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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP) Daniela Redigolo Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional no Contexto do Serviço Público do Município de Piracicaba (SP) MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

(PUC-SP)

Daniela Redigolo

Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional no

Contexto do Serviço Público do Município de Piracicaba (SP)

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

DANIELA REDIGOLO

Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional no

Contexto do Serviço Público do Município de Piracicaba (SP)

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Dissertação apresentada à Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo como exigência parcial

para obtenção do título de MESTRE em Serviço

Social, sob orientação da professora doutora

Maria Lúcia Martinelli.

SÃO PAULO

2013

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Banca Examinadora

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Aos trabalhadores do serviço público,

Aos trabalhadores que resistem...

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AGRADECIMENTOS

Especialmente, à orientadora professora doutora Maria Lúcia Martinelli, pelo

carinhoso apoio no caminho da pesquisa de forma respeitosa, segura e competente. Não tenho

palavras para dar significado ao rico e importante período em que compartilhei de seus

conhecimentos.

Às professoras doutoras Raquel Raichelis e Edvânia Lourenço, que, de forma

competente, contribuíram com a dissertação durante o exame de qualificação.

Às professoras doutoras Damares Pereira Vicente , Maria Carmelita Yazbek e Letícia

Andrade da Silva pela contribuição e participação na banca examinadora.

Aos amigos, funcionários e professores do Programa de Estudos Pós-graduados em

Serviço Social da PUC-SP. Todo esse universo acadêmico foi essencial para meu crescimento

e amadurecimento teórico e pessoal. Agradeço às amigas Ariane, Flavia e Claudia pelo

incentivo no início do mestrado.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela

concessão da bolsa de estudo, a qual foi fundamental para a realização do mestrado.

À minha mãe, Maria de Lourdes do Valle, funcionária pública aposentada, exemplo de

vida, que muito ajudou, cuidando carinhosamente de meus filhos. Ao meu pai, Virgilio

Redigolo (in memoriam). Aos meus amados filhos: Isabela e Lucas, pelo entendimento dos

momentos de ausência, e por representarem a energia de força e a alegria em minha vida. Às

minhas queridas irmãs, Adriana e Luciana.

Ao meu amado companheiro, Vladimir Diogo, alma gêmea, pelo apoio e incentivo em

todas as horas. Aos queridos amigos do sítio, pelas horas compartilhadas e apoio

incondicional, em especial à Luciana e ao Sr. Antonio, por sempre me socorrerem em todos

os momentos de dificuldade, e por me apoiaram efetivamente nesse período. À minha amiga

Tati, pelos momentos de compreensão e incentivo. Às energias superiores que a cada dia me

proporcionam um novo amanhecer.

Aos amigos funcionários públicos da Prefeitura do Município de Piracicaba; aos

gestores, em especial a todos os profissionais da equipe de reabilitação profissional e do

Serviço Municipal de Perícia Médica, que, no decorrer do caminho, me prestaram apoio e

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incentivo: Ana, Angélica, Ailine, Bruna, Claudinei, Dr. Rubens, Dra. Katia, Dr. Grau,

Edenise, Eva, Giselis, Graziela, Iara, Rainha, Sandra e Wladimir. Em especial, a Wandinho

(in memoriam), um eterno amigo, exemplo de alegria nos momentos difíceis da vida.

De forma especial, agradeço aos sujeitos participantes da pesquisa, por dividirem

comigo a riqueza de suas histórias de vida.

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Como é por dentro outra pessoa.

Quem é que o saberá sonhar?

A alma de outrem é outro universo

Com que não há comunicação

possível,

Com que não há verdadeiro

entendimento.

Nada sabemos da alma

Senão da nossa;

São gestos, são palavras,

Com a suposição de qualquer

semelhança

No fundo.

(Fernando Pessoa)

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RESUMO

REDIGOLO, Daniela. Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional no Contexto do

Serviço Público do Município de Piracicaba. 2013. 185 f. Dissertação (Mestrado) –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

A presente dissertação pretende analisar as histórias profissionais de trabalhadores que

concluíram o processo de reabilitação, ocorrido entre 2006 a 2011, no Serviço Público da

Prefeitura do Município de Piracicaba. Conhecer e analisar a realidade, considerando os

contextos histórico, social e político contemporâneo, pois as relações e estruturas sociais se

expressam nas histórias individuais dos trabalhadores que passaram pela reabilitação, falar

dos trabalhadores é falar do conjunto de suas relações sociais, e consequentemente, nos

remete à reflexão sobre o processo de adoecimento e as mudanças significativas no cotidiano

de suas vidas em relação à importância do trabalho. Identificar o significado do trabalho e o

seu sentido, além da subsistência, e, baseado nessa concepção, entender que as relações

sociais construídas no cotidiano dos trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação

profissional influenciam na reconstrução de suas identidades profissionais, buscando entender

o significado da identidade profissional e da identidade atribuída. Para a pesquisa, foram

combinadas as abordagens quantitativa e qualitativa, e, no primeiro momento, foi necessário

quantificar alguns dados, para elaborar os critérios de seleção dos sujeitos participantes da

história oral. Como objetos de estudo, foram definidas as experiências de um grupo de nove

trabalhadores, que passaram pelo processo de reabilitação, devido à perda de sua capacidade

profissional habitual e que receberam a indicação médica para a reabilitação profissional.

Como referência para situá-los, no texto, utilizou-se o nome do cargo de origem, mais o

número que indica a quantidade de anos de serviço público completada no momento em que

foram indicados para a reabilitação. Esta dissertação apresenta, nas próprias narrativas dos

sujeitos, que todos tiveram uma trajetória profissional anterior à reabilitação em que surgiram

alguns sinais do adoecimento, ou seja, a incapacidade profissional não surgiu de repente, mas

no decorrer de anos de trabalho no serviço público. Também foram levantadas contribuições

para aprofundar a discussão sobre a identidade profissional, reconhecendo o papel central do

trabalho enquanto um sentido de vida que considera ser, a reabilitação profissional, uma

possibilidade de reconstrução de identidades profissionais propiciando aos trabalhadores

resistência, porque inseridos no mundo do trabalho na sociedade capitalista, a partir de uma

nova condição laboral e nova representação do trabalho em suas vidas cotidianas.

Palavras-chave: Trabalho. Identidade. Reabilitação profissional. Serviço público.

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ABSTRACT

Redigolo, Daniela. Work, Identity and Professional Rehabilitation in the context of the

Public Service of the Municipality of Piracicaba (SP). Master's Dissertation. Pontifical

Catholic University of São Paulo, São Paulo, in 2013.

The aim of this thesis is to analyze the professional histories of workers who completed their

rehabilitation process, occurred between 2006 to 2011, in the Public Service of the

Municipality of Piracicaba in the state of São Paulo. To understand and analyze the reality in

accordance the historical, social and contemporary political issues under the social and

interrelationship structures which are expressed in the worker individual rehabilitation stories

is the most important objective. Taking care of workers is to get more about their group of

social interrelationship which lead us to the increasing illness and significant daily changing

of their lives through their own labor. Getting more information about professional identity

meaning of labor through subsistence including the rehabilitation knowing of the social

relationship built on day by day. Which influenced the professional identity workers; also

their label identity. For the research, both quantitative and qualitative approaches were

combined, and, initially, it was necessary to quantify some data developing criteria for

selection of subjects who participated in the oral history. As the objects of study, the

experiences of a group of nine workers were defined, who have gone through the

rehabilitation process due to the loss of their usual professional skills and who received

medical indication for professional rehabilitation. As a reference to locate them in the text, the

original name work position was used, and also the public service completed year number of

at the time they were indicated for rehabilitation. This dissertation presents in the personal

narratives the professional career before rehabilitation, and during that illness period signs, in

other words, the occupational disability did not arise suddenly, but through years of work in

the public service. The subjects’ contributions were also collected to further the argument on

the professional identity, recognizing the core role of labor as life sense. The professional

rehabilitation was providing an opportunity of rebuilding identities and resistance for

workers; instead of a capitalist society, a new labor situation and new labor representation in

their daily lives.

Keywords: Work, Identity, Professional Rehabilitation, Public Service.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Bonecos de Elias e Elias dos Bonecos, respectivamente............................ 29

Figura 2 – Vista do Rio Piracicaba e da Rua do Porto, a partir da atual Praça

Miguel Dutra, início do século 20.............................................................. 31

Figura 3 – Cidade de Piracicaba na década de 2000.................................................... 31

Figura 4 – Mapa dos municípios do Brasil.................................................................. 33

Figura 5 – Mapa de equipamentos públicos municipais de Saúde e Educação........... 40

Figura 6 – Prefeitura de Piracicaba – Edifício onde se localiza a Secretaria

Municipal de Administração....................................................................... 43

Figura 7 – Servidores municipais de Piracicaba durante assembleia realizada pela

Diretoria do Sindicato dos Servidores Municipais..................................... 105

Figura 8 – Local de trabalho anterior ao processo de reabilitação............................... 139

Figura 9 – Local de trabalho após o processo de reabilitação...................................... 139

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Previsão de arrecadação do município (em %) – LOA-2013..................... 39

Gráfico 2 – Número de trabalhadores que concluíram o processo de reabilitação por

cargo de origem no período entre 2006 a 2011.......................................... 81

Gráfico 3 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação por

patologia (causa da reabilitação), conforme CID-10, no período de 2006

a 2011.......................................................................................................... 99

Gráfico 4 – Porcentagem de trabalhadores que passaram pelo processo de

reabilitação segundo código da doença apresentada para reabilitação, no

período de 2006 a 2011............................................................................... 99

Gráfico 5 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação

profissional, conforme o tempo de trabalho no serviço público municipal

ao entrar no processo de reabilitação, no período de 2006 a 2011............. 102

Gráfico 6 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação,

conforme a idade que tinham ao entrar no processo de reabilitação, no

período de 2006 a 2011............................................................................... 103

Gráfico 7 – Funções dos funcionários após a conclusão da reabilitação, no período

de 2006 a 2011............................................................................................ 136

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – PNAS-2004 – Classificação dos municípios segundo o total de

habitantes.................................................................................................. 32

Quadro 2 – Concentração da pobreza nos grupos de municípios classificados pela

população de 2000.................................................................................... 33

Quadro 3 – Municípios mais bem classificados no ranking do PIB municipal no

Estado de São Paulo, 2000-2010.............................................................. 35

Quadro 4 – Objetivos que norteiam a pesquisa........................................................... 53

Quadro 5 – Roteiro norteador da entrevista da história oral....................................... 56

Quadro 6 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo de

merendeira................................................................................................ 82

Quadro 7 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo monitor de

CEC.......................................................................................................... 87

Quadro 8 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo professor

fundamental.............................................................................................. 91

Quadro 9 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas

Relacionados com a Saúde....................................................................... 96

Quadro 10 – Número de trabalhadores que passaram pela reabilitação por patologia

(causa da reabilitação), conforme CID-10, no período de 2006 a 2011... 96

Quadro 11 – CID M00-M99, que se refere a doenças do sistema osteomuscular e do

tecido conjuntivo...................................................................................... 100

Quadro 12 – CID F00-F99 que se refere a transtornos mentais e comportamentais..... 101

Quadro 13 – Quadro matricial da identidade profissional............................................ 124

Quadro 14 – Cruzamento de frases significativas considerando as categorias de

análise de identidade construída e atribuída............................................. 127

Quadro 15 – Cruzamento de frases significativas dos sujeitos da história oral............ 137

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Perfil do município, de acordo com as atividades econômicas.................. 36

Tabela 2 – Perfil do município de acordo com a faixa etária....................................... 37

Tabela 3 – Perfil do Município de Piracicaba, de acordo com o gênero...................... 37

Tabela 4 – Perfil dos funcionários públicos municipais por faixa etária e gênero....... 38

Tabela 5 – Número anual de trabalhadores que terminaram o processo de

reabilitação em relação ao total dos trabalhadores do serviço público

municipal.................................................................................................... 45

Tabela 6 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação,

por secretaria/área....................................................................................... 46

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CBSSI Centro Brasileiro de Segurança e Saúde Industrial

Caged Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CEC Centro Educacional e Creche

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas

Relacionados à Saúde – Décima Revisão

DO Diário Oficial

FOP Faculdade de Odontologia de Piracicaba

Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação

FMI Fundo Monetário Internacional

ICMS Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

ISSQN Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

IPVA Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores

IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano

IRRF Imposto de Renda Retido na Fonte

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

IPPLAP Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba

JMO Junta Médica Oficial

LOA Lei Orçamentária Anual

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TEM Ministério do Trabalho e Renda

PIB Produto Interno Bruto

PMP Prefeitura do Município de Piracicaba

PRP Programa de Reabilitação Profissional

PNAS Política Nacional de Assistência Social

Rais Relação Anual de Informações Sociais

RMC Região Metropolitana de Campinas

Seade Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados

Sempem Serviço Municipal de Perícias Médicas

Sesmt Serviço Especializado em Segurança e Medicina de Trabalho

Unimep Universidade Metodista de Piracicaba

Unicamp Universidade Estadual de Campinas

VA Industrial Valor Adicionado da Indústria

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 17

CAPÍTULO I – TRAÇANDO UM CAMINHO............................................................. 25

1.1 Local da Pesquisa e Características do Serviço Público............................................... 42

1.2 Procedimentos Metodológicos e Apresentação dos Sujeitos........................................ 53

CAPÍTULO II – TRABALHO........................................................................................ 67

2.1 O Mundo do Trabalho e as Transformações nas Relações de Trabalho....................... 67

2.2 A Intensificação do Trabalho no Serviço Público........................................................ 72

2.3 O Cotidiano Profissional da Merendeira...................................................................... 81

2.4 O Cotidiano Profissional do Monitor de CEC.............................................................. 86

2.5 O Cotidiano Profissional do Professor de Ensino Fundamental................................... 91

2.6 Adoecer e suas Características no Serviço Público...................................................... 95

2.7 A Perspectiva do Trabalho como Direito Social........................................................... 104

CAPÍTULO III – IDENTIDADE E REABILITAÇÃO................................................ 109

3.1 O Significado do Trabalho na Vida Cotidiana e as Marcas da Identidade

Profissional Durante o Processo de Reabilitação Profissional........................................... 109

3.2 A Identificação com o Trabalho que Exercia Antes do Processo de Reabilitação........ 115

3.3 A Importância do Cotidiano para o Conhecimento da Realidade................................. 119

3.4 Os Movimentos das Trajetórias Profissionais à Luz das Identidades Profissionais

Reconstruídas...................................................................................................................... 123

3.5 O Processo de Reabilitação na Perspectiva dos Sujeitos.............................................. 133

3.5.1 Reabilitação profissional: Sentidos e significados do trabalho................................. 135

3.6 O Tempo de Trabalho Após a Reabilitação Profissional.............................................. 140

3.6.1 O preconceito em relação ao trabalhador que passou pelo processo de reabilitação

profissional......................................................................................................................... 141

3.7 Reabilitar ou Aposentar: a Visão de Quem Adoeceu.................................................... 143

3.8 Momentos Coletivos no Espaço do Grupo Focal: Estratégias e Resistências para

Manter-se Enquanto Trabalhador....................................................................................... 147

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CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 157

REFERÊNCIAS................................................................................................................ 162

ANEXOS............................................................................................................................ 170

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INTRODUÇÃO

Eu sinto que já não sou mais útil.

Sinto assim como uma coisa que já foi muito

usada e agora é descartada.

Porque ela tá ali não tem como jogar fora.

Tem que vencer o prazo dela e depois

que vencer o prazo dela cairá fora.

Assim que eu me vejo como funcionária pública hoje.

Eu me vejo assim. (Monitora - 19, depoimento colhido em novembro de 2012)

O pulsar da dissertação está na compreensão de três palavras contidas em seu título:

trabalho, reabilitação e identidade, que se expressam nas narrativas de cada trabalhador

sujeito da pesquisa realizada, revelando descobertas sobre o sentido do trabalho na

reconstrução da identidade a partir de mudanças no âmbito profissional, advindas antes,

durante e após o período de reabilitação.

Histórias de vida diferentes, que ocorrem em uma mesma realidade de sujeitos que

conseguiram conceber outras formas de trabalho, respeitando limites e possibilidades de uma

nova condição de saúde, que atribuíram novos sentidos às suas trajetórias de vida, no

desenvolvimento de atividades diárias necessárias para a sobrevivência.

A dissertação constituída fecha o ciclo de uma fase muito importante de vivências com

trabalhadores que concluíram o processo de reabilitação, ocorrida no período de 2006 a 2011,

no serviço público da Prefeitura do Município de Piracicaba. Indicou-se a periodização em

virtude do tempo de atividades desenvolvidas pelo Serviço Municipal de Reabilitação, que

iniciou um programa oficial em 2006. Do mesmo modo, o ano foi considerado para o início

da pesquisa e o término em 2011 refere-se ao fato de que a construção dos dados ocorreu em

2012.

O objeto de pesquisa tem forte relação com a história profissional da pesquisadora

que, trabalhando com reabilitação profissional, aproximou-se dessa realidade e deparou-se

com o desafio de abrir um espaço de escuta para ouvir a voz desses trabalhadores como “ (...)

sujeitos, protagonistas históricos, cujas memórias pessoais são de interesse social. (...)”

(MARTINELLI, 2012, p.7).

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A pesquisa partiu de uma análise global da realidade, considerando o contexto social e

o político contemporâneos, porque as relações e estruturas sociais se expressam nas histórias

individuais dos trabalhadores que passaram pela reabilitação, e ainda porque falar dos

trabalhadores é falar do conjunto de suas relações sociais.

Por meio das experiências do sujeito, procurou-se dar visibilidade às suas histórias,

suas determinações políticas e culturais reproduzidas em seu modo de ser “(...) não

desconectamos esse sujeito da sua estrutura, buscamos entender os fatos, a partir da

interpretação que faz dos mesmos em sua vivência cotidiana. (...)” (MARTINELLI, 2012, p.

24).

Foi possível, durante as intervenções com os sujeitos, observar o processo de

adoecimento e as mudanças significativas no cotidiano de suas vidas, e assim vieram as

primeiras indagações sobre a importância do trabalho: Qual é o significado do trabalho para o

sujeito durante o processo de reabilitação? A identificação com o novo trabalho auxilia na

superação da deficiência e/ou doença? O trabalho tem um sentido maior do que prover a

necessidade para a subsistência do trabalhador? Como as relações sociais construídas no

cotidiano dos trabalhadores reabilitados influenciam na reconstrução de sua identidade

profissional? Quais as possibilidades e dificuldades advindas dessa nova função.

A relação da pesquisadora com os sujeitos de pesquisa foi mediada por sua relação

profissional com aqueles encaminhados para o processo de reabilitação. Por meio do contato

com trabalhadores e da aproximação de suas trajetórias profissionais, marcadas pela

reabilitação e escolha de novas trajetórias de vida, a partir de sua “particularidade expressa

não apenas por seu ser ‘isolado’, mas também seu ser ‘individual’” (HELLER, 2008, p. 35).

Assim tornou-se possível percorrer os caminhos que os levaram até o momento da

reabilitação.

Primeiramente, foi necessário quantificar alguns dados para, a partir deles, elaborar os

critérios para a seleção dos sujeitos da pesquisa qualitativa, definindo como objeto de estudo

as experiências de um grupo de servidores que passaram pelo processo de reabilitação no

período de 2006 a 2011. O grupo foi formado intencionalmente pela pesquisadora e essa

escolha levou em consideração o alcance dos objetivos propostos pela pesquisa e os dados

quantificados.

Durante a construção da dissertação, procurou-se ir dialogando com os sujeitos da

pesquisa oral, representados por nove servidores, que tinham concluído o processo de

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reabilitação, e fazendo um cruzamento com a análise de dados quantitativos do período de

2006 a 2011, ou seja, o universo de 82 trabalhadores do serviço público foi analisado, em um

primeiro momento, e os resultados foram expressos em gráficos e tabelas. Em um segundo

momento, trabalhou-se com a história oral temática, com foco nas trajetórias profissionais e,

ainda, em um terceiro momento, foi formado um grupo focal que contou com cinco dos nove

sujeitos entrevistados durante a pesquisa qualitativa.

As narrativas colhidas durante o grupo focal também dialogam com os demais

momentos da pesquisa. Afinal, “(...) a relação entre pesquisa quantitativa e qualitativa não é

uma oposição, mas complementaridade e articulação.” (MARTINELLI, 2012, p. 29) e é nesse

sentido que foi realizada a pesquisa que considerou a importância de os dados quantificados

serem articulados às narrativas dos sujeitos.

Por meio de cada palavra e instante em contato com os nove sujeitos da pesquisa,

conhecendo suas histórias, faz-se necessário entender “(...) o esforço dos narradores em

buscar sentido no passado e dar forma às suas vidas, e colocar a entrevista e a narração em seu

contexto histórico” (PORTELLI, 1997, p. 33).

O que parece haver em comum, nas situações dos nove sujeitos pesquisados, é que

todos têm uma trajetória profissional, anterior à reabilitação, em que foram demonstrados

alguns sinais do adoecimento, ou seja, a incapacidade profissional não surgiu de repente, mas

deu-se no decorrer de anos de trabalho.

A pesquisa faz-se relevante ao tratar das categorias servidor público e reabilitação

profissional, que não têm apresentado muita evidência na literatura contemporânea na área do

Serviço Social, com o intuito de dar destaque à questão da reabilitação, que envolve a

possibilidade de reconstrução de identidades profissionais.

Tal assunto revela-se delicado, para aqueles que passam pelo processo de reabilitação,

por envolver sentimentos intensos relacionados ao sofrimento e a situações de adoecimento.

Germinam, no decorrer do processo, novos modos de vida carregados de sentido; muda-se a

representação do trabalho na vida cotidiana desses trabalhadores, em um mesmo instante em

que devem superar limites para voltar a sentir-se útil enquanto trabalhadores e serem aceitos

pela sociedade em uma nova condição laboral.

Uma vez que o estudo poderá contribuir para aprofundar a discussão sobre a

identidade profissional, reconhecendo o papel central do trabalho enquanto um sentido de

vida, poderá incitar novas reflexões sobre as relações do homem com o trabalho e as novas

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formas de enfrentamento desses sujeitos para se manter no mercado de trabalho, apesar da

fragilidade apresentada devido ao adoecimento, e/ou acidente, que levaram a restrições de

suas atividades e/ou a incapacidades laborais. A prevenção dos riscos ocupacionais tem o

papel crucial de amenizar possível reabilitação profissional, na medida em que amplia a

intervenção do Serviço Social na área de saúde do trabalhador.

A reconstrução da identidade profissional é uma tarefa instigante, que possibilita

desvendar várias reflexões sobre o trabalho na área de reabilitação, assim, supera o

imediatismo das ações e propicia o conhecimento das perspectivas dos sujeitos em relação às

condições de vida no contexto do mundo do trabalho na sociedade capitalista.

De acordo com Iamamoto (2007, p. 28),

Decifrar as novas mediações através das quais se expressa a “questão social” na cena

contemporânea é de fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla

perspectiva: para que se possa apreender as várias expressões que as desigualdades

sociais assumem na atualidade e no processo de sua produção e reprodução

ampliada; e para projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida.

Para além das constatações, a perspectiva esperada é nesse sentido, decifrar novas

mediações para propor formas de resistências dos sujeitos por meio de um olhar para a

reabilitação como possibilidade de reconstrução de identidades profissionais e inserção

laboral.

A dissertação compõem-se de introdução, três capítulos e considerações finais.

No Capítulo I, trata-se da contextualização do universo de pesquisa, ou seja, da

descrição mais minuciosa da realidade em que estão inseridos os sujeitos sociais; o cenário e o

local, permitindo entender as influências e tendências do passado, presente e futuro que

movimentam o cotidiano dos protagonistas da pesquisa. Ainda no Capítulo I, apresentam-se

os procedimentos metodológicos e os sujeitos, como trabalhadores do serviço público da

Prefeitura do Município de Piracicaba, a fim de apreender as relações sociais e explorar o

contexto social do serviço público.

Ao determinar o período da pesquisa, analisam-se as transformações políticas,

econômicas e sociais que influenciam as relações dos sujeitos sociais, tornando possível a

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observação de suas experiências. Thompson traz importantes reflexões, em seus estudos1,

sobre como as categorias de classe e a consciência revelam-se na experiência humana. Para o

autor, não há uma classe sem experiência. A experiência nos permite entender os sentidos do

trabalho produzido pelos próprios sujeitos da pesquisa. Na perspectiva de análise trazida pelo

autor, que considera a classe como relações de pessoas legítimas dentro de um contexto,

entendemos as relações de luta.

A luta travada no dia a dia pelo trabalhador que passou pelo processo de reabilitação

no serviço público e as estratégias para manter-se enquanto trabalhador é a experiência que

queremos apreender com o presente estudo.

Os pressupostos que sustentam as bases do estudo fundamentam-se teoricamente na

percepção de Martinelli; Minayo e Portelli (2012, p. 8) que trazem as contribuições

necessárias para a realização da pesquisa qualitativa, “(...) reconhecendo na prática da

pesquisa a possibilidade de qualificar tanto o conhecimento quanto a intervenção profissional,

além de garantir, pelo uso da história oral, que memórias de vida densamente vividas não se

percam ao longo do tempo”. De tal modo que, com a pesquisa qualitativa, torna-se possível

desvendar espaços mais profundos das relações sociais. (MINAYO, 2000)

No Capítulo II, apresenta-se o estudo sobre as transformações do mundo do trabalho,

abrangendo a precarização das atividades e o adoecimento. Procura-se entender a organização

do trabalho no serviço público e o trabalho como perspectiva do direito social.

Ianni (1992) situa a importância do processo histórico na organização das relações de

trabalho influenciadas pelos movimentos do capital. Mesclam-se, na análise, as contribuições

de vários autores, relevantes para traçar as transformações do mundo do trabalho, na área do

Serviço Social que estuda as relações trabalhistas. As contribuições de Iamamoto, Raichelis,

Pochmann, Boron, Yazbek, complementadas por reflexão de outras referências, vão trazendo

à tona essas transformações, que permitem iniciar uma discussão das dimensões do mundo do

trabalho.

Os pressupostos que permeiam o estudo sobre a categoria do trabalho, baseiam-se em

Antunes (2010), recuperando várias obras de Marx, a partir do entendimento do trabalho

como um processo de transformação em que participam o homem e a natureza. Antunes

1 Referenciam-se os estudos do historiador britânico Edward P. Thompson, importante referência da concepção

teórica marxista para a compreensão das categorias classe, consciência, experiência e cultura, em seus estudos

sobre as experiências acerca da sociedade inglesa Industrial. O autor traz importantes reflexões em suas obras: A

Formação da Classe Operária Inglesa (3 volumes), A Miséria da Teoria e Costume em Comum – Estudo sobre

Cultura Popular Tradicional.

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(2010) aponta o trabalho como central à vida e sua nova morfologia na sociedade

contemporânea.

Verifica-se o conhecimento empírico da experiência dos trabalhadores que concluíram

o processo de reabilitação relacionando a discussão do trabalho na perspectiva ontológica

histórica, em face das determinações que impulsionam os mecanismos em que se

desenvolvem tais relações.

Com base em Marx (2011), e na reflexão trazida em sua obra2, trata-se do trabalho

alienado, fruto do modo de produção e da exploração do capitalismo. Por meio da produção

da mais valia, apresenta-se também o trabalho como direito social e seu sentido

emancipatório. Nessa perspectiva, entende-se o sentido humanizador do trabalho, a

importância da defesa de sua centralidade para o ser social, recorrendo-se ao pensamento

materialista histórico.

Ainda no Capítulo II, aponta-se a Reforma do Estado a partir das referências de Dal

Rosso. Verifica-se como esse processo influenciou as relações no serviço público na década

de 2000. Entende-se como a questão do neoliberalismo tem conduzido as relações de trabalho,

tornando-o precário e intensificado. Para tratar da precarização, há contribuições também de

Druck e Lourenço, expoentes na questão da saúde do trabalhador.

Assim, entra-se no adoecimento pelo trabalho, entendendo o desgaste mental do

trabalhador segundo Seligman-Silva (2011, p. 42) que busca apreender “aspectos que dizem

respeito à constituição do desgaste mental e à construção de resistências diante das

transformações interconectadas do trabalho e dos fenômenos de dominação”. Revelam-se o

sofrimento e desgaste mental, trazendo elementos centrais para tratar do adoecimento no

serviço público.

Apontam-se algumas contribuições de Dejours (1992, p. 43), que indica o conceito:

“Do choque entre um indivíduo, dotado de uma história personalizada, e a organização do

trabalho, portadora de uma injunção despersonalizante, emergem uma vivência e um

sofrimento (...)”, contribuindo para o entendimento da categoria do sofrimento no trabalho.

Ainda nesse sentido, Sawaia (2006) fala do sofrimento ético-político com a reflexão

direcionada ao campo ético-político, o que permite a discussão de valores e dos impactos do

capitalismo sobre a vida dos trabalhadores em questão.

2 Obra de Karl Marx: O Capital, Crítica da Economia Política, no livro primeiro: O Processo de Produção do

Capital -, v. II, Capítulo V.

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O Capítulo III fundamenta-se nas reflexões realizadas nos capítulos anteriores, que

apresentam referências para a sua construção e as Considerações Finais.

Martinelli (2000, p. 25) também contribui para o Capítulo III, em que se discorre sobre

a categoria identidade, pois é referência em seus estudos “(...) compreender as formas

históricas de manifestação de identidade (...)”. Nesse sentido, verifica-se que, para reconstruir

a sua identidade profissional, o trabalhador que foi reabilitado não se desvencilha de sua

história e dos processos identitários que resultam de suas interações como trabalhador, mesmo

que, em dado momento, julgue ter perdido o sentido de seu trabalho e se distancie de sua

profissão, devido ao adoecimento, mantém uma manifestação de sua identidade. Assim, faz-se

necessário entender o significado da identidade profissional e da identidade atribuída.

Ainda no Capítulo III, a questão da identidade é evidenciada, vinculada à vida

cotidiana e à reconstrução da identidade profissional, partindo da reflexão de que

Identidade e consciência social não podem ser pensadas, portanto, a distância da

totalidade social, como abstrações ou generalidades ou como categorias isoladas; é

preciso pensá-las dialeticamente, como categorias plenas de movimento e de

historicidade. (MARTINELLI, 2000, p.19).

Heller (2008, p. 31) contribui para a reflexão sobre o cotidiano como espaço político e

contraditório. Traz à tona as conexões entre modo de vida e cotidiano por meio das

experiências dos sujeitos. “A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem

participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua

personalidade.” Considera-se que a vida cotidiana se constitui em torno da organização do

trabalho, à qual se subordinavam todas as demais formas de atividade.

Institui-se uma aproximação com a psicologia social crítica através de Ciampa, Sawaia

e Codo que trazem uma análise relevante para melhor entender a subjetividade, não como

uma categoria central para a compreensão do estudo, mas posta no sentido de conhecer o

indivíduo como pertencente ao gênero humano, ao considerar o ser humano como a história

de suas relações sociais.

Com sucessivas aproximações, discute-se a reabilitação, com a preocupação de não

perder de vista a precarização do trabalho e os riscos de agravos à saúde do trabalhador, que

levaram ao adoecimento, esquivando-se da ideia de enaltecer o processo de reabilitação, mas,

ainda, validar um olhar para a reabilitação como possibilidade de reconstrução de identidades

profissionais e de inserção laboral.

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Nas Considerações Finais chega-se à perspectiva da reabilitação como possibilidade

de reconstrução de identidades profissionais. Apresenta-se uma reflexão respaldada nos três

capítulos, com algumas sugestões e novas indagações elaboradas com base nos retornos

construídos, por meio da participação dos sujeitos da pesquisa, nas análises documentais e

bibliográficas.

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CAPÍTULO I – TRAÇANDO UM CAMINHO

A gente é um número e não é lembrado como pessoa. Para

mim, você me lembrou como pessoa, teve essa identificação

comigo ao buscar saber minha história.

(Monitora - 14, depoimento colhido através do grupo

focal em março de 2013)

Para possibilitar o conhecimento da realidade em que a pesquisa foi realizada, faz-se

necessário a contextualização do município, com a finalidade de entender sua história e os

aspectos de sua formação socioeconômica, com o propósito de aprofundar o conhecimento do

cenário em que os sujeitos do estudo convivem e as diversidades locais na dinâmica peculiar

da cidade. A aproximação permitiu-nos compor algumas considerações para nortear a

interpretação do estudo e traçar os caminhos propostos para o alcance dos objetivos da

pesquisa.

Piracicaba localiza-se no interior do Estado de São Paulo, na região Sudeste do Brasil,

(SEADE, 2012). Possui 369.768 habitantes, com a expectativa de alcançar 372.553 habitantes

até julho de 2013. Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ao analisar a

condição de vida local, encontrou-se o IDHM3 de 0,836, no ano de 2000, considerado índice

de alto desenvolvimento humano, o qual engloba os municípios com índice superior a 0,800.

A cidade foi fundada oficialmente em 1767. O significado de seu nome, a

pesquisadora, como natural da cidade, aprendeu na infância ser o “lugar onde os peixes

param”, versão que vem do Tupi-Guarani e simboliza as quedas d’água existentes no Rio

Piracicaba que fazem com que a migração dos peixes parem, em razão da piracema.4

3 Indicador utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que focaliza o

município como unidade de análise, a partir das dimensões de longevidade, educação e renda, que participam

com pesos iguais na sua determinação, segundo a fórmula:

IDHM =

Índice de Longevidade + Índice de Educação + Índice de Renda

3

(Disponível em: www.seade.gov.com. Acesso em: 24 abr. 2013.)

4 Piracema: Arribação de peixes em grandes cardumes. / Época em que ocorre essa arribação, principalmente

para a desova. / Cardume de peixes. / Bras. (SP) O rumor que fazem os peixes ao subir para a nascente na época

da desova. (Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/Piracema.html. Acesso em: 4 maio 2013.)

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No período de grande desenvolvimento econômico da cidade, na década de 1970,

destacava-se, na agricultura, o cultivo da cana-de-açúcar e do café. Ao fim do ciclo do café e

com a queda dos preços da cana-de-açúcar, ocorre a decaída dessas áreas. Assim, a partir do

século 20, teve ênfase o desenvolvimento industrial. Nesse período, a açúcar passa a ser

produzida pelas máquinas e continua como possibilidade de crescimento, pois as fábricas se

instalavam formando o centro industrial. Era a época da industrialização da cidade.

Aliada à implantação do Distrito Industrial em Piracicaba, registra-se a migração de

muitas pessoas em busca de trabalho. Outro ponto forte que movimentou a economia da

cidade foi a indústria canavieira, envolvendo atividades de produção de açúcar, álcool e

eletricidade. Inicia-se, assim, rápido crescimento urbano (IPPLAP, 2012).

Outro destaque, na história da cidade, na área de educação, desde 1934, é a Escola de

Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), renomada referência para muitos estudantes do País, que

buscavam morar na cidade com o intuito de realizar o curso de Engenharia Agrônoma. O

município está contíguo à Região Metropolitana de Campinas e situado a apenas 152

quilômetros da Região Metropolitana de São Paulo. Hoje também tem importantes

instituições de ensino, como a Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e a Faculdade

de Odontologia de Piracicaba (FOP - Unicamp).

O desenvolvimento da cidade alavanca a ampliação dos equipamentos públicos locais.

“No decorrer do século XX, com a expansão populacional e territorial de Piracicaba, novas

ações para a criação de escolas foram realizadas pela Prefeitura Municipal, principalmente a

partir de 1995, quando o Estado de São Paulo lançou o plano de municipalização do ensino

fundamental” (IPPLAP, 2012, p.15).

Para atender às mudanças do governo do Estado, que passa a municipalizar os serviços

da educação, a cidade teve que buscar meios para adequar-se a essa nova realidade e ampliar a

gestão municipal.

As mudanças são sentidas pelos moradores da cidade que, aos poucos, deixa suas

características interioranas, em que as famílias se conheciam e participavam de rodas de

conversa, na Praça José Bonifácio, palco de muitos encontros e desencontros. As relações de

convivência começam a mudar, com a industrialização, assim, a praça passa a ser utilizada

como espaço dos trabalhadores que se reuniam para discutir os assuntos políticos da cidade e

articular movimentos. Nota-se que, até nos dias de hoje, é utilizada por lideranças locais para

realizar discursos, manifestações populares e reinvindicações trabalhistas.

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Um elemento central, na história local, é o Rio Piracicaba, que é seu símbolo desde a

origem da cidade. O desenvolvimento também afeta sua paisagem, e o rio sofre muitas

modificações, apesar de lutas dos ambientalistas locais. Não foi possível conter as

transformações ao seu redor e a poluição de suas águas modifica severamente a paisagem do

rio, reflexo do sistema capitalista, onde o lucro prevalece sobre a destruição dos recursos

naturais.

A identidade da cidade está ligada ao rio e se relaciona ao seu nome, quando é

lembrada pelas pessoas, mesmo as que não são de origem local, referem-se ao rio, ao

descrevê-la. A memória do rio está presente na história. Ambos cooperam, rio e cidade, para

as percepções históricas e culturais de seus moradores vivas na memória e no imaginário de

seus habitantes.

O rio dos pescadores também se transforma, com a transformação da cidade,

Em Piracicaba, (...) todo mundo conhecia todo mundo e a gente, fechando os olhos, podia

‘ver’ cada casa de cada rua e seus habitantes. Cidade interiorana bonita, diferentes das

demais: possuía uma Escola Agrícola de muitas glórias; sediava uma das sete Escolas

Normais do Estado e tinha também, o que não perdoo lhe foi roubado, o soberbo rio e

frondoso jardim com sonoro repuxo… As professoras diplomadas e as estudantes, futuras

professorinhas – havia sempre uma, ou diversas, em cada família, eram estimadas por

todos. (FERRAZ, 1986)5.

Uma das professoras traz em sua fala semelhante lembrança da importância, na época,

dada pela sociedade ao cargo de professor,

A gente que estudou a educação sabe a questão histórica da formação, quando um

professor estudou. Antigamente, o professor era mestre, tinha cadeira, era respeitado, ele

tinha uma importância, um alto escalão, depois que ele se tornou uma ferramenta do povo,

ele desceu o nível, hoje, o médico é visto como uma pessoa de alto escalão. (Professora -

10, depoimento colhido em março de 2013).

Com o passar dos anos, a cidade transformou-se, fruto do desenvolvimento

desenfreado expande-se rapidamente formando novos bairros, e as ruas de terra, que fizeram

parte da infância da pesquisadora, transformaram-se em grandes avenidas, por onde hoje

circulam muitos veículos, no vaivém da movimentada cidade.

Segundo Chauí (2000), há uma crença generalizada de que o Brasil é um dom de

Deus e da Natureza: um País sem preconceitos e acolhedor e que só não melhora e não

5 Ercilia Guerrini Ferraz manifesta-se a respeito das lembranças da cidade em artigo publicado, em 1986, no

Jornal de Piracicaba. Disponível em: <www.provincia.com.br>.

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progride quem não trabalha, e que se completa com a suposição de que ainda falta ao País a

modernização – isto é, uma economia avançada. Essa crença também se manifesta nos

diversos elementos sobre a história da formação de Piracicaba, segundo a qual os governantes

buscaram modernizar a cidade em prol de interesses capitalistas. Pauta-se em uma ideologia

desenvolvimentista para a população, que acaba por aclamar essas mudanças com base em

metas neoliberalistas para o crescimento da economia e o aumento do consumo.

Outrossim, pensar na história da cidade é pensar na sua cultura, expressa na história

de seu povo, formada por seus valores, hábitos, tradições, entre outros fatores que expressam

o modo de vida dos piracicabanos. “Convém lembrar, ainda, que a Organização do Trabalho é

sempre penetrada pela cultura historicamente moldada e própria aos vários contextos

regionais e nacionais. (...).” (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 96).

Uma forte tradição religiosa da cidade, influenciada pelo cristianismo, é a

comemoração da Festa do Divino, que ocorre todos os anos no mês de julho, às margens do

Rio Piracicaba. Realiza-se uma festa de devoção para o Espírito Santo com grande

participação da população local e do seu entorno.

A figura de um morador, Elias dos Bonecos, também mantém atual a memória de

Piracicaba. Elias expressava seus sentimentos pela cidade e pelo rio por meio de sua arte,

como forma de protesto contra as consequências do desenvolvimento para o rio.

(...) eterno morador da Rua do Porto. Nasceu a 03 de agosto de 1931, cresceu e viveu ao

redor do Rio Piracicaba. De família simples e dependente da pesca para a alimentação

diária, Elias tornou-se um defensor do meio ambiente. Iniciou a confecção de bonecos

fazendo o primeiro para uma menina e depois, o “Judas” para a criançada da Rua do Porto.

Ao longo do tempo, transformou os bonecos em representantes dos pescadores às margens

do Rio Piracicaba, como documento presente da sua piscosidade e belezas naturais, e

também, como protesto pela propagada morte deste rio, causada pela poluição e desvio de

suas águas pelo Projeto Cantareira. (Disponível em:

<http://agendaculturalpiracicabana.blogspot.com.br/2009/04/elias-dos-bonecos-e-do-rio-

de.html>. Acesso em: 24 abr. 2013).

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Figura 1 – Bonecos de Elias e Elias dos Bonecos, respectivamente

Fonte: Disponível em: <http://agendaculturalpiracicabana.blogspot.com.br/2009/04/elias-dos-bonecos-e-do-rio-

de.html>. Acesso em: 24 abr. 2013.

O Projeto Cantareira visava o represamento do rio para o abastecimento de água da

Grande São Paulo, prejudicando a bacia do Rio Piracicaba. Esse fato fez com que muitos

moradores, como Elias, procurassem mobilizar as pessoas para sensibilizar os políticos a não

apoiar esse projeto, porém, não conseguiram impedir o seu desenvolvimento e o rio sofreu as

consequências, diminuindo sua vitalidade.

Um fato curioso, que expressa a cultura do povo piracicabano por meio da culinária

típica local, são as pamonhas de Piracicaba, assim vendidas: “Pamonhas, pamonhas,

pamonhas, pamonhas de Piracicaba. É o puro creme do milho verde. Venham experimentar

estas delícias. Pamonhas quentinhas, pamonhas caseiras, pamonhas de Piracicaba (...)”

(WIKIPEDIA, 2013). Os vendedores ambulantes de pamonha, de todo o País, costumam usar

cópia da gravação feita em Piracicaba, na década de 1970. Esse pregão, utilizado para vender

o doce feito de milho, tornou Piracicaba conhecida pelas pamonhas em várias localidades do

Estado de São Paulo (WIKIPEDIA, 2013).

Em relação ao rio, está em desenvolvimento, desde meados de 2010, processo de

revitalização de suas margens com o projeto Beira Rio, que é fruto de uma parceria público-

privada, entre a prefeitura e Petrobras, empresa de petróleo brasileiro, que investiu recursos

no projeto que tem como conceito “a visão de que o rio e a cidade de Piracicaba formam uma

mesma entidade biocultural” (IPPLAP, 2013). O projeto aponta a necessidade do

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restabelecimento da margem, levando em consideração “a sustentabilidade entre o homem,

cultura e o meio” (IPPLAP, 2013).6

A dinâmica da cidade está em interação com seus moradores, nesse espaço onde as

pessoas se relacionam e convivem, interagindo com o meio ambiente. Constituem, assim,

diferentes perspectivas da cidade e de sua condição social, a partir de suas relações e ações

relacionadas a mudanças socioeconômicas e culturais, desenvolvendo uma cultura peculiar.

Uma vez que sua projeção na história e na formação socioeconômica esteve

relacionada à influência da cana-de-açúcar, que, apesar dos avanços tecnológicos, conseguiu

manter a sua posição de grande relevância econômica na cidade e região.

Pois não existe desenvolvimento econômico que não seja ao mesmo tempo

desenvolvimento ou mudança de uma cultura. E o desenvolvimento da

consciência social, como o desenvolvimento da mente de um poeta, jamais

pode ser, em última análise, planejado. (THOMPSON, 1998, p. 304).

Afinal o desenvolvimento chega e a cidade tem assim transformado o seu cenário.

Influenciada pelo crescimento urbano e pelo econômico, deixa de ser uma pequena cidade do

interior e passa a ser considerada uma grande cidade, trazendo com essa nova identidade todas

as características com suas fortes marcas de desigualdade presentes no cotidiano de seus

moradores.

6 Disponível em: <www.ipplap.com.br/projetos.beirario_introdução>. Acesso em: 19 abr. 2013.

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Figura 2 – Vista do Rio Piracicaba e da Rua do Porto, a partir da atual Praça Miguel Dutra,

início do século 20

Fonte: Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba (IPPLAP) (2013). Disponível em:

<http://www.ipplap.com.br/acidade_imagens.php>.

Figura 3 – Cidade de Piracicaba na década de 2000

Fonte: Prefeitura do Município de Piracicaba. Arquivo interno (IPLAPP , 2013)

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O crescimento intenso da cidade amplia a demanda do município por serviços públicos

necessários para garantir o bem-estar da população.

