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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL Por: Cristiane Costa Cardoso Tosta Orientador Prof. Francisco Carrera Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM UNIDADES DE

CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL

Por: Cristiane Costa Cardoso Tosta

Orientador

Prof. Francisco Carrera

Rio de Janeiro

2010

2

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM UNIDADES DE

CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL

Apresentação de monografia à Universidade

Cândido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito

Ambiental.

Por: Cristiane Costa Cardoso Tosta

3

AGRADECIMENTOS

....ao meu marido Diego, pela

dedicação de momentos de atenção e

apoio prestados.

4

DEDICATÓRIA

...Aos meus pais Murilo e Sonia, por

todo incentivo e dedicação que

dispensaram para minha formação

acadêmica, contribuindo para um futuro

longo e promissor, não só como

profissional, mas, principalmente, como

ser humano.

5

RESUMO

O presente estudo visa apresentar as implicações da presença de

populações tradicionais em Unidades de Conservação de Proteção Integral,

apresentando um conceito inovador de “desenvolvimento sustentável”, na

esperança de que essas populações vivam em perfeita harmonia com a

natureza.

As Unidades de Conservação de Proteção Integral são consideradas

incompatíveis com a presença humana, principalmente para manter essas

populações tradicionais e a manutenção dos serviços ambientais que a

sociedade reclama dessas áreas.

A proteção do patrimônio natural, que é um bem e um direito de todos os

cidadãos, está longe de satisfatória. Ao contrário, esse patrimônio vem sendo

rápida, intensa e desnecessariamente arruinado. A ação dos Poderes

Legislativo e Judiciário, freqüentemente, não reflete a importância desse

patrimônio ecológico. E a tendência a sobrepor os problemas sociais ao da

conservação da natureza, cada vez mais disseminada entre os agentes

públicos no Brasil, prejudica a sua conservação sem favorecer a igualdade.

A conservação da biodiversidade e dos serviços ambientais, por seu

valor intrínseco, e para benefício das futuras gerações, é a pedra fundamental

do desenvolvimento de qualquer civilização que deseje prosperar no longo

prazo, buscando-se o bem estar da sociedade brasileira e não privilegiando

uma minoria.

6

METODOLOGIA

Os métodos que levaram ao desenvolvimento do tema proposto foram:

leitura de livros, publicações na Internet e a pesquisa bibliográfica.

A proposta deste trabalho acadêmico primeiro é contribuir para a

valorização do estudo do direito ambiental, onde está inserido o tema proposto,

com o despretensioso propósito de incentivar aos leitores a mergulhar nas

diversas bibliografias sobre o tema e aprofundar com discussões

esclarecedoras, que enriquecerão nossas fontes de consulta.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

A preservação do Meio Ambiente 10

CAPÍTULO II

Áreas Protegidas 22

CAPÍTULO III

Desenvolvimento Sustentável e Populações Tradicionais 35

CAPÍTULO IV

Terras de Quilombolas em Unidades de Conservação 44

CONCLUSÃO 54

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 56

ÍNDICE 58

FOLHA DE AVALIAÇÃO 60

8

INTRODUÇÃO

A preocupação da sociedade brasileira com a preservação do meio

ambiente ficou expressamente demonstrada com o advento da Carta Magna de

1988, mas não só com o presente, com a atualidade, mas, principalmente, com

as futuras gerações. Esta preocupação é justificada pela intensa degradação

ambiental provocada pelo próprio Homem, fomentando cada vez mais o

processo de desenvolvimento industrial e econômico.

Os cientistas alertam que os recursos naturais são limitados e não

renováveis, e muitos já se encontram escassos. Com a intenção de preservar e

recuperar o ecossistema brasileiro foi editada a Lei nº 9.985/00, que institui o

Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, na qual

estabelece espaços territoriais destinados ao estudo e preservação da flora e

da fauna.

Dentre estes espaços territoriais, algumas áreas, por suas

características, merecem especial proteção e devendo permanecer

preservadas. A proteção pode variar desde o uso diário e relativamente intenso

até a sua intocabilidade, o que é o caso da Unidade de Proteção Integral, que

será o foco do presente estudo.

O Direito Ambiental se consubstancia num direito humano fundamental

que deve se subordinar e se transformar em razão de necessidades prementes

da humanidade, ou seja, da coletividade, e não se tornar um privilégio de uma

minoria, de certos grupos sociais, como as populações tradicionais. Portanto,

se o legislador estabeleceu a necessidade de que certas áreas devam

permanecer intactas, esse regramento deve ser imposto a todos os cidadãos,

em benefício de toda a coletividade, em respeito ao princípio do direito humano

9 fundamental, que decorre do texto expresso na Constituição Federal, como se

pode ver do caput do artigo 225, in verbis:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações”.

Neste contexto, fica evidente a importância da conservação da

biodiversidade e dos serviços ambientais, por seu valor intrínseco e para

benefício das futuras gerações, como pedra fundamental do desenvolvimento

de qualquer civilização que deseje prosperar no longo prazo.

10

CAPÍTULO I

A PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

1.1 – Conceito de Meio Ambiente

A expressão meio ambiente (milieu ambiance) surgiu com o naturalista

francês Geoffrey de Saint-Hilaire em 1835, onde milieu significa o lugar onde

está ou se movimenta um ser vivo, e ambiance designa o que rodeia esse ser.

Essa expressão foi adotada no Brasil, porém criticada pelos estudiosos, porque

meio e ambiente significam a mesma coisa, logo seria redundância. Na Itália e

em Portugal utiliza-se, apenas, a palavra ambiente.

O Novo Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio define meio ambiente

como o conjunto de condições naturais e de influências que atuam sobre os

organismos vivos e os seres humanos. Assim, a expressão “meio ambiente” é

popularmente difundida como sendo a designação para os assuntos da

natureza, utilizada por vários organismos internacionais, nacionais, estaduais e

municipais.

No mesmo sentido é o entendimento do mestre ambientalista Edis Milaré

(pág. 112/113):

“Tanto a palavra meio quanto o vocábulo ambiente passam

por conotações, quer na linguagem científica quer na vulgar.

Nenhum destes termos é unívoco (detentor de um significado

único), mas ambos são equívocos (mesma palavra com

significados diferentes). Meio pode significar: aritmeticamente,

a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um

11

recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já

ambiente pode representar um espaço geográfico ou social,

físico ou psicológico, natural ou artificial. Não chega, pois, a

ser redundante a expressão meio ambiente, embora no

sentido vulgar a palavra identifique o lugar, o sítio, o recinto, o

espaço que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer

forma, trata-se de expressão consagrada na língua

portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e

jurisprudência de nosso país, que, amiúde, falam em meio

ambiente, em vez de ambiente apenas.”

No Brasil, o conceito legal de meio ambiente está positivado no art. 3º, I,

da Lei nº. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

que diz que meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e

interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a

vida em todas as suas formas”.

Trata-se de um conceito restrito ao meio ambiente natural, uma vez que

não abrange de maneira ampla todos os bens jurídicos protegidos. Nesse

sentido, Paulo de Bessa Antunes (pág. 56) entende que o conceito da referida

lei merece crítica, pois o seu conteúdo não está voltado para um aspecto

fundamental do problema ambiental que é, exatamente, o aspecto humano. A

definição legal considera o meio ambiente do ponto de vista puramente

biológico e não do ponto de vista social que, no caso, é fundamental.

Conforme a lição de José Afonso da Silva (pág. 20), o conceito de meio

ambiente deve ser globalizante, “abrangente de toda a natureza, o artificial e

original, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o

solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico,

turístico, paisagístico e arquitetônico”.

12

Tal conceito de meio ambiente foi recepcionado pela Constituição

Federal de 1988, que em seu art. 225 buscou tutelar não só o meio ambiente

natural, mas o artificial, o cultural e o do trabalho.

Com isso, conclui-se que a definição de meio ambiente é ampla,

devendo-se observar que o legislador optou por trazer um conceito jurídico

indeterminado, cabendo, dessa forma, ao intérprete o preenchimento do seu

conteúdo.

1.2 - A Evolução Histórica da Legislação Ambiental

A legislação brasileira referente à defesa do meio ambiente é composta

por inúmeras leis esparsas. Algumas recentes, outras não. As primeiras

disposições legais estavam expressas no Código Civil de 1916, em seu art.

554, ao tratar do direito de vizinhança, e o art. 584, ao tratar da proibição de

poluição de água de poço.

Pouco tempo depois veio o Regulamento da Saúde Pública (Dec. nº.

16.300/23), que previu a possibilidade de impedir que as indústrias

prejudicassem a saúde dos moradores de sua vizinhança, possibilitando o

afastamento das indústrias nocivas ou incômodas.

A partir da década de 30 começaram a surgir as primeiras leis de

proteção ambiental específicas como, por exemplo, o Código Florestal (Dec. nº.

