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r CAPITULO 8 Por que os países pobres são pobres? Dizem que Duala é uma das "axilas da África". A descrição é perfeita. Localizada sob o grande "ombro" que forma a África ocidental, a cidade de Duala, infestada pela malária, é úmida, feia e exala um odor nada prazeroso. Mas, se você vive na República dos Camarões, Duala é o cen- tro das ações. O país é muito pobre. O camaronês é oito vezes mais po- bre que a média de qualquer outro cidadão do mundo e 50 vezes mais pobre que um americano típico. Em 2001 fui a Duala para tentar en- tender por quê. Não sei ao certo quem deu esse apelido maldoso, mas não ficaria surpreso se tivesse sido o ministro do turismo camaronês. Sabemos que na maioria dos países o ministro da Defesa é responsável por atacar ou- tras nações e que o ministro do Trabalho é responsável por administrar a fila dos desempregados. Então o ministro do Turismo camaronês man- tém uma nobre tradição. Seu trabalho é o de manter os turistas longe de seu país. Um colega confidenciou-me que a embaixada camaronesa em Lon- dres era tão burocrática que seria melhor ir a Paris pegar o meu visto. No fim das contas, não tive tanto trabalho porque consegui um pistolão. Um amigo camaronês pagou o equivalente à metade de um dia de jor-

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rCAPITULO 8

Por que os países pobres são pobres?

Dizem que Duala é uma das "axilas da África". A descrição é perfeita.Localizada sob o grande "ombro" que forma a África ocidental, a cidadede Duala, infestada pela malária, é úmida, feia e exala um odor nadaprazeroso. Mas, se você vive na República dos Camarões, Duala é o cen-tro das ações. O país é muito pobre. O camaronês é oito vezes mais po-bre que a média de qualquer outro cidadão do mundo e 50 vezes maispobre que um americano típico. Em 2001 fui a Duala para tentar en-tender por quê.

Não sei ao certo quem deu esse apelido maldoso, mas não ficariasurpreso se tivesse sido o ministro do turismo camaronês. Sabemos quena maioria dos países o ministro da Defesa é responsável por atacar ou-tras nações e que o ministro do Trabalho é responsável por administrar afila dos desempregados. Então o ministro do Turismo camaronês man-tém uma nobre tradição. Seu trabalho é o de manter os turistas longe deseu país.

Um colega confidenciou-me que a embaixada camaronesa em Lon-dres era tão burocrática que seria melhor ir a Paris pegar o meu visto. Nofim das contas, não tive tanto trabalho porque consegui um pistolão.Um amigo camaronês pagou o equivalente à metade de um dia de jor-

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nada de trabalho para conseguir um documento com a firma reconheci-da, formalizando o convite para que eu visitasse o país. Com esse doeu»mento, eu paguei o equivalente a cinco dias de um salário médio do paílpara obter meu visto, e só fui três vezes à embaixada. Curiosamente, eue meus companheiros não vimos muitos turistas nas três semanas emque estivemos no país.

Mas não quero dar muito crédito ao Ministério de Turismo. Deses- ,jtimular turistas requer um esforço coletivo. De acordo com a Transpa- \a Internacional, a República dos Camarões é um dos países maill

corruptos do mundo. Em 1999, foi considerado o mais corrupto doljanalisados. Quando visitei o país em 2001, ele era o quinto mais cor-jrupto, uma melhora que foi comemorada pelo governo. Um simplemomento de reflexão faz você ver que conseguir o título de "paíscorrupto do mundo" é uma tarefa difícil. Como a Transparência Intnacional faz o seu ranking baseada em percepções externas de corrupçuma estratégia vencedora (para os que almejam o título) é extorquir hcmens de negócio que chegam do exterior no aeroporto. Mas as autordades camaronesas não são suficientes para manter a prática constantpois o país é altamente corrupto em todos os níveis. Talvez essa falta ienfoque na estratégia tenha feito o país cair no ranking.

Isso não quer dizer que o aeroporto de Duala não seja, por assim iuma máquina bem lubrificada. Longe disso. Ele é úmido, caótico e voetem de enfrentar multidões, apesar de ter em média apenas três ou qutro voos diários. Felizmente, fomos levados, numa tórrida noite, para icidade de Buea por meu amigo Andrew e seu motorista Sam. Buea imais amena e fica perto das montanhas. De qualquer maneira, não sei!poderia dizer que Andrew nos levou a algum lugar, pois em Duala tal\o possamos usar o verbo levar e trazer para descrever certas atividac

A cidade, com dois milhões de habitantes, não tem ruas e estradasverdade.

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Uma típica rua de Duala tem aproximadamente 50 metros de largu-ra, do primeiro ao último. Isso não porque esse espaço todo seja umaexigência para que tivessem um bulevar com árvores enfileiradas. As ruasestão lotadas de camelos, alguns encostados em bancadas cheias de amen-doim e outros assando bananas d'água. Grupos de pessoas se aglomeramem torno de motocicletas, tomando cerveja ou um vinho local extraídoda palmeira. Montes de entulhos e buracos indicam construções que nãoforam acabadas ou demolições. No meio das "ruas" há uma buraqueirasem fim. Vinte anos antes, eram asfaltadas. Nas ruas há quatro "pistas"onde trafegam, na maior parte, táxis. No acostamento temos táxis esta-cionados. Nas pistas, o tráfego segue e os carros desviam de outros car-ros e dos buracos como se fossem bolas de uma máquina Ictérica. Nãohá regras. Um táxi no acostamento, com passageiros, ultrapassa o trânsi-to lento por fora, isso porque as ruas são em geral mais esburacadas queos acostamentos. O barulho é ensurdecedor, isso porque aparentementetodo homem, mulher e criança em Duala parece carregar nos ombrosum aparelho de som a todo volume e a buzina dos carros tornou-se umaespécie de forma universal de se comunicar. Eu compreendi algumas dasfrases.

— Bibiii, você não está notando, mas eu estou livre.

— Bibiii, estou vendo, mas o carro está cheio.

— Bibiii, não posso te levar pois vou para outro lugar.

— Bibii, eu posso te levar, entra.

— Bibii, se prepara pois em um minuto vou desviar de um buraco.