O acesso é realizado através dos equipamentos públicos das áreas de educação,

segurança, lazer, saúde, transporte, cultura, assistência social e meio ambiente, que envolvem

o atendimento direto das necessidades da população.

Para entender como se organiza o serviço público municipal de Piracicaba, é

indispensável relacioná-lo à análise das condições estruturais e do complexo socioeconômico

e político da cidade, para proporcionar a visualização da rede de serviços públicos existentes

no município. Entretanto, sem perder de vista os sujeitos, nesse contexto.

Quanto à situação socioeconômica, observa-se a Política Nacional de Assistência

Social (PNAS-2004), como uma referência teórica a partir dos parâmetros utilizados para

configurar a totalidade dos municípios brasileiros, favorecendo o conhecimento da dinâmica

que se processa no cotidiano das populações.

Os dados gerais do País que compõem a PNAS-2004 proporcionam a análise

situacional macro, ao considerar os seus grandes grupos (Quadro 1).

Quadro 1 – PNAS-2004 – Classificação dos municípios segundo o total de habitantes

Classificação População

Municípios pequenos 1 até 20 mil habitantes

Municípios pequenos 2 entre 20.001 a 50 mil habitantes

Municípios médios entre 50.001 a 100 mil habitantes

Municípios grandes entre 100.001 a 900 mil habitantes

Metrópoles superior a 900 mil habitantes

Fonte: Adaptado pela autora – PNAS (2004)

Piracicaba é considerado município de grande porte, com população entre 100.001 a

900 mil habitantes. O Quadro 2 indica que 23,55% da população dos municípios grandes está

vivendo com renda per capita abaixo da linha de pobreza. Esse dado demonstra a importância

da rede de atendimentos para esse contingente populacional, que depende exclusivamente das

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políticas públicas para sobreviver. A execução dos serviços públicos implica diretamente o

trabalho dos servidores públicos.

Quadro 2 – Concentração da pobreza nos grupos de municípios classificados pela população de 2000

Municípios

classificados

pela

população

Total de

municípios

População

Total

População com

renda per capita

abaixo da linha da

pobreza

Média da

População com

renda per capita

abaixo da linha

de pobreza em

cada município

População com

renda per capita

abaixo da linha

de pobreza

Grande porte 209 50.321.723 11.852.368 56.710 23,55%

Fonte: Adaptado pela autora – PNAS (2004)

Figura 4 – Mapa dos municípios do Brasil

Fonte: Base de Dados PNAS, 2004 - Atlas do Desenvolvimento Humano, 2002

Os municípios de grande porte são mais complexos, na sua estruturação econômica,

assim como os polos de regiões e as sedes de serviços especializados, pois, normalmente,

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concentram mais oportunidades de emprego e oferecem maior número de serviços públicos e

infraestrutura, ou seja, apresentam grande demanda por serviços das várias áreas das políticas

públicas. De acordo com o Mapa da Exclusão/Inclusão Social da cidade,

Piracicaba possui um dos principais polos de fomento de pesquisa tecnológica e

científica do país, abrigando importantes universidades e centros de pesquisa,

convivendo com bairros marcados pela pobreza, precariedade territorial e

vulnerabilidades sociais. (...) apresenta uma realidade típica que marca as cidades

brasileiras onde se concentram grandes demandas por melhores condições

habitacionais, empregos, serviços e equipamentos básicos de educação e saúde,

dentre outras. Sem dúvida, as cidades trazem o lado mais terrível da atual realidade

brasileira caracterizada por traços profundos de desigualdades socioterritoriais, com

padrões injustos de apropriação das riquezas sociais produzidas coletivamente.

(PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRACICABA, 2003, p. 7)7.

Ainda na análise macro, também se deve observar que Piracicaba está contíguo à

Região Metropolitana de Campinas (RMC), que é constituída por 19 municípios paulistas, um

grande centro urbano-industrial e também está situado próximo à Região Metropolitana de

São Paulo. Assim, sofre influências das duas regiões, que são de supra importância para o

desenvolvimento econômico e social da cidade e sua formação sócio-histórica.

De acordo com a Fundação Seade (Quadro 3), o Produto Interno Bruto (PIB), do

Município de Piracicaba, esteve entre os 20 mais bem classificados no ranking do Estado de

São Paulo, do ano de 2010.

Quadro 3 – Municípios mais bem classificados no ranking do PIB municipal no Estado de São Paulo, 2000-2010

RANKING DO PIB MUNICIPAL

Classificação Ano

2000 2010

1 São Paulo São Paulo

2 São José dos Campos Guarulhos

3 Guarulhos Campinas

4 Campinas Osasco

5 São Bernardo do Campo São Bernardo do Campo

6 Barueri Barueri

7 Osasco Santos

(Continua)

7 Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de Piracicaba – ano de 2003. Realizado com a assessoria técnica

do Instituto de Estudos de Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Polis).

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Quadro 3 – Municípios mais bem classificados no ranking do PIB municipal no Estado de São Paulo, 2000-2010

RANKING DO PIB MUNICIPAL

Classificação Ano

2000 2010

8 Santo André São José dos Campos

9 Sorocaba Jundiaí

10 Ribeirão Preto Santo André

11 Jundiaí Ribeirão Preto

12 Paulínia Sorocaba

13 Santos Diadema

14 Diadema São Caetano do Sul

15 São Caetano do Sul Piracicaba

16 São José do Rio Preto Taubaté

17 Mauá São José do Rio Preto

18 Piracicaba Louveira

19 Taubaté Mogi das Cruzes

20 Cubatão Paulínia

Fontes: Fundação Seade e IBGE

Observa-se que Piracicaba, em 2000, encontrava-se no décimo oitavo lugar; enquanto

que, em 2010, ocupa o décimo quinto lugar. Em comparação, nota-se que Piracicaba

melhorou seu PIB. Esse fato pode estar associado ao avanço significativo do setor industrial:

“(...) os municípios de Jundiaí, Piracicaba e Taubaté ocuparam melhor posição no ranking em

razão da maior participação no VA industrial8 e do setor de serviços entre 2000 e 2010”

(SEADE, 2012, p. 4).

Ao analisar a Tabela 1, do perfil do município, nota-se que o setor de maior

empregabilidade é o de serviços, com 41.975 empregos; em segundo, o da indústria, com

39.660 vagas, no ano de 2011; em seguida, apresenta-se o setor do comércio. Nesse âmbito,

destaca-se o setor da Administração Pública, por ser a área de atividade de interesse, no

estudo, e apresenta a quinta posição, em números relativos a 2011. Observa-se, entre os anos

de 2010 a 2011, que o número cresceu de 5.269, para 6.691, equivalendo ao saldo de 432

empregos e alcançando o terceiro lugar, em 2012.

8 VA Industrial é a participação no Valor Adicionado da Indústria (SEADE, 2012).

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Tabela 1 – Perfil do município, de acordo com as atividades econômicas

SETOR DE

ATIVIDADE

ECONÔMICA

IBGE

ESTOQUE ANUAL Estimativa do

estoque 2013

(Estoque/201

1 + Saldo

2012 + Jan-

Fev/2013)

% 2010 2011

Saldo de

2012

(CAGED)

Saldo Jan-

Fev/2013

(CAGED)

Extrativa Mineral 77 77 7 0 84 0,06

Indústria de

Transformação 38.564 39.660 1.727 1.371 42.758 32,53

Serviços Indústriais

de Utilidade Pública 718 721 536 41 1.298 0,99

Construção Civil 5.605 7.206 103 352 7.661 5,83

Comércio 27.618 29.736 168 -367 29.537 22,47

Serviços 38.713 41.975 -282 452 42.145 32,06

Administração

Pública 5.269 6.691 432 -1 7.122 5,42

Agropecuária 981 1.053 -225 24 852 0,65

TOTAL 117.545 127.119 2.466 1.872 131.457 100,00

Fonte: Dados fornecidos pela Secretaria Municipal do Trabalho e Renda (Semtre)

Os jovens da cidade são cerca de 24 mil e ao refletir sobre a questão da inserção no

mercado de trabalho, analisa-se o saldo de empregos para esse segmento populacional. Na

Tabela 2, verifica-se que as oportunidades estão relacionadas a serviços e à indústria. Desse

modo, há um forte atrativo para os jovens, para esse mercado, que contam como facilitadora

dessa inserção profissional a disponibilização de vários cursos técnicos, no município, que

propiciam oportunidades nessas áreas.

Com esse enfoque, destacam-se algumas instituições de ensino que apresentam ampla

procura por jovens, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o Serviço

Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), a Fundação Municipal de Ensino de

Piracicaba (Fumep) e a Escola Técnica Estadual (Etec) Cel. Fernando Febeliano da Costa.

Todas oferecem cursos específicos de preparo da mão de obra local para inserção no mercado

de trabalho, suprindo a demanda específica de grandes indústrias de Piracicaba, ditas como

tradicionais, como a Caterpillar do Brasil, Delphi Automotive System, Dedini S.A. e a recém-

chegada Hyundai.

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O que se observa é uma demanda, nessas empresas, para o gênero masculino, por

estarem relacionadas, em sua maioria, com o setor automobilístico e de peças industriais, e

nas quais ainda prevalecem funções culturalmente ocupadas por pessoas do gênero masculino.

Tabela 2 – Perfil do município de acordo com a faixa etária

FAIXA

ETÁRIA 2010 2011

Saldo Jan-

Dez/2012

Saldo Jan-

Fev/2013

TOTAL

(2011 + Saldo

Jan-Dez/2012 +

Jan-Fev/2013)

Total

(%)

Até 17 2.020 2.272 1.365 258 3.895 2,96

18 a 24 22.845 23.805 1.933 576 26.314 20,02

25 a 29 21.269 22.372 383 217 22.972 17,47

30 a 39 32.515 36.122 27 532 36.681 27,90

40 a 49 23.030 24.698 -451 262 24.509 18,64

50 a 64 14.809 16.570 -602 41 16.009 12,18

65 ou mais 1.057 1.280 -189 -14 1.077 0,82

Total 117.545 127.119 2.466 1.872 131.457 100,00

Fonte: Dados fornecidos pela Secretaria Municipal do Trabalho e Renda (Semtre)

Na Tabela 3, verifica-se que, no quesito gênero, em Piracicaba, há uma porcentagem

maior de pessoas do sexo masculino, totalizando 62,13%, em relação a 37,87% da população

feminina.

Tabela 3 – Perfil do Município de Piracicaba, de acordo com o gênero

GÊNERO Masculino Masc.

(%) Feminino

Fem.

(%)

Estoque

(Soma Masc. +

Fem.)

2010 74.468 63,35 43.077 36,65 117.545

2011 78.978 62,13 48.141 37,87 127.119

Saldo 2012 559 22,67 1.907 77,33 2.466

Saldo Jan-Fev/2013 1.398 74,68 474 25,32 1.872

Total 80.935 61,57 50.522 38,43 131.457

Fonte: CAGED e RAIS/MTE.

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Apesar da porcentagem maior de pessoas do sexo masculino no município, o serviço

público não espelha esse dado. Essa relação não se repete no setor público municipal, onde

prevalece a maioria de funcionários do sexo feminino.

A Tabela 4 mostra que cerca de 70% dos funcionários públicos, em 2011, eram do

sexo feminino e concentrados, em sua maioria, na faixa etária de 30 a 49 anos. Destaca-se a

característica de o gênero feminino predominar no serviço público.

Tabela 4 – Perfil dos funcionários públicos municipais por faixa etária e gênero

FAIXA

ETÁRIA

2010 2011

Masculino Feminino TOTAL Masculino Feminino TOTAL

Até 17 0 0 0 0 0 0

18 a 24 34 98 132 42 212 254

25 a 29 105 371 476 141 592 733

30 a 39 385 1.115 1.500 482 1.537 2.019

40 a 49 671 1061 1.732 694 1307 2.001

50 a 64 594 751 1.345 678 894 1.572

65 ou mais 49 35 84 59 53 112

Total 1.838 3.431 5.269 2.096 4.595 6.691

Fonte: RAIS – Ministério do Trabalho e Emprego (IPPLAP, 2013). Adaptada pela autora.

Ressaltando o papel fundamental dos gestores do município no processo de

desenvolvimento econômico e social, reafirma-se a responsabilidade pela oferta de serviços

que proporcionem melhor qualidade de vida aos munícipes.

O desenvolvimento econômico influi diretamente no total da arrecadação municipal,

compondo a previsão orçamentária para os investimentos nos serviços públicos que serão

disponibilizados para a gestão da cidade, possibilitando ou não a redistribuição da riqueza

entre os moradores.

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O Município de Piracicaba adota como parâmetros, para a construção da Lei

Orçamentária Anual (LOA), a média de crescimento anual do PIB e a Inflação Média Anual

conforme indicação do Banco Central, em 2013. Segundo dados da Secretaria Municipal das

Finanças, a receita corrente prevista é de R$1.139.047.979,00, para 2013. Em 2012, foi de R$

1.028.720.366,00.

O Gráfico 1 traz a arrecadação, em porcentagem, conforme o tipo de receitas previsto

para a arrecadação municipal, facilitando o entendimento da lógica da riqueza dos recursos

públicos.

Gráfico 1 – Previsão de arrecadação do município (em %) – LOA-2013

Fonte: Secretaria Municipal de Finanças/Prefeitura Municipal de Piracicaba - janeiro de 2013. Disponível

em: <http://www.financas.piracicaba.sp.gov.br/goto/store/texto/25/audiencias-publicas>.

As receitas municipais são arrecadadas com base nos seguintes impostos: o Imposto

sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS); Imposto sobre Serviços de

Qualquer Natureza (ISSQN); Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);

Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); Fundo de Participação dos

Municípios (FPM) e Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

Segundo dados da Secretaria Municipal de Finanças, a previsão na LOA/2013

demonstra que os maiores investimentos são para as Secretarias de Saúde e de Educação. A

primeira tem previsão de 31,79% do orçamento municipal e, a segunda, de 27,19% (LOA,

2013).

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Ressalta-se que é oriunda da Secretaria da Educação a maioria dos sujeitos indicados

para a reabilitação profissional e está entre as duas maiores secretarias que agregam o maior

número de serviços públicos; a segunda é a Secretaria Municipal da Saúde.

Para entender como estão configurados os serviços da Secretaria Municipal de

Educação, apresenta-se o mapa que contém todos os locais onde estão distribuídos permitindo

uma análise territorial do município e da distribuição dos equipamentos públicos que fazem

parte do cotidiano dos sujeitos da pesquisa. Os locais mencionados e discriminados no mapa

são os postos de trabalho em que atuavam os trabalhadores antes do processo de reabilitação e

em que a maioria ainda atua.

Na visualização do mapa, entende-se a dimensão do atendimento do serviço público,

que envolve todo o município e releva-se a sua importância na cidade.

Figura 5 – Mapa de equipamentos públicos municipais de Saúde e Educação

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Além da importância do serviço público para a cidade, acresça-se que o acesso a esses

serviços está relacionado a uma melhor qualidade de vida. Sposati (2003, p.76) apresenta duas

premissas, ao analisar a qualidade de vida no Mapa da Exclusão/Inclusão Social da cidade de

Piracicaba:

(...) a noção de qualidade de vida envolve duas grandes questões: a qualidade e a

democratização dos acessos às condições de preservação do homem, da natureza e

do meio ambiente. Sob esta dupla consideração entendeu-se que a qualidade de vida

é a possibilidade de melhor redistribuição – e usufruto – da riqueza social e

tecnológica aos cidadãos de uma comunidade; a garantia de um ambiente de

desenvolvimento ecológico e participativo de respeito ao homem e à natureza, com

o menor grau de degradação e precariedade. (PREFEITURA MUNICIPAL DE

PIRACICABA, 2003. Disponível em: <ipplap.com.br/site/planejamento/estudos-e-

pesquisas/mapa-da-exclusaoinclusao-social>. Acesso em: 25 abr. 2013).

Deste modo, o investimento em recursos humanos é possível e necessário, pois

melhorar a qualidade de vida dos servidores públicos significa também investir em serviços

públicos adequados para a população, principal financiadora, por meio do pagamento de

impostos.

1.1 Local da Pesquisa e Características do Serviço Público

A Prefeitura do Município de Piracicaba presta serviços para toda a população e a

gestão é realizada por 17 secretarias e três autarquias. Segundo dados do IPPLAP (2012), a

prefeitura contém, em seu quadro, 6.691 servidores públicos, conforme o levantamento

realizado em 2011, que estão exercendo suas funções nos diversos equipamentos públicos que

compõem cada secretaria municipal.

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Figura 6 – Prefeitura de Piracicaba - Edifício onde se localiza a Secretaria Municipal de Administração

Fonte: Disponível em: <http://www.selam.piracicaba.sp.gov.br/site/sobre-a-selam/140-endereco.html>. Acesso em:

jan. 2012

Conforme a área de atuação e as especificidades do setor público, existe diversidade

de funções e sabe-se que as atividades realizadas pelo trabalhador possuem características

peculiares que as relacionam a uma menor ou maior possibilidade de adoecimento.

A configuração do trabalho, como as tarefas, metas, atividades, o tempo de trabalho,

ambiente, a gestão, entre outros fatores, provocam o desgaste desses trabalhadores, seja no

aspecto físico e/ou mental, tornando-os sujeitos a adoecer e a passar por um processo de

reabilitação profissional.

Dentro do universo dos 6.691 servidores municipais, 82 concluíram seus processos de

reabilitação no período de 2006 a 2011. Para compor esse dado, considerou-se a

movimentação do trabalho da reabilitação, que recebe servidores encaminhados pelo Instituto

Nacional do Seguro Social (INSS), no caso, os servidores sob o regime de trabalho da

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e pelos próprios serviços da prefeitura, por meio

da Junta Médica Oficial e/ou pelo Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e

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Medicina do Trabalho (SESMT), no caso, os servidores de regime de trabalho estatutário.

Ambos os encaminhamentos ao processo de reabilitação ocorrem por indicação médica.

Neste dado, consideram-se apenas os servidores que foram reabilitados, e não se

consideram as adaptações, ou seja, não foram considerados os casos em que, após a conclusão

da reabilitação profissional, o servidor continuou a exercer o seu cargo de origem com

restrições no desempenho de algumas atividades.

Observam-se duas definições essenciais, para entender o estudo proposto: O que são

reabilitação e adaptação para o serviço público municipal. Considera-se adaptação quando o

trabalhador continua a exercer sua função, com algumas restrições, ou seja, continua na

mesma função, porém, podem ocorrer alguns fatores, como a modificação de algumas

atividades, do ambiente, dos equipamentos, entre outros específicos da necessidade advinda

do processo de adoecimento. A segunda definição é a reabilitação profissional, que ocorre

quando o trabalhador deixa de exercer a sua função e passa a ter uma função diferente do seu

cargo de origem9, conforme sua nova condição de saúde.

Todavia, não foi possível considerar o número das adaptações para a pesquisa, tendo

em vista ser um dado que não foi alcançado para quantificar, devido à dinâmica em que são

realizadas na prefeitura - podem ser temporárias e/ou permanentes -, e não necessariamente o

SESMT, como setor responsável pelo serviço, tem o controle preciso desse número (consulta

ao setor SESMT em junho de 2012).

No cotidiano de trabalho, os médicos do SESMT costumam emitir ofícios diretamente

para as chefias e/ou gestores municipais, para indicar a adaptação. Também ocorre da própria

chefia, muitas vezes, afastar o funcionário temporariamente da função, até que apresente

melhoras na situação de saúde.

Conforme a apreensão desses procedimentos pela pesquisadora, como profissional do

setor, observa-se que os casos ocorrem muitas vezes devido ao adoecimento temporário,

como pequenas cirurgias, gestações de risco, entre outras situações que prejudicam

temporariamente a execução das atividades rotineiras do trabalhador. Deste modo, designam-

se as adaptações, que podem ser temporárias, a critério da indicação médica.

9 Considera-se cargo de origem, no presente estudo, o cargo para o qual o trabalhador foi contratado para exercer

inicialmente no serviço público municipal, mediante edital de contratação por concurso público.

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Também ocorre que algumas adaptações se tornam permanentes e, em outros casos,

em que o trabalhador não consegue se adaptar, é indicada nova avaliação médica e assim pode

ocorrer o pedido de reabilitação profissional.

Há, ainda, que analisar, a partir dos dados quantitativos, os aspectos funcionais dos

servidores que concluíram o processo de reabilitação no período de 2006 a 2011. Esses dados

foram organizados em planilhas e classificados em tabelas e gráficos que serão tratados no

decorrer dos capítulos.

Na análise da Tabela 5, nota-se que a maior porcentagem de reabilitados (0,484%),

ocorreu no ano de 2009. Talvez seja porque, nesse ano, foi encaminhado, pela Secretaria

Municipal de Administração, um grupo de servidores, para o serviço de perícias médicas, o

qual verificou a necessidade de reabilitação profissional.

Tabela 5 – Número anual de trabalhadores que terminaram o processo de reabilitação em relação ao total dos

trabalhadores do serviço público municipal

Ano

Número de

trabalhadores que

concluíram o processo

de reabilitação

Número de

trabalhadores do

serviço público

municipal

Porcentagem

(%)

2006 5 4.834 0,103

2007 11 5.009 0,219

2008 11 4.828 0,227

2009 26 5.370 0,484

2010 14 5.269 0,265

2011 15 6.691 0,224

Fonte: Cruzamento de dados do Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012 e dados do IPPLAP - 2012 - Prefeitura

de Piracicaba

No ano de 2009, o serviço de reabilitação profissional obtém visibilidade externa, ao

ganhar o prêmio de reabilitação profissional dado pelo Centro Brasileiro de Segurança e

Saúde Industrial (CBSSI).10

A notoriedade do programa tornou-o referência para diversas

10

O programa de reabilitação da Prefeitura de Piracicaba foi reconhecido por um prêmio nacional como a

Melhor Prática em Reabilitação Funcional, concedido pelo CBSSI, em 2009. A pesquisadora é membro da

equipe ganhadora do prêmio. No Anexo A consta o documento procedente da premiação.

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práticas em reabilitação, fato evidenciado pela procura, por parte das prefeituras, como

referência de experiência da equipe para implantar projetos pilotos na área.

Na Tabela 6, verifica-se, na análise do número de servidores que foram reabilitados,

por secretaria, que há maior incidência de reabilitação na Secretaria Municipal de Educação,

com 78% dos trabalhadores que passaram pelo processo.

Tabela 6 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação, por secretaria/área

Secretarias/Áreas Número de trabalhadores que

concluíram a reabilitação

Porcentagem

(%)

Administração 1 1,25%

Agricultura 2 2,3%

Educação 65 78%

Guarda 1 1,25%

Obras 1 1,25%

Meio Ambiente 1 1,25%

Saúde 7 9%

Trânsito 2 2,3%

Trânsito Interno 2 2,3%

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012

A Tabela 6 refere-se às áreas de origem dos trabalhadores reabilitados, ou seja,

considerando o tipo de trabalho que realizavam nas secretarias em que atuavam antes de ser

indicada a reabilitação profissional.

Nota-se que não foram mencionadas algumas áreas de trabalho existentes nos serviços

da prefeitura por não ter sido identificada nenhuma reabilitação profissional, no período

analisado, direcionada aos servidores que ali trabalhavam.

Não foram mencionadas as áreas de desenvolvimento econômico, desenvolvimento

social, finanças, turismo, lazer e esporte, governo, procuradoria-geral e trabalho e renda.

Chama-se a atenção para este fato, por nos remeter a considerar que nessas áreas não ocorreu

nenhum adoecimento e/ou acidente de trabalho que tivesse levado ao processo de reabilitação

profissional.

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O serviço de reabilitação profissional, a partir de 2006, passa a ser desenvolvido por

uma equipe técnica profissional composta por médico, psicólogo, assistente social, pedagogo

e técnico de Segurança do Trabalho, com atividades no Serviço Municipal de Perícias

Médicas (Sempem), que é responsável pela coordenação do Programa de Reabilitação

Profissional (PRP) e também oferece serviços, como a Perícia Médica Municipal, vinculados

a procedimentos em servidores municipais que dão entrada em licenças médicas. A Junta

Médica Oficial é composta por três médicos, que avaliam casos de invalidez. O setor também

é responsável pelo controle de afastamentos médicos e fornecimento de medicação aos

servidores municipais, mediante triagem social. Também existe o serviço de empréstimos de

equipamentos médicos, para servidores e seus dependentes.

Anteriormente, o trabalho de reabilitação da prefeitura era realizado de forma rápida,

se comparada à forma atual, pois o médico emitia um oficio, o técnico de Segurança do

Trabalho verificava o local e a assistente social avisava a chefia e o funcionário.

Há poucos registros anteriores a 2006, nos prontuários. O conhecimento obtido pela

pesquisadora, anterior a essa data, revelou-se pelas falas dos próprios trabalhadores, que

passaram pela perícia médica na época e buscaram novamente o setor para reavaliação

médica, por não terem definidas suas atividades e, conforme mudaram suas chefias, foram

colocados novamente para exercer a antiga função, pois não possuem um documento oficial

que assegure suas atividades atuais, diferente de como ocorre nos dias de hoje, em que as

atividades são publicadas em Diário Oficial e ratificadas pela Junta Médica Oficial do

município ficando anexadas em prontuários médico e funcional, tendo cada servidor e sua

chefia uma cópia do documento, no qual constam as atividades e a função designadas pelo

processo de reabilitação.

O Sempem é o local onde os servidores públicos municipais precisam entregar

atestados médicos e exames complementares, quando necessitam solicitar licença médica para

afastamento do trabalho. Devem apresentar a documentação e, posteriormente, passar pela

perícia médica municipal, onde obtém informações quanto ao auxílio-doença ser deferido ou

não.

No entanto, os funcionários públicos contratados pelo regime de trabalho baseado na

legislação trabalhista CLT, seguem as normativas do INSS, segundo a qual, após 15 dias de

afastamento médico, é necessário também dar entrada na licença-médica, pois se trata do

“Benefício concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de

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15 dias consecutivos” (INSS, 2013). A entrada é realizada junto ao INSS, assim, para

continuar a receber o beneficio de auxílio-doença é necessário também submeter-se a perícia

médica da previdência social.

Apesar do recebimento do benefício de auxílio-doença ser garantido por lei, em

algumas ocasiões, nota-se que pode haver atraso desse recebimento, muitas vezes relacionado

à burocracia de papéis exigida para dar entrada no benefício. Como confirma o acontecido

com a Merendeira – 7, que ficou um período sem receber o benefício auxílio-doença.

Até hoje eu tenho dor. Porque é um problema crônico, que não tem cura e eu vou

falar a verdade para você. Eu não vou ao médico, porque eu sou celetista e se ficar

afastada, fico sem receber. Aquela vez, eu fiquei quatro meses sem receber nada.

Meu marido trabalha por conta, nossa, ficou tudo com juros, no banco, para

conseguir pagar, foi uma dificuldade muito grande. (Merendeira - 7, depoimento

colhido em outubro de 2012).

É importante lembrar que os serviços de perícia médica representam muita tensão,

para os trabalhadores locais, por envolver decisões que afetam diretamente a vida de cada um,

a concessão ou não da licença-médica, a possibilidade de adaptação, reabilitação profissional

ou até mesmo a aposentadoria por invalidez, essas questões são decididas pelo perito médico

e, em alguns casos, pela Junta Médica Oficial. O perito médico exerce o papel central, nessa

decisão, considerando que a “Perícia Médica é ato médico específico (...)” (MOTTA, 2011, p.

28).

Na verdade, parte da história começou com um ato médico; a reabilitação é vista

como um ato médico. Mas é muito mais do que isso. O ato médico é apenas o início

do percurso, mas, para quebrar isso, é difícil, a área de humanas não é valorizada

por outras áreas. Dificilmente o médico consegue passar para a área humana. Tem

alguns que já estão começando com um olhar mais humano, tudo é uma história de

percurso, para quebrar a questão, que sempre foi assim, influencia a consciência e

a história do profissional. (Professora - 10, depoimento colhido através do grupo

focal, em março de 2013).

A Professora – 10 mostra seu ponto de vista em relação ao papel do perito médico,

relatando a importância de um atendimento mais humanizado, pelos peritos, e também nos

remete a refletir que as demais áreas, como a psicologia e o serviço social, poderiam integrar

o serviço de perícia, no sentido de acolher os trabalhadores desde o início do processo de

adoecimento. Conhecer suas histórias, levantar as possibilidades que auxiliariam na

prevenção dos agravos das situações de saúde.

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O dia a dia na perícia médica é bastante exaustivo. Em apenas um contato, um

atendimento, o médico define um posicionamento, toma as decisões e emite seu parecer, e

chama o próximo atendimento. São minutos que decidem a trajetória de anos de serviço.

Verificam-se nos corredores que levam à saída do setor, servidores ainda tentando entender o

que ocorreu durante a perícia médica.

Nem sempre o resultado satisfaz a perspectiva do trabalhador. Muitas vezes é negada,

sua licença médica, por simplesmente não ter preenchido algum item do requerimento de

solicitação e/ou mesmo do atestado médico. Qualquer item que não esteja dentro dos quesitos

que atendam aos procedimentos normativos da perícia pode ser um subsídio para a negativa

do perito. Portanto, Falta o olhar humano do médico. (Merendeira -16). A experiência da

merendeira – 16 ajuda a entender as dificuldades encontradas pelos trabalhadores no serviço

de perícia médica.

Eu desisti de procurar médico. Eu desisti de me afastar, porque é muito humilhante

entrar com um atestado nessa prefeitura, não vale a pena. Eu estou mal, muito mal

mesmo, (...) não é porque eu não faço nada que dói, de qualquer forma dói. Eu

tenho rompimento de tendão, tudo isso tem causado dor. Eu tenho que vir a pé do

terminal até aqui, diariamente, porque não tem ônibus. É difícil e é doído. Eu sei

que não adianta ir ao médico e pegar um atestado de 10 ou 15 dias e daí tem que

voltar depois. Além da humilhação que eu vou passar lá, talvez não me conceda a

licença e vou ter que continuar e voltar. É muito mais viável quem está em minhas

condições aposentar de vez. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de

2012).

A readaptação é regulamentada pela Lei municipal 1.972, de 7 de novembro de 1972,

título V, seção III. Em 2005, foi criado o PRP, cujo compromisso é manter a inserção social do

servidor municipal em sua plenitude, caso surja algum impedimento físico ou mental, que

requeira ação preventiva do processo de adoecimento, em caráter inerente ao próprio

trabalhador e aqueles decorrentes de condição específica do próprio trabalho exercido.

Na Prefeitura de Piracicaba, utiliza-se o termo readaptação, porém é importante

observar que, em alguns lugares, como no INSS, é utilizado também o termo reabilitação,

trata-se de um termo mais amplo, podendo envolver fatores como tratamentos específicos,

colocação de órteses e próteses, segundo a Lei 8.213/1991.

A reabilitação profissional compreende: (...) fornecimento de aparelho de prótese,

órtese e instrumentos de auxílio para locomoção quando a perda ou redução da

capacidade funcional puder ser atenuada por seu uso e dos equipamentos necessários

à habilitação e reabilitação social e profissional. (BRASIL, Lei 8.213, 1991).

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50

O programa realizado na Previdência Social tem o mesmo objetivo, ou seja,

possibilitar o retorno ao mercado de trabalho dos trabalhadores incapacitados por doença ou

acidente de trabalho. Segundo Takahashi (2010, p.101), “A prática de reabilitação é

historicamente ligada aos sistemas previdenciários como resposta pública à questão da

incapacidade (...)”.

No Brasil, a reabilitação está ligada à Previdência Social, desde a inserção das

primeiras práticas nesta área, como uma função social designada pelo INSS, como proteção

social, em busca da recolocação do trabalhador segurado no mercado de trabalho. Esse ato

nos remete a refletir sobre a questão econômica, uma vez que a Previdência Social, a partir da

reabilitação, deixa de arcar com os custos desse segurado, ao não pagar benefícios como os

auxílios doença, acidentário e/ou aposentadoria por invalidez; assim, o trabalhador, ao

retornar às suas atividades normais, retoma o pagamento da contribuição providenciará e seu

rendimento passa a ser pago por seu empregador.

A lógica no serviço público não difere, e os servidores estatutários terão que receber

do órgão responsável pela previdência própria, no caso de Piracicaba, um instituto autônomo

denominado Instituto de Previdência e Assistência Social (Ipasp), que arca com a

aposentadoria e as pensões a funcionários estatutários e os demais benefícios, como os

auxílios doença, acidentário, entre outros, geridos diretamente pelos recursos públicos

municipais.

O conceito de reabilitação e/ou readaptação profissional é usado no mesmo sentido,

durante o trabalho na reabilitação, pela equipe multiprofissional, os quais contribuem na

tomada de decisões com intervenções apropriadas nas relações sociais e no ambiente de

trabalho. Segundo Motta (2011, p. 96), médico coordenador do Programa da Readaptação

Profissional da Prefeitura de Piracicaba,

A reabilitação pode incluir medidas para fornecer e/ou restaurar funções ou

compensar a perda ou ausência de uma função ou limitação funcional. O processo de

reabilitação inclui uma ampla gama de medidas e atividades, desde uma reabilitação

mais básica e geral até atividades, voltadas para metas, como, por exemplo,

reabilitação profissional.

Há controvérsias, entre as equipes de reabilitação, quanto ao uso de nomenclaturas. Na

Previdência Social, a equipe de reabilitação utiliza-se, além da reabilitação, do termo

habilitação, que não é utilizado com frequência nas práticas de reabilitação da equipe do

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51

serviço público municipal. O INSS baseia-se na legislação, que dispõe, no art.89, da Lei

8.213/199111

:

A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao

beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas

portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação

profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto

em que vive. (BRASIL, Lei 8.213, 1991).

Há também consenso entre as equipes, ao concordar que a indicação para reabilitação

profissional ocorre por motivo de doença, ou incapacidade uniprofissional, ou seja, uma única

incapacidade, que o impede de continuar a exercer sua atual função, mas permanecem as

possibilidades profissionais para exercer outras funções. Assim, indicar a reabilitação

profissional significa a determinação médica de que o trabalhador não poderá continuar na sua

função de origem, ou seja, deverá mudar suas atribuições habituais e substituir sua função, a

fim de evitar novos agravos à sua saúde. Optou-se, no estudo, por utilizar o termo

reabilitação, mais indicado ao contexto dos serviços, na área de saúde do trabalhador,

presentes na sociedade contemporânea.

No serviço público, a reabilitação não envolve perda salarial, pois o servidor

continuará recebendo o mesmo salário do cargo de origem para o qual foi contratado

inicialmente por concurso público. Em alguns casos, pode envolver perda de benefícios

inerentes ao local e à função exercida anteriormente à reabilitação, como, por exemplo,

ambientes insalubres e/ou periculosos, e/ou abonos ligados a estar trabalhando em setor de

saúde, como no caso específico da Prefeitura do Município de Piracicaba, em que os

funcionários, dependendo do nível de escolaridade e função exercida, desde que trabalhem em

unidade de saúde, têm direito a um abono desempenho que pode chegar até a 60% a mais no

salário mensal.

Outro exemplo é dos professores que, ao deixar a sala de aula, perdem o direito de se

aposentar com 25 anos de tempo de contribuição, benefício especifico para quem está

desenvolvendo a função em sala de aula. Ao deixar a antiga função, podem ocorrer perdas no

recebimento relativo a esses benefícios e/ou abonos provenientes do local de trabalho.

Nota-se que qualquer perda no valor do rendimento mensal do servidor público causa

um impacto financeiro aos trabalhadores, por possuírem renda mensal no limite de suas

11

Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras

providências.

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52

despesas e quando necessitam realizar alguma despesa além da rotina doméstica habitual,

recorrem a empréstimos consignados, que são oferecidos pelas instituições financeiras.

É habitual a incidência de empréstimos consignados para servidores públicos. Há um

marketing bancário descomedido em cima da oferta de empréstimos para servidores. Tais

instituições financeiras motivam consumidores servidores públicos pela garantia do desconto

da parcela em folha de pagamento, através do débito consignado, e a estabilidade de emprego,

são fatores que garantem às instituições maior possibilidade de retorno financeiro ao

investimento.

Essa questão foi apreendida, pela pesquisadora, em sua prática profissional, ao

aproximar-se desse contexto na realização de levantamentos socioeconômicos dos servidores

e prática confirmada pela fala dos sujeitos da pesquisa. Eu fico sem salário porque se sabe

90% do funcionalismo tem empréstimo. A maioria tem. Fazem para ajudar, mas não sei se

ajuda não. E daí é uma bola de neve para sair e só por misericórdia. (Merendeira – 14).

No caso da impossibilidade de reabilitação e se for indicada a aposentadoria por

invalidez, pode envolver perdas salariais, conforme a doença que levou à incapacidade, o

tempo de serviço e de contribuição, ou seja, verifica-se a legislação previdenciária vigente.

Verifica-se a preocupação nos questionamentos dos trabalhadores que passam pela

reabilitação: Haverá perdas salariais com a reabilitação? Essa questão é preocupante e faz-se

necessário esclarecer melhor que as leis trabalhistas vigentes, que normatizam a gestão dos

recursos humanos da prefeitura, são permissíveis, em relação à perda de benefícios,

considerando que não protegem o trabalhador que passa pela reabilitação.

Portanto, é possível que ocorram perdas de rendimento, advindas das perdas de

benefícios, ao mudarem de função. Como se aponta na narrativa da professora – 6.

Quando eu não recebi o Fumdeb12

, que foi no final de 2010, e eu não recebi

até hoje, eu entrei com uma ação judicial. Um absurdo, o que foi feito

comigo. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).

A legislação certifica que seja mantido o salário relativo ao cargo, que não pode sofrer

nenhuma modificação, mesmo que o trabalhador venha a trabalhar em atividades menos

complexas do que seu cargo, prevalecerá sempre o salário do cargo assumido por concurso

público. Ocorre por ser uma indicação médica, não um desvio de função.

12

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

(Fundeb). A Prefeitura de Piracicaba costuma, no final do ano letivo, pagar um incentivo aos professores, com

recursos financeiros desse fundo.

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53

Ademais, constatações históricas mostram que a perspectiva da reabilitação

profissional serve como demanda para repor a força de trabalho ou evitar gastos para a

Previdência Social com uma aposentadoria precoce. Deste modo, necessário se faz desvendar

a raiz da problemática do processo da reabilitação, que envolve a dimensão individual e a

coletiva.

É preciso entender a perspectiva social, visto que o trabalhador se dedicou durante

anos ao serviço público e espera ser respeitado enquanto ser social. Já passei por coisas no

serviço público que se eu contar ninguém acredita, imoral, não dá nem para contar. (...)

(Merendeira - 16, depoimento colhido em grupo focal em março de 2012).

1.2 Procedimentos Metodológicos e Apresentação dos Sujeitos

A pergunta guia que norteia esta pesquisa: Como as relações sociais construídas no

cotidiano dos trabalhadores reabilitados influenciam na reconstrução de sua identidade

profissional, remete a uma hipótese: A reconstrução da identidade profissional do reabilitado é

uma possibilidade de resistência para manter-se como trabalhador na sociedade

contemporânea, a partir do reconhecimento do papel central do trabalho em sua vida. Nessa

perspectiva, surgiram os objetivos (Quadro 4).

Quadro 4 – Objetivos que norteiam a pesquisa

Objetivos

Geral

Analisar o processo de reabilitação profissional e as repercussões na

identidade profissional do trabalhador reabilitado

Específicos

Analisar o significado do trabalho a partir das experiências

vivenciadas pelos sujeitos durante sua trajetória profissional e

aprofundar o conhecimento sobre as mudanças no mundo do trabalho

Analisar as relações construídas no cotidiano dos trabalhadores

reabilitados e como o modo de vida influencia na reconstrução da

identidade profissional

Analisar se durante o processo de reabilitação o trabalhador

considera-se respeitado quanto à preservação de suas experiências e

capacidades e não apenas as limitações decorrentes do acidente ou

doença adquirida Fonte: Elaboração da pesquisadora

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54

Com base nos estudos preliminares do levantamento organizado, diante dos dados já

apresentados e dos objetivos mencionado no Quadro 4, ocorreu a escolha dos nove sujeitos a

serem entrevistados, a partir de alguns critérios estabelecidos para melhor delimitar tal opção:

Ser concursado como servidor público da Prefeitura de Piracicaba e ter concluído o

processo de reabilitação pelo Programa de Reabilitação Profissional, no período de

2006 a 2011, em exercício de função;

Exercer cargo entre os três primeiros que apresentaram maior incidência de

adoecimento levando a reabilitação de 2006 a 2011;

Prioritariamente, estar entre os sujeitos com mais tempo de trabalho no serviço

público;

Prioritariamente, estar entre os sujeitos que passaram pelo processo de reabilitação

profissional e há mais tempo estão exercendo outra função divergente de seu cargo de

origem.

A matriz de análise está apoiada na teoria social de Marx, em que o micro e o macro

dialogam no cotidiano das relações sociais dos trabalhadores reabilitados, sustentada pelas

formulações teóricas de autores marxistas acerca da vida social e o mundo do trabalho.

A pesquisa procura evidenciar a centralidade do sujeito e sua preservação no processo

de reprodução de sua história, numa perspectiva de totalidade das suas relações como ser

social.

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas

ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja,

ela trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores

e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos

processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de

variáveis. (MINAYO, 2001, p. 21-22).

Optou-se por estabelecer um diálogo com os sujeitos da pesquisa que permitisse

aprofundar o estudo em questão expressando a totalidade das questões abordadas.

A partir das experiências desses sujeitos, analisou-se seu modo de vida, ou seja, as

relações sociais construídas no cotidiano dos trabalhadores que passaram pelo processo de

reabilitação, que influenciou a reconstrução de sua identidade profissional. Por esse motivo,

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55

foi imprescindível a pesquisa qualitativa, utilizando como instrumento a história oral temática,

obtida em entrevistas, com o objetivo de enfatizar a trajetória profissional dos sujeitos.

Segundo Martinelli (2012, p. 25), a pesquisa qualitativa tem três pressupostos: o

reconhecimento da singularidade do sujeito; o reconhecimento da importância de se conhecer

a experiência social do sujeito; e o de conhecer o modo de vida do sujeito pressupondo o

conhecimento de sua experiência social. Nesse contexto, a autora explica que é importante

compreender esse sujeito na sua estrutura a partir da interpretação que faz dos fatos de sua

vivência cotidiana; é preciso possibilitar que ele se revele, permitindo conhecer a sua

experiência social, seu modo de vida. “Envolve, portanto, seus sentimentos, valores, crenças,

costumes e práticas sociais cotidianas (...)”.

Através da fonte oral, apreendeu-se as experiências sociais relatadas pelos sujeitos da

pesquisa, a partir das experiências profissionais desenvolvidas antes do fator incapacitante, ou

seja, antes da reabilitação profissional e após o processo de reabilitação profissional.

O estudo realiza uma discussão de natureza teórica metodológica; contempla a

interdisciplinaridade com a história, ao referendar alguns conceitos do historiador Edward

Thompson, através da lógica histórica. Permite aprofundar o conhecimento das relações

sociais e suas múltiplas manifestações, para captar as especialidades da realidade dos sujeitos

da pesquisa.

Thompson (1981, p. 49) oferece caminhos metodológicos fundamentais para a

apreensão da realidade a partir da compreensão do modo de vida dos sujeitos, explorando as

experiências vivenciadas. Institui um diálogo entre o conceito e a evidência “O interrogador é

a lógica histórica; conteúdo da interrogação é uma hipótese (por exemplo, quanto à maneira

pela qual os diferentes fenômenos agiram uns sobre os outros); o interrogado é a evidência,

com suas propriedades determinadas (...)”. Assim percebe-se a notória contribuição, para a

construção do conhecimento, da relação entre sujeito e objeto.

Como recurso metodológico para compreender o modo de vida dos sujeitos, utilizou-

se a história oral. Segundo Portelli (1997, p. 29) “(...) as fontes históricas orais são fontes

narrativas (...)”, assim, foi possível acessar a vida diária e a cultura material dos sujeitos

pesquisados.

Como instrumento para apreensão das informações, foi elaborado um pequeno roteiro

seguindo alguns pontos que podem ser visualizados no Quadro 5, que permitiram a interação

do pesquisador com o sujeito. “As entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou

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aspectos desconhecidos de eventos conhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas

inexploradas da vida diária (...)” (PORTELLI, 1997, p. 31). As narrativas foram transcritas

respeitando a linguagem utilizada pelos participantes.

Quadro 5 – Roteiro norteador da entrevista da história oral

Antes da Reabilitação Durante o Processo de

Reabilitação Após a Reabilitação

Qual a sua visão de ser servidor

público?

O que mudou em sua vida a partir

do momento em que foi

reabilitado?

Ocorreram mudanças nos

cotidianos doméstico, laboral e

comunitário?

Qual o sentido do seu trabalho

hoje? Identifica-se com o que faz?

