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Licenciatura em Educação Básica 1º Ano, 1º Semestre Turma B O Percurso de um Professor Multicultural História de Vida Docente: Luís Souta Discentes: Ana Catarina Flamino Cátia Prata Fábio Machuqueiro U.c. Contextos Multiculturais e Educação

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Historia de vida

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Licenciatura em Educação Básica

1º Ano, 1º Semestre

Turma B

O Percurso de um Professor Multicultural

História de Vida

Docente: Luís Souta

Discentes:

Ana Catarina Flamino

Cátia Prata

Fábio Machuqueiro

U.c. Contextos Multiculturais e Educação

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ÍNDICE Abstract ......................................................................................................................................... 2

I. Introdução ............................................................................................................................. 3

II. História de vida – João Inglês, um cidadão do mundo. ......................................................... 4

III. Comentários Interpretativos .............................................................................................. 8

IV. Procedimentos Metodológicos ........................................................................................ 10

Anexo I – Guião de Entrevista .................................................................................................... 12

Anexo II – Transcrição da Entrevista .......................................................................................... 14

Anexo III – Biografia Internacional de João Inglês .................................................................... 23

Anexo IV – Página do Livro Artistas de Angola ........................................................................ 24

Anexo V – Exposição A Cor da Arte e os Seus Alunos .............................................................. 25

Anexo VI – Panfleto Exposição de Artes Plásticas ..................................................................... 26

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Abstract

Este trabalho pretende dar a conhecer uma nova cultura, tendo em conta a história

de vida de um membro da comunidade angolana. Através desta entrevista, abordam-se

aspetos que nos permitem retirar diversas ilações sobre contextos pessoais, sociais,

culturais e históricos relativamente à pessoa em questão. Será elaborado um guião de

entrevista que nos permitirá seguir uma linha condutora, de modo a construir uma narrativa

que dê a conhecer os fatores mais significativos da história de vida do entrevistado. A

história de vida constitui um documento verídico e real, fornecendo-nos ferramentas

essenciais ao estudo da multiculturalidade e da educação, aspetos abordados em aula na

unidade curricular de Contextos Multiculturais e Educação.

A unidade curricular de Contextos Multiculturais e Educação dá-nos a conhecer

outras abordagens educativas, mostrando-nos a diversidade de culturas espalhadas pelo

mundo e inclusive em Portugal. As questões que propusemos, dividiram-se em diversos

subtemas, tais como as origens, educação, diferenças culturais, religião, condições de vida

e alguns projectos futuros.

Palavra-chave: Angola; Educação; Multiculturalismo; Arte; Experiência;

Independência.

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I. Introdução

«Estamos cá sem esquecer o país de origem.»

João Inglês nasceu em Angola e é atualmente professor de artes, lecionando a

disciplina de Educação Visual e Tecnológica. Residente em Portugal com a sua esposa e os

seus dois filhos, este professor angolano viveu diversas experiências ao longo dos seus 50

anos de vida. Desde sempre foi um apaixonado pelas artes, formando-se em dois países

distintos: Angola e U.R.S.S (antiga União Soviética). No seu país de origem, iniciou a

aventura de se tornar docente passando por alguns obstáculos, provenientes tanto da sua

condição de vida como do período instável que Angola atravessava na altura. Trabalhou

diretamente com crianças angolanas traumatizadas pela guerra, participou em diversos

projetos de arte plástica tendo sido gratificado com inúmeros prémios, até à data. É

responsável pelo projeto Raízes, contribuindo para reinserção e integração da comunidade

africana na Península de Setúbal.

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II. História de vida – João Inglês, um cidadão do mundo.

“Podiam ter dito que íamos gravar, pois eu tinha-

me preparado para a ocasião!”. Disse-nos João Faria

Ramos da Cruz da Silva Inglês, ou simplesmente

João Inglês, ao acolher-nos nas instalações do Centro

Multicultural em Setúbal, revelando toda a sua

simplicidade. Esboçámos um sorriso, perante o olhar

calmo, descontraído e subtil de João Inglês que naquele dia nos contara uma história. E

como todas as histórias têm um princípio, esta teve início no dia 7 de Novembro de 1958,

em Banga, pequena província do Norte do Kwanza em Angola. Desde sempre, o pequeno

João revelara um enorme talento para o mundo artístico, fazendo com que rapidamente

escolhesse o seu caminho. Ainda assim, começou por seguir um pouco as pisadas do seu

pai, enfermeiro de profissão, frequentando o 1º e 2º ciclo na Vila de Salazar onde residia

(Atualmente cidade de Ndalatando) simplesmente porque “Quando somos novos os pais

influenciam bastante na formação dos filhos”. Mas o sonho de João criava em si, a cada dia

que passava o bichinho da arte! Tornava-se impossível para o jovem insistir na tentativa de

ser médico, pois para alguém que via o mundo de todas as cores, era difícil pintá-lo a preto

e branco. Aqui, no ensino preparatório, João assumia de uma vez por todas o seu gosto

pela arte, ao ganhar o primeiro prémio no concurso de saudação ao Salvador Gago

Coutinho e Amílcar Cabral, após pintar com 13 anos o seu primeiro quadro com tinta da

china sobre papel cavalinho. Após a indepêndencia de Angola, João é obrigado a mudar-se

para Luanda. Bem dita à hora que o fez, pois é na Capital Angolana, que conhece a Escola

Industrial de Artes Visuais. O pequeno João estava maravilhado, e rapidamente pede

equivalência de estudos. Foi o pontapé de partida que o jovem João necessitava. A partir

daqui nunca mais largou o mundo das artes, prosseguindo o seu sonho através do ensino

Secundário que terminou em 1977. Chegava a altura do pequeno João, agora já muito mais

crescido, começar a sua experiência de ensinar. Não poderia ser mais marcante a sua

primeira experiência, ao aventurar-se numa Escola de Arte Infantil que albergava crianças

traumatizadas da guerra. Quis o destino, que apesar de não ser médico, fosse confrontado

com uma realidade bem complicada, consequência do período instável que o país

atravessara. Nada o deixou mais orgulhoso do que esta experiência, pois tinha a “missão de

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recuperar através da arte as crianças órfãs, chamadas crianças saudade na altura e levá-las a

recuperar ao nível da integração, pelo facto de perderem numa idade muito tenra os seus

pais.” Este discurso, revelava nos olhos de João um misto de alegria pelo que vivenciou

perto destas crianças e mágoa pelo resultado que a guerra provocara no seu país de origem.

