portugal na i guerra mundial teatro de operaÇÕes

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Fundada em 1848 2ª Época 1905 Publicação iniciada em Janeiro de 1849 Pessoa Coletiva de Utilidade Pública II Século – 68º Volume – N.º 5 Número Temático – Maio de 2016 PORTUGAL NA I GUERRA MUNDIAL TEATRO DE OPERAÇÕES EUROPEU (1914-1918)

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Page 1: PORTUGAL NA I GUERRA MUNDIAL TEATRO DE OPERAÇÕES

Fundada em 1848 2ª Época 1905Publicação iniciada em Janeiro de 1849

Pessoa Coletiva de Utilidade Pública

II Século – 68º Volume – N.º 5

Número Temático – Maio de 2016

PORTUGAL NA I GUERRA MUNDIAL TEATRO DE OPERAÇÕES EUROPEU

(1914-1918)

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AtransformaçãoeliçõesdaGrandeGuerra

Tenente‑coronelAbílioPiresLousada*

* SócioEfetivodaRevistaMilitar.

RevistaMilitar

N.ºTemático–maio2016

pp.389‑428

OrostodaguerraAIGuerraMundialdeflagrouem28dejulhode1914,comadeclaração

de guerra daÁustria‑Hungria à Sérvia, e terminou em11denovembrode1918,comaassinaturadoarmistíciopelaAlemanha.Foramcercadequatroanos e quatromeses de uma guerra generalizada que varreu sobretudo ocontinenteoeuropeu,passouporÁfricaepelaÁsia,marcoupresençanosoceanosAtlântico,ÍndicoePacíficoeemmares interiorescomooMediter‑râneoeoArábico.Trata‑sedeumaguerraquemobilizoucontingentesmili‑taresdoscincocontinentes–Europa,África,Ásia,AméricaseOceânia–equenofinalresultouemcercade10milhõesdemortosequaseodobrodeferidosedesaparecidos,80%dosquaismilitares.

Nofim,quatrodinastiassecularesextinguiram‑se–Hohenzollern,naAle‑manha,Habsburgo,naÁustria,Romanov,naRússia,eOtomana,naTurquia–,trêsimpériosdesapareceram–Alemão,Austro‑HúngaroeTurco–,omapamundifoiredesenhadoeaEuropaperdeuaexclusividadedosassuntosge‑opolíticosinternacionais.

Olhandoparaasconsequênciasequandopercebemosque,aolongododecéniode1920,osprincipaisbeneficiáriosdaguerraforamosEstadosUni‑doseoJapão,potênciasnãoeuropeias,élegítimoperguntarseeraestedayafterqueosprincipaisbeligerantespretendiamquandocolocaramosmotoresemmarchanesseverãode1914.Arespostaé,seguramente,negativa.

Assimsendo,aperguntainevitáveléporqueforamasgrandespotênciaspara uma guerra que se tornoumundial e que, no imediato, deixaram deconseguircontrolar?Ou,formulandoaquestãodeoutraforma,aguerraera

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inevitávelatendendoaoscatalisadoresgeraisqueaprecederam?Atendênciahistoriográficaalinhaporumarespostaafirmativa.Outramáxima,inerenteàscausas do conflito, centra‑se na sua inevitabilidade após o assassinato deSarajevo,enquantocatalisadorespecífico.Overãoquentede1914,operíodoentre 28 de junho (assassinato de Francisco Fernando da Áustria) e 28 dejulho(iníciodaguerra)descontrolouootimismodealgunsdosbeligerantes,quemergulharamalegrementenoapocalipsequesobreelesseabateu.

OutraquestãoamerecerponderaçãoéassumiraAlemanhacomoexclu‑sivaculpadadaguerra.Afinal,issomesmoficouplasmadonoartigo231.ºdoTratadodeVersalhes.Edentrodestaculpabilidadeestatal,éokaiserGuilher‑meIIquemsurgecomoónusdaresponsabilidade.EmVersalhes,prevaleceuamáximadeRichelieudeque,empolítica,osfracos(eosvencidos)nuncatêmrazão.Porém,tambémnestecaso,impõe‑seumaanálisecuidada;afinal,aguerracontoucommaisdetrintabeligerantes,quatrodosquaispertencen‑tesàsPotênciasCentrais,queaperderam,eentreosvencedores,estãoco‑lossosimperiaiscomooReinoUnido,aFrançaeaRússia.

Umdado,porém,parececerto,aAlemanhaécasusbelli,oquenãosig‑nificaquedetenhaaexclusividadedaculpa.Deigualmodo,deve‑seirparaalémdokaiserGuilhermeII,atéOttoBismarckeaAlemanhaqueochan‑celerdesenhouem1871,umpresentefuturodaguerrade1914‑18.

1.Casus Belli – Desequilíbrio da balança depoderesOlhando amontante e definindo catalisadores gerais como causas da I

GuerraMundial,identificamoscinco:(i)aunificaçãodaAlemanha,em1871,eaconcretizaçãodoIIReich;(ii)aConferênciadeBerlimde1885eapar‑tilha de África; (iii) a competição naval Anglo‑Alemã, a partir da primeiradécadadoséculoXX;(iv)osistemamultipolarestatalencerradonabipola‑ridadedasalianças;(v)aposturadeterministadasgrandespotências.

AcriaçãodoIIReichAlemão,dokaiserGuilhermeI,em1871,éacausainicial.O centro da Europapassou a ser ocupadopor umnovo e pujanteEstadoque,paraoefeito,tinhaderrotadodoisdospaísesfundadoresdanovaordem, em duas rápidas e conclusivas campanhas militares: a Áustria, em1866,eaFrança,em18711.OchancelerOttoBismarckpercebeu,noentan‑to, que para a Alemanha se sentir segura e suficientemente forte, por um

1 DonaldKagan,SobreasOrigensdaGuerraeaPreservaçãodaPaz,1.ºVol.,Braga,TemasdaActualidade,1995.

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lado,enãoinquietarosvizinhos,poroutro,tinhaquedarlargasaumadi‑plomaciadeacomodaçãoedecooperação.Ouseja,paraaAlemanhaestarsegura, os outros Estados tinham igualmente que se sentir seguros. Para oefeito,protegeuaÁustriacontraaRússia,limitouasambiçõesdeVienanosBalcãsparanãohostilizarMoscovo,demitiu‑sedeantagonizaroReinoUnidona esfera naval,motivou a França na edificação do império africano e foicompreensível face às ambições da Rússia no Extremo Oriente e na ÁsiaCentral2.Porém,anovaAlemanha,aindatementedosvizinhosqueacerca‑vam,sobretudodaFrançaaOeste,edaRússia,aLeste,erafontedeinquie‑tações,necessitavademostrarcontençãoestratégicaebonsofíciosdiplomá‑ticos. O equilíbrio da balança de poderes ainda era um bom modelo decoexistênciaeuropeu.Bismarckpercebeu‑o;GuilhermeIInegligenciou‑o.

ApartilhadeÁfricaéasegundacausa.NaAlemanha,aquestãorelativaà colonização revelou‑se sensível para uma potência que não tinha a suaÍndia,comooReinoUnido,ouasuaArgélia,comoaFrança;ocupouparce‑las territoriaisnaÁfricaenoPacífico,maso seu impérioera insignificantequandocomparadocomodaquelespaíses.Até apequenaBélgica tinhaoseuimensoCongoePortugalvastosdomíniosafricanos.AAlemanhapreco‑nizavaumimpérioàsuaimagemesemelhança,masaambiçãorevelava‑sedificultadapelofactodeamaioriadascolóniasdaÁfricaedaÁsiaestaremocupadas3.ÉverdadequeBismarckencorajouaexpansãodaRússiaparaaÁsia,daFrançaparaoNortedeÁfricaedaItáliaparaocornoafricano,en‑quanto formademanteros rivaisocupadoseatédecontrair ahegemoniaimperial do Reino Unido. Mas, a seu tempo, a Alemanha perceberia quetambémelaeosseus60milhõesdehabitantesnecessitariamdepossessõesquelhedessemumaimagemdeimpério.

O terceiromomento a equacionar é a competição naval entre o ReinoUnidoeaAlemanha.QuandoGuilhermeIIafastouBismarckdachancelariadoReich,aAlemanhaeraamaiorpotênciaterrestredocontinente,sóriva‑lizadapelaRússiarelativamenteaopoderdonúmero.Comquem,deresto,tinharelaçõesdeconvergência.Relativamenteaosmares,eraaceiteahege‑monianavalbritânicaeosseusincomparáveisdomíniosimperiais,queiam“daAustráliaaoCanadá,doCaboaoEgipto,incluindoapenínsuladoIndos‑tãoepartesignificativadaÁfrica,dasAntilhasedoExtremoOriente”4.Acon‑

2 JaimeNogueiraPinto,IdeologiaeRazãodeEstado.UmaHistóriadoPoder,Porto,Civiliza‑çãoEditora,2013.

3 MargaretMacmillam,AGuerraqueAcaboucomaPaz,Lisboa,TemaseDebates/CírculodeLeitores,2014.

4 JaimeNogueiraPinto,ob.cit.

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tece que o kaiser resolveu alterar o contexto. Para o efeito, denunciou asparceriasacordadascomaRússia,queseaproximoudaFrança,eambicionouumamarinhadeguerraequivalenteàbritânica,definindoaTeoriadeRisco,doalmiranteTirpitz,quechocoucomaBlueWaterStrategybritânica.Reve‑lou‑seumpassoperigoso.AAlemanhanão se limitavaaquerer serpodercontinental.Issomesmoanunciouokaiserafirmandoque“aAlemanhatinhagrandes tarefasadesempenhar foradosestreitos limitesdavelhaEuropa”5.Consequentemente,assumindoumaestratégiadedomíniomundial(Weltpo-litik)aAlemanhacolocouaEuropanumstatusde«pazarmada»6,obrigandoaparceriasdedetençãohegemónica.

Oquartopassorefere‑seaosistemadealiançasformadopelaspotências.Aofindaradécadade1900,osdadosmaismarcantesdaconjunturareferiam‑‑seàcapacidadedaFrança,queromperaoforçadoisolamento,àposturadoReino Unido, que abandonara o autoisolamento, à Alemanha, que ficavaisoladadeformaesplêndida,eàRússia,quedeixavadeseroeternoisolado.França,ReinoUnidoeRússiatinhamumaEntenteparaaprofundarpolíticaemilitarmente, enquanto a Alemanha, apesar da Tríplice Aliança, se sentiaEinkreisung (cercada)ecomumapolíticade segurançaedefesa forçadaàMachtpolitik (podermilitar).AAlemanha, realmente,ecomo infereDonaldKagan,“tinha‑secercadoeexcluídaasiprópriadograndeconcertodopoder.Através dos seus esforçosmal orientados, tinha virado contra si a própriafórmula de Bismarck de ser sempre um dos três estados num sistema decinco”7. Já sobre as parcerias decididas pelo Reino Unido, Niall FergusonanotaofimdaPaxBritânnica,istoé,aincapacidadedo“maiorimpériodomundo para limitar as ramificações globais de uma crise continental”8. Osdadosestavamlançadoseasaliançasdefinidas;doisblocospolíticosemili‑taresconstituídosporpotênciasdeprimeiraordem.OqueequivaleadizerqueamultipolaridadedosEstadosseencerrounabipolaridadedasaliançastriplas,queserevelaramcomocompromissosdeguerra.

ATrípliceAliança,constituídapelaAlemanha,aÁustria‑HungriaeaItáliadata do tempo de Bismarck (1882) e chega à década em que deflagrou aguerra relativamente frágil em termos de coerência cooperativa (Áustria‑‑HungriaeItália)eparidadeestratégica(supremaciaabsolutadaAlemanha).

5 PaulKennedy,AscensãoeQuedadasGrandesPotências,RiodeMouro,PublicaçõesEuro‑pa‑Améria,2007.

6 RenéRémond,IntroduçãoàHistóriadoNossoTempo.DoAntigoRegimeaosNossosDias,Lisboa,Gradiva,2009.

7 DonaldKagan,ob.cit. 8 NiallFerguson,AGuerranoMundo,Porto,EditoraCivilização,2006.

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Anotacaraterísticaresidianopoderdemográfico,industrialemilitardaAle‑manha,naheterogeneidadedemo‑culturaldaÁustria‑Hungriaenaduvidosaconvicção da Itália enquanto membro da Aliança9. Juntos, os três Estadostinhampertode 150milhõesdehabitantes, confinavam territorialmentenocentrodaEuropaetinhamviasabertasparaomardoNorteeoMediterrâneo.Oqueequivaleadizerquetinhamumaconsiderávelfontederecrutamento,umaligaçãoterritorialecoordenaçãomilitarfluida,capacidadedeblindaremo seu espaço de interação e possibilidade de projeção naval. No entanto,algumasdasvantagenseramconstrangimentosateremconta,nomeadamen‑teofactodeoconjuntopoderserbloqueadoporterra(FrançaeRússia)epormar(FrançaeReinoUnido),oquesetornounotórioapartirdomomen‑toemqueaItáliaabandonouaTrípliceAliança.

ATrípliceEntentecompreendiaaFrança,aRússiaeoReinoUnido,defi‑nidanoseuconjuntoem1907,mascomproblemasdeconfiançaeaprofun‑damentoderesponsabilidadesmútuas.Osseustrunfosresidiamnovalordoexércitofrancês,nopoderdonúmerorussoenopodermarítimoeriquezaimperialdoReinoUnido10.No total, tinhamcercade240milhõesdehabi‑tanteseumafortepresençanomardoNorte(ReinoUnido)enoMediterrâ‑neo(França).Asuavantagemconsistianacomplementaridadedepotencia‑lidades entreomar e a terra eos constrangimentos incidiamnadispersãoterritorialenasdificuldadesdecondenaçãodascapacidades.

Duasaliançaseseispotênciasqueseequivaliam,semumpêndulodesti‑nadoamarcaroritmodeumsistemaondeoscompromissosnãoexistiam;oequilíbriodepoderesdeixou simplesmentedeexistir11. Poder‑se‑ia argu‑mentar que os Estados dos dois blocos tinham sobretudo uma perspetivasecuritáriaecooperativa,precavendo‑sedefraquezasestratégicasindividuaisatravésdaforçadoconjunto:aAlemanhatemiaumcercofranco‑russo,so‑nhava esbater a supremacia naval britânica e pretendia expandir‑se paraLeste à custa da Rússia; a Áustria‑Hungria debatia‑se com o nacionalismoeslavonoseuseioeaingerênciarussanaregião,debatendo‑secomaesta‑bilidade no império; a Itália pretendiamanter‑se atuante noMediterrâneo,controlaroAdriáticoeabsorverasregiões irredentasdeTrentoeTrieste;aFrançareceavaaAlemanha,aomesmotempoquepretendiaarecuperaçãodaAlsácia e da Lorena; a Rússia apavorava‑se coma vizinhança germano‑‑austríaca,enquantoassumiaaproteçãodosEslavosdoSulcontraaÁustriaedesenhavaumasaídaparaosmaresquentesatravésdeterritórioturco;o

9 J.BruneteM.Launay,EntreasDuasGuerras,Lisboa,D.Quixote,2000.10 J.BruneteM.Launay,ob.cit.11 HenryKissinger,Diplomacia,Lisboa,Gradiva,1996.

