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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO
Adriano Stagni Guimarães
RISCOS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DO COMÉRCIO
São Paulo – SP
2014
RISCOS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DO COMÉRCIO
Dissertação Jurídica apresentada ao
Curso de Pós-Graduação stricto sensu,
como parte dos requisitos para obtenção
do título de Mestre em Direito, no Núcleo
de Pesquisa em Direito das Relações
Econômicas Internacionais sob orientação
do Professor Livre-docente Cláudio
Finkelstein.
DEDICATÓRIA
Dedico o presente trabalho aos meus
pais, Antônio Márcio da Cunha Guimarães
e Arianna Stagni Guimarães, ao meu
irmão, Gabriel Stagni Guimarães e ao
meu avô, Geraldo José Guimarães da
Silva, por todo suporte e orientação ao
longo desta caminhada.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Professor Livre-docente Cláudio Finkelstein por
compartilhar seu conhecimento e ministrar diversas orientações que tornaram
possível a conclusão do presente trabalho.
Agradeço também ao Professor Livre-docente Márcio Pugliesi,
ao Professor Doutor Carlos Roberto Husek e ao Professor Doutor Vladmir
Oliveira da Silveira por contribuírem imensamente para o desenvolvimento e
conclusão da presente dissertação.
RESUMO
Por intermédio de uma análise do Direito Internacional e do
Direito Civil Brasileiro, procuraremos detalhar e desenvolver a questão dos
riscos contratuais aos quais os contratos internacionais de comércio se
encontram submetidos, analisando as cláusulas que podem reduzir ou
abrandar tais riscos.
Para alcançar tal objetivo supra indicado, iniciaremos nossos
estudos através da construção doutrinária do direito civil brasileiro, buscando
entender seus princípios, suas regras, e seu processo de formação.
Posteriormente iremos visualizar os contratos comerciais sob o
prisma do direito internacional, elencando suas particularidades. Em
decorrência das inúmeras vertentes que os contratos internacionais podem
seguir, consequência direta das mais diversas construções doutrinárias
existentes, elencaremos tão somente aquelas que julgamos ser de maior
relevância.
Ao fim, estudaremos o eixo central do presente trabalho: os
riscos nos contratos internacionais de comércio, analisando os riscos mais
relevantes, bem como as cláusulas contratuais mais comumente utilizadas com
o intuito de mitigar tais riscos.
ABSTRACT
Through an analysis of the International Law and the Brazilian
Civil Law, we will try to drill and develop the issue of contractual risks to which
international contracts are submitted, analyzing clauses which may reduce or
mitigate such risks .
To achieve this goal , we will begin our studies by doctrinal
construction of the Brazilian Civil Law , seeking to understand it`s principles, it`s
rules, and it`s formation process .
Later we will see the international contracts from the
perspective of the International Law , listing it`s peculiarities. As a result of the
numerous aspects that the International contracts can reach, consequently due
the existence of various doctrinal constructions, we will study only those we
judge to be of greater relevance.
At the end, we will study the central axis of this work: the risks
in international trade contracts , analyzing the most relevant risks as well as
contract terms most commonly used in order to mitigate such risks.
6
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
CAPÍTULO 1 – CONTRATOS DO DIREITO BRASILEIRO .............................. 11
1.1. Conceito de contrato ................................................................................. 11
1.2. Formação do contrato ............................................................................... 18
1.2.1 Manifestação de vontade ................................................................ 18
1.2.2. Negociações preliminares .............................................................. 20
1.2.3. Proposta ......................................................................................... 21
1.2.4. Aceitação ....................................................................................... 23
1.2.5 Lugar da Celebração....................................................................... 25
1.3. Princípios contratuais no Direito Brasileiro ................................................ 26
1.3.1. Função social do contrato .............................................................. 27
1.3.2. Princípio da autonomia da vontade ................................................ 29
1.3.3. Princípio do consensualismo ......................................................... 31
1.3.4. Princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva .. 31
1.4. Extinção do contrato .................................................................................. 34
1.4.1. Modo normal de extinção ............................................................... 35
1.4.2. Extinção sem cumprimento ............................................................ 37
1.4.2.1. Nulidade absoluta e relativa ............................................... 37
1.4.2.2. Cláusula Resolutiva ............................................................ 38
1.4.2.3. Exceptio non adimpleti contractus ...................................... 43
CAPÍTULO 2 – CONTRATOS INTERNACIONAIS DO COMÉRCIO ................ 45
2.1. Contratos internacionais ............................................................................ 45
2.1.1.Ângulo econômico:.......................................................................... 48
2.1.2. Ângulo jurídico: .............................................................................. 50
2.1.3.Ângulo Eclético: .............................................................................. 52
7
2.2. Direito aplicável aos Contratos Internacionais ........................................... 55
2.2.1. Norma indicativa do Direito Internacional Privado.......................... 55
2.2.2. Elementos de Conexão: ................................................................. 57
2.2.2.1. Nacionalidade e domicílio/residência/sede ......................... 59
2.2.2.1.1. Exemplo fático proposto .......................................... 64
2.2.2.2. Lugar da celebração ........................................................... 65
2.2.2.3. Lugar da execução ............................................................. 67
2.2.2.4. Lex Rei sitae: ...................................................................... 68
2.2.2.5. Autonomia da vontade e o Direito Internacional Privado .... 69
2.2.2.5.1. Escolha expressa .................................................... 73
2.2.2.5.2. Escolha implícita ..................................................... 73
2.2.2.5.3. Ausência de manifestação de vontade.................... 76
2.2.2.6. Lex fori ................................................................................ 78
2.3 Execução do Contrato Internacional........................................................... 79
2.3.1. Relações negociais ........................................................................ 80
2.3.2. Prazo dos contratos ....................................................................... 83
2.4. Aplicação do direito estrangeiro e conflitos ............................................... 84
2.4.1. Conflito de qualificações ................................................................ 86
2.4.2. Conflitos positivos e negativos ....................................................... 87
CAPÍTULO 3 – RISCOS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DO
COMÉRCIO ...................................................................................................... 91
3.1. Noções de riscos contratuais .................................................................... 91
3.2. Riscos imprevisíveis .................................................................................. 93
3.2.1. Força Maior .................................................................................... 94
3.2.2. Cláusula Hardship ........................................................................ 102
3.3. Cláusula arbitral como forma de mitigar riscos contratuais ..................... 104
3.3.1. Arbitragem no comércio internacional .......................................... 109
8
3.4. Incoterms ................................................................................................. 111
3.4.1. Ex Works “EXW” (“Fora de fábrica”) ............................................ 113
3.4.2. Free carrier “FCA” (“Transportador livre”) .................................... 113
3.4.3. Free Alongside Ship "FAS" ("Livre ao lado do navio") ................. 113
3.4.4. Free on Board "FOB" ("Livre a bordo") ........................................ 114
3.4.5. Cost, insurance and freight "CIF" ("Custo, seguro e frete") .......... 114
3.4.6. Delivery Duty Paid "DDP" ("Entregue com impostos pagos") ...... 114
3.5.Lex Mercatoria .......................................................................................... 115
CONCLUSÃO ................................................................................................. 121
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 124
9
INTRODUÇÃO
Todos dias podemos verificar a constituição de inúmeros
contratos, sejam eles em âmbito interno ou internacional, ou seja, podendo
envolver um ou mais sistemas jurídicos diferentes.
O presente estudo, não obstante a necessidade de uma
conceituação genérica acerca do que seriam os contratos, terá como cerne da
questão os contratos internacionais do comércio.
Inicialmente buscaremos entender o conceito de contrato do
comércio a partir dos elementos constantes no sistema jurídico que temos
maior afinidade, o Direito brasileiro. Posteriormente desenvolveremos um
estudo voltado ao conceito e características peculiares do contrato de comércio
sob o prisma do Direito Internacional.
Por fim, ao superarmos o estudo sobre os contratos,
passaremos a desenvolver determinadas formas de mitigar os riscos aos quais
os contratos são acometidos, bem como quais medidas a serem tomadas em
razão de determinados fatos danosos.
Ocorre que, conforme verificaremos no desenrolar do presente
trabalho, podemos visualizar a seguinte problemática: Seriam as cláusulas e
demais formas de mitigação dos riscos nos contratos, elementos suficientes
para que os contraentes possam, de forma satisfatória, se resguardar dos
eventuais prejuízos?
10
Tal problemática decorre da impossibilidade técnica de se
elaborar um contrato internacional do comércio que possa prever todas e
quaisquer situações de risco ao negócio.
Ao final do presente estudo buscaremos justamente a resposta
para tal problemática, apontando qual a melhor alternativa para as partes
contratantes.
Por se tratar de um estudo descritivo e exploratório, será
realizado com base na pesquisa bibliográfica e histórica, utilizando-se do
método indutivo.
11
CAPÍTULO 1 – CONTRATOS DO DIREITO BRASILEIRO
Ao iniciar nossos estudos acerca dos riscos nos contratos
internacionais, devemos, obrigatoriamente, analisar e estudar aquele que serve
de base para toda matéria que será desenvolvida no presente trabalho: o
contrato.
Devemos ressaltar, no entanto, que se mostra inviável, seja
sob a perspectiva pedagógica ou até mesmo prática, estudar o conceito,
elementos de formação, requisitos e demais pontos do contrato sob o prisma
dos diversos ordenamentos jurídicos existentes.
Para tal, iremos, portanto, nos ater a tão somente às
características e peculiaridades do contrato sob o ponto de vista do Direito
Brasileiro, possibilitando assim uma maior facilidade na compreensão da
matéria.
1.1. Conceito de contrato
A existência do instituto do contrato está diretamente
relacionada à noção de negócio jurídico, afinal de contas o contrato é uma das
espécies do gênero “negócio jurídico”.
Ora, o negócio jurídico, em sua noção primária, nos apresenta
da ideia de um pressuposto fático, seja ele querido ou posto em jogo pela
existência de vontade, que deverá ser reconhecido como elemento basilar do
efeito jurídico almejado pelos sujeitos envolvidos.
12
A primeira vez que houve a menção legal de "negócio jurídico"
foi no Código Civil Alemão (BGB), em que foi conferido um regime jurídico
específico para tal.
De acordo com Karl Larenz, o diploma em questão permitiu a
formulação do conceito de que "Negócio Jurídico é um ato, ou uma pluralidade
de atos, entre si relacionados, quer sejam de uma ou de várias pessoas, que
tem por fim produzir efeitos jurídicos, modificações nas relações jurídicas no
âmbito do Direito Privado"1.
O negócio jurídico possui como "fundamento ético" a própria
vontade humana em conformidade com a ordem jurídica, e como "habitat" a
ordem legal. Como efeito, a criação de direitos e de obrigações.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves "o contrato é a mais
comum e a mais importante fonte de obrigação, devido às múltiplas formas e
inúmeras repercussões no mundo jurídico (...) o contrato é uma espécie de
negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo
menos duas partes. É, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral"2,
lembrando que um negócio jurídico bilateral é aquele que decorre de um
consenso mútuo.
Caio Mário da Silva Pereira complementa a definição acima
nos seguintes termos:
1 Derecho Civil: parte general, p.421 in GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 1 – Parte Geral. 11 ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p.319-320. 2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 10 ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 21-22.
13
"Aqui é que se situa a noção estrita de contrato. É um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”.3
O doutrinador supra indicado alerta, no entanto, que o vocábulo
"contrato" não se encontra adstrito a rigidez semântica em questão, uma vez
que a definição apresentada poderia ser facilmente expandida para outros
institutos do Direito Civil que não propriamente o contrato comercial como, por
exemplo, o casamento, ou o contrato de direito público, dentre outros.
Aprofundando nossa análise acerca do conceito de contrato,
deveremos remeter nossos estudos até tempos longínquos, passando a
verificar a definição e conceito de contrato sob o ponto de vista do Direito
Romano, grande responsável pela estruturação do instituto do contrato.
Os autores alertam ao fato de que, não obstante a
possibilidade de se verificar uma similitude entre o conceito romanista de
contrato e o conceito moderno, um estudo mais aprofundado e minucioso
acerca da matéria permite a verificação de sensíveis diferenças.
Os romanistas, em seu estudo primário acerca dos contratos, já
identificavam que a mera convenção entre as partes, por si só, não era
elemento dotado de poder criador de obrigações, havendo grande discussão
acerca das obrigações.
Neste sentido Sérgio de Sá Mendes esclarece: 3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. III. 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 7.
14
“No Corpus Iuris Civilis que representa o auge do desenvolvimento do Direito Romano na perspectiva histórica, o princípio do acordo de vontades como bases contrato se encontra delineado. Não obstante, nunca chegou a se cristalizar por completo a noção de que o puro e simples consenso fosse apto a gerar obrigações exigíveis, tendo persistido mesmo, nas compilações de Justiniano, a distinção entre acordo de vontades que não engedrava relação obrigacional e que eram denominados pactum, conventio, consensus”4.
Importante destaque também era dado para o elemento
material, afinal de contas, sem ele, entendia o romano, não era possível um
contrato.
O elemento material era a exteriorização da forma, ao qual,
primitivamente, tratavam-se das categorias de contratos verbis, re ou litteris,
conforme o elemento formal se constituísse por palavras sacramentais, entrega
efetiva do objeto ou pela inscrição no codex.
Uma vez cumpridos os rituais necessários, o contrato
celebrado gerava obrigações, de forma a vincular as partes e provendo o
credor da actio, fator da mais lídima essencialidade, eis que sem este não
poderia se falar em direito, uma vez que sem a possibilidade de reclamação em
juízo, não teria o contrato valor algum.
Acerca dos tempos primordiais do Direito Romano contratual,
Caio Mário complementa ensina como se dava sua formação e constituição:
"Somente mais tarde, com a atribuição de ação a quatro pactos de utilização freqüente (venda, locação, mandato e sociedade), surgiu a categoria dos contratos que se celebravam solo consensu, isto é pelo acordo das vontades. (..) somente aqueles quatro contratos
4 MENDES, Sérgio de Sá. Direito Romano Resumido. 3ª Ed., Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1981, p. 228
15
consensuais eram reconhecidos como tais. Nos demais prevalecia sobre a vontade a materialidade de sua declaração que haveria de obedecer rigidamente ao ritual consagrado: a inscrição material no livro do credor (contratos literris) a traditio efetiva da coisa (contratos re), a troca de expressões estritamente obrigatórias (contratos verbis) de que a policitatio era o mais freqüente exemplo)"5.
Ainda de acordo com os estudos do Direito Romano, podíamos
verificar a existência de um segundo instituto (que como veremos adiante,
trata-se de uma das distinções para com o direito contratual moderno), o
pactum.
No entanto, diferentemente do contractum, o pactum não
possuía a possibilidade de perseguir em juízo seu direito ("rem persequendi in
iudicio"), e consequentemente não era dotado de força cogente("igitur nuda
pactio obligationem non parit sed parit exceptionem"). Neste sentido:
“O acordo de vontades não tinha no Direito Romano o condão de gerar obrigação contratual. Era necessário para que existisse contrato que, ao acordo de vontades, se acrescentassem formas solenes que tornassem explícita a existência do consenso mútuo designando-se tais formas pela expressão causa civilis. Consistia esta em palavras (verba) em escritos (litterae) e na entrega de uma coisa (obrigação in re) geradoras de um contrato: a convenção desprovida de forma era um pacto, nuda pactio, carente de efeitos e desprovida de actio”6.
Verifica-se, portanto, que apesar do contractum e do pactum
serem compreendidos na mesma expressão genérica conventio, esses
possuíam suas próprias características: "o que os distinguia era a denominação
que individuava os contratos (comodato, mútuo, compra e venda), era a
exteriorização material da forma (com exceção dos quatro consensuais:
compra e venda, locação mandato e sociedade), e era finalmente a sanção, a
actio que os acompanhava; ao passo que os pacta não tinham nome especial,
5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 8-9 6 MENDES, Sérgio de Sá. Direito Romano Resumido. Op. Cit., p. 228
16
não revestiam forma predeterminada, e não permitiam à parte a invocação de
uma ação"7.
Posterior aos estudos romanos acerca dos contratos, temos a
primeira codificação moderna com o Código Napoleão. Ainda nas mesmas
linhas do Direito Romano, entendia-se o contractum como espécie de
conventio.
Nesta época, em meio às ideologias da Revolução de 1789, o
Código de Napoleão disciplinou o contrato como sendo tão somente um
instrumento para aquisição de propriedade. O acordo de vontade entre as
partes representava, na realidade, uma garantia para os burgueses e para as
classes proprietárias.
Seguindo linhas doutrinárias mais atuais, o Código Civil
Alemão, que fora promulgado apenas muito tempo depois do código francês,
conforme havíamos dito anteriormente, passou a considerar o contrato como
espécie de negócio jurídico, não transferindo, por si só a propriedade. Verifica-
se que tal conceituação alemã já se aproxima daquela que fora adotada pelo
atual Código Civil Brasileiro.
Atualmente, são empregadas como sinônimos as expressões
convenção, contrato e pacto. Carlos Roberto Gonçalves, citando Roberto de
Ruggiero afirma que "tudo se modificou no direito moderno, pois qualquer
acordo entre duas ou mais pessoas, que tenha por objeto uma relação jurídica,
pode ser indiferentemente chamado de contrato ou convenção e às vezes
7 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 9
17
pacto, visto este termo ter perdido aquele significado técnico e rigoroso que lhe
atribuía a linguagem jurídica romana"8.
Vivemos em um tempo econômico em que o dinamismo afetou
até mesmo os contratos, uma vez que a necessidade de operações em massa
acaba por exigir, por conseguinte, contratos impessoais e padronizados, aos
quais não se encontram em total consonância com a autonomia da vontade.
Tais contratos representam, hoje, a maior parcela dos
contratos celebrados no mundo jurídico. O mais perfeito exemplo disso são os
chamados contratos de adesão, em que um dos contratantes (ex.: consumidor)
não possui a faculdade de alterar as cláusulas contratuais conforme sua
vontade.
Nestas hipóteses, com o intuito de resguardar os interesses
das partes, mitigando qualquer desequilíbrio contratual, temos o chamado
dirigismo contratual pelo Estado em algumas áreas de interesse de toda
coletividade, assegurando "a supremacia da ordem pública, relegando o
individualismo a um plano secundário"9.
Desta forma, podemos facilmente verificar que o conceito de
contrato, em que pese as sensíveis alterações que sofreu desde sua
conceituação pelos romanos, pouco se alterou, ainda traduzindo,
primordialmente, a ideia de obrigação entre as partes e a possibilidade de
pleitear seu cumprimento em juízo.
8 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit, p. 23 9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...). Op. Cit, p. 24
18
1.2. Formação do contrato
Superado nosso estudo acerca da parte conceitual e
principiológica dos contratos, passaremos a analisar como se dá a formação do
contrato, lembrando que novamente utilizaremos a legislação brasileira por
motivos didáticos.
Cumpre ainda esclarecer que, tendo em vista o foco de nosso
presente estudo ser os riscos nos contratos internacionais, e não os contratos
pelo prisma do direito interno brasileiro, não iremos nos estender ao ponto de
prejudicar o resto do estudo.
1.2.1 Manifestação de vontade
Assim como já havíamos elencado anteriormente, o contrato é
um acordo de vontade entre partes. Instituto criador de direito e obrigações
dentre os contratantes que acaba por "fazer lei entre as partes".
Por estes motivos, obviamente o primeiro passo para a
formação de qualquer contrato é justamente a manifestação da vontade das
partes contratantes.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, “A vontade humana
se processa inicialmente na mente das pessoas. É o momento subjetivo,
psicológico, representado pela própria formação do querer. O momento
objetivo é aquele em que a vontade se revela por meio da declaração.
Somente nesta fase ela se torna conhecida e apta a produzir efeitos nas
relações jurídicas. Por isso se diz que, em rigor, é a declaração da vontade, e
19
não ela própria, que constitui requisito de existência dos negócios jurídicos e,
conseguintemente, dos contratos”10.
