dotação orçamentária própria e obediência ao princípio da anterioridade.

É o relatório.

PRELIMINAR

Verifico, nos termos constantes da petição inicial, que o consulente é parte legítima para formular a presente consulta, e que o seu objeto refere-se a matéria relevante, de competência desta corte, nos termos dos arts. 210 e 212 do ritcemg. conheço, portanto, desta consulta.

MéRITO

inicialmente, srs. conselheiros, farei uma análise doutrinária e jurisprudencial a respeito da possibilidade de se conceder décimo terceiro salário aos agentes políticos.1

na doutrina pátria, José rubens costa2 assevera que o art. 39, § 4°, da cr/88 não impede a decomposição da remuneração dos agentes políticos em mais de doze parcelas anuais, pois a figura do “subsídio fixado em parcela única” serve apenas para “atribuir um valor numérico como remuneração do agente político, para observância de teto máximo do subsídio de todos os agentes políticos e dos servidores públicos” (art. 37, Xi, da cr/88).

1 sobre os agentes políticos municipais, Petrônio braz ensina que: “o governo do município é exercido por agentes políticos (Pre feito, secretários e vereadores), auxiliados pelos servidores públicos efetivos e comissionados. o Prefeito e os vereadores ocupam cargos eletivos e os Secretários, cargos de confiança, de recrutamento amplo. A eleição do Prefeito importa a do Vice-Prefeito com ele registrado (-art. 29, ii, e art. 77, § 1°, da cF).” (remuneração dos agentes políticos municipais para a próxima legislatura. Jurídica Administração Municipal, salvador, n. 3, p. 30-36, mar. 2000).

2 costa, José rubens. Manual do prefeito e do vereador. belo Horizonte: del rey, 2001, p. 107.

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em sentido contrário ao doutrinador acima citado, dyllan leandro christofaro3 assevera que o Presidente da república, vice-Presidente, governadores e vice-governadores dos estados e do distrito Federal, Prefeitos e vice-Prefeitos, senadores, deputados Federais, estaduais, distritais e vereadores são agentes políticos que exercem mandato eletivo e NÃO cargo ou emprego público. continua seu raciocínio aduzindo que, como esses agentes políticos não são ocupantes de cargo ou emprego público, não estão inseridos nos limites do art. 39, § 3°, da cr/88, consequentemente, não fazem jus aos direitos sociais previstos nos incisos iv, vii, viii, iX, Xii, Xiii, Xv, Xvi, Xvii, Xviii, XiX, XX, XXii e XXX do art. 7° da cr/88, dentre os quais se encontra o décimo terceiro salário (inciso VIII). Por fim, o autor realça que não poderá a lei orgânica do município estender esses direitos sociais aos agentes políticos, caso contrário estará eivada do vício de inconstitucionalidade.

Feitas essas considerações doutrinárias, passo agora ao exame da jurisprudência do TJMG, STJ, STF e, ao final, da jurisprudência desta Corte de Contas.

No âmbito do TJ mineiro, inexiste entendimento pacificado acerca da matéria tanto no controle de constitucionalidade difuso quanto no concentrado, conforme será demonstrado a seguir:

na apelação cível n. 1.0693.05.034387-2/001,4 o tJmg manifestou-se pela impossibilidade de o agente político receber 13° salário, na qualidade de servidor público, titular de cargo público, nos termos do art. 39, § 3°, da cr/88. contudo, nessa mesma decisão, o tribunal ressalvou, expressamente, que o agente político faria jus ao décimo terceiro salário se houvesse previsão em lei autorizativa.

em sentido divergente da decisão acima citada, tem-se o reexame necessário n. 1.0155.02.001918-0/001(1),5 no qual a 3ª Câmara Cível, ao confirmar sentença proferida em ação civil Pública, negou vigência à lei do município de caxambu (Lei n. 1.610/2002), posicionando-se, contrariamente, à concessão da gratificação natalina ao Prefeito, vice-Prefeito e vereadores daquele município.

em sede de controle concentrado de constitucionalidade, primeiramente, destaco que, na adi n. 1.0000.07.452524-7/000(1),6 a corte superior do tribunal de Justiça declarou

3 cHristoFaro, dyllan leandro. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, n. 120, p. 50-51, nov./07-jan./08.

4 apelação cível n. 1.0693.05.034387-2/001 (7ª câmara cível, desembargadora relatora Heloisa combat, data do julgamento: 19/02/2008). no mesmo sentido, encontram-se a apelação cível/reexame necessário n. 1.0417.04.000881-1/001 (6ª câmara cível, desembargador relator maurício barros, data do julgamento: 17/10/2006), a apelação cível n. 1.0358.04.003693-3/001 (6ª câmara cível, desembargador relator José domingues Ferreira esteves, data do julgamento: 23/05/2006), apelação cível/reexame necessário n. 1.0344.06.032526-5/001 (7ª câmara cível, desembargadora relatora Heloisa combat, data do julgamen-to: 01/08/2008) e apelação cível n. 1.0629.07.036122-1/001 (3ª câmara cível, desembargador relator Kildare carvalho, data do julgamento: 10/04/2008).

5 reexame necessário n. 1.0155.02.001918-0/001(1) (3ª câmara cível, desembargador relator Kildare carvalho, data do julga-mento: 27/04/2006). no mesmo sentido, encontra-se o agravo de instrumento n. 1.0701.08.237144-7/001(1) (2ª câmara cível, desembargador relator carreira machado, data do julgamento: 10/02/2009).

6 adi n. 1.0000.07.452524-7/000(1), desembargador relator roney oliveira, data do julgamento: 07/04/2008.

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a inconstitucionalidade do art. 2° da lei complementar n. 026, de 04/09/2004, o qual institui o décimo terceiro salário ao Prefeito, vice-Prefeito e secretários municipais do município de Patrocínio. saliento que, neste julgado, a decisão não foi unânime, ficando vencidos os Desembargadores Reynaldo Ximenes Carneiro, Almeida Melo, brandão teixeira, José domingues Ferreira esteves, duarte de Paula, alvimar de Ávila, edelberto santiago, sérgio resende e dárcio lopardi mendes.

na adi n. 1.000008486655-7/000,7 o tJmg, em medida cautelar, determinou a suspensão do pagamento do décimo terceiro salário aos vereadores da câmara municipal de belo Horizonte. todavia, posteriormente, o stF, por meio de decisão monocrática, na reclamação n. 7.396,8 suspendeu mencionada adi, bem como os efeitos da cautelar concedida, sob o argumento de que os tribunais estaduais não possuem competência para processar e julgar representação de inconstitucionalidade na hipótese de o dispositivo da constituição estadual — supostamente violado por lei municipal — fazer remissão à constituição Federal.

diferentemente das adis acima mencionadas, o tJmg, na adi n. 1.0000.09.498295-6/000(1),9 não deferiu medida cautelar de suspensão de eficácia de dispositivos legais que regulamentam a concessão do décimo terceiro salário aos agentes políticos do município de Juiz de Fora.

Analisando os julgados do STJ a respeito da matéria, verifica-se que no recurso especial n. 801.160/dF,10 no recurso especial n. 837.188/dF11 e no agravo regimental interposto no recurso especial n. 742.171/dF,12 o tribunal decidiu que, a despeito de o art. 39, § 3°, da cr/88 não se aplicar aos agentes políticos, a estes poderão ser conferidos direitos sociais, como o décimo terceiro salário, desde que haja expressa autorização em lei.

em pesquisa à jurisprudência do stF, pode-se observar que o tribunal ainda não proferiu decisão definitiva de mérito quanto à extensão do direito social ao décimo terceiro salário aos agentes políticos, seja em controle difuso, seja em controle concentrado de constitucionalidade.

7 adi n. 1.000008486655-7/000, desembargador relator alexandre victor de carvalho, data do julgamento: 10/12/2008. infor- ma-se que, na adi n. 1.0000.09.493035-1/000(1), o tJmg também, em medida cautelar, suspendeu o pagamento do décimo terceiro salário aos agentes políticos do município de tupaciguara. em face desta decisão, o Partido trabalhista brasileiro (Ptb) ajuizou a adPF n. 193, requerendo liminar para suspender referida adi bem como os efeitos da cautelar nela concedida. a ministra relatora, cármen lúcia, considerando as peculiaridades do caso, aplicou, por analogia, à adPF algumas regras da lei n. 9.868/1999, a qual dispõe sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade.

8 reclamação n. 7.396, ministro relator menezes direito, data da decisão: 17/12/2008. informa-se que o município de santa bár-bara (mg) ajuizou a reclamação n. 8.642 em face de decisão do tJmg, que, nos autos da adi n. 1.0000.09.499735-0/000, deferiu medida cautelar para suspender lei daquele município. o município reclamante solicitou, em liminar, a suspensão dos efeitos da cautelar concedida. no entanto, como o tJmg noticiou ao stF que, em juízo de retratação, a cautelar foi revogada, com funda-mento no pronunciamento proferido na reclamação n. 7.396, o pedido do reclamante foi julgado prejudicado.

9 adi n. 1.0000.09.498295-6/000(1), desembargador relator almeida mello, data do julgamento: 01/06/2009.

10 resp. n. 801.160/dF, Quinta turma, ministra relatora laurita vaz, data do julgamento: 16/04/2009.

11 resp. n. 837.188/dF, sexta turma, ministro relator Hamilton carvalhido, data do julgamento: 26/02/2008.

12 agrg no resp. n. 742.171/dF, Quinta turma, ministro relator Felix Fischer, data do julgamento: 03/02/2009.