23.793/34), substituído posteriormente pela atual Lei Federal nº. 4.771/65, o

Código das Águas (Dec. nº. 24.643/34), assim como o Código de Caça e o de

Mineração. A Lei de Proteção da Fauna (Dec. nº. 24.645/34) estabelece

medidas de proteção aos animais, e o Dec. nº. 25/37 organizou a proteção ao

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

13

Na década de 60, foi editada importante legislação sobre temas

ambientais, como o Estatuto da Terra (Lei nº. 4.504/64), o novo Código

Florestal (Lei nº. 4.771/65), a nova Lei de Proteção da Fauna (Lei nº. 5.197/67),

a Política Nacional do Saneamento Básico (Dec. nº. 248/67) e a criação do

Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental (Dec. nº. 303/67).

A participação brasileira na Conferência das Nações Unidas para o Meio

Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972, foi muito importante, despertando

as autoridades para intensificação do processo legislativo, na busca da

proteção e preservação do meio ambiente. Já no ano seguinte, através do Dec.

nº. 73.030/73, art. 1º, foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente

(SEMA), “orientada para a conservação do meio ambiente e uso racional dos

recursos naturais”.

Foi na década de 80 que a legislação ambiental teve maior impulso. O

ordenamento jurídico, até então, tinha o objetivo de proteção econômica, e não

ambiental. São quatro os marcos legislativos mais importantes: a Lei nº.

6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e

mecanismos de formulação e aplicação; a Lei nº. 7.347/85, que disciplina a

ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente; a

Constituição Federal de 1988, que abriu espaços à participação/atuação da

população na preservação e na defesa ambiental, impondo à coletividade o

dever de defender o meio ambiente (art. 225, caput) e colocando como direito

fundamental de todos os cidadãos brasileiros a proteção ambiental

determinada no art. 5º, LXXIII (Ação Popular); finalmente, a Lei nº. 9.605/98,

que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e

atividades lesivas ao meio ambiente.

Com a criação de tantas leis esparsas tutelando o meio ambiente,

inúmeras denominações confusas e pouco claras foram aplicadas nesse

14 contexto ambiental, o que acarretava um enorme prejuízo à proteção

ambiental. Após uma longuíssima tramitação no Congresso Nacional, em um

momento primordial, foi editada uma lei para estabelecer uma disciplina

bastante adequada para o tema, a lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que

regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, e

institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC.

Como bem leciona Paulo de Bessa Antunes (pág. 422), mediante a

edição de tal lei, o legislador ordinário buscou harmonizar as diferentes

unidades de conservação existentes no ordenamento jurídico brasileiro. A idéia

de um sistema nacional significa que todos os integrantes da Federação devem

adotar o modelo estabelecido pela Lei Federal que, no particular, deve ser

entendida como uma lei que estabelece uma hierarquia organizacional entre os

diferentes entes federativos.

A própria lei do SNUC, no art. 2º, inciso I traz a sua conceituação, como

podemos observar:

“Art.2º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos

ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com

características naturais relevantes, legalmente instituído pelo

Poder Público, com objetivos de conservação e limites

definidos, sob regime especial de administração, ao qual se

aplicam garantias adequadas de proteção.”

O Direito Brasileiro reconhece diversas modalidades de unidades de

conservação, seus diferentes tipos e funções, que ainda serão abordadas

neste estudo.

15 1.3 - Tutela Constitucional do Meio Ambiente

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a tutelar o meio ambiente.

Anteriormente a sua promulgação, o tema era abordado somente de forma

indireta, mencionado em normas hierarquicamente inferiores. Edis Milaré (pág.

151) registra:

“A Constituição do Império, de 1824, não fez qualquer

referência à matéria, apenas cuidando da proibição de

indústrias contrárias à saúde do cidadão (art. 179, n. 24). Sem

embargo, a medida já traduzia certo avanço no contexto da

época.

O Texto Republicano de 1891 atribuía competência legislativa

à União para legislar sobre as suas minas e terras (art. 34, n.

29).

A Constituição de 1934 dispensou proteção às belezas

naturais, ao patrimônio histórico, artístico e cultural (arts. 10,

III, e 148); conferiu à União competência em matéria de

riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca

e sua exploração (art. 5º, XIX, j).

A Carta de 1937 também se preocupou com a proteção dos

monumentos históricos, artísticos e naturais, bem como das

paisagens e locais especialmente dotados pela natureza (art.

134); incluiu entre as matérias de competência da União

legislar sobre minas, águas, florestas, caça, pesca e sua

exploração (art. 16, XIV); cuidou ainda da competência legislativa sobre subsolo, águas e florestas no art. 18, ‘a’ e ‘e’,

onde igualmente tratou da proteção das plantas e rebanhos

contra moléstias e agentes nocivos.

16

A Constituição de 1946, além de manter a defesa do

patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 175),

conservou como competência da União legislar sobre normas

gerais da defesa da saúde, das riquezas do subsolo, das

águas, florestas, caça e pesca.

A Constituição de 1967 insistiu na necessidade de proteção do

patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 172, parágrafo

único); disse ser atribuição da União legislar sobre normas

gerais de defesa da saúde, sobre jazidas, florestas, caça,

pesca e águas (art. 8º, XVII, ‘h’).

A Carta de 1969, emenda outorgada pela Junta Militar à

Constituição de 1967, cuidou também da defesa do patrimônio

histórico, cultural e paisagístico (art. 180, parágrafo único). No

tocante à divisão de competência, manteve as disposições da

Constituição emendada. Em seu art. 172, disse que ‘a lei

regulará, mediante prévio levantamento ecológico, o

aproveitamento agrícola de terras sujeitas a intempéries e

calamidades’ e que o ‘mau uso da terra impedirá o proprietário

de receber incentivos e auxílio do Governo’. Cabe observar a

introdução, aqui, do vocábulo ecológico em textos legais”.

A partir da Constituição Federal de 1988 o meio ambiente passou a ser

tido como um bem tutelado juridicamente. Como bem coloca José Afonso da

Silva (pág. 46), a Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar

deliberadamente da questão ambiental, trazendo mecanismos para sua

proteção e controle, sendo tratada por alguns como “Constituição Verde”.

O Direito Constitucional brasileiro criou uma nova categoria de bem: o

bem ambiental, de uso comum do povo, e, ainda, um bem essencial à sadia

qualidade de vida. Nesse entendimento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (pág.

545) leciona que:

17

“consideram-se bens de uso comum do povo aqueles que, por

determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser

utilizados por todos em igualdade de condições.”

Ou seja, são aqueles de que o povo se utiliza, sem restrição, gratuita ou

onerosamente, sem necessidade de permissão especial. Corroborando tal

posicionamento, Fiorillo (pág. 67) aduz que não cabe, portanto, exclusivamente

a uma pessoa ou grupo, tampouco se atribui a quem quer que seja sua

titularidade.

Assim, nenhum de nós tem o direito de causar danos ao meio ambiente,

devendo a legislação ser aplicada a todos, de forma igualitária, pois estaríamos

agredindo a um bem de todos, causando, portanto, danos não só a nós

mesmos, mas aos nossos semelhantes.

1.4 - Princípios do Direito Ambiental

Os princípios do Direito Ambiental, segundo Paulo Bessa (pág. 30) estão

voltados para a finalidade básica de proteger a vida, em qualquer forma que

esta se apresente, a garantir um padrão de existência digno para os seres

humanos desta e das futuras gerações, bem como de conciliar os dois

elementos anteriores com o desenvolvimento econômico ambientalmente

sustentado.

Como em qualquer ramo do direito, e conforme o valor axiológico que os

fatos ambientais nos trazem como experiência jurídica, há um conjunto de

princípios que regem o direito ambiental, sendo estes a base fundamental na

qual as normas são construídas. Deve, entretanto ficar claro que os princípios

do direito ambiental, sempre caminharão em conformidade com os princípios

18 de outros ramos do direito, e nem poderia estar apartado, pois, uma vez

fazendo parte do nosso ordenamento jurídico, deve fortalecer nossa estrutura

normativa, firmando assim a unicidade e coerência do mesmo.

Os princípios jurídicos ambientais podem ser explícitos, quando

expressos nos textos legais, ou implícitos, quando decorrem do sistema

constitucional, ainda que não se encontrem escritos. Veremos agora os

principais princípios do Direito Ambiental.

O primeiro e mais importante princípio do Direito Ambiental é o Princípio

do Direito Humano Fundamental, corolário do art. 5º e positivado no art. 225,

ambos da Constituição Federal, onde o Estado assume a responsabilidade

primária de garantir a todos, um ambiente digno, buscando satisfazer as suas

necessidades básicas, assegurando a todos o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, garantindo, assim, a qualidade de vida,

protegendo a todos contra os abusos ambientais de qualquer natureza.

Conforme Milaré destaca, temos, a partir desse artigo 225, este princípio como

sendo transcendental das clausulas pétreas.

Ao falarmos sobre direito ambiental, em face do artigo 225, estamos

falando sobre um direito que é estendido a todos, sendo, portanto, de interesse

publico. Disso importa dizer que, a todos pertence o direito de usufruir, bem

como a obrigação de respeitar o meio ambiente, sendo defeso a qualquer

individuo, a prerrogativa de usufruir deste particularmente, respeitando o

brocado “in dúbio pro ambiente”. Com isso, em face do princípio da natureza

pública da proteção ambiental, resta configurado um direito indisponível, por

fazer parte das clausulas pétreas. O Estado, visando a proteção coletiva, deve,

através de seus institutos, agirem, inclusive de forma coercitiva, visando

alcançar objetivo de levar qualidade de vida a todos.