A manifestação de vontade em si poderá dar-se de duas
formas: expressa ou tácita. De acordo com os art. 111 e 432 do Código Civil de
2002, poderá a manifestação de vontade ser tácita quando a lei não exigir:
"Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa".
É importante destacar que no caso de manifestação tácita, esta
poderá ocorrer quando "se infira inequivocamente de uma atitude ou conduta
do agente, hábil a evidenciar a manifestação de seu querer, no sentido da
constituição do negócio contratual"11.
De acordo com a doutrina brasileira, até mesmo o silencio pode
ser interpretado como uma forma de manifestação tácita da vontade, apenas
tão somente quando as circunstâncias ou os usos autorizarem.
Neste sentido, Caio Mário alerta que não se trata de qualquer
silêncio, "senão aquele que por si só traduza um querer, e contenha
manifestação de vontade, permitindo-se extrair dele a ilação de uma vontade
contratual. Por isso mesmo denomina-se silêncio conclusivo. A pesquisa deste
silêncio gerador de direitos e obrigações há de resultar na interpretação da
vontade das partes”12.
10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit, p. 72 11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 36 12 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 36
20
1.2.2. Negociações preliminares
A celebração de um contrato, em meio a toda sua formação, é
resultado de duas manifestações de vontade, a proposta e a aceitação. A
primeira ainda pode atender pelo nome de oferta, policitação ou ablação.
No entanto, deve-se ter em mente que nem sempre um
contrato nasce instantaneamente onde há tão somente a proposta, seguida da
imediata aceitação. Tem-se uma fase, as vezes bem prolongada, que antecede
a aceitação e sucede a proposta, que são as negociações preliminares.
As negociações preliminares (tractatus, trattative, pour-parlers),
se tratam de conversas, sondagens, conversações, estudos e debates,
podendo ser denominada também como fase da puntuação.
Como ainda se tratam de apenas tratativas, nenhuma das
partes manifestarão suas vontades, não havendo o que se falar em vinculação
ao negócio, podendo qualquer uma delas se afastar, tão somente em razão de
desinteresse, sem ter que arcar com perdas e danos.
Neste sentido ainda, esclarece Carlos Roberto Gonçalves que
"mesmo quando surge um projeto ou minuta, ainda assim não há vinculação
das pessoas. Tal responsabilidade só ocorrerá se ficar demonstrada a
deliberada intenção, com a falsa manifestação de interesse, ou de causar dano
21
ao outro contraente, levando-o, por exemplo, a perder outro negócio ou
realizando despesas"13.
Ainda que não gere obrigações contratuais às partes
contratantes, as negociações preliminares fazem surgir deveres jurídicos, estes
decorrentes do princípio da boa-fé. Os deveres que se destacam são da
lealdade, correção, informação, proteção, cuidado e de sigilo.
1.2.3. Proposta
Nem toda e qualquer iniciativa ou manifestação de vontade no
sentido de dar vida a um contrato pode ser entendido como oferta sob o ponto
de vista técnico e sim, tão somente a declaração de vontade, séria e precisa,
que fora dirigida por uma parte à outra com a intenção de provocar uma
adesão do destinatário à proposta.
A oferta ou proposta traduz uma vontade definitiva de contratar
de acordo com as condições e diretrizes estabelecidas. Não se encontra mais
sujeita a estudos ou discussões, dirigindo-se à outra parte tão somente para
seu aceite ou recusa.
A oferta reconhece que em alguns casos não há a
obrigatoriedade de sua presença: (a) se a falta de obrigatoriedade resulta de
seus próprios termos; (b) da natureza do negócio; (c) das circunstâncias do
caso.
13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit, p. 72
22
Ao contrário das negociações preliminares, a oferta "cria no
aceitante a convicção do contrato em perspectiva levando-o à realização de
projeto e às vezes de despesas e à cessação de alguma atividade. Por isso,
vincula o policitante, que responde por todas essas consequências, se
injustificadamente retirar-se do negócio"14.
Quando da apresentação da proposta, deverá esta conter
todos os elementos considerados essenciais ao negócio proposto, como o
preço, quantidade, tempo de entrega, pagamento, dentre outras
particularidades.
Tal critério se aproxima praticamente em sua integralidade com
as definições e exigências internacionais. De acordo com os Principles of
International Commercial Contracts, publicado pela UNIDROIT - International
Institute for the Unification of Private Law, assim como no direito brasileiro, a
oferta capaz de concluir um contrato necessita de todos os elementos bem
definidos, não podendo haver margem para obscuridades:
"1. Definiteness of an offer
Since a contract is concluded by the mere acceptance of an offer, the terms of the future agreement must already be indicated with sufficient definiteness in the offer itself. Whether a given offer meets this requirement cannot be established in general terms. Even essential terms, such as the precise description of the goods or the services to be delivered or rendered, the price to be paid for them, the time or place of performance, etc., may be left undetermined in the offer without necessarily rendering it insufficiently definite: all depends on whether or not the offeror by making the offer, and the offeree by accepting it, intends to enter into a binding agreement, and whether or not the missing terms can be determined by interpreting thelanguage of the agreement in accordance with Arts. 4.1 et seq., or supplied in accordance with Arts. 4.8 or 5.2. Indefiniteness may moreover be overcome by reference to practices established between the parties or to usages (see Art. 1.8), as well as by reference to specific provisions to be found elsewhere in the Principles (e.g. Arts. 5.6 (Determination of quality of performance), 5.7 (Price determination), 6.1.1 (Time of
14 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit, p. 75
23
performance), 6.1.6 (Place of performance), and 6.1.10 (Currency not expressed))"15.
Além disso, deverá a proposta ser completa e inequívoca,
devendo ser formulada em uma linguagem simples e compreensiva ao
contratante, suprindo qualquer possibilidade de induzimento ao erro.
1.2.4. Aceitação
Uma vez que houve a proposta por um dos contratantes,
caberá ao(s) outro(s) contratante(s) aceitar a proposta ou não, concordando ou
não com os termos da proposta.
A oferta tão somente passará a formar o contrato propriamente
dito a partir do momento em que o oblato (contratante) manifestar sua vontade
em consonância para com as vontades do proponente.
Assim como a oferta, a aceitação necessita observar algumas
diretrizes, devendo ser pura e simples. Denomina-se contraproposta todas
aquelas apresentadas fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações.
Uma vez transcorrido o prazo para aceitação da proposta
originalmente apresentada, perde esta sua força obrigatória. Na hipótese de se
apresentar uma contraproposta, está trata-se, na verdade, de uma nova
proposta.
15 Principles of International Commercial Contracts - UNIDROIT. Disponível em: http://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles1994/1994fulltext-english.pdf. Acessado em 17/11/2014
24
Seguindo o raciocínio de que a manifestação de vontade pode ser tática, a aceitação da proposta poderá ser tácita ou expressa.
A aceitação expressa decorre tão somente de declaração do
aceitante de que concorda para com as condições da proposta, já a tácita
decorre de sua conduta, reveladora do consentimento.
A aceitação tácita é regulada pelo art. 432 do Código Civil de
2002, que prevê duas hipóteses para aceitação tácita:
Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa.
Exemplificando as duas hipóteses acima descritas, esclarece
Carlos Roberto Gonçalves:
"Se, por exemplo, um fornecedor costuma remeter os seus produtos a determinado comerciante, e este, sem confirmar os pedidos, efetua os pagamentos, instaura-se uma praxe comercial. Se o último, em dado momento, quiser interrompê-la, terá de avisar previamente o fornecedor, sob pena de ficar obrigado ao pagamento de nova remessa, nas mesmas bases das anteriores
Costuma mencionar, (...), a hipótese do turista que remete um fax a determinado hotel, reservando acomodações, informando que a chegada se dará em tal data, se não receber aviso em contrário. Não chegando a tempo a negativa, reputar-se-á concluído o contrato"16.
Há de se observar, por fim, que o Código Civil, nos art. 430 e
433, trata de duas hipóteses pela qual a manifestação de vontade deixa de ter
força vinculativa entre as partes contratantes:
16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit., p. 81
25
Art. 430. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.
Na situação em questão ("se a aceitação, por circunstância
imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente"), pode-se entender
na hipótese em que, em se tratando de aceitação expedida dentro do prazo,
chegou tarde ao proponente, de forma que este último, em razão da demora, já
havia celebrado um negócio com terceiro.
No caso supra descrito, faz-se necessária a imediata
comunicação ao aceitante acerca da situação, sobre pena de responder por
perdas e danos.
Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela
ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.
Na hipótese descrita pelo artigo 433 do Código Civil de 2002,
pode-se observar duas informações relevantes acerca da aceitação. A primeira
delas é a de que o Código Civil permite o instituto da retratação, reconhecendo-
o expressamente.
Já a segunda informação diz respeito exatamente em relação a
inexistência de obrigatoriedade da aceitação, desde que a declaração de
vontade de desfazer sua aceitação (retratação) chegue antes ou junto da
aceitação ao proponente.
1.2.5 Lugar da Celebração
26
O lugar da celebração de um contrato é de suma importância
não somente para o sistema normativo interno de um Estado. Conforme
verificaremos nos itens que se seguem do presente estudo, o local da
celebração é um dos elementos de estraneidade e de vital importância para
que se entenda a formação e estruturação de um contrato internacional.
De acordo com o art. 435 do Código Civil brasileiro, reputar-se-
á celebrado um contrato, como regra geral, o local em que fora proposto.
Reconhecendo a importância do local da celebração do
contrato tanto para o Direito Civil brasileiro quanto para o Direito Internacional,
assim dispõe Carlos Roberto Gonçalves:
O problema tem relevância na apuração do foro competente e,
ao campo do direito internacional, na determinação da lei aplicável. Prescreve
o art. 9°, §2° da Lei de Introdução ao Código Civil, atualmente denominada Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (cf. Lei n. 12.376, de 30-12-2010)
que a "obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que
residir o proponente"17.
Vale lembrar que, não obstante a regra geral poderão as partes
acordar qual o foro competente para se discutir a lide.
1.3. Princípios contratuais no Direito Brasileiro
17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit, p. 75
27
Ao longo do estudo acerca dos contratos, sob o ponto de vista
das normas do direito brasileiro, pode-se identificar inúmeros princípios que
regem o contrato, desde seu surgimento até sua extinção.
Como forma de delimitar o presente estudo e não se estender
demasiadamente em assuntos que não fazem parte do eixo central do presente
trabalho, iremos elencar e analisar tão somente alguns princípios de maior
destaque na doutrina.
1.3.1. Função social do contrato
Todo contrato deverá cumprir para com sua função social,
sendo um instrumento para a circulação de riqueza, centro das relações
comerciais e, por conseguinte, um método de expansão capitalista.
Com a promulgação do Código Civil brasileiro de 2002,
buscou-se afastar as concepções individualistas do Código Civil anterior com o
intuito de se buscar uma compatibilidade com a socialização do direito
contemporâneo.
Desta forma, pode-se observar que o princípio da socialidade
adotado pelo Código de 2002 reflete a sobreposição dos valores coletivos
sobre os individuais, não perdendo, porém, o valor fundamental da pessoa
humana.
A compatibilidade para com a socialização do direito
contemporâneo pode ser facilmente verificada no art. 421 do Código de 2002:
28
"A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato"
Em atenção à redação supra transcrita, Caio Mário alerta
quanto à interpretação: "a redação que vingou deve ser interpretada de forma a
se manter o princípio de que a liberdade de contratar é exercida em razão da
autonomia da vontade que a lei outorga às pessoas. O contrato ainda existe
para que as pessoas interajam com a finalidade de satisfazerem os seus
interesses. A função social do contrato serve para limitar a autonomia da
vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e
este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade
de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório"18.
Quando da elaboração do Código Civil brasileiro de 2002, o
regime econômico no país era o da livre iniciativa. Tendo em vista tal regime, o
legislador buscou enunciar a regra do art. 420 com o intuito de subordinar o
regime da livre iniciativa à função social do contrato.
Ao fazer isso o legislador acabou por adotar uma acepção
moderna da função desempenhada pelo contrato, onde este não serve tão
somente para atender os interesses das partes contratantes e,
consequentemente, não se trata de um instituto apartado do resto do universo
jurídico.
De acordo com a concepção moderna o contrato é visto como
parte de uma realidade maior, sendo um dos fatores de alteração da realidade
social.
18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 13
29
Em que tange à concepção moderna do contrato, com a
inclusão do princípio da função social do contrato, este "vem a se agregar aos
princípios clássicos do contrato, que são os da autonomia da vontade, da força
obrigatória, da intangibilidade do seu conteúdo e da relatividade dos seus
efeitos. Como princípio novo ele não se limita a se justapor aos demais, antes
pelo contrário vem desafiá-los e em certas situações impedir que prevaleçam,
diante do interesse social maior"19.
1.3.2. Princípio da autonomia da vontade
Desde os primórdios do contrato, o que nos remete ao Direito
Romano, todas e quaisquer pessoas são livres para contratar. Essa liberdade
se estende a contratar se quiserem, com quem quiserem, e sobre o que
quiserem contratar.
Como bem esclarece Carlos Roberto Gonçalves, "o princípio
da autonomia da vontade se alicerça exatamente na ampla liberdade
contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses
mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica.
Têm as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer
interferência do Estado. Podem celebrar contratos nominados ou fazer
combinações, dando origem a contratos inominados"20.
Após o apogeu do presente princípio, logo após a Revolução
Francesa (em que predominava o individualismo e a pregação de liberdade em
todos os campos), o princípio foi consolidado no art. 1.134 do Código Civil
19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 14 20 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit., p. 41
30
francês, em que se estabeleceu que "as convenções legalmente constituídas
têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram"21.
Facilmente observa-se que o intuito do legislador francês não
era tão somente dar importância ao instituto do contrato e o que ele representa
no ordenamento jurídico, e sim elevar os termos do contrato ao patamar de lei,
ainda que tão somente entre as partes.
Ora, por conseguinte, se temos a obrigatoriedade das partes
contratantes em respeitar os exatos termos do contrato, teremos também a
possibilidade de se cobrar, judicialmente, o cumprimento do contrato, buscando
afastar assim, o inadimplemento contratual e a insegurança jurídica nos
contratos.
É importante relembrar que o princípio da autonomia da
vontade obedece um equilíbrio para com o princípio da função social do
contrato e, por conseguinte, com o princípio da supremacia da ordem pública.
Tal equilíbrio se dá em razão da forte conexão e relação
existentes entre os princípios supra indicados em que, atualmente, não
entendemos viável sua desvinculação.
Em caso de desvinculação, podemos ter uma situação de
desequilíbrio que poderá prejudicar o próprio instituto do contrato, afinal de
contas a ausência de equilíbrio entre os princípios poderia desencadear uma
onerosidade excessiva aos contratantes ou uma supremacia dos contratos
perante outros elementos do Direito.
21 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit., p. 42
31
1.3.3. Princípio do consensualismo
Como vimos no princípio anterior, a autonomia da vontade faz
com que o contratante tenha a liberalidade de contratar ou não. Uma vez com o
animus de contratar, deverá o contratante anuir com as condições do contrato.
Para que o contrato possa se aperfeiçoar, basta tão somente a
anuência supra indicada, de forma que as partes contratantes irão constituir um
acordo de vontade, eis que, de acordo com a concepção moderna de contrato,
o contrato é o resultado do consenso, do acordo de vontades, ainda que não
haja a entrega da coisa.
Importante ressaltar que em alguns casos específicos, em que
o legislador assim definir, os contratos deverão observar determinados
requisitos formais, no entanto, ainda assim, o acordo de vontades entre as
partes deverá estar presente.
O consensualismo trata-se, portanto, de elemento de vital
importância à todo processo de formação do contrato, sem o qual não se forma
o contrato.
1.3.4. Princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva
A revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva trata-se
de princípio que possui ligação direta para com o principal objeto do presente
estudo, isto pois, conforme verificaremos adiante, quando falamos de riscos
32
nos contratos, podemos facilmente nos deparar com situações em que verifica-
se a existência de desequilíbrio contratual.
O presente princípio trata-se de uma oposição ao princípio da
obrigatoriedade, eis que '"permite aos contratantes recorrerem ao Judiciário,
para obterem alteração da convenção e condições mais humanas, em
determinada situações. Originou-se na Idade Média, mediante a constatação,
atribuída a Neratius, de que fatores externos podem gerar, quando da
execução da avença, uma situação muito diversa da que existia no momento
da celebração, onerando excessivamente o devedor"22.
Não obstante ser objeto de futura análise, podemos adiantar
que em relação aos contratos internacionais, o ato de recorrer ao Judiciário
poderá restar prejudicado em razão os elementos de estraneidade que podem
dificultar a fixação do seu foro.
Quando de sua elaboração, a teoria recebeu o nome de rebus
sic stantibus. De acordo com a referida teoria, basicamente, presume-se que
nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, há a
existência implícita de uma cláusula pela qual a obrigatoriedade do
cumprimento contratual pressupõe a inalterabilidade da situação de fato.
Após muitos anos no "esquecimento", o princípio ganhou força
novamente no período da I Guerra Mundial. No período da guerra, em
inúmeros contratos de longo prazo houve a ocorrência do desequilíbrio entre os
contratantes desencadeado pela guerra.
22 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit, p. 51
33
O processo de adaptação das normas internas ao princípio da
revisão dos contratos variou conforme o país. Na França foi editada a Lei
Faillot em 1918. Na Inglaterra foi denominada de Frustration of Adventure.
Tivemos também outros países que acolheram a teoria em seus respectivos
códigos, realizando adaptações conforme a legislação vigente.
No Brasil, a teoria levou o nome de Teoria da Imprevisão.
Explica Carlos Roberto Gonçalves que "a teoria em tela foi adaptada e
difundida por Arnoldo Medeiros da Fonseca, (...), em sua obra Caso Fortuito e
teoria da imprevisão. Em razão da forte resistência oposto à teoria revisionista,
o referido autor incluiu o requisito da imprevisibilidade, para possibilitar a sua
adoção. Assim, não era mais suficiente a ocorrência de um fato extraordinário,
para justificar a alteração contratual. Passou a ser exigido que fosse também
imprevisível"23.
Ora, verifica-se, portanto, que a teoria da imprevisão trata-se
da possibilidade de desfazer ou rever o contrato de forma forçada quando, em
razão de fatores imprevisíveis e extraordinários, o cumprimento da obrigação
contratual passar a ser exageradamente onerosa para uma das partes
contratantes.
Não obstante a ausência de previsão expressa da cláusula
rebus sic stantibus e a teoria da imprevisão no Código Civil de 1916, o Código
de 2002 passou a dedicar uma seção, composta por três artigos, à
possibilidade de resolução dos contratos em razão de onerosidade excessiva
para uma das partes contratantes:24
"Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com
23 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 (...) Op. Cit, p. 51
34
extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva".
Importante ressaltar, por fim, que a teoria da imprevisão, por
óbvio, não poderá ser aplicada aos contratos aleatórios, porque envolvem um
risco, salvo tão somente se o imprevisível decorrer de fatores estranhos ao
próprio risco envolvido no contrato.
Desta forma, não obstante as peculiaridades das legislações
de cada Estado constata-se que a referida teoria fora adotada por diversos
ordenamentos jurídicos, o que facilitará nosso entendimento quando da análise
dos riscos contratuais propriamente ditos.
1.4. Extinção do contrato
No presente capítulo estudamos o conceito de contrato, a
formação do contrato, os princípios que regem o direito contratual brasileiro e,
por fim, analisaremos como que se dá a extinção de um contrato de acordo
com a legislação brasileira.
Até caberia estudarmos os efeitos do contrato, mas para isso
deveríamos estudar cada tipo de contrato e suas finalidades, o que, ao nosso
ver, iria se afastar muito do objetivo proposto pelo presente estudo.