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Pelos fatos acima expostos, depreende-se que a constitucionalidade da concessão do décimo terceiro salário aos agentes políticos encontra divergência na doutrina e na jurisprudência pátrias. nesses termos, entendo que o enunciado de súmula n. 9113 deverá ser mantido até a apreciação da matéria em caráter definitivo pelo STF.

o enunciado de súmula n. 91 admite o pagamento do décimo terceiro salário aos agentes políticos, mediante previsão em lei, votada na legislatura anterior para produzir efeitos na subsequente, devendo ser respeitados os limites constitucionais referentes ao total da despesa do legislativo municipal e ao subsídio dos vereadores. o entendimento consolidado no enunciado continua a ser aplicado em vários julgados desta casa.14

Portanto, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal o reconhecimento do décimo terceiro salário como direito dos agentes políticos. nesta seara, comungo do posicionamento de que o benefício em exame é devido por força do art. 7°, viii, da cr/88.

a propósito, alcimar lobato da silva15 leciona que: “O que fica claro, pela simples leitura do dispositivo constitucional, (art. 7°, viii, da cr/88) é que o direito à percepção da décima-terceira remuneração foi concedido a todos os trabalhadores e servidores públicos civis, lato sensu, alcançando desta forma os agentes políticos”, até porque a leitura dos direitos fundamentais deve ser ampliativa e não restritiva.

desse modo, a partir de uma perspectiva humanista/garantista do texto constitucional, que se coaduna com o ideal de um estado democrático de direito e enseja uma hermenêutica ampliativa da expressão trabalhadores, prevista no caput do art. 7° da cr/88, defendo que o décimo terceiro salário deverá ser concedido aos agentes políticos. acrescento, ainda, que o dispositivo constitucional não fez qualquer distinção, dentro da categoria dos agentes públicos, entre os agentes políticos e os servidores públicos (titulares de cargo ou ocupantes de emprego público).

destaco excerto do voto do desembargador do tJmg, almeida melo, proferido, em sede de liminar, nos autos da adi n. 1.0000.09.498295-6/000(1),16 que sintetiza com propriedade este entendimento:

13 a redação atual do enunciado de súmula n. 91 do tcemg foi aprovada na sessão do Pleno de 10/12/1991 e publicada no MG em 27/12/1991. o enunciado foi sobrestado na sessão do Pleno de 19/11/2008, com publicação da decisão em 26/11/2008. Posteriormente, o sobrestamento foi cancelado na sessão do Pleno de 28/10/2009, restabelecendo-se a vigência do enunciado. a decisão foi publicada em 04/11/2009.

14 a título de exemplo, citam-se as Prestações de contas municipais n. 677.903 (sessão de 05/10/2006); 660.093 (sessão de 27/08/2009); 678.106 (sessão de 18/09/2008) e as consultas n. 718.734 (sessão de 28/03/2007); 696.256 (sessão de 03/08/2005); 684.655 (sessão de 01/09/2004); 665.077 (sessão de 18/08/2004) e 675.616 (sessão de 12/03/2003).

15 silva, alcimar lobato da. Fixação de 13° subsídio aos vereadores. in: congresso dos tribunais de contas do brasil, 22, 2003, João Pessoa. Anais: congresso ministro victor amaral Freire. João Pessoa: tribunal de contas do estado, 2004. v. 2, p. 124-129.

16 adi n. 1.0000.09.498295-6/000(1), desembargador relator almeida melo, data do julgamento: 01/06/2009.

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[...] Considero que o acréscimo da gratificação de natal não tem caráter de adicional, abono, prêmio, verba de representação nem de outra espécie remuneratória assemelhada a esses itens (cF, art. 39, § 4°).

o 13° salário é conquista do trabalhador (cF, art. 7°, viii).

os direitos sociais conquistados não devem ter recuo. É preciso, na interpretação da constituição, ter o cuidado com o alcance que esta interpretação pode acarretar.

tenho entendido que falta sustentação à tese que está na contramão, não só dos direitos sociais conquistados, como, também, das possibilidades de alteração constitucional.

A argumentação expendida, Srs. Conselheiros, para mim é por si só suficiente para respaldar o pagamento do décimo terceiro salário aos edis, sob a roupagem formal que se queira dar. entretanto, para agregar conteúdo ao debate, gostaria de adentrar um pouco mais nos fundamentos adotados pelo ministério Público do estado de minas gerais para se questionar a legitimidade do pagamento do décimo terceiro salário aos agentes políticos.

Primeiro, assevero que a noção conceitual de agente político não é pacífica na doutrina administrativista. celso antônio bandeira de mello17 e José dos santos carvalho Filho18 seguem uma linha mais restrita na conceituação da expressão, manifestando-se no sentido de que ela abrange apenas: os chefes do Poder executivo (Presidente, governadores, Prefeitos e os vices respectivos), seus auxiliares imediatos (ministros de estado, secretários estaduais e secretários municipais) e os membros do Poder legislativo (senadores, deputados Federais, deputados estaduais e vereadores).

contrariamente ao posicionamento dos autores acima mencionados, Hely lopes meirelles19 confere maior amplitude à categoria dos agentes políticos, ensinando que estão inseridos nessa qualificação:

[...] os chefes do executivo (Presidente da república, governadores e Prefeitos) e seus auxiliares imediatos (ministros e secretários de estado e de município); os membros das corporações legislativas (senadores, deputados e vereadores); os membros do ministério Público (Procuradores da república e da Justiça, Promotores e curadores Públicos); os membros dos tribunais de contas (ministros e conselheiros); os representantes diplomáticos e demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho de

17 bandeira de mello, celso antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. são Paulo: malheiros, 2002.

18 carvalHo FilHo, José dos santos. Manual de direito administrativo. 21. ed. rio de Janeiro: lumen Juris, 2009.

Obs: José dos Santos Carvalho Filho, ao se posicionar contrariamente à classificação dos membros da Magistratura, do Ministério Público e dos tribunais de contas como agentes políticos, aduz que: “[...] parece-nos que o que caracteriza o agente político não é o só fato de serem mencionados na constituição, mas sim o de exercerem efetivamente (e não eventualmente) função política, de governo e administração, de comando e, sobretudo, de fixação das estratégias de ação, ou seja, aos agentes políti-cos é que cabe realmente traçar os destinos do país. complementa o autor dizendo que: [...] ao contrário do que ocorre com os legítimos agentes políticos, cuja função é transitória e política, sua vinculação ao Estado tem caráter profissional e de perma-nência e os cargos que ocupam não resultam de processo eletivo, e sim, como regra, de nomeação decorrente de aprovação em concurso público. não interferem diretamente nos objetivos políticos, como o fazem os verdadeiros agentes políticos. [...]. não se nos afigura adequada, com efeito, sua inclusão como agentes políticos do Estado. Mais apropriado é inseri-los como servidores especiais dentro da categoria genérica de servidores públicos [...].”

19 meirelles, Hely lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. são Paulo: malheiros, 2006.

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atribuições governamentais, judiciais ou quase judiciais, estranhas ao quadro do serviço público (p. 78).

Com essas considerações, proponho as seguintes reflexões:

a) caso se considere uma denominação mais abrangente de agente político e se acolha as alegações invocadas pelo ministério Público do estado de minas gerais quanto à impossibilidade de se conceder o décimo terceiro salário àquela categoria de agente público, devemos concluir que o benefício não poderá ser conferido aos agentes políticos em sentido estrito e tampouco aos membros do próprio Ministério Público, dos Tribunais de Contas, da Magistratura20 e aos representantes diplomáticos.

exponho, nesse sentido, trecho do voto do desembargador do tJmg, brandão teixeira, proferido no incidente de arguição de inconstitucionalidade n. 1.0042.03.004956-5/002:21

admitir a alegação de que o décimo terceiro não é devido aos vereadores implicaria reconhecer, consequentemente, a verossimilhança do argumento de que os membros do ministério Público e do Poder Judiciário também não poderiam receber tal verba, na medida em que o artigo 39, § 4° e § 6°, da constituição da república, insinua que eles se incluem entre os agentes políticos.

b) Mesmo que se confira um sentido mais restrito à expressão agente político, ainda assim não se justifica o tratamento diferenciado dado aos vereadores, tendo em vista que:

b.1) em âmbito municipal, o Prefeito, vice-Prefeito e secretários municipais são aquinhoados com o benefício, conforme entendimento consolidado no enunciado de Súmula n. 91 do TCEMG, o qual foi ratificado nas seguintes consultas: Consultas n. 718.734 (sessão de 28/03/2007); 696.256 (sessão de 03/08/2005); 684.665 (sessão de 01/09/2004); 665.077 (sessão de 18/08/2004) e 675.616 (sessão de 12/03/2003).

b.2) no âmbito do estado de minas gerais, o governador, o vice-governador, os secretários estaduais e os membros da assembleia legislativa também recebem o décimo terceiro salário.22

20 o stF, no re n. 228.977/sP (ministro relator néri da silveira, 2ª turma, data do julgamento: 05/03/2002), referiu-se aos magistrados como ‘agentes políticos, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberda-de funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica’ (apud di Pietro, maria sylvia zanella. Direito administrativo. 17. ed. são Paulo: atlas, 2004, p. 433).

21 incidente de arguição de inconstitucionalidade n. 1.0042.03.004956-5/002, desembargador relator Herculano rodrigues, data do julgamento: 12/08/2009. informa-se que, nesse processo, a corte superior do tJmg decidiu, por maioria, pelo acolhi-mento da arguição, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade da emenda n. 08, de 18 de dezembro de 2002, à lei Orgânica do Município de Arcos, a qual prevê a concessão da gratificação natalina aos agentes políticos daquele Município.

22 em relação ao pagamento do décimo terceiro salário ao governador, vice-governador, secretários estaduais e membros da assembleia legislativa, José rubens costa (13ª remuneração dos agentes políticos municipais, disponível em: <http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/artigos/032010.pdf>, acesso em: 05/04/2010) assevera que o benefício encontra-se

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b.3) no âmbito federal, o Presidente, o vice-Presidente, os ministros de estado23 e os membros do congresso nacional igualmente fazem jus, no mês de dezembro de cada ano legislativo, à importância correspondente à parcela do subsídio.

em relação aos membros do congresso nacional, o pagamento da vantagem será proporcional ao efetivo comparecimento do parlamentar às sessões deliberativas realizadas até 30 de novembro. além disso, os senadores e os deputados Federais possuem o direito de receber, no início e no final de cada ano legislativo, ajuda de custo correspondente à parcela do subsídio.24

previsto na Resolução n. 5.154, de 30/12/1994, especificamente em seu art. 1°, parágrafo único, e art. 5°:

“art. 1° [...]

Parágrafo único — É devida aos membros da Assembleia Legislativa, no início e no final de cada sessão legislativa, ajuda de custo correspondente ao valor da remuneração.

[...]

art. 5° os valores da remuneração mensal do governador, do vice-governador, de secretário de estado e de secretário adjunto, na data desta resolução, para vigorarem no exercício de 1995, correspondem ao da remuneração do deputado estadual, obser-vados, respectivamente, os seguintes fatores de ajustamento: [...]”

obs: Posteriormente, com a edição da resolução n. 5.200/2001, a remuneração dos deputados estaduais passou a ser disciplina-da pelo art. 2°, § 1° e § 2°, da mencionada resolução, nos seguintes termos:

“art. 2° a remuneração mensal do deputado constitui-se de:

[...]

§ 1° o deputado receberá, ainda, ajuda de custo, correspondente a duas parcelas no valor de r$6.000,00 (seis mil reais), pagas no início e no final de cada sessão legislativa.

§ 2° No mês de dezembro, ao Deputado é devida a importância correspondente ao subsídio fixo acrescido do subsídio variável, em valor proporcional ao efetivo exercício do mandato parlamentar no ano.”

