pÓs modernismo

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1 A QUESTÃO DO PÓS-MODERNISMO NA ARQUITETURA Resumo O artigo analisa a Arquitetura Contemporânea, defendendo as diversas maneiras de fazer arquitetura. O Pós-Modernismo se apresenta de modo complexo e amplo. O entendimento da sua essência é mais importante do que a sua forma, já que os arquitetos normalmente adotam estratégias formais de fazer arquitetura, esquecendo desta leitura à nossa realidade cultural e relações históricas. Elementos arquitetônicos ornamentais foram utilizados de forma intensa por volta de 1900. Arquitetos e construtores, nos anos seguintes, utilizam materiais como o concreto, as armações de ferro e o vidro experimentados de diversas maneiras ao longo do século XIX. Apesar do Movimento Moderno, durante pelo menos cinqüenta anos, refletir uma tentativa de internacionalizar e tornar unificada a arquitetura de uma forma generalizada, sua essência conceitual permite interpretações diversificadas. O modernismo, renovação decorativista de fins do século XIX, refletiu-se a toda inovação artística e arquitetônica, caracterizada por inúmeras designações, dentre elas o cubismo, o funcionalismo, o neoplasticismo e o futurismo. O Estilo Internacional, também designado funcionalismo, foi uma das variações do Movimento Moderno em arquitetura mais criticado, constituindo a antítese pós- modernista. A teoria funcionalista, segundo Corona e Lemos (1972, p. 231), significa em primeiro plano “(...) adaptação à função para assegurar a melhor expressão de beleza. O que faz surgir, na segunda década do século XX, a expressão de Le Corbusier: a casa é uma máquina de morar (...)”.

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Page 1: PÓS MODERNISMO

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A QUESTÃO DO PÓS-MODERNISMO NA ARQUITETURA

Resumo

O artigo analisa a Arquitetura Contemporânea, defendendo as diversas maneiras de fazer arquitetura. O Pós-Modernismo se apresenta de modo complexo e amplo. O entendimento da sua essência é mais importante do que a sua forma, já que os arquitetos normalmente adotam estratégias formais de fazer arquitetura, esquecendo desta leitura à nossa realidade cultural e relações históricas.

Elementos arquitetônicos ornamentais foram utilizados de forma

intensa por volta de 1900. Arquitetos e construtores, nos anos

seguintes, utilizam materiais como o concreto, as armações de ferro

e o vidro experimentados de diversas maneiras ao longo do século

XIX.

Apesar do Movimento Moderno, durante pelo menos cinqüenta

anos, refletir uma tentativa de internacionalizar e tornar unificada a

arquitetura de uma forma generalizada, sua essência conceitual

permite interpretações diversificadas.

O modernismo, renovação decorativista de fins do século XIX,

refletiu-se a toda inovação artística e arquitetônica, caracterizada por

inúmeras designações, dentre elas o cubismo, o funcionalismo, o

neoplasticismo e o futurismo. O Estilo Internacional, também

designado funcionalismo, foi uma das variações do Movimento

Moderno em arquitetura mais criticado, constituindo a antítese pós-

modernista. A teoria funcionalista, segundo Corona e Lemos (1972,

p. 231), significa em primeiro plano “(...) adaptação à função para

assegurar a melhor expressão de beleza. O que faz surgir, na

segunda década do século XX, a expressão de Le Corbusier: a casa é

uma máquina de morar (...)”.

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Os inovadores do século XX teorizaram uma nova estética que

recusa a ornamentação. A estrutura é valorizada em si mesma, isto

é, utilizam-se apenas componentes essenciais à construção. O

programa modernista se propunha à criação de uma arquitetura

voltada aos problemas contemporâneos e dinâmicos, rompendo com

a história da arquitetura e, portanto, com todos os estilos. Buscava-

se a pureza formal e a cristalização dos valores conceituais do

movimento.

Formalmente havia a tendência de empregar volumes simples e

retangulares, utilização de formas cúbicas e especialmente a adoção

da planta livre. Enfatizavam a idéia de flexibilidade atendendo a

programas de interiores móveis, adequando o edifício ao aspecto

funcional, dando-se ênfase ao espaço curvo e volumes independentes

da estrutura. A arquitetura moderna privilegiava os ângulos retos,

utilizando elementos pré-fabricados, tanto em edifícios residenciais

como em prédios comerciais ou até mesmo em igrejas; todos

tratados sem adornos, evidenciando sua funcionalidade.

Müller y Vogel (1995, p. 505) caracterizam bem esta

peculiaridade de as forma puras serem representadas através de

corpos geométricos elementares, ao comentarem que:

Em sua pureza matemática, parece ser fundamento apropriado construir um novo começo na arquitetura. Não estão ligados aos estios do passado, ao mesmo tempo correspondem às leis cósmicas e a razão abstrata do desenho e simbolizam as virtudes que a revolução deseja implantar na sociedade humana.