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ReinoUnidosentiaaAlemanhademasiadoostensivaetinhaporintençãoapreservaçãodostatusquoimperial12.

Porfim,apesardeaguerraeclodirnoseguimentodoatentadodeSaraje‑vo,énafixaçãopsicológicadeterministadaRússia,daAlemanhaedaÁus‑tria‑Hungriaqueasmotivaçõesdefinitivasdevemserencontradas.Relativa‑menteàRússia,aquestãoremontaa1908,quandoÁustria‑HungriaanexouaBósnia‑Herzegovina,queadministravaunilateralmentedesde1878,aoarre‑pio da tutela turca de jure, dos interesses da Sérvia nas províncias e daaceitabilidadedaRússiafaceàhegemoniaHabsburgonaregião.Odesinte‑resse anglo‑francês pelas questões balcânicas e o acintoso apoio alemão àanexação austríaca fizeram recuar a Rússia e obrigou a Sérvia a capitular.MoscovosentiuoconstrangimentoeaSérviaahumilhação.Situaçãoseme‑lhanteaconteceucomaAlemanhanacrisemarroquinadeAgadir,em1911.UmcontenciosocomaFrançadevidoàintromissãomilitardestaemMarrocosaoarrepiodeconsultadaAlemanha,conformeconsignado,motivouokaisera enviar uma canhoeira para a região, numa clara demonstração de força,ameaçandocomaguerra.Tratou‑sedeumtesteàcoesãodaEntenteanglo‑‑francesa, que não vingou. O Reino Unido não só apoiou as pretensõesfrancesasemMarrocoscomoinstouàretiradaalemãatrocodeconcessõesterritoriaisnaÁfricaCentral.Maisumavezmelindrada,comojásucederaemAlgeciras,em1905,Berlimsentiuotoque.

Porfim,asguerrasbalcânicasde1912e1913,cujoresultadofoidesfavo‑rável aos interesses daÁustria‑Hungria. Em1911, firmou‑se na regiãoumaligaantiturcadestinadaadesalojarosotomanosdosBalcãs.Sérvia,Bulgária,GréciaeRoménia,potenciaisaliadosdaRússianoentenderdeViena,aten‑dendoà línguaeslavae à religiãoortodoxa,unemesforçosmilitares e,nooutonode1912,forçaramaretiradadoImpérioOtomanodosBalcãs.Apro‑veitandoocontexto,aRússiareforçouposiçõesnaGalíciaenaBósnia,au‑mentandoatensãocomaÁustria.Noanoseguinte,eporqueaBulgáriaeaSérvia,principaisbeneficiáriosdaderrotaturca,nãoseentenderamrelativa‑menteàpossedaMacedónia,eclodeumaguerraentreambas.ContandocomoapoiodaGrécia,daRoméniaeatédaprópriaTurquia,aSérviaderrotaaBulgária. E, assim, aÁustria‑Hungria vêdois potenciais aliados (Bulgária eTurquia),ecomquemconfinaterritorialmente,derrotados,einquieta‑secoma Sérvia, que ameaça a sua suseranianaBósnia‑Herzegovina e sonha comumaGrandeSérviaàcustadeterritóriostuteladosporViena.AtensãosobeeaguerrasónãodeflagradevidoàsintervençõesdoReinoUnidojuntodaRússiaedaAlemanhajuntodaÁustria.

12 MargaretMacMillall,ob.cit.

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Destaforma,apartirdaformaçãodasalianças,doevoluirdascrisesedoclamorcrescentedassociedades,adiplomacia,enquantocorreiadetransmis‑sãodosEstados,cedelugaraosestadosdealmados«príncipes»eaoarreba‑tamentodosestrategas.Queconfluemcomofalcõesfaceaosacontecimentosdo verão de 1914, onde se mistura uma “espécie de determinismo fatal, oacaso,oparadoxoeatéaincompetênciarecompensada”13.

Daspalavrasaosatos;afatalidadeguerreiradosestrategasimpôs‑se.Che‑gavaahoradeaferirosplanosdeguerrae,comeles,osplanosdeproduçãoeaquisiçãodemeiosmilitares,demobilizaçãoepreparaçãodecontingentes,deprojeçãode forças edeoperações. E, assim, comas fábricasprontas alaborar armamento e equipamentos, os cidadãos aptos a serem chamadosparaasfileiras,asvias‑férreasoleadasparatransportaremforçasparaafren‑teeosplanosdeoperaçõesaferidosparaumaguerraofensiva,quegaran‑tisseumavitóriarápidaeconclusiva,bastavaosinaldeignição.QuefoidadoquandoaSérvianãoaceitouascondiçõesdoultimatoaustríaco(25dejulho)easprimeirasgranadascaíramemBelgrado(29dejulho).ComoaAlemanhaapoiouaagressãoaustríacaeaRússianãodesamparouaSérvia,osistemadealiançasdisparou.NaRússiaprocedeu‑seaoPeríodoPreparatórioparaaGuerraereviu‑seoPlanodeMobilizaçãoN.º19,naAlemanhaproclamou‑seoEstadodePerigodeGuerra e aferiu‑seoM-TAG–DiadaMobilização eemFrançaavançou‑secomLaCouverture14.

2.AtransformaçãodaguerraDavidStevensonanalisaaIGuerraMundialdeacordocomumconjunto

deparâmetrosquemerecemservirdeprólogoaopresentecapítulo.Começaporaferirasrazõesquealastraramaguerraaoutrasfrenteseaoutroscon‑tinentes.Depois,prende‑secomosobjetivosdeguerradosbeligeranteseosconstrangimentos ocorridos para um compromisso de paz em tempo útil.Seguem‑seasestratégiasmilitaresterrestreseasofensivasdesencadeadaspararomperafrentedoadversário.Emcomplemento,relacionaquestõesdeordemtática,tecnológicaelogísticaenquantocondicionantesdasestratégiasdefini‑das,originandobatalhasdedesgaste.Aduzaindaaemulaçãoguerreirasemprecedentesporpartedoscombatentes,decorrentesdossistemasderecruta‑mentodospaíses.Relacionaamobilizaçãodaeconomiaeo financiamentodaproduçãodeguerra.Porfim,infereafrentedomésticaaoníveldacapa‑

13 JaimeNogueiraPinto,ob.cit.14 JohnKeegan,APrimeiraGuerraMundial,Porto,PortoEditora,2014.

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cidadederesiliênciadaspopulaçõesfaceaumaguerracrescentementefalhadeconsenso15.

Oresumodoautorsurge,então,comopontodepartidaparaodesenvol‑vimentodestecapítulo.

2.1. Guerra para além dos limites

Nosobjetivosdeguerra16ensaiadospelosbeligerantes,podemserencon‑tradasas razõesdageneralizaçãodaguerra;que foramsendoampliadoseajustadosàmedidadoprolongamentodoconflitonoespaçoenotempo.

DoladodaTrípliceEntente,aFrançapretendiasobretudorecuperarter‑ritóriosperdidosegarantirasegurançadoseuespaçofronteiriçoenãotan‑toobterganhos territoriais.ApósVerdun,comosucessodaofensiva russadeBrussilove,posteriormente,comacontraofensivaaliadade1918,assumiuaneutralizaçãodamargemesquerdadoRenoeoabatimentodoReichAle‑mão.OReinoUnidodefiniuaocupaçãodaspossessõesimperiaisdaAlema‑nhaemÁfricacomoobjetivovital,omesmoacontecendocomosdomíniosterritoriaisdaTurquianaMesopotâmiaenoNortedeÁfrica.ParaaRússia,eraimportanteocontrolodoestreitoentreomarNegroeomardeMármo‑raouosDardanelos,paraalémdaapropriaçãodeterritóriosturcos,comoasprovínciasdeErzerum,TrébizondaeArdahanqueestavamnalistadeprio‑ridades.

QuantoàsPotênciasCentrais,aAlemanha,vistacomograndedemaisparaa Europa, assentou a transformação do Reich num império, sustentado noProgramadeSetembro(de1914)dedomíniodaEuropa,desdeaManchaatéàUcrânia.Paraoefeito,aFrançadeviaserenfraquecida,aRússiaisolada,aBélgica,oLuxemburgoeaHolandapassariamaestadosvassaloseosdomí‑nios territoriais do ReinoUnido emÁfrica seriam conquistados. A Áustria‑‑Hungria propunha‑se esmagar a Sérvia e refazer o xadrez geopolítico dosBalcãsemseuproveito,acertarasfronteirascomaItáliaeaRoméniaecriarumEstadopolacosobsuadependência.JáaTurquiaambicionavadominaroMarNegro,aTranscaucásiaeaArméniaerecuperaroChipreeoEgipto.

Averdadeéque,em1914,ascincograndespotênciasquedelinearamoconcertoeuropeuemViana,em1815–ReinoUnido,França,Rússia,Alema‑nhaeÁustria–estavamdenovoemguerra.Adiferençaéque“atéentão,osconflitosnuncatinhamopostosenãodoisoutrêsdestespaísesentresi,e

15 DavidStevenson,1914‑1915,TheHistoryoftheFirstWorldWar,PenguinBooks,2005.16 MarcFerro,HistóriadaPrimeiraGuerraMundial,1914‑1918,Lisboa,Edições70,1992;Donald

Kagan,ob. cit.;NormanStone,PrimeiraGuerraMundial.UmaHistóriaConcisa,Alfragide,D.Quixote,2011.

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nuncatodosjuntos”;FrançaeReinoUnidocontraaRússianaCrimeia(1853‑‑1856)eFrançacontraaAlemanhanaGuerraFranco‑Prussiana(1870‑1871)17.Também não deixa de ser contraditório observar que os planos guisadospelasdiversaspotênciasfalharam:aÁustria‑HungrianãopôdederrotarumaSérviaquesereveloutenaznadefesadoseuterritório;oplanoSchlieffendaAlemanhafracassounaFrança,esbarrandonoMarnecontraumaforçacom‑binada franco‑britânica; o Plano XVII francês conheceu igual insucesso naofensivadesencadeadana Lorena contraos alemães; os russos fracassaramcontraosalemãesnaPrússiaOriental,ondeforamcopiosamentederrotadospelosexércitosdokaiseremTannenberg;opróprioReinoUnidosentiucon‑tinuadasdificuldadesemfazerprevaleceroseuincontestadodomínionavalefoiobrigadoareporoserviçomilitarobrigatórioparafazerfaceàsneces‑sidadesdaguerra.Oqueequivaleadizerqueaguerracurta,otimistaederesultadosconcludentespreconizadapelosbeligerantesesbarrounosobjetivospolíticosassumidos,nadurabilidadeestratégicainconcebívelenoimobilismotáticoimprevisto.

A I Guerra Mundial foi total porque implicou a utilização de todas asformasde coaçãoestratégicas enquanto formade atingir a vitóriadecisiva:diplomática,económica,psicológicaemilitar18.AEstratégiaDiplomática foidesenvolvida no sentido de captar aliados (a Itália transitou, em 1915, dasPotênciasCentraisparaosAliadoseosEstadosUnidosentraramnaguerra,aoladodosAliados,em1917)oude,nomínimo,levarpotenciais inimigosà acomodação (aRússia,queestevenaguerra comosAliados, firmouumacordodepaz separadocomaAlemanha,emmarçode1918).MasoquesobressaidaDiplomaciaem tempodeguerraéa incapacidadeou faltadevontadedosbeligerantesem lheporem termo.A irredutibilidademarcouaposturadealemãeseanglo‑franceses,maisvincadaàmedidaqueaguerraevoluíaesemfimàvista,easperdashumanasforamsendoincomensuráveis.As iniciativasdeWoodrowWilson foramproteladas, asdopapaBentoXVcontestadaseadoimperadorCarlosdaÁustriasimplesmenteignoradas.Valhaa verdade que “o acesso ao poder por parte de «homens de pulso» comoLloydGeorge,emInglaterra,Clemenceau,emFrança,HindenburgeLuden‑dorff,naAlemanha,nãoianosentidodocompromisso”19.

Quanto à Estratégia Económica, a I GuerraMundial foi uma guerra derecursos,nãosóhumanosmastambémtecnológicos.Oarsenalempregueera

17 RenéRémond,ob.cit.18 AbelCabralCouto,ElementosdeEstratégia,Vol.I,Lisboa,InstitutodeAltosEstudosMilita‑

res,1988.19 Jean‑JacquesBecker,AGrandeGuerra,MemMartins,PublicaçõesEuropa‑América,2005.

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imenso,sendopossívelexistirporquenoséculoanteriorocorreua2ªRevo‑luçãoIndustrialeporqueosEstadoscentraramoseuinvestimentonaprodu‑çãodeguerra, transformandoa indústria caseiranuma indústriadeguerra.E,assim,opodereacapacidadedosEstadosmedia‑sepelapossedosobu‑ses, de metralhadoras e espingardas, na utilização do «gás mostarda», depesadosvasosdeguerrade ferro,doaviãocomoarmadeguerraena «in‑venção»dotanquedelagartas.Parajánãofalardautilização,emlargaesca‑la,davia‑férreapara transporteebalanceamento táticode forçasno teatrodeoperaçõeseprojeçãoestratégicadecontingentesdazonadointeriorparaazonadecomunicaçõeseazonadecombate.