23 Quanto ao pagamento do décimo terceiro salário ao Presidente, vice-Presidente e ministros de estado, José rubens costa (13ª remuneração dos agentes políticos municipais, disponível em: <http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/artigos/032010.pdf>, acesso em: 05/04/2010) explica que o benefício encontra-se previsto no art. 4° do decreto legislativo n. 06/1995, o qual segue abaixo transcrito:

“art. 4° no mês de dezembro de 1995, o Presidente e o vice-Presidente da república e os ministros de estado perceberão adi-cional correspondente à remuneração mensal resultante da aplicação deste decreto legislativo.”

em seguida, o autor pondera que, como o decreto legislativo n. 06/1995 é anterior à ec n. 19/1998, foi utilizada a expressão remuneração, em vez de subsídio.

24 a matéria encontra-se disciplinada nos arts. 2° e 3° do ato conjunto das mesas do senado Federal e da câmara dos deputados n. 03, de 30 de janeiro de 2003. seguem adiante transcritos os dispositivos:

“Art. 2° No mês de dezembro, os parlamentares farão jus à importância correspondente à parcela fixa do subsídio, acrescida das par-celas variável e adicional, em valor proporcional ao efetivo comparecimento às sessões deliberativas realizadas até 30 de novembro.

§ 1° o pagamento de metade do valor de que trata o caput, no mês de junho, dar-se-á com base na legislação aplicável ao ser-vidor público civil federal.

§ 2° na hipótese de afastamento, o congressista fará jus a um doze avos por mês de exercício, proporcionalmente ao compare-cimento às sessões.

Art. 3° É devida ao parlamentar, a título de indenização, no início e no final previsto para a ses-são legislativa ordinária e extraordinária, ajuda de custo equivalente ao valor da remuneração. § 1° a ajuda de custo destina-se à compensação de despesas com transporte e outras imprescindíveis ao comparecimento à ses-são legislativa ordinária ou à sessão legislativa extraordinária convocadas na forma da constituição Federal.

§ 2° Perderá o direito à percepção da parcela final da ajuda de custo o parlamentar que não comparecer a pelo menos dois terços da sessão legislativa.

§ 3° o valor correspondente à ajuda de custo não será devido ao suplente reconvocado na mesma sessão legislativa.”

Obs: a Mesa da Câmara dos Deputados, sob a justificativa de que o art. 3°, § 2°, do Ato Conjunto n. 03/2003 foi omisso quanto aos critérios para o pagamento da ajuda de custo no início da sessão legislativa ordinária, editou o ato n. 24, de 04 de fevereiro de 2009. Por meio deste instrumento normativo, fixou-se, no âmbito exclusivo da Câmara dos Deputados, prazo mínimo de 30 dias de efetivo exercício do mandato para a percepção integral da vantagem no início da sessão legislativa ordinária. segue transcrito o art. 1° do ato n. 24/2009:

“art. 1° no âmbito da câmara dos deputados, o pagamento da ajuda de custo devida no início da sessão legislativa ordinária observará a proporcionalidade dos dias de efetivo exercício do mandato nos 30 (trinta) dias subsequentes à primeira assunção.

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ressalto, por último, que outro argumento utilizado para se questionar a constitucionalidade do pagamento do décimo terceiro salário aos vereadores consiste no fato de esses serem remunerados por subsídio, o qual, por ser fixado em parcela única, não permitiria o acréscimo referente ao décimo terceiro salário.

se o argumento fosse esse, pura e simplesmente, seríamos então obrigados a constatar, da mesma forma, que os agentes públicos ou pelo menos parte deles25 que fossem remunerados por subsídio estariam impedidos de receber tal parcela.

Passada a discussão acerca da legitimidade do pagamento do décimo terceiro salário aos agentes políticos, adentro, neste instante, numa outra questão, atinente à definição do instrumento normativo adequado para regulamentar a concessão deste direito aos vereadores.

nos termos do enunciado de súmula n. 91, exige-se a confecção de lei em sentido estrito. no entanto, reitero, aqui, o voto por mim proferido, em retorno de vista, na consulta n. 732.004, formulada pelo Presidente da câmara municipal de curvelo. na ocasião, apresentei entendimento dissonante do voto do relator, no tocante à necessidade de o décimo terceiro salário dos membros da câmara municipal ser disciplinado por lei em sentido estrito. Para efeito de elucidação, pontuarei os fundamentos constantes do meu voto:

1) Partindo do pressuposto de que o subsídio dos vereadores pode ser fixado por meio de resolução, com base na nova redação dada ao art. 29, vi, da cr/88 pela ec n. 25/2000, posicionei-me favoravelmente à disciplina do pagamento do décimo terceiro salário aos vereadores por meio de resolução;

2) expus que, como a concessão do décimo terceiro salário aos vereadores, a rigor, já decorre diretamente do texto constitucional, mais especificamente do

Parágrafo único. ocorrendo o afastamento do parlamentar antes do transcurso do prazo de 30 (trinta) dias, o departamento de Pessoal da câmara dos deputados providenciará o ressarcimento, na folha subsequente, dos valores que excederem à proporcio-nalidade estabelecida no caput deste artigo.”

25 os agentes públicos remunerados por subsídios subdividem-se em: a) agentes públicos facultativamente remunerados por sub-sídios, dentre os quais, encontram-se os servidores públicos organizados em carreira, nos termos do art. 39, § 8°, da cr/88 e b) agentes públicos obrigatoriamente remunerados por subsídios, dentre os quais, encontram-se os b.1) membros de Poder, detentores de mandato eletivo (estão alcançados pela expressão membros de Poder), ministros de estado e secretários estaduais e municipais (art. 39, § 4°, da cr/88); b.2) membros do ministério Público (art. 128, § 5°, i, c, da cr/88); b.3) integrantes da advocacia geral da união e da Procuradoria geral da Fazenda nacional, Procuradores dos estados e do distrito Federal e defen-sores Públicos (art. 135 da cr/88); b.4) ministros e conselheiros dos tribunais de contas (art. 73, § 3°, e art. 75 da cr/88) e b.5) servidores públicos policiais (art. 144, § 9°, da cr/88).

sobre a matéria, maria sylvia zanella di Pietro ressalva que, embora o subsídio constitua uma parcela única, nos termos do art. 39, § 4°, da cr/88, os servidores ocupantes de cargos públicos, independentemente do regime remuneratório ao qual estão vinculados, farão jus ao décimo terceiro salário, por força do art. 39, § 3°, da cr/88. complementa a autora dizendo que, na hipótese em tela, deve-se adotar uma interpretação conciliatória entre os dois dispositivos constitucionais, de modo que os direitos assegurados no art. 39, § 3°, da cr/88 não serão atingidos pela proibição de qualquer acréscimo ao subsídio (Direito administrativo. 17. ed. são Paulo: atlas, 2004).

no entanto, ainda que se reconheça aos servidores ocupantes de cargos públicos, remunerados por subsídio, o direito ao décimo terceiro salário, a não concessão do benefício aos vereadores subsiste como critério discriminatório. isto porque existem cate-gorias de agentes públicos, remuneradas por subsídio (exemplo: membros do Poder Judiciário) que, a despeito de não estarem abrangidas pelo art. 39, § 3°, da cr/88, recebem décimo terceiro salário.

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rol de direitos sociais contido no capítulo ii do título ii da cr/88, não há que se

falar, tecnicamente, em instituição ou criação da gratificação, seja por lei ou por

resolução. Portanto, deixei claro que o debate ora proposto se referia à definição

de qual seria o instrumento formal adequado não para a criação, mas sim para a

disciplina do pagamento do décimo terceiro salário aos vereadores;

3) valendo-me do axioma da teoria geral de direito “quem pode o mais, pode o

menos”, aduzi que se pode a câmara municipal inovar o ordenamento jurídico,

quando da fixação do subsídio aos seus vereadores, por meio de resolução, conforme

art. 29, vi, da cr/88, o mesmo instrumento normativo seria apto a regulamentar o

pagamento do décimo terceiro salário;

4) enfatizei que a nova redação dada ao art. 29, vi, da cr/88 pela ec n. 25/2000,

ao prever a fixação do subsídio dos vereadores mediante ato normativo da Câmara

municipal, privilegia o princípio da separação dos poderes, pois a aprovação da

resolução não depende de sanção do chefe do Poder executivo;

5) com base no princípio do paralelismo das formas, segundo o qual os atos jurídicos,

quando interligados, devem apresentar o mesmo instrumento de exteriorização,

ponderei que se a fixação do valor principal, ou seja, do subsídio, pode ocorrer por

meio de resolução, por consequência lógica, este instrumento normativo poderia

ser utilizado na disciplina do décimo terceiro salário, o qual constitui parcela

remuneratória eventual, de periodicidade anual.

após elencar meus argumentos, concluí que a exigência contida no enunciado de

súmula n. 91 do tcemg, quanto à edição de lei para disciplinar a concessão do

décimo terceiro salário, não subsiste em relação aos vereadores, uma vez que o seu

texto fora editado há mais de 18 anos, em 1991, não tendo, portanto, acompanhado

a nova redação dada ao art. 29, vi, da cr/88 pela ec n. 25/2000.

em seguida, salientei ser desnecessário propor o cancelamento do enunciado

de súmula, já que o seu texto faz referência genérica a agente político. sugeri,

no presente caso, a utilização da técnica hermenêutica do distinguishing,26 com

o propósito de afastar a aplicabilidade da súmula em relação aos membros do

Poder legislativo municipal e de manter o seu teor no que tange aos demais

agentes políticos.

26 a técnica distinguishing, com origem no direito norte-americano, consiste no afastamento de um certo precedente jurispruden-cial (como uma súmula, por exemplo), sem de fato abandoná-lo, considerando-se uma peculiaridade do caso concreto que o diferencia das demais situações jurídicas a que se destina o posicionamento do tribunal. o distinguishing apresenta-se, portanto, como uma forma de legitimar uma decisão-outra, tendo como fundamento a distinção substancial entre as hipóteses fáticas que geraram o precedente e o caso específico em análise. Sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro tem sido sustentada em diversos julgados recentes do supremo tribunal Federal.

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Portanto, no tocante à natureza do ato fixatório do décimo terceiro salário aos

vereadores, entendo ser cabível resolução. entretanto, deixo claro que, embora

a câmara municipal possa se valer da resolução, nada impede que o órgão opte

por regulamentar a concessão do benefício mediante processo legislativo mais

complexo, voltado à elaboração de leis em sentido estrito.

baseio minha alegação no voto que proferi no retorno de vista da consulta n. 752.708

(conselheira relatora adriene andrade, sessão de 01/07/2009), quando, com

fundamento numa teoria mista ou eclética, defendi a possibilidade de os subsídios

dos vereadores serem fixados por lei em sentido estrito, se assim a Câmara Municipal

entender conveniente, apesar de a constituição Federal permitir a disciplina da

matéria por meio de resolução.

deste modo, emprego, na concessão do décimo terceiro salário aos vereadores, o

mesmo raciocínio desenvolvido, na Consulta n. 752.708, para a fixação dos subsídios,

de modo a se permitir a regulamentação daquele direito por meio de resolução ou

de lei em sentido estrito de iniciativa própria do legislativo municipal.

