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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO O PLANO DE METAS: AS DIFERENTES VIABILIDADES. Nome do Aluno: Bernardo dos Santos Martins Nº. de Matrícula: 0311784 Orientadora: Marcia Guerra Novembro 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO

O PLANO DE METAS: AS DIFERENTES VIABILIDADES.

Nome do Aluno: Bernardo dos Santos Martins Nº. de Matrícula: 0311784

Orientadora: Marcia Guerra

Novembro 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO

O PLANO DE METAS: AS DIFERENTES VIABILIDADES.

Nome do Aluno: Bernardo dos Santos Martins

Nº. de Matrícula: 0311784

Orientadora: Marcia Guerra

Novembro 2007

Declaro que o presente trabalho é de minha autoria e que não recorri para realizá-lo, a nenhuma forma de ajuda externa, exceto quando autorizado pelo professor tutor.

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As opiniões expressas neste trabalho são de responsabilidade única e exclusiva do autor.

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Índice Introdução........................................................................................................................4 Capítulo I – A Viabilidade Cambial................................................................................8

Conjuntura Econômica............................................................................................8 A Política Cambial da Sumoc ................................................................................10

o A Instrução 70 ...................................................................................................... 10 o A Instrução 113 .....................................................................................................12

Capítulo II – O BNDE e o seu papel..............................................................................15

Dos Antecedentes à Criação....................................................................................15 As Fontes de Recursos do Banco............................................................................19

As Formas de Financiamento.................................................................................21 A Destinação dos Recursos................................................................................... .25 Conclusões......................................................................................................................30 Referências Bibliográficas............................................................................................32

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Introdução

O modelo de industrialização seguido de 1930 a 1955, o qual Francisco de

Oliveira chama de “industrialização restringida”, começou a mostrar sinais de

insustentabilidade no início da década de 50, quando sua contradição inerente se

apresentou. Se a expansão industrial dependia da capacidade de importar gerada pelo

setor agrário-exportador, a modernização tecnológica estaria condenada à estagnação,

uma vez limitada pela substituição de importações. Tal contradição não poderia ser

melhor demonstrada como em 1953, após queda vertiginosa dos preços internacionais

do café.1

A crise de divisas foi contornada pela emissão monetária e pela inflação, causa de

insatisfação social que favorecia a mobilização política das massas urbanas. Refletindo

a onda de liberalismo do pós-guerra, o cenário político-social pode ser ilustrado pelo

papel da UDN no combate constante às formas de intervenção do poder público e pró-

capital estrangeiro. No mesmo sentido, os setores econômicos cobravam medidas mais

austeras de estabilidade financeira e social. Todos os que dependiam das importações,

oneradas pela desvalorização da moeda nacional, desejavam o fim daquele modelo e

viam a política trabalhista de Vargas como uma ameaça, inclusive a burguesia

industrial.2

Neste sentido, a abertura da economia ao capital estrangeiro foi encarada como a

solução para o impasse da “substituição de importações” e a posse de Juscelino

Kubitschek seria o marco na reorientação dos rumos da economia nacional.

Logicamente, é impossível analisar a mudança de rumos da economia brasileira

sem o devido entendimento do cenário internacional. A começar pela opção nacionalista

de Vargas, que na verdade pode ser considerada fruto de uma circunstância de escassez

de recursos disponíveis internacionalmente desde a crise de 1929, que processou uma

redefinição do capitalismo internacional.3

As economias centrais investiram dentro de suas fronteiras, preocupadas com a

recuperação da crise. Logo em seguida, começa a Segunda Guerra Mundial, que em

1 MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento, p. 44 2 Idem ao 1 3 Idem ao 1, p.35

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nada ajudaria na rearticulação entre os países industrializados e aqueles em

desenvolvimento.

Após a Segunda Grande Guerra, quando os países sofreram uma drástica

desorganização em suas economias, ocorreram importantes mudanças estruturais, dentre

elas o papel dos Estados Unidos como a maior potência econômica mundial. O país,

assumiu a responsabilidade da implementação e da formulação de uma nova ordem

internacional na busca da estabilização da economia mundial.

Enfrentando a crítica situação das economias, principalmente das européias, a

pauta do pós-guerra compunha discussões sobre o regime cambial, a criação do FMI e a

reconstrução européia com o Plano Marshall.

De uma forma geral, os países em desenvolvimento continuaram à margem dos

interesses norte-americanos e tiveram dificuldades em se adaptar às mudanças de

regime cambial, especialmente os da América Latina e África, que viram os preços de

suas commodities agrícolas despencarem e sofreram pela ausência de fluxos de capital,

uma vez que os Estados Unidos tinham sua prioridade voltada para outras regiões.

Esta posição ficou bem mais explícita ao final de 1952, durante o segundo

Governo Vargas, quando o general Eisenhower, do partido republicano, venceu as

eleições presidenciais. Ele demonstrou que não manteria o financiamento dos projetos

da Comissão Mista Brasil Estados Unidos (CMBEU), criada durante o governo Truman,

que mostrava certa mudança de postura quanto ao Terceiro Mundo, e que a escassez de

capital dos países latino-americanos deveria ser solucionada através do ingresso de

capital estrangeiro e não através de financiamentos ou empréstimos de instituições

financeiras americanas como, por exemplo, o Eximbank ou mesmo o Banco Mundial.4

O programa da CMBEU teve, no entanto, importantes conseqüências, como a

recomendação da criação do BNDE, que começou a operar em 1952 e o Grupo Misto

CEPAL-BNDE, criado em 1953, responsável por elaborar projeções relativas ao

desempenho de vários setores econômicos, definindo áreas prioritárias de investimento

e determinando pontos de estrangulamento, ponto que já havia sido levantado pela

CMBEU. O programa CEPAL-BNDE não foi implementado, mas serviu de base para o

programa econômico seguinte.5

Após a reconstrução européia e o fim da “escassez de dólares”, o capitalismo se

apresentava com nova face. Começava a surgir, na década de 1950, uma economia que

4 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 14 5 Idem ao 4.

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Hobsbawn chama de transnacional, ou seja, uma economia sem base ou fronteiras. Um

dos aspectos dessa transnacionalização foi o aumento de financiamento offshore.6 Com

o fim do Plano Marshall e com a Europa abarrotada de “eurodólares” os investimentos

dos países centrais ultrapassariam os limites da Europa e da América do Norte. A

América Latina, portanto, seria uma das alternativas para a exportação de capitais e

sofreria pressão dos reemergidos países europeus e do Japão pela abertura a seus

investimentos. De imediato, os Estados Unidos não teriam a dianteira desse processo.7

Desta forma, o Brasil estava diante da oportunidade de conciliar a entrada da

empresa estrangeira e uma dinâmica industrial de perfil avançado. A industrialização

não mais dependeria do desempenho do setor agrário-exportador. Cabia agora ao Estado

procurar atrair os recursos disponíveis internacionalmente, desconstruindo os gargalos

de infra-estrutura, expondo seu mercado potencial, vendendo estabilidade política e

garantia de retorno. Portanto, as bases da associação com o capital estrangeiro estavam

nas mãos do governo, e seriam exploradas pela mais ambiciosa experiência de

planejamento até então elaborada: o Plano de Metas.