AEstratégiaPsicológicaprende‑secomarevoluçãodascomunicações,autilizaçãodomeioaéreoeapropagandaorganizadapropriamentedita.Aten‑dendoque “a importânciado fatormoral cresceàmedidaqueaguerra seprolonga” e se percebe que “nenhum dos campos dispõe dosmeios paraalcançar uma vantagem estratégica”, atingir a forçamoral do adversário “étambémarazãodeserdapropaganda”20.Duranteaguerra,eparaalémdamanutençãodomoraldossoldados,“oalargamentodapropagandadeguer‑raàpopulaçãodaretaguarda,cujaactividadeeratãoimportanteparaavitó‑ria comoadospróprios combatentes”21.Assim, “osmeiospsicológicos sãolargamenteutilizados.Serviçosdepropagandaorganizamamobilizaçãototaldasmultidões.Os comunicados de guerra são sempre optimistas e toda aliteratura hipernacionalista floresce na imprensa, nas canções, nos bilhetespostais”22. De igualmodo, a propaganda praticada de forma seletiva pelosEstados,nomeadamenteaoníveldosfeitosdeguerraoudassupostasatro‑cidades praticadas pelo inimigo, incidiram na opinião pública dos paísesneutrais,enquantoformadecaptarasuasimpatia,dospaísesamigos,paraaumentarosníveisdemotivação,eatédosoponentes,paralhesinquietaraconfiança23. A revolução das comunicações (quarta dimensão da guerra),sobretudoatelegrafiasemfios,permitiufazerpropagandanoespaçoterrito‑rialdoadversário,naprocuradeatingiramenteeminaravontadedecom‑baterdaspopulações.Quantoaoavião,apartirdefinaisde1917,deixoudecingirasuaatividadedereconhecimentoebombardeamentonocampodebatalhaparao fazernas localidades inimigas.Ou seja, a terceiradimensãodaguerralevouessamesmaguerraparaalémdosteatrosdeoperações,re‑tirandoimunidadeaoscivis,habituadosnosséculosprecedentesaolharpara

20 RéneRémond,ob.cit.21 AlejandroPizarrosoQuintero,HistóriadaPropaganda,Lisboa,PlanetaEditora,1993.22 J.BruneteM.Launay,ob.cit.23 AlejandroPizarrosoQuintero,ob.cit.

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aguerracomoalgoqueacontecialálongeesecentravanosmilitares.Nãoporacaso,20%dasmortesresultantesdoconflitoforamcivis.

RelativamenteàEstratégiaMilitar,quedesenvolveremosmaisàfrentenumoutrocampodeanálise,identificamosumaguerraestáticaentreoutubrode1914emarçode1918,feitaapartirdastrincheiras,constituindooobusdeartilhariaeametralhadoraasarmasdominantes,quevarriamoscontingentesmilitaresqueprocuravamultrapassarabarreiradefensivafirmadanosabrigosenastrincheiras.NaEstratégiaMilitarresidiuumdosgrandesequívocosdosdecisorespolíticoseestrategasmilitares.Comoa táticanãoacompanhouaevoluçãoestratégicanemodesenvolvimentotecnológico,aguerrafoiestáti‑caede frentesparalelas,ondeosoldadoeracarneparacanhãoeperantequemos chefesmilitares tinham inicialmentemenospreocupações doquenapoupançademuniçõesenaruturadosstocks.Assim,eporquedeumaguerralongaedeposiçõessetrata,“reclamaoenvolvimentodeforçascadavezmaiores.Éaprimeiraexperiênciaapropósitodaqualpodeempregar‑seaexpressãoguerratotal,queassinalaumamutaçãoprofundaeumarupturacomoshábitostradicionais”24.

Guerramundial,poisoconflitoestendeu‑semuitoparaalémdoslimites.Políticos, militares e a própria sociedade assumiram que a guerra durariamesesequeseriatravadasegundooscânonesdaofensiva.Detalformaquenãoéummitodeguerraofactodetodosseapresentaremalegrementenoscentrosderecrutamentodisponíveisparaavançaremcontraoinimigo.Acon‑teceque“nosprimeirosmeses,nenhumbeligeranteconseguiuasseguraressavantagemdecisivaquedevialevaràvitóriaeaofimdaguerra:nemosale‑mãesemFrança,poissãotravadospelosAliadosnoMarne,emsetembrode1914,nemosrussosnaPrússiaOriental,ondesãobatidosemTannenberg”.Emconsequência,“osbeligerantesviram‑seobrigadosareverosseusplanos.Afrenteimobiliza‑se,passa‑sedaguerrademovimento,seguidadocorsonomar,aumaguerradeposição,comumafrentecontínuaquetornaapene‑traçãoirrealizável”25.

Oequilíbriodeforçasentrebeligerantesoriginouaduraçãodaguerraeesta implicou a sua extensão espacial, de talmodo que “no final de 1915nenhumdoscombatentesiniciaissebatiapelaguerraqueteriadesejadoouesperado”26.

Masháfatorescomplementaresquejustificamamundializaçãodoconfli‑to.Umdelesprende‑se,obviamente,comofactodeosbeligeranteseuropeus

24 RéneRémond,ob.cit.25 RéneRémond,ob.cit.26 JohnKeegan,ob.cit.

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seremimpérios,comdomíniosterritoriaisforadaEuropa.ÉoqueacontececomÁfrica,onde“ascolóniasseguemodestinodasmetrópoles,tomampar‑tenoesforçodeguerra, fornecemcombatenteseservemdeteatrodeope‑rações, quando os franco‑britânicos ocupam, uma após outra, as colóniasalemãsdeÁfrica”27.AentradadaTurquiaemguerra,emnovembrode1914,aliada das Potências Centrais, estende‑a à Ásia, atendendo à sua posiçãogeográfica euro‑asiática, alémde fazer dosEstreitos edaMesopotâmiaumteatrodeoperações.Hápaísesqueentramemguerraporpressãodaopiniãopública,comoaconteceucomaItáliaque,emmaiode1915,secolocouaolado dos Aliados, ou de países balcânicos, que procuravam desforras deguerrasanteriores,comoaBulgária,quealinhacontraaSérvia(outubrode1915),eaRoménia(agostode1916),quese juntaaosAliados,estendendoo teatrodeoperaçõesbalcânico.Houve, inclusive,casosdepaísesneutraisforçadosaentrarnaguerra,sendoaGréciaoexemplo,porpressãoaliada,em junhode1917.Aesta listaacrescentem‑seospaísesneutraisqueveemnabeligerânciaaobtençãodebenefíciosterritoriais,financeirosousimples‑mente de prestígio, como sucedeu com Portugal (março de 1916), ou porafirmaçãopura,comoocorreucomospaísessul‑americanos,quenoseutodonãoalteraramoequilíbriodeforças.

Situaçãodiferenteverifica‑secomaintervençãodosEstadosUnidos,quedeclarouguerraàAlemanhadevidoaquestõesmorais,deconstrangimentoeconómico e de convergência identitária com o Reino Unido, alterando acorrelaçãodecapacidadesafavordosAliados.

Já a beligerância do Japão entronca na perceção das desvantagens en‑quantoEstadoneutral,invocandoaaliançaprevalecentecomoReinoUnido,de1902,paradeclararguerraàAlemanha,emagostode1914,alémdequea ocasião foi entendida como adequada para se apoderar das possessõesalemãs na China (Xantum). Tanto bastou para a China não ficar alheada,declarandoguerraàAlemanha,emagostode1917.

Portanto, a Grande Guerra europeia, definida pelos contemporâneos,transformou‑serapidamenteemguerramundial,fugindoaosplanosdeguer‑rainiciaisdosbeligerantes.AAlemanhaviu‑seobrigadaacombater,emduasfrentes simultâneas, a França e a Rússia; a França, que acreditava no rolocompressordaRússia,viu‑seabraçoscomadefesadoseupróprioterritório;a Rússia resvalou para uma guerra a Norte contra a Alemanha, ao CentrocontraaÁustria‑HungriaeaoSulcontraaTurquia;aÁustria‑Hungria,incapazdeesmagaraSérvia,foiempurradacontraaRússiaeaItália;oReinoUnido,pensandonaprojeçãolimitadadeumcorpoexpedicionárioparaaFlandres,

27 RéneRémond,ob.cit.

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assumiufrentescadavezmaisextensas,guerreouosalemãesnomar,apoiouos sérvios contra aTrípliceAliança e combateu os turcos emGalipoli, noEgiptoenaMesopotâmia28.

Aguerrafoiessencialmenteterrestre,fundamentalmenteeuropeiaemar‑cadapelaprevalênciadadefesa.Porém,aguerranomarexistiueapresentouum caráter ostensivo e de opulência. Mais do que nos exércitos, o efeitoimediatoda2ªRevoluçãoIndustrialincidiunamarinhadeguerra.Assiste‑seaumagrandeevoluçãonaindústrianaval,dostradicionaisnaviosàvelaparaosnaviosdeferro,traduzindo‑senumacompetiçãonaval.Defacto,novirardoséculoXIX,potênciascomooReinoUnido,aFrança,aAlemanha,aRús‑sia e o Japão constroem uma gama de poder naval assente em fragatas,torpedeiros,contratorpedeirosedestroyers,tornandoonaviodeguerrasím‑bolodepoderedoorgulhonacional.Onaviodeguerramarcaaeraindus‑trialecorporizaosavançostecnológicosdanação,asuariquezae,comosseusenormescanhões,umimensopoderdestruidor.

No início da guerra, as esquadras dos Aliados e das Potências Centraispossuíamnaviosdesuperfícietecnicamenteidênticos,apresentandoaTrípli-ceEntente superior tonelagem:osaliadospossuíam59%da tonelagemdosnaviosavapor(oImpérioBritânico43%)contra15%daTrípliceAliança.Estepoder naval permitiu aos aliados transportar efetivos e abastecimentos emanterumfluxoderecursosfornecidosportodoomundo,mesmoantesdeos Estados Unidos se envolverem no conflito29. No contexto da guerra, opoder naval carateriza‑se pela tecnologia instrumentalizada nos navios deguerra, a não existência de massificações como no combate terrestre e adificuldadeemlocalizare intercetarasesquadrasrivais,sobressaindocomodemonstraçãodepoderdosEstados.Note‑seaindaqueoselementosessen‑ciaisdecombate(choque,fogo,proteção,movimento,comandoecontrolo)estãoconcentradosnumúnicomeio–osnaviosdeguerra.

Háquatro teatrosdeoperaçõesnavaisprincipais a considerar:AtlânticoNorteeMardoNorte,queopôsoReinoUnidoàAlemanha;Mediterrâneo,quejuntouaFrançaeaItáliacontraaÁustria‑Hungria;MarNegro,quecon‑tabilizavaaRússiacontraaTurquia.

No Mediterrâneo, as marinhas britânicas e francesas, coadjuvadas pelaitaliana, impuseram uma presença dominadora, anulando a presença navalaustríaca que, em guerra contra a Itália, utilizava a rota como um acessodiretoaosBalcãs,ondeestavaemguerracontraaSérvia.Ocontroloaliadosóseriaperturbadoquandosubmarinosalemãespassaramaoperarnazona,

28 JohnKeegan,ob.cit.29 GabrielEspíritoSanto,DaArtedaGuerraàArteMilitar,Lisboa,TribunadaHistória,2013.

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apartirdefinaisde1915.NoMarNegro,ondeaRússiamantinhaogrossodasuafrotanaval,oseudomíniofoiincontestado30.

UmavezqueaguerranavaltevenoAtlânticoNorteenoMardoNorteoteatro principal de um confronto que pode ser dividido em quatro fases:(i)naprimeirafase,até1915,oelementoessencialéonúmerodeCouraçados(Dreadnoughts)construídoseomovimentodasfrotasdestinadoaocontrolodasrotas;(ii)nasegunda,em1915‑1916,sobressaiamanobraeoscombatesnavais,naprocuradadecisão;(iii)aterceirafaseevoluientreastréguaspelarestriçãonousodossubmarinosatéàsuautilizaçãosemrestrições;(iv)porfim,em1918,osmeiosnavaissãosubsidiáriosdaguerrageneralizada.

Porque,nocombatenaval,afinalidadeassentavanadestruiçãodosnaviosadversários, o couraçado, nomeadamente os Dreadnoughts, constituíam aescaladecapacidadesmaiselevadadasarmadas.Emboranãoestivesseemparidadecomafrotadeguerrabritânica(33%dacapacidademundial),nasvésperasdaguerraaesquadradealto‑maralemãconsistiadetrezenaviosdebatalhatipoencouraçado,dezasseisnaviosdetipomaisantigoecincocru‑zadores.Masaconfiguraçãogeográficadoterritórioalemão,querestringiaoseuacessoaomaraltoàdiminuta linhacosteiradomardoNorte, entreaDinamarcaeaHolanda,obrigouàextensãoparaoAtlântico,queoinimigocontrolava31.Aprincipalfrotaalemã,construídaparaafrontaraposiçãoma‑rítimadominantedoReinoUnido,foiconcentradadeliberadamentenospor‑tosalemãesdoMardoNorte,mantendoalgumas forçasnoPacífico, repre‑sentando uma ameaça para os transportes aliados, em particular para oscomboios,quetraziamtropasaustralianaseneozelandesasparaáguaseuro‑peias.Noentanto,asvitóriasbritânicasemHeligoland,àentradadasbasesnavaisalemãsnomardoNorte,em janeirode1914,emDoggerBank,emagosto dessemesmo ano, e nas Falkland, emmarçode 1915, colocouumpontofinalàsatividadesdealto‑mardamarinhaalemã,apesardeemnenhumcasoteremestadoenvolvidasasprincipaisfrotas.32.

A guerra nomar não se revelou taticamente decisiva para o desenlacefinaldoconfrontomundial,poisnãoocorreuabatalhadecisivaqueconfe‑risse a vitóriaparaumdos lados, garantindo supremacianaval emarítima.Defacto,àsemelhançadoaconteciacomaguerranastrincheiras,aguerranomartambémentrounumimpasse.A1demaiode1915,osAliadosence‑taram o bloqueio à totalidade das mercadorias com destino à Alemanha,incidindoapersuasãonospaísesneutrais.ApartirdabaseescocesadeSca‑

30 JohnKeegan,ob.cit.31 JohnKeegan,ob.cit.32 Idem.

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pa Flow, os britânicos não só impediam a liberdade de ação da esquadraalemã para sair domar Báltico rumo a sul do canal como, paralelamente,fecharamoespaçoentreaEscóciaeaNoruega,restringindosobremaneiraaliberdadedenavegaçãoeoperabilidadegermânica.Nestecontexto,obloqueionavaltornou‑sesombrio.Abandonandoumapráticade300anos,queconfi‑nava o bloqueio estritamente aos recursos que permitiam aos beligerantesfazeraguerra,oReinoUnidoe,depois,aAlemanhaagiramnaassunçãodequetodososrecursosestavamoupodiamviraestarorientadosparaalimen‑taraguerra.Ocercorecíprocofoiométodo33.

Enquantoisso,asupremacianavalbritânica,francesaeitaliananoMedi‑terrâneoalargouobloqueioàÁustriaeàTurquia34.

MasaAlemanhasentiusobremaneiraosseusefeitos.Pelofacto,aFrotadeAltoMaralemãdecidiuprocurarlibertaropaísdasamarrasemquemer‑gulhou,pensandoematrairaGrandeFrotabritânicaparaoMardoNorteecombatê‑la.OprocessodeatraçãotevesucessoefoinestecontextoquesetravouaBatalhadeJutlândia(deSkagerrakparaosalemães),a31demaiode1916.OalmirantealemãoScheerobteveumavitória táticanoconfrontocontraoalmirantebritânicoJellicoe,mas,porqueasperdas(14naviosingle‑ses,em150,contra11naviosalemães,em100)erammaisdifíceisderesta‑belecer para a Alemanha, a vitória estratégica coube ao ReinoUnido, quepôdemanterocontrolodoMardoNorte.