Qual é a sua função atual?

Como era a identificação com o

trabalho que realizava antes da

reabilitação. Qual função exercia?

Gostava do que fazia?

Qual o apoio recebido na fase da

reabilitação? Quais as principais

dificuldades?

Como está a sua saúde? Suas

atividades atuais interferem no

seu bem-estar (físico, mental e

social)?

Como era a organização de seu

trabalho? (ambiente de trabalho,

relacionamento interpessoal com

chefias e colegas, ambiente,

atividades, divisão do trabalho, se

ocorriam cobranças de

produtividade e /ou tempo de

trabalho, recursos, capacitações e

instrumentos disponíveis).

O que pensava da possibilidade de

aposentadoria por invalidez no

momento em que estava em

reabilitação. E, hoje, o que acha?

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Os sujeitos da pesquisa foram esclarecidos sobre a autorização para participar, e

utilizamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido13

. O gravador de voz portátil foi

utilizado para registros captados em dois encontros: um individual e um coletivo, quando se

realizou o grupo focal.

No primeiro encontro, foram esclarecidos os objetivos da pesquisa e feito o convite

para que relatassem a história de vida. No segundo encontro, ocorrido após a transcrição e a

elaboração de uma pré-análise das informações obtidas na primeira entrevista, foram

analisadas as narrativas dos sujeitos apreendendo alguns conceitos que permitiram constituir

categorias para determinar os temas mais emergentes citados pelos sujeitos.

13

Modelo do Termo (Anexo A).

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Foram convidados os nove sujeitos participantes para a discussão em grupo focal que

propiciou a formulação de questões mais precisas (MINAYO, 2000). Optou-se por estabelecer

um diálogo com os sujeitos da pesquisa e a aprofundar o estudo, a partir da totalidade das

questões abordadas pelos sujeitos pesquisados, que levaram à compreensão e atribuição de

significado às que foram mais evidenciadas pelos sujeitos, considerando as proposições em

que emergem temas de relevância no serviço público, como a baixa remuneração,

intensificação do trabalho, o sofrimento, adoecimento e as formas de enfrentamentos. Os

conceitos foram discutidos pelo grupo, e seus participantes tiveram a liberdade de modificar e

validar a pesquisa.

A análise do material da pesquisa permitiu tecer novas preposições, como a média de

tempo de trabalho em que tem ocorrido o adoecimento; a relação do homem com o trabalho; o

significado do trabalho durante o processo de reabilitação; as mudanças de trajetórias de vida

e da reconstrução de identidade profissional; e a resistência para manter-se trabalhador

mesmo após o adoecimento.

Para identificar os sujeitos da pesquisa, utiliza-se o nome do cargo de origem, mais o

número que indica os anos de serviço público no momento em que foram indicados para

reabilitação. A escolha partiu da valorização do cargo e da função que exerciam antes de

adoecer, que foi demonstrada nas narrativas dos sujeitos no decorrer da pesquisa. O número,

ao simbolizar o tempo de serviço que tinham quando adquiriram a incapacidade laboral, é

uma forma de marcar o momento em que houve a mudança em suas vidas.

Ao iniciar o primeiro contato, os sujeitos receberam esclarecimentos sobre a pesquisa

e seus objetivos. Em seguida, foi feito o convite para que relatassem a história de vida

temática. O primeiro sujeito convidado para a pesquisa recusou-se a participar. Nesse instante,

a pesquisadora, através do tom de voz de recusa do sujeito, entendeu a expressão de certo

descontentamento. Era um trabalhador que tinha participado do processo de reabilitação há

quatro anos, e a recusa demonstrou que desejava evitar qualquer assunto que lembrasse sua

condição profissional. Ao se esquivar da entrevista, evitava uma lembrança ruim? Um

sofrimento?

O momento da recusa foi muito importante para a pesquisadora, relembrando de

imediato a interlocução de Martinelli, que nos fala:

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Penetrar nesse denso tecido e conhecer esses sujeitos e seus modos de vida exige do

pesquisador uma postura política, teórico-crítica, no sentido de colocar-se à escuta,

de interrogar os silêncios e de querer efetivamente conhecer a história a partir da

narrativa acerca dos caminhos percorridos por aqueles que estiveram envolvidos

com os acontecimentos que queremos estudar. (MARTINELLI, 2012, p.3)

A expressão de raiva, ao negar-se a falar de reabilitação, ao se recusar a participar da

pesquisa, em um primeiro momento, pareceu atitude inoportuna do sujeito, mas, na realidade,

essa foi a primeira ideia da pesquisadora, ao ser recusada no primeiro contato realizado para

dar início à tão esperada pesquisa e não poder conhecer a sua história, que se faz tão

importante no contexto.

Mas, em posterior reflexão sobre a recusa, entendeu-se que não falar de tão delicado

tema deixa claro que a recusa expressa o grande sofrimento percorrido pela servidora, durante

a reabilitação, fato que ainda está presente e a impede de falar sobre o assunto. Os demais

convites foram aceitos e, a pedido dos sujeitos da pesquisa, as histórias profissionais foram

narradas em locais públicos, todas com a devida privacidade de espaços cedidos.

Assim como Silva (2012, p. 40)14

, em seu estudo, define o servidor público como “(...)

todo trabalhador que exerce uma função ou cargo público, mediante a aprovação em concurso

público”, também temos esse entendimento. Porém, na apresentação da dissertação, ao referir-

se à nomenclatura, optou-se por substituí-la por trabalhador do serviço público. A escolha

partiu do entendimento de que servidor público também pertence “à classe que vive do

trabalho” (ANTUNES, 2010). Considerando o que refere a Portaria 1.823, de 23 agosto de

2012, que institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, em seu art.

3o, define que

Todos os trabalhadores, homens e mulheres, independentemente de sua localização,

urbana ou rural, de sua forma de inserção no mercado de trabalho, formal ou

informal, de seu vínculo empregatício, público ou privado, assalariado, autônomo,

avulso, temporário, cooperativados, aprendiz, estagiário, doméstico, aposentado ou

desempregado são sujeitos desta Política. (BRASIL. Portaria 1.823/2012).

Entende-se, no estudo, que o servidor público está inserido nesse conjunto de

trabalhadores e também sofre as influências do mundo do trabalho e as repercussões ocorridas

na classe que vive do trabalho (ANTUNES, 2010). Apesar de ser um trabalho com

características diferenciadas das outras categorias, pertence ao conjunto de trabalhadores

14

Refere-se a SILVA, Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da. A saúde do servidor público em sua

dimensão social: política de saúde, protagonismo e determinantes sociais. Tese (Doutorado) - Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2012

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conceituados na política e também necessita de proteção de sua saúde pelo Estado. A política

“(...) tem como finalidade definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem

observados pelas três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), para o

desenvolvimento da atenção integral à saúde do trabalhador”. (BRASIL. Portaria 1.823/2012).

Para entender o que é ser um trabalhador do serviço público, há, ainda que considerar

a perspectiva desse trabalho, definida pelos relatos dos sujeitos da pesquisa:

Ser um servidor público é mostrar o seu trabalho, é você trabalhar. É como se fosse

outro trabalho numa empresa, mas você está trabalhando em prol da comunidade e

da população. Eu trabalho em prol da comunidade, da população. Então, eu tenho

que fazer o meu trabalho da melhor forma possível, para que essa população não

fique sem nenhuma explicação. Em primeiro lugar, você respeitar o outro e respeitar

a população. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

Porque, o servidor público, a função dele é servir, ou seja, o público, porque, aqui

no meu caso, é servir, porque eu sirvo tanto o pessoal que trabalha aqui interno ou

visita que chega. (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

A visão minha de servidora pública, eu vejo como uma pessoa que bem, como eu

tenho 12 anos de serviço público, como uma pessoa que aprendeu muito ao longo

desse tempo. Mas, também, tenho muito a oferecer. O serviço público ficou um

pouco a desejar. Principalmente na questão de salário, na questão de você ser

reconhecida pelo seu trabalho. (...) Também tem suas vantagens, em ser servidor

público, especialmente, no que eu trabalho, eu lido com pessoas e eu gosto de

trabalhar na área com pessoas, então, eu me identifico bem com o serviço público.

(Professora - 10, depoimento colhido em outubro de 2012).

Tem vezes que até comento em casa, mas, se é servidora pública, trabalha na

prefeitura, as pessoas pensam que tem que aguentar tudo, mas não é tão simples,

ser uma servidora pública. Quando eu comecei minha faculdade, eu tinha um

objetivo, uma trajetória, e, de repente, tudo isso caiu por terra e aí, o que eu faço,

por onde eu começo? (Professora – 10, depoimento colhido em grupo focal em

março de 2012).

Hoje, ser servidora pública, é estar trabalhando para a sociedade. (Monitora – 20,

depoimento colhido em outubro de 2012).

Nos relatos dos sujeitos da pesquisa, há um ponto comum de olhar o serviço público

como o ato de servir o público e como um trabalho em prol de outras pessoas e da sociedade.

Outras perspectivas são lembradas.

(...) por causa de um sonho, a gente acredita, e aí vai ser servidora pública e

garantir a estabilidade, vou dar aula, tenho um emprego estável, vou ter emprego. É

a primeira visão do servidor público, vou ter emprego, é a estabilidade que me

oferece. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).

Confirma-se o fato já conhecido, entre servidores públicos, de associar o serviço

público à estabilidade e à garantia de uma renda fixa. É mais seguro, a gente sente segurança.

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Apesar de sempre trabalhar em empresa grande, mas sente mais segura, recebe certinho.

(Merendeira - 7).

Em um primeiro momento, percebe-se que a procura pelo serviço público está

vinculada à estabilidade e, com o passar do tempo trabalhando no serviço público, nota-se

certa frustração nos relatos: o baixo salário, a falta de um plano de carreiras, e as mudanças a

cada quadro anos de gestão, influenciam na configuração desse trabalho. Pensava que era um

emprego garantido, futuro garantido. Hoje, eu me sinto apenas um objeto dos governantes,

para passar o que eles querem passar para a sociedade. É como me sinto hoje. (Monitora –

20, depoimento colhido em outubro de 2012).

Evidencia-se a preocupação em manter-se trabalhando, pela questão de associar o seu

trabalho ao bem-estar da sociedade, mesmo com problemas de saúde, mantém-se trabalhando,

enquanto suporta, por sentir-se responsável pelos serviços prestados à sociedade.

Como servidora pública, eu dei muito de mim, sabe, como servidora pública, eu fiz

tudo, fiz porque gostava do que fazia, sempre gostei do que fazia. Mas, devido às

mudanças que foram surgindo, eu arrastei até o último instante. Quando não dava

para eu suportar. Eu tive que entregar mesmo. (Monitora – 19, depoimento colhido

em outubro de 2012).

Agora que já foi possível entender o que é ser um trabalhador no serviço público, do

mesmo modo, vamos nos aproximar das trajetórias profissionais dos sujeitos da pesquisa. Não

tendo o objetivo de generalização, mas concordando com a ideia da autora Heller (2008, p.

35) de que “basta uma folha da árvore para lermos nela as propriedades essenciais de todas as

folhas pertencentes ao mesmo gênero; mas um homem não pode jamais representar ou

expressar a essência da humanidade”.

Nesse sentido, apresentam-se os nove sujeitos, fundamentais na construção da

dissertação, trazendo um pouco da história de cada um.

Monitora 14: Aos 47 anos, foi indicada para a reabilitação; apresentou um quadro

depressivo e não conseguia trabalhar mais com crianças. Então, eu tinha baixa estima

violenta, hoje eu não tenho. Ela ficou um curto período em licença médica, antes da

reabilitação. Possui nível superior em pedagogia, é solteira, mora com seus pais e uma

irmã. Tinha experiência, antes de ser monitora, como auxiliar administrativo, e a

expectativa, quando entrou no serviço público, de voltar a estudar e fazer especialização e

mestrado na área da educação. Já no primeiro contato do convite sobre a pesquisa, a

servidora apresentou certa insegurança para dar o depoimento. Somente após várias

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explicações sentiu-se segura e foi marcado um horário para a entrevista. Solicitou que a

entrevista ocorresse em seu espaço de trabalho e conseguiu com sua chefia uma sala

emprestada para a conversa. O ambiente estava propício e o diálogo ocorreu com bastante

entusiasmo. O local de trabalho era adequado mais percebia-se certa insatisfação, no

sentido de não serem tão necessários os seus serviços para a rotina do setor, mas estava

conformada e se dizia feliz. Hoje, sou uma pessoa, na época em que eu entrei na

prefeitura, eu já tinha 37 anos, então, eu já era uma pessoa madura. Mas hoje eu

amadureci muito, eu cresci muito, eu cresci principalmente espiritualmente. (...) Eu fiz

um propósito, não porque o meu trabalho é terrível e sim porque você tem que se

policiar. Aquela frase que você tem que orar e vigiar. Orar e vigiar mesmo. Vigiar

quem? O outro não. Você mesma. (...) Mas tem uma hora que tem que engolir. (...) pode

ter problema em casa e não saber lidar e pode estar com problemas no trabalho e não

saber lidar, não pode descontar no outro, tem que melhorar a si mesma, tem que

trabalhar. Se não tem o que fazer, procurar o que fazer. Afirma que a questão espiritual

ajuda a dar outro sentido para seu trabalho e ao aceitar assim conforma-se com sua

situação profissional. O importante é trabalhar feliz e hoje estou feliz.

Monitora – 20: Entrei para trabalhar como monitora de educação infantil e sempre

trabalhei com crianças de 3 anos a 6 anos. Tinha 39 anos, quando foi indicada para a

reabilitação; teve uma alteração emocional, não conseguindo se adaptar à função. (...)

Depois de 15 anos, 16 anos como monitora, a sobrecarga é maior dentro do berçário,

imagine você... todos os anos dentro do berçário. Eu já estava no berçário há 6 anos,

então, imagine a situação, a sobrecarga é imensa. E a sobrecarga psicológica é maior

ainda. Cursou a faculdade de Educação Física, mas não conseguiu concluir, por falta de

recursos financeiros. Solteira, mora com seu pai e filho. Adoro brincar, sou super

brincalhona, super alegre, graças a Deus e continua descrevendo: Sempre fui arrumada,

sempre fui alegre, pratiquei esportes sempre, alguém precisou eu fazia e a questão de ser

monitora tinha que ser imediato, pronta para atender às necessidades dos alunos e é a

mesma coisa que faço aqui também. A trajetória profissional relatada é lembrada com

bastante carinho, porém, ao relatar o processo de adoecimento, evidencia suas angústias e

o sofrimento que ocorreu, até deixar sua antiga função. Buscou a reabilitação para aliviar

seu desgaste mental, ao qual chama de sofrimento.

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Monitora – 19: Formada em pedagogia, tinha 56 anos quando foi indicada para

reabilitação. Era casada e tinha dois filhos casados e dois netos. Antes de começar a

trabalhar no serviço público, trabalhou como técnica de aparelhos eletrônicos e gosta

muito da área educacional e de educação artística e aponta que adora contar histórias.

Quando fiz a cirurgia, eu precisei ficar cinco meses afastada, deram um afastamento, e

essa cirurgia precisaria de mais de um ano de afastamento (...). Eu fiquei 5 meses de

afastamento em casa, quando eu voltei, depois de 5 meses, percebi que minhas forças,

bem eu não tinha mais, não trabalhei mais em berçário, não pude ficar nisso daí.

Quando eu voltei, eu pedi transferência em outra creche e eu fui direto no berçário.

Depois de um ano de trabalho, eu percebi que não estava dando certo. E, naquele ano,

aconteceu um monte de coisas e eu comecei a entrar em depressão. A monitora foi

encaminhada para a reabilitação, após um período. Depois de operar a coluna,

apresentava dores nos braços e nas pernas. Para quem viveu 19 anos em uma prefeitura,

dentro de uma sala de aula com crianças pequenas. De repente, você deixar aquilo ali.

Ela estava triste, lembrando do período difícil de aceitação de seu problema de saúde.

Durante a entrevista, demonstrou em suas palavras a tristeza de ter deixado sua antiga

função e a saudade de sua rotina com os alunos, pois se identificava muito com o que

fazia.

Merendeira – 7: Aos 53 anos, quando foi indicada para a reabilitação, por motivo

osteomuscular relacionado à coluna lombar. Se eu me esforçasse muito, minha coluna,

que está com desgaste, se acontecesse da coluna quebrar, que podia quebrar aqui

embaixo, que eu não conseguiria andar e nem sentar, daí eu fiquei com medo, eu deveria

evitar carregar e usar a força e fazer esforços que prejudicassem a coluna lombar. A

servidora tinha experiências, anteriores ao serviço público, como secretária, copeira e

telefonista. Casada, com um filho, segundo grau completo, relata sentir muito medo com

o adoecimento, medo de não andar mais. Durante a entrevista, demonstrou timidez e estar

conformada com seu trabalho. Falava com leveza de sua história de vida. Apesar de

muitas dificuldades advindas com o adoecimento, apresentava-se satisfeita com seu

destino. Eu me sinto bem, no que eu faço. Eu sou uma pessoa que me readapto fácil. Eu

faço com amor aquilo que eu faço, tanto aqui, como em casa, né. Tenho prazer em fazer

aquilo. Não faço nada forçado, então, estou feliz, não tenho do que reclamar.

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Merendeira – 14: Aos 58 anos, foi indicada para a reabilitação. Viúva, com duas filhas, a

servidora foi operada duas vezes, por hérnia, antes de ser indicada para a reabilitação, foi

afastada, por dorsalgia crônica, por cinco meses. Depois entrou na reabilitação. Cursou

até a sétima série. Antes de trabalhar no serviço público, era empacotadora. Demonstra o

desejo de voltar a estudar. Queria ter recursos financeiros para conseguir uma casa

própria. E sou o tipo de pessoa também que eu me adapto facilmente. Eu não sou

daquelas que reclama. Foi um tempo bom que não volta mais, (...) Então, a vida da gente

tem fase, aquela lá foi uma fase que passou. Agora estou vivendo outra. E assim conclui

falando de sua função atual. Eu estou com 63 anos, a minha vida inteira eu trabalhei, eu

sempre trabalhei com horário, e sempre assim fazendo alguma coisa, não parada, não

tinha um serviço parado. Expressou um sentimento de não saber o que fazer. Tinha uma

jornada de oito horas, que eram difíceis de passar, pois não tinha muito trabalho.

Incomodava-se com isso. Demonstrou certa vergonha por não ter muito o que fazer. Sua

única perspectiva profissional era a espera da aposentadoria. A entrevista foi demorada,

queria falar, dividir um pouco suas angústias diárias, sentia-se sozinha, há muito tempo

não recebia uma visita, ao término da entrevista, pediu que eu aparecesse mais vezes, que

ficou feliz em ser lembrada.

Merendeira – 16: Aos 48 anos, foi indicada para a reabilitação com dificuldades no

joelho e no tornozelo, para permanecer muito tempo em pé. Eu gostava do trabalho, só

que eu não aguentava ficar muito tempo em pé, por causa dos meus joelhos e ali não

tinha como parar, aí eu pedi para sair. Na época, também fazia acompanhamento

psicológico. Estudou até a quarta série primária, antes de ser servidora, trabalhou como

atendente de casa lotérica. Possui habilidades artísticas manuais, adora artesanato. Eu me

envergonho quando escuto alguém falar que eu sou funcionária, porque eu tenho vinte e

poucos anos... anos de prefeitura, eu tenho direitos. Durante a entrevista, teve momentos

em que chorou, ao relembrar a sua história, se dizia não estar nem aí com o serviço

público, não apresentando esperança em dias melhores. Fiquei meio estagnada. Prestei

um concurso assim por prestar (..). Eu sempre gostei da minha função de merendeira.

Relembra com saudades de antiga função e finaliza ao referir-se sobre sua situação atual:

Eu só não quero que eles achem que eu estou assim, estou saudável, que me curei

ficando aqui. Também relatou que tinha muito pouco trabalho para uma jornada de oito

horas, se sentia desprezada, não tinha trabalho há muito tempo, vislumbrava que poderia

fazer várias atividades, para ajudar no setor, mas não era permitido. A entrevista foi

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interrompida várias vezes, em respeito ao seu choro e à sua dor. Oscilam os sentimentos

de raiva, pela revolta com a situação, e de choro, por sentir-se humilhada.

Professora – 5: Aos 65 anos, foi indicada para a reabilitação. Porque, até então, eu

nunca tinha ouvido falar disso, que é um vírus, que nós temos na medula e que fica

alojado, até que, em uma situação de estresse, aflore. Demorou mais ou menos 11 meses

com medicação forte, com medicação cara, de médico particular, sem convênio para

curar. Solteira, reside com suas duas irmãs, muito unidas. Possui graduação em

pedagogia. Fui fazer faculdade, eu queria fazer alguma coisa, mais importante, eu não

me via ainda na educação, eu fui estimulada pela família, mas fui premiada, fiz três anos

de Magistério sempre recebendo prêmios de melhor aluna. E também fez curso superior

na área de Comunicação Social. Antes de ser servidora municipal, trabalhou como

diretora, vice-diretora e coordenadora pedagógica, no serviço público do Estado. Já

aconteceu isso comigo quando eu iniciei o meu processo na área de educação. Foi no

Estado. Então a gente tinha cursos e cursos para fazer, não é como a municipal que hoje

está e os cursos, acho que são também inferiores ao do Estado. A educação, a gente ouve

falar que está falida. Esqueceram-se do trabalho com ela, mas se for ver, não está falida.

É o próprio professor, a própria escola, colocar para fora o trabalho que faz. Quando eu

comecei, eu fazia cursos, com o MEC, fazia cursos na Secretaria da Educação do estado

(...) Começou a trabalhar no municipal em 2004 ou 2005, eu estava sendo chamada pelo

concurso para a sala de aula. (...) No municipal, é onde eu estou até agora. Não fosse a

doença que eu tive, que me afastou da sala de aula, fiquei afastada por dois anos, não

podia trabalhar em qualquer coisa mesmo e, por fim, culminou com isso, a reabilitação.

Professora – 10: Com doença psíquica de longa data e diversos ciclos de melhora e

piora, aos 36 anos foi indicada para reabilitação. O encaminhamento difere das demais.

Para conseguir ser reabilitada, passou por muitas recusas do INSS, por ser celetista. O

comum seria partir da Previdência Social, sua indicação. Apesar das recusas, foi indicada

para reabilitação pelo médico perito da prefeitura. “Fiquei 2 anos de licença afastada

pelo INSS, até que o INSS me deu alta e eu não consegui retornar ao trabalho. E, daí, fui

procurar o médico do trabalho, o relatório do meu médico, dizendo que eu não tinha

mais condição de exercer aquela função. Mas eu fiquei muito tempo afastada, isso

também dificulta o retorno ao trabalho, porque você cria uma rotina de ficar em casa,

mesmo, de cuidar só dos afazeres de casa e de não querer voltar na rotina do trabalho

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(...). Formada em Pedagogia, casada, com dois filhos exerceu cargos de direção,

coordenação e supervisora pedagógica. Antes de trabalhar na prefeitura, trabalhava como

professora no Estado. Comecei a trabalhar em 1996, trabalhava como professora da rede

estadual, a escola que eu trabalhava eu me identificava muito, apesar de ser de periferia,

eu fiquei durante seis anos nesta escola, os recursos que a gente tinha eram muito

poucos: giz e lousa, quando precisava de alguma coisa eu mesma providenciava, se

precisasse de alguma coisa diferente para dar aula. Mas eu gostava do grupo de

professores, chefia, a gente tinha um bom relacionamento e também uma troca de

experiências. Depois, eu vim para a rede municipal, depois que eu passei no concurso,

na verdade, é assim, por bastante tempo, eu trabalhei rede municipal, só que eu não

fiquei como professora, eu passei para diretora, como coordenadora e daí fiquei como

professora na rede só por dois anos. A servidora identifica-se como uma pessoa otimista

e fala ter muito entusiasmo pela vida.

Professora – 6: Aos 44 anos, foi indicada para a reabilitação, com dificuldades motoras

apresentadas após uma cirurgia. Pedagoga, casada, com dois filhos, antes de trabalhar no

serviço público teve experiências profissionais como vendedora e auxiliar administrativa.

Mas eu tenho experiência no comércio, no setor de escritório, administrativo, minha

experiência comercial é significativa mesmo. A servidora sempre teve um vínculo

profissional muito forte com a área da educação, presente em sua história profissional. É

a primeira coisa, bom, a gente já faz curso, a minha formação é antiga, o magistério. Eu

era professora com 17 anos, por causa de um sonho, a gente acredita. Antes de adoecer,

renunciou a vários momentos com seus filhos para estudar e conseguir uma carreira

profissional na área da Educação. Na época que eu adoeci, eu estava fazendo o curso

superior, então acabei concluindo o curso já assim com problema de saúde bem

agravado. Mas eu gostava muito. Mas eu volto naquilo, eu voltei a estudar, tinha criança

pequena, porque a gente tinha intenção de fazer aquilo e mais alguma coisa dentro da

área da Educação (...). Naquela época, vou falar de 2006, 2007, quando eu me afastei,

por causa do problema de doença. Eu tinha uma pessoa que me ajudava, porque eu fazia

faculdade também, então era impossível, tinha uma criança de 2 anos, era impossível ser

mãe, ser dona da casa que administrasse tudo e ser professora e fazer faculdade. Já é um

desafio querer ser mãe de criança pequena dependente, ser professora e ser dona de

casa, já você está assobiando e chupando cana ao mesmo tempo, alguma coisa não vai

sair bem.

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As narrativas trazem um pouco da história da vida profissional dos protagonistas do

estudo. São histórias que retratam momentos de muita luta para conseguir exercer a profissão.

Ser servidor público foi uma escolha e tem um valor em suas vidas.

A apresentação de cada sujeito nos remete a um marco em suas vidas: o de quando

adoeceram e, a partir desse acontecimento, as influências em suas vidas profissionais, com o

processo do adoecimento que os levou à reabilitação profissional. Como verificado,

mudaram-se os caminhos traçados pelos sujeito, pois ninguém tinha a perspectiva de ser

reabilitado.

As posições tomadas pelos sujeitos têm dimensões sociopolíticas que transformam a

realidade nos âmbitos individual e social. Para mim, inclusive, é um conflito muito grande. Eu

tenho que lutar com os meus preconceitos, tudo, nem que mexa, nem que eu chore. Eu tenho

que mexer alguma coisa, é preciso mudar. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro

de 2012).

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CAPÍTULO II – TRABALHO

2.1 O Mundo do Trabalho e as Transformações das Relações de Trabalho

Eu agradeço por ter se lembrado de mim, sinal que eu marquei

de alguma forma, em algum instante. Eu não sei se as

monitoras de hoje falam a mesma coisa. A sobrecarga do

sistema é parecida, a gente sente de uma forma diferente tudo

o que o outro sente, mas eu acho que é a mesma coisa.

(Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012)

Este capítulo traz um dos eixos estruturantes da pesquisa, que é o conhecimento sobre

a dimensão trabalho na contemporaneidade. O aprofundamento teórico dessa dimensão nos

permite entender sua articulação com a identidade profissional e o processo de reabilitação. A

partir das transformações ocorridas no mundo do trabalho, torna-se possível caracterizar um

processo histórico, ou seja, entender as determinações históricas dessas transformações nas

relações de trabalho e seus reflexos nos processos de adoecimento e reabilitação profissional,

no contexto do serviço público. “O processo histórico de que resulta o presente, portanto, se

torna indispensável para que se possa compreender as condições e possibilidades de

organização e transformação da sociedade” (IANNI, 1992, p.64).

Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre essas mudanças que envolvem o processo

sócio-histórico da organização das relações de trabalho em diferentes formas e perspectivas,

ao longo da história da divisão de trabalho. Para Ianni (1992, p. 61):

Em síntese, (...) os três processos de envergadura histórica que explicam os

contornos e os movimentos da formação histórica do Brasil: o sentido da

colonização, o peso do regime de trabalho escravo e a peculiaridade do

desenvolvimento desigual e combinado.

É importante ressaltar que os três processos consistem nas bases que dão fundamento e

sustentam a organização das relações de trabalho na divisão de trabalho, hierarquizada em

estruturas que reproduzem a desigualdade econômica em nosso País.

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A partir do pressuposto de que essa realidade não é transparente, é necessário decifrá-

la, entender a história, as relações, estruturas e os processos, de forma a desvendar o jogo de

forças sociais em que estão envolvidos os trabalhadores na sociedade capitalista. “É óbvio que

as relações, processos e estruturas compreendidos ou influenciados pelos movimentos do

capital em geral afetam o modo pelo qual a sociedade e o Estado se encontram e se

desencontram” (IANNI, 1992, p.57).

Continuando, Ianni (1992, p. 57) aponta que “os séculos de trabalho escravizado

produziram todo um universo de valores, padrões, ideias, doutrinas, modos de ser, pensar e

agir”. A divisão de trabalho, vista em nosso presente influenciada por esse passado, mantém

sua essência afetada pelos movimentos do capital.

O valor de mercado permanece à custa de um regime de trabalho que leva à

exploração do trabalhador, ao considerar as determinadas exigências de processos de trabalho

para alcançar os objetivos da produtividade que repercutem no adoecimento de um grande

contingente de trabalhadores que busca nos processos de reabilitação profissional alternativa

de inserção no mundo do trabalho após a perda significativa de sua capacidade laboral. A

análise histórica possibilita compreender a realidade em que está inserida a questão da

reabilitação profissional no Brasil.

A crise do capital, que interfere nas direções do mundo do trabalho, vem sendo

discutida por vários autores, em diferentes perspectivas. A ideia apontada por Mandel (1990),

por exemplo, é que a crise do capital é uma crise de acumulação de base. Já Mészarós (2009)

parte da perspectiva de que se trata de uma crise estrutural. Pochmann (2011, p. 110) aponta a

crise como um momento de reestruturação profunda do capitalismo.

Este breve balanço do debate da crise atual, englobando os expoentes das grandes

correntes de explicação das crises capitalistas, mostra que apenas as interpretações

calcadas na possibilidade de auto-expansão do capitalismo com aprofundamento de

suas contradições internas tratam, e de forma indireta por meio da categoria de

intensificação da exploração, a questão da relação entre crise e formas de gestão do

processo de trabalho. Entretanto, isto sinaliza a possibilidade de encontrarmos

importantes elementos para a ligação entre crise e processo de trabalho na obra

original de Marx (1998).

Pochmann (2011, p. 110) destaca a teoria de Marx, sobre o valor do trabalho, e como

se dá a organização da força assalariada de trabalho para extração da mais-valia como base do

processo de reprodução ampliada do capital, forma para percebermos a crise do capital. “(...)

A busca incessante do aumento do tempo de trabalho acima do necessário para a reprodução

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da força do trabalho (mais-valia) é o princípio norteador da organização econômica, política e

social do capitalismo, (...)”.

As tensões contidas no contexto contemporâneo, decorrentes de transformações e

formas de organização do trabalho, apresentam-se na desregulamentação de direitos sociais

conquistados pelos trabalhadores ao longo da história, por meio da configuração de processos

de intensificação, terceirização e precarização do trabalho. Antunes (2010, p. 21) explica as

determinações históricas:

A crise que aflorou em fins de 1960 e início de 1970 – que na verdade era expressão

de uma crise estrutural do capital – fez com que, entre tantas outras consequências, o

mundo produtivo implementasse um vastíssimo processo de restruturação, visando a

recuperação do seu ciclo de expansão e, ao mesmo tempo, recompor seu projeto de

dominação societal, abalado pela confrontação do trabalho dos anos de 1960, que

questionou alguns dos pilares da sociabilidade do capital e de seus mecanismos de

controle social.

No período, ocorreu a introdução de novas formas de organização do trabalho, assim,

“o fordismo e taylorismo já não são únicos e mesclam com outros processos produtivos (neo-

fordismo, neo-taylorismo, pós-fordismo)” (ANTUNES, 2010, p. 23).

Antunes (2010) destaca nesses novos processos de trabalho a flexibilidade da

produção pela “especialização flexível”. Todos esses processos produtivos levaram à

precarização do trabalho, com o fim de elevar e adequar a produção à lógica do capital.

Segundo Iamamoto (2010, p. 4), “As conjunturas de crise são as que mais dificultam a

organização dos trabalhadores – especialmente a organização operária – devido a maior

precariedade das condições de vida, (...)”. Os trabalhadores acabam aceitando certas

circunstâncias de trabalho, processos de trabalho intensos, salários mais baixos, em troca de

se manterem no mercado.

Nesse contexto, agravam-se os riscos de acidentes e doenças ocupacionais, visto que

os trabalhadores, sem alternativas de subsistência, acabam por aceitar essas condições

precárias. Assim, ficam expostos a relações desiguais, que levam à exploração da força de

trabalho, como afirma Marx (1984, p. 208): “O trabalho, com sua chama, delas se apropria,

como se, fossem partes do seu organismo, e de acordo com a finalidade que se move lhes

empresta vida”.

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A década de 1980 presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas

transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura

produtiva, nas formas de representação sindical e política. Foram tão intensas as

modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do trabalho sofreu

a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve

profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento

destes níveis, afetou a sua forma de ser. (ANTUNES, 2010, p. 23).

Os anos 90 caracterizam-se pelo avanço tecnológico, a restruturação do capitalismo

internacional e a mundialização do capital. “Podem se organizar em termos de fordismo,

toyotismo e outras modalidades. Porém, está sempre na base do capitalismo a exploração da

força de trabalho” (ANTUNES, 2010, p.15). Apesar das mudanças, “O capitalismo, antes de

mais nada, continua sendo um modo de exploração da força de trabalho” (IANNI, apud

ANTUNES, 2010, p.15). Conforme Raichelis (2011, p. 421),

No caso Brasil, onde a precarização do trabalho, a rigor, não pode ser tratada como

um fenômeno novo, considerando sua existência desde os primórdios da sociedade

capitalista urbano-industrial, as diferentes formas de precarização do trabalho e do

emprego assumem na atualidade novas configurações e manifestações,

especialmente a partir dos anos 1990, quando se presenciam mais claramente os

influxos da crise de acumulação, da contrarreforma do Estado e da efetivação das

políticas neoliberais.

A partir da década de 1970, o processo de reestruturação produtiva mundial inicia-se,

no Brasil, em 1990, a partir do governo de Fernando Collor de Mello, com a abertura da

importação e a chegada de capitais estrangeiros. Esse processo tem sequência com Fernando

Henrique Cardoso e a ascensão das políticas neoliberais. Durante sua gestão (no chamado

governo FHC), ocorre a reforma do Estado brasileiro, inserida por Bresser-Pereira que, na

época, era o ministro da Fazenda. A implantação marca a década de 1990.

As políticas neoliberais compõem um sistema capitalista. Segundo Antunes (2010, p.

194), “O Neoliberalismo passou a ditar o ideário e o programa a serem implementados pelos

países capitalistas (...)”. O sistema tira o poder do Estado em interferir na política econômica

do País, busca o crescimento econômico e a abertura total dos países para empresas privadas,

pouco se preocupando com a área social, visto ter como características “(...) restruturação

produtiva, privatização acelerada, enxugamento do Estado, políticas fiscais e monetárias,

sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital, como o Fundo Monetário

Internacional” (ANTUNES, 2010, p.194).

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Há ainda que destacar o período de 1995 a 2003, através de considerações sobre os

elementos centrais das transformações nas relações de trabalho no serviço público, a partir do

governo FHC.

O governo FHC, influenciado pela mundialização e a política neoliberal em curso,

começa, a partir da implantação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Pdrae),

a mudar o papel do Estado rumo a um modelo “(...) diminuído em sua base social, mas

burocraticamente eficaz para servir o capital” (BORON, 1994, p.81), trazendo perdas

expressivas para a classe trabalhadora.

Assim, redesenha-se o modelo do Estado e muda-se a administração pública brasileira,

introduzindo-se os conceitos de governabilidade. Segundo Bresser Pereira (1998, p. 33),

“governabilidade é uma capacidade política de governar derivada da relação de legitimidade

do Estado e do seu governo com a sociedade”. Ou seja, um gerencialismo aos moldes

neoliberalistas, ameaçando direitos consagrados pela Constituição Federal de 1988, com o

intuito de reorganizar o Estado.

Bresser Pereira (1998, p. 33) também apresenta o conceito de governança: “(...) é a

capacidade financeira e administrativa, em sentido amplo, de um governo implementar

políticas”. Assim, a reforma traz para a administração pública forte orientação para a

produtividade, as principais características do modelo de administração gerencial.

O período da pesquisa, de 2006 a 2011, ocorre durante a gestão presidencial de Luiz

Inácio da Silva, que durou de 2003 a 2010, o chamado governo Lula. Nesse período, destaca-

se o fato do governo ter sido responsável por encaminhar uma proposta de reforma à

previdência, em abril de 2003. “A reforma caracteriza-se por ser mais um passo decisivo na

destruição do Estado” (MARQUES; MENDES, 2004, p.1). A chamada contrarreforma

previdenciária introduz o mesmo teto para o regime dos trabalhadores do setor privado e para

o regime dos servidores públicos.

Contudo, apesar do esperado e da urgência em promover a universalização, o

governo Lula encaminhou, para ser examinada pelo Congresso Nacional, proposta

que se restringiu a propor modificações das condições de acesso e dos valores dos

benefícios dos servidores públicos. Não foram objeto de sua proposta, portanto,

estratégias de inclusão do amplo contingente de trabalhadores hoje não cobertos por

nenhum tipo de proteção ao risco-velhice. (MARQUES; MENDES, 2004, p. 6).

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O sentido da proteção risco-velhice é a possibilidade de o governo promover a

garantia de um salário-mínimo para todos os idosos urbanos. Entretanto, desconsidera essa

luta e segue em outra direção. Para conseguir apoio para a reforma da previdência, retorna a

ideia de que trabalhar no serviço público é fazer parte de um segmento privilegiado e em

nome da justiça social deve ser feita a reforma.

Com apoio da mídia, dá-se ênfase na questão do pequeno número de segurados com

aposentadorias exorbitantes, relacionado ao universo de servidores. Contudo, o fato é que a

maioria dos trabalhadores do serviço público ganha menos do que os trabalhadores do setor

privado com a mesma qualificação (MARQUES; MENDES, 2004).

Na verdade, a atração por trabalhar no serviço público está muito mais relacionada

com a estabilidade e garantia de um emprego, evitando o risco de ficar desempregado em

detrimento de ter um bom salário. De qualquer forma, ambos, os trabalhadores privados e os

públicos, acabam contribuindo para o capital financeiro.

Em 2011, esse processo de restruturação produtiva permanece e continua no governo

do Partido dos Trabalhadores (PT). Lula faz sua sucessora, Dilma Vana Rousseff, que

permanece até os dias atuais.

2.2 A Intensificação do Trabalho no Serviço Público

Retoma-se a discussão do modelo de gestão no serviço público, que é reflexo da

reforma do Estado e dos conceitos de governabilidade e governança e traz uma aproximação

de duas categorias principais para entendermos o adoecimento no contexto neoliberal, a

intensidade e a produtividade.

Segundo Dal Rosso (2008, p. 20), “A ideia de que todo o ato de trabalho envolve gasto

de energia e, portanto, exige esforço do trabalhador, está na raiz da noção da intensidade: ela

se refere ao grau de dispêndio de energia realizado pelos trabalhadores na atividade concreta.”

Entretanto, o que é uma atividade concreta? O ponto de partida para entender o

trabalho, inicia-se em Marx (1984, p. 203): “Antes de tudo, o trabalho é um processo de que

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participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação,

impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”. A literatura

contemporânea, a partir do autor, busca entender a dupla dimensão do trabalho e o dilema do

trabalho útil concreto e abstrato. Para Marx (1984, p. 201), o trabalho útil se manifesta no

valor de uso e o abstrato no valor de troca, que gera valor de mercadoria.

A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força de

trabalho consome-a, fazendo, o vendedor dela trabalhar. Este, ao trabalhar, torna-se

realmente no que antes era apenas potencialmente: força de trabalho em ação,

trabalhador. Para o trabalho reaparecer em mercadorias, tem de ser empregado em

valores-de-uso, em coisas que sirvam para satisfazer necessidades de qualquer

natureza. O que o capitalista determina ao trabalhador produzir é portanto um valor-

de-uso particular, um artigo especificado.

O trabalhador, ser social, em sua fragilidade, possui necessidades vitais e tem acesso a

elas mediante o recebimento do salário que garante a compra de bens materiais necessários

para a sobrevivência. Nesse sentido, o trabalho torna-se essencial para a vida em sociedade.

Dal Rosso (2008, p. 21) aponta dois objetivos, com a manipulação do grau da

intensidade. Primeiro, elevar a produção quantitativa. Nesse caso entende-se o trabalho físico

como identificamos o das merendeiras, que precisam fazer comida conforme a demanda, ou

seja, a quantidade e o tempo adequados às metas da merenda. “Quanto se trata de trabalho

físico, os resultados aparecem em medidas (...)”. O segundo objetivo é melhorar

qualitativamente os resultados do trabalho. “(...) Quando o trabalho não é físico, mas do tipo

intelectual” (DAL ROSSO, 2008, p. 21). Assim é o trabalho do educador, presente na

pesquisa como monitor de Centro Educacional e Creche (CEC) e professor do ensino

fundamental, porém também evidencia-se a presença da produção quantitativa.

Contudo, “(...) quanto maior é a intensidade, mais trabalho é produzido no mesmo

período de tempo considerado” (DAL ROSSO, 2008, p. 21)

Tinha cobrança em relação a o trabalho como um todo. Mas, acabava

sobrecarregando porque a professora não vinha às duas turmas ficavam comigo...,

aí eu comecei a adoecer, não tínhamos estagiários, não tínhamos quem ajudasse na

sala. Então, foi uma sobrecarga enorme. (Monitora - 20, depoimento colhido em

outubro de 2012).

Ainda com a explicação de Dal Rosso (2008, p. 25), entendemos a categoria da

produtividade:

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(...) é um conceito que provém do campo da economia. Em economia, na maioria

das vezes, o grau de intensidade fica subsumido como parte integrante do conceito

de produtividade, sem que intensidade do trabalho é uma condição distinta de

produtividade por envolver elementos e mecanismos diferentes e podendo, portanto,

ser construída com estatuto e com forma de mensuração própria. Um trabalho é

considerado mais produtivo quando seus resultados no momento t2 (depois) são

maiores do que no momento anterior t1 (antes).

Portanto, a lógica de gestão gerencial implantada, com influências neoliberais, supõe

que, para conseguir ser produtivo, é preciso que o trabalhador sempre se supere e procure

formas de produzir mais. Para alcançar a produtividade, seu trabalho deve ter a maior

intensidade possível. “É erro grosseiro supor que a intensificação ocorre apenas em atividades

industriais” (DAL ROSSO, 2008, p. 31).

Segundo Dal Rosso (2008, p. 31), ela ocorre em serviços imateriais, em que “(...) o

trabalho é cada vez mais cobrado por resultados e por maior envolvimento do trabalhador”.

Em nosso estudo, fica claro o forte envolvimento dos trabalhadores com o serviço público,

um traço marcante nas narrativas dos sujeitos da pesquisa, que demonstraram o significado do

trabalho em suas vidas a partir do sentido de trabalhar no serviço público como possibilidade

de servir a sociedade. Assim,

Os serviços com base na imaterialidade marcam diferenças significativas em relação

ao trabalho industrial pelo fato de demandarem mais intensamente as capacidades

intelectuais, afetivas, os aprendizados culturais herdados e transmitidos, o cuidado

individual e coletivo. (DAL ROSSO, 2008, p.33).

Com base nesse aspecto imaterial apontado por Dal Rosso, consideram-se os aspectos

afetivos e psicológicos que envolvem as relações de trabalho e que permitem refletir sobre a

intensidade do trabalho nos cargos do serviço público.

(...) foi assim. Eu estava trabalhando quando senti o problema. Eu já estava

cansada, já havia tido duas ou três discussões com a diretora da escola em que eu

estava.. A gente batia muito de frente, como eu já tinha falado, eu gostava de fazer

coisas que ela não deixava. (...). Me cobrava coisas e colocava os pais em choque

com a gente, sem procurar saber, conversar antes. Então, fazia a gente assinar o

livro de advertência por coisa besta, coisa pequena. Isso aconteceu e aí minhas

colegas falavam: “Você assinou? Você não devia ter assinado”. (Professora – 5,

depoimento colhido em outubro de 2012).

Há ainda o contexto da mundialização, que mostra uma sociedade marcada pelo

consumismo exacerbado. O valor da mercadoria, ou seja, dos bens de consumo, ultrapassa o

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valor humano. O consumo desenfreado por produtos, que se tornam descartáveis rapidamente,

conservam a ideia alienante da necessidade da troca rápida desses produtos para acompanhar

a revolução tecnológica e manter o ciclo do consumo capitalista presente na sociedade

contemporânea.