35
1.4.1. Modo normal de extinção
A denominação "modo normal de extinção" se encontra
constante na obra de Carlos Roberto Gonçalves, para indicar a execução
correta do contrato, conforme seus termos.
Devemos ter em mente que outros critérios didáticos foram
adotados por renomados autores, como por exemplo Caio Mário da Silva
Pereira, que prefere adotar a sistemática de "cessação da relação contratual".
Caio Mário busca defender o entendimento de que "a
aproximação dos assuntos é muito maior do que aparenta, todos eles
interligados pela ideia de cessação da relação contratual, embora sob a
informação imediata de causa próxima diversa: convenção entre as partes,
implemento de condição, falta da prestação devida, onerosidade excessiva"25.
Todos os contratos, assim como demais negócios jurídicos de
uma forma geral, possuem também um ciclo, que consiste em: (a) surgimento
por meio do acordo de partes; (b) produzem os efeitos que lhes foram
propostos através da manifestação de vontade das partes contratantes e; (c)
acabam por extintos.
Conforme assinalado por Humberto Theodoro Júnior, "ao
contrário dos direito reais, que tendem à perpetuidade, os direitos obrigacionais
gerados pelo contrato caracterizam-se pela temporalidade. Não há contrato
25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 149
36
eterno. O vínculo contratual é, por natureza, passageiro e deve desaparecer,
naturalmente, tão logo o devedor compra a prestação prometida ao credor"26.
Como havíamos anteriormente mencionado, a extinção de um
contrato, em regra, dá-se pela efetiva execução dos termos estabelecidos, seja
de forma instantânea, diferida ou continuada.
A partir do cumprimento da prestação com a satisfação do
credor (solutio), o devedor está livre. A comprovação da satisfação dar-se-á
através da quitação dada pelo credor ao devedor, observados os requisitos do
art. 320 do Código Civil:
Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.
Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida.
Em que pese a previsão da quitação dada pelo credor, o
parágrafo único do referido artigo prevê ainda a possibilidade da quitação
ocorrer ainda que sem os requisitos do caput.
Verifica tratar-se de uma norma que preza pelo objetivo final
almejado pelo contrato: sua satisfação, permitindo, para tanto, a relativização
de alguns requisitos formais.
26THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e seus princípios. 2° ed., Ed. AIDE: Rio de Janeiro, 1999, p. 100 in GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 3 – Contratos e Atos Unilaterais. 10 ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 21-22.
37
Portanto, a forma de extinção mais simples de um contrato é
justamente o seu esgotamento em razão de ter alcançado todos os efeitos
buscados pelas partes contratantes com o total cumprimento do mesmo.
1.4.2. Extinção sem cumprimento
Em que pese o cumprimento normal do contrato ser o objetivo
máximo almejado pelas partes, fato é que infelizmente nem sempre o contrato
poderá ser concluído conforme o que fora proposto inicialmente.
Para que possamos estudar de forma satisfatória as formas de
extinção do contrato sem seu devido cumprimento, entendemos primeiro por
estudar acerca da nulidade absoluta e relativa nos contratos e posteriormente
adotar o sistema didático proposto por Caio Mário da Silva Pereira que, de
forma simples, elenca quatro formas de extinção dos contratos: (a) resilição
voluntária; (b) cláusula resolutiva tácita e expressa; (c) exceptio non adimpleti
contractus; (d) resolução por onerosidade excessiva. Teoria da imprevisão.
No que tange ao item “d”, com o intuito de evitarmos repetições
desnecessárias, este será devidamente abordado nos capítulos seguintes, na
medida em que se trata de um dos elementos centrais do presente estudo.
1.4.2.1. Nulidade absoluta e relativa
O conceito de nulidade absoluta diz respeito à ausência de
qualquer um dos elementos essenciais do ato praticado, com a transgressão
de determinada previsão normativa de ordem pública, o que acaba por resultar
38
na impossibilidade de produção de seus regulares efeitos desde a sua
formação.
Portanto, em se tratando de impossibilidade de produção de
efeitos desde a formação, verificamos que trata-se de uma situação típica de
ex tunc, onde a ausência do requisito, resulta na regressão ao estado a quo.
Quando diante de um caso de nulidade, sua parcialidade ou
totalidade trará reflexos diretos na forma de condução pelo Poder Judiciário.
Em caso de nulidade absoluta, está poderá ser requerida a qualquer momento
em juízo, bem como decretada de ofício pelo magistrado.
Por outro lado em se tratando de nulidade parcial, o direito
poderá ser exercido tão somente a esta parcela. Em caso de conversão
(disposto pelo art. 170 do Código Civil de 2002) a decisão extintiva será tão
somente parcial, sendo necessária a declaração do juízo determinando-a.
No caso da anulabilidade, está é decorrente de uma
imperfeição da vontade. O exemplo mais comum utilizado trata-se do menos
que celebra um contrato ser ter sido devidamente assistido.
Ora, havendo a possibilidade de ser sanada, esta não
extinguirá o contrato enquanto não seja decretada pelo poder judiciário, sendo
os efeitos ex nunc.
1.4.2.2. Cláusula Resolutiva
39
A hipótese de cláusula resolutiva pressupõe o não
cumprimento da obrigação avençada, pelo devedor.
No Direito Romano tal modalidade de resolução contratual era
desconhecida. No entanto, quando da compra e venda era admitido uma
cláusula (lex commissoria) ao qual permitia a resolução do contrato em razão
da falta de pagamento do preço combinado.
Como bem apontado por Caio Mário, “foi na Idade Média que
se adotou a praxe de inserir em todo contrato uma lex commissoria, pactuando
a resolução por inadimplemento, e coube aos canonistas fazê-lo em
fortalecimento dos princípios morais em respeito à boa-fé, proclamando que,
independentemente de sua inserção explícita, dever-se-ia presumir a vontade
de desfazê-lo, como punição contra o que o infringisse”27.
Modernamente, com o desenvolvimento da ideia de resolução
contratual em razão de seu não cumprimento, os códigos civis buscam a
inserção do princípio da cláusula resolutiva tática, pugnando pelo entendimento
de que todo contrato bilateral, uma vez ocorrida a inexecução por uma das
partes, tem como consequência a possibilidade da outra promover sua
resolução, se não preferir a alternativa de reclamar a prestação.
A fundamentação da cláusula resolutiva tácita é fruto de
diversas discussões em meio à doutrina no que tange à sua fundamentação.
Os doutrinadores dividem opiniões defendendo que a cláusula tem como base
a causa ou por outro lado, a equidade.
27 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 155
40
Aqueles que defendem com base na teoria da causa, alegam
que nos contratos bilaterais, sendo a obrigação de um dos contratantes, a
causa da obrigação do outro contratante, o descumprimento do avençado
resulta em uma obrigação não causada ao outro contratante.
Por outro lado, Picard e Prudhomme, defendem que a cláusula
resolutiva tácita tem como base a equidade onde, a inexecução contratual por
uma das partes resulta no desequilíbrio contratual, impossibilitando seu
cumprimento pela outra parte.
Em relação à atuação da cláusula resolutiva, tem-se duas
orientações doutrinárias28, a denominada sistema alemão e a sistema francês,
cada uma com suas particularidades e repercussões legislativas.
De acordo com o sistema alemão (proveniente do BGB, § 326),
quando dos contratos bilaterais, um dos contratantes poderá conceder ao outro
contratante, que se encontra em mora, o prazo para efetuar a prestação que
lhe compete. Em caso de inexecução mesmo após tal prazo, o contratante
poderá recusar-se de receber, resolvendo o contrato ou exigindo a reparação
das perdas e danos.
A principal característica do sistema alemão “é a
desnecessidade de pronunciamento judicial, operando a cláusula tácita a
resolução do ajuste, mediante a atuação direta do próprio interessado”29.
O segundo sistema, o sistema francês (proveniente do art.
1.184 do Código Civil francês), estabelece que, uma vez descumprido o
28 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 156 29 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 156
41
contrato bilateral, aquele lesado possui a alternativa de exigir a execução ou
resolvê-lo com perdas e danos. No entanto, ao contrário do sistema alemão,
não é cabível a atuação direta do interessado, sendo necessário,
obrigatoriamente, uma sentença resolutiva do contrato.
Portanto, verifica-se que o sistema francês não concede a
resolução automática do contrato (como o sistema alemão) e sim a legitimidade
ad causam para iniciar o competente processo judicial que visa a resolução.
Apenas pela descrição de ambos os sistemas podemos
observar que o direito brasileiro adota o sistema francês, vide o art. 475 do
Código Civil 2002:
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
Portanto, seguindo a orientação estabelecida no Código Civil
vemos que a condição resolutiva tácita “depende de interpelação judicial, com
fixação de prazo para que a parte faltosa efetue a prestação que lhe compete,
sob pena de resolver-se o contrato, e somente escoado ele é que caberá
requerer a resolução”30.
Ambos os sistemas possuem seus prós e seus contras, o que
pode gerar intermináveis discussões acerca de qual sistema seria o mais
indicado. Após avaliar as características de cada sistema, o sistema francês
nos parece ser melhor do que o sistema alemão, entendimento este em
consonância com o de Caio Mário da Silva Pereira.
30 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 157
42
Se por um lado o sistema francês pode ser acusado de
procrastinar a conclusão da resolução contratual, este nos parece transmitir
uma maior segurança e estabilidade aos contratos bilaterais isto, pois, evita a
submissão destes à ações precipitadas e equivocadas por parte dos
contraentes, passando a decisão ao juiz.
Obviamente, dirimindo quaisquer dúvidas interpretativas ou
eventuais lacunas contratuais ou legislativas, as partes poderão
expressamente estabelecer uma cláusula resolutiva.
Uma vez incluída cláusula resolutiva expressa no contrato,
esta, como já estudamos, é originária da manifestação de vontade das partes,
vinculando os contratantes. Neste sentido:
“Deixando o contratante de cumprir a obrigação na forma e no tempo ajustado, resolve-se o contrato automaticamente, sem necessidade de interpelação do faltoso (Código Civil, arts. 474 e 128). É um efeito da mora ex re nas obrigações liquidas a prazo certo, que vem operar a resolução e ainda sujeitar o inadimplente às perdas e danos. Mas é óbvio que somente o contratante prejudicado pode invocá-la; o inadimplente não pode, pois não se compadece com os princípios jurídicos que o faltoso vá beneficiar-se da própria infidelidade”31.
Estabelecendo um paralelo com o item anterior (nulidade e
anulabilidade), não podemos confundir a resolução do contrato por cláusula
resolutiva com a declaração de sua invalidade (nulidade e anulabilidade). Por
um lado, a resolução pressupõe um negócio jurídico válido, tendo como
consequência liberar os contratantes, sem excluir por completo os efeitos
produzidos pela declaração de vontade.
Por outro lado, a invalidade declarada pressupõe uma
declaração de vontade inoperante. Esta possui um defeito de ordem subjetiva,
ou formal, e o desfazimento do mesmo pode ter efeito ex tunc (nulidade),
31 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 158
43
ocasionando seu desfazimento desde sua origem, ou ex nunc (anulabilidade),
que terá como marco a sentença, sem sujeitar qualquer um dos contratantes a
perdas e danos ou à incidência de eventual multa convencionada.
1.4.2.3. Exceptio non adimpleti contractus
Como já sinalizamos anteriormente, um contrato bilateral
possui como característica a reciprocidade das prestações entre as partes
contratantes. Isso significa dizer que ambas as partes são credoras e
devedoras de forma simultânea e, em razão disso, não pode um contratante
exigir o cumprimento caso não tenha cumprido com a parte que lhe cabe.
A partir desta situação origina-se “uma defesa oponível pelo
contratante demandado, contra o co-contratante inadimplente, denominada
exceptio non adimpleti contractus, segundo a qual o demandado recusa a sua
prestação, sob fundamento de não ter aquele que reclama dado cumprimento à
que lhe cabe (Código Civil, art. 476)”32.
Em que pese a regra poder ser expressamente identificada em
alguns ordenamentos jurídicos (ex.: BGB), fato é que mesmo naqueles
sistemas que não possuem termos específicos, a presente regra acaba por
sendo uma decorrência natural da teoria do contrato sinalagmático.
Acerca da terminologia, vale citar a análise de Caio Mário:
“A palavra exceptio está usada aqui como defesa genericamente, e não como exceção estrita da técnica processual. É uma causa impeditiva da exigibilidade da prestação por parte daquele que não
32 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 159
44
efetuou a sua, franqueando ao outro uma atitude de expectativa, enquanto aguarda a execução normal do contrato”33.
Em relação ao princípio em questão faz-se importante destacar
que o mesmo não pode ser levado ao extremo, a ponto de permitir que o
contratante deixe de cumprir com a totalidade de sua obrigação avençada em
razão de, tão somente, a outra parte não ter cumprido com uma parte mínima
ou irrelevante de sua obrigação.
Outra caso em que verificamos a impossibilidade da invocação
da exceptio non adimpleti contractus é no caso de obrigações sucessivas, em
que não cabe a invocação do princípio pelo contratante que deve em primeiro
lugar.
Por fim, como hipótese excepcional prevista no Código Civil,
art. 475, poderá o contratante invocar o referido princípio, ainda que se trate do
contratante que deve primeiro, caso tenha sido percebida uma alteração em
sua condição econômica que possa de forma significativa, prejudicar o
cumprimento da prestação sucessiva.
Ressalte-se que na excepcionalidade em questão deverá o
contratante que invoca o princípio, saber ou tenha razões plenamente
plausíveis de “que a diminuição patrimonial do outro faça duvidar da
contraprestação esperada, cessará o pagamento ou reterá a execução”34.
33 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 159 34 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. III (...) Op. Cit., p. 161
45
CAPÍTULO 2 – CONTRATOS INTERNACIONAIS DO COMÉRCIO
2.1. Contratos internacionais
No item anterior buscamos abordar os elementos essenciais
dos contratos sob o ponto de vista do Direito brasileiro, abordando desde o
conceito de contrato e manifestação de vontade, até o lugar de sua celebração
e eventual cumprimento.
Continuaremos a estudar os contratos, no entanto sob o ponto
de vista do Direito Internacional, saindo um pouco da esfera do Direito Civil
brasileiro.
Apesar da mudança de foco, é importante frisar de alguns
conceitos e elementos dos contratos internacionais, novamente por motivos
pedagógicos, serão abordados sob o prisma do direito interno brasileiro.
É importante esclarecer que ao contrário do que defendem
alguns autores, não podemos considerar um contrato como internacional tão
somente quando se têm na relação jurídica elementos estrangeiros.
Tal definição, como veremos adiante, não apenas não supre a
necessidade técnica de se entender os contratos internacionais, como
apresenta inúmeras falhas que inviabilizam por completo a tentativa de sua
utilização.
46
De acordo com Hee Moon Jo, o "contrato internacional é o
contrato cujos elementos constitutivos da relação contratual, tais como
nacionalidade, domicílio, local de celebração, situação do objeto do contrato,
local de execução, etc., transpassam duas ou mais jurisdições
internacionais."35
Na mesma linha proposta, Irineu Strenger esclarece que "o
contrato internacional é consequência do intercambio entre Estados e pessoas,
no sentido amplo, cujas características são diversificadoras dos mecanismos
conhecidos e usualmente utilizados pelos comerciantes circunscritos a um
único território, e os transterritoriais"36.
Devemos nos atentar, porém, ao fato de que ainda há grandes
divergências doutrinárias quanto à definição concreta de contrato internacional
em razão das divergências doutrinárias e teóricas existentes.
Ainda que não se possa deixar de esboçar as diversas
situações que podem encaminhar ao processo de formação de um contrato
internacional e sua conclusão, fato é que quaisquer conceituações abrangentes
são inúteis37.
Ora, o que não se tem mais dúvida, complementa Irineu
Strenger38, é de que os contratos internacionais do comércio estão cada vez
mais distantes "das figurações doutrinárias clássicas e válidas, segundo as
tradições dos direitos nacionais, cuja universalização se expressa em meras
identidades, mas que não servem pra satisfazer as exigências peculiares do
comércio internacional".
35 JO, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: LTr, 2001. Pág. 439 36STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do Comércio. São Paulo: Editora RT, 1986, p.4 37 STRENGER, Irineu. Contratos (...), Op. Cit. p.3 38 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. São Paulo: Editora RT, 2005, p. 873.
47
Portanto, certos doutrinadores chegam a afirmar, inclusive, que
a internacionalidade de um contrato só poderá ser determinada com base em
uma situação fática.
Luiz Olavo Batista ensina que os critérios que determinam a
internacionalidade de um contrato podem ser segmentados em três grandes
grupos:
"A internacionalidade dos contratos é aferida, em geral, sob algum ângulo que chame a atenção dos comentadores. Pode-se sistematizar as diversas escolhas classificando-as em três grandes categorias, segundo o elementos predominante na forma de classificação utilizada. Assim, os que classificam os contratos enfatizando o ângulo econômico, ou o jurídico procedem à classificação baseados nestes aspectos. Uma terceira categoria reúne os autores que buscaram evitas as críticas ou deficiências apontadas nas classificações anteriores, propondo uma resposta eclética"39.
A importância do estudo dos contratos internacionais repousa
do fato de que estes são o "eixo central mantenedor das transações
internacionais, e o comércio internacional é o foco central dessas transações,
desse modo, o contrato internacional de comércio (compra e venda) é o núcleo
central do comércio internacional"40.
Para entendermos os contratos internacionais devemos
entender os elementos que caracterizam a sua internacionalidade, ou seja,
quais características específicas fazem com que um contrato possa ser
entendido como internacional.
39 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. São Paulo: Lex Magister, 2011, p. 21. 40 JO, Hee Moon. Moderno Direito (...).Op. Cit., p. 439.
48
2.1.1.Ângulo econômico:
A partir do momento em que verificamos a movimentação de
bens e serviços por entre as fronteiras dos Estados, este é um claro indicador
econômico de que o contrato em questão possui internacionalidade.
O critério econômico surgiu a partir das razões apresentadas
pelo então Procurador-Geral francês Matter em 1927 na Corte de Cassação
Francesa.
Como bem indica o Luiz Olavo, é "interessante notar que o
indicador adotado – o fluxo e refluxo de bens através das fronteiras – é
predominantemente econômico, enquanto o dito doutrinário é
preponderantemente jurídico"41.
Com efeito, foi a propósito de pagamento em moeda
estrangeira que Matter formulou, em 1927, o critério do fluxo e refluxo através
das fronteiras"42. Para se entender melhor o caso fático, é valido entendermos
o contexto histórico da época.
A partir da lei de 14 de abril de 1803 (Lei do 24 Germinal do
ano 11), o Banco Francês passou a emitir billets (notas) que não podem ser
consideradas, tecnicamente, como moeda, eis que a moeda da época era o
ouro conforme lei 28 de março de 1803 (7 do Germinal do ano 11).
41 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais.Op. Cit., p.21 42 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais.Op. Cit., p.21
49
Desta forma, através dos billets de la Banque de France os
portadores (credores) poderia reclamar o reembolso do valor em ouro, a
qualquer momento, nos cofres franceses.
Posteriormente, a jurisprudência francesa passou a distinguir
os pagamentos efetuados na França pelos próprios franceses dos pagamentos
internacionais, entendimento este que restou consagrado pela lei de 25 de
junho de 1925, em seu artigo 2°, §2°.
Ora, a jurisprudência formada pelo tribunal francês se mostrou
ineficaz e limitada, de forma que não atendia de forma satisfatória todos os
casos, o que passou a resultar em divergências jurisprudenciais.
O entendimento foi então posteriormente refinado pelo Matter,
no caso Péllissier du Besset. No caso em questão, um inglês havia locado para
um francês (Péllissier du Besset) um imóvel que estava situado em Argel (Alger
em francês), capital da Algéria.
De acordo com o contrato de locação, restou estipulado que o
valor da locação seria pago em libras esterlinas em Londres ou Argel, à
escolha do locador.