Assim, para responder ao bloqueio aliado e submeter o ReinoUnido aumcontrabloqueio,àAlemanha restavaaguerra submarinaeo torpedea‑mentodosnaviosmercantesquesulcavamoAtlântico(oReinoUnidodeti‑nham60%damarinhamercantedomundo),deeparaosEstadosUnidos.Acreditandoque,dessa forma,podiasangrareconomicamenteosAliadoseobrigá‑losàrendição,oestado‑maioralemãoassumiuatipologiadecoaçãocomovitalesemrestrições.Demonstrouasuaeficáciaemestreitoselocaisdeconvergênciamarítima,contudorevelou‑seineficientecontraforçasnavaisouescoltasemcomboiosdesuperfíciecomumamobilidaderápidaeemmaraberto, implementada pelos britânicos. Da mesma maneira que Dellingerentende que “a ação da arma submarina alemã foi tida como símbolo daviolênciadesnecessáriacontracivis,omaisinfamedoscrimes”35,tambémosEstadosUnidosacusaramométodo,reagindocomadeclaraçãodeguerraàAlemanhaeaentradanoconflitonocampoaliado.

33 MichaelHoward,aGuerranaHistóriadaEuropa,MemMartins,PublicaçõesEuropa‑Améri‑ca,1997.

34 JohnKeegan,ob.cit.35 D.Dellinger,UmSéculodeGuerranoMar,EditoraNauticaNacional,2010.

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Qualcontrassenso,oprogramanavalalemão,queprovocouoantagonis‑mo do Reino Unido e foi causa de guerra, obrigou Berlim a desviar umterçodoorçamentodadefesaparaamarinha,restringindomeiosnoexérci‑to,queserevelouincapazdederrotaraFrançaeaRússianasfrentesOestee Leste, em simultâneo,não surtiuefeitonocombatenavalde Jutlândia, afrota acabou por se remeter aos portos doMar doNorte para, no fim, astripulaçõesseamotinarem,em1918,obrigandookaiseracapitular36.

Apardasfrentesterrestresenavais,háumterceirafrentequeépertinen‑teelencar–adoméstica.Pelaprimeiravez,nahistóriadaguerra,assistiu‑sea uma luta entre fábricas concorrentes (produção de guerra), tanto quantoentre exércitos rivais. A produção de armas foi um fator tão importante nabatalhacomoaconscrição,aindústriasubordinou‑seàguerraeaantigano‑çãode«naçãoemarmas»foisubstituídapelade«estadoguerreiro»37.AGuerratransformoua sociedade:os sindicatos foramaceitescomoparceiros sociaisdosgovernos;aselitesmilitares imperaram,anecessidadedecanalizarcadavezmaishomensparaafrentedecombateobrigouaconcentrarnasfábricasmão‑de‑obrasuplementarparaalimentaraguerra,conduzindoàemancipandodamulher.Tudofoisacrificadonaprocuradevitórias impossíveise,apesardo impasse, nãohaviamargemparanegociaçõesdepaz, devido aosódiosacumulados,sacrifíciosaguentadoseotimismodelapidado.Estaguerramostra‑‑nos, ainda, aquebrade imunidadedos centrospopulacionais, cabendo talpapelaovetoraéreo,queinfluiunacapacidadepsicológicadaspopulações.

Como resultado, na I GuerraMundial, os Exércitos deixaram de ser osprocuradoresdasnaçõesemguerraepassarama instrumentos atravésdosquaisospaísesbeligerantespodiamexaurirosrecursosdosoutrosembensehomens.EstefoiograndeproblemadaAlemanha38.

AIGuerraMundialfoi,assim,aprimeiraguerraindustrialdaHistóriae,longedediminuiraprocura,aguerradetrincheirasaumentou‑a,nomeada‑menteaoníveldeequipamentos,armasemunições,queultrapassouaca‑pacidadedosbeligerantes.Detalformaquefoi,comoreferimos,“necessáriomobilizarnaretaguardaooperariadoerecrutartrabalhadoresnosterritórioscoloniais.Seafrentedomésticaeramenosperigosa,foitãoimportantecomoaprópria frentedecombate”39.Amobilizaçãoeconómica impõeuma inter‑venção do Estado em todas as atividades nacionais e a economia torna‑seumaarmadeguerra40.

36 NormanStone,ob.cit.37 J.F.C.Fuller,L’InfluencedeL’ArmementsurL’Histoire,Paris,Payot,1948.38 MichaelHoward,ob.cit.39 Jean‑JacquesBecker,ob.cit.40 J.BruneteM.Launay,ob.cit.

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Arealidadeéque,quandosealcançouapaz,foimenosemresultadodevitóriasmilitaresno terrenoporpartedosAliadosemaisporexaustãopsi‑cológicaeeconómicadaAlemanhaedasPotênciasCentrais.

2.2. Da Ordem Paralela e da Rutura do Dispositivo Defensivo41

AGrandeGuerra foiuma sangrentaguerra civil europeia, estendidonoespaço,dilatadanotempo,totalfaceaosmeiosempreguesecataclísmicaemrelaçãoàsrepercussões,alimentadaporaparelhosmilitaresdetentoresdeumarsenalbélicocomumpoderdestrutivojamaisvisto.E,noentanto,osdeci‑sores políticos e os estados‑maiores pensaram numa guerra limitada e deresultados conclusivos,destinadaa redefinir ahierarquiadaspotências e acentrarumanovaordemeuropeia,substitutadadecorrentede1815.

Aguerrade1914‑1918rompeucomamatrizcaraterizadoradosconflitosprecedentesrelativamenteaonúmerodebeligerantesenvolvidos,sistemademobilização e de convocação implementados, planos de guerra testados,vastidãoedispersãodeteatrosdeoperaçõesaferidos,estratégiasmilitareseconceitostécnico‑táticosexperimentados,sistemaslogísticosexigidosesocie‑dadesenvolvidas.Tratam‑sedefatoresquetrouxeramtantasmudançassisté‑micas nas áreas política,militar, social e cultural quanto o facto de seremlargamente incontroláveis,variáveise,acimade tudo, imprevisíveis,sobres‑saindocombinaçõesmortíferasnosetormilitar,queenvolveramoempregodearmascombinadas,táticas«suicidas»edecarácterdestrutivo,bombardea‑mentosestratégico,operaçõesnavaisdegrandeamplitudeeguerrasubmari‑nasemrestrições.

As evoluções/inovações e transformaçõesmilitares originadas no séculoXV(eradapólvora)econtinuadasao longodosséculosseguintesatingemopontodechegadanoiníciodoséculoXX.AindustrializaçãodosséculosXVIII/XIX, a produção de equipamento e armamento em série e cada vezmaissofisticadoeletal(máquinaavaporevasosdeguerraemferro,motordeexplosão–veículosmotorizadoseavião–caminhodeferro)earevolu‑çãonas comunicações (rádio, telefoneeTSF)originaramumaengrenagempolítico‑militardeapocalipsequeseabateusobreaEuropaeomundoaelaligadocomaIGuerraMundial.

Jáo referimos,a IGuerraMundial foi,noessencial,umagrandeguerraeuropeia e é neste espaço geopolítico, com especial incidência no teatro

41 Bibliografiade referência:EspíritoSanto,ob.cit.; J.F.C.Fuller,ob.cit; JohnKeegan,ob.cit;LiddellHart,AsGrandesGuerrasdaHistória,S.Paulo,Ibrasa,1963;LoureirodosSantos,ApontamentosdeHistóriaparaMilitares,Lisboa, InstitutodeAltosEstudosMilitares,1979;MarcFerro,ob.cit;MichaelHoward,ob.cit.

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ocidental,quecentramosas transformaçõesdosassuntosdaguerra.Énor‑mativodividiraguerraterrestreemtrêsfases:(i)1914éafasedamanobra(fogo emovimento), cabendo a iniciativa à Alemanha; (ii) a segunda fasedecorreentre1915e1918,o fogosobrepõe‑seaomovimentoeaguerraéestática,comambososbeligerantesàprocuradaruturadasposiçõesinimigas;(iii) na terceira fase, a partir demarçode 1918, denovo amanobra, numprimeiromomentoporiniciativaalemãedepoisporpartedosAliados.

Nafaseinicialdaguerra,osplanosSchlieffen(alemão)eXVII(francês),naprocuradavitóriadecisivaerápida,nãoalcançamosobjetivosdefinidos;o ataque francês não rompe o centro do dispositivo alemão, enquanto aofensivagermânicaé travadanoMarne.Segue‑seacorridaparaomar,naprocura de envolver o adversário, que conduzirá à estabilização da frente,devidoàstrincheirascavadas,desdeaSuíçaatéaomardoNorte.Enquantoisso,aLeste,aRússianãosónãoesmagaasPotênciasCentraiscomoéco‑piosamente derrotada pelas forças do kaiser, em Tannenberg e nos LagosMasúrios;masnãoculmina.

Depois,eatéiníciosde1918,astrincheirassãoaimagemdaguerra,quetornouaestratégiadependentedatática,enquantoestasetransformounumafontedeequívocosoperacionais.Asupremaciadadefesa,numaassociaçãoterreno,aramefarpadoefogo(espingarda,metralhadoraeartilharia),sobretodasasiniciativasdestinadasaromperouatornearposições,resultounumaordemtáticaparalela,imóveleinsalubre,impondooimpasse.Aolongodetrêslongosanos,asgrandesoperaçõesdesencadeadasporambososconten‑dores, e destinadas alcançar vantagens estratégicas no campo de batalha,resultaramemdesastresmilitares,morticíniosedesgastemoralematerial.Hátrêsexemplosclássicosaconsiderar:Verdun(fevereiro‑dezembrode1916),deiniciativagermânicacontraasposiçõesfrancesasfortificadas,destinadaacolocaraFrançaforadaguerra;Somme(julhoanovembrode1916),ataquecombinadoanglo‑francêscontraas linhasdedefesaalemãsestacionadasnalinhadorioSomme,comoobjetivodealigeirarapressãoalemãsobreVer‑dun; Passchendaele (terceira batalha de Ypres), desencadeada por forçasbritânicasedaCommonwealthcontraasforçasalemãsposicionadasnaFlan‑dresOcidental.Trêsbatalhas,outrostantosobjetivosnãoalcançadoseperdassuperioresadoismilhõesdesoldadosdeambososlados.

Porfim,em1918,aAlemanha,depoisdeaRússiaeassinaroTratadodeBrest‑Litovsky, que a retirou da guerra, e antes de as tropas dos EstadosUnidos estarem aptas a assumirem setores na frente ao lado dos Aliados,lançaquatrograndeofensivasdestinadasaganharaguerraantesdoverão:(i)em21demarço,emSaintQuentin,detidaemAmiens;(ii)9deabril,emArmentières,paradaemYpres;(iii)emmaio,emChemindesDames,travadanoMarne;(iv)emjulho,naChampagne,semefeitoprático.Éoregressoda

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manobra,queconduzirá,porparadoxo,osAliadosàvitória.Defacto,aindanodecursodas terceiraequartaofensivasalemãs,onúmero incontáveldesoldadosamericanos(superioradoismilhões)permitereporafrentealiada,viabilizandoumacontraofensivamotivadapelogritodomarechalFoch“todosparaabatalha”.Osexércitosfrancês,britânico,belgaeamericanoreconquis‑tamabolsadeAisne‑Marne,depoisderrotamasdesgastadasedesmoralizadasdivisõesinimigasemAmiens,obrigandoaumaretiradaparaalinhaHinden‑burgpara,finalmente,atacardeformaconclusivanaFlandres,entreCambraieReimsenaregiãodoMosa‑Aragone.

Chegados a este ponto, vamos então debruçar‑nos sobre as inovaçõestécnicaseosconstrangimentosEstratégico‑táticos.AguerratravadanoteatroocidentaldaEuropafoiconduzidasegundoaordemparalela,emqueapro‑teçãoestratégica(trincheiras)e tática(abrigos/aramefarpado),associadaaofogodasarmasindividuais(espingarda)ecoletivas(metralhadoras),seimpôsàmanobra tática (ataque frontal e envolvimento) e estratégica (movimentotorneante).Emrigor,adefesaassentenumsistemadetrincheirasdesenhadasemziguezagueecomcentenasdequilómetrosdefrente,eemprofundidade,mediante um complexo cerrado de linhas desde a zona de combate até àzonade comunicações,mais não representaqueumadimensãoexageradadasguerrasdesítio,típicasdosséculosXVIeXVII.

Garantirapossedeterreno,flagelaroinimigopelofogo,impedirarutu‑radeposiçãoedesmoralizá‑loconstituíaoobjetivoprimáriododefensor.Astrincheiras representavamum sistemade defensivo elástico e organizado àbasedecentrosde resistênciaouposições fortificadas, comumaprofundi‑dade que podia chegar até aos 15 quilómetros. Compreendiam três zonasde combate: (i) zona de cobertura sobranceira à terra de ninguém (frenteao inimigo), limitadas pelas redes de arame farpado, cabendo às unidadesaíposicionadas informarda ação inimiga e retardaro seu avanço (compa‑nhiasebatalhões); (ii)zonade resistência,guarnecidapelas forçasempri‑meiroescalão,quetinhammissãodeimpedirruturasdodispositivo(brigadas);(iii) zona de combate, destinada a rechaçar penetrações e a desencadearcontra‑ataques(divisões).

Associadoaoterreno,odomíniodadefesanocampodebatalhaapoiou‑‑senofuzilderepetiçãoderetrocarga,comoaMauseralemãouaLee‑Enfieldinglesa, com uma cadência de 10 a 15 tiros por minuto, na metralhadoraLewisouVickers,comdestaqueparaosseus450a600tirosporminuto,enaspeçasde artilhariaqueprojetavam20granadas shrapnel combalasdeaçoporminutoatéumadistânciade7quilómetros.Dessaforma,atacarpo‑diaconstituirumatosuicídio,obrigandoasunidadesaprogredirdebaixodefogo indireto da artilharia àsmais longas distâncias e durante centenas demetrossujeitasaofogodiretodasmetralhadoraseespingardas.

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Portanto,entre1915e1917,aorganizaçãodoterrenodominouaguerraeosexércitoscombateramnaassunçãodequeadefensivapodiaconduziràvitóriaatravésdodesgastefísicoeanímicodoadversário.Oespíritoofen‑sivo foiobrigadoaesperarpelaevoluçãodosacontecimentos,atéummo‑mentoemqueoinimigoficasseemsituaçãodeinferioridadeouquealgumainovaçãotecnológicaaoníveldosmeiosbélicos,opermitisse.