Com um ar que revelava sensatez, João continuava a desenhar o seu percurso,

pintando o seu caminho de variadas cores. Depois de viver esta experiência e devido ao seu

excelente desempenho, João ganhou uma bolsa de estudo que lhe permitiu progredir ainda

mais na sua formação, não embarcando, contudo, sem primeiro tornar-se membro fundador

da União Nacional de Artistas Plásticos em Angola, revelando mais uma vez a sua enorme

paixão pelo campo das artes e contribuindo assim para o desenvolvimento deste campo no

seu país. João amava o que fazia e conseguia em todas as pinceladas com que coloria o seu

destino, aprender cada vez mais. A fundação da UNAP permitiu a João participar em

vários festivais e assembleias a nível Internacional, dos quais nunca esqueceu o XI Festival

Mundial da Juventude e Estudantes em Cuba. Estava sem dúvida numa ótima fase o jovem

João e em 1980, partiu de malas e bagagens para a União das Repúblicas Sociais

Soviéticas, ou Ex-URSS. Aqui, o João começou por se aventurar um ano na cidade de

Moscovo em 1980, vivendo depois três anos na Ucrânia. Ao longo de quatro fantásticos

anos, viveu uma experiência enriquecedora, que lhe permitiu ganhar um enorme suporte

para a futura profissão que sempre sonhou no campo das artes. Durante o primeiro ano em

Moscovo, João tivera nove meses para aprender a língua através de uma formação extensa,

mas que jamais o assustara, pois levara na ideia que eram as relações entre as pessoas que

permitiam ultrapassar as barreiras comuns ao intercâmbio de culturas. Nunca se inibiu o

João de Angola, aos pés dos altivos Russos, que, contudo o souberam receber. Na Ucrânia,

onde passou mais tempo, ganhou um prémio que o deixou extasiado. O prémio gravura,

atribuído pela Escola de Arte de Karkov no seu último ano de formação nas frias terras

soviéticas em 1984, deram o mote para uma carreira que ainda agora estava no ínicio.

Finalizado o curso aos 22 anos, João esfregava as mãos de contente, pois era altura

de regressar à sua terra Natal, já com o Barchelato. Em Angola continuou sempre a

dinamizar diversos projetos artísticos como membro da associação que tinha fundado, mas

começara também a formar alguns alunos em artes demonstrando toda a sua versatilidade e

trabalhando na Escola de Artes Plásticas do Instituto de Formação Artística e Cultural em

Angola. O País por seu turno evidenciava sinais nítidos de restruturação e o jovem João

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fazia uso desse sinal de empreendorismo, destacando-se na área que desde sempre o

apaixonara. Por esta altura a arte já não era a única paixão de João. Maria da Glória

ocupava também no seu coração aquele espacinho reservado para o grande amor da sua

vida. João começava a pensar numa vida a dois, a fazer planos futuros. Esta nova paixão

foi consumada em 1988, quando João Inglês tomou a decisão conjunta com Maria da

Glória, de se casarem em Luanda. Este filho de uma nação lutadora vivia agora um período

de grande prosperidade, quer a nível pessoal, quer a nível profissional. Isto porque os

prémios contniuavam a aparecer e um ano depois de se ter unido matrimonialmente a

Maria da Glória, agora Inglês de nome, arrecadou o Troféu Bienal de Artes

Contemporâneas no Gabão. No ano de 1990 recebeu a notícia que ia ser pai do seu

primeiro filho a quem deu o nome de Asseman Dilangue Dias da Silva Inglês, época em

que participou também no XII Festival Mundial da Juventude e Estudantes em Moscovo,

regressando assim aos ventos gelados do Kremlin. Nábila Citanela Dias da Silva Inglês

vinha um ano depois reforçar a alegria do professor João, nesta fase, já um docente de

renome em Angola. Homem lutador, esposo e agora pai, continuou sempre bastante ativo,

definindo as prioridades da sua vida, espelhando um futuro risonho para toda a sua família

à medida que pisava terrenos que o permitiam desenvolver as suas capacidades enquanto

homem de arte. Prova disso mesmo foi a sua participação em 1992 na Exposição de Artes

Plásticas Angolanas em Espanha, a Expo-Sevilha.

Em 1994, após 10 anos a lecionar no Instituto de Formação Artística e Cultural

Angolano e com 34 anos, João decide que era altura de se aventurar por outras paragens,

de modo a continuar a apostar na sua formação, enquanto professor e homem das artes.

Destino? Portugal. Tal como João Infante um dia desembarcara em terras Africanas, o

nosso João atracava na Península de Setúbal, com a mesma sede de novas conquistas, um

autêntico cidadão do mundo que depois de dar o seu contributo ao seu país de origem,

vinha agora marcar impacto nas terras de Camões. E não demorou muito a fazê-lo. João

estava certo que o fator multicultural era, pois muito importante em Portugal, porque

apesar de julgar que cada povo era diferente, sempre acreditou na integração e no

conhecimento através da cultura e do relacionamento, sem esquecer aquele factor autêntico

de cada povo, as suas raízes. Nem a propósito, pensou João, que no ano de 1996, deu

ênfase à sua veia cultural e com a ajuda da UNAP começou a coordenar um projeto com

um nome curioso: RAISES, paralelamente a uma aposta forte na continuidade da sua

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formação. João ajudava assim à reintegração de diversas crianças Africanas, na cidade do

