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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC/SP
Vanessa Luciano Pozzoli
“O que entende você por pragmatismo?”:
Alguns confrontos entre os pragmatismos de C. S. Peirce e W. James
Mestrado em Filosofia
São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC/SP
Vanessa Luciano Pozzoli
“O que entende você por pragmatismo?”:
Alguns confrontos entre os pragmatismos de C. S. Peirce e W. James
Mestrado em Filosofia
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Filosofia, sob a
orientação do Prof. Dr. Ivo Assad Ibri.
São Paulo
2016
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
Esta pesquisa foi realizada com o auxílio de bolsa dissídio,
oferecida pela Fundação São Paulo (FUNDASP),
mantenedora da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP).
A meus pais,
com eterna gratidão...
AGRADECIMENTOS
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela oportunidade de realizar esta pesquisa
com o auxílio da bolsa dissídio, e também aos professores do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Filosofia, por todo o conhecimento que não poupam em nos transmitir.
Ao meu orientador, Prof. Ivo Assad Ibri, que acompanhou cuidadosamente o
desenvolvimento deste trabalho, instigando com suas aulas a estudos sempre mais audazes em
Peirce, e estando sempre à disposição para uma revisão atenta de cada capítulo da pesquisa.
Aos professores da Banca, Prof. Edelcio Gonçalves de Souza e Prof. Rogério da Costa, por
terem solicitamente aceitado o convite, e também ao Prof. Antônio José Romeira Valverde,
que, junto ao Prof. Edelcio, trouxeram significativas sugestões na Qualificação.
A meus pais, meus irmãos e toda a minha família e amigos, que de alguma forma
contribuíram para que este trabalho fosse realizado da maneira mais leve possível, com
conversas, sugestões, momentos de descontração e orações.
Qual é a verdadeira definição de pragmatismo, eu acho algo difícil de dizer.
Mas sei que na minha natureza há uma espécie de atração instintiva
por fatos vivos.
(PEIRCE, CP 5.64)
Eu espero poder conduzi-lo a encontrar
o modo equilibrado de pensar que você busca.
(JAMES, P, p. 504)
ABREVIATURAS
CP = Collected Papers (seguido do número do volume e da seção numerada).
W = Writings of Charles Sanders Peirce (seguido do número do volume e da página).
P = Pragmatism (seguido do número da página).
MT = The meaning of Truth (seguido do número da página).
RESUMO
“Você e Schiller levam o pragmatismo muito longe para o meu gosto” (CP 8.258). É
assim, muito francamente, que Peirce se expressa em uma das cartas que escreve a William
James, em meados de 1904. Como já é sabido, o pragmatismo não manteve uma unidade de
interpretação entre os seus teóricos; ao contrário, deu origem a matizes de pensamentos dos
mais diversos, entre eles, o de Charles Peirce e o de William James — talvez as filosofias
pragmáticas mais conhecidas. Mas seriam essas diferenças tão grandes quanto se costuma
dizer? O que ambos entendem por pragmatismo? Que papel essa teoria exerce dentro do
universo conceitual de cada autor? Por que Peirce acredita que James “foi longe demais”?
Onde eles divergem? Essas são algumas das questões que esta pesquisa buscará investigar. E
para respondê-las, propomos ao leitor um “mergulho” nas filosofias de Peirce e James,
pinçando aqueles aspectos que julgamos mais relevantes para o objetivo que aqui se busca.
Para isso, seguiremos a seguinte estrutura, dividida em três momentos: um primeiro que irá
situar historicamente a corrente pragmática; um segundo que mostrará, especificamente, como
Peirce e James compreendem o pragmatismo; e um último, partindo das particularidades de
cada um, que buscará traçar alguns dos possíveis pontos de convergência e divergência entre
uma concepção e outra.
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia Americana. Pragmatismo. Pragmaticismo. Realismo.
Nominalismo. Charles S. Peirce. William James.
ABSTRACT
“You and Schiller carry Pragmatism too far for me” (CP 8.258). Thus, quite frankly,
after asking the question of this lecture’s title (What do you understand by it [pragmatism]?
(CP 8.253)), Peirce had expressed himself in one of the letters he wrote to William James in
1904. As already known, Pragmatism did not maintain a unity of interpretation among its
theorists; on the contrary, it gave rise to a several nuances of thoughts, between them, that of
Charles S. Peirce and William James, maybe the pragmatic philosophies most known.
However, are these differences as big as we are used to say? What does each one mean by
Pragmatism? What is the role of this theory in the conceptual universe of each author? Why
does Peirce believe that James “carry Pragmatism too far”, as mentioned above? Where do
they differ? To answer these questions, we propose the reader a diving in Peirce’s and James’
philosophies, selecting those aspects that we judge more relevant to this search. To this
objective, we will follow a structure divided into three moments: the first will situate
historically the term “pragmatism”; the second will show how Peirce and James conceive the
notion of pragmatism; and, finally, taking into consideration the particularities of each, the
last one will delineate some of the possible points of convergence and divergence between
both conceptions.
KEYWORDS: American Philosophy. Pragmatism. Pragmaticism. Realism. Nominalism.
Charles S. Peirce. William James.
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................................................. 12
CAPÍTULO I — Elementos históricos do pragmatismo ....................................................................... 14
1.1. Considerações sobre a origem do pragmatismo ............................................................................. 14
1.2. Uma filosofia americana ................................................................................................................ 19
CAPÍTULO II — O pragmatismo peirciano ......................................................................................... 24
2.1. “Um cientista em atividade”: o pragmatismo como máxima lógica .............................................. 24
2.2. A máxima pragmática .................................................................................................................... 27
2.3. O Realismo de Peirce ..................................................................................................................... 32
2.4. Realismo e Pragmatismo ................................................................................................................ 37
CAPÍTULO III — O pragmatismo jamesiano ...................................................................................... 39
3.1. “Um médico em atividade” ............................................................................................................ 39
3.2. Temperamentos na História da Filosofia........................................................................................ 40
3.3 O pragmatismo como teoria da verdade .......................................................................................... 42
3.4. O Nominalismo de James ............................................................................................................... 50
CAPÍTULO IV — Alguns confrontos entre os pragmatismos de Peirce e James ................................ 53
4.1. Pontos de convergência .................................................................................................................. 54
4.2. Pontos de divergência..................................................................................................................... 57
4.2.1. Realismo de Peirce x Nominalismo de James ............................................................................. 59
4.2.2. Princípio lógico x vida prática .................................................................................................... 64
Considerações finais .............................................................................................................................. 69
Referências ............................................................................................................................................ 71
12
INTRODUÇÃO
O tema desta investigação nos pareceu muito instigante, pois nasceu de uma pergunta
muito simples, mas ao mesmo tempo intrigante: Peirce e James, enquanto principais nomes de
uma mesma corrente da Filosofia — a saber, do Pragmatismo —, trazem diferenças
significativas em seus pensamentos? Se sim, quais são elas? E quanto às semelhanças, elas
existem? No campo de estudo desses dois autores, encontramos vasto material acerca da
teoria pragmática de cada um, mas comparações aprofundadas entre ambos são escassas. O
que é facilmente encontrado são breves comentários, em meio a pesquisas sobre outros temas,
que apontam para possíveis comparações entre Peirce e James; mas trabalhos específicos
sobre o assunto são poucos. É por isso que a presente pesquisa vem animada de um
entusiasmo a mais de “curiosidade” por investigar o assunto da seguinte forma: reunindo
ideias que estão soltas entre os principais estudiosos do tema, sintetizando-as e fazendo uma
exposição sistemática de possíveis relações entre ambos os autores.