O Plano de Metas, elaborado pelo Conselho de Desenvolvimento - órgão

instituído por Juscelino Kubitschek logo após sua posse - reunia 30 metas formando um

programa de desenvolvimento, atacando diversos objetivos e problemas setoriais e

atendendo à necessidade de ampliação de setores de infra-estrutura básica. O plano foi

construído com base no ideal nacional-desenvolvimentista que propunha a necessidade

do capital estrangeiro, porém submetido a controles e normas do Estado. Pela primeira

vez integravam-se, sob o controle estatal, as atividades do capital público e privado

(nacional e estrangeiro).8

O tripé (capital estatal, capital estrangeiro e capital nacional) funcionou, e o

programa obteve sucesso. A maioria das metas alcançou elevado percentual de

realização comparado ao planejado e concretizou uma sólida base industrial, que

possibilitaria posteriormente a diversificação da pauta de exportações brasileiras.

Portanto, é impossível subestimar a participação do BNDE na formulação do

plano e no financiamento de projetos, o que foi de inestimável importância para o

cumprimento de diversas metas de produção e a instalação de capacidade industrial.

6 HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos, p. 272 7 LINHARES, Maria Yedda. História Geral do Brasil, p.334 8 Idem ao 7.

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Serão objetivos do nosso trabalho, a participação do banco público na viabilização

do Plano de Metas, bem como, a política cambial gerida pela SUMOC antes e durante o

governo JK, com o objetivo de consolidar a atmosfera propícia ao capital estrangeiro.

Estes dois pontos consistiram nas formas possíveis de viabilização do plano, dentro dos

contextos nacional e internacional apresentados.

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Capítulo I – A Viabilidade Cambial

Conjuntura Econômica

Após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil encontrava-se novamente em situação

favorável, próximo dos níveis anteriores à da Grande Depressão de 1929, recuperando

seu nível de capacidade para importação. Este coeficiente aumentou em maior grau que

o crescimento das exportações, dada a elevação dos preços do café, que durou ate

1953/54. A partir daí, as condições externas tornaram-se desfavoráveis tanto para o país

como para a região. No entanto, este entrave não afetou o processo de substituição de

importações que ganhou mais dinamismo, principalmente após a vocação industrial

revelada pelos empresários brasileiros, que no auge da capacidade para importar, entre

1951-52, anteciparam bastante as mesmas.9

A perda de dinamismo do setor exportador, principalmente após a Grande

Depressão, deu lugar ao esforço de reorientação da política econômica. Esta passou a

voltar-se para o processo de substituição de importações por produtos nacionais,

garantido pela proteção cambial e reserva de mercado.10

O Brasil apresentava vantagens sobre as demais nações no processo de

substituição de importações, e, embora o coeficiente de importação do país fosse menor,

o volume e a composição das importações representava uma reserva de mercado

suficiente para justificar a implantação de indústrias substitutivas e o sistema econômico

já possuía um certo grau de diversificação na sua capacidade produtiva capaz de

responder adequadamente ao impulso sugerido do estrangulamento externo.

Logo, o êxito desta política decorre muito menos do peso relativo externo do que

de sua dimensão absoluta e sua composição no mercado interno, bem como das

possibilidades de reagir frente ao mesmo.11

Como foi mencionado na Introdução, a América Latina não estava na pauta de

auxílio norte-americano e este entrave seria uma barreira para a realização de um

programa tão audacioso como o Plano de Metas em um país com tamanha escassez de

capital como o Brasil.

9 TAVARES, Maria da conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro, p. 60, 61, 62, e 65 10 Idem ao 9 p. 67 11 Idem ao 9 p. 98

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O governo buscou utilizar três ferramentas para viabilizar o processo de

desenvolvimento: a política cambial, a fim de estabelecer condições mais favoráveis

para o ingresso de capital estrangeiro no país; na esfera doméstica, concederia créditos

subsidiados para setores estratégicos, protegendo produtos específicos do mercado

nacional da concorrência externa; e auxílios do governo norte – americano.12

Através de tais instrumentos, o presidente Juscelino esperava que suas metas

obtivessem êxito até o final de seu mandato. A maior dificuldade para o governo seria a

captação de capital externo, uma vez que não houve auxílio do governo americano, o

que seria essencial para o cumprimento das metas,pois sua ausência fora decisiva

quando do fracasso do programa da CMBEU, ainda no segundo Governo Vargas13

Para realizar o seu programa de industrialização, JK necessitaria de divisas para

importar máquinas e equipamentos, já que o Brasil não detinha tecnologia suficiente

para produzir internamente bens de capital. O setor exportador, que é naturalmente o

arrecadador de divisas, apresentava sérios problemas. Em primeiro lugar, os

manufaturados compunham apenas 5% da pauta de exportações, existindo uma

dependência muito grande do setor primário, sendo esta agravada pela pouca

diversificação de produtos, pois somente o café, o cacau e o algodão representavam

cerca de 80% das exportações. Com a queda internacional dos preços das commodities

ainda na primeira metade da década de 1950, o preço do café também sofre enorme

baixa, ocasionada pelo excesso de oferta mundial do produto. A única opção do governo

para o problema da escassez de divisas era o ingresso do capital privado internacional.14

12 Juscelino tentou mobilizar alguns países latino-americanos a cobrarem um tipo de “Plano Marshall” para a região, mas apenas no ano de 1959 seria criado o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); este se deve exclusivamente a uma maior preocupação norte-americana com o avanço do socialismo na região após a revolução cubana. 13 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 19. 14 Idem ao 13.

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A Política Cambial da Sumoc

A Instrução 70

A política cambial constituía-se no principal instrumento de política econômica

durante a década de 5015 e sua atuação no sentido de atender ao objetivo citado ao fim

do parágrafo anterior venho antes da posse de Juscelino e suas metas. Osvaldo Aranha,

ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, implementou a Instrução 70 da Sumoc,

ratificada pelo congresso nos últimos dias do ano de 1953. A medida alterou

drasticamente a política de controle das exportações e importações.

Pelo lado das importações, a Instrução 70 determinava taxas múltiplas de câmbio

que variavam de acordo com cinco categorias classificados pelo critério de

essencialidade. Funcionava através de um sistema de leilões de câmbio complexo, a

partir de uma taxa de câmbio base para importação (taxa subsidiada, inferior às demais),

chamada de custo de câmbio, usada para a importação de trigo, combustível, alguns

bens de capital e papel de imprensa. Esta era a taxa utilizada pelo governo. Os demais

produtos eram importados através de leilões de câmbio nas bolsas de valores regionais.

Acrescentava-se uma sobretaxa variável, chamada ágio, ao valor do custo de câmbio

que se reduzia em se tratando de produtos fundamentais e se elevava para importações

supérfluas. A tabela I abaixo apresenta a variação da taxa de câmbio pelas categorias no

ano de 1954.16

15 ABREU, Marcelo de Paiva. A Ordem do Progresso: Cem Anos de Política Econômica Republicana 1889-1989, p. 171 16 LEOPOLDI, Maria Antonieta P. “Crescendo em meio à incerteza: a política econômica do governo JK (1956-60)” In GOMES, Ângela de Castro (org). O Brasil de JK, p. 79.