Sado, alvejando bairros periféricos e problemáticos como o Viso ou Bela Vista. Este

projeto, não era apenas mais um na vida de João, pois permitia-lhe revelar todo o seu

espírito empreendedor dando asas a novos desafios e abrindo novas portas nesta aventura

em Portugal. Em 1998 participou na Exposição de Artes Plásticas Angolanas em Lisboa, a

Expo-Lisboa, realizada nos mesmos moldes da Expo-Sevilha. Os dois anos seguintes

seriam muito importantes no futuro do Professor João Inglês. Em 1999 terminou

finalmente a sua Licenciatura em Educação Visual e Tecnológica na Escola Superior de

Educação em Setúbal. Já em 2000 obteve frequência no mestrado em História de África na

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Aos 42 anos, João Inglês alcançava um

dos seus grandes sonhos e concluía praticamente a sua formação. Com a licenciatura,

lecionou em Portugal desde 1999 em cerca de oito escolas do ensino básico, muitas delas

espalhadas pelo distríto de Setúbal. O tempo passou, e João nunca esqueceu o caminho das

artes, da educação e como um dia chegou a afirmar as suas próprias raízes. Em 2009

tornou-se presidente da Associação de Angolanos e Amigos de Angola em Setúbal, e até

hoje nunca parou de contribuir para a divulgação da sua cultura em Portugal. Com a ajuda

da autarquia de Setúbal, criou o Centro Multicultural de Setúbal, espaço esse que nos

mostrou e apresentou com o maior dos orgulhos, aquando o dia em que nos contou esta

história. Hoje, aos 50 anos, continua a viver em Setúbal, com a sua mulher e os seus dois

filhos. Asseman e Nábila são jovens completamente integrados na nossa cultura. Estudam

e vivem com a honra de Angola, origens essas que o pai João jamais os deixará esquecer.

Desengane-se quem pensar que esta história acaba aqui, porque o João de Angola, ainda

tem muita história por contar. Voltará um dia a Angola, com o sonho de dar início a um

projeto educativo, uma escola ou quem sabe até um jardim de infância. Até lá, prepara o

terreno e cria as bases para um regresso às suas raízes das quais sempre se orgulhou.

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III. Comentários Interpretativos

João Inglês, atualmente professor na Escola Secundária Ana Castro Osório em

Setúbal, revelou-se desde cedo como a primeira escolha do grupo para a pessoa a

entrevistar. E não defraudou nenhuma expectativa, muito pelo contrário, superou-as em

grande escala. Pessoa simples, educada, culta, muito calma e de uma grande personalidade

demonstrou desde cedo enorme disponibilidade em contar toda a história que fez do

professor João Inglês, a pessoa que é hoje. A entrevista ao professor João Inglês, revelou-

se extremamente positiva e uma atividade completamente relacionada com todos os

conteúdos da Unidade Curricular de Contextos Multiculturais e Educação. Ao longo de

uma hora de conversa ficámos a conhecer contextos educativos, culturais e históricos

completamente distintos. João Inglês é realmente um professor Multicultural, não só pelo

que viveu nos países onde residiu como Angola, Rússia, Ucrânia (Ex-URSS) e Portugal,

como também por todas as ações que desenvolveu de modo a divulgar a sua cultura. Na

opinião do grupo, é um elemento bastante ativo na nossa sociedade. Trabalhou, fez e deu a

trabalhar. Ajudou o próximo e nunca teve medo de arriscar novos caminhos. Soube

reconhecer o seu talento, e utilizá-lo quer em benefício próprio evoluindo

profissionalmente, como em benefício dos outros através da criação de várias obras de arte,

especialmente na pintura. Nunca esqueceu as suas raízes e deu sempre muita importância à

formação. De facto, este é um ponto que no decorrer da entrevista, pudemos perceber que

ainda não está completamente terminado, encontrando-se na fase final de defesa da sua

tese de Mestrado em Educação Visual e Tecnológica. Ao contar-nos que começou por

monitorizar crianças vítimas de guerra, percebemos também um pouco o período

conturbado em que viveu resultante da guerra na luta pela indepêndencia em Angola. Este

fator revela realmente o espírito empreendedor do nosso entrevistado, que nos chegou a

revelar que nem tudo é fácil. É fácil perceber que é uma pessoa com um talento nato para a

arte, não só devido aos inúmeros prémios que foi ganhando, mas também devido à forma

como fala de uma das suas grandes paixões. Poderíamos ter ficado por aqui no que diz

respeito aos assuntos abordados. Mas não foi o caso. O grupo teve a oportunidade de

conhecer não só o professor João Inglês, como também o que este pensa sobre alguns

temas bastante importantes quer da nossa atualidade, quer de aspetos irremediavelmente

associados a alguém com uma vertente tão Multicultural como o professor. Atualidade,

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religião, educação, tradições, curiosidades, condições sociais ou até a sua preferência em

relação a professores pastores e professores mestres foram temas abordados. Este tema,

inclusive, foi bastante recompensador, pois ao aliar um dos temas bastante retratados na

Unidade Curricular de CME, pudemos constatar a opinião de um professor com muita

experiência de vida e que nos soube explicar que ambos os lados têm a sua razão de ser.

João Inglês vai mesmo mais longe, dando-nos conselhos para o futuro, mas realçando

sempre o facto que nada se faz sem sacríficio e sem o respeito pelo próximo. Toda a

entrevista na íntegra encontra-se em Anexo, de modo a perceber o clima bastante informal

que se foi criando e o grande à vontade que o professor João Inglês nos proporcionou.

Podemos por isso afirmar que este foi realmente um trabalho produtivo, extremamente

interessante, intuitivo e recompensador, que nos dará certamente uma boa bagagem para o

futuro. Não que tenhamos aprendido tudo sobre a vida numa só hora, mas saímos do local

da entrevista a falar e, sobretudo a refletir sobre alguns temas abordados e pensamos que

isto seja o que de facto interessa realçar. Pensar sobre o que nos foi dito, sobre os temas

abordados, conseguindo no final formar uma opinião crítica sobre os mesmos é o índice de

que algo ficou retido e de que nos lembraremos do professor João, quem sabe daqui por

uns anos, um colega de profissão.

