popilo endomet
TRANSCRIPT
ANÁLISE DO CASO CLÍNICO
a) Exposição do raciocínio clínico:
Introdução
A porção interna do útero tem duas camadas, a fina, camada interna, é chamada de endométrio e a espessa, mais externa, é o miométrio. Nas mulheres que menstruam, o endométrio se espessa todos os meses preparando-se para a gravidez e quando a mulher não engravida, a camada endometrial é eliminada durante a menstruação. O sangramento que ocorre entre os períodos menstruais, queixa principal da paciente, é considerado um sangramento uterino anormal. Uma vez que a mulher entra na menopausa e os ciclos menstruais cessam, qualquer sangramento é considerado anormal, a não ser que use terapia de reposição hormonal cíclica, que não se encaixa no caso descrito.
Causas
Enquanto a maioria das condições que causam sangramento uterino anormal podem ocorrer em qualquer idade, algumas ocorrem mais frequentemente em alguma época da vida da mulher. Como nossa paciente possui 39 anos, e ainda ovula, estando entre a adolescência e a menopausa, muitas condições diferentes podem ser causa de sangramento anormal.
Alterações abruptas dos níveis hormonais no momento da ovulação podem causar pequeno sangramento, também pode ocorrer em mulheres que usam pílulas anticoncepcionais e se esquecem de ingerir um ou mais comprimidos. Porém as causas mais comuns de sangramentos longos são miomas ou pólipos uterinos, que se encaixava corretamente na queixa da nossa paciente, mesmo antes da realização dos exames. São compostos de tecido uterino que distorcem a estrutura do útero e levam ao sangramento uterino anormal.
O pólipo endometrial, como foi sugerido pelo ultra sonografia transvaginal, se origina como uma área de hiperplasia focal da camada basal do endométrio e se desenvolvem como uma forma de crescimento localizado que se estende para cima através da camada funcional, se projetando na cavidade uterina. Crescem em resposta ao efeito proliferativo de estrógenos, porém seu crescimento não é totalmente dependente deste estímulo, sendo mais frequente em pacientes multíparas, onde o pico etário de incidência está situado entre os 40 e 50 anos.
Avaliação inicial
Durante a conversa com a paciente, além do que já constava no prontuário das consultas ambulatoriais, foram coletadas e revisadas informações como a duração e a quantidade do sangramento, fatores que desencadeiam o sangramento, sintomas que ocorrem junto com o sangramento como dor, febre, odor vaginal, se o sangramento ocorre após a relação sexual, se há história pessoal ou familiar de distúrbio de coagulação, passado médico e uso de medicações, alterações recentes de peso, stress e outras doenças, onde na sua maioria foi negado pela paciente.
Realizado o exame físico completo, o exame ginecológico e especular foi feito em consulta ambulatorial pela mesma equipe de profissionais que estava de plantão na admissão, e confirmado que o sangramento era mesmo proveniente do útero e não de outra localização, como órgãos genitais externos ou trato gastrointestinal.
Avaliação dos sistemas
Como dito acima, a paciente veio encaminhada do ambulatório central pela mesma equipe que comanda o setor de ginecologia e obstetrícia e já estava com os exames da admissão em mãos, como hemograma completo, função renal, função hepática, glicemia de jejum, coagulograma, radiografia de tórax, citologia oncótica e urinas I e II, todos normais, descartando disfunções sistêmicas. No caso descrito só não foi solicitado, segundo a literatura, teste de gravidez (beta HCG), pois a paciente tinha história de laqueadura tubária há quatro anos e ainda fazia uso de anticoncepcional oral para regular os ciclos menstruais.
Avaliação endometrial
Podem ser realizados vários exames para avaliar o endométrio, a fim de confirmar ou excluir, dentre várias patologias, câncer endometrial e anormalidades estruturais tais como miomas e pólipos. Dentre os vários exames que encontrei na revisão literária, apenas dois se mostraram efetivos e pertinentes ao caso descrito.