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Tabela I

Taxas Médias de Câmbio sob o Regime da Instrução 70 em 1954

Cr$/US$Custo de Câmbio 30Categoria I 42Categoria II 45Categoria III 58Categoria IV 68Categoria V 111

Fonte:Leopoldi (Notas)

As exportações, por outro lado, recebiam um bônus que significava um acréscimo

à taxa oficial de câmbio de Cr$ 18,36/US$. Este bônus era variável de acordo com o

produto. Bonificação de Cr$ 5/US$ para o café e Cr$ 10/US$ para as demais

mercadorias. As Instruções 109 e 112 da Sumoc aumentaram o bônus em 1955.17

O aparente favorecimento da nova medida aos exportadores, pelo recebimento dos

bônus, e o prejuízo dos importadores, pelo pagamento dos ágios, logo se mostrou uma

inverdade. Os últimos, leia-se industriais, eram os verdadeiros favorecidos. As taxas

diferenciadas tinham efeito de proteção à indústria, visto que o surto de investimentos

dos anos precedentes permitia que a produção nacional tornasse algumas importações

industriais menos essenciais.18

O governo também foi beneficiado com essa política cambial, captando recursos

significativos com a arrecadação dos ágios. Tais recursos se tornaram importante fonte

de receita não orçamentária que custearam a política de sustentação dos preços de café,

durante o governo Café Filho, e debitaram despesas até mesmo com a construção de

Brasília.19

17 LEOPOLDI, Maria Antonieta P. “Crescendo em meio à incerteza: a política econômica do governo JK (1956-60)” In GOMES, Ângela de Castro (org). O Brasil de JK, p. 97 Nota 22. 18 ABREU, Marcelo de Paiva. A Ordem do Progresso: Cem Anos de Política Econômica Republicana 1889-1989, p. 139 19 Idem ao 17, p. 80.

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A Instrução 113

Sem mudanças no quadro das relações Brasil - Estados Unidos e o agravamento

da crise cambial em conseqüência, principalmente ao colapso dos preços internacionais

do café (representando 60% das exportações brasileiras) Eugênio Gudin, ministro da

Fazenda no governo Café Filho, implementa nova medida cambial traduzindo seu

desejo de retirar barreiras à livre entrada de capital estrangeiro.20

Portanto, em janeiro de 1955, é implementada a Instrução 113 da Sumoc que

mudaria o panorama econômico nacional e se tornaria utilíssimo ao Plano de Metas de

Kubitschek. A medida autorizava a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil

(Cacex) a emitir licenças de importação sem cobertura cambial, ou seja, sem o

pagamento de divisas e sem onerar o balanço de pagamentos brasileiro, de

equipamentos classificados nas três primeiras categorias de importação para a indústria.

A Cacex ficava autorizada também a licenciar a importação de conjuntos de

equipamentos financiados no exterior em prazo não inferior a cinco anos a favor das

empresas nacionais que teriam câmbio concedido para o reembolso dos mesmos à taxa

oficial, mediante o pagamento antecipado de uma sobretaxa de Cr$ 40/US$, o que

equivalia em 1955 a um subsídio de cerca de 30% em relação ao mercado livre.21

Dessa forma, era evidentemente vantajoso para o investidor estrangeiro trazer para

o Brasil equipamentos a fim de criar uma nova empresa ou mesmo de ampliar uma já

em funcionamento. A conversão do capital era efetuada pela taxa de câmbio livre, o que

representava uma quantidade de cruzeiros maior do que se fosse realizada pela taxa

correspondente a sua categoria, o que consistia em um claro subsídio ao capital

estrangeiro. A instrução 113 da Sumoc representou a aceleração do processo de

internacionalização da economia nacional.22

A medida foi vista por muitos como discriminatória ao capital nacional. O

subsídio ao investidor estrangeiro era manifesto, ao contrário dos financiamentos no

exterior que inexistiam, impedindo que os investidores nacionais se beneficiassem da

nova Instrução.23 Enquanto empresas genuinamente brasileiras freqüentavam os leilões

20 ABREU, Marcelo de Paiva. A Ordem do Progresso: Cem Anos de Política Econômica Republicana 1889-1989, p. 153, 154. 21 Idem ao 20, p.166 22 LEOPOLDI, Maria Antonieta P. “Crescendo em meio à incerteza: a política econômica do governo JK (1956-60)” In GOMES, Ângela de Castro (org). O Brasil de JK, p. 80. 23 Idem ao 20

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de câmbio para importar suas máquinas, empresas associadas a capitais estrangeiros

importavam sem o dispêndio de divisas sob a Instrução 113.

No contexto de crise cambial, balança comercial prejudicada, o relaxamento da

chamada “restrição de divisas” durante o governo JK ficaria por conta dos fluxos de

capitais privados, que na verdade viabilizaram o Plano de Metas. Entre estes se

sobressaem os supplier’s credits, associados em grande parte ao esforço exportador

implícito na recuperação européia, e os investimentos de risco. A tabela II, a seguir,

mostra a entrada de mais de US$ 2 bilhões em capital de risco e financiamentos

externos a empresas nacionais permitidos pela Instrução 113 da Sumoc durante o

governo de Juscelino. Para termos uma base de comparação, o PIB brasileiro em 1961

era em torno de US$ 20 bilhões.24

Tabela II

Disponibilidade de Recursos Externos – 1955/60 ( em US$ Milhões)

Financ. Invest. Financ. Invest. Financ. Invest. Financ. Invest. Financ. Invest. Financ. Invest.

78,1 15,2 298,6 16,4 421,9 47,7 487,4 72,1 389,4 53,7 281,6 84,8

40,4 2,5 23 23,9 67,2 67,9 133,7 - 95,7 - 64,2 -

31,4 - 82,7 - 105,2 0,8 185,4 1,1 75,1 - 41 -

- - 81 0,4 36,2 3,3 15,8 0,7 9,7 - 42,2 12,2

6,3 11,3 183,9 16 213,3 42,9 152,5 70,3 208,9 53,7 129,7 72,6

Siderurgia 6,3 0,5 51,6 3,5 10,5 - 18,6 - 131,3 - n.d. n.d.

Automobilística - - 103,1 6,2 190,5 32,3 - 0,3 45,7 46,8 n.d. n.d.

Transporte

Alimentação

Indústria Básica:

1959 1960

Total

Energia Elétrica

1955 1956 1957 1958

Fonte: Sumoc, Relatórios, 1959 e 1960

A maior parte do influxo de capital, mais precisamente 87% no período analisado,

refere-se a financiamentos de importações de máquinas e equipamentos. Entre outros

números da tabela acima destacam-se a representatividade de mais de 80% dos recursos

direcionados à indústria básica, principalmente os setores automobilístico e siderúrgico,

como podemos observar na tabela III, abaixo.

24 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 19

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Tabela III

Recursos Externos para Indústrias Básicas – 1955/59 (em % do Total)

Investimento FinanciamentoTotal

Acumulado

Automobilística 74,4 60,5 63,3Siderurgia 2,1 28,5 23,2Cimento 0,8 1,7 1,5Navegação 5,1 0,6 1,5Papel 4,7 2,9 3,3Mecânica e Eq. Elétrico 5,1 0,4 1,6

Fonte: Sumoc, Relatório, 1959

Outra fonte pesquisada, a do Banco de Dados IBRE/FGV25 revela a receptividade

do ambiente econômico brasileiro aos investimentos estrangeiros após a implementação

da Instrução 113. De 1956 a 1960, a entrada líquida de capitais de risco foi de US$ 565

milhões, isto é, US$ 113 milhões por ano, em média. Números significativamente

superiores ao qüinqüênio anterior, cuja entrada líquida de investimentos diretos

registrou US$ 16, 2 milhões em média, ao ano. O qüinqüênio posterior apresentou

média anual de US$ 61 milhões, o que significa uma queda de influxos de 46%.