O trabalho vivo tem de apoderar-se dessas coisas, de arrancá-las de sua inércia, de

transformá-las de valores-de-uso possíveis em valores-de-uso reais e efetivos. O

trabalho, com sua chama, e de acordo com a finalidade que o move lhes empresta

vida para cumprirem suas funções; elas são consumidas, mas com um propósito que

se torna elementos constitutivos de novos valores-de-uso, de novos produtos que

podem servir ao consumo individual como meios de subsistência ou de novo

processo de trabalho como meios de produção. (MARX, 1984, p. 208).

Os trabalhadores, na lógica capitalista, precisam trabalhar cada vez mais, para ter

acesso a esses bens de consumo, essenciais para a sobrevivência, e/ou simplesmente pelo

significado de tê-los por causa do fetiche da mercadoria. “(...) o trabalho na sociedade

burguesa, cujo pressuposto é o reino mercantil, no qual se assenta a forma social da

propriedade privada capitalista e a divisão do trabalho, (...)” (IAMAMOTO, 2007, p.417).

O trabalhador que não acompanha essa revolução tecnológica, de certa forma, também

fica excluído do mercado de trabalho por falta de acesso às informações que permitem

desenvolver as atividades laborais exigidas pelo empregador. O tempo gasto para a realização

do trabalho é controlado. O trabalhador

(...) entrega ao empregador o seu valor de uso: o direito de consumo dessa força de

trabalho durante um período determinado de tempo, equivalente a uma dada jornada

de trabalho, (...) ou seja, durante o período que trabalha, sua atividade é socialmente

apropriada por outro: o sujeito que trabalha não tem o direito de estabelecer suas

prioridades (...). (IAMAMOTO, 2007, p. 422).

Ao não exercer suas prioridades, anula-se a si mesmo, perde sua autonomia nas

escolhas essenciais e não se apropria de seu trabalho.

Além da esfera laboral, onde o trabalhador fica boa parte do seu tempo, observa-se que

também está sujeito a ficar mais horas, além de sua jornada habitual de trabalho, ligado ao seu

empregador e ao seu trabalho, ou seja, mesmo após o fim de sua jornada habitual, em alguns

contextos de trabalho, o empregador utiliza-se de recursos virtuais para demandar mais

trabalho, e assim continua a trabalhar, mantendo as preocupações no tempo fora do trabalho.

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Desta forma, o trabalho invade as outras esferas da vida cotidiana. Confirma-se essa passagem

na fala da Professora - 5, que cita a invasão do seu cotidiano doméstico pelo trabalho.

(...) eu tenho parentes que até podem testemunhar. Quantas mil vezes chegava visita

em casa de sábado à tarde, minhas primas, e eu estava sentada na sala de jantar,

toda esparramada, preparando material, pesquisando livros e no tempo não tinha

Internet, computador, informática na escola, isso é recente, então, elas chegavam

em casa, e falavam: “Onde está a fulana?”. Pode ir à cozinha que ela está fazendo

serviço da escola. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

É muito comum, principalmente professores de ensino infantil, narrarem

circunstâncias de trabalho no domicílio, quase que semanalmente. Além do planejamento das

aulas, existem demandas de preparar material para eventos comemorativos, que ocorrem

tradicionalmente nas escolas.

O trabalhador, quando excede o tempo de trabalho para seu cotidiano doméstico,

possivelmente acaba por não ter tempo hábil de se dedicar a outras atividades, ou seja, suas

prioridades de ser social. “Verifica-se, pois, uma tensão entre o trabalho controlado e

submetido ao poder do empregador, (...) e a relativa autonomia” (IAMAMOTO, 2007, p.424).

Essa relativa autonomia é evidenciada a partir do momento em que o trabalhador está

condicionado a cumprir todas as tarefas dentro dos horários impostos por seu empregador,

incluindo os prazos e metas a cumprir, sem fazer suas próprias escolhas, “(...) visto que o

trabalho é atividade de um sujeito vivo. Enquanto gasto vital, é um movimento criador do

sujeito -, que, no contexto de alienação, metamorfoseia-se no seu contrário, ao subjugar seu

próprio criador à condição de criatura.” (IAMAMOTO, 2007, p. 429).

Ao se sentir subjugado, o trabalhador não se vê sujeito de suas ações e acaba

automatizando suas atividades. Com o passar do tempo, vai se naturalizando com essa rotina e

não consegue ter a percepção da dimensão de seu trabalho. Configura-se, assim, a tendência

da individualização, não se vendo como parte do gênero. “Porque eu estava num ponto que

não tinha mais sentido o trabalho para mim, eu queria pedir demissão, eu queria não fazer

nada, (...) trabalho tinha perdido o sentido.” (Professora – 10, depoimento colhido em

outubro de 2012)

Antunes (2010, p. 24) completa: “Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores

são substituídos e eliminados do mundo de produção. (...), pelo envolvimento manipulatório,

próprio da sociabilidade moldada contemporaneamente pelo sistema produtor de

mercadorias.”

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Algumas correntes apontam para o fim do trabalho. A tese do autor Antunes (2010)

utilizada como referência, não aponta para o fim do trabalho “(...) mas a de uma fragmentação

e de heterogeneização do mundo do trabalho e, por consequência, dos trabalhadores" (BIHR,

2010, p.12).

Antunes (2010, p. 14) explica que “(...) a unidade entre os fragmentos esparsos de uma

classe mundial de trabalhadores separados pela geografia e também pela história, haja vista a

heterogeneidade das tradições étnicas, civilizacionais, religiosas, nacionais, políticas (...)”.

A configuração do mundo do trabalho contemporânea interfere nas dimensões mais

subjetivas do cidadão, trazendo novas sociabilidades. No pensamento de Antunes (2010), a

possibilidade de emancipação do e pelo trabalho é um ponto de partida decisivo para a busca

da omnilateralidade humana. Esse conceito indica uma formação humana oposta à formação

unilateral, gerada pelo trabalho, termo que ele usa para designar as barreiras sociais que se

dão pelo estranhamento do trabalho, ou seja, a alienação presente nessa classe trabalhadora,

que se encontra cada vez mais fragmentada e heterogeneizada.

Nas narrativas das trabalhadoras, verifica-se a fragmentação e heterogeneização da

classe: O colega do trabalho, antes eu falava amigo do trabalho, mas não é. É colega de

trabalho. Mas, o mínimo, do colega de trabalho, deveria ser mais humano, devia ser mais

humanizado o trabalho. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012). A fala

expressa como são as relações no serviço público, o individualismo presente no dia a dia.

Eu não estava sabendo de nada do que estava acontecendo, foi assim: Vamos mudar

de lugar. E daí fica um jogo de empurra-empurra, sabe, ninguém assume, ninguém

admite nada e como eu estou sempre acostumada que a corda arrebenta do lado

mais fraco, eu não discuto. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de

2012).

A falta de solidariedade entre os trabalhadores, expressão do sistema capitalista que

fomenta a competividade e o individualismo no mundo do trabalho, do mesmo modo, reflete-

se também no serviço público. Para entender esse sentimento de sofrimento expresso em

vários momentos das narrativas dos sujeitos pesquisados, faz-se necessária a interlocução de

Sawaia (2006, p. 106) que conceitua:

(...) o sofrimento ético-político abrange as múltiplas afecções do corpo e da alma

que mutilam a vida diferentes formas, Qualifica-se pela maneira como sou tratada e

trato o outro na intersubjetividade, face a face ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo

e qualidade são determinados pela organização social. Portanto, o sofrimento ético-

político retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época

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histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como

inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade. Ele revela a tonalidade

ética da vivência social cotidiana da desigualdade social, da negação imposta

socialmente às possibilidades da maioria apropriar-se da produção material, cultural

e social de sua época, de se movimentar no espaço público e de expressar desejo e

afeto.

Destaca-se, então, o segmento quando Sawaia (2006, p. 106) refere: “(...) a dor que

surge da situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da

sociedade”. O sentir-se inútil é termo de grande relevância, nas falas dos sujeitos

entrevistados. Sabe, começaram a reclamar e a implicar comigo, porque eu fazia para ela, eu

que ajudava, é tipo assim, alguma coisa eu tinha que fazer, porque ficar parada o dia todo.

(Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012). Essa fala mostra uma situação

em que a merendeira não sabia o que fazer, não sabia a sua atribuição no local de trabalho,

assim, a não aceitação de ficar parada por sentir-se inútil, fazia com que buscasse outros

serviços e esse fato incomodava os demais funcionários, que viam como uma invasão de seus

espaços de trabalho. Parece que meu erro é esse, porque eu tenho tantos anos de casa. Eu

posso não trabalhar, não dar satisfação a ninguém. Sabe, ninguém está nem aí comigo. Eu

também não estou nem aí. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012)

Foi evidenciada também a questão de sentir-se sem valor, pelo fato de ficar em casa

não fazer diferença no local de trabalho. Outro sujeito completa essa ideia revelando seu

sentimento.

Às vezes, assim, a chefia fazia algumas coisas que eu não concordava, mas dizia que

fazia porque era cobrada. Eu não faço isso porque eu concordo não, faço isso

porque é bom, porque é positivo para a escola. É fazer por fazer. Então, isso é uma

opressão, que depois de um certo tempo você não aguenta mais, não cria uma

autonomia, não cria uma identidade como professor. Então, você não tem uma

liberdade para criar alguma coisa. E recursos na prefeitura, eu vivenciei, tinha

bastante, tinha formação também. Só que formação conforme o olhar do gestor e

não conforme o olhar do professor. Nunca ninguém perguntou, pelo menos para

mim, que tipo de curso eu queria fazer. Simplesmente vinha uma relação de cursos,

e aí você vai fazer esse e esse, então, às vezes, ele tinha função, e às vezes era só

para cumprir uma obrigação. (Professora – 10, depoimento colhido em outubro de

2012).

A partir da desapropriação de seu trabalho e o enfraquecimento das possibilidades de

se organizar para reivindicar as mudanças necessárias visando melhores condições de trabalho

e de vida, acaba por entregar-se, “(...) impregnando a totalidade de seu ser: capacidades,

emoções, ritmos do corpo, pensamentos e valores” (IAMAMOTO, 2007, p.429). Assim,

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(...) a reprodução das relações sociais é a reprodução de determinado modo de vida,

do cotidiano, de valores, de práticas culturais e políticas e do modo como se

produzem as ideias nessa sociedade. Ideias que se expressam em práticas sociais,

políticas, culturais, padrões de comportamento e que acabam por permear toda a

trama de relações da sociedade. (YAZBEK, 2009, p. 3).

Dessa forma, na totalidade das relações sociais, apontam as relações de trabalho com

novas configurações e formas, que podem levar ao adoecimento do trabalhador. Em uma

conjuntura que o deixa vulnerável, por causa de processos de terceirização, precarização,

intensificação e desregulamentação de direitos do trabalho.

Quando o trabalhador não vê sentido em seu trabalho, sente-se inútil, eu me sentia

como um grão de areia, insignificante (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de

2012), e, ao mesmo tempo, pressionado a cumprir suas tarefas, tem que continuar, por

necessidades de trocar sua força de trabalho pelos bens materiais necessários à sobrevivência.

Mesmo não sendo considerado na sua complexidade humana, resiste em manter-se

trabalhando; como instrumento no processo de produção capitalista, percorre os caminhos

para o limite de seu desgaste mental.

Numerosas situações examinadas com referência à dominação em suas ligações com

o desgaste mental expressam aspectos das relações sociais de produção que também

sofreram transformações históricas, da escravidão aos nossos dias. (SELIGMANN-

SILVA, 2011, p. 162).

Então, o trabalho abstrato é motivo de sofrimento? Sob o capitalismo, assume a forma

de atividade alienada. Em contraponto, o trabalho concreto cria valores de uso e, nesse

sentido, pode ser libertador. Para Silva (2012, p. 65), “mesmo que se parta da concepção de

que o servidor público não desenvolve trabalho produtivo, considera-se que também o

processo em que está envolvido o desempenho de suas atividades produz alienação, (...)”.

Entretanto, na sociedade capitalista, não é possível um trabalho totalmente concreto,

por ser uma sociedade baseada na mercantilização. O trabalho fundamental, para a realização

humana, para ser concebido dessa forma, deve envolver a construção de novas sociabilidades

pautadas no acesso a direitos sociais e na construção de uma sociedade guiada pela ética e

liberdade.

Para tanto, o capital depende do trabalho concreto e do abstrato, para manter o sistema

reprodutor de mercadorias e o homem depende do trabalho, que o constitui em um ser social,

onde coloca, ou não, a verdadeira teleologia, prevendo formas de transformação da natureza,

“(...) o sofrimento pela consciência do como a lógica excludente (a qualidade das formas de

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produção e distribuição da riqueza e dos direitos humanos) opera no plano do sujeito e é

amparada pela subjetividade assim constituída” (SAWAIA, 2006, p.107).

Para entender como é realizado o trabalho e as particularidades de cada cargo dentro

do serviço público, agrupam-se os sujeitos da pesquisa qualitativa, para uma análise, por

cargo que exerciam antes da participação no processo de reabilitação.

Nos Quadros 6, 7 e 8, os sujeitos grifados evidenciam quais participaram do grupo

focal, que teve o intuito de captar os significados das questões emergentes durante as

entrevistas. A discussão em grupo torna-se uma referência fundamental para a comprovação

de nossa hipótese e discussão da categoria identidade, que será apresentada no próximo

capítulo.

Observou-se que, dentre os nove sujeitos da pesquisa qualitativa, apenas cinco

aceitaram participar do grupo focal, entre eles: três professoras, uma monitora e uma

merendeira. As professoras apresentaram receptividade com o convite, possivelmente por

pertencer a uma categoria profissional historicamente ligada a movimentos de lutas por

melhores condições de trabalho. Ao serem convidadas para o grupo, o relacionaram como

uma possibilidade de participar de um momento de reflexão sobre as condições de trabalho do

professor. Já as monitoras e merendeiras, ao serem convidadas para o grupo, demonstraram

certa preocupação em expor suas histórias ao grupo.

Para melhor entendimento, retomamos a questão da metodologia da pesquisa, ao

observar, nos Quadros 6, 7 e 8, os três cargos distintos dos sujeitos de pesquisa que

participaram da história oral: merendeiro, monitor de CEC e professor de Educação Infantil,

como evidencia o Gráfico 2, uma vez que a escolha partiu do levantamento quantitativo do

universo de 82 servidores, que indicou os três cargos como os que representaram a maior

incidência de adoecimento, o que levou à reabilitação no período pesquisado. Verificou-se que

todos os sujeitos eram de origem da Secretaria Municipal da Educação, a maior, em número

de trabalhadores que foram reabilitados da Prefeitura de Piracicaba.

No Gráfico 2, aponta-se maior incidência de reabilitações na área da Educação, nos

cargos de merendeiro, professor de ensino infantil e fundamental (Educação Infantil - creches

e pré-escolas e nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental) e monitor de CEC (creches

e pré-escolas).

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Gráfico 2 – Número de trabalhadores que concluíram o processo de reabilitação por cargo de origem no

período entre 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio de 2012

Destaca-se que o estudo das atividades inerentes aos cargos, pelas falas dos sujeitos,

foi de supra importância para entender o processo que levou à reabilitação, por isso, ao

identificar os sujeitos da pesquisa, utilizou-se o nome do cargo de origem mais o número de

anos de serviço público, no momento em que foram indicados para reabilitação, no sentido de

ressaltar o tempo de serviço que tinham quando adquiriram a incapacidade laboral que levou à

reabilitação.

2.3 O Cotidiano Profissional da Merendeira

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Para compreensão do trabalho da merendeira (Quadro 6), apresenta-se, a seguir, um

pouco das histórias profissionais dos sujeitos da pesquisa oral que exerciam essa função antes

da reabilitação.

Quadro 6 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo de merendeira

Identificação dos sujeitos

da pesquisa Merendeira (7) Merendeira (14) Merendeira (16)

Idade na data da pesquisa 58 anos 63 anos 54 anos

Idade que ingressou na

reabilitação 53 anos 58 anos 48 anos

Tempo de trabalho na

Prefeitura 12 anos 19 anos 22 anos

Tempo de trabalho na

nova função 5 anos 5 anos 6 anos

Formação 2o Grau completo

Ensino Fundamental

incompleto

Ensino Fundamental

incompleto

Cargo do Concurso Merendeira Merendeira Merendeira

Referência

Salarial (Tabela DRH

jan./13. Conversão em

salários-mínimos)

1.80 sm 2.00 sm 2.04 sm

Regime de Trabalho CLT Estatutário Estatutário

Carga Horária Semanal 40h/semanal 40h/semanal 40h/semanal

Função exercida após a

reabilitação Atendente Copeira Atendente

Nota: A referência salarial utilizada é a indicada pelo Departamento de Recursos Humanos em jan./ 2013. Ocorreu a

conversão em salário-mínimo, considerando por referência o salário-mínimo referência nacional em maio/2013. A contagem

dos anos foi realizada com referência até maio/2013.

Na organização do trabalho das merendeiras, descrita pela Merendeira – 7, retrata-se

como era seu trabalho em meados de 2000, em comum com os demais sujeitos da pesquisa,

que têm o cargo de merendeira mostra-se a intensidade do trabalho físico. Essa passagem é

recordada com a descrição de suas tarefas diárias. Naquela época, vinham pacotes de carne

de 8k a 10k num só para tirar do freezer. Não é como agora. Vinham muitas laranjas para

descascar. Tinha que descascar 3 a 4 sacos de laranjas por dia e às vezes uma pessoa só, não

é como agora. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de 2012)

A Merendeira – 14 continua a descrever esse trabalho, que corresponde à intensidade

do esforço físico que caracteriza o trabalho das merendeiras:

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(...) era um lugar que a gente carregava muito peso, dependendo das escolas,

aquelas panelas enormes de comida. Então, é mulher que trabalha ali! Então, tem

que tirar aquela panela pesada, erguer peso, chegava mercadoria, você tinha quer

por, então, é peso. Daí, eu comecei com hérnia e foi... Eu não sabia o que era e

então eu fui no médico e ele falou que tinha que fazer a cirurgia. Eu fiz a cirurgia,

fiquei um tempo afastada. Não foi muito tempo, não recordo quanto e depois voltei a

trabalhar. Depois de dois anos, eu operei a mesma hérnia, que voltou de novo.

Então, porque eu operei? Mas eu continuei fazendo aquilo lá, é consequência do

trabalho, muito peso, a gente fez muitos eventos também, essas coisas que tinha

naquele tempo. Hoje é diferente. (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro

de 2012).

A Merendeira – 14 conta que hoje é diferente. Essa fala expressa que ocorreram

mudanças na organização do trabalho das merendeiras. As doenças osteomusculares, que

adoeceram muitas trabalhadoras vítimas de desgastes físicos e ainda adoecem, estão perdendo

espaço para as doenças mentais, que têm aumentado, nos índices dos motivos de reabilitação

profissional, como se nota na pesquisa quantitativa realizada. A Merendeira – 7 conta que era

Corrido, bem corrido, sim, repartido com outras pessoas, um dia ficava na pia,

outro no fogão, um dia no lado de lavar a louça e outro dia no cortado dos legumes,

cada semana era uma que cozinhava, era bem organizado. Acho que eram quatro

merendeiras e uma readaptada, que ajudava na época. Então, problema de coluna,

eu fiquei com pressão alta, por causa da menopausa, mas foi por quê? Por causa da

coluna, deu lordose e escoliose, processo degenerativo na coluna, então eu não

posso fazer mais aquele trabalho. (...) Até hoje eu tenho dor. Porque é um problema

crônico, que não tem cura e eu vou falar a verdade para você, eu não vou assim ao

médico porque eu sou celetista e se eu ficar afastada eu fico sem receber. A lordose

é assim, ela fica repuxando, fica caindo a coluna também, agora tenho dores, mas,

pode ser pelos anos de trabalho. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro

de 2012)

Hoje, a merenda compra os alimentos já picados e separados, para facilitar o trabalho,

também boa parte da merenda é terceirizada, assim como ocorre com os serviços gerais, mas

isso nos remete a pensar em outro problema mais grave, o da terceirização do serviço, uma

forma de incitar o problema da saúde do trabalhador do setor público para o setor privado e

agravar a questão, que passa a não ser mais visível no serviço público. Entretanto, os

desgastes desses trabalhadores terceirizados, como ficam?

Não sabemos como trabalham, entre outros aspectos, que foram ocultados através dos

processos de terceirização dos serviços. Perde-se o controle, com a vinda dos funcionários

terceirizados, que são rotativos e quando adoecem são facilmente descartados pelo

empregador e não tem a estabilidade do servidor público.

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Agora não sei, porque não estou mais na cozinha, pelo que vejo, não tem mais

laranja para descascar. Antes, tinha que fazer gelatina, tinha que fazer mingau de

maisena com chocolate, grudava tudo no fundo da panela, lembra? Tinha

mandioca, tinha bife de fígado para ser cortado, a carne não vinha cortada, tinha

mandioca, que agora não tem. Antigamente, tinha mandioca para descascar, vinha

peixe para fritar, agora não tem peixe frito, nada, facilitou para elas, foi

melhorando, diminui. As panelas da creche são médias, as da escola eram piores.

Eu cheguei a ir na escola, e as panelas, cabiam eu dentro delas, as da escola, é

terrível, é verdade sim, você já viu! e antes você era cobrada de produção, por

causa de ter uma cozinha. É diferente, hoje, por causa dos horários de almoço,

essas coisas tinham cobrança. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de

2012).

Continua a Merendeira - 14,

Eu gostava porque, quando você trabalha como merendeira, trabalha em lugares

que é muita gente. É equipe. E quando você trabalha em equipe, a gente se dá muito

bem. Tem colaboração, então você trabalha, mas você se diverte também. O grupo,

as pessoas, você conversa, você brinca, você ri. O tempo passa que você não vê. E

se trabalha, por exemplo, numa escola ou numa creche, como eu trabalhei. Não,

você trabalha com crianças, na escola, ou numa creche, tem tempo, porque você

entra às 6 horas, 15 para as 7, a criança entra e vai tomar o café, tomar leite,

comer o pão, ela chega e aquilo ali tem que estar pronto, então, a gente trabalha

com horário. Chega numa creche, numa comparação, hoje, não sei como está,

porque faz tempo que não estou trabalhando assim, então, o almoço da criança é às

11 horas, e a comida tem que estar pronta, então, a gente trabalha com o horário.

Mas, agora a equipe é boa, porque você trabalha numa creche, vamos supor, você

trabalha uma semana, comigo era assim, então, essa semana, eu pego o fogão para

fazer a comida, eu, você e mais uma, então, essa semana é minha semana de

cozinhar, então, você vai preparar as coisas, vai levar a verdura, outra vai cuidar

da sobremesa das crianças, daí, outra, a outra semana inverte; na escola, a gente

trabalha assim, para não sobrecarregar uma só. A era a gente que fazia. Então,

ficava assim, o último serviço na merenda que eu fiz foi numa escola aqui perto, nós

éramos três, e a cada semana era uma que cozinhava. Então, uma semana era eu,

outra era a “fulana” e a outra era a “beltrana”, daí voltava de novo. Agora, tem

dois locais, quer dizer, tem as escolas, vou falar do meu tempo, eu não sei contar.

Tinha as escolas e as creches, então, a escola é completamente diferente da creche.

Na creche, a criança toma o café das 7h às 8h. (Merendeira – 14, depoimento

colhido em outubro de 2012).

Assim, revela-se como era a rotina diária da merendeira.

Entrava antes para preparar. Tinha uma turma que entrava, vamos supor, às 6h da

manhã e uma às 6h30 da manhã e a outra às 7h30, porque, daí, eu ia embora mais

cedo. Eu entro de manhã, prepara o café, o almoço, depois tem o lanche da tarde, e

antes de ir embora dava uma sopa, alguma coisa, hoje eu não sei como está E daí,

se eu entrei às 6h da manhã, a outra, que chegava mais tarde, saía às 17h. Porque,

se eu entrasse às 6h da manhã, e fosse sair às 17h, ia dar muito mais do que oito

horas. (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012)

Descreve a possibilidade de revezar horário, uma forma de o empregador evitar o

pagamento de horas extras. Quem entrava às 6h, saía às 16h. Quem entrava às 7h, saía às

17h (...). (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

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Continuam as experiências vivenciadas pela Merendeira – 16

Olha, eu comecei, oh, Jesus! Quando eu comecei a trabalhar! Eu comecei a

trabalhar no “tal lugar”, você se lembra? Existia no centro, faz tempo que

encerrou. Era um lugar complicado, onde ninguém queria trabalhar, que eram

meninos de rua, praticamente sem educação e tinha uma merendeira muito boa que

trabalhava ali, aí, eu fiz amizade com ela, eu vim algumas vezes substituí-la e ela

me dizia que queria sair dali, mas, depois que eu fui ver, por pessoas, que não era

pelas crianças, nunca o local foi ruim pelas crianças, mas sim por que existia uma

diretoria, só que, quando você precisava dessa diretoria, não tinha apoio nenhum e

a gente via que existia muita coisa errada da diretoria, (...) Eu trabalhei sozinha,

muitas vezes, eu trabalhei em escola, sozinha, em uma época que se fazia arroz,

feijão, mistura e salada. Então, fazer sozinha já era difícil, servir sozinha, muito

pior e depois limpar tudo sozinha, é complicado.

Era uma merenda às 10h da manhã, a outra às 15h da tarde, é muito perto e a gente

tem que fazer tudo fresquinho ali, não podia fazer de manhã. Eu servia entre 300 a

350 crianças, em cada refeição. Para trabalhar junto, só eu. Muitas vezes, eu

trabalhei com quatro pessoas, na creche. Eu cheguei a trabalhar na escola sozinha.

O médico solicitou, na realidade, eu nem me lembro, porque minha readaptação

surgiu assim, eu nem sabia que eu seria readaptada. Deu problema primeiro no

túnel do carpo, daí eu operei a minha mão, em seguida, a merenda era

administrada, às vezes, por pessoas, tinha um senhor lá que era um carrasco com a

gente. Ele cobrava. Ele não estava nem aí, se estava doente ou não estava. Se estava

bem, ou não estava. Porque, na época em que operei, eu trabalhava no “tal local”,

eu precisava só de uma ajudante. Ele dizia que não tinha como colocar uma

ajudante, mas ele colocou outra pessoa e me mandou do outro lado da cidade para

trabalhar. Então, é coisa que você vê que não tem lógica, é coisa que está sendo

feita por desprezo mesmo. Isso não aconteceu só comigo. Então é meio complicado.

(Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).

Na verdade, os cargos de gestão no serviço público, as chamadas chefias de setor e

departamento, nem sempre são preenchidos por concurso público. Muitas vezes, são

indicações por fatores políticos e não pela qualificação e pela experiência do trabalhador. No

caso das diretoras de escola, é realizado um processo seletivo interno, do qual podem

participar os professores concursados.

Então, do “tal local”, eu fui para “tal local”, e lá fiquei um tempo até que não deu

mais. A dificuldade, que já falei para você, é mesmo no relacionamento humano,

que é difícil, tem gente que aceita, tem gente que não, tem gente que desdenha, tem

gente que faz pouco caso, tem gente que não aceita. Pouco caso, imagina, eu com

dor, tenho cara de que estou com dor? Eu não tenho cara de que estou com dor, mas

estou com dor, então, só eu sei da minha dor, isso ninguém quer saber, não importa,

é um tipo assim, você está aqui, tem que fazer, vai ter que limpar o chão, vai ter que

lavar o prato, vai, e eu não tive problema, se eu estiver aqui, ou em qualquer lugar

que seja, se tiver que lavar o banheiro, eu lavo numa boa. Eu não tenho preconceito,

só que é complicado. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).

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2.4 O Cotidiano Profissional do Monitor de CEC

Assim como no setor privado, no setor público também aparecem novas condições de

trabalho, surge uma série de exigências postas ao trabalhador, envolvendo metas a atingir,

processos automatizados, que levam à individualização enquanto trabalhador, distanciando-o

da consciência de classe trabalhadora. Conforme Antunes (2010, p. 30), “O individualismo

exacerbado encontrou, também, condições sociais favoráveis (...)”.

Nos anos 90, verifica-se o aumento na intensidade do trabalho intelectual. As doenças

mentais disparam, nos índices de adoecimento, como característica na organização do

trabalho do educador. De acordo com a Monitora – 14,

O que contribuiu mesmo foram coisas que funcionários acabaram fazendo, coisas

que não condiziam com o lado humano. Maltratou uma criança, isso eu não aceito,

não tem como aceitar, eu nunca aceitei. E hoje eu jamais teria uma atitude dessas,

seria difícil, porque você não pode falar nada, o médico falou para mim que tem

quer ser cega, surda e muda, em relação ao que você vê com uma criança, mas eu

não. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

Quanto ao grau de instrução dos sujeitos, chama a atenção que as monitoras

participantes da pesquisa qualificativa têm o mesmo grau de instrução das professoras. Todas

atingiram o nível universitário. Apesar da referência salarial e da carga horária apresentarem

diferenças, a carga horária das monitoras de CEC é maior e a referência salarial é menor, em

relação às professoras (Quadro 7).

Considera-se que o monitor de CEC tem suas atribuições equivalentes a um professor

de ensino infantil, porém é um cargo que não está mais sendo ocupado. Equivalia à

qualificação do magistério, e vem sendo substituído pelo professor de ensino fundamental,

com exigência de graduação em Pedagogia. A fala de Monitora – 20, ao descrever seu

trabalho, exemplifica essa diferenciação no período em que ocorreram as mudanças.

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Quadro 7 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo monitor de CEC

Identificação dos sujeitos

da pesquisa Monitora (14) Monitora ( 20) Monitora (19)

Idade na data da

pesquisa 52 anos 40 anos 58 anos

Idade que ingressou na

reabilitação 47 anos 39 anos 56 anos

Tempo de trabalho na

Prefeitura 19 anos 21 anos 21 anos

Tempo de trabalho na

nova função 5 anos 1 ano 2 anos

Formação Superior Superior Superior

Cargo do Concurso Monitor de CEC Monitor de CEC Monitor de CEC

Referência

Salarial (Tabela DRH

jan./13. Conversão em

salários-mínimos)

2.50 sm 2.60 sm 2.60 sm

Regime de Trabalho Estatutário Estatutário Estatutário

Carga Horária Semanal 40h/semanal 40h/semanal 40h/semanal

Função exercida após a

reabilitação Atendente Escriturária de escola

Monitora de Educação

Especial

Obs.: A referência salarial utilizada na tabela é a indicada pelo Departamento de Recursos Humanos em janeiro/

2013. Ocorreu a conversão em salário-mínimo, considerando por referência o salário-mínimo nacional em

maio/2013. A contagem dos anos foi realizada como referência até maio/2013.

Outro fator de adoecimento apontado está ligado à intensificação do trabalho como

educador, emergente da intensidade do trabalho. Dal Rosso (2008) considera que se exigem

resultados cada vez mais qualitativamente superiores, consumindo mais energia do

trabalhador, pois os processos de trabalho são intensificados.

Para compreensão do trabalho da monitora, a seguir, apresentam-se detalhes das

histórias profissionais dos sujeitos da pesquisa oral que exerciam o cargo de monitora de CEC

antes da reabilitação:

A Monitora – 20 relata como era seu trabalho e as relações de seu cotidiano

profissional.

Eu nunca tive reclamações. Então, antes, eu realizava com muita vontade, daí eu fui

adoecendo, pelo sistema, que a gente tinha uma forma do cuidar, a gente sempre

utilizava aquela forma do assistencialismo. Tentou mudar e mudou de forma, que

mudou o esquema de colocação do professor na sala. Nós ficávamos 8 horas dentro

da sala, então, você tinha um vínculo com os alunos. Tudo o que acontecia durante

o dia você sabia, e, a partir do momento em que mudou, em relação aos professores,

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tivemos professores de meio período e elas tratam as crianças como folha de papel.

Então, aquele cuidar, realmente, que você está se dedicando aos seus alunos, está

cuidando de um ser humano, para mim, eu não estava mais vendo dessa forma, não

por mim, mas pelas outras pessoas. (Monitora - 20, depoimento colhido em outubro

de 2012).

A monitora retrata as particularidades de seu cargo, a municipalização da educação,

consequência da Reforma do Estado, trouxe mudanças macro e micropolíticas nas relações do

trabalho do educador infantil. O professor assume a classe de ensino infantil, que antes era de

responsabilidade apenas do monitor de CEC, enquanto o monitor passa a ser considerado

como assistente de sala, porém trabalhando oito horas por dia com os mesmo alunos e as

mesmas preocupações. Toda essa mudança modifica as relações de trabalho dos educadores.

Os monitores de CEC sentiram-se desvalorizados ao perder a autonomia da classe.

Com a reforma na educação infantil15

, criam-se novas regras e novas exigências de

qualificação. As antigas creches viram escolas infantis, daí vem o nome do cargo monitor de

CEC – Centro Educacional e Creche –, que hoje são as Escolas Municipais de Ensino Infantil

(Emeis). É exigida a presença de professores com graduação em Pedagogia e não há mais

contratações para monitor de CEC. A prefeitura lança editais de concurso público exigindo a

qualificação, o nível superior em Pedagogia, com habilitação em ensino infantil e/ou ensino

fundamental, para assumir o cargo de professor infantil.

A Monitora – 20 critica o sistema da professora como uma forma de defesa, por sentir-

se desprezada em sua forma de trabalho. Entendemos que a monitora se preocupa mais em

cuidar, dar carinho, dar colo, enquanto a professora está mais direcionada a educar, dar

autonomia para a criança fazer sozinha. Por isso, a monitora usa o termo trata a criança como

uma folha de papel, que expressa a preocupação do professor em ensinar.

Portanto, há conflitos nas relações cotidianas da sala de aula, sem apoio à monitora e à

professora, ambas sofrem desgastes mental e físico, com a gestão e com as consequências do

sistema de trabalho; ambas são cobradas a produzir.

15

Nova reforma na educação brasileira é implantada em 1996. Trata-se da mais recente LDB, que traz diversas

mudanças às leis anteriores, com a inclusão da educação infantil (creches e pré-escola). A formação adequada

dos profissionais da educação básica também é priorizada, com um capítulo específico para tratar do assunto.

(MEC). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/?option=com_content&view=article&id=2&Itemid=171>.A

atual LDB (Lei 9.394/1996) foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro da

Educação Paulo Renato, em 20 de dezembro de 1996. Baseada no princípio do direito universal à educação para

todos, a LDB de 1996 traz diversas mudanças em relação às leis anteriores, como a inclusão da educação infantil

(creches e pré-escolas) como primeira etapa da educação básica. Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Diretrizes_e_Bases_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_Nacional>.

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Eu não conseguia passar, o meu esquema de trabalho era diferente dos delas, essa

ideia eu passo, essa ideia eu não passo, eu não estou nem aí com a criança, eu não

estou nem aí com o ser humano, que eu estou cuidando. Meu esquema de trabalho

era ver o bem-estar do aluno que eu estava cuidando, sempre tentando valorizar

muito bem as necessidades deles. Eu ficava 8 dentro do local de trabalho; elas

ficavam 5 horas, no máximo 6 horas e já tratavam de uma forma diferenciada. Eu

tinha que dividir classe com uma professora de meio período. Então, eu acabava

ficando dois períodos com uma professora de manhã e com outra à tarde. E isso são

pessoas diferentes sistemas diferentes e o sistema imposto pelo governo ainda. Eu

gostava muito do que fazia. Eu fazia com maior amor do mundo. Eu fui adoecendo

pelo sistema. Pela imposição. Você tinha que seguir aquilo, eu queria cuidar e não

conseguia cuidar, devido à sobrecarga, porque a outra pessoa não estava

interessada em fazer. Então, eu acabava cuidando dos meus e dos outros. Hoje

existe uma divisão muito grande, se hoje você têm sete alunos, são sete alunos seus.

Você não mexe um com o outro. E não tem como, porque você divide o mesmo

espaço. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).

Continua a descrever como era seu trabalho de monitora.

O monitor é um assistente de sala. Nó somos contratados, se pegar o edital do

concurso, o que ele tinha, só que nós ficamos como meras assistentes de sala. Mas

não responde pela sala. Você faz as mesmas coisas, às vezes trabalha mais e sua

valorização é mínima. Você não tem mais valor se as coisas dão certo na sala, quem

tem ponto, são as professoras. Mas, se deu tudo errado é aquela ali que não faz

nada certo. Então, a sobrecarga é enorme. Acaba sobrando só para o monitor. Você

se transforma num assistente de sala; a professora vai dar as atividades, as

crianças, são 14 crianças, trabalham dessa forma. Método de via, eu assistente de

sala, eu assisto 14 crianças. Neste período, duas professoras e eu. Certo. Imagina

14 crianças, se cada uma faz as necessidades duas vezes, no mínimo, a gente faz

quatro trocas. No dia em que eu fiz mais trocas, eu fiz 91 trocas sozinha, em um dia.

Eu cheguei a contar das 7h da manhã, que eu entrava, até as 17h, quando eu saía.

Foram 91 trocas. Fora a professora, que não veio, não tem que ficar aí. Não vou

deixar meus alunos ao deus-dará, eu não deixava. (Monitora -20, depoimento

colhido em outubro de 2012).

Está presente na intensidade do trabalho do monitor tanto a possibilidade do desgaste

físico como o mental. Conta-nos que eram crianças de dois anos, nessa fase, então, todas

foram encaminhadas para o berçário. Nós somos contratadas para trabalhar de seis meses a

cinco anos, mas todas foram jogadas no berçário. Se você fizer uma pesquisa na rede todas

as monitoras estão no berçário. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).

Ela conta qual foi a lógica da Secretaria da Educação de enviar as monitoras para o berçário.

Se eu fui contratada para trabalhar com crianças de 6 meses a 5 anos , está lá no

meu edital, porque eu não tenho capacidade, então? Então vamos extinguir o cargo

e acabou. Ele colocou a gente como inútil, como não capacidade de tratar criança

em outra fase, todos os monitores que vão trabalhar viraram meras assistentes de

classe, recebendo como monitor. Depois de 15 anos, 16 anos, como monitora e a

sobrecarga é maior dentro do berçário. Imagine você todos os anos dentro do

berçário. Eu já estava no berçário há seis anos, então, imagine a situação, a

sobrecarga é imensa. E a sobrecarga psicológica é maior ainda. Se fizer a pesquisa

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do jeito que elas estão, é muito diferente, o jeito de uma monitora trabalhar e a

professora. E, algumas vezes, eu dou uma paradinha nas salas, até as meninas que

são professoras aqui, brincam comigo, eu daria tudo para ver a Fulana um dia na

sala de aula, pelo jeito que eu chego perto das crianças e, às vezes, eu faço parar de

chorar, então você já tem um dom, a gente sente.

Ontem nós pegamos o meu prontuário e eu vi alguma coisa de lá. Entendeu, então,

daí, eu não tinha visto antes, a resposta, elas ficaram pensativas. O que será?

Bateu, matou e quase que eu fiz, é sério, o médico me afastou por isso, porque eu

tive sinceridade. Porque, se o funcionário tentar bater, ele não vai falar não! Então,

como eu valorizava muito meus alunos, pois, ninguém tem que pagar pelos atos de

outras pessoas, muito menos uma criança. (Monitora -20, depoimento colhido em

outubro de 2012).

A Monitora – 20 complementa descrevendo as características do seu trabalho.

A gente já tinha uma rotina. Eu já tinha, eu fazia uma rotina semanal, eu colocava

no canto da lousa e a cada dia eu pontuava tudo. Já me organizava. Na outra

semana, também. A gente fazia um planejamento para o ano inteiro, ia pegando os

meses e naquele mês a gente tirava a semana. A organização era assim, tinha

crianças que davam trabalho, uma criança com revolta, porque cada criança vem

de família diferente, com dificuldades diferentes, então, a gente, eu principalmente,

sempre eles diziam que eu era muito mãezona, muito faz tudo o que quer, sabe, é que

a criança já chega, chegava assim, uma pessoa diferente, uma pessoa estranha,

tinha que dar atenção para a criança, porque a criança tem que saber que você não

é uma pessoa que vai maltratar, que vai deixar passar dificuldade ali, você vai dar a

atenção para ela, então ela tem que ter confiança em você. (Monitora – 20,

depoimento colhido em outubro de 2012).

A monitora expressa muita emoção, durante a entrevista, ao recordar algumas

passagens, se emociona.

Então, eu era a que ficava com a criança no colo, eu que ficava com aquela que

precisava de mais atenção, por causa de alguma dificuldade, que geralmente as

minhas crianças eram todas pequenas, eram da fase de berçário até o maternal,

então crianças dependentes. Então, eu dava a atenção bastante para eles. Eu

trabalhava oito horas, o ambiente de trabalho era bom. Um ambiente bom. (...)

(Monitora -20, depoimento colhido em outubro de 2012).

Ao perguntar sobre capacitações, cursos, responde que

Na época não tinha nenhuma capacitação, que eu fiz não. Depois eu vim a saber

que para outros concursos teve. Quando eu entrei não teve (...). Eu procurei porque

na verdade o que prejudicou, foi assim, tem história de vida da gente, bom, eu

acabei presenciando fatos dentro da escola de educação infantil, com colegas de

trabalho, que não condiziam com o meu objetivo de trabalho. (Monitora -20,

depoimento colhido em outubro de 2012).

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2.5 O Cotidiano Profissional do Professor de Ensino Fundamental

O contexto dos professores públicos chama a atenção para a realidade da organização

do trabalho que perpassa as circunstâncias desfavoráveis dessa função, como expressa essa

atividade de educar e as condições de trabalho relatadas pelos sujeitos (Quadro 8) são

apresentada a seguir, por meio de suas histórias profissionais, de quando exerciam o cargo de

professor de ensino fundamental, antes da reabilitação.

Quadro 8 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo professor fundamental

Identificação dos sujeitos

da pesquisa Professora (5) Professora (10) Professora (6)

Idade na data da pesquisa 67 anos 39 anos 47 anos

Idade que ingressou na

reabilitação 65 anos 36 anos 44 anos

Tempo de trabalho na

Prefeitura 7 anos 13 anos 9 anos

Tempo de trabalho na

nova função 2 anos 3 anos 3 anos

Formação Superior Superior Superior

Cargo do Concurso Professora do Ensino

Fundamental

Professora do Ensino

Fundamental

Professora Educação

Fundamental

Referência

Salarial (Tabela DRH

jan./13. Conversão em

salários-mínimos)

2.80 sm 3.08 sm 3.09 sm

Regime de Trabalho CLT CLT CLT

Carga Horária Semanal 33h/semanal 33h/semanal 33h/semanal

Função exercida após a

reabilitação Escriturária Assistente Pedagógica

Auxiliar de

Coordenadora

Pedagógica

Obs.: A referência salarial utilizada na tabela é a indicada pelo Departamento de Recursos Humanos em janeiro/2013.

Ocorreu a conversão em salário-mínimo considerando por referencia o salário-mínimo nacional em maio/2013. A contagem

dos anos foi realizada com referência a maio/2013.

A Professora – 10 descreve sua percepção:

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O que eu percebi na rede pública municipal é que existe muita cobrança do

professor, existe uma pressão psicológica no sentido de que ele tem que produzir.

Mas não é para o aluno, ele tem que produzir para mostrar para a chefia para

mostrar para quem está cobrando. Então, você não produz conforme está pensando,

você produz conforme alguém a comanda, é diferente; por bastante tempo, eu

trabalhei na rede municipal, só que eu não fiquei como professora, eu passei para

diretora, como coordenadora, eu fiquei como professora na rede só por dois anos.

Então, você tem uma concepção de aprendizagem, não tinha valor. Tinha valor para

fazer dessa forma, que todo mundo faz, e é dessa forma que eu quero que você faça.

Então, isso deixa a gente às vezes sem identidade, como professor. Essa pressão não

foi boa, não foi um processo bom. (Professora – 10, depoimento colhido em outubro

de 2012).

Continua a Professora – 5.

O professor não trabalha sozinho, a gente, além dos 30, 40 alunos que tem, nós

temos o dobro e triplo de pais. E, muitas vezes, nessa área, não falo de uma mágoa,

um problema muito sério e a gente conversar com os pais que não aceitam o

trabalho da gente. Já aconteceu isso comigo, quando eu iniciei o meu processo na

área de educação, foi no Estado, e a gente tinha cursos e cursos para fazer, então,

não é como a municipal, que hoje está, e os cursos são também inferiores ao Estado.

A educação, a gente ouve falar que está falida, esqueceram do trabalho com ela,

mas se for ver, não está falida. É o próprio professor, a própria escola, colocar para

fora o trabalho que faz. Quando eu comecei, eu fazia cursos, com o MEC, com o

pessoal do MEC fazia cursos na Secretaria da Educação do estado, vinham

professores doutores de fora do País para a gente conversar. Aprender com eles,

comparações de trabalho em sala de aula do Chile e do México, por exemplo, o

Brasil, então, foi lindo o trabalho, valeu muito a pena, o trabalho foi gratificante,

tive muito empecilho, no começo, na direção de escola, porque a gente fazia curso

de especialização, fazia curso de enriquecimento e viajava aos sábados para fazer,

às vezes, passar dois a três dias. Foi pelas experiências que eu tive há muito tempo.