A ultra sonografia transvaginal, como foi realizado na paciente, é o método de escolha para triagem de patologias endometriais em mulheres com sangramento uterino anormal. Permite a obtenção de uma imagem clara do útero, possibilitando a avaliação e a mensuração da camada endometrial. Porém, por ser um método que avalia a anatomia macroscópica, pode não fazer distinção entre os vários tipos possíveis de espessamento do endométrio e avaliação adicional pode ser necessária. Neste ponto, deve-se ressaltar a grande importância da sintomatologia da paciente, assim como os achados clínicos, que juntos, irão sugerir o possível diagnóstico. Diagnóstico definitivo este, que somente pode ser firmado pelo estudo histopatológico do endométrio.Em vista disso, enumerei algumas possibilidades quando se estiver diante de um espessamento endometrial diagnosticado pela ultra sonografia:
Período pré menstrual;
Gestação inicial;
Restos ovulares;
Endometrite;
Pólipos;
Hiperplasia;
Carcinoma.
A histeroscopia, que também é método de escolha para avaliação de sangramento uterino anormal e muitas vezes se mostrando mais eficiente que a ultra sonografia transvaginal, não foi feita no caso descrito, pois além de apresentar maior gasto a aparelhagem que o HUAV possui estava com defeito. Esta técnica consiste da introdução de uma pequena câmera através do colo uterino para se visualizar a cavidade uterina, ar ou liquido é injetado para expandir o útero e permitir a inspeção da cavidade uterina. Amostras de tecido (biópsias) podem ser realizadas e em alguns casos, a histeroscopia é realizada associada a uma dilatação e curetagem que pode ser terapêutica e/ou diagnóstica. Sob visão histeroscópica, podemos classificar os pólipos nos seguintes tipos:
Glandulares: semelhantes ao endométrio, base ampla, são lisos e brilhantes;
Císticos: cistos de retenção na superfície, conteúdo mucoso;
Adenofibromatosos: semelhantes aos glandulares, muito vascularizados;
Fibrosos: em idade avançada, superfície regredida de pólipos adenomatosos;
Telangiectásicos: liso e brilhante, muito vascularizados e sangram fácil.
Sempre lembrando que aspecto macroscópico de benignidade dos pólipos endometriais à histeroscopia e à ultra-sonografia não exclui malignidade. Outros exames de imagem, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética são exames não invasivos que são utilizadas em algumas ocasiões para determinar se há miomas ou outras anormalidades estruturais do útero, porém não são pertinentes ao caso.
Tratamento
O tratamento do sangramento uterino anormal é baseado na sua causa, como na paciente foi feita a ultra sonografia sugerindo um pólipo endometrial associado com a clínica, foi optado por um tratamento intervencionista, porém não há consenso definido sobre a melhor forma de tratamento desta patologia. Alguns estudos indicam certa desconfiança e remoção, outros estudos, por outro lado, propõem condutas mais conservadoras, sendo recomendada remoção somente no caso de virem a apresentar sintomas, como sangramento uterino anormal, infertilidade e atipias na pós menopausa.
No nosso caso como a paciente já apresentava sintomatologia, foi realizada a curetagem semiótica, que é um procedimento diagnóstico e terapêutico, onde o colo uterino é dilatado e instrumentos são inseridos e usados para remover tecido endometrial ou uterino, possibilitando retirada de amostras, que foram enviadas para análise histopatológica. O procedimento ocorreu sem intercorrêcias, porém muitas vezes na curetagem acontecem complicações
como perfuração uterina e até de alças intestinais, devido a pouca visualização do espaço uterino, fragilidade do tecido e instrumentos pontiagudos.
Algumas vezes pode ser usado como tratamento para sangramento prolongado ou excessivo decorrentes de alterações hormonais e que não sejam responsivos a outros tratamentos.
A remoção dos pólipos também pode ser feita histeroscopicamente por meio mecânicos, laser ou eletrocirurgia. Para pólipos pequenos, e bem pediculados, pode ser suficiente também a eletrocoagulação de sua base de implantação. Se o pólipo é pequeno, porém de base ampla, pode cauterizar-se a sua totalidade. Para remoção de pólipos maiores, o ressectoscópio e a eletrocirurgia tem sido usados com sucesso.