Duala tinha ônibus, mas eles não aguentam mais as ruas esburacadas.Então só restam táxis. A maioria da frota é composta de Toyotas caindo

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aos pedaços, levando quatro passageiros atrás e três na frente. São pinta-jdos de amarelo como os táxis nova-iorquinos. Cada um leva um slogoriginal. "Deus é Grande", "Confiamos em Deus" ou "Movido a Deus"

Ninguém que vê as ruas de Duala pode concluir que o país é pobrpor falta de espírito empreendedor. Mas ele é pobre e fica cada vez ipobre. Será que há algo que possa ser feito para reverter o declínioRepública dos Camarões e ajudar o país a crescer? Não será fácil. Cordiz o prémio Nobel Robert Lucas:

As consequências para o bem-estar humano em questões como estasão simplesmente surpreendentes. Quando começamos a pensar ,1nelas, é difícil pensar em qualquer outra coisa.

A peça escondida do quebra-cabeça

Os economistas achavam que a riqueza era feita de uma combinação <recursos produzidos pelo homem (estradas, fábricas, máquinas, sisteiHde comunicação), recursos humanos (instrução e ética de trabalho) cj|cursos tecnológicos (knoiv-how técnico ou maquinaria de alta tecnolcSeria óbvio supor que os países pobres poderiam se desenvolver aovestir dinheiro nos recursos físicos e aprimorando os recursos humae tecnológicos através da educação e de programas de transferêltecnológica.

Mas o que há de errado com essa hipótese? Aparentemente :instrução, fábricas, infra-estrutura e saber tecnológico abundam nos |ricos e deixam muito a desejar nos países pobres. Mas falta alguma <como num quebra-cabeça sem a peça mais importante.

A primeira pista de que algo está errado com essa história é a sufcão de que os países pobres deveriam estar se nivelando com oscos no século passado, e quanto mais atrasados eles fossem, esse <

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para alcançar os mais ricos deveria ocorrer o mais rápido possível. Ospaíses atrasados deveriam alcançar os ricos mais rapidamente, pois empaíses onde não há uma boa*infra-estrutura ou nível de instrução novosinvestimentos trazem maiores recompensas. Os países ricos não são tãobem recompensados com novos investimentos, se comparados aos atra-sados. A isso se chama de "retornos decrescentes". Por exemplo, novasestradas num país pobre podem abrir novas frentes de comércio. Numpaís rico, elas apenas aliviam o congestionamento. Os primeiros novostelefones num país pobre são de suma importância. Num país rico, elessão usados por crianças nas escolas para enviar torpedos. Uma melhoriano nível educacional de um país pobre faz uma tremenda diferença. Numpaís rico, as pessoas com um diploma têm dificuldades em conseguir umemprego. E é claro que deveria ser muito mais fácil para um país pobrecopiar uma tecnologia do que um país rico inventar uma nova. Os habi-tantes de Duala podem pegar um táxi sem esperar que Gottlieb Daimlerreinvente um novo motor a explosão.

Quando olhamos para países como Taiwan, Coreia do Sul ou a Chi-na, que vem dobrando sua renda a cada decénio, a teoria parece ser ra-zoável. Mas muitos países pobres não estão crescendo mais do que osricos. Na verdade, alguns crescem menos e outros estão se tornando maispobres ainda, como a República dos Camarões. Para colocar um remen-do na história tradicional, os economistas combinaram o modelo de "re-tornos decrescentes" com um de "retornos crescentes". Segundo a novateoria, quanto mais você tem, mais rápido você cresce. Os telefones sãoúteis se outras pessoas tiverem telefones. As estradas são úteis se todostiverem um automóvel. Tecnologias são fáceis de criar se você já tivercriado outras anteriormente.

Essa teoria pode explicar por que os países ricos permanecem ricos epor que os pobres permanecem pobres. Mas não explica por que paísescomo a China, Taiwan e Coreia do Sul, sem contar Botswana, Chile,

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índia, Cingapura e as Ilhas Maurício, estão se aproximando dos mailricos. Esses dinâmicos países, e não o Japão, Estados Unidos ou Suíça, |são os que mais crescem no planeta. Há 50 anos eles estavam fadados àpobreza, com carências de todo tipo de recursos — às vezes até mesmode recursos naturais — e tornaram-se mais ricos desde então. No pró- icesso, eles tiveram melhoras no nível de intrução, tecnologia e infra-estrutura.

E por que não? Dado que as mais recentes descobertas tecnológicaiestão cada vez mais disponíveis e menos caras, é natural a expectativados economistas em relação aos países em desenvolvimento. Num mundode retornos decrescentes, os países mais pobres são os que mais têm alucrar com novas tecnologias, infra-estrutura e educação. A Coreia doSul, por exemplo, adquiriu tecnologia ao promover o investimento deempresas estrangeiras ou pagando por licenças aos que detinham a pro-priedade intelectual. Não foi de graça. Além dos pagamentos por direi-tos, as empresas que lá investiam podiam remeter os lucros para a ma- Jtriz. Os ganhos, para os trabalhadores e investidores coreanos, na formade crescimento económico, foram 50 vezes maiores do que as taxas delicenciamento e lucros que saíram do país.

Em termos de educação e infra-estrutura, como os retornos erambastante significativos, não faltaram investidores querendo fomentarprojetos de infra-estrutura e de instituições que pudessem emprestar aosestudantes ou mesmo a um governo que oferecia um ensino público dequalidade. Os bancos, coreanos ou não, deviam estar fazendo todos osesforços para conceder empréstimos educacionais, investir em estradas |ou numa usina elétrica. Os países pobres, e as pessoas pobres, deveriamficar contentes com esses empréstimos, confiantes em que os retornosseriam tão altos que não haveria dificuldades para honrar suas obriga-ções. Mesmo se isso não acontecesse, o Banco Mundial, estabelecidodepois da Segunda Guerra Mundial com o exclusivo intuito de conce-

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ilcr empréstimos a países em desenvolvimento (ou passando por um pro-cesso de reconstrução), empresta bilhões de dólares anualmente. Entãoo dinheiro para o investimento inicial não parece ser o problema. Ou osinvestimentos não estão sendo feitos, ou eles não estão gerando os resul-tados previstos pelos modelos tradicionais.