Em meio ao litígio que se instaurou entre os contratantes, foi
suscitado qual seria a competência legislativa para o caso, a inglesa ou a
francesa, no que tange à validade da cláusula relativa à moeda de pagamento.
Sobre o assunto, defendeu o Procurador-Geral em suas
alegações finais, que o imóvel não havia "produzido na França nem a entrada
50
de mercadorias, nem de moeda. A operação foi toda local, e o tomador deve
submeter-se às leis de ordem pública da França"43.
A jurisprudência, anos após o critério de Matter, acabou por
verificar que o critério em questão era rigoroso demais. Desta forma, foi
necessária sua ampliação, nos seguintes termos:
"(...) o caráter internacional de uma operação não depende necessariamente do domicílio das partes e do lugar estipulado para sua execução, mas de todos os elementos que entram em linha de conta para imprimir aos movimentos de fundos que ela comporta um caráter que ultrapassa o quadro da economia interna"44.
Ora, conclui-se que, pelo entendimento da jurisprudência
francesa, caberá ao interprete realizar a escolha dos elementos de conexão
que serão úteis para que se estabeleça a internacionalidade do contrato.
2.1.2. Ângulo jurídico:
Pode-se ainda analisar o critério de internacionalidade do
contrato sob o ângulo jurídico. Sob tal ângulo, os critérios de maior destaque,
baseados em elementos jurídicos, são o do interesse do comércio internacional
e o jurídico.
O grande formulador do critério baseado em elementos
jurídicos do interesse do comércio internacional e o jurídico foi Batiffol,
defendendo que:
43 Cass. Civ., 17-5-1927, DP, 1928, 1, 25 nota Capitant, razões finais Matter 44 Cass. Civ. Op. Cit.
51
"um contrato tem caráter internacional quando, pelos atos concernentes à sua celebração ou sua execução, ou a situação das partes quanto à sua nacionalidade ou seu domicílio, ou a localização de seu objeto, ele tem liame com mais de um sistema jurídico"45
Importante destacar que a premissa de liame com mais de um
sistema jurídico é absolutamente vaga, no entanto a única possível, "porque ela
repousa sobre a constatação de um fato, o de que o contrato foi modelado ou
criado como um contrato internacional (por sua conclusão, sua execução, ou a
localização de seu objeto, etc.)"46.
Seguindo tal premissa, o contrato internacional não será
considerado internacional em razão de alguma regra, porém terá essa
condição de fato, que se constata a partir dos mais diversos elementos, sendo,
portanto, insuscetível de ser categoricamente disposto, devendo ser avaliado
conforme os aspectos fáticos em questão.
Tal ângulo é adotado pela Corte Suprema americana, tendo os
seguintes casos como leading cases: Unterweser v. Zapata (407 U.S. 1, 92 S.
Ct. 1907, 32 L. Ed. 2 d 513 – 1972) e Scherk v. Alberto-Culver Co. (417 U.S.
506, 94 S. Ct. 2449, 41 L. Ed. 2d 270 – 1974).
De acordo com a Corte Suprema, foi estabelecido que o
contrato (relativo ao segundo caso) deveria ser considerado como truly
international eis que era dotado das seguintes características: (a) diferentes
nacionalidades das partes, com seu principal local de negócios e a maior parte
de suas atividades sendo realizada em seus respectivos países; (b) as
negociações em diferentes países; e destacadamente, (c) o objeto do contrato
centrado na venda de empresas constituídas sob as leis (e situadas) em países
europeus e cujas atividades eram voltadas para o mercado europeu.
45 Verbete Contratos e Convenções, in Repertoire Dalloz de Droit International Privé, nº 9. 46 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.23
52
Seguindo critério semelhante ao da Corte Suprema, o Reino
Unido, em duas leis, Unfair Contract Terms Act (1977), e o Arbitration and
Conciliation Act (1996), impõem ao intérprete o dever de fazer um exame
conforme a situação fática com o intuito de determinar se será adotado o direito
interno ou o internacional.
De acordo com o Arbitration and Conciliation Act (1996), serão
adotados como critérios de internacionalidade do contrato a nacionalidade ou
domicílio das partes, "cumulativamente com a escolha de uma lei ou local
situados fora do âmbito da soberania inglesa, definindo, de forma negativa, a
arbitragem interna, para distingui-la daquela dos contratos internacionais,
sujeita a um regime especial"47.
Podemos verificar, portanto, que, guardadas suas
peculiaridades locais, os critérios de internacionalidade com ângulo jurídico
possuem diversas semelhanças independendo do seu local de aplicação.
Vemos que até mesmo em sistemas jurídicos bem diferentes
como o Common Law e Civil Law pode-se facilmente aplicar o mesmo tipo de
critério de internacionalidade sem resultar em quaisquer incompatibilidades
teóricas.
2.1.3.Ângulo Eclético:
Após analisarmos o critério jurídico e o critério econômico,
podemos facilmente perceber que a doutrina, não apenas brasileira, mas
47 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.24
53
também a internacional, possui grandes dificuldades para determinar a
internacionalidade de um contrato.
Tal dificuldade acaba ocasionando uma posição mais eclética
da doutrina, que resulta na adoção de medidas flexíveis e dependentes de um
conjunto de fatores fáticos.
Acerca desta dificuldade explica Luiz Olavo Batista em sua
obra:
"A diferença quanto aos critérios adotados, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência internacional, quer pelos tratados, muitas vezes decorre da natureza do contrato, pois os elementos que permitem caracterizar determinada operação econômica como internacional nem sempre são significativos em outra"48.
Extrai-se do entendimento supra transcrito que o caráter
internacional será extraído conforme a importância do elemento de
estraneidade.
Vale destacar que o problema não reside em todos e quaisquer
contratos. Em determinadas situação pode-se claramente identificar se o
contrato sob análise será objeto de análise pelo direito interno ou pelo direito
internacional.
Portanto, temos que apenas determinados contratos residem
em uma faixa cinzenta, onde a precisão de sua determinação se demonstra
controversa ou até mesmo inalcançável.
48 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.26
54
A posição eclética passou a predominar no Brasil e no cenário
internacional. Tal predominância surgiu justamente a partir da necessidade de
se suprir determinadas soluções doutrinárias que se mostraram insuficientes
em alguns casos, bem como a estreiteza das fórmulas convencionais.
Conforme havíamos anteriormente apontado quando da
análise dos critérios de internacionalidade sob o ângulo econômico ou jurídico,
pudemos verificar, facilmente, uma mudança e adaptação dos órgãos
julgadores.
Seguindo os exemplos anteriormente apontados, na França,
em determinados casos vemos que a doutrina Matter fora afastada conforme a
situação fática se apresentava:
“Se a noção de contrato internacional é difícil de fixar, a jurisprudência reteve um certo número de elementos que permitem caracterizá-la, um de caráter jurídico, notadamente o fato de que o dito contrato se liga a normas jurídicas emanadas de diferentes Estados; os outros, de caráter econômico, no que ele (o contrato) tem por efeito afetar os interesses do comércio internacional”49.
Da mesma forma, a Corte Suprema americana, no leading
case Scherk v. Alberto Culver fixou diversas características para que um
contrato seja considerado internacional.
O reconhecimento de diversos critérios para se determinar a
internacionalidade de um contrato é apenas mais um indício de que há uma
grande dificuldade por parte dos estudiosos.
49 TOULOUSE, 26 octobre 1982, Béhar c/ Monoceran, Clunet, 1984, p. 603, nota Synvet
55
Conclui-se, portanto, que a determinação de internacionalidade
acaba se tratando ”de uma questão de sensibilidade e de política legislativa,
portanto, subjetiva e mutável”50.
2.2. Direito aplicável aos Contratos Internacionais
Conforme verificamos até agora em nosso estudo, ao longo do
tempo a doutrina e a jurisprudência sempre teve dificuldade quando da aferição
da internacionalidade de um contrato, lembrando que a dificuldade reside nos
contratos que se encontram nas zonas cinzentas.
Como consequência direta desta dificuldade, facilmente
começam a surgir os conflitos leis, que poderá ser positivo (dois ou mais
Estados entendem ser aplicável seu direito interno no caso fático) ou negativa
(nenhum Estado entende pela aplicação de seu direito interno).
2.2.1. Norma indicativa do Direito Internacional Privado
Como o próprio nome já facilmente indica, as normas
indicativas são todas aquelas que indicam qual o direito aplicável a uma
determinada relação jurídica de direito privado que possua uma conexão com o
Direito Internacional.
Importante frisar que tais normas, em razão de sua
característica meramente indicativa, não acabam por solucionar a questão
50 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais.Op. Cit., p.27
56
jurídica em si. Tais normas, de acordo com o autor Beat Walter Rechsteiner,
“caracterizam-se como as principais normas do direito internacional privado”51.
As normas indicativas podem ser divididas em duas, as uni ou
bilaterais. As primeiras, unilaterais, declaram (indicam) tão somente uma única
ordem jurídica como sendo aplicável ao caso fático, sendo, em regra, o direito
doméstico.
O art. 10 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
trata-se de um artigo em que podemos facilmente identificar uma norma
indicativa unilateral (§1º), e uma norma indicativa bilateral (caput):
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
Ao mesmo tempo em que o parágrafo primeiro determina que a
sucessão de bens de estrangeiros, situados no país, será regulada pela lei
brasileira, estamos diante da unilateralidade da norma indicativa, eis que não
se aceita a aplicação de uma lei de outro Estado.
Por outro lado, no caput, em se tratando de sucessão por
morte ou ausência, a norma indicativa adota um posicionamento bilateral,
abrindo margem para a aplicação, tanto do direito interno, quando do direito de
outro Estado.
51 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 136-137
57
2.2.2. Elementos de Conexão:
A partir do momento em que se analisa uma norma de direito
internacional privado, a primeira pergunta que o operador do direito deverá
fazer é: Qual será o direito que podemos aplicar neste caso? Qual a maneira
que será constituída a vinculação com o direito estrangeiro ou até mesmo
interno?
No direito alemão é adotado o vocábulo Anknüpfungspunkt,
que significa vínculo ativo, ponto de conexão52.
A respeito do conceito de "elementos de conexão", Hee Moon
Jo53explica que "os elementos de conexão (...) referem-se aos fatores
(elementos) que conectam as relações legais do DIPr (Direito Internacional
Privado) com a lei aplicável, quando da decisão desta no DIPr. Ou seja,
quando determinado dispositivo do DIPr é escolhido, através da qualificação da
relação jurídica de um caso concreto, faz-se necessária a interpretação do
conceito de conexão encontrado no dispositivo do DIPr determinado".
Retomando o conceito anteriormente estudado, os elementos
de conexão são estabelecidos através de normas indicativas do direito
internacional privado, que auxiliam na determinação do direito aplicável a uma
determinada situação concreta.
52 "No Brasil, chamamos de elementos de conexão; na Itália, tem o nome de punto de collegamento; na França, point de rattachement; na Espanha, circunstancia de conexión; na Inglaterra, localizer, e assim por diante outras línguas, sejam de natureza latina ou anglo-saxã, cada qual adota denominação sempre com a intenção de identificar essa necessidade técnico-vinculativa, entre os diversos direitos em confronto" in STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 345. 53 JO, Hee Moon. Moderno Direito (...). Op. Cit., p. 145-146.
58
Portanto, desprende-se que o objetivo fundamental do Direito
Internacional Privado é estabelecer a aplicar a lei com maior vínculo possível
com a relação jurídica em questão, devendo, para isso, estabelecer o elemento
de conexão.
Importante destacar que sem um suporte fático específico, é
inviável analisar todos os sistemas normativos existentes, eis que cada Estado
possui suas regras próprias.
Para tanto, apenas através da interpretação do caso concreto é
que podemos estabelecer quais são os elementos de conexão aplicáveis
Diante do objetivo de se interpretar o caso concreto, aliado à
imperiosa necessidade de se estabelecer qual a lei que mais se aproxima da
relação jurídica, podemos dizer que a determinação do elemento de conexão é
uma questão de política jurídica de cada país, isto pois, dependendo da política
jurídica adotada, haverá a adoção de diferentes elementos de conexão,
lembrando que a legislação de Direito Internacional Privado é de competência
absoluta de cada país.
De acordo com Luis Olavo Baptista, "As normas sobre conflitos
de leis são fruto de concepções desenvolvidas no curso da história de cada
país. Elas sofrem a influência das instituições políticas, sociais e econômicas
de cada povo, e são concebidas de maneira a, quando postas em operação,
não gerar soluções que se choquem com a ordem pública daquele Estado"54.
Ainda, através do direito comparado, podemos identificar a
existência de determinados elementos de conexão idênticos ou similares entre 54 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.34
59
si que possuem um número maior de aceitação a aplicação nas leis internas
dos Estados.
No Brasil, a regra geral para a lei aplicável é, conforme já
havíamos anteriormente estudado nos itens anteriores, a do local da
constituição da obrigação conforme determina o caput do art. 9° da Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro, "Para qualificar e reger as
obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem".
Havendo a escolha do elemento de conexão, esse é o fator
que acabar por ligar a relação/situação jurídica devidamente qualificada à lei
aplicável ao caso concreto.
Para fins do presente estudo, analisaremos cinco elementos de
conexão: domicílio/residência/sede; nacionalidade; local da celebração; local
da execução; escolha das partes
2.2.2.1. Nacionalidade e domicílio/residência/sede
Pode-se afirmar que dentre os elementos de conexão
existentes, aqueles que discorrem acerca da nacionalidade e domicílio da
pessoa são os que possuem o maior destaque, sendo objeto de longos estudos
doutrinários e análises.
De acordo com Beat Walter Rechsteiner "quando um país
adota como elemento de conexão a nacionalidade ou o domicílio da pessoa
física, o direito aplicável se determina de acordo com esses dois princípios.
60
Nesse caso, o objeto de conexão, correspondente a esses elementos de conexão, é o estatuto pessoal (Personal status) da pessoa física"55.
Complementa o autor afirmando que pode-se verificar, na
realidade, diversas acepções do conceito de estatuto pessoal da pessoa física.
Neste viés, o entendimento que nos parece mais correto é aquele em que o
estatuto pessoal da pessoa física determina o direito aplicável as suas relações
pessoais de direito privado com conexão internacional.
O critério de nacionalidade foi inicialmente afirmado por
Pasquale Stanislao Mancini em sua aula inaugural da cadeira de direito
internacional da Universidade de Turim, em 22 de janeiro de 1851, com o título
"Della Nazionalità come fondamento del Diritto delle Gente".
De acordo com Mancini, a nacionalidade se tratava do primado
de todo direito internacional e da existência das nações e das leis. Adotado o
pensamento de que o Estado Italiano era constituído pela Nação Italiana, e por
esse motivo, suas leis eram concebidas para esta nação.
Conclui-se que, "em razão de seus costumes e modo de ser;
sendo frutos de um regime democrático, dizia ele, representam a vontade geral
e devem se aplicar aos italianos, e tão só a eles, onde quer que se
encontrem"56.
Seguindo o posicionamento de Mancini, o art. 3° do Código
Civil Francês assim prevê:
55 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado – teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2009, p.146 56 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.40
61
Article3. Les lois concernant l'état et la capacité des personnes régissent les Français, même résidant en pays étranger57.
Ainda em relação à nacionalidade como elemento de conexão,
em razão da crescente globalização, a movimentação das pessoas pelas
fronteiras dos Estados, o que resulta em pessoas com mais de uma
nacionalidade, podemos verificar que se trata de um elemento de conexão que
acabará caindo em desuso.
Opondo-se ao elemento de conexão da nacionalidade, temos o
elemento de conexão que leva em consideração o domicílio da pessoa. A
respeito deste elemento de conexão nos esclarece Beat Walter Rechsteiner:
"(...) é o elemento de conexão predominante no direito internacional privado. Na América Latina, p. ex., todos os países atualmente adotam o elemento de conexão do domicílio como indicador do direito aplicável ao estatuto pessoal da pessoa física"58.
Importante frisar que, quando estamos falando de um contrato
internacional do comércio, poderá este ser celebrado também entre um ou
mais pessoas jurídicas (ex.: pessoa física com pessoa jurídica; pessoa jurídica
com pessoa jurídica). Nesta situação, por questões conceituais, será adotado a
sede ou o estabelecimento.
O crescimento do uso do domicílio (sede) como elemento de
conexão é evidente:
57 Tradução livre: as leis concernentes ao estado e à capacidade das pessoas regem os franceses, ainda que residam no estrangeiro. 58 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado – teoria e prática. Op. Cit., p.148-149
62
“A partir da Segunda Guerra Mundial, várias convenções, elaboradas nas Conferências de Haia, passaram a adotar o elemento de conexão da residência habitual em seu âmbito. Também legislações autônomas internas de direito internacional privado de diversos países referem-se ao elemento de conexão da residência habitual. Na América Latina, diversas convenções internacionais, elaboradas nas Conferências Especializadas Interamericanas de Direito Internacional Privado, prestigiam a residência habitual como elemento de conexão”59.
Na América Latina pode-se identificar diversos tratados
internacionais que definem o domicílio na seara do direito internacional privado.
Com o objetivo de conceituar domicílio, temos a Convenção
Interamericana sobre o Domicílio das Pessoas Físicas no Direito Internacional
Privado, que fora celebrada em Montevidéu em 9 de maio de 1979.
De acordo com a convenção, o domicílio da pessoa física será
estabelecido através dos seguintes critérios: (a) lugar de sua residência
habitual; (b) lugar do centro principal dos seus negócios; (c) na ausência das
circunstâncias anteriores, o domicílio será aquele no lugar da sua residência
simples; (d) na ausência de residência simples, será decisivo o lugar onde a
pessoa física se encontra.
O conceito de residência habitual caracteriza-se tão somente
após a verificação de determinados requisitos objetivos. A residência habitual
trata-se do local que habita ou tem o “centro” de suas ocupações. Na ocasião
de não haver uma residência habitual ou de um domicílio, o direito aplicável
será de acordo com sua residência simples de uma pessoa.
59 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado. Op. Cit., p. 151.
63
Por fim, além da convenção supra indicada, temos outros
tratados internacional (por exemplo, o Tratado de Direito Civil Internacional de
1889 e de 1940) que acabam por estabelecer critérios distintos.
No direito brasileiro, foi adotado o domicílio como elemento de
conexão (em regra), no entanto, trata-se de uma matéria controvertida, na
medida que a própria legislação não define o conceito de domicílio.
Portanto, resta a dúvida se o conceito de domicílio aplicável é o
mesmo do direito internacional privado e no direito civil, ou se deverá ser
aplicado um conceito independente.
A exceção (no direito brasileiro) à utilização do domicílio como
critério pode ser verificada quando se trata da capacidade de uma pessoa
física de comprometer-se por uma letra de câmbio, por uma nota promissória
ou por um cheque. Neste caso, aplicar-se-á o direito de acordo com o elemento
de conexão da nacionalidade.
Tal exceção é explicada pelo autor Beat Walter em sua obra60:
“A razão para tais regras específicas é a de que o Brasil ratificou as Convenções destinada a regular certos Conflitos de Leis em Matéria de Letras de Câmbio e Notas Promissórias, de 7 de setembro de 1930, e em Matéria de Cheques, de 19 de março de 1931, e que foram promulgadas pelos Decretos n. 57.595, de 7 de janeiro de 1966 (Cheques), e n. 57.663, de 24 de janeiro de 1966 (Letras de Câmbio e Notas promissórias”.
60 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado. Op. Cit., p. 151.
64
Para que possamos ter uma melhor compreensão dos
elementos de conexão supra expostos, analisaremos adianta um exemplo com
base em uma situação fática construída.
2.2.2.1.1. Exemplo fático proposto
Ao longo de nosso estudo, por diversas passagens
ressaltamos que a análise dos elementos de conexão e critérios de
internacionalidade exigia uma situação fática, portanto, vemos a oportunidade
de traçar um exemplo para melhor compreensão.