19

Portanto, o direito ao meio ambiente protegido é um direito difuso, já que

pertence a todos e é um direito humano fundamental, consagrado nos

Princípios 1 e 2 da Declaração de Estolcomo e reafirmado na Declaração do

Rio. Por isso, é inadmissível que minorias, como comunidades tradicionais,

possam ocupar áreas de proteção integral, em prejuízo de toda a coletividade.

O Princípio Democrático assegura ao cidadão o direito à informação e a

participação na elaboração das políticas públicas ambientais, de modo que a

ele deve ser assegurado os mecanismos judiciais, legislativos e administrativos

que efetivam o princípio, como por exemplo, audiências públicas, integração de

órgãos colegiados, Ação Popular, Ação Civil Pública, etc.

Pelo Princípio da Precaução estabelece-se a vedação de intervenções

no meio ambiente, salvo se houver a certeza que as alterações não causaram

reações adversas, já que nem sempre a ciência pode oferecer à sociedade

respostas conclusivas sobre a inocuidade de determinados procedimentos. Tal

princípio é materializado pela realização de um Estudo de Impacto Ambiental,

como medida prévia para a avaliação dos efeitos da eventual implantação de

um projeto ambiental.

Já o Princípio da Prevenção é muito semelhante ao Princípio da

Precaução, mas com este não se confunde. Sua aplicação se dá nos casos em

que os impactos ambientais já são conhecidos, restando certo a

obrigatoriedade do licenciamento ambiental e do estudo de impacto ambiental

(EIA), estes uns dos principais instrumentos de proteção ao meio ambiente.

Neste sentido, Édis Milaré (pág. 823) destaca:

“Ambos sã basilares em Direito Ambiental, concernindo à

prioridade de que deve ser dadas as medidas que evitem o

nascimento de atentados ao ambiente, molde a reduzir ou

20

eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua

qualidade”.

Isso vale dizer que, segundo este principio, as possíveis ações danosas

ao meio ambiente devem ser identificadas e eliminadas antes de se

concretizarem, em proteção a sociedade atual e futura.

Importante destacar, também, o Princípio do Equilíbrio, do qual a

Administração Pública deve pensar em todas as implicações que podem ser

desencadeadas por determinada intervenção no meio ambiente, devendo

adotar a solução que busque alcançar o desenvolvimento sustentável, não

importando em gravames excessivos aos ecossistemas e à vida humana.

Também voltado para a Administração Pública, o Princípio do Limite

impõe ao Poder Público o dever de fixar parâmetros mínimos a serem

observados em casos como emissões de partículas, ruídos, sons, destinação

final de resíduos sólidos, hospitalares e líquidos, dentre outros, visando sempre

promover o desenvolvimento sustentável.

Pelo Princípio da Responsabilidade o poluidor, pessoa física ou jurídica,

responde por suas ações ou omissões em prejuízo do meio ambiente, ficando

sujeito a sanções cíveis, penais ou administrativas. Logo, a responsabilidade

por danos ambientais é objetiva, conforme prevê o § 3º do Art. 225 da Carta

Magna.

O Princípio do Poluidor Pagador obriga quem poluiu a pagar pela

poluição causada ou que pode ser causada, pois, leva-se em conta que os

recursos ambientais são escassos, portanto, sua produção e consumo geram

reflexos ora resultando sua degradação, ora resultando sua escassez. Além do

21 mais, ao utilizar gratuitamente um recurso ambiental está se gerando um

enriquecimento ilícito, pois como o meio ambiente é um bem que pertence a

todos, boa parte da comunidade nem utiliza um determinado recurso ou se

utiliza, o faz em menor escala.

Por último, mas não esgotando todos os princípios, temos o Princípio do

Direito ao Desenvolvimento Sustentável, que traz o conceito de

sustentabilidade, que quer dizer, usufruir protegendo. Isso vale dizer que, há

aqui ao mesmo tempo um direito, o de usufruir, e uma obrigação, a de

preservar. Durante um longo tempo na história, o homem tem usufruído o meio

ambiente sem se preocupar com as futuras gerações. Hoje temos como

conseqüência o efeito estufa, chuva ácida, poluição dos rios, mares e outros

problemas, por não haver tal preocupação com o crescimento sustentável.

Com esse intuito, a agenda 21 de 1992 veio a ter como meta buscar o respeito

de todos os paises a este principio, tão importante para a continuidade de

nossa espécie humana.

Os princípios do Direito Ambiental estão, paulatinamente, caindo no

senso comum. Porém, muito ainda deve ser feito para que tais princípios sejam

realmente inseridos no mundo prático como condição essencial para a

realização de qualquer empreendimento de caráter ambiental ou que vá

interferir de alguma forma no meio ambiente.

Importante observar uma característica peculiar em todos os princípios

aqui comentados, que é o caráter coletivo dado à tutela do meio ambiente, ou

seja, os princípios ambientais têm o intuito de conscientizar sobre a importância

de observar sempre o coletivo, nunca o individual, conforme os preceitos do

art. 225 da Constituição Federal.

22

CAPÍTULO II

ÁREAS PROTEGIDAS

2.1- Concepção Geral.

O fundamento constitucional para que o Poder Público possa instituir

unidades de conservação está positivado no inciso III do art. 225 da Lei

Fundamental, com a seguinte redação:

“Art. 225, III – definir, em todas as unidades da federação,

espaços territoriais e seus componentes a serem

especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão

permitidas somente através de lei, vedada qualquer

inutilização que comprometa a integridade dos atributos que

justifiquem sua proteção.”

Sendo assim, Paulo Bessa (pág. 415) preceitua que a demarcação das

áreas protegidas é feita com base no poder de polícia e de delimitação legal no

exercício de direitos individuais, em benefício da coletividade de que é dotada a

Administração Pública.

A Constituição Federal proibiu a utilização que alterasse as

características e os atributos que deram fundamento à especial proteção, mas

não necessariamente privando algumas dessas áreas de serem utilizadas e

exploradas economicamente. Sendo assim, cabe ao Poder Público adotar o

modelo de unidade de conservação correspondente a um determinado padrão

de limitação de atividades econômicas, sociais, recreacionais, etc.

23

Segundo Nurit Bensusan (pág. 35), no Brasil, somando-se as áreas

federais com as municipais e estaduais, atualmente 10,52% da superfície do

país está coberta por unidades de conservação, o que representa 101.474.91

hectares. Do percentual total, 6,34% são áreas de proteção integral e 3,53% de

uso sustentável.

De acordo com Humberto Márquez1, em texto publicado no site

Terramérica, o país com mais áreas protegidas é o Brasil, com 582, seguido de

Cuba (236), Venezuela (229), México e Costa Rica (150 cada um), Jamaica

(133) e Guatemala (108). Não obstante os esforços do Brasil em proteger

certas áreas, Paulo Bessa (pág. 416) é da opinião de que tais áreas

especialmente protegidas são meras declarações de intenção e de boa

vontade, pois a dificuldade para assegurar a efetividade da existência de tais

unidades de conservação é muito grande, devido à escassez de recursos

econômicos destinados à sua manutenção.

Na concepção de Paulo Bessa (pág. 419) áreas protegidas são áreas

que, devido às características especiais que apresentam, devem permanecer

preservadas, devendo o grau de preservação ser variável, considerando-se o

tipo de proteção legal específica de cada uma das áreas consideradas

individualmente e a classificação jurídica que tenha sido estabelecido para

cada uma delas. A proteção pode variar desde a intocabilidade até o uso diário

e relativamente intenso. As áreas protegidas são denominadas tecnicamente

como unidades de conservação.

2.2 - O Meio Ambiente como Patrimônio da Coletividade.

A Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente,

1 Márquez, Humberto. Áreas Protegidas de Papel. www.tierramerica.info

24 estabelece como princípio que o meio ambiente é patrimônio público a ser

necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo. Esta

lei consagra explicitamente o sentido comunitário ou coletivo do espaço social

e de certos recursos naturais da Terra.

Existem muitas e variadas formas de organização comunitária e modelos

sociais e econômicos que se instalaram no decorrer do tempo, alguns dos

quais se converteram em ideologias militantes e regimes políticos. Todos

partem de uma visão peculiar das relações dos homens entre si e com o

mundo natural.

Segundo Milaré (pág. 125), se o gênero humano é ocupante qualificado

e privilegiado do planeta Terra – que lhe compete preservar, administrar e

utilizar com seguranças cientifica e jurídica – não por que transformar os

recursos naturais e ambientais em patrimônios oligárquicos, e explorá-los em

função de poucos. Cada indivíduo tem direito à qualidade ambiental, a um

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial

à sadia qualidade de vida, conforme nossa Carta Magna.

Sejam quais forem os títulos e formas de propriedade que gravam os

recursos naturais e bens ambientais de interesse maior, não meramente em

função de interesses individuais ou grupais, pesa sobre tais recursos e bens

uma função social, pois não se pode dispor deles livremente e a bel-prazer se

interesses maiores e mais amplos da comunidade forem violados ou

indevidamente restringidos.

A sucessão de catástrofes ecológicas deram lugar a uma

conscientização no que toca aos danos do progresso, bem como em torno da

urgência de salvaguardar o patrimônio comum da humanidade.