Então, a gente trabalhava com criança. Até então não tinha muita criança, a gente

tinha uma média de 25 a 28 crianças. Eu sempre fui alfabetizadora, eu sempre

preferi pegar o primeiro e segundo anos, vieram as mudanças na nomenclatura. A

primeira série e a segunda série, o primeiro ano, que correspondia ao infantil, e o

ensino infantil, para o fundamental, eu passei por toda essa mudança, dentro da

sala de aula. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

A Professora -5 faz referência ao período da mudança de nomenclaturas do ensino

infantil, com a reforma da educação infantil, que foi implantada em 1996, e que trouxe

diversas mudanças, como a inclusão da educação infantil (creches e pré-escola), e continua a

descrever as características do trabalho do professor,

Nós éramos cobradas, muito policiadas mesmo, pelo tipo de trabalho que fazíamos

dentro da sala de aula. Você não tinha liberdade de trabalhar um assunto. Eu

sempre gostei de sair com as crianças, fazer uma excursão, fazer plantio, inclusive

por gostar disso, fui muito, por três a quatro anos, convidada pela Secretaria do

Meio Ambiente da Prefeitura a fazer plantio com as crianças, ia ao zoológico, de

2005 a 2006, eu acredito que eu plantei com meus aluninhos mais de mil árvores na

cidade e quando eu passei para o municipal eu comecei a encontrar esses

empecilhos. Para levar um convidado para fazer uma palestra em sala de aula, você

tinha que ter colocado no planejamento de janeiro, no início do ano, você sabia o

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que ia dar o ano inteirinho. Não é tudo que você pode planejar e não é tudo que dá

certo, principalmente com a história de eu querer sair com meus alunos, conversava

com os pais, os pais iam junto, todos aceitavam, todos assinavam. Chegava à

direção da escola, e eu era bloqueada. Não pedia ônibus, eu tinha que fazer tudo

por minha conta com o aval dos pais. E aí eu me decepcionei com a educação

municipal. Porque, bem na verdade, eu estava acima do conhecimento da direção,

por onde trabalhei. Foi 2005, 2006 até 2010, um ano bom e três, quatro, péssimos,

com a direção, a gente batia muito de frente, a gente gostava de dinâmica e gostava

de sair com as crianças, aprender a mostrar coisas para eles, precisam disso, né,

agora, principalmente, que toda a criançada vem com a Internet, tinha coisas que a

Internet mostra, mas você tem que diferenciar. É um trabalho de campo que fiz e

não fui muito entendida nesse aspecto.

Tive problemas, teve uma ocasião em que fui chamada na secretaria, eu me sentia

como um grão de areia, insignificante, quando eu entrei numa sala, tinha oito

supervisoras, era uma examinação, banca examinadora para questionar sobre como

eu dava minhas aulas e se os alunos aprendiam, como eu sabia que meus alunos

estavam aprendendo, como eu alfabetizava, me colocaram na frente de uma lousa,

para eu ensinar, como se elas fossem crianças, foi assim humilhante, muito

humilhante. Foi nesse período que, eu não sei, foi muito tumultuado. Eu gostava de

fazer tudo aquilo, mas quando eu vi que não tinha como e nem a nível de

supervisão, e foi nessa supervisão que eu me estressei muito, eu era vigiada até por

servente, passavam na sala de aula e chegavam na direção que eu tinha falado isso

e aquilo na sala de aula, que tinha criança que me perguntava e parece que ficavam

observando só o meu trabalho, sabe, tinha escola que tinha visor na porta, então,

quando eu menos esperava, tinha alguém no vidro olhando o que eu estava fazendo.

Se estava dando giz de cor, se eu não usava giz de cor na lousa, quando eu

ensinava, e queria ver o meu diário, se eu preparava a aula de todo dia. Eu nunca

fui de centralizar ou documentar o que eu dava em sala de aula. Antes, eu preferia

fazer tudo no final do dia, com todos os assuntos dados durante o dia. Isso também

foi bloqueado, a gente tinha que fazer um semanário, eu acho isso muito pobre,

muito pequeno. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

É possível observar como o trabalho do professor era controlado e como não tinha

autonomia para escolher sua metodologia de trabalho, caracterizando um trabalho alienante,

automatizado, que lhe era estranho.

Todo dia. Então você abre, pega o caderno grande, e marca lá. Na semana, por

exemplo, de segunda a sexta-feira o que você vai dar todos os dias. Na segunda-

feira, planeja, faz o esqueleto e trabalha aquele dia. Na terça, isso a gente fazia em

casa, preparava a semana em casa. Então, a gente preparava, ainda funciona assim,

que eu sei. Você tem os [Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo] HTPCs,

pedaços de textos, de apostilas, que a gente lia, que não tinha nada a ver. A

cobrança é muito grande, dentro da coordenação, que a gente queria planejar a

aula, a gente era em três, ou quatro, do 1o, do 2

o e 3

o anos e todas juntas, no mesmo

período, a gente queria trocar informações, trocar atividades, que deu na sala de

aula, que podia colaborar. Chegava no HTPC, tinha três horas, tive uma professora

que falou, professora de faculdade, que falou, um dia, que eram testículos que

davam para a gente, porque davam xerox de parte de um livro, que elas achavam

interessante, e davam aquilo para a gente, uma mensagem com diretas e indiretas

ao professor. E o importante, que era trocar ideias, planejar uma aula parecida,

porque nenhuma classe é igual a outra. Mas eles exigiam que a gente desse a

mesma coisa, então, era todo esse nó. (Professora – 5, depoimento colhido em

outubro de 2012).

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A professora, no decorrer das atividades, sentia falta de exercer um trabalho criativo

que tivesse um significado. Não consegui desenvolver uma atividade intelectual, a partir de

suas referências teórico-metodológicas; discutir em grupo, ou seja, queria um trabalho que

gerasse valores úteis para a busca de um trabalho com valores úteis, ou seja, concreto. O

horário coletivo de trabalho pedagógico, nas escolas municipais, acontece uma vez por

semana, em reunião entre professores, diretor e coordenador pedagógico.

São três horas de reunião, com o objetivo de melhorar o trabalho pedagógico. Então,

aquele momento, ficava perdido, o que acontecia, por telefone às vezes à noite em casa ou

então no dia seguinte chegava mais cedo cinco e dez minutinhos e a gente tinha que redigir,

passar no mimeografo, computadores e escanear as atividades. A Professora 5 relata que o

trabalho também ocorria no seu cotidiano doméstico.

Trabalhava em casa. Trabalhava, isso foram quatro anos. A tantos anos de

magistério no estado, eu tenho parentes que até podem testemunhar quantas mil

vezes chegava visita em casa de sábado à tarde, minhas primas e me viam sentada

na sala de jantar, toda esparramada, preparando material, pesquisando livros e no

tempo não tinha Internet, computador, informática na escola, né, isso é recente (...)

(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

A professora não consegue falar com precisão sobre quantas horas se dedica ao

trabalho.

Fora das seis horas diárias, contando as três horas que eram de HTPC fora do

nosso período de trabalho, ainda sábado e domingo, não dá sinceramente para

computar em horas, mas vamos supor, no mês, pelo menos três finais de semana, eu

empregava para isso. Quando não chegava, tomava lanche, assistia a novelinha e

sentava para preparar a aula do dia seguinte, isso ia até ás 23h30 ou 24h. Isso

foram vinte anos do Estado e quatro anos da prefeitura isso foi muito duro e não se

falando que aqui não existe cobrança, existe policiamento, então, por isso que as

professoras de agora elas não têm... Eu tenho dó. Porque eu não sei se elas

encantam ou se desencantam com a profissão. Porque, do mesmo modo que eu vejo

o encanto, do mesmo modo eu vejo e ouço as queixas, ouço que preciso sair, de

deixar, pedir exoneração, diretor sem capacidade, quantos diretores não têm

postura para ocupar o lugar. A supervisão do estado, como no municipal, sempre foi

cobrança, em vez de orientar, ninguém está fazendo, nem os coordenadores.

(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

Evidencia-se que questões micropolíticas também influenciam nas relações

profissionais, no cotidiano do professor. A Professora – 5 narra o momento em que sentiu

constrangimento em relação à atitude de sua chefia.

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Tipo assim, você está trabalhando mesa por mesa com a criança, um dos casos -

apaguei a letrinha feia dele do caderno. Aí eu ensinei e sentei com ele para fazer

uma letrinha melhor, caprichar na escrita, aí ele levou o caderno para casa e a mãe

criticou porque eu tinha apagado a lição do caderno e feito ele fazer de novo. Ela

foi reclamar com a diretora, porque eu não tinha o direito de fazer isso. A diretora,

na frente dela, contestou que realmente não era para ter feito isso, que isso

traumatizou o menino e ele ficou com medo de escrever. Então, vê se uma diretora

chega e coloca uma posição dessa na frente da criança e da mãe, já que a criança

ia ficar com medo de escrever, isso não se faz, isso é falta de profissionalismo. Isso

foi cansando... Sabe... Cansando... (Professora – 5, depoimento colhido em outubro

de 2012).

Assim, evidencia-se o despreparo da gestão pública para lidar com aspectos do cotidiano

profissional dos trabalhadores no serviço público.

2.6 Adoecer e suas Características no Serviço Público

Verifica-se que ambos os cargos citados na pesquisa tem peculiaridades do trabalho

ligadas ao desenvolvimento infantil e o fato desse tipo de trabalho ser executado, na maioria

das vezes, por mulheres, nos leva a considerar alguns fatores como “a baixa remuneração

obriga muitas mulheres (...) a manter mais de um emprego (...), têm uma tripla jornada de

trabalho, já que deve ser também considerada a atividade doméstica” (SELIGMANN-SILVA,

2011, p. 226-227). Assim, as sobrecargas física e mental ainda são maiores, ao considerarmos

as características das atividades do cotidiano doméstico, típicas de serem executadas pelo

gênero feminino. Devido à lógica histórica do modelo tradicional de divisão de tarefas em

nossa sociedade, é comum as mulheres assumirem as responsabilidades das tarefas da casa.

Ao olhar a faixa etária dos trabalhadores apontados nos Quadros 6, 7 e 8, nota-se que a

média da idade em que ingressaram na reabilitação é de 49 anos de idade e com tempo de

trabalho em média de 16 anos como servidor público, contudo, importante se faz propor uma

reflexão. Ao comparar-se a idade com o tempo de serviço, nota-se uma aproximação sobre o

tempo em que os servidores públicos estão adoecendo o que torna possível adotar medidas

preventivas, antes que o desgaste aconteça, seja ele mental e/ou físico.

Ao ler os relatos, apesar das diferentes características de cada cargo exercido, notam-

se semelhanças, pois as histórias narram momentos de convivências no cotidiano profissional

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em que se evidenciam momentos citados pelos sujeitos que levaram aos desgastes mental e

físico. Mostram-se momentos de dor e o sofrimento é sentido em diferentes formas e

expressos de diferentes maneiras. Reafirma-se a questão de que o adoecimento não aparece de

repente, mas vem sendo construído no dia a dia, nas relações cotidianas desses trabalhadores

do serviço público.

O adoecimento que levou ao processo de reabilitação vem de um sofrimento mental

que não apareceu de repente, mas que surgiu a partir “do choque entre um indivíduo, dotado

de uma história personalizada, e a organização do trabalho, portadora de uma injunção

despersonalizante”, e daí “emergem uma vivência e um sofrimento (...)” (DEJOURS, 1992, p.

43). Um melhor entendimento do processo de adoecimento requer a análise das patologias de

maior incidência.

Para classificar, segundo a patologia que levou à reabilitação, foi utilizada a

Classificação de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde frequentemente

designada pela sigla CID (em inglês: International Statistical Classification of

Diaseases and Related Health Problems – ICD) (...) A CID – Classificação

Internacional de doenças é publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e é

usada globalmente para estatísticas de morbilidade e de mortalidade, sistemas de

reembolso e de decisões automáticas de suporte a medicina. (WIKIPEDIA, 2012.

Disponível em: <http://www.wikipédia.org>. Acesso em: 20 maio 2012).

A classificação é importante para entender o conjunto de doenças que mais afetaram

os trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação no período da pesquisa. Os

códigos usados pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas

Relacionados com a Saúde, constam no Quadro 9.

Quadro 9 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde

Capítulo Códigos Título

I A00-B99 Algumas doenças infecciosas e parasitárias

II C00-D48 Neoplasmas (tumores)

III D50-D89 Doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos e alguns transtornos imunitários

IV E00-E90 Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas.

V F00-F99 Transtornos mentais e comportamentais

VI G00-G99 Doenças do sistema nervoso

VII H00-H59 Doenças do olho e anexos

VIII H60-H95 Doenças do ouvido e da apófise mastoide

(Continua)

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Quadro 9 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde

Capítulo Códigos Título

IX I00-I99 Doenças do aparelho circulatório

X J00-J99 Doenças do aparelho respiratório

XI K00-K93 Doenças do aparelho digestivo

XII L00-L99 Doenças da pele e do tecido subcutâneo

XIII M00-

M99 Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

XIV N00-N99 Doenças do aparelho geniturinário

XV O00-O99 Gravidez, parto e puerpério

XVI P00-P96 Algumas afecções originadas no período perinatal

XVII Q00-Q99 Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas

XVIII R00-R99 Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não

classificados em outra parte

XIX S00-T98 Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas

XX V01-Y98 Causas externas de morbidade e de mortalidade

XXI Z00-Z99 Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde

XXII U00-U99 Códigos para propósitos especiais

Fonte: Lista de códigos da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org >. Acesso em: 20 maio 2012.

Com base nesses códigos, elaborou-se o Quadro 10, em que se demonstram os

números especificando a real demanda de cada CID, conforme o grupo de cada patologia que

levou ao adoecimento.

Quadro 10 – Número de trabalhadores que passaram pela reabilitação por patologia (causa da reabilitação),

conforme CID-10, no período de 2006 a 2011

Classificação da doença 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

A00-B99

Algumas doenças infecciosas e

parasitárias

0

0

0

0

0

1

1

C00-D48

Neoplasmas (tumores)

0

0

0

0

0

1

1

F00-F99

Transtornos mentais e

comportamentais

1

2

1

12

4

5

25

G00-G99

Doenças do sistema nervoso

0

0

0

0

0

1

1

H60-H95

Doenças do ouvido e da

apófise mastoide

0

0

0

0

0

2

2

(Continua)

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Quadro 10 – Número de trabalhadores que passaram pela reabilitação por patologia (causa da reabilitação),

conforme CID-10, no período de 2006 a 2011

Classificação da doença 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

I00-I99

Doenças do aparelho

circulatório

0

0

1

0

0

0

1

J00-J99

Doenças do aparelho

respiratório

0

0

0

0

1

1

2

K00-K93

Doenças do aparelho digestivo

1

0

0

0

0

0

1

L00-L99

Doenças da pele e do tecido

subcutâneo

0 0 1 2 0 0 3

M00-M99

Doenças do sistema

osteomuscular e do tecido

conjuntivo

3

9

7

9

7

8

43

S00-T98

Lesões, envenenamentos e

algumas outras consequências

de causas externas

0 0 0 2 0 0 2

Fonte: Elaborado com base nos dados cruzados do Programa de Readaptação Profissional – maio/2012 e na Lista de códigos

da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org >. Acesso em: 20 maio 2012.

Dentre os CIDs apresentados no Quadro 10, ressaltam-se as doenças do sistema

osteomuscular e do tecido conjuntivo (CID. M00-M99). O considerável número leva à

reflexão sobre os fatores ergonômicos ligados às atividades que demandam cargas de trabalho

intensivas e requerem esforços físicos para atender às exigências das tarefas. Para melhor

entender esse processo, é preciso recorrer a “uma visão ergonômica que, ao considerar o

corpo, leva em conta também a dimensão social, assim como a subjetividade e o significado

do trabalho para quem o executa,(...)”. (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 84).

Esse fator de adoecimento é muito evidenciado na intensificação do trabalho

verificada nos cargos de merendeira, devido aos esforços físicos necessários para atender às

exigências de suas tarefas.

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Gráfico 3 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação por patologia (causa da

reabilitação), conforme CID-10, no período de 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio/ 2012.

Segundo dados dos Gráficos 3 e 4, há incidência de doenças que levaram à

reabilitação relacionadas, em primeiro lugar, ao CID M00-M99, que se refere a doenças do

sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (com 52%). Em segundo lugar, com 30%, está

apontado o CID F00-F99, que se refere a transtornos mentais e comportamentais.

Gráfico 4 – Porcentagem de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação segundo

código da doença apresentada para reabilitação, no período de 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio de 2012.

Legenda: M00-M99 - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

F00-F99 - Transtornos mentais e comportamentais

Legenda: M00-M99 - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

F00-F99 - Transtornos mentais e comportamentais

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A Organização Mundial de Saúde utiliza-se da nomenclatura especificada no CID para

registros de dados de morbidade e mortalidade. Na Perícia Médica municipal, os peritos

também utilizam essa referência em documentos, laudos, perícias e pareceres médicos.

Destacam-se, nos Quadros 11 e 12, os desdobramentos dos CIDs de maior incidência

nos processos de reabilitação.

Quadro 11 – CID M00-M99, que se refere a doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

1 M00-M99 Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

1.1 (M00-M25) Artropatias

1.1.1 (M00-M03) Artropatias infecciosas

1.1.2 (M05-M14) Poliartropatias inflamatórias

1.1.3 (M15-M19) Artroses

1.1.4 (M20-M25) Outros transtornos articulares

1.2 (M30-M36) Doenças sistêmicas do tecido conjuntivo

1.3 (M40-M54) Dorsopatias

1.3.1 (M40-M43) Dorsopatias deformantes

1.3.2 (M45-M49) Espondilopatias

1.3.3 (M50-M54) Outras dorsopatias

1.4 (M60-M79) Transtornos dos tecidos moles

1.4.1 (M60-M63) Transtornos musculares

1.4.2 (M65-M68) Transtornos das sinóvias e dos tendões

1.4.3 (M70-M79) Outros transtornos dos tecidos moles

1.5 (M80-M85) Transtornos da densidade e da estrutura óssea

1.6 (M86-M90) Outras osteopatias

1.7 (M91-M94) Condropatias

1.8 (M95-M99) Outros transtornos do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

Fonte: Lista de códigos da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org> . Acesso em: 20 maio 2012.

Como se menciona na literatura contemporânea, é muito frequente encontrar as causas

do adoecimento relacionadas à questão do desgaste mental, como aponta Seligmann-Silva

(2011, p. 84), ao afirmar que “Várias mediações podem ser identificadas nos processos

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coletivos e individuais que conduzem ao desgaste mental vinculado ao trabalho. As mais

importantes são de natureza micropolítica, cultural e psicossocial”.

Tal afirmação é comprovada ao analisar as relações de trabalho, como observado nas

histórias relatadas. O desgaste mental está presente nas dinâmicas pessoais e do trabalho. É

necessário reconhecer que esse desgaste pode levar a transtornos mentais e comportamentais

irreversíveis. A causa mental é evidenciada, na prática cotidiana, como a segunda maior

incidência, nos processos que levaram à reabilitação profissional, nos últimos anos. Mesmo

entre os sujeitos que foram indicados com o CID relacionado a doenças osteomusculares, são

comuns traços, em suas narrativas, que comprovam também ter ocorrido desgaste mental, o

que se nota nos relatos das merendeiras.

Também se confirma o conceito, pelos sujeitos da pesquisa em suas falas quando

exemplificam situações reais vivenciadas no trabalho, que demonstraram o desgaste mental,

ao relembrar o processo de adoecimento, como expressa a fala da Monitora - 16: Eu era um

poço de estresse, qualquer coisa eu queria bater.

No Quadro 12, consta o desdobramento do CID F00-F99, para melhorar visualização

das diversas patologias que envolvem essa classificação.

Quadro 12 – CID F00-F99 que se refere a transtornos mentais e comportamentais

1 F00-F99 Transtornos Mentais e do Comportamento

1.1 (F00-F09) Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos

1.2 (F10-F19) Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa

1.3 (F20-F29) Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes

1.4 (F30-F39) Transtornos do humor [afetivos]

1.5 (F40-F48) Transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos

somatoformes

1.6 (F50-F59) Síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos

1.7 (F60-F69) Distorções da personalidade e do comportamento adulto

1.8 (F70-F79) Retardo mental

1.9 (F80-F89) Transtornos do desenvolvimento psicológico

1.10 (F90-F98) Transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente

durante a infância ou a adolescência

1.11 (F99) Transtorno mental não especificado

Fonte: Lista de códigos da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org>. Acesso em: 20 maio 2012.

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Observa-se, no Gráfico 5, que o número de reabilitações vem aumentando, conforme

aumenta o tempo de trabalho e apresenta-se com diminuição a partir de 15 a 19 anos e 11

meses de serviço. A diminuição do número de reabilitações nessa faixa pode ter relação com a

possibilidade de aposentadoria, também se deve levar em conta outros anos trabalhados antes

do ingresso no cargo público e, no caso especifico de professor, a aposentadoria pode ocorrer

a partir dos 25 anos de exercício da profissão em sala de aula.

Gráfico 5 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação profissional, conforme o

tempo de trabalho no serviço público municipal ao entrar no processo de reabilitação, no período

de 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012.

A média de tempo de trabalho que o servidor tem adoecido, com indicação para

reabilitação, no serviço público municipal, está na faixa de 10 a 14 anos e 11 meses de

exercício do cargo público. Nota-se que a idade em que o servidor foi indicado para a

reabilitação é um fator muito importante para a reflexão sobre se o adoecimento está

relacionado a uma série de agravos à saúde decorrente do envelhecimento.

Nota-se, no Gráfico 6, que a média de idade de maior incidência, está entre 40 a 49

anos, fator relevante, descaracterizando a ideia do adoecimento que leva à reabilitação estar

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relacionado apenas a agravos da saúde com o envelhecimento, visto que a principal demanda

está relacionada a pessoas mais novas.

Gráfico 6 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação, conforme a idade que

tinham ao entrar no processo de reabilitação, no período de 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012.

No Gráfico 6, não é apresentado a faixa de idade acima de 69 anos, porque, ao

completar 70 anos, o servidor público é aposentado compulsoriamente. Trata-se de passagem

obrigatória do servidor da atividade para a inatividade.

É importante também relacionar a diminuição do número de reabilitações com o

aumento da idade dos reabilitados devido à proximidade da aposentadoria, com maior

probabilidade, a partir dos 55 anos para as mulheres e 60 anos para os homens.

Observa-se que os dados quantitativos do grupo maior, de 82 sujeitos, refletem a idade

de maior incidência, do grupo menor, dos nove sujeitos que participaram da história oral, com

média de idade de 49 anos. Como já dizia Marx: “O consumo da força de trabalho pelo capital

é tão intenso que o trabalhador de mediana idade já está em regra bastante alquebrado”

(LARA; CANOAS apud MARX, 2010, p.137).

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104

2.7 A Perspectiva do Trabalho como Direito Social

Sobre o trabalho no serviço público, ainda há dois pontos relevantes observados

durante a pesquisa:

nenhum dos sujeitos entrevistados que adoeceram e vieram para o processo de

reabilitação profissional tiveram o nexo causal, ou seja, suas doenças não foram

consideradas, pelo médico, como doenças oriundas do trabalho;

nenhum trabalhador, entre os pesquisados, procurou algum serviço de auxílio para

reivindicar o nexo causal, ou seja, a comprovação da relação da causa do adoecimento

com o trabalho que exerciam.

Quem representa esses trabalhadores? A resposta é que existe um sindicato dos

trabalhadores municipais de Piracicaba, fundado em 10 de novembro de 1988, que representa

os funcionários públicos municipais de Piracicaba, Saltinho, São Pedro e Águas de São Pedro.

Conta com sede própria, onde funcionam alguns departamentos e serviços, entre eles:

Departamento Jurídico, Departamento de Comunicação, Departamento de Convênios,

atendimento, recepção, cabelereira e salão de eventos (SMUNICIPAIS; 2013).

No entanto, apenas um dos sujeitos menciona o sindicato, ao qual recorreu para

utilizar o Departamento Jurídico e reivindicar a perda de um benefício salarial. O fato espelha

a realidade do serviço público, já que não é comum pertencer ao sindicato municipal, que

conta com aproximadamente 3.300 associados (49% do total), mas se observa que poucos

participam de reuniões para conquistas coletivas (SMUNICIPAIS; 2013).

Na reunião para a assembleia anual representativa, que ocorreu referente ao dissídio

coletivo, em maio de 2012, havia em torno de 80 pessoas, que se referem a 2% dos

associados, que representam 1% dos servidores municipais (SMUNICIPAIS; 2013). Um

número relativamente baixo, relacionado com o número de associados e de servidores

municipais, considerando que o assunto em pauta era a discussão da porcentagem do dissídio

coletivo que propõe a base para o aumento salarial anual, considerando também que existe

notória divulgação nos setores com cartazes, a fim de mobilizar os trabalhadores para a

campanha salarial anual, informando a data da assembleia.

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Os sujeitos apontaram o motivo de não participarem como financeiro ponderando que,

para se associar, é preciso pagar 1% do salário mensal. Assim, alegam não ter condições

financeiras para suprir com mais gastos, além do trivial, e pagam apenas ao Sindicato a

contribuição assistencial anual, que equivale ao valor de um dia de trabalho. A taxa é

obrigatória e todos pagam. Outro motivo mencionado para não utilizar o sindicato é que não

se sentem representados e não acreditam que lutem pelos direitos dos trabalhadores.

Figura 7 – Servidores municipais de Piracicaba durante assembleia realizada pela

Diretoria do Sindicato dos Servidores Municipais

Fonte: Disponível em: <www.smunicipais.org.br/noticias_integra.php?id=37>.

As relações, no serviço público municipal, refletem o contexto nacional. A partir do

desmonte dos direitos sociais conquistados com a introdução das novas formas de trabalho, a

classe dos trabalhadores, que Antunes (2010) denomina de a “classe que vive do trabalho”, e

inclui também os desempregados, que não deixam de ser trabalhadores, os quais, em dado

momento, ficaram fora do sistema da produção, por não conseguirem recolocação no mercado

de trabalho. O desemprego estimula a competitividade pelos postos de trabalho e leva à

conformação do trabalhador que, para garantir seu emprego, aceita a precarização do trabalho.

O fato de existir desemprego muito evidenciado pela mídia, traz certo conformismo para

aqueles que estão garantidos em seus empregos públicos.

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106

Observou-se, durante a pesquisa com os noves sujeitos, que, ao narrarem o processo

de adoecimento, em alguns momentos, relacionam suas atividades com o sofrimento, mas

todos só procuraram ajuda médica depois de algum tempo, e a única saída encontrada foi

deixar o antigo cargo, apontando um quadro clínico sem possibilidades de recuperação para

retorno à função. É relevante mencionar que a indicação médica para reabilitação ocorre em

casos em que foi diagnosticada alguma incapacidade profissional que impossibilita o

trabalhador de exercer a função anterior ao adoecimento. Torna-se importante, nesse sentido,

entender que, segundo Dejours (1992, p. 121),

A consulta médica termina por disfarçar o sofrimento mental: é o processo de

medicalização, que se distingue bastante do processo de psiquiatrização, na medida

em que se procura não somente o deslocamento do conflito homem-trabalho para

um terreno mais neutro, mas a medicalização visa, além disso, a desqualificação do

sofrimento, no que este pode ter de mental.

Verificam-se, também, durante as histórias, que alguns encontraram dificuldade em

conseguir que o médico concedesse a reabilitação, como relata a Professora – 5. Mesmo com

parecer de seu médico favorável à reabilitação, conta que foi um processo difícil, junto à

perícia do INSS. Assim, a reabilitação representa um ganho, um fator positivo, como única

forma de se livrar do sofrimento e da dor de um trabalho que consumia pouco a pouco a saúde

mental e a física.

Ao retomar as palavras da Monitora – 20, fica evidente a lógica das mudanças no

serviço público, como a troca de nomenclatura de cargos, para o devido enquadramento na lei,

não sendo discutidas com os trabalhadores, mas impostas pelo poder público. Ele colocou a

gente como inútil, como não capacidade de tratar criança em outra fase, todos os monitores

vão trabalhar como assistentes de classe, viramos meras assistentes de classe, recebendo

como monitor. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012). As mudanças do

mundo do trabalho afetam também a organização do serviço público e suas configurações.

De acordo com Lara e Canoas (2010, p. 137):

A produção capitalista, nos últimos 40 anos, intensificou mudanças na organização

da produção e na exploração da força de trabalho. Essas metamorfoses trouxeram

consigo inovações tecnológicas e organizacionais e, simultaneamente, ocasionaram

as diversas desregulamentações das relações de trabalho.

A história dos direitos sociais dos trabalhadores vem marcada de muitas lutas sociais,

em sua trajetória na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. A Seguridade Social,

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onde se insere a Assistência Social, foi conquistada com lutas e movimentos sociais da classe

trabalhadora. A abordagem dos direitos sociais como direito à cidadania, passa a ser

incorporada pela Seguridade Social e é reconhecida na Constituição Federal de 1988, que

aponta os diretos sociais em seu Art. 6o: “São direitos sociais a educação, a saúde, a

alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, (...)”. (EMENDA

CONSTITUCIONAL 64, 2010).

Os direitos sociais são fundamentais para a afirmação de uma nova cultura política de

Assistência Social, entre os quais destaca-se o estudo do direito do trabalho. Não é papel

somente do legislador, a consolidação de direitos, mas dos trabalhadores, a reivindicação e

intervenção na realidade, de forma coletiva, participando de um processo educativo. À medida

que interagem dialeticamente, e entendem o sistema capitalista, modificam as formas de

pensar e influenciam ações que os levam a acessar direitos enquanto sujeitos políticos.

O trabalhador procura por direitos, por vezes sem considerar-se sujeito político para

reivindicá-lo, e é preciso despertar esse processo, como aponta Telles (2006, p. 177):

(...) será importante reativar o sentido político inscrito nos direitos sociais. Sentido

político ancorado na temporalidade própria dos conflitos pelos quais as diferenças

de classe, de gênero, etnia, raça ou origem se metamorfoseiam nas figuras políticas

da alteridade – sujeitos que se fazem ver e reconhecer nos direitos reivindicados, se

pronunciam sobre o justo e o injusto e, nesses termos, reelaboram suas condições de

existência como questões pertinentes à vida em sociedade.

O trabalho coletivo inicia-se na subjetividade, por isso a importância de trabalhar o

sujeito, por meio de uma prática de socialização de informações, articulação de novas

dinâmicas sociais e mediação de acesso dos indivíduos sociais aos direitos e a alcançarem o

patamar de cidadania.

Os direitos estruturam uma linguagem pela qual esses sujeitos elaboram

politicamente suas diferenças e ampliam o “mundo comum” ao inscrever na cena

pública suas formas de existência, com tudo o que elas carregam em termos de

cultura e valores, esperanças e aspirações, como questões relevantes à vida em

sociedade e pertinentes ao julgamento ético e à deliberação política. (TELLES,

2006, p.181).

A articulação de políticas e práticas devem potencializar as possibilidades do sujeito,

tornando-o agente de transformação social, deixando de ser “atores sociais” para tornarem-se

“sujeitos sociais”, protagonistas de suas próprias histórias, livres para fazer escolhas,

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construindo uma nova cultura política, através da emancipação do sujeito e da inclusão social

via acesso a direitos.

Essa discussão leva à perspectiva da inclusão social via acesso ao trabalho. Ao buscar

a conquista da autonomia, com a construção e redescoberta de novas possibilidades

profissionais, superam as limitações adquiridas com o adoecimento ou sequelas que levaram à

deficiência física e/ou mental.

(...) quando o sujeito consegue atribuir um sentido emancipatório a sua experiência

de amputação, ele concretiza um novo projeto de vida, superando o conflito gerado

pela mesma, através da revisão de valores preconceituosos e estigmatizantes acerca

do significado social de ser uma pessoa com deficiência. (PACHECO; CIAMPA,

2006, p.167).

Atribuir um sentido emancipatório às experiências que os levaram à reabilitação,

facilita a construção de um novo projeto de vida, com seu retorno ao mercado de trabalho, e

contribui para torná-lo um sujeito político, com suas escolhas profissionais.

Ao acessar direitos, é reconhecido como ser que produz e cria possibilidades de obter

reconhecimento pela sociedade, através do trabalho, pois

Em uma sociedade como a nossa, que se organiza por esta lógica de mercado, as

pessoas são importantes enquanto são produtivas e quando não produzem, é como

se já não fossem nem sequer seres humanos. È impressionante constatarmos como o

econômico invade as relações sociais e como certas práticas retiram cidadania dos

sujeitos, fragilizando a sua já frágil condição humana. (MARTINELLI, 2006, p.11).

A efetivação dos direitos fortalece uma nova cultura, construída no dia a dia, e leva ao

processo de mudança não só daqueles que necessitam acessar o direito, mas de todos os que,

de alguma maneira, participam desse processo e passem a aderir à proposta da inclusão social

por meio do trabalho; facilitar o acesso à cidadania através da reivindicação de melhores

condições de trabalho para evitar o adoecimento e para aqueles que já adoeceram eliminar os

preconceitos, reforçar princípios de igualdade, evitar que sejam vistos como incapacitados,

dependentes e/ou inválidos, isolados e recolhidos em seus lares. Conforme aponta Chauí

(2006, p. 145), “(...) todos os atos participam da criação da nova sociedade. A participação é o

dado constitutivo dessa sociedade porque é uma sociedade em construção pela ação de todos

os seus sujeitos”.

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CAPÍTULO III – IDENTIDADE E REABILITAÇÃO

3.1 O Significado do Trabalho na Vida Cotidiana e as Marcas da Identidade Profissional

Durante o Processo de Reabilitação Profissional

Eu empreguei vinte anos da minha vida de escola, como educadora dentro de

sábado, domingo, trabalhando, eram vários programas que eu tinha e a vida afetiva

ficava de lado, às vezes a vida familiar, eu ia viajar, mas preocupada que eu tinha

que voltar logo, porque eu não tinha terminado tal coisa,

por uma cobrança muito infeliz, porque eu acho que você faz

por sua conta o seu trabalho, a responsabilidade é outra.

(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012)

Para entender a reabilitação, é necessário compreender os caminhos que levam a ela,

ou seja, o processo de adoecimento do trabalhador intrinsicamente ligado à organização do

trabalho. Sobre a reabilitação, refere-se, a Monitora -14, como (...) um lugar que tira daqui e

coloca lá e esquece e fica lá e se esquece da pessoa. A pessoa não sabe como é que está o

posicionamento e o emocional.

Seligmann-Silva (2011, p. 162) define a organização do trabalho “(...) como a forma

de conceber os conteúdos das atividades de trabalho, bem como a sua divisão entre os

trabalhadores”. Observa-se que a organização do trabalho sofre modificações, com a chegada

do trabalhador que passou pela reabilitação, como verifica-se na divisão das tarefas. Quando

eu fui reabilitada, fiquei um mês arquivando documentos que estavam acumulados, aquele

serviço que ninguém queria fazer, passaram para mim. (Professora – 5, depoimento colhido

em outubro de 2012). O relato evidencia como foram as atividades desenvolvidas nos

primeiros dias de trabalho após o processo de reabilitação. Durante a divisão das tarefas, a

professora assumiu atividades que eram desprezadas pelos demais trabalhadores.

Há outros elementos identificados na organização do trabalho que também refletem as

modificações do mundo do trabalho. Assim, alteram-se as formas de trabalho e apresentam-se

novas tecnologias e a substituição do artesanal pelo industrializado; as transformações, no

decorrer dos últimos anos, modificam os processos de organização do trabalho. “(...) Em

geral, pode-se afirmar que o número de tarefas envolvendo habilidades padrões genéricas

relacionadas a computadores está crescendo rapidamente.” (HUWS, 2009, p. 47).

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Um desafio apresentado aos sujeitos que passam a desenvolver suas atividades na área

administrativa é o uso do computador. Nas funções anteriores, nem sempre era necessário

utilizá-lo com frequência, como se verifica nas pesquisadas: monitor de CEC, professor de

Ensino Fundamental e merendeira. As novas funções exercidas pelos sujeitos pesquisados, em

sua maioria, envolvem atividades ligadas a serviços administrativos e burocráticos, como:

atendente, escriturária, assistente pedagógica e auxiliar de coordenadora pedagógica. Em

todas é imprescindível o uso da tecnologia para a execução das atividades. Assim, durante o

período de reabilitação profissional, também pode ser necessário buscar novas habilidades e

conhecimentos, que fazem parte do processo de reconstrução da identidade profissional.

Apesar de ser fácil o acesso a cursos de capacitação em informática16

sem custos para

os servidores públicos municipais, por causa de parcerias com instituições de ensino

possibilitadas durante o processo de reabilitação profissional, não deixa de ser um novo

desafio ao trabalhador alcançar a revolução tecnológica contidas nas dinâmicas do trabalho

contemporâneo no serviço público reflexo da restruturação empresarial imposta pelo sistema

capitalista.

Mas é diferente a adaptação e o ritmo de trabalho de um trabalhador que não está

habituado com as novas tecnologias dos demais trabalhadores treinados no uso de recursos

tecnológicos. “As habilidades requeridas para operar um computador e seus numerosos

acessórios de comunicação não devem ser, obviamente, confundidas com a totalidade dos

requisitos de um dado emprego.” (HUWS, 2009, p. 48).

As mudanças na rotina de trabalho advindas das atividades administrativas também

envolvem outros desafios, como ter boa comunicação para atendimento ao público, adequadas

leitura e escrita para anotação de recados e elaboração de memorandos e ofícios, enfim, a

nova função envolve também aprender novas habilidades que proporcionem bom desempenho

desse trabalhador que venha a suprir as necessidades da vaga oferecida pela gestão pública.

Retoma-se a reflexão de que o processo de adoecimento do trabalhador está

intrinsecamente relacionado às diversas desregulamentações das relações de trabalho no

processo de organização do trabalho na sociedade capitalista. Faz-se necessário a conexão

“(...) diante das mudanças que ocorreram na produção social capitalista, evidenciam-se os

altos índices de desemprego, de precarização do trabalho e, consequentemente, o recuo dos

16

O programa de reabilitação profissional da Prefeitura Municipal de Piracicaba, no ano de 2012 através de uma

parceria entre a ENFERMAP, colégio técnico especializado em escolas técnicas e profissionalizantes, localizado

no centro de Piracicaba e a SEMTRE - Secretaria Municipal de Trabalho e Renda, disponibilizou cursos de

capacitação profissional a servidores públicos que estavam participando do processo de reabilitação profissional.

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sindicatos nas lutas sociais do trabalho” (LARA; CANOAS, 2010, p.139) para compreensão

desse processo.

Considera-se que no Brasil, a precarização do trabalho se constitui como um novo

fenômeno, cujas principais características, modalidades e dimensões sugerem um

processo de precarização social inédito no pais nas últimas duas décadas, revelado

pelas mudanças nas formas de organização/gestão do trabalho, na legislação

trabalhista e social, no papel do estado e suas políticas sociais, no novo

comportamento dos sindicatos e nas novas formas de atuação de instituições

públicas e de associações civis. (DRUCK, 2009, p. 2).

Tanto o desemprego como a precarização do trabalho causam a insegurança social do

trabalhador, que fica desprotegido diante da falta de garantias mínimas dadas pelas proteções

sociais. Para Castel (2005, p. 75), “Ser protegido significaria então ser justamente provido do

minimum de recursos para sobreviver numa sociedade que limitaria suas ambições de garantir

um serviço mínimo contra as formas extremas de privação”.

Na precarização, o que se verifica é um “(...) fenômeno central que se generaliza por

toda parte (...)” (DRUCK, 2009, p. 3) e assim atinge todos os trabalhadores.

Em um contexto societário de transformações no trabalho de tal monta, marcado

pela retração e, mesmo, pela erosão do trabalho contratado e regulamentado, bem

como dos direitos sociais e trabalhistas, ampliam-se também as relações entre

trabalho e adoecimento, repercutindo na saúde física e mental dos trabalhadores, nas

formas de objetivação e subjetivação do trabalho. (RAICHELIS, 2011, p. 421).

Quando o trabalhador fica sem emprego, perde todos os direitos inerentes ao cargo que

ocupava; perde também a sua proteção social para a sociedade e não é mais considerado como

trabalhador, sendo marginalizado no seu dia a dia, até mesmo nas relações sociais com sua

família, por não conseguir garantir a subsistência. É primordial resistir e preservar seu

emprego, para evitar a marginalização. No serviço público, o trabalhador sofre também a

pressão de ter que se manter em um trabalho. Mesmo que esteja causando sofrimento e dor,

ficar desempregado ainda se torna pior opção. Concordando com essa ideia, Silva (2012, p.

48) considera em seu estudo que

(...) por conta de vários fatores estruturais da forma de organização do trabalho, do

avanço tecnólogico e da própria lógica da sociedade capitalista o serviço público

passa a ser um dos poucos setores com favoráveis condições de trabalho,

principalmente a estabilidade no emprego.

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112

A estabilidade que caracteriza o emprego público, em momentos de crise financeira e

desemprego, torna-o muito atrativo. E como desperdiçar o cargo que conquistou em concurso

público muito concorrido, com enormes filas de espera por outros trabalhadores? Quantos

trabalhadores desempregados, excluídos socialmente, querem um serviço no qual tem

garantida a subsistência?

Na realidade, ao sublinhar as duas categorias de análises, precarização do trabalho e

desemprego, não se está falando de assuntos diversos ou contraditórios e, tampouco,

estanques. Está se falando de um sistema que transformou homens e mulheres em

trabalhadores assalariados e os meios de subsistência e de trabalho em capital.

Criou-se um ambiente ideológico favorável ao desenvolvimento de uma forma de

subjetividade alicerçada nos valores e ideais gerados pela sociedade do capital.

Transformaram-se as relações de trabalho para garantir o processo de valorização e

acumulação capitalista, incrementou-se a produção e diminui o tempo socialmente

necessário para produzir determinado produto. Diminui também a necessidade de

grande parte dos trabalhadores, transformando-os em desempregados.

(LOURENÇO, 2013, p.134).

A Merendeira – 14, mesmo descontente com seu trabalho atual, não conta com a

alternativa de aposentar-se, devido à preocupação com manter a subsistência,

Porque diminui o salário. E se diminui o salário, aí vai, e daí eu fico sem salário,

porque 90% do funcionalismo tem empréstimo. (...) Eu tenho, se não tivesse, eu já

pediria logo a aposentadoria, eu falaria... Eu vou me aposentar, vou receber o meu

salário, eu não sei quanto vai ser, mas eu tenho dívida /empréstimo para pagar,

então não ia dar para eu viver, então descontando tudo isso aí, tem que se virar, não

tem, daí eu iria ganhar muito mais e não teria esses empréstimos para descontar.

Isso dá um desfalque, que misericórdia. Então, tem que ir, mas se não fosse isso, eu

parava sim, parava sim, só que no momento não dá, não dá por causa disso.

(Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

O trabalhador, quando se sujeita a um trabalho precário, também está exposto a uma

série de riscos, dependendo das particularidades do cargo e do ambiente de trabalho. Riscos

de sofrer um acidente de trabalho, do adoecimento por processos de trabalho desgastantes,

falta de equipamentos de segurança e proteção, da terceirização com salários insuficientes,

falta de treinamento, entre outros. A Merendeira -16 relata que trabalha mesmo com dor e que

as pessoas não acreditam na sua doença.

(...) imagina, com dor, tenho cara de que estou com dor, eu não tenho cara de que

estou com dor, mas eu estou com dor, então, só eu sei da minha dor, isso ninguém

quer saber, não importa, você está aqui, você tem que fazer, vai ter que limpar o

chão, vai ter que lavar o prato, vai, e eu não tive problema, se eu estiver aqui, ou

em qualquer lugar. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).

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Entre os riscos com consequências mais drásticas, aponta-se o de perder a capacidade

laboral, ou seja, tornar-se incapacitado para algumas atividades.

Entretanto, é preciso enfatizar a prevenção para garantir a saúde do trabalhador, “(...) A

sujeição de quem trabalha, determinadas por questão de sobrevivência, aos baixos salários, às

péssimas condições de trabalho e à exploração já significa, a vivência do já representam em si

o estatuto da precariedade do trabalho.(...)” (LOURENÇO, 2013, p. 134). Faz-se necessária a

reflexão sobre os meios de preservação da saúde do trabalhador que evitariam o adoecimento

e as reabilitações profissionais precoces. Segundo as autoras Lourenço e Bertani (2010, p.

187):

A questão da reabilitação profissional esbarra em um paradoxo: reabilitar

individualidades, sem perder o contexto coletivo, ou seja, é necessário prever ações

de assistência à saúde aos lesionados, mas também registrar essas ocorrências e

intervir de modo que novos agravos sejam evitados.