A instrução 113 da Sumoc deu novo rumo à política industrial, reduzindo o

protecionismo cambial presente desde 1948, beneficiando a indústria local. Segundo

Leopoldi: “A burguesia industrial local, passou à condição de sócia menor das benesses

do desenvolvimento industrial, tendo crescido em importância e poder as empresas

multinacionais”. Portanto, podemos apresentar o recurso ao capital estrangeiro privado,

estimulado pela Instrução 113 da Sumoc, com o objetivo de acelerar e aprofundar o

desenvolvimento industrial como sendo um dos principais aspectos definidores da

política de JK e como um fator fundamental na viabilização do Plano de Metas.

25 FARO, Clovis de, SILVA Salomão L. Quadros da. “A década de 50 e o Plano de Metas” In GOMES, Ângela de Castro (org). O Brasil de JK, p. 66.

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Capítulo II – O BNDE e o Seu Papel

Entre 1953 e 1955, técnicos do BNDE e da Cepal se uniram em prol de realizar

um planejamento global utilizando os agregados econômicos coletados entre 1939 e

1953. A principal preocupação do grupo foi despertar a atenção dos formuladores das

políticas econômicas para variáveis como poupança, razão capital produto e quantidade

de capital externo. Estas variáveis determinariam a taxa de crescimento da economia, e

poderiam ser influenciadas por diversas políticas para que fosse gerado o crescimento

econômico, uma vez que este se fazia indispensável, pelos políticos, dada a alta taxa de

crescimento populacional da década de 1950. Tanto o grupo misto BNDE-Cepal como a

CMBEU, indicavam a necessidade de eliminar os “pontos de estrangulamento” da

economia brasileira, isto é, setores críticos que impediam um adequado funcionamento

da economia. Os diversos planos de desenvolvimento da “era pós-guerra” e as

discussões que os cercaram disseminaram o que veio a ser chamado pelos líderes

brasileiros de opinião política, pública e pelo meio acadêmico, de

“Desenvolvimentismo”.As projeções sobre a estrutura da dinâmica brasileira das duas

comissões mistas serviram de base para a formulação do Plano de Metas.26

A premissa do Plano de Metas, esboçado por uma equipe do BNDE era superar os

obstáculos estruturais. As metas deveriam ser definidas e implementadas

harmoniosamente, pois assim os investimentos em determinados setores refletiriam

positivamente na dinâmica de outros e o crescimento ocorreria em cadeia.

No entanto, o Governo não programou nenhum tipo de financiamento interno para

o cumprimento das metas, tão pouco para a transferência da capital nacional para

Brasília. Ficando a cargo do BNDE e do Banco do Brasil os principais financiamentos

durante o período Kubitschek.27

Portanto, um importante grupo de estímulos à empresa privada referia-se ao

crédito provido pelo BNDE que, juntamente com o Banco do Brasil, liberava crédito de

longo prazo a juros baixos e amortizações sujeitas a carência, o que na conjuntura

inflacionária significava uma taxa de juros negativa. O BNDE concedeu Cr$ 64 bilhões

de créditos, com a natureza de empréstimos reembolsáveis, no período de 1952 a 1963.

26 BAER, Werner, A Economia Brasileira, p. 81 e 82 27 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p.21

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Desse total Cr$ 18 bilhões, ou 28%, foram destinados à indústria de base, e

aproximadamente 10% desse crédito dirigiu-se à indústria automobilística.28

A concessão de avais pelo BNDES para contratos de empréstimos no exterior foi

responsável pelo grande estímulo às empresas privadas brasileiras. O Banco havia

concedido US$ 890 milhões em avais até o ano de 1961. Desse montante, US$ 382

eram para a indústria de base, representando aproximadamente 43% do total.29

Nos parágrafos seguintes, apresentaremos

Dos Antecedentes à Criação

Em um período de reorientação das intenções norte-americanas quanto aos países

latino-americanos, foi constituída a CMBEU (Comissão Mista Brasil Estados Unidos),

em dezembro de 1950. Os Estados Unidos estariam dispostos a financiar um programa

de desenvolvimento no Brasil, formulando projetos prioritários de infra-estrutura, que

incluíam a modernização de várias linhas férreas, portos e navegação costeira e a

expansão da produção e da capacidade de energia instalada. Recomendava-se que se

dispensasse maior atenção para o treinamento técnico, e para as diversificações de

exportações e medidas a fim de reduzir as disparidades regionais. Este fora o mais

completo levantamento da economia brasileira realizado, até em tão. Deveriam ser

destinados a tais projetos US$ 387,3 milhões e Cr$ 14 bilhões30

Esperava-se que os recursos em moeda estrangeira viessem através de organismos

internacionais e dos empréstimos diretos destes governos. Os nacionais seriam captados

através de um “empréstimo compulsório”, arrecadado como um adicional ao imposto de

renda e também de empréstimos de empresas de seguro, institutos de previdência social

e assim por diante. Mesmo sem ter sido implementado, o plano da CMBEU exerceu

influências benéficas, como, por exemplo, a criação do BNDE (Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico).31

Em 1951, foi criado o Programa de Reaparelhamento Econômico, pelo então

ministro da fazenda Horácio Lafer. Os projetos do plano seriam financiados parte em

recursos em moeda estrangeira obtidos com o Banco Internacional de Reconstrução e

28 ABREU, Marcelo de Paiva. A Ordem do Progresso: Cem Anos de Política Econômica Republicana 1889-1989, p. 179. 29 Idem ao 28. 30 BAER, Werner, A Economia Brasileira, p. 80. 31 Idem ao 28, p. 117.

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Desenvolvimento (BIRD) e o Eximbank e parte em moeda nacional. A CMBEU

sugeriu, portanto, a criação de uma agência pública para gerir tais recursos. O BNDE foi

criado em 20 de junho de 1952, pela Lei 1.628.32

A função do Banco, seguindo as diretrizes estabelecidas pela Comissão Mista e

pela legislação que o criou, seria:

"... dentro das novas linhas da política econômica do governo, de

financiar o reaparelhamento dos serviços básicos da economia nacional,

bem como promover a implantação e a expansão de indústrias essenciais,

para cuja realidade a atividade privada se tem mostrado incapaz. Trata-se de

investimentos que exigem elevadas doses de capital, de maturação lenta, e

que não podem proporcionar, pelas condições mesmas da economia

nacional, os lucros a que estão habituados os investidores particulares nos

seus campos tradicionais de aplicação...”33

Existem duas versões para a verdadeira motivação em criar o BNDE do ponto de

vista financeiro. Uma, genericamente difundida, é o argumento que em época inexistiam

canais de financiamento de longo prazo e a segunda, defendida por Araújo, é a de que

não se poderia mais recorrer a emissão de moedas para promover o desenvolvimento do

país.34

Outra discussão a respeito da nova instituição bancária era o porquê não utilizar