25 2.3 – Do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(SNUC).

A Lei nº 9.985/00, que trata do Sistema Nacional de Unidades de

Conservação, lei do SNUC, em seu artigo 2°, inciso I, conceitua unidade de

conservação como sendo:

“espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as

águas jurisdicionais, com características naturais relevantes,

legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de

conservação e limites definidos, sob regime especial de

administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de

proteção”.

As unidades de conservação, conforme estabelece a Lei n 9.985/2000

(SNUC), dividem-se em dois grupos com características peculiares, sendo eles

unidades de proteção integral e unidades de uso sustentável nos termos do

artigo 7°.

As unidades de proteção integral objetivam basicamente a preservação

da natureza, admitindo, desse modo, apenas o uso indireto dos recursos

existentes neste espaço, ou seja, aquele uso que não envolve consumo, coleta,

dano ou destruição dos recursos naturais, com exceção dos casos previstos

em lei como definido no art. 7°, §1°, Lei 9.985/00. Em contrapartida, as

unidades de uso sustentável têm a finalidade de compatibilizar a conservação

da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais,

conforme previsão do §2°, art. 7°, da referida Lei.

26

Paulo Affonso Leme Machado (pág. 759) lista as diferentes categorias

de unidades de conservação existentes no território brasileiro, com base na

relação constante nos artigos 8° e 14 da Lei 9.985/00.

As unidades de proteção integral são compostas por cinco categorias de

unidades de conservação, que aprofundaremos em um tópico mais adiante. Já,

as Unidades de Uso Sustentável apresentam sete categorias de Unidades de

Conservação. São elas, segundo definição de Paulo Affonso:

“(i) Área de Proteção Ambiental, em geral, uma área extensa

com certo grau de ocupação humana, cujo objetivo básico é a

proteção da diversidade biológica, disciplinando o processo de

ocupação e assegurando a sustentabilidade com o uso dos

recursos naturais;

(ii) Área de Relevante Interesse Ecológico, via de regra, uma

área de pequena extensão com pouca ou nenhuma ocupação

humana que objetiva manter os ecossistemas naturais e

regular o uso admissível dessas áreas;

(iii) Floresta Nacional cujo objetivo primordial é o uso

sustentável dos recursos florestais e a pesquisa cientifica;

(iv) Reserva Extrativista, cujo fim é a proteção dos meios de

vida e da cultura dessas populações, assegurando o uso

sustentável dos recursos naturais da unidade;

(v) Reserva de Fauna, adequada para estudos técnico-

científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos

faunuísticos;

27

(vi) Reserva de Desenvolvimento Sustentável, área natural que

abriga populações tradicionais e que desempenha um papel

fundamental na proteção da natureza e na manutenção da

diversidade biológica;

(vii) Reserva Particular do Patrimônio Natural, instituída em

áreas privadas gravadas com perpetuidade, destaca-se pela

conservação da diversidade biológica, permitindo-se nela

somente atividades típicas de preservação.”

Portanto, as áreas protegidas, hoje, são instrumentos importantes para

cumprir as metas de reduzir, de maneira significativa, a perda de diversidade

biológica, por meio de ações que promovam a proteção integral ou, conforme o

caso, o uso sustentável, integrando os princípios deste desenvolvimento

sustentável nas políticas e programas nacionais, a fim de reverter a perda de

recursos naturais e manter a qualidade ambiental.

Por isso, a criação das unidades de conservação, no Brasil, país rico em

biodiversidade, por exemplo, é uma ferramenta importante para diminuir os

efeitos da destruição dos ecossistemas, pois são áreas geográficas destinadas

à preservação dos ecossistemas naturais, objetivando, além da manutenção da

biodiversidade, a manutenção dos seus recursos genéticos a partir da busca

pelo equilíbrio socioambiental.

2.4 – Objetivo das Unidades de Conservação de Proteção

Integral.

As Unidades de Conservação de Proteção Integral, de acordo com o

§1º, inciso I do art. 7º da Lei do SNUC, têm como objetivo:

28

“...preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto

dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos

nesta Lei.”

Consoante Edis Milaré (pág. 704), as Unidades de Proteção Integral são

aquelas que têm por objetivo básico preservar a natureza, livrando-a, quanto

possível, da interferência humana; nelas, como regra, só se admite o uso

indireto dos seus recursos, isto é, aquele que não envolve consumo, coleta,

dano ou destruição dos recursos naturais, com algumas exceções previstas em

lei.

Cada uma das categorias de Unidades de Proteção Integral tem

objetivos específicos, ao lado dos objetivos gerais das unidades de

conservação e daqueles do grupo ao qual pertencem, com correspondentes

variados graus de restrições e permissividade dentro de suas áreas.

2.5 – Classificação das Unidades de Conservação de Proteção

Integral.

Seguem-se algumas considerações sobre cada uma das categorias de

Unidades de Proteção Integral, com enfoque especial em sete elementos

essenciais para distingui-las: objetivo; posse e domínio da área; abertura à

visitação pública; permissão de pesquisa científica; uso dos recursos naturais;

possibilidade de presença humana; existência e tipo conselho.

A primeira categoria de Unidade de Proteção Integral prevista no art. 8º,

inciso I, da Lei do SNUC é a Estação Ecológica, que se assemelha a um

santuário da natureza, um verdadeiro banco de biodiversidade, com alto grau

de restrição às atividades humanas, e tem como objetivo a preservação da

29 natureza e a realização de pesquisas científicas. A visitação pública é proibida,

à exceção daquela com objetivo educacional, conforme o plano de manejo da

unidade de conservação.

O domínio e a posse das Estações Ecológicas necessariamente devem

ser públicos, até porque, em virtude do alto grau de restrições às ações

humanas, as propriedades incluídas dentro dos limites da unidade não

apresentam qualquer proveito econômico. Por essa razão, a Lei 9.985/2000 diz

que “as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas” (art.

9º, § 1º). Trata-se de categoria de unidade de conservação tão devotada à

conservação plena da biodiversidade, que as alterações no ecossistema

apenas são permitidas, em caráter excepcional, definidas em lei.

A segunda categoria é a da Reserva Biologia, que visa à preservação

integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem

interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as

medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de

manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a

diversidade biológica e os processos ecológicos naturais.

A Reserva Biológica figura entre as mais restritivas às atividades da

pessoa humana. Junto com a Estação Ecológica, forma o que se pode chamar

de núcleo duro das unidades de proteção integral. A despeito de a pesquisa

científica não ser um dos objetivos dessa categoria de unidade de proteção

integral, é permitida a atividade de pesquisa científica, desde que autorizada

previamente pelo órgão gestor da unidade. A visitação pública também é

vedada. Apenas se permitem visitas com objetivo educacional. E pelos

mesmos motivos que nas Estações Ecológicas, as reservas biológicas são de

posse e domínio públicos. As áreas privadas inseridas na área da unidade

deverão ser desapropriadas

30

A terceira categoria é a do Parque Nacional, a mais conhecida no Brasil,

certamente em virtude de dois dos seus objetivos: o desenvolvimento de

atividades de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

Mas essa categoria tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas

naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, com permissão para a

realização de pesquisas científicas. Para Edis Milaré (pág. 706) Os Parques

Nacionais constituem a mais antiga e popular modalidade de unidade de

conservação.

A exigência de que o ecossistema a ser preservado através do Parque

Nacional possua beleza cênica se relaciona com os objetivos de turismo e de

recreação em contato com a natureza, porque um sítio com tais qualificações

certamente está mais apto a atrair as pessoas, sobretudo para o turismo

contemplativo e de aventura. Aqui, ao contrário das duas unidades estudadas

anteriormente e em virtude dos próprios objetivos desta categoria de unidade, a

visitação pública é permitida, condicionada às restrições do plano de manejo e

às normas do órgão gestor da unidade. A posse e o domínio dos Parques

Nacionais são públicos, devendo as áreas particulares incluídas em seus

limites ser desapropriadas.

A quarta categoria, Monumento Natural, tem como objetivo básico

preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica.

Começa-se a notar que os objetivos das diversas categorias de unidades

muitas vezes se sobrepõem, o que demonstra imprecisão de técnica legislativa

e permite ao poder público escolher entre elas quase livremente, por causa da

inexistência de conceituação legal precisa.

Apesar de se tratar de Unidade de Proteção Integral, os Monumentos

Naturais podem ser constituídos por áreas particulares, desde que seja

possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos

31 recursos naturais do local pelos proprietários, hipótese assaz improvável, posto

que se cuida de unidade de proteção integral, o que acarreta grave restrição às

ações humanas, que naturalmente representa esvaziamento ao conteúdo

econômico da propriedade particular. Nesse sentido, segundo Milaré (pág.

707), os Monumentos Naturais poderiam ter sido classificados entre as

Unidades de uso sustentável. Entretanto, não havendo essa (quase impossível)

compatibilidade, as áreas deverão ser desapropriadas pelo poder público.

A visitação pública é permitida no interior dos Monumentos Naturais,

respeitadas as disposições do plano de manejo e do órgão responsável pela

administração da unidade.