Em relação ao desenho urbano, ocorreu a implantação do

zoneamento funcional nas cidades, marcando, assim, os espaços para

morar, trabalhar e demais atividades humanas de forma

independente. Com o objetivo de obter maior eficiência, paradigmas

como a regularidade desenharam um tipo padronizado de habitação

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urbana com pré-demarcação do sistema viário. As cidades eram

edificadas engenhosamente em concreto, aço e vidro, estampando

frieza racionalista sem se fundir com os edifícios mais antigos e

tradicionais. Com sua estética própria, as novas construções

fundamentaram-se em princípios positivistas, evidenciando economia,

claridade construtiva e correção funcional.

A crítica ao funcionalismo foi enunciada evidentemente por Rossi

(1995, p. 32), quando faz referência aos fatos urbanos tomados

como mero problema de organização; “(...) os monumentos e a

arquitetura não têm razão de ser (...). Posições deste tipo adquirem

um caráter claramente ideológico quando pretendem objetivar e

quantificar os fatos urbanos; estes, vistos de maneira utilitarista, são

encarados como produtos de consumo.”

O conflito foi claramente estabelecido pelas premissas do

Movimento Modernista. Se por um lado este se propunha a ser algo

objetivo e eficiente, como poderia o Estilo Internacional deificar a

busca da originalidade em arquitetura? A ênfase à originalidade a

todo custo sugeria que a arquitetura deveria ser constantemente

reinventada. Conseqüentemente, a identificação com o meio de

tornava difícil.

Com a imposição de seus valores e códigos, a Arquitetura

Moderna estabelecia seu movimento utópico universalista. Esta

imposição de linguagem conceitual característica, resultava na não

absorção de detalhes urbanos locais importantes para a relação do

arquitetônico com o contexto. A tentativa de criação desta nova

sociedade levou à despersonalização do ambiente construído, tendo

por base um homem universal e hipotético. Os espaços públicos das

cidades modernistas perderam a sua significação já que fora

eliminada a escala entre o humano e o objeto arquitetônico, onde os

edifícios existiam como pontos isolados em amplas áreas. Kohlsdorf

(1996, p. 24) assinala que “(...) a noção de unidade no conjunto é

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substituída pela de aglomeramento, ou seja, contexto onde não

existem leis coerentes de relacionamento entre os elementos nem

significado da ordem de composição.”

Soluções para problemas de habitação coletiva perderam o

aspecto qualitativo, já que o ponto fundamental era colocar em

prática paradigmas de renovação urbana modernista tendo como

base o procedimento de destruir o estoque imobiliário e ali construir

novas e modernas edificações, perdendo, assim, as referências com o

contexto histórico existente. Este jogo formal modernista começou a

ser questionado no final da década de cinqüenta por muitos

arquitetos, em diversas partes do mundo.

O Pós-Modernismo surgiu, não como um movimento unificado de

programa internacional. Levou em consideração a história como fonte

de informação e também a consciência de que a arquitetura

contemporânea não surgiu para mudar a sociedade, tendo apenas um

embate específico sobre ela. Assim, a arquitetura pós-moderna é

tratada como um pano de fundo para o ser humano real, isto é, os

aspectos como a recuperação histórica da arquitetura (tipologias) e a

relação do edifício com o meio urbano, harmonizando-o com o

entorno, são levados em consideração, colocando em destaque

aspectos qualitativos e não necessariamente revolucionários.

As correntes de pensamento neo-racionalista e contextualista se

fundamentam na crítica ao modelo modernista e seu impacto no meio

ambiente urbano. Estas teorias, apesar de serem distintas em alguns

pontos, entendem o espaço urbano e arquitetônico como algo criado

intencionalmente, tendo os objetos que o compõe constante relação

de contigüidade.

Neste plano, a criação do arquiteto ocorre através da

identificação do espírito deste espaço cultural: construindo

necessariamente o lugar e não no lugar. Já a teoria modernista

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identificava o espaço com ou sem objetos, não levando em conta a

harmonização com o entorno.

Os neo-racionalistas italianos dos anos sessenta consideravam as

estruturas e objetos como ferramentas dos arquitetos para a

intervenção urbana. Percebiam a cidade como uma invenção coletiva,

onde as pessoas poderiam interferir e organizar o plano da cidade e

discutir sua relação com o urbano. Esta relação do homem com a

cidade lembra a interdependência do cidadão grego com áreas da

cidade como a ágora1

Este pensamento neo-racionalista torna o espaço urbano

articulado com pontos específicos e de destaque de uma cidade.

Estes “monumentos”, dentro do espaço urbano como museus, escolas

e prédios de notoriedade histórica, mesmo mudando de função ao

longo do tempo, representam a memória de seus habitantes

resgatando a sua importância e condição histórica. Percebe-se

claramente que os pós-modernistas tentaram recuperar a relação

destes monumentos dentro do espaço da cidade com o ser humano.

Voltaram a olhar a história como algo de criação, mas não

necessariamente os resultados arquitetônicos precisavam ser

reinventados permanentemente. Nesta significação, os espaços

públicos têm destaque fundamental nas decisões urbanas, ao

contrário da arquitetura modernista que levava em consideração

onde grande parte da população poderia

reunir-se e reconhecer-se como uma comunidade orgânica. Neste

equipamento urbano organizado, tomavam-se decisões diversas,

debates eram implementados, conselhos reuniam-se em torno de

um espaço delimitado por edificações também comerciais,

expressando unidade comunitária.

