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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUC-SP)
Daniela Redigolo
Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional no
Contexto do Serviço Público do Município de Piracicaba (SP)
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
DANIELA REDIGOLO
Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional no
Contexto do Serviço Público do Município de Piracicaba (SP)
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Dissertação apresentada à Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em Serviço
Social, sob orientação da professora doutora
Maria Lúcia Martinelli.
SÃO PAULO
2013
Banca Examinadora
Aos trabalhadores do serviço público,
Aos trabalhadores que resistem...
AGRADECIMENTOS
Especialmente, à orientadora professora doutora Maria Lúcia Martinelli, pelo
carinhoso apoio no caminho da pesquisa de forma respeitosa, segura e competente. Não tenho
palavras para dar significado ao rico e importante período em que compartilhei de seus
conhecimentos.
Às professoras doutoras Raquel Raichelis e Edvânia Lourenço, que, de forma
competente, contribuíram com a dissertação durante o exame de qualificação.
Às professoras doutoras Damares Pereira Vicente , Maria Carmelita Yazbek e Letícia
Andrade da Silva pela contribuição e participação na banca examinadora.
Aos amigos, funcionários e professores do Programa de Estudos Pós-graduados em
Serviço Social da PUC-SP. Todo esse universo acadêmico foi essencial para meu crescimento
e amadurecimento teórico e pessoal. Agradeço às amigas Ariane, Flavia e Claudia pelo
incentivo no início do mestrado.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela
concessão da bolsa de estudo, a qual foi fundamental para a realização do mestrado.
À minha mãe, Maria de Lourdes do Valle, funcionária pública aposentada, exemplo de
vida, que muito ajudou, cuidando carinhosamente de meus filhos. Ao meu pai, Virgilio
Redigolo (in memoriam). Aos meus amados filhos: Isabela e Lucas, pelo entendimento dos
momentos de ausência, e por representarem a energia de força e a alegria em minha vida. Às
minhas queridas irmãs, Adriana e Luciana.
Ao meu amado companheiro, Vladimir Diogo, alma gêmea, pelo apoio e incentivo em
todas as horas. Aos queridos amigos do sítio, pelas horas compartilhadas e apoio
incondicional, em especial à Luciana e ao Sr. Antonio, por sempre me socorrerem em todos
os momentos de dificuldade, e por me apoiaram efetivamente nesse período. À minha amiga
Tati, pelos momentos de compreensão e incentivo. Às energias superiores que a cada dia me
proporcionam um novo amanhecer.
Aos amigos funcionários públicos da Prefeitura do Município de Piracicaba; aos
gestores, em especial a todos os profissionais da equipe de reabilitação profissional e do
Serviço Municipal de Perícia Médica, que, no decorrer do caminho, me prestaram apoio e
incentivo: Ana, Angélica, Ailine, Bruna, Claudinei, Dr. Rubens, Dra. Katia, Dr. Grau,
Edenise, Eva, Giselis, Graziela, Iara, Rainha, Sandra e Wladimir. Em especial, a Wandinho
(in memoriam), um eterno amigo, exemplo de alegria nos momentos difíceis da vida.
De forma especial, agradeço aos sujeitos participantes da pesquisa, por dividirem
comigo a riqueza de suas histórias de vida.
Como é por dentro outra pessoa.
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação
possível,
Com que não há verdadeiro
entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer
semelhança
No fundo.
(Fernando Pessoa)
RESUMO
REDIGOLO, Daniela. Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional no Contexto do
Serviço Público do Município de Piracicaba. 2013. 185 f. Dissertação (Mestrado) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.
A presente dissertação pretende analisar as histórias profissionais de trabalhadores que
concluíram o processo de reabilitação, ocorrido entre 2006 a 2011, no Serviço Público da
Prefeitura do Município de Piracicaba. Conhecer e analisar a realidade, considerando os
contextos histórico, social e político contemporâneo, pois as relações e estruturas sociais se
expressam nas histórias individuais dos trabalhadores que passaram pela reabilitação, falar
dos trabalhadores é falar do conjunto de suas relações sociais, e consequentemente, nos
remete à reflexão sobre o processo de adoecimento e as mudanças significativas no cotidiano
de suas vidas em relação à importância do trabalho. Identificar o significado do trabalho e o
seu sentido, além da subsistência, e, baseado nessa concepção, entender que as relações
sociais construídas no cotidiano dos trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação
profissional influenciam na reconstrução de suas identidades profissionais, buscando entender
o significado da identidade profissional e da identidade atribuída. Para a pesquisa, foram
combinadas as abordagens quantitativa e qualitativa, e, no primeiro momento, foi necessário
quantificar alguns dados, para elaborar os critérios de seleção dos sujeitos participantes da
história oral. Como objetos de estudo, foram definidas as experiências de um grupo de nove
trabalhadores, que passaram pelo processo de reabilitação, devido à perda de sua capacidade
profissional habitual e que receberam a indicação médica para a reabilitação profissional.
Como referência para situá-los, no texto, utilizou-se o nome do cargo de origem, mais o
número que indica a quantidade de anos de serviço público completada no momento em que
foram indicados para a reabilitação. Esta dissertação apresenta, nas próprias narrativas dos
sujeitos, que todos tiveram uma trajetória profissional anterior à reabilitação em que surgiram
alguns sinais do adoecimento, ou seja, a incapacidade profissional não surgiu de repente, mas
no decorrer de anos de trabalho no serviço público. Também foram levantadas contribuições
para aprofundar a discussão sobre a identidade profissional, reconhecendo o papel central do
trabalho enquanto um sentido de vida que considera ser, a reabilitação profissional, uma
possibilidade de reconstrução de identidades profissionais propiciando aos trabalhadores
resistência, porque inseridos no mundo do trabalho na sociedade capitalista, a partir de uma
nova condição laboral e nova representação do trabalho em suas vidas cotidianas.
Palavras-chave: Trabalho. Identidade. Reabilitação profissional. Serviço público.
ABSTRACT
Redigolo, Daniela. Work, Identity and Professional Rehabilitation in the context of the
Public Service of the Municipality of Piracicaba (SP). Master's Dissertation. Pontifical
Catholic University of São Paulo, São Paulo, in 2013.
The aim of this thesis is to analyze the professional histories of workers who completed their
rehabilitation process, occurred between 2006 to 2011, in the Public Service of the
Municipality of Piracicaba in the state of São Paulo. To understand and analyze the reality in
accordance the historical, social and contemporary political issues under the social and
interrelationship structures which are expressed in the worker individual rehabilitation stories
is the most important objective. Taking care of workers is to get more about their group of
social interrelationship which lead us to the increasing illness and significant daily changing
of their lives through their own labor. Getting more information about professional identity
meaning of labor through subsistence including the rehabilitation knowing of the social
relationship built on day by day. Which influenced the professional identity workers; also
their label identity. For the research, both quantitative and qualitative approaches were
combined, and, initially, it was necessary to quantify some data developing criteria for
selection of subjects who participated in the oral history. As the objects of study, the
experiences of a group of nine workers were defined, who have gone through the
rehabilitation process due to the loss of their usual professional skills and who received
medical indication for professional rehabilitation. As a reference to locate them in the text, the
original name work position was used, and also the public service completed year number of
at the time they were indicated for rehabilitation. This dissertation presents in the personal
narratives the professional career before rehabilitation, and during that illness period signs, in
other words, the occupational disability did not arise suddenly, but through years of work in
the public service. The subjects’ contributions were also collected to further the argument on
the professional identity, recognizing the core role of labor as life sense. The professional
rehabilitation was providing an opportunity of rebuilding identities and resistance for
workers; instead of a capitalist society, a new labor situation and new labor representation in
their daily lives.
Keywords: Work, Identity, Professional Rehabilitation, Public Service.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Bonecos de Elias e Elias dos Bonecos, respectivamente............................ 29
Figura 2 – Vista do Rio Piracicaba e da Rua do Porto, a partir da atual Praça
Miguel Dutra, início do século 20.............................................................. 31
Figura 3 – Cidade de Piracicaba na década de 2000.................................................... 31
Figura 4 – Mapa dos municípios do Brasil.................................................................. 33
Figura 5 – Mapa de equipamentos públicos municipais de Saúde e Educação........... 40
Figura 6 – Prefeitura de Piracicaba – Edifício onde se localiza a Secretaria
Municipal de Administração....................................................................... 43
Figura 7 – Servidores municipais de Piracicaba durante assembleia realizada pela
Diretoria do Sindicato dos Servidores Municipais..................................... 105
Figura 8 – Local de trabalho anterior ao processo de reabilitação............................... 139
Figura 9 – Local de trabalho após o processo de reabilitação...................................... 139
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Previsão de arrecadação do município (em %) – LOA-2013..................... 39
Gráfico 2 – Número de trabalhadores que concluíram o processo de reabilitação por
cargo de origem no período entre 2006 a 2011.......................................... 81
Gráfico 3 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação por
patologia (causa da reabilitação), conforme CID-10, no período de 2006
a 2011.......................................................................................................... 99
Gráfico 4 – Porcentagem de trabalhadores que passaram pelo processo de
reabilitação segundo código da doença apresentada para reabilitação, no
período de 2006 a 2011............................................................................... 99
Gráfico 5 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação
profissional, conforme o tempo de trabalho no serviço público municipal
ao entrar no processo de reabilitação, no período de 2006 a 2011............. 102
Gráfico 6 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação,
conforme a idade que tinham ao entrar no processo de reabilitação, no
período de 2006 a 2011............................................................................... 103
Gráfico 7 – Funções dos funcionários após a conclusão da reabilitação, no período
de 2006 a 2011............................................................................................ 136
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – PNAS-2004 – Classificação dos municípios segundo o total de
habitantes.................................................................................................. 32
Quadro 2 – Concentração da pobreza nos grupos de municípios classificados pela
população de 2000.................................................................................... 33
Quadro 3 – Municípios mais bem classificados no ranking do PIB municipal no
Estado de São Paulo, 2000-2010.............................................................. 35
Quadro 4 – Objetivos que norteiam a pesquisa........................................................... 53
Quadro 5 – Roteiro norteador da entrevista da história oral....................................... 56
Quadro 6 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo de
merendeira................................................................................................ 82
Quadro 7 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo monitor de
CEC.......................................................................................................... 87
Quadro 8 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo professor
fundamental.............................................................................................. 91
Quadro 9 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde....................................................................... 96
Quadro 10 – Número de trabalhadores que passaram pela reabilitação por patologia
(causa da reabilitação), conforme CID-10, no período de 2006 a 2011... 96
Quadro 11 – CID M00-M99, que se refere a doenças do sistema osteomuscular e do
tecido conjuntivo...................................................................................... 100
Quadro 12 – CID F00-F99 que se refere a transtornos mentais e comportamentais..... 101
Quadro 13 – Quadro matricial da identidade profissional............................................ 124
Quadro 14 – Cruzamento de frases significativas considerando as categorias de
análise de identidade construída e atribuída............................................. 127
Quadro 15 – Cruzamento de frases significativas dos sujeitos da história oral............ 137
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Perfil do município, de acordo com as atividades econômicas.................. 36
Tabela 2 – Perfil do município de acordo com a faixa etária....................................... 37
Tabela 3 – Perfil do Município de Piracicaba, de acordo com o gênero...................... 37
Tabela 4 – Perfil dos funcionários públicos municipais por faixa etária e gênero....... 38
Tabela 5 – Número anual de trabalhadores que terminaram o processo de
reabilitação em relação ao total dos trabalhadores do serviço público
municipal.................................................................................................... 45
Tabela 6 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação,
por secretaria/área....................................................................................... 46
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBSSI Centro Brasileiro de Segurança e Saúde Industrial
Caged Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CEC Centro Educacional e Creche
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde – Décima Revisão
DO Diário Oficial
FOP Faculdade de Odontologia de Piracicaba
Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
FMI Fundo Monetário Internacional
ICMS Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
ISSQN Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
IPVA Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores
IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano
IRRF Imposto de Renda Retido na Fonte
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
IPPLAP Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba
JMO Junta Médica Oficial
LOA Lei Orçamentária Anual
TEM Ministério do Trabalho e Renda
PIB Produto Interno Bruto
PMP Prefeitura do Município de Piracicaba
PRP Programa de Reabilitação Profissional
PNAS Política Nacional de Assistência Social
Rais Relação Anual de Informações Sociais
RMC Região Metropolitana de Campinas
Seade Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
Sempem Serviço Municipal de Perícias Médicas
Sesmt Serviço Especializado em Segurança e Medicina de Trabalho
Unimep Universidade Metodista de Piracicaba
Unicamp Universidade Estadual de Campinas
VA Industrial Valor Adicionado da Indústria
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 17
CAPÍTULO I – TRAÇANDO UM CAMINHO............................................................. 25
1.1 Local da Pesquisa e Características do Serviço Público............................................... 42
1.2 Procedimentos Metodológicos e Apresentação dos Sujeitos........................................ 53
CAPÍTULO II – TRABALHO........................................................................................ 67
2.1 O Mundo do Trabalho e as Transformações nas Relações de Trabalho....................... 67
2.2 A Intensificação do Trabalho no Serviço Público........................................................ 72
2.3 O Cotidiano Profissional da Merendeira...................................................................... 81
2.4 O Cotidiano Profissional do Monitor de CEC.............................................................. 86
2.5 O Cotidiano Profissional do Professor de Ensino Fundamental................................... 91
2.6 Adoecer e suas Características no Serviço Público...................................................... 95
2.7 A Perspectiva do Trabalho como Direito Social........................................................... 104
CAPÍTULO III – IDENTIDADE E REABILITAÇÃO................................................ 109
3.1 O Significado do Trabalho na Vida Cotidiana e as Marcas da Identidade
Profissional Durante o Processo de Reabilitação Profissional........................................... 109
3.2 A Identificação com o Trabalho que Exercia Antes do Processo de Reabilitação........ 115
3.3 A Importância do Cotidiano para o Conhecimento da Realidade................................. 119
3.4 Os Movimentos das Trajetórias Profissionais à Luz das Identidades Profissionais
Reconstruídas...................................................................................................................... 123
3.5 O Processo de Reabilitação na Perspectiva dos Sujeitos.............................................. 133
3.5.1 Reabilitação profissional: Sentidos e significados do trabalho................................. 135
3.6 O Tempo de Trabalho Após a Reabilitação Profissional.............................................. 140
3.6.1 O preconceito em relação ao trabalhador que passou pelo processo de reabilitação
profissional......................................................................................................................... 141
3.7 Reabilitar ou Aposentar: a Visão de Quem Adoeceu.................................................... 143
3.8 Momentos Coletivos no Espaço do Grupo Focal: Estratégias e Resistências para
Manter-se Enquanto Trabalhador....................................................................................... 147
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 157
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 162
ANEXOS............................................................................................................................ 170
17
INTRODUÇÃO
Eu sinto que já não sou mais útil.
Sinto assim como uma coisa que já foi muito
usada e agora é descartada.
Porque ela tá ali não tem como jogar fora.
Tem que vencer o prazo dela e depois
que vencer o prazo dela cairá fora.
Assim que eu me vejo como funcionária pública hoje.
Eu me vejo assim. (Monitora - 19, depoimento colhido em novembro de 2012)
O pulsar da dissertação está na compreensão de três palavras contidas em seu título:
trabalho, reabilitação e identidade, que se expressam nas narrativas de cada trabalhador
sujeito da pesquisa realizada, revelando descobertas sobre o sentido do trabalho na
reconstrução da identidade a partir de mudanças no âmbito profissional, advindas antes,
durante e após o período de reabilitação.
Histórias de vida diferentes, que ocorrem em uma mesma realidade de sujeitos que
conseguiram conceber outras formas de trabalho, respeitando limites e possibilidades de uma
nova condição de saúde, que atribuíram novos sentidos às suas trajetórias de vida, no
desenvolvimento de atividades diárias necessárias para a sobrevivência.
A dissertação constituída fecha o ciclo de uma fase muito importante de vivências com
trabalhadores que concluíram o processo de reabilitação, ocorrida no período de 2006 a 2011,
no serviço público da Prefeitura do Município de Piracicaba. Indicou-se a periodização em
virtude do tempo de atividades desenvolvidas pelo Serviço Municipal de Reabilitação, que
iniciou um programa oficial em 2006. Do mesmo modo, o ano foi considerado para o início
da pesquisa e o término em 2011 refere-se ao fato de que a construção dos dados ocorreu em
2012.
O objeto de pesquisa tem forte relação com a história profissional da pesquisadora
que, trabalhando com reabilitação profissional, aproximou-se dessa realidade e deparou-se
com o desafio de abrir um espaço de escuta para ouvir a voz desses trabalhadores como “ (...)
sujeitos, protagonistas históricos, cujas memórias pessoais são de interesse social. (...)”
(MARTINELLI, 2012, p.7).
18
A pesquisa partiu de uma análise global da realidade, considerando o contexto social e
o político contemporâneos, porque as relações e estruturas sociais se expressam nas histórias
individuais dos trabalhadores que passaram pela reabilitação, e ainda porque falar dos
trabalhadores é falar do conjunto de suas relações sociais.
Por meio das experiências do sujeito, procurou-se dar visibilidade às suas histórias,
suas determinações políticas e culturais reproduzidas em seu modo de ser “(...) não
desconectamos esse sujeito da sua estrutura, buscamos entender os fatos, a partir da
interpretação que faz dos mesmos em sua vivência cotidiana. (...)” (MARTINELLI, 2012, p.
24).
Foi possível, durante as intervenções com os sujeitos, observar o processo de
adoecimento e as mudanças significativas no cotidiano de suas vidas, e assim vieram as
primeiras indagações sobre a importância do trabalho: Qual é o significado do trabalho para o
sujeito durante o processo de reabilitação? A identificação com o novo trabalho auxilia na
superação da deficiência e/ou doença? O trabalho tem um sentido maior do que prover a
necessidade para a subsistência do trabalhador? Como as relações sociais construídas no
cotidiano dos trabalhadores reabilitados influenciam na reconstrução de sua identidade
profissional? Quais as possibilidades e dificuldades advindas dessa nova função.
A relação da pesquisadora com os sujeitos de pesquisa foi mediada por sua relação
profissional com aqueles encaminhados para o processo de reabilitação. Por meio do contato
com trabalhadores e da aproximação de suas trajetórias profissionais, marcadas pela
reabilitação e escolha de novas trajetórias de vida, a partir de sua “particularidade expressa
não apenas por seu ser ‘isolado’, mas também seu ser ‘individual’” (HELLER, 2008, p. 35).
Assim tornou-se possível percorrer os caminhos que os levaram até o momento da
reabilitação.
Primeiramente, foi necessário quantificar alguns dados para, a partir deles, elaborar os
critérios para a seleção dos sujeitos da pesquisa qualitativa, definindo como objeto de estudo
as experiências de um grupo de servidores que passaram pelo processo de reabilitação no
período de 2006 a 2011. O grupo foi formado intencionalmente pela pesquisadora e essa
escolha levou em consideração o alcance dos objetivos propostos pela pesquisa e os dados
quantificados.
Durante a construção da dissertação, procurou-se ir dialogando com os sujeitos da
pesquisa oral, representados por nove servidores, que tinham concluído o processo de
19
reabilitação, e fazendo um cruzamento com a análise de dados quantitativos do período de
2006 a 2011, ou seja, o universo de 82 trabalhadores do serviço público foi analisado, em um
primeiro momento, e os resultados foram expressos em gráficos e tabelas. Em um segundo
momento, trabalhou-se com a história oral temática, com foco nas trajetórias profissionais e,
ainda, em um terceiro momento, foi formado um grupo focal que contou com cinco dos nove
sujeitos entrevistados durante a pesquisa qualitativa.
As narrativas colhidas durante o grupo focal também dialogam com os demais
momentos da pesquisa. Afinal, “(...) a relação entre pesquisa quantitativa e qualitativa não é
uma oposição, mas complementaridade e articulação.” (MARTINELLI, 2012, p. 29) e é nesse
sentido que foi realizada a pesquisa que considerou a importância de os dados quantificados
serem articulados às narrativas dos sujeitos.
Por meio de cada palavra e instante em contato com os nove sujeitos da pesquisa,
conhecendo suas histórias, faz-se necessário entender “(...) o esforço dos narradores em
buscar sentido no passado e dar forma às suas vidas, e colocar a entrevista e a narração em seu
contexto histórico” (PORTELLI, 1997, p. 33).
O que parece haver em comum, nas situações dos nove sujeitos pesquisados, é que
todos têm uma trajetória profissional, anterior à reabilitação, em que foram demonstrados
alguns sinais do adoecimento, ou seja, a incapacidade profissional não surgiu de repente, mas
deu-se no decorrer de anos de trabalho.
A pesquisa faz-se relevante ao tratar das categorias servidor público e reabilitação
profissional, que não têm apresentado muita evidência na literatura contemporânea na área do
Serviço Social, com o intuito de dar destaque à questão da reabilitação, que envolve a
possibilidade de reconstrução de identidades profissionais.
Tal assunto revela-se delicado, para aqueles que passam pelo processo de reabilitação,
por envolver sentimentos intensos relacionados ao sofrimento e a situações de adoecimento.
Germinam, no decorrer do processo, novos modos de vida carregados de sentido; muda-se a
representação do trabalho na vida cotidiana desses trabalhadores, em um mesmo instante em
que devem superar limites para voltar a sentir-se útil enquanto trabalhadores e serem aceitos
pela sociedade em uma nova condição laboral.
Uma vez que o estudo poderá contribuir para aprofundar a discussão sobre a
identidade profissional, reconhecendo o papel central do trabalho enquanto um sentido de
vida, poderá incitar novas reflexões sobre as relações do homem com o trabalho e as novas
20
formas de enfrentamento desses sujeitos para se manter no mercado de trabalho, apesar da
fragilidade apresentada devido ao adoecimento, e/ou acidente, que levaram a restrições de
suas atividades e/ou a incapacidades laborais. A prevenção dos riscos ocupacionais tem o
papel crucial de amenizar possível reabilitação profissional, na medida em que amplia a
intervenção do Serviço Social na área de saúde do trabalhador.
A reconstrução da identidade profissional é uma tarefa instigante, que possibilita
desvendar várias reflexões sobre o trabalho na área de reabilitação, assim, supera o
imediatismo das ações e propicia o conhecimento das perspectivas dos sujeitos em relação às
condições de vida no contexto do mundo do trabalho na sociedade capitalista.
De acordo com Iamamoto (2007, p. 28),
Decifrar as novas mediações através das quais se expressa a “questão social” na cena
contemporânea é de fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla
perspectiva: para que se possa apreender as várias expressões que as desigualdades
sociais assumem na atualidade e no processo de sua produção e reprodução
ampliada; e para projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida.
Para além das constatações, a perspectiva esperada é nesse sentido, decifrar novas
mediações para propor formas de resistências dos sujeitos por meio de um olhar para a
reabilitação como possibilidade de reconstrução de identidades profissionais e inserção
laboral.
A dissertação compõem-se de introdução, três capítulos e considerações finais.
No Capítulo I, trata-se da contextualização do universo de pesquisa, ou seja, da
descrição mais minuciosa da realidade em que estão inseridos os sujeitos sociais; o cenário e o
local, permitindo entender as influências e tendências do passado, presente e futuro que
movimentam o cotidiano dos protagonistas da pesquisa. Ainda no Capítulo I, apresentam-se
os procedimentos metodológicos e os sujeitos, como trabalhadores do serviço público da
Prefeitura do Município de Piracicaba, a fim de apreender as relações sociais e explorar o
contexto social do serviço público.
Ao determinar o período da pesquisa, analisam-se as transformações políticas,
econômicas e sociais que influenciam as relações dos sujeitos sociais, tornando possível a
21
observação de suas experiências. Thompson traz importantes reflexões, em seus estudos1,
sobre como as categorias de classe e a consciência revelam-se na experiência humana. Para o
autor, não há uma classe sem experiência. A experiência nos permite entender os sentidos do
trabalho produzido pelos próprios sujeitos da pesquisa. Na perspectiva de análise trazida pelo
autor, que considera a classe como relações de pessoas legítimas dentro de um contexto,
entendemos as relações de luta.
A luta travada no dia a dia pelo trabalhador que passou pelo processo de reabilitação
no serviço público e as estratégias para manter-se enquanto trabalhador é a experiência que
queremos apreender com o presente estudo.
Os pressupostos que sustentam as bases do estudo fundamentam-se teoricamente na
percepção de Martinelli; Minayo e Portelli (2012, p. 8) que trazem as contribuições
necessárias para a realização da pesquisa qualitativa, “(...) reconhecendo na prática da
pesquisa a possibilidade de qualificar tanto o conhecimento quanto a intervenção profissional,
além de garantir, pelo uso da história oral, que memórias de vida densamente vividas não se
percam ao longo do tempo”. De tal modo que, com a pesquisa qualitativa, torna-se possível
desvendar espaços mais profundos das relações sociais. (MINAYO, 2000)
No Capítulo II, apresenta-se o estudo sobre as transformações do mundo do trabalho,
abrangendo a precarização das atividades e o adoecimento. Procura-se entender a organização
do trabalho no serviço público e o trabalho como perspectiva do direito social.
Ianni (1992) situa a importância do processo histórico na organização das relações de
trabalho influenciadas pelos movimentos do capital. Mesclam-se, na análise, as contribuições
de vários autores, relevantes para traçar as transformações do mundo do trabalho, na área do
Serviço Social que estuda as relações trabalhistas. As contribuições de Iamamoto, Raichelis,
Pochmann, Boron, Yazbek, complementadas por reflexão de outras referências, vão trazendo
à tona essas transformações, que permitem iniciar uma discussão das dimensões do mundo do
trabalho.
Os pressupostos que permeiam o estudo sobre a categoria do trabalho, baseiam-se em
Antunes (2010), recuperando várias obras de Marx, a partir do entendimento do trabalho
como um processo de transformação em que participam o homem e a natureza. Antunes
1 Referenciam-se os estudos do historiador britânico Edward P. Thompson, importante referência da concepção
teórica marxista para a compreensão das categorias classe, consciência, experiência e cultura, em seus estudos
sobre as experiências acerca da sociedade inglesa Industrial. O autor traz importantes reflexões em suas obras: A
Formação da Classe Operária Inglesa (3 volumes), A Miséria da Teoria e Costume em Comum – Estudo sobre
Cultura Popular Tradicional.
22
(2010) aponta o trabalho como central à vida e sua nova morfologia na sociedade
contemporânea.
Verifica-se o conhecimento empírico da experiência dos trabalhadores que concluíram
o processo de reabilitação relacionando a discussão do trabalho na perspectiva ontológica
histórica, em face das determinações que impulsionam os mecanismos em que se
desenvolvem tais relações.
Com base em Marx (2011), e na reflexão trazida em sua obra2, trata-se do trabalho
alienado, fruto do modo de produção e da exploração do capitalismo. Por meio da produção
da mais valia, apresenta-se também o trabalho como direito social e seu sentido
emancipatório. Nessa perspectiva, entende-se o sentido humanizador do trabalho, a
importância da defesa de sua centralidade para o ser social, recorrendo-se ao pensamento
materialista histórico.
Ainda no Capítulo II, aponta-se a Reforma do Estado a partir das referências de Dal
Rosso. Verifica-se como esse processo influenciou as relações no serviço público na década
de 2000. Entende-se como a questão do neoliberalismo tem conduzido as relações de trabalho,
tornando-o precário e intensificado. Para tratar da precarização, há contribuições também de
Druck e Lourenço, expoentes na questão da saúde do trabalhador.
Assim, entra-se no adoecimento pelo trabalho, entendendo o desgaste mental do
trabalhador segundo Seligman-Silva (2011, p. 42) que busca apreender “aspectos que dizem
respeito à constituição do desgaste mental e à construção de resistências diante das
transformações interconectadas do trabalho e dos fenômenos de dominação”. Revelam-se o
sofrimento e desgaste mental, trazendo elementos centrais para tratar do adoecimento no
serviço público.
Apontam-se algumas contribuições de Dejours (1992, p. 43), que indica o conceito:
“Do choque entre um indivíduo, dotado de uma história personalizada, e a organização do
trabalho, portadora de uma injunção despersonalizante, emergem uma vivência e um
sofrimento (...)”, contribuindo para o entendimento da categoria do sofrimento no trabalho.
Ainda nesse sentido, Sawaia (2006) fala do sofrimento ético-político com a reflexão
direcionada ao campo ético-político, o que permite a discussão de valores e dos impactos do
capitalismo sobre a vida dos trabalhadores em questão.
2 Obra de Karl Marx: O Capital, Crítica da Economia Política, no livro primeiro: O Processo de Produção do
Capital -, v. II, Capítulo V.
23
O Capítulo III fundamenta-se nas reflexões realizadas nos capítulos anteriores, que
apresentam referências para a sua construção e as Considerações Finais.
Martinelli (2000, p. 25) também contribui para o Capítulo III, em que se discorre sobre
a categoria identidade, pois é referência em seus estudos “(...) compreender as formas
históricas de manifestação de identidade (...)”. Nesse sentido, verifica-se que, para reconstruir
a sua identidade profissional, o trabalhador que foi reabilitado não se desvencilha de sua
história e dos processos identitários que resultam de suas interações como trabalhador, mesmo
que, em dado momento, julgue ter perdido o sentido de seu trabalho e se distancie de sua
profissão, devido ao adoecimento, mantém uma manifestação de sua identidade. Assim, faz-se
necessário entender o significado da identidade profissional e da identidade atribuída.
Ainda no Capítulo III, a questão da identidade é evidenciada, vinculada à vida
cotidiana e à reconstrução da identidade profissional, partindo da reflexão de que
Identidade e consciência social não podem ser pensadas, portanto, a distância da
totalidade social, como abstrações ou generalidades ou como categorias isoladas; é
preciso pensá-las dialeticamente, como categorias plenas de movimento e de
historicidade. (MARTINELLI, 2000, p.19).
Heller (2008, p. 31) contribui para a reflexão sobre o cotidiano como espaço político e
contraditório. Traz à tona as conexões entre modo de vida e cotidiano por meio das
experiências dos sujeitos. “A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem
participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua
personalidade.” Considera-se que a vida cotidiana se constitui em torno da organização do
trabalho, à qual se subordinavam todas as demais formas de atividade.
Institui-se uma aproximação com a psicologia social crítica através de Ciampa, Sawaia
e Codo que trazem uma análise relevante para melhor entender a subjetividade, não como
uma categoria central para a compreensão do estudo, mas posta no sentido de conhecer o
indivíduo como pertencente ao gênero humano, ao considerar o ser humano como a história
de suas relações sociais.
Com sucessivas aproximações, discute-se a reabilitação, com a preocupação de não
perder de vista a precarização do trabalho e os riscos de agravos à saúde do trabalhador, que
levaram ao adoecimento, esquivando-se da ideia de enaltecer o processo de reabilitação, mas,
ainda, validar um olhar para a reabilitação como possibilidade de reconstrução de identidades
profissionais e de inserção laboral.
24
Nas Considerações Finais chega-se à perspectiva da reabilitação como possibilidade
de reconstrução de identidades profissionais. Apresenta-se uma reflexão respaldada nos três
capítulos, com algumas sugestões e novas indagações elaboradas com base nos retornos
construídos, por meio da participação dos sujeitos da pesquisa, nas análises documentais e
bibliográficas.
25
CAPÍTULO I – TRAÇANDO UM CAMINHO
A gente é um número e não é lembrado como pessoa. Para
mim, você me lembrou como pessoa, teve essa identificação
comigo ao buscar saber minha história.
(Monitora - 14, depoimento colhido através do grupo
focal em março de 2013)
Para possibilitar o conhecimento da realidade em que a pesquisa foi realizada, faz-se
necessário a contextualização do município, com a finalidade de entender sua história e os
aspectos de sua formação socioeconômica, com o propósito de aprofundar o conhecimento do
cenário em que os sujeitos do estudo convivem e as diversidades locais na dinâmica peculiar
da cidade. A aproximação permitiu-nos compor algumas considerações para nortear a
interpretação do estudo e traçar os caminhos propostos para o alcance dos objetivos da
pesquisa.
Piracicaba localiza-se no interior do Estado de São Paulo, na região Sudeste do Brasil,
(SEADE, 2012). Possui 369.768 habitantes, com a expectativa de alcançar 372.553 habitantes
até julho de 2013. Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ao analisar a
condição de vida local, encontrou-se o IDHM3 de 0,836, no ano de 2000, considerado índice
de alto desenvolvimento humano, o qual engloba os municípios com índice superior a 0,800.
A cidade foi fundada oficialmente em 1767. O significado de seu nome, a
pesquisadora, como natural da cidade, aprendeu na infância ser o “lugar onde os peixes
param”, versão que vem do Tupi-Guarani e simboliza as quedas d’água existentes no Rio
Piracicaba que fazem com que a migração dos peixes parem, em razão da piracema.4
3 Indicador utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que focaliza o
município como unidade de análise, a partir das dimensões de longevidade, educação e renda, que participam
com pesos iguais na sua determinação, segundo a fórmula:
IDHM =
Índice de Longevidade + Índice de Educação + Índice de Renda
3
(Disponível em: www.seade.gov.com. Acesso em: 24 abr. 2013.)
4 Piracema: Arribação de peixes em grandes cardumes. / Época em que ocorre essa arribação, principalmente
para a desova. / Cardume de peixes. / Bras. (SP) O rumor que fazem os peixes ao subir para a nascente na época
da desova. (Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/Piracema.html. Acesso em: 4 maio 2013.)
26
No período de grande desenvolvimento econômico da cidade, na década de 1970,
destacava-se, na agricultura, o cultivo da cana-de-açúcar e do café. Ao fim do ciclo do café e
com a queda dos preços da cana-de-açúcar, ocorre a decaída dessas áreas. Assim, a partir do
século 20, teve ênfase o desenvolvimento industrial. Nesse período, a açúcar passa a ser
produzida pelas máquinas e continua como possibilidade de crescimento, pois as fábricas se
instalavam formando o centro industrial. Era a época da industrialização da cidade.
Aliada à implantação do Distrito Industrial em Piracicaba, registra-se a migração de
muitas pessoas em busca de trabalho. Outro ponto forte que movimentou a economia da
cidade foi a indústria canavieira, envolvendo atividades de produção de açúcar, álcool e
eletricidade. Inicia-se, assim, rápido crescimento urbano (IPPLAP, 2012).
Outro destaque, na história da cidade, na área de educação, desde 1934, é a Escola de
Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), renomada referência para muitos estudantes do País, que
buscavam morar na cidade com o intuito de realizar o curso de Engenharia Agrônoma. O
município está contíguo à Região Metropolitana de Campinas e situado a apenas 152
quilômetros da Região Metropolitana de São Paulo. Hoje também tem importantes
instituições de ensino, como a Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e a Faculdade
de Odontologia de Piracicaba (FOP - Unicamp).
O desenvolvimento da cidade alavanca a ampliação dos equipamentos públicos locais.
“No decorrer do século XX, com a expansão populacional e territorial de Piracicaba, novas
ações para a criação de escolas foram realizadas pela Prefeitura Municipal, principalmente a
partir de 1995, quando o Estado de São Paulo lançou o plano de municipalização do ensino
fundamental” (IPPLAP, 2012, p.15).
Para atender às mudanças do governo do Estado, que passa a municipalizar os serviços
da educação, a cidade teve que buscar meios para adequar-se a essa nova realidade e ampliar a
gestão municipal.
As mudanças são sentidas pelos moradores da cidade que, aos poucos, deixa suas
características interioranas, em que as famílias se conheciam e participavam de rodas de
conversa, na Praça José Bonifácio, palco de muitos encontros e desencontros. As relações de
convivência começam a mudar, com a industrialização, assim, a praça passa a ser utilizada
como espaço dos trabalhadores que se reuniam para discutir os assuntos políticos da cidade e
articular movimentos. Nota-se que, até nos dias de hoje, é utilizada por lideranças locais para
realizar discursos, manifestações populares e reinvindicações trabalhistas.
27
Um elemento central, na história local, é o Rio Piracicaba, que é seu símbolo desde a
origem da cidade. O desenvolvimento também afeta sua paisagem, e o rio sofre muitas
modificações, apesar de lutas dos ambientalistas locais. Não foi possível conter as
transformações ao seu redor e a poluição de suas águas modifica severamente a paisagem do
rio, reflexo do sistema capitalista, onde o lucro prevalece sobre a destruição dos recursos
naturais.
A identidade da cidade está ligada ao rio e se relaciona ao seu nome, quando é
lembrada pelas pessoas, mesmo as que não são de origem local, referem-se ao rio, ao
descrevê-la. A memória do rio está presente na história. Ambos cooperam, rio e cidade, para
as percepções históricas e culturais de seus moradores vivas na memória e no imaginário de
seus habitantes.
O rio dos pescadores também se transforma, com a transformação da cidade,
Em Piracicaba, (...) todo mundo conhecia todo mundo e a gente, fechando os olhos, podia
‘ver’ cada casa de cada rua e seus habitantes. Cidade interiorana bonita, diferentes das
demais: possuía uma Escola Agrícola de muitas glórias; sediava uma das sete Escolas
Normais do Estado e tinha também, o que não perdoo lhe foi roubado, o soberbo rio e
frondoso jardim com sonoro repuxo… As professoras diplomadas e as estudantes, futuras
professorinhas – havia sempre uma, ou diversas, em cada família, eram estimadas por
todos. (FERRAZ, 1986)5.
Uma das professoras traz em sua fala semelhante lembrança da importância, na época,
dada pela sociedade ao cargo de professor,
A gente que estudou a educação sabe a questão histórica da formação, quando um
professor estudou. Antigamente, o professor era mestre, tinha cadeira, era respeitado, ele
tinha uma importância, um alto escalão, depois que ele se tornou uma ferramenta do povo,
ele desceu o nível, hoje, o médico é visto como uma pessoa de alto escalão. (Professora -
10, depoimento colhido em março de 2013).
Com o passar dos anos, a cidade transformou-se, fruto do desenvolvimento
desenfreado expande-se rapidamente formando novos bairros, e as ruas de terra, que fizeram
parte da infância da pesquisadora, transformaram-se em grandes avenidas, por onde hoje
circulam muitos veículos, no vaivém da movimentada cidade.
Segundo Chauí (2000), há uma crença generalizada de que o Brasil é um dom de
Deus e da Natureza: um País sem preconceitos e acolhedor e que só não melhora e não
5 Ercilia Guerrini Ferraz manifesta-se a respeito das lembranças da cidade em artigo publicado, em 1986, no
Jornal de Piracicaba. Disponível em: <www.provincia.com.br>.
28
progride quem não trabalha, e que se completa com a suposição de que ainda falta ao País a
modernização – isto é, uma economia avançada. Essa crença também se manifesta nos
diversos elementos sobre a história da formação de Piracicaba, segundo a qual os governantes
buscaram modernizar a cidade em prol de interesses capitalistas. Pauta-se em uma ideologia
desenvolvimentista para a população, que acaba por aclamar essas mudanças com base em
metas neoliberalistas para o crescimento da economia e o aumento do consumo.
Outrossim, pensar na história da cidade é pensar na sua cultura, expressa na história
de seu povo, formada por seus valores, hábitos, tradições, entre outros fatores que expressam
o modo de vida dos piracicabanos. “Convém lembrar, ainda, que a Organização do Trabalho é
sempre penetrada pela cultura historicamente moldada e própria aos vários contextos
regionais e nacionais. (...).” (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 96).
Uma forte tradição religiosa da cidade, influenciada pelo cristianismo, é a
comemoração da Festa do Divino, que ocorre todos os anos no mês de julho, às margens do
Rio Piracicaba. Realiza-se uma festa de devoção para o Espírito Santo com grande
participação da população local e do seu entorno.
A figura de um morador, Elias dos Bonecos, também mantém atual a memória de
Piracicaba. Elias expressava seus sentimentos pela cidade e pelo rio por meio de sua arte,
como forma de protesto contra as consequências do desenvolvimento para o rio.
(...) eterno morador da Rua do Porto. Nasceu a 03 de agosto de 1931, cresceu e viveu ao
redor do Rio Piracicaba. De família simples e dependente da pesca para a alimentação
diária, Elias tornou-se um defensor do meio ambiente. Iniciou a confecção de bonecos
fazendo o primeiro para uma menina e depois, o “Judas” para a criançada da Rua do Porto.
Ao longo do tempo, transformou os bonecos em representantes dos pescadores às margens
do Rio Piracicaba, como documento presente da sua piscosidade e belezas naturais, e
também, como protesto pela propagada morte deste rio, causada pela poluição e desvio de
suas águas pelo Projeto Cantareira. (Disponível em:
<http://agendaculturalpiracicabana.blogspot.com.br/2009/04/elias-dos-bonecos-e-do-rio-
de.html>. Acesso em: 24 abr. 2013).
29
Figura 1 – Bonecos de Elias e Elias dos Bonecos, respectivamente
Fonte: Disponível em: <http://agendaculturalpiracicabana.blogspot.com.br/2009/04/elias-dos-bonecos-e-do-rio-
de.html>. Acesso em: 24 abr. 2013.
O Projeto Cantareira visava o represamento do rio para o abastecimento de água da
Grande São Paulo, prejudicando a bacia do Rio Piracicaba. Esse fato fez com que muitos
moradores, como Elias, procurassem mobilizar as pessoas para sensibilizar os políticos a não
apoiar esse projeto, porém, não conseguiram impedir o seu desenvolvimento e o rio sofreu as
consequências, diminuindo sua vitalidade.
Um fato curioso, que expressa a cultura do povo piracicabano por meio da culinária
típica local, são as pamonhas de Piracicaba, assim vendidas: “Pamonhas, pamonhas,
pamonhas, pamonhas de Piracicaba. É o puro creme do milho verde. Venham experimentar
estas delícias. Pamonhas quentinhas, pamonhas caseiras, pamonhas de Piracicaba (...)”
(WIKIPEDIA, 2013). Os vendedores ambulantes de pamonha, de todo o País, costumam usar
cópia da gravação feita em Piracicaba, na década de 1970. Esse pregão, utilizado para vender
o doce feito de milho, tornou Piracicaba conhecida pelas pamonhas em várias localidades do
Estado de São Paulo (WIKIPEDIA, 2013).
Em relação ao rio, está em desenvolvimento, desde meados de 2010, processo de
revitalização de suas margens com o projeto Beira Rio, que é fruto de uma parceria público-
privada, entre a prefeitura e Petrobras, empresa de petróleo brasileiro, que investiu recursos
no projeto que tem como conceito “a visão de que o rio e a cidade de Piracicaba formam uma
mesma entidade biocultural” (IPPLAP, 2013). O projeto aponta a necessidade do
30
restabelecimento da margem, levando em consideração “a sustentabilidade entre o homem,
cultura e o meio” (IPPLAP, 2013).6
A dinâmica da cidade está em interação com seus moradores, nesse espaço onde as
pessoas se relacionam e convivem, interagindo com o meio ambiente. Constituem, assim,
diferentes perspectivas da cidade e de sua condição social, a partir de suas relações e ações
relacionadas a mudanças socioeconômicas e culturais, desenvolvendo uma cultura peculiar.
Uma vez que sua projeção na história e na formação socioeconômica esteve
relacionada à influência da cana-de-açúcar, que, apesar dos avanços tecnológicos, conseguiu
manter a sua posição de grande relevância econômica na cidade e região.
Pois não existe desenvolvimento econômico que não seja ao mesmo tempo
desenvolvimento ou mudança de uma cultura. E o desenvolvimento da
consciência social, como o desenvolvimento da mente de um poeta, jamais
pode ser, em última análise, planejado. (THOMPSON, 1998, p. 304).
Afinal o desenvolvimento chega e a cidade tem assim transformado o seu cenário.
Influenciada pelo crescimento urbano e pelo econômico, deixa de ser uma pequena cidade do
interior e passa a ser considerada uma grande cidade, trazendo com essa nova identidade todas
as características com suas fortes marcas de desigualdade presentes no cotidiano de seus
moradores.
6 Disponível em: <www.ipplap.com.br/projetos.beirario_introdução>. Acesso em: 19 abr. 2013.
31
Figura 2 – Vista do Rio Piracicaba e da Rua do Porto, a partir da atual Praça Miguel Dutra,
início do século 20
Fonte: Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba (IPPLAP) (2013). Disponível em:
<http://www.ipplap.com.br/acidade_imagens.php>.
Figura 3 – Cidade de Piracicaba na década de 2000
Fonte: Prefeitura do Município de Piracicaba. Arquivo interno (IPLAPP , 2013)
32
O crescimento intenso da cidade amplia a demanda do município por serviços públicos
necessários para garantir o bem-estar da população.
O acesso é realizado através dos equipamentos públicos das áreas de educação,
segurança, lazer, saúde, transporte, cultura, assistência social e meio ambiente, que envolvem
o atendimento direto das necessidades da população.
