por uma concepção multicultural de dh

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  • 7/31/2019 Por uma concepo multicultural de DH

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    SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Por uma concepo multicultural de

    direitos humanos, Reconhecer para libertar os caminhos do cosmopolitismo

    multicultural, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2003.

    O artigo discute o tema dos direitos humanos a partir da observao de que,

    durante muitos anos aps a Segunda Guerra Mundial, foram parte integrante da

    poltica da Guerra Fria, sendo como tal considerados pela esquerda, mas que, nos

    ltimos tempos, foras progressistas dele se apossaram para reinventar a linguagem

    da emancipao. Para responder indagao de se os direitos humanos podem

    preencher o vazio deixado pelo socialismo e se constituir como uma poltica

    emancipatria, o autor se prope a examinar as condies para que isso se tome

    possvel, voltando-se para a tarefa prvia de identificar as tenses dialticas que

    informam a modernidade ocidental, isto , as que se apresentam entre regulao social

    e emancipao social, entre o Estado e a sociedade civil e entre o Estado-nao e a

    globalizao. Aps examin-las o autor conclui que, para que efetivamente os direitos

    humanos se tomem uma linguagem cotidiana da dignidade humana nas diferentes

    regies do globo, necessrio um dilogo entre as diferentes culturas, ou seja, entre

    universos de sentido diferentes Somente por um tipo de hermenutica que torne

    possvel esse dilogo, os direitos humanos podero se transformar em uma poltica

    cosmopolita que ligue em rede lnguas nativas de emancipao, tomando-as

    mutuamente inteligveis e traduzveis.

    POR UMA CONCEPO MULTICULTURAL DE DIREITOSHUMANOS

    Objetivo: Identificar as condies em que os direitos humanos podem ser

    colocados a servio de uma poltica progressista e emancipatria.

    Para tal preciso identificas as tenses dialticas que informam a modernidade

    ocidental. Para o autor, a poltica de direitos humanos deste final de sculo um fator-

    chave para compreender tal crise.

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    Primeira tenso dialtica : Entre a regulao social e a emancipao social.

    O paradigma da modernidade est presente numa tenso dialtica que est

    presente, mesmo de forma diluda, na diviso positivista .

    Neste final de sculo, a tenso deixou de ser criativa . A emancipao deixou de ser o

    outro da regulao para tornar-se no duplo da regulao. At os anos 60, as crises de

    regulao social suscitavam o fortalecimento das polticas sociais, Hoje a crise da

    regulao social- simbolizada pela crise do Estado Regulador e do Estado-

    Providncia- e a crise de emancipao social- simbolizada pela crise da revoluo

    social e do socialismo enquanto paradigma da transformao social radical so

    simultneas e alimentam uma a outra,

    Poltica de direitos humanos? Armadilhada nessa dupla crise da regulao e

    emancipao, ao mesmo tempo que sinal de desejo de ultrapassar.

    Segunda tenso dialtica: Ocorre entre o estado e a Sociedade civil.

    O Estado Moderno, no obstante apresentar-se como um estado minimalista,

    , potencialmente, um Estado maximalista, pois a sociedade civil enquanto outro do

    Estado, auto-reproduz-se atravs das leis e regulaes que dimanam do Estado e para

    as quais no parecem existir limites, desde que as regras democrticas de produo de

    leis sejam respeitadas.

    Direitos humanos? Esto no cerne dessa questo. Enquanto a primeira

    gerao de direitos humanosdireitos civis e polticos- foi concebida como uma luta

    da sociedade civil contra o Estado, considerado como o principal violador potencialds DH, a segunda e a terceira geraes (dtos econmicos, sociais e culturais)

    pressupem que o Estado o principal garante dos DH,.

    Terceira tenso dialtica: Ocorre entre o Estado-nao e o que designamos

    por globalizao.

    O modelo poltico da modernidade ocidental ;e um modelo de Estados-naosoberanos, coexistindo num sistema internacional de Estados igualmente soberanos

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    o sistema interestatal. A unidade e a escala privilegiadas, quer da regulao que da

    emancipao social o Estado-nao. O sistema interestatal foi sempre concebido

    como uma sociedade anrquica, regida por uma legalidade muito tnue .

    Hoje, a eroso seletiva do Estado-nao, imputvel intensificao da

    globalizao, coloca a questo de saber ser, quer a regulao social, quer a

    emancipao social, devero ser deslocadas para a poltica global. nesse sentido que

    comeou a se falar em sociedade civil global, equidade global...