Contudo, amanutençãode impassemotivouos comandantes àprocuradeformasderomperafrente,demodoaalargarabrechaeprogredirpro‑fundamentenointeriordodispositivoadversárioeatingirosseuspostosdecomando e centro de comunicações. Nas guerras precedentes, a rutura deposiçãoe adecisãodabatalha era competênciada cavalaria. Entretanto, aguerramudou,masaverdadeéque,em1914,osbeligerantesdaIGuerraMundialapresentaram‑secomassuasunidadesdecavalariaarmadasdesabree lança e treinadas para carregar no campode batalha e abrir brechas nodispositivoinimigo.Noentanto,empoucassemanas,oscomandantesperce‑beramqueacavalariacavaleirescaqueatuavapelochoqueestavadesfasadadomomento,atéasclássicasmissõesdereconhecimentoeramimpraticáveisnumaguerradetrincheiras.

Asprimeiras tentativas incidiramnaassociaçãoartilhariadecampanhaeinfantaria.Paraoefeito,nazonadointeriorprocedeu‑seaofabricoemlargaescaladepeçasecanhões,morteiros,espingardasemuniçõesdeváriosca‑libres.Concomitantemente,orecrutamentoaceleroueaumentouemnúmero,cabendoàs locomotivasamissãodefazerchegaràszonasdecombateho‑mens e material em tempo útil. Mas os problemas surgiram. Em primeirolugar, assistiu‑se àmultiplicação de peças de artilharia e a combates entreartilharias,fosseparapreparaçãodocampodebatalhaouassentenadesar‑ticulaçãodeofensivas,queiludiusucessosiniciaisdedestruiçãodecomuni‑caçõesounichosdemetralhadorasnaslinhasmaisavançadas.Porém,ore‑sultado prático de dias de bombardeamento sucessivo foi a anulação dopoderdefogodeambososlados,aincapacidadededestruiçãodosistemadefensivodoinimigoeadevastaçãodocampodebatalhapelamultiplicaçãodecrateras,queemmuitodificultouoavançodasforçasdeinfantariaedopróprioreabastecimento.

Aartilhariafoiarainhadoscamposdebatalha,masnãofoiaarmadeci‑sivadaguerra,porquecareciadonecessáriomovimentoparaapoiarconti‑nuadamenteoavançoeassaltodainfantaria.Naverdade,odefensorpodiasempremudardeposiçãoaoabrigodoalcancedaartilhariade tiro rápidoinimiga,comopodiaproteger‑sedoefeitodosseusfogosnointeriordatrin‑cheira.Umavezcessadoofogo,ainfantariaprogrediadesprotegida,emlinhae emassada de baioneta calada pela terra de ninguém, com granadeiros emetralhadorasligeirasnaproteçãodosflancos,tornando‑seumalvoremune‑

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radordosfuzis,metralhadorasemorteiroscontrários.OexemploquemelhorilustraestasconsideraçõesseráaBatalhadeVerdun:deiniciativaalemã,nelagastaram‑semilhões de granadas de obus que quase exauriu a reserva demunições,morreramcentenasdemilharesdesoldadoseosavançosnoter‑reno,àcustadoinimigo,forambasicamentenulos.Amortandadetornou‑seomote,aquebraderecursohumanos,demuniçõesefinanceirosumaevi‑dênciaenemautilizaçãodeminas,ousodelança‑chamasouolançamen‑to de gás asfixiante, que facilitou inicialmente a abertura de brechas nastrincheirasinimigas,deuseguimentoàruturadosdispositivosadversários.

Astrincheirasfuncionavamcomo“antiarma”adequadafaceàartilharia,ametralhadora à infantaria e amáscara antigás às tentativas de gaseamento.Peloexposto,infere‑sequeoincrementodofogodeartilhariapararomperasdefesasdoinimigocontribuiu,naverdade,paramaisemelhorelaboradastrincheiras, originando o aprofundamento da guerra estática. Entretanto, aspesadasbaixasocorridasemVerdum,SommeePaschendaeleevidenciaramque os recursos humanos eram não só perigosamente limitados como, naretaguarda,osefeitosdedesagradosocial,pelaerosãodeumaguerra semfimàvista,sefaziamperigosamentesentir.

Relativamente às grandes ofensivas feitas com centenas demilhares desoldados,háoutroaspetoa reter.Avia férreaeasunidadesde sapadorestornaram‑seelementosimprescindíveisnaguerra,querparaprojetarcontin‑gentesparaocampodebatalhaquerparaossustentaremtermoslogísticos.O comboio tambémgarantia rapidez deprocessos a nível estratégico,masnãotático.Afinal,umavezchegadosaolimitedaestaçãodedestino,homensemeios tinhamqueserencaminhadosatéàsunidadesda frente,oquesópodiaserefetuadocomrecursoaomúsculoanimalehumanoenumterreno,jádesiargilosoehúmido,queascraterascausadaspelosbombardeamentostornaramaindamaisimpraticável.

Sobreestetemaconvémaindadeixartrêsnotasrelativasaoladoalemão:a iniciativade seenterrarno terrenocompetiu‑lhe, enquanto formadega‑rantir apossede terrenoem solo francês, apóso insucessonoMarne; atéVerdun,aapostanaartilharia,comomeioparavenceraguerra,tambémteveiniciativasua;eomesmoédizersobreautilizaçãodogásasfixiante,apar‑tirda1.ªBatalhadeYpres,em1915.Assim,amotivaçãoconducenteàrutu‑rada frente foi iniciativa inicialmente sua.Sóem1918,duranteasgrandesofensivasdemarçoamaio, équeosalemãesvoltaramautilizaromesmosistemade armas combinadas contraosAliados.Mas a condução assentounummodelo táticodiferente:empregodemorteirosecanhõesdecurtoal‑canceemaiormobilidade;utilizaçãodegranadasfragmentáriasetóxicassemalunaroterreno,emapoiocontinuadodaprogressãodainfantaria;estaba‑seava‑seemgruposdecombateindependentesque,noseutodo,procuram

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avançarrapidamentebrechaadentro;aconsolidaçãodoterrenoeaelimina‑çãodepontosfortes,deixadosparaaretaguarda,constituíamumasegundafasedaoperação.

Seobinómioartilharia‑infantariatentadopeloestado‑maiordokaiserpararomperafrentefracassou,osAliadosdefinemobinómioinfantaria‑tanques;ouseja,apartirdautilizaçãodomotoreda inovação técnicadosveículoscomlagartas,intenta‑seumnovomodelotáticocapazdeultrapassaroema‑ranhadodetrincheirasealcançararuturadodispositivoinimigo.EmpreguespelaprimeiraveznoSomme,em1916,os tanques foramaperfeiçoadosdetalmodoque,em1917,naBatalhadeCambrai,puderamjáserutilizadosemmassaecomassinalávelêxitopelosAliados,àfrenteeemapoiodoavançodainfantaria.Contudo,afracapotênciadomotor,afragilidadedaslagartasedablindagemeareduzidaautonomianãoeramaindademoldeaefetuaraexploraçãodosucessodepoisderompidaa frente inimiga.Detal forma,quearuturafeitapelasduascentenasdetanquesempreguesnabatalhafoirapidamentecolmatadapelosalemães.Maisumavez,ametralhadoraditavaleisnocampodebatalha.

Noentanto,algumasmodificaçõesintroduzidas,comooaumentodablin‑dagem,potênciadomotorecapacidadeestáticade fazer fogona «cara»doinimigo,fizeramdotanqueummeiodequeoscomandantesnãomaisabdi‑cariam.Afinal,erapossívelconciliar fogocommovimentoefogocompro‑teção.Éverdadequenãoultrapassouemdefinitivooimpassedastrincheiras,mas garantiumaior proteção às ações de infantaria, que viu o número debaixasdescersignificativamentee,nadecisivavitóriaaliadadeAmiens,em8deagosto,ocomportamentodos tanquesrevelou‑sedeterminanteparaosucessodasvagasdeatacantesdainfantaria.

Entretanto, também a Alemanha empreende a construção de veículosblindadoseambososcontendoreslheassociamomeioaéreo,outranovida‑dedaguerra. Inicialmente,éutilizadocomoummeiodecomandoe linhaavançadadeobservaçãoe reconhecimento, informandodaposiçãodaarti‑lharia,postosdecomandoeredutosdasunidadesinimigas.Depois,vaialémdemeropostodecontrolodetirodaartilhariaoudeperiscópiodasforçasterrestres, torna‑seemartilhariaaérea,bombardeandoaszonasdecombateposiçõesetrincheiras.Ovetoraéreotornou‑separtedaguerra.

Mereceaindareferênciaoempregodemeiosradioelétricosdecomunica‑çõesnocampodebatalha,comimportânciaprimordialnasligaçõesdecam‑panha,quefacilitaramaaçãodecomando.Então,acapacidadedecomandoecontrolonocampodebatalhaaumentousignificativamente:utilizaçãodedirigíveis,balõeseaviõesparareconhecimentododispositivodoinimigoeregulaçãodofogodeartilharia;automóveisebicicletasparatransmissãodemensagenseligação;orádioparacomunicaçãocomasgrandesunidadesaté

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longasdistâncias;telefonesetelégrafosquepermitiamcontatoimediatocomasunidadesnalinhadafrente.Porém,osmeiossemfioseramdetransmis‑sãolenta,as linhas telefónicas,sujeitasacontínuoscortesdevidoaosbom‑bardeamentos,ficavamfrequentementeinoperacionais,asviaturasautomóveisatascavamnalama,osciclistaseraumalvoremuneradoreocontroloapar‑tirdoscéusnemsempreerafiáveleosmeiosaéreosrapidamentepassaramasersujeitosaofogoantiaéreo.Mas,sobretudo,osmeioseletroeletrónicosrevelaram‑seinsuficientesparacomandar,emtempoútil,milharesdehomensestendidosemcentenasdequilómetroseemprestarumaperceçãocorretadamarchadosacontecimentos.Comoresultado,erarecorrenteoscomandantesdasgrandesunidades,umavezcolocadaemmarchaumagrandeoperação,ficaremarredadosdasuaevoluçãoecontingências.

Emconclusão,aIGuerraMundialfoicaracterizadapelaimobilidade;porduasordensparalelasàesperaqueoutrosfatores,conduzissemàobliquida‑de.Oquesefoitentandofoi‑oatravésdearmamentosubstancialmentede‑senvolvido,comooscanhões,obuses,fuzisemetralhadoras,oudeinovaçõescomoautilizaçãodogás,dotanqueoudoavião,semsucesso.Opoderdonúmerodemilitaresdisponíveismarcoumuitadasuacondutae,nofinal,asuperiorcapacidadederegeneraçãodeforçaspelosAliados,adisponibilida‑dedemaisemelhoresmeios,aaçãodeconjuntodasforçascombinadaseaunidadedecomandosobomarechalFochimpuseram‑se.Maisdoqueemqualquer outra guerra, os exércitos dependeram sobremaneira da zona dointerior,poistransitaradocampodebatalhaparaasindústriasdearmamen‑toeaconscriçãoe,nesteaspeto,oenfraquecimentodaeconomia impostapelobloqueioeaquebrademoraldoscidadãosditaramaderrotaalemã.

Comoprevira,em1897,obanqueiroefilósofopolacoI.S.Bloch,nolivroAGuerra do Futuro e as suas Relações Técnicas, Económicas e Políticas, aguerra começou com a pá, que se revelou tão importante para o soldadocomoofuzil,desenrolou‑sedebaixodeummorticínioparaossoldadosso‑terradosnastrincheiraseterminoucomodesabamentodasfrentesinternas,antesdeoscontingentesmilitaresculminaremnocampodebatalha,devidoàbancarrota,àfomeeaostumultossociaisnospaísesvencidos.

2.3. Lições da Grande Guerra, general Adriano Beça

Relativamenteàtransformaçãodosassuntosdaguerra,ogeneralAdrianoBeçaescreveuumconjuntodedezanoveartigosderarofôlegonaspáginasda Revista Militar, sob o sugestivo título Lições da Grande Guerra, entreagostode1919eoutubro/novembrode1921.Artigosqueforamcompiladosepublicadosposteriormenteemlivro,pelaTipografiadaEmpêsaDiáriodenotícias,em1922.Sobreoautore respetivosconteúdosdeixamosalgumas

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anotações que complementam as considerações avançadas no subcapítuloprecedenteenormalizamoqueéusualdesignarporliçõesaprendidas.

O general Adriano Acácio Madureira Beça nasceu em Vinhais, Trás‑os‑‑Montes,a18denovembrode1857emorreuemMirandadoDouro,a1denovembrode1923.OficialoriundodaArmadeEngenharia,assumiu,entreoutras funções,asdechefeda1.ªSecçãodoComandoGeraldeInfantaria,secretáriodaComissãodeAperfeiçoamentodaArmadeInfantaria,secretáriodaEscoladoExército,chefeda2.ªRepartiçãoda1.ªDirecçãoGeraldaSe‑cretariadaGuerraevogaldoSupremoTribunalMilitare,apartirde1906,chefe de Gabinete do Ministro da Guerra Vasconcelos Porto, com quemcolaborou nas reformasmilitares levadas a efeito nos derradeiros anos daMonarquia.Foiainda,nalegislaturade1906‑1907,deputadopelocírculodeBragança.Nosprimeiros anosdaRepública, eporquenão foiumadesivo,manteve‑se algo afastado de cargos públicos, sendo então convidado peloPresidente Sidónio Pais para assumir o cargo de Comandante do CorpoExpedicionárioPortuguêsemFrança,quenãochegouaocupar.

Publicista de renomeedistinto escritor e historiadormilitar, do generalAdrianoBeçamerecem referênciaos seguintes títulos: (i)FormaçõesNovas(1895),obracujosprocessostáticosforamadotadospeloExércitoPortuguês,aindaantesdaGrandeGuerra,eacompanhadospeloexércitoespanhol,ale‑mãoeaustríaco;(ii)AEvoluçãodeTácticadeInfantaria,quemereceuo1.ºPrémiodaRevistadeInfantariaefoitraduzidonessemesmoanoparainglêseestudadoemInglaterra;(iii)OOficialnosExércitosModernos,asuaprepa‑raçãoea suamissãoeducadora, livroque foipremiadopeloMinistériodaGuerra;(iv)OGeneralSilveira.ASuaAcçãoMilitarnaGuerradaPenínsula;(v)LiçõesdaGrandeGuerra.

FoicondecoradocomaMedalhadeOurodeComportamentoExemplar,aGrã‑CruzdaOrdemMilitardeAviseoOficialatodeSant’IagodaEspada.FoiSócioEfetivodaRevistaMilitar,apartirde1921.