Na legislação brasileira, como vimos anteriormente, adota-se o
domicílio como elemento de conexão. Assim dispõe o caput do art. 7° da Lei de
Introdução das Normas do Direito Brasileiro:
Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
Partindo da suposição que a legislação francesa preveja que a
plena capacidade civil apenas é adquirida com 21 anos, podemos verificar a
possibilidade de um conflito de normas.
Proponhamos o seguinte exemplo: um francês de 20 anos,
domiciliado no Brasil e sócio da empresa A, celebra um contrato de compra e
venda com uma empresa francesa B para fornecimento de peças.
65
De acordo com a legislação brasileira, em se tratando do
estatuto pessoal da pessoa física, aplicar-se-á a legislação do Estado em que a
pessoa se encontra domiciliado, portanto, o francês (sócio da empresa A) é
plenamente capaz de celebrar o contrato em questão, não havendo qualquer
impeditivo.
Por outro lado, de acordo com a legislação francesa, supondo
que a maioridade civil seja com 21 anos, o sócio francês não possui
capacidade para celebrar o contrato.
Desta forma, vemos que a aplicação da norma interna de cada
Estado vai depender do intérprete.
Se houver uma ação sob o crivo do poder judiciário brasileiro,
será levado em consideração a lei brasileira, determinando que o sócio francês
é apto para celebrar o contrato. Por outro lado, se o poder judiciário francês
estiver responsável por dirimir a situação, restará aplicada a lei francesa, com a
consequente impossibilidade de o sócio francês celebrar o contrato.
2.2.2.2. Lugar da celebração
O terceiro elemento de conexão que estudaremos é um dos
elementos de conexão mais antigos e que teve grande popularidade, o lex loci
contractus.
No Brasil, foi escolhido pela Lei de Introdução ao Código Civil
(hoje denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) para ser
utilizado como regra geral.
66
Outros países, como a Áustria e a Itália adotavam o mesmo
critério no passado, ressalvado os casos em que as partes contratantes
escolhiam expressamente outros sistemas normativos.
Esclarece Luiz Olavo Baptista que “Batiffol, em sua tese, já
fazia a crítica ao uso da lex loci contractus, lembrando, entre outros aspectos,
que cada país pode impor o critério que quiser para estabelecer qual será o
momento da conclusão do contrato. A consequência lógica dessa variedade é
a necessidade de recorre antes à lex fori para resolver a questão. Isso mantém
o autor do contrato na dependência do tribunal competente para determina a lei
aplicável ao contrato”61.
No meio internacional, tal elemento de conexão foi adotado
também para outros atos jurídicos.
De acordo com a Convenção Interamericana sobre Conflitos de
Leis em Matéria de Cheques, de 1979, em seu art. 1º, se estabelece que a
capacidade para obrigar-se por meio de cheque rege-se pela lei do lugar onde
a obrigação tiver sido contraída.
No mesmo sentido, a Convenção Interamericana sobre Regime
Legal das Procurações para serem utilizadas no exterior (1975), em seu art. 2º
estabelece a aplicação das leis do Estado onde forem outorgadas, desde que o
outorgante não opte pela lei do lugar da execução.
61 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.36
67
Assim como o elemento de conexão do domicílio, o presente
elemento de conexão está também sendo cada vez menos utilizado em razão
do dinamismo das relações contratuais internacionais e a celebração entre
ausentes (fax, telefone, via postal, telex, internet, e-mail ou outro meio
eletrônico), o que acaba por dificultar a tentativa de se estabelecer o momento
e local da celebração.
2.2.2.3. Lugar da execução
O lugar da execução foi o elemento de conexão escolhido pelo
Tratado de Montevidéu bem como outras legislações.
O criador deste elemento de conexão foi Savigny, que o
introduziu no Reichsgericht. Tal doutrina permanece influente até hoje em meio
à jurisprudência alemã, eis que esta adota a lex loci executionis com o intuito
de, na ausência de manifestação expressa das partes, identificar a legislação
aplicável.
Em que pese a importância deste elemento de conexão à
outras legislações e tratados adverte Luiz Olavo:
“Há, entretanto, objeções à escolha do lugar da execução do contrato como elementos de conexão. A primeira é a de que, por vezes, há mais de um lugar de execução num contrato – o caso típico é o do transporte: será preciso quando há pluralidade de locais de execução, estabelecer qual o principal deles. Outra objeção contempla a hipótese dos contratos sinalagmáticos, em que cada obrigação se cumpre num país diferente: compra e venda, em que a entrega da coisa e o pagamento do preço se dão nos países de cada uma das partes. Qual das prestações é mais importante ou caracteriza a execução? Em geral, a resposta varia, de país para país”62.
62 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.38
68
Para que tal situação pudesse ser solucionada, os alemães desenvolveram o zwei Recht systeme.
Tal solução resume-se na aplicação de uma lei diferente para
cada uma das obrigações contratuais existentes e, consequentemente
submeter o contrato ao esquartejamento (dépeçage).
A fórmula do dépeçage do contrato está prevista também na
Convenção de Roma, art. 3.1, Convenção do México, art. 7.1 e na Resolução
da Basiléia, do Institute of International Law, em seu art. 7º.
Ao nosso ver, nos parecer que a melhor forma de se superar
qualquer eventual dificuldade criada pela aplicação do dépeçage seria a
aferição, diante de uma situação fática, da obrigação “principal”, ou mais típica
do contrato.
2.2.2.4. Lex Rei sitae:
Outro elemento de conexão tradicional e de longa data no
direito internacional privado é o lex rei sitae.
De acordo com este elemento de conexão, em suma, será
aplicável a lei do lugar onde está situada a coisa. Portanto, verifica-se que o
objeto do presente elemento de conexão é o regime jurídico geral dos bens, eis
que designará qual o sistema normativo a ser aplicado no que tange à
aquisição, posse, direitos reais e demais elementos concernentes a tais bens.
69
No entanto, é importante esclarecer que "o conceito de bens
quando relacionados ao elemento de conexão da lex rei sitae abrange tão-
somente os corpóreos. O direito aplicável concernente à cessão de créditos
obrigacionais, p.ex., não é por ela determinado. Também com referência aos
direitos da propriedade imaterial se prescinde da aplicação da lex rei sitae"63.
Por fim, não pode-se confundir o conceito de bem com a noção
de patrimônio. Trata-se de institutos com diferentes regimes jurídicos. No
entanto, é possível verificar algumas legislações internas de direito
internacional privada entenderem pela aplicação do lex rei sitae aos bem
imóveis integrantes do patrimônio.
2.2.2.5. Autonomia da vontade e o Direito Internacional Privado
Parece-nos que a doutrina entende, indiscutivelmente, que a
autonomia da vontade das partes trata-se do elemento de conexão mais
difundido internacionalmente.
No direito internacional privado, a autonomia das partes traduz
que as próprias partes poderão escolher o direito a ser aplicado ao contrato
celebrado.
Neste caso, o elemento de conexão é a própria manifestação
de vontade das partes contratantes, vinculada a um negócio jurídico de direito
privado com conexão internacional.
63 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado. Op. Cit., p. 152.
70
Podemos verificar que a vontade dos contratantes, assim como
havíamos anteriormente estudado no Capítulo 1, quando focamos no direito
contratual brasileiro, poderá dar-se de forma expressa ou implícita.
Em relação à vontade implícita, poderá esta ser deduzida a
partir do teor do contrato (presumida), ou fruto de interpretação (e imposta) a
partir das circunstâncias da contratação. Como explica Georges Van Hecke,
"da vontade declarada à vontade presumida, passando à vontade implícita, não
há continuidade"64.
Ressaltemos que "o princípio da autonomia da vontade das
partes não é, porém, fonte de direito original, desvinculada da ordem jurídica
estatal. Também não é uma regra de direito costumeiro internacional, pois é
sempre a lex fori de cada país que decide se admite a autonomia da vontade
das partes como elemento de conexão"65.
Isto porque, são os próprios sistemas normativos internos que
delimitam o princípio. Conforme vimos anteriormente, na legislação brasileira
podemos verificar quais os limites do princípio da autonomia das partes e quais
elementos que acabam por restringir tal princípio, como, por exemplo, a função
social do contrato.
Neste viés, partindo do pressuposto de que o direito interno
admite, através de suas normas indicativas, a autonomia das partes como um
dos elementos de conexão, veremos que é aplicável a lei que fora designada
pelas próprias partes.
64 VAN HECKE, Georges. Problèmes juridiques des emprunts internationaux. 2° ed., Leyden, Ed. Brill, 1964 65 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado. Op. Cit., p. 155.
71
Tal aplicação leva em consideração a sua vontade subjetiva, e
não a vontade objetiva do legislador. "Este determina, subsidiariamente, o
direito aplicável na ausência de escolha do direito aplicável pelas partes"66.
A autonomia da vontade das partes constante no direito
internacional privado, vale destacar, distingue-se, da autonomia que o direito
substantivo ou material interno concebido por um Estado.
Verifica-se, inclusive, que a autonomia da vontade das partes
(direito internacional privado) tolera, dentre seus limites, a possibilidade de
derrogação de normas cogentes do direito substantivo ou material interno de
um Estado, desde que verifique-se a existência de um vínculo internacional.
Para ilustrar a situação em questão, transcrevemos o exemplo
proposto pelo autor Beat Walter67:
"A lei suíça, p. ex. estabelece, o art. 182, alínea 2, do seu Código Civil, que os nubentes ou os cônjuges estão autorizados a escolher, revogar ou modificar o seu regime de bens tão-somente dentro dos limites da lei; isto é, a lei permite apenas a adoção de um regime conhecido pela lei suíça. O art. 152, alínea 1, da lei federal de direito internacional privado, de 18 de dezembro de 1987, por seu turno, estabelece o princípio de que aos cônjuges é facultado escolher o direito aplicável concernente ao regime de bens. Vale dizer que os cônjuges podem escolher um regime desconhecido no direito suíço quando a relação jurídica entre eles for internacional, no sentido da lei".
No cenário internacional, o instituto da autonomia da vontade
das partes permaneceu controverso durante um longo período até ser
finalmente reconhecido pela maior parte do mundo. No entanto, ainda no Brasil
e na América Latina, verifica-se a existência de controvérsias.
66 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado. Op. Cit., p. 155. 67 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado. Op. Cit., p. 155-156
72
O princípio da autonomia das partes tem aplicação, em grande
parte, às obrigações contratuais. Analisando a legislação internacional é
possível identificar que quase todas as leis modernas do direito internacional
privado, bem como diversos tratados internacionais fazem referência ao
princípio em questão.
De forma mais abrangente, algumas legislações e tratados
internacionais facultam a autonomia da vontade no que refere-se aos regime
de bens e às sucessões, desde que se trate de uma relação jurídica
internacional. Por outro lado, raramente é admitido quando a matéria são os
direitos da pessoa, de família e das coisas.
No que diz respeito a efetiva escolha do direito aplicável pelas
partes contraentes, vemos que será regida pela lex fori, “segundo a regra geral
de que o juiz aplicará as normas do direito internacional privado da lex fori.
Todavia, em regra, as legislações admitem uma escolha expressa ou até tácita
do direito aplicável (...)”68.
Ora, neste sentido, poderiam as partes escolher qualquer
direito a ser aplicado ou tal liberdade seria restrita?
Vemos que, quando a própria lei estabelece quais são os
limites à autonomia da vontade das partes, estas poderão escolher apenas o
direito aplicável que estiver em perfeita consonância com a lei em questão.
68 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado. Op. Cit., p. 158
73
Se por ventura as partes acabarem por escolher um direito
aplicável que não respeite os limites estabelecidos em leis, a escolha será
juridicamente ineficaz, cabendo a aplicação do direito proveniente da vontade
objetiva do legislador.
Conclui-se que, assim como o princípio da autonomia da
vontade das partes constante no direito interno brasileiro (objeto de estudo do
Capítulo 1), sob o prisma do direito internacional tal autonomia acabará por
sofrer limitações em razão da lex fori.
2.2.2.5.1. Escolha expressa
A primeira forma de manifestação da autonomia da vontade,
sob o ponto de vista do direito internacional que passaremos a estudar é a
escolha expressa.
Tal forma de escolha não nos oferece grandes dificuldades no
que diz respeito à intenção das partes. Afinal de contas, “tendo estas
manifestado inequivocamente seu desejo de submeter-se a determinada
legislação, só o obstáculo da Ordem Pública, o controle pelo Juiz do caráter
internacional do contrato, relação relevante do contrato, ou a ocorrência de
fraude, podem impedir a eficácia dessa escolha”69.
2.2.2.5.2. Escolha implícita
A possibilidade de escolha implícita, por outro lado, é cheia de
controvérsias e diferenças, dependendo muito mais da lex fori para solução. 69 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.49
74
Tal forma de escolha do direito aplicável ao contrato surgiu
entre o final do século XIX e o início do século XX quando, na Europa
Ocidental, iniciou-se um debate doutrinário acerca da possibilidade de escolha
implícita do direito aplicável.
Percebe-se que, naqueles países “em que a regra para a
localização de uma convenção é a manifestação das partes, quando estas não
escolheram a lei aplicável os tribunais procuram deduzir, de certos aspectos do
contrato, qual seria essa vontade”70.
O primeiro passo desse trabalho de dedução, pelos
tribunais, constitui localizar, ao longo dos termos do contrato, quaisquer
referências a um sistema normativo.
Tais referências podem ser desde a menção de determinada
norma jurídica, seja o uso de alguma expressão típica de algum sistema
normativo, ou até mesmo a referência a modelo jurídico que só existe em
algum Estado em particular.
Subsidiariamente os tribunais deverão aferir quaisquer indícios
que dizem respeito à vontade das partes a cláusula de foro ou alguma
referência ao local de arbitragem.
No caso de inexistência de todos os demais elementos supra
transcritos, a jurisprudência recorre “à atitude das partes após a conclusão do
70 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p. 49
75
contrato, especialmente no momento do processo, à língua empregada, ao
recurso a um servidor público, ao lugar e à moeda de pagamento, etc”71.
Outro ponto que gera diversas discussões, seja na doutrina,
seja na jurisprudência internacional, é a escolha do direito aplicável em
momento posterior à formação do contrato.
A título de exemplo, podemos indicar o Alsing Case que
tramitou perante o tribunal suíço. Na lide em questão discutia-se um contrato
de fornecimento, por uma empresa sueca, de palitos de fósforos ao governo
grego.
No momento de formação do contrato as partes não haviam
escolhido expressamente qual seria a lei aplicável. Posteriormente, em meio da
arbitragem, o governo grego invocou a aplicação da lei grega, o que acabou
sendo aceito pela empresa sueca.
Em que pese a escolha das partes, o tribunal suíço, à época,
entendeu pela recusa da novação proposta pelas partes.
A controvérsia da situação é evidente a partir do momento em
que, de acordo com Ernst Rabel, “recentemente o Tribunal Federal Suíço, de
novo, mudou sua posição, acordos expressos ou tácitos perante o tribunal
sobre a lei aplicável são considerados como válidos”72.
71 LOUSSOUARN, Yvon & BOUREL. Précis de droitinternationalprivé. 2ª ed. , Paris: Dalloz, 1980, p. 481-482, nº 376. in BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.53 72 RABEL, Ernest. The conflict of Laws: a comparative study. 2ª Ed., Ann Arbor, Univ. of Michigan, 1964 in BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.53
76
Sob a ótica do direito internacional, podemos identificar
convenções que expressamente admitem a possibilidade de escolha do direito
aplicável posteriormente à formação do contrato.
Um exemplo é a Convenção de Roma que discorre acerca da
lei aplicável às obrigações contratuais, em seu art. 3º, §3º:
"3 . The fact that the parties have chosen a foreign law, whether or not accompanied by the choice of a foreign tribunal, shall not, where all the other elements relevant to the situation at the time of the choice are connected with one country only, prejudice the application of rules of the law of that country 'which cannot be derogated from by contract, hereinafter called ' mandatory rules"73.
Entendemos correto o posicionamento mais recente do tribunal
suíço que permite a escolha do direito pelas partes. Em sendo o contrato
internacional fruto da manifestação das partes, e não havendo qualquer conflito
com a lex fori, caberá a elas, escolher a legislação aplicável.
Tal liberdade de escolha a qualquer momento coaduna com os
trâmites da arbitragem internacional, onde as partes, mediante comum acordo,
em momento posterior à formação do contrato, podem escolher qual a Câmara
de Arbitragem e qual lei será aplicável para solucionar a controvérsia.
2.2.2.5.3. Ausência de manifestação de vontade
Elemento muito próximo à escolha tácita, temos a ausência de
manifestação de vontade pelas partes, que será verificada no momento em que
73 Convention on the Law Applicable to Contractual Obligations (Convenção de Roma de 1980) Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=CELEX:41980A0934. Acessado em 15/08/2014
77
não é possível aferir qualquer tipo de indício de vontade implícita das partes em
submeter-se a um ordenamento jurídico específico.
Neste caso, o procedimento que nos parecer ser mais utilizado
pelos tribunais ao redor do mundo (bem como o mais sensato), é a tentativa do
julgador colocar-se na situação da parte e tentar verificar qual seria a escolha
mais razoável.
Nos tribunais de Common Law, adota-se a teoria da proper
law, “que conduz à aplicação da lei que as partes tenham – ou teriam –
escolhido diante de um caso concreto(...)”74.
Especificamente no caso dos Estados Unidos, temos a teoria
do Second Restatement, que constitui na aplicação da lei do Estado em que o
contrato sob análise possua maior proximidade, bem como o interesse deste
em regular a relação.
Procedimentos semelhantes podem ser verificados na
Alemanha (Bundesgericht), bem como em julgados do Tribunal Federal Suíço e
da Alta Corte da Austrália.
Em razão da imprecisão e divergência de entendimento do
procedimento, os órgãos julgadores buscam utilizar-se mais de um elemento
para justificar a escolha da lei aplicável (ex.: local da execução do contrato,
local da formação do contrato, etc.).
74 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p. 53
78
2.2.2.6. Lex fori
O conceito de lex fori, para o direito internacional privado
possui mais de uma acepção.
Como vimos, cada Estado possui normas jurídicas de direito
internacional privado próprias em seu ordenamento jurídico. Desta forma, os
tratados internacionais terão aplicabilidade no direito interno tão somente após
sua incorporação.
Portanto, a regra básica “é a de que o juiz aplica sempre as
normas de direito internacional privado vigentes no lugar do foro, ou seja, a lex
fori. Essas normas são, na grande maioria, normas indicativas ou indiretas,
designando meramente o direito aplicável a uma relação jurídica de direito
privado com conexão internacional”75.
Portanto, a função da lex fori, como elemento de conexão,
assim como os demais, é de determinar a lei aplicável a uma relação jurídica
de direito privado com conexão internacional. Nestes casos, trata-se da adoção
pelo juiz internacionalmente competente, da lei do lugar do foro, ou seja, lex
fori.
Esclarece Beat Walter acerca da aplicabilidade da lex fori:
“Essa vinculação entre a competência internacional e o direito aplicável, que caracteriza esse elementos de conexão, é denominada pela doutrina “lex fori in foro próprio”. O Seu campo de aplicação é, principalmente, o direito de família (proteção de menores e adoção) e
75 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado. Op. Cit., p. 163
79
foi adotada, também, em convenções elaboradas pela Conferência de Haia”76.
Entendemos que a grande vantagem (e principal) de se aplicar
a lex fori como elemento de conexão reside no fato do juiz poder aplicar o
direito ao qual possui mais domínio.
Sob o ponto de vista processualista, a adoção da lex fori
também se mostra benéfica, eis que, tendo o juiz maior domínio da norma
interna, poderá dar prosseguimentos aos feitos com maior rapidez e com uma
menor probabilidade de infringir qualquer questão de ordem pública.
2.3 Execução do Contrato Internacional
Entender o que se trata a execução do contrato internacional é
entender, antes de tudo, que não se trata da lex loci executionis, eis que se
tratam de conceitos distintos, mas que podemos resultar em confusão.