Até o modelo de "retornos crescentes" sugere que pode ser possívelpara os países pobres crescerem se eles pudessem investir em várias fren-tes simultaneamente, como em fábricas, estradas, eletricidade e em por-tos, permitindo que os bens sejam manufaturados e exportados. Essateoria do "grande empurrão" (bigpusK) foi alardeada pelo economistaPaul Rosenstein-Rodan, que trabalhou no Banco Mundial logo após suafundação. Com um grande empurrão ou não, muitos países pobres con-seguiram crescer nos últimos decénios. Então por que muitos outros fi-caram para trás?

Uma teoria de bandidagem governamental

Nosso carro ia aos solavancos e driblando a turba de pessoas, quandoresolvi fazer uma pergunta a Sam, nosso motorista, sobre o país.

— Sam, qual foi a última vez que fizeram uma manutenção nasruas e estradas?

— Não se faz nada há 19 anos. (O presidente Paul Biya "chegou"à presidência em 1982 e estava no poder há 19 anos quando visi-tei o país. Quatro anos depois, em 2005, ele ainda está no poder.Ele recentemente disse que seus adversários eram "políticos ama-dores". Realmente eles devem estar fora de forma.)

— E o povo não reclama do estado das ruas e estradas?

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— Eles reclamam, mas nada é feito. O governo diz que não hádinheiro. Mas tem bastante dinheiro vindo do Banco Mundial,da França, Inglaterra e dos Estados Unidos, mas eles roubam tudo,Eles não investem o dinheiro conservando as estradas.

— Vocês têm eleições aqui na República dos Camarões?

— Claro! Temos eleições. O presidente Biya sempre é reeleitocom uma maioria de 90% dos votos.

— Então 90% dos eleitores votam nele?

— Não, de jeito nenhum. Ele não é nada popular. Mas aindaassim consegue uma maioria de 90% dos votos.

Você não precisa passar muito tempo no país para sentir o quanto ̂pessoas se ressentem do governo. A maioria das atividades govertais são efetuadas com o intuito expresso de roubar o dinheiro docamaronês. Eu fui alertado de forma tão veemente sobre a corrufgovernamental, e do risco dos oficiais no aeroporto confiscaremfrancos, que estava mais apreensivo com essa possibilidade do quejcontrair malária ou de ser assaltado com uma arma apontada para a milcabeça nos becos de Duala.

Muitas pessoas têm uma visão positiva de políticos e funciorpúblicos. Acham que eles servem ao povo e fazem o melhor possível ]zelar pelos interesses da nação. Outros são mais cínicos e pensammuitos políticos são incompetentes e trocam o interesse público por schances de serem reeleitos.

Um economista chamado Mancur Olson trabalhou com a hipótde que as motivações governamentais eram mais obscuras e escusas iproduzindo uma tese que explica por que as ditaduras estáveis eram ]rés para o crescimento económico do que as democracias, mas melhc

do que a anarquia. Olson supunha que os governos eram compostos debandidos, com as armas mais poderosas, que tomavam tudo de todos.Esse é o ponto de partida de sua análise. E você não teria dificuldadescm aceitar essa tese se passasse cinco minutos observando a Repúblicados Camarões. Como disse Sam:

— Tem dinheiro de sobra... mas eles embolsam tudo.

Vamos imaginar um ditador com um mandato de uma semana. Na ver-dade, um bandido com um exército móvel que chega, leva o que quer evai embora. Supondo que ele não seja malévolo, nem bondoso e queapenas cuida do interesse próprio, qual seria o incentivo que ele teria dedeixar algo para trás? Absolutamente nenhum. A não ser que ele planejevoltar no ano que vem.

Mas suponhamos também que o bandido nómade goste de um lu-gar e resolva se estabelecer, construindo um palácio c incitando seu exér-cito a explorar os nativos. Pode parecer injusto, mas os nativos estão agoraem melhor situação, dado que o ditador resolveu ficar. Um ditador quesó pensa em si vai descobrir que não pode destruir a economia e deixaro povo passar fome se ele quer se estabelecer no local. Caso contrário,ele esgotaria todos os recursos e não teria nada nem ninguém para rou-bar no próximo ano. Então o ditador que chega para ficar é preferível aum que entra e sai, ou que fica zanzando em busca de novas vítimas.

Apesar de não ter relação com esse tema, a biologia nos oferece uminteressante arquétipo para o economista político: os vírus e as bactériastendem a ficar menos agressivos com o passar do tempo, dado que aslinhagens mais extremas morrem mais rápido. Quando a sífilis foi des-coberta na Europa no fim do século XV, ela era descrita como uma do-ença extremamente agressiva, que matava a vítima com rapidez. Essaestratégia não pode dar certo. O melhor é ser um vírus que deixe a víti-

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ma viver, pelo menos por um período mais prolongado, para dissemira doença. O outro tipo mutante de vírus da sífilis, que matava as pessccom menos rapidez, teve mais sucesso, pois vivia mais do que os tifagressivos.

A evolução das doenças me veio à mente quando pensava no prdente Biya. Não estou seguro de que ele se encaixe na definição de Olipara um ditador preocupado apenas com o interesse próprio. Mas,assim fosse, não seria de seu interesse explorar tanto o povo camaronépois em três anos já não teria mais nada para expropriar. Enquanto ele jsentir seguro no seu mandato, não vai querer matar a galinha dosde ouro. Como a doença, cuja existência depende do corpo que castigBiya teria de manter a economia camaronesa funcionando para condnuar a roubar. Isso sugere que um líder que espera ficar no poder por \s fará mais pela economia do que um que espera fugir do país

duas semanas. Vinte anos de um ditador "eleito" é provavelmentelhor do que 20 anos de golpes de Estado sucessivos. Viva Biya?

Isso não quer dizer que a teoria de Olson preveja que as ditadiestáveis sejam boas para a economia de um país e sim que elasmenos mal do que as instáveis. Mas líderes como Biya, sempre conftes de que vão vencer as eleições, são péssimos para o povo e para a inomia de seus países. Supondo que Biya tenha total controle sobre]distribuição de renda no país, ele pode decidir roubar, digamos, medo PIB todo ano, sob a forma de um "imposto", que acaba parando ;sua conta corrente. Isso não seria bom para suas vítimas, nem tampotpara a economia camaronesa. Vamos imaginar o dono de uma micrempresa querendo investir US$1.000 num gerador para a sua oficiiEspera-se que o investimento gere US$100 por ano, ou seja, umno de 10%, o que é muito bom. Mas como Biya pode pegar a metadessa quantia o retorno no investimento cai para 5%. O microempresádecide não investir, e ele e Biya saem perdendo. Esse é um exemplo i

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extremo do que aquele que vimos no Capítulo 3. Os impostos causamineficiências. Os impostos de Biya são maiores e mais arbitrários, mas oefeito fundamental na economia é similar.