O Refúgio de Vida Silvestre é a última categoria de Unidade de Proteção

Integral, que tem um objetivo bastante específico, no que se afasta um pouco

do conceito das categorias precedentes, pois visa proteger ambientes naturais

onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou

comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória.

No que toca à posse e ao domínio do Refúgio de Vida Silvestre, a

disciplina legal é idêntica à do Monumento Natural, ou seja, é possível que o

refúgio seja constituído por áreas particulares, desde que haja compatibilidade

dos objetivos da unidade com a utilização privada da terra e dos recursos

naturais, hipótese pouco provável, como já destacado. Verificada a (provável)

incompatibilidade, a área deverá ser desapropriada pelo poder público.

Também está permitida a visitação publica e a pesquisa científica sujeita

à autorização prévia do órgão gestor da unidade, às restrições estabelecidas

no plano de manejo e nas normas do órgão responsável por sua administração.

32 2.6 - A Utilização das Unidades de Proteção Integral.

Essas categorias de áreas protegidas não foram inventadas por capricho

das amantes da natureza, nem de cientistas malucos. De fato, as Unidades de

Conservação foram um invento de povos primitivos, há milhares de anos e foi

perpetuado inclusive pelos índios da Amazônia.

As Unidades de Conservação são amostras representativas dos

ecossistemas naturais, ou dos mais naturais que seja possível de se achar,

para providenciar inúmeros benefícios à sociedade. Desde a preservação da

diversidade biológica para garantir o futuro das atividades agropecuária,

florestal, industrial e farmacêutica até a preservação dessas áreas para a

indústria do turismo e da recreação; são essenciais para a educação e para a

ciência e; por último, satisfazem o direito de inúmeros cidadãos de contemplar

e amar a natureza. Em síntese, são essenciais para a qualidade da nossa vida

e são importantes contribuintes de nossa sobrevivência.

O uso humano nessas áreas tem sido tradicionalmente de baixo

impacto, como bem entendeu o legislador ordinário ao estabelecer critérios e

objetivos de cada categoria de unidade de conservação. Entretanto, as forças

sociais que mantinham esse padrão de uso estão se modificando rapidamente,

o que pode resultar em um rápido aumento do impacto do uso.

É cada vez mais freqüente escutar-se propostas de entregar as

Unidades de Conservação de Proteção Integral às populações tradicionais,

especialmente quilombolas. Atualmente, este intento é contrário à lei. Dois

tipos de argumentos são usados para esse propósito: os direitos das

comunidades quilombolas sobre as terras por elas ocupadas e o caráter

sustentável do seu estilo de vida.

33

Concomitantemente, a biodiversidade fora dessas áreas tem sido

rapidamente destruída, principalmente devido às mudanças nos padrões de

uso da terra e dos recursos naturais. Segundo Nurit Bensusan (pág. 25), a

manutenção de grandes áreas com baixos níveis de uso ou sem uso é vista

como a melhor estratégia para a conservação da biodiversidade a longo prazo.

Por outro lado, os defensores do uso acreditam que todas as áreas

devem ser abertas para algum uso humano e que áreas destinadas

estritamente à conservação, sem presença humana, não devem existir. Para

Nurit, os argumentos que sustentam essa posição podem ser sumarizados da

seguinte forma:

“privando as áreas do tradicional uso humano, há o risco de

excluir alguns processos importantes para a preservação dos

processos geradores e mantenedores da biodiversidade, como

o conhecimento humano sobre a utilização das espécies e as

experiências de uso da terra; a perturbação antrópica dos

ecossistemas é muitas vezes essencial para a geração e

manutenção da biodiversidade; e o processo histórico, muitas

vezes responsável pelas características atuais, se perderia e

conseqüentemente as paisagens se descaracterizariam.”

No entendimento de Nurit, para cada local, o cenário de conservação

apropriado depende dos fatores ecológicos e sociais e, para tanto, há a

possibilidade de estabelecer unidades de conservação de diversas categorias,

bem como fazer um zoneamento interno da área protegida, que pode incluir

desde zonas de proteção estrita até zonas de uso múltiplo.

Um dos grandes desafios é a resolução de conflitos, que são partes

integrantes do cotidiano da gestão da maioria das áreas protegidas. Em geral,

os conflitos podem se dar entre os gestores da unidade e as comunidades

34 locais, que costumam se autodefinir como comunidades tradicionais, tendo em

vista o uso dos recursos naturais; entre as comunidades estabelecidas e

pessoas ou grupos de fora da região; entre atores de diferentes contextos

culturais e sociais interessados na área protegida.

Superpostos aos conflitos locais, há os conflitos de interesse das

instituições que possuem algum envolvimento com a área protegida, como a

gestora da unidade, as organizações não-governamentais que trabalham na

região, os operadores de turismo e as empresas públicas ou privadas que

desenvolvem atividades potencialmente impactantes na região.

Destarte, há que se lembrar das razões sociais, econômicas e científicas

pelas quais são necessárias as Unidades de Conservação de Proteção Integral

e a incompatibilidade entre a sua exploração para manter essas populações e

a manutenção dos serviços ambientais que a sociedade reclama dessas áreas.

Portanto, conclui-se que as nações deverão fazer uma escolha entre o

exagero dos privilégios de uma minoria em detrimento do interesse da

sociedade nacional.

35

CAPÍTULO III

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

E POPULAÇÕES TRADICIONAIS

3.1 - Direito do Desenvolvimento Sustentável

O Direito do Desenvolvimento Sustentável reproduz um dos princípios

mais influentes no Direito Ambiental, ocupando uma posição de predominância,

mormente porque irá, numa escala axiológica, influenciar, complementar e

orientar os demais, viabilizando o trato correto, seguro e adequado à temática

ambiental. O referido princípio encontra-se previsto, implicitamente, no artigo

225, caput, da Constituição Federal. Sua formalização expressa, porém,

decorre do Princípio nº 4, consagrado na Declaração da RIO/92, que contém a

seguinte dicção:

“Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção

do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo

de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente

em relação a ele”.

O conceito de desenvolvimento sustentável, segundo Paulo Bessa (pág.

18) surge da tentativa de conciliar a preservação dos recursos ambientais e o

desenvolvimento econômico, ou seja, pretende-se que, sem o esgotamento

desnecessário dos recursos ambientais, haja a possibilidade de garantir uma

condição de vida mais digna e humana para as pessoas, cujas atuais

condições de vida são absolutamente inaceitáveis.

36

Com efeito, há uma significativa interface da tutela ambiental com o

desenvolvimento econômico, que tende a ser cada vez mais intensa. A nítida

desproporcionalidade na extração racional de bens e riquezas naturais imposto

pelos ditames do desenvolvimento econômico globalizado, traduz na realidade

a crise ambiental no cenário socioeconômico mundial, sobretudo vislumbrada

no Brasil.

Neste contexto, desde a Revolução Industrial, permeou por anos a

necessidade de estabelecer princípios norteadores aos países desenvolvidos e

em desenvolvimento para a redução de danos ao meio ambiente nos

complexos processos de exploração, transformação e industrialização de bens

ambientais em bens de consumo.

Na verdade, o desenvolvimento sustentável atende a constituir uma

sociedade mais próspera e mais justa, capaz de propiciar um ambiente limpo,

mais seguro e saudável para a melhoria da qualidade de vida de todos. A

realização prática deste objetivo exige que o crescimento econômico esteja

vinculado ao progresso social e no respeito ao ambiente

Infere-se, portanto, que seu escopo é conciliar, encontrar um ponto de

equilíbrio entre atividade econômica e o uso adequado, racional e responsável

dos recursos naturais, respeitando-os e preservando-os para a gerações atuais

e subseqüentes.

Entretanto, para o professor Marc Dourojeanni, em artigo publicado pelo

sítio ‘o eco’, o desenvolvimento sustentável é apenas uma utopia, um bom

propósito que é matemática e ecologicamente inalcançável. Para ele, de fato

não existe, nem ocorre em nenhum lugar do planeta, apenas existem

experimentos de curta duração e até esses se revelam insatisfatórios. Segundo

37 Marc, todo uso da natureza provoca impacto e, por conseguinte até mesmo os

usos que os povos e comunidades dela fazem. E quando estes começam a ter

comportamentos semelhantes aos da maioria nacional, os seus impactos são

drásticos.

A realidade é que quanto maior a densidade da população humana,

maior o seu impacto sobre o entorno natural ou no meio ambiente. Além disso,

Marc ressalta que a população humana não é estática. Sua tendência é a de

aumentar em número e nas suas demandas. Quando foram criadas as

primeiras reservas extrativistas, elas continham pouca gente, com demanda

modesta. Hoje, nelas cresceu a população e esta exige, com todo direito,

condições de vida melhores. Por isso, antes eram meramente extrativistas de

borracha ou coletores de castanha, além de caçadores e pescadores, mas,

agora, muitos deles também são madeireiros, pecuaristas e operários em

diversas atividades circunvizinhas.

Assim sendo, em algumas reservas ainda a natureza cumpre bem suas

funções, em outras, seu caráter de unidade de conservação está seriamente

deteriorado. Para Marc, uma Floreta Nacional sem exploração é quase uma

unidade de conservação de uso indireto, no entanto, no momento em que seja

submetida a manejo florestal, por mais sustentável que este pretenda ser, o

impacto pode ser muito grande.