Para entender como se organiza o serviço público municipal de Piracicaba, é
indispensável relacioná-lo à análise das condições estruturais e do complexo socioeconômico
e político da cidade, para proporcionar a visualização da rede de serviços públicos existentes
no município. Entretanto, sem perder de vista os sujeitos, nesse contexto.
Quanto à situação socioeconômica, observa-se a Política Nacional de Assistência
Social (PNAS-2004), como uma referência teórica a partir dos parâmetros utilizados para
configurar a totalidade dos municípios brasileiros, favorecendo o conhecimento da dinâmica
que se processa no cotidiano das populações.
Os dados gerais do País que compõem a PNAS-2004 proporcionam a análise
situacional macro, ao considerar os seus grandes grupos (Quadro 1).
Quadro 1 – PNAS-2004 – Classificação dos municípios segundo o total de habitantes
Classificação População
Municípios pequenos 1 até 20 mil habitantes
Municípios pequenos 2 entre 20.001 a 50 mil habitantes
Municípios médios entre 50.001 a 100 mil habitantes
Municípios grandes entre 100.001 a 900 mil habitantes
Metrópoles superior a 900 mil habitantes
Fonte: Adaptado pela autora – PNAS (2004)
Piracicaba é considerado município de grande porte, com população entre 100.001 a
900 mil habitantes. O Quadro 2 indica que 23,55% da população dos municípios grandes está
vivendo com renda per capita abaixo da linha de pobreza. Esse dado demonstra a importância
da rede de atendimentos para esse contingente populacional, que depende exclusivamente das
33
políticas públicas para sobreviver. A execução dos serviços públicos implica diretamente o
trabalho dos servidores públicos.
Quadro 2 – Concentração da pobreza nos grupos de municípios classificados pela população de 2000
Municípios
classificados
pela
população
Total de
municípios
População
Total
População com
renda per capita
abaixo da linha da
pobreza
Média da
População com
renda per capita
abaixo da linha
de pobreza em
cada município
População com
renda per capita
abaixo da linha
de pobreza
Grande porte 209 50.321.723 11.852.368 56.710 23,55%
Fonte: Adaptado pela autora – PNAS (2004)
Figura 4 – Mapa dos municípios do Brasil
Fonte: Base de Dados PNAS, 2004 - Atlas do Desenvolvimento Humano, 2002
Os municípios de grande porte são mais complexos, na sua estruturação econômica,
assim como os polos de regiões e as sedes de serviços especializados, pois, normalmente,
34
concentram mais oportunidades de emprego e oferecem maior número de serviços públicos e
infraestrutura, ou seja, apresentam grande demanda por serviços das várias áreas das políticas
públicas. De acordo com o Mapa da Exclusão/Inclusão Social da cidade,
Piracicaba possui um dos principais polos de fomento de pesquisa tecnológica e
científica do país, abrigando importantes universidades e centros de pesquisa,
convivendo com bairros marcados pela pobreza, precariedade territorial e
vulnerabilidades sociais. (...) apresenta uma realidade típica que marca as cidades
brasileiras onde se concentram grandes demandas por melhores condições
habitacionais, empregos, serviços e equipamentos básicos de educação e saúde,
dentre outras. Sem dúvida, as cidades trazem o lado mais terrível da atual realidade
brasileira caracterizada por traços profundos de desigualdades socioterritoriais, com
padrões injustos de apropriação das riquezas sociais produzidas coletivamente.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRACICABA, 2003, p. 7)7.
Ainda na análise macro, também se deve observar que Piracicaba está contíguo à
Região Metropolitana de Campinas (RMC), que é constituída por 19 municípios paulistas, um
grande centro urbano-industrial e também está situado próximo à Região Metropolitana de
São Paulo. Assim, sofre influências das duas regiões, que são de supra importância para o
desenvolvimento econômico e social da cidade e sua formação sócio-histórica.
De acordo com a Fundação Seade (Quadro 3), o Produto Interno Bruto (PIB), do
Município de Piracicaba, esteve entre os 20 mais bem classificados no ranking do Estado de
São Paulo, do ano de 2010.
Quadro 3 – Municípios mais bem classificados no ranking do PIB municipal no Estado de São Paulo, 2000-2010
RANKING DO PIB MUNICIPAL
Classificação Ano
2000 2010
1 São Paulo São Paulo
2 São José dos Campos Guarulhos
3 Guarulhos Campinas
4 Campinas Osasco
5 São Bernardo do Campo São Bernardo do Campo
6 Barueri Barueri
7 Osasco Santos
(Continua)
7 Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de Piracicaba – ano de 2003. Realizado com a assessoria técnica
do Instituto de Estudos de Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Polis).
35
Quadro 3 – Municípios mais bem classificados no ranking do PIB municipal no Estado de São Paulo, 2000-2010
RANKING DO PIB MUNICIPAL
Classificação Ano
2000 2010
8 Santo André São José dos Campos
9 Sorocaba Jundiaí
10 Ribeirão Preto Santo André
11 Jundiaí Ribeirão Preto
12 Paulínia Sorocaba
13 Santos Diadema
14 Diadema São Caetano do Sul
15 São Caetano do Sul Piracicaba
16 São José do Rio Preto Taubaté
17 Mauá São José do Rio Preto
18 Piracicaba Louveira
19 Taubaté Mogi das Cruzes
20 Cubatão Paulínia
Fontes: Fundação Seade e IBGE
Observa-se que Piracicaba, em 2000, encontrava-se no décimo oitavo lugar; enquanto
que, em 2010, ocupa o décimo quinto lugar. Em comparação, nota-se que Piracicaba
melhorou seu PIB. Esse fato pode estar associado ao avanço significativo do setor industrial:
“(...) os municípios de Jundiaí, Piracicaba e Taubaté ocuparam melhor posição no ranking em
razão da maior participação no VA industrial8 e do setor de serviços entre 2000 e 2010”
(SEADE, 2012, p. 4).
Ao analisar a Tabela 1, do perfil do município, nota-se que o setor de maior
empregabilidade é o de serviços, com 41.975 empregos; em segundo, o da indústria, com
39.660 vagas, no ano de 2011; em seguida, apresenta-se o setor do comércio. Nesse âmbito,
destaca-se o setor da Administração Pública, por ser a área de atividade de interesse, no
estudo, e apresenta a quinta posição, em números relativos a 2011. Observa-se, entre os anos
de 2010 a 2011, que o número cresceu de 5.269, para 6.691, equivalendo ao saldo de 432
empregos e alcançando o terceiro lugar, em 2012.
8 VA Industrial é a participação no Valor Adicionado da Indústria (SEADE, 2012).
36
Tabela 1 – Perfil do município, de acordo com as atividades econômicas
SETOR DE
ATIVIDADE
ECONÔMICA
IBGE
ESTOQUE ANUAL Estimativa do
estoque 2013
(Estoque/201
1 + Saldo
2012 + Jan-
Fev/2013)
% 2010 2011
Saldo de
2012
(CAGED)
Saldo Jan-
Fev/2013
(CAGED)
Extrativa Mineral 77 77 7 0 84 0,06
Indústria de
Transformação 38.564 39.660 1.727 1.371 42.758 32,53
Serviços Indústriais
de Utilidade Pública 718 721 536 41 1.298 0,99
Construção Civil 5.605 7.206 103 352 7.661 5,83
Comércio 27.618 29.736 168 -367 29.537 22,47
Serviços 38.713 41.975 -282 452 42.145 32,06
Administração
Pública 5.269 6.691 432 -1 7.122 5,42
Agropecuária 981 1.053 -225 24 852 0,65
TOTAL 117.545 127.119 2.466 1.872 131.457 100,00
Fonte: Dados fornecidos pela Secretaria Municipal do Trabalho e Renda (Semtre)
Os jovens da cidade são cerca de 24 mil e ao refletir sobre a questão da inserção no
mercado de trabalho, analisa-se o saldo de empregos para esse segmento populacional. Na
Tabela 2, verifica-se que as oportunidades estão relacionadas a serviços e à indústria. Desse
modo, há um forte atrativo para os jovens, para esse mercado, que contam como facilitadora
dessa inserção profissional a disponibilização de vários cursos técnicos, no município, que
propiciam oportunidades nessas áreas.
Com esse enfoque, destacam-se algumas instituições de ensino que apresentam ampla
procura por jovens, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), a Fundação Municipal de Ensino de
Piracicaba (Fumep) e a Escola Técnica Estadual (Etec) Cel. Fernando Febeliano da Costa.
Todas oferecem cursos específicos de preparo da mão de obra local para inserção no mercado
de trabalho, suprindo a demanda específica de grandes indústrias de Piracicaba, ditas como
tradicionais, como a Caterpillar do Brasil, Delphi Automotive System, Dedini S.A. e a recém-
chegada Hyundai.
37
O que se observa é uma demanda, nessas empresas, para o gênero masculino, por
estarem relacionadas, em sua maioria, com o setor automobilístico e de peças industriais, e
nas quais ainda prevalecem funções culturalmente ocupadas por pessoas do gênero masculino.
Tabela 2 – Perfil do município de acordo com a faixa etária
FAIXA
ETÁRIA 2010 2011
Saldo Jan-
Dez/2012
Saldo Jan-
Fev/2013
TOTAL
(2011 + Saldo
Jan-Dez/2012 +
Jan-Fev/2013)
Total
(%)
Até 17 2.020 2.272 1.365 258 3.895 2,96
18 a 24 22.845 23.805 1.933 576 26.314 20,02
25 a 29 21.269 22.372 383 217 22.972 17,47
30 a 39 32.515 36.122 27 532 36.681 27,90
40 a 49 23.030 24.698 -451 262 24.509 18,64
50 a 64 14.809 16.570 -602 41 16.009 12,18
65 ou mais 1.057 1.280 -189 -14 1.077 0,82
Total 117.545 127.119 2.466 1.872 131.457 100,00
Fonte: Dados fornecidos pela Secretaria Municipal do Trabalho e Renda (Semtre)
Na Tabela 3, verifica-se que, no quesito gênero, em Piracicaba, há uma porcentagem
maior de pessoas do sexo masculino, totalizando 62,13%, em relação a 37,87% da população
feminina.
Tabela 3 – Perfil do Município de Piracicaba, de acordo com o gênero
GÊNERO Masculino Masc.
(%) Feminino
Fem.
(%)
Estoque
(Soma Masc. +
Fem.)
2010 74.468 63,35 43.077 36,65 117.545
2011 78.978 62,13 48.141 37,87 127.119
Saldo 2012 559 22,67 1.907 77,33 2.466
Saldo Jan-Fev/2013 1.398 74,68 474 25,32 1.872
Total 80.935 61,57 50.522 38,43 131.457
Fonte: CAGED e RAIS/MTE.
38
Apesar da porcentagem maior de pessoas do sexo masculino no município, o serviço
público não espelha esse dado. Essa relação não se repete no setor público municipal, onde
prevalece a maioria de funcionários do sexo feminino.
A Tabela 4 mostra que cerca de 70% dos funcionários públicos, em 2011, eram do
sexo feminino e concentrados, em sua maioria, na faixa etária de 30 a 49 anos. Destaca-se a
característica de o gênero feminino predominar no serviço público.
Tabela 4 – Perfil dos funcionários públicos municipais por faixa etária e gênero
FAIXA
ETÁRIA
2010 2011
Masculino Feminino TOTAL Masculino Feminino TOTAL
Até 17 0 0 0 0 0 0
18 a 24 34 98 132 42 212 254
25 a 29 105 371 476 141 592 733
30 a 39 385 1.115 1.500 482 1.537 2.019
40 a 49 671 1061 1.732 694 1307 2.001
50 a 64 594 751 1.345 678 894 1.572
65 ou mais 49 35 84 59 53 112
Total 1.838 3.431 5.269 2.096 4.595 6.691
Fonte: RAIS – Ministério do Trabalho e Emprego (IPPLAP, 2013). Adaptada pela autora.
Ressaltando o papel fundamental dos gestores do município no processo de
desenvolvimento econômico e social, reafirma-se a responsabilidade pela oferta de serviços
que proporcionem melhor qualidade de vida aos munícipes.
O desenvolvimento econômico influi diretamente no total da arrecadação municipal,
compondo a previsão orçamentária para os investimentos nos serviços públicos que serão
disponibilizados para a gestão da cidade, possibilitando ou não a redistribuição da riqueza
entre os moradores.
39
O Município de Piracicaba adota como parâmetros, para a construção da Lei
Orçamentária Anual (LOA), a média de crescimento anual do PIB e a Inflação Média Anual
conforme indicação do Banco Central, em 2013. Segundo dados da Secretaria Municipal das
Finanças, a receita corrente prevista é de R$1.139.047.979,00, para 2013. Em 2012, foi de R$
1.028.720.366,00.
O Gráfico 1 traz a arrecadação, em porcentagem, conforme o tipo de receitas previsto
para a arrecadação municipal, facilitando o entendimento da lógica da riqueza dos recursos
públicos.
Gráfico 1 – Previsão de arrecadação do município (em %) – LOA-2013
Fonte: Secretaria Municipal de Finanças/Prefeitura Municipal de Piracicaba - janeiro de 2013. Disponível
em: <http://www.financas.piracicaba.sp.gov.br/goto/store/texto/25/audiencias-publicas>.
As receitas municipais são arrecadadas com base nos seguintes impostos: o Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS); Imposto sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISSQN); Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); Fundo de Participação dos
Municípios (FPM) e Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
Segundo dados da Secretaria Municipal de Finanças, a previsão na LOA/2013
demonstra que os maiores investimentos são para as Secretarias de Saúde e de Educação. A
primeira tem previsão de 31,79% do orçamento municipal e, a segunda, de 27,19% (LOA,
2013).
40
Ressalta-se que é oriunda da Secretaria da Educação a maioria dos sujeitos indicados
para a reabilitação profissional e está entre as duas maiores secretarias que agregam o maior
número de serviços públicos; a segunda é a Secretaria Municipal da Saúde.
Para entender como estão configurados os serviços da Secretaria Municipal de
Educação, apresenta-se o mapa que contém todos os locais onde estão distribuídos permitindo
uma análise territorial do município e da distribuição dos equipamentos públicos que fazem
parte do cotidiano dos sujeitos da pesquisa. Os locais mencionados e discriminados no mapa
são os postos de trabalho em que atuavam os trabalhadores antes do processo de reabilitação e
em que a maioria ainda atua.
Na visualização do mapa, entende-se a dimensão do atendimento do serviço público,
que envolve todo o município e releva-se a sua importância na cidade.
Figura 5 – Mapa de equipamentos públicos municipais de Saúde e Educação
42
Além da importância do serviço público para a cidade, acresça-se que o acesso a esses
serviços está relacionado a uma melhor qualidade de vida. Sposati (2003, p.76) apresenta duas
premissas, ao analisar a qualidade de vida no Mapa da Exclusão/Inclusão Social da cidade de
Piracicaba:
(...) a noção de qualidade de vida envolve duas grandes questões: a qualidade e a
democratização dos acessos às condições de preservação do homem, da natureza e
do meio ambiente. Sob esta dupla consideração entendeu-se que a qualidade de vida
é a possibilidade de melhor redistribuição – e usufruto – da riqueza social e
tecnológica aos cidadãos de uma comunidade; a garantia de um ambiente de
desenvolvimento ecológico e participativo de respeito ao homem e à natureza, com
o menor grau de degradação e precariedade. (PREFEITURA MUNICIPAL DE
PIRACICABA, 2003. Disponível em: <ipplap.com.br/site/planejamento/estudos-e-
pesquisas/mapa-da-exclusaoinclusao-social>. Acesso em: 25 abr. 2013).
Deste modo, o investimento em recursos humanos é possível e necessário, pois
melhorar a qualidade de vida dos servidores públicos significa também investir em serviços
públicos adequados para a população, principal financiadora, por meio do pagamento de
impostos.
1.1 Local da Pesquisa e Características do Serviço Público
A Prefeitura do Município de Piracicaba presta serviços para toda a população e a
gestão é realizada por 17 secretarias e três autarquias. Segundo dados do IPPLAP (2012), a
prefeitura contém, em seu quadro, 6.691 servidores públicos, conforme o levantamento
realizado em 2011, que estão exercendo suas funções nos diversos equipamentos públicos que
compõem cada secretaria municipal.
43
Figura 6 – Prefeitura de Piracicaba - Edifício onde se localiza a Secretaria Municipal de Administração
Fonte: Disponível em: <http://www.selam.piracicaba.sp.gov.br/site/sobre-a-selam/140-endereco.html>. Acesso em:
jan. 2012
Conforme a área de atuação e as especificidades do setor público, existe diversidade
de funções e sabe-se que as atividades realizadas pelo trabalhador possuem características
peculiares que as relacionam a uma menor ou maior possibilidade de adoecimento.
A configuração do trabalho, como as tarefas, metas, atividades, o tempo de trabalho,
ambiente, a gestão, entre outros fatores, provocam o desgaste desses trabalhadores, seja no
aspecto físico e/ou mental, tornando-os sujeitos a adoecer e a passar por um processo de
reabilitação profissional.
Dentro do universo dos 6.691 servidores municipais, 82 concluíram seus processos de
reabilitação no período de 2006 a 2011. Para compor esse dado, considerou-se a
movimentação do trabalho da reabilitação, que recebe servidores encaminhados pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), no caso, os servidores sob o regime de trabalho da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e pelos próprios serviços da prefeitura, por meio
da Junta Médica Oficial e/ou pelo Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e
44
Medicina do Trabalho (SESMT), no caso, os servidores de regime de trabalho estatutário.
Ambos os encaminhamentos ao processo de reabilitação ocorrem por indicação médica.
Neste dado, consideram-se apenas os servidores que foram reabilitados, e não se
consideram as adaptações, ou seja, não foram considerados os casos em que, após a conclusão
da reabilitação profissional, o servidor continuou a exercer o seu cargo de origem com
restrições no desempenho de algumas atividades.
Observam-se duas definições essenciais, para entender o estudo proposto: O que são
reabilitação e adaptação para o serviço público municipal. Considera-se adaptação quando o
trabalhador continua a exercer sua função, com algumas restrições, ou seja, continua na
mesma função, porém, podem ocorrer alguns fatores, como a modificação de algumas
atividades, do ambiente, dos equipamentos, entre outros específicos da necessidade advinda
do processo de adoecimento. A segunda definição é a reabilitação profissional, que ocorre
quando o trabalhador deixa de exercer a sua função e passa a ter uma função diferente do seu
cargo de origem9, conforme sua nova condição de saúde.
Todavia, não foi possível considerar o número das adaptações para a pesquisa, tendo
em vista ser um dado que não foi alcançado para quantificar, devido à dinâmica em que são
realizadas na prefeitura - podem ser temporárias e/ou permanentes -, e não necessariamente o
SESMT, como setor responsável pelo serviço, tem o controle preciso desse número (consulta
ao setor SESMT em junho de 2012).
No cotidiano de trabalho, os médicos do SESMT costumam emitir ofícios diretamente
para as chefias e/ou gestores municipais, para indicar a adaptação. Também ocorre da própria
chefia, muitas vezes, afastar o funcionário temporariamente da função, até que apresente
melhoras na situação de saúde.
Conforme a apreensão desses procedimentos pela pesquisadora, como profissional do
setor, observa-se que os casos ocorrem muitas vezes devido ao adoecimento temporário,
como pequenas cirurgias, gestações de risco, entre outras situações que prejudicam
temporariamente a execução das atividades rotineiras do trabalhador. Deste modo, designam-
se as adaptações, que podem ser temporárias, a critério da indicação médica.
9 Considera-se cargo de origem, no presente estudo, o cargo para o qual o trabalhador foi contratado para exercer
inicialmente no serviço público municipal, mediante edital de contratação por concurso público.
45
Também ocorre que algumas adaptações se tornam permanentes e, em outros casos,
em que o trabalhador não consegue se adaptar, é indicada nova avaliação médica e assim pode
ocorrer o pedido de reabilitação profissional.
Há, ainda, que analisar, a partir dos dados quantitativos, os aspectos funcionais dos
servidores que concluíram o processo de reabilitação no período de 2006 a 2011. Esses dados
foram organizados em planilhas e classificados em tabelas e gráficos que serão tratados no
decorrer dos capítulos.
Na análise da Tabela 5, nota-se que a maior porcentagem de reabilitados (0,484%),
ocorreu no ano de 2009. Talvez seja porque, nesse ano, foi encaminhado, pela Secretaria
Municipal de Administração, um grupo de servidores, para o serviço de perícias médicas, o
qual verificou a necessidade de reabilitação profissional.
Tabela 5 – Número anual de trabalhadores que terminaram o processo de reabilitação em relação ao total dos
trabalhadores do serviço público municipal
Ano
Número de
trabalhadores que
concluíram o processo
de reabilitação
Número de
trabalhadores do
serviço público
municipal
Porcentagem
(%)
2006 5 4.834 0,103
2007 11 5.009 0,219
2008 11 4.828 0,227
2009 26 5.370 0,484
2010 14 5.269 0,265
2011 15 6.691 0,224
Fonte: Cruzamento de dados do Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012 e dados do IPPLAP - 2012 - Prefeitura
de Piracicaba
No ano de 2009, o serviço de reabilitação profissional obtém visibilidade externa, ao
ganhar o prêmio de reabilitação profissional dado pelo Centro Brasileiro de Segurança e
Saúde Industrial (CBSSI).10
A notoriedade do programa tornou-o referência para diversas
10
O programa de reabilitação da Prefeitura de Piracicaba foi reconhecido por um prêmio nacional como a
Melhor Prática em Reabilitação Funcional, concedido pelo CBSSI, em 2009. A pesquisadora é membro da
equipe ganhadora do prêmio. No Anexo A consta o documento procedente da premiação.
46
práticas em reabilitação, fato evidenciado pela procura, por parte das prefeituras, como
referência de experiência da equipe para implantar projetos pilotos na área.
Na Tabela 6, verifica-se, na análise do número de servidores que foram reabilitados,
por secretaria, que há maior incidência de reabilitação na Secretaria Municipal de Educação,
com 78% dos trabalhadores que passaram pelo processo.
Tabela 6 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação, por secretaria/área
Secretarias/Áreas Número de trabalhadores que
concluíram a reabilitação
Porcentagem
(%)
Administração 1 1,25%
Agricultura 2 2,3%
Educação 65 78%
Guarda 1 1,25%
Obras 1 1,25%
Meio Ambiente 1 1,25%
Saúde 7 9%
Trânsito 2 2,3%
Trânsito Interno 2 2,3%
Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012
A Tabela 6 refere-se às áreas de origem dos trabalhadores reabilitados, ou seja,
considerando o tipo de trabalho que realizavam nas secretarias em que atuavam antes de ser
indicada a reabilitação profissional.
Nota-se que não foram mencionadas algumas áreas de trabalho existentes nos serviços
da prefeitura por não ter sido identificada nenhuma reabilitação profissional, no período
analisado, direcionada aos servidores que ali trabalhavam.
Não foram mencionadas as áreas de desenvolvimento econômico, desenvolvimento
social, finanças, turismo, lazer e esporte, governo, procuradoria-geral e trabalho e renda.
Chama-se a atenção para este fato, por nos remeter a considerar que nessas áreas não ocorreu
nenhum adoecimento e/ou acidente de trabalho que tivesse levado ao processo de reabilitação
profissional.
47
O serviço de reabilitação profissional, a partir de 2006, passa a ser desenvolvido por
uma equipe técnica profissional composta por médico, psicólogo, assistente social, pedagogo
e técnico de Segurança do Trabalho, com atividades no Serviço Municipal de Perícias
Médicas (Sempem), que é responsável pela coordenação do Programa de Reabilitação
Profissional (PRP) e também oferece serviços, como a Perícia Médica Municipal, vinculados
a procedimentos em servidores municipais que dão entrada em licenças médicas. A Junta
Médica Oficial é composta por três médicos, que avaliam casos de invalidez. O setor também
é responsável pelo controle de afastamentos médicos e fornecimento de medicação aos
servidores municipais, mediante triagem social. Também existe o serviço de empréstimos de
equipamentos médicos, para servidores e seus dependentes.
Anteriormente, o trabalho de reabilitação da prefeitura era realizado de forma rápida,
se comparada à forma atual, pois o médico emitia um oficio, o técnico de Segurança do
Trabalho verificava o local e a assistente social avisava a chefia e o funcionário.
Há poucos registros anteriores a 2006, nos prontuários. O conhecimento obtido pela
pesquisadora, anterior a essa data, revelou-se pelas falas dos próprios trabalhadores, que
passaram pela perícia médica na época e buscaram novamente o setor para reavaliação
médica, por não terem definidas suas atividades e, conforme mudaram suas chefias, foram
colocados novamente para exercer a antiga função, pois não possuem um documento oficial
que assegure suas atividades atuais, diferente de como ocorre nos dias de hoje, em que as
atividades são publicadas em Diário Oficial e ratificadas pela Junta Médica Oficial do
município ficando anexadas em prontuários médico e funcional, tendo cada servidor e sua
chefia uma cópia do documento, no qual constam as atividades e a função designadas pelo
processo de reabilitação.
O Sempem é o local onde os servidores públicos municipais precisam entregar
atestados médicos e exames complementares, quando necessitam solicitar licença médica para
afastamento do trabalho. Devem apresentar a documentação e, posteriormente, passar pela
perícia médica municipal, onde obtém informações quanto ao auxílio-doença ser deferido ou
não.
No entanto, os funcionários públicos contratados pelo regime de trabalho baseado na
legislação trabalhista CLT, seguem as normativas do INSS, segundo a qual, após 15 dias de
afastamento médico, é necessário também dar entrada na licença-médica, pois se trata do
“Benefício concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de
48
15 dias consecutivos” (INSS, 2013). A entrada é realizada junto ao INSS, assim, para
continuar a receber o beneficio de auxílio-doença é necessário também submeter-se a perícia
médica da previdência social.
Apesar do recebimento do benefício de auxílio-doença ser garantido por lei, em
algumas ocasiões, nota-se que pode haver atraso desse recebimento, muitas vezes relacionado
à burocracia de papéis exigida para dar entrada no benefício. Como confirma o acontecido
com a Merendeira – 7, que ficou um período sem receber o benefício auxílio-doença.
Até hoje eu tenho dor. Porque é um problema crônico, que não tem cura e eu vou
falar a verdade para você. Eu não vou ao médico, porque eu sou celetista e se ficar
afastada, fico sem receber. Aquela vez, eu fiquei quatro meses sem receber nada.
Meu marido trabalha por conta, nossa, ficou tudo com juros, no banco, para
conseguir pagar, foi uma dificuldade muito grande. (Merendeira - 7, depoimento
colhido em outubro de 2012).
É importante lembrar que os serviços de perícia médica representam muita tensão,
para os trabalhadores locais, por envolver decisões que afetam diretamente a vida de cada um,
a concessão ou não da licença-médica, a possibilidade de adaptação, reabilitação profissional
ou até mesmo a aposentadoria por invalidez, essas questões são decididas pelo perito médico
e, em alguns casos, pela Junta Médica Oficial. O perito médico exerce o papel central, nessa
decisão, considerando que a “Perícia Médica é ato médico específico (...)” (MOTTA, 2011, p.
28).
Na verdade, parte da história começou com um ato médico; a reabilitação é vista
como um ato médico. Mas é muito mais do que isso. O ato médico é apenas o início
do percurso, mas, para quebrar isso, é difícil, a área de humanas não é valorizada
por outras áreas. Dificilmente o médico consegue passar para a área humana. Tem
alguns que já estão começando com um olhar mais humano, tudo é uma história de
percurso, para quebrar a questão, que sempre foi assim, influencia a consciência e
a história do profissional. (Professora - 10, depoimento colhido através do grupo
focal, em março de 2013).
A Professora – 10 mostra seu ponto de vista em relação ao papel do perito médico,
relatando a importância de um atendimento mais humanizado, pelos peritos, e também nos
remete a refletir que as demais áreas, como a psicologia e o serviço social, poderiam integrar
o serviço de perícia, no sentido de acolher os trabalhadores desde o início do processo de
adoecimento. Conhecer suas histórias, levantar as possibilidades que auxiliariam na
prevenção dos agravos das situações de saúde.
49
O dia a dia na perícia médica é bastante exaustivo. Em apenas um contato, um
atendimento, o médico define um posicionamento, toma as decisões e emite seu parecer, e
chama o próximo atendimento. São minutos que decidem a trajetória de anos de serviço.
Verificam-se nos corredores que levam à saída do setor, servidores ainda tentando entender o
que ocorreu durante a perícia médica.
Nem sempre o resultado satisfaz a perspectiva do trabalhador. Muitas vezes é negada,
sua licença médica, por simplesmente não ter preenchido algum item do requerimento de
solicitação e/ou mesmo do atestado médico. Qualquer item que não esteja dentro dos quesitos
que atendam aos procedimentos normativos da perícia pode ser um subsídio para a negativa
do perito. Portanto, Falta o olhar humano do médico. (Merendeira -16). A experiência da
merendeira – 16 ajuda a entender as dificuldades encontradas pelos trabalhadores no serviço
de perícia médica.
Eu desisti de procurar médico. Eu desisti de me afastar, porque é muito humilhante
entrar com um atestado nessa prefeitura, não vale a pena. Eu estou mal, muito mal
mesmo, (...) não é porque eu não faço nada que dói, de qualquer forma dói. Eu
tenho rompimento de tendão, tudo isso tem causado dor. Eu tenho que vir a pé do
terminal até aqui, diariamente, porque não tem ônibus. É difícil e é doído. Eu sei
que não adianta ir ao médico e pegar um atestado de 10 ou 15 dias e daí tem que
voltar depois. Além da humilhação que eu vou passar lá, talvez não me conceda a
licença e vou ter que continuar e voltar. É muito mais viável quem está em minhas
condições aposentar de vez. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de
2012).
A readaptação é regulamentada pela Lei municipal 1.972, de 7 de novembro de 1972,
título V, seção III. Em 2005, foi criado o PRP, cujo compromisso é manter a inserção social do
servidor municipal em sua plenitude, caso surja algum impedimento físico ou mental, que
requeira ação preventiva do processo de adoecimento, em caráter inerente ao próprio
trabalhador e aqueles decorrentes de condição específica do próprio trabalho exercido.
Na Prefeitura de Piracicaba, utiliza-se o termo readaptação, porém é importante
observar que, em alguns lugares, como no INSS, é utilizado também o termo reabilitação,
trata-se de um termo mais amplo, podendo envolver fatores como tratamentos específicos,
colocação de órteses e próteses, segundo a Lei 8.213/1991.
A reabilitação profissional compreende: (...) fornecimento de aparelho de prótese,
órtese e instrumentos de auxílio para locomoção quando a perda ou redução da
capacidade funcional puder ser atenuada por seu uso e dos equipamentos necessários
à habilitação e reabilitação social e profissional. (BRASIL, Lei 8.213, 1991).
50
O programa realizado na Previdência Social tem o mesmo objetivo, ou seja,
possibilitar o retorno ao mercado de trabalho dos trabalhadores incapacitados por doença ou
acidente de trabalho. Segundo Takahashi (2010, p.101), “A prática de reabilitação é
historicamente ligada aos sistemas previdenciários como resposta pública à questão da
incapacidade (...)”.
No Brasil, a reabilitação está ligada à Previdência Social, desde a inserção das
primeiras práticas nesta área, como uma função social designada pelo INSS, como proteção
social, em busca da recolocação do trabalhador segurado no mercado de trabalho. Esse ato
nos remete a refletir sobre a questão econômica, uma vez que a Previdência Social, a partir da
reabilitação, deixa de arcar com os custos desse segurado, ao não pagar benefícios como os
auxílios doença, acidentário e/ou aposentadoria por invalidez; assim, o trabalhador, ao
retornar às suas atividades normais, retoma o pagamento da contribuição providenciará e seu
rendimento passa a ser pago por seu empregador.
A lógica no serviço público não difere, e os servidores estatutários terão que receber
do órgão responsável pela previdência própria, no caso de Piracicaba, um instituto autônomo
denominado Instituto de Previdência e Assistência Social (Ipasp), que arca com a
aposentadoria e as pensões a funcionários estatutários e os demais benefícios, como os
auxílios doença, acidentário, entre outros, geridos diretamente pelos recursos públicos
municipais.
O conceito de reabilitação e/ou readaptação profissional é usado no mesmo sentido,
durante o trabalho na reabilitação, pela equipe multiprofissional, os quais contribuem na
tomada de decisões com intervenções apropriadas nas relações sociais e no ambiente de
trabalho. Segundo Motta (2011, p. 96), médico coordenador do Programa da Readaptação
Profissional da Prefeitura de Piracicaba,
A reabilitação pode incluir medidas para fornecer e/ou restaurar funções ou
compensar a perda ou ausência de uma função ou limitação funcional. O processo de
reabilitação inclui uma ampla gama de medidas e atividades, desde uma reabilitação
mais básica e geral até atividades, voltadas para metas, como, por exemplo,
reabilitação profissional.
Há controvérsias, entre as equipes de reabilitação, quanto ao uso de nomenclaturas. Na
Previdência Social, a equipe de reabilitação utiliza-se, além da reabilitação, do termo
habilitação, que não é utilizado com frequência nas práticas de reabilitação da equipe do
51
serviço público municipal. O INSS baseia-se na legislação, que dispõe, no art.89, da Lei
8.213/199111
:
A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao
beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas
portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação
profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto
em que vive. (BRASIL, Lei 8.213, 1991).
Há também consenso entre as equipes, ao concordar que a indicação para reabilitação
profissional ocorre por motivo de doença, ou incapacidade uniprofissional, ou seja, uma única
incapacidade, que o impede de continuar a exercer sua atual função, mas permanecem as
possibilidades profissionais para exercer outras funções. Assim, indicar a reabilitação
profissional significa a determinação médica de que o trabalhador não poderá continuar na sua
função de origem, ou seja, deverá mudar suas atribuições habituais e substituir sua função, a
fim de evitar novos agravos à sua saúde. Optou-se, no estudo, por utilizar o termo
reabilitação, mais indicado ao contexto dos serviços, na área de saúde do trabalhador,
presentes na sociedade contemporânea.
No serviço público, a reabilitação não envolve perda salarial, pois o servidor
continuará recebendo o mesmo salário do cargo de origem para o qual foi contratado
inicialmente por concurso público. Em alguns casos, pode envolver perda de benefícios
inerentes ao local e à função exercida anteriormente à reabilitação, como, por exemplo,
ambientes insalubres e/ou periculosos, e/ou abonos ligados a estar trabalhando em setor de
saúde, como no caso específico da Prefeitura do Município de Piracicaba, em que os
funcionários, dependendo do nível de escolaridade e função exercida, desde que trabalhem em
unidade de saúde, têm direito a um abono desempenho que pode chegar até a 60% a mais no
salário mensal.
Outro exemplo é dos professores que, ao deixar a sala de aula, perdem o direito de se
aposentar com 25 anos de tempo de contribuição, benefício especifico para quem está
desenvolvendo a função em sala de aula. Ao deixar a antiga função, podem ocorrer perdas no
recebimento relativo a esses benefícios e/ou abonos provenientes do local de trabalho.
Nota-se que qualquer perda no valor do rendimento mensal do servidor público causa
um impacto financeiro aos trabalhadores, por possuírem renda mensal no limite de suas
11
Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras
providências.
52
despesas e quando necessitam realizar alguma despesa além da rotina doméstica habitual,
recorrem a empréstimos consignados, que são oferecidos pelas instituições financeiras.
É habitual a incidência de empréstimos consignados para servidores públicos. Há um
marketing bancário descomedido em cima da oferta de empréstimos para servidores. Tais
instituições financeiras motivam consumidores servidores públicos pela garantia do desconto
da parcela em folha de pagamento, através do débito consignado, e a estabilidade de emprego,
são fatores que garantem às instituições maior possibilidade de retorno financeiro ao
investimento.
Essa questão foi apreendida, pela pesquisadora, em sua prática profissional, ao
aproximar-se desse contexto na realização de levantamentos socioeconômicos dos servidores
e prática confirmada pela fala dos sujeitos da pesquisa. Eu fico sem salário porque se sabe
90% do funcionalismo tem empréstimo. A maioria tem. Fazem para ajudar, mas não sei se
ajuda não. E daí é uma bola de neve para sair e só por misericórdia. (Merendeira – 14).
No caso da impossibilidade de reabilitação e se for indicada a aposentadoria por
invalidez, pode envolver perdas salariais, conforme a doença que levou à incapacidade, o
tempo de serviço e de contribuição, ou seja, verifica-se a legislação previdenciária vigente.
Verifica-se a preocupação nos questionamentos dos trabalhadores que passam pela
reabilitação: Haverá perdas salariais com a reabilitação? Essa questão é preocupante e faz-se
necessário esclarecer melhor que as leis trabalhistas vigentes, que normatizam a gestão dos
recursos humanos da prefeitura, são permissíveis, em relação à perda de benefícios,
considerando que não protegem o trabalhador que passa pela reabilitação.
Portanto, é possível que ocorram perdas de rendimento, advindas das perdas de
benefícios, ao mudarem de função. Como se aponta na narrativa da professora – 6.
Quando eu não recebi o Fumdeb12
, que foi no final de 2010, e eu não recebi
até hoje, eu entrei com uma ação judicial. Um absurdo, o que foi feito
comigo. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).
A legislação certifica que seja mantido o salário relativo ao cargo, que não pode sofrer
nenhuma modificação, mesmo que o trabalhador venha a trabalhar em atividades menos
complexas do que seu cargo, prevalecerá sempre o salário do cargo assumido por concurso
público. Ocorre por ser uma indicação médica, não um desvio de função.
12
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb). A Prefeitura de Piracicaba costuma, no final do ano letivo, pagar um incentivo aos professores, com
recursos financeiros desse fundo.
53
Ademais, constatações históricas mostram que a perspectiva da reabilitação
profissional serve como demanda para repor a força de trabalho ou evitar gastos para a
Previdência Social com uma aposentadoria precoce. Deste modo, necessário se faz desvendar
a raiz da problemática do processo da reabilitação, que envolve a dimensão individual e a
coletiva.
É preciso entender a perspectiva social, visto que o trabalhador se dedicou durante
anos ao serviço público e espera ser respeitado enquanto ser social. Já passei por coisas no
serviço público que se eu contar ninguém acredita, imoral, não dá nem para contar. (...)
(Merendeira - 16, depoimento colhido em grupo focal em março de 2012).
1.2 Procedimentos Metodológicos e Apresentação dos Sujeitos
A pergunta guia que norteia esta pesquisa: Como as relações sociais construídas no
cotidiano dos trabalhadores reabilitados influenciam na reconstrução de sua identidade
profissional, remete a uma hipótese: A reconstrução da identidade profissional do reabilitado é
uma possibilidade de resistência para manter-se como trabalhador na sociedade
contemporânea, a partir do reconhecimento do papel central do trabalho em sua vida. Nessa
perspectiva, surgiram os objetivos (Quadro 4).
Quadro 4 – Objetivos que norteiam a pesquisa
Objetivos
Geral
Analisar o processo de reabilitação profissional e as repercussões na
identidade profissional do trabalhador reabilitado
Específicos
Analisar o significado do trabalho a partir das experiências
vivenciadas pelos sujeitos durante sua trajetória profissional e
aprofundar o conhecimento sobre as mudanças no mundo do trabalho
Analisar as relações construídas no cotidiano dos trabalhadores
reabilitados e como o modo de vida influencia na reconstrução da
identidade profissional
Analisar se durante o processo de reabilitação o trabalhador
considera-se respeitado quanto à preservação de suas experiências e
capacidades e não apenas as limitações decorrentes do acidente ou
doença adquirida Fonte: Elaboração da pesquisadora
54
Com base nos estudos preliminares do levantamento organizado, diante dos dados já
apresentados e dos objetivos mencionado no Quadro 4, ocorreu a escolha dos nove sujeitos a
serem entrevistados, a partir de alguns critérios estabelecidos para melhor delimitar tal opção:
Ser concursado como servidor público da Prefeitura de Piracicaba e ter concluído o
processo de reabilitação pelo Programa de Reabilitação Profissional, no período de
2006 a 2011, em exercício de função;
Exercer cargo entre os três primeiros que apresentaram maior incidência de
adoecimento levando a reabilitação de 2006 a 2011;
Prioritariamente, estar entre os sujeitos com mais tempo de trabalho no serviço
público;
Prioritariamente, estar entre os sujeitos que passaram pelo processo de reabilitação
profissional e há mais tempo estão exercendo outra função divergente de seu cargo de
origem.
A matriz de análise está apoiada na teoria social de Marx, em que o micro e o macro
dialogam no cotidiano das relações sociais dos trabalhadores reabilitados, sustentada pelas
formulações teóricas de autores marxistas acerca da vida social e o mundo do trabalho.
A pesquisa procura evidenciar a centralidade do sujeito e sua preservação no processo
de reprodução de sua história, numa perspectiva de totalidade das suas relações como ser
social.
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas
ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja,
ela trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores
e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis. (MINAYO, 2001, p. 21-22).
Optou-se por estabelecer um diálogo com os sujeitos da pesquisa que permitisse
aprofundar o estudo em questão expressando a totalidade das questões abordadas.
A partir das experiências desses sujeitos, analisou-se seu modo de vida, ou seja, as
relações sociais construídas no cotidiano dos trabalhadores que passaram pelo processo de
reabilitação, que influenciou a reconstrução de sua identidade profissional. Por esse motivo,
55
foi imprescindível a pesquisa qualitativa, utilizando como instrumento a história oral temática,
obtida em entrevistas, com o objetivo de enfatizar a trajetória profissional dos sujeitos.
Segundo Martinelli (2012, p. 25), a pesquisa qualitativa tem três pressupostos: o
reconhecimento da singularidade do sujeito; o reconhecimento da importância de se conhecer
a experiência social do sujeito; e o de conhecer o modo de vida do sujeito pressupondo o
conhecimento de sua experiência social. Nesse contexto, a autora explica que é importante
compreender esse sujeito na sua estrutura a partir da interpretação que faz dos fatos de sua
vivência cotidiana; é preciso possibilitar que ele se revele, permitindo conhecer a sua
experiência social, seu modo de vida. “Envolve, portanto, seus sentimentos, valores, crenças,
costumes e práticas sociais cotidianas (...)”.
Através da fonte oral, apreendeu-se as experiências sociais relatadas pelos sujeitos da
pesquisa, a partir das experiências profissionais desenvolvidas antes do fator incapacitante, ou
seja, antes da reabilitação profissional e após o processo de reabilitação profissional.
O estudo realiza uma discussão de natureza teórica metodológica; contempla a
interdisciplinaridade com a história, ao referendar alguns conceitos do historiador Edward
Thompson, através da lógica histórica. Permite aprofundar o conhecimento das relações
sociais e suas múltiplas manifestações, para captar as especialidades da realidade dos sujeitos
da pesquisa.
Thompson (1981, p. 49) oferece caminhos metodológicos fundamentais para a
apreensão da realidade a partir da compreensão do modo de vida dos sujeitos, explorando as
experiências vivenciadas. Institui um diálogo entre o conceito e a evidência “O interrogador é
a lógica histórica; conteúdo da interrogação é uma hipótese (por exemplo, quanto à maneira
pela qual os diferentes fenômenos agiram uns sobre os outros); o interrogado é a evidência,
com suas propriedades determinadas (...)”. Assim percebe-se a notória contribuição, para a
construção do conhecimento, da relação entre sujeito e objeto.
Como recurso metodológico para compreender o modo de vida dos sujeitos, utilizou-
se a história oral. Segundo Portelli (1997, p. 29) “(...) as fontes históricas orais são fontes
narrativas (...)”, assim, foi possível acessar a vida diária e a cultura material dos sujeitos
pesquisados.
Como instrumento para apreensão das informações, foi elaborado um pequeno roteiro
seguindo alguns pontos que podem ser visualizados no Quadro 5, que permitiram a interação
do pesquisador com o sujeito. “As entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou
56
aspectos desconhecidos de eventos conhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas
inexploradas da vida diária (...)” (PORTELLI, 1997, p. 31). As narrativas foram transcritas
respeitando a linguagem utilizada pelos participantes.
Quadro 5 – Roteiro norteador da entrevista da história oral
Antes da Reabilitação Durante o Processo de
Reabilitação Após a Reabilitação
Qual a sua visão de ser servidor
público?
O que mudou em sua vida a partir
do momento em que foi
reabilitado?
Ocorreram mudanças nos
cotidianos doméstico, laboral e
comunitário?
Qual o sentido do seu trabalho
hoje? Identifica-se com o que faz?
Qual é a sua função atual?
Como era a identificação com o
trabalho que realizava antes da
reabilitação. Qual função exercia?
Gostava do que fazia?
Qual o apoio recebido na fase da
reabilitação? Quais as principais
dificuldades?
Como está a sua saúde? Suas
atividades atuais interferem no
seu bem-estar (físico, mental e
social)?
Como era a organização de seu
trabalho? (ambiente de trabalho,
relacionamento interpessoal com
chefias e colegas, ambiente,
atividades, divisão do trabalho, se
ocorriam cobranças de
produtividade e /ou tempo de
trabalho, recursos, capacitações e
instrumentos disponíveis).