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IV. Procedimentos Metodológicos

Logo após a formação do grupo, constituído pelos elementos Cátia Prata, Catarina

Flamino e Fábio Machuqueiro, foi essencial escolher o tipo de pessoa a entrevistar. Entre

as opções iniciais que passavam por um membro de etnia Cigana e o um membro da

comunidade Angolana, foi de comum acordo que entrevistar e conhecer alguém com as

acaracterísticas do professor João Inglês era mais adequado. Nesta decisão estiveram

suportadas algumas ideias chave como o facto de a pessoa em causa ser professor, estar por

isso ligada directamente à Educação, ter realmente uma experiência de vida para contar

através de uma Multiculuralidade evidente e ser de muito maior acessibilidade, visto um

dos membros do grupo conhecer a filha do professor João Inglês.

O primeiro contacto com o professor deu-se assim através de Nábila Inglês, filha do

professor João Inglês, que intercedeu pelo grupo sob a possibilidade de nos conceder uma

entrevista. Inteirados que fomos sobre a sua disponibilidade, o grupo entrou em contacto

com o professor João Inglês via telefone de modo a combinar o dia e a hora, para a

realização da entrevista.

A primeira data, cuja entrevista seria realizada em casa do professor João, sofreu

uma alteração de última hora, sendo o próprio professor João a entrar em contacto com o

grupo. Foi então marcada uma nova data, escolhida pelo mesmo, um Domingo, de manhã

no Centro Multicultural de Setúbal, localizado na Rua das Piteiras em Setúbal.

O professor João apresentou-nos o espaço, explicando o contexto do local, que era

em tudo apropriado. As condições eram bastante favoráveis à entrevista, um espaço

fechado e bastante calmo, a um Domingo de manhã.

O registo utilizado foi bastante importante, pois permitiu-nos tratar posteriormente

toda a informação com o maior dos cuidados. Foi assim utilizado no registo de informação

Câmara de Filmar, como registo Audio Visual e o típico papel e caneta para um registo

escríto.

Aqui é importante realçar o bom e fulcral entendimento do grupo. Adoptamos uma

estratégia de entreeajuda, onde num grupo a três pudemos dividir as fases essenciais à

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recolha de informação. O discente Fábio Machuqueiro encarregou-se de colocar as

questões ao entrevistado, a discente Cátia Prata efectuou o registo escrito e por último, mas

não menos importante, a discente Catarina Flamino efectuou o registo Audio Visual. De

notar que sem esta entreajuda não seria possível estruturar tão eficazmente a entrevista

como, na opinião do grupo foi estruturada. Sem este trabalho, muitos detalhes teriam

certamente escapado.

Antes de dar ínico à entrevista, foi criado um ambiente algo informal, afastando

aquele “nervoso miudinho” que poderia existir na elaboração de um trabalho de extrema

importância como este. Foram feitas as apresentações e foi solicitado ao professor João

Inglês a permissão para realizar a gravação Audio-Visual.

Toda a entrevista ocorreu num ambiente de muita descontracção, ao longo de uma

sessão com cerca de uma hora, mas sempre com muita seriedade. No fim da entrevista,

foram-nos fornecidos alguns documentos que se encontrarão em anexo e que relatam um

pouco mais da vida do professor João Inglês.

A informação foi posteriormente tratada através de uma divisão de trabalho

bastante cooperativa. Análise da entrevista em formato Audio-Visual, passagem de toda a

entrevista para formato escrito, recolha de dados e detalhes pertinentes à realização da

Narrativa e ainda a construção de um trabalho escrito e edição de um vídeo correspondente

à entrevista.

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Anexo I – Guião de Entrevista

Entrevista a um professor Multicultural

Guião de Entrevista

Iniciar a entrevista explicando em que condições irão ocorrer, definindo o tempo e os

objectivos da mesma.

Solicitar autorização para gravação e filmagem da entrevista, retirando das mesmas futuras

citações.

Apresentarmo-nos explicando o ambito do nosso curso, da disciplina de CME e dos

proprios conteudos que temos vindo a dar.

Apresentar o objectivo da entrevista, explicando que nao ha perguntas correctas ou erradas

e especificando os temas abordados, Origens, Educação, Emprego, etc.

Entrevistado:

Perguntas Chave:

Origens

É natural de que país?

Conte-nos um pouco das suas origens?

Fale-nos um bocadinho da sua infãncia em Angola.

Com que idade abandonou o seu país de origem?

Como é composto o seu agregado familiar?

Educação

Como era o ensino no seu país de origem?

Fale-nos sobre a sua formação?

O que o levou a optar pela via do ensino?

Porque escolheu ser professor?

Como era o acesso ao ensino no seu país de origem ?

Quais as principais diferenças entre o ensio no seu pais de origem e Portugal?

Diferenças Culturais

Como foi a sua adaptação aos países de chegada?

Quais as principais dificuldades que sentiu?

A questão da linguagem foi um obstáculo?

Lidou com alguns preconceitos? De que forma o afectaram e como os ultrapassou?

Religião

Qual a sua religião?

Considera que a religião pode ser um óbstaculo na adaptação a um novo país?

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É da opinião que existe muito preconceito em relação a pessoas de diferentes religiões?

Classe Social / Dificuldades Financeiras / Condições de vida

Se compararmos Angola e Portugal, quais as principais diferenças relativamente às

condições de vida?

Actualmente pensa ser melhor viver em Angola ou Portugal? Porquê?

Quais as razões que o levaram a sair do seu país de origem? A procura por melhores

condições de vida foi um factor a ter em conta?

Porque escolheu Portugal para viver?

Emprego

Qual é o seu emprego actual?

Qual foi o seu primeiro emprego?