Por fim, atendo-me à indagação do consulente sobre a possibilidade de se instituir

um subsídio extra aos vereadores, denominado de parcela pelo exercício do mandato

parlamentar, ressalto que, nos moldes em que o questionamento foi feito, o objeto

da presente consulta recai justamente sobre a legitimidade do pagamento do décimo

terceiro salário aos vereadores.

isto porque, independentemente da nomenclatura que se confere ao benefício —

décimo terceiro subsídio, gratificação natalina, adicional natalino — ele não perderá

a natureza jurídica de décimo terceiro salário, quando pago aos edis, a título de

subsídio extra, no mês de dezembro de cada sessão legislativa.

esclareço, por oportuno, que, diante da inexistência de suporte documental nos

autos, não entrarei no mérito da natureza jurídica do benefício intitulado parcela

pelo exercício do mandato parlamentar no ano, acordado entre o ministério Público

do estado de minas gerais e a assembleia legislativa do estado em termo de

ajustamento de conduta (tac), assinado em 23 de agosto de 2001.

No entanto, gostaria de cientificar o consulente, bem como os meus Pares, que o

Desembargador do TJMG, Nepomuceno Silva, ao se posicionar pela não ratificação

da liminar de suspensão do pagamento do décimo terceiro salário aos vereadores

da câmara municipal de belo Horizonte, nos autos da adi n. 1.0000.08.486655-

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7/000(1),27 fundamentou sua argumentação no termo de ajustamento de conduta

(TAC) firmado entre o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e a Assembleia

legislativa estadual. segue transcrito excerto de seu voto:

a questão, aqui, traz a lume uma simetria, partindo de um ajustamento de conduta firmado entre o Ministério Público e a Assembleia Legislativa, onde temos [...] uma parcela no valor de r$6.000,00 (seis mil reais) paga em dezembro de cada ano [...]. a simetria buscaria estender isso aos vereadores, pelo que percebi daquele ajustamento de conduta, com o legislativo estadual.

[...]

[...] na esteira da previsão ministerial penso que, de modo amplo, há uma correspondência na incidência do 13° salário. aliás, o próprio ministério Público descreveu esse ajustamento, em sede cautelar. na minha consciência julgadora, peço vênia para acompanhar a dissidência, mantendo este entendimento até eventual exame posterior, em face do ajustamento que permitiu aos deputados perceber tal parcela. [...] não vejo como, primo oculi, dar tratamento diferenciado. Por isso, peço vênia para negar a ratificação.

Conclusão: pelas razões elencadas, respondo a esta consulta, em suma, nos seguintes

termos:

É legítimo conceder décimo terceiro salário aos membros da câmara municipal,

desde que sejam observados os seguintes requisitos:

1) a concessão do benefício deverá ser regulamentada em resolução ou lei, em

sentido estrito, de iniciativa privativa da câmara municipal, cabendo a esta optar

pelo instrumento normativo que será adotado;

2) a resolução ou a lei, em sentido estrito, deverá ser votada na legislatura anterior

para produzir efeitos na subsequente em virtude do princípio da anterioridade;

3) os limites constitucionais referentes ao total da despesa do legislativo municipal

e ao subsídio dos vereadores deverão ser respeitados (art. 29, vi e vii, art. 29-a,

caput e art. 29-a, § 1°, da cr/88).

É o meu parecer.

Na oportunidade manifestou-se o Conselheiro Eduardo Carone Costa:

sr. Presidente, tenho convicção sobre essa matéria. entendo que a conceituação, como direito social do trabalhador brasileiro, é inquestionável. na verdade, isso foi instituído, mantido e consolidado tendo nítido o caráter alimentar, mas

27 adi n. 1.0000.08.486655-7/000(1), desembargador relator alexandre victor de carvalho, data do julgamento: 10/12/2008.

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não vou fazer a minha declaração de voto estribado unicamente nessa questão,

embora tenha juridicidade indiscutível. examinando sob um outro aspecto, o da

inexistência de dispositivo legal ou constitucional, que fixe o número exato de

parcelas remuneratórias com subsídios únicos que possam ser auferidas pelos

destinatários da emenda n. 19, cabe, perfeitamente, a qualquer um dos Poderes,

Federal, estadual ou municipal, estabelecer a remuneração que entender cabível

aos membros desses poderes, porque essa remuneração a ser estabelecida,

sem se vincular ao direito social, é que tem de se adequar à existência de um

ato legislativo formal e ao princípio da anterioridade. É lógico que, se fosse

examinar sob o aspecto social, não teria que observar a anterioridade — é ínsita

a concessão da vantagem, independentemente de votação com observância da

anterioridade. e tem-se que observar, dentro dessa segunda ótica, os limites da

lei de responsabilidade fiscal, porque é despesa pública. Estou falando sem me

ater à tese do direito social, que acho que é mais importante.

então, se atendidos esses pressupostos, onde está o impedimento constitucional e

legal para se perceber essa remuneração a maior, além das doze, sendo observada

também a emenda n. 19, que é um subsídio? não vejo plausibilidade na tese em

contrário. entendo perfeitamente legítimo o pagamento, observadas as etapas que

acabei de mencionar.

Por isso, respondo, afirmativamente, que é devido o pagamento e, se partirmos

exata e exclusivamente para examinar a questão do direito social, não posso

distinguir entre os trabalhadores. tanto faz ser submetido ao regime estatutário de

estabilidade, ao vitalício ou ao parlamentar por mandato temporário, o direito de

caráter alimentar não pode ser deferido a uns e indeferido a outros. isso não me

parece jurídico e legítimo.

acompanho o voto de v. exa. quanto a essa possibilidade, porque nossa súmula n.

91 fala isso e entendo correta a sua dicção.

na sessão do dia 07/04/10, acompanharam o entendimento do relator o conselheiro eduardo carone costa e o conselheiro elmo braz, oportunidade em que o conselheiro substituto Hamilton coelho pediu vista dos autos.

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Retorno de Vista

RELATÓRIO

cuida-se de consulta formulada pelo Presidente da câmara municipal de Águas Formosas, que indaga sobre a possibilidade de se instituir, no âmbito do legislativo municipal, parcela pelo efetivo exercício do mandato parlamentar no ano, em valor correspondente a um subsídio mensal, a ser pago no mês de dezembro de cada ano.

o consulente alicerça sua dúvida no fato de o ministério Público ter autorizado a assembleia legislativa mineira a pagar dita parcela aos deputados estaduais, mediante termo de ajustamento de conduta (tac), celebrado em 2001, sob o entendimento de que a verba não caracteriza sucedâneo da gratificação natalina, enquanto concedida somente aos parlamentares em efetivo exercício.

O relator, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, em sua análise do mérito (fls. 26-39), na sessão de 07/04/10, posicionou-se pela legitimidade da concessão (embora entendendo que o benefício pretendido se confundiria com o décimo terceiro salário, posto que pago “a título de subsídio extra, no mês de dezembro de cada sessão legislativa”), estribado nos seguintes fundamentos:

1) diante do dissenso doutrinário e jurisprudencial acerca do tema, deveria prevalecer o entendimento sumulado por esta corte de contas, segundo o qual a outorga da gratificação natalina aos agentes políticos se legitima por “lei votada na legislatura anterior, para produzir efeito na subsequente” (súmula n. 91, publicada em 27/12/91) (fls. 29).

2) a partir de uma leitura “humanista/garantista” do texto constitucional, seria lícito adotar-se uma “hermenêutica ampliativa da expressão trabalhadores”, contida no caput do art. 7° do magno texto Federal, de modo a abranger os agentes políticos (fls. 30).

3) “o dispositivo constitucional não fez qualquer distinção, dentro da categoria dos agentes públicos, entre os agentes políticos e os servidores públicos (titulares de cargo ou ocupantes de emprego público)” (fls. 30).

4) acaso se conclua pela impossibilidade de concessão do benefício, a julgar pela acepção mais abrangente do termo agentes políticos, defendida pelo Professor Hely lopes meirelles, os membros da magistratura (art. 93, v, da cr/88), do ministério Público (art. 128, § 5°, i, c), dos tribunais de contas (art. 73, § 3°, e art. 75),

CONSELHEIRO SUbSTITUTO HAMILTON COELHO

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da advocacia geral da união, os Procuradores dos estados e do distrito Federal, os defensores Públicos (art. 135), os policiais (art. 144, § 9°) e os servidores facultativamente remunerados por subsídios (art. 39, § 8°) também não poderiam recebê-lo (fls. 32 e 34).

5) nas esferas estadual e federal, os agentes políticos já recebem o décimo terceiro subsídio (fls. 33).

6) Portanto, seria medida de justiça estender a vantagem aos vereadores, desde que autorizada por lei ou resolução, observados o princípio da anterioridade e os limites insculpidos nos artigos 29, vi e vii, e 29-a, caput e § 1°, da constituição da República (fls. 38-39).

o conselheiro eduardo carone, acompanhando o voto do relator, asseverou que o décimo terceiro subsídio seria um direito social de caráter alimentar conferido indistintamente a todos os trabalhadores, assim considerados também os parlamentares. Afirmou, outrossim, que, diante da “inexistência de dispositivo legal ou constitucional, que fixe o número exato de parcelas remuneratórias com subsídios únicos que possam ser auferidas pelos destinatários da emenda n. 19”, seria da alçada de cada Poder fixar a remuneração que julgasse cabível a seus membros (fls. 39-40).

votou também de acordo com o relator o conselheiro elmo braz.

diante de minha convicção em sentido contrário, pedi vista dos autos, para melhor refletir sobre a matéria, e trazer por escrito o meu voto.

É o relatório.

MéRITO

a matéria debatida nestes autos pode ser resumida em duas perguntas: a constituição de 1988 confere ao agente político o direito de receber gratificação natalina ou verba remuneratória similar? e, se não o faz, proíbe a sua instituição por lei?

Para responder à primeira questão, faz-se necessário definir o alcance de dois comandos constitucionais, a saber:

art. 7° são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

viii — décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

[...]

art. 39

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§ 3° aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7°, iv, vii, VIII, iX, Xii, Xiii, Xv, Xvi, Xvii, Xviii, XiX, XX, XXii e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir (destaquei).