3.2 - Populações e Comunidades Tradicionais

A questão a ser estudada neste tópico aborda a identidade e direitos de

algumas minorias ou comunidades dotadas de particularidades que ensejam a

sua designação como tradicionais.

38

Segundo o inciso I do art. 3º do Decreto 6.040/07, compreende-se por

Povos e Comunidades Tradicionais os grupos culturalmente diferenciados e

que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização

social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para

sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando

conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

De acordo com o documento que fundamenta a Política Nacional de

Desenvolvimento sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, foram

classificados como comunidades tradicionais os seguintes grupos: sertanejos;

seringueiros; comunidades de fundo de pasto; quilombolas; agroextrativistas da

Amazônia; faxinais; pescadores artesanais; comunidades de terreiros; ciganos;

pomeranos; indígenas; pantaneiros; quebradeiras de coco de babaçu; caiçaras

e geraizeiros.

É fácil notar que a lista, relativamente extensa, de comunidades

tradicionais pode ser ampliada substancialmente, conforme as conveniências

de grupos que se auto-identifiquem como tradicionais.

A discussão sobre as populações tradicionais no Brasil tem o ideal de

diminuir as injustiças sociais, resgatando uma dívida social, acumulada em

virtude da histórica falta de efetividade de alguns direitos universais, que tais

grupos não foram contemplados.

Entretanto, para o Grupo Iguaçu (pág.12) essa discussão conceitual e

política pode acarretar prejuízos para a sociedade como um todo, com o

seguinte argumento:

39

“a questão da tradicionalidade coloca imediatamente a questão

correlata da modernidade. O argumento a favor dos direitos

especiais dos tradicionais – e não apenas em relação à terra –

é que a tradicionalidade se distingue e mesmo se opõe em

algum grau à modernidade. Isto faria dos tradicionais

merecedores de tratamento diferenciado. No entanto, a

observação dos fatos e dos processos mostra que os

tradicionais reivindicam também direitos modernos e que,

antes e além disto, eles mesmos estão imersos em várias

dimensões da cultura e das instituições modernas. De

maneira alguma isto é surpreendente, pois (a) o

tradicionalismo não é sinônimo de isolamento cultural e

institucional e (b) o mundo moderno tem forte capacidade tanto

de atrair a adesão dos tradicionais quanto de conviver com

manifestações tradicionais. Do nosso ponto de vista, no

entanto, o que mais importa neste mix de direitos e

expectativas, de tradição e modernidade, é que, quanto mais

mergulhados estiverem os tradicionais na modernidade, mais

os seus direitos se assemelham aos da cidadania universal e

mais eficazmente os seus direitos podem ser efetivados sem

recursos a políticas públicas seletivas. Quanto mais modernos,

menos eles são tradicionais e mais eles são - ou devem ser –

cidadãos.”

Não obstante a imprecisão do conceito de população tradicional, este

conceito tem sido usado sistematicamente para justificar a presença humana

em UCs, inclusive naquelas de Proteção Integral. É um conceito que oscila

entre ser amplo demais, visando abranger todas as populações rurais pobres

do Brasil, e ser estreito demais, insuficiente para incluir todas as populações

rurais marginalizadas no processo de ocupação das fronteiras econômicas do

país, que, certamente, são detentoras de direitos que merecem ser

concretizados.

40

A pesquisa realizada pelo Grupo Iguaçu (pág. 9) recomenda que sejam

abolidas políticas seletivas e que se reforce a conceituação de que todos os

brasileiros são iguais entre si e, como cidadãos, tenham direitos universais e

fundamentais garantidos, independentemente de credo, cor da pele, auto-

identificações étnicas ou estilo de vida. E o Grupo (pág. 100), ainda, conclui

que:

“A noção de população tradicional vem acompanhada da

crença tranqüilizadora de que a conservação da biodiversidade

pode ser feita sem custos humanos, pelo menos no que diz

respeito às populações rurais pobres. De acordo com essa

noção, essas populações podem e até devem permanecer ou

ser assentadas no interior de UCs, inclusive de proteção

integral, e usar os seus recursos sem prejuízos para a

conservação. Esta é uma crença conveniente para o Estado

brasileiro, histórica e hegemonicamente desenvolvimentista,

pouco disposto a gastar com proteção à biodiversidade. A

crença é apropriada também para os detentores de

‘consciência militante engajada’, que ficam liberados da ‘culpa’

de estarem fazendo política social à custa da destruição dos

últimos ambientes naturais preservados.

Este ‘mito’ tem deslegitimado qualquer reivindicação por terras

destinadas exclusivamente para a conservação – fruição

estética, pesquisa e educação ambiental – da biodiversidade

(ou seja, as UCs de proteção integral). Pela lógica que lhe é

inerente todas as terras ainda disponíveis, inclusive as terras

públicas destinadas à conservação, deverão, em um futuro

não muito distante, ser ocupadas por seres humanos e

colocadas ao seu serviço, tornando-se ‘terras produtivas’. É a

lógica que tem conduzido a conflitos entre supostos grupos

quilombolas, que têm reivindicado direitos sobre áreas

protegidas públicas, sobretudo UCs de proteção integral, e

grupos que defendem o status atual destas áreas, ou seja, a

41

continuidade de sua missão de conservação da

biodiversidade.”

3.3 - Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável

Notória é a importância máxima dos recursos naturais e das leis físicas

que presidem à vida no planeta Terra e que garantam a sua sobrevivência.

Nesse sentido, Milaré (pág.661) lembra da biodiversidade, do peso das

mudanças climáticas, do excesso da população humana e de outras ameaças

globais que nos afetam. Para o mestre, como decorrência da sustentabilidade,

o desenvolvimento sustentável foi erguido como uma bandeira certa, mas nem

sempre em mãos certas. A Agenda 21 e outros documentos fundamentais

alertam-nos para essa causa, e continuam a repisar o tema com insistência,

apesar de certo ceticismo difuso que impregna a sociedade de consumo e as

classes produtoras abonadas.

Segundo Milaré, numa hora em que recrudescem as agressões a alguns

grandes biomas nacionais, o Poder Executivo nacional manifesta empenho em

recuperar um estilo de desenvolvimento apropriado, destacando, para isso, as

nações indígenas, os ‘povos da floresta’ e outras comunidades tradicionais que

ainda restam no território nacional.

É neste contexto que surge a Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável – PNPCT, instituída pelo Decreto Nº 6.040/2007 que, em seu art.

3º, inciso III, conceitua Desenvolvimento Sustentável como:

“o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para a

melhoria da qualidade de vida da presente geração, garantindo

as mesmas possibilidades para as gerações futuras”.

42

O objetivo da PNPCT é promover o desenvolvimento sustentável dos

Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento,

fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais,

econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas

formas de organização e suas instituições.

Portanto, é impositiva a garantia do acesso dos povos e das

comunidades tradicionais aos serviços prestados pelos seus ecossistemas,

como o fornecimento dos recursos naturais tradicionalmente utilizados para

atender às respectivas demandas.

Cabe ressaltar que a PNPCT não define com precisão qual a área que

tais comunidades irão ocupar. O certo seria a ocupação de Unidades de

Conservação de Uso Sustentável, onde é permitida a presença humana, bem

como seu uso direto, respeitando a idéia de desenvolvimento sustentável, e

não as Unidades de Conservação de Proteção Integral, onde é vedada a

ocupação humana.

Entretanto, a PNPCT, em seu art. 3º, inciso II, define as áreas ocupadas

pelas comunidades tradicionais, in verbis:

“Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução

cultural, social e econômica dos povos e comunidades

tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou

temporária, observado, no que diz respeito aos povos

indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os

arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias e demais regulamentações; e””

43

Portanto, pela redação do texto legal supracitado, fica evidente que há

uma omissão por parte do legislador, uma vez que não excetuou as UCs de

Proteção Integral das áreas a serem ocupadas pelas comunidades tradicionais,

pois os referidos territórios tradicionais podem incidir em qualquer tipo de

Unidade de Conservação.

44

CAPÍTULO IV

TERRAS DE QUILOMBOLAS

EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

4.1 – As Incongruências do Decreto Nº 4.887/03

Nos últimos anos, os critérios que elegem grupos quilombolas como

merecedores de titulação em locais de grande importância para a

biodiversidade têm gerado reações passionais. De um lado estão os que

enxergam nesta política uma tentativa incerta de promover inclusão social às

custas de remanescentes da natureza. Do outro, os que reivindicam, através

de políticas seletivas do governo, o direito à terra e acesso a recursos que lhes

garantiriam uma vida rural digna.

Em 2003 foi editado o Decreto Presidencial Nº 4.887, regulamentando o

procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e

titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos

quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias. O referido diploma legal é repleto de ambigüidades e mazelas, a

começar pelo o que preceitua o art. 2º, in verbis:

“Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos

quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-

raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória

histórica própria, dotados de relações territoriais específicas,

com presunção de ancestralidade negra relacionada com a

resistência à opressão histórica sofrida.

45

§ 1o Para os fins deste Decreto, a caracterização dos

remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada

mediante autodefinição da própria comunidade.