Considerações finais
O sangramento uterino anormal pode ter várias causas e é imperativa a identificação da causa para o correto tratamento. Dependendo da idade da paciente a possibilidade de uma neoplasia endometrial deve sempre ser descartada. As alternativas terapêuticas são amplas, sendo que o tratamento cirúrgico fica reservado para aquelas pacientes que apresentam alguma estrutura uterina anormal (miomas e pólipos) ou que não respondem ao tratamento clínico, como já dito.
b) Diagnósticos diferenciais:
São várias as causas que podem levar a sangramento genital anormal, os vários diagnósticos diferenciais e suas principais características podem ser divididas em causas ligadas à gestação, doenças genitais orgânicas e externas, doenças sistêmicas e causas iatrogênicas, vou citar a maioria deles como um pequeno quadro clínico e exames pertinentes.
Diagnóstico diferencial Quadro clínico Exames complementares
Abortamento tópico
Hemorragia antecedida por período de amenorreia, sintomas gravídicos, útero aumentado, colo amolecido, pérvio ou não, com restos ovulares ou não
USG TV: imagem de saco gestacional tópico irregular e/ou gestação anembrionada e/ou eco endometrial espessado e heterogêneo
Beta-HCG sérico +
Gravidez ectópicaHemorragia após período de amenorreia, dor pélvica e tumor anexial unilateral
USG TV: massa e/ou tumor anexial, líquido livre na cavidade pélvica
Beta-HCG sérico +, porém aumento a cada 48 horas inferior a 2 vezes o valor da dosagem prévia
NTG (neoplasia trofoblástica da gravidez)
Hemorragia após período de amenorreia, com ou sem vesiculações de entremeio, útero com aumento desproporcionalmente maior que atraso menstrual, aumento da PA, sinais de hipertireoidismo
USG TV: imagem intrauterina de vesículas anecóicas ou massa heterogênea irregular
Beta HCG sérico muito aumentado
Úlceras e lesões vulvares
Ulcerações vulvares que podem variar quanto a forma, número, profundidade, características das bordas, secreções, dor e localização
Vulvoscopia
Biópsia
Cultura e Gram da lesão
Vulvovaginites e cervicites Sangramento discreto Gram e cultura cervicovaginal
associado a corrimento, presença de corrimento com sinais flogísticos locais e/ou secreção exteriorizando-se pela cérvice ao exame
(atenção especial para Neisseria gonorroheae e Chlamydia)
Pólipos cervicaisSinusiorragia, presença de pólipo ao exame especular
Colposcopia
Biópsia
Anatomopatológico da lesão
Corpo estranho
Secreção vaginal purulenta com odor forte e laivos de sangue, achado de corpo estranho ao exame (frequentemente papel higiênico e tampão)
Exame físico
USG pélvica e exame físico com sedação em crianças
Traumas
História de trauma, exames físico com lacerações em OGE e/ou OGI; avaliar extensão das lesões
Exame físico
USG pélvico, tomografia pélvica na avaliação da extensão das lesões
Neoplasia de vagina
Sinusiorragia, sangramento vaginal irregular, corrimento vaginal fétido, massa exteriorizando-se pela vagina. Doença rara.
Colposcopia
Biópsia
Neoplasia de colo
Sinusiorragia, metrorragia de difícil controle, corrimento tipo “água-de-carne” com odor fétido, massa e/ou ulceração cervical
CCO
Colposcopia
Biópsia
Mioma
Hipermenorragia, dismenorreia, útero aumentado de volume com nodulações fibroelásticas; 20% com disfunção reprodutiva
USG pélvico e transvaginal com nódulos hipoecogênicos no miométrio
Adenomiose Hipermenorragia, USG TV: útero aumentado com
dismenorreia, útero aumentado e amolecido, doloroso, sem nódulos
miométrio de ecotextura heterogênea
Anatomopatológico é o diagnóstico de certeza
Endometriose
Sangramento irregular, sinusiorragia, dispareunia, dismenorreia e dor pélvica crônica
USG TV: achados sugestivos (endometrioma ovariano, nodulações heterogêneas em órgãos pélvicos)
CA-125 aumentado nos primeiros dias do ciclo
Anatomopatológico (geralmente por laparoscopia)
Pólipos endometriais
Menacme e pós-menopausa, hiper e/ou menorragia, exame ginecológico normal