Esse objetivo, de fato, nos parece audacioso. Por isso alertamos que não pretendemos
esgotar o tema — isso nem mesmo seria possível, como em tudo na Filosofia — mas apenas
fazer esse exercício de “sistematização” que deixe registrado em um único trabalho alguns
elementos de comparação entre os pragmatismos de Peirce e James; isso a fim de abrir
caminho para futuras investigações acerca do assunto que, aí então, aprofunde em cada um
dos pontos levantados nessa pesquisa.
Assim, pensamos ser adequado dar início a essa empreitada explicando a citação que
figura no título do trabalho: “O que entende você por pragmatismo?”. Charles S. Peirce fez
esse questionamento em uma correspondência endereçada a William James, datada de
novembro de 1900. Assim ele se expressa: “Quem deu origem ao termo ‘pragmatismo’, eu ou
você? Quando é que apareceu impresso pela primeira vez? O que entende você por
pragmatismo?” (CP 8.253, grifos nossos). Esse trecho deixa transparecer dois elementos que
podem ser relevantes para este início de investigação. O primeiro é mostrar, através dos dois
questionamentos de Peirce, como o pragmatismo não manteve uma unidade de interpretação
entre os seus teóricos1; ao contrário, suscitou mundo afora desdobramentos dos mais diversos.
1 A grande variedade de nuances existente dentro da corrente pragmática é frequentemente motivo de crítica, a
ponto de afirmarem que o pragmatismo é um mero “aglomerado de correntes desconexas que estão
historicamente relacionadas, as quais nunca se desenvolveram em um todo sistemático” (WAAL, 2007, p. 235).
13
Os questionamentos de Peirce advêm justamente desse fato, pois percebeu que o conceito que
havia fundado estava tomando formas variadas — entre elas, a de James — e muito distantes
da sua formulação original. Isso significa que teremos um vasto campo de estudo a explorar,
uma vez que o desenvolvimento do pragmatismo no universo conceitual de cada autor nos
parece ser muito abrangente.
Um segundo elemento pertinente que podemos extrair da citação acima está ligado ao
fato desta fazer parte de uma troca de correspondências; isso significa que os dois autores que
são objeto deste estudo viveram no mesmo período e chegaram a trocar, em vida, ideias sobre
as suas respectivas teorias. Daí que essa ponte entre Peirce e James que é aqui proposta não é
uma relação feita apenas postumamente — como grande parte das pesquisas filosóficas acaba
sendo, por tratar muitas vezes de autores que viveram em épocas e lugares distantes — mas
sim fruto de uma discussão que já começou em vida entre os próprios autores, o que foi
possível graças ao fato dos mesmos serem contemporâneos (viveram entre o fim do século
XIX e início do século XX) e conterrâneos (ambos eram norte-americanos). Isso significa que
algumas das nossas hipóteses acerca das semelhanças e diferenças entre seus pensamentos
poderão se basear em correspondências ou mesmo em trechos de artigos e comunicações em
que um faz referência ao outro, e vice-versa. Acreditamos que esse fator pode enriquecer
muito a pesquisa.
Para realizarmos essa análise, propomos ao leitor um “mergulho” nas filosofias de
Peirce e James. Para isso, seguiremos a seguinte estrutura, dividida em três momentos: um
primeiro que irá situar historicamente a corrente pragmática; depois, um segundo — que
abrangerá o segundo e o terceiro capítulos — que mostrará, especificamente, como cada um
dos autores — Peirce e James, respectivamente — concebe a noção de pragmatismo; e um
último que, tendo em conta as particularidades de cada um, buscará traçar alguns dos
possíveis pontos de convergência e divergência entre uma concepção e outra.
No entanto, é preciso ter em conta que o pragmatismo mostra-se muito mais como um método de filosofia do
que como uma teoria filosófica; e daí a sua fecundidade para gerar pensamentos dos mais variados. No decorrer
desse trabalho, teremos a oportunidade de desenvolver melhor esse aspecto.
14
CAPÍTULO I — ELEMENTOS HISTÓRICOS DO PRAGMATISMO
Dizer o que é exatamente o pragmatismo
descreve muito bem o que eu e você teremos de desvendar juntos.
(CP 5.16)
1.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM DO PRAGMATISMO
Daremos início a este primeiro capítulo, de cunho sobretudo histórico e introdutório,
onde levantaremos alguns elementos acerca do contexto histórico e intelectual do
Pragmatismo que podem nos ajudar a compreender melhor a sua origem e então repercussão.
Neste primeiro item nos debruçaremos sobre os aspectos relacionados à origem do
pragmatismo, tanto sob o viés linguístico, quanto sob o viés histórico. Começaremos com o
aspecto linguístico, ou seja, falaremos da origem da palavra que leva o nome da corrente
filosófica em questão.
O termo “pragmatismo” tem sua raiz na palavra grega pragma. Alguns estudiosos do
tema dizem que, apesar disso, tal corrente filosófica não tem sua origem no conceito grego de
pragma, mas sim no conceito kantiano de pragmatisch. No entanto, se formos investigar,
veremos que o conceito kantiano não apenas tem a sua origem etimológica na palavra grega
(como a própria grafia nos sugere), mas tem também o seu fundamento conceitual na mesma.
Explicamo-nos.
No grego, há duas palavras que remetem à noção de “ação”, de “prática”; são elas:
práxis e pragma. A primeira refere-se a um agir mais amplo, àquele conjunto de ações
humanas que forma o ethos do homem. Já a segunda alude ao resultado de uma ação, ao ato
de fabricar, ao “agir eficiente”. É interessante observar que essa segunda concepção só irá
aparecer a partir do século VI a.C.; isso significa que não são observadas ocorrências nas
tragédias de Homero e Hesíodo, por exemplo, mas apenas a partir do momento em que “o
homem funda o sistema de sobrevivência a que chamou polis, que o obriga a discutir,
calcular, decidir, ocupar-se de sua própria sobrevivência em outra perspectiva que não aquela
estruturada pelas comunidades familiares” (ANDRADE, 2000, p. 12). Isso de alguma forma
15
nos mostra que o conceito de pragma só passou a ser requerido — e daí o seu surgimento —
quando o contexto da sociedade exigia resultados práticos para uma melhor convivência.
Suas ocorrências surgem quando os homens falam de seus problemas imediatos
exigentes de soluções ainda desconhecidas e das tarefas que cumprem objetivando
algo. [...] O mundo das cidades é exigente de soluções novas, pois a ele se
apresentam problemas novos. [...] Nesse novo éthos das cidades, que não pode
prescindir de outros ângulos para os negócios, para as leis, para as edificações de
seus templos e casas — o que pressupõe uma outra visão do espaço e tempo do viver
— a palavra pragma surge muito forte: ela é a obra, a tarefa útil, necessária;
pragmatikós é o que diz respeito ao agir eficiente, deve resultar no ato útil, esperado;
[...] Tais significações presentificam-se nos textos, na maior parte das vezes,
envolvendo o fazer como ocupação, indicando uma habilidade que parece necessária
ao modus vivendi das cidades. Espera-se das ações sua eficácia porque muitas delas
provêm da busca anterior de soluções de problemas nunca antes experimentados
pelos novos cidadãos. (ANDRADE, 2000, pp. 12-13)
E para Kant? Segundo Dewey, em “A Metafísica dos Costumes” (1797), Kant
distingue os termos praktish e pragmatisch, dizendo que aquele aplica-se a leis morais a
priori e este a regras da arte e da técnica baseadas e aplicadas à experiência (cf. DEWEY,
2007, p. 228). Ora, se formos analisar, tal distinção em muito se parece com a definição grega
de práxis e pragma, em que uma volta-se para questões mais abrangentes da moral (práxis e
praktish) e a outra, a questões mais diretamente associadas à experiência (pragma e
pragmatisch). O próprio Peirce, em uma determinada passagem, fará referência ao grego,
deixando claro que tinha consciência da derivação que os conceitos kantianos tinham das
palavras gregas.