1 Ágora era a praça principal na constituição da pólis, a cidade grega da Antiguidade clássica. Normalmente era um espaço livre de edificações, configurada pela presença de mercados e feiras livres em seus limites, assim como por edifícios de caráter público. Enquanto elemento de constituição do espaço urbano, a ágora manifesta-se como a expressão máxima da esfera pública na urbanística grega, sendo o espaço público por excelência.

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especificamente a esfera privada, fazendo intervenções pontuais e

acarretando a perda da qualidade do espaço urbano como um todo.

Enquanto os modernistas conceituavam espaço urbano com

características impessoais, quantitativas e abstratas como relações de

distância, forma e materiais específicos para inúmeros e

diversificados tipos de edifícios e, sobretudo não levando em conta

sua localização e aspecto contextual histórico, os pós-modernistas, ao

contrário, retomaram o conceito de espaço transformando-o em

lugar. Resgataram materiais, cores, luz, associações históricas locais,

culturais e sociais; enfim, aspectos qualitativos deixados de lado

pelos pioneiros modernistas.

O edifício para a arquitetura pós-moderna é um fragmento de

um todo maior que para a sua criação foram utilizadas partes de

elementos da arquitetura tradicional levando em consideração o

contexto, tornando-o atual. Sobre a reintrodução destas ferramentas

no panorama pós-modernista como elementos históricos, Mahfuz

(1989, p. 74) comenta que “(...) a maneira certa de usar a história é

procurar os seus valores essenciais, e não usar suas formas, pois

estas estão sempre ligadas a circunstâncias locais e temporais”.

Buscando uma nova arquitetura, os neo-racionalistas utilizaram

elementos da história, continua Mahfuz (1989, p. 74), não de uma

forma literal, “(...) já que para eles as linguagens da arquitetura do

passado estão mortas e só podem ser usadas hoje com objetivos

comerciais (...)”, mas, sobretudo, buscando sua reelaboração e

interrelação com o contexto histórico atual.

A maneira contextualista de interpretar a arquitetura pós-

moderna revela as cidades e seus edifícios como um pano de fundo

harmonicamente tecido onde o espaço existente é interrelacionado

com os prédios circundantes. Em oposição ao modernismo, a

arquitetura pós-moderna apenas destaca do conjunto os edifícios de

significação coletiva. Tanto o contextualismo cultural com suas

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formas e materiais em uma nova leitura dos edifícios, como o

contextualismo físico onde o traçado urbano é reinterpretado levando

em consideração aspectos subjetivos; visam sobretudo, à qualidade

de vida do ser humano.

Esta arquitetura leva em conta as mudanças processadas no

contexto histórico. É um processo no qual arquitetos, engenheiros e

usuários desafiam, em conjunto, problemas específicos, mas com

perspectiva ampla e sócio-cultural. A diversidade de atividades

estéticas do arquiteto frente à realidade é tão multifacetária quanto

são variados os fatores sociais e culturais.

O desenvolvimento da sociedade moderna, baseada na

abordagem científica positivista, prometia criar uma nova arquitetura.

Mas, de que maneira a arquitetura moderna modificou o nosso

ambiente?

Soluções alternativas para problemas arquitetônicos foram

propostas pelos pós-modernistas. Dentre algumas proposições

projetuais da arquitetura contemporânea destes últimos anos

podemos citar com relevância:

1- recuperação da história como elemento do projeto;

2- tentativa de recuperar o staus perdido pelo arquiteto, há que

durante o modernismo este preocupava-se em trabalhar com

conceitos, não levando em consideração os interesses ou a

própria vida do usuário;

3- a leitura da essência dos elementos que compõe a cidade

existente e só, então, realizar a arquitetura abstrata;

4- os arquitetos pós-modernistas trabalham de maneira

diversificada, conforme o local e as características deste local

(ecletismo);

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5- busca da integração com o contexto, tanto durante a

organização compositiva (materiais quanto durante o

estabelecimento de ambientes formais: contextualismo;

6- ter a clareza de que é impossível voltar a história, muito

menos usá-la de forma literal;

7- uso da alta tecnologia. Resolução de problemas de modo

tecnológico e expressivo;

8- arquitetura como manifestação de conceitos onde é tênue o

limite entre a arquitetura e a arte: arquitetura conceitual.

A arquitetura contemporânea tende a aceitar a coexistência de

várias maneiras de fazer arquitetura. Assim, o Pós-Modernismo se

apresenta de modo complexo e amplo. O entendimento do conteúdo

desta tendência é mais importante do que sua forma, já que

normalmente adotamos estratégias formais de fazer arquitetura,

esquecendo da adaptação desta leitura à nossa realidade cultural e

relações históricas.

Referências Bibliográficas

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Edart, 1972. GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1993. HERTZBERGER, H. Lições de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes,

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VYGOTSKY, L. S. Psicología del arte. Barcelona: Barral, 1972.

FLÁVIA TRONCA www.flaviatronca.com.br