§ 2o São terras ocupadas por remanescentes das

comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de

sua reprodução física, social, econômica e cultural.

§ 3o Para a medição e demarcação das terras, serão levados

em consideração critérios de territorialidade indicados pelos

remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo

facultado à comunidade interessada apresentar as peças

técnicas para a instrução procedimental.”

Como podemos observar, a citada auto-atribuição de cada grupo ou

comunidade foi absolutizada como critério de conferir legitimidade às

reivindicações, não cabendo, aparentemente, qualquer possibilidade de

recurso em caso que haja dúvida sobre a identidade assumida ou alegada.

Além disso, cabe ressaltar que serão os próprios interessados, ou seja, a

comunidade autodefinida com quilombola, que apontarão os limites de suas

terras, de acordo com critérios por eles eleitos.

Destarte, tanto os grupos sociais interessados quanto as terras que eles

reivindicam apresentam graves lacunas de fundamentação e de identidade.

Qualquer grupo interessado em ter acesso a determinadas terras sejam elas

quais forem, poderá assumir, de boa-fé ou má-fé, a custo zero, a identidade

conveniente para este fim, não cabendo recurso contra tal auto-atribuição.

Além disso, o mesmo grupo interessado definirá, de acordo com os seus

próprios critérios, a localização e a extensão das terras que reivindica. Isso

abre margem a qualquer tipo de ambigüidade, oportunismo e fraudes, cujas

vítimas principais serão as escassas terras públicas ecologicamente

46 preservadas de cada parte do país onde haja grupos dispostos a se beneficiar

dessa regulação frágeis bases legais e sociológicas.

Algumas das comunidades quilombolas estão mobilizadas para, com

base no Decreto Nº 4.887/03, serem beneficiadas com a cessão de parcelas de

terras pertencentes a algumas Unidades de Conservação, criadas

anteriormente e sem registro de conflitos com essas comunidades ou de

contestações feitas por elas. Assim, existe uma grande preocupação com a

possibilidade de que os ainda modestos ganhos da política brasileira de áreas

protegidas sejam revertidos, em nome do ideal de diminuir as injustiças sociais,

o que pode representar uma grande ameaça à conservação da biodiversidade

nas UCs de Proteção Integral.

O Decreto Nº 4.887/03 esqueceu de observar a legislação ambiental,

especialmente no que concerne a Lei Nº 9.985/00, uma vez que prevê a

presença de comunidade quilombola em qualquer tipo de Unidade de

Conservação, inclusive em Ucs de Proteção Integral, já que não fez previsão

sobre as UCs de Uso sustentável, conforme a leitura do artigo:

“Art. 11. Quando as terras ocupadas por remanescentes das

comunidades dos quilombos estiverem sobrepostas às

unidades de conservação constituídas, às áreas de segurança

nacional, à faixa de fronteira e às terras indígenas, o INCRA, o

IBAMA, a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa

Nacional, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares tomarão

as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade destas

comunidades, conciliando o interesse do Estado.”

Neste sentido, resta evidente que o Decreto Nº 4.887/03 não observou a

intenção do legislador de querer preservar as UCs de Proteção Integral,

afastando qualquer tipo de presença humana. Além disso, o legislador fez a

47 distinção das UCs, em Proteção Integral e de Uso Sustentável, sendo nesta

permitida a presença de pessoas, bem como o uso sustentável de parcela dos

seus recursos naturais, como podemos observar no texto da Lei Nº 9.985/00:

“Art.18. A Reserva Extrativista é uma área utilizada por

populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-

se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de

subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem

como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura

dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos

recursos naturais da unidade.

§ 1o A Reserva Extrativista é de domínio público, com uso

concedido às populações extrativistas tradicionais conforme o

disposto no art. 23 desta Lei e em regulamentação específica,

sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites

devem ser desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.”

...

“Art. 20. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma

área natural que abriga populações tradicionais, cuja

existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração

dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e

adaptados às condições ecológicas locais e que

desempenham um papel fundamental na proteção da natureza

e na manutenção da diversidade biológica.

§ 1o A Reserva de Desenvolvimento Sustentável tem como

objetivo básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo,

assegurar as condições e os meios necessários para a

reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e

exploração dos recursos naturais das populações tradicionais,

bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e

as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por estas

populações.”

48

A intenção de insistir tanto na permanência de populações no interior de

UCs de Proteção Integral deve ser totalmente descartada, uma vez que as

próprias UCs de Uso Sustentável têm dificuldades de comprovar o seu

sucesso, pois dependem de vontade política e de grande investimento sociais

do Estado.

Sendo assim, o conflito de normas só faz gerar uma insegurança

jurídica, haja vista o desrespeito ao diploma legal que instituiu o Sistema

Nacional de Unidades de Conservação, e, conseqüentemente, um

afrontamento à Carta Magna, quando há violação do direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado. Trata-se de um direito universal de caráter difuso,

que deve ser respeitado acima do interesse privado de grupos específicos.

4.2 – Ameaças à Biodiversidade

A idéia de que populações tradicionais criam e mantém a biodiversidade

se tornou um dogma para quem defende a distribuição de terras para as

comunidades quilombolas. Entretanto, esta idéia é, em geral, associada a

conflitos entre Unidades de Conservação que não contemplam a presença de

humanos caçando, plantando ou extraindo outros recursos naturais, como

Parques Nacionais, e populações que ocupam estas áreas.

O argumento freqüente de que não existem florestas virgens e todas

apresentam impactos humanos tem levado à conclusão absurda de que estes

impactos devem continuar. Ao contrário, segundo o biólogo Fábio Olmos, em

artigo publicado no sítio ‘o eco’, lugares onde habitats naturais puderam

maturar sem humanos caçando, queimando, derrubando e extraindo, mostram

biodiversidade máxima.

49

Em sentido contrário, o Ministério Público Federal entende que as

Unidades de Conservação ambiental têm sido criadas sem considerar a

presença das comunidades tradicionais que habitam essas regiões e, além

disso, o Estado não têm garantido os meios e condições que permitam a

sustentação econômica dessas comunidades.

A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal

prioriza sua atuação com escopo de evitar, sempre que possível, a exclusão

das comunidades tradicionais do processo de criação, gestão e monitoramento

das unidades de conservação.

O Grupo Iguaçu (pág. 26), em seu estudo, destaca a relação entre as

populações tradicionais e as Unidades de Conservação, que ocorre por vários

motivos. Primeiro tem a questão fundiária generalizada que ainda prevalece em

muitas porções de território nacional, como as práticas disseminadas de

grilagem de terras públicas e de exploração ilegal de seus recursos. Ora, as

UCs, como terras públicas identificadas, tendem a se tornar alvos altamente

visíveis dos movimentos e das organizações que focalizam unicamente os

problemas sociais imediatos dos quilombolas e desprezam a questão não

imediata da proteção da biodiversidade, desprezando mesmo as

conseqüências positivas sociais dessa proteção.

Em segundo lugar, a corrente sócio-ambientalista, que subordina a

proteção da biodiversidade e do patrimônio natural à resolução da questão

social, é declaradamente a favor de sacrificar a biodiversidade e o patrimônio

natural em nome da possibilidade de amenizar problemas sociais. É essa

corrente que está no poder no momento, utiliza sua influência para tentar

colocar as UCs no papel de instrumentos de políticas de desenvolvimento

(sustentável ou não).

50 Em terceiro lugar, faz parte da desordem fundiária no Brasil a

incapacidade do poder de defender as terras públicas indevidamente

apropriadas. As UCs no Brasil sofrem historicamente com essa desordem,

sendo a ocupação ilegal das terras públicas lindeiras às UCs uma das causas

mais comuns de redução de áreas designadas para a proteção ambiental.

Outra causa relevante de reduções da área de UCs tem sido a

sobreposição com terras indígenas, problemática com a qual a presente

investida de comunidades quilombolas ou alegadamente quilombolas guarda

ou busca ter parentesco. Importante lembrar que as UCs afetadas foram todas

criadas anteriormente ao reconhecimento das terras indígenas e das terras

quilombolas.

Assim, carecem de defesa as terras públicas em geral e as UCs em

particular. Mal defendidas ou não defendidas, elas se tornarão alvos mais

fáceis de iniciativas supostamente direcionadas a resgatar dívidas com os

rurícolas pobres brasileiros, quer sejam quilombolas, quer sejam outros grupos

que exploram os recursos naturais.

Segundo o próprio Grupo Iguaçu (pág. 97), conflitos entre quilombolas

ou supostos quilombolas e UCs já foram identificados no Parque Nacional do

Jaú (AM), nos Parques Nacionais de Aparados da Serra (RS/SC) e de Serra

Geral (RS/SC), na Reserva Biológica do Guaporé (RO), na Reserva Biológica

da Mata Escura (MG), no Parque Estadual da Serra do Mar (SP) e no Parque

Estadual Jacupiranga (SP). Também, há conflitos envolvendo uma população

que se reivindica como remanescente de quilombo na Restinga da Marambaia

(RJ), que não é uma UC, mas é uma área protegida, sob responsabilidade das

Forças Armadas, de alta importância para a conservação de um, já bastante

raro, ecossistema de restinga, que só se encontra no estado atual graças à

presença dos militares na região.