A essa doutrina ele [Peirce] deu o nome de “pragmatismo”. Alguns dos seus colegas
gostariam que ele a tivesse chamado de “praticismo” [practicism] ou “praticalismo”
[practicalism] (talvez pensando que praktikos é um melhor grego do que
pragmatikos). Mas para quem aprendeu filosofia a partir de Kant, como este autor
[...], e para quem naturalmente ainda pensa em termos kantianos, praktish e
pragmatisch são tão distantes quanto os dois pólos; o primeiro pertencendo a uma
região do pensamento, onde nenhuma mente de tipo experimentalista pode encontrar
terreno sólido sob seus pés, e o último expressando a relação a algum propósito
humano definido. De fato, o aspecto mais premente da nova teoria era o
reconhecimento de uma inseparável conexão entre cognição racional e propósito
racional; e essa consideração foi o que determinou a escolha pelo nome
“pragmatismo”. (CP 5.412)
16
Assim, podemos concluir que a “origem direta” do termo “pragmatismo” foi o
conceito kantiano de pragmatisch, mas não podemos negar que, indiretamente, a sua origem
foi o conceito grego de pragma.
Outro fato interessante em relação ao nome da corrente filosófica que estamos
investigando é quanto ao posterior descontentamento dos seus autores com o próprio nome
“pragmatismo”. Isso por dois motivos. Um primeiro porque, para além da definição específica
que demos acima, a palavra “pragmático” sempre teve, no senso comum, uma conotação
negativa, com um sentido de algo que visa apenas resultados práticos, imediatos e úteis, como
é possível constatar nesta definição de “senso comum” do Dicionário Michaelis: “Pragmático
(adj.): que tem como foco o bom êxito da ação; eficiente, objetivo, prático”; no entanto, como
veremos mais para frente, o pragmatismo vai muito além de uma mera teoria que visa o êxito
da ação. E um segundo motivo, que se aplica principalmente a Peirce, é que ele via que os
teóricos do pragmatismo estavam desenvolvendo seus respectivos pensamentos de formas tão
diversas que ele mesmo, o “fundador”, não mais reconhecia a sua doutrina original e, por isso,
preferia não ser identificado com tal corrente.
Para exemplificar essa insatisfação, é bem conhecida a atitude de Peirce de propor a
substituição do termo pragmatismo por “pragmaticismo”, na tentativa de não ter a sua
filosofia vinculada ao que correntemente estava sendo difundido acerca do tema; e também
James, no prefácio das suas conferências sobre Pragmatismo (1907), demonstrará a sua
insatisfação com o que comumente era entendido por movimento pragmático, dizendo: “eu
não gosto deste nome, mas aparentemente já é tarde demais para mudar”. O pragmatista
britânico C. S. Schiller, citado por Cornelis de Waal, dirá que “havia tantos pragmatismos
quantos eram os pragmatistas” (WAAL, 2007, p. 14).
Visto a sua origem linguística, passemos agora para a histórica. Um fato histórico
crucial para compreendermos a origem do Pragmatismo é a existência do Metaphysical Club.
É sabido que, em meados de 1871, Peirce fundou o que seria um “grupo de estudos”,
chamado Metaphysical Club2. Desse grupo faziam parte oito integrantes: Oliver Wendell
Holmes Jr., Joseph Warner, Nicholas St. John Green, Chauncey Wright, John Fiske, Francis
2 Para mais detalhes sobre o Metaphysical Club, conferir: CP 5.12; BRENT, 1998, p. 85-89; FISCH, Max.
“American Pragmatism before and after 1898”. In American Philosophy from Edwards to Quine. Oklahoma
University Press, pp. 78-110, 1977; FISCH, Max. “A Chronicle of Pragmatism”. In The Monist 48 (1964): 441–
66; FISCH, Max. “Philosophical Clubs in Cambridge and Boston: from Peirce’s Metaphysical Club to Harry’s
Hegel Club”. In Peirce Semiotic and Pragmatism: Essays by Max Fisch. Indianna University Press, pp. 137-170.
17
Ellingwood Abbot e, claro, Peirce e James. Peirce relata que as reuniões eram feitas ora no
seu escritório, ora no de James (cf. CP 5.12), ambos em Cambridge, Massachusetts. O grupo
deve ter durado cerca de alguns meses apenas e não deixou nenhum registro oficial. Com a
sua dissolução, Peirce, com receio de que as discussões ali fomentadas fossem esquecidas,
escreveu um pequeno ensaio, com algumas ideias suscitadas no grupo, e deu-lhe o nome de...
“pragmatismo”. É por isso que, de certa forma, podemos dizer que o “berço” do Pragmatismo
foi o Metaphysical Club, pois as reflexões que ali surgiram inspiraram um primeiro esboço
daquilo que, alguns anos depois, se tornaria esta conhecida corrente da Filosofia.
Como o próprio Peirce descreve, foi desse despretensioso ensaio — que a princípio
não possuía um objetivo acadêmico — que nasceu o primeiro artigo publicado sobre esse
“novo”3 método da Filosofia, que seria a semente para o desenvolvimento da doutrina de
muitos outros estudiosos pelo mundo — hoje “genericamente” chamados pragmatistas.
[...] com a dissolução do clube, receando que não ficasse nenhum souvenir material,
escrevi um pequeno ensaio expressando algumas das opiniões que vinha
desenvolvendo naquela época sob o nome de pragmatismo. O ensaio foi recebido
com uma bondade tão inesperada que me senti encorajado, seis anos depois, a
publicá-lo, um pouco mais expandido, a convite do grande editor Appleton, no
Popular Science Monthly. (CP 5.13)
O artigo publicado na Popular Science Monthly (em novembro de 1877 e janeiro de
1878), e que no ano seguinte foi publicado na revista francesa Revue Philosophique (Vol. VI,
1878, p. 553; Vol. VII, 1879, p. 39), é o conhecido “Como tornar as nossas ideias claras”.
Nele, Peirce ainda não usa exatamente a palavra “pragmatismo”, mas já enuncia, pela
primeira vez, aquela que seria considerada a máxima pragmática, empregada nos seguintes
termos: “Considere quais efeitos, que concebivelmente poderiam ter consequências práticas,
3 A respeito da “novidade” do pragmatismo, Cornelis de Waal faz uma interessante observação: “Isso não
significa que esses homens acreditassem que o pragmatismo era algo radicalmente novo, um método
revolucionário nunca antes descoberto. Em vez disso, o pragmatismo era a adoção sistemática e consciente de
um método que os filósofos vêm praticando desde a Antiguidade. Peirce ousadamente declarou que a novidade
de uma ideia é um dos sinais mais certos de sua falsidade. E, para mostrar a nobreza de pedigree do
pragmatismo, até Jesus ele chamou de pragmatista, lendo sua máxima ‘conhece-os pelos seus frutos’ como uma
versão precoce da máxima pragmática. James buscou resumir o mesmo ponto quando pôs, em seu famoso livro
Pragmatismo, o subtítulo: ‘Um novo nome para algumas antigas maneiras de pensar’.” (WAAL, 2007, p. 18).
18
concebemos que tenha o objeto de nossa concepção. Então, a concepção destes efeitos é o
todo de nossa concepção do objeto.”4 (CP 5.402)
Pode-se dizer que este trecho é um marco na história do Pragmatismo. É a partir dele
que todos os outros pensadores dessa corrente irão desenvolver as suas próprias filosofias,
cada qual com a sua especificidade. Quanto a essa “paternidade” — digamos assim — não há
discordância5: todos admitem que foi Peirce quem lançou as sementes do Pragmatismo ao
enunciar sua máxima. Inclusive James o admite. Uma passagem interessante que mostra isso
se encontra em uma troca de correspondências, datada de novembro de 1900, em que Peirce
pergunta: “Quem deu origem ao termo pragmatismo, eu ou você? Quando é que apareceu
impresso pela primeira vez? O que entende você por pragmatismo?” (CP 8.253). Ao que
James responde: “Você inventou o pragmatismo e eu lho atribuí numa conferência intitulada
Concepções filosóficas e resultados práticos”. E ainda James: “Ele [o conceito de
pragmatismo] foi introduzido pela primeira vez na filosofia pelo Sr. Charles Peirce em 1878.”