órgãos governamentais já existente, como o Banco do Brasil por exemplo, no

financiamento do Programa de Reaparelhamento Econômico. No ano de 1951, em

pronunciado realizado na Câmara dos Deputados, o ministro da fazenda esclarece:

“… foi preocupação minha, desde o primeiro instante, evitar se misturassem

esses recursos [do adicional do imposto de renda] do Tesouro ou do Banco

do Brasil. Mostra nossa história quantos recursos obtidos para certas

finalidades desapareceram nessa indistinção dos dinheiros do Tesouro e do

32 ARAÚJO, Victor Leonardo de. A criação do BNDE e a controvérsia Lafer-Jafet, p. 2 33 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 84 34 Idem ao 32, p. 7

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Banco do Brasil, e que, afinal, em vez de serem aplicados em obras

predeterminadas, serviram para cobrir desregramentos governamentais.”35

Lafer transparecia em seu depoimento a preocupação em garantir que os

recursos que estivessem a disponibilidade do banco seriam efetivamente utilizados

no programa econômico da época. Adicionalmente, as instituições já existentes

não seriam adequadas no tocante a independência e flexibilidade de suas atuações.

A formação do quadro técnico refletiu este diferencial a ser seguido, formado de

maneira bem distinta dos quadros que compunham o Banco do Brasil.36

Outro ponto de vista em relação a criação do BNDE encontra-se no âmbito

pessoal. O confronto entre Horácio Lafer, ministro da fazenda, e Ricardo Jafet,

presidente do Banco do Brasil, no que diz respeito as diferentes convicções de

política econômica. Lafer era adepto a política econômica ortodoxa de equilíbrio

orçamentário e austeridade quanto a emissões e crédito. Jafet, no entanto, tinha

uma visão distinta da ortodoxa e apoiado pela autonomia do BB expandia o

crédito às atividades econômicas. É pensando neste conflito, que Araújo apresenta

argumentos para a criação de um novo banco decorrentes desta disputa pessoal:

“...Entregar ao Banco do Brasil a gestão dos recursos do Plano Lafer

(Programa de Reaparelhamento Econômico) significaria fortalecer ainda

mais um BB autônomo e desalinhado com as diretrizes do Ministério da

Fazenda. Por outro lado, entregar a gestão dos recursos a uma nova

instituição bancária, especialmente criada para este fim, significaria uma

importante modificação institucional que não só atenderia aos requisitos

técnicos, evitando a tal “indistinção de dinheiros”, como também serviria

aos interesses políticos expressos na disputa entre Ministério da Fazenda e

Banco do Brasil – que, naquele momento, era a disputa entre Lafer e

Jafet.”37

35 ARAÚJO, Victor Leonardo de. A criação do BNDE e a controvérsia Lafer-Jafet, p. 9 36 Idem ao 35, p.10 37 Idem ao 35, p.13

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As Fontes de Recursos do Banco

As fontes originais de recursos do BNDE seriam, em primeiro lugar, adicionais de

15% do imposto de renda de pessoas jurídicas e físicas (se pagassem mais de Cr$

10.000) e 3% das reservas e lucros não distribuídos em poder de pessoas jurídicas. Estes

valores deveriam ser compulsoriamente transferidos pelo Tesouro ao Banco. Em

seguida, vinham as importâncias recolhidas apenas por ordem do ministro da Fazenda ,

podendo compreender até 4% dos depósitos das caixas econômicas federais, até 25%

das reservas técnicas das companhias de seguro e capitalização anualmente constituídas

e até 3% da receita anual dos órgãos de previdência social, excluída a importância

correspondente à quota da União.38

Este esquema original tinha um prazo determinado para sua execução, e os

recursos arrecadados deveriam ser devolvidos no decorrer do sexto exercício, acrescido

do pagamento de bonificações. Como garantia adicional, o governo também estava

autorizado a realizar emissões de títulos da dívida pública para atender à devolução do

produto da arrecadação das taxas e das bonificações. Por último, seria criado um Fundo

Especial de Juros, Amortizações e Resgate das Obrigações do Reaparelhamento

Econômico (taxas, sobretaxas, rendas e contribuições no todo ou em parte destinadas a

fins idênticos aos que determinaram a criação do Banco). A mais importante fonte de

recurso deste fundo era o Acordo do Trigo, firmado em duas ocasiões com o governo

norte-americano, a primeira em novembro de 1955 e a segunda em dezembro de 1956.

Através desses acordos, os dólares provenientes da venda ao Brasil de excedentes

agrícolas norte-americanos eram transformados automaticamente em empréstimos ao

Brasil, em cruzeiros, com largos prazos de carência e baixas taxas de juros.39

Outra fonte de recurso do BNDE foram os recursos vinculados, que provinham da

arrecadação de taxas e impostos federais destinados a programas setoriais específicos

(eletrificação, aparelhamento de ferrovias, da marinha mercante, de portos e construção

de rodovia), cuja administração foi entregue ao Banco. A criação dos Fundos

Vinculados foi de suma importância no financiamento ao Plano de Metas, pois liberou

os demais recursos para investimentos em indústrias. Podemos verificar nas tabelas IV e

38 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 82. 39 Idem ao 38, p. 83 e 94.

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V, abaixo, que esta foi a fonte de recursos que mais cresceu no período de 1952 a

1959.40

As fontes originais de recursos do banco, tendo o adicional ao imposto de renda

como principal fundo, não se deparou com nenhuma forma de resistência dos

formuladores de política econômica. Isto se deve ao formato de capitação que atendia às

duas vertentes que antagonizavam o diagnóstico da economia nacional. Os monetaristas

satisfaziam-se porque significava o financiamento dos projetos de desenvolvimento sem

emissão monetária e para os desenvolvimentistas, significava a substituição de

poupança forçada por poupança compulsória.41

A renovação dos mecanismos fiscais que sustentavam a ação do Banco teria de ser

garantida novamente no Congresso, a partir de 1956. Ao final deste ano, a continuidade

do Banco foi mantida com a aprovação da Lei 2.973, assinada em 26 de novembro que

previa mecanismos mais automáticos para a transferência dos recursos do Tesouro. Tal

Lei assegurava por mais 10 anos o prazo de vigência dos mecanismos fiscais que

forneciam os recursos do BNDE e ampliava-se para 4% o percentual a ser recolhido

sobre reservas e lucros não distribuídos em poder de pessoas jurídicas. Outro ponto

importante foi a regulamentação do lançamento e resgate das Obrigações do

Reaparelhamento Econômico.42

Entre 1952 e 1955, os recursos efetivamente transferidos ao Banco jamais

chegaram a alcançar sequer a metade dos recursos potenciais, previstos em lei, como

podemos observar nas tabelas IV e V abaixo. Em 1954, os recursos transferidos

atingiam apenas 22% dos recursos potenciais. Somente após o início do Plano de Metas,

quando o Banco foi posto em uma posição crucial para a execução de várias metas, é

que os recursos transferidos aproximaram-se dos recursos potenciais. Isto foi

conseguido, sobretudo, através da aprovação da Lei 2.973 de 1956 e da importância

cada vez maior assumida pelos fundos vinculados, que não tinham problemas

significativos de administração. Em 1959, os recursos efetivamente transferidos já

representavam 82% dos recursos potenciais.43

40 VIANA, Ana Luiza D`ávila. O BNDE e a industrialização brasileira. 1952/1961, p. 53 41 ARAÚJO, Victor Leonardo de. A criação do BNDE e a controvérsia Lafer-Jafet, p. 15 42 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 86. 43 Idem ao 42, p. 92.