Os artigos, Lições daGrandeGuerra, publicados pelo autor na RevistaMilitar,podemserorganizados,temáticaecronologicamente,emnovepartes,emconformidadecomaespecificidadedosconteúdos,dequeextrairemosoessencial.Paraoefeito,deixamosumanotacomplementareumalerta:paracadatemarelacionadocomaGrandeGuerra,oautordescreve,amontante,asuaevoluçãohistóricaeosprincipaisfactosenformadoresdaguerra,sejarelativamenteàconceçãoestratégicaoucondutatática,àsarmascombatentes(infantaria,cavalaria,artilharia,engenharia…)ou,poranalogiacomopas‑sado,noqueconcerneàinovaçãodemeiostécnicos(metralhadoras,veículosterrestres motorizados de rodas e lagartas, elemento aéreo …); para umamelhorcompreensão,asideiasprimaciaisdoautorapresentam‑seconforme

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redigidasàépoca,queremtermosdeconteúdoeterminologia,queraoníveldacaligrafia.

I –Aevoluçãonaartedaguerra42

Oartigo,queservede introduçãoaoacervonoseu todo, relevaopro‑gresso domaterial de guerra ao nível da balística e o consequente poderdestruidorqueconferiuaosexércitos,osnovossistemasdefortificações,queevoluiudaspraças‑fortesparaasfortificaçõesdecampanha,autilizaçãodosmeiosquímicos,enquantomultiplicadoresdosmeiosdecombate,medianteutilizaçãopelainfantariaoupelosobusesdaartilharia,ocaráterdalutanastrincheiras,que“exigiadoscombatentesumavigilânciaextrema,umaactivi‑dadefebril,umagrandeenergiaeumatemperamoraldeprimeiraordem”easformasessenciaisdaguerranocontextodaproblemáticaofensivaversusdefensiva,ouseja,aguerradeposiçõesporoposiçãoàguerrademanobra,quemarcouosconstrangimentostáticosdoconflito.

II –Osnovosinventosdaguerra.AAeronáuticaMilitar43

Iniciacomumconjuntodemeiosinovadoresqueemprestariamummodusinovadoràguerra,nomeadamente,osaeroplanos,oszepelinseobalãodi‑rigível(meiosaéreos),a telegrafiaóticaesemfioseo telefone(meiosele‑tromagnéticos),ostanquesingleses(meiosterrestres)eosubmarinoalemão(meionaval).

AAeronáutica, entendidacomoaquintaarmadosexércitos,mereceaoautordois textos,ondeanalisaasuaaçãonasoperaçõesmilitareseantevêoseufuturonasmaisvariadasutilizações,quenãosóasdecarátermilitar.Aníveldasoperaçõesmilitaresdefinecomoobjetivosdaaeronáuticamilitaroreconhecimentoestratégicoetático,raidesparaolançamentodebombasecaçaaosaparelhosinimigos,explicitandoquaisosmeiosadequadosparaaprossecuçãodosobjetivos.Aesterespeito,refereque,enquantoosAliadosdavampreferênciaàutilizaçãodeaviões(utilizaçãotática),aAlemanhacon‑centrouaatençãonosdirigíveis (utilizaçãoestratégica), fazendoumestudocomparativo entre as vantagens e desvantagens de cada um.Depois, paracadameioaéreo,discorreprofusamentesobretécnicasdeconstrução,capa‑cidadeeautonomia,deficiências,vulnerabilidadeseempregabilidadeduran‑te a guerra, não ignorando os resultados alcançados pelos beligerantes.Tambémohidroaviãoéreferenciado,enquantoramodaaeronáutica,tendoemcontaaguerranomareadefesadacosta.

42 RevistaMilitardeagostode1919.43 RevistaMilitardesetembroeoutubrode1919.

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Comoparacadaarmahá,pornorma,aantiarma,ogeneralAdrianoBeçafrisaapreocupaçãodosbeligerantesem“fabricar canhõesespeciaisparaaexecução de tiro anti‑aéreo (tiro vertical) a fim de derrubar os aparelhosaeronáuticos inimigos”.Para tanto,desenvolveascaraterísticas técnicasqueaartilhariaantiaéreadevepossuir.

São‑nos,também,apresentadososinstrumentosauxiliaresdaaeronáuticamilitar,comoasespingardasemetralhadoraseascâmarasfotográficasutili‑zadasem“aeroplanosbi‑pessoais”,osespelhos convexosparaodia, luzeselétricaalimentadasporacumuladoresparaanoite,aparelhostransmissoresdetelegrafiasemfioseprojetoresdeiluminaçãoparaidentificaraviõesini‑migos.

Por fim, é feito um ligeiro estudo relativamente à composição orgânicados serviços aeronáuticos dos beligerantes da Entente, avançando o autorcomavisãodefuturoqueanovaarmaconheceria.Paraoefeito,alerta“nãoseiludamaquelesquenelaapenasqueiramvermaisumaespecialidadeouramo da arte militar. Qual sentinela vigilante do espaço, o aeroplano, noiníciodasoperaçõesmilitares,vaisurpreenderasconcentraçõesdetropasempaísinimigo;fixaospontosdeconcentração,dondeéfácildeinferiraslinhasdepenetraçãoseguidaspeloinvasor.É,comosevê,umaarmaqueentraemfunção bastante tempo antes de começar a batalha, desempenhando umagrandepartedasmissõesestratégicasatéhojecometidasácavalariadedes‑coberta; acompanha a luta terrestre em todas as suas fáses, observando ocampoinimigoaomesmotempoquesustentaocombatecomaviõesadver‑sos”.

Terminacomasvalências,hojeutilizadas,doaviãoenquanto facilitadordas“relaçõescomerciaiseindustriaisentreosdiversospovos,imprimindoamaiorrapidezaotransportedacorrespondênciapostal,depassageirosedemercadorias”.

III –Oautomobilismoeostanquesnasoperaçõesmilitares44

Oautomobilismoaqueoautorsereferenadamaisédoqueamotori‑zaçãodosmeiosdetransporteedecombateterrestresutilizadosnaguerra,desdeoscarrosecamiões, atéao tanque.As suasvalências são inegáveis,detalformaqueosestados‑maioresestudaramasuarentabilidadeaoníveldomovimentoestratégico,dotransportelogísticoedaatuaçãotática.Depoisdediscorrersobreaevoluçãodosmeiosmotorizados,desdeasuautilizaçãocivil até a empregabilidade militar (ordem de marcha e formas de traçãoautomóvel),ogeneralAdrianoBeçaespecificao“automobilismonaAlemanha

44 RevistaMilitardenovembroedezembrode1919ejaneiro,fevereiroemarçode1920.

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enosexércitos inglêsenorte‑americano”,parasedeter longamentenasuamais‑valia relacionada comaBatalha doMarne, de 1914, quedescrevedeformaminuciosa.

São interessantes as conclusões que retira damaismarcante e decisivabatalhatravadanoiníciodaguerranafrenteeuropeiaocidental,quemarca‑ráatransiçãodamanobraparaasposiçõesdastrincheiras:“nessabatalhaasuperioridadedasituaçãoestratégicacabiaaosfranceses,masasuperiorida‑detácticaestavadoladodosalemães.(…).Oquesalvouasituaçãoedeuo triunfo aos aliados foram as altas qualidades guerreiras da raça francesa(…).Foioconjuntodetôdasestasqualidadesquelevouosfrancesesare‑sistiràoutrance,agarrando‑seaoterreno,defendo‑ocomoseusangue,comasuavida,comtodooseuheroismo.EstaresistênciatenaznocombatedeutempoaquesucessivosreforçosacorressemdetôdaaparteàlinhadefogonoOurcq, tornando‑semanifesta,claramentevisível,nestemomentocríticoparaaFrança,aimportânciadoautomobilismoquehavendoprestadorele‑vantes serviços no decurso da batalha, corôou a sua obra transportando atodaavelocidadeaocampodelutaosúltimos20.000combatentesaprovei‑táveisdaguarniçãodeParis”.

Nesteparalelismo,aimportânciadosveículosmotorizadosseguedoMar‑neparaabatalhadefronteirasea imensamovimentaçãodosexércitosemdireçãoaomaratravésdos“comboiosdeautomóveis”,naprocuradecon‑tornareultrapassarasdefesasdoinimigo,fixaaindaacampanhadaGalícia,de1915, adefesaaliadadeVerdum,em1916,ea campanhadaRoménia,ocorridanomesmoano.

Oúltimoartigodesta sériededicada aos veículosmotorizados centra‑senos“tanks,oumodernoscarrosdeassalto”.Curiosamente,eporcomparaçãocomoutrosmeiosbélicos,areferênciaécurta,talvezpornãoseraindabempercetívelassuascaracterísticas.1915éoanomarcante,quandoosalemães,incapazes de romperem as defesas franco‑britânicas, organizam defensiva‑menteoterreno,demodoamanteremasposiçõesemsolofrancês,enquan‑to“vibravamgolpesdecisivosnoteatrodeguerraoriental”.Foinestecontex‑todeimpassequeosAliadospensaram“numnovoinstrumentodecombateque permitisse triunfar da tenaz resistência da linha alemã. (…). Ocorreuentãoaos inglesesa ideadeconstruíremumveículoautomóvelcouraçado,comgrandemobilidadeemtodososterrenosecomcapacidadeoupotênciadereduzirosninhosdemetralhadoras,dederrubarmurosdepequenaaltu‑raededestruirasredesdearamefarpadodoinimigo,transportandocanhõesparaanulararesistênciaqueoadversáriopudesseoferecer”.

Depois,citaalgumasdasbatalhas,aseguiraoSomme,ondeautilizaçãodo tank foiútil, comoemArras,Messinesea3.ªbatalhadeYpres.Referetambémaartilhariadeassalto «inventada»pelosfranceses(peçasde75mm

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colocadas em automóveis couraçados), que acompanhava a infantaria emdireçãoàslinhasdoinimigoe,porfim,identificaostanquesenquantomeiosintegrantesdoexércitoalemão,apartirdasofensivasde1918.

IV –Oempregopelaartilhariapelosprincipaisexércitosbeligerantes45

“Aartelharia adquiriugrandedesenvolvimentoeumaextraordinária im‑portâncianaguerrade1914‑18”;édestaformaqueaanálisedaarmarainhadaIGuerraMundialé iniciada.Comprecisão,écaraterizadaaartilhariadecadaumdosatoresemconflito–exércitofrancês,alemão,inglês,austríaco,russo,italiano,americano–tantoaoníveldaproduçãoindustrial,suaorgâ‑nicaemordemdebatalhaedisposiçãotática,comorelativamenteàmobili‑dade,calibragem,precisãoecadênciadefogodaspeças.Acapacidadedasartilhariasdosbeligerantesétambémcomparada.

Seguem‑seas“tendênciasparaumanovaclassificaçãodomaterialdear‑tilharia,devidoà“anomalia”dispersacomqueasdiversaspeçaseramcata‑logadas, levandoem linhadecontaamobilidade (traçãoanimal,mecânicaou a vapor), opeso e o calibre daspeças e apotência de fogo.Assim, aartilhariaficaencerradaemduascategorias:(i)artilhariadecampanha,com‑postapelos“canhõescujocalibrenãoexcedea9centímetros”(artilhariali‑geira)equesepodemmobilizarpelosseusprópriosrecursoseacompanharas incidências da batalha; (ii) artilharia pesada, cujos canhões têm calibresuperiora9centímetros,constituídapelaartilhariapesadadecampanha,queinclui asbatariasmontadas e asbatariasque sedeslocamna “cadenciadopasso”;eaartilhariapesadadeposição,ou“artilhariapesadadegrandepo‑tencia”,quenãodispõedeelementosprópriosdetracçãoecujamobilidadenão permite emprega‑la em todas as circunstâncias” (costa, marinha e depraças‑fortes).

Relativamenteàartilharia,éporfimapresentadauma“ideageralsobreoempregodoscanhõesdepequenoegrandecalibrenocampodebatalha”:(i)oscanhõesdepequenocalibre(artilhariadetrincheira)“empregam‑separacontrabateraartelhariasimilaradversa.Asuaespecialidadeéotirodecon‑tençãoparaauxiliarumataqueoupararechaçarumcontra‑ataquedoinimi‑go”,podendo tambémbater “eficazmenteasmetralhadorasadversas”– tiropróximo;(ii)oscanhõesdemédiocalibre(artelhariapesadadecampanha),empregam‑se, emgeral, comocontrabatariaseparaadestruiçãodasobrasligeirasdefortificaçãodecampanha”,podendo“cooperarcomaartelhariadepequenocalibreno fogode contenção,quernoataque,quernadefesa, ecomaartilhariadegrandecalibre,–artelhariapesadadeposição–,notiro

45 RevistaMilitardemarço,maioejunhode1920.

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debarragem;(iii)aartilhariapesadadeposição“contrabatea inimiga,des‑truindoos seuspontosde apoio e soterrando as tropasnos seus abrigos”;(iv) a artilharia pesada de grande potência “é especialmente indicada parabombardear localidades situadas á retaguarda das linhas adversas, destruirobrasdefortificaçãomaisconsistentes,assimcomoparabateraslinhasfér‑reas, nós de comunicações, pontos e vias de reabastecimento, bivaques,parquesdeaviaçãoeinstalaçõesdeaviõescativos.

V –Oempregodasmetralhadoraseespingardasautomáticaspelosexér‑citosbeligerantes46

No que concerne à metralhadora, é referido que a grande guerra de1914‑1918consagrouasuaimportâncianocampodebatalha.Detalformaque “esteengenhoso instrumentodeguerra revelouum talpoderdedes‑truição das resistencias vivas em luta que, pela sua notavel eficiencia nocampo da acção, veio determinar profundas modificações, nos processostacticosdasdiversasarmasenocomplicadomaquinismodocombatemo‑derno”.Eparaoilustrar,oautorrefereque“nodecursodaguerrahavia‑sedemonstradoporuma formaexuberante, insofismavel,queumametralha‑dora estabelecida em posição conveniente e maneiada por mãos peritas,bem treinadas, podia defrontar‑se vantajosamente com duas companhiasinimigaseresistiraoembatedumbatalhãodeinfantaria”.Osexemploses‑tudadosemtermosdearmassãoaLewis,Vickers,ColteBrowning(utiliza‑das pelos aliados), a Maxim (alemã), a Schwarzlose (austríaca), a Perino(utilizadapelositalianos).