O que pensava da possibilidade de
aposentadoria por invalidez no
momento em que estava em
reabilitação. E, hoje, o que acha?
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Os sujeitos da pesquisa foram esclarecidos sobre a autorização para participar, e
utilizamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido13
. O gravador de voz portátil foi
utilizado para registros captados em dois encontros: um individual e um coletivo, quando se
realizou o grupo focal.
No primeiro encontro, foram esclarecidos os objetivos da pesquisa e feito o convite
para que relatassem a história de vida. No segundo encontro, ocorrido após a transcrição e a
elaboração de uma pré-análise das informações obtidas na primeira entrevista, foram
analisadas as narrativas dos sujeitos apreendendo alguns conceitos que permitiram constituir
categorias para determinar os temas mais emergentes citados pelos sujeitos.
13
Modelo do Termo (Anexo A).
57
Foram convidados os nove sujeitos participantes para a discussão em grupo focal que
propiciou a formulação de questões mais precisas (MINAYO, 2000). Optou-se por estabelecer
um diálogo com os sujeitos da pesquisa e a aprofundar o estudo, a partir da totalidade das
questões abordadas pelos sujeitos pesquisados, que levaram à compreensão e atribuição de
significado às que foram mais evidenciadas pelos sujeitos, considerando as proposições em
que emergem temas de relevância no serviço público, como a baixa remuneração,
intensificação do trabalho, o sofrimento, adoecimento e as formas de enfrentamentos. Os
conceitos foram discutidos pelo grupo, e seus participantes tiveram a liberdade de modificar e
validar a pesquisa.
A análise do material da pesquisa permitiu tecer novas preposições, como a média de
tempo de trabalho em que tem ocorrido o adoecimento; a relação do homem com o trabalho; o
significado do trabalho durante o processo de reabilitação; as mudanças de trajetórias de vida
e da reconstrução de identidade profissional; e a resistência para manter-se trabalhador
mesmo após o adoecimento.
Para identificar os sujeitos da pesquisa, utiliza-se o nome do cargo de origem, mais o
número que indica os anos de serviço público no momento em que foram indicados para
reabilitação. A escolha partiu da valorização do cargo e da função que exerciam antes de
adoecer, que foi demonstrada nas narrativas dos sujeitos no decorrer da pesquisa. O número,
ao simbolizar o tempo de serviço que tinham quando adquiriram a incapacidade laboral, é
uma forma de marcar o momento em que houve a mudança em suas vidas.
Ao iniciar o primeiro contato, os sujeitos receberam esclarecimentos sobre a pesquisa
e seus objetivos. Em seguida, foi feito o convite para que relatassem a história de vida
temática. O primeiro sujeito convidado para a pesquisa recusou-se a participar. Nesse instante,
a pesquisadora, através do tom de voz de recusa do sujeito, entendeu a expressão de certo
descontentamento. Era um trabalhador que tinha participado do processo de reabilitação há
quatro anos, e a recusa demonstrou que desejava evitar qualquer assunto que lembrasse sua
condição profissional. Ao se esquivar da entrevista, evitava uma lembrança ruim? Um
sofrimento?
O momento da recusa foi muito importante para a pesquisadora, relembrando de
imediato a interlocução de Martinelli, que nos fala:
58
Penetrar nesse denso tecido e conhecer esses sujeitos e seus modos de vida exige do
pesquisador uma postura política, teórico-crítica, no sentido de colocar-se à escuta,
de interrogar os silêncios e de querer efetivamente conhecer a história a partir da
narrativa acerca dos caminhos percorridos por aqueles que estiveram envolvidos
com os acontecimentos que queremos estudar. (MARTINELLI, 2012, p.3)
A expressão de raiva, ao negar-se a falar de reabilitação, ao se recusar a participar da
pesquisa, em um primeiro momento, pareceu atitude inoportuna do sujeito, mas, na realidade,
essa foi a primeira ideia da pesquisadora, ao ser recusada no primeiro contato realizado para
dar início à tão esperada pesquisa e não poder conhecer a sua história, que se faz tão
importante no contexto.
Mas, em posterior reflexão sobre a recusa, entendeu-se que não falar de tão delicado
tema deixa claro que a recusa expressa o grande sofrimento percorrido pela servidora, durante
a reabilitação, fato que ainda está presente e a impede de falar sobre o assunto. Os demais
convites foram aceitos e, a pedido dos sujeitos da pesquisa, as histórias profissionais foram
narradas em locais públicos, todas com a devida privacidade de espaços cedidos.
Assim como Silva (2012, p. 40)14
, em seu estudo, define o servidor público como “(...)
todo trabalhador que exerce uma função ou cargo público, mediante a aprovação em concurso
público”, também temos esse entendimento. Porém, na apresentação da dissertação, ao referir-
se à nomenclatura, optou-se por substituí-la por trabalhador do serviço público. A escolha
partiu do entendimento de que servidor público também pertence “à classe que vive do
trabalho” (ANTUNES, 2010). Considerando o que refere a Portaria 1.823, de 23 agosto de
2012, que institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, em seu art.
3o, define que
Todos os trabalhadores, homens e mulheres, independentemente de sua localização,
urbana ou rural, de sua forma de inserção no mercado de trabalho, formal ou
informal, de seu vínculo empregatício, público ou privado, assalariado, autônomo,
avulso, temporário, cooperativados, aprendiz, estagiário, doméstico, aposentado ou
desempregado são sujeitos desta Política. (BRASIL. Portaria 1.823/2012).
Entende-se, no estudo, que o servidor público está inserido nesse conjunto de
trabalhadores e também sofre as influências do mundo do trabalho e as repercussões ocorridas
na classe que vive do trabalho (ANTUNES, 2010). Apesar de ser um trabalho com
características diferenciadas das outras categorias, pertence ao conjunto de trabalhadores
14
Refere-se a SILVA, Maria da Conceição Clarindo Cavalcante da. A saúde do servidor público em sua
dimensão social: política de saúde, protagonismo e determinantes sociais. Tese (Doutorado) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2012
59
conceituados na política e também necessita de proteção de sua saúde pelo Estado. A política
“(...) tem como finalidade definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem
observados pelas três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), para o
desenvolvimento da atenção integral à saúde do trabalhador”. (BRASIL. Portaria 1.823/2012).
Para entender o que é ser um trabalhador do serviço público, há, ainda que considerar
a perspectiva desse trabalho, definida pelos relatos dos sujeitos da pesquisa:
Ser um servidor público é mostrar o seu trabalho, é você trabalhar. É como se fosse
outro trabalho numa empresa, mas você está trabalhando em prol da comunidade e
da população. Eu trabalho em prol da comunidade, da população. Então, eu tenho
que fazer o meu trabalho da melhor forma possível, para que essa população não
fique sem nenhuma explicação. Em primeiro lugar, você respeitar o outro e respeitar
a população. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).
Porque, o servidor público, a função dele é servir, ou seja, o público, porque, aqui
no meu caso, é servir, porque eu sirvo tanto o pessoal que trabalha aqui interno ou
visita que chega. (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).
A visão minha de servidora pública, eu vejo como uma pessoa que bem, como eu
tenho 12 anos de serviço público, como uma pessoa que aprendeu muito ao longo
desse tempo. Mas, também, tenho muito a oferecer. O serviço público ficou um
pouco a desejar. Principalmente na questão de salário, na questão de você ser
reconhecida pelo seu trabalho. (...) Também tem suas vantagens, em ser servidor
público, especialmente, no que eu trabalho, eu lido com pessoas e eu gosto de
trabalhar na área com pessoas, então, eu me identifico bem com o serviço público.
(Professora - 10, depoimento colhido em outubro de 2012).
Tem vezes que até comento em casa, mas, se é servidora pública, trabalha na
prefeitura, as pessoas pensam que tem que aguentar tudo, mas não é tão simples,
ser uma servidora pública. Quando eu comecei minha faculdade, eu tinha um
objetivo, uma trajetória, e, de repente, tudo isso caiu por terra e aí, o que eu faço,
por onde eu começo? (Professora – 10, depoimento colhido em grupo focal em
março de 2012).
Hoje, ser servidora pública, é estar trabalhando para a sociedade. (Monitora – 20,
depoimento colhido em outubro de 2012).
Nos relatos dos sujeitos da pesquisa, há um ponto comum de olhar o serviço público
como o ato de servir o público e como um trabalho em prol de outras pessoas e da sociedade.
Outras perspectivas são lembradas.
(...) por causa de um sonho, a gente acredita, e aí vai ser servidora pública e
garantir a estabilidade, vou dar aula, tenho um emprego estável, vou ter emprego. É
a primeira visão do servidor público, vou ter emprego, é a estabilidade que me
oferece. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).
Confirma-se o fato já conhecido, entre servidores públicos, de associar o serviço
público à estabilidade e à garantia de uma renda fixa. É mais seguro, a gente sente segurança.
60
Apesar de sempre trabalhar em empresa grande, mas sente mais segura, recebe certinho.
(Merendeira - 7).
Em um primeiro momento, percebe-se que a procura pelo serviço público está
vinculada à estabilidade e, com o passar do tempo trabalhando no serviço público, nota-se
certa frustração nos relatos: o baixo salário, a falta de um plano de carreiras, e as mudanças a
cada quadro anos de gestão, influenciam na configuração desse trabalho. Pensava que era um
emprego garantido, futuro garantido. Hoje, eu me sinto apenas um objeto dos governantes,
para passar o que eles querem passar para a sociedade. É como me sinto hoje. (Monitora –
20, depoimento colhido em outubro de 2012).
Evidencia-se a preocupação em manter-se trabalhando, pela questão de associar o seu
trabalho ao bem-estar da sociedade, mesmo com problemas de saúde, mantém-se trabalhando,
enquanto suporta, por sentir-se responsável pelos serviços prestados à sociedade.
Como servidora pública, eu dei muito de mim, sabe, como servidora pública, eu fiz
tudo, fiz porque gostava do que fazia, sempre gostei do que fazia. Mas, devido às
mudanças que foram surgindo, eu arrastei até o último instante. Quando não dava
para eu suportar. Eu tive que entregar mesmo. (Monitora – 19, depoimento colhido
em outubro de 2012).
Agora que já foi possível entender o que é ser um trabalhador no serviço público, do
mesmo modo, vamos nos aproximar das trajetórias profissionais dos sujeitos da pesquisa. Não
tendo o objetivo de generalização, mas concordando com a ideia da autora Heller (2008, p.
35) de que “basta uma folha da árvore para lermos nela as propriedades essenciais de todas as
folhas pertencentes ao mesmo gênero; mas um homem não pode jamais representar ou
expressar a essência da humanidade”.
Nesse sentido, apresentam-se os nove sujeitos, fundamentais na construção da
dissertação, trazendo um pouco da história de cada um.
Monitora 14: Aos 47 anos, foi indicada para a reabilitação; apresentou um quadro
depressivo e não conseguia trabalhar mais com crianças. Então, eu tinha baixa estima
violenta, hoje eu não tenho. Ela ficou um curto período em licença médica, antes da
reabilitação. Possui nível superior em pedagogia, é solteira, mora com seus pais e uma
irmã. Tinha experiência, antes de ser monitora, como auxiliar administrativo, e a
expectativa, quando entrou no serviço público, de voltar a estudar e fazer especialização e
mestrado na área da educação. Já no primeiro contato do convite sobre a pesquisa, a
servidora apresentou certa insegurança para dar o depoimento. Somente após várias
61
explicações sentiu-se segura e foi marcado um horário para a entrevista. Solicitou que a
entrevista ocorresse em seu espaço de trabalho e conseguiu com sua chefia uma sala
emprestada para a conversa. O ambiente estava propício e o diálogo ocorreu com bastante
entusiasmo. O local de trabalho era adequado mais percebia-se certa insatisfação, no
sentido de não serem tão necessários os seus serviços para a rotina do setor, mas estava
conformada e se dizia feliz. Hoje, sou uma pessoa, na época em que eu entrei na
prefeitura, eu já tinha 37 anos, então, eu já era uma pessoa madura. Mas hoje eu
amadureci muito, eu cresci muito, eu cresci principalmente espiritualmente. (...) Eu fiz
um propósito, não porque o meu trabalho é terrível e sim porque você tem que se
policiar. Aquela frase que você tem que orar e vigiar. Orar e vigiar mesmo. Vigiar
quem? O outro não. Você mesma. (...) Mas tem uma hora que tem que engolir. (...) pode
ter problema em casa e não saber lidar e pode estar com problemas no trabalho e não
saber lidar, não pode descontar no outro, tem que melhorar a si mesma, tem que
trabalhar. Se não tem o que fazer, procurar o que fazer. Afirma que a questão espiritual
ajuda a dar outro sentido para seu trabalho e ao aceitar assim conforma-se com sua
situação profissional. O importante é trabalhar feliz e hoje estou feliz.
Monitora – 20: Entrei para trabalhar como monitora de educação infantil e sempre
trabalhei com crianças de 3 anos a 6 anos. Tinha 39 anos, quando foi indicada para a
reabilitação; teve uma alteração emocional, não conseguindo se adaptar à função. (...)
Depois de 15 anos, 16 anos como monitora, a sobrecarga é maior dentro do berçário,
imagine você... todos os anos dentro do berçário. Eu já estava no berçário há 6 anos,
então, imagine a situação, a sobrecarga é imensa. E a sobrecarga psicológica é maior
ainda. Cursou a faculdade de Educação Física, mas não conseguiu concluir, por falta de
recursos financeiros. Solteira, mora com seu pai e filho. Adoro brincar, sou super
brincalhona, super alegre, graças a Deus e continua descrevendo: Sempre fui arrumada,
sempre fui alegre, pratiquei esportes sempre, alguém precisou eu fazia e a questão de ser
monitora tinha que ser imediato, pronta para atender às necessidades dos alunos e é a
mesma coisa que faço aqui também. A trajetória profissional relatada é lembrada com
bastante carinho, porém, ao relatar o processo de adoecimento, evidencia suas angústias e
o sofrimento que ocorreu, até deixar sua antiga função. Buscou a reabilitação para aliviar
seu desgaste mental, ao qual chama de sofrimento.
62
Monitora – 19: Formada em pedagogia, tinha 56 anos quando foi indicada para
reabilitação. Era casada e tinha dois filhos casados e dois netos. Antes de começar a
trabalhar no serviço público, trabalhou como técnica de aparelhos eletrônicos e gosta
muito da área educacional e de educação artística e aponta que adora contar histórias.
Quando fiz a cirurgia, eu precisei ficar cinco meses afastada, deram um afastamento, e
essa cirurgia precisaria de mais de um ano de afastamento (...). Eu fiquei 5 meses de
afastamento em casa, quando eu voltei, depois de 5 meses, percebi que minhas forças,
bem eu não tinha mais, não trabalhei mais em berçário, não pude ficar nisso daí.
Quando eu voltei, eu pedi transferência em outra creche e eu fui direto no berçário.
Depois de um ano de trabalho, eu percebi que não estava dando certo. E, naquele ano,
aconteceu um monte de coisas e eu comecei a entrar em depressão. A monitora foi
encaminhada para a reabilitação, após um período. Depois de operar a coluna,
apresentava dores nos braços e nas pernas. Para quem viveu 19 anos em uma prefeitura,
dentro de uma sala de aula com crianças pequenas. De repente, você deixar aquilo ali.
Ela estava triste, lembrando do período difícil de aceitação de seu problema de saúde.
Durante a entrevista, demonstrou em suas palavras a tristeza de ter deixado sua antiga
função e a saudade de sua rotina com os alunos, pois se identificava muito com o que
fazia.
Merendeira – 7: Aos 53 anos, quando foi indicada para a reabilitação, por motivo
osteomuscular relacionado à coluna lombar. Se eu me esforçasse muito, minha coluna,
que está com desgaste, se acontecesse da coluna quebrar, que podia quebrar aqui
embaixo, que eu não conseguiria andar e nem sentar, daí eu fiquei com medo, eu deveria
evitar carregar e usar a força e fazer esforços que prejudicassem a coluna lombar. A
servidora tinha experiências, anteriores ao serviço público, como secretária, copeira e
telefonista. Casada, com um filho, segundo grau completo, relata sentir muito medo com
o adoecimento, medo de não andar mais. Durante a entrevista, demonstrou timidez e estar
conformada com seu trabalho. Falava com leveza de sua história de vida. Apesar de
muitas dificuldades advindas com o adoecimento, apresentava-se satisfeita com seu
destino. Eu me sinto bem, no que eu faço. Eu sou uma pessoa que me readapto fácil. Eu
faço com amor aquilo que eu faço, tanto aqui, como em casa, né. Tenho prazer em fazer
aquilo. Não faço nada forçado, então, estou feliz, não tenho do que reclamar.
63
Merendeira – 14: Aos 58 anos, foi indicada para a reabilitação. Viúva, com duas filhas, a
servidora foi operada duas vezes, por hérnia, antes de ser indicada para a reabilitação, foi
afastada, por dorsalgia crônica, por cinco meses. Depois entrou na reabilitação. Cursou
até a sétima série. Antes de trabalhar no serviço público, era empacotadora. Demonstra o
desejo de voltar a estudar. Queria ter recursos financeiros para conseguir uma casa
própria. E sou o tipo de pessoa também que eu me adapto facilmente. Eu não sou
daquelas que reclama. Foi um tempo bom que não volta mais, (...) Então, a vida da gente
tem fase, aquela lá foi uma fase que passou. Agora estou vivendo outra. E assim conclui
falando de sua função atual. Eu estou com 63 anos, a minha vida inteira eu trabalhei, eu
sempre trabalhei com horário, e sempre assim fazendo alguma coisa, não parada, não
tinha um serviço parado. Expressou um sentimento de não saber o que fazer. Tinha uma
jornada de oito horas, que eram difíceis de passar, pois não tinha muito trabalho.
Incomodava-se com isso. Demonstrou certa vergonha por não ter muito o que fazer. Sua
única perspectiva profissional era a espera da aposentadoria. A entrevista foi demorada,
queria falar, dividir um pouco suas angústias diárias, sentia-se sozinha, há muito tempo
não recebia uma visita, ao término da entrevista, pediu que eu aparecesse mais vezes, que
ficou feliz em ser lembrada.
Merendeira – 16: Aos 48 anos, foi indicada para a reabilitação com dificuldades no
joelho e no tornozelo, para permanecer muito tempo em pé. Eu gostava do trabalho, só
que eu não aguentava ficar muito tempo em pé, por causa dos meus joelhos e ali não
tinha como parar, aí eu pedi para sair. Na época, também fazia acompanhamento
psicológico. Estudou até a quarta série primária, antes de ser servidora, trabalhou como
atendente de casa lotérica. Possui habilidades artísticas manuais, adora artesanato. Eu me
envergonho quando escuto alguém falar que eu sou funcionária, porque eu tenho vinte e
poucos anos... anos de prefeitura, eu tenho direitos. Durante a entrevista, teve momentos
em que chorou, ao relembrar a sua história, se dizia não estar nem aí com o serviço
público, não apresentando esperança em dias melhores. Fiquei meio estagnada. Prestei
um concurso assim por prestar (..). Eu sempre gostei da minha função de merendeira.
Relembra com saudades de antiga função e finaliza ao referir-se sobre sua situação atual:
Eu só não quero que eles achem que eu estou assim, estou saudável, que me curei
ficando aqui. Também relatou que tinha muito pouco trabalho para uma jornada de oito
horas, se sentia desprezada, não tinha trabalho há muito tempo, vislumbrava que poderia
fazer várias atividades, para ajudar no setor, mas não era permitido. A entrevista foi
64
interrompida várias vezes, em respeito ao seu choro e à sua dor. Oscilam os sentimentos
de raiva, pela revolta com a situação, e de choro, por sentir-se humilhada.
Professora – 5: Aos 65 anos, foi indicada para a reabilitação. Porque, até então, eu
nunca tinha ouvido falar disso, que é um vírus, que nós temos na medula e que fica
alojado, até que, em uma situação de estresse, aflore. Demorou mais ou menos 11 meses
com medicação forte, com medicação cara, de médico particular, sem convênio para
curar. Solteira, reside com suas duas irmãs, muito unidas. Possui graduação em
pedagogia. Fui fazer faculdade, eu queria fazer alguma coisa, mais importante, eu não
me via ainda na educação, eu fui estimulada pela família, mas fui premiada, fiz três anos
de Magistério sempre recebendo prêmios de melhor aluna. E também fez curso superior
na área de Comunicação Social. Antes de ser servidora municipal, trabalhou como
diretora, vice-diretora e coordenadora pedagógica, no serviço público do Estado. Já
aconteceu isso comigo quando eu iniciei o meu processo na área de educação. Foi no
Estado. Então a gente tinha cursos e cursos para fazer, não é como a municipal que hoje
está e os cursos, acho que são também inferiores ao do Estado. A educação, a gente ouve
falar que está falida. Esqueceram-se do trabalho com ela, mas se for ver, não está falida.
É o próprio professor, a própria escola, colocar para fora o trabalho que faz. Quando eu
comecei, eu fazia cursos, com o MEC, fazia cursos na Secretaria da Educação do estado
(...) Começou a trabalhar no municipal em 2004 ou 2005, eu estava sendo chamada pelo
concurso para a sala de aula. (...) No municipal, é onde eu estou até agora. Não fosse a
doença que eu tive, que me afastou da sala de aula, fiquei afastada por dois anos, não
podia trabalhar em qualquer coisa mesmo e, por fim, culminou com isso, a reabilitação.
Professora – 10: Com doença psíquica de longa data e diversos ciclos de melhora e
piora, aos 36 anos foi indicada para reabilitação. O encaminhamento difere das demais.
Para conseguir ser reabilitada, passou por muitas recusas do INSS, por ser celetista. O
comum seria partir da Previdência Social, sua indicação. Apesar das recusas, foi indicada
para reabilitação pelo médico perito da prefeitura. “Fiquei 2 anos de licença afastada
pelo INSS, até que o INSS me deu alta e eu não consegui retornar ao trabalho. E, daí, fui
procurar o médico do trabalho, o relatório do meu médico, dizendo que eu não tinha
mais condição de exercer aquela função. Mas eu fiquei muito tempo afastada, isso
também dificulta o retorno ao trabalho, porque você cria uma rotina de ficar em casa,
mesmo, de cuidar só dos afazeres de casa e de não querer voltar na rotina do trabalho
65
(...). Formada em Pedagogia, casada, com dois filhos exerceu cargos de direção,
coordenação e supervisora pedagógica. Antes de trabalhar na prefeitura, trabalhava como
professora no Estado. Comecei a trabalhar em 1996, trabalhava como professora da rede
estadual, a escola que eu trabalhava eu me identificava muito, apesar de ser de periferia,
eu fiquei durante seis anos nesta escola, os recursos que a gente tinha eram muito
poucos: giz e lousa, quando precisava de alguma coisa eu mesma providenciava, se
precisasse de alguma coisa diferente para dar aula. Mas eu gostava do grupo de
professores, chefia, a gente tinha um bom relacionamento e também uma troca de
experiências. Depois, eu vim para a rede municipal, depois que eu passei no concurso,
na verdade, é assim, por bastante tempo, eu trabalhei rede municipal, só que eu não
fiquei como professora, eu passei para diretora, como coordenadora e daí fiquei como
professora na rede só por dois anos. A servidora identifica-se como uma pessoa otimista
e fala ter muito entusiasmo pela vida.
Professora – 6: Aos 44 anos, foi indicada para a reabilitação, com dificuldades motoras
apresentadas após uma cirurgia. Pedagoga, casada, com dois filhos, antes de trabalhar no
serviço público teve experiências profissionais como vendedora e auxiliar administrativa.
Mas eu tenho experiência no comércio, no setor de escritório, administrativo, minha
experiência comercial é significativa mesmo. A servidora sempre teve um vínculo
profissional muito forte com a área da educação, presente em sua história profissional. É
a primeira coisa, bom, a gente já faz curso, a minha formação é antiga, o magistério. Eu
era professora com 17 anos, por causa de um sonho, a gente acredita. Antes de adoecer,
renunciou a vários momentos com seus filhos para estudar e conseguir uma carreira
profissional na área da Educação. Na época que eu adoeci, eu estava fazendo o curso
superior, então acabei concluindo o curso já assim com problema de saúde bem
agravado. Mas eu gostava muito. Mas eu volto naquilo, eu voltei a estudar, tinha criança
pequena, porque a gente tinha intenção de fazer aquilo e mais alguma coisa dentro da
área da Educação (...). Naquela época, vou falar de 2006, 2007, quando eu me afastei,
por causa do problema de doença. Eu tinha uma pessoa que me ajudava, porque eu fazia
faculdade também, então era impossível, tinha uma criança de 2 anos, era impossível ser
mãe, ser dona da casa que administrasse tudo e ser professora e fazer faculdade. Já é um
desafio querer ser mãe de criança pequena dependente, ser professora e ser dona de
casa, já você está assobiando e chupando cana ao mesmo tempo, alguma coisa não vai
sair bem.
66
As narrativas trazem um pouco da história da vida profissional dos protagonistas do
estudo. São histórias que retratam momentos de muita luta para conseguir exercer a profissão.
Ser servidor público foi uma escolha e tem um valor em suas vidas.
A apresentação de cada sujeito nos remete a um marco em suas vidas: o de quando
adoeceram e, a partir desse acontecimento, as influências em suas vidas profissionais, com o
processo do adoecimento que os levou à reabilitação profissional. Como verificado,
mudaram-se os caminhos traçados pelos sujeito, pois ninguém tinha a perspectiva de ser
reabilitado.
As posições tomadas pelos sujeitos têm dimensões sociopolíticas que transformam a
realidade nos âmbitos individual e social. Para mim, inclusive, é um conflito muito grande. Eu
tenho que lutar com os meus preconceitos, tudo, nem que mexa, nem que eu chore. Eu tenho
que mexer alguma coisa, é preciso mudar. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro
de 2012).
67
CAPÍTULO II – TRABALHO
2.1 O Mundo do Trabalho e as Transformações das Relações de Trabalho
Eu agradeço por ter se lembrado de mim, sinal que eu marquei
de alguma forma, em algum instante. Eu não sei se as
monitoras de hoje falam a mesma coisa. A sobrecarga do
sistema é parecida, a gente sente de uma forma diferente tudo
o que o outro sente, mas eu acho que é a mesma coisa.
(Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012)
Este capítulo traz um dos eixos estruturantes da pesquisa, que é o conhecimento sobre
a dimensão trabalho na contemporaneidade. O aprofundamento teórico dessa dimensão nos
permite entender sua articulação com a identidade profissional e o processo de reabilitação. A
partir das transformações ocorridas no mundo do trabalho, torna-se possível caracterizar um
processo histórico, ou seja, entender as determinações históricas dessas transformações nas
relações de trabalho e seus reflexos nos processos de adoecimento e reabilitação profissional,
no contexto do serviço público. “O processo histórico de que resulta o presente, portanto, se
torna indispensável para que se possa compreender as condições e possibilidades de
organização e transformação da sociedade” (IANNI, 1992, p.64).
Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre essas mudanças que envolvem o processo
sócio-histórico da organização das relações de trabalho em diferentes formas e perspectivas,
ao longo da história da divisão de trabalho. Para Ianni (1992, p. 61):
Em síntese, (...) os três processos de envergadura histórica que explicam os
contornos e os movimentos da formação histórica do Brasil: o sentido da
colonização, o peso do regime de trabalho escravo e a peculiaridade do
desenvolvimento desigual e combinado.
É importante ressaltar que os três processos consistem nas bases que dão fundamento e
sustentam a organização das relações de trabalho na divisão de trabalho, hierarquizada em
estruturas que reproduzem a desigualdade econômica em nosso País.
68
A partir do pressuposto de que essa realidade não é transparente, é necessário decifrá-
la, entender a história, as relações, estruturas e os processos, de forma a desvendar o jogo de
forças sociais em que estão envolvidos os trabalhadores na sociedade capitalista. “É óbvio que
as relações, processos e estruturas compreendidos ou influenciados pelos movimentos do
capital em geral afetam o modo pelo qual a sociedade e o Estado se encontram e se
desencontram” (IANNI, 1992, p.57).
Continuando, Ianni (1992, p. 57) aponta que “os séculos de trabalho escravizado
produziram todo um universo de valores, padrões, ideias, doutrinas, modos de ser, pensar e
agir”. A divisão de trabalho, vista em nosso presente influenciada por esse passado, mantém
sua essência afetada pelos movimentos do capital.
O valor de mercado permanece à custa de um regime de trabalho que leva à
exploração do trabalhador, ao considerar as determinadas exigências de processos de trabalho
para alcançar os objetivos da produtividade que repercutem no adoecimento de um grande
contingente de trabalhadores que busca nos processos de reabilitação profissional alternativa
de inserção no mundo do trabalho após a perda significativa de sua capacidade laboral. A
análise histórica possibilita compreender a realidade em que está inserida a questão da
reabilitação profissional no Brasil.
A crise do capital, que interfere nas direções do mundo do trabalho, vem sendo
discutida por vários autores, em diferentes perspectivas. A ideia apontada por Mandel (1990),
por exemplo, é que a crise do capital é uma crise de acumulação de base. Já Mészarós (2009)
parte da perspectiva de que se trata de uma crise estrutural. Pochmann (2011, p. 110) aponta a
crise como um momento de reestruturação profunda do capitalismo.
Este breve balanço do debate da crise atual, englobando os expoentes das grandes
correntes de explicação das crises capitalistas, mostra que apenas as interpretações
calcadas na possibilidade de auto-expansão do capitalismo com aprofundamento de
suas contradições internas tratam, e de forma indireta por meio da categoria de
intensificação da exploração, a questão da relação entre crise e formas de gestão do
processo de trabalho. Entretanto, isto sinaliza a possibilidade de encontrarmos
importantes elementos para a ligação entre crise e processo de trabalho na obra
original de Marx (1998).
Pochmann (2011, p. 110) destaca a teoria de Marx, sobre o valor do trabalho, e como
se dá a organização da força assalariada de trabalho para extração da mais-valia como base do
processo de reprodução ampliada do capital, forma para percebermos a crise do capital. “(...)
A busca incessante do aumento do tempo de trabalho acima do necessário para a reprodução
69
da força do trabalho (mais-valia) é o princípio norteador da organização econômica, política e
social do capitalismo, (...)”.
As tensões contidas no contexto contemporâneo, decorrentes de transformações e
formas de organização do trabalho, apresentam-se na desregulamentação de direitos sociais
conquistados pelos trabalhadores ao longo da história, por meio da configuração de processos
de intensificação, terceirização e precarização do trabalho. Antunes (2010, p. 21) explica as
determinações históricas:
A crise que aflorou em fins de 1960 e início de 1970 – que na verdade era expressão
de uma crise estrutural do capital – fez com que, entre tantas outras consequências, o
mundo produtivo implementasse um vastíssimo processo de restruturação, visando a
recuperação do seu ciclo de expansão e, ao mesmo tempo, recompor seu projeto de
dominação societal, abalado pela confrontação do trabalho dos anos de 1960, que
questionou alguns dos pilares da sociabilidade do capital e de seus mecanismos de
controle social.
No período, ocorreu a introdução de novas formas de organização do trabalho, assim,
“o fordismo e taylorismo já não são únicos e mesclam com outros processos produtivos (neo-
fordismo, neo-taylorismo, pós-fordismo)” (ANTUNES, 2010, p. 23).
Antunes (2010) destaca nesses novos processos de trabalho a flexibilidade da
produção pela “especialização flexível”. Todos esses processos produtivos levaram à
precarização do trabalho, com o fim de elevar e adequar a produção à lógica do capital.
Segundo Iamamoto (2010, p. 4), “As conjunturas de crise são as que mais dificultam a
organização dos trabalhadores – especialmente a organização operária – devido a maior
precariedade das condições de vida, (...)”. Os trabalhadores acabam aceitando certas
circunstâncias de trabalho, processos de trabalho intensos, salários mais baixos, em troca de
se manterem no mercado.
Nesse contexto, agravam-se os riscos de acidentes e doenças ocupacionais, visto que
os trabalhadores, sem alternativas de subsistência, acabam por aceitar essas condições
precárias. Assim, ficam expostos a relações desiguais, que levam à exploração da força de
trabalho, como afirma Marx (1984, p. 208): “O trabalho, com sua chama, delas se apropria,
como se, fossem partes do seu organismo, e de acordo com a finalidade que se move lhes
empresta vida”.
70
A década de 1980 presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas
transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura
produtiva, nas formas de representação sindical e política. Foram tão intensas as
modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do trabalho sofreu
a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve
profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento
destes níveis, afetou a sua forma de ser. (ANTUNES, 2010, p. 23).
Os anos 90 caracterizam-se pelo avanço tecnológico, a restruturação do capitalismo
internacional e a mundialização do capital. “Podem se organizar em termos de fordismo,
toyotismo e outras modalidades. Porém, está sempre na base do capitalismo a exploração da
força de trabalho” (ANTUNES, 2010, p.15). Apesar das mudanças, “O capitalismo, antes de
mais nada, continua sendo um modo de exploração da força de trabalho” (IANNI, apud
ANTUNES, 2010, p.15). Conforme Raichelis (2011, p. 421),
No caso Brasil, onde a precarização do trabalho, a rigor, não pode ser tratada como
um fenômeno novo, considerando sua existência desde os primórdios da sociedade
capitalista urbano-industrial, as diferentes formas de precarização do trabalho e do
emprego assumem na atualidade novas configurações e manifestações,
especialmente a partir dos anos 1990, quando se presenciam mais claramente os
influxos da crise de acumulação, da contrarreforma do Estado e da efetivação das
políticas neoliberais.
A partir da década de 1970, o processo de reestruturação produtiva mundial inicia-se,
no Brasil, em 1990, a partir do governo de Fernando Collor de Mello, com a abertura da
importação e a chegada de capitais estrangeiros. Esse processo tem sequência com Fernando
Henrique Cardoso e a ascensão das políticas neoliberais. Durante sua gestão (no chamado
governo FHC), ocorre a reforma do Estado brasileiro, inserida por Bresser-Pereira que, na
época, era o ministro da Fazenda. A implantação marca a década de 1990.
As políticas neoliberais compõem um sistema capitalista. Segundo Antunes (2010, p.
194), “O Neoliberalismo passou a ditar o ideário e o programa a serem implementados pelos
países capitalistas (...)”. O sistema tira o poder do Estado em interferir na política econômica
do País, busca o crescimento econômico e a abertura total dos países para empresas privadas,
pouco se preocupando com a área social, visto ter como características “(...) restruturação
produtiva, privatização acelerada, enxugamento do Estado, políticas fiscais e monetárias,
sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital, como o Fundo Monetário
Internacional” (ANTUNES, 2010, p.194).
71
Há ainda que destacar o período de 1995 a 2003, através de considerações sobre os
elementos centrais das transformações nas relações de trabalho no serviço público, a partir do
governo FHC.
O governo FHC, influenciado pela mundialização e a política neoliberal em curso,
começa, a partir da implantação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Pdrae),
a mudar o papel do Estado rumo a um modelo “(...) diminuído em sua base social, mas
burocraticamente eficaz para servir o capital” (BORON, 1994, p.81), trazendo perdas
expressivas para a classe trabalhadora.
Assim, redesenha-se o modelo do Estado e muda-se a administração pública brasileira,
introduzindo-se os conceitos de governabilidade. Segundo Bresser Pereira (1998, p. 33),
“governabilidade é uma capacidade política de governar derivada da relação de legitimidade
do Estado e do seu governo com a sociedade”. Ou seja, um gerencialismo aos moldes
neoliberalistas, ameaçando direitos consagrados pela Constituição Federal de 1988, com o
intuito de reorganizar o Estado.
Bresser Pereira (1998, p. 33) também apresenta o conceito de governança: “(...) é a
capacidade financeira e administrativa, em sentido amplo, de um governo implementar
políticas”. Assim, a reforma traz para a administração pública forte orientação para a
produtividade, as principais características do modelo de administração gerencial.
O período da pesquisa, de 2006 a 2011, ocorre durante a gestão presidencial de Luiz
Inácio da Silva, que durou de 2003 a 2010, o chamado governo Lula. Nesse período, destaca-
se o fato do governo ter sido responsável por encaminhar uma proposta de reforma à
previdência, em abril de 2003. “A reforma caracteriza-se por ser mais um passo decisivo na
destruição do Estado” (MARQUES; MENDES, 2004, p.1). A chamada contrarreforma
previdenciária introduz o mesmo teto para o regime dos trabalhadores do setor privado e para
o regime dos servidores públicos.
Contudo, apesar do esperado e da urgência em promover a universalização, o
governo Lula encaminhou, para ser examinada pelo Congresso Nacional, proposta
que se restringiu a propor modificações das condições de acesso e dos valores dos
benefícios dos servidores públicos. Não foram objeto de sua proposta, portanto,
estratégias de inclusão do amplo contingente de trabalhadores hoje não cobertos por
nenhum tipo de proteção ao risco-velhice. (MARQUES; MENDES, 2004, p. 6).
72
O sentido da proteção risco-velhice é a possibilidade de o governo promover a
garantia de um salário-mínimo para todos os idosos urbanos. Entretanto, desconsidera essa
luta e segue em outra direção. Para conseguir apoio para a reforma da previdência, retorna a
ideia de que trabalhar no serviço público é fazer parte de um segmento privilegiado e em
nome da justiça social deve ser feita a reforma.
Com apoio da mídia, dá-se ênfase na questão do pequeno número de segurados com
aposentadorias exorbitantes, relacionado ao universo de servidores. Contudo, o fato é que a
maioria dos trabalhadores do serviço público ganha menos do que os trabalhadores do setor
privado com a mesma qualificação (MARQUES; MENDES, 2004).
Na verdade, a atração por trabalhar no serviço público está muito mais relacionada
com a estabilidade e garantia de um emprego, evitando o risco de ficar desempregado em
detrimento de ter um bom salário. De qualquer forma, ambos, os trabalhadores privados e os
públicos, acabam contribuindo para o capital financeiro.
Em 2011, esse processo de restruturação produtiva permanece e continua no governo
do Partido dos Trabalhadores (PT). Lula faz sua sucessora, Dilma Vana Rousseff, que
permanece até os dias atuais.
2.2 A Intensificação do Trabalho no Serviço Público
Retoma-se a discussão do modelo de gestão no serviço público, que é reflexo da
reforma do Estado e dos conceitos de governabilidade e governança e traz uma aproximação
de duas categorias principais para entendermos o adoecimento no contexto neoliberal, a
intensidade e a produtividade.
Segundo Dal Rosso (2008, p. 20), “A ideia de que todo o ato de trabalho envolve gasto
de energia e, portanto, exige esforço do trabalhador, está na raiz da noção da intensidade: ela
se refere ao grau de dispêndio de energia realizado pelos trabalhadores na atividade concreta.”
Entretanto, o que é uma atividade concreta? O ponto de partida para entender o
trabalho, inicia-se em Marx (1984, p. 203): “Antes de tudo, o trabalho é um processo de que
73
participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação,
impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”. A literatura
contemporânea, a partir do autor, busca entender a dupla dimensão do trabalho e o dilema do
trabalho útil concreto e abstrato. Para Marx (1984, p. 201), o trabalho útil se manifesta no
valor de uso e o abstrato no valor de troca, que gera valor de mercadoria.
A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força de
trabalho consome-a, fazendo, o vendedor dela trabalhar. Este, ao trabalhar, torna-se
realmente no que antes era apenas potencialmente: força de trabalho em ação,
trabalhador. Para o trabalho reaparecer em mercadorias, tem de ser empregado em
valores-de-uso, em coisas que sirvam para satisfazer necessidades de qualquer
natureza. O que o capitalista determina ao trabalhador produzir é portanto um valor-
de-uso particular, um artigo especificado.
O trabalhador, ser social, em sua fragilidade, possui necessidades vitais e tem acesso a
elas mediante o recebimento do salário que garante a compra de bens materiais necessários
para a sobrevivência. Nesse sentido, o trabalho torna-se essencial para a vida em sociedade.
Dal Rosso (2008, p. 21) aponta dois objetivos, com a manipulação do grau da
intensidade. Primeiro, elevar a produção quantitativa. Nesse caso entende-se o trabalho físico
como identificamos o das merendeiras, que precisam fazer comida conforme a demanda, ou
seja, a quantidade e o tempo adequados às metas da merenda. “Quanto se trata de trabalho
físico, os resultados aparecem em medidas (...)”. O segundo objetivo é melhorar
qualitativamente os resultados do trabalho. “(...) Quando o trabalho não é físico, mas do tipo
intelectual” (DAL ROSSO, 2008, p. 21). Assim é o trabalho do educador, presente na
pesquisa como monitor de Centro Educacional e Creche (CEC) e professor do ensino
fundamental, porém também evidencia-se a presença da produção quantitativa.
Contudo, “(...) quanto maior é a intensidade, mais trabalho é produzido no mesmo
período de tempo considerado” (DAL ROSSO, 2008, p. 21)
Tinha cobrança em relação a o trabalho como um todo. Mas, acabava
sobrecarregando porque a professora não vinha às duas turmas ficavam comigo...,
aí eu comecei a adoecer, não tínhamos estagiários, não tínhamos quem ajudasse na
sala. Então, foi uma sobrecarga enorme. (Monitora - 20, depoimento colhido em
outubro de 2012).
Ainda com a explicação de Dal Rosso (2008, p. 25), entendemos a categoria da
produtividade:
74
(...) é um conceito que provém do campo da economia. Em economia, na maioria
das vezes, o grau de intensidade fica subsumido como parte integrante do conceito
de produtividade, sem que intensidade do trabalho é uma condição distinta de
produtividade por envolver elementos e mecanismos diferentes e podendo, portanto,
ser construída com estatuto e com forma de mensuração própria. Um trabalho é
considerado mais produtivo quando seus resultados no momento t2 (depois) são
maiores do que no momento anterior t1 (antes).
Portanto, a lógica de gestão gerencial implantada, com influências neoliberais, supõe
que, para conseguir ser produtivo, é preciso que o trabalhador sempre se supere e procure
formas de produzir mais. Para alcançar a produtividade, seu trabalho deve ter a maior
intensidade possível. “É erro grosseiro supor que a intensificação ocorre apenas em atividades
industriais” (DAL ROSSO, 2008, p. 31).
Segundo Dal Rosso (2008, p. 31), ela ocorre em serviços imateriais, em que “(...) o
trabalho é cada vez mais cobrado por resultados e por maior envolvimento do trabalhador”.
Em nosso estudo, fica claro o forte envolvimento dos trabalhadores com o serviço público,
um traço marcante nas narrativas dos sujeitos da pesquisa, que demonstraram o significado do
trabalho em suas vidas a partir do sentido de trabalhar no serviço público como possibilidade
de servir a sociedade. Assim,
Os serviços com base na imaterialidade marcam diferenças significativas em relação
ao trabalho industrial pelo fato de demandarem mais intensamente as capacidades
intelectuais, afetivas, os aprendizados culturais herdados e transmitidos, o cuidado
individual e coletivo. (DAL ROSSO, 2008, p.33).
Com base nesse aspecto imaterial apontado por Dal Rosso, consideram-se os aspectos
afetivos e psicológicos que envolvem as relações de trabalho e que permitem refletir sobre a
intensidade do trabalho nos cargos do serviço público.
(...) foi assim. Eu estava trabalhando quando senti o problema. Eu já estava
cansada, já havia tido duas ou três discussões com a diretora da escola em que eu
estava.. A gente batia muito de frente, como eu já tinha falado, eu gostava de fazer
coisas que ela não deixava. (...). Me cobrava coisas e colocava os pais em choque
com a gente, sem procurar saber, conversar antes. Então, fazia a gente assinar o
livro de advertência por coisa besta, coisa pequena. Isso aconteceu e aí minhas
colegas falavam: “Você assinou? Você não devia ter assinado”. (Professora – 5,
depoimento colhido em outubro de 2012).
Há ainda o contexto da mundialização, que mostra uma sociedade marcada pelo
consumismo exacerbado. O valor da mercadoria, ou seja, dos bens de consumo, ultrapassa o
75
valor humano. O consumo desenfreado por produtos, que se tornam descartáveis rapidamente,
conservam a ideia alienante da necessidade da troca rápida desses produtos para acompanhar
a revolução tecnológica e manter o ciclo do consumo capitalista presente na sociedade
contemporânea.
O trabalho vivo tem de apoderar-se dessas coisas, de arrancá-las de sua inércia, de
transformá-las de valores-de-uso possíveis em valores-de-uso reais e efetivos. O
trabalho, com sua chama, e de acordo com a finalidade que o move lhes empresta
vida para cumprirem suas funções; elas são consumidas, mas com um propósito que
se torna elementos constitutivos de novos valores-de-uso, de novos produtos que
podem servir ao consumo individual como meios de subsistência ou de novo
processo de trabalho como meios de produção. (MARX, 1984, p. 208).