(P, p. 506)
Por um lado, se foi Peirce quem pela primeira vez enunciou a máxima, por outro, foi
James quem tratou de levar a público o termo pragmatismo. Dewey faz essa consideração,
ressaltando que James foi quem, por primeiro, deu importância à formulação pragmática de
Peirce no seu texto de 1878, quando o seu potencial ainda não tinha vindo à tona.
O trabalho começado por Peirce foi continuado por William James. [...] Os artigos
escritos por Peirce em 1878 quase não despertaram atenção nos círculos filosóficos,
na época sob a influência dominante do idealismo neokantiano de Green, de Caird e
da escola de Oxford, excetuando aqueles círculos onde a filosofia escocesa do senso
comum manteve sua supremacia. Em 1898, James inaugurou o novo movimento
pragmático em uma palestra intitulada “Concepções filosóficas e resultados
práticos” mais tarde impressa no volume Collected essays and reviews [“Ensaios e
resenhas coligidos”]. Mesmo nesse estudo inicial, pode-se facilmente notar a
presença daquelas duas tendências de restringir e, ao mesmo tempo, estender o
pragmatismo anterior. (DEWEY, 2007, p. 230)
4 Tomamos por referência a tradução da máxima feita por Ibri (cf. 1992, p. 96). O original em inglês é o
seguinte: “Consider what effects, that might conceivably have practical bearings, we conceive the object of our
conception to have. Then, our conception of these effects is the whole of our conception of the object” (CP
5.402). 5 Isso é o que podemos concluir dos escritos que temos lido sobre o assunto. No entanto, há uma passagem em
que Peirce lamenta perceber que alguns estudiosos (que ele não chega a nomear) claramente se inspiraram nas
suas ideias, mas se recusam a admitir tal influência. Afinal — Peirce diz, com seu característico tom irônico —,
“o que seria mais humilhante do que assumir ter aprendido algo de um lógico?” (CP 5.17).
19
É interessante ressaltar que também foi James o principal responsável pela projeção
internacional de tal corrente. Tanto isso é verdade que hoje em dia o seu pragmatismo é mais
popularmente conhecido no mundo do que aquele de Peirce.
1.2. UMA FILOSOFIA AMERICANA6
Como foi visto, o Pragmatismo nasceu nos Estados Unidos da América e depois se
disseminou pelo mundo7. É por isso que podemos afirmar que o Pragmatismo é, de certa
forma, uma corrente filosófica tipicamente americana, não só porque teve a sua origem nos
Estados Unidos, mas também porque traz consigo elementos característicos da cultura
americana. Alguns estudiosos chegam até mesmo a considerar o Pragmatismo a grande
contribuição dos Estados Unidos para a Filosofia, isso porque, como Cornelis de Waal
comenta, “escolas anteriores, como os transcendentalistas da Nova Inglaterra, ou os
hegelianos de Saint Louis, eram, na maior parte, extensões da filosofia europeia” (WAAL,
2007, p. 19).
Mas por que tal escola de pensamento teria surgido justamente na “América”? O que
pode ter suscitado o seu desenvolvimento? Como veremos a seguir muito brevemente,
algumas características próprias da cultura e do contexto americanos da época podem ter
influenciado o seu surgimento. Várias abordagens poderiam ser feitas, mas resolvemos nos
deter em alguns elementos que Cornelis de Waal (cf. WAAL, 2007, p. 19) cita como sendo
determinantes para o florescimento do Pragmatismo em solo americano; são eles: o
puritanismo, a mentalidade pioneira dos colonos e a guerra civil americana. O puritanismo
(calvinismo) pode ser considerado uma influência na medida em que dá valor às ideias
religiosas conforme seu grau de comprovação na vida (cf. WEBER, 2004, p. 218); ora,
“comprovar na vida” o valor de determinada ideia pode ser considerada uma abordagem
muito pragmatista, por assim dizer. Já a dita “mentalidade dos colonos” também pode ter
colaborado, pois estes tinham muito presente a vontade de ruptura com os padrões
estabelecidos pela metrópole e uma consequente construção dos próprios padrões, a partir das
6 Optamos por usar o termo “americano (a)” para tudo o que se refere aos Estados Unidos da América, e não a
países do Continente Americano num geral. 7 Alguns autores pragmatistas mais conhecidos e que não são americanos são: F. C. S. Schiller, G. Papini, G.
Prezzolini, G. Vailati, M. Calderoni e J. Milhaud.
20
próprias circunstâncias — característica que de alguma forma pode ser atribuída ao
Pragmatismo:
A expansão da indústria, da pesquisa de ponta, o ritmo vertiginoso das atividades
econômicas e dos investimentos, a organização social, a difusão da democracia e de
uma nova cultura exigem um pensamento ágil, experimental, prático, capaz de
promover as liberdades e os interesses do indivíduo, de atender às mudanças, de
prever resultados e consequências. [...] Na verdade, são as novas formas de produção
capitalista e a consciência de estar assumindo a hegemonia mundial que levam a
sociedade americana a contrapor-se à Europa e a lançar-se na busca de ideias e
teorias que possam configurar uma identidade própria e uma “nova civilização”.
Neste clima, portanto, sentia-se a necessidade de desenvolver “uma adequada
filosofia americana”, em sintonia com o “modelo democrático de vida” capaz de
realizar “o ideal de unidade social”. (SEMERARO, 2013, p. 06)
Por último, a guerra civil americana (1861-65), que colocou por terra as crenças
básicas que orientavam a vida intelectual de então, suscitando a vontade de busca por novas
formas de pensar menos “idealistas”/intelectualistas e mais “realistas” — demanda a que o
Pragmatismo poderia ser uma resposta (cf. MENAND, 2001).
Para além desses três elementos, poderíamos citar outros mais de “senso-comum”, por
assim dizer; elementos que nos fazem associar mais “automaticamente” Pragmatismo e
cultura americana, e que, por isso mesmo, acabam tornando-se pontos de crítica. Estamos
falando da mentalidade capitalista, consumista, imediatista, “praticalista” e materialista (e
outros “istas” que se queira acrescentar) das quais o mundo, como um todo, desde sempre
tendeu a rotular os Estados Unidos. É quase inevitável, ao tomarmos contato com os
princípios da corrente pragmática — principalmente se esse contato for superficial — logo a
associarmos a essa imagem praticalista tão arraigada que temos da cultura americana.
É por isso que esse é um dos pontos mais abordados pelos críticos do Pragmatismo.
Alega-se que o caráter praticalista da corrente acaba por desvalorizar questões de cunho
metafísico e espiritual, e que isso é a típica característica de uma sociedade pouco reflexiva e
nada preocupada com questões mais abstratas e essenciais da vida8. Bertrand Russell dirá que
8 Alguns autores que fizeram críticas nessa direção foram Bertrand Russell, G. E. Moore, Max Horkheimer,
Julien Brenda e G. K. Chesterton; este último, com seu característico senso de humor, chega a afirmar: “o
pragmatismo é assunto de necessidades humanas. E uma das primeiras necessidades humanas é ser algo mais do
que um pragmatista”. (Orthodoxy, 1908, p. 64 apud WAAL, 2007, p. 20). O irônico, como coloca Waal, é que,
21
“o pragmatismo apela ao temperamento mental que encontra na superfície deste planeta o
todo de seu material imaginativo” (1966, p. 110).