51

Com o intuito de proteger a Mata Atlântica, considerada Patrimônio

Nacional pela Carta Magna de 1988, inúmeros institutos legais foram criados, a

começar pela Lei da Mata Atlântica – Lei Nº 11.428/06, na qual áreas

significativas do bioma foram reconhecidos como Patrimônio Mundial pela ONU

e indicados como Sítios Naturais do Patrimônio Mundial de Reservas da

Biosfera da Mata Atlântica pela UNESCO.

Além disso, se o Código Florestal fosse cumprido, com a implementação

de reservas legais e áreas de preservação permanente, a superfície coberta

por Mata Atlântica aumentaria consideravelmente, com boas possibilidades de

recuperação de áreas degradadas. Cabe salientar que as UCs, sobretudo as

de proteção integral, são fundamentais para garantir a proteção dos

remanescentes mais representativos do bioma, as áreas de florestas primárias

e secundárias mais bem preservadas e ricas em biodiversidade.

Entretanto, no que diz respeito à proteção do bioma por Unidades de

Conservação, o que existe ainda é muito pouco. Conforme apresentado pelo

Grupo Iguaçu (pág. 78), foram contabilizadas 88 UCs federais, totalizando

3.948.475 hectares, situados somente no bioma Mata Atlântica, cobrindo

apenas 3,55% de sua área, e outras 8 UCs que abrigavam o bioma em

conjunção com outros biomas, totalizando apenas 419.286 hectares. Das 88

UCs federais de bioma Mata Atlântica, apenas 48 são de proteção integral,

com 2.855.144 hectares, e 40 são de uso sustentável, com 1.093.330 hectares.

Em vista desses dados, conciliar a ocupação humana e o uso direto de

recursos naturais com os minguados remanescentes florestais da Mata

Atlântica é condenar o bioma à destruição total. Os últimos habitats da imensa

biodiversidade ainda existente no bioma precisam ser preservados contra a

extinção. Para que isto ocorra, a criação de novas Unidades de Conservação

de Proteção Integral e a implementação das mais antigas se mostra urgente.

52 4.3 – O Direito Difuso Mitigado por um Valor Ideológico

Para justificar a presença de grupos humanos, como os quilombolas, em

Unidades de Conservação de Proteção Integral, argumenta-se que essas

populações seriam inerentemente resistentes à inserção no mercado, e por

isso mesmo, tradicionais. Esta é uma maneira um tanto enviesada de justificar

direitos para estes grupos, pois acabam por destituí-los de sua historicidade e

por naturalizá-los, como partes integrantes dos ecossistemas a serem

protegidos. É como se os seus direitos modernos dependessem de sua

integração com a natureza e não na sociedade.

Com essa visão ideológica de reparar danos históricos sofridos por

pessoas não existem mais, mitigando, assim, o direito de toda uma sociedade,

ou seja, o direito difuso ao qual contempla a tutela do meio ambiente, as

Unidades de Conservação têm se tornados alvos fáceis para iniciativas de

reparação e resgate de suposta ‘dívida’ que a sociedade tem com grupos como

os quilombolas.

O crescente número de reconhecimentos de populações quilombolas

nos mais variados cantos do país e o fato de que o Incra jamais rejeitou o pleito

pela demarcação conforme o solicitado indica o valor ideológico desse

processo. A questão da biodiversidade, do equilíbrio ecológico e da

preservação ambiental não são colocados ou levados muito em consideração.

A possibilidade de conservar o patrimônio natural depende muito mais

da capacidade do Estado de implementar políticas amplas para a garantia de

direitos universais, tais como educação, saúde e habitação, ainda que levando

em conta as particularidades relacionadas com as tradições de grupos

específicos, e da sensibilidade para perceber a importância de ser garantir a

53 manutenção de Unidades de Conservação de Proteção Integral, como

estratégia de preservação, que também deve ser entendido como um direito

universal, para a presente e futuras gerações, da ampla variedade de espécies

e de ecossistemas.

54

CONCLUSÃO

À confrontação entre os direitos das comunidades quilombolas e as

Unidades de Conservação de Proteção Integral é essencialmente artificial. Há

lugar para todos e não deveria existir confronto entre as duas modalidades de

uso da terra que são incompatíveis.

Portanto, a transformação de algumas áreas protegidas em instrumentos

de busca de justiça social, além de justificar a presença humana em todos os

espaços disponíveis, coloca em risco a integridade do sistema brasileiro de

áreas protegidas. A idéia de que os povos tradicionais, como os quilombolas,

vivem necessariamente em harmonia com a natureza deve ser rebatida.

A luz das considerações apresentadas podemos verificar que qualquer

decisão visando única e exclusivamente o interesse imediatista de minorias,

ainda que legítimas na reivindicação de seus direitos, põe em risco o direito

difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecido pela Carta

Magna. Não existe motivo lógico para que algumas tradições sejam

consideradas valiosas e geradoras de direitos especiais, e outras tradições não

gerem outros direitos tão especiais como aqueles.

Certamente, existe uma dívida social com estes e outros grupos sociais.

No entanto, tentar saná-la por meio de distribuição das terras das Unidades de

Conservação de Proteção Integral seria abrir mão da conservação da

biodiversidade, da preservação do meio ambiente nas últimas terras

disponíveis para isto. Além disso, essa estratégia seria pouco eficiente para

resolver o problema dos quilombolas, pois se trataria apenas de uma doação

de terras e não de inclusão social.

55

É importante atentar para o fato de que o Artigo 225 da Constituição

Federal incumbe o Poder Público e a coletividade do dever de garantir o direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações. Isto

inclui preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país,

proteger a fauna e a flora, preservar as funções ecológicas, além de criar

espaços territoriais especialmente protegidos. Trata-se de um direito universal

de caráter difuso, que deve ser respeitado acima do interesse privado de

grupos específicos, por mais que estes interesses sejam legítimos.

Portanto, vale acreditar na crença de que os homens se beneficiarão

mais, no médio e longo prazo, se adotarem uma ética mais ampla, pois, afinal

as áreas protegidas prestam relevantes serviços ecossistêmicos para as

sociedades humanas, tais como suprimento de água, solo, segurança, lazer,

clima, depósito de biodiversidade aproveitável para o desenvolvimento de

alimentos e medicamentos e etc. As Unidades de Conservação federais,

estaduais e municipais, criadas e a criar, não devem ser sacrificadas, no todo

ou em parte, pois são importantes demais para garantir o futuro da diversidade

da vida no planeta.

56

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumem

Juris, 2002.

BENSUSAN, Nurit. Conservação da Biodiversidade em Áreas Protegidas. 1ª

ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006.

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Atlas, 2003.

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www.oeco.com.br. 1-6 p., acessado em 28/05/2009.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 8ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio. O Dicionário da

Língua Portuguesa. Século XXI. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

IGUAÇU, Grupo. Terras de Quilombolas e Unidades de Conservação: uma

discussão conceitual e política, com ênfase nos prejuízos para a conservação

da natureza. www.grupoigacu.net. 1-140 p., acessado em 28/05/2009.

57 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2004.

__________. Direito Ambiental Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MÁRQUEZ, Humberto. Áreas Protegidas de Papel. www.tierramerica.info. 1-1

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MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, pratica, jurisprudência, glossário.

2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

__________. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

__________. Direito do ambiente, A Gestão Ambiental em foco. 6ª ed. São

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OLMOS. Fábio. Populações Tradicionais e a Biodiversidade.

www.oeco.com.br. 1-8 p., acessado em 28/05/2009.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

58

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I 10

A PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE 10

1.1 – Conceito de Meio Ambiente 10

1.2 – A Evolução Histórica da Legislação Ambiental 12

1.3 – Tutela Constitucional do Meio Ambiente 15

1.4 – Princípios do Direito Ambiental 17

CAPÍTULO II 22

ÁREAS PROTEGIDAS 22

2.1 – Concepção Geral 22

2.2 – O Meio Ambiente como Patrimônio da Coletividade 23

2.3 - Do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) 25

2.3 – Objetivo das Unidades de Conservação de Proteção Integral 27

59 2.4 – Classificação das Unidades de Conservação de Proteção Integral 28

2.5 – A Utilização das Unidades de Proteção Integral 32

CAPÍTULO III 35

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E POPULAÇÕES

TRADICIONAIS 35

3.1 – Direito do Desenvolvimento Sustentável 35

3.2 – Conceito de Populações e Comunidades Tradicionais 37

3.3 – Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável 41

CAPÍTULO IV 44

TERRAS DE QUILOMBOLAS EM UNIDADES DE

CONSERVAÇÃO 44

4.1 – As Incongruências do Decreto Nº 4887/03 44

4.2 – Ameaças à Biodiversidade 48

4.3 – O Direito Difuso Mitigado por um Valor Ideológico 52

CONCLUSÃO 54

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 56

ÍNDICE 58

FOLHA DE AVALIAÇÃO 60

60

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes. Pós-Graduação “Lato

Sensu”. Projeto A Vez Do Mestre.

Título da Monografia: Populações Tradicionais Em Unidades De Conservação De Proteção Integral.

Autor: Cristiane Costa Cardoso Tosta

Data da entrega: 01/02/2010

Avaliado por: Conceito: