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Jason Borges
Professora Anna Klobucka
POR 481
18 outubro 2013
Análise comparativa entre o Adamastor e o Mostrengo
N’Os Lusíadas o autor Luís de Camões criou o gigante Adamastor como um obstáculo
que aparece aos navegadores portugueses na sua gloriosa viagem marítima para a Índia. Lendo
“O Mostrengo”, é evidente que Fernando Pessoa baseou o seu monstro na mesma personagem
que Camões tinha inventado. Contudo, embora os dois antagonistas tenham características
semelhantes, cada um tem personificações distintas. O mostrengo tem outro estilo de discurso,
causa reações diferentes nos protagonistas e simboliza outros valores do que representa o
Adamastor, além da sua aparência ser diferente. Este trabalho servirá para comparar e
especialmente contrastar as imagens apresentadas nas duas obras literárias.
Os dois textos usam muito vocabulário para descrever as aparências e o comportamento
de ambos os seres. Mas, a imagem invocada na história do Adamastor supera em desempenho
quando a comparamos com a imagem do mostrengo. O poema de Pessoa só utiliza quatro
estrofes onde tenta formular uma imagem inteira do mostrengo. Esta figura comporta-se como
um animal: “À roda da nau voou três vezes,/ Voou três vezes a chiar” (3-4). Pessoa apresenta-
nos o mostrengo como a imagem de uma criatura que é capaz de voar e fazer um som como um
rato. Quando o mostrengo pergunta, “Quem é que ousou entrar/ nas minhas cavernas que não
desvendo” (5-6), Pessoa desumaniza-o, colocando o monstro sob a terra, nas “cavernas” e no seu
lugar, dá-nos a impressão que este monstro vai causar medo a alguém que o confronte.
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Quando lemos a descrição no início do episódio do Adamastor, Camões decide usar
várias frases cheias de adjetivos para destacar a figura como algo horrível, cheio de desgosto:
Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos. (Canto V, estrofe 39)
Camões usa mais vocabulário e isto nos dá uma impressão mais forte do antagonista.
Todavia, ele não acaba a descrição assim só. O episódio do Adamastor continua ao menos ao
longo de 24 estrofes. Desta maneira, Camões é capaz de desenvolver toda a história do gigante,
falando do seu passado triste, descrevendo em detalhe um fracasso amoroso entre ele e a ninfa
Tétis que só acaba em sofrimento. No trecho “Daqui me parto, irado e quase insano/ Da mágoa e
da desonra ali passada” (estrofe 57, vv. 5-6), o Adamastor é apresentado mais como um
indivíduo com atributos e sentimentos humanos. O seu comportamento atrai-nos porque nós
todos podemos relacionar-nos com ele. Em comparação, o mostrengo não nos dá a mesma
ligação.
Ao contrário do que acontece no poema, o Adamastor utiliza outro estilo do discurso do
que o do mostrengo. Por exemplo, na primeira olhada os protagonistas da narrativa de Camões,
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Vasco da Gama e os seus navegadores, sentem medo imediatamente quando conhecem o
Adamastor. Com a descrição explícita do gigante que parece vir da terra, os navegadores têm
receio quando ele fala devido ao tom de voz “horrendo e grosso,/ Que pareceu sair do mar
profundo. /Arrepiam-se as carnes e o cabelo,/ a mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo” (estrofe 40,
vv. 5-8). Os homens ficam assustados perante o enorme Adamastor. O gigante tenta manter o
seu temperamento aterrorizante quando menciona profecias de outros futuros navegadores
portugueses que sofrerão por desobedecê-lo.
No poema, o mostrengo fala mesmo no início de uma maneira mais ameaçadora, com os
seus movimentos mais bestiais, e num tom mais agressivo do que o Adamastor. Notamos este
tom porque o homem do leme fica tremendo a primeira vez que deve responder. Contudo, o
homem do leme é capaz de não perder compostura, mas põe-se a sentir mais forte cada vez que
responde ao mostrengo. Até o final do poema, o tom ameaçador do mostrengo não o assusta
mais porque o homem do leme supera o medo e enfrenta o mostrengo. “Mais que o mostrengo,
que me a alma teme/ …/ Manda a vontade, que me ata ao leme” (Pessoa 24, 26). O homem
encontra a vontade de todo o povo português e pode resistir os avanços do antagonista. O estilo
do discurso que o mostrengo usa não o afeta suficientemente para largar o leme.
Voltando a’Os Lusíadas, os navegadores não têm o mesmo resultado quando o
Adamastor começa a atormentá-los com as profecias futuras. Em vez de ficarem assustados, os
portugueses começam a admirá-lo e maravilhar-se à sua vista. Notamos este facto quando da
Gama pergunta, “Quem és tu? Que esse estupendo/ Corpo, certo, me tem maravilhado!” (estrofe
49, vv. 3-4). Neste ponto da história, o Adamastor fala do seu passado, e os navegadores
simpatizam com ele. Assim, o discurso do gigante perde o tom assustador e converte-se mais
num tom melancólico quando deparamos com o relacionamento amoroso entre o Adamastor e a
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Tétis. Camões joga com os nossos sentimentos e sentimos empatia para com o Adamastor.
Nesse momento, parece mais como vítima, alguém punido que deve sofrer pelas suas ações.
Este tipo de mudança, onde o antagonista demostra um lado sensível, não ocorre no poema de
Pessoa.