Os trabalhadores, na lógica capitalista, precisam trabalhar cada vez mais, para ter
acesso a esses bens de consumo, essenciais para a sobrevivência, e/ou simplesmente pelo
significado de tê-los por causa do fetiche da mercadoria. “(...) o trabalho na sociedade
burguesa, cujo pressuposto é o reino mercantil, no qual se assenta a forma social da
propriedade privada capitalista e a divisão do trabalho, (...)” (IAMAMOTO, 2007, p.417).
O trabalhador que não acompanha essa revolução tecnológica, de certa forma, também
fica excluído do mercado de trabalho por falta de acesso às informações que permitem
desenvolver as atividades laborais exigidas pelo empregador. O tempo gasto para a realização
do trabalho é controlado. O trabalhador
(...) entrega ao empregador o seu valor de uso: o direito de consumo dessa força de
trabalho durante um período determinado de tempo, equivalente a uma dada jornada
de trabalho, (...) ou seja, durante o período que trabalha, sua atividade é socialmente
apropriada por outro: o sujeito que trabalha não tem o direito de estabelecer suas
prioridades (...). (IAMAMOTO, 2007, p. 422).
Ao não exercer suas prioridades, anula-se a si mesmo, perde sua autonomia nas
escolhas essenciais e não se apropria de seu trabalho.
Além da esfera laboral, onde o trabalhador fica boa parte do seu tempo, observa-se que
também está sujeito a ficar mais horas, além de sua jornada habitual de trabalho, ligado ao seu
empregador e ao seu trabalho, ou seja, mesmo após o fim de sua jornada habitual, em alguns
contextos de trabalho, o empregador utiliza-se de recursos virtuais para demandar mais
trabalho, e assim continua a trabalhar, mantendo as preocupações no tempo fora do trabalho.
76
Desta forma, o trabalho invade as outras esferas da vida cotidiana. Confirma-se essa passagem
na fala da Professora - 5, que cita a invasão do seu cotidiano doméstico pelo trabalho.
(...) eu tenho parentes que até podem testemunhar. Quantas mil vezes chegava visita
em casa de sábado à tarde, minhas primas, e eu estava sentada na sala de jantar,
toda esparramada, preparando material, pesquisando livros e no tempo não tinha
Internet, computador, informática na escola, isso é recente, então, elas chegavam
em casa, e falavam: “Onde está a fulana?”. Pode ir à cozinha que ela está fazendo
serviço da escola. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).
É muito comum, principalmente professores de ensino infantil, narrarem
circunstâncias de trabalho no domicílio, quase que semanalmente. Além do planejamento das
aulas, existem demandas de preparar material para eventos comemorativos, que ocorrem
tradicionalmente nas escolas.
O trabalhador, quando excede o tempo de trabalho para seu cotidiano doméstico,
possivelmente acaba por não ter tempo hábil de se dedicar a outras atividades, ou seja, suas
prioridades de ser social. “Verifica-se, pois, uma tensão entre o trabalho controlado e
submetido ao poder do empregador, (...) e a relativa autonomia” (IAMAMOTO, 2007, p.424).
Essa relativa autonomia é evidenciada a partir do momento em que o trabalhador está
condicionado a cumprir todas as tarefas dentro dos horários impostos por seu empregador,
incluindo os prazos e metas a cumprir, sem fazer suas próprias escolhas, “(...) visto que o
trabalho é atividade de um sujeito vivo. Enquanto gasto vital, é um movimento criador do
sujeito -, que, no contexto de alienação, metamorfoseia-se no seu contrário, ao subjugar seu
próprio criador à condição de criatura.” (IAMAMOTO, 2007, p. 429).
Ao se sentir subjugado, o trabalhador não se vê sujeito de suas ações e acaba
automatizando suas atividades. Com o passar do tempo, vai se naturalizando com essa rotina e
não consegue ter a percepção da dimensão de seu trabalho. Configura-se, assim, a tendência
da individualização, não se vendo como parte do gênero. “Porque eu estava num ponto que
não tinha mais sentido o trabalho para mim, eu queria pedir demissão, eu queria não fazer
nada, (...) trabalho tinha perdido o sentido.” (Professora – 10, depoimento colhido em
outubro de 2012)
Antunes (2010, p. 24) completa: “Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores
são substituídos e eliminados do mundo de produção. (...), pelo envolvimento manipulatório,
próprio da sociabilidade moldada contemporaneamente pelo sistema produtor de
mercadorias.”
77
Algumas correntes apontam para o fim do trabalho. A tese do autor Antunes (2010)
utilizada como referência, não aponta para o fim do trabalho “(...) mas a de uma fragmentação
e de heterogeneização do mundo do trabalho e, por consequência, dos trabalhadores" (BIHR,
2010, p.12).
Antunes (2010, p. 14) explica que “(...) a unidade entre os fragmentos esparsos de uma
classe mundial de trabalhadores separados pela geografia e também pela história, haja vista a
heterogeneidade das tradições étnicas, civilizacionais, religiosas, nacionais, políticas (...)”.
A configuração do mundo do trabalho contemporânea interfere nas dimensões mais
subjetivas do cidadão, trazendo novas sociabilidades. No pensamento de Antunes (2010), a
possibilidade de emancipação do e pelo trabalho é um ponto de partida decisivo para a busca
da omnilateralidade humana. Esse conceito indica uma formação humana oposta à formação
unilateral, gerada pelo trabalho, termo que ele usa para designar as barreiras sociais que se
dão pelo estranhamento do trabalho, ou seja, a alienação presente nessa classe trabalhadora,
que se encontra cada vez mais fragmentada e heterogeneizada.
Nas narrativas das trabalhadoras, verifica-se a fragmentação e heterogeneização da
classe: O colega do trabalho, antes eu falava amigo do trabalho, mas não é. É colega de
trabalho. Mas, o mínimo, do colega de trabalho, deveria ser mais humano, devia ser mais
humanizado o trabalho. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012). A fala
expressa como são as relações no serviço público, o individualismo presente no dia a dia.
Eu não estava sabendo de nada do que estava acontecendo, foi assim: Vamos mudar
de lugar. E daí fica um jogo de empurra-empurra, sabe, ninguém assume, ninguém
admite nada e como eu estou sempre acostumada que a corda arrebenta do lado
mais fraco, eu não discuto. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de
2012).
A falta de solidariedade entre os trabalhadores, expressão do sistema capitalista que
fomenta a competividade e o individualismo no mundo do trabalho, do mesmo modo, reflete-
se também no serviço público. Para entender esse sentimento de sofrimento expresso em
vários momentos das narrativas dos sujeitos pesquisados, faz-se necessária a interlocução de
Sawaia (2006, p. 106) que conceitua:
(...) o sofrimento ético-político abrange as múltiplas afecções do corpo e da alma
que mutilam a vida diferentes formas, Qualifica-se pela maneira como sou tratada e
trato o outro na intersubjetividade, face a face ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo
e qualidade são determinados pela organização social. Portanto, o sofrimento ético-
político retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época
78
histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como
inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade. Ele revela a tonalidade
ética da vivência social cotidiana da desigualdade social, da negação imposta
socialmente às possibilidades da maioria apropriar-se da produção material, cultural
e social de sua época, de se movimentar no espaço público e de expressar desejo e
afeto.
Destaca-se, então, o segmento quando Sawaia (2006, p. 106) refere: “(...) a dor que
surge da situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da
sociedade”. O sentir-se inútil é termo de grande relevância, nas falas dos sujeitos
entrevistados. Sabe, começaram a reclamar e a implicar comigo, porque eu fazia para ela, eu
que ajudava, é tipo assim, alguma coisa eu tinha que fazer, porque ficar parada o dia todo.
(Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012). Essa fala mostra uma situação
em que a merendeira não sabia o que fazer, não sabia a sua atribuição no local de trabalho,
assim, a não aceitação de ficar parada por sentir-se inútil, fazia com que buscasse outros
serviços e esse fato incomodava os demais funcionários, que viam como uma invasão de seus
espaços de trabalho. Parece que meu erro é esse, porque eu tenho tantos anos de casa. Eu
posso não trabalhar, não dar satisfação a ninguém. Sabe, ninguém está nem aí comigo. Eu
também não estou nem aí. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012)
Foi evidenciada também a questão de sentir-se sem valor, pelo fato de ficar em casa
não fazer diferença no local de trabalho. Outro sujeito completa essa ideia revelando seu
sentimento.
Às vezes, assim, a chefia fazia algumas coisas que eu não concordava, mas dizia que
fazia porque era cobrada. Eu não faço isso porque eu concordo não, faço isso
porque é bom, porque é positivo para a escola. É fazer por fazer. Então, isso é uma
opressão, que depois de um certo tempo você não aguenta mais, não cria uma
autonomia, não cria uma identidade como professor. Então, você não tem uma
liberdade para criar alguma coisa. E recursos na prefeitura, eu vivenciei, tinha
bastante, tinha formação também. Só que formação conforme o olhar do gestor e
não conforme o olhar do professor. Nunca ninguém perguntou, pelo menos para
mim, que tipo de curso eu queria fazer. Simplesmente vinha uma relação de cursos,
e aí você vai fazer esse e esse, então, às vezes, ele tinha função, e às vezes era só
para cumprir uma obrigação. (Professora – 10, depoimento colhido em outubro de
2012).
A partir da desapropriação de seu trabalho e o enfraquecimento das possibilidades de
se organizar para reivindicar as mudanças necessárias visando melhores condições de trabalho
e de vida, acaba por entregar-se, “(...) impregnando a totalidade de seu ser: capacidades,
emoções, ritmos do corpo, pensamentos e valores” (IAMAMOTO, 2007, p.429). Assim,
79
(...) a reprodução das relações sociais é a reprodução de determinado modo de vida,
do cotidiano, de valores, de práticas culturais e políticas e do modo como se
produzem as ideias nessa sociedade. Ideias que se expressam em práticas sociais,
políticas, culturais, padrões de comportamento e que acabam por permear toda a
trama de relações da sociedade. (YAZBEK, 2009, p. 3).
Dessa forma, na totalidade das relações sociais, apontam as relações de trabalho com
novas configurações e formas, que podem levar ao adoecimento do trabalhador. Em uma
conjuntura que o deixa vulnerável, por causa de processos de terceirização, precarização,
intensificação e desregulamentação de direitos do trabalho.
Quando o trabalhador não vê sentido em seu trabalho, sente-se inútil, eu me sentia
como um grão de areia, insignificante (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de
2012), e, ao mesmo tempo, pressionado a cumprir suas tarefas, tem que continuar, por
necessidades de trocar sua força de trabalho pelos bens materiais necessários à sobrevivência.
Mesmo não sendo considerado na sua complexidade humana, resiste em manter-se
trabalhando; como instrumento no processo de produção capitalista, percorre os caminhos
para o limite de seu desgaste mental.
Numerosas situações examinadas com referência à dominação em suas ligações com
o desgaste mental expressam aspectos das relações sociais de produção que também
sofreram transformações históricas, da escravidão aos nossos dias. (SELIGMANN-
SILVA, 2011, p. 162).
Então, o trabalho abstrato é motivo de sofrimento? Sob o capitalismo, assume a forma
de atividade alienada. Em contraponto, o trabalho concreto cria valores de uso e, nesse
sentido, pode ser libertador. Para Silva (2012, p. 65), “mesmo que se parta da concepção de
que o servidor público não desenvolve trabalho produtivo, considera-se que também o
processo em que está envolvido o desempenho de suas atividades produz alienação, (...)”.
Entretanto, na sociedade capitalista, não é possível um trabalho totalmente concreto,
por ser uma sociedade baseada na mercantilização. O trabalho fundamental, para a realização
humana, para ser concebido dessa forma, deve envolver a construção de novas sociabilidades
pautadas no acesso a direitos sociais e na construção de uma sociedade guiada pela ética e
liberdade.
Para tanto, o capital depende do trabalho concreto e do abstrato, para manter o sistema
reprodutor de mercadorias e o homem depende do trabalho, que o constitui em um ser social,
onde coloca, ou não, a verdadeira teleologia, prevendo formas de transformação da natureza,
“(...) o sofrimento pela consciência do como a lógica excludente (a qualidade das formas de
80
produção e distribuição da riqueza e dos direitos humanos) opera no plano do sujeito e é
amparada pela subjetividade assim constituída” (SAWAIA, 2006, p.107).
Para entender como é realizado o trabalho e as particularidades de cada cargo dentro
do serviço público, agrupam-se os sujeitos da pesquisa qualitativa, para uma análise, por
cargo que exerciam antes da participação no processo de reabilitação.
Nos Quadros 6, 7 e 8, os sujeitos grifados evidenciam quais participaram do grupo
focal, que teve o intuito de captar os significados das questões emergentes durante as
entrevistas. A discussão em grupo torna-se uma referência fundamental para a comprovação
de nossa hipótese e discussão da categoria identidade, que será apresentada no próximo
capítulo.
Observou-se que, dentre os nove sujeitos da pesquisa qualitativa, apenas cinco
aceitaram participar do grupo focal, entre eles: três professoras, uma monitora e uma
merendeira. As professoras apresentaram receptividade com o convite, possivelmente por
pertencer a uma categoria profissional historicamente ligada a movimentos de lutas por
melhores condições de trabalho. Ao serem convidadas para o grupo, o relacionaram como
uma possibilidade de participar de um momento de reflexão sobre as condições de trabalho do
professor. Já as monitoras e merendeiras, ao serem convidadas para o grupo, demonstraram
certa preocupação em expor suas histórias ao grupo.
Para melhor entendimento, retomamos a questão da metodologia da pesquisa, ao
observar, nos Quadros 6, 7 e 8, os três cargos distintos dos sujeitos de pesquisa que
participaram da história oral: merendeiro, monitor de CEC e professor de Educação Infantil,
como evidencia o Gráfico 2, uma vez que a escolha partiu do levantamento quantitativo do
universo de 82 servidores, que indicou os três cargos como os que representaram a maior
incidência de adoecimento, o que levou à reabilitação no período pesquisado. Verificou-se que
todos os sujeitos eram de origem da Secretaria Municipal da Educação, a maior, em número
de trabalhadores que foram reabilitados da Prefeitura de Piracicaba.
No Gráfico 2, aponta-se maior incidência de reabilitações na área da Educação, nos
cargos de merendeiro, professor de ensino infantil e fundamental (Educação Infantil - creches
e pré-escolas e nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental) e monitor de CEC (creches
e pré-escolas).
81
Gráfico 2 – Número de trabalhadores que concluíram o processo de reabilitação por cargo de origem no
período entre 2006 a 2011
Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio de 2012
Destaca-se que o estudo das atividades inerentes aos cargos, pelas falas dos sujeitos,
foi de supra importância para entender o processo que levou à reabilitação, por isso, ao
identificar os sujeitos da pesquisa, utilizou-se o nome do cargo de origem mais o número de
anos de serviço público, no momento em que foram indicados para reabilitação, no sentido de
ressaltar o tempo de serviço que tinham quando adquiriram a incapacidade laboral que levou à
reabilitação.
2.3 O Cotidiano Profissional da Merendeira
82
Para compreensão do trabalho da merendeira (Quadro 6), apresenta-se, a seguir, um
pouco das histórias profissionais dos sujeitos da pesquisa oral que exerciam essa função antes
da reabilitação.
Quadro 6 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo de merendeira
Identificação dos sujeitos
da pesquisa Merendeira (7) Merendeira (14) Merendeira (16)
Idade na data da pesquisa 58 anos 63 anos 54 anos
Idade que ingressou na
reabilitação 53 anos 58 anos 48 anos
Tempo de trabalho na
Prefeitura 12 anos 19 anos 22 anos
Tempo de trabalho na
nova função 5 anos 5 anos 6 anos
Formação 2o Grau completo
Ensino Fundamental
incompleto
Ensino Fundamental
incompleto
Cargo do Concurso Merendeira Merendeira Merendeira
Referência
Salarial (Tabela DRH
jan./13. Conversão em
salários-mínimos)
1.80 sm 2.00 sm 2.04 sm
Regime de Trabalho CLT Estatutário Estatutário
Carga Horária Semanal 40h/semanal 40h/semanal 40h/semanal
Função exercida após a
reabilitação Atendente Copeira Atendente
Nota: A referência salarial utilizada é a indicada pelo Departamento de Recursos Humanos em jan./ 2013. Ocorreu a
conversão em salário-mínimo, considerando por referência o salário-mínimo referência nacional em maio/2013. A contagem
dos anos foi realizada com referência até maio/2013.
Na organização do trabalho das merendeiras, descrita pela Merendeira – 7, retrata-se
como era seu trabalho em meados de 2000, em comum com os demais sujeitos da pesquisa,
que têm o cargo de merendeira mostra-se a intensidade do trabalho físico. Essa passagem é
recordada com a descrição de suas tarefas diárias. Naquela época, vinham pacotes de carne
de 8k a 10k num só para tirar do freezer. Não é como agora. Vinham muitas laranjas para
descascar. Tinha que descascar 3 a 4 sacos de laranjas por dia e às vezes uma pessoa só, não
é como agora. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de 2012)
A Merendeira – 14 continua a descrever esse trabalho, que corresponde à intensidade
do esforço físico que caracteriza o trabalho das merendeiras:
83
(...) era um lugar que a gente carregava muito peso, dependendo das escolas,
aquelas panelas enormes de comida. Então, é mulher que trabalha ali! Então, tem
que tirar aquela panela pesada, erguer peso, chegava mercadoria, você tinha quer
por, então, é peso. Daí, eu comecei com hérnia e foi... Eu não sabia o que era e
então eu fui no médico e ele falou que tinha que fazer a cirurgia. Eu fiz a cirurgia,
fiquei um tempo afastada. Não foi muito tempo, não recordo quanto e depois voltei a
trabalhar. Depois de dois anos, eu operei a mesma hérnia, que voltou de novo.
Então, porque eu operei? Mas eu continuei fazendo aquilo lá, é consequência do
trabalho, muito peso, a gente fez muitos eventos também, essas coisas que tinha
naquele tempo. Hoje é diferente. (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro
de 2012).
A Merendeira – 14 conta que hoje é diferente. Essa fala expressa que ocorreram
mudanças na organização do trabalho das merendeiras. As doenças osteomusculares, que
adoeceram muitas trabalhadoras vítimas de desgastes físicos e ainda adoecem, estão perdendo
espaço para as doenças mentais, que têm aumentado, nos índices dos motivos de reabilitação
profissional, como se nota na pesquisa quantitativa realizada. A Merendeira – 7 conta que era
Corrido, bem corrido, sim, repartido com outras pessoas, um dia ficava na pia,
outro no fogão, um dia no lado de lavar a louça e outro dia no cortado dos legumes,
cada semana era uma que cozinhava, era bem organizado. Acho que eram quatro
merendeiras e uma readaptada, que ajudava na época. Então, problema de coluna,
eu fiquei com pressão alta, por causa da menopausa, mas foi por quê? Por causa da
coluna, deu lordose e escoliose, processo degenerativo na coluna, então eu não
posso fazer mais aquele trabalho. (...) Até hoje eu tenho dor. Porque é um problema
crônico, que não tem cura e eu vou falar a verdade para você, eu não vou assim ao
médico porque eu sou celetista e se eu ficar afastada eu fico sem receber. A lordose
é assim, ela fica repuxando, fica caindo a coluna também, agora tenho dores, mas,
pode ser pelos anos de trabalho. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro
de 2012)
Hoje, a merenda compra os alimentos já picados e separados, para facilitar o trabalho,
também boa parte da merenda é terceirizada, assim como ocorre com os serviços gerais, mas
isso nos remete a pensar em outro problema mais grave, o da terceirização do serviço, uma
forma de incitar o problema da saúde do trabalhador do setor público para o setor privado e
agravar a questão, que passa a não ser mais visível no serviço público. Entretanto, os
desgastes desses trabalhadores terceirizados, como ficam?
Não sabemos como trabalham, entre outros aspectos, que foram ocultados através dos
processos de terceirização dos serviços. Perde-se o controle, com a vinda dos funcionários
terceirizados, que são rotativos e quando adoecem são facilmente descartados pelo
empregador e não tem a estabilidade do servidor público.
84
Agora não sei, porque não estou mais na cozinha, pelo que vejo, não tem mais
laranja para descascar. Antes, tinha que fazer gelatina, tinha que fazer mingau de
maisena com chocolate, grudava tudo no fundo da panela, lembra? Tinha
mandioca, tinha bife de fígado para ser cortado, a carne não vinha cortada, tinha
mandioca, que agora não tem. Antigamente, tinha mandioca para descascar, vinha
peixe para fritar, agora não tem peixe frito, nada, facilitou para elas, foi
melhorando, diminui. As panelas da creche são médias, as da escola eram piores.
Eu cheguei a ir na escola, e as panelas, cabiam eu dentro delas, as da escola, é
terrível, é verdade sim, você já viu! e antes você era cobrada de produção, por
causa de ter uma cozinha. É diferente, hoje, por causa dos horários de almoço,
essas coisas tinham cobrança. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de
2012).
Continua a Merendeira - 14,
Eu gostava porque, quando você trabalha como merendeira, trabalha em lugares
que é muita gente. É equipe. E quando você trabalha em equipe, a gente se dá muito
bem. Tem colaboração, então você trabalha, mas você se diverte também. O grupo,
as pessoas, você conversa, você brinca, você ri. O tempo passa que você não vê. E
se trabalha, por exemplo, numa escola ou numa creche, como eu trabalhei. Não,
você trabalha com crianças, na escola, ou numa creche, tem tempo, porque você
entra às 6 horas, 15 para as 7, a criança entra e vai tomar o café, tomar leite,
comer o pão, ela chega e aquilo ali tem que estar pronto, então, a gente trabalha
com horário. Chega numa creche, numa comparação, hoje, não sei como está,
porque faz tempo que não estou trabalhando assim, então, o almoço da criança é às
11 horas, e a comida tem que estar pronta, então, a gente trabalha com o horário.
Mas, agora a equipe é boa, porque você trabalha numa creche, vamos supor, você
trabalha uma semana, comigo era assim, então, essa semana, eu pego o fogão para
fazer a comida, eu, você e mais uma, então, essa semana é minha semana de
cozinhar, então, você vai preparar as coisas, vai levar a verdura, outra vai cuidar
da sobremesa das crianças, daí, outra, a outra semana inverte; na escola, a gente
trabalha assim, para não sobrecarregar uma só. A era a gente que fazia. Então,
ficava assim, o último serviço na merenda que eu fiz foi numa escola aqui perto, nós
éramos três, e a cada semana era uma que cozinhava. Então, uma semana era eu,
outra era a “fulana” e a outra era a “beltrana”, daí voltava de novo. Agora, tem
dois locais, quer dizer, tem as escolas, vou falar do meu tempo, eu não sei contar.
Tinha as escolas e as creches, então, a escola é completamente diferente da creche.
Na creche, a criança toma o café das 7h às 8h. (Merendeira – 14, depoimento
colhido em outubro de 2012).
Assim, revela-se como era a rotina diária da merendeira.
Entrava antes para preparar. Tinha uma turma que entrava, vamos supor, às 6h da
manhã e uma às 6h30 da manhã e a outra às 7h30, porque, daí, eu ia embora mais
cedo. Eu entro de manhã, prepara o café, o almoço, depois tem o lanche da tarde, e
antes de ir embora dava uma sopa, alguma coisa, hoje eu não sei como está E daí,
se eu entrei às 6h da manhã, a outra, que chegava mais tarde, saía às 17h. Porque,
se eu entrasse às 6h da manhã, e fosse sair às 17h, ia dar muito mais do que oito
horas. (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012)
Descreve a possibilidade de revezar horário, uma forma de o empregador evitar o
pagamento de horas extras. Quem entrava às 6h, saía às 16h. Quem entrava às 7h, saía às
17h (...). (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).
85
Continuam as experiências vivenciadas pela Merendeira – 16
Olha, eu comecei, oh, Jesus! Quando eu comecei a trabalhar! Eu comecei a
trabalhar no “tal lugar”, você se lembra? Existia no centro, faz tempo que
encerrou. Era um lugar complicado, onde ninguém queria trabalhar, que eram
meninos de rua, praticamente sem educação e tinha uma merendeira muito boa que
trabalhava ali, aí, eu fiz amizade com ela, eu vim algumas vezes substituí-la e ela
me dizia que queria sair dali, mas, depois que eu fui ver, por pessoas, que não era
pelas crianças, nunca o local foi ruim pelas crianças, mas sim por que existia uma
diretoria, só que, quando você precisava dessa diretoria, não tinha apoio nenhum e
a gente via que existia muita coisa errada da diretoria, (...) Eu trabalhei sozinha,
muitas vezes, eu trabalhei em escola, sozinha, em uma época que se fazia arroz,
feijão, mistura e salada. Então, fazer sozinha já era difícil, servir sozinha, muito
pior e depois limpar tudo sozinha, é complicado.
Era uma merenda às 10h da manhã, a outra às 15h da tarde, é muito perto e a gente
tem que fazer tudo fresquinho ali, não podia fazer de manhã. Eu servia entre 300 a
350 crianças, em cada refeição. Para trabalhar junto, só eu. Muitas vezes, eu
trabalhei com quatro pessoas, na creche. Eu cheguei a trabalhar na escola sozinha.
O médico solicitou, na realidade, eu nem me lembro, porque minha readaptação
surgiu assim, eu nem sabia que eu seria readaptada. Deu problema primeiro no
túnel do carpo, daí eu operei a minha mão, em seguida, a merenda era
administrada, às vezes, por pessoas, tinha um senhor lá que era um carrasco com a
gente. Ele cobrava. Ele não estava nem aí, se estava doente ou não estava. Se estava
bem, ou não estava. Porque, na época em que operei, eu trabalhava no “tal local”,
eu precisava só de uma ajudante. Ele dizia que não tinha como colocar uma
ajudante, mas ele colocou outra pessoa e me mandou do outro lado da cidade para
trabalhar. Então, é coisa que você vê que não tem lógica, é coisa que está sendo
feita por desprezo mesmo. Isso não aconteceu só comigo. Então é meio complicado.
(Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).
Na verdade, os cargos de gestão no serviço público, as chamadas chefias de setor e
departamento, nem sempre são preenchidos por concurso público. Muitas vezes, são
indicações por fatores políticos e não pela qualificação e pela experiência do trabalhador. No
caso das diretoras de escola, é realizado um processo seletivo interno, do qual podem
participar os professores concursados.
Então, do “tal local”, eu fui para “tal local”, e lá fiquei um tempo até que não deu
mais. A dificuldade, que já falei para você, é mesmo no relacionamento humano,
que é difícil, tem gente que aceita, tem gente que não, tem gente que desdenha, tem
gente que faz pouco caso, tem gente que não aceita. Pouco caso, imagina, eu com
dor, tenho cara de que estou com dor? Eu não tenho cara de que estou com dor, mas
estou com dor, então, só eu sei da minha dor, isso ninguém quer saber, não importa,
é um tipo assim, você está aqui, tem que fazer, vai ter que limpar o chão, vai ter que
lavar o prato, vai, e eu não tive problema, se eu estiver aqui, ou em qualquer lugar
que seja, se tiver que lavar o banheiro, eu lavo numa boa. Eu não tenho preconceito,
só que é complicado. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).
86
2.4 O Cotidiano Profissional do Monitor de CEC
Assim como no setor privado, no setor público também aparecem novas condições de
trabalho, surge uma série de exigências postas ao trabalhador, envolvendo metas a atingir,
processos automatizados, que levam à individualização enquanto trabalhador, distanciando-o
da consciência de classe trabalhadora. Conforme Antunes (2010, p. 30), “O individualismo
exacerbado encontrou, também, condições sociais favoráveis (...)”.
Nos anos 90, verifica-se o aumento na intensidade do trabalho intelectual. As doenças
mentais disparam, nos índices de adoecimento, como característica na organização do
trabalho do educador. De acordo com a Monitora – 14,
O que contribuiu mesmo foram coisas que funcionários acabaram fazendo, coisas
que não condiziam com o lado humano. Maltratou uma criança, isso eu não aceito,
não tem como aceitar, eu nunca aceitei. E hoje eu jamais teria uma atitude dessas,
seria difícil, porque você não pode falar nada, o médico falou para mim que tem
quer ser cega, surda e muda, em relação ao que você vê com uma criança, mas eu
não. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).
Quanto ao grau de instrução dos sujeitos, chama a atenção que as monitoras
participantes da pesquisa qualificativa têm o mesmo grau de instrução das professoras. Todas
atingiram o nível universitário. Apesar da referência salarial e da carga horária apresentarem
diferenças, a carga horária das monitoras de CEC é maior e a referência salarial é menor, em
relação às professoras (Quadro 7).
Considera-se que o monitor de CEC tem suas atribuições equivalentes a um professor
de ensino infantil, porém é um cargo que não está mais sendo ocupado. Equivalia à
qualificação do magistério, e vem sendo substituído pelo professor de ensino fundamental,
com exigência de graduação em Pedagogia. A fala de Monitora – 20, ao descrever seu
trabalho, exemplifica essa diferenciação no período em que ocorreram as mudanças.
87
Quadro 7 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo monitor de CEC
Identificação dos sujeitos
da pesquisa Monitora (14) Monitora ( 20) Monitora (19)
Idade na data da
pesquisa 52 anos 40 anos 58 anos
Idade que ingressou na
reabilitação 47 anos 39 anos 56 anos
Tempo de trabalho na
Prefeitura 19 anos 21 anos 21 anos
Tempo de trabalho na
nova função 5 anos 1 ano 2 anos
Formação Superior Superior Superior
Cargo do Concurso Monitor de CEC Monitor de CEC Monitor de CEC
Referência
Salarial (Tabela DRH
jan./13. Conversão em
salários-mínimos)
2.50 sm 2.60 sm 2.60 sm
Regime de Trabalho Estatutário Estatutário Estatutário
Carga Horária Semanal 40h/semanal 40h/semanal 40h/semanal
Função exercida após a
reabilitação Atendente Escriturária de escola
Monitora de Educação
Especial
Obs.: A referência salarial utilizada na tabela é a indicada pelo Departamento de Recursos Humanos em janeiro/
2013. Ocorreu a conversão em salário-mínimo, considerando por referência o salário-mínimo nacional em
maio/2013. A contagem dos anos foi realizada como referência até maio/2013.
Outro fator de adoecimento apontado está ligado à intensificação do trabalho como
educador, emergente da intensidade do trabalho. Dal Rosso (2008) considera que se exigem
resultados cada vez mais qualitativamente superiores, consumindo mais energia do
trabalhador, pois os processos de trabalho são intensificados.
Para compreensão do trabalho da monitora, a seguir, apresentam-se detalhes das
histórias profissionais dos sujeitos da pesquisa oral que exerciam o cargo de monitora de CEC
antes da reabilitação:
A Monitora – 20 relata como era seu trabalho e as relações de seu cotidiano
profissional.
Eu nunca tive reclamações. Então, antes, eu realizava com muita vontade, daí eu fui
adoecendo, pelo sistema, que a gente tinha uma forma do cuidar, a gente sempre
utilizava aquela forma do assistencialismo. Tentou mudar e mudou de forma, que
mudou o esquema de colocação do professor na sala. Nós ficávamos 8 horas dentro
da sala, então, você tinha um vínculo com os alunos. Tudo o que acontecia durante
o dia você sabia, e, a partir do momento em que mudou, em relação aos professores,
88
tivemos professores de meio período e elas tratam as crianças como folha de papel.
Então, aquele cuidar, realmente, que você está se dedicando aos seus alunos, está
cuidando de um ser humano, para mim, eu não estava mais vendo dessa forma, não
por mim, mas pelas outras pessoas. (Monitora - 20, depoimento colhido em outubro
de 2012).
A monitora retrata as particularidades de seu cargo, a municipalização da educação,
consequência da Reforma do Estado, trouxe mudanças macro e micropolíticas nas relações do
trabalho do educador infantil. O professor assume a classe de ensino infantil, que antes era de
responsabilidade apenas do monitor de CEC, enquanto o monitor passa a ser considerado
como assistente de sala, porém trabalhando oito horas por dia com os mesmo alunos e as
mesmas preocupações. Toda essa mudança modifica as relações de trabalho dos educadores.
Os monitores de CEC sentiram-se desvalorizados ao perder a autonomia da classe.
Com a reforma na educação infantil15
, criam-se novas regras e novas exigências de
qualificação. As antigas creches viram escolas infantis, daí vem o nome do cargo monitor de
CEC – Centro Educacional e Creche –, que hoje são as Escolas Municipais de Ensino Infantil
(Emeis). É exigida a presença de professores com graduação em Pedagogia e não há mais
contratações para monitor de CEC. A prefeitura lança editais de concurso público exigindo a
qualificação, o nível superior em Pedagogia, com habilitação em ensino infantil e/ou ensino
fundamental, para assumir o cargo de professor infantil.
A Monitora – 20 critica o sistema da professora como uma forma de defesa, por sentir-
se desprezada em sua forma de trabalho. Entendemos que a monitora se preocupa mais em
cuidar, dar carinho, dar colo, enquanto a professora está mais direcionada a educar, dar
autonomia para a criança fazer sozinha. Por isso, a monitora usa o termo trata a criança como
uma folha de papel, que expressa a preocupação do professor em ensinar.
Portanto, há conflitos nas relações cotidianas da sala de aula, sem apoio à monitora e à
professora, ambas sofrem desgastes mental e físico, com a gestão e com as consequências do
sistema de trabalho; ambas são cobradas a produzir.
15
Nova reforma na educação brasileira é implantada em 1996. Trata-se da mais recente LDB, que traz diversas
mudanças às leis anteriores, com a inclusão da educação infantil (creches e pré-escola). A formação adequada
dos profissionais da educação básica também é priorizada, com um capítulo específico para tratar do assunto.
(MEC). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/?option=com_content&view=article&id=2&Itemid=171>.A
atual LDB (Lei 9.394/1996) foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro da
Educação Paulo Renato, em 20 de dezembro de 1996. Baseada no princípio do direito universal à educação para
todos, a LDB de 1996 traz diversas mudanças em relação às leis anteriores, como a inclusão da educação infantil
(creches e pré-escolas) como primeira etapa da educação básica. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Diretrizes_e_Bases_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_Nacional>.
89
Eu não conseguia passar, o meu esquema de trabalho era diferente dos delas, essa
ideia eu passo, essa ideia eu não passo, eu não estou nem aí com a criança, eu não
estou nem aí com o ser humano, que eu estou cuidando. Meu esquema de trabalho
era ver o bem-estar do aluno que eu estava cuidando, sempre tentando valorizar
muito bem as necessidades deles. Eu ficava 8 dentro do local de trabalho; elas
ficavam 5 horas, no máximo 6 horas e já tratavam de uma forma diferenciada. Eu
tinha que dividir classe com uma professora de meio período. Então, eu acabava
ficando dois períodos com uma professora de manhã e com outra à tarde. E isso são
pessoas diferentes sistemas diferentes e o sistema imposto pelo governo ainda. Eu
gostava muito do que fazia. Eu fazia com maior amor do mundo. Eu fui adoecendo
pelo sistema. Pela imposição. Você tinha que seguir aquilo, eu queria cuidar e não
conseguia cuidar, devido à sobrecarga, porque a outra pessoa não estava
interessada em fazer. Então, eu acabava cuidando dos meus e dos outros. Hoje
existe uma divisão muito grande, se hoje você têm sete alunos, são sete alunos seus.
Você não mexe um com o outro. E não tem como, porque você divide o mesmo
espaço. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).
Continua a descrever como era seu trabalho de monitora.
O monitor é um assistente de sala. Nó somos contratados, se pegar o edital do
concurso, o que ele tinha, só que nós ficamos como meras assistentes de sala. Mas
não responde pela sala. Você faz as mesmas coisas, às vezes trabalha mais e sua
valorização é mínima. Você não tem mais valor se as coisas dão certo na sala, quem
tem ponto, são as professoras. Mas, se deu tudo errado é aquela ali que não faz
nada certo. Então, a sobrecarga é enorme. Acaba sobrando só para o monitor. Você
se transforma num assistente de sala; a professora vai dar as atividades, as
crianças, são 14 crianças, trabalham dessa forma. Método de via, eu assistente de
sala, eu assisto 14 crianças. Neste período, duas professoras e eu. Certo. Imagina
14 crianças, se cada uma faz as necessidades duas vezes, no mínimo, a gente faz
quatro trocas. No dia em que eu fiz mais trocas, eu fiz 91 trocas sozinha, em um dia.
Eu cheguei a contar das 7h da manhã, que eu entrava, até as 17h, quando eu saía.
Foram 91 trocas. Fora a professora, que não veio, não tem que ficar aí. Não vou
deixar meus alunos ao deus-dará, eu não deixava. (Monitora -20, depoimento
colhido em outubro de 2012).
Está presente na intensidade do trabalho do monitor tanto a possibilidade do desgaste
físico como o mental. Conta-nos que eram crianças de dois anos, nessa fase, então, todas
foram encaminhadas para o berçário. Nós somos contratadas para trabalhar de seis meses a
cinco anos, mas todas foram jogadas no berçário. Se você fizer uma pesquisa na rede todas
as monitoras estão no berçário. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).
Ela conta qual foi a lógica da Secretaria da Educação de enviar as monitoras para o berçário.
Se eu fui contratada para trabalhar com crianças de 6 meses a 5 anos , está lá no
meu edital, porque eu não tenho capacidade, então? Então vamos extinguir o cargo
e acabou. Ele colocou a gente como inútil, como não capacidade de tratar criança
em outra fase, todos os monitores que vão trabalhar viraram meras assistentes de
classe, recebendo como monitor. Depois de 15 anos, 16 anos, como monitora e a
sobrecarga é maior dentro do berçário. Imagine você todos os anos dentro do
berçário. Eu já estava no berçário há seis anos, então, imagine a situação, a
sobrecarga é imensa. E a sobrecarga psicológica é maior ainda. Se fizer a pesquisa
90
do jeito que elas estão, é muito diferente, o jeito de uma monitora trabalhar e a
professora. E, algumas vezes, eu dou uma paradinha nas salas, até as meninas que
são professoras aqui, brincam comigo, eu daria tudo para ver a Fulana um dia na
sala de aula, pelo jeito que eu chego perto das crianças e, às vezes, eu faço parar de
chorar, então você já tem um dom, a gente sente.
Ontem nós pegamos o meu prontuário e eu vi alguma coisa de lá. Entendeu, então,
daí, eu não tinha visto antes, a resposta, elas ficaram pensativas. O que será?
Bateu, matou e quase que eu fiz, é sério, o médico me afastou por isso, porque eu
tive sinceridade. Porque, se o funcionário tentar bater, ele não vai falar não! Então,
como eu valorizava muito meus alunos, pois, ninguém tem que pagar pelos atos de
outras pessoas, muito menos uma criança. (Monitora -20, depoimento colhido em
outubro de 2012).
A Monitora – 20 complementa descrevendo as características do seu trabalho.
A gente já tinha uma rotina. Eu já tinha, eu fazia uma rotina semanal, eu colocava
no canto da lousa e a cada dia eu pontuava tudo. Já me organizava. Na outra
semana, também. A gente fazia um planejamento para o ano inteiro, ia pegando os
meses e naquele mês a gente tirava a semana. A organização era assim, tinha
crianças que davam trabalho, uma criança com revolta, porque cada criança vem
de família diferente, com dificuldades diferentes, então, a gente, eu principalmente,
sempre eles diziam que eu era muito mãezona, muito faz tudo o que quer, sabe, é que
a criança já chega, chegava assim, uma pessoa diferente, uma pessoa estranha,
tinha que dar atenção para a criança, porque a criança tem que saber que você não
é uma pessoa que vai maltratar, que vai deixar passar dificuldade ali, você vai dar a
atenção para ela, então ela tem que ter confiança em você. (Monitora – 20,
depoimento colhido em outubro de 2012).
A monitora expressa muita emoção, durante a entrevista, ao recordar algumas
passagens, se emociona.
Então, eu era a que ficava com a criança no colo, eu que ficava com aquela que
precisava de mais atenção, por causa de alguma dificuldade, que geralmente as
minhas crianças eram todas pequenas, eram da fase de berçário até o maternal,
então crianças dependentes. Então, eu dava a atenção bastante para eles. Eu
trabalhava oito horas, o ambiente de trabalho era bom. Um ambiente bom. (...)
(Monitora -20, depoimento colhido em outubro de 2012).
Ao perguntar sobre capacitações, cursos, responde que
Na época não tinha nenhuma capacitação, que eu fiz não. Depois eu vim a saber
que para outros concursos teve. Quando eu entrei não teve (...). Eu procurei porque
na verdade o que prejudicou, foi assim, tem história de vida da gente, bom, eu
acabei presenciando fatos dentro da escola de educação infantil, com colegas de
trabalho, que não condiziam com o meu objetivo de trabalho. (Monitora -20,
depoimento colhido em outubro de 2012).
91
2.5 O Cotidiano Profissional do Professor de Ensino Fundamental
O contexto dos professores públicos chama a atenção para a realidade da organização
do trabalho que perpassa as circunstâncias desfavoráveis dessa função, como expressa essa
atividade de educar e as condições de trabalho relatadas pelos sujeitos (Quadro 8) são
apresentada a seguir, por meio de suas histórias profissionais, de quando exerciam o cargo de
professor de ensino fundamental, antes da reabilitação.
Quadro 8 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo professor fundamental
Identificação dos sujeitos
da pesquisa Professora (5) Professora (10) Professora (6)
Idade na data da pesquisa 67 anos 39 anos 47 anos
Idade que ingressou na
reabilitação 65 anos 36 anos 44 anos
Tempo de trabalho na
Prefeitura 7 anos 13 anos 9 anos
Tempo de trabalho na
nova função 2 anos 3 anos 3 anos
Formação Superior Superior Superior
Cargo do Concurso Professora do Ensino
Fundamental
Professora do Ensino
Fundamental
Professora Educação
Fundamental
Referência
Salarial (Tabela DRH
jan./13. Conversão em
salários-mínimos)
2.80 sm 3.08 sm 3.09 sm
Regime de Trabalho CLT CLT CLT
Carga Horária Semanal 33h/semanal 33h/semanal 33h/semanal
Função exercida após a
reabilitação Escriturária Assistente Pedagógica
Auxiliar de
Coordenadora
Pedagógica
Obs.: A referência salarial utilizada na tabela é a indicada pelo Departamento de Recursos Humanos em janeiro/2013.
Ocorreu a conversão em salário-mínimo considerando por referencia o salário-mínimo nacional em maio/2013. A contagem
dos anos foi realizada com referência a maio/2013.
A Professora – 10 descreve sua percepção:
92
O que eu percebi na rede pública municipal é que existe muita cobrança do
professor, existe uma pressão psicológica no sentido de que ele tem que produzir.
Mas não é para o aluno, ele tem que produzir para mostrar para a chefia para
mostrar para quem está cobrando. Então, você não produz conforme está pensando,
você produz conforme alguém a comanda, é diferente; por bastante tempo, eu
trabalhei na rede municipal, só que eu não fiquei como professora, eu passei para
diretora, como coordenadora, eu fiquei como professora na rede só por dois anos.
Então, você tem uma concepção de aprendizagem, não tinha valor. Tinha valor para
fazer dessa forma, que todo mundo faz, e é dessa forma que eu quero que você faça.
Então, isso deixa a gente às vezes sem identidade, como professor. Essa pressão não
foi boa, não foi um processo bom. (Professora – 10, depoimento colhido em outubro
de 2012).
Continua a Professora – 5.
O professor não trabalha sozinho, a gente, além dos 30, 40 alunos que tem, nós
temos o dobro e triplo de pais. E, muitas vezes, nessa área, não falo de uma mágoa,
um problema muito sério e a gente conversar com os pais que não aceitam o
trabalho da gente. Já aconteceu isso comigo, quando eu iniciei o meu processo na
área de educação, foi no Estado, e a gente tinha cursos e cursos para fazer, então,
não é como a municipal, que hoje está, e os cursos são também inferiores ao Estado.
A educação, a gente ouve falar que está falida, esqueceram do trabalho com ela,
mas se for ver, não está falida. É o próprio professor, a própria escola, colocar para
fora o trabalho que faz. Quando eu comecei, eu fazia cursos, com o MEC, com o
pessoal do MEC fazia cursos na Secretaria da Educação do estado, vinham
professores doutores de fora do País para a gente conversar. Aprender com eles,
comparações de trabalho em sala de aula do Chile e do México, por exemplo, o
Brasil, então, foi lindo o trabalho, valeu muito a pena, o trabalho foi gratificante,
tive muito empecilho, no começo, na direção de escola, porque a gente fazia curso
de especialização, fazia curso de enriquecimento e viajava aos sábados para fazer,
às vezes, passar dois a três dias. Foi pelas experiências que eu tive há muito tempo.