    Direitos humanos? A tenso, apesar do reconhecimento mundial da poltica

    de DH, repousa , por um lado, no fato de que tanto as violaes de direitos humanos

    quanto as lutas em defesa deles continuarem a ter uma decisiva dimenso nacional e,

    por outro lado, no fato de, em aspectos cruciais, as atitudes perante os direitos

    humanos assentarem em pressupostos culturais especficos. A poltica de Direitos

    Humanos basicamente uma poltica cultural.

    Nesse sentido, Boaventura desenvolve um quadro analtico capaz de reforar o

    potencial emancipatrio da poltica de DH no duplo contexto da globalizao, por um

    lado, e da fragmentao cultural e da poltica de identidades, por outro. A inteno

    justificar uma poltica progressista de direitos humanos com mbito global e com

    legitimidade local.

    ACERCA DAS GLOBALIZAES

    O autor privilegia uma definio de globalizao mais sensvel as dimensessociais, polticas e culturais.

    A globalizao o processo pelo qual determinada condio ou entidade

    local estende a sua influncia a todo globo e, ao faz-lo, desenvolve a capacidade de

    designar como local outra condio social ou entidade rival

    Implicaes dessa definio:

    1. Perante as condies do sistema mundo ocidental no existeglobalizao genuna; aquilo que chamamos globalizao sempre aglobalizao bem sucedida de determinado localismo.

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    2. A globalizao pressupe a localizao. Vivemos tanto num mundo delocalizao como num de globalizao. Uma vez

    identificado.Exemplo: o cinema de Hollywood entendido como local

    pressupe a localizao do cinema hindu ou francs.

    3. A competncia global requer, por vezes, o acentuar da especificidadelocal.

    4 MODOS DE PRODUO DA GLOBALIZAO

    1. Localismo globalizado. Consiste no processo pelo qual determinadofenmeno local globalizado com sucesso. Ex: fast-food americano virar

    global, atividades das multinacionais.

    2. Globalismo localizado. Consiste no impacto especifico de prticas eimperativos transnacionais nas condies locais, as quais so, por essa via,

    desestruturadas e reestruturadas de modo a responder a esses imperativos

    transnacionais. ExEnclaves de comrcio livres o zonas francas, dumping

    ecolgico, uso turstico de tesouros histricos, desflorestamento macio para

    pgto de divida externa.

    A diviso internacional da produo da globalizao assume o

    seguinte padro: os pases centrais especializaram-se em localismos

    globalizados, enquanto os pases perifricos cabe to-s a escolha de

    globalismos localizados. O sistema-mundo uma trama de

    globalismos localizados e localismos globalizados.

    3. Cosmopolitismo. As formas predominantes de dominao no excluem aosEstados- Nao, regies, classes ou grupos sociais subordinados a

    oportunidade de se organizarem transnacionalmente na defesa de interesses

    percebidos como comuns e de usarem em seu benefcios as possibilidades de

    interao transnacional criadas pelo sistema mundial. As atividades

    cosmopolitas incluem , entre outras, dilogos e organizaes Sul-Sul, ONGs

    internacionais , filantropia transnacional Norte-Sul...

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    4. Patrimnio comum da humanidade. Trata-se de temas que s fazem sentidoenquanto reportados ao globo na sua totalidade. Se referem a recursos que

    devem ser geridos por fideicomissos da comunidade internacional em nome

    das geraes presentes e futuras. Como a proteo da camada de oznio, a

    explorao do espao exterior...

    Nesse contexto til distinguir entre globalizao de-cima-para-baixo e

    globalizao de-baixo-para-cima, ou entre globalizao hegemnica e globalizao

    contra-hegemnica. Globalismo localizado e localismo globalizado so globalizaes

    hegemnicas, cosmopolitismo e patrimnio comum da humanidade so globalizaes

    contra hegemnicas.

    OS DIREITOS HUMANOS ENQUANTO GUIA EMANCIPATRIO.

    A complexidade dos direitos humanos reside em que eles podem ser

    considerados, quer como forma de localismo globalizado, quer como forma de

    cosmopolitismo.

    O texto prope identificar as condies culturais atravs das quais os direitos

    humanos podem ser concebidos como cosmopolitismo ou globalizao contra-

    hegemnica. A minha tese que, enquanto forem concebidos como direitos humanos,

    universais , os direitos humanos tendem a operar como um globalismo localizado -

    uma forma de globalizao de-cima-para-baixo. So sempre um instrumento do

    choque de civilizaes, abrangncia global, adquirida a custa da legitimidade local.

    Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalizao

    de-baixo-para-cima ou contra-hegemnica, os direitos humanos tm de ser

    reconceitualizados como multiculturais. O multiculturalismo pr-condio de

    uma relao equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competncia global

    e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma poltica contra

    hegemnica de direitos humanos no nosso tempo.

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    Obstculos/ problemas?

    1. Universalidade dos direitos humanos? A questo da universalidade uma questo particular, especifica da cultura ocidental. Todas as

    culturas tendem a considerar os seus valores mximos como os mais

    abrangentes, mas apenas a cultura ocidental os pretende como

    universais.

    2. As polticas de DH- As polticas de DH no perodo imediatamente aseguir a Segunda Guerra estiveram em geral ao servio dos interesses

    econmicos e geocapitalistas dos Estados capitalistas hegemnicos.

    3. Invisibilidade/supervisibilidade manipulao da temtica de DHdependo do ator que comete as violaes.

    Entretanto, o autor cita a luta das ONGs, movimentos sociais em defesa dos direitos

    humanos, em defesas muitas vezes anticapitalistas, discursos contra-hegemnicos

    baseados nos DH.

    Premissas para a transformao dos DH num projeto cosmopolita

    1. Superao do debate sobre universalismo e relativismo cultural.Para o autor os dos conceitos polares so prejudiciais a uma

    concepo emancipatria de DH. Todas as culturas so relativas,

    todas as culturas aspiram a valores universais.. ms tanto o

    relativismo qnt o universalismo enquanto atitude filosfica so

    incorretos. preciso desenvolver tanto dilogos interculturais(universalismo), qnt desenvolver critrios polticos para distinguir

    polticas conservadoras de progressistas(relativismo)

    2. Todas as culturas possuem concepes de dignidade humana, masnem todas elas a concebem em termos de direitos humanos.

    3. Todas as culturas so incompletas e problemticas nas suasconcepes de dignidade humana.

    4. Todas as culturas tem verses diferentes da dignidade humana.

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    5. Todas as culturas tendem a distribuir pessoas e grupos scias entredois princpios competitivos de pertena hierrquica. O principio

    da igualdade (hierarquias entre unidades homogneas estratos

    socioeconmicos. cidado/estrangeiro) e o principio da diferena

    (hierarquia entre identidade e diferena consideradas nicas (sexo,

    raa, religio, orientaes sexuais).

    Essas premissas devem ser admitidas apara uma concepo que em vez de

    recorrer a falsos universalismos, se organiza como uma constelao de sentidos

    locais, mutuamente inteligveis.

    A HERMENUTICA DIATPICA

    Procedimento que se baseia na idia de que os topoi de uma determinada

    cultura, por mais forte que sejam , so to incompletos quanto a prprio cultura a que

    pertencem.

    O objetivo da hermenutica proposta no atingir a completudeinatingvel

    - mas, pelo contrario, ampliar ao mximo a conscincia de incompletude mutua

    atravs de um dialogo que se desenrola, por assim dizer, como p numa cultura e

    outro, noutra. O reconhecimento da incompletude condio sine qua non de um

    dilogo intercultural.

    Ela exige uma produo de conhecimento coletiva, interativa e

    interdisciplinar. No uma concepo idealista, j preciso entender que os

    parceiros no dialogo so somente superficialmente contemporneos, na verdade cadaum s contemporneo a sua pp cultura. preciso uma simultaneidade temporria

    de duas ou mais contemporaneidades diferentes.

    Dilema cultural: A cultura dominante , no passado , tornou impronunciveis

    algumas das aspiraes a dignidade da pessoa humana por parte das culturas

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    subordinadas. possvel agora pronunci-las no dialogo intercultural sem , ao faz-

    las, justificar e mesmo reforar a sua impronunciabilidade?

    Epistemicdio e imperialismo cultural so parte da trajetria histrica da

    modernidade ocidental. No campo dos direitos humanos a cultura ocidental tem de

    aprender com o Sul...

    Para evitar que o multiculturalismo se transforme em justificativa para uma

    poltica reacionria dois imperativos culturais devem ser aceitos por todos os grupos

    empenhados na hermenutica diatpica.

    1. Das diferentes vises de um cultura deve ser escolhida aquela querepresenta o circulo mais amplo de reciprocidade nessa cultura, a

    verso que vai mais longe no reconhecimento.

    2. Uma vez que todas as culturas tendem a distribuir pessoas e grupos deacordo com dois princpios concorrentes de pertena hierrquica, e ,

    portanto, com concepes concorrentes de igualdade e diferena, as

    pessoas e os grupos sociais tm o direito de ser igual quando a

    diferena os inferioriza e a ser fiferentes quando a igualdade os

    descaracteriza.

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