Começou logo a leccionar em Portugal? Ou passou por outros empregos?

Sendo você professor, como foi o seu primeiro dia de aulas?

Tendo em conta que existem duas tipologias de ensino, os mestres e os pastores, qual é a

sua posição?

Curiosidades

Um episódio marcante ao longo da sua vida

Costumes e tradições do seu país de origem

Actualidade

Levar uma notícia actual sobre a Educação no país.

Tendo filhos e sendo professor, como caracteriza actualmente o nosso sistema de ensino?

O governo retirou os 50% de desconto que os estudantes tinham nos passes sociais? Tendo

uma filha a estudar na universidade, o que tem a dizer sobre isto?

Questionario Rápido – Sim ou Não

Portugal vai recuperar da crise económica?

Um filme?

Um livro?

Concorda que um exame nacional de 12º ano avalie o trabalho de três anos de estudo?

Qual nos prepara melhor para o futuro: O ensino profissional ou o ensino regular?

Um país onde se possa actualmente iniciar uma nova vida?

Do que é que se orgulha?

Do que é que se arrepende?

Leonel Messi ou Cristiano Ronaldo?

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Anexo II – Transcrição da Entrevista

Grupo: É natural de que país?

Professor João Inglês: Como devem saber, eu sou angolano, nasci em Angola.

Estamos cá há pouco tempo, estamos de passagem (em Portugal). Digamos que neste

momento estamos cá, mas sem esquecer o país de origem, de vez em quando volto ao país,

de férias. Trabalho cá neste momento, dou aulas de educação visual e tecnológica até à

presente data.

G: Fale-nos um pouco sobre a sua infância em Angola. Por exemplo, você viveu em

Angola até pelo menos que idade?

PJI: Portanto, eu vim para Portugal em 1994. Fiz os meus estudos primários e

secundários em Angola. A minha infância, deve ser sobre o que vocês querem saber.

Devem querer saber o porquê desta minha ligação com a arte e porque é que dou aulas de

EVT. Eu desde a infância tive sempre potencial para as artes e isto levou-me a participar

em diversos concursos a nível das artes visuais. Foi aí com a ajuda dos professores que

descobri o meu talento, apesar de os meus pais não aceitarem esta minha vocação para as

artes, mas acho que foi mais forte. Depois da independência (de Angola) tive a

oportunidade de fazer os estudos, o 9º ano, na escola que na altura chamava-se escola

industrial de artes visuais, a partir daí comecei a dar aulas numa escola de arte infantil. Esta

escola albergava crianças traumatizadas da guerra, portanto tínhamos a missão de

recuperar através da arte as crianças órfãs, chamadas crianças saudade na altura, e pelo

factor da guerra implantada na altura ficaram desamparadas, a nossa missão era através da

arte levá-las a recuperar ao nível da integração, pelo facto de perderem numa idade muito

tenra os seus pais. Com esta experiência tive a oportunidade de usufruir de uma bolsa de

estudo, fora do país, na altura na URSS (União da República Socialista Soviética) actual

Rússia, e aí fiz os meus estudos ao nível de bacharelato.

G: Mas, por exemplo, você saiu do seu país e foi logo estudar para a União Soviética?

PJI: A minha formação na escola industrial em Luanda deu-me a oportunidade de

usufruir desta bolsa que me levou a outro país. Portanto, fiz a formação ao nível de

bacharelato no mesmo ano e vivi lá também, regressei depois ao país onde dei

continuidade através de uma escola média profissional na altura, fomos poucos na altura a

ir para fora do país fazer esta formação, tivemos de interromper depois para formar outros

professores ao nível da escola média que pertencia ao ministério da cultura. Portanto, tive

outra experiência durante mais algum tempo e usufruí de outra bolsa de estudo para

terminar a minha licenciatura.

G: Ou seja, nesse percurso, acaba por viver em dois países diferentes: Angola, União

Soviética, (em que esteve lá quatro anos certo?) e, neste caso, volta a Angola.

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PJI: Sim, estive lá quatro anos. Volto a Angola e formo alguns alunos a nível de

Educação visual, técnica e artística e também dinamizava, pois era membro de uma

associação de artistas plásticos que organizava exposições a nível internacional e nacional

onde tive a oportunidade de participar em alguns ateliers fora do país e usufruir de alguns

prémios a nível de gravura, de desenho e isto foi o que me levou a definir mesmo aquilo

que eu queria. Portanto, convém dizer que já no ciclo preparatório o que me levou a definir

este gosto pela arte foi a participação no primeiro concurso na escola preparatória, o

concurso de saudação ao Salvador Gago Coutinho e Amílcar Cabral. Eu participei e ganhei

este prémio, isto serviu de trampolim para encaminhar-me no ramo das artes.

G: O professor já tinha dito que antes de chegar à maioridade de idade, não tinha aquele

apoio da parte dos seus pais. A partir daí, a partir do momento em que é maior de idade,

começa a caminhar autonomamente, sozinho, ou os seus pais continuaram a apoiar apesar

de não estarem muito de acordo com esse caminho que o professor escolheu?

PJI: Quando somos menores os pais influenciam bastante na formação dos filhos,

como o meu pai era enfermeiro queria que eu fosse médico, tentou que eu seguisse esse

caminho, por isso frequentei o liceu na altura o 1º e o 2º ano. Após a independência, tive

que mudar de cidade (vivia em Salazar, actualmente chama-se N’dalatando, cidade no

norte de Angola). Já na capital (Luanda) tive a oportunidade de conhecer a tal escola

industrial onde um dos cursos era de artes visuais e pedi equivalência do liceu para este

curso de artes visuais. Aí foi o ponto de partida.

G: Actualmente vive cá em Portugal. Como é constituído o seu agregado familiar? É

casado?

PJI: Sim sou casado, tenho duas filhas e elas estão cá em Portugal, estão integradas

e estudam.

G: Tenciona voltar a Angola?