Então, a gente trabalhava com criança. Até então não tinha muita criança, a gente
tinha uma média de 25 a 28 crianças. Eu sempre fui alfabetizadora, eu sempre
preferi pegar o primeiro e segundo anos, vieram as mudanças na nomenclatura. A
primeira série e a segunda série, o primeiro ano, que correspondia ao infantil, e o
ensino infantil, para o fundamental, eu passei por toda essa mudança, dentro da
sala de aula. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).
A Professora -5 faz referência ao período da mudança de nomenclaturas do ensino
infantil, com a reforma da educação infantil, que foi implantada em 1996, e que trouxe
diversas mudanças, como a inclusão da educação infantil (creches e pré-escola), e continua a
descrever as características do trabalho do professor,
Nós éramos cobradas, muito policiadas mesmo, pelo tipo de trabalho que fazíamos
dentro da sala de aula. Você não tinha liberdade de trabalhar um assunto. Eu
sempre gostei de sair com as crianças, fazer uma excursão, fazer plantio, inclusive
por gostar disso, fui muito, por três a quatro anos, convidada pela Secretaria do
Meio Ambiente da Prefeitura a fazer plantio com as crianças, ia ao zoológico, de
2005 a 2006, eu acredito que eu plantei com meus aluninhos mais de mil árvores na
cidade e quando eu passei para o municipal eu comecei a encontrar esses
empecilhos. Para levar um convidado para fazer uma palestra em sala de aula, você
tinha que ter colocado no planejamento de janeiro, no início do ano, você sabia o
93
que ia dar o ano inteirinho. Não é tudo que você pode planejar e não é tudo que dá
certo, principalmente com a história de eu querer sair com meus alunos, conversava
com os pais, os pais iam junto, todos aceitavam, todos assinavam. Chegava à
direção da escola, e eu era bloqueada. Não pedia ônibus, eu tinha que fazer tudo
por minha conta com o aval dos pais. E aí eu me decepcionei com a educação
municipal. Porque, bem na verdade, eu estava acima do conhecimento da direção,
por onde trabalhei. Foi 2005, 2006 até 2010, um ano bom e três, quatro, péssimos,
com a direção, a gente batia muito de frente, a gente gostava de dinâmica e gostava
de sair com as crianças, aprender a mostrar coisas para eles, precisam disso, né,
agora, principalmente, que toda a criançada vem com a Internet, tinha coisas que a
Internet mostra, mas você tem que diferenciar. É um trabalho de campo que fiz e
não fui muito entendida nesse aspecto.
Tive problemas, teve uma ocasião em que fui chamada na secretaria, eu me sentia
como um grão de areia, insignificante, quando eu entrei numa sala, tinha oito
supervisoras, era uma examinação, banca examinadora para questionar sobre como
eu dava minhas aulas e se os alunos aprendiam, como eu sabia que meus alunos
estavam aprendendo, como eu alfabetizava, me colocaram na frente de uma lousa,
para eu ensinar, como se elas fossem crianças, foi assim humilhante, muito
humilhante. Foi nesse período que, eu não sei, foi muito tumultuado. Eu gostava de
fazer tudo aquilo, mas quando eu vi que não tinha como e nem a nível de
supervisão, e foi nessa supervisão que eu me estressei muito, eu era vigiada até por
servente, passavam na sala de aula e chegavam na direção que eu tinha falado isso
e aquilo na sala de aula, que tinha criança que me perguntava e parece que ficavam
observando só o meu trabalho, sabe, tinha escola que tinha visor na porta, então,
quando eu menos esperava, tinha alguém no vidro olhando o que eu estava fazendo.
Se estava dando giz de cor, se eu não usava giz de cor na lousa, quando eu
ensinava, e queria ver o meu diário, se eu preparava a aula de todo dia. Eu nunca
fui de centralizar ou documentar o que eu dava em sala de aula. Antes, eu preferia
fazer tudo no final do dia, com todos os assuntos dados durante o dia. Isso também
foi bloqueado, a gente tinha que fazer um semanário, eu acho isso muito pobre,
muito pequeno. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).
É possível observar como o trabalho do professor era controlado e como não tinha
autonomia para escolher sua metodologia de trabalho, caracterizando um trabalho alienante,
automatizado, que lhe era estranho.
Todo dia. Então você abre, pega o caderno grande, e marca lá. Na semana, por
exemplo, de segunda a sexta-feira o que você vai dar todos os dias. Na segunda-
feira, planeja, faz o esqueleto e trabalha aquele dia. Na terça, isso a gente fazia em
casa, preparava a semana em casa. Então, a gente preparava, ainda funciona assim,
que eu sei. Você tem os [Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo] HTPCs,
pedaços de textos, de apostilas, que a gente lia, que não tinha nada a ver. A
cobrança é muito grande, dentro da coordenação, que a gente queria planejar a
aula, a gente era em três, ou quatro, do 1o, do 2
o e 3
o anos e todas juntas, no mesmo
período, a gente queria trocar informações, trocar atividades, que deu na sala de
aula, que podia colaborar. Chegava no HTPC, tinha três horas, tive uma professora
que falou, professora de faculdade, que falou, um dia, que eram testículos que
davam para a gente, porque davam xerox de parte de um livro, que elas achavam
interessante, e davam aquilo para a gente, uma mensagem com diretas e indiretas
ao professor. E o importante, que era trocar ideias, planejar uma aula parecida,
porque nenhuma classe é igual a outra. Mas eles exigiam que a gente desse a
mesma coisa, então, era todo esse nó. (Professora – 5, depoimento colhido em
outubro de 2012).
94
A professora, no decorrer das atividades, sentia falta de exercer um trabalho criativo
que tivesse um significado. Não consegui desenvolver uma atividade intelectual, a partir de
suas referências teórico-metodológicas; discutir em grupo, ou seja, queria um trabalho que
gerasse valores úteis para a busca de um trabalho com valores úteis, ou seja, concreto. O
horário coletivo de trabalho pedagógico, nas escolas municipais, acontece uma vez por
semana, em reunião entre professores, diretor e coordenador pedagógico.
São três horas de reunião, com o objetivo de melhorar o trabalho pedagógico. Então,
aquele momento, ficava perdido, o que acontecia, por telefone às vezes à noite em casa ou
então no dia seguinte chegava mais cedo cinco e dez minutinhos e a gente tinha que redigir,
passar no mimeografo, computadores e escanear as atividades. A Professora 5 relata que o
trabalho também ocorria no seu cotidiano doméstico.
Trabalhava em casa. Trabalhava, isso foram quatro anos. A tantos anos de
magistério no estado, eu tenho parentes que até podem testemunhar quantas mil
vezes chegava visita em casa de sábado à tarde, minhas primas e me viam sentada
na sala de jantar, toda esparramada, preparando material, pesquisando livros e no
tempo não tinha Internet, computador, informática na escola, né, isso é recente (...)
(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).
A professora não consegue falar com precisão sobre quantas horas se dedica ao
trabalho.
Fora das seis horas diárias, contando as três horas que eram de HTPC fora do
nosso período de trabalho, ainda sábado e domingo, não dá sinceramente para
computar em horas, mas vamos supor, no mês, pelo menos três finais de semana, eu
empregava para isso. Quando não chegava, tomava lanche, assistia a novelinha e
sentava para preparar a aula do dia seguinte, isso ia até ás 23h30 ou 24h. Isso
foram vinte anos do Estado e quatro anos da prefeitura isso foi muito duro e não se
falando que aqui não existe cobrança, existe policiamento, então, por isso que as
professoras de agora elas não têm... Eu tenho dó. Porque eu não sei se elas
encantam ou se desencantam com a profissão. Porque, do mesmo modo que eu vejo
o encanto, do mesmo modo eu vejo e ouço as queixas, ouço que preciso sair, de
deixar, pedir exoneração, diretor sem capacidade, quantos diretores não têm
postura para ocupar o lugar. A supervisão do estado, como no municipal, sempre foi
cobrança, em vez de orientar, ninguém está fazendo, nem os coordenadores.
(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).
Evidencia-se que questões micropolíticas também influenciam nas relações
profissionais, no cotidiano do professor. A Professora – 5 narra o momento em que sentiu
constrangimento em relação à atitude de sua chefia.
95
Tipo assim, você está trabalhando mesa por mesa com a criança, um dos casos -
apaguei a letrinha feia dele do caderno. Aí eu ensinei e sentei com ele para fazer
uma letrinha melhor, caprichar na escrita, aí ele levou o caderno para casa e a mãe
criticou porque eu tinha apagado a lição do caderno e feito ele fazer de novo. Ela
foi reclamar com a diretora, porque eu não tinha o direito de fazer isso. A diretora,
na frente dela, contestou que realmente não era para ter feito isso, que isso
traumatizou o menino e ele ficou com medo de escrever. Então, vê se uma diretora
chega e coloca uma posição dessa na frente da criança e da mãe, já que a criança
ia ficar com medo de escrever, isso não se faz, isso é falta de profissionalismo. Isso
foi cansando... Sabe... Cansando... (Professora – 5, depoimento colhido em outubro
de 2012).
Assim, evidencia-se o despreparo da gestão pública para lidar com aspectos do cotidiano
profissional dos trabalhadores no serviço público.
2.6 Adoecer e suas Características no Serviço Público
Verifica-se que ambos os cargos citados na pesquisa tem peculiaridades do trabalho
ligadas ao desenvolvimento infantil e o fato desse tipo de trabalho ser executado, na maioria
das vezes, por mulheres, nos leva a considerar alguns fatores como “a baixa remuneração
obriga muitas mulheres (...) a manter mais de um emprego (...), têm uma tripla jornada de
trabalho, já que deve ser também considerada a atividade doméstica” (SELIGMANN-SILVA,
2011, p. 226-227). Assim, as sobrecargas física e mental ainda são maiores, ao considerarmos
as características das atividades do cotidiano doméstico, típicas de serem executadas pelo
gênero feminino. Devido à lógica histórica do modelo tradicional de divisão de tarefas em
nossa sociedade, é comum as mulheres assumirem as responsabilidades das tarefas da casa.
Ao olhar a faixa etária dos trabalhadores apontados nos Quadros 6, 7 e 8, nota-se que a
média da idade em que ingressaram na reabilitação é de 49 anos de idade e com tempo de
trabalho em média de 16 anos como servidor público, contudo, importante se faz propor uma
reflexão. Ao comparar-se a idade com o tempo de serviço, nota-se uma aproximação sobre o
tempo em que os servidores públicos estão adoecendo o que torna possível adotar medidas
preventivas, antes que o desgaste aconteça, seja ele mental e/ou físico.
Ao ler os relatos, apesar das diferentes características de cada cargo exercido, notam-
se semelhanças, pois as histórias narram momentos de convivências no cotidiano profissional
96
em que se evidenciam momentos citados pelos sujeitos que levaram aos desgastes mental e
físico. Mostram-se momentos de dor e o sofrimento é sentido em diferentes formas e
expressos de diferentes maneiras. Reafirma-se a questão de que o adoecimento não aparece de
repente, mas vem sendo construído no dia a dia, nas relações cotidianas desses trabalhadores
do serviço público.
O adoecimento que levou ao processo de reabilitação vem de um sofrimento mental
que não apareceu de repente, mas que surgiu a partir “do choque entre um indivíduo, dotado
de uma história personalizada, e a organização do trabalho, portadora de uma injunção
despersonalizante”, e daí “emergem uma vivência e um sofrimento (...)” (DEJOURS, 1992, p.
43). Um melhor entendimento do processo de adoecimento requer a análise das patologias de
maior incidência.
Para classificar, segundo a patologia que levou à reabilitação, foi utilizada a
Classificação de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde frequentemente
designada pela sigla CID (em inglês: International Statistical Classification of
Diaseases and Related Health Problems – ICD) (...) A CID – Classificação
Internacional de doenças é publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e é
usada globalmente para estatísticas de morbilidade e de mortalidade, sistemas de
reembolso e de decisões automáticas de suporte a medicina. (WIKIPEDIA, 2012.
Disponível em: <http://www.wikipédia.org>. Acesso em: 20 maio 2012).
A classificação é importante para entender o conjunto de doenças que mais afetaram
os trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação no período da pesquisa. Os
códigos usados pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde, constam no Quadro 9.
Quadro 9 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde
Capítulo Códigos Título
I A00-B99 Algumas doenças infecciosas e parasitárias
II C00-D48 Neoplasmas (tumores)
III D50-D89 Doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos e alguns transtornos imunitários
IV E00-E90 Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas.
V F00-F99 Transtornos mentais e comportamentais
VI G00-G99 Doenças do sistema nervoso
VII H00-H59 Doenças do olho e anexos
VIII H60-H95 Doenças do ouvido e da apófise mastoide
(Continua)
97
Quadro 9 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde
Capítulo Códigos Título
IX I00-I99 Doenças do aparelho circulatório
X J00-J99 Doenças do aparelho respiratório
XI K00-K93 Doenças do aparelho digestivo
XII L00-L99 Doenças da pele e do tecido subcutâneo
XIII M00-
M99 Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
XIV N00-N99 Doenças do aparelho geniturinário
XV O00-O99 Gravidez, parto e puerpério
XVI P00-P96 Algumas afecções originadas no período perinatal
XVII Q00-Q99 Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas
XVIII R00-R99 Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não
classificados em outra parte
XIX S00-T98 Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas
XX V01-Y98 Causas externas de morbidade e de mortalidade
XXI Z00-Z99 Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde
XXII U00-U99 Códigos para propósitos especiais
Fonte: Lista de códigos da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org >. Acesso em: 20 maio 2012.
Com base nesses códigos, elaborou-se o Quadro 10, em que se demonstram os
números especificando a real demanda de cada CID, conforme o grupo de cada patologia que
levou ao adoecimento.
Quadro 10 – Número de trabalhadores que passaram pela reabilitação por patologia (causa da reabilitação),
conforme CID-10, no período de 2006 a 2011
Classificação da doença 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total
A00-B99
Algumas doenças infecciosas e
parasitárias
0
0
0
0
0
1
1
C00-D48
Neoplasmas (tumores)
0
0
0
0
0
1
1
F00-F99
Transtornos mentais e
comportamentais
1
2
1
12
4
5
25
G00-G99
Doenças do sistema nervoso
0
0
0
0
0
1
1
H60-H95
Doenças do ouvido e da
apófise mastoide
0
0
0
0
0
2
2
(Continua)
98
Quadro 10 – Número de trabalhadores que passaram pela reabilitação por patologia (causa da reabilitação),
conforme CID-10, no período de 2006 a 2011
Classificação da doença 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total
I00-I99
Doenças do aparelho
circulatório
0
0
1
0
0
0
1
J00-J99
Doenças do aparelho
respiratório
0
0
0
0
1
1
2
K00-K93
Doenças do aparelho digestivo
1
0
0
0
0
0
1
L00-L99
Doenças da pele e do tecido
subcutâneo
0 0 1 2 0 0 3
M00-M99
Doenças do sistema
osteomuscular e do tecido
conjuntivo
3
9
7
9
7
8
43
S00-T98
Lesões, envenenamentos e
algumas outras consequências
de causas externas
0 0 0 2 0 0 2
Fonte: Elaborado com base nos dados cruzados do Programa de Readaptação Profissional – maio/2012 e na Lista de códigos
da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org >. Acesso em: 20 maio 2012.
Dentre os CIDs apresentados no Quadro 10, ressaltam-se as doenças do sistema
osteomuscular e do tecido conjuntivo (CID. M00-M99). O considerável número leva à
reflexão sobre os fatores ergonômicos ligados às atividades que demandam cargas de trabalho
intensivas e requerem esforços físicos para atender às exigências das tarefas. Para melhor
entender esse processo, é preciso recorrer a “uma visão ergonômica que, ao considerar o
corpo, leva em conta também a dimensão social, assim como a subjetividade e o significado
do trabalho para quem o executa,(...)”. (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 84).
Esse fator de adoecimento é muito evidenciado na intensificação do trabalho
verificada nos cargos de merendeira, devido aos esforços físicos necessários para atender às
exigências de suas tarefas.
99
Gráfico 3 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação por patologia (causa da
reabilitação), conforme CID-10, no período de 2006 a 2011
Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio/ 2012.
Segundo dados dos Gráficos 3 e 4, há incidência de doenças que levaram à
reabilitação relacionadas, em primeiro lugar, ao CID M00-M99, que se refere a doenças do
sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (com 52%). Em segundo lugar, com 30%, está
apontado o CID F00-F99, que se refere a transtornos mentais e comportamentais.
Gráfico 4 – Porcentagem de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação segundo
código da doença apresentada para reabilitação, no período de 2006 a 2011
Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio de 2012.
Legenda: M00-M99 - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
F00-F99 - Transtornos mentais e comportamentais
Legenda: M00-M99 - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
F00-F99 - Transtornos mentais e comportamentais
100
A Organização Mundial de Saúde utiliza-se da nomenclatura especificada no CID para
registros de dados de morbidade e mortalidade. Na Perícia Médica municipal, os peritos
também utilizam essa referência em documentos, laudos, perícias e pareceres médicos.
Destacam-se, nos Quadros 11 e 12, os desdobramentos dos CIDs de maior incidência
nos processos de reabilitação.
Quadro 11 – CID M00-M99, que se refere a doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
1 M00-M99 Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
1.1 (M00-M25) Artropatias
1.1.1 (M00-M03) Artropatias infecciosas
1.1.2 (M05-M14) Poliartropatias inflamatórias
1.1.3 (M15-M19) Artroses
1.1.4 (M20-M25) Outros transtornos articulares
1.2 (M30-M36) Doenças sistêmicas do tecido conjuntivo
1.3 (M40-M54) Dorsopatias
1.3.1 (M40-M43) Dorsopatias deformantes
1.3.2 (M45-M49) Espondilopatias
1.3.3 (M50-M54) Outras dorsopatias
1.4 (M60-M79) Transtornos dos tecidos moles
1.4.1 (M60-M63) Transtornos musculares
1.4.2 (M65-M68) Transtornos das sinóvias e dos tendões
1.4.3 (M70-M79) Outros transtornos dos tecidos moles
1.5 (M80-M85) Transtornos da densidade e da estrutura óssea
1.6 (M86-M90) Outras osteopatias
1.7 (M91-M94) Condropatias
1.8 (M95-M99) Outros transtornos do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
Fonte: Lista de códigos da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org> . Acesso em: 20 maio 2012.
Como se menciona na literatura contemporânea, é muito frequente encontrar as causas
do adoecimento relacionadas à questão do desgaste mental, como aponta Seligmann-Silva
(2011, p. 84), ao afirmar que “Várias mediações podem ser identificadas nos processos
101
coletivos e individuais que conduzem ao desgaste mental vinculado ao trabalho. As mais
importantes são de natureza micropolítica, cultural e psicossocial”.
Tal afirmação é comprovada ao analisar as relações de trabalho, como observado nas
histórias relatadas. O desgaste mental está presente nas dinâmicas pessoais e do trabalho. É
necessário reconhecer que esse desgaste pode levar a transtornos mentais e comportamentais
irreversíveis. A causa mental é evidenciada, na prática cotidiana, como a segunda maior
incidência, nos processos que levaram à reabilitação profissional, nos últimos anos. Mesmo
entre os sujeitos que foram indicados com o CID relacionado a doenças osteomusculares, são
comuns traços, em suas narrativas, que comprovam também ter ocorrido desgaste mental, o
que se nota nos relatos das merendeiras.
Também se confirma o conceito, pelos sujeitos da pesquisa em suas falas quando
exemplificam situações reais vivenciadas no trabalho, que demonstraram o desgaste mental,
ao relembrar o processo de adoecimento, como expressa a fala da Monitora - 16: Eu era um
poço de estresse, qualquer coisa eu queria bater.
No Quadro 12, consta o desdobramento do CID F00-F99, para melhorar visualização
das diversas patologias que envolvem essa classificação.
Quadro 12 – CID F00-F99 que se refere a transtornos mentais e comportamentais
1 F00-F99 Transtornos Mentais e do Comportamento
1.1 (F00-F09) Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos
1.2 (F10-F19) Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa
1.3 (F20-F29) Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes
1.4 (F30-F39) Transtornos do humor [afetivos]
1.5 (F40-F48) Transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos
somatoformes
1.6 (F50-F59) Síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos
1.7 (F60-F69) Distorções da personalidade e do comportamento adulto
1.8 (F70-F79) Retardo mental
1.9 (F80-F89) Transtornos do desenvolvimento psicológico
1.10 (F90-F98) Transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente
durante a infância ou a adolescência
1.11 (F99) Transtorno mental não especificado
Fonte: Lista de códigos da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org>. Acesso em: 20 maio 2012.
102
Observa-se, no Gráfico 5, que o número de reabilitações vem aumentando, conforme
aumenta o tempo de trabalho e apresenta-se com diminuição a partir de 15 a 19 anos e 11
meses de serviço. A diminuição do número de reabilitações nessa faixa pode ter relação com a
possibilidade de aposentadoria, também se deve levar em conta outros anos trabalhados antes
do ingresso no cargo público e, no caso especifico de professor, a aposentadoria pode ocorrer
a partir dos 25 anos de exercício da profissão em sala de aula.
Gráfico 5 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação profissional, conforme o
tempo de trabalho no serviço público municipal ao entrar no processo de reabilitação, no período
de 2006 a 2011
Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012.
A média de tempo de trabalho que o servidor tem adoecido, com indicação para
reabilitação, no serviço público municipal, está na faixa de 10 a 14 anos e 11 meses de
exercício do cargo público. Nota-se que a idade em que o servidor foi indicado para a
reabilitação é um fator muito importante para a reflexão sobre se o adoecimento está
relacionado a uma série de agravos à saúde decorrente do envelhecimento.
Nota-se, no Gráfico 6, que a média de idade de maior incidência, está entre 40 a 49
anos, fator relevante, descaracterizando a ideia do adoecimento que leva à reabilitação estar
103
relacionado apenas a agravos da saúde com o envelhecimento, visto que a principal demanda
está relacionada a pessoas mais novas.
Gráfico 6 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação, conforme a idade que
tinham ao entrar no processo de reabilitação, no período de 2006 a 2011
Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012.
No Gráfico 6, não é apresentado a faixa de idade acima de 69 anos, porque, ao
completar 70 anos, o servidor público é aposentado compulsoriamente. Trata-se de passagem
obrigatória do servidor da atividade para a inatividade.
É importante também relacionar a diminuição do número de reabilitações com o
aumento da idade dos reabilitados devido à proximidade da aposentadoria, com maior
probabilidade, a partir dos 55 anos para as mulheres e 60 anos para os homens.
Observa-se que os dados quantitativos do grupo maior, de 82 sujeitos, refletem a idade
de maior incidência, do grupo menor, dos nove sujeitos que participaram da história oral, com
média de idade de 49 anos. Como já dizia Marx: “O consumo da força de trabalho pelo capital
é tão intenso que o trabalhador de mediana idade já está em regra bastante alquebrado”
(LARA; CANOAS apud MARX, 2010, p.137).
104
2.7 A Perspectiva do Trabalho como Direito Social
Sobre o trabalho no serviço público, ainda há dois pontos relevantes observados
durante a pesquisa:
nenhum dos sujeitos entrevistados que adoeceram e vieram para o processo de
reabilitação profissional tiveram o nexo causal, ou seja, suas doenças não foram
consideradas, pelo médico, como doenças oriundas do trabalho;
nenhum trabalhador, entre os pesquisados, procurou algum serviço de auxílio para
reivindicar o nexo causal, ou seja, a comprovação da relação da causa do adoecimento
com o trabalho que exerciam.
Quem representa esses trabalhadores? A resposta é que existe um sindicato dos
trabalhadores municipais de Piracicaba, fundado em 10 de novembro de 1988, que representa
os funcionários públicos municipais de Piracicaba, Saltinho, São Pedro e Águas de São Pedro.
Conta com sede própria, onde funcionam alguns departamentos e serviços, entre eles:
Departamento Jurídico, Departamento de Comunicação, Departamento de Convênios,
atendimento, recepção, cabelereira e salão de eventos (SMUNICIPAIS; 2013).
No entanto, apenas um dos sujeitos menciona o sindicato, ao qual recorreu para
utilizar o Departamento Jurídico e reivindicar a perda de um benefício salarial. O fato espelha
a realidade do serviço público, já que não é comum pertencer ao sindicato municipal, que
conta com aproximadamente 3.300 associados (49% do total), mas se observa que poucos
participam de reuniões para conquistas coletivas (SMUNICIPAIS; 2013).
Na reunião para a assembleia anual representativa, que ocorreu referente ao dissídio
coletivo, em maio de 2012, havia em torno de 80 pessoas, que se referem a 2% dos
associados, que representam 1% dos servidores municipais (SMUNICIPAIS; 2013). Um
número relativamente baixo, relacionado com o número de associados e de servidores
municipais, considerando que o assunto em pauta era a discussão da porcentagem do dissídio
coletivo que propõe a base para o aumento salarial anual, considerando também que existe
notória divulgação nos setores com cartazes, a fim de mobilizar os trabalhadores para a
campanha salarial anual, informando a data da assembleia.
105
Os sujeitos apontaram o motivo de não participarem como financeiro ponderando que,
para se associar, é preciso pagar 1% do salário mensal. Assim, alegam não ter condições
financeiras para suprir com mais gastos, além do trivial, e pagam apenas ao Sindicato a
contribuição assistencial anual, que equivale ao valor de um dia de trabalho. A taxa é
obrigatória e todos pagam. Outro motivo mencionado para não utilizar o sindicato é que não
se sentem representados e não acreditam que lutem pelos direitos dos trabalhadores.
Figura 7 – Servidores municipais de Piracicaba durante assembleia realizada pela
Diretoria do Sindicato dos Servidores Municipais
Fonte: Disponível em: <www.smunicipais.org.br/noticias_integra.php?id=37>.
As relações, no serviço público municipal, refletem o contexto nacional. A partir do
desmonte dos direitos sociais conquistados com a introdução das novas formas de trabalho, a
classe dos trabalhadores, que Antunes (2010) denomina de a “classe que vive do trabalho”, e
inclui também os desempregados, que não deixam de ser trabalhadores, os quais, em dado
momento, ficaram fora do sistema da produção, por não conseguirem recolocação no mercado
de trabalho. O desemprego estimula a competitividade pelos postos de trabalho e leva à
conformação do trabalhador que, para garantir seu emprego, aceita a precarização do trabalho.
O fato de existir desemprego muito evidenciado pela mídia, traz certo conformismo para
aqueles que estão garantidos em seus empregos públicos.
106
Observou-se, durante a pesquisa com os noves sujeitos, que, ao narrarem o processo
de adoecimento, em alguns momentos, relacionam suas atividades com o sofrimento, mas
todos só procuraram ajuda médica depois de algum tempo, e a única saída encontrada foi
deixar o antigo cargo, apontando um quadro clínico sem possibilidades de recuperação para
retorno à função. É relevante mencionar que a indicação médica para reabilitação ocorre em
casos em que foi diagnosticada alguma incapacidade profissional que impossibilita o
trabalhador de exercer a função anterior ao adoecimento. Torna-se importante, nesse sentido,
entender que, segundo Dejours (1992, p. 121),
A consulta médica termina por disfarçar o sofrimento mental: é o processo de
medicalização, que se distingue bastante do processo de psiquiatrização, na medida
em que se procura não somente o deslocamento do conflito homem-trabalho para
um terreno mais neutro, mas a medicalização visa, além disso, a desqualificação do
sofrimento, no que este pode ter de mental.
Verificam-se, também, durante as histórias, que alguns encontraram dificuldade em
conseguir que o médico concedesse a reabilitação, como relata a Professora – 5. Mesmo com
parecer de seu médico favorável à reabilitação, conta que foi um processo difícil, junto à
perícia do INSS. Assim, a reabilitação representa um ganho, um fator positivo, como única
forma de se livrar do sofrimento e da dor de um trabalho que consumia pouco a pouco a saúde
mental e a física.
Ao retomar as palavras da Monitora – 20, fica evidente a lógica das mudanças no
serviço público, como a troca de nomenclatura de cargos, para o devido enquadramento na lei,
não sendo discutidas com os trabalhadores, mas impostas pelo poder público. Ele colocou a
gente como inútil, como não capacidade de tratar criança em outra fase, todos os monitores
vão trabalhar como assistentes de classe, viramos meras assistentes de classe, recebendo
como monitor. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012). As mudanças do
mundo do trabalho afetam também a organização do serviço público e suas configurações.
De acordo com Lara e Canoas (2010, p. 137):
A produção capitalista, nos últimos 40 anos, intensificou mudanças na organização
da produção e na exploração da força de trabalho. Essas metamorfoses trouxeram
consigo inovações tecnológicas e organizacionais e, simultaneamente, ocasionaram
as diversas desregulamentações das relações de trabalho.
A história dos direitos sociais dos trabalhadores vem marcada de muitas lutas sociais,
em sua trajetória na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. A Seguridade Social,
107
onde se insere a Assistência Social, foi conquistada com lutas e movimentos sociais da classe
trabalhadora. A abordagem dos direitos sociais como direito à cidadania, passa a ser
incorporada pela Seguridade Social e é reconhecida na Constituição Federal de 1988, que
aponta os diretos sociais em seu Art. 6o: “São direitos sociais a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, (...)”. (EMENDA
CONSTITUCIONAL 64, 2010).
Os direitos sociais são fundamentais para a afirmação de uma nova cultura política de
Assistência Social, entre os quais destaca-se o estudo do direito do trabalho. Não é papel
somente do legislador, a consolidação de direitos, mas dos trabalhadores, a reivindicação e
intervenção na realidade, de forma coletiva, participando de um processo educativo. À medida
que interagem dialeticamente, e entendem o sistema capitalista, modificam as formas de
pensar e influenciam ações que os levam a acessar direitos enquanto sujeitos políticos.
O trabalhador procura por direitos, por vezes sem considerar-se sujeito político para
reivindicá-lo, e é preciso despertar esse processo, como aponta Telles (2006, p. 177):
(...) será importante reativar o sentido político inscrito nos direitos sociais. Sentido
político ancorado na temporalidade própria dos conflitos pelos quais as diferenças
de classe, de gênero, etnia, raça ou origem se metamorfoseiam nas figuras políticas
da alteridade – sujeitos que se fazem ver e reconhecer nos direitos reivindicados, se
pronunciam sobre o justo e o injusto e, nesses termos, reelaboram suas condições de
existência como questões pertinentes à vida em sociedade.
O trabalho coletivo inicia-se na subjetividade, por isso a importância de trabalhar o
sujeito, por meio de uma prática de socialização de informações, articulação de novas
dinâmicas sociais e mediação de acesso dos indivíduos sociais aos direitos e a alcançarem o
patamar de cidadania.
Os direitos estruturam uma linguagem pela qual esses sujeitos elaboram
politicamente suas diferenças e ampliam o “mundo comum” ao inscrever na cena
pública suas formas de existência, com tudo o que elas carregam em termos de
cultura e valores, esperanças e aspirações, como questões relevantes à vida em
sociedade e pertinentes ao julgamento ético e à deliberação política. (TELLES,
2006, p.181).
A articulação de políticas e práticas devem potencializar as possibilidades do sujeito,
tornando-o agente de transformação social, deixando de ser “atores sociais” para tornarem-se
“sujeitos sociais”, protagonistas de suas próprias histórias, livres para fazer escolhas,
108
construindo uma nova cultura política, através da emancipação do sujeito e da inclusão social
via acesso a direitos.
Essa discussão leva à perspectiva da inclusão social via acesso ao trabalho. Ao buscar
a conquista da autonomia, com a construção e redescoberta de novas possibilidades
profissionais, superam as limitações adquiridas com o adoecimento ou sequelas que levaram à
deficiência física e/ou mental.
(...) quando o sujeito consegue atribuir um sentido emancipatório a sua experiência
de amputação, ele concretiza um novo projeto de vida, superando o conflito gerado
pela mesma, através da revisão de valores preconceituosos e estigmatizantes acerca
do significado social de ser uma pessoa com deficiência. (PACHECO; CIAMPA,
2006, p.167).
Atribuir um sentido emancipatório às experiências que os levaram à reabilitação,
facilita a construção de um novo projeto de vida, com seu retorno ao mercado de trabalho, e
contribui para torná-lo um sujeito político, com suas escolhas profissionais.
Ao acessar direitos, é reconhecido como ser que produz e cria possibilidades de obter
reconhecimento pela sociedade, através do trabalho, pois
Em uma sociedade como a nossa, que se organiza por esta lógica de mercado, as
pessoas são importantes enquanto são produtivas e quando não produzem, é como
se já não fossem nem sequer seres humanos. È impressionante constatarmos como o
econômico invade as relações sociais e como certas práticas retiram cidadania dos
sujeitos, fragilizando a sua já frágil condição humana. (MARTINELLI, 2006, p.11).
A efetivação dos direitos fortalece uma nova cultura, construída no dia a dia, e leva ao
processo de mudança não só daqueles que necessitam acessar o direito, mas de todos os que,
de alguma maneira, participam desse processo e passem a aderir à proposta da inclusão social
por meio do trabalho; facilitar o acesso à cidadania através da reivindicação de melhores
condições de trabalho para evitar o adoecimento e para aqueles que já adoeceram eliminar os
preconceitos, reforçar princípios de igualdade, evitar que sejam vistos como incapacitados,
dependentes e/ou inválidos, isolados e recolhidos em seus lares. Conforme aponta Chauí
(2006, p. 145), “(...) todos os atos participam da criação da nova sociedade. A participação é o
dado constitutivo dessa sociedade porque é uma sociedade em construção pela ação de todos
os seus sujeitos”.
109
CAPÍTULO III – IDENTIDADE E REABILITAÇÃO
3.1 O Significado do Trabalho na Vida Cotidiana e as Marcas da Identidade Profissional
Durante o Processo de Reabilitação Profissional
Eu empreguei vinte anos da minha vida de escola, como educadora dentro de
sábado, domingo, trabalhando, eram vários programas que eu tinha e a vida afetiva
ficava de lado, às vezes a vida familiar, eu ia viajar, mas preocupada que eu tinha
que voltar logo, porque eu não tinha terminado tal coisa,
por uma cobrança muito infeliz, porque eu acho que você faz
por sua conta o seu trabalho, a responsabilidade é outra.
(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012)
Para entender a reabilitação, é necessário compreender os caminhos que levam a ela,
ou seja, o processo de adoecimento do trabalhador intrinsicamente ligado à organização do
trabalho. Sobre a reabilitação, refere-se, a Monitora -14, como (...) um lugar que tira daqui e
coloca lá e esquece e fica lá e se esquece da pessoa. A pessoa não sabe como é que está o
posicionamento e o emocional.
Seligmann-Silva (2011, p. 162) define a organização do trabalho “(...) como a forma
de conceber os conteúdos das atividades de trabalho, bem como a sua divisão entre os
trabalhadores”. Observa-se que a organização do trabalho sofre modificações, com a chegada
do trabalhador que passou pela reabilitação, como verifica-se na divisão das tarefas. Quando
eu fui reabilitada, fiquei um mês arquivando documentos que estavam acumulados, aquele
serviço que ninguém queria fazer, passaram para mim. (Professora – 5, depoimento colhido
em outubro de 2012). O relato evidencia como foram as atividades desenvolvidas nos
primeiros dias de trabalho após o processo de reabilitação. Durante a divisão das tarefas, a
professora assumiu atividades que eram desprezadas pelos demais trabalhadores.
Há outros elementos identificados na organização do trabalho que também refletem as
modificações do mundo do trabalho. Assim, alteram-se as formas de trabalho e apresentam-se
novas tecnologias e a substituição do artesanal pelo industrializado; as transformações, no
decorrer dos últimos anos, modificam os processos de organização do trabalho. “(...) Em
geral, pode-se afirmar que o número de tarefas envolvendo habilidades padrões genéricas
relacionadas a computadores está crescendo rapidamente.” (HUWS, 2009, p. 47).
110
Um desafio apresentado aos sujeitos que passam a desenvolver suas atividades na área
administrativa é o uso do computador. Nas funções anteriores, nem sempre era necessário
utilizá-lo com frequência, como se verifica nas pesquisadas: monitor de CEC, professor de
Ensino Fundamental e merendeira. As novas funções exercidas pelos sujeitos pesquisados, em
sua maioria, envolvem atividades ligadas a serviços administrativos e burocráticos, como:
atendente, escriturária, assistente pedagógica e auxiliar de coordenadora pedagógica. Em
todas é imprescindível o uso da tecnologia para a execução das atividades. Assim, durante o
período de reabilitação profissional, também pode ser necessário buscar novas habilidades e
conhecimentos, que fazem parte do processo de reconstrução da identidade profissional.
Apesar de ser fácil o acesso a cursos de capacitação em informática16
sem custos para
os servidores públicos municipais, por causa de parcerias com instituições de ensino
possibilitadas durante o processo de reabilitação profissional, não deixa de ser um novo
desafio ao trabalhador alcançar a revolução tecnológica contidas nas dinâmicas do trabalho
contemporâneo no serviço público reflexo da restruturação empresarial imposta pelo sistema
capitalista.
Mas é diferente a adaptação e o ritmo de trabalho de um trabalhador que não está
habituado com as novas tecnologias dos demais trabalhadores treinados no uso de recursos
tecnológicos. “As habilidades requeridas para operar um computador e seus numerosos
acessórios de comunicação não devem ser, obviamente, confundidas com a totalidade dos
requisitos de um dado emprego.” (HUWS, 2009, p. 48).
As mudanças na rotina de trabalho advindas das atividades administrativas também
envolvem outros desafios, como ter boa comunicação para atendimento ao público, adequadas
leitura e escrita para anotação de recados e elaboração de memorandos e ofícios, enfim, a
nova função envolve também aprender novas habilidades que proporcionem bom desempenho
desse trabalhador que venha a suprir as necessidades da vaga oferecida pela gestão pública.
Retoma-se a reflexão de que o processo de adoecimento do trabalhador está
intrinsecamente relacionado às diversas desregulamentações das relações de trabalho no
processo de organização do trabalho na sociedade capitalista. Faz-se necessário a conexão
“(...) diante das mudanças que ocorreram na produção social capitalista, evidenciam-se os
altos índices de desemprego, de precarização do trabalho e, consequentemente, o recuo dos
16
O programa de reabilitação profissional da Prefeitura Municipal de Piracicaba, no ano de 2012 através de uma
parceria entre a ENFERMAP, colégio técnico especializado em escolas técnicas e profissionalizantes, localizado
no centro de Piracicaba e a SEMTRE - Secretaria Municipal de Trabalho e Renda, disponibilizou cursos de
capacitação profissional a servidores públicos que estavam participando do processo de reabilitação profissional.
111
sindicatos nas lutas sociais do trabalho” (LARA; CANOAS, 2010, p.139) para compreensão
desse processo.
Considera-se que no Brasil, a precarização do trabalho se constitui como um novo
fenômeno, cujas principais características, modalidades e dimensões sugerem um
processo de precarização social inédito no pais nas últimas duas décadas, revelado
pelas mudanças nas formas de organização/gestão do trabalho, na legislação
trabalhista e social, no papel do estado e suas políticas sociais, no novo
comportamento dos sindicatos e nas novas formas de atuação de instituições
públicas e de associações civis. (DRUCK, 2009, p. 2).
Tanto o desemprego como a precarização do trabalho causam a insegurança social do
trabalhador, que fica desprotegido diante da falta de garantias mínimas dadas pelas proteções
sociais. Para Castel (2005, p. 75), “Ser protegido significaria então ser justamente provido do
minimum de recursos para sobreviver numa sociedade que limitaria suas ambições de garantir
um serviço mínimo contra as formas extremas de privação”.
Na precarização, o que se verifica é um “(...) fenômeno central que se generaliza por
toda parte (...)” (DRUCK, 2009, p. 3) e assim atinge todos os trabalhadores.
Em um contexto societário de transformações no trabalho de tal monta, marcado
pela retração e, mesmo, pela erosão do trabalho contratado e regulamentado, bem
como dos direitos sociais e trabalhistas, ampliam-se também as relações entre
trabalho e adoecimento, repercutindo na saúde física e mental dos trabalhadores, nas
formas de objetivação e subjetivação do trabalho. (RAICHELIS, 2011, p. 421).
Quando o trabalhador fica sem emprego, perde todos os direitos inerentes ao cargo que
ocupava; perde também a sua proteção social para a sociedade e não é mais considerado como
trabalhador, sendo marginalizado no seu dia a dia, até mesmo nas relações sociais com sua
família, por não conseguir garantir a subsistência. É primordial resistir e preservar seu
emprego, para evitar a marginalização. No serviço público, o trabalhador sofre também a
pressão de ter que se manter em um trabalho. Mesmo que esteja causando sofrimento e dor,
ficar desempregado ainda se torna pior opção. Concordando com essa ideia, Silva (2012, p.
48) considera em seu estudo que
(...) por conta de vários fatores estruturais da forma de organização do trabalho, do
avanço tecnólogico e da própria lógica da sociedade capitalista o serviço público
passa a ser um dos poucos setores com favoráveis condições de trabalho,
principalmente a estabilidade no emprego.
112
A estabilidade que caracteriza o emprego público, em momentos de crise financeira e
desemprego, torna-o muito atrativo. E como desperdiçar o cargo que conquistou em concurso
público muito concorrido, com enormes filas de espera por outros trabalhadores? Quantos
trabalhadores desempregados, excluídos socialmente, querem um serviço no qual tem
garantida a subsistência?
Na realidade, ao sublinhar as duas categorias de análises, precarização do trabalho e
desemprego, não se está falando de assuntos diversos ou contraditórios e, tampouco,
estanques. Está se falando de um sistema que transformou homens e mulheres em
trabalhadores assalariados e os meios de subsistência e de trabalho em capital.
Criou-se um ambiente ideológico favorável ao desenvolvimento de uma forma de
subjetividade alicerçada nos valores e ideais gerados pela sociedade do capital.
Transformaram-se as relações de trabalho para garantir o processo de valorização e
acumulação capitalista, incrementou-se a produção e diminui o tempo socialmente
necessário para produzir determinado produto. Diminui também a necessidade de
grande parte dos trabalhadores, transformando-os em desempregados.
(LOURENÇO, 2013, p.134).
A Merendeira – 14, mesmo descontente com seu trabalho atual, não conta com a
alternativa de aposentar-se, devido à preocupação com manter a subsistência,
Porque diminui o salário. E se diminui o salário, aí vai, e daí eu fico sem salário,
porque 90% do funcionalismo tem empréstimo. (...) Eu tenho, se não tivesse, eu já
pediria logo a aposentadoria, eu falaria... Eu vou me aposentar, vou receber o meu
salário, eu não sei quanto vai ser, mas eu tenho dívida /empréstimo para pagar,
então não ia dar para eu viver, então descontando tudo isso aí, tem que se virar, não
tem, daí eu iria ganhar muito mais e não teria esses empréstimos para descontar.
Isso dá um desfalque, que misericórdia. Então, tem que ir, mas se não fosse isso, eu
parava sim, parava sim, só que no momento não dá, não dá por causa disso.
(Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).
O trabalhador, quando se sujeita a um trabalho precário, também está exposto a uma
série de riscos, dependendo das particularidades do cargo e do ambiente de trabalho. Riscos
de sofrer um acidente de trabalho, do adoecimento por processos de trabalho desgastantes,
falta de equipamentos de segurança e proteção, da terceirização com salários insuficientes,
falta de treinamento, entre outros. A Merendeira -16 relata que trabalha mesmo com dor e que
as pessoas não acreditam na sua doença.
(...) imagina, com dor, tenho cara de que estou com dor, eu não tenho cara de que
estou com dor, mas eu estou com dor, então, só eu sei da minha dor, isso ninguém
quer saber, não importa, você está aqui, você tem que fazer, vai ter que limpar o
chão, vai ter que lavar o prato, vai, e eu não tive problema, se eu estiver aqui, ou
em qualquer lugar. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).
113
Entre os riscos com consequências mais drásticas, aponta-se o de perder a capacidade
laboral, ou seja, tornar-se incapacitado para algumas atividades.
Entretanto, é preciso enfatizar a prevenção para garantir a saúde do trabalhador, “(...) A
sujeição de quem trabalha, determinadas por questão de sobrevivência, aos baixos salários, às
péssimas condições de trabalho e à exploração já significa, a vivência do já representam em si
o estatuto da precariedade do trabalho.(...)” (LOURENÇO, 2013, p. 134). Faz-se necessária a
reflexão sobre os meios de preservação da saúde do trabalhador que evitariam o adoecimento
e as reabilitações profissionais precoces. Segundo as autoras Lourenço e Bertani (2010, p.
187):
A questão da reabilitação profissional esbarra em um paradoxo: reabilitar
individualidades, sem perder o contexto coletivo, ou seja, é necessário prever ações
de assistência à saúde aos lesionados, mas também registrar essas ocorrências e
intervir de modo que novos agravos sejam evitados.
Nesse sentido, é importante pensar a prevenção; pesquisar os fatores que levaram à
reabilitação profissional se faz primordial, para entender como se deu o adoecimento e a perda
da capacidade laboral. Com uma análise minuciosa do processo de trabalho e de um olhar
histórico sobre a trajetória profissional dos trabalhadores adoecidos, para entender os diversos
fatores que influenciaram no adoecimento e os levaram à reabilitação profissional.