A fim de que possamos extrair a correta exegese desses comandos normativos, impõe-se, primeiramente, estabelecer um paralelo conceitual entre agentes políticos, trabalhadores e servidores ocupantes de cargo público.

a doutrina moderna vem entendendo que o apanágio essencial do agente político e que o distingue dos demais agentes públicos é o fato de não possuir vínculo profissional, mas exclusivamente político com o Poder Público:

o vínculo que tais agentes entretêm com o estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. exercem um munus público. vale dizer, o que os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e, por isto, candidatos possíveis à condução dos destinos da sociedade (bandeira de mello, celso antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. são Paulo: malheiros, 2009. p. 247).

a ideia de agente político liga-se, indissociavelmente, à de governo e à de função política, a primeira dando ideia de órgão (aspecto subjetivo) e, a segunda, de atividade (aspecto objetivo).

[...]

Essas funções políticas ficam a cargo dos órgãos governamentais ou governo propriamente dito e se concentram, em sua maioria, nas mãos do Poder executivo, e, em parte, do legislativo; no brasil, a participação do Judiciário em decisões políticas praticamente inexiste, pois a sua função se restringe, quase exclusivamente, à atividade jurisdicional sem grande poder de influência na atuação política do governo, a não ser pelo controle a posteriori.

o mesmo se diga com relação aos membros do ministério Público e do tribunal de contas, o primeiro exercendo uma das funções essenciais à justiça, ao lado da advocacia-geral da união, da defensoria Pública e da advocacia, e o segundo a função de auxiliar do legislativo no controle sobre a administração. em suas atribuições constitucionais, nada se encontra que justifique a sua inclusão entre as funções de governo; não participam, direta ou indiretamente, das decisões governamentais.

Não basta o exercício de atribuições constitucionais para que se considere como agente político aquele que as exerce, a menos que se considere como tal todos os servidores integrados em instituições com competência constitucional, como a advocacia-geral da união, as Procuradorias dos estados, a defensoria Pública, os militares (di Pietro, maria sylvia zanella. Direito administrativo. 20. ed. são Paulo: atlas, 2007, p. 477-478).

alguns autores dão sentido mais amplo a essa categoria, incluindo magistrados, membros do ministério Público e membros dos tribunais de contas. com a

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devida vênia a tais estudiosos, parece-nos que o que caracteriza o agente político não é só o fato de serem mencionados na constituição, mas sim o de exercerem efetivamente (e não eventualmente) função política, de governo e administração, de comando e, sobretudo, de fixação das estratégias de ação, ou seja, aos agentes políticos é que cabe realmente traçar os destinos do país (carvalHo FilHo, José dos santos. Manual de direito administrativo. 17. ed. rio de Janeiro: lumen Juris, 2007, p. 512).

assim, para estes e outros administrativistas de renome, como marçal Justen Filho (Curso de direito administrativo. 4. ed. são Paulo: saraiva, 2009, p. 719), odete medauar (direito administrativo moderno. 9. ed. são Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 305) e lúcia valle Figueiredo (Curso de direito administrativo. 8. ed. são Paulo: malheiros, 2006, p. 617), são agentes políticos apenas o Presidente da república, governadores, Prefeitos e respectivos vices, senadores, deputados federais e estaduais, vereadores, ministros de estado e secretários estaduais e municipais.

diante disso, só posso concluir que a conceituação de agente político defendida tradicionalmente por Hely lopes meirelles (Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 73), que classificava como tais os magistrados, promotores, ministros e conselheiros dos tribunais de contas, restou superada pela doutrina hodierna.

Partindo-se, então, do pressuposto de que a relação dos agentes políticos com o Estado não é de natureza profissional, já é possível distingui-los dos trabalhadores e servidores públicos.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é unânime em afirmar que o agente político não é equiparável ao trabalhador a que alude a carta magna da república, em seu art. 195, inciso ii:

a lei 9.506, de 1997, ao acrescentar a alínea h ao inciso i do art. 12 da lei 8.212, de 1991, tornando segurado obrigatório do regime geral de previdência social o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social, inovou, sobremaneira: fez do agente político o trabalhador indicado no inc. ii do art. 195 da constituição.

agente político, ensina celso antônio bandeira de mello, é espécie de agente público. e agente público é ‘quem quer que desempenhe funções estatais’ (bandeira de mello, celso antônio. Curso de direito administrativo. 13. ed. são Paulo: malheiros, 2001, p. 227).

Forte em Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Celso Antônio formula a classificação dos agentes públicos, englobando-os em três grandes grupos: a) agentes políticos; b) servidores estatais, abrangendo servidores públicos e servidores das pessoas governamentais de direito Privado; c) particulares em atuação colaboradora com o Poder Público (celso antônio bandeira de mello, op. cit., p. 229).

leciona celso antônio que ‘agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o

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arcabouço constitucional do estado, o esquema fundamental do Poder. [...] são agentes políticos apenas o Presidente da república, os governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos chefes de executivo, isto é, ministros e secretários das diversas Pastas, bem como os senadores, deputados Federais e estaduais e os vereadores’ (op. cit., p. 229).

Os agentes políticos ‘entretêm com o Estado vínculo de natureza política e não de natureza profissional’, acrescenta celso antônio (op. e loc. cit.).

maria sylvia zanella di Pietro não discrepa, substancialmente, da lição de celso antônio. Para di Pietro, os agentes políticos exercem funções de natureza política, ligados aos órgãos governamentais da cúpula do estado (Direito administrativo. são Paulo: atlas, 1990, p. 306).

O agente político, portanto, não é o ‘trabalhador’ do inciso II do art. 195 da Constituição Federal, convindo esclarecer que esta, no art. 29, Ix, deixa expresso que os vereadores estão sujeitos à disciplina dos parlamentares.

[...]

assim, parece forçoso concluir que o legislador constitucional, quando utilizou o termo trabalhadores para eleger incidência de contribuições para a seguridade, como feito no art. 195, limitou a abrangência à remuneração recebida pelos empregados da iniciativa privada ou, no máximo, aos servidores celetistas.

em todo o contexto da carta a interpretação autorizada do termo leva a essa conclusão (Plenário do stF, recurso extraordinário n. 351.717/Pr, relator ministro carlos velloso, DJ de 21/11/03) (destaquei).

ementa: agravo regimental em recurso extraordinário. 2. contribuição previdenciária sobre remuneração dos exercentes de mandato eletivo. 3. Não equiparação do agente político a trabalhador (art. 195, II, com redação anterior à EC 20). 4. cobrança da contribuição após ec 20: impossibilidade de discussão de temas não abordados no tribunal de origem. 5. agravo regimental a que se nega provimento (stF, segunda turma, agravo regimental no recurso extraordinário n. 341.404/Pr, relator ministro gilmar mendes, DJ de 28/05/04) (destaquei).

a questão posta na inicial desses autos diz respeito à inexigibilidade da contribuição previdenciária incidente sobre a remuneração dos exercentes de mandato eletivo, tendo em vista o fato de a norma constitucional inscrita no artigo 195, ii (anterior à ec 20/98) se referir a trabalhador, segurado com o qual não se equipara o agente político (stF, Primeira turma. trecho do voto do relator, ministro eros grau, nos autos do agravo regimental no recurso extraordinário n. 367.522/rs. DJ de 01/10/04. no mesmo sentido: re 307529 agr-ed/Pr, relator ministro eros grau, DJ de 24/3/06) (destaquei).

ora, se, em sede de hermenêutica constitucional, o agente político não é considerado trabalhador para fins previdenciários, por que o seria para fazer jus aos direitos trabalhistas enumerados no art. 7° da magna carta?

uma coisa é defender o caráter alimentar e retributivo do subsídio recebido pelo agente político, “porquanto os eleitos hão que se dedicar quase exclusivamente às

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suas atribuições” (silva, José afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. são Paulo: malheiros, 2005, p. 682); outra é concluir que a eles são devidas parcelas ínsitas aos vínculos de trabalho, o que, no meu sentir, há diferença.

A ausência desse liame de natureza profissional com a Administração Pública igualmente distingue os agentes políticos dos servidores públicos:

recurso em mandado de segurança. ex-deputados estaduais. Postulação de pagamento de 13° salário. inocorrência de relação de trabalho com o Poder Público. inviabilidade. deputado estadual, não mantendo com o estado, como é da natureza do cargo eletivo, relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência, não pode ser considerado como trabalhador ou servidor público, tal como dimana da constituição Federal (arts. 7°, inciso VIII, e 39, § 3°), para o fim de se lhe estender a percepção da gratificação natalina (STJ, Quinta Turma, RMS n. 15.476/BA, Relator Ministro José arnaldo da Fonseca, DJ de 12/04/04) (destaquei).

não ignoramos o fato de que a jurisprudência recente do stJ vem defendendo a possibilidade de se conferir, por lei, direitos sociais aos agentes políticos, conforme ressaltado pelo próprio relator, a fls. 29. Sem embargo, o que queremos demonstrar, nesse ponto, é que, de todo modo, a constituição da república não lhes assegura tais direitos.

Portanto, não há como se valer do disposto no art. 39, § 3°, da constituição da república, como arrimo para a outorga de direitos sociais aos agentes políticos, pois dita regra tem destinatários expressos: “servidores ocupantes de cargo público” (destaquei). se o legislador constitucional quisesse estender essas vantagens aos agentes políticos, o teria feito expressamente.

não bastasse a jurisprudência, também a própria doutrina chancela esse entendimento. o professor celso antônio bandeira de mello, por exemplo, ao tecer suas considerações acerca do citado comando constitucional, assevera: “anote-se que ditas observações só valem para os servidores públicos, não abrangendo os agentes políticos, pois é apenas dos primeiros que cogita o art. 39, § 3°” (op. cit., p. 273).

resta, agora, investigar a segunda questão: a cr/88 veda a concessão, mediante lei, de décimo terceiro subsídio ou verba assemelhada aos agentes políticos?

dispõe o § 4° do art. 39 da constituição:

§ 4° o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os ministros de estado e os secretários estaduais e municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e Xi.

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Para explicar o real significado da expressão subsídio fixado em parcela única, valho-me da proficiência do consagrado constitucionalista José Afonso da Silva:

Subsídio. termo que, tradicionalmente, designava a retribuição outorgada a pessoa investida em cargo eletivo. [...] o subsídio parlamentar, então, se dividia em duas partes: uma fixa e outra variável. aquela era recebida mensalmente sem consideração ao comparecimento do parlamentar aos trabalhos legislativos, enquanto a parte variável correspondia ao comparecimento efetivo e participação nas votações.

[...]