Disso tudo, podemos concluir que:
O pragmatismo é, com certeza, o movimento filosófico mais distintivamente
americano. Entretanto, o sabor distintivamente americano do pragmatismo tem sido
exatamente o fator que tem maculado sua respeitabilidade em vários círculos
filosóficos. A linguagem do praticalismo americano, na qual suas ideias filosóficas
têm sido frequentemente expressas, tem muitas vezes ocultado a profundidade e a
dimensão de seus insights como uma resposta a problemas filosóficos permanentes e
profundamente enraizados. (ROSENTHAL, 2002, pp. 83-84)
Contra esse tipo de crítica, muitos escreveram em defesa do Pragmatismo: além dos
próprios autores (Dewey, principalmente) também alguns de seus comentadores. T. L. S.
Sprigge dirá que “apenas recentemente, à medida que certas tendências filosóficas de um tipo
frequentemente descrito como pragmático alcançaram as manchetes filosóficas, que objeções
[bastante próximas do senso comum] passaram a ser vistas como menos convincentes”
(SPRIGGE, 2010, p. 161). Há quem faça essa defesa rebatendo com ideias totalmente opostas
ao que usualmente se afirma acerca do Pragmatismo, dizendo que essa corrente veio para
resgatar questões vitais — tão solicitadas nos dias de hoje — e não apenas questões de cunho
materialista. E aí estaria a grande contribuição americana para a Filosofia no mundo.
Os tempos [modernos] parecem propícios para os filósofos se voltarem às questões
mais estéticas e vitais, as quais podem ser abordadas do ponto de vista do
pragmatismo clássico, uma escola de pensamento que está enraizada na cultura
americana do século XIX, mas que “saiu de casa” há muito tempo para tornar-se
uma filosofia para o mundo. (HOUSER, 2010, p. 14)
Mas para além das críticas e influências, acaso poderíamos dizer que o Pragmatismo
não apenas é uma corrente de origem e características americanas, mas que também pode ser
considerada a Filosofia Americana Clássica, “por excelência”? No livro Classic American
Philosophy (1996), Max Fisch discorre sobre seis filósofos americanos que podem ser
considerados os “clássicos da América”. São eles: Peirce, James, Royce, Santayana9, Dewey e
no caso de James, um dos seus objetivos era justamente tentar resgatar um lugar para a fé religiosa em uma
época em que ela se tornara materialista e cientificista (cf. WAAL, 2007, p. 22). 9 George Santayana nasceu na Espanha, mas foi criado desde pequeno nos Estados Unidos. Também foi lá que
desenvolveu toda a sua carreira acadêmica. É por isso que é considerado parte da intelectualidade deste país –
assim como o faz Fisch aos classificá-lo como um “clássico da América”.
22
Whitehead. Fisch define “clássico” como o período em que “as principais tendências
filosóficas da cultura, na qual surgem, atingem sua expressão mais plena, uma definição
comum, uma síntese ou um equilíbrio e um conjunto de textos10 que rapidamente adquirem o
status de cânon” (FISCH, 1996, p. 01).
Tendo isso em conta, Fisch considerará o período clássico na Filosofia Americana
aquele que se inicia logo em seguida da Guerra Civil Americana (1865) e vai até o início da
Segunda Guerra Mundial (1939). Considerando que esse período totaliza menos de 100 anos,
podemos concluir que todos os seis filósofos acima citados foram contemporâneos. Como se
sabe, eles não apenas foram contemporâneos, como também tiveram um contato intelectual
direto, participando de círculos acadêmicos em comum (principalmente em Harvard e na
Johns Hopkins University), inclusive um sendo “discípulo” do outro, como no caso de Dewey
em relação a Peirce, bem como de Santayana em relação a James e Royce (cf. FISCH, 1996,
p. 03).
Essa relação pessoal entre os seis é, inclusive, uma das três características que Fisch
aponta como sendo prova da continuidade desse período que ele considerou clássico. As
outras duas características são as influências sociais e intelectuais que cada um sofreu (muitas
das quais tinham em comum, uma vez que viveram no mesmo período) e os temas filosóficos
que estavam em voga e para os quais todos contribuíram11. Não se faz pertinente agora
desenvolver cada uma dessas três características, muito menos os catorze temas da terceira,
mas o importante é sabermos que é a partir desses elementos que Fisch embasa a sua escolha
dos seis filósofos como os maiores representantes da Filosofia Americana Clássica.
A partir disso, é interessante notar que, dos seis filósofos escolhidos por Fisch, quatro
são pragmatistas (Peirce, James, Dewey e Royce), e mesmo os outros dois — Santayana e
Whitehead — também tiveram alguma influência do Pragmatismo em seu pensamento. É por
10 Fisch dirá que os textos mais importantes do “canon” americano são: Collected Papers (Peirce), Principles of
Psychology and his Pragmatism (James), The World and the Individual (Royce), The Life of Reason and his
Realms of Being (Santayana), Experience and Nature and his Logic (Dewey) e Process and Reality (Whitehead).
(Cf. FISCH, 1996, p. 01). 11 Fisch enumera 14 temas filosóficos principais, cujo desenvolvimento ele considera ter atingido o seu auge no
pensamento dos seis filósofos. Os temas elencados são: a condenação da filosofia de Descartes, a naturalização
da mente, a mentalização da natureza, da substância para o processo, a obsolescência do eterno, a redução do
ontem para o amanhã, a intenção no pensamento, a saída do espectador, a teoria dos sinais, laboratório versus
seminário de filosofia, ciência como investigação cooperativa, a supremacia do método, ciência e sociedade, e a
grande comunidade. (Cf. FISCH, 1996, p. 01).
23
isso que Houser escreverá um artigo em que diz que, diante dessa análise, é, sim, possível
dizer que o Pragmatismo é a Filosofia Americana Clássica “por excelência”:
Existe uma tal correspondência entre os filósofos americanos clássicos e os
pragmatistas clássicos que somos facilmente levados a supor que a filosofia
americana clássica é o Pragmatismo. (HOUSER, 2010, p. 226)
Com esse tópico, concluímos a parte introdutória da nossa dissertação e adentramos
seu núcleo, onde trataremos de aprofundar a doutrina de cada um dos autores — começando
por Peirce — para então confrontá-las.
24
CAPÍTULO II — O PRAGMATISMO PEIRCIANO
A vida de laboratório não impediu este autor [que vos escreve]
de interessar-se por métodos de pensamento. (CP 5.412)
2.1. “UM CIENTISTA EM ATIVIDADE”: O PRAGMATISMO COMO MÁXIMA LÓGICA
É isso mesmo. Peirce, antes de ser “filósofo”, era um laboratory-man, como ele
mesmo o denominou. Filho de matemático — de Benjamin Peirce, grande professor de
Harvard no século XIX —, sua primeira formação foi em Matemática e Física. Por isso, mais
do que a sala de aula, o seu “habitat” era o laboratório, onde o corriqueiro eram os “fatos
vivos”12, e não as especulações abstratas do mundo da Filosofia. Foi nesse ambiente, fazendo
os mais diversos experimentos — os quais contribuíram para o campo da matemática,
gravitação, química e até astronomia (cf. CP 1.3) —, que Peirce embasou grande parte das
suas posteriores reflexões filosóficas. Peirce também sempre se interessou pela Lógica,
dedicando-se a estudar desde os gregos e medievais até os modernos (ingleses, alemães e
franceses). Esse conhecimento aprofundado permitiu-lhe desenvolver seu próprio sistema
lógico.
Na metafísica, porém, Peirce assume ter feito um estudo menos sistemático, mas ainda
assim confirma ter pelo menos tomado contato com os principais sistemas da História da
Filosofia, “não se satisfazendo até que fosse capaz de pensá-los como os seus próprios
defensores pensam” (CP 1.3). Mas o estudo filosófico que mais o influenciou e para o qual ele
dedicou mais tempo — segundo ele, duas horas por dia, por mais de três anos — foi o da
“Crítica da Razão Pura” de Kant. Peirce assegura saber a obra kantiana inteira de cor, além de
ter examinado criticamente cada uma das suas seções e tido discussões quase diárias sobre o
tema com Chauncey Wright, também integrante do Metaphysical Club (cf. CP 1.4).