A lex loci executionis como estudamos anteriormente, trata-se
de um elemento de conexão que visa identificar qual sistema normativo será
aplicado em caso de ausência de manifestação das partes, utilizando como
critério o local em que o contrato será executado.
Neste sentido, Irineu Strenger alerta que “não poucas vezes
assistimos a prática errônea de considerar a lex loci executions com a tônica
interpretativa processual, e não como devera, com o sentido exato de lugar no
76 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado. Op. Cit., p. 163-164
80
qual o contrato deve ser cumprido, ou lugar no qual as obrigações assumidas
devem tornar-se efetivas”77.
2.3.1. Relações negociais
As relações negociais são estabelecidas através da
manifestação da vontade das partes contratantes em forma de cláusulas
contratuais que são dotadas de eficácia legal.
Desta forma, todas as obrigações contratualmente previstas
acabam por se tornar elementos imperativos às partes contratantes.
Teoricamente as cláusulas contratuais não deveriam abrir margem para
discussões e interpretações dúbias, no entanto vemos que na prática isto não
ocorre.
Por reiteradas vezes verificamos a existência de conflitos
interpretativos entre as partes contratantes que podem, uma vez não
solucionadas de forma amigável, levar a um litígio judicial ou arbitral.
No entanto, em que pese os conflitos interpretativos, em meio
às relações negociais, existem sempre alguns princípios basilares que deverão
prevalecer em quaisquer avenças.
Irineu Strenger78, citando a linha teórica de Mercadal e Janin,
aduz a existência de duas premissas fundamentais que regem os contratos: a
duração e a data de expiração.
77 STRENGER, Irineu. Contratos (...), Op. Cit. p.121
81
Em relação à duração, as partes são livres para fixar a data ao
qual o contrato celebrado irá entrar em vigor, podendo ser em data
determinada ou até mesmo mediante a ocorrência de um evento futuro (de
realização certa).
Verifica-se ainda, a possibilidade de execução contratual
subordinada a uma condição suspensiva, ou seja, “a concretização de um
acontecimento futuro e incerto, como, p.ex., a obtenção de uma autorização
administrativa”79.
Importante ressaltar que para a inclusão de qualquer condição
no contrato, não poderá esta ser imoral ou impossível. Caso a condição
incluída não atenda à tais requisitos, a cláusula em questão será nula, podendo
incorrer até mesmo na anulação do contrato caso trate-se de cláusula
essencial.
No outro extremo, a condição também não poderá ser
meramente potestativa do contratante que se obriga.
A inclusão de uma cláusula com condição suspensiva poderá
gerar 3 diferentes situações. A primeira delas verifica-se enquanto pendente a
condição, permanecendo suspenso o contrato. A segunda hipótese ocorre
quando a condição não se efetiva, devendo o contrato ser retroativamente
desfeito. Por fim, a última hipótese decorre da realização da condição, que
acaba por se tornar plenamente eficaz a partir, retroativamente, do dia em que
se formou.
78 STRENGER, Irineu. Contratos (...), Op. Cit. p.124 79 STRENGER, Irineu. Contratos (...), Op. Cit. p.124
82
Há também a possibilidade de resolução contratual em razão
de cláusulas resolutivas, ainda que menos comuns que as cláusulas
suspensivas.
Um contrato que contenha uma cláusula resolutiva será
plenamente executório desde sua conclusão, agindo como se inexistisse
qualquer condição. No entanto, ‘se a condição surge, o contrato encontra-se
retroativamente desfeito e as partes obrigadas a proceder restituições
recíprocas, de modo a atender o status quo ante, valendo a mesma
observação quanto aos contratos translativos, nos quais prevalecem os riscos
e atos de administração”.
Temos ainda a data de expiração do contrato como elemento
básico, principalmente nos contratos a longo termo e aqueles que encerram
atividades complexas, com prazos intermitentes ou escalonados.
Ainda em relação a data de expiração, podemos ter os prazos
de prazo determinado ou indeterminado, dependendo da fixação de um termo.
A distinção entre tais prazos faz-se relevante para a denunciação do contrato.
Caso estejamos diante de contratos de duração indeterminada,
poderão os contratantes denunciar o contrato a qualquer momento, ao passo
que um contrato de duração determinada acabo por impor que se cumpra
normalmente de acordo com o termo estabelecido.
83
Eventual resilição unilateral dos contratos indeterminados
geralmente não decorre de qualquer disposição formal acerca da resilição,
originando-se do princípio geral que proíbe vinculações eternas.
Ora, a existência de princípios gerais e até mesmos específicos
do Direito Internacional Privado é evidente e de larga aplicação, como por
exemplo a aplicação da Lex Mercatoria, Incoterm se outros princípios formados
a partir de um consenso internacional.
Vemos, portanto, que as relações negociais tratam-se
justamente das formas de conclusão de um contrato de acordo com a vontade
das partes, condicionadas à princípios gerais que regem a relação contratual
estabelecida.
2.3.2. Prazo dos contratos
Estabelecendo um paralelo, praticamente todos contratos
internacionais, assim como os contratos internos, estão sujeito à prazo (regras
temporais) para sua execução.
No entanto, no âmbito do direito internacional, o instituto do
prazo adota um papel de maior importância, não se limitando a ser uma mera
figura clausular que sujeitam as partes contratantes, neste sentido Irineu
Strenger:
“O prazo assume, nos contratos internacionais do comércio, fundamental importância, porque não está sujeito meramente à subjetividade dos contratantes, mas expressa consequência do objeto contratual, a ponto de se poder afirmar que o prazo está vinculado a regras técnicas de temporalidade.
84
O cumprimento ou descumprimento do prazo pode gerar, conforme as circunstâncias, consequências jurídicas de enorme repercussão, tanto como dado positivo ou negativo desse exercício contratual. De tal maneira os prazos contratuais interferem na substância do negócio jurídico que, muitas vezes, esse compromisso se confunde com cláusulas modais. Apenas como referencia, mencionem-se os chamados contratos a longo termo que, em matéria de prazos, podem assumir complexas variantes, sujeitas a requisitos descritivos de ampla gama”80.
Estabelecendo um paralelo entre o instituto do prazo e dos
riscos nos contratos internacionais, podemos verificar uma intrínseca relação
entre estes.
Ora, são os contratos a longo termo que possuem a maior
probabilidade de restarem prejudicados em razão do longo prazo de duração
que aumenta as chances de algum acontecimento externo ao contrato que
inviabilize o cumprimento contratual.
Quando do inadimplemento do prazo, as consequências
jurídicas, normalmente, desdobram-se em perdas e danos, ainda que se possa
discutir acerca da responsabilidade das partes contratantes.
Podemos verificar, portanto, que são as mais diversas as
formas de execução do contrato internacional, podendo este decorrer de
diversas espécies de cláusulas, desde condições e termos de ordem material
(ex.: pagamento) até termos temporais (prazo determinado).
2.4. Aplicação do direito estrangeiro e conflitos
80 STRENGER, Irineu. Contratos (...), Op. Cit. p.132
85
Ao longo do presente capítulo abordamos inúmeras
características próprias do contrato internacional, com foco no conceito de
contrato internacional, os elementos de conexão e formas de execução do
contrato.
Neste viés, resta tão somente, para cumprir com o objetivo do
presente capítulo e concluir o ciclo dos contratos internacionais, entender como
se dá a efetiva aplicação do direito estrangeiro quando da análise do contrato
pelo Poder Judiciário do Estado, bem como algumas técnicas próprias do
direito internacional privado (ex.: reenvio).
Afinal de contas, o elemento de conexão, por si só não é
suficiente para a efetiva determinação de qual direito material será aplicado em
caso de solução de conflitos entre os contratantes quando, por exemplo, temos
diante de uma inexecução contratual.
Antes de mais nada faz-se necessário discernir acerca do
direito estrangeiro objeto do presente estudo.
De acordo com Maristela Basso, o direito que deverá ser
aplicado deverá sempre ser o direito privado comum estrangeiro, ou seja, o
direito substancial/material estrangeiro. Não se pode admitir a aplicação do
direito privado especial (direito internacional privado estrangeiro), na medida
que sua aplicação poderia implicar na aplicação de técnicas não admitidas
expressamente pelo direito brasileiro, como a técnica do "retorno" ou
"devolução".
Tal entendimento decorre do raciocínio lógico de que, estando
o fato misto/multinacional sob análise da legislação brasileira, por exemplo,
86
deverá prevalecer as normas indicativas de direito internacional privado
brasileiras. A aplicação de normas indicativas diversas poderão acarretar
conflitos e incompatibilidades com o ordenamento jurídico em questão.
2.4.1. Conflito de qualificações
Um dos objetivos da norma de direito internacional privado é a
aplicação de determinada lei estrangeira pelo juiz nacional.
Através do sistema de solução de conflitos de leis, baseado em
princípios e regras com tal objetivo, busca-se a determinação da lei aplicável,
seja ela substancial doméstica ou estrangeira.
A aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional é realizada
com base no art. 16 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro que
assim dispõe:
Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
Conforme desprende-se do artigo supra indicado, o legislador
optou por proibir o reenvio, de forma que este não pode ser utilizado pelo juiz
nacional quando este se depara com a aplicação do direito estrangeiro indicado
pela norma de solução de conflito de leis no espaço.
Com o intuito de facilitar a compreensão da solução do conflito
de leis no espaço, citemos as etapas elencadas por Maristela Basso:
87
“1. Reconhecimento de que estamos diante de um fato comum do direito privado que contém elementos estrangeiros;
2. entendimento de que os elementos estrangeiros que se associaram ao fato comum o transformaram em um fato misto/multinacional – isto é, geram o conflito de leis no espaço;
3. qualificação (definição) da natureza jurídica do fato analisado (direito pessoal/direito de família/direito das coisas/ direito das sucessões etc.). A qualificação é feita com base na lex fori – no direito do país onde a questão foi levada à apreciação do Poder Judiciário (por exemplo: examinado o caso no Brasil, pelo juiz brasileiro, a qualificação do problema em análise – de sua natureza jurídica – será de acordo com o direito brasileiro).
4. determinação/identificação da regra de solução de conflito de leis segundo a natureza jurídica do fato em análise (art. 7º da LICC para direito pessoa e direitos de família; art. 8º da LICC para o direito das coisas etc.);
5. de acordo com a regra de conflito identificada acima, chega-se ao elemento de conexão (domicílio, localização do bem, local da celebração do contrato etc.) e deste ao direito aplicável. Isto é, a norma de solução do conflito de leis indica – se servindo do elemento de conexão – direito aplicável;
6. entendimento de que o direito indicado pela norma de solução de conflitos DEVE resolver o conflito de leis e não criar outro conflito ou retardar sua solução. Daí por que o direito indicado pela norma é SEMPRE o direito material – que poderá ser o nacional ou o estrangeiro (segundo o local do domicílio, localização do bem, local da celebração do contrato etc.);
7. aplicar ao caso o direito rigorosamente indicado pela norma de solução de conflito: seja o nacional ou o estrangeiro (mas sempre o direito material/substancial)”81.
É importante frisar que a norma indicativa do direito
internacional, como já havíamos exposto anteriormente, não busca a solução
do litígio em si, mas tão somente indicar o direito material aplicável.
2.4.2. Conflitos positivos e negativos
Em se tratando o direito de uma ciência inexata, ainda que
apliquemos a referida técnica de solução de conflitos normativos, verificamos
que a existência de conflito pode persistir, seja conflito positivo ou negativo.
81 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado. São Paulo: Atlas, 2009, p. 215
88
Entende-se por conflito negativo quando ambos ordenamentos
jurídicos entendem pela aplicabilidade do direito estrangeiro e não o interno.
Por outro lado, o conflito positivo trata-se exatamente da situação inversa, em
que mais de um ordenamento jurídico entende pela aplicabilidade de sua
norma interna.
O exemplo mais evidente de ambas as situações pode ser
verificado quando da discussão acerca da capacidade do indivíduo quando se
trata da legislação brasileira e francesa em conflito.
De acordo com a legislação brasileira, a capacidade do
indivíduo será determinada conforme a lei do domicílio que este se encontra. A
legislação francesa, por sua vez, estabelece que aplicar-se-á a lei da
nacionalidade do indivíduo.
Portanto, vemos duas situações conflituosas. Na primeira
delas, de conflito negativo, temos um brasileiro domiciliado na França. Ora,
nesta hipótese a legislação francesa entende pela aplicação da legislação
brasileira, e ao contrário, a legislação brasileira entende pela aplicação da
legislação francesa.
A segunda situação, de conflito positivo, pode ser facilmente
constituída caso, ao invés de um brasileiro residente na França, seja um
francês residente no Brasil, onde ambos ordenamentos jurídicos irão se
considerar aplicáveis ao caso.
89
Quando da existência de conflito negativo, verifica-se a
existência de reenvio, retorno ou devolução, onde “devolve-se à lex fori, em
virtude de uma regra de direito internacional privado estrangeiro, a solução do
caso com conexão internacional apreciado pelo juiz, aplicando-se o direito do
foro ou outro direito por aquele indicado. Aqui se fala, respectivamente, em
reenvio de primeiro ou segundo graus”82.
Tal posicionamento foi desenvolvido com o intuito de facilitar a
aplicação da própria lex fori (lei nacional) para proteger os indivíduos e seus
interesses.
No Brasil, no entanto, com a redação do art. 16 da Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro os tribunais foram impedidos de
utilizar-se do “reenvio”.
De acordo com Maristela Bassos, “a doutrina, comentando o
referido dispositivo, concebe uma interpretação restritiva, de que o juiz
nacional, ao aplicar a lei estrangeira, deve ter em conta seu conteúdo
normativo e abrangência: o direito material estrangeiro é que deve ser aplicado
ao caso com conexão internacional quando assim indicado pelas normas de
direito internacional privado, sem qualquer remissão a outro direito”83.
Ainda que a lex fori seja um referencial para que o juiz
determine a aplicação do direito estrangeiro (ressalvada a hipótese do juiz
brasileiro que não o pode fazer em decorrências das razões supra indicadas),
pode-se verificar o desdobramento em soluções não equitativas.
82 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional (...) Op. Cit. 218 83 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional (...) Op. Cit. 219
90
Por tais motivos, parte da doutrina critica a impossibilidade de
aplicação do “reenvio”, defendendo que os conflitos de lei no espaço não
devem ser solucionados com rigor lógico-matemático. Deverá o juiz resolver o
conflito de normas da forma mais harmônica possível, de forma a minimizar
eventuais conflitos, ainda que isso signifique aplicar a lei interna ou estrangeira.
91
CAPÍTULO 3 – RISCOS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DO
COMÉRCIO
Iniciamos nossos estudos com a definição de contrato sob o
ponto de vista do Direito brasileiro, aquele que possuímos maior afinidade dada
a impossibilidade de estudarmos todas os sistemas normativos existentes e
cada uma de suas peculiaridades.
Posteriormente, buscamos alcançar um ponto em comum, em
meio do direito internacional, abordando os elementos de conexão e demais
elementos que caracterizam um contrato como sendo “internacional”.
Desta forma, podemos observar que já possuímos toda a base
teórica necessária para estudar de forma satisfatória o principal elemento do
presente estudo: os riscos nos contratos internacionais do comércio, a começar
pelo básico, ou seja, a própria noção de risco contratual.
3.1. Noções de riscos contratuais
Os riscos contratuais traduzem um elemento presente na maior
parte dos contratos internacionais estabelecidos, e são de grande valia para
entendermos a origem e como se formam determinadas cláusulas contratuais.
Ora, o risco é sempre um fator muito importante em qualquer
tipo de relação jurídica. Qualquer bem está suscetível a inúmeros fatores
externos que possam ocasionar sua depreciação total ou parcial.
92
Tal fator poderá ser mais ou menos impactante dependendo do
tipo de bem, seu método de transporte, agente depreciador ou até mesmo a
sua importância.
Os anseios do homem fazem com que este busque garantir-se
de eventuais danos e prejuízos que possa sofrer em decorrência da
concretização de algum desses riscos.
O exemplo mais claro da atenção que é dada ao risco é a
criação do contrato de seguros, no qual, nada mais é do que a transferência do
risco do bem do segurado, ao segurador, mediante o pagamento de um
prêmio. Porém, o contrato de seguro não é a única forma de resguardar um
bem de um eventual risco.
Celso Ribeiro Bastos é bem claro quando dispõe, a respeito da
transferência de risco:
“cumpre determinar com clareza até que momento o vendedor se responsabiliza pelos danos ou perdas.Significa dizer que ele não será mais obrigado a repor os bens danificados ou perdidos nem a indenizar. Portanto. Trata-se, em suma, do problema de determinar a quem cabe suportar o prejuízo advindo da perda ou dos danos sofridos pelos objetos transacionados”.84
Em razão desta busca das partes em sempre se resguardar de
quaisquer eventuais danos a serem suportados, busca-se a inclusão de
determinadas cláusulas contratuais que irão excluir ou limitar a
responsabilidade da parte em caso da concretização dos riscos levados em
consideração.
84 BASTOS, Celso Ribeiro; KISS, Eduardo Amaral Gurgel. Contratos Internacionais. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 20.
93
Portanto, eis que temos a criação e aplicação das chamadas
cláusulas limitativas (de responsabilidade) e as cláusulas resolutivas do
contratos, que nada mais buscam do que minimizar eventuais prejuízos a
serem suportados pelos contratantes.
3.2. Riscos imprevisíveis
Quando da formação contratual, buscar-se-á, conforme acima
disposto, determinar com exatidão quem, quando e qual o valor a ser
suportado por uma ou ambas partes contratuais em caso de eventual fato
danoso.
Ocorre que determinarmos fatos danosos não podem ser
antevistos, de forma que se faz necessário a adoção de determinadas
cláusulas que estabeleçam qual a atitude a ser tomada, podendo se tratar
inclusive de resolução contratual.
Neste sentido Irineu Strenger faz uma breve, mas precisa
análise acerca dos riscos imprevisíveis e seu “espaço” em meio aos contratos
internacionais:
“A sistemática implantada na prática do comércio internacional, relativamente aos contratos que instrumentam sua atividade não dispensa, como forma cautelar, a perfeita elucidação dos motivos que possam influir, independentemente da vontade das partes, na eventual inexecução do convencionado. A expressão independente da vontade das partes é bem conotativa do significado que se imprime às poucas circunstâncias em que a lex consensualis pode ser desvirtuada, isto é, não ter eficácia para garantir o cumprimento das avenças contratuais”85.
85 STRENGER, Irineu. Contratos (...), Op. Cit. p. 227
94
De uma forma geral, a partir do momento em que as partes
celebram um acordo, estas assumem a responsabilidade pela inadimplência ou
eventual execução defeituosa do contrato.
Não obstante, vemos que em determinadas situações tem-se
causas justas para sua inadimplência ou execução defeituosa que acabam por
explicar de forma satisfatória e justa o porquê, sem culminar em direitos
reparatórios ou demais exigências.
3.2.1. Força Maior
A primeira cláusula exoneratória de responsabilidade que
iremos estudar são as cláusulas que englobam as situações de Força Maior
(force majeure). Atualmente, podemos perceber que dificilmente teremos um
contrato internacional do comércio que não tenha uma cláusula exoneratória de
responsabilidade.
As situações descritas como Força Maior podem ser as mais
variadas, indo desde um ato governamental de natureza legislativa, um
determinado evento da natureza e até uma simples circunstância do mercado.
No Código Civil, em seu art. 393 prevê que o devedor não irá
responder “pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado”. O Parágrafo Único
ainda complementa que tais elementos se verificam “no fato necessário, cujos
efeitos não era possível evitar ou impedir”.