Claro que Biya deve ter seus investimentos próprios, por exemplo,como em pontes e estradas para fomentar o comércio. Pode ser que elessejam caros a curto prazo, mas seriam benéficos à economia, o que dariamaiores oportunidades para ele roubar mais depois. Mas aí temos outroproblema. Biya estaria roubando metade da renda nacional, o que po-deria ser insuficiente para proporcionar ao país a infra-estrutura de quenecessita. Quando Biya chegou ao poder em 1982, ele herdou estradasda era colonial que ainda estavam inacabadas. Se ele tivesse herdado umpaís sem nenhuma infra-estrutura, seria de seu interesse investir na mes-ma. Como já tinha uma infra-estrutura, ainda que precária, ele precisa-va calcular se valia a pena mante-la ou se deveria viver do legado anterior.Em 1982, ele provavelmente esperava que as estradas poderiam duraraté os anos 90, o que era um período razoável de expectativa de manter-se no poder. Então ele decidiu viver do capital investido no passado enão se preocupou em investir em qualquer tipo de infra-estrutura. En-quanto tivesse o suficiente para manter-se no poder, para que gastar so-mas que poderiam ir para seu fundo de pensão?

Será que estou sendo injusto com o presidente Biya? Talvez um pou-co. Nas eleições de 2004, que ocorreram depois de minha visita ao país,Biya teve 75% dos votos num pleito que os observadores disseram sermais ou menos justo. De acordo com a teoria de Olson, um líder queprecisa criar uma ampla base de apoio terá que gastar mais recursos go-vernamentais em bens que geram riquezas como estradas e tribunais, emenos consigo próprio ou com seu grupo. Como Biya não fez isso, mascontinua no poder, temos duas questões adicionais. Em primeiro lugar,será que as eleições não foram tão democráticas como supõem os obser-

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vadores? Finalmente, será que Biya poderia prover bens e serviços gera-dores de riqueza ainda que quisesse?

Bandidos, bandidos por toda parte

Talvez Biya não tenha tudo sob controle, como é de supor. Se você qui-ser ir de Buea a Bamenda, mais ao norte, a forma de transporte mailpopular é o microônibus. Eles são usados na maioria das viagens de lon-ga distância no país. Projetados para levar dez passageiros, eles partemassim que o décimo terceiro se acomoda. Vale a pena lutar pelo assentoespaçoso ao lado do motorista. Os veículos são umas latas velhas, mas osistema funciona direito.

Funcionaria melhor ainda se não fosse a péssima influência do go-!

verno. O problema muitas vezes se resume à negligência. Por exemplo, a <rota mais rápida de Buea a Bamenda, mas não a mais direta, é através doterritório camaronês onde se fala francês e onde as estradas estão emmelhores condições. A rota é feita da seguinte forma: duas horas para o'-leste, mais duas horas para o norte e depois mais duas horas para o oeste, >Isso é muito mais rápido do que pegar a estrada pavorosa que vai direta-mente ao norte e corta o território onde se fala inglês. A minoria de &•'lantes de língua inglesa reclama que quando os doadores depositaram •fundos para a construção do rodoanel camaronês, o governo apenas en-'viou os recibos mas nunca construiu nada naquele setor.

O segundo obstáculo, literalmente, é a quantidade de blitzes e bar-'reiras policiais parando os carros. Policiais grosseiros, geralmente bêba-dos, param cada microônibus e tentam arrancar uma propina dos in-cautos passageiros. Eles geralmente não conseguem, mas às vezes estãodeterminados. Meu amigo Andrew uma vez foi posto para fora de um !carro e ameaçado por horas. O pretexto para o suborno era que ele esta- fvá sem o seu certificado de inoculação contra a febre amarela, que você

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precisa ter quando entra no país, mas não quando anda pelas estradas.O policial explicou pacientemente que é necessário proteger o país dadoença. Com o equivalente a duas cervejas em dinheiro, ele se conven-ceu de que a epidemia estava erradicada e Andrew pegou um microônibustrês horas depois.

Isso é até menos eficiente do que o modelo previsto por Olson. Elemesmo poderia prever que sua teoria levada ao extremo ainda assim su-bestimaria o cará ter perverso dos maus governos. O presidente Biya temque manter centenas de milhares de policiais e militares contentes, bemcomo outros servidores públicos e simpatizantes. Numa ditadura "per-feita" ele iria simplesmente impor os impostos que fossem menos escor-chantes, na quantidade necessária para distribuir as benesses para seusacólitos. Esse tipo de política governamental não é prático, pois requermuito mais informação (e controle) sobre a economia do que é possívelpara o governo de um país pobre. O substituto disso é a corrupção tole-rada pelo governo numa escala sem precedentes.

A corrupção não só é injusta, mas também muito ineficiente. Os gen-darmes gastam seu tempo chateando os passageiros de veículos em trocade modestas quantias. Os custos são enormes. Uma polícia inteira estáocupada subornando seus cidadãos em vez de prender criminosos. Umaviagem de quatro horas passa a durar cinco. As pessoas que viajam têmde levar menos dinheiro, viajar menos (ou nas horas mais congestiona-das) e carregar uma papelada desnecessária para evitar o suborno.

As blitzes e os policiais desonestos formam um tipo visível de corrupção,mas há outras barreiras metafóricas na economia camaronesa. O BancoMundial começou a observar estes outros gargalos quando começou acoletar dados sobre o sistema regulatório do país. O banco descobriuque, para se abrir uma microempresa, o empresário camaronês precisagastar em taxas o mesmo que um cidadão recebe de salários por dois anos

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em média. (Comparado a isso, o que gastei para o meu visto de turistnão é nada.) Para comprar ou vender uma propriedade, gasta-se um quinj

to do valor da mesma. Para que os tribunais forcem alguém a pagar iíatura vencida pode levar dois anos, ao custo de um terço da fatura, seminecessários 58 procedimentos distintos. Essas regulamentações ridícsão excelentes para os burocratas que as fiscalizam. Cada procedimenté mais uma oportunidade de suborno. Quanto mais demorado for o prcesso, maior a tentação de pagar uma propina para dar andamento à coiiAssim, o presidente Biya tem o apoio de um número suficiente de iciais que podem mante-lo firme no poder.

