porquê e como n - marketing social portugal · c a r l o s o l i v e i r a s a n t o s d e s p e r...

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Marketing Social www.fcebi.org 02 O lhai à vossa volta… Mulheres que revelam cancro de mama que poderia ter sido prevenido com exames prévios. Pessoas que agravam a obesidade com sérias consequências na sua saúde. Crianças que abandonam a escola. Empresas e ações que destroem o ambiente. Condutores que circulam com excesso de álcool. Pessoas que persistem no nefasto uso de drogas. E muitos outros exemplos, em muitos outros campos, nos poderiam ocorrer. Os nossos comportamentos sociais nefastos têm um custo e as suas consequências, para nós e para a sociedade, contribuem significa- vamente para o nível (mais baixo) de qualidade da nossa vida em comum. É por este movo que nos devemos interrogar: podemos melhorar os nossos comportamentos? Não só podemos como devemos. As nossas sociedades estão car- regadas com inúmeros custos e problemas e o nosso único caminho é contribuir para a sua melhoria. Muitas abordagens têm sido adotadas. Alguns creem que a edu- cação, a legislação ou a tecnologia podem dar contributos. E podem. Muitos outros pensam que a produção de campanhas de comuni- cação, mais ou menos intensas, que indiquem às pessoas esta ou aquela melhoria de comportamento, é um invesmento. E é. Mas sem prejuízo do papel que essas áreas e processos possam ter, somos levados a refler que o desenvolvimento da educação, que a emissão de leis, que a introdução de tecnologias, que a produção de campanhas de comunicação, mesmo que intensas, não bastam e em muitos casos os seus resultados são escassos ou mesmo nulos. No início dos anos 70, perante o evidente desenvolvimento que o markeng nha vivido no decurso do século, alguns pensaram que os princípios e processos do markeng poderiam ser alargados à mu- dança de comportamentos sociais. E que princípios eram esses? Ba- sicamente, o centrar a atenção nas pessoas envolvidas nos problemas e na sua capacidade voluntária de os poder melhorar; o fazer cuidada pesquisa sobre os movos dos seus comportamentos negavos; o explícito formular de benecios para essas pessoas en- cetarem mudanças e de condições para elas poderem ultrapassar as barreiras que as impeçam; a criação de produtos e serviços adequa- dos que possibilitem tais mudanças; a consideração do preço quer material quer imaterial que as pessoas estão em condições de despender para suportarem a mudança; a criação de canais de dis- tribuição que possibilitem o acesso dessas mesmas pessoas aos pro- dutos, serviços e atos envolvidos; e toda uma comunicação, não isolada e vaga, mas arculada com todos os pontos anteriores. Ao longo e no final de todo este processo, há, evidentemente, que avaliar cuidadosamente a sua capacidade e os resultados obdos. Nascia assim o markeng social, crente de que nha um papel im- portante em todo o processo de mudança social voluntária, racional, planeada e pacífica. Esta nova disciplina visava complementar, daquele modo, a abstração e a lendão da educação, a ineficácia da legislação, o tecnicismo da tecnologia e, sobretudo, a ilusão de que a mera comunicação levaria as pessoas a mudanças. Nos seus anos iniciais, logo grandes instuições como a Organização Mundial de Saúde ou a FAO promoveram o uso do markeng social, parcularmente em países menos desenvolvidos. Na década de 80, o Canadá criou uma unidade nacional de markeng social, integrada no seu ministério da Saúde, capaz de desenvolver ações significavas de melhoria dos comportamentos de saúde pública. Em 1991, foi a vez da Nova Zelândia e da Austrália. Os Estados Unidos fizeram- -no em 2004 e a Inglaterra em 2007, com uma amplitude e profun- didade ainda maiores. Porquê e como n pela mudança do Carlos Oliveira Santos Professor da Universidade Técnica de Lisboa

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Page 1: Porquê e como n - Marketing Social Portugal · C a r l o s O l i v e i r a S a n t o s D e s p e r t a r C E B I 03 O marketing social foi-se disseminando pelo mundo, permitindo

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Olhai à vossa volta… Mulheres que revelam cancro demama que poderia ter sido prevenido com examesprévios. Pessoas que agravam a obesidade com sériasconsequências na sua saúde. Crianças que abandonam a

escola. Empresas e ações que destroem o ambiente. Condutores quecirculam com excesso de álcool. Pessoas que persistem no nefastouso de drogas. E muitos outros exemplos, em muitos outros campos,nos poderiam ocorrer.