Nesse sentido, é importante pensar a prevenção; pesquisar os fatores que levaram à

reabilitação profissional se faz primordial, para entender como se deu o adoecimento e a perda

da capacidade laboral. Com uma análise minuciosa do processo de trabalho e de um olhar

histórico sobre a trajetória profissional dos trabalhadores adoecidos, para entender os diversos

fatores que influenciaram no adoecimento e os levaram à reabilitação profissional.

A reabilitação profissional também pode ser considerada um fator positivo para o

trabalhador, enquanto possibilidade de prever meios de proteger sua integridade física e

mental. “Caberia ao Estado compensar as ‘falhas do mercado’ e fornecer redes de proteção

social aos pobres vulneráveis para lidar com o risco.” (IAMAMOTO, 2010, p.17). À medida

que a reabilitação profissional possibilita a inserção do trabalhador no mercado de trabalho,

amenizam-se os riscos das situações de vulnerabilidade social e miserabilidade.

Chama-se a atenção para a reabilitação profissional no serviço público, que garante ao

trabalhador o retorno ao trabalho, ou seja, o salário, a subsistência, mas o que se observa nas

narrativas dos sujeitos é que sentem falta de serem considerados úteis, valorizados,

reconhecidos, palavras narradas para indicar o significado do trabalho em suas vidas, que vai

além da subsistência. Confirma-se a ideia de Antunes (2010) que cita o trabalho como força

vital e centro da vida dos trabalhadores.

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114

De tal modo, a organização moderna do trabalho caracteriza-se por relações que

enfatizam a produtividade com processos de trabalho que aceitam a racionalização das tarefas,

jornadas de trabalho ampliadas, tarefas intensificadas e repetitivas.

As alterações do processo produtivo repercutem na organização de trabalho,

complementando. Rosenfield (2009, p. 173) alerta que “(...) Um contexto de precarização e

flexibilização do emprego associado a mudanças na organização do trabalho nas sociedades

capitalistas impõe um novo padrão de implicação no emprego por parte dos funcionários”..

Chama-se a atenção que o trabalho tornou-se mais variado e complexo exigindo maior

investimento subjetivo e de mobilização da inteligência. (ROSENFIELD, 2009).

Pochmann (2002, p. 106) traz mais elementos das mudanças na organização de

trabalho,

(...) com o processo de mecanização e generalização do trabalho assalariado de

maneira contínua e concentrada sobretudo nas grandes empresas, a partir da difusão

da produção em massa de bens padronizados e de demanda estável, a regularização

do tempo de trabalho se transformou numa exigência da lógica patronal de inovar a

administração do trabalho.

Pochmann (2002) revela que essa assincronia na evolução recente do tempo de

trabalho são formas de disciplinar e controlar o trabalhador. A remuneração por metas,

trabalho no domicílio, a internet, entre outros, são meios de manter o trabalhador plugado,

ampliando o tempo de trabalho, pois mesmo fora do local continua preocupado em atingir as

metas estabelecidas pela empresa.

As novas configurações do trabalho levam à intensificação dos , com a ampliação do

tempo e, consequentemente, resultam na fadiga mental e física do trabalhador. A autora

Seligmann-Silva (2011, p. 142) explica que “Várias mediações podem ser identificadas nos

processos coletivos e individuais que conduzem ao desgaste mental vinculado ao trabalho

(...)” e complementa: “(...) o desgaste pode ser entendido a partir de experiências que se

constroem diacronicamente, ao longo das experiências de vida do indivíduo”.

Ao introduzir na discussão as experiências e peculiares da organização do serviço

público, relatada pelas vozes do sujeito da pesquisa, visualizam-se esses processos de

trabalho.

Por mais alienado que seja o trabalho, por mais antipáticas que sejam estas ou

aquelas pessoas, sempre a carga afetiva despejada entre as escrivaninhas ou as

bancadas é grande: sedução ou intriga, afeto ou picardia, fofoca ou solidariedade,

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carinho ou demagogia, sorriso ou polidez. Não se trata de um mero acidente cultural,

estamos falando nem mais nem menos da sobrevivência. (CODO et al., 1993, p.

190).

3.2 A Identificação com o Trabalho que Exercia Antes do Processo de Reabilitação

As nove mulheres entrevistadas relatam que gostavam muito das funções exercidas

antes do adoecimento. Amava. (...) é que o meu trabalho era com crianças, então até hoje

sempre gostei. (...) (Monitora -14, depoimento colhido em outubro de 2012). E que, ao

interromper essa trajetória profissional, ocorreram várias mudanças nas relações sociais e no

modo de vida: (...) mas eu me adaptei bem, assim, que eu não posso é carregar peso, carregar

criança (...) (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de 2012). O cotidiano doméstico e

as relações familiares também refletem essas mudanças. Chego mais cansada em casa (...)

(Merendeira – 7). Relatam, também, que antes tinham um retorno do trabalho exercido com a

antiga função, ou seja, sentiam-se reconhecidas em suas funções, como se confirmam nas

histórias profissionais.

Destacam-se algumas passagens sobre essa identificação com a antiga função.

Gostava muito dela, com a relação das crianças, principalmente do retorno, porque

com crianças você trabalha e tem o retorno, você não tem o reconhecimento como

salário, mas tem o reconhecimento dos alunos e seus familiares, da comunidade,

isso faz falta. Mas, eu hoje vejo que não foi possível continuar. Mas eu gostava

muito mesmo. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de 2012).

A Monitora – 19 também sente muita falta de trabalhar com as crianças, e relata que

sentiu muito a mudança de função.

Sentia. Porque era uma coisa que eu me via ali dentro, eu me via dentro da vida de

cada criança. Eu crescia com aquelas crianças. Eu sentia que minha força vinha

daquelas crianças, minha força para trabalhar, para crescer.

Foi por causa dessas crianças que eu fui estudar, fui me atualizar, foi por causa

dessas crianças. Foi na época que vivi com elas, foi muito bom. (Monitora – 19,

depoimento colhido em novembro de 2012).

A Monitora – 14 também retrata as mudanças ocorridas:

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Mudou. Mudou, porque a parte doméstica eu tenho muito pouco coisa que eu posso

fazer em casa, tem coisas que não dá para fazer, minha casa é enorme, agora está

mais enorme ainda. Tem muito pouca coisa que eu posso fazer, às vezes minha filha

vem ajudar.

Na parte profissional, eu achei que sou uma pessoa fácil de fazer amizade, cultivo

amizade, então, aqui onde estou e onde fiquei, nossa, conheci muitas pessoas boas,

muitas pessoas que me deram muita força. Então, nessa parte, eu também fiz muita

amizade, muitas experiências. Eu pude ajudar muitas pessoas nesse lugar que eu

fiquei, então, foi bom nessa parte. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro

de 2012).

Continua a Monitora – 20:

Identificação. Para mim era tudo. Porque, a partir do momento em que eu entrei

para trabalhar com os alunos, com as crianças, eu entrei para trabalhar como

monitora de educação infantil, (...). No meu trabalho, eu queria ser sempre a

melhor. (...) Como gostava da função, sempre vou ser a melhor do mundo.. Vou ser

lembrada sempre. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).

Também identificam-se, nos relatos, os aspectos positivos com a mudança:

Na verdade, a reabilitação para mim trouxe muitas coisas boas, (...) Estava

tomando remédios para depressão. Então, para mim, o trabalho tinha perdido o

sentido, de todos os anos que achei que tinha sido produtiva, eu acabei achando que

não tinha mais. Então, a reabilitação veio trazer o lado bom, veio mostrar que eu

tenho alguma produção. (Professora – 10, depoimento colhido em outubro de 2012).

Mudou porque eu voltei a viver como eu vivia antes. (...), em casa estou muito mais

calma, estou mais tranquila. Na época em que eu estava mal, antes da readaptação,

eu era um poço de estresse, coisa que queria bater... Hoje eu não tenho mais esse

hábito, já melhorei demais. (Monitora – 20,depoimento colhido em outubro de

2012).

Identificam-se possibilidades de recomeço, de novas perspectivas profissionais e de

superação do processo de adoecimento.

Mudou só hoje, eu estou aqui, gosto daqui, tenho amizade e tudo, é de mim eu me

relaciono bem com as pessoas. Eu não sou uma pessoa de difícil convivência. Tem

gente que é, tem gente que não consegue conviver com ninguém, eu não sei o que se

passa, mas tudo bem. Eu tenho uma amizade muito boa aqui, é só que cada um na

sua função. Quer dizer, tem uma trabalhando lá, eu não posso chegar lá e ficar, não

posso porque a outra está trabalhando, agora, se eu trabalho aqui com três, (...), eu

não reclamo , eu não reclamo. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de

2012).

Foi muito bom o período da reabilitação, mas eu tinha medo de voltar para a

escola, porque eu via o ambiente de escola muito pesado, o que não deveria ser (...)

todas as suas conquistas profissionais, tudo aquilo que o profissional que atua na

sua área e tal. Então serviu de motivação para eu voltar. Foi muito difícil, mas (...).

E a gente se sente responsável, tanto que depois você tem contato com aluno, a

gente tem, sente, às vezes (...) sinto uma parcela de responsabilidade, agora, eu

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117

tenho um grupo de reforço, que não estava previsto quando eu voltei, para mim, é

ótimo, faz bem. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).

Identifica-se que foi um processo de aceitação de uma nova condição laboral. Eu

empreguei vinte anos da minha vida de escola, como educadora, dentro de sábado, domingo

trabalhando, eram vários programas que eu tinha e a vida afetiva ficava de lado (...).

(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012). A Professora – 5 ressalta que se

dedicou por muito tempo, anos de dedicação, na função exercida, a trajetória profissional de

cada sujeito expressa a dificuldade de deixar a função exercida, foram anos, capacitações,

conquistas profissionais, experiências, relações de afetividade e amizade, entre outros

elementos, que marcaram a construção de suas identidades profissionais, ao longo de anos de

trabalho no serviço público,

Levou bastante tempo, não queria mesmo, não queria me desprender... Fazia tudo

com muito gosto, com muita vontade, sabe.Tudo, tudo que falasse, você tem que

fazer isso, porque vai ser melhor. Eu ia e fazia. Tudo o que era novidade eu ia lá,

fazia, porque queria passar coisas boas para as crianças, enquanto elas estavam

comigo, elas eram minhas. Então, a partir do momento em que ela saia dali, a vida

dela era outra, mas elas eram minhas, tanto que tinha crianças que não queriam ir

embora, queriam ficar comigo. A mãe falava: O que você faz para essas crianças

que elas querem ficar aí? Eu não sei. Eu amo essas crianças (...). Porque tinha

crianças, que chegavam assim. A mãe falava: Eu não aguento mais, isso porque

ficava só a parte da tarde, até no outro dia cedo, o que a criança ia fazer, ia dormir.

Então, o pouquinho que ela ficava, eu ficava um dia todo. A criança, quando ficava

doente, já preocupava, quando a criança não comia, eu já percebia que alguma

coisa acontecera. Vinha uma angústia, porque a criança não sabe lidar com esse

sentimento. Ela não tem a noção de lidar com esse sentimento. Então, ela ficava

angustiada, não sabia lidar com esse sentimento, brigava com a outra e tal. Então,

eu já percebia, porque eu conhecia todas elas. (Monitora – 19, depoimento colhido

em novembro de 2012).

A Professora -6 estava dando aulas e estudando à noite, procurando qualificar-se para

buscar uma possibilidade de crescimento profissional.

(...) estudava, no ano anterior, foi quando me afastei, sempre procurava estar me

capacitando (...) Que eu tenho que me aceitar, então, depende da minha aceitação.

Aí, quando percebi que eu realmente estava doente, quis parar com a faculdade, eu

queria trancar lá. E aí é traumático. Porque é o momento de você se aceitar doente,

aceitar que você precisa dar um tempo na vida e reorganizar sua vida dentro de sua

limitação. Então, foi duro, porque eu sonhava com os alunos, porque a gente faz um

planejamento com todos, para que todos tenham atingido a média até o fim do ano,

assim. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).

No período do adoecimento e durante o processo de reabilitação, a professora relatou

que se sentia culpada em deixar sua função, em não conseguir terminar o seu trabalho, deixar

a classe no meio do caminho para ela foi muito difícil, sentia-se culpada, por deixar seus

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alunos. Relata que tinha um sentimento como se tivesse prejudicado as crianças ao deixá-las

com uma professora substituta, entendia que seriam prejudicados na questão da aprendizagem

naquele ano,

(...). Então, para a gente, é muito difícil, humanamente impossível, porque a gente é

também mãe do aluno e professora é uma profissão que às vezes eu acho ingrata,

porque o profissional se envolve demais, talvez seja por isso que a gente adoece

mesmo. A gente se sente responsável por eles e aí o que acontecia.. eu sonhava

muito com as crianças. (...) eu não queria encontrar ninguém, porque era muito

ruim... parece que você não está cumprindo sua obrigação. Você pegou a sala,

como não vai entregar ela?

Você se aceitar doente, entender que precisa de um tempo para aceitar porque,

indiretamente, também a gente se sentia cobrada. Eu sei que não era intencional,

que vinha me contar o que estava acontecendo de errado. Mas a gente sente, o que é

a responsabilidade. Então, esse conflito é difícil superar. Eu chegava num ponto.

Preciso me aceitar. Preciso ir ao médico hoje, eu precisava, na época, o médico me

disse que tinha que colocar uma prótese na coluna. Eu tinha duas crianças, de 7

anos e 2 anos, então, eu tinha que desligar dos filhos das outras mães, que eram

meus alunos, e pensar que eu tinha que ter saúde, porque eu era mãe dos meus. Os

meus iam precisar de mim.

Até você se conscientizar disso daí, e parar de sonhar com os alunos. Poxa vida,

não é que eu não gostava. Você gosta, quando encontra as mães, tem maior carinho

com a gente, mas é tão difícil. Aí, eu penso assim: Eu tenho que me preocupar,

porque, se eu não ficar bem, eu fecho este ano e entrego eles e os meus, não sabia

até onde (...) (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).

Também o relato da Monitora – 19 traz elementos que evidenciam seu vínculo como

cuidadora das crianças. A afetividade em cuidar das crianças estava à frente de seu próprio

problema de saúde. Como não carregar uma criança chorando? Como deixá-la suja? Essas

questões não tem uma resposta imediata e envolvem relações de afetividade. Apesar de saber

que esse movimento repetitivo causaria alguns problemas de saúde, não via como deixar de

realizá-lo todos os dias, em sua rotina de trabalho.

Meu adoecimento veio há muito tempo. Porque, no berçário, quase ninguém gosta

de trabalhar no berçário, eu gostava e eu fiquei muitos anos no berçário. Então,

vinha criança mais levinha, vinha criança mais pesada, e esse movimento de pegar

no chão, até na cuba, antes tinha cuba, hoje, tem escadinha para subir, antes não

tinha nada, criança pesada, era esse movimento todo dia.

Eu tinha, na minha turma de berçário, mas era assim, eram 12 crianças.., duas

vezes banho de manhã, duas vezes banho à tarde, imagine, esses que vinham com

barriguinha meio solta eram mais banhos, aquela criança, eram vários banhos.

Esse movimento de erguer, às vezes, não era o banho, era colocar no berço. O berço

era alto de se colocar, alguns dormiam no colo.

Então, esse movimento repetitivo, várias vezes ao dia, por vários anos, que a gente

faz automaticamente, a gente não vai lembrar, vai prejudicar um dia, a gente não

vai lembrar, na hora estamos fazendo simplesmente. (Monitora – 19, depoimento

colhido em novembro de 2012).

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É comum verificar que os problemas que levaram ao adoecimento do trabalhador são

atribuídos como questões de sua própria personalidade, de sua identidade profissional,

desvinculando-o de seu processo de trabalho, desconsiderando a trajetória profissional

anterior ao adoecimento, ao desconsiderar as dimensões sociais relativas à situação do

trabalho, como se a doença e o trabalho fossem analisados separadamente. Com essa prática,

criam-se dificuldades de defesa coletiva enquanto trabalhadores.

Ao culpar o trabalhador por sua doença, criam-se estigmas e condições propícias para

a discriminação dos colegas de trabalho, após passar pelo processo de reabilitação.

3.3 A Importância do Cotidiano para o Conhecimento da Realidade

O cotidiano proporciona conhecimento do sujeito, do coletivo, da realidade e de seus

círculos históricos, aspectos indispensáveis para a compreensão desses sujeitos, na qual

mergulhamos por meio da nossa prática e retornamos à base teórica com o novo olhar. Essa

ligação entre a prática e o cotidiano é fundamental para entendermos a identidade.

A princípio, pensar no cotidiano parece ato relacionado à simplicidade do dia a dia de

cada um, porém, é no cotidiano que se localizam muitos acontecimentos que nos levam a

obter consciência política e possibilitam uma leitura crítica da realidade, por meio do

desvendamento das forças sociais existentes.

Para Heller (2008, p. 31), “A vida cotidiana é a vida de todo homem (...)” e ninguém

pode desligar-se desse cotidiano; nesse sistema dinâmico de acontecimentos é que

entendemos a história de vida de cada um, onde o homem pode expressar sua individualidade

através de suas escolhas e experiências. “A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja,

o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua

personalidade. (...).”

O homem é um ser único, e cada um de nós tem as próprias particularidades; ao

mesmo tempo, é um

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(...) ser genérico, já que é produto e expressão de suas relações sociais, (...) mas o

representante do humano-genérico não é jamais um homem sozinho, mas sempre a

integração (tribo, demos, estamento, classe, nação, humanidade) – bem como,

frequentemente várias integrações – cuja parte consciente é o homem e na qual se

forma sua “consciência de nós”. (HELLER, 2008, p. 36).

Essa integração significa que estamos sempre em relação uns com os outros, num

processo de construção e reconstrução desse ser social e da realidade.

As possibilidades da vida cotidiana vão criando condições para as transformações na

sociedade. Segundo Martinelli (2009, p. 4) ), “As relações estrutura, conjuntura, cotidiano

instituem-se como formas de acesso às múltiplas determinações da realidade, pela mediação

dos contextos, acontecimentos, atores, forças sociais em presença, (...)”. Nesse sentido,

partindo do princípio dialético de que nada é natural, e sim histórico, entendemos que nada se

constrói no coletivo, sem antes ser pensando no campo subjetivo. Os trabalhadores, ao se

apropriarem de suas histórias, desmistificando fatos que levaram à alienação de sua real

situação do adoecimento no trabalho, seguem um processo de tomada de consciência de

classe.

Recuperar o sujeito com sua plenitude histórica, evita o ocultamento desses sujeitos e

a perda de suas identidades, além de situações que levem a perpetuar relações de dependência

e subalternidade. São “(...) pessoas submetidas à perda cultural e à invalidação de seus

conhecimentos e valores”. (CHAUÍ, 1993, p. 38).

Romper com esses ciclos de dependência, requer ver a história como um processo

revelador. A história constrói-se a partir dos sujeitos, assim, as lutas pessoais se transformam

em lutas sociais, em um movimento de busca de novas formas de vida.

Retomamos a categoria trabalho, que tem sido apontada como a questão social

contemporânea. Por meio dele, o homem transforma-se e transforma a natureza, onde o

sujeito se reconhece enquanto cidadão. De acordo com Antunes (2009), uma vida desprovida

de sentido no trabalho acaba por não encontrar um sentido fora dele, assim, a reflexão sobre

possibilidades de transformação do cotidiano deve considerar práticas profissionais que visem

a um novo metabolismo social. Olhar o cotidiano como espaço de transformação, para

construir nova sociabilidade, com novas identidades, que tenham a liberdade como valor ético

central.

Continuando, Antunes (2009) afirma que o trabalho é parte integrante da própria

sociabilidade humana, e através dele determinamos nosso modo de vida, nossas relações

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sociais e a formação da própria consciência. Ao passar pelo processo de reabilitação, deve

ocorrer a modificação do modo de vida, a fim de atender a uma nova condição do trabalho e

de vida.

A interrupção do trabalho, ao deixar de exercer a função habitual do dia a dia para

passar pelo processo de reabilitação, aponta para uma mudança que afeta as relações sociais

construídas no cotidiano dos trabalhadores. É preciso aceitar uma nova condição; o processo

de aceitação é necessário, para manter-se enquanto trabalhador. A Merendeira – 7 aponta a

repercussão no cotidiano doméstico

(...) fiquei assim. Não conseguia mais andar, pernas pesadas. Sabe! Chegava em

casa. Deitada no sofá, não conseguia levantar, se eu estava levantada, não

conseguia deitar. Dificuldade para abaixar, de pegar as coisas. Perdi muito

movimento de pegar coisas pesadas, não tinha aquela força de antes. (Merendeira –

7, depoimento colhido em outubro de 2012).

Para entender o adoecimento dos trabalhadores do serviço público, é preciso

compreender a dimensão ético-afetiva do adoecer (SAWAIA, 2006). Nas histórias

profissionais, identificamos a relação do trabalho com o adoecimento e a influência do

processo saúde-doença. O conceito que utilizamos para o estudo, vai além da definição

clássica da OMS17

, como o estado de completo bem-estar físico, mental e social. Concorda-se,

no estudo, com a referência conceitual de Sawaia (2006, p. 157) que define saúde como “uma

questão eminentemente sócio-histórica e, portanto, ética, pois é um processo da ordem da

convivência social e da vivência pessoal”.

O relato da Monitora –14 sinaliza que se culpava muito no período do adoecimento.

Aprendi a ser objetiva, mas aconteceu isso, e por mais que tenha história de vida, por mais

que tenha coisas, fatos pessoais. Eu aprendi a ver que não era só eu. Antes, eu me punia

muito (...) (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012). Segundo Sawaia (2006,

p. 157), “Em quase todas as doenças encontram-se relações curiosas entre o que se passa na

cabeça das pessoas e a evolução de sua doença física. (...)”.

17

O conceito foi escrito em 1946, durante Conferência Internacional da Saúde e encontra-se nos princípios da

Constituição da Organização Mundial de Saúde. A Constituição foi publicada pela United Nations World Heath

Organization (1948). Official Reccord of the World Hearth Organization, n. 2, Procceding and Final Acts of the

International Health Conference held in New York from 19 june to 22 july 1946. Disponível em:

<www.who.int/governance/eb/who_constitution_en.pdf>. Tradução está na biblioteca digital da Universidade de

São Paulo (USP). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-

Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-

omswho.html>. Acesso em: 26 maio 2013.

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Várias frases ouvidas durante a pesquisa revelam o sofrimento ético-politico.

“Consciência, atividade e afetividade se encadeiam e se determinam, reciprocamente”.

(SAWAIA, 2006, p.167).

O ambiente de trabalho também é um local que pode gerar ou não possibilidades de

luta dos trabalhadores por melhores condições no processo de trabalho. “A falta de sentido da

tarefa individual e o desconhecimento do sentido da tarefa coletiva só tomam a sua verdadeira

dimensão psicológica na divisão e na separação dos homens”. (DEJOURS, 1992, p. 40). O

fato de resistir ao individualismo pode ser uma forma de ser solidário aos outros trabalhadores

que enfrentam as mesmas circunstâncias. O pensar coletivo possibilita torna-se solitário com

os colegas de trabalho. Segundo Sawaia (2006, p. 167), “Trabalhar no local definidor de

identidade social e individual, envolvendo o indivíduo e seus pares, (...) pode ser um ato

libertador da ditadura imposta sobre nossas necessidades, emoções e ações (...)”.

A direção da vida profissional supõe, para cada trabalhador, uma trajetória própria.

Embora mantendo a estrutura do cotidiano profissional, cada qual deverá apropriar-se, a seu

modo, da realidade e impor-lhe a marca de sua personalidade.

O adoecimento coloca-se como consequência do afastamento do trabalhador do

sentindo de seu trabalho, diluindo assim sua identidade profissional, pois o trabalho é uma

forma de suspensão da vida cotidiana, e deve ser visto além de mero meio de subsistência. Por

meio do trabalho transformamos e ocupamos um lugar na sociedade. Assim, a passagem do

singular para o genérico, como a inserção enquanto classe trabalhadora, mas a suspensão

enquanto superação, está relacionada à consciência de classe, em uma perspectiva

revolucionária de elevação da consciência do ser homem total.

Para Heller (2008, p. 61), “(...) A condução da vida supõe, para cada um, uma vida

própria, embora mantendo-se a estrutura da cotidianidade, cada qual deverá apropriar-se a seu

modo da realidade e impor a ela a marca de sua personalidade.(...)”. Assim, o trabalho livre e

criador pode resultar em uma forma de suspensão do cotidiano. Heller (2008, p. 61) cita três

formas de suspensão da vida cotidiana: a arte, a ciência e a moral; conforme a suspensão se

torna frequente, o homem consegue sair da vida cotidiana e retorna com a reapropriação do

ser genérico, retomando o cotidiano de maneira mais rica e profunda da essência humana.

(...) a condução da vida não pode se converter em possibilidade social universal a não

ser quando for abolida e superada a alienação. Mas não é impossível empenhar-se na

condução da vida mesmo enquanto as condições gerais econômico-sociais ainda

favorecem a alienação. (HELLER, 2008, p. 61).

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123

Nessa perspectiva, deve-se construir uma nova cultura política de liberdade e valores

humanos que levem a avançar além da efetivação de direitos sociais e a investir em um novo

comportamento político, desfavorecendo as relações alienantes do mundo do trabalho

capitalista.

3.4 Os Movimentos das Trajetórias Profissionais à Luz das Identidades Profissionais

Reconstruídas

A identidade profissional está vinculada à identidade enquanto ser social. A

identificação profissional é como nos reconhecemos na vida em sociedade e sempre é

mencionada, logo que nos apresentamos a alguém. Quem sou eu? O que faço? Também se

observa que “os modos de produção da identidade, como categoria histórica, social e política,

estão profundamente relacionados com o movimento da história (...)”. (MARTINELLI, 2000,

p.18).

Verifica-se, nas histórias profissionais, o sentido ontológico do trabalho. As histórias

narradas nos mostram que os trabalhadores precisam de um sentido para planejar o futuro,

adquirir um propósito em seu dia a dia, por meio das atividades desenvolvidas no âmbito

profissional que os levem a sentir-se útil.

Com base no conceito de Martinelli (2009, p. 10) também apreendemos a identidade

atribuída: “(...) como identidades que decorrem de circuitos externos às próprias profissões”.

Por serem construções exteriores à própria profissão, as identidades atribuídas rompem com

os princípios de autonomia e visibilidade, tornando muito árduo, quase mesmo impossível, o

processo de reconhecimento profissional, o que acaba por favorecer o adoecimento do

trabalhador.

O desafio que se coloca, presentemente, é entender como se dá a reconstrução da

identidade profissional dos trabalhadores que, de repente, rompem com seu trabalho e passam

pelo processo de reabilitação. Recorre-se à referência teórica da Psicologia Social Crítica

através de Ciampa (2006), que compreende a identidade

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(...) como um processo de metamorfose permanente, cuja dimensão temporal

envolve diferentes momentos. Assim, o presente é o momento em que, por exemplo,

alguém se reconhece como um adulto que pode falar da criança que foi no passado –

sua história de vida – e também do velho que gostaria de ser no futuro – seu projeto

de vida – como forma de falar de si mesmo. (apud PACHECO; CIAMPA, 2006,

p.164).

A partir das histórias de vida e profissional, verifica-se como os sujeitos da pesquisa

conseguiram reconstruir sua identidade profissional, a partir de novas experiências

profissionais, desvendadas no cotidiano de suas vidas, superando as perdas advindas com o

adoecimento e recomeçando em novos modos de vida. Em um movimento dinâmico,

constroem e reconstroem-se com suas experiências.

Para entender a identidade profissional recorre-se à matriz de análise utilizada por

Martinelli (2009) que define o que é Identidade Profissional Construída e Identidade

Profissional Atribuída, trazendo algumas categorias de análise: Autonomia, Visibilidade,

Subalternidade e Opacidade, as quais estão contidas nas dinâmicas profissionais estudadas

facilitando o entendimento de como se deu a reconstrução das identidades profissionais, após

o processo de reabilitação profissional (Quadro 13).

Quadro 13 – Quadro matricial da identidade profissional

IDENTIDADE PROFISSIONAL CONSTRUÍDA

O que é Identidade Profissional

• Síntese dialética entre os modos de ser e de aparecer socialmente, das profissões, expressando as respostas

construídas profissionalmente, em diferentes momentos históricos, para atender às demandas que incidem em

seu campo de ação.

• Elemento definidor da participação das profissões na divisão social do trabalho e na totalidade do processo

social.

O que produz

Autonomia Visibilidade

• Reconhecimento profissional e social.

• Participação na divisão sociotécnica do trabalho.

• Profissionalização.

• Possibilidade de interlocução com demais áreas

profissionais.

• Possibilidade de realização de práticas com

autonomia.

• Visibilidade da área de ação profissional e de sua

perspectiva operacional.

• Visibilidade da forma social de aparecer das

profissões, mediatizada pelas respostas

construídas profissionalmente para atender às

demandas que incidem em sua área de ação.

• Maior congruência entre a forma do ser e a forma de

aparecer das profissões.

(Continua)

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Quadro 13 – Quadro matricial da identidade profissional

IDENTIDADE PROFISSIONAL ATRIBUÍDA

O que é Identidade Atribuída

• Identidade que decorre de circuitos externos às profissões.

• Identidade que não opera com a totalidade do processo social.

• Identidade visualizada como dada, pressuposta, preestabelecida.

• Identidade distanciada do processo histórico e esvaziada de substancialidade política.

O que produz

Subalternidade Opacidade

• Ausência de reconhecimentos profissional e social.

• Ausência de visibilidade quanto à identidade

profissional.

• Fragilização e despolitização das ações profissionais.

• Perda de consistência e rigor da prática profissional.

• Produção de práticas marcadas pela heteronomia.

• Indeterminação quanto à posição da profissão na

divisão social do trabalho.

• Ausência da visibilidade quanto à configuração e ao

alcance da prática profissional.

• Práticas restritas, de pequeno alcance, fragmentadas,

residuais e dissociadas da prática social.

• Práticas reiterativas, reificadas, sem afinidade com o

momento histórico e com a realidade social, incapazes

de expressar o modo de ser das profissões.

Fonte: Texto de apoio didático, revisto e atualizado em set. 2009 por Maria Lúcia Martinelli.

À luz do quadro matricial da identidade profissional, são esclarecidos conceitos

fundamentais para pensar as identidades profissionais como “(...) construções sociais

essencialmente dinâmicas”. (MARTINELLI, 2009, p.12). De acordo com a dinâmica das

identidades, considera-se o processo de metamorfose constante onde estão contidos os

movimentos recíprocos e contínuos de interação. (PACHECO; CIAMPA, 2006).

Nesse sentido, as identidades profissionais construídas ao longo de histórias

profissionais iniciam um processo de reconstrução a partir da perda da capacidade laboral do

trabalhador em virtude do adoecimento ou do desligamento de sua função habitual, que

resultam em mudanças e novos modos de vida. Enfim, tudo depende “(...) do significado

social e do sentido pessoal que uma determinada identidade adquire (...)”. (PACHECO;

CIAMPA, 2006, p. 164). Uma vez que se inicia um processo de reabilitação profissional que

leva a uma nova posição da profissão na divisão social do trabalho que expressam um novo

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modo de ser, os sujeitos podem expressar sentidos diferentes de sua vida e novos projetos de

trabalho, reconstruindo suas identidades profissionais.

Nas frases mais significativas dos sujeitos da pesquisa, percebem-se os movimentos da

identidade que ocorrem na dinâmica das construções sociais dos trabalhadores, através das

aproximações de seus processos históricos no serviço público, antes, durante e após a

reabilitação profissional, processo em que se dá a construção e reconstrução da identidade

profissional, em movimento no processo de reabilitação. Para melhor visualizar, no Quadro

14 apresenta-se o cruzamento frases significativas, conforme categorias de análise de

identidade construída e atribuída, considerando que “(...) identidades, por sua natureza

essencialmente dinâmica, criam-se e recriam-se continuamente no fértil terreno das

diferenças, das diversidades, num verdadeiro jogo dialético (...)”. (MARTINELLI, 2009, p.9).

Quadro 14 – Cruzamento de frases significativas considerando as categorias de análise de identidade construída

e atribuída

IDENTIDADE PROFISSIONAL CONSTRUÍDA

Autonomia Visibilidade

• Reconhecimento profissional e social.

"O serviço público ficou um pouco a desejar,

principalmente na questão do salário e na questão

de você ser reconhecida pelo seu trabalho."

• Profissionalização.

"Não tinha nenhuma capacitação."

• Possibilidade de interlocução com demais áreas

profissionais.

"Chegava na direção da escola, era bloqueada, não

pedia ônibus, eu tinha que fazer tudo por minha

conta, com o aval dos pais. E aí eu me decepcionei

com a educação a nível municipal."

• Possibilidade de realização de práticas com

autonomia.

"Não tem uma certa liberdade para estar criando

alguma coisa."

• Visibilidade da área de ação profissional e de sua

perspectiva operacional.

"Você não cria uma autonomia, você não cria uma

identidade como professor."

• Visibilidade da forma social de aparecer das profissões,

mediatizada pelas respostas construídas profissionalmente

para atender às demandas que incidem em sua área de

ação.

"Nunca ninguém perguntou, pelo menos para mim, que

tipo de curso eu queria fazer. Simplesmente vinha uma

relação de cursos, e aí você vai fazer esse."

• Maior congruência entre a forma do ser e a forma de

aparecer das profissões.

"Porque o servidor público, quando ele chega nesse

estágio, ele não é visto como funcionário, ele é visto como

um funcionário que está dando um problema."

(Continua)

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Quadro 14 – Cruzamento de frases significativas considerando as categorias de análise de identidade construída

e atribuída

IDENTIDADE PROFISSIONAL ATRIBUÍDA

Subalternidade Opacidade

• Ausência de reconhecimento profissional e social.

"Me sentia inútil."

• Ausência de visibilidade quanto à identidade

profissional.

"Quando eu comecei minha faculdade, eu tinha um

objetivo, uma trajetória e, de repente, tudo

isso caiu por terra e, aí, o que eu faço, por onde eu

começo, como eu faço?"

• Fragilização e despolitização das ações

profissionais.

"Coisas que funcionários acabaram fazendo, coisas

que não condiziam com o lado humano."

• Perda de consistência e rigor da prática

profissional.

"Você tem uma concepção de aprendizagem, não

tinha valor."

• Produção de práticas marcadas pela heteronomia.

"Você não produz conforme você está pensando,

você produz conforme alguém te comanda."

• Indeterminação quanto à posição da profissão na divisão

social do trabalho.

"Hoje, eu me sinto apenas um objeto dos governantes, para

passar o que eles querem passar para a sociedade."

• Ausência da visibilidade quanto à configuração e ao

alcance da prática profissional.

"Assim, o trabalho tinha perdido o sentido, de todos os

anos que achei que tinha sido produtiva, eu acabei

achando que não tinha mais."

• Práticas restritas, de pequeno alcance, fragmentadas,

residuais e dissociadas da prática social.

“A gente é assim um tipo tapa-buraco."

• Práticas reiterativas, reificadas, sem afinidade com o

momento histórico e com a realidade social, incapazes

de expressar o modo de ser das profissões.

"Eu acho que isso é uma opressão, que, depois de um certo

tempo, você não aguenta mais."

Legenda:

Categorias de análise Martinelli (2009). In: Martinelli (2005).

Frases significativas dos sujeitos da história oral.

Fonte: Texto adaptado pela pesquisadora com base na história oral e no texto de apoio didático, revisto e atualizado em set.

2009, por Maria Lúcia Martinelli.

As frases identificadas e organizadas no Quadro 10 nos permite traçar um caminho em

um movimento dinâmico e dialético, que possibilita o entendimento de como foram

reconstruídas as identidades profissionais estudadas.

Ao lembrar a função anterior à reabilitação, a Merendeira - 14 relata:

(...) chega alguém a gente bate- papo, se não eu fico sozinha. E eu gostava, porque a

gente trabalhava sempre em bastante gente, em equipe, e era muito bom. Eu sinto

saudades, sabia. Eu sinto muitas saudades, nossa, como eu sinto saudades. E eu

falo: Ora, gente, é um tempo tão bom, que não volta mais. Tudo passa, né, tudo

passa, mas eu adorava trabalhar como merendeira, eu gostava muito. (Merendeira -

14, depoimento colhido em outubro de 2012).

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A Merendeira 7 também demonstra o quanto significava sua antiga função: Gostava

muito, sempre gostei de ser merendeira. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de

2012). Segue-se outro depoimento, que expressa a identidade com o cargo exercido. Eu

sempre gostei da minha função, merendeira, só que infelizmente eu queria estar lá do que

aqui, eu acho que ia produzir ainda mais. Só que infelizmente não tenho condições.

(Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).

Ambos os relatos, durante as entrevistas, foram carregados de muita emoção, todas

demonstraram muito afeto pela função anterior, como se a identidade como ser social

estivesse ligada à profissional, representada pela função anterior. O trabalho anterior tinha um

sentido além da subsistência, um sentido de sentir-se útil para a sociedade.

Ao lembrar a função anterior à reabilitação, as professoras relatam:

Importante quando o trabalho é na área da educação, na saúde, duas vertentes

importante da sociedade. A educação, porque você está trabalhando com famílias,

com crianças, está nascendo através da gente um processo de conhecimento de

estrutura familiar, tudo envolve. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de

2012).

Olha, eu gostava muito de ser professora, eu exerci a função de professora por

muito tempo eu me identificava muito com ela, ainda tem momentos que eu penso

nela, lembro-me dela, me identifico muito com ela, mas que sei que hoje não tenho

condições de realizá-la, entendeu. Gostava muito dela, com a relação das crianças,

e principalmente do retorno, porque com crianças você trabalha e você tem o

retorno, você não tem o reconhecimento como salário, mas tem o reconhecimento

dos alunos e seus familiares, da comunidade, isso faz falta. (Professora – 10,

depoimento colhido em outubro de 2012).

Eu gostava. Gostava muito e a época em que eu adoeci, eu estava fazendo o curso

superior, então, eu acabei concluindo o curso já assim com problema de saúde bem

agravado. Mas eu gostava muito. Mas eu volto naquilo, eu voltei a estudar, tinha

criança pequena, porque a gente tinha intenção de fazer aquilo e mais alguma

coisa, dentro da área da educação. (Professora - 6, depoimento colhido em

novembro de 2012).

Ambas as professoras demonstraram, em suas entrevistas, a questão da

responsabilidade com as crianças. Apresentam demasiada preocupação com a área da

educação, com a sociedade, como se o dever enquanto cidadã não estivesse sendo cumprido

por elas ao adoecer. Diferente da questão da afetividade apresentada pelas merendeiras, do

cuidar e do afeto ligado à atenção primária das crianças, ou seja, o ato de alimentar, o

professor frisa o educar para construir uma sociedade melhor.

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129

Outro aspecto é a questão da perspectiva profissional. Um professor que deixa a sala

de aula deixa também as oportunidades de seguir uma carreira no serviço público, como ser

um coordenador pedagógico, um supervisor pedagógico ou um diretor de escola, ou seja, as

alternativas de ascensão profissional disponibilizadas para os professores do serviço público

municipal.

A identidade profissional do professor, construída em anos de estudo e tempo de

experiência em sala de aula, já não é mais relevante no momento do adoecimento, pois é

necessário priorizar a saúde. Com algumas características semelhantes à função dos

professores de ensino fundamental, temos as monitoras de CEC.

Ao lembrar a função anterior à reabilitação, as monitoras relatam:

Amava. Fiquei, um tempo atrás, muito chateada, muito triste, porque, na verdade, o

que aconteceu, é que meu trabalho era com crianças. (Monitora - 14, depoimento

colhido em outubro de 2012).

Eu me identificava muito com aquela pessoa, função, que eu exercia, além de gostar

muito, eu me envolvia com aquilo ali, eu achava muito valioso aquilo que eu fazia

hoje. É gostoso ver seu trabalho fluir, é gostoso. Então, ali, eu às vezes tão cansada,

com vários problemas de casa, e eu me envolvia tanto com aquilo, que eu esquecia,

era muito valioso para mim. (Monitora – 19, depoimento colhido em novembro de

2012).

Continuando, a Monitora – 20 retrata a antiga função e seu adoecimento: Então, antes,

eu realizava com muita vontade, daí fui adoecendo, pelo sistema que a gente tinha. (Monitora

– 20, depoimento colhido em outubro de 2012). Ambos os relatos das monitoras também

demonstram que sentiam falta das crianças e a preocupação com a área da educação, com a

sociedade, porém, diferente dos professores, que apresentavam desgaste mental, também

passavam um desgaste físico. As monitoras se sentiam mais aliviadas, em deixar a antiga

função, e essa questão pode estar relacionada ao fato de não terem a mesma perspectiva

profissional de um professor.

De qualquer forma, em todos os relatos dos sujeitos de pesquisa, as narrativas

apresentam em comum a forma como se identificavam com o trabalho que realizavam antes

do adoecimento. Outro fator comum em suas histórias é a falta de reconhecimento

profissional dos anos de trabalho antes do adoecimento, ao passarem pelo processo de

reabilitação e terem que aceitar mudança de função. Considera-se que esse processo

movimenta os elementos identitários construídos: (...) me vejo assim uma pessoa que fez,

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130

esforcei e hoje vejo todo o meu esforço ir para a lata do lixo. (Monitora – 19, depoimento

colhido em novembro de 2012).

Para explicar o processo de movimento da identidade dos sujeitos, recorre-se ao

esclarecimento de Rosenfield (2009, p. 173), que explica: “(...) o trabalho mantém sua função

de elemento fundamental na construção da identidade. Como realização pessoal, significa a

possibilidade de obter um retorno identitário capaz de contribuir à construção de um sentido”.

Ou seja, o trabalho realizado durante anos atuando no serviço público é um elemento

fundamental para a construção da identidade profissional desses trabalhadores, e ao não obter

um retorno identitário desses anos de trabalho, durante a reabilitação, capaz de contribuir para

a reconstrução da identidade profissional, acabam por expressar sentimentos de frustração,

pois necessitam dar sentido às novas possibilidades de trabalho.

Assim, ao iniciar o processo de reabilitação, há o desligamento da antiga função, o que

gera um sentimento de frustração, no sentido de interromper uma trajetória profissional e

lançar-se a um destino ainda desconhecido. Uma vez que a reabilitação é um processo de

reconstrução de identidade profissional, em que é preciso ocorrer a aceitação de uma nova

condição de vida, a partir da limitação profissional imposta pelo adoecimento. O processo

pode levar meses, anos ou não ser concluído, ou seja, alguns trabalhadores não conseguem

voltar ao mercado de trabalho. O objetivo da reabilitação é o retorno à atividade laboral, de

modo a conciliar as necessidades desses sujeitos às características de sua nova função,

evitando a aposentadoria precoce e a exclusão do mercado de trabalho.

No caso específico do serviço público, a inserção é garantida por serem concursados o

que garante a estabilidade do emprego, quando finalizado o processo de reabilitação.

Alves (2013, p. 117) aponta três atributos fundantes e fundamentais da pessoa humana

que norteiam a compreensão da identidade profissional do estudo em questão. São eles:

individualidade; subjetividade e alteridade. E também traz a ideia de que “(...) o movimento

do capital enquanto disseminação do trabalho estranhado nas condições de sua crise estrutural

corrói os atributos ontogenético da pessoa humana”, ou seja, consome os atributos adquiridos

no processo histórico de desenvolvimento e aprendizagem do ser social.

Alves (2013, p. 118) ainda aponta que “o homem como indivíduo pessoal é único. Na

verdade, cada individualidade humana preserva em si uma biografia social e um acervo de

experiências singulares que constituem sua identidade humano-pessoal. (...)”. Para entender

como é importante preservar a identidade profissional dos trabalhadores adoecidos, é

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131

necessário primeiro acessar sua biografia social e suas experiências, pois “(...) cada

individualidade humana conserva em si e para si uma história de vida/história de trabalho.

(...)”.

Dependendo do tipo de limitação, as atividades simples cotidianas se tornam

complexas, como conseguir utilizar o transporte público, atividade que, para alguns

reabilitados, se torna um desafio e acaba impulsionando a criação de mecanismos de

superação para resgate de sua mobilidade. Durante a reabilitação, redescobrem-se com novas

habilidades nas relações construídas no cotidiano. “(...) a identidade é percebida como

estática, parecendo não sofrer modificações, ela está sendo transformada à medida que,

através de minhas ações, eu ‘reponho’ aquilo que a sociedade ‘põe’ como certo (...)”

(PACHECO; CIAMPA, 2006, p.164).

A identidade profissional é construída nas relações de trabalho e envolve significados

e sentidos desse trabalho, ao longo da trajetória profissional do sujeito. O homem é um ser

social que se transforma e transforma a natureza, por meio do trabalho, que ocupa um valor

central, no cenário cotidiano das relações na sociedade. Conforme Antunes (2009), como

elemento ontologicamente, essencial e fundante.

