porque tão caras (1)

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Porquê tão caras? Recordes recentes de vendas da Christie’s são a imagem das transformações pelas quais passa o mercado da arte e o capitalismo contemporâneo. Jorge Barcellos – Doutor em Educação Nunca se pagou tanto por um Picasso. Por 160 milhões de dólares, um comprador anônimo levou a pintura As mulheres Argel. E outro levou a escultura Homem Apontando, de Alberto Giacometi, pela bagatela de 141,3 milhões de dólares (ZH, 13/5). A questão que está na cabeça do leitor é: por quê os preços das obras de arte estão nas alturas? Foi André Gorz que chamou a atenção pela primeira vez para o fato de que no capitalismo moderno o capital imaterial está substituindo o capital fixo material. Quer dizer, conhecimento, inteligência, e por que não dizer, estilo, design e beleza tem se imposto como imperativos do capital. As novas técnicas de poder do capitalismo neoliberal buscam ter acesso a psiquê, ao imaginário, aos sonhos e a sensibilidade. Esse é o campo da psicopolítica descrito por Byung-Chul Han e Slavoj Zizek, o dos novos horizontes do sistema de dominação que, ao invés de nos oprimir, nos seduz, campo propício para a inflação da experiência contemporânea de valor estético e ao entrelaçamento da arte com o mercado. O mercado da arte é um sistema complexo composto por artistas, museus, galerias, público especializado, colecionadores e casas de leilões. As duas obras em destaque nessa semana foram vendidas pela Christie’s, que, junto com a Sotheby’s, são as duas sociedades anglo-saxãs que dominam o mercado de vendas públicas de obras de arte. Cotadas na Bolsa de Valores, possuem sedes em Nova York e Paris. Em 2002 suas vendas totalizaram 890 milhões de dólares na Europa e 805 milhões nos Estados Unidos. Multinacional com objetivos estratégicos mundiais, a

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Porqu to caras? Recordes recentes de vendas da Christies so a imagem das transformaes pelas quais passa o mercado da arte e o capitalismo contemporneo.Jorge Barcellos Doutor em EducaoNunca se pagou tanto por um Picasso. Por 160 milhes de dlares, um comprador annimo levou a pintura As mulheres Argel. E outro levou a escultura Homem Apontando, de Alberto Giacometi, pela bagatela de 141,3 milhes de dlares (ZH, 13/5). A questo que est na cabea do leitor : por qu os preos das obras de arte esto nas alturas? Foi Andr Gorz que chamou a ateno pela primeira vez para o fato de que no capitalismo moderno o capital imaterial est substituindo o capital fixo material. Quer dizer, conhecimento, inteligncia, e por que no dizer, estilo, design e beleza tem se imposto como imperativos do capital. As novas tcnicas de poder do capitalismo neoliberal buscam ter acesso a psiqu, ao imaginrio, aos sonhos e a sensibilidade. Esse o campo da psicopoltica descrito por Byung-Chul Han e Slavoj Zizek, o dos novos horizontes do sistema de dominao que, ao invs de nos oprimir, nos seduz, campo propcio para a inflao da experincia contempornea de valor esttico e ao entrelaamento da arte com o mercado. O mercado da arte um sistema complexo composto por artistas, museus, galerias, pblico especializado, colecionadores e casas de leiles. As duas obras em destaque nessa semana foram vendidas pela Christies, que, junto com a Sothebys, so as duas sociedades anglo-saxs que dominam o mercado de vendas pblicas de obras de arte. Cotadas na Bolsa de Valores, possuem sedes em Nova York e Paris. Em 2002 suas vendas totalizaram 890 milhes de dlares na Europa e 805 milhes nos Estados Unidos. Multinacional com objetivos estratgicos mundiais, a Christies busca concentrar o mercado a partir de novas clientelas e objetos de vendas, dispersando seus locais de venda por todos os continentes. Sua rede internacional de operadores promovem sua imagem miditica sem fronteiras e no raro que sua ao eventualmente entre em contradio com a lgica da ao dos Estados que buscam proteger seu patrimnio nacional. essa estrutura de controle de mercado que faz subir os preos. Diz o economista Don Thompson que para os marchands o preo simplesmente uma parte de um processo necessrio para remunerar o artista e seu representante ideologia que visa ocultar a indistino entre arte e comrcio. Nada disso. Como afirma o filsofo Dany-Robert Dufour em O Divino Mercado, o sublime da arte que mudou de lugar, isto , foi transferido a sublimidade no est mais [hoje] na arte, mas na especulao sobre a arte(p.250). E completa: quanto mais o mercado da arte for poderoso e organizado, mais as condies gerais do mercado tendero a se impor produo artstica. Por esta razo no a obra em si determinante para a precificao, mas a reputao do marchand, do artista, do negociante, do potencial comprador, a linguagem corporal, os descontos oferecidos, se h listas de espera, etc. o que se chama de sinalizao, no caso, da galeria em que eram vendidas as obras. um mercado promissor: como os marchands sabem que cada mostra deve ter preos mais altos que a anterior, a promessa para os compradores que as obras so um investimento que ser repassado adiante por um preo superior. Os preos esto nas alturas por que este sistema viu recentemente o aumento de compradores ricos vindos da sia, Rssia e Oriente Mdio, alm do aumento dos especuladores e dos fundos de investimento. Neste mercado recordes tem um objetivo: servem para remarcao dos preos da obra de um artista.Mas no apenas uma mutao do mercado de arte. Para Gilles Lipovetsky e Jean Serroy em A Estetizao do Mundo: Viver na Era do Capitalismo Artista (Cia das Letras) as vendas so o indicador de que um novo tipo de capitalismo est emergindo, que deixou de ser em Rede (Castells), lquido (Bauman) e passou a ser, na melhor expresso, artista. O mercado da arte , junto com o design, a moda, as indstrias culturais, a publicidade, o cinema e o show business o novo campo de extrao da mais-valia. Vivemos a era da estetizao da economia com tudo que lhe correlato, a valorizao do consumo de estilos, do gosto e da beleza. A sensibilidade transformou-se no novo ativo das marcas no capitalismo, agora denominado Capitalismo Artista, caracterizado pelo peso crescente dos mercados da sensibilidade e do design process no qual o mercado de arte ocupa um lugar de destaque. Novo ciclo de indiferenciao entre esfera econmica e esttica, impensvel para Marx, coloca em alta a moda, a arte, o divertimento e a cultura. Acha muito 160 milhes de dlares por uma obra? Voc no viu nada, s esperar. Bem-vindo ao art business, ao mundo da arte como suporte de especulao e de rendimento. Triste a poca onde impera o para qu conhecer se voc pode comprar? e onde e a arte deixa de ser veculo questionador da ordem social para ser uma engrenagem a mais na produo do lucro.