Os nossos comportamentos sociais nefastos têm um custo e as suasconsequências, para nós e para a sociedade, contribuem significati-vamente para o nível (mais baixo) de qualidade da nossa vida emcomum. É por este motivo que nos devemos interrogar: podemosmelhorar os nossos comportamentos?

Não só podemos como devemos. As nossas sociedades estão car-regadas com inúmeros custos e problemas e o nosso único caminhoé contribuir para a sua melhoria.

Muitas abordagens têm sido adotadas. Alguns creem que a edu-cação, a legislação ou a tecnologia podem dar contributos. E podem.Muitos outros pensam que a produção de campanhas de comuni-cação, mais ou menos intensas, que indiquem às pessoas esta ouaquela melhoria de comportamento, é um investimento. E é.

Mas sem prejuízo do papel que essas áreas e processos possam ter,somos levados a refletir que o desenvolvimento da educação, que aemissão de leis, que a introdução de tecnologias, que a produção decampanhas de comunicação, mesmo que intensas, não bastam e emmuitos casos os seus resultados são escassos ou mesmo nulos.

No início dos anos 70, perante o evidente desenvolvimento que omarketing tinha vivido no decurso do século, alguns pensaram que

os princípios e processos do marketing poderiam ser alargados à mu-dança de comportamentos sociais. E que princípios eram esses? Ba-sicamente, o centrar a atenção nas pessoas envolvidas nosproblemas e na sua capacidade voluntária de os poder melhorar; ofazer cuidada pesquisa sobre os motivos dos seus comportamentosnegativos; o explícito formular de benefícios para essas pessoas en-cetarem mudanças e de condições para elas poderem ultrapassar asbarreiras que as impeçam; a criação de produtos e serviços adequa-dos que possibilitem tais mudanças; a consideração do preço quermaterial quer imaterial que as pessoas estão em condições dedespender para suportarem a mudança; a criação de canais de dis-tribuição que possibilitem o acesso dessas mesmas pessoas aos pro-dutos, serviços e atos envolvidos; e toda uma comunicação, nãoisolada e vaga, mas articulada com todos os pontos anteriores. Aolongo e no final de todo este processo, há, evidentemente, queavaliar cuidadosamente a sua capacidade e os resultados obtidos.

Nascia assim o marketing social, crente de que tinha um papel im-portante em todo o processo de mudança social voluntária, racional,planeada e pacífica. Esta nova disciplina visava complementar,daquele modo, a abstração e a lentidão da educação, a ineficácia dalegislação, o tecnicismo da tecnologia e, sobretudo, a ilusão de quea mera comunicação levaria as pessoas a mudanças.

Nos seus anos iniciais, logo grandes instituições como a OrganizaçãoMundial de Saúde ou a FAO promoveram o uso do marketing social,particularmente em países menos desenvolvidos. Na década de 80,o Canadá criou uma unidade nacional de marketing social, integradano seu ministério da Saúde, capaz de desenvolver ações significativasde melhoria dos comportamentos de saúde pública. Em 1991, foi avez da Nova Zelândia e da Austrália. Os Estados Unidos fizeram--no em 2004 e a Inglaterra em 2007, com uma amplitude e profun-didade ainda maiores.