O texto aborda ainda aorganizaçãodasmetralhadoras eo seu agrupa‑mento táticonocampodebatalha–poderde fogoofensivooudefensivo,emunidades independentesouemapoioda infantariaoudacavalaria,ouaté,mais remotamente, enquanto reservade fogo.A importância crescentedoseupoderdefogolevouaumaumentoprogressivodasuadisseminação,a par das espingardas, nos exércitos beligerantes. As preocupações comoseurendimentonocampodebatalhamotivouaponderaçãodosmétodosdetransportedaarma,queconsistia:“dorso,emviaturas,sobrodados,emside‑car, sobre automóveis simples e até sobre automóveis blindado”s. Para sechegaràconclusãoqueatraçãomecânicaaumentava“ovalordasmetralha‑doras no campo de batalha”. Por fim, é ensinado como as metralhadorasdevem ser empregues no combate moderno, tanto na ofensiva (apoio defogosdaartilharia,“ossaturadaslinhasdeataque”,posiçãodeassalto,con‑solidaçãoderedutoconquistadoouperseguiçãopelofogo),comonadefen‑

46 RevistaMilitardejunho,julhoeagostode1920.

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siva(barragemdeacesos,posiçõesdestacadas,pontosdeapoio,ninhosdemetralhadoras,antitank).Umanotafinalparaasespecificidadesaquedeveobedecero“recrutamentodopessoalmetralhador”.

VI –AInfantaria47

Sugestivamente,ogeneralAdrianoBeçainiciacomumafrasedomarechalFoch “a artelharia abala a resistência do adversário, compete à infantariavencê‑lo”,quecomplementacomumdebateemtornodaquestãoartilharia‑‑infantaria,citando“aartelhariaconquistaoterrenoeainfantariaocupa‑o”ouainda“asarmasquedecidemasbatalhassãoasespingardaseasmetra‑lhadoras”,paradiscorrersobreaproclamadarainhadoscamposdebatalhaeasespecificidadesaqueaGrandeGuerraasujeitou,quecolocouemcau‑samáximasassumidasaolongodeséculosdeguerras.

Por isso, defineque “émister, pois, estudar osprincipios essenciais docombate,o seumecanismoedesenvolvimentocompleto, especialmentenapartequeserefereàinfantaria,quesendoaarmaprincipaldosexércitos,étambemnaopiniãoautorizadadeVonScherff,aunicacapazdeexercerso‑breatácticaumaacçãodedirecção,dependendoatácticadeconjunto,outácticacombinada,damaneiracomofôrempregadaainfantarianocombate”.AGrandeGuerraeasexigênciasdocombateterrestrealterou“aconstituiçãoorgânicadasunidades”,desdelogonoexércitoalemão,queoautoranalisouemparticular.Defacto,adotou“aordemternárianadivisão(…)desapare‑cendoabrigadacomounidadeintermediáriaentreoregimentoeadivisão”,enquanto“ocorpodeexércitopodiaincluir3a5divisões”.Osregimentos,enquantounidadestáticasfundamentais,incluíam,alémdoarmamentotradi‑cional comoasespingardaoumetralhadoras, “granadasdemão, lança‑gra‑nadas, lança‑minas, lança‑chamas e lança‑gases”, que “concorreram eficaz‑mentepara omais cabal desempenhoda complexidadede serviços que aconflagraçãoeuropeiaveioimporàsunidadesdainfantaria”.

Depois,comentaosdispositivosdecombatedainfantaria,comasunida‑desescalonadasemordemdebatalhaemduasoumaislinhaseumareserva,consoante o combate se travava nas trincheiras ou em campo aberto. Naofensiva,“oprocessoempregadoparaoataqueconsistiaemsucessivaslinhasdeatiradores,constituindoasdenominasondasouvagasdeassalto,lançadasemdirecçãoaosobjectivosescolhidos”,quepodiamsermaisdensasoudis‑persas.Destaqueparaosbatalhõesdeassalto,“verdadeirastropasdeelite”,aquemsepediaadecisãoemmomentosespecíficosdabatalha.Contudo,oataque por vagas sucessivas, destinado a obter omáximo de potência em

47 RevistaMilitardeoutubro,novembroedezembrode1920.

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profundidade, obedecia a um princípio regulador: “nenhum limite podemarcar‑seaoataquedainfantaria”.

Econclui,“atácticaalemãdocampodebatalhainspirava‑senoprincipionapoleonicodevibrargolpessobregolpes,semdeixardescansaroinimigo,fazendoconvergirsobreoscentrosdaresistenciaadversasucessivasmassasdetropas,tendoemvistaamáximadograndecapitãodostemposmodernosdequea fôrçadumexército, comoa fôrçadummovimentoemmecânica,seavaliapelamassamultiplicadapelavelocidade”.

VII –ACavalaria48

Acavalaria,armadedecisão tática, foiempregue,comrelativosucesso,duranteasfasesdemovimentodaguerra,paradecairdeimportânciaàme‑didaqueaguerradetrincheirasseimpunhaeomovimentoserestringia.Detal formaquepassouacombater como infantaria, istoé, apeadaecomasarmas utilizadas por esta; a partir de 1916, a sua utilidade foi repensada,utilizando‑aquandofossepossívelenecessárioromperporumabrechaaber‑tanodispositivoadversárioouparaefetuaraexploraçãodosucessoobtidopelasoutrasarmas.Estamáximatornou‑separticularmentenotadanoexérci‑tofrancês,quenofinaldaguerrabaniuatradicionallançadohomemmon‑tado.

Extraídodasdiretivasdocomandodoexércitofrancês,épossívelaferiroempregoda cavalaria decorrente dos ensinamentos daGrandeGuerra: “(i)aopassoqueantesdaguerraseconsideravageralmenteaexploraçãocomoo campode actividadeomaisnormal eomais frutuosoda cavalaria, estaarmaprecisaomaisdasvezesabandonaressamissãoáaviação.Aocontrario,aparticipaçãodacavalarianabatalha,queerageralmenteconsideradacomoumaeventualidadecadavezmaisrara,constituehojeasuamissãoprincipal.Narealidade,todasastransformações,todososacréscimosdemeiosdeacçãoteemsidofeitosemvistadelhepermitirsustentarumcombateofensivodu‑radouro; (ii) o cavalo éutilizadopara levar rapidamentegruposde fogo ábatalha; depois, durante a acção, transporta‑los para os flancos ou para aretaguardadoinimigo.Oscasosemqueacavalariapodeinterviracavaloeá arma branca, sobretudo em grandes unidades, são raros; (iii) só a partetratandodocombateapéfoicriadaedotadacomtodasaspeças.Asevolu‑çõesacavalo,oserviçodecampanhacontinuamaregêr‑sepelosregulamen‑tos existentes antes da guerra; (iv) na parte respeitante aos métodos decombate,aidéafundamentalresidenacombinaçãodocombatedefrenteapécomoenvolvimentoacavalo,procurandoosflancosdoinimigo.Éprin‑

48 RevistaMilitardejaneirode1921.

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cipalmente por meio do canhão e das armas automáticas que se procuraatingir esteponto fraco; (v)quando se falada intervençãoda cavalarianocombate,deveporviade regra supôr‑sequeela é apoiadaporelementosauxiliaresmuito poderosos, que fazem parte orgânica ou não das grandesunidadesdecavalaria(canhões,apoiosdainfantaria,aviões,carrosdeassal‑to, etc.); (vi) a cavalaria divisionaria tem sempre umamissão de combate;(vii) a ligação desempenhaumpapel importante em todas as operações eistoexplicaadiversidadedosváriosmeiospostosemacçãoparaestefim”.

OgeneralAdrianoBeçaaventa,emconclusão,aevoluçãoaoníveldosprocessos táticoseestratégicosdacavalariadosprincipaisexércitosbelige‑rantes, decorrente da I Guerra Mundial: “a cavalaria continua a ter o seuempregotacticonocombate,talvezemmaislargaescala,semprescindirdasua aplicação estrategica nas grandes operações da guerra, nos reconheci‑mentosdebosques,dospovoadosedeoutroslugaresondepodemocultar‑se tropas, que a aviaçãodificilmentedescobriria.De futuro, a lutade trin‑cheirasnãoimobilizaráfrenteafrenteportãolargoespaçodetempo,comosucedeuna recente conflagração, os exercitos adversos, porque será difícilreproduzirumconjuntodecircunstanciasidenticasãquelasqueseseguiramássanguinolentasjornadasdeCharleroiedoMame.Osprogressosdoarma‑mento tornandomais potentes os efeitos do fogo levarão os adversarios aaproveitarmaislargamenteospontosdeapoiooferecidosnaturalmentepeloterreno,ouorganizadospelas tropasnocampodebatalha.Acavalaria teráderecorrerfrequentementeaofogodassuascarabinasedassuasmetralha‑doras.Ascargasserãoraras,especialmenteochoqueáarmabranca,masnarefrégatornar‑se‑áaindanecessariooempregodapistola.Acavalariarecor‑rendo commais frequencia ao combate a pé carecerá de ser apoiada porumaartelhariamaisnumerosa.Alançaserábanida,vistos6teraplicaçãonascargaseconstituirumsérioembaraçonarefrega”.

VIII –AEngenhariaeosserviçosauxiliares49

ParticularmentenoteatrodeguerradaEuropaOcidental,osprogressoseimportânciadaengenhariamilitar foramnotáveis.Oresumo,vertidoaesterespeitopeloautor,eleprópriooficialdeengenharia,éclarificador:“aten‑denciaparaoalargamentodosmeiostecnicos,osistemadasespecializaçõeslevadoatéáspequenasunidadesdetropasoudeserviçosmilitares,osnovosengenhoseinventosdeguerra,osaviões,osdirigiveis,osgasesasfixiantes,adescobertadeexplosivosdemaiorpotênciaprolongandoindefinidamentealutaentreocanhãoeamassacobridora,determinaram,comoeranatural,

49 RevistaMilitardeabril‑maiode1921.

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umagrandeampliaçãodosserviçospropriosdaengenhariaeoconsequenteacréscimodasunidadescorrespondentementeorganizadas.Sendomultiplosos serviçoscometidosàengenhariamilitardesdeooutonode1914eatin‑gindoestesserviçosnodecursodaguerraumextraordinariodesenvolvimen‑tofoimister,nãoobstanteoaumentoconsideraveldeefectivosdestaarma,tornar independentes alguns serviços das novas especialidaies técnicas, su‑bordinandooutrosásunidadesdainfantaria,deformaadeixarastropasdeengenhariamilitar,propriamentedita,especialmenteentreguesàarduamissãode dirigir e executar a fortificação do campo de batalha, e da construção,reparaçãoedestruiçãodascomunicações,serviçosqueassumiramumacon‑sideravelimportancianaultimaguerra.Anaturezadosserviçosdastropasdeengenhariadivergiabastantesegundoasformasessenciaesdefazeraguerra.Nadefensivaeramgeralmenteaproveitadasasaptidõestécnicascombativasdestaarma,empregando‑a,conjuntamentecomtropasauxiliares,nafortifica‑çãoeorganizaçãodefensivadocampodebatalha,nadisposiçãodeacam‑pamentos e de acantonamentos em segunda linha, ou na construção dealojamentosdeocasião,tornando‑semuitasvezesefectivaasuacooperaçãotacticanocombateparaajudararepelirospotentesassaltosdoadversário,ouaparticiparnosupremocontra‑ataquedosdefensoresdaposiçãoocupa‑da. (…).Na ofensiva, alemda destruição dos obstaculos antes ou duranteassalto,oobjectivoprincipaldaengenhariamilitarconsistiunaconservaçãoe restabelecimentodascomunicações,condiçãoessencialda impulsãoparaafrentedomaterialpesado.Assim,areparaçãodasestradasedasviasfer‑reas, ou a construção de novas arterias de comunicação, a construção depontesmilitaresouareparaçãodasdestruidaspeloinimigofoiamaisarduaeimportantemissãodastropasdeengenharia”.

Sobreosserviçosauxiliares,destaqueparaosserviçosdesubsistências,oserviçodemunições eos serviços sanitáriosque tiveramum incrementoeumaimportânciavitalparaalimentarecuidardastropaseabastecerocom‑bate.

IX –Aguerradeposiçõeseosdiversosescalõesdeataque50

RelativamenteaconsideraçõesgeraissobreabatalhanaGrandeGuerra,oautorrefereque“agrandeduraçãodaúltimaguerra,fazendopôremjôgoosmultiplíces elementos de acção e os variados instrumentos de combatequeaactividadeeoengenhodosbeligerantesiamsucessivamenteinventan‑doeutílizandodeformaaobterdelesomáximorendimentoeaeficiênciadequeeramsusceptíveisnaluta,permitiuqueosprocessosdeataqueede

50 RevistaMilitardeabril/maio,junho/julho,agosto/setembroeoutubro/novembrode1921.

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defesa seaperfeiçoassemdeanoparaano,atingindoem1918umgráudeprogresso que excedeu as previsões dos grandes homens de guerra”. Depermeio,debatearelaçãoentreestratégiaetática,ofensivaedefensiva,ope‑raçãopor linhas interioresouexteriores,marcandodiferençasdeconceçãoentreosAliadoseaAlemanhaedandoexemplosocorridosduranteaguer‑ra.Elencatambémasformasdemanobrapassíveisdeutilizaçãopararomperosdispositivosinimigos(ataquefrontal,envolvimentoouacombinaçãodasduas,otorneamentoeataquepelaretaguarda,oefeitosurpresa).Referedeseguidaa sensívelquestãodamobilização,definindoapropriadamenteque“amobilizaçãoéaoperaçãopreliminarqueestabeleceatransiçãodopédepazaopédeguerra”;foioqueefetivamenteaconteceuemjulho/agostode1914.

MasotemacentraldosúltimostextosdogeneralAdrianoBeçaprende‑‑secomaguerradeposiçõeseanecessidadederuturadafrente,demodoapermitir amanobra; afinal, essa foi a imagemqueGrandeGuerra legouparaaposteridade.Doladofrancês,aprimeiraopçãopararomperafrentealemã(setordeArras,abrilde1915)foiatravésdeintensofogodeartilharia,seguidodeassaltopela infantaria,mediante reiteraçãodeesforços.Aaçãonãotevesucesso.Seguiu‑seidênticoprocessoconcretizadoporforçascom‑binadasanglo‑francesas(regiãodeChampagne,setembrode1915),tambémsemefeitospráticos. Entretanto,os alemães aproveitaramparaorganizar adefesa através de uma sucessão de linhas em profundidade. Seguiu‑se oSomme, colocando‑se as peças de artilharia mais avançadas, de modo abateras1.ªe2.ª linhasgermânicas, aspeçasdepequenoemédiocalibreforamdeslocadasapósaconquistada1.ªlinha,parabateralinhaseguinte,“sobre a qual se lançariam fortes colunas de tropas frescas de infantaria,procedendo‑se identicamente sobreoutras linhasorganizadas à retaguardapeloadversário”.Contudo,aaplicaçãonãofoijudiciosaentreosdoisaliadoseosresultadosalcançadosforammitigados.EmAisne(abrilde1917)ofogodeartilhariaincidiuduranteseisdiassobreasduaslinhasdefensivase,des‑tavez,procurou‑se“realizar‑sedumsógolpearupturadeambasaslinhaspeloempregodefortesmassasdeinfantarialançadasaoassaltodessaspo‑sições”.Semêxito.