Para Lara e Althaus (2010, p. 212):

(...) o trabalho é entendido como forma de sobrevivência. O trabalho além da

manutenção das necessidades consiste na valorização, reconhecimento e perspectiva

de um futuro melhor. (...) trabalhar é sentir-se útil, é uma forma de superar as

deficiências físicas e superar os próprios limites. A ideologia dominante é absorvida

pelas classes subalternas de tal forma que eles se julgam improdutivos e ineficientes,

nesse sentido precisam provar a todo o momento que eles podem e conseguem ser

uteis à sociedade.

O trabalho tem um sentido maior do que apenas a subsistência. Com o trabalho, o

homem se reconhece como parte integrante da sociedade. Cria possibilidades de ser

reconhecido por meio daquilo que produz, pois, como coloca Antunes (2009, p. 91): “[...] uma

vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida cheia de sentido fora do

trabalho”.

Nesse sentido, a interrupção do trabalho afeta tanto a materialidade dos trabalhadores,

em sua forma de ser, como a sua esfera mais subjetiva, que envolve valores, sentimentos e

relações sociais, em busca de discutir a importância da reconstrução de sua identidade

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132

profissional no processo de retorno ao mercado de trabalho, uma vez que afeta outros aspectos

da vida.

Dessa forma, ao ser impossibilitado de executar as tarefas diárias, o trabalhador é

afetado também em outras dimensões de sua vida, influenciando as suas relações com outras

pessoas, uma vez que o trabalho se constitui em uma parte importante da vida humana.

A identidade profissional está relacionada à nossa identidade social, pois passamos

muito tempo no trabalho, e quando pensamos em nossa identidade, logo a associamos à nossa

profissão. O trabalho ocupa um valor central em nossas vidas (ANTUNES, 2009) e a inserção

na sociedade contemporânea está diretamente ligado ao mundo do trabalho, onde a

precarização das condições geram doenças ocupacionais, levando ao sofrimento dos

trabalhadores que, para garantir a sua subsistência, em muitas circunstâncias, se sujeitam a

trabalhar em condições precárias, deixando de lado a saúde e testando os limites de sua

resistência física e mental.

Percebe-se que muitas pessoas, ao se verem impossibilitadas de continuar exercendo a

sua função, se sentem excluídas de sua vida social, e ficam à margem da sociedade.

O adoecimento que leva à ruptura do processo de trabalho, passa a fazer parte dessa

nova busca de identidade profissional, pois é necessário recomeçar em uma nova condição

laboral, em uma função compatível com sua nova condição de saúde, que respeite suas

limitações ou restrições médicas, e não seja prejudicial à lesão e/ou doença adquirida e venha

ao encontro de suas competências e habilidades profissionais.

As impossibilidades de realizar algumas atividades inerentes à formação profissional

do sujeito, acabam gerando um processo de difícil aceitação, mesmo que esse trabalho tenha

levado o trabalhador ao adoecimento. Segundo Ocada (2010, p. 148): “O sofrimento no

trabalho surge a partir do momento em que todas as tentativas de dar significado ao trabalho

falharam. (...)”. Também nesse sentido, entendemos a importância do não trabalho para alguns

sujeitos em processo de reabilitação, que resistem ao retorno, preferindo a aposentadoria por

invalidez, pois não veem mais significado em continuar trabalhando.

A possibilidade de retornar ao trabalho auxilia na superação de sua nova condição de

saúde, visto que, com a inclusão laboral, inicia-se uma nova rotina e o trabalhador precisa se

reorganizar para esse retorno; inclusive, ocorrem mudanças até na dinâmica familiar, que

ficará voltada a auxiliá-lo nesse recomeço.

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133

Em nossa sociedade capitalista, que é movida pelo mercado, pressupõe relações de

trabalho desiguais e altamente competitivas, observam-se dificuldades de aceitação de sujeitos

com limitações, que não acompanham a rapidez do sistema e os parâmetros idealizados de

eficiência.

3.5 O Processo de Reabilitação na Perspectiva dos Sujeitos

No processo de reabilitação, todos os sujeitos entrevistados participaram de um PRP18

existente na Prefeitura de Piracicaba e composto por equipe de reabilitação com profissionais

das áreas de Psicologia, Serviço Social, Pedagogia, Medicina e Segurança do Trabalho. Todos

os servidores públicos, tanto celetistas quanto estatutários, passam obrigatoriamente pelo

programa. Trata-se de uma série de atendimentos individualizados, desenvolvidos pelos

profissionais, que posteriormente discutirão as situações apresentadas nas reuniões de equipe.

Durante a entrevista, a Monitora – 14 refere-se que, em relação à equipe de

reabilitação, o que mais gostou foi do encontro de reabilitação realizado pela equipe e explica

que:

O processo de reabilitação, a pessoa, o profissional, que está trabalhando com a

reabilitação, é importante para o reabilitado, porque você está mexendo com a vida,

com gente, com sentimento e precisa respeitar muito o outro. É lógico que as

pessoas tem limitações, que ainda tem, que não está de bem com ela mesma, então

não tem como. Então, o pessoal da reabilitação quer abrir a cabeça e colocar

alguma coisa para essa pessoa na cabeça. Mas acho muito importante o

profissional da reabilitação, o profissional assistente social, psicólogo e toda a

equipe, para o reabilitado. Ele ajuda em si, ele ajuda no trabalho, nesse processo de

reabilitação. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

Os relatos trazem como foi o período de reabilitação. Bem, eu recebi o apoio do

pessoal da equipe, pessoas que me receberam muito bem, me senti muito acolhida.

(Professora – 10). Também apontam o trabalho do médico,

18

Anexo B – Resumo do trabalho desenvolvido pela equipe de reabilitação da Prefeitura de Piracicaba.

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134

E, graças a Deus, a equipe da reabilitação entendeu o processo, acompanhou... os

médicos da perícia, o que me atendeu, entendeu, conhecia a doença mesmo e, por

fim, acabei saindo da sala de aula mesmo, tendo sido aproveitada pelo

conhecimento, pela experiência num outro cargo, outro lugar de trabalho.

(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

Também aponta-se o relato da Monitora – 20, que sentiu dificuldade durante o

processo,

Eu senti dificuldade, na época da reabilitação, porque não tínhamos respostas. A

gente estava passando por um período de transição, de troca e tudo mais do

sistema. Vai não vai, quer não quer. Então, a gente estava no aguardo. Estávamos

naquele período, como eu me sentia, às vezes, como outras pessoas também, a gente

foi colocada de lado... Aí você falava: Estou no processo de reabilitação, e o pessoal

o tacha de folgado, naquela época,... demorou um período longo... um período

longo para. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).

O relato da Monitora – 20 expressa a angústia vivida pela maioria dos trabalhadores

que passaram pelo PRP. A principal queixa apresentada e vivenciada pela pesquisadora, em

seus atendimentos na equipe, está relacionada com a insegurança de não saber já de imediato

qual será a nova função. Durante o processo de reabilitação, ocorrem vários procedimentos,

dos diversos membros da equipe, para verificar qual é o perfil profissional desse trabalhador,

quais são suas competências e habilidades.

Mas há dois fatores primordiais, para a decisão da equipe de reabilitação municipal. O

primeiro está na condição médica, no parecer médico que orienta sobre quais atividades o

trabalhador pode exercer para não prejudicar sua saúde. O segundo é a disponibilidade de

vagas para a reabilitação, que nem sempre é um processo tranquilo, mas de conquista de

espaço, pela equipe, com os gestores municipais, que nem sempre recebem com satisfação o

pedido da vaga, visto que ainda há preferência, para alguns cargos, em contratar por meio de

concurso público funcionários novos do que disponibilizar vagas para a equipe de

reabilitação.

Nesse sentido, são diários os desafios da equipe de reabilitação para a inclusão laboral

dos trabalhadores no processo de reabilitação, para atendar às perspectivas e à identidade

profissional de cada um.

Outra dificuldade apontada relaciona-se com as dificuldades financeiras apresentadas

após o afastamento da função. A Professora – 6, em seu relato, explica que passou a receber

menos, o salário-base foi mantido mas ela deixou de receber as demais gratificações.

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135

Porque, quando eu voltei, eu fiquei quase dois anos afastada, então mexeu no meu

financeiro, porque o meu salário, no mínimo, vamos dizer, assim, eu recebia 70 do

meu salário anterior, então mexe, não é algo tão relevante, porque minha doença

era tão grave que a gente administra numa boa, mexe e não tem como não mexer, o

seu salário cair assim, mexe com a rotina de todo mundo, mexe com qualquer um. E

não é algo que me judia muito não. (Professora – 6, depoimento colhido em

novembro de 2012).

O relato da Professora – 6 expressa que no período de seu retorno ao trabalho na nova

função também foi importante a acolhida da equipe de trabalho,

Tive apoio, sim, principalmente nesta fase, foi um ponto de apoio muito forte para

mim. Nossa, se eu não tivesse (...),eu teria mesmo caído em depressão mesmo,

ajudou bastante. (...) eu não queria, mais ouvi, durante a reabilitação: Você vai,

porque tem capacidade para isso. Você não pode sair da área da educação. Você

tem muita coisa para oferecer. Você tem experiência muito grande. Para mim, foi

muito bom, porque eu entrei na área da educação novamente, mas de outra forma.

(Monitora – 19, depoimento colhido em novembro de 2012).

Diferente das histórias profissionais das demais entrevistadas, a Professora – 6

retornou no mesmo local de trabalho anterior ao adoecimento mudando apenas a função, e

esse fator facilitou o processo de inclusão laboral, pois já existiam vínculos com colegas de

trabalho que auxiliaram o processo de adaptar-se à nova função: (...) o apoio da equipe

quando eu voltei para o meu ambiente. Aquele período que voltei para cá. Eu recebi

solidariedade. Eu me sentia amparada pela equipe de trabalho. Eles se preocupavam comigo.

(Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).

3.5.1 Reabilitação profissional: Sentidos e significados do trabalho

Quando eu vim para a reabilitação, eu me lembro das minhas falas, conversando com

a assistente social e com a psicóloga. Quando me perguntavam:

Com o que você se identifica? O que você gosta de fazer? Eu respondia: Nada.

Nada. Eu não quero fazer nada. Eu não gosto de nada.

Eu não tinha ideia que eu pudesse desenvolver esse trabalho.

Aí surgiu essa oportunidade (...), então, eu vejo que eu posso colaborar.

(Professora – 10, depoimento colhido em outubro de 2012)

A partir da nova função, a pesquisa qualitativa procurou esclarecer como a mudança

de função afeta as relações sociais construídas no cotidiano dos trabalhadores e qual a

condição necessária para atender a essa nova função e manter-se como trabalhador.

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136

Observa-se que a função que passou a ser exercida após a reabilitação é apontada, em

sua maioria, como função de atendente, como indica o Gráfico 7, que contém os dados

quantitativos do universo maior. Apesar de alguns cargos e escolaridades serem diferentes, os

sujeitos foram designados a exercer a mesma função. A escolha de função durante a

reabilitação parte de questões específicas, como habilidades, competências e restrições

médicas funcionais. Outro fator primordial que define a função a ser exercida é a

disponibilidade de vagas nos setores municipais ofertadas pelos gestores, que não

necessariamente atende à necessidade do trabalhador.

Gráfico 7 – Funções dos funcionários após a conclusão da reabilitação, no período de 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio de 2012.

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137

No Gráfico 7, observa-se que as funções de atendente, escriturária, serviços auxiliares

e orientadores de alunos são as funções prevalecentes após a reabilitação. Essas funções são

as principais demandas apresentadas pelos gestores municipais para a equipe de reabilitação

para buscar a reinserção de trabalhadores que concluíram o programa.

O Quadro 15 evidencia os relatos mais significativos colhidos durante a história oral

tendo como marco de análise dois períodos: anterior à reabilitação e posterior à reabilitação.

Os períodos descritos por meio das narrativas de cada sujeito expressam qual é a memória que

guardam de determinado momento.

Quadro 15 – Cruzamento de frases significativas dos sujeitos da história oral

Experiência de Cada Sujeito -

Divisão por Cargo de Origem

Período Anterior ao Processo

de Reabilitação

Período Posterior ao Processo

de Reabilitação

Merendeiras

Funções exercidas após o

processo de reabilitação:

atendentes e copeira

Gostava muito, sempre gostei de ser merendeira

Eu sempre gostei da minha

função

Gostava, adorava trabalhar com

mais gente

Daí, você é rebelde, malvista e

nada está bom

Minha alternativa, to nem aí

Eu sinto que poderia ser útil,

mas fui desperdiçada

Professoras

Funções exercidas após o

processo de reabilitação:

escriturária, assistente

pedagógica e auxiliar de

coordenadora pedagógica

Eu gostava muito de ser

professora

Identificava muito em ser

professora

Importante exercer um trabalho

na área de educação

Eu, no meu caso, sinto que ainda não fui aceita

Hoje eu estou empurrando com

a barriga

É preciso viver um dia de cada

vez

Eu não quero ficar doente

novamente

Monitores de CEC

Funções exercidas após o

processo de reabilitação:

atendente, escriturária de escola

e monitora de educação especial

Amava, sempre gostei

Eu me identificava muito com aquela pessoa, função, que eu

exercia, além de gostar muito, eu

me envolvia

Então, antes, eu realizava com muita vontade o trabalho

A gente é assim um tipo tapa-

buraco

Você não faz parte da equipe

A gente se diminui

Fonte: Elaborado pela pesquisadora, conforme narrativas da história oral.

Os relatos expressam a falta de reconhecimento do trabalho. Segundo Rosenfield

(2009, p. 174), “o reconhecimento do trabalho é a própria expressão da retribuição simbólica

em termos da realização em si mesmo (...)”.

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138

Rosenfield (2009, p. 174) explica que a retribuição simbólica,

(...) é, assim, uma contribuição à realização pessoal, seja por meio do

reconhecimento do trabalho pela hierarquia (através da escuta, do apoio, do

encorajamento, do acesso a respostas, da transmissão da informação) que confirma a

contribuição aportada por aquele trabalho, seja pelos pares colegas (com a estima, a

cooperação, a troca igualitária, o reconhecimento do trabalho bem-feito) que

colabora na construção da identidade coletiva e serve de defesa identitária.

A partir do Quadro 15, verifica-se que os sujeitos referem que no período anterior à

reabilitação, ou seja, quando estavam exercendo a função inerente ao cargo de origem,

identificavam-se com o trabalho e no período após a reabilitação, quando passaram a exercer

outra função, apresentaram dificuldades em suas relações sociais, devido à não aceitação da

equipe de trabalho da nova condição laboral.

Os sujeitos da pesquisa reconheciam que o trabalho anterior tinha um papel central

em suas vidas, exerciam a função não apenas por subsistência, existindo um significado

maior, representando o serviço público como de utilidade para a sociedade e como sentir-se

útil enquanto ser social, havia uma contribuição para a realização pessoal por meio do

reconhecimento do trabalho.

Uma vez que ocorre o afastamento do trabalho para reabilitação, inicia-se um processo

de ressignificação da antiga função e as perspectivas funcionais ligadas a ela, inicia-se uma

nova condição e o processo de reconstrução da identidade profissional.

A partir do momento em que as competências e habilidades desses sujeitos não são

respeitadas para a reabilitação em uma nova função, verifica-se que ocorrem mais

dificuldades nesse processo de reconstrução da identidade profissional, partindo da reflexão

de que toda a trajetória profissional do sujeito não será mais importante, nem respeitada,

prevalecendo o interesse e a necessidade do empregador. Não se sentem reconhecimentos pela

hierarquia e nem por seus colegas de trabalho, assim, não ocorre a retribuição simbólica

(ROSENFIELD, 2009). As falas condizem com essa reflexão. A gente é assim um tipo tapa-

buraco (Monitora – 19, depoimento colhido em novembro de 2012). Continua a Professora –

6: Eu sinto que poderia ser útil, mas fui desperdiçada. (Professora – 6, depoimento colhido

em novembro de 2012). Como as falas demonstram, não se sentem reconhecidas no trabalho

desenvolvido no serviço público.

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139

As Figuras 8 e 9 revelam exemplos de mudanças relativas ao ambiente profissional no

serviço público e ilustram as características dos ambientes de trabalho no serviço público. Os

locais apresentados não estão vinculados aos ambientes de trabalho dos sujeitos da pesquisa.

Figura 8 – Local de trabalho anterior ao processo de reabilitação (Ambiente de

trabalho: cozinha. Função: Merendeira. Instrumentos de trabalho: fogão, panelas,

garrafa de café entre outros. Cargo de origem: merendeira)

Fonte: Arquivo da Equipe de Reabilitação Profissional, novembro de 2012.

Figura 9 – Local de trabalho após o processo de reabilitação (Ambiente de trabalho:

balcão de atendimentos. Função: atendente. Instrumentos de trabalho: telefone, caneta,

papel, entre outros. Função após a reabilitação: atendente.)

Fonte: Arquivo da Equipe de Reabilitação Profissional, novembro de 2012.

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140

Como exemplo de possibilidade de reconstrução das identidades profissionais,

destaca-se a história de um guarda civil que passou pelo processo de reabilitação. Ele deixou a

função de guarda civil para exercer a função de monitor de artes. Em seu trabalho ensina

artesanato para pacientes de serviços da Saúde Mental. A reportagem do jornal Gazeta de

Piracicaba, de 4 de agosto de 2013, intitulada: Arte de Produzir Vida19

, apresenta aspectos de

sua história e como foi importante a sua identificação com a sua nova função. Diz a

reportagem:

O guarda civil (...), que um dia viveu uma situação desesperadora – era alcoólatra e

acabou ficando sem a família – hoje, readaptado ao serviço, deixa a farda de lado e

vai para a oficina ajudar a ensinar os alunos. “Para quem passou pelo hospital

Bezerra de Menezes, como paciente, ao lembrar do meu passado, vejo que tudo é

possível”, afirma.

Para ele, qualquer pessoa que tenha vícios da bebida alcoólica, dependência

química, se tiver vontade e for perseverante, pode melhorar de vida. “É só a pessoa

admitir que precisa de tratamento, dar um basta na situação ruim e dizer: vou me dar

uma nova chance.” (JORNAL GAZETA DE PIRACICABA, 2013, p. 8).

3.6 O Tempo de Trabalho após a Reabilitação

Há um sentido contraditório, se pensarmos em tempo de trabalho no serviço público,

com relação ao antes e o depois da reabilitação, considerando que “(...) o empregador deve

usar o tempo de sua mão de obra e cuidar para que não seja desperdiçado: o que predomina

não é a tarefa, mas o valor do tempo quando reduzido a dinheiro”. (THOMPSOM, 1998, p.

272).

Assim, identificamos que, antes do processo, os trabalhadores vivenciavam certa

cobrança, em relação ao tempo das atividades, pois as tarefas eram distribuídas e tinham um

certo tempo para cumpri-las. O que não se evidencia nas falas dos sujeitos pesquisados após a

reabilitação. Identifica-se outra relação, com o tempo de trabalho.“Na sociedade capitalista

madura, todo o tempo deve ser consumido, negociado, utilizado, é uma ofensa que a força de

trabalho meramente passe ‘o tempo‘”. (THOMPSOM, 1998, p. 298)

19

Reportagem no jornal Gazeta de Piracicaba, de 4 de agosto de 2013. Intitulada: Arte de Produzir Vida: Cerca

de 40 Pacientes de Serviços da Saúde Mental Aprendem a Fazer Artesanatos.

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141

Agora, fica aqui parada, você senta aqui, olha o relógio, é vinte para as dez. Aí, fico

aqui, olho e pego mais alguma coisa, mais uma vez olho para o relógio, é cinco

para as dez. E agora, se você pega um lugar para trabalhar, que tem movimento,

você não vê a hora passar. Porque às vezes entrava para trabalhar. Você olhava e

falava: Nossa, mas já, então nem vê. Quando vê, já foi e a hora passou. E aqui não

tem como. A hora não passa, então, isso incomoda, ah, incomoda, como incomoda.

Mas fazer o quê? Não tem o que ser feito. Então é complicado. (Merendeira – 14,

depoimento colhido em outubro de 2012).

Todavia, porque essa contradição, em relação ao tempo de trabalho no serviço público,

observado antes e após a reabilitação? Será que o trabalhador, ao passar pelo processo de

reabilitação, deixa de representar uma força produtiva na gestão pública, onde se espelha o

sistema capitalista? Assim, o seu tempo do trabalho não apresenta mais tanto valor, após a

reabilitação.

3.6.1 O preconceito em relação ao trabalhador que passou pelo processo de reabilitação

Um elemento presente no cotidiano das entrevistadas que teve destaque em suas falas

foi o preconceito. Heller (2008, p. 63) o define como “(...) uma categoria do pensamento e do

comportamento cotidianos”. A Monitora – 14 aponta que o nome reabilitado já traz um

preconceito para as pessoas,

Tem sim. Eu não gosto de dizer, eu não gosto de dizer que eu estou readaptada. Eu

não estou readaptada. Eu penso ser adaptada ou reabilitada. E nem reabilitado eu

acho um termo legal. Eu fico pensando que o outro, as outras pessoas, as pessoas

têm tido sempre esse preconceito, o termo ainda é estigmatizado, ainda é, mesmo a

palavra reabilitado, é um pouco menos pesada, que a palavra readaptado. Eu acho

melhor adaptada, melhor porque acho que você está adaptando ao novo trabalho.

(Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

Também indicam sofrer outros tipos de preconceito, nos ambiente de trabalho. Eu

encontrei aqui preconceito de idade. E não é porque tenho mais tempo de serviço,

experiência, não conta isso, para as pessoas. Parece que conta a idade que você tem.

(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012). Também nas atividades

desenvolvidas diariamente expressa-se o preconceito dos colegas de trabalho: (...). Eu pedi

uma informação para ele fazer um trabalho e ele foi agressivo comigo. Caramba. Eu sou

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142

igual. Eu trato ele igual não faço diferença. (Professora -5, depoimento colhido em outubro

de 2012). Essa frase também nos remete ao conceito do sofrimento ético-político existente nas

dinâmicas de trabalho.

Assim, revelam-se os momentos de resistência e luta contra os preconceitos nos

ambiente de trabalho. Na área de pessoas com necessidades especiais é que a gente acaba

ficando enquadrado e ainda existe um preconceito muito grande. Principalmente porque eu

sou reabilitada (...). Então, até a gente achar o espaço. (Professora – 10, depoimento colhido

em outubro de 2012).

O relato da professora – 10 traz a questão dos direitos conquistados por adquirem uma

incapacidade laboral permanente, que culmine em uma deficiência. Parece que tudo está

maravilhoso, são tantas conquistas, tem lugar especial para estacionar, tem direito disso,

daquilo, mas na prática eu não vejo isso, vejo o preconceito. (Professora – 10, depoimento

colhido em outubro de 2012). Assim, através das narrativas, percebe-se como diferentes

sujeitos expressam a questão do preconceito e lidam com isso no dia a dia, através de

comportamentos que expressam o modo de vida a partir de suas experiências. Mas, para mim,

nada a ver, eu passo por cima, por que eu continuo do mesmo jeito, eu passeio, viajo, eu

trabalho, eu brinco, eu trabalho sério. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de

2012).

Enfim, como afirma Heller (2008, p. 85): “O preconceito, portanto, reduz as

alternativas do indivíduo. Mas o próprio preconceito é, em maior ou menor medida, objeto da

alternativa”. O preconceito no trabalho adquire uma forma hierárquica, quando há um sentido

de dominação por parte daqueles que se sentem superiores, por estarem em uma condição de

saúde melhor e/ou mesmo por exercerem uma função de reconhecimento no ambiente de

trabalho.

Nesse sentido, segundo Heller (2008, p. 85), “por mais difundido e universal que seja

o preconceito é, ao mesmo tempo, a escolha de um caminho fácil no lugar do difícil”, mas que

pode vir a acontecer, dependendo do contexto em que estiver inserido e da criação de

alternativas para que ocorra “ (...) o ‘descontrole’ do particular-individual, a fuga diante dos

verdadeiros conflitos morais, tornando a firmeza algo supérfluo”.

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143

3.7 Reabilitar ou Aposentar: A Visão de Quem Adoeceu

A reabilitação é um processo que ocorre quando o trabalhador, por motivo de doença

ou limitação, se vê impossibilitado de permanecer executando a mesma função, e para isso

precisa ser reabilitado, superar as questões de perdas e se recolocar novamente no mercado de

trabalho. O processo envolve descobertas de novas habilidades e competências, e a

intervenção social norteia-se na busca de novas condições de trabalho, considerando as

expectativas do sujeito, procurando apoiá-lo na reconstrução de sua identidade profissional,

respeitando-o como trabalhador, como cidadão e facilitando sua inserção laboral.

Como os estudos relacionados ao trabalho indicam várias perspectivas, nesse sentido,

o processo de reabilitação também aponta vários sentidos, a partir do significado do trabalho

para os sujeitos, seja pela importância com a possibilidade de retorno habitual da vida laboral

ou a importância do não trabalho, como a possibilidade de aposentar-se, dedicando-se a outras

atividades. De acordo com Antunes (2005, p. 124), “uma vida cheia de sentido em todas as

esferas do ser social somente poderá efetivar-se através da demolição das barreiras existentes

entre tempo de trabalho e tempo de não trabalho”.

A reabilitação é a única alternativa possível de inserção laboral antes da aposentadoria

por invalidez, que é indicada quando da impossibilidade de reabilitação.

Ao perguntar, aos nove sujeitos, sobre a possibilidade da aposentadoria por invalidez,

posicionaram-se de diferentes formas, expressando indignação, surpresa, resistência,

motivação e negação. Assim, “consciência, atividade e afetividade se encadeiam e se

determinam, reciprocamente (...)”. (SAWAIA, 2006, p.167).

A seguir, estão expressas as respostas, em dois momentos: o primeiro relaciona-se às

frases que revelam a não aceitação da possibilidade de aposentadoria por invalidez; e o

segundo revela outro significado da aposentadoria por invalidez como uma boa alternativa, a

partir do contexto de experiências dos sujeitos em suas trajetórias de vida.

Assim, apresentam-se, no primeiro momento, as frases que expressam não aceitar a

possibilidade de aposentar-se por invalidez, como referem quatro dos nove sujeitos

entrevistados.

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144

Nunca, nunca mesmo. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

Aposentar, aposentadoria para ficar fazendo o quê? Ficar em casa para mim não

tem sentido.(...) A aposentadoria não é o melhor caminho, principalmente por

invalidez. Quando começo a falar sobre isso, vejo a idoneidade, não é possível, ser

aposentada por invalidez. (Professora – 10, depoimento colhido em outubro de

2012).

Não, não, nunca passou isso. Nunca passou. (Merendeira – 7, depoimento colhido

em outubro de 2012).

Perde... perde... aposentadoria... perde. (Merendeira – 14, depoimento colhido em

outubro de 2012).

No segundo momento, a maioria dos sujeitos, ou seja, cinco, dos entrevistados,

acreditam que a aposentadoria por invalidez é uma boa possibilidade.

Sinceramente, eu aceitaria de bom grado, porque, mesmo vindo aqui, para não

fazer nada é complicado. Eu só não fico afastada porque eu estou deprimida

também, por causa dessas dificuldades, de humilhação. (Merendeira – 16,

depoimento colhido em outubro de 2012).

Pensei, sim, porque eu achei que não fosse conseguir trabalhar. (Monitora – 20,

depoimento colhido em outubro de 2012).

Eu estou procurando saber direitos sobre isso, eu não quero perder, porque, afinal

de contas, o muito, ou não, eu sarei. (Professora – 5, depoimento colhido em

outubro de 2012).

Já pensei, já. E se fosse, nossa, para mim seria muito bom. (...) Eu precisaria, nesse

sentido, ter mais tempo (...). Eu já pensei em ter uma aposentadoria por invalidez.

Também já pensei na questão da minha saúde, para não esperar uma

aposentadoria. Esperar chegar a aposentadoria e não ter mais como utilizar essa

aposentadoria, por estar mais assim, sabe, sem vida, sem força para nada. Então,

eu gostaria de aposentar por invalidez, para poder desfrutar um pouquinho daquilo

que sobrou. (Monitora – 19, depoimento colhido em novembro de 2012).

É, se eu aposentasse por invalidez, eu ia administrar a vida com menos estresse, eu

acredito que, para mim, seria melhor, já que profissionalmente hoje eu não vejo

nenhuma expectativa dentro da educação para mim. (...), não sei... mas já que não

tenho nenhuma perspectiva de crescimento e o resto da vida está muito complicado,

então, seria eu ter me aposentado mesmo. (...) mas ainda hoje eu penso, por isso,

porque eu acho, que o meu profissional está muito limitado, dentro do que eu faço

(...) (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).

A reportagem do Jornal de Piracicaba, de 23 de abril de 2013, intitulada: Previdência

Pagou R$ 22,1 Milhões em 201320

, traz em pauta o assunto da aposentadoria por invalidez.

Mostra que o gasto da Previdência Social, na cidade de Piracicaba, com aposentadorias por

20

Reportagem no Jornal de Piracicaba, de 23 de abril de 2013, intitulada: Previdência Pagou R$ 22,1 Milhões

em 2013.

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145

invalidez, de janeiro a março de 2013, aumentou 14,5%, em relação ao primeiro trimestre de

2012. (JORNAL DE PIRACICABA, 2012, p. A10). Ilustra a reportagem a história de Isa

Mustafa, de 56 anos, um trabalhador do serviço público municipal que passou pelo processo

de reabilitação, ao interromper suas atividades profissionais em 2010. Diz a reportagem:

“Fiquei cego de um olho e não podia mais enxergar a minha função na prefeitura”,

contou. Mustafa trabalhou durante 15 anos como operador de empilhadeira de um

armazém destinado a serviços de merenda escolar no município. Antes de dar

entrada na aposentadoria por invalidez, houve uma tentativa de readaptação.

“Tentaram me colocar em outro setor, como ascensorista de elevador, mas logo na

sequência tive um infarto e, assim que voltei da cirurgia, me aposentei”, disse ele,

que hoje tem apenas 30% da visão. Mustafa se aposentou pelo Ipasp (Instituto de

Previdência e Assistência Social dos Funcionários Municipais de Piracicaba), que

contabiliza 1.209 servidores municipais e contratados pelo regime estatutário

aposentados, sendo 166 casos em razão de invalidez. (JORNAL DE PIRACICABA,

2013, p. A10).

A reportagem traz elementos importantes para reflexão sobre a aposentadoria por

invalidez, como os números que vêm aumentando e o destaque dado ao adoecimento do

trabalhador no serviço público e o elevado gasto do governo com a aposentadoria por

invalidez. Outra reportagem que traz referência ao tema foi apresentada no jornal Folha de S.

Paulo, em 22 de agosto de 2012, intitulada: Aposentadoria por Invalidez Entra na Mira21

.

Complementa a reflexão sobre o olhar do governo para a aposentadoria por invalidez,

pelo aspecto econômico. Na reportagem, indicam a reabilitação como uma forma de reduzir

os gastos com as aposentadorias por invalidez. “Previdência planeja reabilitar trabalhador do

setor privado e reduzir gastos que chegam a 18,7% dos benefícios” (FOLHA DE S. PAULO,

2012, B1).

O assunto da reportagem é muito coerente com a ideologia que caracteriza os modelos

de gestão capitalista contemporâneo. Diz a reportagem:

O governo quer reduzir o número de aposentadorias por invalidez pagas pela

Previdência Social e prepara um programa para reabilitar trabalhadores do setor

privado.

Com o pagamento desses benefícios, a Previdência gasta R$ 60 bilhões por ano,

atualmente pagos a 3,2 milhões de pessoas. A meta é economizar R$ 25 milhões

com trabalhadores reabilitados.

21

Reportagem no jornal Folha de S. Paulo, em 22 de agosto de 2012, intitulada: Aposentadoria por Invalidez

Entra na Mira.

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146

As estatísticas do Ministério da Previdência mostram que atualmente 18,7% dos

benefícios concedidos são referentes a aposentadorias por invalidez.

Na avaliação do governo o limite aceitável para esses casos seria de 10%.

“A aposentadoria por invalidez está entre os maiores ralos da Previdência” disse a

Folha o ministro da pasta, Garibaldi Alves.

Um grupo interministerial trabalha na mudança do modelo de reabilitação. (FOLHA

DE S. PAULO, 2012, B1).

A aposentadora por invalidez é consequência de adoecimento ou acidente, assim, não é

simplesmente uma escolha feita pelo trabalhador. A ideia de diminuir a aposentadoria por

invalidez, entendendo como uma solução preparar melhor um programa para reabilitar, oculta

a raiz do problema, que são os trabalhadores adoecidos pela precariedade dos processos de

trabalho.

Neste sentido, Alves (2013, p. 129) contribui para a reflexão apontando que

(...) não é o trabalho como atividade profissional ou atividade laborativa

propriamente dita que faz adoecer o homem que trabalha, mas sim o capital como

relação estranhada. Primeiro, oculta-se a dimensão social da miséria humana que o

adoecimento e as doenças do trabalho explicitam. Oculta-se o nexo causal efetivo

entre o trabalho da doença e a doença do trabalho. Depois, culpabiliza-se a vítima

pela sua desgraça humana. Eis a dupla perversidade da ordem burguesa: ocultar e

imputar culpa às vítimas. A ideologia da doença do trabalho é enquadrada como caso

clínico e não como produto social do mundo dessocializado do capital.

O governo apresenta como meta reduzir o número de aposentadorias por invalidez

aumentando o número de reabilitações. Aponta-se, na reportagem, que o limite aceitável para

a aposentadoria por invalidez seria de 10%. E qual seria o limite aceitável de acidentes e

adoecimentos dos trabalhadores, que ocorrem em consequência da precarização dos processos

de trabalho? Assim, deve-se buscar “(...) dar visibilidade ao processo trabalho/saúde/doença,

construir dados epidemiológicos que permitam estruturar, organizar e praticar a saúde do

trabalhador como política pública”. (LOURENÇO; BERTANI, 2010, p.100).

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3.8 Momentos Coletivos no Espaço do Grupo Focal: Estratégias de Resistências para

Manter-se Enquanto Trabalhador

A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história

e, ao final, esta é sua única definição (...).

(THOMPSOM apud MOURA; SILVA, 1995, p.81)

O espaço de discussão do grupo focal foi um momento tão importante da pesquisa que

faz-se necessário retomar sua metodologia a fim de melhor esclarecer essa passagem. Foi o

momento em que a pesquisadora reencontrou os sujeitos da história oral, que “não eram mais

os mesmos sujeitos”, pois, após ler suas histórias profissionais, já havia proximidade e

vínculos de confiança e afetividade estabelecidos entre as partes.

Por meio de contato pessoal, para cada sujeito que participou da pesquisa qualitativa,

apresentou-se a metodologia do grupo focal e o convite para a participação. O convite foi

feito aos nove entrevistados, porém, no dia do grupo compareceram cinco sujeitos, sendo três

professoras, uma monitora e uma merendeira. A impressão da pesquisadora foi que, para as

professoras, o grupo representava uma forma de iniciar a discussão técnica com possibilidades

de ser produtiva na questão da reinvidicação de direitos para a categoria, assim, ao receberem

o convite, demonstraram intusiasmo em participar.

Das monitoras, duas confirmaram a presença e uma não confirmou por estar com

problema de saúde. No dia do grupo, apenas uma compareceu e a outra não justificou a

ausência. Em relação às merendeiras, duas confirmaram a presença e uma não confirmou por

problemas familiares. No dia do grupo, apenas uma compareceu e a outra não justificou a

ausência.

O ambiente foi preparado a fim de proporcionar adequada aproximação dos sujeitos,

com as cadeiras dispostas em círculo e apresentado um Power Point sobre o assunto22

.

O objetivo foi dar um retorno sobre as entrevistas individuais e aos sujeitos a

oportunidade de expor novas ideias, levantar e identificar problemas, experiências e

percepções relacionadas ao tema. Primeiramente, foi oferecido um café e solicitado que

aguardassem, até o horário combinado, o início da apresentação.

22

Anexo C – Apresentação em Power Point utilizada durante o grupo focal.

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O clima foi bem propício e logo começaram a interagir. O grupo não se conhecia, mas,

por viver questões semelhantes, iniciou-se um diálogo rapidamente. A conversa envolveu o

cotidiano do trabalho do professor: (...) nossa, que situação difícil que, às vezes, os alunos

passam, né, eles até que são bons demais. Pense, trabalhamos no dia a dia com 28 crianças

por classe, envolvendo 28 famílias e 28 contextos de vida. (Professora – 6, depoimento

colhido grupo focal em março de 2013). Continuando, a Professora – 5 assim relata os novos

arranjos familiares: Hoje, tem pai, mãe, avó, a família de hoje não tem só o aluno na sala de

aula, de 30 problemas, você tem 90, ou avó que cuida (Professora – 5, depoimento colhido

grupo focal em março de 2013)

E, de forma descontraída, foram contando sobre o cotidiano do trabalho. Sabe, desde

que eu comecei a trabalhar na Secretaria da Educação, comecei com uma tosse que poderia

ser emocional ou alérgica, tenho que aprender a lidar com isso. (Professora – 5, depoimento

colhido grupo focal em março de 2013). A professora conta sobre os primeiros dias na nova

função e das estratégias de resistências e enfrentamentos emocionais para continuar a

trabalhar. No trabalho, quando a gente fica em um escritório, o café acaba sendo uma fuga

para parar um pouco e na escola também acaba sendo assim. (Professora – 5, depoimento

colhido grupo focal em março de 2013).

Também relatam um sentimento coletivo: É depois que a gente passa do outro lado, a

gente se sente assim uma pessoa sem valor nenhum.(Monitora – 19, depoimento colhido

grupo focal em março de 2013). Para a Monitora – 19, o outro lado significa após a

reabilitação. Tudo o que a gente fez, a gente estudou programou para seguir um caminho, foi

forçado e parou ali, aí você pula para o outro lado e fica aí como uma pessoa que está

apenas cumprindo o tempo. Quando dá o seu tempo, você aposenta. (Monitora – 19,

depoimento colhido grupo focal em março de 2013). A Professora – 6 complementa

apresentando um olhar crítico em relação ao sistema capitalista: É o sistema que nos coloca

assim. (Professora – 6, depoimento colhido grupo focal em março de 2013) e a Monitora - 19

continua:

A gente é assim um tipo tapa-buraco, se vai ali, se sabe fazer. Quando você começa

a engrenar naquilo ali, tira dali e coloca em outro lugar; é assim o processo, é

somente no momento em que eles precisam. Você não faz parte da equipe.

(Monitora – 19, depoimento colhido grupo focal em março de 2013).

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149

Demonstra a dificuldade em aceitar a nova condição laboral, a falta de apoio dos

demais colegas de trabalho, o individualismo, características presentes nas dinâmicas de

trabalho que levam ao sofrimento. Sofrimento que já foi vivenciado pelos sujeitos da

pesquisa, levando-os a um processo de adoecimento, o qual não querem novamente vivenciar,

e assim buscam novas formas de resistência.

Complicado, a gente sai de uma função e vai para outra, você se envolve com gente

diferente, trabalha diferente. Eu, no meu caso, sinto que ainda não fui aceita, embora

o trabalho que eu faça seja importante, metade do trabalho de lá depende do meu,

mas eu sempre ouço aquelas frases: Você poderia fazer melhor! Eu vou dar isso para

você saber mais. Você tem capacidade para muito mais. Faz-se isso para mim hoje.

Quer dizer, não está aceitando, parece que aceita você estar presente, mas não aceita

na equipe.

É muito pior a aceitação das pessoas, com a gente, do que nós com nossos problemas.

Quando você percebe que a pessoa não está aceitando, que seu superior não está

aceitando como você é, na equipe, ou tão melhor que dar coisinhas para você fazer.

(Professora – 5, depoimento colhido grupo focal em março de 2013).

No momento da discussão no grupo, as demais também passam a expressar como se

sentem: A gente se diminui (Monitora – 19, depoimento colhido grupo focal em março de

2013); Eu acho que a ideia é até essa: que a gente não fique contente no lugar que está e

tente algum outro. (Professora – 5, depoimento colhido grupo focal em março de 2013).

Aponta, a Professora – 5, que também é uma estratégia dos colegas de trabalho criar situações

para forçar um pedido de transferência do trabalhador.

Daí você é rebelde, malvista e nada está bom. Onde eu trabalho, eu me sinto

tampando buraco. Todos os documentos que tem para fazer, sou eu que digito, tive

que apreender sozinha a digitar o documento, nunca veio ninguém para me dizer:

Você faz assim ou assado, nunca. Mas eu faço, mando e pronto. Quando alguém da

Secretaria liga no espaço e pede para falar com fulano e fulano não está, não fala o

assunto comigo, se ela não está, coisas banais, que poderiam ser comigo, mas não

falam, ignoram. (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo focal em março de

2013).

O relato supra é um exemplo de que as pequenas atitudes, como não confiar um

recado, já causa sofrimento e reforça o sentimento de sentir-se inútil; assim, apresentam suas

estratégias para resistir, ou se acomodar e aceitar a situação. Hoje eu estou empurrando com a

barriga. (Professora - 5), e relata que aguarda a aposentadoria.

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Falta muito tempo para mim, três ou quatro anos, mas para mim tanto faz, saio

para olhar as paisagens, dou voltinhas, vou embora, se tenho compromisso, vou

cumprir, mas acho um absurdo, tenho sete anos lá, e uma simples pergunta não

podem se dirigir a mim, acho muito esquisito; eu, pessoalmente, não me incomodo

mais, dou risada, mas sei que, para muitas pessoas, isso é um entrave, já não estou

nem aí mesmo, com mais nada, em absoluto. (Merendeira – 16, depoimento colhido

grupo focal em março de 2013).

Durante o grupo, foram expressas as estratégias utilizadas pelas trabalhadoras do

serviço público para continuar a trabalhar sem adoecer novamente Hoje você conquistou esse,

nem aí, depois de sete anos, a gente tem que ter uma defesa própria, né. (Merendeira – 16,

depoimento colhido grupo focal em março de 2013). Estratégias que caracterizam o tipo de

trabalho desenvolvido no serviço público. Eu optei pelo não to nem aí. Eu recebo todo mês e

trabalho normalmente todo mês, é difícil, é difícil chegar lá no to nem aí, foi difícil, eu sofri

muito para chegar no to nem aí. (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo focal em março

de 2013).

O relato de Merendeira - 16 faz com que a Professora – 10 também se sinta à vontade

para expressar seu sentimento no grupo.

É tipo assim, tem vezes, que até comento em casa, mas se é servidora pública,

trabalha na prefeitura, as pessoas pensam que tem que aguentar tudo, mas não é

tão simples ser uma servidora pública. Quando eu comecei minha faculdade, eu

tinha um objetivo, uma trajetória e, de repente, tudo isso caiu por terra e aí, o que

eu faço, por onde eu começo, como eu faço. Pera aí, você vai lá e faz seu trabalho e

pronto, acabou, é simples. Tenho uma formação, saí do espaço da escola, no

começo, senti culpa de não sentir falta da escola, depois, não queria encontrar

ninguém. (Professora – 10, depoimento colhido grupo focal em março de 2013).

Eu não me sentia mais capaz, com a equipe de reabilitação, vi que era capaz, tinha

medo, durante a reabilitação, de não ser capaz. Tive problemas com benefícios, a

partir da reabilitação minha secretaria não reconheceu meu Fundeb, por não

exercer a função de professora, não reconheceu esse direito, tive que ir atrás de

advogado, passar por audiência, foi muito ruim, esse processo me abalou muito, no

dia da audiência fiquei muito nervosa, eu processar da onde tiro meu pão, ganhei o

processo, mais foi bem desgastante para minha saúde. (Professora – 6, depoimento

colhido grupo focal em março de 2013).

Durante a discussão, afloram-se sentimentos vivenciados durante o processo de

reabilitação, sentir-se culpada, sentir-se inútil, entre outros mencionados no decorrer da

pesquisa expressam a identidade de alienação influenciada por um sistema capitalista que faz

com que os trabalhadores que adoeceram sintam-se culpados de seu adoecimento, próprio da

ideologia capitalista vigente.

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151

O trabalhador, ao não se sentir reconhecido na função que exerce, acaba por criar e

manter estratégias para conseguir manter-se como trabalhador, mesmo sem a construção de

um vínculo com a atual função, pós-reabilitação, e procura alternativas. Esse ponto ficou

evidente nas falas no grupo. As estratégias de cada sujeito para manter-se como trabalhador na

sociedade contemporânea, estratégias que as mesmas nomearam como to nem aí, frase que a

Merendeira – 16 utiliza sempre que a ignoram no trabalho. Pensa, nesse momento, que

receberá seu salário no final do mês do mesmo jeito, então, tenta não se aborrecer, mas

expressa o sentimento de sofrimento, ao relatar seu cotidiano vazio de significado, de que tem

pouca utilidade no local em que está e fica a maior parte do tempo sozinha. Na primeira

entrevista, chorou muito, ao relatar seus dias de trabalho, e durante o grupo agiu com ironia,

ao falar do seu cotidiano. Outro sujeito expõe que sua estratégia de resistência é viver um dia

de cada vez e evita, assim, pensar que, no dia seguinte, tudo será da mesma forma, tentando se

conformar com o hoje, que é passageiro.