[...] a parcela é única em cada período, que, por regra, é o mês. trata-se, pois, de parcela única mensal. Historicamente, subsídio era uma forma de retribuição em duas parcelas: uma fixa e outra variável. Se a Constituição não exigisse parcela única, expressamente, essa regra prevaleceria.

a primeira razão da exigência de parcela única consiste em afastar essa duplicidade de parcelas que a tradição configurava nos subsídios (op. cit., p. 682-683) (destaquei).

no mesmo sentido, o magistério da Professora maria sylvia:

ao falar em parcela única, fica clara a intenção de vedar a fixação dos subsídios em duas partes, uma fixa e outra variável, tal como ocorria com os agentes políticos na vigência da constituição de 1967 (op. cit., p. 496).

dessarte, utilizando-se o método teleológico de interpretação da lei maior, e examinando-se o contexto que engendrou a atual redação do § 4° de seu art. 39, resta evidente que a pretensão veiculada na presente consulta coincide justamente com aquilo que o legislador constitucional quis proibir.

efetivamente, a partir das lições doutrinárias transcritas, só é possível inferir que a criação de parcela remuneratória a ser paga de modo proporcional ao comparecimento do parlamentar às sessões legislativas, a par do subsídio a ele já garantido, representa o retrocesso ao antigo modelo estipendiário dos agentes políticos, expressamente vedado pelo novel diploma republicano.

e não importa a nomenclatura que se atribua a tal verba, porque o dispositivo constitucional veda o acréscimo de “qualquer outra espécie remuneratória”, o que abrange toda parcela retributória (pela prestação do serviço), e aí se inclui, sem dúvida, a gratificação natalina. Aliás, “na vedação estabelecida só não se incluem as verbas indenizatórias” (bandeira de mello, op. cit., p. 269).

ora, se o subsídio é uma parcela única de periodicidade mensal, consoante ensina José afonso da silva, como pretender o recebimento de dois subsídios num só mês? Ou, no caso dos autos, como justificar a criação de uma parcela pelo efetivo

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exercício do mandato parlamentar no ano, se o próprio subsídio já é pago em razão dessa atividade?

outro argumento favorável à concessão do 13° subsídio aos agentes políticos, levantado pelo relator, alude à conclusão de que, se estes não podem recebê-lo, também não o podem os magistrados (art. 93, v, da cr/88), Promotores (art. 128, § 5°, i, c), ministros e conselheiros dos tribunais de contas (art. 73, § 3° e art. 75), membros da advocacia geral da união, os Procuradores dos estados e do distrito Federal, os defensores Públicos (art. 135), os policiais (art. 144, § 9°) e os servidores facultativamente remunerados por subsídios (art. 39, § 8°).

com o maior respeito aos partidários desta interpretação, entendo que ela não subsiste diante da distinção fundamental entre os agentes políticos e os servidores públicos, já exaustivamente assinalada neste voto: o vínculo entre aqueles e o estado é de natureza exclusivamente política, transitória, enquanto que, para estes, essa relação é de trabalho, assumindo, por isso, feição duradoura.

E é justamente em razão desse liame de natureza profissional que a doutrina moderna classifica como servidores públicos os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais de contas e demais agentes públicos acima referidos:

algumas categorias se enquadrarão necessariamente como servidores estatutários, ocupantes de cargos e sob regime estatutário, estabelecido por leis próprias: trata-se dos membros da magistratura, do ministério Público, do tribunal de contas, da advocacia Pública e da defensoria Pública. embora exerçam atribuições constitucionais, fazem-no mediante vínculo empregatício com o Estado, ocupam cargos públicos criados por lei e submetem-se a regime estatutário próprio estabelecido pelas respectivas leis orgânicas (di Pietro. Op. cit., p. 481) (destaquei).

os agentes servidores [do Poder Judiciário] são aqueles que percebem remuneração dos cofres públicos. diferenciam-se em magistrados, servidores estatutários e servidores não estatutários.

[...]

o ministério Público é integrado por três categorias de agentes, todos servidores. existem os procuradores e promotores públicos, os estatutários e os não estatutários (Justen FilHo, op. cit., p. 728-729).

ninguém discute a importância do papel que tais agentes desempenham no cenário nacional, mas, ao contrário do que ocorre com os legítimos agentes políticos, cuja função é transitória e política, sua vinculação ao Estado tem caráter profissional e de permanência e os cargos que ocupam não resultam de processo eletivo, e sim, como regra, de nomeação decorrente de aprovação em concurso público. não interferem diretamente nos objetivos políticos, como o fazem os verdadeiros agentes políticos. assim, sua fisionomia jurídica se distancia bastante da que caracteriza estes últimos.

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Não se nos afigura adequada, com efeito, sua inclusão como agentes políticos do estado. Mais apropriado é inseri-los como servidores especiais dentro da categoria genérica de servidores públicos [...] (carvalHo FilHo. op. cit., p. 512) (destaquei).

uma vez compreendidos como servidores, tais agentes se enquadram na regra do art. 39, § 3°, da constituição, fazendo jus às verbas ali mencionadas.

alguns poderiam argumentar que os magistrados, por exemplo, são abrangidos na expressão membro de Poder a que alude o § 4°, e que, portanto, a eles se aplicaria a vedação respectiva.

Em havendo aparente conflito entre normas constitucionais — no caso, entre os §§ 3° e 4° do art. 39 —, impõe-se a aplicação do princípio da concordância prática, para encontrar a solução hermenêutica que viabilize a coexistência harmônica entre os interesses constitucionalmente protegidos.

assim, de um lado, temos a regra — os agentes políticos remunerados por subsídio devem recebê-lo em parcela única, vedado o acréscimo de quaisquer verbas remuneratórias — e, de outro, a ressalva — servidores ocupantes de cargo público, porquanto expressamente excepcionados pelo § 3°. em outras palavras, somente os detentores de vínculo profissional com a Administração Pública podem receber as parcelas de que trata o § 3°, ainda que sua remuneração seja fixada na forma do § 4°.

logo, sob qualquer ângulo que se encare a questão, é impossível desvencilhar-se da proibição constitucional. nem mesmo a lei pode outorgar-lhes tal vantagem, porque esta já nasceria eivada pelo vício da inconstitucionalidade. seria preciso, de fato, uma emenda constitucional, alterando o texto do § 3° do art. 39, para que os agentes políticos fossem autorizados a receber gratificação natalina.

nesse contexto, a súmula n. 91 desta corte de contas também não pode ser invocada, pois foi editada em data anterior à ec n. 19/98, que conferiu a atual redação ao § 4° do art. 39. vale dizer: essa súmula não foi recepcionada pela nova ordem constitucional introduzida pela emenda.

ressalto ainda que a pretensão em análise não se legitima em razão do termo de ajustamento de conduta mencionado pelo consulente, porque deliberações dessa natureza não produzem efeitos erga omnes. É apropriado trazer a lume, nesse ponto, trecho do voto do desembargador edgar Penna amorim, do tribunal de Justiça de minas gerais, nos autos da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n. 1.0000.08.486655-7/000, que culminou na suspensão do pagamento do adicional natalino aos vereadores da câmara municipal de belo Horizonte (relator desembargador alexandre victor de carvalho, DJ de 30/04/09):

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o termo de ajustamento de conduta é um ato administrativo celebrado pelo ministério Público, no âmbito das suas competências extrajudiciais. a meu ver, não se retira nem a legitimidade do representante, menos, ainda, enfraquece a tese, data venia, o fato de que, administrativamente, aquela instituição tenha celebrado, em algum momento, um termo de ajustamento de conduta, estabelecendo [...] aquilo que se considerava possível de ser recebido pelos srs. deputados estaduais.

o mesmo raciocínio vale para as demais instâncias em que a mencionada parcela

foi instituída. se agentes políticos de outras esferas federativas percebem verba

semelhante, nem por isso ela se torna lícita. muitas práticas antes disseminadas na

administração Pública já foram posteriormente declaradas inconstitucionais pelo

supremo tribunal Federal, em sede de controle concentrado.

assim sendo, ouso discordar da tese oposta, pois, a meu ver, a parcela pelo efetivo

exercício do mandato parlamentar padece de inconstitucionalidade manifesta. a uma,

porque os agentes políticos, do modo como são conceituados pela jurisprudência e pela

doutrina moderna, não ostentam a condição de trabalhadores, empregados ou servidores,

e, portanto, não são alcançados pelas normas dos arts. 7°, viii, e 39, § 3°, da constituição

da república. e a duas, porque a criação de tal vantagem pela via infraconstitucional

encontra vedação instransponível no art. 39, § 4°, do magno texto Federal.

Conclusão: diante de todo o exposto, proponho resposta ao consulente nos termos

da fundamentação, que conclui pela vedação de se instituir parcela pelo efetivo

exercício do mandato parlamentar no ano.

Tendo em vista o entendimento esposado pelo Conselheiro Substituto Hamilton Coelho, manifestou-se o Conselheiro Antônio Carlos Andrada, relator dos autos:

sr. Presidente, ouvi atentamente o bem lançado voto do conselheiro Hamilton

coelho, que fez um trabalho de pesquisa merecedor de elogios. ele levanta uma

tese bem diferente da que lancei no meu voto.

confesso que, ouvindo atentamente, não encontrei, na análise momentânea que

fiz aqui durante a leitura do voto, razões para rever a minha posição inicial. É

lógico que essa discussão não vai se esgotar nesta sessão, e não se esgota também

no âmbito desta corte, mas tenho o entendimento de que tem que partir de um

ponto diferenciado. toda essa discussão sobre os conceitos de subsídios, de agente

político, de servidor público, de função pública tem validade, mas ela precisa estar,

primeiro, calcada e ancorada em princípios constitucionais.

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tenho como garantidíssimo, na minha visão, que a constituição assegura direitos ao trabalhador. e aí não vem a distinção de que o trabalhador é aquele da clt, é o trabalhador rural, é o trabalhador urbano, não são conceitos doutrinários e nem conceitos jurídicos. É a pura expressão da palavra. trabalhador é quem trabalha, o resto é filigrana. Ora, não consigo, na minha construção jurídica, administrativa, conceber por que, no estado democrático de direito, em que se tanto preza pela democracia, em que se tanto preza pelas eleições, em que se tanto preza pelas liberdades, justamente aqueles que são escolhidos pelo povo para representar o símbolo maior, que é o exercício da representatividade em um estado democrático, é que não são considerados trabalhadores. eles não trabalham. então, se um deputado, se um senador, se o Presidente da república, se o ministro, se o Prefeito, se o vereador não é trabalhador, eles são o quê? Estamos desqualificando o produto da democracia. Se eles não funcionam bem, é outra história. se o povo não escolheu bem, é outra história, mas retirar de quem é eleito a condição de trabalhador... se o deputado não comparece ao Plenário da assembleia, ele é criticado porque não trabalha, mas ele não pode receber o 13° porque não é trabalhador. É incoerente.

não consigo entender a lógica que afasta quem é eleito representante público de não ser um legítimo trabalhador. o vínculo com o estado e as relações de estabilidade é que são outras. cada um vai ter uma tratativa diferenciada com relação a direitos que são desdobramentos da função. aquele que trabalha em lugar insalubre vai receber adicional de insalubridade. aquele que trabalha em situação de risco vai receber adicional de periculosidade. são as peculiaridades da função. mas o direito de quem trabalha, consagrado no mundo ocidental, de receber o 13° salário ser retirado daquele que é eleito, eu não entendo nem concordo. essa convicção permanece.

continuo muito convicto de que o 13° é um direito consagrado como princípio a ser dado a todo trabalhador, pois é consequência da evolução da luta dos trabalhadores de anos e anos, de séculos e séculos. É uma conquista que nós não podemos desconsiderar. então, mantenho meu voto na forma em que lancei.