Como podemos ver, Peirce se aventurou no terreno das humanidades com uma não
pequena bagagem filosófica, mesmo sendo um autêntico laboratory-man, seja na sua
12 Referência à epígrafe deste trabalho, que diz: “Qual é a verdadeira definição de pragmatismo, eu acho algo
difícil de dizer. Mas sei que na minha natureza há uma espécie de atração instintiva por fatos vivos”. (CP 5.64)
25
formação acadêmica, seja na sua forma de pensar. Por isso é que será notável como o seu
pragmatismo está imbuído destas duas influências: por um lado, a sua considerável erudição
no campo da Filosofia e, por outro, a sua forma científica de pensar. Essa característica do
pensamento peirciano é que fez Waal expressar que “a maneira de Peirce abordar a filosofia, e
em particular o pragmatismo, foi, antes de tudo, a de um cientista em atividade” (WAAL,
2007, p. 26, grifos nossos). E também, na mesma direção, Helmut Pape observa que “a
educação científica de Peirce, e em particular a sua experiência como cientista de laboratório
em química, astronomia e geodesia, preparou o caminho para a formulação do seu método
pragmático” (PAPE, 2009, p. 93).
Como o próprio Waal observa logo em seguida, não é por acaso que a primeira vez
que a máxima pragmática aparece é em uma série de artigos intitulada Illustrations of the
Logic of Science. Veremos no decorrer deste segundo capítulo de que maneira esse pano de
fundo científico influenciou o pragmatismo peirciano. Para isso, nos utilizaremos
principalmente das sete conferências de Peirce proferidas em Harvard, em 1903, e dos três
artigos publicados na revista The Monist, em 1905, além, claro, dos seus comentadores.
Antes, porém, gostaríamos de esclarecer ao leitor que, pelo espaço de que dispomos e pelos
objetivos que aqui foram propostos, não será possível abordar todos os aspectos do
pragmatismo peirciano (mesmo porque, há uma imensa quantidade de material que foi
deixada pelo autor, e um trabalho como este não daria conta de abarcá-la na sua totalidade),
mas apenas um recorte daqueles elementos que consideramos essenciais para o
desenvolvimento do problema desta pesquisa.
Se levarmos em conta essa influência que as ciências exatas — especialmente a
matemática — exerceram sobre Peirce, como vimos acima, não é de se estranhar que o seu
pragmatismo também traga resquícios dessa influência. E é justamente através dessa “porta”,
dentre as muitas existentes, que gostaríamos de adentrar o pragmatismo peirciano. Essa
“porta” é a Lógica: “Segundo Peirce, a lógica investiga as normas e métodos que nos
possibilitam sujeitar nossas atividades ao autocontrole reflexivo. Seu pragmatismo oferece um
esclarecimento das hipóteses e concepções que tornarão isso possível” (HOOKWAY, 2010, p.
199).
26
Peirce quer deixar muito claro que a sua teoria pragmática não é uma doutrina
filosófica senão um método lógico de investigação13. É nesse sentido que ele afirma que o seu
pragmatismo “não é um sublime princípio de filosofia, mas sim uma máxima lógica” (CP
5.18). Isso porque, assim como a Lógica busca esclarecer conceitos, também o pragmatismo
tem a função de, enquanto método, fornecer meios para determinar o sentido de ideias
abstratas, principalmente quando estas são causa de discussões que de outra forma não teriam
um fim, que seriam intermináveis.
Ele diz que o motivo dessas discussões intermináveis é que cada adversário atribui
diferentes sentidos às palavras — ou nem mesmo atribuem um sentido definido (cf. CP 5.6).
Diante dessa situação, o pragmatismo viria não para dizer em que consiste o sentido de cada
palavra, mas para estabelecer um método que sirva para determinar o sentido dos conceitos
abstratos; assim como faz a Matemática, que extrai conclusões necessárias a partir de
premissas que nos autorizam realizar certos experimentos, esse método faz com que se chegue
sempre aos mesmos resultados, uma vez que o critério é objetivo e não subjetivo, isto é, não
depende daquilo que o sujeito pensa sobre ele.
Peirce chegará a dizer que o problema do pragmatismo é o problema da lógica da
abdução14, no sentido de que a máxima pragmática torna supérflua qualquer regra que admita
explicações de fenômenos tidas como “sugestões esperançosas”, isto é, hipóteses que não
acarretam consequências práticas, uma vez que tais explicações não modificariam a nossa
conduta. Assim como o raciocínio abdutivo só admite hipóteses cujas consequências sejam
passíveis de verificação experimental — isto é, que tenham uma correspondência com os
13 Cf. PAPE, Helmut. “Thinking and Acting The Logical Background of Peirce’s Pragmatism”. In: Cognitio –
Revista de Filosofia. São Paulo: Educ, vol. 10, n. 1, pp. 91 – 104, 2009. 14 Peirce define três tipos de raciocínio: a indução, a dedução e a abdução. “A dedução é o único raciocínio
necessário. Ela é o que constitui o raciocínio da matemática. Ela principia de uma hipótese, cuja verdade ou
falsidade nada tem a ver com o raciocínio; óbvio é que suas conclusões são igualmente ideais... A indução é o
teste experimental de uma teoria. Sua justificação é que, embora a conclusão, em qualquer estágio da
investigação, possa ser mais ou menos errônea, a aplicação continuada do mesmo método deve corrigir o erro. A
única coisa que a indução perfaz é determinar o valor de uma quantidade. Ela parte de uma teoria e avalia o grau
de concordância da teoria com os fatos. Ela nunca pode dar origem a qualquer ideia que seja. Nem o pode fazer a
dedução. Todas as ideias da ciência surgem da abdução. A abdução consiste em estudar os fatos e delinear uma
teoria para explicá-los. Sua única justificação é que, se pretendemos de algum modo compreender as coisas, tal
deve ser conseguido por aquele caminho.” (CP 5.145) “A dedução prova que algo deve ser; a Indução mostra
que algo é de fato operativo; a Abdução apenas sugere que algo pode ser.” (CP 5.171). A abdução é o tipo de
raciocínio que mais colabora para o avanço do conhecimento científico, uma vez que não pretende fornecer
verdades, mas probabilidades, através de hipóteses que abrem caminho para novas descobertas (caráter
heurístico). É por isso que, pensando na importância do avanço da investigação, Peirce mostra-se um grande
“defensor” do raciocínio abdutivo.
27
fatos —, assim também a máxima pragmática só aceitará aquilo que tiver uma conformidade
com os fatos e que, portanto, exerça alguma influência na conduta prática de quem a toma por
método. Dessa forma, faz-se com que “as hipóteses que a máxima admitir, todos os filósofos
estarão de acordo com que sejam admitidas” (CP 5.196), acabando, assim, com o problema
das discussões intermináveis.
Sob este ponto de vista, a máxima do pragmatismo atuará como fator de escolha e
decisão entre hipóteses concorrentes, ou mesmo, por um processo indutivo, tornará o
meramente hipotético, que se traduz no meramente possível, numa teoria
efetivamente operativa, isto é, numa teoria de um correto poder preditivo do curso
futuro da experiência. (IBRI, 2002, p.115, grifos do autor)
Com essa leve pincelada acerca do caráter lógico do método pragmático de Peirce —
que julgamos importante expor primeiramente para que o “edifício” que virá a seguir seja
construído sobre a base pressuposta por Peirce, e não sobre ideias de senso comum que se
possa ter a respeito do pragmatismo —, daremos início ao percurso que nos levará ao conceito
que o nosso laboratory-man formulou a respeito do pragmatismo.