PJI: Sim, tenciono regressar, porque acho que sou mais útil no meu país, pelo

menos nesta fase em que o país se encontra, considero útil a nossa participação, sobretudo

no ramo educacional, especificamente para a minha área em que há poucos professores

neste caminho. Já vão aparecendo alguns formados noutros países como Cuba, Inglaterra,

alguns nos Estados Unidos, mas ainda somos poucos. Não há uma escola a nível superior

de arte, está-se a pensar , para muito breve, em arrancar-se com essa escola a nível superior

. O dever chama-me nesta altura para ajudar a incrementar essa escola para que tenha

sucesso.

G: Professor, já que fala nesse aspecto em relação às escolas e ao que está implementádo

ou não no seu país actualmente, na altura em que fez lá a sua formação como era o acesso

ao ensino? Todas as crianças tinham acesso ao ensino? Era fácil ter uma bolsa para

desfrutar de uma experiencia no exterior? Esse acesso às bolsas e ao ensino era mais fácil

que hoje em dia? Como é que era?

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PJI: Após a independência, o ensino era gratuito em Angola. Apesar de haver

oportunidade para usufruírem dessas bolsas, haviam pessoas que dependiam da

participação afectiva nas várias associações em que o país na altura se fazia representar,

por exemplo havia a associação a valorização dos pioneiros em que a participação das

crianças era previsível e eficaz, valorizava-se muito estas crianças traumatizadas da guerra

que muitas das vezes eram encaminhadas para Cuba. Em Cuba, existia a ilha de Pile onde

através do convénio entre os dois países, privilegiavam essas crianças com essas bolsas.

Hoje em dia temos ainda alguns angolanos que costumam receber e alguns com formação

superior que já se encontram no país a dar a sua contribuição com cargos já visíveis da

formação que fizeram. O que não queira dizer que agora não seja fácil, o país já se

encontra com alguma possibilidade, já vai tendo algumas escolas de formação média e

superior, a nível estatal e também a nível privado. Neste momento valoriza-se mais a

formação a nível superior para a juventude porque já vamos tendo capacidades após a

implantação da paz existem várias escolas não há a necessidade de se perder

economicamente, não é viável uma vez que o país já se encontra estável, não faz sentido

investir constantemente em bolsas a nível médio.

G: Tendo em conta que acompanha o desenvolvimento de Angola, que tenho a certeza que

tem acompanhado ao longo do tempo, apesar de estar em Portugal. Acha que existem

muitas diferenças actualmente ao nível do ensino, entre Angola e Portugal?

PJI: Há sempre diferenças. Angola saiu não faz muito tempo da fase instável,

demorámos 36 anos a recuperar o país, portanto a educação sendo prioritária para o

desenvolvimento do país há sempre grandes diferenças em relação a Portugal. Nós temos

um convénio que liga os vários ministérios da educação e ministério da cultura em que

necessitamos de formar a nossa juventude aqui, sem dúvida porque é a partir desse

convénio que nós sentimos cada vez mais a necessidade de dar formação nos vários

domínios que nós ainda necessitamos. A educação para um país é fundamental. Penso que

até este momento existe um intercâmbio saudável neste domínio com Portugal, que se vai

sentir no decorrer dos anos entre vários ministérios: o da cultura, do trabalho, da indústria.

Ainda à pouco tempo ouvi dizer que foram colegas nossos, professores, a nível da

formação profissional para uma das províncias do nosso país, sobretudo no norte (Angola),

no sentido de formar técnicos especializados para a indústria ou outras áreas que neste

momento irão beneficiar o país que se encontra numa fase de recuperação económica e

financeira.

G: tendo em conta que passou por três países diferentes, já contando com Portugal, como

foi a sua adaptação aos países de chegada, as dificuldades que sentiu as diferenças que

sentiu a questão da língua. Quais foram as dificuldades encontradas?

PJI: Eu só tive experiências boas. Na União Soviética, não podíamos aprender /

estudar sem dominarmos a língua, tivemos que nos adaptar, tivemos uma formação de

quase nove meses para dominar a língua que era o factor mais importante , e é como tudo é

preciso ter força de vontade e gostar-se daquilo a que se propõe, fui para lá com ideias

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fixas e, a saber, o que queria fazer. Desde que se tenha vontade e empenho, ultrapassa-se

com facilidade muitas situações, não é a língua, aliás, a língua nunca foi nenhum entrave.

A própria língua não se aprende só lendo com dicionários é através do relacionamento com

as pessoas, não só na escola, mas também no quotidiano, participando em actividades

porque a intervenção ajuda, inserindo aqui a questão da multiculturalidade. Em Portugal

foi mais fácil, uma das razões que nos fez integrar foi através do projecto raízes, lá está

com influência da associação trazida de Angola. Aquela veia cultural foi mais forte à

medida que estudava e fui desenvolvendo o projecto ligado também à reintegração das

nossas crianças, aqui em Setúbal nos bairros periféricos da Bela Vista, da zona do Viso.

Portanto, foi aí onde a minha missão chamou mais uma vez, a integração da nossa

juventude fez-se sentir nesta oportunidade, foi isto que me levou a criar a associação onde

vocês estão onde uma forte ajuda da autarquia local e da câmara municipal de Setúbal

construiu este espaço. Sentimo-nos agradecidos por podermos representar a cultura do

nosso povo aqui, o factor multicultural existe aqui porque apesar dos povos serem

diferentes, vão-se integrando e conhecendo-se através da cultura e do relacionamento, sem

esquecer o factor autêntico do povo, as suas raízes.

G: O professor por acaso nesse processo de adaptação, já nos disse que foi um processo

que correu sempre bem e agarrou simples desafios com o maior empenho, mas sentiu de

alguma forma, em alguns desses países , aquela questão do Preconceito? Alguma vez

sentiu isso?