Mas esse não é o único efeito. Leis trabalhistas inflexíveis ajudam jmanter uma disparidade em que apenas profissionais experientes — jdo sexo masculino — podem trabalhar de carteira assinada ou com <tratos formais. Mulheres e jovens têm de se virar na informalidade.,burocracia desestimula os negócios. O judiciário lento leva os emprdedores a não se arriscar em novas oportunidades para obter mais ites, pois eles sabem que não terão proteção se forem enganados. Os jsés pobres têm os piores exemplos destes tipos de insanidade regulatóle esse é um dos principais motivos pelos quais eles são pobres. Em ]desenvolvidos, os governos executam suas tarefas burocráticas de foirazoavelmente barata e rápida, enquanto que nos países pobres a <cão de tarefas é demorada e lenta, pois a burocracia espera embolsar itostões no processo.

A importância das instituições

Banditismo governamental, desperdício e regulamentação opressiva (cebida para facilitar a cobrança de propinas: todos são elementos da ]que falta no quebra-cabeça do crescimento e desenvolvimento. Noi ltimos dez anos, os economistas que trabalham com assuntos relaciol

dos ao desenvolvimento cantam o mesmo mantra em relação à impor-tância das instituições. Claro que não é fácil descrever o que vem a seruma "instituição". Porém mais difícil ainda é converter uma má insti-tuição em uma com atributos desejáveis.

Mas temos observado um certo progresso. A teoria de Olson nos ajudaa compreender, de maneira simplificada, como os diferentes tipos degoverno podem afetar os estímulos das pessoas num país, apesar de nãonos dar um guia sobre como melhorar a situação.

O Banco Mundial tem uma unidade de medida de burocracia quenos dá uma excelente ideia sobre um tipo de instituição: a regulamenta-ção simplificada de pessoa jurídica ou de pequenos negócios. Essa preo-cupação, transformada em projeto pelo banco, também demonstra quedisseminar informações a respeito dos gargalos pode ter um impacto po-sitivo sobre essas instituições. Por exemplo, depois que o Banco Mundialdivulgou que na Etiópia os empresários não podiam abrir um negóciosem pagar o equivalente à média salarial de quatro anos para publicaruma nota oficial no diário oficial, o governo cedeu. A obrigatoriedadefoi cancelada e o registro de novos negócios aumentou em quase 50%.

Infelizmente, nem sempre é fácil fazer com que governos corruptosmudem de comportamento. Apesar de estar cada vez mais claro que asinstituições precárias são em grande parte responsáveis pela pobreza nospaíses em desenvolvimento, a maioria delas não pode ser descrita porum modelo como o de Olson, ou mesmo com a cuidadosa coleta dedados e análise do Banco Mundial. A maioria das instituições que dei-xam a desejar é assim por questões orgânicas.

A pior biblioteca do mundo

Essas estruturas institucionais questionáveis são responsáveis pelo adventoda pior biblioteca do mundo. Dias depois de ter chegado à República

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dos Camarões, visitei uma das mais prestigiosas escolas particularespaís, o equivalente a Eton, na Inglaterra. Ela fica perto de Bamenda.,escola em si misturava, a meus olhos, o familiar e o surpreendente. Sáde aula de qualidade questionável cercadas por um pátio e um camfparecidos com os de minha escola na Inglaterra. Mas uma espécieavenida cheia de árvores, pavimentada de forma bizarra e onde todos <professores moravam, não me era familiar. Parecia saída de um script <A história de Elza, só que dirigido por Tim Burton.

Visitamos a escola acompanhados pela bibliotecária, uma voluntda organização britânica VSO, que envia pessoas com certas habilidadtécnicas para onde são mais necessitadas, em países pobres. A escola lnhã duas bibliotecas, mas a bibliotecária não estava nada satisfeita, e Icentendi a razão.

À primeira vista, a biblioteca impressiona. Exceto pelo palacete quvinha a ser a casa da diretora da escola, a biblioteca era a única edificaçno campus com dois andares. A arquitetura era curiosa. Parecia uma (pécie de Sidney Opera House dos pobres. O telhado tinha uma inclircão invertida no formato de um V, assemelhando-se a um livro aber

Apesar do design criativo, sei que minhas lembranças sobre a esfcular biblioteca vão durar mais do que a edificação em si. Sob o sol escdante da temporada de seca no país, fica difícil a princípio achar algproblema com a estrutura e seu telhado no formato de um gigantlivro aberto. Mas o arquiteto aparentemente se esqueceu da estação ichuvas. Quando chove na República dos Camarões, chove a cântpor cerca de cinco meses e nenhuma canaleta ou escoamento pluvial coísegue estancar as águas transbordantes. Quando esse tipo de chuva inesse telhado, que não passa de uma canaleta gigante, escoando a ipara o hall de entrada, você já sabe que é hora de plastificar o acervo,

A única razão pela qual o acervo de livros da escola ainda existe iporque ele nunca chegou perto da nova biblioteca. A bibliotecária i

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sou-se a cumprir os repetidos pedidos da diretora para que transferisse acoleção para o novo prédio. Quase concluí que a diretora estava em umavançado estado de negação quando entrei no prédio para ver a devasta-ção. Era uma ruína. O piso estava cheio de poças e o ar tinha o cheirosimilar às cavernas úmidas da Europa. Não era o que imaginava a respei-to de uma edificação moderna nos trópicos. As paredes estavam des-cascando como se fossem um afresco bizantino. E o prédio tinha sidoconstruído havia apenas quatro anos.

Isso é um desperdício imperdoável. Em vez de construir a bibliote-ca, a escola poderia ter adquirido 40 mil volumes, computadores conec-tados à Internet, ou poderia oferecer bolsas a alunos pobres. Todas estasalternativas seriam preferíveis a uma biblioteca vazia e caindo aos peda-ços. Isso sem contar que não havia a necessidade de se construir umanova biblioteca. A biblioteca antiga funciona perfeitamente, tem a ca-pacidade de armazenar três vezes mais livros do que a escola possui e é àprova d'água.