USG TV: pólipo endometrial ou eco endometrial espessado
Histeroscopia: pólipo
Endometrite
Corrimento associado a discreto spotting ou hipermenorragia, dor pélvica, secreção purulenta exteriorizando-se pelo colo e dor ao toque bimanual
Gram e cultura de secreção cervicovaginal
USG TV: espessamento endometrial, e/ou espessamento anexial inespecífico e/ou coleções pélvicas
Sarcoma uterinoHemorragia com aumento progressivo, aumento do volume uterino
USG TV: útero aumentado, ecotextura irregular, com ou sem nodulações predominantes
Anatomopatológico (certeza)
Tumores ovarianos
Hemorragia genital irregular, aumento do volume abdominal, emagrecimento, massa pélvica e/ou abdominal
USG TV, tomografia pélvica: massa anexial, anatomopatológico
Dosagens hormonais, marcadores tumorais
Neoplasia de endométrio
Sangramento irregular e/ou pós-menopausa, associado a fatores de risco para carcinoma de endométrio (terapia hormonal, tamoxifeno, obesidade, SOP, nuliparidade, infertilidade, AF + de câncer de endométior e/ou cólon)
USG TV: eco endometrial espessado, heterogêneo (eco endometrial normal: 5 mm sem TRH e 8 mm com TRH)
Biópsia: através de sonda intrauterina às cegas, histeroscopia, dilatação e curetagem, histerectomia
Distúrbios de coagulação
Sangramento vaginal acíclico, de grande quantidade, repetitivo, associado a hematomas e petéquias, sangramento excessivo ante pequenos procedimentos cirúrgicos e lesões, AF + para distúrbios de coagulação
Hemograma completo
Coagulograma
Tempo de sangramento
HipotireoidismoMeno/metrorragia, sinais clínicos de hipotireoidismo
Aumento TSH
Diminuição do T4 livre
Insuficiência renalMeno/metrorragia, sinais clínicos de insuficiência renal
Dosagens séricas de ureia e creatinina
Insuficiência hepáticaMeno/metrorragia, sinais clínicos de insuficiência hepática
Aumento de TGO/TGP, alteração dos fatores de coagulação, hipoproteinemia
Uso de medicaçõesSpotting, hipermenorragia, metrorragia, sem alterações do exame ginecológico
Suspensão da medicação e reavaliação do ciclo se possível
Referências Bibliográficas:
1. FEITOSA, Iêda Maria Silveira Diógenes et al. Comparação entre ultrassonografia transvaginal e histerossonografia na avaliação de pacientes com sangramento uterino anormal. Radiol Bras [online]. 2011, vol.44, n.3, pp. 156-162. ISSN 0100-3984.
2. MELKI, Luiz Augusto Henrique et al. Dilatação e Curetagem na Avaliação do Sangramento Uterino Anormal: Achados Histopatológicos e Relação Custo/Benefício. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. [online]. 2000, vol.22, n.8, pp. 495-502. ISSN 0100-7203.
3. FRASSETO, Luiz Fernando et al. Estudo epidemiológico descritivo das pacientes atendidas no Ambulatório de Patologia Endometrial do Hospital Universitário. ACM arq. catarin. Med [online]. 34(2): 15-20, abr.-jun. 2005. tab BR1329.1
4. TEIXEIRA, Arildo Corrêa et al. Valor da ultra sonografia na avaliação das alterações endometriais em pacientes tratadas com tamoxifeno. Radiol Bras [online]. 2007, vol.40, n.6, pp. 365-369. ISSN 0100-3984.
5. FRANCO, Rodrigo Coelho et al. Avaliação da Cavidade Uterina: Estudo Comparativo entre Histerografia, Histerossonografia e Histeroscopia. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. [online]. 2000, vol.22, n.10, pp. 619-625. ISSN 0100-7203.
6. NOGUEIRA, Antonio Alberto. Pólipos endometriais. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. [online]. 2005, vol.27, n.5, pp. 289-292. ISSN 0100-7203.
7. MACHADO, Lucas V. Sangramento uterino disfuncional. Arq Bras Endocrinol Metab [online]. 2001, vol.45, n.4, pp. 375-382. ISSN 0004-2730.
8. BOGLIOLO, Luigi. Bogliolo Patologia / [editor] Geraldo Brasileiro Filho. 7ª ed. pág. 568 a 575 - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
9. SERAFINI, Paulo César. Sangramento Genital Anormal. Medicinanet art. revisão lit. [online]. set.2009. Porto Alegre/RS.