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Tabela IV

Recursos do BNDE – 1952/59 (Em Cr$ Milhões)

1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959I - Recursos Potenciais 1.419 2.659 3.452 6.749 13.185 17.083 22.885 31.712

1. Recursos Próprios 1.419 2.659 3.452 4.582 5.643 6.645 8.814 12.026

2. Recursos Especiais 0 0 0 0 1.568 2.210 2.000 3.000

3. Recursos Vinculados 2.167 5.974 8.228 12.071 16.686

II - Recursos Efetivos 391 1.213 772 2.103 3.558 11.234 15.340 25.972

III - Déficit Anual -1.028 -1.446 -2.680 -4.646 -9.627 -5.849 -7.545 -5.740

Fonte: BNDE (1959)

Tabela V

Recursos do BNDE – 1952/59 (Em %)

1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959I - Recursos Potenciais 100 100 100 100 100 100 100 100

1. Recursos Próprios 100 100 100 68 43 39 39 38

2. Recursos Especiais 12 13 9 9

3. Recursos Vinculados 32 45 48 53 53

II - Recursos Efetivos 28 46 22 31 27 66 67 82

III - Déficit Anual -72 -54 -78 -69 -73 -34 -33 -18

Fonte: BNDE (1959)

As fontes do banco revelam um grau elevado de dependência à máquina fiscal do

governo, que só começa a diminuir em 1961, ano em que o BNDE inicia período de

maior maturidade, atingindo uma geração interna de recursos significativa. 44

As Formas de Financiamento

A legislação que criou o Banco consolidou diversas formas de financiamento.

Considerando as operações em moeda nacional, a mais importante de todas foi o

financiamento reembolsável, que podia ser utilizado de várias maneiras, conforme o

44 VIANA, Ana Luiza D`ávila. O BNDE e a industrialização brasileira. 1952/1961, p. 54

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projeto referente. Outra forma era feita através da participação do capital social, que

poderia ocorrer pela transformação de um empréstimo anterior em participação

acionária ou por uma decisão de princípio. No último caso, as ações do Banco deveriam

ser sempre preferenciais e nomeariam um diretor e um membro do Conselho Fiscal.

Havia, também, a possibilidade da realização de operações de underwriting e subscrição

de debêntures, mas, na ausência de regulamentação mais detalhada, raramente o Banco

se utilizou dessas possibilidades.45

Outra modalidade importante foram as inversões diretas realizadas pelas

companhias de seguro e capitalização e caixas econômicas federais. As empresas

demandantes de recursos entravam diretamente em contato com as companhias de

seguro e capitalização, dispensadas, em virtude de decisão legal, de realizar os

mencionados depósitos compulsórios no Banco, mas continuavam obrigadas a realizar

investimentos nos montantes previstos em lei. Para realizá-los, as seguradoras deveriam

ter a iniciativa de entrar em contato com o Banco para pedir autorização para efetuar o

investimento requerido. O projeto deveria ser apresentando em conformidade com as

normas do Banco e, uma vez aprovado o empreendimento, as próprias companhias

decidiriam sobre a forma de sua participação, assim como as modalidades de

desembolso.46

Outra forma de cooperação adotada pelo Banco foi o financiamento a contratantes

de mutuários. Freqüentemente, prazos estabelecidos por contratantes eram

desobedecidos devido a dificuldades com fornecedores ou com empreiteiras

subcontratadas. Nestas condições, o Banco adiantava pagamentos diretamente aos

contratantes, com condições ajustadas ao nível de execução do projeto, tanto para o caso

de obras e serviços como para a aquisição de equipamentos. Este mecanismo foi

freqüentemente utilizado pelos projetos de reequipamento ferroviário. O prazo dos

empréstimos seria o mesmo do projeto em execução, sendo as garantias fornecidas pelo

mutuário do empréstimo principal.47

Em média, os juros aplicados aos financiamentos aprovados eram de 9,5% a.a.,

variando entre 8% para os setores de infra-estrutura e 11% para o setor de indústrias

básicas, implicando, reconhecidamente, forte subsídio às atividades face ao ritmo da

inflação. Sobre os empréstimos concedidos eram ainda cobradas uma comissão de

45 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 92. 46 Idem ao 45, p. 93. 47 Idem ao 45

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abertura, no valor de 1% do total, a comissão de aval, caso estivesse prevista, no valor

de 2%, e taxas de fiscalização variáveis. O Banco justificava as baixas taxas de juros

pela baixa rentabilidade e pelo longo tempo de maturação dos investimentos, na sua

maioria projetos de infra-estrutura.48

Adicionalmente aos juros baixos, o BNDE estipulava um prazo de carência, ou

seja, período que se segue imediatamente à entrada dos recursos na companhia

contratante. O prazo de carência variava de seis meses a dois anos, de acordo com o

tempo necessário para que o empreendimento operasse normalmente.49

O Banco exercia um estrito controle sobre a aplicação dos financiamentos. Ele

deveria autorizar qualquer modificação a ser realizada em qualquer item do projeto e, a

entidade financiada deveria fornecer todas as informações aos funcionários ou

consultores contratados, assim como permitir fiscalização in loco de atividades previstas

em contrato (instalações de equipamentos, obras etc.) e receber relatórios periódicos.50

Com respeito ao valor dos pedidos de financiamento encaminhados ao Banco ao

longo do Plano de Metas, seu nível mostrou-se bastante oscilante. A tabela VI a seguir

revela que a soma dos pedidos de financiamento situou-se em torno dos Cr$ 15 bilhões

em 1956 e 1958, mas chegou a mais de Cr$ 30 bilhões em 1957, 1959 e 1960. Como o

nível de recursos postos à disposição dos mutuários não sofreu as mesmas variações, a

relação entre financiamentos concedidos e demandados acompanhou a variação destes

últimos. De qualquer forma, em apenas uma ocasião (em 1958) o volume de

financiamentos concedidos ultrapassou a metade dos recursos demandados. Excluído

este ano, a média da relação situou-se em 35%.

Tabela VI

Relação entre Financiamentos Concedidos e Demandados – 1955/60

(Em Cr$ Milhões)

Concedidos Demandados %

Até 1955 8.265,78 30.886,00 27

1956 7.122,64 14.890,90 48

1957 8.414,69 30.428,40 28

1958 12.241,79 15.064,30 81

1959 9.932,37 32.742,20 30

1960 13.554,96 33.893,60 40 Fonte: Relatórios de Atividade do BNDE

48 VIANA, Ana Luiza D`ávila. O BNDE e a industrialização brasileira. 1952/1961, p. 223 49 Idem ao 48 50 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 97.

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Podemos observar nas Tabelas VII e VIII, abaixo, a evolução das operações em

moeda nacional por modalidade e distinguir duas fases diferentes na forma pela qual o

BNDE liberava seus recursos ao longo do período de execução do Plano de Metas.