O fato de uma nova biblioteca ser desnecessária talvez até expliqueseu design questionável. No fim das contas, ninguém presta muita aten-ção à funcionalidade de uma edificação cuja razão de existir é redundan-te. Mas, se a construção da biblioteca não fazia sentido, por que ela foiconstruída?

Napoleão uma vez disse que "nunca se deve atribuir a uma conspira-ção o que pode ser visto como incompetência". Essa é a resposta natural.A incompetência é um bode expiatório simplista. É tentador para quemvisita o país dar de ombros e explicar que sua pobreza é fruto da idioticedos camaroneses. A biblioteca pode ser uma boa evidência, mas os cama-roneses não são nem mais espertos ou bobos do que outros povos. Esseserros questionáveis são tão presentes na paisagem camaronesa que a in-competência não pode explicar ou dar conta de todos os casos. Há algo

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mais sistemático. Portanto devemos considerar os estímulos dostomam as decisões.

Em primeiro lugar, a maioria dos oficiais encarregados de gceducação na região noroeste do país é oriunda da pequena Bafut.nhecidos como a "máfia de Bafut", essas pessoas controlam um polpviorçamento educacional, cujos fundos são distribuídos na base decoes pessoais em vez de por grau de necessidade. Não foi nenhuma ipresa descobrir que a diretora da escola era uma alta integrante da ide Bafut. Com o intuito de converter sua escola numa universicdiretora quis construir uma biblioteca digna, em tamanho e qualicde uma universidade. Era irrelevante para a diretora que a bibliotpreexistente fosse suficiente e que o dinheiro dos contribuintesser mais bem utilizado.

Ninguém estava de olho na diretora e em suas decisões sobre ialocar os recursos. Não há uma meritocracia e os salários e promcsão decididos pela própria. A escola tem prestígio e oferece boas coícoes de trabalho para os professores, o que implica que estes qimanter seus empregos e para isso devem manter boas relações coídiretora. A única pessoa em condições de bater de frente com a «era a bibliotecária, que prestava contas apenas à VSO em Londres. 1chegou depois que a biblioteca foi construída, mas a tempo deque os livros fossem transferidos e destruídos no processo. A diretorera tão incompetente que queria que a água arruinasse os livros, ou lse importava muito com estes, querendo apenas demonstrar que a ibiblioteca tinha utilidade. A segunda explicação parece ser mais piai

Com dinheiro nas mãos e nenhuma objeção à construçãosegunda biblioteca, a diretora controlava o projeto. Ela nomeou ialuno da escola para desenhar o projeto, talvez para demonstrar a qtldade do ensino na instituição. Poderia querer provar algo, mas não iseguiu. Não importa a competência do arquiteto, o fato é que as:

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no desenho da planta seriam vistas por quem tivesse um grande interes-se em se certificar de que a biblioteca funcionaria como tal. Mas essanão foi a preocupação de nenhuma das pessoas em posição de autorida-de. Queriam apenas construir algo que qualificasse a escola como apta aser uma universidade.

Vamos considerar os fatos: fundos que foram obtidos não por neces-sidade mas sim por questões de relacionamentos interpessoais; um pro-jeto criado para gerar prestígio em vez de ter utilidade e funcionalidade;falta de transparência e responsabilidade; e um arquiteto nomeado paramostrar sua obra a pessoas pouco interessadas na qualidade do trabalho.O resultado é fácil de se prever: um projeto que não devia ter sido cons-truído, acabou sendo construído e de péssima forma.

A lição da história é que pessoas ambiciosas que só se preocupamcom seus interesses pessoais são as maiores causas de desperdício e inefi-ciência nos países em desenvolvimento. A verdade é um pouco mais triste.Esse tipo de gente está em posições de poder em todos os países domundo. Em certos lugares, eles são restringidos pela lei, pela imprensa epor uma oposição democrática. A tragédia na República dos Camarõesé que não há nada nem ninguém que controle esse tipo de compor-tamento.

O enredo se complica — Incentivos e desenvolvimento no Nepal

O sistema educacional camaronês não proporciona incentivos aos admi-nistradores, então a tarefa de educar as crianças é a última coisa que pas-sa por suas cabeças.

Outros projetos de desenvolvimento utilizam-se de formas mais su-tis e não muito comuns de incentivos. Um exemplo foi descoberto peloeconomista Elinor Ostrom, que analisou em detalhe os sistemas de irri-gação no Nepal. Além das tradicionais represas e canais, o Nepal tam-

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bem construiu modernos sistemas de irrigação de concreto, planejado!*!por engenheiros e pagos com fundos de grandes organizações doadoraiinternacionais. Que sistema funciona melhor e por quê?

Quando ouvi falar desse estudo, achei que podia adivinhar o resulta-do. A conclusão óbvia é que o sistema moderno, com design de enge- inheiros e materiais de última geração, construídos com quantias signifi-cativas, deveria produzir melhores resultados do que um sistema usadopor camponeses e feito de pedaços de pau e barro. Nada disso.

Então aprendi que os grandes projetos de represas não são adaptá-veis às condições locais e que os métodos tradicionais, utilizando o lema'de que "quanto menor, melhor", passado de geração em geração geramelhores resultados, certo? Errado outra vez.

A história no Nepal é mais interessante do que ambas versões sim-plistas da questão. Elinor Ostrom identificou um paradoxo. A primeira'parte do paradoxo é que as represas modernas aparentam reduzir a eficá-cia do sistema de irrigação. E a segunda parte é que, quando os canais de \, pagos com fundos de doadores, são reforçados com materiais

modernos, eles fortalecem o sistema e conseguem escoar mais água.Por que os doadores conseguem levantar fundos para projetos em'j

que os canais de irrigação são eficientes, mas não para as represas? Parece •ser claro que há algo ocorrendo além do surrado debate entre o que seriamais eficiente: a técnica moderna ou a tradicional. A verdade fica maisclara quando se observam as motivações e os incentivos das partesenvolvidas.