Na oportunidade, manifestou-se o Conselheiro Sebastião Helvecio:

sr. Presidente, sra. Procuradora e srs. conselheiros, eu também queria me manifestar

nesse instante, porque acho esse tema da maior relevância. e a ótica que pretendo

abordar é exatamente dentro do princípio basilar da nossa constituição, que é o

princípio federativo. o brasil é uma república Federativa e entre as assimetrias que

nós encontramos, certamente, a da representação municipal é uma delas. o art.

18 garante exatamente essa autonomia aos estados e municípios e, dentro desse

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princípio, entendo, como o conselheiro antônio carlos andrada também entendeu,

que o trabalho da representação, no caso específico da consulta do vereador,

representa exatamente essa atuação do agente político. dessa maneira, entendo,

também, que o 13° não cria nenhum subsídio adicional, nenhum tipo de verba

adicional.

Portanto, concordo in totum com o pensamento esposado pelo nobre conselheiro antônio carlos andrada, no seu voto muito bem fundamentado, e acho muito interessante essa tendência atual que vamos percebendo nos tribunais, dessa visão social das decisões. a nossa súmula 91, em que pese a sua votação ser anterior à da emenda constitucional, tem validade total e, no meu entender, ela deve permanecer, até que haja, se por acaso houver, uma manifestação divergente do supremo tribunal Federal.

então, meu voto é de acordo com o do conselheiro relator antônio carlos andrada, felicitando-o por essa correção de mais uma, entre tantas assimetrias da nossa federação, quase sempre naquele órgão mais simples, naquele Poder mais perto do povo, que é o Poder municipal.

na sessão do dia 12/05/10, após a apresentação do voto divergente exarado pelo conselheiro substituto Hamilton coelho, a conselheira adriene andrade e o conselheiro sebastião Helvecio acompanharam o voto do conselheiro relator antônio carlos andrada. na oportunidade, pediu vista dos autos o conselheiro em exercício gilberto diniz.

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Retorno de Vista

RELATÓRIO

trata-se de consulta formulada pelo sr. elvis lúcio barbosa lima, Presidente da câmara de vereadores de Águas Formosas, por meio da qual indaga, em síntese, sobre a possibilidade de instituir parcela pecuniária extra pelo efetivo exercício do mandato parlamentar, a ser paga no mês de dezembro, no valor correspondente ao subsídio mensal, mediante lei específica, previsão orçamentária e dotação própria, respeitando-se, ainda, o princípio da anterioridade.

o relator da consulta, conselheiro antônio carlos andrada, que presidia a sessão do Pleno do dia 07/04/10, superada a preliminar de conhecimento, entendeu que a essência do questionamento recai sobre a legitimidade do pagamento do décimo terceiro salário aos vereadores, embora denominado pelo consulente de parcela anual pelo exercício do mandato.

nessa linha, e depois de ter feito análise doutrinária e jurisprudencial sobre a questão, o conselheiro antônio carlos andrada concluiu, em suma, que é legítimo conceder décimo terceiro salário aos membros da câmara municipal, desde que regulamentado em resolução ou lei em sentido estrito de iniciativa da edilidade, observado o princípio da anterioridade e respeitados os limites constitucionais inerentes à despesa do legislativo municipal e ao subsídio dos edis.

na mencionada assentada, os conselheiros eduardo carone costa e elmo braz acompanharam o relator. na sequência, o conselheiro Hamilton coelho pediu vista, para trazer voto escrito sobre a matéria.

na sessão do Pleno do dia 12/05/10, o conselheiro Hamilton coelho proferiu voto em sentido oposto ao do relator, por entender que a parcela pelo efetivo exercício do mandato parlamentar padece de inconstitucionalidade manifesta. a uma, porque os agentes políticos, como conceituados pela jurisprudência e pela doutrina moderna, não ostentam a condição de trabalhadores, empregados ou servidores, e, portanto, não são alcançados pelas normas da constituição da república, arts. 7°, viii, e 39, § 3°. a duas, porque a criação de tal vantagem pela via infraconstitucional encontra vedação intransponível no magno texto Federal, art. 39, § 4°.

depois do voto do conselheiro Hamilton coelho, o conselheiro antônio carlos andrada reafirmou seu entendimento e a Conselheira Adriene Andrade e o Conselheiro sebastião Helvécio acompanharam o relator. sequencialmente, pedi vista.

É o relatório do essencial.

CONSELHEIRO EM ExERCÍCIO GILBERTO DINIZ

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MéRITO

A fim de se obter solução jurídica, razoável e justa para a tese ora discutida, deve-se adotar perspectiva moderna de interpretar o direito de forma inclusiva, sobretudo em se tratando de garantias e direitos fundamentais da pessoa humana, como é o caso dos direitos sociais plasmados na atual constituição brasileira.

e mais, deve-se entender a constituição como sistema aberto de princípios e regras, não se podendo olvidar, ainda, que a república Federativa do brasil se constitui em estado democrático de direito, que tem como fundamentos, entre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Partindo dessas premissas, destaca-se que a carta Política de 1988, no art. 6° — inserido no capítulo ii do título ii, que cuida dos direitos e garantias fundamentais —, estatui que são direitos sociais, entre os outros ali enumerados, o trabalho e a previdência social.

mais adiante, o caput do art. 170 prescreve que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, para garantir a todos existência digna. Já no art. 193 está escrito que a ordem social tem como base o primado do trabalho.

como se percebe, o texto magno erigiu o trabalho a valor jurídico de exponencial relevo e ponto nuclear da organização da sociedade brasileira, tanto no plano político como econômico e social.

o constitucionalista lusitano Jorge miranda, citado por seu compatriota gomes canotilho, ao discorrer sobre o tema trabalho no contexto da constituição de Portugal, comentário que, a propósito, cai como luva também em se tratando da vigente Constituição brasileira, assim pontificou:

o conceito de trabalho, como transparece do texto, é um conceito constitucional polissémico, afigurando-se-nos erróneo querer captar o conceito de trabalho sob uma perspectiva unidimensional (in: Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. lisboa: almedina, p. 347).

nessa mesma linha, a Professora cármen lúcia antunes rocha, atualmente ministra do supremo tribunal Federal, retrata de forma bastante explícita e didática a amplidão que deve ser emprestada ao valor jurídico trabalho, neste trecho de seu magistério:

o trabalho é que constitui um instrumento de realização da obra humana, não o emprego. É ele que constitui uma dimensão específica e especial da dignidade humana. a dignidade no trabalho e pelo trabalho, revelada nas versões constitucionais dos sistemas contemporâneos, inspira-se naquele valor, não numa forma única de sua prestação mediante vínculo empregatício, como parece comum supor (in: Princípios constitucionais dos servidores públicos. são Paulo: saraiva, 1999, p. 51-52).

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os excertos doutrinários colacionados, com efeito, coadunam-se com o conceito

jurídico de trabalho, que deve ser entendido de forma holística ou totalizante. É

dizer, “a atividade física ou intelectual aplicada, habitualmente, para a produção

da riqueza, ou ao exercício lícito de uma profissão, função ou ofício” (In: Dicionário

de tecnologia jurídica, 12. ed. rio de Janeiro: Freitas bastos, p. 826).

Pode-se concluir, portanto, que o termo trabalho, no contexto da constituição

Federal de 1988, não tem a conotação de emprego e, consequentemente, que a

expressão trabalhador não é, necessariamente, sinônima de empregado.

nessa ordem de ideias, não me parece de boa lógica jurídica sustentar que o exercente

de mandato eletivo não é trabalhador, ainda mais que o próprio texto magno reconhece

que tal espécie de agente público será remunerada. ora, como é cediço, somente se

remunera quem trabalha e, por conseguinte, quem trabalha é trabalhador.

A esse respeito, a Professora Cármen Lúcia é categórica ao afirmar:

nem se há, de outra parte, imaginar que ao ocupante de mandato não se há de remunerar, pois o sistema jurídico impõe contraprestação pelo desempenho de função pública também eletiva, a qual, se não tem natureza de emprego, na acepção adotada pelo direito laboral, é trabalho no sentido de ser o desempenho de uma atividade prestante ao atendimento de necessidades, interesses e conveniências de terceiros segundo normas impositivas que não podem deixar de ser atendidas (op. cit., p. 309).

lado outro, não impressiona o fato de o supremo tribunal Federal ter decidido que o

termo trabalhador constante no inciso ii do art. 195 da lei maior não abarca o agente

político. isso porque o mencionado dispositivo constitucional se refere aos segurados

do regime geral de Previdência social, que é próprio, como sabido e ressabido, ao

trabalhador da iniciativa privada e das entidades estatais de direito privado.

desse modo, o termo trabalhador desafia interpretação sistemática no conjunto

material a que alude, e não paira dúvida quanto ao fato de que o preceptivo

constitucional indicado se cinge à regulação da seguridade social, tema específico que precisa abranger as particularidades de cada categoria que a deve financiar.

nesse contexto, a expressão trabalhador contida no caput do art. 7° da carta Federal de 1988 não me parece se dirigir, apenas, ao trabalhador empregado. a própria norma constitucional fundante, aliás, reconhece que a expressão trabalhador é gênero e não espécie, quando o seu inciso XXXiv prescreve a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício (o empregado) e o trabalhador avulso.

essa constatação torna-se ainda mais evidente quando se realiza o exame individualizado dos demais direitos arrolados no aludido art. 7° constitucional. Por exemplo, nos

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incisos iX, X e Xiii a constituição refere-se ao trabalho, o que conduz à conclusão de que se trata de regra geral, isto é, não dirigida apenas ao trabalhador subordinado ou ao empregado. a mesma interpretação, todavia, não se extrai dos incisos i e ii porque o texto constitucional, nesses dispositivos, prescreve, de forma expressa, que os destinatários dos direitos neles insculpidos é o trabalhador empregado.

não é esse o alcance, entretanto, do direito ao décimo terceiro salário garantido pelo inciso viii do indigitado dispositivo constitucional, consoante se passa a demonstrar.