2.2. A MÁXIMA PRAGMÁTICA
Antes de falarmos especificamente da máxima pragmática, vejamos um detalhe
interessante que pode ser notado no corpus de escritos peircianos. É possível dizer que o
pragmatismo de Peirce passou por duas fases. Uma primeira que se reporta ao momento em
que a máxima pragmática foi enunciada, em 1878, no texto “Como tornar as nossas ideias
claras”15, dando assim a “largada” para as pesquisas sobre o pragmatismo. Certamente,
quando Peirce escreveu esse artigo, ele não fazia ideia do alcance que iriam ter as reflexões ali
escritas — e talvez por isso não tenha se importado em debruçar-se sobre o assunto nos anos
que se seguiram. Tanto foi assim, que demorou mais de vinte anos até que ele voltasse a falar
oficialmente sobre o tema. É justamente esse “gap” o que marca a transição da primeira para a
segunda fase do seu pragmatismo: a segunda fase é inaugurada com as “Harvard Lectures on
15 Original em inglês: How to make our ideas clear (CP 5.388 – 5.410).
28
Pragmatism”, datadas de 1903, e é caracterizada por uma teoria mais madura, melhor
delineada e até mesmo “posta à prova”16.
Se por um lado a primeira fase mostra-se “frágil”, no sentido de não possuir grande
quantidade de textos sobre os quais se embasar — contrapondo-se, assim, à segunda, que
apresenta uma considerável quantidade de escritos17 —, por outro lado, ela sem dúvida foi a
fase que mais exerceu influência nos filósofos da época. Ela — mais especificamente, a
máxima pragmática nela enunciada — foi a grande inspiradora de todas as filosofias
pragmáticas que surgiram depois. E justamente essa repercussão foi o que motivou Peirce,
mais de vinte anos depois, a desenvolver e aprofundar a sua própria doutrina, isso porque, ao
ver o rumo que tinha tomado aquela escola de pensamento da qual ele era tido como “pai”,
ficou muito decepcionado e sentiu a necessidade de esclarecer o que era, de fato, aquela
doutrina a que chamou pragmatismo.
O retorno à doutrina [do pragmatismo] era de certa forma uma resposta à
notoriedade que James tinha ganhado com o pragmatismo pelas suas conferências de
1898 e publicações subsequentes. Peirce estava, por um lado, ansioso por explorar a
sua nova fama como fundador do pragmatismo, a fim de obter um maior
reconhecimento da sua visão, e por outro, aborrecido com a pálida cópia que foi
feita da sua própria posição e que estava popularmente associada ao termo
“pragmatismo”. (HOOKWAY, 1985, p. 234)
Peirce dirá que a sua visão sobre o assunto mudou muito no decorrer dos anos: “A
minha visão de 1877 era grosseira. Mesmo quando fiz as conferências de Cambridge, não
tinha chegado ao fundo ou visto a essência da coisa toda.” (CP 8.255). Nessa época, o
Pragmatismo já estava sendo estudado por alguns, inclusive por James, e então já começavam
a surgir interpretações diversas sobre o assunto. É por isso que nessas conferências de 1903,
além de melhor desenvolver a sua doutrina, diferindo-a das outras, Peirce quis ir além no
rompimento com o que então era associado à doutrina pragmática, e por isso irá propor uma
mudança linguística, conforme foi comentado na primeira parte deste trabalho: trocar o nome
da doutrina de Pragmatismo para Pragmaticismo.
16 Em uma grande parte dos escritos dessa segunda fase, Peirce se dedicará a desenvolver provas “não-
psicologistas” do seu Pragmatismo, que veremos mais para frente. Ele achou que isso era necessário para
diferenciar o seu pragmatismo dos outros que naquele momento estavam surgindo, mostrando que ele não
possuía uma base psicologista, como poderia parecer no seu artigo “Como tornar as nossas ideias claras”. 17 Considera-se parte desse segundo momento: as sete conferências que foram dadas em Harvard em 1903 (1903
Harvard Lectures on Pragmatism), os três artigos publicados no The Monist em 1905, além de uma série de
manuscritos, alguns publicados, outros não.
29
“[...] Assim, o autor, vendo o seu garoto [bantling] pragmatismo muito difundido,
sente que é o momento de dizer adeus à sua criança e abandoná-la ao seu destino
maior; com o objetivo preciso de expressar a definição original, pede licença para
anunciar o nascimento da palavra pragmaticismo, que é suficientemente feia para
estar a salvo de sequestradores”. (CP 5.415)
Esse desenvolvimento posterior, que tinha por objetivo esclarecer e determinar os
limites da sua doutrina, não foi, no entanto, o que marcou a história do Pragmatismo; apesar
de todo o seu empenho e grande dedicação, o “legado” peirciano ficou mesmo por conta da
“frágil” primeira fase — sem dúvida, por mérito da inédita máxima pragmática nela presente
e não por outro motivo.
Conforme citado anteriormente, a formulação original18 da máxima pragmática é a
seguinte: “Considere quais efeitos, que concebivelmente poderiam ter consequências práticas,
concebemos que tenha o objeto de nossa concepção. Então, a concepção destes efeitos é o
todo de nossa concepção do objeto.”19 (CP 5.402). Para melhor compreendermos esse
“princípio do pragmatismo” — como James o chamava —, comecemos por esclarecer em
qual o contexto ele está inserido.
No artigo já citado “Como tornar as nossas ideias claras”, Peirce mostrará a relevância
da lição que a Lógica dá ao nos ensinar a importância de termos ideias claras, a fim de que
tenhamos um pensamento bem fundamentado. Peirce estava interessado em determinar um
novo critério de significação dos conceitos, pois rejeitava o tipo de conhecimento, como
aquele proposto por Descartes20, que afirmava, grosso modo, ser verdadeiro tudo o que se
mostrar clara e distintamente, o que for auto-evidente. Peirce julgava ser este um critério
muito vago e frágil, por isso se propõe desenvolver um novo critério de significação — que
será justamente o método pragmático.
Mas em que consiste esse método? Em poucas palavras, ele consiste em submeter todo
conceito que tivermos a respeito das coisas à máxima pragmática. Ela nos orientará a extrair
todos os efeitos que poderiam decorrer do conceito em questão; e esses efeitos serão o todo da
nossa concepção da coisa. Em um primeiro momento, isso tudo pode soar um praticalismo da
18 Dizemos “formulação original”, pois posteriormente a máxima pragmática foi reformulada de diversas formas
pelo próprio Peirce, sempre mantendo, porém, a sua ideia central. Alguns trechos onde Peirce enuncia a mesma
máxima, mas de forma variadas estão em: CP 5.9; 5.412; 5.196. 19 Tradução de referência: IBRI, 2002, p. 96. 20 Em várias passagens Peirce critica a filosofia cartesiana, principalmente no que se refere ao conceito de
crença. Para um maior aprofundamento cf. The fixation of believe (CP 5.358).
30
ação pela ação, mas veremos a seguir, ao esmiuçar o método, como Peirce se defende dessa
crítica e o que está por trás dela.