A reabilitação profissional também pode ser considerada um fator positivo para o
trabalhador, enquanto possibilidade de prever meios de proteger sua integridade física e
mental. “Caberia ao Estado compensar as ‘falhas do mercado’ e fornecer redes de proteção
social aos pobres vulneráveis para lidar com o risco.” (IAMAMOTO, 2010, p.17). À medida
que a reabilitação profissional possibilita a inserção do trabalhador no mercado de trabalho,
amenizam-se os riscos das situações de vulnerabilidade social e miserabilidade.
Chama-se a atenção para a reabilitação profissional no serviço público, que garante ao
trabalhador o retorno ao trabalho, ou seja, o salário, a subsistência, mas o que se observa nas
narrativas dos sujeitos é que sentem falta de serem considerados úteis, valorizados,
reconhecidos, palavras narradas para indicar o significado do trabalho em suas vidas, que vai
além da subsistência. Confirma-se a ideia de Antunes (2010) que cita o trabalho como força
vital e centro da vida dos trabalhadores.
114
De tal modo, a organização moderna do trabalho caracteriza-se por relações que
enfatizam a produtividade com processos de trabalho que aceitam a racionalização das tarefas,
jornadas de trabalho ampliadas, tarefas intensificadas e repetitivas.
As alterações do processo produtivo repercutem na organização de trabalho,
complementando. Rosenfield (2009, p. 173) alerta que “(...) Um contexto de precarização e
flexibilização do emprego associado a mudanças na organização do trabalho nas sociedades
capitalistas impõe um novo padrão de implicação no emprego por parte dos funcionários”..
Chama-se a atenção que o trabalho tornou-se mais variado e complexo exigindo maior
investimento subjetivo e de mobilização da inteligência. (ROSENFIELD, 2009).
Pochmann (2002, p. 106) traz mais elementos das mudanças na organização de
trabalho,
(...) com o processo de mecanização e generalização do trabalho assalariado de
maneira contínua e concentrada sobretudo nas grandes empresas, a partir da difusão
da produção em massa de bens padronizados e de demanda estável, a regularização
do tempo de trabalho se transformou numa exigência da lógica patronal de inovar a
administração do trabalho.
Pochmann (2002) revela que essa assincronia na evolução recente do tempo de
trabalho são formas de disciplinar e controlar o trabalhador. A remuneração por metas,
trabalho no domicílio, a internet, entre outros, são meios de manter o trabalhador plugado,
ampliando o tempo de trabalho, pois mesmo fora do local continua preocupado em atingir as
metas estabelecidas pela empresa.
As novas configurações do trabalho levam à intensificação dos , com a ampliação do
tempo e, consequentemente, resultam na fadiga mental e física do trabalhador. A autora
Seligmann-Silva (2011, p. 142) explica que “Várias mediações podem ser identificadas nos
processos coletivos e individuais que conduzem ao desgaste mental vinculado ao trabalho
(...)” e complementa: “(...) o desgaste pode ser entendido a partir de experiências que se
constroem diacronicamente, ao longo das experiências de vida do indivíduo”.
Ao introduzir na discussão as experiências e peculiares da organização do serviço
público, relatada pelas vozes do sujeito da pesquisa, visualizam-se esses processos de
trabalho.
Por mais alienado que seja o trabalho, por mais antipáticas que sejam estas ou
aquelas pessoas, sempre a carga afetiva despejada entre as escrivaninhas ou as
bancadas é grande: sedução ou intriga, afeto ou picardia, fofoca ou solidariedade,
115
carinho ou demagogia, sorriso ou polidez. Não se trata de um mero acidente cultural,
estamos falando nem mais nem menos da sobrevivência. (CODO et al., 1993, p.
190).
3.2 A Identificação com o Trabalho que Exercia Antes do Processo de Reabilitação
As nove mulheres entrevistadas relatam que gostavam muito das funções exercidas
antes do adoecimento. Amava. (...) é que o meu trabalho era com crianças, então até hoje
sempre gostei. (...) (Monitora -14, depoimento colhido em outubro de 2012). E que, ao
interromper essa trajetória profissional, ocorreram várias mudanças nas relações sociais e no
modo de vida: (...) mas eu me adaptei bem, assim, que eu não posso é carregar peso, carregar
criança (...) (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de 2012). O cotidiano doméstico e
as relações familiares também refletem essas mudanças. Chego mais cansada em casa (...)
(Merendeira – 7). Relatam, também, que antes tinham um retorno do trabalho exercido com a
antiga função, ou seja, sentiam-se reconhecidas em suas funções, como se confirmam nas
histórias profissionais.
Destacam-se algumas passagens sobre essa identificação com a antiga função.
Gostava muito dela, com a relação das crianças, principalmente do retorno, porque
com crianças você trabalha e tem o retorno, você não tem o reconhecimento como
salário, mas tem o reconhecimento dos alunos e seus familiares, da comunidade,
isso faz falta. Mas, eu hoje vejo que não foi possível continuar. Mas eu gostava
muito mesmo. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de 2012).
A Monitora – 19 também sente muita falta de trabalhar com as crianças, e relata que
sentiu muito a mudança de função.
Sentia. Porque era uma coisa que eu me via ali dentro, eu me via dentro da vida de
cada criança. Eu crescia com aquelas crianças. Eu sentia que minha força vinha
daquelas crianças, minha força para trabalhar, para crescer.
Foi por causa dessas crianças que eu fui estudar, fui me atualizar, foi por causa
dessas crianças. Foi na época que vivi com elas, foi muito bom. (Monitora – 19,
depoimento colhido em novembro de 2012).
A Monitora – 14 também retrata as mudanças ocorridas:
116
Mudou. Mudou, porque a parte doméstica eu tenho muito pouco coisa que eu posso
fazer em casa, tem coisas que não dá para fazer, minha casa é enorme, agora está
mais enorme ainda. Tem muito pouca coisa que eu posso fazer, às vezes minha filha
vem ajudar.
Na parte profissional, eu achei que sou uma pessoa fácil de fazer amizade, cultivo
amizade, então, aqui onde estou e onde fiquei, nossa, conheci muitas pessoas boas,
muitas pessoas que me deram muita força. Então, nessa parte, eu também fiz muita
amizade, muitas experiências. Eu pude ajudar muitas pessoas nesse lugar que eu
fiquei, então, foi bom nessa parte. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro
de 2012).
Continua a Monitora – 20:
Identificação. Para mim era tudo. Porque, a partir do momento em que eu entrei
para trabalhar com os alunos, com as crianças, eu entrei para trabalhar como
monitora de educação infantil, (...). No meu trabalho, eu queria ser sempre a
melhor. (...) Como gostava da função, sempre vou ser a melhor do mundo.. Vou ser
lembrada sempre. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).
Também identificam-se, nos relatos, os aspectos positivos com a mudança:
Na verdade, a reabilitação para mim trouxe muitas coisas boas, (...) Estava
tomando remédios para depressão. Então, para mim, o trabalho tinha perdido o
sentido, de todos os anos que achei que tinha sido produtiva, eu acabei achando que
não tinha mais. Então, a reabilitação veio trazer o lado bom, veio mostrar que eu
tenho alguma produção. (Professora – 10, depoimento colhido em outubro de 2012).
Mudou porque eu voltei a viver como eu vivia antes. (...), em casa estou muito mais
calma, estou mais tranquila. Na época em que eu estava mal, antes da readaptação,
eu era um poço de estresse, coisa que queria bater... Hoje eu não tenho mais esse
hábito, já melhorei demais. (Monitora – 20,depoimento colhido em outubro de
2012).
Identificam-se possibilidades de recomeço, de novas perspectivas profissionais e de
superação do processo de adoecimento.
Mudou só hoje, eu estou aqui, gosto daqui, tenho amizade e tudo, é de mim eu me
relaciono bem com as pessoas. Eu não sou uma pessoa de difícil convivência. Tem
gente que é, tem gente que não consegue conviver com ninguém, eu não sei o que se
passa, mas tudo bem. Eu tenho uma amizade muito boa aqui, é só que cada um na
sua função. Quer dizer, tem uma trabalhando lá, eu não posso chegar lá e ficar, não
posso porque a outra está trabalhando, agora, se eu trabalho aqui com três, (...), eu
não reclamo , eu não reclamo. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de
2012).
Foi muito bom o período da reabilitação, mas eu tinha medo de voltar para a
escola, porque eu via o ambiente de escola muito pesado, o que não deveria ser (...)
todas as suas conquistas profissionais, tudo aquilo que o profissional que atua na
sua área e tal. Então serviu de motivação para eu voltar. Foi muito difícil, mas (...).
E a gente se sente responsável, tanto que depois você tem contato com aluno, a
gente tem, sente, às vezes (...) sinto uma parcela de responsabilidade, agora, eu
117
tenho um grupo de reforço, que não estava previsto quando eu voltei, para mim, é
ótimo, faz bem. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).
Identifica-se que foi um processo de aceitação de uma nova condição laboral. Eu
empreguei vinte anos da minha vida de escola, como educadora, dentro de sábado, domingo
trabalhando, eram vários programas que eu tinha e a vida afetiva ficava de lado (...).
(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012). A Professora – 5 ressalta que se
dedicou por muito tempo, anos de dedicação, na função exercida, a trajetória profissional de
cada sujeito expressa a dificuldade de deixar a função exercida, foram anos, capacitações,
conquistas profissionais, experiências, relações de afetividade e amizade, entre outros
elementos, que marcaram a construção de suas identidades profissionais, ao longo de anos de
trabalho no serviço público,
Levou bastante tempo, não queria mesmo, não queria me desprender... Fazia tudo
com muito gosto, com muita vontade, sabe.Tudo, tudo que falasse, você tem que
fazer isso, porque vai ser melhor. Eu ia e fazia. Tudo o que era novidade eu ia lá,
fazia, porque queria passar coisas boas para as crianças, enquanto elas estavam
comigo, elas eram minhas. Então, a partir do momento em que ela saia dali, a vida
dela era outra, mas elas eram minhas, tanto que tinha crianças que não queriam ir
embora, queriam ficar comigo. A mãe falava: O que você faz para essas crianças
que elas querem ficar aí? Eu não sei. Eu amo essas crianças (...). Porque tinha
crianças, que chegavam assim. A mãe falava: Eu não aguento mais, isso porque
ficava só a parte da tarde, até no outro dia cedo, o que a criança ia fazer, ia dormir.
Então, o pouquinho que ela ficava, eu ficava um dia todo. A criança, quando ficava
doente, já preocupava, quando a criança não comia, eu já percebia que alguma
coisa acontecera. Vinha uma angústia, porque a criança não sabe lidar com esse
sentimento. Ela não tem a noção de lidar com esse sentimento. Então, ela ficava
angustiada, não sabia lidar com esse sentimento, brigava com a outra e tal. Então,
eu já percebia, porque eu conhecia todas elas. (Monitora – 19, depoimento colhido
em novembro de 2012).
A Professora -6 estava dando aulas e estudando à noite, procurando qualificar-se para
buscar uma possibilidade de crescimento profissional.
(...) estudava, no ano anterior, foi quando me afastei, sempre procurava estar me
capacitando (...) Que eu tenho que me aceitar, então, depende da minha aceitação.
Aí, quando percebi que eu realmente estava doente, quis parar com a faculdade, eu
queria trancar lá. E aí é traumático. Porque é o momento de você se aceitar doente,
aceitar que você precisa dar um tempo na vida e reorganizar sua vida dentro de sua
limitação. Então, foi duro, porque eu sonhava com os alunos, porque a gente faz um
planejamento com todos, para que todos tenham atingido a média até o fim do ano,
assim. (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).
No período do adoecimento e durante o processo de reabilitação, a professora relatou
que se sentia culpada em deixar sua função, em não conseguir terminar o seu trabalho, deixar
a classe no meio do caminho para ela foi muito difícil, sentia-se culpada, por deixar seus
118
alunos. Relata que tinha um sentimento como se tivesse prejudicado as crianças ao deixá-las
com uma professora substituta, entendia que seriam prejudicados na questão da aprendizagem
naquele ano,
(...). Então, para a gente, é muito difícil, humanamente impossível, porque a gente é
também mãe do aluno e professora é uma profissão que às vezes eu acho ingrata,
porque o profissional se envolve demais, talvez seja por isso que a gente adoece
mesmo. A gente se sente responsável por eles e aí o que acontecia.. eu sonhava
muito com as crianças. (...) eu não queria encontrar ninguém, porque era muito
ruim... parece que você não está cumprindo sua obrigação. Você pegou a sala,
como não vai entregar ela?
Você se aceitar doente, entender que precisa de um tempo para aceitar porque,
indiretamente, também a gente se sentia cobrada. Eu sei que não era intencional,
que vinha me contar o que estava acontecendo de errado. Mas a gente sente, o que é
a responsabilidade. Então, esse conflito é difícil superar. Eu chegava num ponto.
Preciso me aceitar. Preciso ir ao médico hoje, eu precisava, na época, o médico me
disse que tinha que colocar uma prótese na coluna. Eu tinha duas crianças, de 7
anos e 2 anos, então, eu tinha que desligar dos filhos das outras mães, que eram
meus alunos, e pensar que eu tinha que ter saúde, porque eu era mãe dos meus. Os
meus iam precisar de mim.
Até você se conscientizar disso daí, e parar de sonhar com os alunos. Poxa vida,
não é que eu não gostava. Você gosta, quando encontra as mães, tem maior carinho
com a gente, mas é tão difícil. Aí, eu penso assim: Eu tenho que me preocupar,
porque, se eu não ficar bem, eu fecho este ano e entrego eles e os meus, não sabia
até onde (...) (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).
Também o relato da Monitora – 19 traz elementos que evidenciam seu vínculo como
cuidadora das crianças. A afetividade em cuidar das crianças estava à frente de seu próprio
problema de saúde. Como não carregar uma criança chorando? Como deixá-la suja? Essas
questões não tem uma resposta imediata e envolvem relações de afetividade. Apesar de saber
que esse movimento repetitivo causaria alguns problemas de saúde, não via como deixar de
realizá-lo todos os dias, em sua rotina de trabalho.
Meu adoecimento veio há muito tempo. Porque, no berçário, quase ninguém gosta
de trabalhar no berçário, eu gostava e eu fiquei muitos anos no berçário. Então,
vinha criança mais levinha, vinha criança mais pesada, e esse movimento de pegar
no chão, até na cuba, antes tinha cuba, hoje, tem escadinha para subir, antes não
tinha nada, criança pesada, era esse movimento todo dia.
Eu tinha, na minha turma de berçário, mas era assim, eram 12 crianças.., duas
vezes banho de manhã, duas vezes banho à tarde, imagine, esses que vinham com
barriguinha meio solta eram mais banhos, aquela criança, eram vários banhos.
Esse movimento de erguer, às vezes, não era o banho, era colocar no berço. O berço
era alto de se colocar, alguns dormiam no colo.
Então, esse movimento repetitivo, várias vezes ao dia, por vários anos, que a gente
faz automaticamente, a gente não vai lembrar, vai prejudicar um dia, a gente não
vai lembrar, na hora estamos fazendo simplesmente. (Monitora – 19, depoimento
colhido em novembro de 2012).
119
É comum verificar que os problemas que levaram ao adoecimento do trabalhador são
atribuídos como questões de sua própria personalidade, de sua identidade profissional,
desvinculando-o de seu processo de trabalho, desconsiderando a trajetória profissional
anterior ao adoecimento, ao desconsiderar as dimensões sociais relativas à situação do
trabalho, como se a doença e o trabalho fossem analisados separadamente. Com essa prática,
criam-se dificuldades de defesa coletiva enquanto trabalhadores.
Ao culpar o trabalhador por sua doença, criam-se estigmas e condições propícias para
a discriminação dos colegas de trabalho, após passar pelo processo de reabilitação.
3.3 A Importância do Cotidiano para o Conhecimento da Realidade
O cotidiano proporciona conhecimento do sujeito, do coletivo, da realidade e de seus
círculos históricos, aspectos indispensáveis para a compreensão desses sujeitos, na qual
mergulhamos por meio da nossa prática e retornamos à base teórica com o novo olhar. Essa
ligação entre a prática e o cotidiano é fundamental para entendermos a identidade.
A princípio, pensar no cotidiano parece ato relacionado à simplicidade do dia a dia de
cada um, porém, é no cotidiano que se localizam muitos acontecimentos que nos levam a
obter consciência política e possibilitam uma leitura crítica da realidade, por meio do
desvendamento das forças sociais existentes.
Para Heller (2008, p. 31), “A vida cotidiana é a vida de todo homem (...)” e ninguém
pode desligar-se desse cotidiano; nesse sistema dinâmico de acontecimentos é que
entendemos a história de vida de cada um, onde o homem pode expressar sua individualidade
através de suas escolhas e experiências. “A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja,
o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua
personalidade. (...).”
O homem é um ser único, e cada um de nós tem as próprias particularidades; ao
mesmo tempo, é um
120
(...) ser genérico, já que é produto e expressão de suas relações sociais, (...) mas o
representante do humano-genérico não é jamais um homem sozinho, mas sempre a
integração (tribo, demos, estamento, classe, nação, humanidade) – bem como,
frequentemente várias integrações – cuja parte consciente é o homem e na qual se
forma sua “consciência de nós”. (HELLER, 2008, p. 36).
Essa integração significa que estamos sempre em relação uns com os outros, num
processo de construção e reconstrução desse ser social e da realidade.
As possibilidades da vida cotidiana vão criando condições para as transformações na
sociedade. Segundo Martinelli (2009, p. 4) ), “As relações estrutura, conjuntura, cotidiano
instituem-se como formas de acesso às múltiplas determinações da realidade, pela mediação
dos contextos, acontecimentos, atores, forças sociais em presença, (...)”. Nesse sentido,
partindo do princípio dialético de que nada é natural, e sim histórico, entendemos que nada se
constrói no coletivo, sem antes ser pensando no campo subjetivo. Os trabalhadores, ao se
apropriarem de suas histórias, desmistificando fatos que levaram à alienação de sua real
situação do adoecimento no trabalho, seguem um processo de tomada de consciência de
classe.
Recuperar o sujeito com sua plenitude histórica, evita o ocultamento desses sujeitos e
a perda de suas identidades, além de situações que levem a perpetuar relações de dependência
e subalternidade. São “(...) pessoas submetidas à perda cultural e à invalidação de seus
conhecimentos e valores”. (CHAUÍ, 1993, p. 38).
Romper com esses ciclos de dependência, requer ver a história como um processo
revelador. A história constrói-se a partir dos sujeitos, assim, as lutas pessoais se transformam
em lutas sociais, em um movimento de busca de novas formas de vida.
Retomamos a categoria trabalho, que tem sido apontada como a questão social
contemporânea. Por meio dele, o homem transforma-se e transforma a natureza, onde o
sujeito se reconhece enquanto cidadão. De acordo com Antunes (2009), uma vida desprovida
de sentido no trabalho acaba por não encontrar um sentido fora dele, assim, a reflexão sobre
possibilidades de transformação do cotidiano deve considerar práticas profissionais que visem
a um novo metabolismo social. Olhar o cotidiano como espaço de transformação, para
construir nova sociabilidade, com novas identidades, que tenham a liberdade como valor ético
central.
Continuando, Antunes (2009) afirma que o trabalho é parte integrante da própria
sociabilidade humana, e através dele determinamos nosso modo de vida, nossas relações
121
sociais e a formação da própria consciência. Ao passar pelo processo de reabilitação, deve
ocorrer a modificação do modo de vida, a fim de atender a uma nova condição do trabalho e
de vida.
A interrupção do trabalho, ao deixar de exercer a função habitual do dia a dia para
passar pelo processo de reabilitação, aponta para uma mudança que afeta as relações sociais
construídas no cotidiano dos trabalhadores. É preciso aceitar uma nova condição; o processo
de aceitação é necessário, para manter-se enquanto trabalhador. A Merendeira – 7 aponta a
repercussão no cotidiano doméstico
(...) fiquei assim. Não conseguia mais andar, pernas pesadas. Sabe! Chegava em
casa. Deitada no sofá, não conseguia levantar, se eu estava levantada, não
conseguia deitar. Dificuldade para abaixar, de pegar as coisas. Perdi muito
movimento de pegar coisas pesadas, não tinha aquela força de antes. (Merendeira –
7, depoimento colhido em outubro de 2012).
Para entender o adoecimento dos trabalhadores do serviço público, é preciso
compreender a dimensão ético-afetiva do adoecer (SAWAIA, 2006). Nas histórias
profissionais, identificamos a relação do trabalho com o adoecimento e a influência do
processo saúde-doença. O conceito que utilizamos para o estudo, vai além da definição
clássica da OMS17
, como o estado de completo bem-estar físico, mental e social. Concorda-se,
no estudo, com a referência conceitual de Sawaia (2006, p. 157) que define saúde como “uma
questão eminentemente sócio-histórica e, portanto, ética, pois é um processo da ordem da
convivência social e da vivência pessoal”.
O relato da Monitora –14 sinaliza que se culpava muito no período do adoecimento.
Aprendi a ser objetiva, mas aconteceu isso, e por mais que tenha história de vida, por mais
que tenha coisas, fatos pessoais. Eu aprendi a ver que não era só eu. Antes, eu me punia
muito (...) (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012). Segundo Sawaia (2006,
p. 157), “Em quase todas as doenças encontram-se relações curiosas entre o que se passa na
cabeça das pessoas e a evolução de sua doença física. (...)”.
17
O conceito foi escrito em 1946, durante Conferência Internacional da Saúde e encontra-se nos princípios da
Constituição da Organização Mundial de Saúde. A Constituição foi publicada pela United Nations World Heath
Organization (1948). Official Reccord of the World Hearth Organization, n. 2, Procceding and Final Acts of the
International Health Conference held in New York from 19 june to 22 july 1946. Disponível em:
<www.who.int/governance/eb/who_constitution_en.pdf>. Tradução está na biblioteca digital da Universidade de
São Paulo (USP). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-
Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-
omswho.html>. Acesso em: 26 maio 2013.
122
Várias frases ouvidas durante a pesquisa revelam o sofrimento ético-politico.
“Consciência, atividade e afetividade se encadeiam e se determinam, reciprocamente”.
(SAWAIA, 2006, p.167).
O ambiente de trabalho também é um local que pode gerar ou não possibilidades de
luta dos trabalhadores por melhores condições no processo de trabalho. “A falta de sentido da
tarefa individual e o desconhecimento do sentido da tarefa coletiva só tomam a sua verdadeira
dimensão psicológica na divisão e na separação dos homens”. (DEJOURS, 1992, p. 40). O
fato de resistir ao individualismo pode ser uma forma de ser solidário aos outros trabalhadores
que enfrentam as mesmas circunstâncias. O pensar coletivo possibilita torna-se solitário com
os colegas de trabalho. Segundo Sawaia (2006, p. 167), “Trabalhar no local definidor de
identidade social e individual, envolvendo o indivíduo e seus pares, (...) pode ser um ato
libertador da ditadura imposta sobre nossas necessidades, emoções e ações (...)”.
A direção da vida profissional supõe, para cada trabalhador, uma trajetória própria.
Embora mantendo a estrutura do cotidiano profissional, cada qual deverá apropriar-se, a seu
modo, da realidade e impor-lhe a marca de sua personalidade.
O adoecimento coloca-se como consequência do afastamento do trabalhador do
sentindo de seu trabalho, diluindo assim sua identidade profissional, pois o trabalho é uma
forma de suspensão da vida cotidiana, e deve ser visto além de mero meio de subsistência. Por
meio do trabalho transformamos e ocupamos um lugar na sociedade. Assim, a passagem do
singular para o genérico, como a inserção enquanto classe trabalhadora, mas a suspensão
enquanto superação, está relacionada à consciência de classe, em uma perspectiva
revolucionária de elevação da consciência do ser homem total.
Para Heller (2008, p. 61), “(...) A condução da vida supõe, para cada um, uma vida
própria, embora mantendo-se a estrutura da cotidianidade, cada qual deverá apropriar-se a seu
modo da realidade e impor a ela a marca de sua personalidade.(...)”. Assim, o trabalho livre e
criador pode resultar em uma forma de suspensão do cotidiano. Heller (2008, p. 61) cita três
formas de suspensão da vida cotidiana: a arte, a ciência e a moral; conforme a suspensão se
torna frequente, o homem consegue sair da vida cotidiana e retorna com a reapropriação do
ser genérico, retomando o cotidiano de maneira mais rica e profunda da essência humana.
(...) a condução da vida não pode se converter em possibilidade social universal a não
ser quando for abolida e superada a alienação. Mas não é impossível empenhar-se na
condução da vida mesmo enquanto as condições gerais econômico-sociais ainda
favorecem a alienação. (HELLER, 2008, p. 61).
123
Nessa perspectiva, deve-se construir uma nova cultura política de liberdade e valores
humanos que levem a avançar além da efetivação de direitos sociais e a investir em um novo
comportamento político, desfavorecendo as relações alienantes do mundo do trabalho
capitalista.
3.4 Os Movimentos das Trajetórias Profissionais à Luz das Identidades Profissionais
Reconstruídas
A identidade profissional está vinculada à identidade enquanto ser social. A
identificação profissional é como nos reconhecemos na vida em sociedade e sempre é
mencionada, logo que nos apresentamos a alguém. Quem sou eu? O que faço? Também se
observa que “os modos de produção da identidade, como categoria histórica, social e política,
estão profundamente relacionados com o movimento da história (...)”. (MARTINELLI, 2000,
p.18).
Verifica-se, nas histórias profissionais, o sentido ontológico do trabalho. As histórias
narradas nos mostram que os trabalhadores precisam de um sentido para planejar o futuro,
adquirir um propósito em seu dia a dia, por meio das atividades desenvolvidas no âmbito
profissional que os levem a sentir-se útil.
Com base no conceito de Martinelli (2009, p. 10) também apreendemos a identidade
atribuída: “(...) como identidades que decorrem de circuitos externos às próprias profissões”.
Por serem construções exteriores à própria profissão, as identidades atribuídas rompem com
os princípios de autonomia e visibilidade, tornando muito árduo, quase mesmo impossível, o
processo de reconhecimento profissional, o que acaba por favorecer o adoecimento do
trabalhador.
O desafio que se coloca, presentemente, é entender como se dá a reconstrução da
identidade profissional dos trabalhadores que, de repente, rompem com seu trabalho e passam
pelo processo de reabilitação. Recorre-se à referência teórica da Psicologia Social Crítica
através de Ciampa (2006), que compreende a identidade
124
(...) como um processo de metamorfose permanente, cuja dimensão temporal
envolve diferentes momentos. Assim, o presente é o momento em que, por exemplo,
alguém se reconhece como um adulto que pode falar da criança que foi no passado –
sua história de vida – e também do velho que gostaria de ser no futuro – seu projeto
de vida – como forma de falar de si mesmo. (apud PACHECO; CIAMPA, 2006,
p.164).
A partir das histórias de vida e profissional, verifica-se como os sujeitos da pesquisa
conseguiram reconstruir sua identidade profissional, a partir de novas experiências
profissionais, desvendadas no cotidiano de suas vidas, superando as perdas advindas com o
adoecimento e recomeçando em novos modos de vida. Em um movimento dinâmico,
constroem e reconstroem-se com suas experiências.
Para entender a identidade profissional recorre-se à matriz de análise utilizada por
Martinelli (2009) que define o que é Identidade Profissional Construída e Identidade
Profissional Atribuída, trazendo algumas categorias de análise: Autonomia, Visibilidade,
Subalternidade e Opacidade, as quais estão contidas nas dinâmicas profissionais estudadas
facilitando o entendimento de como se deu a reconstrução das identidades profissionais, após
o processo de reabilitação profissional (Quadro 13).
Quadro 13 – Quadro matricial da identidade profissional
IDENTIDADE PROFISSIONAL CONSTRUÍDA
O que é Identidade Profissional
• Síntese dialética entre os modos de ser e de aparecer socialmente, das profissões, expressando as respostas
construídas profissionalmente, em diferentes momentos históricos, para atender às demandas que incidem em
seu campo de ação.
• Elemento definidor da participação das profissões na divisão social do trabalho e na totalidade do processo
social.
O que produz
Autonomia Visibilidade
• Reconhecimento profissional e social.
• Participação na divisão sociotécnica do trabalho.
• Profissionalização.
• Possibilidade de interlocução com demais áreas
profissionais.
• Possibilidade de realização de práticas com
autonomia.
• Visibilidade da área de ação profissional e de sua
perspectiva operacional.
• Visibilidade da forma social de aparecer das
profissões, mediatizada pelas respostas
construídas profissionalmente para atender às
demandas que incidem em sua área de ação.
• Maior congruência entre a forma do ser e a forma de
aparecer das profissões.
(Continua)
125
Quadro 13 – Quadro matricial da identidade profissional
IDENTIDADE PROFISSIONAL ATRIBUÍDA
O que é Identidade Atribuída
• Identidade que decorre de circuitos externos às profissões.
• Identidade que não opera com a totalidade do processo social.
• Identidade visualizada como dada, pressuposta, preestabelecida.
• Identidade distanciada do processo histórico e esvaziada de substancialidade política.
O que produz
Subalternidade Opacidade
• Ausência de reconhecimentos profissional e social.
• Ausência de visibilidade quanto à identidade
profissional.
• Fragilização e despolitização das ações profissionais.
• Perda de consistência e rigor da prática profissional.
• Produção de práticas marcadas pela heteronomia.
• Indeterminação quanto à posição da profissão na
divisão social do trabalho.
• Ausência da visibilidade quanto à configuração e ao
alcance da prática profissional.
• Práticas restritas, de pequeno alcance, fragmentadas,
residuais e dissociadas da prática social.
• Práticas reiterativas, reificadas, sem afinidade com o
momento histórico e com a realidade social, incapazes
de expressar o modo de ser das profissões.
Fonte: Texto de apoio didático, revisto e atualizado em set. 2009 por Maria Lúcia Martinelli.
À luz do quadro matricial da identidade profissional, são esclarecidos conceitos
fundamentais para pensar as identidades profissionais como “(...) construções sociais
essencialmente dinâmicas”. (MARTINELLI, 2009, p.12). De acordo com a dinâmica das
identidades, considera-se o processo de metamorfose constante onde estão contidos os
movimentos recíprocos e contínuos de interação. (PACHECO; CIAMPA, 2006).
Nesse sentido, as identidades profissionais construídas ao longo de histórias
profissionais iniciam um processo de reconstrução a partir da perda da capacidade laboral do
trabalhador em virtude do adoecimento ou do desligamento de sua função habitual, que
resultam em mudanças e novos modos de vida. Enfim, tudo depende “(...) do significado
social e do sentido pessoal que uma determinada identidade adquire (...)”. (PACHECO;
CIAMPA, 2006, p. 164). Uma vez que se inicia um processo de reabilitação profissional que
leva a uma nova posição da profissão na divisão social do trabalho que expressam um novo
126
modo de ser, os sujeitos podem expressar sentidos diferentes de sua vida e novos projetos de
trabalho, reconstruindo suas identidades profissionais.
Nas frases mais significativas dos sujeitos da pesquisa, percebem-se os movimentos da
identidade que ocorrem na dinâmica das construções sociais dos trabalhadores, através das
aproximações de seus processos históricos no serviço público, antes, durante e após a
reabilitação profissional, processo em que se dá a construção e reconstrução da identidade
profissional, em movimento no processo de reabilitação. Para melhor visualizar, no Quadro
14 apresenta-se o cruzamento frases significativas, conforme categorias de análise de
identidade construída e atribuída, considerando que “(...) identidades, por sua natureza
essencialmente dinâmica, criam-se e recriam-se continuamente no fértil terreno das
diferenças, das diversidades, num verdadeiro jogo dialético (...)”. (MARTINELLI, 2009, p.9).
Quadro 14 – Cruzamento de frases significativas considerando as categorias de análise de identidade construída
e atribuída
IDENTIDADE PROFISSIONAL CONSTRUÍDA
Autonomia Visibilidade
• Reconhecimento profissional e social.
"O serviço público ficou um pouco a desejar,
principalmente na questão do salário e na questão
de você ser reconhecida pelo seu trabalho."
• Profissionalização.
"Não tinha nenhuma capacitação."
• Possibilidade de interlocução com demais áreas
profissionais.
"Chegava na direção da escola, era bloqueada, não
pedia ônibus, eu tinha que fazer tudo por minha
conta, com o aval dos pais. E aí eu me decepcionei
com a educação a nível municipal."
• Possibilidade de realização de práticas com
autonomia.
"Não tem uma certa liberdade para estar criando
alguma coisa."
• Visibilidade da área de ação profissional e de sua
perspectiva operacional.
"Você não cria uma autonomia, você não cria uma
identidade como professor."
• Visibilidade da forma social de aparecer das profissões,
mediatizada pelas respostas construídas profissionalmente
para atender às demandas que incidem em sua área de
ação.
"Nunca ninguém perguntou, pelo menos para mim, que
tipo de curso eu queria fazer. Simplesmente vinha uma
relação de cursos, e aí você vai fazer esse."
• Maior congruência entre a forma do ser e a forma de
aparecer das profissões.
"Porque o servidor público, quando ele chega nesse
estágio, ele não é visto como funcionário, ele é visto como
um funcionário que está dando um problema."
(Continua)
127
Quadro 14 – Cruzamento de frases significativas considerando as categorias de análise de identidade construída
e atribuída
IDENTIDADE PROFISSIONAL ATRIBUÍDA
Subalternidade Opacidade
• Ausência de reconhecimento profissional e social.
"Me sentia inútil."
• Ausência de visibilidade quanto à identidade
profissional.
"Quando eu comecei minha faculdade, eu tinha um
objetivo, uma trajetória e, de repente, tudo
isso caiu por terra e, aí, o que eu faço, por onde eu
começo, como eu faço?"
• Fragilização e despolitização das ações
profissionais.
"Coisas que funcionários acabaram fazendo, coisas
que não condiziam com o lado humano."
• Perda de consistência e rigor da prática
profissional.
"Você tem uma concepção de aprendizagem, não
tinha valor."
• Produção de práticas marcadas pela heteronomia.
"Você não produz conforme você está pensando,
você produz conforme alguém te comanda."
• Indeterminação quanto à posição da profissão na divisão
social do trabalho.
"Hoje, eu me sinto apenas um objeto dos governantes, para
passar o que eles querem passar para a sociedade."
• Ausência da visibilidade quanto à configuração e ao
alcance da prática profissional.
"Assim, o trabalho tinha perdido o sentido, de todos os
anos que achei que tinha sido produtiva, eu acabei
achando que não tinha mais."
• Práticas restritas, de pequeno alcance, fragmentadas,
residuais e dissociadas da prática social.
“A gente é assim um tipo tapa-buraco."
• Práticas reiterativas, reificadas, sem afinidade com o
momento histórico e com a realidade social, incapazes
de expressar o modo de ser das profissões.
"Eu acho que isso é uma opressão, que, depois de um certo
tempo, você não aguenta mais."
Legenda:
Categorias de análise Martinelli (2009). In: Martinelli (2005).
Frases significativas dos sujeitos da história oral.
Fonte: Texto adaptado pela pesquisadora com base na história oral e no texto de apoio didático, revisto e atualizado em set.
2009, por Maria Lúcia Martinelli.
As frases identificadas e organizadas no Quadro 10 nos permite traçar um caminho em
um movimento dinâmico e dialético, que possibilita o entendimento de como foram
reconstruídas as identidades profissionais estudadas.
Ao lembrar a função anterior à reabilitação, a Merendeira - 14 relata:
(...) chega alguém a gente bate- papo, se não eu fico sozinha. E eu gostava, porque a
gente trabalhava sempre em bastante gente, em equipe, e era muito bom. Eu sinto
saudades, sabia. Eu sinto muitas saudades, nossa, como eu sinto saudades. E eu
falo: Ora, gente, é um tempo tão bom, que não volta mais. Tudo passa, né, tudo
passa, mas eu adorava trabalhar como merendeira, eu gostava muito. (Merendeira -
14, depoimento colhido em outubro de 2012).
128
A Merendeira 7 também demonstra o quanto significava sua antiga função: Gostava
muito, sempre gostei de ser merendeira. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de
2012). Segue-se outro depoimento, que expressa a identidade com o cargo exercido. Eu
sempre gostei da minha função, merendeira, só que infelizmente eu queria estar lá do que
aqui, eu acho que ia produzir ainda mais. Só que infelizmente não tenho condições.
(Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).
Ambos os relatos, durante as entrevistas, foram carregados de muita emoção, todas
demonstraram muito afeto pela função anterior, como se a identidade como ser social
estivesse ligada à profissional, representada pela função anterior. O trabalho anterior tinha um
sentido além da subsistência, um sentido de sentir-se útil para a sociedade.
Ao lembrar a função anterior à reabilitação, as professoras relatam:
Importante quando o trabalho é na área da educação, na saúde, duas vertentes
importante da sociedade. A educação, porque você está trabalhando com famílias,
com crianças, está nascendo através da gente um processo de conhecimento de
estrutura familiar, tudo envolve. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de
2012).
Olha, eu gostava muito de ser professora, eu exerci a função de professora por
muito tempo eu me identificava muito com ela, ainda tem momentos que eu penso
nela, lembro-me dela, me identifico muito com ela, mas que sei que hoje não tenho
condições de realizá-la, entendeu. Gostava muito dela, com a relação das crianças,
e principalmente do retorno, porque com crianças você trabalha e você tem o
retorno, você não tem o reconhecimento como salário, mas tem o reconhecimento
dos alunos e seus familiares, da comunidade, isso faz falta. (Professora – 10,
depoimento colhido em outubro de 2012).
Eu gostava. Gostava muito e a época em que eu adoeci, eu estava fazendo o curso
superior, então, eu acabei concluindo o curso já assim com problema de saúde bem
agravado. Mas eu gostava muito. Mas eu volto naquilo, eu voltei a estudar, tinha
criança pequena, porque a gente tinha intenção de fazer aquilo e mais alguma
coisa, dentro da área da educação. (Professora - 6, depoimento colhido em
novembro de 2012).
Ambas as professoras demonstraram, em suas entrevistas, a questão da
responsabilidade com as crianças. Apresentam demasiada preocupação com a área da
educação, com a sociedade, como se o dever enquanto cidadã não estivesse sendo cumprido
por elas ao adoecer. Diferente da questão da afetividade apresentada pelas merendeiras, do
cuidar e do afeto ligado à atenção primária das crianças, ou seja, o ato de alimentar, o
professor frisa o educar para construir uma sociedade melhor.
129
Outro aspecto é a questão da perspectiva profissional. Um professor que deixa a sala
de aula deixa também as oportunidades de seguir uma carreira no serviço público, como ser
um coordenador pedagógico, um supervisor pedagógico ou um diretor de escola, ou seja, as
alternativas de ascensão profissional disponibilizadas para os professores do serviço público
municipal.
A identidade profissional do professor, construída em anos de estudo e tempo de
experiência em sala de aula, já não é mais relevante no momento do adoecimento, pois é
necessário priorizar a saúde. Com algumas características semelhantes à função dos
professores de ensino fundamental, temos as monitoras de CEC.
Ao lembrar a função anterior à reabilitação, as monitoras relatam:
Amava. Fiquei, um tempo atrás, muito chateada, muito triste, porque, na verdade, o
que aconteceu, é que meu trabalho era com crianças. (Monitora - 14, depoimento
colhido em outubro de 2012).
Eu me identificava muito com aquela pessoa, função, que eu exercia, além de gostar
muito, eu me envolvia com aquilo ali, eu achava muito valioso aquilo que eu fazia
hoje. É gostoso ver seu trabalho fluir, é gostoso. Então, ali, eu às vezes tão cansada,
com vários problemas de casa, e eu me envolvia tanto com aquilo, que eu esquecia,
era muito valioso para mim. (Monitora – 19, depoimento colhido em novembro de
2012).
Continuando, a Monitora – 20 retrata a antiga função e seu adoecimento: Então, antes,
eu realizava com muita vontade, daí fui adoecendo, pelo sistema que a gente tinha. (Monitora
– 20, depoimento colhido em outubro de 2012). Ambos os relatos das monitoras também
demonstram que sentiam falta das crianças e a preocupação com a área da educação, com a
sociedade, porém, diferente dos professores, que apresentavam desgaste mental, também
passavam um desgaste físico. As monitoras se sentiam mais aliviadas, em deixar a antiga
função, e essa questão pode estar relacionada ao fato de não terem a mesma perspectiva
profissional de um professor.
De qualquer forma, em todos os relatos dos sujeitos de pesquisa, as narrativas
apresentam em comum a forma como se identificavam com o trabalho que realizavam antes
do adoecimento. Outro fator comum em suas histórias é a falta de reconhecimento
profissional dos anos de trabalho antes do adoecimento, ao passarem pelo processo de
reabilitação e terem que aceitar mudança de função. Considera-se que esse processo
movimenta os elementos identitários construídos: (...) me vejo assim uma pessoa que fez,
130
esforcei e hoje vejo todo o meu esforço ir para a lata do lixo. (Monitora – 19, depoimento
colhido em novembro de 2012).
Para explicar o processo de movimento da identidade dos sujeitos, recorre-se ao
esclarecimento de Rosenfield (2009, p. 173), que explica: “(...) o trabalho mantém sua função
de elemento fundamental na construção da identidade. Como realização pessoal, significa a
possibilidade de obter um retorno identitário capaz de contribuir à construção de um sentido”.
Ou seja, o trabalho realizado durante anos atuando no serviço público é um elemento
fundamental para a construção da identidade profissional desses trabalhadores, e ao não obter
um retorno identitário desses anos de trabalho, durante a reabilitação, capaz de contribuir para
a reconstrução da identidade profissional, acabam por expressar sentimentos de frustração,
pois necessitam dar sentido às novas possibilidades de trabalho.
Assim, ao iniciar o processo de reabilitação, há o desligamento da antiga função, o que
gera um sentimento de frustração, no sentido de interromper uma trajetória profissional e
lançar-se a um destino ainda desconhecido. Uma vez que a reabilitação é um processo de
reconstrução de identidade profissional, em que é preciso ocorrer a aceitação de uma nova
condição de vida, a partir da limitação profissional imposta pelo adoecimento. O processo
pode levar meses, anos ou não ser concluído, ou seja, alguns trabalhadores não conseguem
voltar ao mercado de trabalho. O objetivo da reabilitação é o retorno à atividade laboral, de
modo a conciliar as necessidades desses sujeitos às características de sua nova função,
evitando a aposentadoria precoce e a exclusão do mercado de trabalho.
No caso específico do serviço público, a inserção é garantida por serem concursados o
que garante a estabilidade do emprego, quando finalizado o processo de reabilitação.
Alves (2013, p. 117) aponta três atributos fundantes e fundamentais da pessoa humana
que norteiam a compreensão da identidade profissional do estudo em questão. São eles:
individualidade; subjetividade e alteridade. E também traz a ideia de que “(...) o movimento
do capital enquanto disseminação do trabalho estranhado nas condições de sua crise estrutural
corrói os atributos ontogenético da pessoa humana”, ou seja, consome os atributos adquiridos
no processo histórico de desenvolvimento e aprendizagem do ser social.
Alves (2013, p. 118) ainda aponta que “o homem como indivíduo pessoal é único. Na
verdade, cada individualidade humana preserva em si uma biografia social e um acervo de
experiências singulares que constituem sua identidade humano-pessoal. (...)”. Para entender
como é importante preservar a identidade profissional dos trabalhadores adoecidos, é
131
necessário primeiro acessar sua biografia social e suas experiências, pois “(...) cada
individualidade humana conserva em si e para si uma história de vida/história de trabalho.
(...)”.
Dependendo do tipo de limitação, as atividades simples cotidianas se tornam
complexas, como conseguir utilizar o transporte público, atividade que, para alguns
reabilitados, se torna um desafio e acaba impulsionando a criação de mecanismos de
superação para resgate de sua mobilidade. Durante a reabilitação, redescobrem-se com novas
habilidades nas relações construídas no cotidiano. “(...) a identidade é percebida como
estática, parecendo não sofrer modificações, ela está sendo transformada à medida que,
através de minhas ações, eu ‘reponho’ aquilo que a sociedade ‘põe’ como certo (...)”
(PACHECO; CIAMPA, 2006, p.164).
A identidade profissional é construída nas relações de trabalho e envolve significados
e sentidos desse trabalho, ao longo da trajetória profissional do sujeito. O homem é um ser
social que se transforma e transforma a natureza, por meio do trabalho, que ocupa um valor
central, no cenário cotidiano das relações na sociedade. Conforme Antunes (2009), como
elemento ontologicamente, essencial e fundante.
Para Lara e Althaus (2010, p. 212):
(...) o trabalho é entendido como forma de sobrevivência. O trabalho além da
manutenção das necessidades consiste na valorização, reconhecimento e perspectiva
de um futuro melhor. (...) trabalhar é sentir-se útil, é uma forma de superar as
deficiências físicas e superar os próprios limites. A ideologia dominante é absorvida
pelas classes subalternas de tal forma que eles se julgam improdutivos e ineficientes,
nesse sentido precisam provar a todo o momento que eles podem e conseguem ser
uteis à sociedade.