Tabela VII

Operações em Moeda Nacional: Recursos Autorizados segundo a Modalidade –

1952/60 (Em Cr$ Milhões)

1952/55 1956 1957 1958 1959 1960

Empréstimos Reembolsáveis 8.266 6.504 7.754 10.788 7.820 6.904

Financiamentos Contratados 8.257 6.104 7.634 10.066 4.935 849

Op.Pendentes de Contratação 9 400 120 722 2.885 6.056

Participação Societária 0 600 400 836 1.702 5.800

Inversões das Companhias de 0 19 261 618 410 850Seguro e Capitalização

8.266 7.123 8.415 12.242 9.932 13.555Total Fonte: BNDE (1960)

Tabela VIII

Operações em Moeda Nacional: Recursos Autorizados segundo a Modalidade –

1952/60 (Em %)

1952/55 1956 1957 1958 1959 1960

Empréstimos Reembolsáveis 100 91 92 88 79 51

Financiamentos Contratados 100 86 91 82 50 6

Op.Pendentes de Contratação 0 6 1 6 29 45

Participação Societária 0 8 5 7 17 43

Inversões das Companhias de 0 0 3 5 4 6Seguro e Capitalização

100 100 100 100 100 100Total Fonte: BNDE (1960)

Em um primeiro momento, mais precisamente os três primeiros anos do governo

JK, o Banco não se distanciou muito dos anos de sua criação (1952) até 1955, no que

tange os procedimentos adotados às operações em moeda nacional. Os empréstimos

reembolsáveis representaram em torno de 90% do total das operações, nunca

ultrapassando os 6% as liberações de recursos pendentes de contratação. Além disso, as

participação societárias do Banco apresentaram média pouco menor a 7% dos

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empréstimos, enquanto as inversões das companhias de seguro e capitalização oscilou

pouco, entre menos de 1% e 5%.

No segundo momento, após mudança de equipe econômica e da administração do

Banco, em meados de 1959, o modo de atuar do BNDE alterou-se rapidamente. Com a

necessidade de aceleração de alguns projetos e a aprovação inicial de outros, as

liberações de recursos com contratos pendentes aumentou de Cr$ 722 milhões em 1958

para Cr$ 6.056 milhões em 1960, representando 88% dos empréstimos reembolsáveis,

invertendo drasticamente os padrões do triênio 1956/58 que na média não ultrapassou

5%. As participações societárias também aumentaram sua representatividade

rapidamente em 2 anos, de 7% das operações em 1958 para 43% em 1960. Os

investimentos diretos de companhias de seguro e capitalização, entretanto, mantiveram

o mesmo patamar.51

As operações do banco em moeda estrangeira, também foram de suma

importância para o Plano de Metas. Como abordamos na Introdução, o momento era de

uma virada no cenário internacional, com disponibilidade de capital externo e o BNDE

apresentava formas de atraí-lo. Três, eram as principais operações de financiamento

externo. A principal delas eram as operações de avais, que representavam a obtenção de

créditos internacionais ou estrangeiros por empresas brasileiras em que o Banco

garantia tais recursos. A segunda eram operações cujo o Banco era simplesmente um

agente financeiro dos empréstimos em moeda estrangeira que o Tesouro Nacional

garantia a companhias nacionais. A última eram as operações internacionais obtidas

diretamente pelo Banco e que posteriormente eram transferidas a terceiros.52

A Destinação dos Recursos

A mudança de atuação do Banco pode ser observada, também, ao analisarmos o

destino dos recursos em termos setoriais. Vide as Tabelas IX e X, abaixo.

51 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 112. 52 VIANA, Ana Luiza D`ávila. O BNDE e a industrialização brasileira. 1952/1961, p. 187

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Tabela IX

Operações em Moeda Nacional: Recursos Autorizados segundo o Setor – 1952/60

(Em Cr$ Milhões)

1952/55 1956 1957 1958 1959 1960

Transportes 5.365 4.883 1.630 530 1.925 647

Energia Elétrica 2.122 929 4.668 5.549 3.484 1.367

Indústrias Básicas 659 940 1.839 5.680 4.339 11.482

Setores Compl. Atividade Agrícola

120 371 278 483 184 59

8.266 7.123 8.415 12.242 9.932 13.555 Fonte: BNDE (1960)

Tabela X

Operações em Moeda Nacional: Recursos Autorizados segundo o Setor – 1952/60

(Em %)

1952/55 1956 1957 1958 1959 1960

Transportes 65 69 19 4 19 5

Energia Elétrica 26 13 55 45 35 10

Indústrias Básicas 8 13 22 46 44 85

Setores Compl. Atividade Agrícola

1 5 3 4 2 0

100 100 100 100 100 100 Fonte: BNDE (1960)

De acordo com as diretrizes já estabelecidas pelo Plano de Reaparelhamento

Econômico desde 1952, a concentração dos recursos até 1955 foram destinadas ao setor

de transportes, principalmente o ferroviário. Em 1956 o quadro permaneceu idêntico,

uma vez que os projetos do Plano de Metas ainda estavam em fase de elaboração e

estudo. Em 1957, foi constituída a Rede Ferroviária Federal S.A. que passou a ser o

órgão federal responsável pelos investimentos no setor, o que explica a queda dos

empréstimos do BNDE a partir de tal data.53

O setor elétrico exibe um comportamento de liberações pelo Banco mais constante

devido a melhor organização dos projetos e de um envolvimento mais próximo da

instituição financeira com sua execução.

53 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 112

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A maior variação no período analisado, tanto em termos gerais como em termos

de representatividade, foram dos financiamentos destinados à indústria básica. Enquanto

em 1956 foram liberados Cr$ 940 milhões, representando 13% dos recursos totais, em

1960 Cr$ 11.482 milhões foram destinados ao setor, representando 85% das operações,

um crescimento de mais de 1000% em quatro anos.

Este crescimento não se concretizou a partir de projetos de mesma natureza, pelo

contrário. Nos cinco anos de 1956 a 1960 a natureza dos projetos preponderantes variou

de ano a ano. Em 1956 o principal projeto foi o da Cia. Nacional de Álcalis, através de

aportes que se transformaram em participação acionária. Em 1957, o setor metalúrgico

obteve a maior representatividade de recursos no ano, com vários pequenos projetos. O

início do financiamento da Usiminas juntamente com outros projetos eleva

significativamente a participação do setor em 1958. Já em 1959, as indústrias de

autopeças e de construção naval crescem de forma a atingir representatividade próxima

da siderurgia. O projeto da Cosipa inicia-se em 1960 representando o maior destaque de

destinação dos recursos do banco no ano. Vide tabela XI abaixo.54

Tabela XI

Financiamentos Autorizados: Indústrias Básicas – 1952/60

(Em %)

1952/55 1956 1957 1958 1959 1960

Metalurgia 78 69 1.040 4.419 1.593 11.080

Siderurgia 49 44 590 4.039 1.409 11.040

Metalurgia de Não-Ferrosos - 12 450 249 13 -

Metalurgia Diversas 29 13 - 131 171 40

Mecânica - 15 25 223 47 -

Material Ferroviário 50 - - 47 92 60

Automobilística 194 - 188 422 1.107 156

Construção Naval - - - - 1.122 -

Material Elétrico 20 108 206 - 40 166

Celulose e Papel 67 - 150 354 277 -

Química 250 747 230 200 62 -

Outras Indústrias - - - 15 - 21

Indústrias Básicas 659 940 1.839 5.680 4.339 11.483 Fonte: BNDE (1960)

54 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 113.