PJI: Eu acho que preconceito existe em todos os países, mas é preciso saber

ultrapassar esses preconceitos. Eu tive a oportunidade de, antes de viajar para a União

Soviética, através dessa associação de artistas, participar em vários festivais e assembleias

a nível internacional. O primeiro festival mundial dos estudantes em cuba, onde tive a

oportunidade de conhecer muita gente de várias culturas, de vários povos, lá está, cada um

com a sua identidade. Como referi a identidade é muito importante porque é a verdadeira

carta de conhecimento de um povo e também levar crianças a participar em assembleias

como na Bulgária, assembleias que se realizavam de 3 em 3 anos, em que crianças de todos

os países iam participar em vários domínios da arte, podendo levar as crianças desta tal

escola que eu vos falei.

G: Digamos que essa participação ajuda também a vencer estas barreiras, por exemplo se

calhar é um pouco inadmissível, não sei que opinião tem o professor, em pleno sec: XVI a

gente ainda se confrontar com muitas manifestações a nível de preconceito, ainda há

muitas pessoas que não conseguem ultrapassar essas barreiras.

PJI: Isso depende da educação, de base, porque como estava a dizer foi importante

conhecer outros povos, para não levar isto muito a sério. Acredito que até agora existem

países de Europa do leste, se calhar é onde reside mais esses preconceitos. Eu não senti

isso, até pelo contrário, tive numa zona onde era chamada Ucrail, um ano em Moscovo,

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uns três anos na Ucrânia, e pelo contrário houve maior receptividade nesta zona, que se

“pensava” com maiores problemas a níveis raciais e ai fomos bem recebidos, elementos de

grupo de colegas em que teve lá. Se calhar noutros países que não se pensa como Portugal,

Itália ou França que devia existir uma forte componente ao nível de multiculturalidade,

existem várias etnias que já á bastante tempo que residem na Europa ocidental, se calhar

existe até mais preconceito, portanto se calhar na Europa do leste como foi a primeira vez,

aquele impacto que havia maior abertura em conhecer onde vocês vivem, o que é que

fazem apesar de sermos de outros povos, não houve não senti rigorosamente este problema

de preconceitos. Mas tudo depende da forma como te apresentas e da educação que tu

tiveste, educação de base para ultrapassar esses preconceitos. Muitas das vezes só

conversando e conhecendo bem a outra pessoa é que se ultrapassa esses preconceitos. Se

formos a pensar que já existe isso então não á volta a dar.

G: O Professor é uma pessoa religiosa? Tem crenças?

PJI: Sim eu sou católico, apesar de não praticar, mas tenho os meus momentos de

reflexão, de encontro com uma divindade católica pela qual eu pertenço.

G: Se compararmos Angola e Portugal actualmente, porque nós, por exemplo, aqui em

Portugal vivemos num período que não está fácil, quais são as principais condições de

vida de um de outro país. Acha melhor, por exemplo, viver agora em Portugal, ou visto

que Angola está em desenvolvimento acha melhor viver em Angola actualmente?

PJI: eu penso que para jovens como vocês para se formarem não á a melhor altura

do que agora, porque a abertura nos vários domínios, por exemplo, ainda á pouco tempo

não sei se vocês sabem todos os anos á uma feira internacional que se realiza cá em Lisboa

chamada EA, onde dão a oportunidade á comunidade angolana e não só também aos

portugueses de participarem e candidatarem-se ás varias oportunidades de emprego, e é ai

que eu aconselho se calhar, os jovens recém formados que actualmente encontram maior

oportunidade de trabalho, porque o futuro pertence realmente a eles, o que não quer dizer

que cá em Portugal seja o contrário. Porque encontramos numa fase de crise visível, que

todos nós sabemos que basta pensarmos que vivemos numa geração á rasca, neste

momento á falta de emprego e que os tempos de hoje não são os mais permissíveis.

G: E esperemos que se adivinhe o melhor daqui para frente não é?

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PJI: sim esperemos que se adivinhe, realmente ainda vamos ter algumas

dificuldades para tapar este tal buraco de fundos.

G: Diga-me uma coisa professor este factor das condições de vida passou alguma vez pela

sua cabeça, enquanto estava em Angola, noutros tempos ter que viajar para outro país á

procura de melhores condições de vida?

PJI: Não, não. Eu vim cá para completar a minha formação, os meus objectivos

estão a ser compridos, completei a minha vida de licenciatura, encontro-me na fase da

entrega da minha tese de mestrado eu nunca pensei em emigrar á procura de melhores

condições de vida, eu fui passageiro, e dei oportunidade aos meus filhos de estudarem cá, e

sempre a pensar no regresso, é indispensável pensarmos noutra coisa senão em

regressarmos para dar a nossa contribuição para o nosso país de origem. Acho que é uma

missão que todos devíamos de ter, paralelamente vou desenvolver as minhas actividades

artísticas a nível profissional, como vocês sabem, eu também pinto, sou pintor e tenho feito

algumas exposições, não muitas porque não dá para conciliar as duas coisas, é dar aulas e

depois também é a questão da associação. E é claro que presentemente não se deve pensar

em voltar do pé para mão. Á medida que os anos vão passando á sempre dificuldades, não

digo que vou regressar amanha, mas é preciso preparar as condições para o regresso.

Acredito que no próximo ano preparemos o terreno, porque sou apologista de alguns

sociólogos que dizem que somos cidadãos do mundo, devemos dar a nossa contribuição

eficaz para o nosso país de origem, mas também podemos dar fora do país desde que

preservemos a nossa identidade cultural contribuindo de uma maneira saudável,

integrando-nos no país recíproco, neste caso Portugal e cumprir positivamente aquilo que

nós queremos para esta missão que cada um de nós deve ter, pensando sempre na

formação.

G: Nós em aula falámos em duas tipologias de ensino. Falámos metaforicamente de uns

professores mestres e de uns professores pastores. Passando a explicar, os professores

mestres eram aqueles professores que deixavam os alunos seguir o seu caminho

autonomamente, e os professores pastores são aqueles que andavam “sempre em cima de

si”, a acompanhar o aluno não o deixando ser tão autónomo como um professor mestre.