O trabalho tem um sentido maior do que apenas a subsistência. Com o trabalho, o
homem se reconhece como parte integrante da sociedade. Cria possibilidades de ser
reconhecido por meio daquilo que produz, pois, como coloca Antunes (2009, p. 91): “[...] uma
vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida cheia de sentido fora do
trabalho”.
Nesse sentido, a interrupção do trabalho afeta tanto a materialidade dos trabalhadores,
em sua forma de ser, como a sua esfera mais subjetiva, que envolve valores, sentimentos e
relações sociais, em busca de discutir a importância da reconstrução de sua identidade
132
profissional no processo de retorno ao mercado de trabalho, uma vez que afeta outros aspectos
da vida.
Dessa forma, ao ser impossibilitado de executar as tarefas diárias, o trabalhador é
afetado também em outras dimensões de sua vida, influenciando as suas relações com outras
pessoas, uma vez que o trabalho se constitui em uma parte importante da vida humana.
A identidade profissional está relacionada à nossa identidade social, pois passamos
muito tempo no trabalho, e quando pensamos em nossa identidade, logo a associamos à nossa
profissão. O trabalho ocupa um valor central em nossas vidas (ANTUNES, 2009) e a inserção
na sociedade contemporânea está diretamente ligado ao mundo do trabalho, onde a
precarização das condições geram doenças ocupacionais, levando ao sofrimento dos
trabalhadores que, para garantir a sua subsistência, em muitas circunstâncias, se sujeitam a
trabalhar em condições precárias, deixando de lado a saúde e testando os limites de sua
resistência física e mental.
Percebe-se que muitas pessoas, ao se verem impossibilitadas de continuar exercendo a
sua função, se sentem excluídas de sua vida social, e ficam à margem da sociedade.
O adoecimento que leva à ruptura do processo de trabalho, passa a fazer parte dessa
nova busca de identidade profissional, pois é necessário recomeçar em uma nova condição
laboral, em uma função compatível com sua nova condição de saúde, que respeite suas
limitações ou restrições médicas, e não seja prejudicial à lesão e/ou doença adquirida e venha
ao encontro de suas competências e habilidades profissionais.
As impossibilidades de realizar algumas atividades inerentes à formação profissional
do sujeito, acabam gerando um processo de difícil aceitação, mesmo que esse trabalho tenha
levado o trabalhador ao adoecimento. Segundo Ocada (2010, p. 148): “O sofrimento no
trabalho surge a partir do momento em que todas as tentativas de dar significado ao trabalho
falharam. (...)”. Também nesse sentido, entendemos a importância do não trabalho para alguns
sujeitos em processo de reabilitação, que resistem ao retorno, preferindo a aposentadoria por
invalidez, pois não veem mais significado em continuar trabalhando.
A possibilidade de retornar ao trabalho auxilia na superação de sua nova condição de
saúde, visto que, com a inclusão laboral, inicia-se uma nova rotina e o trabalhador precisa se
reorganizar para esse retorno; inclusive, ocorrem mudanças até na dinâmica familiar, que
ficará voltada a auxiliá-lo nesse recomeço.
133
Em nossa sociedade capitalista, que é movida pelo mercado, pressupõe relações de
trabalho desiguais e altamente competitivas, observam-se dificuldades de aceitação de sujeitos
com limitações, que não acompanham a rapidez do sistema e os parâmetros idealizados de
eficiência.
3.5 O Processo de Reabilitação na Perspectiva dos Sujeitos
No processo de reabilitação, todos os sujeitos entrevistados participaram de um PRP18
existente na Prefeitura de Piracicaba e composto por equipe de reabilitação com profissionais
das áreas de Psicologia, Serviço Social, Pedagogia, Medicina e Segurança do Trabalho. Todos
os servidores públicos, tanto celetistas quanto estatutários, passam obrigatoriamente pelo
programa. Trata-se de uma série de atendimentos individualizados, desenvolvidos pelos
profissionais, que posteriormente discutirão as situações apresentadas nas reuniões de equipe.
Durante a entrevista, a Monitora – 14 refere-se que, em relação à equipe de
reabilitação, o que mais gostou foi do encontro de reabilitação realizado pela equipe e explica
que:
O processo de reabilitação, a pessoa, o profissional, que está trabalhando com a
reabilitação, é importante para o reabilitado, porque você está mexendo com a vida,
com gente, com sentimento e precisa respeitar muito o outro. É lógico que as
pessoas tem limitações, que ainda tem, que não está de bem com ela mesma, então
não tem como. Então, o pessoal da reabilitação quer abrir a cabeça e colocar
alguma coisa para essa pessoa na cabeça. Mas acho muito importante o
profissional da reabilitação, o profissional assistente social, psicólogo e toda a
equipe, para o reabilitado. Ele ajuda em si, ele ajuda no trabalho, nesse processo de
reabilitação. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).
Os relatos trazem como foi o período de reabilitação. Bem, eu recebi o apoio do
pessoal da equipe, pessoas que me receberam muito bem, me senti muito acolhida.
(Professora – 10). Também apontam o trabalho do médico,
18
Anexo B – Resumo do trabalho desenvolvido pela equipe de reabilitação da Prefeitura de Piracicaba.
134
E, graças a Deus, a equipe da reabilitação entendeu o processo, acompanhou... os
médicos da perícia, o que me atendeu, entendeu, conhecia a doença mesmo e, por
fim, acabei saindo da sala de aula mesmo, tendo sido aproveitada pelo
conhecimento, pela experiência num outro cargo, outro lugar de trabalho.
(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).
Também aponta-se o relato da Monitora – 20, que sentiu dificuldade durante o
processo,
Eu senti dificuldade, na época da reabilitação, porque não tínhamos respostas. A
gente estava passando por um período de transição, de troca e tudo mais do
sistema. Vai não vai, quer não quer. Então, a gente estava no aguardo. Estávamos
naquele período, como eu me sentia, às vezes, como outras pessoas também, a gente
foi colocada de lado... Aí você falava: Estou no processo de reabilitação, e o pessoal
o tacha de folgado, naquela época,... demorou um período longo... um período
longo para. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).
O relato da Monitora – 20 expressa a angústia vivida pela maioria dos trabalhadores
que passaram pelo PRP. A principal queixa apresentada e vivenciada pela pesquisadora, em
seus atendimentos na equipe, está relacionada com a insegurança de não saber já de imediato
qual será a nova função. Durante o processo de reabilitação, ocorrem vários procedimentos,
dos diversos membros da equipe, para verificar qual é o perfil profissional desse trabalhador,
quais são suas competências e habilidades.
Mas há dois fatores primordiais, para a decisão da equipe de reabilitação municipal. O
primeiro está na condição médica, no parecer médico que orienta sobre quais atividades o
trabalhador pode exercer para não prejudicar sua saúde. O segundo é a disponibilidade de
vagas para a reabilitação, que nem sempre é um processo tranquilo, mas de conquista de
espaço, pela equipe, com os gestores municipais, que nem sempre recebem com satisfação o
pedido da vaga, visto que ainda há preferência, para alguns cargos, em contratar por meio de
concurso público funcionários novos do que disponibilizar vagas para a equipe de
reabilitação.
Nesse sentido, são diários os desafios da equipe de reabilitação para a inclusão laboral
dos trabalhadores no processo de reabilitação, para atendar às perspectivas e à identidade
profissional de cada um.
Outra dificuldade apontada relaciona-se com as dificuldades financeiras apresentadas
após o afastamento da função. A Professora – 6, em seu relato, explica que passou a receber
menos, o salário-base foi mantido mas ela deixou de receber as demais gratificações.
135
Porque, quando eu voltei, eu fiquei quase dois anos afastada, então mexeu no meu
financeiro, porque o meu salário, no mínimo, vamos dizer, assim, eu recebia 70 do
meu salário anterior, então mexe, não é algo tão relevante, porque minha doença
era tão grave que a gente administra numa boa, mexe e não tem como não mexer, o
seu salário cair assim, mexe com a rotina de todo mundo, mexe com qualquer um. E
não é algo que me judia muito não. (Professora – 6, depoimento colhido em
novembro de 2012).
O relato da Professora – 6 expressa que no período de seu retorno ao trabalho na nova
função também foi importante a acolhida da equipe de trabalho,
Tive apoio, sim, principalmente nesta fase, foi um ponto de apoio muito forte para
mim. Nossa, se eu não tivesse (...),eu teria mesmo caído em depressão mesmo,
ajudou bastante. (...) eu não queria, mais ouvi, durante a reabilitação: Você vai,
porque tem capacidade para isso. Você não pode sair da área da educação. Você
tem muita coisa para oferecer. Você tem experiência muito grande. Para mim, foi
muito bom, porque eu entrei na área da educação novamente, mas de outra forma.
(Monitora – 19, depoimento colhido em novembro de 2012).
Diferente das histórias profissionais das demais entrevistadas, a Professora – 6
retornou no mesmo local de trabalho anterior ao adoecimento mudando apenas a função, e
esse fator facilitou o processo de inclusão laboral, pois já existiam vínculos com colegas de
trabalho que auxiliaram o processo de adaptar-se à nova função: (...) o apoio da equipe
quando eu voltei para o meu ambiente. Aquele período que voltei para cá. Eu recebi
solidariedade. Eu me sentia amparada pela equipe de trabalho. Eles se preocupavam comigo.
(Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).
3.5.1 Reabilitação profissional: Sentidos e significados do trabalho
Quando eu vim para a reabilitação, eu me lembro das minhas falas, conversando com
a assistente social e com a psicóloga. Quando me perguntavam:
Com o que você se identifica? O que você gosta de fazer? Eu respondia: Nada.
Nada. Eu não quero fazer nada. Eu não gosto de nada.
Eu não tinha ideia que eu pudesse desenvolver esse trabalho.
Aí surgiu essa oportunidade (...), então, eu vejo que eu posso colaborar.
(Professora – 10, depoimento colhido em outubro de 2012)
A partir da nova função, a pesquisa qualitativa procurou esclarecer como a mudança
de função afeta as relações sociais construídas no cotidiano dos trabalhadores e qual a
condição necessária para atender a essa nova função e manter-se como trabalhador.
136
Observa-se que a função que passou a ser exercida após a reabilitação é apontada, em
sua maioria, como função de atendente, como indica o Gráfico 7, que contém os dados
quantitativos do universo maior. Apesar de alguns cargos e escolaridades serem diferentes, os
sujeitos foram designados a exercer a mesma função. A escolha de função durante a
reabilitação parte de questões específicas, como habilidades, competências e restrições
médicas funcionais. Outro fator primordial que define a função a ser exercida é a
disponibilidade de vagas nos setores municipais ofertadas pelos gestores, que não
necessariamente atende à necessidade do trabalhador.
Gráfico 7 – Funções dos funcionários após a conclusão da reabilitação, no período de 2006 a 2011
Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio de 2012.
137
No Gráfico 7, observa-se que as funções de atendente, escriturária, serviços auxiliares
e orientadores de alunos são as funções prevalecentes após a reabilitação. Essas funções são
as principais demandas apresentadas pelos gestores municipais para a equipe de reabilitação
para buscar a reinserção de trabalhadores que concluíram o programa.
O Quadro 15 evidencia os relatos mais significativos colhidos durante a história oral
tendo como marco de análise dois períodos: anterior à reabilitação e posterior à reabilitação.
Os períodos descritos por meio das narrativas de cada sujeito expressam qual é a memória que
guardam de determinado momento.
Quadro 15 – Cruzamento de frases significativas dos sujeitos da história oral
Experiência de Cada Sujeito -
Divisão por Cargo de Origem
Período Anterior ao Processo
de Reabilitação
Período Posterior ao Processo
de Reabilitação
Merendeiras
Funções exercidas após o
processo de reabilitação:
atendentes e copeira
Gostava muito, sempre gostei de ser merendeira
Eu sempre gostei da minha
função
Gostava, adorava trabalhar com
mais gente
Daí, você é rebelde, malvista e
nada está bom
Minha alternativa, to nem aí
Eu sinto que poderia ser útil,
mas fui desperdiçada
Professoras
Funções exercidas após o
processo de reabilitação:
escriturária, assistente
pedagógica e auxiliar de
coordenadora pedagógica
Eu gostava muito de ser
professora
Identificava muito em ser
professora
Importante exercer um trabalho
na área de educação
Eu, no meu caso, sinto que ainda não fui aceita
Hoje eu estou empurrando com
a barriga
É preciso viver um dia de cada
vez
Eu não quero ficar doente
novamente
Monitores de CEC
Funções exercidas após o
processo de reabilitação:
atendente, escriturária de escola
e monitora de educação especial
Amava, sempre gostei
Eu me identificava muito com aquela pessoa, função, que eu
exercia, além de gostar muito, eu
me envolvia
Então, antes, eu realizava com muita vontade o trabalho
A gente é assim um tipo tapa-
buraco
Você não faz parte da equipe
A gente se diminui
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, conforme narrativas da história oral.
Os relatos expressam a falta de reconhecimento do trabalho. Segundo Rosenfield
(2009, p. 174), “o reconhecimento do trabalho é a própria expressão da retribuição simbólica
em termos da realização em si mesmo (...)”.
138
Rosenfield (2009, p. 174) explica que a retribuição simbólica,
(...) é, assim, uma contribuição à realização pessoal, seja por meio do
reconhecimento do trabalho pela hierarquia (através da escuta, do apoio, do
encorajamento, do acesso a respostas, da transmissão da informação) que confirma a
contribuição aportada por aquele trabalho, seja pelos pares colegas (com a estima, a
cooperação, a troca igualitária, o reconhecimento do trabalho bem-feito) que
colabora na construção da identidade coletiva e serve de defesa identitária.
A partir do Quadro 15, verifica-se que os sujeitos referem que no período anterior à
reabilitação, ou seja, quando estavam exercendo a função inerente ao cargo de origem,
identificavam-se com o trabalho e no período após a reabilitação, quando passaram a exercer
outra função, apresentaram dificuldades em suas relações sociais, devido à não aceitação da
equipe de trabalho da nova condição laboral.
Os sujeitos da pesquisa reconheciam que o trabalho anterior tinha um papel central
em suas vidas, exerciam a função não apenas por subsistência, existindo um significado
maior, representando o serviço público como de utilidade para a sociedade e como sentir-se
útil enquanto ser social, havia uma contribuição para a realização pessoal por meio do
reconhecimento do trabalho.
Uma vez que ocorre o afastamento do trabalho para reabilitação, inicia-se um processo
de ressignificação da antiga função e as perspectivas funcionais ligadas a ela, inicia-se uma
nova condição e o processo de reconstrução da identidade profissional.
A partir do momento em que as competências e habilidades desses sujeitos não são
respeitadas para a reabilitação em uma nova função, verifica-se que ocorrem mais
dificuldades nesse processo de reconstrução da identidade profissional, partindo da reflexão
de que toda a trajetória profissional do sujeito não será mais importante, nem respeitada,
prevalecendo o interesse e a necessidade do empregador. Não se sentem reconhecimentos pela
hierarquia e nem por seus colegas de trabalho, assim, não ocorre a retribuição simbólica
(ROSENFIELD, 2009). As falas condizem com essa reflexão. A gente é assim um tipo tapa-
buraco (Monitora – 19, depoimento colhido em novembro de 2012). Continua a Professora –
6: Eu sinto que poderia ser útil, mas fui desperdiçada. (Professora – 6, depoimento colhido
em novembro de 2012). Como as falas demonstram, não se sentem reconhecidas no trabalho
desenvolvido no serviço público.
139
As Figuras 8 e 9 revelam exemplos de mudanças relativas ao ambiente profissional no
serviço público e ilustram as características dos ambientes de trabalho no serviço público. Os
locais apresentados não estão vinculados aos ambientes de trabalho dos sujeitos da pesquisa.
Figura 8 – Local de trabalho anterior ao processo de reabilitação (Ambiente de
trabalho: cozinha. Função: Merendeira. Instrumentos de trabalho: fogão, panelas,
garrafa de café entre outros. Cargo de origem: merendeira)
Fonte: Arquivo da Equipe de Reabilitação Profissional, novembro de 2012.
Figura 9 – Local de trabalho após o processo de reabilitação (Ambiente de trabalho:
balcão de atendimentos. Função: atendente. Instrumentos de trabalho: telefone, caneta,
papel, entre outros. Função após a reabilitação: atendente.)
Fonte: Arquivo da Equipe de Reabilitação Profissional, novembro de 2012.
140
Como exemplo de possibilidade de reconstrução das identidades profissionais,
destaca-se a história de um guarda civil que passou pelo processo de reabilitação. Ele deixou a
função de guarda civil para exercer a função de monitor de artes. Em seu trabalho ensina
artesanato para pacientes de serviços da Saúde Mental. A reportagem do jornal Gazeta de
Piracicaba, de 4 de agosto de 2013, intitulada: Arte de Produzir Vida19
, apresenta aspectos de
sua história e como foi importante a sua identificação com a sua nova função. Diz a
reportagem:
O guarda civil (...), que um dia viveu uma situação desesperadora – era alcoólatra e
acabou ficando sem a família – hoje, readaptado ao serviço, deixa a farda de lado e
vai para a oficina ajudar a ensinar os alunos. “Para quem passou pelo hospital
Bezerra de Menezes, como paciente, ao lembrar do meu passado, vejo que tudo é
possível”, afirma.
Para ele, qualquer pessoa que tenha vícios da bebida alcoólica, dependência
química, se tiver vontade e for perseverante, pode melhorar de vida. “É só a pessoa
admitir que precisa de tratamento, dar um basta na situação ruim e dizer: vou me dar
uma nova chance.” (JORNAL GAZETA DE PIRACICABA, 2013, p. 8).
3.6 O Tempo de Trabalho após a Reabilitação
Há um sentido contraditório, se pensarmos em tempo de trabalho no serviço público,
com relação ao antes e o depois da reabilitação, considerando que “(...) o empregador deve
usar o tempo de sua mão de obra e cuidar para que não seja desperdiçado: o que predomina
não é a tarefa, mas o valor do tempo quando reduzido a dinheiro”. (THOMPSOM, 1998, p.
272).
Assim, identificamos que, antes do processo, os trabalhadores vivenciavam certa
cobrança, em relação ao tempo das atividades, pois as tarefas eram distribuídas e tinham um
certo tempo para cumpri-las. O que não se evidencia nas falas dos sujeitos pesquisados após a
reabilitação. Identifica-se outra relação, com o tempo de trabalho.“Na sociedade capitalista
madura, todo o tempo deve ser consumido, negociado, utilizado, é uma ofensa que a força de
trabalho meramente passe ‘o tempo‘”. (THOMPSOM, 1998, p. 298)
19
Reportagem no jornal Gazeta de Piracicaba, de 4 de agosto de 2013. Intitulada: Arte de Produzir Vida: Cerca
de 40 Pacientes de Serviços da Saúde Mental Aprendem a Fazer Artesanatos.
141
Agora, fica aqui parada, você senta aqui, olha o relógio, é vinte para as dez. Aí, fico
aqui, olho e pego mais alguma coisa, mais uma vez olho para o relógio, é cinco
para as dez. E agora, se você pega um lugar para trabalhar, que tem movimento,
você não vê a hora passar. Porque às vezes entrava para trabalhar. Você olhava e
falava: Nossa, mas já, então nem vê. Quando vê, já foi e a hora passou. E aqui não
tem como. A hora não passa, então, isso incomoda, ah, incomoda, como incomoda.
Mas fazer o quê? Não tem o que ser feito. Então é complicado. (Merendeira – 14,
depoimento colhido em outubro de 2012).
Todavia, porque essa contradição, em relação ao tempo de trabalho no serviço público,
observado antes e após a reabilitação? Será que o trabalhador, ao passar pelo processo de
reabilitação, deixa de representar uma força produtiva na gestão pública, onde se espelha o
sistema capitalista? Assim, o seu tempo do trabalho não apresenta mais tanto valor, após a
reabilitação.
3.6.1 O preconceito em relação ao trabalhador que passou pelo processo de reabilitação
Um elemento presente no cotidiano das entrevistadas que teve destaque em suas falas
foi o preconceito. Heller (2008, p. 63) o define como “(...) uma categoria do pensamento e do
comportamento cotidianos”. A Monitora – 14 aponta que o nome reabilitado já traz um
preconceito para as pessoas,
Tem sim. Eu não gosto de dizer, eu não gosto de dizer que eu estou readaptada. Eu
não estou readaptada. Eu penso ser adaptada ou reabilitada. E nem reabilitado eu
acho um termo legal. Eu fico pensando que o outro, as outras pessoas, as pessoas
têm tido sempre esse preconceito, o termo ainda é estigmatizado, ainda é, mesmo a
palavra reabilitado, é um pouco menos pesada, que a palavra readaptado. Eu acho
melhor adaptada, melhor porque acho que você está adaptando ao novo trabalho.
(Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).
Também indicam sofrer outros tipos de preconceito, nos ambiente de trabalho. Eu
encontrei aqui preconceito de idade. E não é porque tenho mais tempo de serviço,
experiência, não conta isso, para as pessoas. Parece que conta a idade que você tem.
(Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012). Também nas atividades
desenvolvidas diariamente expressa-se o preconceito dos colegas de trabalho: (...). Eu pedi
uma informação para ele fazer um trabalho e ele foi agressivo comigo. Caramba. Eu sou
142
igual. Eu trato ele igual não faço diferença. (Professora -5, depoimento colhido em outubro
de 2012). Essa frase também nos remete ao conceito do sofrimento ético-político existente nas
dinâmicas de trabalho.
Assim, revelam-se os momentos de resistência e luta contra os preconceitos nos
ambiente de trabalho. Na área de pessoas com necessidades especiais é que a gente acaba
ficando enquadrado e ainda existe um preconceito muito grande. Principalmente porque eu
sou reabilitada (...). Então, até a gente achar o espaço. (Professora – 10, depoimento colhido
em outubro de 2012).
O relato da professora – 10 traz a questão dos direitos conquistados por adquirem uma
incapacidade laboral permanente, que culmine em uma deficiência. Parece que tudo está
maravilhoso, são tantas conquistas, tem lugar especial para estacionar, tem direito disso,
daquilo, mas na prática eu não vejo isso, vejo o preconceito. (Professora – 10, depoimento
colhido em outubro de 2012). Assim, através das narrativas, percebe-se como diferentes
sujeitos expressam a questão do preconceito e lidam com isso no dia a dia, através de
comportamentos que expressam o modo de vida a partir de suas experiências. Mas, para mim,
nada a ver, eu passo por cima, por que eu continuo do mesmo jeito, eu passeio, viajo, eu
trabalho, eu brinco, eu trabalho sério. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de
2012).
Enfim, como afirma Heller (2008, p. 85): “O preconceito, portanto, reduz as
alternativas do indivíduo. Mas o próprio preconceito é, em maior ou menor medida, objeto da
alternativa”. O preconceito no trabalho adquire uma forma hierárquica, quando há um sentido
de dominação por parte daqueles que se sentem superiores, por estarem em uma condição de
saúde melhor e/ou mesmo por exercerem uma função de reconhecimento no ambiente de
trabalho.
Nesse sentido, segundo Heller (2008, p. 85), “por mais difundido e universal que seja
o preconceito é, ao mesmo tempo, a escolha de um caminho fácil no lugar do difícil”, mas que
pode vir a acontecer, dependendo do contexto em que estiver inserido e da criação de
alternativas para que ocorra “ (...) o ‘descontrole’ do particular-individual, a fuga diante dos
verdadeiros conflitos morais, tornando a firmeza algo supérfluo”.
143
3.7 Reabilitar ou Aposentar: A Visão de Quem Adoeceu
A reabilitação é um processo que ocorre quando o trabalhador, por motivo de doença
ou limitação, se vê impossibilitado de permanecer executando a mesma função, e para isso
precisa ser reabilitado, superar as questões de perdas e se recolocar novamente no mercado de
trabalho. O processo envolve descobertas de novas habilidades e competências, e a
intervenção social norteia-se na busca de novas condições de trabalho, considerando as
expectativas do sujeito, procurando apoiá-lo na reconstrução de sua identidade profissional,
respeitando-o como trabalhador, como cidadão e facilitando sua inserção laboral.
Como os estudos relacionados ao trabalho indicam várias perspectivas, nesse sentido,
o processo de reabilitação também aponta vários sentidos, a partir do significado do trabalho
para os sujeitos, seja pela importância com a possibilidade de retorno habitual da vida laboral
ou a importância do não trabalho, como a possibilidade de aposentar-se, dedicando-se a outras
atividades. De acordo com Antunes (2005, p. 124), “uma vida cheia de sentido em todas as
esferas do ser social somente poderá efetivar-se através da demolição das barreiras existentes
entre tempo de trabalho e tempo de não trabalho”.
A reabilitação é a única alternativa possível de inserção laboral antes da aposentadoria
por invalidez, que é indicada quando da impossibilidade de reabilitação.
Ao perguntar, aos nove sujeitos, sobre a possibilidade da aposentadoria por invalidez,
posicionaram-se de diferentes formas, expressando indignação, surpresa, resistência,
motivação e negação. Assim, “consciência, atividade e afetividade se encadeiam e se
determinam, reciprocamente (...)”. (SAWAIA, 2006, p.167).
A seguir, estão expressas as respostas, em dois momentos: o primeiro relaciona-se às
frases que revelam a não aceitação da possibilidade de aposentadoria por invalidez; e o
segundo revela outro significado da aposentadoria por invalidez como uma boa alternativa, a
partir do contexto de experiências dos sujeitos em suas trajetórias de vida.
Assim, apresentam-se, no primeiro momento, as frases que expressam não aceitar a
possibilidade de aposentar-se por invalidez, como referem quatro dos nove sujeitos
entrevistados.
144
Nunca, nunca mesmo. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).
Aposentar, aposentadoria para ficar fazendo o quê? Ficar em casa para mim não
tem sentido.(...) A aposentadoria não é o melhor caminho, principalmente por
invalidez. Quando começo a falar sobre isso, vejo a idoneidade, não é possível, ser
aposentada por invalidez. (Professora – 10, depoimento colhido em outubro de
2012).
Não, não, nunca passou isso. Nunca passou. (Merendeira – 7, depoimento colhido
em outubro de 2012).
Perde... perde... aposentadoria... perde. (Merendeira – 14, depoimento colhido em
outubro de 2012).
No segundo momento, a maioria dos sujeitos, ou seja, cinco, dos entrevistados,
acreditam que a aposentadoria por invalidez é uma boa possibilidade.
Sinceramente, eu aceitaria de bom grado, porque, mesmo vindo aqui, para não
fazer nada é complicado. Eu só não fico afastada porque eu estou deprimida
também, por causa dessas dificuldades, de humilhação. (Merendeira – 16,
depoimento colhido em outubro de 2012).
Pensei, sim, porque eu achei que não fosse conseguir trabalhar. (Monitora – 20,
depoimento colhido em outubro de 2012).
Eu estou procurando saber direitos sobre isso, eu não quero perder, porque, afinal
de contas, o muito, ou não, eu sarei. (Professora – 5, depoimento colhido em
outubro de 2012).
Já pensei, já. E se fosse, nossa, para mim seria muito bom. (...) Eu precisaria, nesse
sentido, ter mais tempo (...). Eu já pensei em ter uma aposentadoria por invalidez.
Também já pensei na questão da minha saúde, para não esperar uma
aposentadoria. Esperar chegar a aposentadoria e não ter mais como utilizar essa
aposentadoria, por estar mais assim, sabe, sem vida, sem força para nada. Então,
eu gostaria de aposentar por invalidez, para poder desfrutar um pouquinho daquilo
que sobrou. (Monitora – 19, depoimento colhido em novembro de 2012).
É, se eu aposentasse por invalidez, eu ia administrar a vida com menos estresse, eu
acredito que, para mim, seria melhor, já que profissionalmente hoje eu não vejo
nenhuma expectativa dentro da educação para mim. (...), não sei... mas já que não
tenho nenhuma perspectiva de crescimento e o resto da vida está muito complicado,
então, seria eu ter me aposentado mesmo. (...) mas ainda hoje eu penso, por isso,
porque eu acho, que o meu profissional está muito limitado, dentro do que eu faço
(...) (Professora – 6, depoimento colhido em novembro de 2012).
A reportagem do Jornal de Piracicaba, de 23 de abril de 2013, intitulada: Previdência
Pagou R$ 22,1 Milhões em 201320
, traz em pauta o assunto da aposentadoria por invalidez.
Mostra que o gasto da Previdência Social, na cidade de Piracicaba, com aposentadorias por
20
Reportagem no Jornal de Piracicaba, de 23 de abril de 2013, intitulada: Previdência Pagou R$ 22,1 Milhões
em 2013.
145
invalidez, de janeiro a março de 2013, aumentou 14,5%, em relação ao primeiro trimestre de
2012. (JORNAL DE PIRACICABA, 2012, p. A10). Ilustra a reportagem a história de Isa
Mustafa, de 56 anos, um trabalhador do serviço público municipal que passou pelo processo
de reabilitação, ao interromper suas atividades profissionais em 2010. Diz a reportagem:
“Fiquei cego de um olho e não podia mais enxergar a minha função na prefeitura”,
contou. Mustafa trabalhou durante 15 anos como operador de empilhadeira de um
armazém destinado a serviços de merenda escolar no município. Antes de dar
entrada na aposentadoria por invalidez, houve uma tentativa de readaptação.
“Tentaram me colocar em outro setor, como ascensorista de elevador, mas logo na
sequência tive um infarto e, assim que voltei da cirurgia, me aposentei”, disse ele,
que hoje tem apenas 30% da visão. Mustafa se aposentou pelo Ipasp (Instituto de
Previdência e Assistência Social dos Funcionários Municipais de Piracicaba), que
contabiliza 1.209 servidores municipais e contratados pelo regime estatutário
aposentados, sendo 166 casos em razão de invalidez. (JORNAL DE PIRACICABA,
2013, p. A10).
A reportagem traz elementos importantes para reflexão sobre a aposentadoria por
invalidez, como os números que vêm aumentando e o destaque dado ao adoecimento do
trabalhador no serviço público e o elevado gasto do governo com a aposentadoria por
invalidez. Outra reportagem que traz referência ao tema foi apresentada no jornal Folha de S.
Paulo, em 22 de agosto de 2012, intitulada: Aposentadoria por Invalidez Entra na Mira21
.
Complementa a reflexão sobre o olhar do governo para a aposentadoria por invalidez,
pelo aspecto econômico. Na reportagem, indicam a reabilitação como uma forma de reduzir
os gastos com as aposentadorias por invalidez. “Previdência planeja reabilitar trabalhador do
setor privado e reduzir gastos que chegam a 18,7% dos benefícios” (FOLHA DE S. PAULO,
2012, B1).
O assunto da reportagem é muito coerente com a ideologia que caracteriza os modelos
de gestão capitalista contemporâneo. Diz a reportagem:
O governo quer reduzir o número de aposentadorias por invalidez pagas pela
Previdência Social e prepara um programa para reabilitar trabalhadores do setor
privado.
Com o pagamento desses benefícios, a Previdência gasta R$ 60 bilhões por ano,
atualmente pagos a 3,2 milhões de pessoas. A meta é economizar R$ 25 milhões
com trabalhadores reabilitados.
21
Reportagem no jornal Folha de S. Paulo, em 22 de agosto de 2012, intitulada: Aposentadoria por Invalidez
Entra na Mira.
146
As estatísticas do Ministério da Previdência mostram que atualmente 18,7% dos
benefícios concedidos são referentes a aposentadorias por invalidez.
Na avaliação do governo o limite aceitável para esses casos seria de 10%.
“A aposentadoria por invalidez está entre os maiores ralos da Previdência” disse a
Folha o ministro da pasta, Garibaldi Alves.
Um grupo interministerial trabalha na mudança do modelo de reabilitação. (FOLHA
DE S. PAULO, 2012, B1).
A aposentadora por invalidez é consequência de adoecimento ou acidente, assim, não é
simplesmente uma escolha feita pelo trabalhador. A ideia de diminuir a aposentadoria por
invalidez, entendendo como uma solução preparar melhor um programa para reabilitar, oculta
a raiz do problema, que são os trabalhadores adoecidos pela precariedade dos processos de
trabalho.
Neste sentido, Alves (2013, p. 129) contribui para a reflexão apontando que
(...) não é o trabalho como atividade profissional ou atividade laborativa
propriamente dita que faz adoecer o homem que trabalha, mas sim o capital como
relação estranhada. Primeiro, oculta-se a dimensão social da miséria humana que o
adoecimento e as doenças do trabalho explicitam. Oculta-se o nexo causal efetivo
entre o trabalho da doença e a doença do trabalho. Depois, culpabiliza-se a vítima
pela sua desgraça humana. Eis a dupla perversidade da ordem burguesa: ocultar e
imputar culpa às vítimas. A ideologia da doença do trabalho é enquadrada como caso
clínico e não como produto social do mundo dessocializado do capital.
O governo apresenta como meta reduzir o número de aposentadorias por invalidez
aumentando o número de reabilitações. Aponta-se, na reportagem, que o limite aceitável para
a aposentadoria por invalidez seria de 10%. E qual seria o limite aceitável de acidentes e
adoecimentos dos trabalhadores, que ocorrem em consequência da precarização dos processos
de trabalho? Assim, deve-se buscar “(...) dar visibilidade ao processo trabalho/saúde/doença,
construir dados epidemiológicos que permitam estruturar, organizar e praticar a saúde do
trabalhador como política pública”. (LOURENÇO; BERTANI, 2010, p.100).
147
3.8 Momentos Coletivos no Espaço do Grupo Focal: Estratégias de Resistências para
Manter-se Enquanto Trabalhador
A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história
e, ao final, esta é sua única definição (...).
(THOMPSOM apud MOURA; SILVA, 1995, p.81)
O espaço de discussão do grupo focal foi um momento tão importante da pesquisa que
faz-se necessário retomar sua metodologia a fim de melhor esclarecer essa passagem. Foi o
momento em que a pesquisadora reencontrou os sujeitos da história oral, que “não eram mais
os mesmos sujeitos”, pois, após ler suas histórias profissionais, já havia proximidade e
vínculos de confiança e afetividade estabelecidos entre as partes.
Por meio de contato pessoal, para cada sujeito que participou da pesquisa qualitativa,
apresentou-se a metodologia do grupo focal e o convite para a participação. O convite foi
feito aos nove entrevistados, porém, no dia do grupo compareceram cinco sujeitos, sendo três
professoras, uma monitora e uma merendeira. A impressão da pesquisadora foi que, para as
professoras, o grupo representava uma forma de iniciar a discussão técnica com possibilidades
de ser produtiva na questão da reinvidicação de direitos para a categoria, assim, ao receberem
o convite, demonstraram intusiasmo em participar.
Das monitoras, duas confirmaram a presença e uma não confirmou por estar com
problema de saúde. No dia do grupo, apenas uma compareceu e a outra não justificou a
ausência. Em relação às merendeiras, duas confirmaram a presença e uma não confirmou por
problemas familiares. No dia do grupo, apenas uma compareceu e a outra não justificou a
ausência.
O ambiente foi preparado a fim de proporcionar adequada aproximação dos sujeitos,
com as cadeiras dispostas em círculo e apresentado um Power Point sobre o assunto22
.
O objetivo foi dar um retorno sobre as entrevistas individuais e aos sujeitos a
oportunidade de expor novas ideias, levantar e identificar problemas, experiências e
percepções relacionadas ao tema. Primeiramente, foi oferecido um café e solicitado que
aguardassem, até o horário combinado, o início da apresentação.
22
Anexo C – Apresentação em Power Point utilizada durante o grupo focal.
148
O clima foi bem propício e logo começaram a interagir. O grupo não se conhecia, mas,
por viver questões semelhantes, iniciou-se um diálogo rapidamente. A conversa envolveu o
cotidiano do trabalho do professor: (...) nossa, que situação difícil que, às vezes, os alunos
passam, né, eles até que são bons demais. Pense, trabalhamos no dia a dia com 28 crianças
por classe, envolvendo 28 famílias e 28 contextos de vida. (Professora – 6, depoimento
colhido grupo focal em março de 2013). Continuando, a Professora – 5 assim relata os novos
arranjos familiares: Hoje, tem pai, mãe, avó, a família de hoje não tem só o aluno na sala de
aula, de 30 problemas, você tem 90, ou avó que cuida (Professora – 5, depoimento colhido
grupo focal em março de 2013)
E, de forma descontraída, foram contando sobre o cotidiano do trabalho. Sabe, desde
que eu comecei a trabalhar na Secretaria da Educação, comecei com uma tosse que poderia
ser emocional ou alérgica, tenho que aprender a lidar com isso. (Professora – 5, depoimento
colhido grupo focal em março de 2013). A professora conta sobre os primeiros dias na nova
função e das estratégias de resistências e enfrentamentos emocionais para continuar a
trabalhar. No trabalho, quando a gente fica em um escritório, o café acaba sendo uma fuga
para parar um pouco e na escola também acaba sendo assim. (Professora – 5, depoimento
colhido grupo focal em março de 2013).
Também relatam um sentimento coletivo: É depois que a gente passa do outro lado, a
gente se sente assim uma pessoa sem valor nenhum.(Monitora – 19, depoimento colhido
grupo focal em março de 2013). Para a Monitora – 19, o outro lado significa após a
reabilitação. Tudo o que a gente fez, a gente estudou programou para seguir um caminho, foi
forçado e parou ali, aí você pula para o outro lado e fica aí como uma pessoa que está
apenas cumprindo o tempo. Quando dá o seu tempo, você aposenta. (Monitora – 19,
depoimento colhido grupo focal em março de 2013). A Professora – 6 complementa
apresentando um olhar crítico em relação ao sistema capitalista: É o sistema que nos coloca
assim. (Professora – 6, depoimento colhido grupo focal em março de 2013) e a Monitora - 19
continua:
A gente é assim um tipo tapa-buraco, se vai ali, se sabe fazer. Quando você começa
a engrenar naquilo ali, tira dali e coloca em outro lugar; é assim o processo, é
somente no momento em que eles precisam. Você não faz parte da equipe.
(Monitora – 19, depoimento colhido grupo focal em março de 2013).
149
Demonstra a dificuldade em aceitar a nova condição laboral, a falta de apoio dos
demais colegas de trabalho, o individualismo, características presentes nas dinâmicas de
trabalho que levam ao sofrimento. Sofrimento que já foi vivenciado pelos sujeitos da
pesquisa, levando-os a um processo de adoecimento, o qual não querem novamente vivenciar,
e assim buscam novas formas de resistência.
Complicado, a gente sai de uma função e vai para outra, você se envolve com gente
diferente, trabalha diferente. Eu, no meu caso, sinto que ainda não fui aceita, embora
o trabalho que eu faça seja importante, metade do trabalho de lá depende do meu,
mas eu sempre ouço aquelas frases: Você poderia fazer melhor! Eu vou dar isso para
você saber mais. Você tem capacidade para muito mais. Faz-se isso para mim hoje.
Quer dizer, não está aceitando, parece que aceita você estar presente, mas não aceita
na equipe.
É muito pior a aceitação das pessoas, com a gente, do que nós com nossos problemas.
Quando você percebe que a pessoa não está aceitando, que seu superior não está
aceitando como você é, na equipe, ou tão melhor que dar coisinhas para você fazer.
(Professora – 5, depoimento colhido grupo focal em março de 2013).
No momento da discussão no grupo, as demais também passam a expressar como se
sentem: A gente se diminui (Monitora – 19, depoimento colhido grupo focal em março de
2013); Eu acho que a ideia é até essa: que a gente não fique contente no lugar que está e
tente algum outro. (Professora – 5, depoimento colhido grupo focal em março de 2013).
Aponta, a Professora – 5, que também é uma estratégia dos colegas de trabalho criar situações
para forçar um pedido de transferência do trabalhador.
Daí você é rebelde, malvista e nada está bom. Onde eu trabalho, eu me sinto
tampando buraco. Todos os documentos que tem para fazer, sou eu que digito, tive
que apreender sozinha a digitar o documento, nunca veio ninguém para me dizer:
Você faz assim ou assado, nunca. Mas eu faço, mando e pronto. Quando alguém da
Secretaria liga no espaço e pede para falar com fulano e fulano não está, não fala o
assunto comigo, se ela não está, coisas banais, que poderiam ser comigo, mas não
falam, ignoram. (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo focal em março de
2013).
O relato supra é um exemplo de que as pequenas atitudes, como não confiar um
recado, já causa sofrimento e reforça o sentimento de sentir-se inútil; assim, apresentam suas
estratégias para resistir, ou se acomodar e aceitar a situação. Hoje eu estou empurrando com a
barriga. (Professora - 5), e relata que aguarda a aposentadoria.
150
Falta muito tempo para mim, três ou quatro anos, mas para mim tanto faz, saio
para olhar as paisagens, dou voltinhas, vou embora, se tenho compromisso, vou
cumprir, mas acho um absurdo, tenho sete anos lá, e uma simples pergunta não
podem se dirigir a mim, acho muito esquisito; eu, pessoalmente, não me incomodo
mais, dou risada, mas sei que, para muitas pessoas, isso é um entrave, já não estou
nem aí mesmo, com mais nada, em absoluto. (Merendeira – 16, depoimento colhido
grupo focal em março de 2013).
Durante o grupo, foram expressas as estratégias utilizadas pelas trabalhadoras do
serviço público para continuar a trabalhar sem adoecer novamente Hoje você conquistou esse,
nem aí, depois de sete anos, a gente tem que ter uma defesa própria, né. (Merendeira – 16,
depoimento colhido grupo focal em março de 2013). Estratégias que caracterizam o tipo de
trabalho desenvolvido no serviço público. Eu optei pelo não to nem aí. Eu recebo todo mês e
trabalho normalmente todo mês, é difícil, é difícil chegar lá no to nem aí, foi difícil, eu sofri
muito para chegar no to nem aí. (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo focal em março
de 2013).
O relato de Merendeira - 16 faz com que a Professora – 10 também se sinta à vontade
para expressar seu sentimento no grupo.
É tipo assim, tem vezes, que até comento em casa, mas se é servidora pública,
trabalha na prefeitura, as pessoas pensam que tem que aguentar tudo, mas não é
tão simples ser uma servidora pública. Quando eu comecei minha faculdade, eu
tinha um objetivo, uma trajetória e, de repente, tudo isso caiu por terra e aí, o que
eu faço, por onde eu começo, como eu faço. Pera aí, você vai lá e faz seu trabalho e
pronto, acabou, é simples. Tenho uma formação, saí do espaço da escola, no
começo, senti culpa de não sentir falta da escola, depois, não queria encontrar
ninguém. (Professora – 10, depoimento colhido grupo focal em março de 2013).
Eu não me sentia mais capaz, com a equipe de reabilitação, vi que era capaz, tinha
medo, durante a reabilitação, de não ser capaz. Tive problemas com benefícios, a
partir da reabilitação minha secretaria não reconheceu meu Fundeb, por não
exercer a função de professora, não reconheceu esse direito, tive que ir atrás de
advogado, passar por audiência, foi muito ruim, esse processo me abalou muito, no
dia da audiência fiquei muito nervosa, eu processar da onde tiro meu pão, ganhei o
processo, mais foi bem desgastante para minha saúde. (Professora – 6, depoimento
colhido grupo focal em março de 2013).
Durante a discussão, afloram-se sentimentos vivenciados durante o processo de
reabilitação, sentir-se culpada, sentir-se inútil, entre outros mencionados no decorrer da
pesquisa expressam a identidade de alienação influenciada por um sistema capitalista que faz
com que os trabalhadores que adoeceram sintam-se culpados de seu adoecimento, próprio da
ideologia capitalista vigente.
151
O trabalhador, ao não se sentir reconhecido na função que exerce, acaba por criar e
manter estratégias para conseguir manter-se como trabalhador, mesmo sem a construção de
um vínculo com a atual função, pós-reabilitação, e procura alternativas. Esse ponto ficou
evidente nas falas no grupo. As estratégias de cada sujeito para manter-se como trabalhador na
sociedade contemporânea, estratégias que as mesmas nomearam como to nem aí, frase que a
Merendeira – 16 utiliza sempre que a ignoram no trabalho. Pensa, nesse momento, que
receberá seu salário no final do mês do mesmo jeito, então, tenta não se aborrecer, mas
expressa o sentimento de sofrimento, ao relatar seu cotidiano vazio de significado, de que tem
pouca utilidade no local em que está e fica a maior parte do tempo sozinha. Na primeira
entrevista, chorou muito, ao relatar seus dias de trabalho, e durante o grupo agiu com ironia,
ao falar do seu cotidiano. Outro sujeito expõe que sua estratégia de resistência é viver um dia
de cada vez e evita, assim, pensar que, no dia seguinte, tudo será da mesma forma, tentando se
conformar com o hoje, que é passageiro.