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Para finalizar, os setores complementares da atividade agrícola, que aram

compostos de frigoríficos, matadouros industriais, e armazenagem, foram pouco

obtiveram representação significativa das operações do BNDE, atingindo em 1956, 5 %

do total de recursos.

Outra forma de operar que o Banco disponibilizava, já mencionada anteriormente,

eram os avais concedidos a empréstimos capitados no exterior, que demonstrou uma

variação positiva bastante expressiva ao longo da década de 1950. Vale ressaltar, que

grande parte desses empréstimos garantidos pelo BNDE eram destinados a projetos que

já dispunham de recursos em moeda nacional aprovados pelo banco. O cenário referente

a tais garantias contratadas no período de 1952 a 1960, por setor, pode ser verificado

nas tabelas XII e XIII a seguir.

Tabela XII

Operações em Moeda Estrangeira: Prestação de Garantias Contratada – 1952/60

(Em US$ Mil)

1952/54 1955 1956 1957 1958 1959 1960

Transportes - 3.920 16.102 10.567 23.446 34.728 14.252

Energia Elétrica 8.044 11.908 3.828 18.513 16.445 24.339 34.864

Indústrias Básicas - - - 7.977 30.890 13.032 210.178

Setores Compl. Atividade Agrícola

- - 3.500 1.720 4.619 - -

Outros setores - - - - - - 4.500

8.044 15.828 23.430 38.777 75.400 72.100 263.793 Fonte: BNDE (1960)

Tabela XIII

Operações em Moeda Estrangeira: Prestação de Garantias Contratada – 1952/60

(Em %)

1952/54 1955 1956 1957 1958 1959 1960

Transportes - 25 69 27 31 48 5

Energia Elétrica 100 75 16 48 22 34 13

Indústrias Básicas - - - 21 41 18 80

Setores Compl. Atividade Agrícola

- - 15 4 6 - -

Outros setores - - - - - - 2

100 100 100 100 100 100 100 Fonte: BNDE (1960)

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O setor de transportes recebe parte substancial dos avais durante o período

analisado. Até 1956, destacam-se as construções ferroviárias, que logo são superadas

pelo transporte aeroviário que concentrou os avais concedidos pelo banco deste setor no

biênio 1957 e 58. Em 1959, os projetos de reaparelhamento dos portos fizeram com o

setor de transportes atingisse a maior representatividade nas operações em moeda

estrangeira daquele ano.55

O envolvimento mais próximo do banco com os projetos do setor elétrico pode ser

observado pelas garantias contratadas durante todo o período, representando 100% até

1954 e mantendo-se em linhas gerais com a evolução dos financiamentos concedidos

em moeda nacional em termos de representatividade.

Com o início dos projetos do Plano de Metas para a indústria básica, em 1957, o

setor passa a ter participação importante. Em 1957, as indústrias de papel e celulose,

automobilísticas e de material ferroviário obtêm a maioria dos avais. A partir de então, o

setor siderúrgico predomina de forma absoluta atingido seu máximo em 1960 com 77%

dos avais, quase a totalidade destinados à indústria de base. Em 1956, podemos observar

uma participação importante do setor de armazenamento e frigoríficos (incluídos em

setores complementares à atividade agrícola).56

55 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 113. 56 DIAS, José Luciano. O BNDES e o Plano de Metas, p. 113.

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Conclusões

O Plano de Metas obteve sucesso. O PIB brasileiro cresceu 8,1% ao ano no

período de 1956 a 1960. No mesmo período a Formação Bruta de Capital Fixo

representou em média 16% do PIB. As mudanças na estrutura econômica também

foram expressivas Enquanto em 1950 a industria respondia por 24,1% do PIB, ante

24,3% do setor agropecuário, após o plano o cenário muda significativamente. Em 1960

a industria passa a representar 32,2% do PIB contra 17,8% do setor agropecuário.

Podemos observar também, uma reestruturação, analisando apenas o setor secundário.

Em 1952 os o subsetor de bens duráveis e de capital respondiam cada um a 6% do valor

adicionado do setor industrial. Podemos verificar em 1961 uma elevação desses dois

subsetores que passaram a representar 12%, cada um.57

Este avanço da industrialização, proporcionado pelo Plano de Metas deveu-se à

dois elementos fundamentais que contribuíram para viabilizar o Plano de Metas. O

primeiro foi a condição internacional favorável na época, como apresentamos na

Introdução. Sendo o Brasil uma economia dependente de importações de bens de capital

e tecnologia, o problema da escassez de divisas precisava ser equacionado. As

exportações brasileiras, fortemente concentradas em café, não ofereciam qualquer

perspectiva de financiar as importações necessárias ao programa de investimentos.

Logo, o papel do setor externo foi ingrediente essencial para o sucesso do plano e de seu

financiamento. Caso não houvesse recursos externos disponíveis no mercado mundial, o

segundo elemento teria sido insuficiente para deslanchar o programa de investimentos.

O segundo ponto fundamental foi o papel das instituições e do aparato regulatório

do Estado, onde atuaram de forma preponderante o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico, BNDE e a Superintendência da Moeda e do Crédito,

SUMOC.

De um lado, o BNDE foi antes de tudo um o banco da industrialização, atendendo

à vocação de agente financeiro expressa desde a sua constituição. Foi responsável por

25% dos gastos efetuados pela União, de 1956 a 1959, para o Plano de Metas. Garantiu

avais de aproximadamente 30% dos empréstimos e financiamentos vindos do exterior

entre 1956 e 1960. E chegou a responder por 14,5% da Formação Bruta de Capital Fixo

57 GIAMBIAGI, Fábio, VILLELA, André, CASTRO, Lavínia Barros de, HERMANN, Jennifer. Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004), p. 50

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no Brasil, considerando o total das operações aprovadas (nacionais e estrangeiras) em

1958, partindo de um mínimo de 7,4% em 1956.58

De outro, a SUMOC combinou um ambiente propício ao capital de risco e

facilidades para a importação, sem cobertura cambial. Dos US$ 565 milhões de

investimentos diretos que ingressaram no Brasil entre 1955 e 1960, cerca de US$ 401

milhões ingressaram nos termos da Instrução 113 da SUMOC. Da mesma forma, dos

1.710 milhões de dólares de empréstimos e financiamentos obtidos pelo Brasil no

período de 1955 a 1960, mais de 60% foram subsidiados pela política cambial. 59

Portanto, o presente trabalho corrobora com argumentações e estatísticas o

indiscutível papel tanto do BNDE quanto da política cambial da SUMOC no sucesso do

Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, atuando como principais agentes da

industrialização brasileira na segunda metade dos anos 50, os “Anos Dourados”.

58 VIANA, Ana Luiza D`ávila. O BNDE e a industrialização brasileira. 1952/1961, p. 416 59 FARO, Clovis de, SILVA Salomão L. Quadros da. “A década de 50 e o Plano de Metas” In GOMES, Ângela de Castro (org). O Brasil de JK, Anexo.

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