Comecemos pelo fato de que qualquer projeto tem mais chance dedar certo se as pessoas que se beneficiam dele são as que o tornam possí-vel. Isso explica por que os métodos tradicionais de irrigação podem teruma certa vantagem. Não por causa do know-how milenar e sim por-que eles foram projetados, construídos e mantidos pelas pessoas que osutilizam. As represas e canais modernos são construídos por engenhei-

ros que não vão passar fome caso haja erro de design, e são encomenda-dos por funcionários públicos que serão julgados não pelos resultados esim pelos procedimentos. Imediatamente podemos observar por que me-lhores materiais e grandes quantias de fomento aos projetos não se tra-duzem necessariamente em sucesso.

Além disso, os sistemas de irrigação têm que ter manutenção per-manente para funcionarem a contento. Mas quem vai mante-los? Nãosão as agências de fomento internacionais, nem os funcionários públi-cos. Os servidores públicos no Nepal são promovidos — na maioria doscasos — por tempo de serviço e por estarem associados a projetos de"prestígio". A manutenção não lhes compensa profissionalmente, nãoobstante sua importância para os agricultores. Que servidor público gos-taria de fazer um trabalho manual, longe de Katmandu, onde sua esposavai às compras e seus filhos vão à escola? Não podemos nos esquecer deque as propinas são sempre uma fonte de renda extra e os grandes proje-tos aumentam as chances de se obtê-las; muito mais do que com traba-lhos de manutenção.

Assim como os funcionários públicos, as agências de fomento traba-lham sob um sistema que favorece projetos grandiosos. Elas tendem afavorecer projetos que requerem maiores quantias, pois se elas não gas-tarem o que têm em caixa, terão dificuldades em arrecadar mais fundosno futuro. Muitas agências bilaterais, como a Agência de Desenvolvi-mento Internacional dos Estados Unidos (USAID), estão comprometi-das com certos tipos de projeto. A USAID em geral tem que aprovarprojetos que usem equipamento comprado nos Estados Unidos, quetendem a ser caros e de alta tecnologia. Como as escavadeiras têm maisutilidade na construção do que na manutenção de uma represa, a balan-ça pende para os projetos de grande porte. Mesmo que a agência de fo-mento não seja tendenciosa em relação a projetos de grande porte, ain-da assim elas terão de se fiar na informação que recebem da equipe local

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e dos consultores, que em geral têm os mesmos incentivos que os idores públicos.

Tudo isso explica por que os que demandam projetos dessa escnão têm tanto interesse em construir represas que sejam de qualicporém compensatórias em termos de custo como as construídas por!cultores e fazendeiros. Mas não explica a tese de Ostrom de querepresas são piores e tampouco explica por que os canais de irrigação icionam a contento, apesar de as pessoas que tomam a iniciativa de cortruí-los não terem muito interesse em checar se eles serão de boa qudade ou não. Para compreender a questão, precisamos saber o que ]sam os beneficiados por tais sistemas.

Ninguém mais do que eles se interessariam pela manutenção de lsistemas depois de construídos. Isso não precisa ser necessariamente lproblema. Antes que qualquer sistema moderno de irrigação fosse co<truído, os agricultores tinham de fazer a manutenção dos sistemas prxistentes. Se eles faziam a manutenção dos sistemas tradicionais, por <não poderiam fazer o mesmo com os sistemas mais modernos?

A manutenção requer duas tarefas: manter a represa intacta esobstruir os canais de irrigação. Não é um trabalho fácil. Os agriculto|não darão a mínima a não ser que tenham incentivos e isso gera um ]blema. Todos os agricultores necessitam de que a represa estejamantida. Mas os agricultores com terras próximas à represa não se íportam muito com o estado dos canais de irrigação que estão mais atxo ou longe da represa. Felizmente, a maioria das comunidades agrícIas no Nepal utiliza um sistema cooperativo, segundo o qual o princífgeral é que os agricultores que trabalham mais longe da represa ajucna manutenção da mesma em troca de ajuda na manutenção dos ide irrigação. Até aí tudo bem.

Se novos canais de concreto forem construídos, teremos umaIhoria. Estes canais são melhores, escoam um maior volume de água j

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requerem menos manutenção. Mas com uma nova represa o mesmo nãoocorre. Não pela represa em si. Como as represas modernas de concretoprecisam de menos manutenção, o sistema de cooperação previamenteinstituído começa a se desintegrar. Os agricultores próximos à represadeixam de ajudar na manutenção dos canais em troca da ajuda dos ou-tros na manutenção das represas. Eles não precisam de ajuda, então osagricultores que plantam longe da represa não têm mais o que oferecer.

A maioria dos sistemas modernos de irrigação no Nepal acaba tra-zendo problemas porque o fator tecnológico foi aperfeiçoado, mas o fatorhumano foi esquecido ou posto de lado.

O exemplo nepalês demonstra que, se uma sociedade não puder criarsistemas de incentivo eficientes, não há infra-estrutura ou avanço técni-co que possa tirá-la do atraso e da pobreza. Os projetos de desenvolvi-mento são em geral comissionados por pessoas que têm mais interesseem seu sucesso profissional — ou em propinas — do que no sucesso doprojeto em si. Se a execução completa do projeto for uma consideraçãomenor, então não podemos nos surpreender se o projeto não dá certo,apesar de poder ter dado certo no sentido de enriquecer os burocratasno processo. E mesmo que a preocupação genuína com o desenvolvi-mento fosse o objetivo principal, as propinas e outros tipos de distorçãopoderiam minar as chances de sucesso do projeto.

Será que há chance para o desenvolvimento?

Os especialistas em desenvolvimento em geral dão prioridade, no casode países em desenvolvimento, ao aperfeiçoamento da educação primá-ria e à infra-estrutura, como a construção de estradas e melhorias no sis-tema de telefonia. Uma preocupação bem sensata. Infelizmente, isso éuma pequena parte do problema. Os economistas dissecaram as estatís-

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ticas e observaram dados não muito estudados como a rendacamaroneses no país e a renda de camaroneses que moram nos EstUnidos. A conclusão é que a educação, infra-estrutura e fábricas não!suficientes para explicar o fosso entre os ricos e os pobres. Graças ao ipéssimo sistema educacional, a República dos Camarões é talvez duvezes mais pobre do que deveria ser. O mesmo pode ser dito daestrutura. Então poderíamos esperar que o país fosse quatro vezespobre que os Estados Unidos. Ocorre que o país é 50 vezes mais poblE o mais importante é perguntar por que que o povo camaronês não lalgo para mitigar a situação? Será que as comunidades não poderiimelhorar o sistema educacional? Os benefícios não seriam maiores ios custos? Os empresários camaroneses não poderiam construir fábriclicenciar novas tecnologias, buscar parceiros no exterior... e fazerfortuna?