Porquê e como n pela mudança do

Carlos Oliveira SantosProfessor da Universidade Técnica de Lisboa

Page 2: Porquê e como n - Marketing Social Portugal · C a r l o s O l i v e i r a S a n t o s D e s p e r t a r C E B I 03 O marketing social foi-se disseminando pelo mundo, permitindo

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O marketing social foi-se disseminando pelo mundo, permitindo quea sua última conferência mundial, que se realizou este ano emDublin, tivesse cerca de 700 delegados provenientes de 41 países.

É, pois, uma realidade que envolve já milhares de ativistas e espe-cialistas, com consequências em muitos milhões de pessoas, motivomais do que suficiente para que nós, como agentes sociais, comoresponsáveis comunitários e políticos, em Portugal, a estudemos e aexperimentemos.

A prática permanente do marketing social é rodeada de muitas par-ticularidades e abordagens, correspondentes à complexidade dosvários problemas sociais. Cabe a nós, ativistas sociais, investi-gadores, decisores políticos e comunitários, aprofundar o conhe-cimento, analisar os problemas específicos, reunir meios ecapacidades para os debelar, conduzir ações apropriadas e avaliaros seus resultados.

Veja-se um exemplo. O cancro de mama é um importante problemade saúde pública. Em Portugal, segundo a Liga Portuguesa Contra oCancro, por ano, cerca de 4500 novos casos surgem e morrem 1500mulheres. Contudo, cerca de 90 por cento dos casos, se detetados eacompanhados a tempo, são curáveis. Ora, segundo um estudo doInstituto Português de Oncologia, de 90 mil mulheres convocadaspara o rastreio, na região sul, apenas 50 mil compareceram, ou seja,pouco mais de 50 por cento.

Imaginemos uma cuidada ação de marketing social que faça crescer,digamos, para 70 por cento aquela percentagem, a médio prazo.Quantas vidas não se poupariam, quantas perdas se evitariam,quanta melhoria de vida se alcançaria?

os devemos interessar s comportamentos?

Tendo acesso à língua inglesa, há excelentes instrumen-tos disponíveis para formação em marketing social. O

ministério da Saúde do Canadá possui um curso muito bomem http://www.hc-sc.gc.ca/ahc-asc/activit/marketsoc/tools-outils/index-eng.php.

Também a organização canadiana Tools for Change disponi-biliza ótimos instrumentos emhttp://www.toolsofchange.com/en/home/. Os EstadosUnidos criaram um instrumento, o CDCynergy, com ele-mentos e passos detalhados para intervenções de market-ing social, em http://www.orau.gov/cdcynergy/demo/.

Em junho de 2011, o ISCTE-IUL, com o apoio da FundaçãoCEBI, levou a cabo um importante workshop de formação,com a participação de um reputado especialista mundial,o Professor Jeff French. Poderá, se o desejar, pedir [email protected] os elementos desse workshop.

COMO DESENVOLVER O SEU CONHECIMENTO

DE MARKETING SOCIAL?

Em português, um bom instrumento disponível

AFundação CEBI foi pioneira na abordagem do mar-keting social em Portugal. Em 2004, no âmbito do

programa Vasco da Gama, com o apoio do EQUAL e emcooperação com as instituições ADAPEI 44 (Nantes,França), ORBEM (Bruxelas, Bélgica), ELO SOCIAL (Lisboa),promoveu a edição do livro Melhorar a Vida, Um Guiade Marketing Social, coordenado por Carlos OliveiraSantos e com a participação de jovens investigadorescomo Ana Simões, Jorge Atalaia, Nuno Lopes, AnabelaMaranga, Carla Gil e Sara Ribeiro. Prefaciado peloProfessor Luís Reto, atual reitor do ISCTE-IUL, foi oprimeiro livro editado em Portugal sobre esta matériamas mantém o seu valor e pode ser uma boa formação.

A Fundação CEBI edita-o agora online, ficando breve-mente disponível em www.fcebi.org

EDIÇÃO ONLINE DE

UM GUIA DE MARKETING SOCIAL