95
Em relação as circunstâncias do mercado, é importante definir
de forma eficaz em que ponto está passará a ser entendida como risco
imprevisível, neste sentido dispõe Celso Bastos86:
“O que é importante notar é que meras flutuações de mercado não caracterizam força maior ou caso fortuito, uma vez que essas áleas do comercio são próprias de todo ato comercial. O que aqui está se definindo são aquelas modificações profundas, cuja previsão não estava ao alcance das partes, por serem anômalas, absolutamente fora da previsibilidade de qualquer comerciante cuidadoso e previdente”.
Ora, afinal de contas, o próprio mercado possui natureza
volátil, na medida em que seu dinamismo permite variações rápidas, previsíveis
desde que em menor escala. No entanto, de tempos em tempos podemos
observar mudanças extremas no mercado que poderão configurar uma forma
de risco imprevisível.
Portanto, podemos perceber a necessidade da ocorrência de
três pressupostos para que se configure essa cláusula supressiva da
obrigatoriedade dos contratos:
1-) Evento necessita ocorrer fora do controle de qualquer
das partes, ou seja, qualquer uma das partes não tenha a
possibilidade de evitar a ocorrência do evento.
2-) Nenhuma das partes podem ser legalmente
responsáveis nos termos do contrato, ou seja, no caso de
uma parte ter assumido responsabilidade pela ocorrência
86 BASTOS, Celso Ribeiro; KISS, Eduardo Amaral Gurgel. Contratos Internacionais. Op. Cit., p. 25-26
96
de tal evento, por óbvio, a superveniência deste não pode
lhe aliviar a carga contratual.
3-) A natureza do evento seja tamanho a ponto de destruir
toda a base contratual na qual o mesmo foi firmado ou, ao
menos, a tornar o seu cumprimento extremamente
oneroso do que o inicialmente previsto.
A definição exata do que é a Força Maior deverá ser buscada
em cada sistema jurídico, porém, em razão de reiterados entendimentos acerca
da expressão em contento, podemos alcançar uma definição que poderíamos
definir como clássica, e outras, de heterodoxas.
Irineu Strenger dispõe que as formas mais singelas que temos
de força maior são aquelas vinculadas diretamente aos fenômenos naturais, às
guerras e à política. No entanto, tais realidades se mostram insuficientes para
os atuais contratos, o que ocasiona, sob o ponto de vista prático, uma tentativa
dos contratantes e assessores jurídicos em “fechar o cerco da exoneração da
responsabilidade, procurando ser cada vez mais explícitos e taxativos na
enumeração das circunstâncias”87.
De acordo com a publicação Force Majeure et Imprévision, a
Câmara de Comércio Internacional, a expressão force majeure (Força Maior)
deveria receber a designação de clause d'exoneration ou clause de
dégagement, ou seja, tratava-se de uma exoneração ou libertação da
obrigação.
87 STRENGER, Irineu. Contratos (...), Op. Cit. p. 228
97
O autor Luiz Olavo Baptista, citando os autores Aubin e
Portwood, ainda busca esclarecer sobre uma "outra modalidade de cláusulas
de exoneração de responsabilidade: as recíprocas - são cláusulas por meio das
quais as partes concordam em se proteger mutuamente contra reclamações e
evitam as discussões para se determinar a responsabilidade de uma ou outra
parte (...)"88
Além da publicação supra indicada, a convenção de Viena
sobre a Venda Internacional de Mercadorias de 1980, fixou, em seu art. 79,
determinadas diretrizes que se aproximam à cláusula d'exoneration da CCI:
"1. Uma parte não é responsável pela inexecução de qualquer das suas obrigações se provar que tal inexecução se ficou a dever a um impedimento alheio à sua vontade e que não era razoável esperar que ela o tomasse em consideração no momento da conclusão do contrato, o prevenisse ou o ultrapassasse, ou que prevenisse ou ultrapassasse suas consequências"
Podemos facilmente identificar que tal definição adotada pela
convenção de Viena "contém os elementos clássicos, ou seja, o evento ocorre
independentemente de ato ou vontade de qualquer das partes, a sua
imprevisibilidade, e a impossibilidade de escapar aos seus efeitos"89.
Em relação a imprevisibilidade, Luiz Olavo Baptista indica as
cláusulas com influência alemã e francesa para que possamos ter uma melhor
compreensão de sua definição90:
“Força maior são contingências não causadas por nenhuma das partes e imprevisíveis no momento de conclusão do contrato, incontroláveis e que tornam impossível o cumprimento das obrigações contratuais”.
88 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.230 89 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.230. 90 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.230
98
“Entendemos por força maior todos os acontecimentos independente da vontade das partes, imprevisíveis e inevitáveis, ocorridos após a entrega em vigor do contrato e que impedem a execução integral ou parcial das obrigações que derivam desse contrato”.
Portanto, verifica-se que em direitos semelhantes ao brasileiro,
temos como essenciais para a caracterização da força maior a
imprevisibilidade, a inevitabilidade e a exterioridade em relação a vontade das
partes, resultando na impossibilidade de cumprimento da obrigação.
No entanto, conforme havíamos anteriormente dito, não há
como se estabelecer uma definição absoluta sobre o que é a Força Maior, mas
podemos elencar determinados fatos comumente previstos:
"a) Cataclismos: terremotos, tufões, tempestades, incêndios, aluviões, inundações, seca, raios, congelamento de estradas e linhas férreas, epidemias, em que os ingleses usam a expressão: Acts of God e os países socialistas empregavam Acts of the elements como fórmula genérica que, ou engloba todos esses cataclismos, ou inclui os olvidados na enumeração. Estes fatos, na classificação brasileira, na maioria das vezes, entrariam como casos fortuitos.
b)Conflitos armados: guerra, revoluções, atos de terroristas, bloqueios, tal como exemplifica a cláusula seguinte:
"guerras, hostilidades (seja a guerra declarada ou não), invasão, atos terroristas, rebelião, revolução, insurreição militar ou poder usurpado, Guerra civil ou (diferentemente que entre os empregados do próprio contratante) revoltas, tumulto ou desordem"
c) Conflitos do trabalho: tal como se lê em certa cláusula:
"greves gerais, greves organizadas sindicalmente na empresa do vendedor e nas empresas de seus subcontratados"
d) Fato do príncipe: nele incluídas as proibições de exportação e importação, a impossibilidade de obter autorizações ou alvarás de construção, congelamento de fundos, especialmente moeda estrangeira, restrições ao uso de energia, e outros atos da administração que se procuram englobar em fórmulas amplas (...)
f) Quebra de máquinas e acidentes análogos: constituem o último tipo de evento contemplado nas cláusulas de força maior."
Após a previsão contratual de todos os elementos da força
maior, e com sua posterior ocorrência, deverão tais cláusulas também estatuir
99
qual deverá ser o comportamento que deverão as partes adotar ante a
ocorrência da situação prevista.
Primeiramente, em geral, devemos lidar com a notificação do
evento de força maior. Esta deverá ser realizada rapidamente, termo este que
pode ser substituído por expressões de igual cunho indicativo, como por
exemplo "as soon as possible", "aussitôt", "within a reasonable time" e
acompanhada da prova do fato de força maior.
Tal prova deverá ter, na medida do possível, sua forma
contratualmente prevista. Normalmente utiliza-se a menção a certidões de
autoridades competentes, ou declarações de câmaras de comércio.
A ocorrência do evento danoso poderá desencadear duas
possíveis posturas a serem adotadas pelos contratantes, a primeiro consiste
nas partes ou a uma delas, se empenhar para contornar e minimizar os
prejuízos do ocorrido, já a segunda possibilidade consiste em o fato evento
danoso fazer cessar todos os efeitos do contrato em questão.
Geralmente, quando um contrato prever que as partes, ou
apenas uma delas, deveram minimizar prejuízos, temos também cláusulas que
prevêem a suspensão ou alteração dos prazos e outras condições do contrato.
Devemos lembrar ainda que, não obstante os contratos
internacionais normalmente preverem que a parte deverá agir de forma a
minimizar danos e prejuízos, tal esforço é difícil de ser provado, além de ser
duvidosa a avaliação tendo em vista o conceito subjetivo.
100
Sob o ponto de vista teórico no Direito brasileiro, entendemos
que "o evento de força maior é definido como irresistível, o que tornaria
qualquer esforço para contorná-lo inútil ou, se contornável fosse, não seria o
caso de força maior. A concessão de prazos e a suspensão do contrato por
certo período são exemplo de que, quando (ou onde) se entende por
passageira a força maior, seus efeitos não são absolutos"91
Uma vez verificada a impossibilidade de se contornar os
prejuízos advindos da Força Maior, bem como a não cessados os efeitos da
mesma, apenas podemos contemplar a ocorrência da rescisão contratuais ou
renegociação.
Tais possibilidades (rescisão e renegociação) apenas deverão
operar-se quando verificado que o evento de Força Maior inviabilizou ou tornou
inútil a execução do contrato em contento.
A primeira delas, como o próprio nome diz, de forma bem
simples, consiste em extinguir o referido contrato, de forma a desobrigar ambas
as partes conforme as condições contratuais previstas.
Não obstante todas as dificuldades apresentadas em razão da
Força Maior, podemos vislumbrar em certas ocasiões a possibilidade de
renegociação contratual.
Para que se opere a renegociação, deverá o contrato prever
todos os passos a serem adotados para se alcançar tal renegociação. Desta
91 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.235.
101
forma, geralmente tem-se a situação levada a árbitros que buscam a equidade
entre as partes através da propositura de novas condições contratuais.
De forma a facilitar a previsão contratual da Força Maior, a
Câmara de Comércio Internacional propôs uma cláusula-padrão a ser adotada:
"This clause, known as the 'ICC Force Majeure Clause 2003', is intended to apply to any contract which incorporates or either expressly or by reference"92
Vale lembrar que as condições, tolerância e prazos acordados
entre as partes possui relação direta com a necessidade do fornecimento bem
como com as tratativas negociais estabelecidas anteriormente.
Como forma de ilustrar tudo aqui exposto, mostra-se relevante
mencionar um exemplo de cláusula contratual de força maior apresentado pelo
autor Luiz Olavo Baptista:
"If, by reason of the non-availability to the Bank of Eurodollars in the London Interbank Eurocurrency Market, it becomes impossible for the Bank to make or continue to make the Commitment available on the basis contemplated by this agreement, the Bank shall promptly so notify the Borrower, whereupon the Bank and the Borrower shall search for an alternative basis for continuing the Commitment whether by making the Commitment available from some source other than the London Interbank Eurocurrency Market or from other branch or branches of the Bank. If such alternative is not available or is not acceptable to the Borrower, the Bank shall make available in the New York market, to an American subsidiary of Borrower, under the guarantee of the Borrower, dollars at the same rate at which the Bank would make an Advance to a major United States domestic company in similar amounts and maturities"93.
92 ICC Publication nº 650. 93 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.237.
102
Concluídos nossos estudos acerca da cláusula de Força Maior,
passemos a estudar a segunda cláusula relacionada a riscos imprevisíveis, a
cláusula Hardship.
3.2.2. Cláusula Hardship
Ao iniciarmos nossos estudos acerca da Cláusula Hardship,
podemos perceber que esta já poderia ser encontrada, mesmo que ainda em
uma forma embrionária, no início do século.
Ocorre que, provavelmente em decorrência da alta
complexidade das relações contratuais-comerciais internacionais, aliado às
incertezas globais, as cláusulas de hardship ganharam força e grande
aplicabilidade apenas recentemente.
Tal cláusula pode ser frequentemente encontrada quando de
contratos a longo termo, ou seja, aqueles que lidam com operações que
demandam um grande prazo de vigência contratual, como por exemplo
fornecimento de matérias-primas, vias férreas, oleodutos, construção de usinas
petroquímicas e até mesmo em contratos que lida-se com a chamada
"tecnologia de ponta".
Em relação ao conceito de tal cláusula, devemos ter em mente
que determinados autores utilizam como sinônimo o termo Cláusula de
Adaptação.
No mais, na medida em que tal conceito se assemelha a
cláusula de Força Maior, no que diz respeito à imprevisibilidade e à
103
inevitabilidade do evento, também se distância quando lidamos a respeito do
fato gerador, sendo que na cláusula hardship apenas temos um aumento na
onerosidade quando da execução contratual, de forma a provocar um
desequilíbrio contratual significativo, que não se verificava quando do início do
contrato.
Continuando acerca da comparação da cláusula hardship,
entendemos que esta deverá se afastada da teoria da lesão em razão desta se
referir ao desequilíbrio de prestações desde o início do contrato, ou até mesmo
antes, enquanto a cláusula hardship se limita a eventual desequilíbrio causado
por força de fato imprevisível e inevitável, durante o contrato.
Não obstante a existência de definições doutrinárias a respeito
do que são e como se constituem as cláusulas hardship, estas apenas terão
sua conceituação teórica quando devidamente definida na redação do contrato.
Como bem preceituado, devemos entender que quando
lidamos com as cláusulas de hardship "as circunstâncias, sempre imprevisíveis
e exteriores à vontade das partes, ao contrário do que ocorre com a força
maior, não se devem às forças da natureza ou a fatos de terceiros, mas a
movimentos amplos no ambiente do contrato, especialmente os da
economia."94
Uma vez ocorrido o evento danoso, devemos avaliar a qual
momento poderá se invocar a cláusula de hardship, afinal de contas, devemos
corretamente definir o que poderá ser considerado prejuízo.
94 BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. Op. Cit., p.242.
104
Quando lidamos com a definição de prejuízo, devemos nos ater
a definições como, por exemplo, "un prejudice matérie lexagéré" ou "substantial
and disproportionate prejudice to either party", "substantial economic hardship",
dentre outras expressões.
Quando falamos de cláusula hardship, a forma de solução de
conflitos, notadamente com o intuito de diminuir ao máximo os prejuízos, e
reduzir a onerosidade para uma das partes, esta se assemelha às cláusulas de
força maior.
Tal semelhança se verifica na medida em que se busca a
solução do conflito através da arbitragem, a estipulação de prazos de carência,
dentre tantas outras previsões que as partes assim desejarem com o objetivo
de rever a avença, e em caso de verificar-se pela impossibilidade da revisão, a
rescisão contratual.
3.3. Cláusula arbitral como forma de mitigar riscos contratuais
Como observamos anteriormente, a existência de riscos
contratuais é constante e podem se apresentar de formas previsíveis e
imprevisíveis. Seja em qualquer uma das modalidades, uma cláusula de
arbitragem sempre manterá suas características básicas.
O instituto da arbitragem, ou juízo arbitral trata-se de uma dos
primeiros métodos de solução de conflitos conhecidos pela história. Trata-se de
uma forma das partes pacificarem suas relações conflituosas mediante a
intervenção de um terceiro, de forma privada.
105
Um dos órgãos mais respeitados internacionalmente quando o
assunto é arbitragem é o ICC – International Chamber of Commerce, que bem
explica o instituto da arbitragem internacional e suas vantagens:
“Arbitration is a flexible, consensual process for resolving business disputes in a binding, enforceable manner. The decision makers are called arbitrators, or collectively the arbitral tribunal. The arbitral tribunal comprises one or more independent individuals selected by the parties or appointed through a mechanism that the parties have agreed upon. An arbitral tribunal’s substantive decision is called an award. Awards in international arbitrations are not subject to any appeal (save in a very limited number of jurisdictions) and can be enforced under both domestic and international enforcement regimes including, notable, the 1958 New York Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards. (…) Businesses choose arbitration over litigation because of its neutrality, finality, enforceability, procedural flexibility, and the ability to choose the arbitrators. A survey undertaken by Queen Mary University Law School in London and first published in 2006 concluded that, for the resolution of cross-border disputes, “73% of respondents prefer to use international arbitration, either alone (29%) or in combination with Mediation or other amicable settlement techniques in a multi-tiered dispute resolution process (44%)”, and that “the top reasons for choosing international arbitration are flexibility of procedure, the enforceability of awards, the privacy afforded by the process and the ability of parties to select the arbitrators”95.
No Brasil trata-se de um instituto legislado a muito tempo mas
que, até o início do século, foi pouco utilizado, não se firmando como uma
opção viável para os contratos celebrados em território nacional.
De acordo com Cláudio Finkelstein, tal fato dá-se “um pouco
pela cultura avessa à intervenção privada em um domínio tido como exclusivo
do judiciário estatal, um pouco pelo desprestígio ao instituto outorgado pela lei
vigente anteriormente, que quando o fazia demandava um procedimento
extremamente gravoso para dar guarida às decisões arbitrais”96.
95 Arbitration. Disponível em: http://www.iccwbo.org/products-and-services/arbitration-and-adr/arbitration. Acessado em 17/11/2014. 96 FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. 2ª Edição. São Paulo: Ed. Atlas, 2013, p. 165.
106
No entanto, tal panorama foi alterado a partir da edição da Lei
nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem), que resultou em uma inclusão do instituto em
meio às pautas de discussões acadêmicas e comerciais com o posterior apoio
dos tribunais superiores.
Quando da edição da lei supra indicada o legislador brasileiro
não estabeleceu regras distintas para a arbitragem internacional e nacional, se
preocupando tão somente com o procedimento de homologação dos laudos
arbitrais estrangeiros. Por este motivo, a legislação brasileira adota o critério
geográfico para determinar sua internacionalidade.
Por outro lado, a Lei de Arbitragem delimitou qual a matéria
que poderá ser submetida à arbitragem:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Portanto, pelo menos no Brasil, a arbitragem restringe-se a
litígios que versão a direitos patrimoniais disponíveis, deixando a cargo da
jurisdição estatal todas as demais matérias, “especialmente aquelas cuja
titularidade de tutela, em razão da indisponibilidade dos direitos discutidos,
pertence ao Estado, ainda que de cunho patrimonial”97.
No âmbito internacional e para seus operadores, a arbitragem,
sem dúvidas se mostra o meio mais eficaz para a solução de eventuais
controvérsias que apareçam em meio à relação das partes contratantes.
97 FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. Op. Cit., p. 167
107
Outro ponto merecedor de destaque é a natureza da
arbitragem. De acordo com a corrente predominante, seguidora da doutrina de
Scmitthoff, interpreta a arbitragem como um instituto misto. Tal interpretação
decorre de sua “origem privada, contratual e de procedimentos equiparados por
lei à atividade jurisdicional”98.
Inúmeras são as vantagens da arbitragem que podem ser
citadas. Dentre os principais pontos favoráveis temos a preservação da
autonomia da vontade das parte, maior rapidez em comparação com o
Judiciário, maior especialização e capacidade técnica do árbitro e possibilidade
de manutenção do sigilo sobre os assuntos abordados.
A arbitragem decorre de expressa vontade das partes
contratantes por meio da convenção de arbitragem, podendo se manifestar em
duas diferentes espécies: cláusula compromissória (ou cláusula arbitral) e o
compromisso arbitral.
Assim como em outros pontos do presente estudo, nos
atentaremos, para facilitar a compreensão, à definição dada pela legislação
brasileira, podendo haver alguns distinções relação a outros institutos jurídicos.
Preceitua o art. 4º e 9º da Lei de Arbitragem a definição das duas espécies:
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
98 FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. Op. Cit., p. 167
108
(...)
Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.
§ 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda.
§ 2º O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.
Analisando ambos artigos podemos definir, de forma mais
simples, que a cláusula compromissória trata-se de uma previsão abstrata de
que os contratantes elegem a arbitragem como a forma de solução de
quaisquer conflitos futuros.
Não obstante a previsão da cláusula arbitral na Lei de
Arbitragem, esta também é adotada pelo Código Civil de 2002:
Art. 853. Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial.
Por outro lado o compromisso arbitral dar-se-á após a
individualização da controvérsia, em que os contratantes indicam qual o efetivo
litígio, determinando ainda quem será(ão) o(s) árbitro(s), qual procedimento e
quais prazos adotados.
Desta forma, a diferença mais básica é no sentido de que a
cláusula compromissória não se trata de um contrato perfeito e acabado, sendo
uma medida preventiva em face a possibilidade do surgimento de um litígio.
Já o compromisso arbitral possui força vinculativa, impedindo
que o litígio seja resolvido pela justiça comum, de forma que as partes deverão
109
se comprometes a resolverem suas controvérsias perante os árbitro
estabelecidos.