AprendendocomosinsucessosdosAliados,nasofensivasgermânicasde1918,nomeadamenteade21demarço,aconcentraçãodasdivisõesfoire‑alizadadenoite,“aartilhariaapenasexecutouumacurta,masviolentíssimapreparação,empregandoobuses tóxicose fumigeniosparacegaro inimigoeparalisaradefesa”e“as tropasespeciaisdeassalto,asstosstrupen, foramdispostas para vibrar o golpe certeiro”. Apesar do avanço espetacular, decerca de 30 km, “a intervenção de grandes massas de cavalaria francesa,seguidadoafluxodegrandesreservas(…)conseguiususterairrupçãoteu‑

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tónica sobre Amiens”.Os princípios da ofensiva, definidos por Ludendorffassentaramentãoemtrêsfases:“obtençãodasurpresa;concentraçãodemeiosdecombateduranteumtemporelativamentecurtoesimultâneamentesobreumaprofundidadedeterrenotãograndequantopossível;arapidezeaener‑gianaexecução”.Relativamenteà“batalhaeruptura”, foideterminadoqueaofensivasedesenhavaemseisfases:“(i)preparaçãoepenetraçãonalinhainimiga; (ii) tomada da artelharia adversa; (iii) assegurar energicamente apossedoterrenoadquiridonaluta,rechassandooscontra‑ataquesdoinimi‑go;(iv)progressãoparaa frentedamassadeartelhariaede tropas frescasde infantaria, (v) novos ataques contra os centros da resistência da frentedefensivaeconsequèntesreacçõesoucontra‑ataquesdoinimigo;(vi)explo‑raçãodasbrechasabertasnalinhadefensiva–perseguição”.

Os alemães reiniciaram, então, o processo laçando mais duas grandesofensivas(9deabrile27demaio),mascomresultadosquenãoconduziramosAliadosàcapitulação.

Antes pelo contrário. Às ofensivas falhadas dos alemães sucederam oscontra‑ataquesquedariamaosAliadosavitóriadefinitivanaguerra.

Em31deoutubrode1917,oexércitofrancêsfixaumcorpodeconceitosdedicadosàofensiva,divididaemtrêspartes:“escalonamentoemprofundi‑dadeeorganizaçãodasunidadesparaoscombates;manobrasdeparadaparafrustrarosataquesdoinimigo;manobrasdeataque,parafixaroadversárioao terreno e persegui‑lo, se êle pronunciar a retirada”. Como “uma acçãoofensivapodecomportardiversosataquessimultâneosousucessivos”e“podedurarváriosdias”,oataquedeveassegurara“conquistadoterreno(…),comaprisionamentooudistruiçãodosefectivoseaapreensãodomaterial,(…)ea conservação das vantagens obtidas”. Para tanto, “as condições essenciaisdoêxitodeumataquesão“asuperioridadedosmeios,asurpresa,umapre‑paraçãocompleta”,devendoosobjetivosserjudiciosamenteselecionados.

Umderradeiroapontamentoparareferirque,em1918,osataquesaliadosobedeceramaumcomandounificado(marechalFerdinandFoch)eàutiliza‑çãodearmascombinadas(artilharia,infantaria,cavalaria,engenharia,meiosaéreosetanques),segundooseguinteesquema:“desencadeamentodoataquee progressão para o primeiro objectivo intermédio; ocupação do objetivonormaleconsolidaçãodoterrenoconquistado;progressãoofensivaemter‑renolivre.

AFrançafoivencedoradaGrandeGuerrae,semsurpresas,em1920reviuemodificouaInstruçãode20dedezembrode1917,queregulavaasaçõesdefensivasdasgrandesunidadesnabatalha:“organizaçãodadefesa;desen‑volvimentodasacçõesofensivas”.Comocondiçõesessenciaisparaaorgani‑zaçãodadefesareferia‑se:“(i)oescalonamentoemprofundidadedastropasempregadas; (ii)aconvenienteorganizaçãodefensivado terreno; (iii)a in‑

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dagaçãoeaexploraçãodasinformações;(iv)oestabelecimentodosplanosdedefesa”.

AverdadeéqueosplanosdedefesamarcaramaFrançanosanossubse‑quentesàguerra,queraoníveldafortificação,empregoconjuntodasarmas(infantaria,artilhariaeaviação),empregodereservas,assunçãodeumespí‑rito nacional de soberaniapátria, defesa anti aérea, contra golpes demão.PeloquesepercebedaexaustivadescriçãodogeneralAdrianoBeça,adou‑trinaofensivaedefensivasubjacenteàsInstruçõesFrancesasde1917marca‑ramacondutafrancesanaderradeirafasedaIGuerraMundialecondicionamopaísnosanosdopósguerra.Acrençanasvirtudesdefensivasdainexpug‑návellinhaMaginot,associadaàintransponívelflorestadasArdenas,origina‑ram um resultado nefasto em 1940, quando a Blitzkrieg da Alemanha deHitler(associaçãotáticadecarroscombate, infantariaeaviação)derrotoueocupouaFrançaemapenasseissemanas.

NotaFinal–OCasoPortuguêsSe a I GuerraMundial ocorreu devido ao dilema da segurança sentido

pelasgrandespotênciaseviveuatransformaçãodaguerra,Portugalexperi‑mentouodilemadaneutralidadepolíticaeosconstrangimentosdainterven‑çãomilitar.Portugal foibeligeranteno teatrodeoperaçõesdaEuropaOci‑dental,porqueoPartidoDemocrático,nopoder,assimodecidiu,aoarrepiodeconvergênciasnocontextopolítico‑partidárioecontraavontadedaNação.Os constrangimentos de índole militar assentaram na inexistência de umaparelhomilitarconsentâneocomatipologiadeguerraemcursoe,sobretu‑do,narelutânciadocorpodeoficiaisdoExércitoemparticiparnumconflito«estranho»relativamenteaosdesígniospercebidos.

Naverdade,aparticipaçãomilitarportuguesanoteatrodeoperaçõeseu‑ropeuestáeivadadecontradiçõeshistóricas,equívocospolíticoseconstran‑gimentosestratégico‑militares.

Emtodasasguerraseuropeiasprecedentes,GuerradaSucessãodeEspa‑nha (1701‑1715),dosSeteAnos (1756‑1763)edaRevolução (1793‑1815), aposturaestratégicaportuguesafoinosentidodaproclamaçãodaneutralidade,que nunca foi sustentada, por cinco ordens de razões: (i) política externaincoerente e difusa; (ii) ausência de um aparelho militar dissuasor; (iii) oterritório português era central relativamente à confrontação entre o podermarítimo (Reino Unido) e o poder terrestre (França); (iv) necessidade depreservação dos domínios ultramarinos; (v) a Espanha era o crónico atorperturbador,alinhandosemprecomapotênciaterrestre,poroposiçãoaPor‑tugal.

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AexpectativaestratégicadePortugalfaceàIGuerraMundialdifere,real‑mente,dasanteriores,desdelogoporque,pelaprimeiravez,nãopretendeaneutralidade,masumlugarnoconcertodasnaçõesbeligerantes,«sugerindo»aadesãoaoblocoaliadoondepontificavaoReinoUnido.Nestecontexto,aposturaneutraldaEspanhacolocouLisboacomo«representante»daPenínsu‑lanoconflito,oqueequivaleadizerque,denovo,Portugalestáondenãoestá o vizinho ibérico. Relativamente à «potência continental agressora», aFrança (aliada de Portugal) é substituída pela Alemanha.No entanto,maisumavezaquestãoimperialestápresente,assentenanecessidadedepreser‑vaçãodosdomíniosafricanos51.

NãoécomumqueumpequenopaíscomoPortugalaceite,comindisfar‑çável satisfação, uma declaração de guerra de uma grande potência comoAlemanha.Masarealidadefoiessa.LisboaforçouaaceitaçãodebeligerânciaaumReinoUnidorenitente,quepretendiameramenteoconcursodeservi‑ços auxiliaresparaoesforçodeguerraeuropeiae facilidadesoperacionaisnoslimítrofesterritoriaisportuguesesnaÁfricaAustral,eaumaFrançacom‑placente,quesolicitouapoioemmaterialdeartilharia,massemasguarnições,econtraumaAlemanhadaqualpoucoounadatinhaatemeraníveleuropeu.

Apresentando‑secomofielaliadadaInglaterra,PortugalfoiparaaguerraparapreservaraspossessõesafricanasfaceàpressãomilitardaAlemanhanoSuldeAngolaenoNortedeMoçambiqueeparacontrolar(vigiar)ainteraçãodoReinoUnidonoambienteestratégicoafricano.Trata‑sedeumimperativoestratégico,umobjetivovitaldedefesadesoberania,aceitenageneralidade.RelativamenteàintervençãomilitarnaFlandres,obedeceuainteressessetoriaiseumameraopçãopolítico‑partidária,resvalandoparaobjetivossecundáriosmalcompreendidos52.

ApressãoportuguesajuntodogovernodeS.MajestadeBritânicavingou.Inclusivamente,pôdedefiniroteatrodeoperações,setivermosemcontaqueosAliadosterãoequacionadoacanalizaçãodoesforçodeguerraportuguêsparaaregiãocentro‑suldaEuropa,enquantoforçademoldagem,tendoemconta a retiradadosDardanelos, depois do fracassodeGallipoli. Portanto,conformeproclamadoemDiáriodoGoverno,“pelaprimeiravez,dehácemanosaestaparte,abandeiradePortugalflutuará,denovo,noscamposdebatalhadeEuropa”.

51 AbílioPiresLousada,AEstratégiadePortugalFaceaosConflitosMilitaresInternacionais,inEstudosdeHomenagemaogeneralAbelCabralCouto,Lisboa,InstitutodeEstudosSuperio‑resMilitares,2014.

52 MiguelFreire,OCorpoExpedicionárioPortuguês,http://www.portugalgrandeguerra.defesa.pt/Documents/Forms/AllItems.aspx(pdf).

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Portugal aprontou um corpo expedicionário (corpo de exército a duasdivisões)emTancos,commaisde55000homens,queprojetouparaafren‑tedaFlandrese combateuao ladodo IExércitoBritânico.Noentanto,osproblemas avultaram. Com um treino efetuado à portuguesa, em Tancos(desfasadodarealidadedaguerrade trincheiras),guerraà inglesa(modelotécnico‑tático),emterritóriofrancês,sobreainclemênciadeumclimabelgae contra um inimigo alemão, o ambiente tinha todos os ingredientes paracorrermal.Ecorreu,associando‑se‑lheasdificuldadesdemobilização,devi‑doacrónicosproblemasdedisciplina,eàausênciaderendiçãodasforçasde teatro,por inexistênciademeiosmarítimospróprios (apesardoapresa‑mentodecercade70naviosmercantes,a9demarçode1916,que foramcolocadasnaesferadocontrolobritânico)edaindisponibilidadedeforneci‑mentopeloReinoUnido,queargumentoucomaurgênciadeapoioàcana‑lizaçãodeforçasamericanasparaaEuropa.

Odesastre confluiua9deabrilde1918,em laLys,umdiade infernoparaa2.ªDivisãoportuguesa(remanescentedocorpodeexército)que,emfase de rendição e retirada de setor (12 km, Fauquissart‑Neuve Chapelle‑‑FermeduBois), sofreuaofensivado6.º exército alemão,no contextodaoperação Georgette53. O resultado de toda a equação foi o fim do CorpoExpedicionárioPortuguês(quase2000mortos,maisde5000feridosecercade7000prisioneirosedesaparecidosnumsódia),relevando‑se,noentanto,atosdepuroheroísmo,comoda4.ªbrigadadoMinho(infantaria3,deVia‑nadoCastelo,8deBraga,e20deGuimarães),nadefesadeFauquissarteLaventie,oudeinfantaria13,deVilaReal,emLacouture54.

OgeneralAdrianoBeça,apoiando‑senolivroOCorpodeExércitoPortu-guêsnaGrandeGuerra,dogeneralGomesdaCosta(curiosamentesemre‑ferir o autor), centra o texto relativo à participação militar portuguesa noconflitonaanálisedodispositivotáticodefensivodoCEP,quecriticarelati‑vamenteàextensãodafrente,posicionamentoeescalonamentoemprofun‑didade das brigadas, reduzido contingente e falta de apoio britânico nosacontecimentosde9deabril55.

Doscercade105000efetivosmobilizadosparaaguerraemÁfricaenaFlandres,verificaram‑se38000perdas–36%dototal.ÉumdesastremilitarsemparalelonaHistóriadePortugal.

53 GomesdaCosta,OCorpoExpedicionárioPortuguêsnaGrandeGuerra.ABatalhadoLys,Porto,RenascençaPortuguesa,1920.

54 DorbalinodosSantosMartins(coord.),EstudodePesquisaSobreaIntervençãoPortuguesana 1.ª GuerraMundial (1914‑1918) na Flandres, Lisboa, Estado‑Maior do Exército/DDHM,1995.

55 RevistaMilitardedezembrode1920.

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Nofinaldoconflito,asoberaniaemÁfricaestavaasseguradaeaRepú‑blicainsertanoconcertodasnações.MasoPaísherdouumExércitodesmo‑ralizadoequantitativamentedesproporcionadoeumaMarinhaque,conformelamentouocomandantePereiradaSilva,atingiuo«zeronaval».Oresultadofoioaumentodastensõesentreaclassepolíticaeocorpodeoficiais,comaquelaaculparestepelofracodesempenhonoconflitoeosoficiais,revol‑tados pela obrigação de participarem numa guerra alheia, a culparem ospolíticospelasderrotasehumilhaçõessofridas56.Queconfluiriamno28demaiode1926,aquedada1.ªRepúblicaeainstauraçãodaDitaduraMilitar.

Porisso,ogeneralGomesdaCosta,quecomandoua2.ªDivisãoemLaLyseencabeçouarevoltamilitarde1926,escreveu“senãoobteríamosresul-tados superiores limitando a nossa acção militar ao Ultramar, batendo osalemãesnasduascostasdeÁfrica,oqueerarelativamentefácile,apoderan-do-nosdasnossascolónias,concluídaaguerra,liquidaríamosanossasitua-çãofinanceiraecolonial”57.

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56 AbílioPiresLousada,ob.cit.57 GomesdaCosta,ob.cit.

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