A frase empurrando com a barriga (Professora – 5, depoimento colhido grupo focal

em março de 2013) é uma expressão dos sujeitos que não se sentem adequados na função que

exercem, mas contam os dias, meses e anos para aposentar-se. Essa é a única perspectiva

positiva relatada no grupo em relação ao trabalho para garantir a subsistência.

No grupo, aponta-se uma exceção relacionada à pós-reabilitação, em comparação aos

sujeitos da pesquisa presentes. Um sujeito expôs no grupo que se sente útil e tem perspectivas

de obter novas conquistas profissionais. O que o diferencia dos demais é que esse sujeito,

após concluir o processo de reabilitação, permaneceu no mesmo ambiente de trabalho e em

uma função na qual preserva suas competências e habilidades vinculadas ao seu cargo de

origem e da sua profissão.

Relata sentir-se útil e que (...) é importante exercer um trabalho na área da educação,

eu não quero ficar doente novamente (Merendeira – 16, depoimento colhido em grupo focal

em março de 2013).

Os sujeitos, durante a discussão do grupo, revelaram ter conhecimento do processo da

reabilitação e ciência de que, posteriormente às reabilitações, dificilmente conseguiriam

mudar novamente de função, por tratar-se de funções determinadas com o objetivo de evitar

agravos à saúde e, para modificá-las, seria necessário um novo processo de adaptação e/ou

reabilitação, e partir do princípio de uma indicação médica para tal procedimento.

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Chama-se a atenção para o relato da Professora – 6 que, após a reabilitação, continuou

em função parecida com a de assistente de pedagogia, tornando mais fácil reconstruir sua

identidade profissional, devido manter-se na área da educação, e conseguir criar estratégias de

resistências sobre o sentimento de não ser mais útil. O fato de conhecer bem a área em que

atua ajuda a buscar novos desafios profissionais. O povo nem sabe o que faz com a gente,

pessoas falam que não fazemos nada. Mas eu consegui ver que tem bastante coisa para fazer

na escola e continuar a se sentir útil. (Professora – 6, depoimento colhido grupo focal em

março de 2013).

Assim, o grupo continua a expressar suas estratégias: Meu lema é viver um dia de cada

vez (Professora – 10, depoimento colhido grupo focal em março de 2013). A Professora - 10

fala que estudou os 12 passos dos Alcoólatras Anônimos (AA). Trata-se um grupo de ajuda

que usa uma metodologia de passos para que o dependente químico fique longe das bebidas

alcoólicas. Utiliza o lema Viver um Dia de Cada Vez, evitando a bebida no dia de hoje. Essa

também foi uma estratégia apresentada.

Também chamam a atenção para outros assuntos, como a importância de verificar o

lado humano: É preciso ver o lado humano (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo

focal em março de 2013); Falta o olhar humano do médico (Merendeira – 16, depoimento

colhido grupo focal em março de 2013). Também relatam características do serviço público:

Tudo muito devagar (Monitora – 19, depoimento colhido grupo focal em março de 2013); Eu

sinto que poderia ser útil, mas fui desperdiçada (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo

focal em março de 2013). Assim expressam o medo de adoecer novamente: Eu não quero

ficar doente novamente. Não quero mais sofrer. (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo

focal em março de 2013).

O interessante, nessas falas, são as estratégias que cada sujeito encontrou, após a

reabilitação, para continuar a trabalhar sem adoecer: To nem aí e Viver um dia de cada vez,

expressam bem essa questão. Apenas uma delas sentiu-se bem, pois ficou vinculada à área de

Pedagogia e permaneceu no mesmo local de trabalho. Com as próprias palavras dos sujeitos,

finalizamos estas considerações, evidenciando a relação dos sujeitos com o trabalho no

serviço público.

Nesse meio provêm relações humanas, dia a dia se constroem relações, pena

que eu, a cada dia, estou menos envolvida possível com o trabalho.

(Monitora – 19, depoimento colhido em grupo focal em março de 2013).

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153

Minha secretaria tinha que reconhecer o meu trabalho, que coisa chata não

ser reconhecida, como ser humano e contribuinte teria direito a ser

reconhecida. (Merendeira – 16, depoimento colhido em grupo focal em

março de 2013)

Com esse movimento da reabilitação, colhem-se experiências para escolher

um caminho melhor. (Professora – 6, depoimento colhido em grupo focal em

março de 2013).

O momento do grupo com os trabalhadores quando discutiram seus interesses e

desafios nas relações de trabalho no serviço público e a luta para não adoecer e preservar-se

enquanto trabalhador após a reabilitação propiciou entender como se dá a relação por classe,

que é definida por Thompson (apud MOURA; SILVA, 1995, p.81), “A classe acontece

quando alguns homens, como resultados de experiências comuns (herdadas ou partilhadas),

sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens, cujos

interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus (...)”.

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154

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fiquei feliz quando soube do seu estudo, porque toma um rumo diferente daquilo

que precisa ser mudado. A partir do momento que tiver uma argumentação forte,

fundamentada, de algumas coisas que precisam ser revistas, nada melhor do que o

estudo, cientificamente, metodologicamente, estruturar alguma coisa que fica bem

fundamentado, não sei suas conclusões, só sei que é importante alguém que tenha

um olhar voltado para esse lado humano.

(Professora – 6, depoimento colhido em grupo focal em março de 2013)

Ao adentrar as Considerações Finais, chega-se à reflexão acreditada, que é a

perspectiva da reabilitação como possibilidade de reconstrução das identidades profissionais.

Contudo, respaldada nos retornos construídos por meio da participação dos sujeitos da

pesquisa, da literatura evidenciada com análises documentais e bibliográficas, e ao utilizar

caminhos metodológicos pelos quais foi possível percorrer a pesquisa e focar a questão

incipiente do estudo, temos a certeza da propositura de continuidade do tema aqui

engendrado.

A discussão proposta instiga muitas reflexões. Os vários autores analisados levaram-

nos a explorar pontos, por vezes, contraditórios, envolvendo as categorias principais de

análise: trabalho, identidade e reabilitação profissional, trazendo momentos de desafios e

descobertas na construção da pesquisa.

Deste modo, no movimento de idas e vindas, traçamos um caminho para discussão do

objeto de estudo. Ainda não são tão presentes, na área do Serviço Social, estudos sobre

reabilitação profissional, por isso, evidencia-se um começo em que se propõe a abertura de

novos estudos e caminhos para o aprofundamento teórico e, mais do que isso, uma busca, com

o aprofundamento dos estudos, de propor soluções que provoquem impactos nas relações e

inter-relações dos trabalhadores do serviço público.

A população idosa aumentou consideravelmente, como apontam os dados do IBGE

(2010): “No período de 1999 a 2009, o peso relativo dos idosos (60 anos ou mais de idade) no

conjunto da população passou de 9,1% para 11,3%” e a perspectiva é de crescimento,

pensando na lógica da Previdência Social em retardar as aposentadorias, teremos um grande

número de trabalhadores idosos no mercado de trabalho. Faz-se necessário pensar na

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construção de novas formas de integração com o trabalho, que atendam às demandas

contemporâneas.

As doenças relacionadas ao envelhecimento ocasionam limitações ocupacionais, e esse

contingente de pessoas estará vulnerável ao processo de reabilitação. Nesse sentido, é

importante refletir que, além das doenças relacionadas ao trabalho, também se convive com o

adoecimento relacionado ao envelhecimento. O presente estudo preocupou-se em tratar a

relação do adoecimento pelo trabalho, mais sem excluir outras possibilidades do adoecimento

que também se fazem importantes no contexto da reabilitação profissional.

Entendemos que a reabilitação profissional não é direcionada apenas para um grupo

predeterminado, uma vez que qualquer pessoa pode vir a adquirir algum tipo de incapacidade

para o trabalho e se tornar sujeito no processo.

Ao pesquisar os fatores que levaram à reabilitação profissional, se faz primordial

relacioná-lo ao adoecimento e à perda da capacidade laboral. Assim, a pesquisa trouxe um

pouco desses elementos que indicam a necessidade de prevenir essas doenças, que foram

reveladas, com a análise dos processos de trabalho, pelas vozes dos sujeitos da pesquisa.

Nesse sentido, mostrou-se relevante um olhar histórico sobre a trajetória profissional dos

trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação.

Ao mesmo tempo, com sucessivas aproximações, procurou-se discutir a reabilitação

profissional sem perder de vista a precarização do trabalho e os riscos de agravos à saúde do

trabalhador que levaram ao adoecimento. Esquivando-se da ideia de enaltecer o processo de

reabilitação, mas validando um olhar para a reabilitação como possibilidade de reconstrução

de identidades profissionais e de inserção laboral.

A valorização do lado humano, nos processos de reabilitação, foi evidenciada como

um anseio dos sujeitos de pesquisa, que demonstraram sentir essa ausência nas práticas

contemporâneas na área de reabilitação profissional. Outro ponto em comum, que merece

destaque nas situações dos nove sujeitos pesquisados, é que todos têm uma trajetória

profissional anterior à reabilitação, em que foram demonstrados alguns sinais do adoecimento,

ou seja, a incapacidade profissional não surgiu de repente, mas no decorrer de anos de

trabalho. Assim, a atenção não deve compor somente o processo de reabilitação, mas ser

anterior a ele e indicamos a necessidade de fomentar intervenções profissionais que propiciem

momentos de escuta para os trabalhadores, paras que consigam se fortalecer como sujeitos

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políticos, entendendo melhor sua posição como trabalhador e suas possibilidades dentro do

processo.

A metodologia dialética utilizada no presente trabalho permitiu perceber certas

contradições do trabalhador no serviço público, ao mesmo tempo em que circula no

imaginário da sociedade contemporânea e nas mídias a ideia de que o funcionário público é

uma pessoa do bem, um representante do governo, pontual, correto e lutador, também vimos a

outra imagem, como o preguiçoso, negligente, malformado, desmotivado e acomodado.

Exemplo midiático está contido em série exibida na Rede Globo: A Grande Família23

,

na qual convivem dois personagens que trabalham na mesma repartição pública: Lineu, que é

o coitado, servidor público com baixo salário, pontual, trabalhador, trava luta cotidiana para

manter as condições financeiras de sua família, e é a única renda estável da casa; e Mendonça,

seu chefe, um servidor público que não quer trabalhar, é desonesto, preguiçoso, mas é

valorizado, pois tem uma função de chefe de departamento superior à do Lineu.

Assim, reflete que a valorização profissional no serviço público nem sempre é

consequência de conquistas do trabalhador, mas envolve uma complexa teia de relações

contraditórias no cotidiano de trabalho. Nem sempre aquele trabalhador que se destaca

profissionalmente, ou tem adequada qualificação profissional, terá melhor função o que vai

depender do contexto de trabalho e do jogo de forças políticas. É preciso mudar essas relações

construídas no serviço público, criar mecanismos para essas mudanças, e uma forma que tem

sido buscada pelos servidores municipais é a criação de um Plano de Carreiras que tenha

procedimentos transparentes e que sua elaboração conte com a participação dos trabalhadores

e vincule-se às lutas de classe.

Observa-se que, em relação aos trabalhadores que concluíram o processo de

reabilitação profissional, também há uma contradição, ao conviverem com outros

trabalhadores que os percebem como lutadores, vítimas, guerreiros, por superar sua

incapacidade funcional e continuar trabalhando; enquanto outros os olham como inúteis,

aproveitadores, acomodados e não acreditam na incapacidade adquirida, ou seja, não

acreditam que realmente sofreram um processo de adoecimento. Nesse sentindo, também há

um déficit na legislação direcionada à proteção dos trabalhadores que adoecem, a fim de

garantir que sejam preservados alguns direitos, como, por exemplo, além do salário, manter os

demais benefícios inerentes ao cargo que exerciam antes do adoecimento, evitando os

23

Serie global da categoria comédia intitulada: A Grande Família.

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impactos financeiros na vida desses trabalhadores. Assim, é preciso olhá-los como sujeitos de

direitos, favorecer o fortalecimento como sujeitos políticos, dar visibilidade como

trabalhadores.

A contribuição fundamental na discussão sobre a identidade profissional,

reconhecendo o papel central do trabalho enquanto um sentido de vida, incitou novas

reflexões sobre as relações do homem com o trabalho e as novas formas de enfrentamento

desses sujeitos para manter-se no mercado de trabalho, apesar da fragilidade apresentada

devido ao adoecimento e/ou acidente que levaram a restrições de suas atividades e/ou

incapacidades laborais.

A metodologia da pesquisa nos possibilitou a indicação dos três cargos distintos dos

sujeitos de pesquisa: merendeiro, monitor de CEC e professor de Educação Infantil, através

do levantamento quantitativo do universo de 82 servidores que indicou os três cargos como os

que representaram a maior incidência de adoecimento que levou à reabilitação no período

pesquisado. Verificou-se que todos os sujeitos eram originários da Secretaria Municipal da

Educação, a maior em número de trabalhadores, que foram indicados para o processo de

reabilitação da Prefeitura de Piracicaba no período estudado.

O estudo permitiu desenhar um perfil do servidor público municipal, no período

pesquisado. Majoritariamente, os trabalhadores do serviço público são do sexo feminino,

concentrados, em sua maioria, na faixa etária de 30 a 49 anos, características que se refletem

nos trabalhadores que concluíram o processo de reabilitação profissional, também

constituídos, majoritariamente, por pessoas do sexo feminino e com média de idade de

ingresso na reabilitação de 49 anos.

O tempo de trabalho em que foram indicados para a reabilitação profissional atingiu

em média 16 anos de serviço público. Faz-se importante destacar que temos uma aproximação

sobre o tempo em que os servidores públicos estão adoecendo, ou seja, em média com 49

anos de idade e 16 anos de serviço público. A reflexão sobre o tempo em que os trabalhadores

adoecem no serviço público torna-se importante para adotar medidas preventivas, antes que o

desgaste aconteça, seja ele mental e/ou físico.

Evidenciaram-se, entre as causas do adoecimento, no estudo, que 52% apresentaram

doenças osteomusculares e 30% transtornos mentais e comportamentais, dentre os motivos

pelos quais foram indicados para a reabilitação profissional.

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Ao ler os relatos, apesar das diferentes características de cada cargo exercido, notam-

se semelhanças. As histórias mostram momentos de convivência no cotidiano profissional e

confirmam momentos que levaram ao desgaste mental e ao físico. São momentos de dor e no

sofrimento sentido em diferentes formas e expressos de diferentes maneiras, reafirma-se a

questão que o adoecimento não aparece de repente mas vem sendo construído no dia a dia,

nas relações cotidianas desses trabalhadores do serviço público.

Verificamos também que a atração por trabalhar no serviço público está muito mais

relacionada com a estabilidade e garantia de um emprego, evitando o risco de ficar

desempregado, do que outros elementos, como ter bom salário e boas condições de trabalho.

A partir das histórias de vida e profissional, é possível evidenciar que os sujeitos da

pesquisa conseguiram reconstruir sua identidade profissional a partir de novas experiências

profissionais desvendadas no cotidiano de suas vidas, superando as perdas advindas do

adoecimento e recomeçando, através de novos modos de vida, em um movimento dinâmico,

constroem e reconstroem-se com suas experiências.

Assim, as relações sociais, no cotidiano dos trabalhadores que concluíram o processo

de reabilitação, influenciaram na reconstrução de sua identidade profissional, evidenciando a

dinâmica de lutas e resistência. Assim, a reconstrução da identidade profissional torna-se uma

possibilidade de resistência para manter-se enquanto trabalhador na sociedade contemporânea

a partir do reconhecimento do papel central do trabalho em sua vida.

As experiências dos sujeitos, as relações sociais construídas no cotidiano dos

trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação levaram a perceber e evidenciar

suas histórias profissionais, através da análise de todo o material da pesquisa, que nos

permitiu tecer as considerações e pensar em proposições que precisam ser aprofundadas,

como a média de tempo de trabalho em que tem ocorrido o adoecimento, a relação do homem

com o trabalho, o significado do trabalho durante o processo de reabilitação, as mudanças de

trajetórias de vida e da reconstrução de identidade profissional, e a resistência para manter-se

como trabalhador, mesmo após o adoecimento, nos aproximando do modo de vida dos

pesquisados.

Os sujeitos permitiram entender o trabalho além da forma de sobrevivência.

Começamos a entender melhor os diversos sentidos e significados que o mesmo tem em nosso

cotidiano, por meio de um olhar em sua esfera mais subjetiva, que envolve as relações sociais,

os valores e sentimentos. O mesmo trabalho, tão necessário e foco da atenção de muitos

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autores, pode se tornar motivo do adoecimento.

Também é importante destacar que nenhum dos sujeitos entrevistados que adoeceram

e vieram para o processo de reabilitação profissional tiveram o nexo causal, ou seja, suas

doenças não foram consideradas pelo médico como oriundas do trabalho e nenhum

trabalhador, entre os pesquisados, procurou algum serviço de auxílio para reivindicar o nexo

causal, ou seja, a comprovação da relação da causa do adoecimento com o trabalho que

exerciam.

Assim evidencia-se a falta de conhecimentos na área de saúde do trabalhador e o

despreparo dos profissionais da saúde propor encaminhamentos e notificações das doenças

ocasionadas pelos processos de trabalho. Neste sentido, sente-se a falta de políticas públicas

que privilegiam ações intersetoriais e integradas, para buscar e diagnosticar as situações de

adoecimento e tentar cumprir o papel de proteção ao trabalhador.

Quanto à contribuição aos gestores, destaca-se, com o estudo, que o investimento em

recursos humanos é possível e necessário, pois melhorias nos processos de trabalho dos

servidores públicos, significam serviços públicos de melhor qualidade para a população, que

financia os serviços públicos através com o pagamento dos impostos. Enfim, é dever

profissional dos gestores e toda a sociedade deve ter a atenção em prevenir situações que

levem ao adoecimento e a acidentes de trabalho.

A prevenção pode ser no sentido de estimular novas práticas e formas de conceber esse

trabalho, de maneira a superar os antigos modos que levaram ao adoecimento. Outro fator

importante é o assédio moral, silencioso e brutal. Trabalhadores expostos a práticas

autoritárias, arbitrariedades, humilhações, entre outras situações, nos levam a pensar também

nessa categoria e nos indica um sentido de continuidade da pesquisa. Muitos trabalhadores se

calam, o medo toma conta do cenário, aos poucos acabam isolados e pressionados a deixar o

trabalho, mesmo sem condições de sobreviver sem ele, porém a saúde torna-se mais

importante, nesses momentos. Esses trabalhadores, muitas vezes, não chegam à reabilitação

profissional, pois acabam solicitando antes a saída do emprego. Cabe também, além dos

órgãos competentes, aos profissionais da segurança do trabalho, a defesa desses trabalhadores.

Toda essa inquietude técnica vem do entusiasmo ao analisar os caminhos incitados

pelo tema. Contudo, ao considerar que a reabilitação pode ser evitada, portanto, a prevenção

dos riscos ocupacionais tem o papel crucial de amenizar a possibilidade da reabilitação

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profissional, na medida em que busca ampliar a intervenção do Serviço Social na área de

saúde do trabalhador.

Outro fator que levou ao adoecimento, muito presente nas narrativas, foi a

precarização das relações de trabalho, também identificadas no serviço público. A

intensificação do trabalho como educador, emergente mais da intensidade do trabalho mental,

nos cargos de professor de Ensino Fundamental e monitor de CEC, e o desgaste físico mais

presente no cargo da merendeira. Chama-se a atenção para a raiz neoliberal da problemática

da organização do trabalho e as repercussões nas relações de trabalho.

Observamos que esse contexto reflete-se em um trabalho que se torna a cada dia mais

precário, variável e complexo, fazendo com que os trabalhadores necessitem dispor cada vez

mais de demandas subjetivas para realizá-lo, levando a processos de trabalho causadores de

desgaste mental, que tornam preocupante a projeção do aumento relativo das doenças mentais

nos próximos anos, ao considerar as relações de trabalho emergentes.

O serviço social pode contribuir muito para melhorar os processos de trabalho e evitar

o adoecimento, propondo práticas que levem à prevenção anterior aos processos de

reabilitação profissional. Nos últimos anos, a Previdência Social voltou a contratar, para seu

quadro, assistentes sociais24

, mais uma conquista da categoria. Os novos profissionais têm

muitos desafios pela frente, e um deles é a conquista de espaços profissionais que propiciem

discussões e intervenções em equipes de reabilitação para, assim, conquistar e construir novos

caminhos que venham ao encontro das perspectivas da classe trabalhadora, através de um

trabalho que proporcione espaços de escuta aos trabalhadores e contribua efetivamente para o

fortalecimento de identidades individuais e coletivas de lutas por melhores condições nos

processos de trabalho.

Dar visibilidade aos trabalhadores que já concluíram o processo de reabilitação

profissional e, através de suas experiências, superar novos desafios, proporcionando-lhes

também oportunidades de crescimento profissional, onde prevaleça a busca e a garantia de

direitos trabalhistas que garantam a efetiva inclusão no mercado de trabalho.

Portanto, a questão está em buscar novas reflexões sobre a forma de reduzir o número

de pessoas da reabilitação profissional, a partir de melhorias nos processos de trabalho para

24

Referência ao concurso do INSS realizado em 2008, publicado no DOU de 15 de maio de 2008, tornando

público o provimento de 900 vagas e formação de cadastro de reserva para o cargo de Analista do Seguro Social,

com formação em Serviço Social.

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evitar o adoecimento precoce dos trabalhadores. Dar voz a esses trabalhadores do serviço

público que também adoecem em seus processos de trabalho.

O desafio está em olhar para a reabilitação profissional como possibilidade de

reconstrução das identidades profissionais, a partir do respeito em preservar as habilidades e

competências adquiridas ao longo de anos de trabalho. Considerar o histórico profissional dos

trabalhadores, seus anseios e perspectivas adquiridas, ao buscar a inserção profissional,

respeitando a subjetividade de cada um.

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social

ANEXOS

ANEXO A – Modelo do termo de consentimento livre e esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Declaro, por meio deste termo, que concordo em ser entrevistado(a) na pesquisa de

campo referente a pesquisa intitulada Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional: No

contexto do Serviço Público Municipal de Piracicaba, pela Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo – PUC/SP. Fui informado(a), ainda, de que a pesquisa é orientada por Profa.

Dra. Maria Lucia Martinelli e que poderei contatar a pesquisadora a qualquer momento que

julgar necessário por meio do telefone n.: ou e-mail:

Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer

incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui

informado(a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é um

estudo sobre os temas Trabalho, identidade e reabilitação profissional no contexto do serviço

público municipal de Piracicaba

Fui também esclarecido(a) de que o uso das informações por mim oferecidas estão

submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa. Minha colaboração se fará de forma

anônima, por meio de história oral e grupo focal e será gravada a partir da assinatura desta

autorização. O acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pela pesquisadora e sua

orientadora.

Estou ciente de que, caso eu tenha dúvida ou me sinta prejudicado(a), poderei contatar

a pesquisadora responsável ou sua orientadora no Programa de Estudos Pós Graduados em

Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP, situado na Rua

Ministro Godoy, 969 - Perdizes CEP 05015-000- São Paulo - SP telefone (x-11) 3670-8000

A pesquisadora principal da pesquisa me ofertou uma cópia assinada deste Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética

em Pesquisa (CONEP).

Fui ainda informado(a) de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer momento,

sem prejuízo para meu acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou constrangimentos

Piracicaba, ____ de _________________ de _____

Assinatura do(a) participante: ______________________________

Assinatura da pesquisadora: _______________________________

Rua Ministro Godoi, 969, Perdizes - 05015-000 - São Paulo - SP - [email protected]

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ANEXO B – Resumo do trabalho desenvolvido pela Equipe de reabilitação da Prefeitura do

Município de Piracicaba (2009) referente ao prêmio de reabilitação profissional

Disponível em: <http://www.proreabilitacao.com.br/includes/paginas/projetos/pdf/pro-reabilitacao-programa-

reabilitar-uma-inovacao-da-pratica-profissional.pdf>. Acesso em: 13 maio 2013.

Resumo do trabalho

Em alguns municípios, a reabilitação é regulamentada por lei, como o caso da Prefeitura

Municipal de Piracicaba (Lei Municipal nº1972, de sete de novembro de 1972, título V, seção

III), todavia, no nosso caso a nomenclatura utilizada foi a da readaptação.

Depois de mais de três décadas, foi criado o Programa de Readaptação Profissional (PRP),

regulamentando a questão, cujo compromisso é manter a inserção social do servidor

municipal na sua plenitude, caso surja algum impedimento físico ou mental, que requeira ação

preventiva ou corretiva, criando assim uma relação legítima entre empregado e empregador

com benefícios a ambos, cumulativos a sociedade como um todo. Além da prevenção de

doenças e acidentes, fator este essencial, a cada dia a conscientização, mesmo na área pública,

de que se faz necessário refletir e intervir junto aos trabalhadores – Servidores Públicos, de

modo a entender, prevenir e corrigir o quadro de adoecimento, em caráter inerente ao do

próprio trabalhador e aqueles decorrentes de condição específica do próprio trabalho exercido.

Dentro desse universo estão englobados os casos de adoecimento físico ou mental, que

repercutem com algum grau de limitação laboral ao trabalhador.

Assim um programa de reabilitação se torna fundamental, no sentido de ir ao encontro dos

melhores conceitos contemporâneos de inclusão social. As linhas de pensamento que

tradicionalmente consideravam como natural a dispensa (aposentadoria) do servidor que não

podia desenvolver as atividades originais para a qual foi contratado, conceitualmente estão

totalmente superadas, porém, na prática, ainda se encontram locais em que ao invés de

possibilitar a este servidor a chance de se reabilitar, aprendendo novas formas de vencer os

obstáculos pessoais e do meio que surgiram, ainda caminham na direção oposta a dos novos

paradigmas.

Contrários a esta linha Sato (1995) e Gonzáles et al. (2006), sugerem que a reabilitação deve

ser um programa de desenvolvimento e preocupação com a saúde, considerando saúde não

como um estado estável, imutável ou tido como ausência de doença, mas considerado como

um estado dinâmico, dependente das próprias pessoas e do meio que as cercam, ou seja, um

quadro de bem estar físico e mental que pode ser alterado. Deste modo, devese adaptar ou

reabilitar com enfoque aos aspectos da saúde e social, possibilitando ao trabalhador uma

reinserção laboral, garantindo-lhe condições para manter sua independência e auto-suficiência

com reflexos na sua autoestima, mesmo com as possíveis limitações que o acometem,

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172

conscientizando o de sua responsabilidade no enfrentamento de sua situação, e ao mesmo

tempo, exigindo do empregador, público ou privado, todo o respeito e direito que possui

enquanto cidadão.

É obvio que todo ser humano tem suas limitações e potencialidades, independente de estar

acometido por doenças, sendo inerente a cada um de nós peculiaridades, mas acima de tudo,

temos capacidade para nos desenvolver e buscar novos conhecimentos e habilidades. Partindo

desta premissa é dever social do empregador, ainda mais enquanto agente público,fornecer os

instrumentos para que o servidor possa continuar no emprego de forma adequada, ou em caso

de não haver outra alternativa, todas as possibilidades em respeito ao cidadão foram

consideradas.

Os avanços observados nas últimas décadas têm levado as organizações sejam elas públicas

ou privadas a buscarem novas formas de gestão de pessoas com o intuito de melhorar o

desempenho, alcançar resultados e trabalhar de maneira empreendedora, contribuindo para o

alcance da missão da organização, através de práticas que promovam a qualidade de vida e o

bem estar do trabalhador.

Aos servidores amparados pela Lei Federal n. 8.213/91 a reabilitação profissional inclui duas

etapas, primeiro: a observância da consolidação da lesão por parte do médico perito, ou seja,

constatada a estabilização das incapacidades e as capacitações residuais, subsequentemente,

fará encaminhamento para a instituição responsável para iniciar a reabilitação; e segundo: a

instituição responsável pela reabilitação iniciará os estudos e o fornecimento de competências

que permitam o remanejamento do servidor, garantindo adequações corretas sobre saúde e

segurança no trabalho, adaptados a necessidade produtiva inerente da nova função, garantindo

a observância das restrições ocupacionais preventivas que mantenham a condição de saúde,

observando ao mesmo tempo os interesses do servidor e do empregador.

O Programa aqui proposto atende a legislação municipal no que tange a responsabilidade da

Prefeitura frente aos seus servidores, as necessidades dos munícipes e ao mesmo tempo torna

equivalente e equânime tanto para os efetivos regidos por lei municipal, quanto aos regidos

por lei específica - Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), visto que o empregador é o

mesmo, não criando apartamentos do tipo servidores efetivos e servidores celetistas.

A importância da reabilitação está em possibilitar ao servidor a sua reinserção social,

garantindo seu equilíbrio na tríade da saúde (bem estar físico, mental e social), causando-lhe

satisfação, manutenção do emprego, do status inerente ao cargo, alimentando positivamente

sua auto-estima, autoconhecimento e criatividade. Torna-se o suporte oferecido pelo

empregador instrumento de adequação contemporânea de habilitação aos seus trabalhadores,

com a vantagem de que estes já conhecem a dinâmica do setor público e, para essa, evita as

contratações desnecessárias, diminui os gastos com a inadequação produtiva e/ou o

adoecimento (absenteísmo, licenças, entre outros) do servidor, ressaltando que por ser uma

instituição pública, é de toda a sociedade as vantagens, que acabam refletindo em todos os

serviços prestados pelo município. No entanto para se desenvolver um projeto adequado de

reabilitação, como afirma Gonzáles et al. (2006), é necessário formalizar uma Equipe

Multidisciplinar composta por, médico, pedagogo, psicólogo, assistentes sociais e técnico de

segurança do trabalho. Segundo Evangelista e Menezes (2000), deve-se manter os cuidados

para se aprofundar nos casos e revelar a verdadeira história trazida pelos trabalhadores, pois

muito existe de discursos enganadores, a fim de obter ganhos secundários com a condição de

saúde apresentada.

A fim de evitar um olhar menos cuidadoso, toda decisão deverá ser colegiada e

consubstanciada pelos diversos profissionais envolvidos, que pela diversidade técnica –

equipe multidisciplinar - contribuirá no sentido de uma visão global que se completará com

intervenções apropriadas nas relações pessoais no ambiente de trabalho.

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O Programa, portanto, envolve desde o servidor (suas expectativas, projeto de vida, interesses,

visão e concepção de trabalho, família) até o ambiente que irá recebê-lo, onde, muitas vezes,

se concentram as resistências, com estereótipos e/ou preconceitos sobre o servidor que passou

pelo processo de readaptação, como mencionado por Vitoriano e Gonzalez (2006), ora

considerando o indivíduo como incapaz, ora vendo-o como um “super-homem” por ter

enfrentado sua condição, esquecendo de suas limitações e/ou capacitações residuais.

O servidor que iniciará a reabilitação já possui dentro da estrutura da Instituição atribuições

específicas, entretanto, sua capacidade produtiva e de aptidão encontram-se em desacordo

com sua capacitação atual, deixando dessa forma, de cumprir a contento as exigências de sua

função. Assim, torna-se relevante, conscientizar o grupo em que o servidor estava e no qual

será inserido, para que reconheçam as necessidades específicas do colega em processo de

reabilitação.

Não somente devemos reintegrar o servidor mediante a disponibilização de novas habilidades

e/ou habilitações, devemos realizar um trabalho de conscientização e suporte com ele, com o

meio e com todos os envolvidos, para obtermos a eficácia no processo de reabilitação.

O trabalho, considerado como atividade vital humana, é questão fundamental na vida das

pessoas, pois é a partir deste que conseguimos objetivar nossa “subjetividade” e acrescentar a

ela, mediante o contato com o real, idealizações pessoais e até mesmo coletivas. De todo

modo, concluímos a importância social, individual e coletiva deste Programa de Reabilitação,

ressaltando a necessidade de um trabalho preventivo especialmente nos aspectos de saúde e

segurança no trabalho, que podem requerer, no caso de doenças relacionadas ao trabalho quer

sejam como causa ou concausa, intervenção junto ao contexto gerador do problema, que

procuramos atender. Quando necessário a equipe também participará e/ou poderá propor

medidas de adaptação.

Encaminhará sugestão a Junta Médica Oficial da Prefeitura ou médico do trabalho do SESMT

(Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho), indicando

de forma consubstanciada as capacitações e aptidões deste trabalhador para desempenhar as

mesmas funções inerentes à seu cargo de origem, indicando que apenas será necessário

manter-se algumas restrições no desenvolvimento de suas atividades.

Este Programa, como ressalvado no inicio, tem os seguintes objetivos: Oferecer orientações

gerais a respeito ao processo de readaptação; Trabalhar junto ao servidor a re-orientação

vocacional; Trabalhar aspectos motivacionais, expectativas, ansiedade e dificuldades junto à

nova ocupação; Levantar vagas disponíveis nos mais variados locais da Prefeitura; Realizar

treinamento para a nova função; Preparar ambiente de trabalho para receber o servidor em

processo de readaptação; Solicitar e acompanhar junto aos órgãos competentes a modificação

física necessária do local de trabalho e instrumentalização do servidor ao pleno exercício

profissional; Avaliar e acompanhar o processo de re-inserção; Cuidar para que as restrições

sejam cumpridas entre o servidor readaptado e ambiente de trabalho; Coletar dados e enviá-

los para compilação visando a elaboração de projetos de prevenção e controle estatístico junto

ao SESMT;

O presente programa tem seus módulos e etapas definidas, entretanto, a cada trabalhador são

observadas as intervenções e aprofundamentos necessários, procurando observar e atender

suas particularidades, e respeito na singularidade, sendo oportunamente adotado o padrão

necessário para melhor organização e conduta dos procedimentos. Os módulos que se

seguem, visam:

Módulo I – Avaliação e Estudo de Caso; Oferecer informações do processo para o

trabalhador em processo de readaptação; Apresentar a equipe para o trabalhador; Conhecer o

trabalhador (anamnese, levantar seu histórico pessoal e profissional, suas características,

interesses, expectativas, dificuldades, estrutura familiar e domicílio, entre outros).

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Módulo II – Acompanhamento Personalizado e Busca de Novas Funções; Re-orientação

Vocacional; levantar novos locais de trabalho; Intervenção junto a fatores levantados no

módulo I (dificuldades, expectativas, interesses); dialogar com o trabalhador sobre seu novo

local de trabalho e intervenção junto a fatores levantados após diálogo sobre o novo local de

trabalho.

Módulo III – Preparação do Ambiente de Trabalho; Preparar , orientar e intervir junto a

chefia; Preparar, orientar e intervir junto aos demais trabalhadores do novo local de trabalho,

preparar e adaptar o meio físico de trabalho. Módulo IV – Reintegração Localizada;

Apresentar o servidor à chefia, colegas, no meio e ambiente em que desenvolverá o seu

trabalho; possibilitar a integração deste trabalhador junto à chefia, colegas e meio de trabalho,

acompanhar e oferecer suporte técnico durante seu período de estágio em sua nova função -

com variação de trinta a sessenta dias.

Módulo V – Avaliação do Processo de Readaptação e Equipe do Serviço Municipal de

Perícias Médicas. O servidor em processo de readaptação tem que obter aprovação,

necessariamente, em todos os módulos, e em sequência. Somente passa de um módulo a

outro, com o parecer do técnico responsável por cada módulo, que apontará o servidor como

apto ou inapto.

Ao final de todo o processo, considerado apto, será conferido ao servidor, a certificação de

conclusão do Programa de Reabilitação, com designação de seu novo posto de trabalho com

as atribuições específicas. O servidor que conclui o processo, não poderá alterar seu local de

trabalho num período mínimo de 120 dias.

Impacto na vida dos reabilitados e indicador utilizado para medir esse impacto

Trabalhar com saúde ocupacional envolve complexidade; dos princípios éticos à comunhão

dos conhecimentos técnicos da equipe. Exige preparação e planejamento para se fazer um

trabalho de excelência que busque cumprir os objetivos propostos e que consiga ir além

destes, na consolidação de mudanças significativas e duradouras na qualidade de vida dos

usuários, dos profissionais envolvidos no programa, na Prefeitura enquanto organização de

trabalho, na comunidade e sociedade como um todo.

Trata-se de um trabalho essencialmente de produção não material que se completa no

exercício de sua realização. Não produzimos um produto comerciável, mas trabalhamos o ser

humano e priorizamos a sua saúde e bem estar.

O programa traz vários benefícios à vida de seus usuários. Muitos destes não são facilmente

quantificados, pois envolvem o campo dos significados e sentidos de quem está envolvido.

Vivência e re-significações no campo pessoal e profissional.

Quando o servidor vem para a reabilitação profissional traz uma série de expectativas, medos,

ansiedade diante da mudança que está passando. A equipe, mediante acompanhamento,

oferece instrumentos para elaboração de tais sentimentos e pensamentos buscando incentivar

comportamentos de enfrentamento positivos. Auxiliamos a lidar com a perda da capacidade

laborativa sofrida e a observar a vida sobre várias perspectivas. O servidor é encaminhado e

estimulado a participar ativamente do processo, refletindo sobre sua história ocupacional,

mercado de trabalho, desejos quanto ao futuro ocupacional. De uma postura passiva no seio

do trabalho cotidiano, diante de necessidades materiais e faltas de escolhas concretas, o

programa conduz o servidor a esta oportunidade única: a chance de ser agente de sua história,

capaz de pensar e re-pensar suas práticas e buscar nelas melhor satisfação da suas

necessidades. Buscamos junto ao servidor conhecimentos e habilidades que este possui em

caráter latente ou manifesto. Promover o auto conhecimento, a auto observação para

aproveitar suas potencialidades e buscar melhorar os pontos considerados frágeis. Todos estes

fatores são constantemente avaliados pela equipe mediante contatos frequentes com o servidor

e pessoas ligadas a este (familiares, grupo de trabalho, chefia, entre

outros).

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175

São realizadas observações, entrevistas periódicas com o servidor e pessoas próximas a ele

contribuem para coletar informações da evolução da situação. A troca de informações entre os

profissionais se revela num artifício essencial na condução da reabilitação.

O servidor, com perda da capacidade laborativa, tem através do programa a segurança do seu

trabalho, a oportunidade de desenvolver outra atividade e dessa forma permanecer incluso no

mercado de trabalho. Sabemos que no mundo moderno a atribuição de valores, identidade se

faz na relação do homem com o trabalho e portanto a re inserção ocupacional é ponto chave

num processo de reabilitação.

A equipe, no decorrer do processo, busca preservar e garantir que o local de trabalho esteja

adequado às necessidades psicofisiológicas do servidor. Cria-se um vínculo positivo entre

equipe e trabalhador para que diante de qualquer necessidade o mesmo possa nos procurar

sem constrangimento ou receio. Historicamente na Instituição os processos de readaptação

sempre aconteceram de forma aleatória. Era prática o médico encaminhar o servidor

para assistente social, a qual entrava em contato via telefone com a chefia imediata desse e em

conjunto decidiam o local e o posto onde o trabalhador iria cumprir sua jornada.

Os servidores readaptados, muitas vezes, eram alocados em locais em que não

desempenhavam nenhuma atribuição, ou ainda, como acontecia com a categoria de

merendeiros que eram alocados na mesma cozinha onde já trabalhavam, restringindo suas

funções, o que na realidade causava duas situações: ou ficava estigmatizado como aquele que

não faz nada, ou acabava ficando mais doente, pois para não ficar com a peja de “preguiçoso”,

excedia seus limites de saúde e realizava as funções normalmente.

Quando o Programa de Readaptação Profissional começou a ser realizado, as resistências para

a reintegração dos servidores foram implacáveis. Com a perseverança dos técnicos

envolvidos, principalmente para diminuir o preconceito existente, a seriedade do trabalho, o

acompanhamento do servidor readaptado por determinado tempo, a qualificação para

desenvolver as novas atribuições que o posto exige, foram ações determinantes no

reconhecimento do servidor com alguma incapacidade, ser olhado como um trabalhador que

tem 100% de capacidade para desenvolver determinadas ações.

A resistência dos diversos setores (departamentos, divisões, escolas, unidades básicas de

saúde, etc.) da Instituição têm diminuído com o trabalho de integração entre os trabalhadores

do setor e destes com o novo colega que está chegando. O setor é conscientizado acerca da

inclusão das pessoas com limitações para que dessa forma acolha o readaptando com respeito

e solidariedade. A auto-estima do mesmo acaba sendo fortalecida e isso reflete no seu

desempenho profissional e no desenvolvimento das relações interpessoais no ambiente de

trabalho, o que tem resultado em inúmeras demonstrações de satisfação por parte das Chefias

dos locais onde foram alocados os servidores readaptados.

Concluído o processo de reabilitação o servidor tem sua nova função publicada em Diário

Oficial ficando sua nova situação amparada por lei. Com isso, prevenimos que o servidor não

altere sua função e posto de trabalho sem a anuência do programa.

O indicador de segurança e saúde no trabalho é o acompanhamento realizado após concluído

seu processo formal da readaptação que é feito através de observações e entrevistas.

Levantamos e analisamos dados estatísticos, como por exemplo o número de afastamentos

que o servidores que passaram pelo programa tiveram e destes afastamentos quais os motivos

(CID, histórico médico, prognóstico) que o levaram a se ausentar do trabalho.

Estes dados fornecem uma visão macro sobre o programa permitindo parâmetros mensuráveis

dos resultados. Outro indicador utilizado são os encontros anuais que promovemos com os

servidores readaptados. Estes eventos além de possibilitar a troca de vivências entre os

servidores, permite a manutenção da comunicação destes com o setor. Neste encontro

realizamos palestras focando a prevenção e segurança no trabalho. O funcionário sente-se

satisfeito ao ver que a organização em que trabalha tem este interesse por sua saúde. Obtemos

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176

através destes encontros a avaliação a longo prazo do programa. Dessa forma procuramos

dotar as pessoas com deficiências de competências ou qualificações em áreas profissionais

que eliminem essas incapacidades, diminuam as desvantagens e aumente o poder competitivo

no mercado de trabalho.

Resultados obtidos, conclusão e perspectiva de continuidade

Consideramos que o próprio processo de readaptação já é um resultado positivo, pois

demonstra a materialização da união de vários campos do saber em prol da saúde e re inserção

dos trabalhadores. É uma práxis transformadora. Não somente os usuários são beneficiados,

mas os profissionais envolvidos têm a possibilidade de aprender com as experiências trazidas,

refletir sobre práticas e conhecimentos de cada campo do saber, sobre questões éticas e

políticas.

Além dos benefícios aos servidores, podemos demonstrar eficiência nas atividades quando

observamos a economia de verba pública que o programa reflete, que traz, por ser uma

organização pública, uma vantagem para toda a comunidade. De 2005 a 2009 o programa

atendeu 55 servidores de variadas funções. Deste montante apenas 11% dos servidores que

passaram pelo programa apresentaram afastamentos médicos com o mesmo CID

(Classificação Internacional de Doenças) que o levou a readaptação. Dos usuários que

passaram pelo programa 12% foram aposentados por invalidez.

Ressaltamos deste modo que 77% não apresentaram reincidência quanto ao prolbema de

saúde que culminou na sua readaptação. Sendo assim, o programa constitui uma prática já

consolidada no setor sendo constantemente reformulada pelos profissionais envolvidos, tanto

que se encontra na sua terceira edição. Composição da Equipe Multiprofissional do Programa

de Readaptação Profissional: AILINE DOS SANTOS BASTOS – PSICÓLOGA DANIELA

REDIGOLO – ASSISTENTE SOCIAL EDENISE APARECIDA GIUSTI – PEDAGOGA

RUBENS CENCI MOTTA – MÉDICO SANDRA APARECIDA MANARIN

TREMOCOLDI – ASSISTENTE SOCIAL VALÉRIA DIAS BERNARDO – CHEFE DE

SETOR WAGNER BARROS RAINHA – TÉCNICO DE SEGURANÇA DO TRABALHO

WANDERLEI MOACYR TORREZAN – ASSISTENTE TÉCNICO Referências

Bibliográficas GONZALES.F: VITORIANO.M Contratar sim, mas sem piedade. Servidores

Municipais: É hora de reflexão. N01/2006. Prefeitura Municipal de Piracicaba/SESMT

(Serviço Especializado em Segurança e Medicina de Trabalho). SATO.I. Saúde, Meio

Ambiente e Condições de Trabalho – Conteúdos Básicos Para Uma Ação Sindical. São Paulo:

CUT/FUNDACENTRO. 1995.

Page 178: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … · Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional no ... para aprofundar a discussão sobre a identidade profissional, reconhecendo

177

ANEXO C – Apresentação em PowerPoint utilizada durante o grupo focal

Slides apresentados:

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