Numa retrospectiva, verifica-se que, no início, esse direito foi instituído com a denominação de gratificação de natal ou gratificação natalina, pela Lei n. 4.090, de 13/07/62. Antes desse diploma legal, essa gratificação tinha característica ou natureza de liberalidade, por ser sua prática espontânea dos empregadores.

esse pagamento foi estendido aos trabalhadores públicos, por meio da legislação dos entes federados, ficando absolutamente inserido na cultura brasileira, tanto que, com a Constituição da República de 1988, passou a figurar no rol dos direitos fundamentais sociais.

De gratificação natalina ou gratificação de natal, esse direito passou, na exata dicção do inciso viii do art. 7° da constituição Federal de 1988, a ser um décimo terceiro salário, ou seja, um salário extra anual.

esse direito, portanto, não tem relação direta com a contraprestação de serviço, tampouco se fundamenta no liame jurídico existente entre empregador e empregado.

o pagamento do décimo terceiro salário, em verdade, fundamenta-se, pelos registros históricos, na necessidade de oferecer aos trabalhadores um pagamento adicional em decorrência das despesas extras geradas pelas comemorações das festas de final de ano, sobretudo as do natal, hoje, com forte apelo ao consumo.

em última ratio, tal pagamento tem finalidade eminentemente econômica, eis que beneficia as atividades empresariais, com o aumento da produção e das vendas, e o próprio estado, por conseguinte, já que, com o aquecimento da economia nessa época, a arrecadação de tributos também tende a aumentar.

Portanto, a manutenção de vínculo político e, não, empregatício, entre a administração e o exercente de mandato eletivo não constitui, com efeito, óbice a que lhe seja pago décimo terceiro salário.

em razão disso, não me parece relevante o argumento de não ter a constituição estendido diretamente esse direito aos agentes políticos, como fez em relação ao servidor ocupante de cargo público. A uma, porquanto a fixação da remuneração de tais agentes é de competência das correspondentes casas legislativas, nos termos da própria lei maior da república.

a duas, porque, de igual forma, a carta magna, a par de também considerar a previdência como direito social, não disciplinou direta ou expressamente a

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aposentadoria dos agentes políticos exercentes de mandato eletivo. nem por isso, chegou-se a cogitar que a esse agente político fosse vedado tal direito.

Pelo contrário, o supremo tribunal Federal, ao enfrentar a questão, entendeu que lei editada pelo respectivo ente federal pode disciplinar a aposentadoria de parlamentares, mormente se for considerado o fato de se ter a bilateralidade das contribuições, v. g., no julgamento das adins 148-5/es, em 20/11/97 (DJ 20/11/97), e 512-0/Pb, em 03/03/99 (DJ 18/06/01), e do reX 199720-6/sP, em 29/6/98 (DJ 11/09/98).

nos citados arestos, a corte suprema brasileira entendeu que os agentes políticos exercentes de mandato eletivo são servidores em sentido lato ou amplo, ocupantes de cargo temporário, a que alude o § 2° do art. 40 da constituição Federal de 1988 (atual § 13 do art. 40 da cF/88, com a emenda constitucional 20/98).

sobre essa questão, colhem-se, do voto condutor do acórdão da adi 148-5/es, proferido pelo ministro ilmar galvão, os seguintes trechos:

realmente, não há como deixar de reconhecer que, pelo menos em seu mais amplo sentido, os membros do Poder legislativo — deputados Federais e senadores, no âmbito federal, deputados estaduais e distritais, no âmbito dos estados e do distrito Federal, e vereadores, no âmbito municipal — hão de ser considerados passíveis de ser abrangidos pelo conceito de servidor [...].

[...] ora, afigura-se certo afirmar que os membros do Poder legislativo, em geral, no desempenho de seu MANDATO — de exercício necessariamente limitado NO TEMPO [...] —, ocupam típicos CARGOS PúbLICOS TEMPORÁRIOS, os quais têm, na temporariedade, elemento ínsito à sua própria natureza. vale dizer, aliás, que aquele § 2° do art. 40 da carta de 1988 praticamente nenHuma aplicação teria, se não alcançasse os membros do Poder Legislativo.

a seu turno, também dos votos condutores proferidos pelo ministro marco aurélio, nos outros dois julgados que citei, extraem-se os seguintes excertos. na adi 512-0, S. Exa. assim pontificou: “a expressão ‘servidor público’, contida na Emenda n. 20, tem sentido abrangente e alcança, também, os agentes políticos”. desta feita, no rex 199720-6, o citado magistrado, ao interpretar o parágrafo único do art. 149, asseverou que “a alusão a servidores nele contida surge no campo da generalidade, albergando, assim, a situação dos próprios agentes do poder”.

somente essa senda descortinada pelo intérprete maior e guardião da constituição brasileira, é dizer, que os agentes políticos exercentes de mandato eletivo são considerados servidores, seria suficiente para dirimir qualquer dúvida a respeito dessa matéria, lançando pá de cal sobre a controvertida questão.

mas continuando na esteira da argumentação até então exposta, exegese reducionista ou restritiva do inciso viii do art. 7° da carta Federal de 1988 se harmoniza com os fundamentos da república Federativa do brasil que preconizam a preservação da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e, ainda, com o princípio

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da igualdade, sobretudo no campo da aplicação dos direitos sociais? a resposta, estou convencido pelos argumentos apresentados, é desenganadamente negativa, pois é indigno, injusto e desigual não considerar que a situação ensejadora de um salário extra ao trabalhador submetido a uma relação empregatícia também não atinge os demais trabalhadores, notadamente os exercentes de mandato eletivo municipal, simplesmente pelo fato de o vínculo mantido com o Poder Público ser de natureza política.

nessa linha de raciocínio, em homenagem à dignidade da pessoa humana, à valorização social do trabalho e ao princípio da igualdade da aplicação dos direitos sociais, é forçosa a conclusão de que é legítimo o pagamento de décimo terceiro salário ou subsídio ao exercente de mandato eletivo, observadas, por óbvio, as regras constitucionais e legais inerentes à fixação de remuneração para os agentes políticos municipais.

nem mesmo se pode cogitar que a regra contida no § 4° do art. 39 da constituição da república, com a redação dada pela emenda 19/98 — instituidora do subsídio único ao membro de poder, detentor de mandato eletivo, ministros de estado e secretários estaduais e municipais —, constitua óbice intransponível à instituição desse subsídio extra, a título de décimo terceiro salário ou subsídio ao agente político municipal.

É que, com essa sistemática remuneratória, o que ficou vedado foi o recebimento de quaisquer outros acréscimos pelo exercício do mandato eletivo, que passou a ser remunerado, exclusivamente, por subsídio fixado em parcela única. E não se pode olvidar que a expressão parcela única diz respeito, apenas e tão somente, ao estipêndio mensal a que fazem jus os agentes públicos remunerados na forma do dispositivo sob comento.

ora, o décimo terceiro salário, repita-se, não tem como fundamento a contraprestação de serviço ou, no caso específico, o exercício do mandato. Como fartamente demonstrado, o décimo terceiro consolidou-se como salário extra que tem, em última ratio, finalidade eminentemente econômica. isso porque tal salário extra, tradicionalmente concedido ao trabalhador brasileiro, objetiva fazer face às despesas geradas pelas comemorações de fim de ano, propiciando-lhe um Natal com mais fartura, o que, por conseguinte, provoca aquecimento da economia e maior arrecadação tributária.

Para ênfase dessa assertiva, louvo-me, uma vez mais, no magistério da Professora cármen lúcia, que assim discorre sobre o tema:

O subsídio é fixado em parcela única, mas a remuneração não necessariamente. Não há qualquer vedação constitucional a que os demais direitos dos agentes públicos, aí incluídos aqueles definidos na norma do art. 39, § 4°, venham a ser espoliados ou excluídos do seu patrimônio. nem o poderia, porque emenda constitucional não pode sequer tender a abolir, que dirá botar por terra, direitos fundamentais como aquele relativo ao pagamento no período de férias, o 13°, dentre outros, que alteram o valor remuneratório, mas não o valor do subsídio. [...]

subsídio não elimina nem é incompatível com vantagens constitucionalmente obrigatórias ou legalmente concedidas. o que não se admite mais é a concessão de um aumento que venha travestido de vantagem, mas que dessa natureza não é. A vantagem guarda natureza própria, fundamento específico e caracterização

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legal singular, que não é confundida com os sucessivos aumentos e aumentos sobre aumentos, que mais escondiam que mostravam aos cidadãos quanto cada qual dos seus agentes percebia em função do exercício do seu cargo, função ou emprego público (op. cit., p. 311 e 314).

nessa mesma linha, o superior tribunal de Justiça, em decisões recentes, no agravo regimental em resp 742.171-dF, DJe 02/03/09; no resp 1.006.606/dF, relatora laurita vaz, DJe de 15/09/08; e no resp 837.188/dF, relator Hamilton carvalhido, DJe 04/08/08, decidiu que o décimo terceiro salário, por ser um direito social, pode ser concedido ao agente político mediante lei.

Pelas razões expendidas, concluo que a câmara de vereadores, no uso da competência que lhe confere o inciso vi do art. 29 da carta Federal, e observados o princípio da anterioridade e os limites constitucionais e legais pertinentes à remuneração dos edis e às despesas do legislativo municipal, pode instituir o pagamento de décimo terceiro subsídio para os vereadores, por meio de lei específica.

A legalidade formal específica, com efeito, impõe-se no caso da fixação da remuneração dos agentes políticos municipais, incluídos os vereadores, a teor do que dispõe o inciso X do art. 37 da constituição da república, com a redação dada pela ec 19/98, e ainda com fundamento nas razões por mim aduzidas no processo n. 752.708, que também agrego ao presente voto.

o processo legislativo, nesse caso, é mais consentâneo com a república e com os princípios que regem o estado democrático de direito, por propiciar maior transparência e publicidade ao ato de fixação dos subsídios dos edis, possibilitando controle mais amplo e eficaz pela sociedade, afinal de contas trata-se da criação de dispêndio a ser custeado com recursos públicos.

VOTO

assim sendo, acompanho o voto do relator, conselheiro antônio carlos andrada, exceto na parte que S. Exa. admite a fixação do décimo terceiro salário ou subsídio para o vereador também por meio de resolução, a critério da câmara de vereadores, pois entendo que deva ser feita por lei específica.

a consulta em epígrafe foi respondida pelo tribunal Pleno na sessão do dia 30/06/10 presidida pelo conselheiro antônio carlos andrada; presentes o conselheiro eduardo carone costa, conselheiro elmo braz e conselheira adriene andrade, que aprovaram o parecer exarado pelo relator, conselheiro antônio carlos andrada. vencido em parte o conselheiro em exercício gilberto diniz. vencido na totalidade o conselheiro substituto Hamilton coelho.