Como comecei a sugerir acima, as reações perante os antagonistas também se
diferenciam. Por um lado, o homem do leme revela que tem medo quando encontra o
mostrengo. Ele sempre está a tremer ao responder-lhe. Mas depois da primeira reação, o
homem fica determinado a não perder controle da situação. Ele encontra a força na vontade de
“um Povo que quer o mar que é teu” (estrofe 4, v. 5). No poema, vê-se o homem como vencedor
contra os obstáculos que impedem o seu destino. Por outro lado, os navegadores n’os Lusíadas
têm que confrontar o gigante monstruoso na sua viagem, mas a narrativa não nos mostra que eles
venceram devido à sua diligência e determinação de não perder controle. O Adamastor começa a
contar a história do seu fracasso amoroso que causa que ele desapareça, e os portugueses podem
continuar na sua viagem.
Outro elemento que diferencia o poema da epopeia é a simbologia das personagens em
cada uma das narrativas. Claro que ambos os antagonistas assinalam personificações do medo
que os navegadores portugueses têm de enfrentar nas viagens marítimas. E estes monstros
também representam guardiões de um objetivo inatingível, na primeira olhada. Tanto na epopeia
como no poema usam os monstros como obstáculos no meio do concurso para realizar o destino
dos portugueses. Contudo, mesmo neste aspecto, Pessoa diverge de Camões na história como
um todo.
Por exemplo, no poema de Pessoa, temos duas forças que se opõem uma à outra: o
mostrengo e o homem do leme. O mostrengo simboliza o medo e o desafio de o homem vencer
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contra este sentimento. Quando o poema acaba, podemos visualizar que o homem já conquistou
todos os seus medos e perigos confrontados no mar. Ele encontra a força para resistir ao
mostrengo, e o mostrengo abandona-o por causa da vontade do povo português. A história
exalta a determinação de os portugueses não desistirem.
Camões também nos dá duas forças opostas: o Adamastor e Vasco da Gama com os seus
navegadores. E, de novo, o Adamastor simboliza o medo dos navegadores no mar. Todavia,
quando estas duas forças se encontram, o resultado é um pouco diferente. Ao lermos a história,
não vemos a mesma determinação entre os portugueses contra o gigante monstruoso. Claro que
o Adamastor é um obstáculo que os navegadores confrontam, mas ele só representa o medo e o
desconhecido. Não há um conflito de vontades tão aparentes como no poema de Pessoa. Os
portugueses só conhecem o monstro, admiram-no, e o Adamastor dá-se conta do seu sofrimento
quando fala do seu relacionamento com Tétis e desaparece.
Ademais, Pessoa decide usar só um protagonista na sua história: o homem do leme.
Fernando Pessoa, usualmente conhecido pelo vasto número de heterónimos, prefere consolidar
todo o povo português em um só no poema. Dá um certo tipo de unidade aos portugueses.
Durante este tempo em Portugal, houve tantas mudanças nos governos e novos movimentos da
literatura que agitaram toda a sociedade portuguesa e europeia. Darlene Sadlier propõe que
através desta onda de nacionalismo, Pessoa tentou conjugar uma tradição clássica com um
sentido moderno de desconexão (Sadlier 119). Pessoa ficou preocupado em juntar o passado
com o presente. No processo, criou Mensagem para mostrar o seu lado nacionalista ao povo
português. Usando um só protagonista, Pessoa junta todas as facetas dos portugueses dentro da
mesma alma. Mariana Grey de Castro acrescenta este argumento quando menciona que Pessoa
precisou de uma solução para combater a fragmentação contra os seus eus alternativos. Ele
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promoveu uma causa nacionalista para cessar a introspecção constante no seu mundo interior
(Castro 153).
Em contraste, Camões usa Vasco da Gama, mas da Gama sempre menciona que ele faz
parte de um grupo: “Cum tom de voz nos fala” (estrofe 40, v. 5). E o Adamastor apoia esta visão
de um grupo quando responde que é o grande Cabo “a quem chamais vós outros Tormentório”
(estrofe 50, v. 2). Neste sentido, Camões não apresenta a mesma unidade entre os portugueses
como uma só entidade. Toda a sua narrativa louva todos os portugueses, e todos os seus
heroísmos, e destaca que não é só um português que vence todos os desafios, mas que precisa de
cada um deles em confrontá-los.
Em conclusão, embora o poema “O Mostrengo” e o episódio do Adamastor n’os
Lusíadas ajudem a mostrar-nos que os portugueses confrontaram muitos perigos na história da
era dos descobrimentos, e que o mostrengo se baseie no Adamastor, Pessoa deu no seu poema
outras facetas ao seu antagonista que distinguem o mostrengo como uma entidade diferente. Em
cada um dos textos, os portugueses têm que superar um obstáculo que estes monstros encarnam,
mas isso não significa que cada um reagiria exatamente igual ao outro. Cada narrativa dá-nos
outra impressão dos portugueses: que Pessoa enfoca na determinação e unidade do povo e que
Camões celebra cada um como parte de um grupo maior. Mas, no final, os dois autores mostram
que os portugueses sucedem em cada viagem e por isso sempre temos uma visão positiva de os
portugueses realizarem as suas metas.
Obras Citadas
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Camões, Luís de. Os Lusíadas. Ed. Emanuel Paulo Ramos. Porto: Porto Editora, 1987. Impresso.
Castro, Mariana Gray de. “Fernando Pessoa and the Modernist Generation.” Companion to Portuguese Literature. Eds. Stephen Parkinson, Claudia Pazos Alonso e T. F. Earle. Woodbridge: Tamesis, 2009. 144-156. Impresso.
Pessoa, Fernando. “O Mostrengo.” Mensagem. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). Arquivo Pessoa. Web.
Sadlier, Darlene J. “Nationalism, Modernity, and the Formation of Fernando Pessoa’s Aesthetic.” Luso-Brazilian Review 34.2 (Winter 1997): 109-122. Impresso.