Se o professor tivesse que se identificar com um destes tipos de professores com qual se

identificava mais?

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PJI: Eu tive e tenho oportunidade de estar nos dois sítios porque eu lecciono a

educação visual e tecnológica numa escola em que rege através de um programa e que leva

os meus alunos a aprenderem, a evoluírem e a atingirem metas de acordo com o programa

estabelecido numa unidade de trabalho, o que não quer dizer que não tenham grandes

influências sobre o ângulo que não deixe o aluno automaticamente realizar aquilo que quer,

alias sabem que os autores Brian e Liendfield (34m46 – não se percebe bem os nomes)

defendem muito a teoria que não devemos influenciar os nossos educandos naquilo que

eles fazem, devemos deixar livremente expressarem-se para que eles tenham oportunidade

de criarem, imaginarem e realizar essas tarefas ou contrario de antigamente, nos tempos

que já lá vão, os professores eram um modelo para os alunos, aquilo que eles faziam quase

que obrigavam os alunos a fazerem. Também tenho oportunidade de desenvolver este ano

um atelier de desenho e pintura paralelamente ao ramo da docência nos vamos utilizar o

atelier de vários alunos que eu tenho para ser um atelier livre por causa da faixa etária

diversificada entre os 8 aos 69 anos o aluno mais velho tem quase 70 anos e que ali nem

vale a pensa diferenciar porque á uma liberdade total , onde chegam e fazem o que querem

de acordo com as suas pretensões , claro que há uma orientação do mestre, claro que o

mestre está para orientar o caminho que estes levarem, existe uma liberdade naquilo que

eles pretendem realizar, independentemente da orientação que nós temos que dar prática e

a nível de técnicas ao nível da pintura e do desenho para uma maior entrega para não terem

a preocupação de estarem a fazerem mal ou bem, aí é que eu sinto que existe uma maior

liberdade. Portanto ambos estão equilibrados.

G: Professor recorda-se do seu primeiro dia de aulas a leccionar?

PJI: Foi em Angola, lá está essas duas situações, eu dei aulas a uma escola de

recuperação e outras numa escola mais organizada com certo objectivo, por que depois

durante a semana estou em dois tipos, chega ao sábado estou no atelier mais aberto e

quando tenho diariamente aulas mais programadas, mais direccionadas para um objectivo.

Mas o primeiro dia de aulas é sempre aquele nervoso miudinho. Recordo-me no meu

primeiro dia de aulas, mas foi nas práticas na Rússia ali é que houve o nervosismo mesmo

porque tive que pensar em russo para depois traduzir em português, sempre houve aquele

nervosismo, foi a pensar naquelas crianças se haviam de compreender apesar do factor

língua, a transmissão pratica teve mais ênfase, porque parece que quando se gosta daquilo

que se está a fazer e se domina , apesar da teoria ser bastante importante para acompanhar

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a pratica , mas este primeiro dia de aulas parece que as crianças e jovens sentiram logo

aquilo que quis transmitir apesar de algumas dificuldades da língua. Porque a língua da

Rússia é bastante difícil, apesar de compreenderem há sempre aquele nosso sotaque, mas

não foi difícil porque secalhar até foi ultrapassado pela vertente prática, houve aquele

nervosismo, mas acima de tudo foi benéfico, acima de tudo porque a transmissão prática,

não através da atitude, se calhar falou mais alto.

G: Existe algum costume alguma tradição de um país de origem que gostasse de destacar?

E que celebrasse cá na mesma forma que celebrava em Angola algum costume ou alguma

tradição?

PJI: São aqueles encontros em que convivemos á nossa maneira, falamos á nossa

maneira, convivemos á nossa maneira, mas existem diversas tradições, em Angola.

Quando morre alguém, por exemplo, temos o hábito de realizar um komba, um “Komba” é

apagar, esquecer aquilo que o defunto nos deixou, fazemos um pequeno ritual para acabar

essas lembranças, aqui não se vê isso mas também na missa do 7ºdia reunimo-nos e com

alguns chamados bispos da terra, chamamos um pequeno acto cultural, conversa-se come-

se bebe-se.

G: Nós temos, por exemplo, umas coisas que actualmente se vê muito são as danças

africanas, as pessoas em Portugal obtam mais esse tipo de dança. Acha que esta forma de

nós adoptarmos este estilo de dança, e cada vez mais as pessoas gostam pode ser uma

ronda de intercâmbio entre estas culturas?

PJI: acho que o factor da multiculturalidade faz se sentir nisso já, hoje em dia já se

sente, por exemplo, ouvir musica dos carros dos portugueses uma batida de kuduro, isto é

bom sinal é um sinal que existe muita calma ao nível da musica, portanto a divulgação dos

buraka som sistema são umas fortes componentes não só com pessoas de Portugal, mas já

do estrangeiro, eles viajam vão para Espanha divulgar o kuduro e a cultura que já nem é de

raiz porque alguns fundadores dos buraka som sistema alguns já estão em Angola alguns já

estão a dar continuidade a isso. Em algumas discotecas, sobretudo na grande Lisboa já se

vê que a dança do kizomba já está fortemente enraizada nos locais de diversão do povo

português. La está isto é importante porque se sente um grande intercambio que residiu

nisto, apesar de ser pouco vivida mas sente-se, já existem escola e clubes em que o

kizomba está implantado e que cada vez mais se vai apostando. Isso quer dizer que

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qualquer dia acontece como no Brasil que é um país multicultural, á brancos á pretos á

índios, hoje em dia são todos brasileiros apesar das diferenças são todos brasileiros, lá esta

mais uma prova de multiculturalidade enraizada, está sempre presente. Acredito que

Portugal vai ganhando conhecimento.

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Anexo III – Biografia Internacional de João Inglês

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Anexo IV – Página do Livro Artistas de Angola

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Anexo V – Exposição A Cor da Arte e os Seus Alunos

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Anexo VI – Panfleto Exposição de Artes Plásticas