É evidente que não. Mancur Olson demonstrou que a cleptocno alto da pirâmide inibe o crescimento nos países pobres. Ter umsidente ladrão no poder não quer dizer que a catástrofe é iminente.^presidente pode apostar no crescimento da economia para poder juma fatia maior do bolo. Mas a roubalheira será generalizada ou poro ditador não está confiante nas suas chances de sucesso, ou porque lcessita deixar que muitos outros se locupletem para conseguir um apmais amplo.

E lá embaixo, na base da pirâmide da riqueza, o desenvolvimerrtinibido, pois as regras e leis não são condizentes com projetos ou nccios que poderiam favorecer o bem-estar comum. Os empresáriospodem estabelecer negócios oficiais (é muito difícil), então não páimpostos. Projetos faraónicos são comissionados em troca de prestou propinas. E os estudantes não têm estímulos em obter qualificque se tornam irrelevantes.

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Não é nenhuma novidade o fato de que a corrupção e os "incentivosperversos" fazem uma tremenda diferença. Mas talvez seja novidade paraalguns saber que o problema das regras e instituições confusas e inope-rantes expliquem talvez não um pouco do fosso entre os países pobres eos desenvolvidos, mas sim quase tudo. Países como a República dos Ca-marões ficam abaixo de seu potencial mesmo levando-se em conta a infra-estrutura pobre, baixos investimentos e o mínimo de educação. O pioré que a teia de corrupção impede melhorias na infra-estrutura, a atraçãode investimentos e o aperfeiçoamento do sistema educacional.

O sistema educacional do país seria melhor se as pessoas tivessemum incentivo em obter um bom nível de instrução; se uma meritocraciae boas notas e qualificações (em vez de relações pessoais) fossem o neces-sário para se obter um emprego. O país teria uma tecnologia mais avan-çada e mais fábricas se o ambiente para se investir fosse melhor, tantopara investidores estrangeiros como para os locais, e se os lucros não fos-sem utilizados para pagar propinas ou para lidar com a burocracia.

O pouco que a República dos Camarões tem de infra-estrutura, edu-cação e tecnologia poderia ser melhor utilizado se a sociedade estivesseorganizada de forma a recompensar ideias produtivas. Mas, infelizmen-te, ela não está.

Ainda não temos um bom termo para definir o que falta ao país ou aospaíses pobres em geral. Mas começamos a compreender o que isso vema ser. Algumas pessoas chamam isso de "capital social" ou talvez de "res-ponsabilidade". Outros chamam de "primazia das leis" ou de "institui-ções". Mas tudo isso são apenas rótulos. O problema é que os países pobresformam um mundo turvo onde a maioria das pessoas age, direta ou in-diretamente, de forma a que todo mundo saia prejudicado. Os incenti-vos para a criação de riqueza estão de cabeça para baixo, assim como otelhado da biblioteca da escola.

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A podridão começa com o governo, mas atinge toda a sociedade. Nãohá por que investir em um negócio, posto que o governo não poderáprotegê-lo de ladrões ou de pessoas que queiram extorqui-lo. (Então émelhor tornar-se um ladrão.) Não há incentivo em pagar uma conta detelefone pois ninguém pode processá-lo efetivamente. (Então não fazsentido ter uma companhia telefónica.) Não há incentivo em se formar,porque os empregos não são dados por méritos (além do mais, você nãopode pegar empréstimos para pagar a matrícula, pois o banco não con-segue ir atrás dos inadimplentes e as escolas são péssimas). Não vale apena abrir um negócio de importação quando o maior beneficiário seráo agente da alfândega (então o comércio exterior não é muito expressivoe a alfândega não recebe uma dotação orçamentaria decente, o que in-centiva mais ainda a cobrança de propinas).

Podemos então observar a importância desse problema. Está em suaprópria natureza a capacidade de resistir a soluções, então o processo édemorado e difícil. Geralmente não é aceitável instituir democracias àforça, e elas tampouco duram muito. Não gostamos que fundos volta-dos ao desenvolvimento sejam perdidos em labirintos burocráticos, mse certificar de que o dinheiro está sendo bem empregado demanda muitotempo.

Esses problemas tampouco podem ser resolvidos do dia para a noite.Mas há um conjunto de reformas simples, que, com um mínimo de boavontade política, poderiam colocar esses países nos trilhos. Uma delasseria atacar a burocracia, facilitando o estabelecimento de microempresas, |facilitando o trabalho dos empresários que queiram expandir seus negó-cios e facilitando também a tomada de empréstimos. As reformas regu-latórias necessárias são bastante triviais. Elas precisam de um governobenevolente e sensível, e são mais fáceis de serem obtidas através de umministro com cabeça e coração do que esperar que todo um exército defuncionários públicos inicie os trabalhos.

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Outra opção de vital importância é requisitar ajuda à economia glo-bal. A maioria dos países pobres tem uma economia inexpressiva. Todaa economia dos países subsaarianos na África é do tamanho da econo-mia belga. Um país como o Chade tem uma economia menor que umsubúrbio de Washington como Bethesda e um setor bancário menor quea cooperativa de crédito formada para os funcionários do Banco Mun-dial. Países como o Chade e a República dos Camarões não podem serauto-suficientes. Eles precisam de acesso a combustível, matérias-primas,empréstimos de bancos internacionais e equipamentos. Mas os cama-roneses estão enjaulados por altas tarifas alfandegárias, dentre as mais altasdo mundo, numa média de 60%. Essas barreiras geram receitas para ogoverno, proporcionam a proteção dos negócios dos simpatizantes e aconcessão de vantajosas licenças de importação. Um país pobre e peque-no não pode sobreviver sem o apoio da economia mundial. Com essainserção e apoio, esses países podem prosperar. No próximo capítulo,vamos "visitar" um desses países e mostrar como isso pode acontecer.