3.3.1. Arbitragem no comércio internacional
Por mais básico que pareça, vale esclarecermos que uma
arbitragem será comercial quando está objetivar dirimir demandar que se
originaram de transações comerciais internacionais.
Em sua grande maioria, o objeto de análise da arbitragem
instituída são disputas relativas à execução de contratos internacionais, sejam
eles celebrados entre Estados e particulares estrangeiros, ou entre particulares
de diferentes países.
Caberá às partes escolher: (a) o(s) arbitro(s) ou quais os
critérios para sua designação; (b) quais as regras de direito a serem aplicadas
para a solução do conflito; (c) linguagem a ser utilizada e; (d) o local em que o
julgamento ocorrerá.
Vale esclarecer que a arbitragem internacional não poderá
estar totalmente desvinculada de qualquer legislação estatal, eis que tão
somente o Estado é o detentor do poder de coerção e, uma decisão arbitral
sem poder coercitivo não poderá, por óbvio, ser executada.
O instituto da arbitragem internacional possui vasta regulação
internacional através de convenções internacionais. Dentre algumas de maior
relevância, podemos citar:
110
Convenção Européia de 1961 (Genebra)
Lei Modelo (Soft Law) – Adotada pela Comissão das Nações Unidas sobre Direito Comercial Internacional (UNCITRAL) de 1985
Convenção de Nova Iorque de 1958
Nesta última, ratificada pelo Brasil tão somente em 23/07/2002,
através do Decreto nº 4.311, temos a busca do reconhecimento e aplicação
das convenção e decisões internacionais:
“Article I
1. This Convention shall apply to the recognition and enforcement of arbitral awards made in the territory of a State other than the State where the recognition and enforcement of such awards are sought, and arising out of differences between persons, whether physical or legal. It shall also apply to arbitral awards not considered as domestic awards in the State where their recognition and enforcement are sought. Article II 1. Each Contracting State shall recognize an agreement in writing under which the parties undertake to submit to arbitration all or any differences which have arisen or which may arise between them in respect of a defined legal relationship, whether contractual or not, concerning a subject matter capable of settlement by arbitration. Article III
Each Contracting State shall recognize arbitral awards as binding and enforce them in accordance with the rules of procedure of the territory where the award is relied upon, under
the conditions laid down in the following articles. There shall not be imposed substantially more onerous conditions or higher fees or charges on the recognition or enforcement of arbitral awards to which this Convention applies than are imposed on the recognition or enforcement of domestic arbitral awards”99.
Ora, através de toda nossa análise acerca da arbitragem
podemos facilmente perceber que a arbitragem se trata de um importante
elemento de solução de conflito internacional (provavelmente o mais
importante, por sinal), recebendo enorme visibilidade internacional. 99 Convention on the Recognition and enforcement of foreign arbitral awards. United Nations Conference on International Commercial Arbitration. Disponível em: www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/arbitration/NYConvention.html. Acessado em 10/11/2014
111
Portanto, sendo a arbitragem uma forma de solução de conflito
internacional, entendemos que também se trata de uma forma de redução dos
riscos contratuais, na medida em que sua existência poderá servir como
preenchimento das lacunas deixadas pelas cláusulas contratuais de risco.
Através da arbitragem internacional, as partes retiram o litígio
da apreciação do Poder Judiciário, passando o litígio a ser apreciado por
arbitro(s) especializados no litígio, o que muitas vezes não ocorrer quando da
apreciação do Poder Judiciário, o que poderá resultar em decisões prejudiciais
a ambas as partes contratantes.
Uma vez o litígio apreciado por arbitro(s) escolhido(s) pelas
partes, em sua grande maioria, temos redução de custos e a maximização do
proveito econômico do contrato.
Não obstante todos os inúmeros benefícios da arbitragem,
resta a dúvida, seria a cláusula arbitral, juntamente com demais elementos
contratuais que veremos adiante, instrumento suficiente para que os riscos
contratuais sejam satisfatoriamente diminuídos?
3.4. Incoterms
Seguindo um pouco a ideia original da Lex Mercatoria temos os
Incoterms. Os Incoterms surgiram como uma forma de organizar e suprir a falta
de uniformização dos termos internacionais do comércio, ou seja, os
entendimentos entre os países devem ser uniformizados para que assim se
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previna qualquer eventual "mal entendimento" ou "confusão". Neste sentido
dispõe Antônio Márcio Guimarães:
"(...) visando uniformizar, reduzir, ou mesmo simplificar e principalmente ter mais certeza acerca das cláusulas contratuais no comércio internacional, surgiram os Incoterms, que acabam por estabelecer um conjunto de regras bem definidas das transações mais usuais.
O surgimento dos Incoterms, na forma como os conhecemos hoje, se deu em 1936, através da CCI - Câmara de Comércio Internacional, com sede em Paris, na França, e têm sido atualizados, até hoje (...)"100.
Os Incoterms ganharam tamanha importância dentre as
constituições dos contratos internacionais, que a escolha de um ou outro
Incoterm já é o suficiente para se estabelecer inúmeras informações e
diretrizes do contrato que está sendo celebrado, havendo, portanto,
informações claras acerca de como que este se operará.
A utilização de um determinado Incoterm no contrato
internacional traz maior segurança e precisão ao contrato, no tocante às
responsabilidades de cada parte, tais como - local, forma de entrega do bem,
momento do pagamento, forma de transporte da mercadoria, cobertura
securitária, tudo relacionado não somente à quem se responsabiliza pela
contratação deste ou daquele item (seguro, frete, etc.), mas também quem se
responsabiliza pelo seu pagamento.
Através dos Incoterms as partes têm a absoluta certeza e
precisão do negócio que estão contratando, independentemente de seus
costumes locais e dificuldades de entendimento da língua, uma vez que estes
100 GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 107
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termos internacionais do comércio são traduzidos em quase todas as línguas
existentes no mundo, sempre com o mesmo e preciso significado.
Tendo em vista a grande quantidade de Incoterms,
passaremos a analisar apenas aqueles mais importantes no âmbito das
relações comerciais internacionais.
3.4.1. Ex Works “EXW” (“Fora de fábrica”)
Tal Incoterm define que basta que o vendedor acondicione a
mercadoria na embalagem apropriada em seu próprio estabelecimento, para
retirada pelo comprador. Portanto, todos os custos e responsabilidade com
frete, seguro, transporte e etc. serão de responsabilidade do comprador.
3.4.2. Free carrier “FCA” (“Transportador livre”)
Nesta situação o vendedor apenas tem sua obrigação
cumprida quando realiza a entrega da mercadoria, pronta para exportação, aos
cuidados do transportador no local estipulado e, portanto, a partir daí, a
responsabilidade passa para o comprador.
3.4.3. Free Alongside Ship "FAS" ("Livre ao lado do navio")
De acordo com este Incoterm deverá o vendedor entregar a
sua mercadoria no porto de embargue da carga, logo ao lado do navio em que
esta será embargada e, portanto, todos os curtos relacionado a contratação do
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frete e do seguro internacional ficarão a cargo do comprador. Tal termo possui
aplicabilidade apenas quando se tratar de transporte aquaviário.
3.4.4. Free on Board "FOB" ("Livre a bordo")
Tal Incoterm se assemelha ao anterior. A mercadoria deverá
ser embarcada, ou seja, a responsabilidade do vendedor vai até o momento em
que este embarga a mercadoria no transporte aquaviário. "Ressalte-se que o
transportador internacional é contratado pelo comprador (importador).
Logo, na venda FOB, o exportador precisa conhecer qual o
termo marítimo acordado entre o comprador e o armador, a fim de verificar
quem deverá cobrir as despesas de embarque da mercadoria"101.
3.4.5. Cost, insurance and freight "CIF" ("Custo, seguro e frete")
Aqui o vendedor assumirá os custos, o frete, bem como a
obrigação de contratar o seguro sobre perdas e danos no transporte. Devemos
lembrar, porém, que o vendedor só será obrigado a contratar o seguro com
cobertura mínima. Assim como o FOB e o FAS, este incoterm aplica-se apenas
para transporte aquaviário.
3.4.6. Delivery Duty Paid "DDP" ("Entregue com impostos pagos")
Será considerada cumprida a obrigação quando o vendedor
entregar a mercadoria em disponibilidade no local designado do país do 101 GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Direito Internacional. Op. Cit., p. 110.
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comprador e, portanto, assumindo todos os riscos até a entrega, e até mesmo
as formalidades alfandegárias do país do comprador, adicionando-se até
mesmo o ônus de pagar os impostos de importação, e demais tributos do país
do comprador.
3.5.Lex Mercatoria
Ainda como forma de diminuir os riscos nos contratos
internacionais através da uniformização das regras e costumes quando da
elaboração de contratos internacionais do comércio, temos a aplicabilidade da
Lex Mercatoria.
Numa análise mais simples, a Lex Mercatoria pode ser
entendida como sendo o direito dos comerciantes (internacionais), ou seja, o
conjunto de normas, práticas, costumes e regras praticados ao longo dos anos,
décadas e séculos, pelos diversos comerciantes estabelecidos em diferentes
localidades do mundo.
Em relação a definição de Lex Mercatoria vale citarmos a
construção de Cláudio Finkelstein:
“Lex Mercatoria é, em apertada síntese, a compilação dos usos e costumes aplicados a uma determinada atividade comercial internacional, que, devido a sua complexidade, mutabilidade e flexibilidade, não devem ser regulador em lei, para não descaracterizar a real intenção dos comerciantes que transacionam segundo tais regras”102.
102 FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. Op. Cit., p. 171.
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A princípio, não existia ainda o conceito moderno de Estado-
nação, de países regularmente estabelecidos, com legislações específicas,
fronteiras, justiça (poder judiciário estatal), moeda, etc., mas já existiam sim, os
comerciantes se relacionando e vendendo e comprando suas mercadorias
mundo afora. E entre eles, funcionavam suas próprias regras - Lex Mercatoria.
Por volta de 1600, quando um inglês, a serviço do reino da
Inglaterra, viajou por inúmeros pontos comerciais, relatando todas as
diferenças comerciais, práticas, costumes e até mesmo medidas de conversão
monetário ou metrológica (centímetros, metros, polegadas, jardas e etc.),
acabou por publicar uma edição com o nome de Lex Mercatoria, que nada mais
era do que um compêndio tentando divulgar todas estas informações acerca
das práticas comerciais existentes naquela época.
De qualquer forma, podemos dizer que a Lex Mercatoria é o
direito dos comerciantes, o direito do comércio internacional, na medida em
que este surgiu através de práticas reiteradas nas relações comerciais
internacionais.
Ocorre que, justamente em decorrência das suas origens nos
usos e costumes comerciais, a rigidez normativa, ou seja, o processo de
codificação das normas é seu maior "inimigo".
Com a implementação dos códigos normativos em âmbito
interno como, por exemplo, o código civil napoleônico na França, a Lex
Mercatoria perdeu muito sua força, alguns autores chegando a defender que
esta havia acabado, suplantava que foi, pelas normas consagradas no direito
interno dos países.
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Não obstante tal opinião, entendemos de forma diversa, na
medida em que, apesar da codificação efetivamente dificultar a utilização da
Lex Mercatoria, devemos sempre nos atentar ao fato de que as normas
positivadas não conseguem prever todas e quaisquer situações, na medida em
que se faz necessário a utilização de outras fontes para a solução de eventuais
litígios.
Conforme as relações comerciais internacionais foram
ganhando grandes proporções no que diz respeito ao dinamismo e alcance
internacional, as normas não foram capazes de acompanhar tais
"atualizações", e passaram a dividir sua importância com as regras da Lex
Mercatoria, que ainda hoje tem papel de grande relevo no comércio
internacional e servem para solucionar inúmeras situações internacionais,
mormente quando não há previsão no direito interno dos países, ou quando
este remete a solução para a prática habitual dos comerciantes internacionais.
Eis que, tendo em vista tal ineficiência da norma positivada, a
Lex Mercatoria “ressurge”, preenchendo assim, o imenso “buraco” deixado
pelas normas positivadas. Muitos autores definem esse ressurgimento como
sendo a Nova Lex Mercatoria.
Lembremos ainda que, atualmente, muitas normas internas
preveem expressamente a aplicabilidade da Lex Mercatoria quando da solução
de litígios, sendo amplamente reconhecida sua importância em âmbito
internacional.
Além de todo o histórico “instável” da Lex Mercatoria, no que
tange a sua aplicabilidade, podemos verificar que existem outros pontos
controvertidos que são merecedores de destaque.
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Cláudio Finkelstein ressalta a discussão em meios acadêmicos
em relação à própria existência da Lex Mercatoria onde temos, de um lado
correntes que defendem sua validade e outras que entendem pela
impossibilidade de existência de uma lei “a-nacional”, sem que haja qualquer
vínculo com um sistema jurídico Estatal ou intergovernamental.
A respeito do assunto, cabe mencionarmos o posicionamento
de Gourion e Peyrard:
“[a] lex mercatoria, com efeito, constitui uma ordem jurídica, na medida em que ela é reconhecida por um número considerável de jurisdições nacionais. No entanto, ela constitui igualmente um terceiro gênero, peculiar, na medida em que ela não tem origem nem nas legislações nacionais, nem nas convenções internacionais e nem tampouco na jurisprudência dos Tribunais (...) o direito do comércio é, assim, essencialmente, aquele dos comerciantes”103.
Em meio a corrente doutrinária que entende pela validade da
Lex Mercatoria como instituto próprio, sem a necessidade de uma vinculação
estatal, temos desdobramentos que vão além da mera validade da Lex
Mercatoria.
De acordo com Berthhold Goldman104, as normas da Lex
Mercatoria são cogentes, devendo o árbitro considerar as mesmas como
normas de ordem pública. Goldman defende que entre as normas da Lex
Mercatoria e as normas estatais internas existe uma relação de hierarquia e
não concorrência, devendo prevalecer a Lex Mercatoria em casos de conflitos
de direito internacional privado.
103 GOURION, Pierre Alain; PEYRARD, Georges. Droit du commerce international.3ª edição. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 2001, in FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. Op. Cit., p. 172 104 STRENGER, IRINEU. O direito do comércio internacional e lex mercatoria. São Paulo: Ed. LTr, 1996, p. 75
119
Por outro lado, temos aqueles que defendem a necessidade de
vinculação da Lex Mercatoria com um dado sistema de regras, sendo
imprescindível sua subordinação a um direito nacional.
Mann, citado por Cláudio Finkelstein, é um dos juristas que
defendem tal corrente doutrinário, sendo relevante citar seu entendimento:
“se [na lex mercatoria] existisse algo que não fosse um sentido arbitrário de justiça ou equidade, mas que fosse efetivamente uma lei, não seria necessário limitar o escopo da aplicação da lex mercatoria à arbitragem. Por que deveria uma cláusula arbitral ser interpretada de modo a conferir a um árbitro poderes que um juiz não possui ou exerce?”105.
Ora, não acreditamos que a visão de Mann seja a mais correta.
Afinal de contas, temos inúmeras decisões arbitrais que se baseiam na Lex
Mercatoria, sendo esta mais antiga que inúmeras leis de extrema relevância,
como o Código Civil napoleônico.
Sob nosso ponto de vista, o entendimento de Goldman nos
parece mais correto e coerente com as últimas decisões arbitrais, eis que em
um cenário internacional privado, os usos e costumes já se demonstraram de
grande valia, além de serem claramente reconhecidos por diversos Estados.
Diante do histórico e das correntes doutrinárias da Lex
Mercatoria podemos perceber que esta se mostra ser uma ferramenta de
grande relevância para os riscos nos contratos.
105 MANN, F. A. Lex Mercatoria and arbitration. Leiden: Juris Publishing Kluwer Law, 1998, in FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. Op. Cit., p. 173.
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Isto pois, a partir do momento em que temos um contrato
internacional do comércio e este deixa de realizar qualquer menção a algum
risco em específico, a Lex Mercatoria agirá de forma eficaz, suprimindo a falta
da cláusula, preenchendo a lacuna, e trazendo uma resposta, com base nos
usos e costumes, satisfatória para a situação.
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CONCLUSÃO
Iniciamos nossos estudos com o conceito e as características
dos contratos sob o ponto de vista do direito que temos maior afinidade, o
Direito Brasileiro. Posteriormente passamos ao estudo dos contratos de
comércio no âmbito internacional e, por fim, apresentamos as principais e mais
comuns formas de se dirimir os riscos nos contratos.
Cabe a nós agora responder a problemática inicialmente
apresentada quando do início do presente estudo: Seriam as cláusulas e
demais formas de mitigação dos riscos nos contratos, elementos suficientes
para que os contraentes possam, de forma satisfatória, se resguardar dos
eventuais prejuízos?
Ora, conforme amplamente abordado no presente estudo,
temos a impossibilidade técnica de prever todas e quaisquer situações de risco
em um contrato internacional do comércio.
A dimensão das possibilidades fáticas a serem abordadas no
contrato acabaria por inviabilizar sua formação, eis que a celebração de
qualquer contrato seria uma tarefa árdua e de difícil conclusão.
Qualquer fator que dificulte ou atrase a formação de qualquer
contrato é amplamente descartada pelo mercado eis que, conforme pode-se
perceber através das mudanças comerciais históricas, quanto mais rápido dar-
se-á a formação do contrato, mais benéfico aos partes contratantes será.
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Imaginemos uma relação de importação de produtos perecíveis
que serão transportadas por navio. A demora na elaboração do contrato
poderá, inclusive, ocasionar a perda do produto em questão, motivo pelo qual o
mercado exige rapidez nas transações comerciais.
Como forma de suprimir tais dificuldades temos convenções e
tratados internacionais, aliados aos Incoterms e a Lex Mercatoria, que acabam
por diminuir o tempo de elaboração do contrato através de cláusulas pré-
estabelecidas de amplo conhecimento do mercado.
No entanto, ainda que tais elementos desempenhem um papel
vital nas relações comerciais internacionais, estes ainda são insuficientes em
meio à imensa quantidade de possibilidades fáticas.
Portanto, o problema persiste, ainda temos inúmeros riscos aos
quais os contratos estão submetidos e que seria inviável incluí-los no contrato,
sob pena de inviabilizar o negócio jurídico como um todo.
Após o desenvolvimento do presente trabalho, acreditamos que
a resposta mais satisfatória para resolver a problemática apresentada é o
instituto da arbitragem, seja através de cláusula arbitral como compromisso
arbitral.
Em um contrato internacional do comércio com cláusula arbitral
expressa vemos altas possibilidades das partes, satisfatoriamente, resolver
todos e quaisquer conflitos não previstos quando da elaboração dos contratos.
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A arbitragem se mostra como um dos métodos mais eficazes
(isso se não o mais eficaz) de solução de conflitos, e sua inclusão em meio a
um contrato internacional de comércio nos parece não apenas aconselhável,
como obrigatório.
A partir do momento que um contrato internacional do comércio
prevê expressamente que as partes se comprometem a resolver seus conflitos
não dispostos nas cláusulas, por meio da arbitragem, configura-se um método
eficaz e seguro de mitigação dos riscos contratuais.
O comprometimento dos contratantes à arbitragem traduz-se
em submeter o conflito à análise de um especialista indicado pelos próprios
contratantes, que resultará (muito provavelmente) na melhor solução cabível ao
caso.
Portanto, a arbitragem, ao que tudo indica, preenche da melhor
forma possível às lacunas deixadas pelas cláusulas contratuais, resultando em
uma grande diminuição dos riscos contratuais.
Neste viés, retomando a problemática inicialmente proposta,
podemos concluir que todos os elementos e institutos desenvolvidos com o
intuito de mitigar os riscos contratuais, como os Incoterms, a Lex Mercatoria, as
Convenções e Tratados internacionais e, principalmente, a arbitragem, agem
de forma eficaz na redução dos riscos contratuais.
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REFERÊNCIAS
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