A frase empurrando com a barriga (Professora – 5, depoimento colhido grupo focal
em março de 2013) é uma expressão dos sujeitos que não se sentem adequados na função que
exercem, mas contam os dias, meses e anos para aposentar-se. Essa é a única perspectiva
positiva relatada no grupo em relação ao trabalho para garantir a subsistência.
No grupo, aponta-se uma exceção relacionada à pós-reabilitação, em comparação aos
sujeitos da pesquisa presentes. Um sujeito expôs no grupo que se sente útil e tem perspectivas
de obter novas conquistas profissionais. O que o diferencia dos demais é que esse sujeito,
após concluir o processo de reabilitação, permaneceu no mesmo ambiente de trabalho e em
uma função na qual preserva suas competências e habilidades vinculadas ao seu cargo de
origem e da sua profissão.
Relata sentir-se útil e que (...) é importante exercer um trabalho na área da educação,
eu não quero ficar doente novamente (Merendeira – 16, depoimento colhido em grupo focal
em março de 2013).
Os sujeitos, durante a discussão do grupo, revelaram ter conhecimento do processo da
reabilitação e ciência de que, posteriormente às reabilitações, dificilmente conseguiriam
mudar novamente de função, por tratar-se de funções determinadas com o objetivo de evitar
agravos à saúde e, para modificá-las, seria necessário um novo processo de adaptação e/ou
reabilitação, e partir do princípio de uma indicação médica para tal procedimento.
152
Chama-se a atenção para o relato da Professora – 6 que, após a reabilitação, continuou
em função parecida com a de assistente de pedagogia, tornando mais fácil reconstruir sua
identidade profissional, devido manter-se na área da educação, e conseguir criar estratégias de
resistências sobre o sentimento de não ser mais útil. O fato de conhecer bem a área em que
atua ajuda a buscar novos desafios profissionais. O povo nem sabe o que faz com a gente,
pessoas falam que não fazemos nada. Mas eu consegui ver que tem bastante coisa para fazer
na escola e continuar a se sentir útil. (Professora – 6, depoimento colhido grupo focal em
março de 2013).
Assim, o grupo continua a expressar suas estratégias: Meu lema é viver um dia de cada
vez (Professora – 10, depoimento colhido grupo focal em março de 2013). A Professora - 10
fala que estudou os 12 passos dos Alcoólatras Anônimos (AA). Trata-se um grupo de ajuda
que usa uma metodologia de passos para que o dependente químico fique longe das bebidas
alcoólicas. Utiliza o lema Viver um Dia de Cada Vez, evitando a bebida no dia de hoje. Essa
também foi uma estratégia apresentada.
Também chamam a atenção para outros assuntos, como a importância de verificar o
lado humano: É preciso ver o lado humano (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo
focal em março de 2013); Falta o olhar humano do médico (Merendeira – 16, depoimento
colhido grupo focal em março de 2013). Também relatam características do serviço público:
Tudo muito devagar (Monitora – 19, depoimento colhido grupo focal em março de 2013); Eu
sinto que poderia ser útil, mas fui desperdiçada (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo
focal em março de 2013). Assim expressam o medo de adoecer novamente: Eu não quero
ficar doente novamente. Não quero mais sofrer. (Merendeira – 16, depoimento colhido grupo
focal em março de 2013).
O interessante, nessas falas, são as estratégias que cada sujeito encontrou, após a
reabilitação, para continuar a trabalhar sem adoecer: To nem aí e Viver um dia de cada vez,
expressam bem essa questão. Apenas uma delas sentiu-se bem, pois ficou vinculada à área de
Pedagogia e permaneceu no mesmo local de trabalho. Com as próprias palavras dos sujeitos,
finalizamos estas considerações, evidenciando a relação dos sujeitos com o trabalho no
serviço público.
Nesse meio provêm relações humanas, dia a dia se constroem relações, pena
que eu, a cada dia, estou menos envolvida possível com o trabalho.
(Monitora – 19, depoimento colhido em grupo focal em março de 2013).
153
Minha secretaria tinha que reconhecer o meu trabalho, que coisa chata não
ser reconhecida, como ser humano e contribuinte teria direito a ser
reconhecida. (Merendeira – 16, depoimento colhido em grupo focal em
março de 2013)
Com esse movimento da reabilitação, colhem-se experiências para escolher
um caminho melhor. (Professora – 6, depoimento colhido em grupo focal em
março de 2013).
O momento do grupo com os trabalhadores quando discutiram seus interesses e
desafios nas relações de trabalho no serviço público e a luta para não adoecer e preservar-se
enquanto trabalhador após a reabilitação propiciou entender como se dá a relação por classe,
que é definida por Thompson (apud MOURA; SILVA, 1995, p.81), “A classe acontece
quando alguns homens, como resultados de experiências comuns (herdadas ou partilhadas),
sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens, cujos
interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus (...)”.
154
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fiquei feliz quando soube do seu estudo, porque toma um rumo diferente daquilo
que precisa ser mudado. A partir do momento que tiver uma argumentação forte,
fundamentada, de algumas coisas que precisam ser revistas, nada melhor do que o
estudo, cientificamente, metodologicamente, estruturar alguma coisa que fica bem
fundamentado, não sei suas conclusões, só sei que é importante alguém que tenha
um olhar voltado para esse lado humano.
(Professora – 6, depoimento colhido em grupo focal em março de 2013)
Ao adentrar as Considerações Finais, chega-se à reflexão acreditada, que é a
perspectiva da reabilitação como possibilidade de reconstrução das identidades profissionais.
Contudo, respaldada nos retornos construídos por meio da participação dos sujeitos da
pesquisa, da literatura evidenciada com análises documentais e bibliográficas, e ao utilizar
caminhos metodológicos pelos quais foi possível percorrer a pesquisa e focar a questão
incipiente do estudo, temos a certeza da propositura de continuidade do tema aqui
engendrado.
A discussão proposta instiga muitas reflexões. Os vários autores analisados levaram-
nos a explorar pontos, por vezes, contraditórios, envolvendo as categorias principais de
análise: trabalho, identidade e reabilitação profissional, trazendo momentos de desafios e
descobertas na construção da pesquisa.
Deste modo, no movimento de idas e vindas, traçamos um caminho para discussão do
objeto de estudo. Ainda não são tão presentes, na área do Serviço Social, estudos sobre
reabilitação profissional, por isso, evidencia-se um começo em que se propõe a abertura de
novos estudos e caminhos para o aprofundamento teórico e, mais do que isso, uma busca, com
o aprofundamento dos estudos, de propor soluções que provoquem impactos nas relações e
inter-relações dos trabalhadores do serviço público.
A população idosa aumentou consideravelmente, como apontam os dados do IBGE
(2010): “No período de 1999 a 2009, o peso relativo dos idosos (60 anos ou mais de idade) no
conjunto da população passou de 9,1% para 11,3%” e a perspectiva é de crescimento,
pensando na lógica da Previdência Social em retardar as aposentadorias, teremos um grande
número de trabalhadores idosos no mercado de trabalho. Faz-se necessário pensar na
155
construção de novas formas de integração com o trabalho, que atendam às demandas
contemporâneas.
As doenças relacionadas ao envelhecimento ocasionam limitações ocupacionais, e esse
contingente de pessoas estará vulnerável ao processo de reabilitação. Nesse sentido, é
importante refletir que, além das doenças relacionadas ao trabalho, também se convive com o
adoecimento relacionado ao envelhecimento. O presente estudo preocupou-se em tratar a
relação do adoecimento pelo trabalho, mais sem excluir outras possibilidades do adoecimento
que também se fazem importantes no contexto da reabilitação profissional.
Entendemos que a reabilitação profissional não é direcionada apenas para um grupo
predeterminado, uma vez que qualquer pessoa pode vir a adquirir algum tipo de incapacidade
para o trabalho e se tornar sujeito no processo.
Ao pesquisar os fatores que levaram à reabilitação profissional, se faz primordial
relacioná-lo ao adoecimento e à perda da capacidade laboral. Assim, a pesquisa trouxe um
pouco desses elementos que indicam a necessidade de prevenir essas doenças, que foram
reveladas, com a análise dos processos de trabalho, pelas vozes dos sujeitos da pesquisa.
Nesse sentido, mostrou-se relevante um olhar histórico sobre a trajetória profissional dos
trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação.
Ao mesmo tempo, com sucessivas aproximações, procurou-se discutir a reabilitação
profissional sem perder de vista a precarização do trabalho e os riscos de agravos à saúde do
trabalhador que levaram ao adoecimento. Esquivando-se da ideia de enaltecer o processo de
reabilitação, mas validando um olhar para a reabilitação como possibilidade de reconstrução
de identidades profissionais e de inserção laboral.
A valorização do lado humano, nos processos de reabilitação, foi evidenciada como
um anseio dos sujeitos de pesquisa, que demonstraram sentir essa ausência nas práticas
contemporâneas na área de reabilitação profissional. Outro ponto em comum, que merece
destaque nas situações dos nove sujeitos pesquisados, é que todos têm uma trajetória
profissional anterior à reabilitação, em que foram demonstrados alguns sinais do adoecimento,
ou seja, a incapacidade profissional não surgiu de repente, mas no decorrer de anos de
trabalho. Assim, a atenção não deve compor somente o processo de reabilitação, mas ser
anterior a ele e indicamos a necessidade de fomentar intervenções profissionais que propiciem
momentos de escuta para os trabalhadores, paras que consigam se fortalecer como sujeitos
156
políticos, entendendo melhor sua posição como trabalhador e suas possibilidades dentro do
processo.
A metodologia dialética utilizada no presente trabalho permitiu perceber certas
contradições do trabalhador no serviço público, ao mesmo tempo em que circula no
imaginário da sociedade contemporânea e nas mídias a ideia de que o funcionário público é
uma pessoa do bem, um representante do governo, pontual, correto e lutador, também vimos a
outra imagem, como o preguiçoso, negligente, malformado, desmotivado e acomodado.
Exemplo midiático está contido em série exibida na Rede Globo: A Grande Família23
,
na qual convivem dois personagens que trabalham na mesma repartição pública: Lineu, que é
o coitado, servidor público com baixo salário, pontual, trabalhador, trava luta cotidiana para
manter as condições financeiras de sua família, e é a única renda estável da casa; e Mendonça,
seu chefe, um servidor público que não quer trabalhar, é desonesto, preguiçoso, mas é
valorizado, pois tem uma função de chefe de departamento superior à do Lineu.
Assim, reflete que a valorização profissional no serviço público nem sempre é
consequência de conquistas do trabalhador, mas envolve uma complexa teia de relações
contraditórias no cotidiano de trabalho. Nem sempre aquele trabalhador que se destaca
profissionalmente, ou tem adequada qualificação profissional, terá melhor função o que vai
depender do contexto de trabalho e do jogo de forças políticas. É preciso mudar essas relações
construídas no serviço público, criar mecanismos para essas mudanças, e uma forma que tem
sido buscada pelos servidores municipais é a criação de um Plano de Carreiras que tenha
procedimentos transparentes e que sua elaboração conte com a participação dos trabalhadores
e vincule-se às lutas de classe.
Observa-se que, em relação aos trabalhadores que concluíram o processo de
reabilitação profissional, também há uma contradição, ao conviverem com outros
trabalhadores que os percebem como lutadores, vítimas, guerreiros, por superar sua
incapacidade funcional e continuar trabalhando; enquanto outros os olham como inúteis,
aproveitadores, acomodados e não acreditam na incapacidade adquirida, ou seja, não
acreditam que realmente sofreram um processo de adoecimento. Nesse sentindo, também há
um déficit na legislação direcionada à proteção dos trabalhadores que adoecem, a fim de
garantir que sejam preservados alguns direitos, como, por exemplo, além do salário, manter os
demais benefícios inerentes ao cargo que exerciam antes do adoecimento, evitando os
23
Serie global da categoria comédia intitulada: A Grande Família.
157
impactos financeiros na vida desses trabalhadores. Assim, é preciso olhá-los como sujeitos de
direitos, favorecer o fortalecimento como sujeitos políticos, dar visibilidade como
trabalhadores.
A contribuição fundamental na discussão sobre a identidade profissional,
reconhecendo o papel central do trabalho enquanto um sentido de vida, incitou novas
reflexões sobre as relações do homem com o trabalho e as novas formas de enfrentamento
desses sujeitos para manter-se no mercado de trabalho, apesar da fragilidade apresentada
devido ao adoecimento e/ou acidente que levaram a restrições de suas atividades e/ou
incapacidades laborais.
A metodologia da pesquisa nos possibilitou a indicação dos três cargos distintos dos
sujeitos de pesquisa: merendeiro, monitor de CEC e professor de Educação Infantil, através
do levantamento quantitativo do universo de 82 servidores que indicou os três cargos como os
que representaram a maior incidência de adoecimento que levou à reabilitação no período
pesquisado. Verificou-se que todos os sujeitos eram originários da Secretaria Municipal da
Educação, a maior em número de trabalhadores, que foram indicados para o processo de
reabilitação da Prefeitura de Piracicaba no período estudado.
O estudo permitiu desenhar um perfil do servidor público municipal, no período
pesquisado. Majoritariamente, os trabalhadores do serviço público são do sexo feminino,
concentrados, em sua maioria, na faixa etária de 30 a 49 anos, características que se refletem
nos trabalhadores que concluíram o processo de reabilitação profissional, também
constituídos, majoritariamente, por pessoas do sexo feminino e com média de idade de
ingresso na reabilitação de 49 anos.
O tempo de trabalho em que foram indicados para a reabilitação profissional atingiu
em média 16 anos de serviço público. Faz-se importante destacar que temos uma aproximação
sobre o tempo em que os servidores públicos estão adoecendo, ou seja, em média com 49
anos de idade e 16 anos de serviço público. A reflexão sobre o tempo em que os trabalhadores
adoecem no serviço público torna-se importante para adotar medidas preventivas, antes que o
desgaste aconteça, seja ele mental e/ou físico.
Evidenciaram-se, entre as causas do adoecimento, no estudo, que 52% apresentaram
doenças osteomusculares e 30% transtornos mentais e comportamentais, dentre os motivos
pelos quais foram indicados para a reabilitação profissional.
158
Ao ler os relatos, apesar das diferentes características de cada cargo exercido, notam-
se semelhanças. As histórias mostram momentos de convivência no cotidiano profissional e
confirmam momentos que levaram ao desgaste mental e ao físico. São momentos de dor e no
sofrimento sentido em diferentes formas e expressos de diferentes maneiras, reafirma-se a
questão que o adoecimento não aparece de repente mas vem sendo construído no dia a dia,
nas relações cotidianas desses trabalhadores do serviço público.
Verificamos também que a atração por trabalhar no serviço público está muito mais
relacionada com a estabilidade e garantia de um emprego, evitando o risco de ficar
desempregado, do que outros elementos, como ter bom salário e boas condições de trabalho.
A partir das histórias de vida e profissional, é possível evidenciar que os sujeitos da
pesquisa conseguiram reconstruir sua identidade profissional a partir de novas experiências
profissionais desvendadas no cotidiano de suas vidas, superando as perdas advindas do
adoecimento e recomeçando, através de novos modos de vida, em um movimento dinâmico,
constroem e reconstroem-se com suas experiências.
Assim, as relações sociais, no cotidiano dos trabalhadores que concluíram o processo
de reabilitação, influenciaram na reconstrução de sua identidade profissional, evidenciando a
dinâmica de lutas e resistência. Assim, a reconstrução da identidade profissional torna-se uma
possibilidade de resistência para manter-se enquanto trabalhador na sociedade contemporânea
a partir do reconhecimento do papel central do trabalho em sua vida.
As experiências dos sujeitos, as relações sociais construídas no cotidiano dos
trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação levaram a perceber e evidenciar
suas histórias profissionais, através da análise de todo o material da pesquisa, que nos
permitiu tecer as considerações e pensar em proposições que precisam ser aprofundadas,
como a média de tempo de trabalho em que tem ocorrido o adoecimento, a relação do homem
com o trabalho, o significado do trabalho durante o processo de reabilitação, as mudanças de
trajetórias de vida e da reconstrução de identidade profissional, e a resistência para manter-se
como trabalhador, mesmo após o adoecimento, nos aproximando do modo de vida dos
pesquisados.
Os sujeitos permitiram entender o trabalho além da forma de sobrevivência.
Começamos a entender melhor os diversos sentidos e significados que o mesmo tem em nosso
cotidiano, por meio de um olhar em sua esfera mais subjetiva, que envolve as relações sociais,
os valores e sentimentos. O mesmo trabalho, tão necessário e foco da atenção de muitos
159
autores, pode se tornar motivo do adoecimento.
Também é importante destacar que nenhum dos sujeitos entrevistados que adoeceram
e vieram para o processo de reabilitação profissional tiveram o nexo causal, ou seja, suas
doenças não foram consideradas pelo médico como oriundas do trabalho e nenhum
trabalhador, entre os pesquisados, procurou algum serviço de auxílio para reivindicar o nexo
causal, ou seja, a comprovação da relação da causa do adoecimento com o trabalho que
exerciam.
Assim evidencia-se a falta de conhecimentos na área de saúde do trabalhador e o
despreparo dos profissionais da saúde propor encaminhamentos e notificações das doenças
ocasionadas pelos processos de trabalho. Neste sentido, sente-se a falta de políticas públicas
que privilegiam ações intersetoriais e integradas, para buscar e diagnosticar as situações de
adoecimento e tentar cumprir o papel de proteção ao trabalhador.
Quanto à contribuição aos gestores, destaca-se, com o estudo, que o investimento em
recursos humanos é possível e necessário, pois melhorias nos processos de trabalho dos
servidores públicos, significam serviços públicos de melhor qualidade para a população, que
financia os serviços públicos através com o pagamento dos impostos. Enfim, é dever
profissional dos gestores e toda a sociedade deve ter a atenção em prevenir situações que
levem ao adoecimento e a acidentes de trabalho.
A prevenção pode ser no sentido de estimular novas práticas e formas de conceber esse
trabalho, de maneira a superar os antigos modos que levaram ao adoecimento. Outro fator
importante é o assédio moral, silencioso e brutal. Trabalhadores expostos a práticas
autoritárias, arbitrariedades, humilhações, entre outras situações, nos levam a pensar também
nessa categoria e nos indica um sentido de continuidade da pesquisa. Muitos trabalhadores se
calam, o medo toma conta do cenário, aos poucos acabam isolados e pressionados a deixar o
trabalho, mesmo sem condições de sobreviver sem ele, porém a saúde torna-se mais
importante, nesses momentos. Esses trabalhadores, muitas vezes, não chegam à reabilitação
profissional, pois acabam solicitando antes a saída do emprego. Cabe também, além dos
órgãos competentes, aos profissionais da segurança do trabalho, a defesa desses trabalhadores.
Toda essa inquietude técnica vem do entusiasmo ao analisar os caminhos incitados
pelo tema. Contudo, ao considerar que a reabilitação pode ser evitada, portanto, a prevenção
dos riscos ocupacionais tem o papel crucial de amenizar a possibilidade da reabilitação
160
profissional, na medida em que busca ampliar a intervenção do Serviço Social na área de
saúde do trabalhador.
Outro fator que levou ao adoecimento, muito presente nas narrativas, foi a
precarização das relações de trabalho, também identificadas no serviço público. A
intensificação do trabalho como educador, emergente mais da intensidade do trabalho mental,
nos cargos de professor de Ensino Fundamental e monitor de CEC, e o desgaste físico mais
presente no cargo da merendeira. Chama-se a atenção para a raiz neoliberal da problemática
da organização do trabalho e as repercussões nas relações de trabalho.
Observamos que esse contexto reflete-se em um trabalho que se torna a cada dia mais
precário, variável e complexo, fazendo com que os trabalhadores necessitem dispor cada vez
mais de demandas subjetivas para realizá-lo, levando a processos de trabalho causadores de
desgaste mental, que tornam preocupante a projeção do aumento relativo das doenças mentais
nos próximos anos, ao considerar as relações de trabalho emergentes.
O serviço social pode contribuir muito para melhorar os processos de trabalho e evitar
o adoecimento, propondo práticas que levem à prevenção anterior aos processos de
reabilitação profissional. Nos últimos anos, a Previdência Social voltou a contratar, para seu
quadro, assistentes sociais24
, mais uma conquista da categoria. Os novos profissionais têm
muitos desafios pela frente, e um deles é a conquista de espaços profissionais que propiciem
discussões e intervenções em equipes de reabilitação para, assim, conquistar e construir novos
caminhos que venham ao encontro das perspectivas da classe trabalhadora, através de um
trabalho que proporcione espaços de escuta aos trabalhadores e contribua efetivamente para o
fortalecimento de identidades individuais e coletivas de lutas por melhores condições nos
processos de trabalho.
Dar visibilidade aos trabalhadores que já concluíram o processo de reabilitação
profissional e, através de suas experiências, superar novos desafios, proporcionando-lhes
também oportunidades de crescimento profissional, onde prevaleça a busca e a garantia de
direitos trabalhistas que garantam a efetiva inclusão no mercado de trabalho.
Portanto, a questão está em buscar novas reflexões sobre a forma de reduzir o número
de pessoas da reabilitação profissional, a partir de melhorias nos processos de trabalho para
24
Referência ao concurso do INSS realizado em 2008, publicado no DOU de 15 de maio de 2008, tornando
público o provimento de 900 vagas e formação de cadastro de reserva para o cargo de Analista do Seguro Social,
com formação em Serviço Social.
161
evitar o adoecimento precoce dos trabalhadores. Dar voz a esses trabalhadores do serviço
público que também adoecem em seus processos de trabalho.
O desafio está em olhar para a reabilitação profissional como possibilidade de
reconstrução das identidades profissionais, a partir do respeito em preservar as habilidades e
competências adquiridas ao longo de anos de trabalho. Considerar o histórico profissional dos
trabalhadores, seus anseios e perspectivas adquiridas, ao buscar a inserção profissional,
respeitando a subjetividade de cada um.
162
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170
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social
ANEXOS
ANEXO A – Modelo do termo de consentimento livre e esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Declaro, por meio deste termo, que concordo em ser entrevistado(a) na pesquisa de
campo referente a pesquisa intitulada Trabalho, Identidade e Reabilitação Profissional: No
contexto do Serviço Público Municipal de Piracicaba, pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – PUC/SP. Fui informado(a), ainda, de que a pesquisa é orientada por Profa.
Dra. Maria Lucia Martinelli e que poderei contatar a pesquisadora a qualquer momento que
julgar necessário por meio do telefone n.: ou e-mail:
Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer
incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui
informado(a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é um
estudo sobre os temas Trabalho, identidade e reabilitação profissional no contexto do serviço
público municipal de Piracicaba
Fui também esclarecido(a) de que o uso das informações por mim oferecidas estão
submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa. Minha colaboração se fará de forma
anônima, por meio de história oral e grupo focal e será gravada a partir da assinatura desta
autorização. O acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pela pesquisadora e sua
orientadora.
Estou ciente de que, caso eu tenha dúvida ou me sinta prejudicado(a), poderei contatar
a pesquisadora responsável ou sua orientadora no Programa de Estudos Pós Graduados em
Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP, situado na Rua
Ministro Godoy, 969 - Perdizes CEP 05015-000- São Paulo - SP telefone (x-11) 3670-8000
A pesquisadora principal da pesquisa me ofertou uma cópia assinada deste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética
em Pesquisa (CONEP).
Fui ainda informado(a) de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer momento,
sem prejuízo para meu acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou constrangimentos
Piracicaba, ____ de _________________ de _____
Assinatura do(a) participante: ______________________________
Assinatura da pesquisadora: _______________________________
Rua Ministro Godoi, 969, Perdizes - 05015-000 - São Paulo - SP - [email protected]
171
ANEXO B – Resumo do trabalho desenvolvido pela Equipe de reabilitação da Prefeitura do
Município de Piracicaba (2009) referente ao prêmio de reabilitação profissional
Disponível em: <http://www.proreabilitacao.com.br/includes/paginas/projetos/pdf/pro-reabilitacao-programa-
reabilitar-uma-inovacao-da-pratica-profissional.pdf>. Acesso em: 13 maio 2013.
Resumo do trabalho
Em alguns municípios, a reabilitação é regulamentada por lei, como o caso da Prefeitura
Municipal de Piracicaba (Lei Municipal nº1972, de sete de novembro de 1972, título V, seção
III), todavia, no nosso caso a nomenclatura utilizada foi a da readaptação.
Depois de mais de três décadas, foi criado o Programa de Readaptação Profissional (PRP),
regulamentando a questão, cujo compromisso é manter a inserção social do servidor
municipal na sua plenitude, caso surja algum impedimento físico ou mental, que requeira ação
preventiva ou corretiva, criando assim uma relação legítima entre empregado e empregador
com benefícios a ambos, cumulativos a sociedade como um todo. Além da prevenção de
doenças e acidentes, fator este essencial, a cada dia a conscientização, mesmo na área pública,
de que se faz necessário refletir e intervir junto aos trabalhadores – Servidores Públicos, de
modo a entender, prevenir e corrigir o quadro de adoecimento, em caráter inerente ao do
próprio trabalhador e aqueles decorrentes de condição específica do próprio trabalho exercido.
Dentro desse universo estão englobados os casos de adoecimento físico ou mental, que
repercutem com algum grau de limitação laboral ao trabalhador.
Assim um programa de reabilitação se torna fundamental, no sentido de ir ao encontro dos
melhores conceitos contemporâneos de inclusão social. As linhas de pensamento que
tradicionalmente consideravam como natural a dispensa (aposentadoria) do servidor que não
podia desenvolver as atividades originais para a qual foi contratado, conceitualmente estão
totalmente superadas, porém, na prática, ainda se encontram locais em que ao invés de
possibilitar a este servidor a chance de se reabilitar, aprendendo novas formas de vencer os
obstáculos pessoais e do meio que surgiram, ainda caminham na direção oposta a dos novos
paradigmas.
Contrários a esta linha Sato (1995) e Gonzáles et al. (2006), sugerem que a reabilitação deve
ser um programa de desenvolvimento e preocupação com a saúde, considerando saúde não
como um estado estável, imutável ou tido como ausência de doença, mas considerado como
um estado dinâmico, dependente das próprias pessoas e do meio que as cercam, ou seja, um
quadro de bem estar físico e mental que pode ser alterado. Deste modo, devese adaptar ou
reabilitar com enfoque aos aspectos da saúde e social, possibilitando ao trabalhador uma
reinserção laboral, garantindo-lhe condições para manter sua independência e auto-suficiência
com reflexos na sua autoestima, mesmo com as possíveis limitações que o acometem,
172
conscientizando o de sua responsabilidade no enfrentamento de sua situação, e ao mesmo
tempo, exigindo do empregador, público ou privado, todo o respeito e direito que possui
enquanto cidadão.
É obvio que todo ser humano tem suas limitações e potencialidades, independente de estar
acometido por doenças, sendo inerente a cada um de nós peculiaridades, mas acima de tudo,
temos capacidade para nos desenvolver e buscar novos conhecimentos e habilidades. Partindo
desta premissa é dever social do empregador, ainda mais enquanto agente público,fornecer os
instrumentos para que o servidor possa continuar no emprego de forma adequada, ou em caso
de não haver outra alternativa, todas as possibilidades em respeito ao cidadão foram
consideradas.
Os avanços observados nas últimas décadas têm levado as organizações sejam elas públicas
ou privadas a buscarem novas formas de gestão de pessoas com o intuito de melhorar o
desempenho, alcançar resultados e trabalhar de maneira empreendedora, contribuindo para o
alcance da missão da organização, através de práticas que promovam a qualidade de vida e o
bem estar do trabalhador.
Aos servidores amparados pela Lei Federal n. 8.213/91 a reabilitação profissional inclui duas
etapas, primeiro: a observância da consolidação da lesão por parte do médico perito, ou seja,
constatada a estabilização das incapacidades e as capacitações residuais, subsequentemente,
fará encaminhamento para a instituição responsável para iniciar a reabilitação; e segundo: a
instituição responsável pela reabilitação iniciará os estudos e o fornecimento de competências
que permitam o remanejamento do servidor, garantindo adequações corretas sobre saúde e
segurança no trabalho, adaptados a necessidade produtiva inerente da nova função, garantindo
a observância das restrições ocupacionais preventivas que mantenham a condição de saúde,
observando ao mesmo tempo os interesses do servidor e do empregador.
O Programa aqui proposto atende a legislação municipal no que tange a responsabilidade da
Prefeitura frente aos seus servidores, as necessidades dos munícipes e ao mesmo tempo torna
equivalente e equânime tanto para os efetivos regidos por lei municipal, quanto aos regidos
por lei específica - Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), visto que o empregador é o
mesmo, não criando apartamentos do tipo servidores efetivos e servidores celetistas.
A importância da reabilitação está em possibilitar ao servidor a sua reinserção social,
garantindo seu equilíbrio na tríade da saúde (bem estar físico, mental e social), causando-lhe
satisfação, manutenção do emprego, do status inerente ao cargo, alimentando positivamente
sua auto-estima, autoconhecimento e criatividade. Torna-se o suporte oferecido pelo
empregador instrumento de adequação contemporânea de habilitação aos seus trabalhadores,
com a vantagem de que estes já conhecem a dinâmica do setor público e, para essa, evita as
contratações desnecessárias, diminui os gastos com a inadequação produtiva e/ou o
adoecimento (absenteísmo, licenças, entre outros) do servidor, ressaltando que por ser uma
instituição pública, é de toda a sociedade as vantagens, que acabam refletindo em todos os
serviços prestados pelo município. No entanto para se desenvolver um projeto adequado de
reabilitação, como afirma Gonzáles et al. (2006), é necessário formalizar uma Equipe
Multidisciplinar composta por, médico, pedagogo, psicólogo, assistentes sociais e técnico de
segurança do trabalho. Segundo Evangelista e Menezes (2000), deve-se manter os cuidados
para se aprofundar nos casos e revelar a verdadeira história trazida pelos trabalhadores, pois
muito existe de discursos enganadores, a fim de obter ganhos secundários com a condição de
saúde apresentada.
A fim de evitar um olhar menos cuidadoso, toda decisão deverá ser colegiada e
consubstanciada pelos diversos profissionais envolvidos, que pela diversidade técnica –
equipe multidisciplinar - contribuirá no sentido de uma visão global que se completará com
intervenções apropriadas nas relações pessoais no ambiente de trabalho.
173
O Programa, portanto, envolve desde o servidor (suas expectativas, projeto de vida, interesses,
visão e concepção de trabalho, família) até o ambiente que irá recebê-lo, onde, muitas vezes,
se concentram as resistências, com estereótipos e/ou preconceitos sobre o servidor que passou
pelo processo de readaptação, como mencionado por Vitoriano e Gonzalez (2006), ora
considerando o indivíduo como incapaz, ora vendo-o como um “super-homem” por ter
enfrentado sua condição, esquecendo de suas limitações e/ou capacitações residuais.
O servidor que iniciará a reabilitação já possui dentro da estrutura da Instituição atribuições
específicas, entretanto, sua capacidade produtiva e de aptidão encontram-se em desacordo
com sua capacitação atual, deixando dessa forma, de cumprir a contento as exigências de sua
função. Assim, torna-se relevante, conscientizar o grupo em que o servidor estava e no qual
será inserido, para que reconheçam as necessidades específicas do colega em processo de
reabilitação.
Não somente devemos reintegrar o servidor mediante a disponibilização de novas habilidades
e/ou habilitações, devemos realizar um trabalho de conscientização e suporte com ele, com o
meio e com todos os envolvidos, para obtermos a eficácia no processo de reabilitação.
O trabalho, considerado como atividade vital humana, é questão fundamental na vida das
pessoas, pois é a partir deste que conseguimos objetivar nossa “subjetividade” e acrescentar a
ela, mediante o contato com o real, idealizações pessoais e até mesmo coletivas. De todo
modo, concluímos a importância social, individual e coletiva deste Programa de Reabilitação,
ressaltando a necessidade de um trabalho preventivo especialmente nos aspectos de saúde e
segurança no trabalho, que podem requerer, no caso de doenças relacionadas ao trabalho quer
sejam como causa ou concausa, intervenção junto ao contexto gerador do problema, que
procuramos atender. Quando necessário a equipe também participará e/ou poderá propor
medidas de adaptação.
Encaminhará sugestão a Junta Médica Oficial da Prefeitura ou médico do trabalho do SESMT
(Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho), indicando
de forma consubstanciada as capacitações e aptidões deste trabalhador para desempenhar as
mesmas funções inerentes à seu cargo de origem, indicando que apenas será necessário
manter-se algumas restrições no desenvolvimento de suas atividades.
Este Programa, como ressalvado no inicio, tem os seguintes objetivos: Oferecer orientações
gerais a respeito ao processo de readaptação; Trabalhar junto ao servidor a re-orientação
vocacional; Trabalhar aspectos motivacionais, expectativas, ansiedade e dificuldades junto à
nova ocupação; Levantar vagas disponíveis nos mais variados locais da Prefeitura; Realizar
treinamento para a nova função; Preparar ambiente de trabalho para receber o servidor em
processo de readaptação; Solicitar e acompanhar junto aos órgãos competentes a modificação
física necessária do local de trabalho e instrumentalização do servidor ao pleno exercício
profissional; Avaliar e acompanhar o processo de re-inserção; Cuidar para que as restrições
sejam cumpridas entre o servidor readaptado e ambiente de trabalho; Coletar dados e enviá-
los para compilação visando a elaboração de projetos de prevenção e controle estatístico junto
ao SESMT;
O presente programa tem seus módulos e etapas definidas, entretanto, a cada trabalhador são
observadas as intervenções e aprofundamentos necessários, procurando observar e atender
suas particularidades, e respeito na singularidade, sendo oportunamente adotado o padrão
necessário para melhor organização e conduta dos procedimentos. Os módulos que se
seguem, visam:
Módulo I – Avaliação e Estudo de Caso; Oferecer informações do processo para o
trabalhador em processo de readaptação; Apresentar a equipe para o trabalhador; Conhecer o
trabalhador (anamnese, levantar seu histórico pessoal e profissional, suas características,
interesses, expectativas, dificuldades, estrutura familiar e domicílio, entre outros).
174
Módulo II – Acompanhamento Personalizado e Busca de Novas Funções; Re-orientação
Vocacional; levantar novos locais de trabalho; Intervenção junto a fatores levantados no
módulo I (dificuldades, expectativas, interesses); dialogar com o trabalhador sobre seu novo
local de trabalho e intervenção junto a fatores levantados após diálogo sobre o novo local de
trabalho.
Módulo III – Preparação do Ambiente de Trabalho; Preparar , orientar e intervir junto a
chefia; Preparar, orientar e intervir junto aos demais trabalhadores do novo local de trabalho,
preparar e adaptar o meio físico de trabalho. Módulo IV – Reintegração Localizada;
Apresentar o servidor à chefia, colegas, no meio e ambiente em que desenvolverá o seu
trabalho; possibilitar a integração deste trabalhador junto à chefia, colegas e meio de trabalho,
acompanhar e oferecer suporte técnico durante seu período de estágio em sua nova função -
com variação de trinta a sessenta dias.
Módulo V – Avaliação do Processo de Readaptação e Equipe do Serviço Municipal de
Perícias Médicas. O servidor em processo de readaptação tem que obter aprovação,
necessariamente, em todos os módulos, e em sequência. Somente passa de um módulo a
outro, com o parecer do técnico responsável por cada módulo, que apontará o servidor como
apto ou inapto.
Ao final de todo o processo, considerado apto, será conferido ao servidor, a certificação de
conclusão do Programa de Reabilitação, com designação de seu novo posto de trabalho com
as atribuições específicas. O servidor que conclui o processo, não poderá alterar seu local de
trabalho num período mínimo de 120 dias.
Impacto na vida dos reabilitados e indicador utilizado para medir esse impacto
Trabalhar com saúde ocupacional envolve complexidade; dos princípios éticos à comunhão
dos conhecimentos técnicos da equipe. Exige preparação e planejamento para se fazer um
trabalho de excelência que busque cumprir os objetivos propostos e que consiga ir além
destes, na consolidação de mudanças significativas e duradouras na qualidade de vida dos
usuários, dos profissionais envolvidos no programa, na Prefeitura enquanto organização de
trabalho, na comunidade e sociedade como um todo.
Trata-se de um trabalho essencialmente de produção não material que se completa no
exercício de sua realização. Não produzimos um produto comerciável, mas trabalhamos o ser
humano e priorizamos a sua saúde e bem estar.
O programa traz vários benefícios à vida de seus usuários. Muitos destes não são facilmente
quantificados, pois envolvem o campo dos significados e sentidos de quem está envolvido.
Vivência e re-significações no campo pessoal e profissional.
Quando o servidor vem para a reabilitação profissional traz uma série de expectativas, medos,
ansiedade diante da mudança que está passando. A equipe, mediante acompanhamento,
oferece instrumentos para elaboração de tais sentimentos e pensamentos buscando incentivar
comportamentos de enfrentamento positivos. Auxiliamos a lidar com a perda da capacidade
laborativa sofrida e a observar a vida sobre várias perspectivas. O servidor é encaminhado e
estimulado a participar ativamente do processo, refletindo sobre sua história ocupacional,
mercado de trabalho, desejos quanto ao futuro ocupacional. De uma postura passiva no seio
do trabalho cotidiano, diante de necessidades materiais e faltas de escolhas concretas, o
programa conduz o servidor a esta oportunidade única: a chance de ser agente de sua história,
capaz de pensar e re-pensar suas práticas e buscar nelas melhor satisfação da suas
necessidades. Buscamos junto ao servidor conhecimentos e habilidades que este possui em
caráter latente ou manifesto. Promover o auto conhecimento, a auto observação para
aproveitar suas potencialidades e buscar melhorar os pontos considerados frágeis. Todos estes
fatores são constantemente avaliados pela equipe mediante contatos frequentes com o servidor
e pessoas ligadas a este (familiares, grupo de trabalho, chefia, entre
outros).
175
São realizadas observações, entrevistas periódicas com o servidor e pessoas próximas a ele
contribuem para coletar informações da evolução da situação. A troca de informações entre os
profissionais se revela num artifício essencial na condução da reabilitação.
O servidor, com perda da capacidade laborativa, tem através do programa a segurança do seu
trabalho, a oportunidade de desenvolver outra atividade e dessa forma permanecer incluso no
mercado de trabalho. Sabemos que no mundo moderno a atribuição de valores, identidade se
faz na relação do homem com o trabalho e portanto a re inserção ocupacional é ponto chave
num processo de reabilitação.
A equipe, no decorrer do processo, busca preservar e garantir que o local de trabalho esteja
adequado às necessidades psicofisiológicas do servidor. Cria-se um vínculo positivo entre
equipe e trabalhador para que diante de qualquer necessidade o mesmo possa nos procurar
sem constrangimento ou receio. Historicamente na Instituição os processos de readaptação
sempre aconteceram de forma aleatória. Era prática o médico encaminhar o servidor
para assistente social, a qual entrava em contato via telefone com a chefia imediata desse e em
conjunto decidiam o local e o posto onde o trabalhador iria cumprir sua jornada.
Os servidores readaptados, muitas vezes, eram alocados em locais em que não
desempenhavam nenhuma atribuição, ou ainda, como acontecia com a categoria de
merendeiros que eram alocados na mesma cozinha onde já trabalhavam, restringindo suas
funções, o que na realidade causava duas situações: ou ficava estigmatizado como aquele que
não faz nada, ou acabava ficando mais doente, pois para não ficar com a peja de “preguiçoso”,
excedia seus limites de saúde e realizava as funções normalmente.
Quando o Programa de Readaptação Profissional começou a ser realizado, as resistências para
a reintegração dos servidores foram implacáveis. Com a perseverança dos técnicos
envolvidos, principalmente para diminuir o preconceito existente, a seriedade do trabalho, o
acompanhamento do servidor readaptado por determinado tempo, a qualificação para
desenvolver as novas atribuições que o posto exige, foram ações determinantes no
reconhecimento do servidor com alguma incapacidade, ser olhado como um trabalhador que
tem 100% de capacidade para desenvolver determinadas ações.
A resistência dos diversos setores (departamentos, divisões, escolas, unidades básicas de
saúde, etc.) da Instituição têm diminuído com o trabalho de integração entre os trabalhadores
do setor e destes com o novo colega que está chegando. O setor é conscientizado acerca da
inclusão das pessoas com limitações para que dessa forma acolha o readaptando com respeito
e solidariedade. A auto-estima do mesmo acaba sendo fortalecida e isso reflete no seu
desempenho profissional e no desenvolvimento das relações interpessoais no ambiente de
trabalho, o que tem resultado em inúmeras demonstrações de satisfação por parte das Chefias
dos locais onde foram alocados os servidores readaptados.
Concluído o processo de reabilitação o servidor tem sua nova função publicada em Diário
Oficial ficando sua nova situação amparada por lei. Com isso, prevenimos que o servidor não
altere sua função e posto de trabalho sem a anuência do programa.
O indicador de segurança e saúde no trabalho é o acompanhamento realizado após concluído
seu processo formal da readaptação que é feito através de observações e entrevistas.
Levantamos e analisamos dados estatísticos, como por exemplo o número de afastamentos
que o servidores que passaram pelo programa tiveram e destes afastamentos quais os motivos
(CID, histórico médico, prognóstico) que o levaram a se ausentar do trabalho.
Estes dados fornecem uma visão macro sobre o programa permitindo parâmetros mensuráveis
dos resultados. Outro indicador utilizado são os encontros anuais que promovemos com os
servidores readaptados. Estes eventos além de possibilitar a troca de vivências entre os
servidores, permite a manutenção da comunicação destes com o setor. Neste encontro
realizamos palestras focando a prevenção e segurança no trabalho. O funcionário sente-se
satisfeito ao ver que a organização em que trabalha tem este interesse por sua saúde. Obtemos
176
através destes encontros a avaliação a longo prazo do programa. Dessa forma procuramos
dotar as pessoas com deficiências de competências ou qualificações em áreas profissionais
que eliminem essas incapacidades, diminuam as desvantagens e aumente o poder competitivo
no mercado de trabalho.
Resultados obtidos, conclusão e perspectiva de continuidade
Consideramos que o próprio processo de readaptação já é um resultado positivo, pois
demonstra a materialização da união de vários campos do saber em prol da saúde e re inserção
dos trabalhadores. É uma práxis transformadora. Não somente os usuários são beneficiados,
mas os profissionais envolvidos têm a possibilidade de aprender com as experiências trazidas,
refletir sobre práticas e conhecimentos de cada campo do saber, sobre questões éticas e
políticas.
Além dos benefícios aos servidores, podemos demonstrar eficiência nas atividades quando
observamos a economia de verba pública que o programa reflete, que traz, por ser uma
organização pública, uma vantagem para toda a comunidade. De 2005 a 2009 o programa
atendeu 55 servidores de variadas funções. Deste montante apenas 11% dos servidores que
passaram pelo programa apresentaram afastamentos médicos com o mesmo CID
(Classificação Internacional de Doenças) que o levou a readaptação. Dos usuários que
passaram pelo programa 12% foram aposentados por invalidez.
Ressaltamos deste modo que 77% não apresentaram reincidência quanto ao prolbema de
saúde que culminou na sua readaptação. Sendo assim, o programa constitui uma prática já
consolidada no setor sendo constantemente reformulada pelos profissionais envolvidos, tanto
que se encontra na sua terceira edição. Composição da Equipe Multiprofissional do Programa
de Readaptação Profissional: AILINE DOS SANTOS BASTOS – PSICÓLOGA DANIELA
REDIGOLO – ASSISTENTE SOCIAL EDENISE APARECIDA GIUSTI – PEDAGOGA
RUBENS CENCI MOTTA – MÉDICO SANDRA APARECIDA MANARIN
TREMOCOLDI – ASSISTENTE SOCIAL VALÉRIA DIAS BERNARDO – CHEFE DE
SETOR WAGNER BARROS RAINHA – TÉCNICO DE SEGURANÇA DO TRABALHO
WANDERLEI MOACYR TORREZAN – ASSISTENTE TÉCNICO Referências
Bibliográficas GONZALES.F: VITORIANO.M Contratar sim, mas sem piedade. Servidores
Municipais: É hora de reflexão. N01/2006. Prefeitura Municipal de Piracicaba/SESMT
(Serviço Especializado em Segurança e Medicina de Trabalho). SATO.I. Saúde, Meio
Ambiente e Condições de Trabalho – Conteúdos Básicos Para Uma Ação Sindical. São Paulo:
CUT/FUNDACENTRO. 1995.
177
ANEXO C – Apresentação em PowerPoint utilizada durante o grupo focal
Slides apresentados:
Slide 1
Slide 2
178
Slide 3
Slide 4
179
Slide 5
Slide 6
180
Slide 7
Slide 8
181
Slide 9
Slide 10
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Slide 11
Slide 12
183
Slide 13
Slide 14
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Slide 15
Slide 16
185
Slide 17
Slide 18