Como foi dito, o objetivo da máxima é que se alcance o maior grau de clareza possível
nas ideias. Uma ideia clara pressupõe a mudança de um estado desconfortável de dúvida para
um estado relaxado de crença (belief). Quando estamos em um estado de dúvida, o sentimento
é de desconforto — às vezes até de angústia —, a tendência, portanto, é que nos mobilizemos
para adquirir novamente o estado de crença para, a partir de então, ter uma regra de conduta a
partir da qual possamos agir — e isso é exatamente a formação de um hábito. A crença nada
mais é do que uma regra de ação que irá nortear ações e pensamentos futuros, de modo que a
essência da crença estará fundada em hábitos, modos de agir. Assim Peirce descreve a
diferença entre crença e dúvida:
Nossas crenças guiam nossos objetivos e moldam nossas ações. [...] O sentimento de
crença é uma indicação mais ou menos certa de que se estabeleceu em nossa
natureza algum hábito que irá determinar nossas ações. A dúvida não produz tal
efeito. (CP 5.370-71) A essência da crença é o estabelecimento de um hábito; e
crenças diferentes são distinguidas pelos diferentes modos de ação a que dão
origem. (CP 5.398)
Aqui, no próprio desenvolvimento da fundamentação da máxima, já temos dois
exemplos da sua aplicação: um primeiro, quando Peirce determina a diferença entre dúvida e
crença a partir dos diferentes efeitos sensíveis que cada uma acarreta — a crença sendo aquele
estado que determina uma regra de ação, e a dúvida sendo o estado que de alguma forma
paralisa e move à inquirição. Um segundo exemplo é quando ele diz que diferentes tipos de
crenças são distinguidos de acordo com o modo de ação a que dão origem.
Nesse sentido, tanto a dúvida quanto a crença parecem produzir efeitos positivos sobre
nós: a dúvida porque, ao criar um desconforto, nos move à investigação, com o fim de
estabelecer uma nova crença e ser superada; e a crença, porque é parte indispensável da
conduta humana, sem ela não saberíamos como nos comportar nas várias situações (cf. CP
5.373). Ambas fazem parte do que poderíamos chamar “processo de aprendizagem”,
característica elementar da mente. O que a nossa mente faz é nada mais que repetir ações no
presente que se apresentam sob circunstâncias análogas a outras que aconteceram no passado.
E nada mais natural que buscar associações e similaridades entre fatos, caso contrário, não
31
seríamos capazes de apreender nenhum conhecimento do mundo e o mundo seria para nós um
completo caos.
A primordial e fundamental lei da ação metal consiste na tendência à generalização.
[...] Quando um distúrbio de sentimento aparece, temos consciência de ganho, de
ganho de experiência; e um novo distúrbio estará apto a assimilar-se àquele que o
precedeu. [...] A consciência de tal hábito constitui um conceito geral. (CP 6.20)
Da mesma forma que a mente humana, a natureza também parece possuir uma
tendência natural a adquirir hábitos, fato que é possível constatar a partir das suas próprias
leis. Ora, leis nada mais são que hábitos cristalizados, isto é, hábitos que, de tanto se
afirmarem na experiência, sem nenhuma mudança aparente ou significativa, acabam se
cristalizando e tornando-se leis. Daí que o objetivo maior da investigação é o abandono da
dúvida e uma consequente aquisição de uma crença, a fim de que tenhamos um hábito que
molde a nossa conduta e a partir do qual possamos agir em situações futuras.
A vivacidade da mente está em sua capacidade em romper com hábitos,
reconhecendo, na novidade da experiência, seu elemento de mutabilidade que se faz
sujeito de uma nova crença. Aí está, novamente, o âmago da concepção de
aprendizagem, traduzido na plasticidade e provisioriedade do hábito adquirido pela
mente, cujo traço evolutivo será sua capacidade viva de alterar a própria conduta.
(IBRI, 1992, p. 100)
Falamos de crença, dúvida, hábito, aprendizagem... Mas qual a relação disso tudo com
o pragmatismo? Ora, a máxima pragmática, como Peirce a enunciou, traz um elemento de
previsão do futuro característico de todo processo cognitivo quando diz “quais efeitos
poderiam concebivelmente ter consequências práticas”. Isso significa que um dos seus
objetivos é que se consiga prever, ao avaliar seus efeitos sensíveis, o alcance de determinado
conceito também em situações futuras, e não apenas deter-se em uma simples constatação dos
seus efeitos. Daí a importância, no pragmatismo peirciano, de que as coisas se manifestem
pelo seu lado exterior, pois apenas assim serão passíveis de cognição e as suas crenças serão
discerníveis (cf. IBRI, 1992, p.101), caso contrário, “de que vale o poema nunca escrito, o
quadro jamais pintado, a música não composta, confinados a um interno-eterno silêncio?”
(IBRI, 1992, p.96)
É nesse ponto que o pragmatismo peirciano tange o realismo, doutrina que será o seu
pano de fundo e que para a nossa discussão do quarto capítulo será de indispensável
relevância, quando formos confrontá-lo com James. Para isso, faz-se necessário compreender
32
bem em que sentido o realismo, em contraposição ao nominalismo, se faz presente nesse
âmbito do pensamento de Peirce.
2.3. O REALISMO DE PEIRCE
A querela dos universais é uma questão que acompanha a Filosofia há muito tempo.
Ela consiste basicamente na disputa entre o nominalismo e o realismo, isto é, entre a maneira
de olhar para os universais (o geral, a lei) como mera representação — e este é o nominalismo
— e, ao contrário, a maneira de entender os universais como sendo reais — e este é o
realismo21. Essa disputa está presente desde sempre na História da Filosofia e, explícita ou
implicitamente, divide os filósofos nesses dois grandes grupos, a depender dos pressupostos
em que cada um baseia a sua teoria. Por isso podemos dizer que a querela dos universais é um
divisor de águas na Filosofia, que afeta diretamente a visão de mundo e a arquitetura do
pensamento de cada autor, distanciando-os, ou aproximando-os, conforme o “grupo” em que
se encaixarem. Nesse trabalho, veremos especificamente como isso se dá e quais as suas
consequências no caso de Peirce e James.
Peirce, como já apontado acima, é declaradamente um realista, como veremos na
citação a seguir. E essa não é uma característica trivial do seu pensamento, senão um
pressuposto essencial do seu pragmatismo — e diríamos, inclusive, um pressuposto de todo o
seu sistema filosófico. Peirce chega a afirmar que não é possível dizer-se um pragmatista
aquele que não rejeitar o nominalismo e, consequentemente, aderir ao realismo22. Ao
contrário de alguns filósofos que não chegaram a declararem-se oficialmente adeptos a uma
corrente ou outra — apesar de suas doutrinas serem passíveis de classificação —, Peirce
desde sempre não teve receio de se declarar um realista; e não apenas um realista “genérico”,
21 No quarto capítulo iremos explicitar mais detalhadamente a questão da querela dos universais, mas algumas
referências sobre o assunto podem ser encontradas em: GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média. Trad.
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995; ECO, Umberto. O nome da rosa. Trad. Aurora F.
Bernardini e Homero F. de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983; BEUCHOT, Maurício. El problema
de los universales. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1981; NASCIMENTO, Carlos Arthur
R. do. “A querela dos universais revisitada”. In: Cadernos PUC-Filosofia. São Paulo: Cortez, n. 13, 1983. 22 “A maior consequência do pragmatismo, de longe, e na qual tenho insistido sempre [...], é que nessa
concepção da realidade temos que abandonar o nominalismo” (CP 8.258).
33
mas sim um realista escolástico de tipo extremado (CP 5.470), segundo suas próprias
palavras, influenciado principalmente por Duns Scotus23.
O autor do presente tratado é um realista scotista. [...] Ao se auto-denominar um
scotista, o autor não quer significar que ele está retroagindo às visões gerais de 600
anos atrás; ele meramente considera que o ponto da metafísica sobre o qual Scotus
principalmente insistiu, e que desde então tem sido negligenciado, é um ponto muito
importante. (CP 4.50)
Mas o que significa dizer que Peirce era um realista? Para Peirce, assim como o era
para Scotus, a relação entre o geral e o particular é real. Isso quer dizer que os universais,
aquilo que rege os individuais, a lei que está por detrás da relação entre os particulares, é real
e não apenas uma representação da mente, ou meros termos e conceitos que a mente gera a
fim de “organizar a multiplicidade sensível, destituindo a exterioridade de algum princípio
ontológico de ordem”, pois se assim fosse, “todo objeto estaria subsumido a uma regra criada
pelo sujeito” (IBRI, 2002, p. 104). Isso vai totalmente na contramão do que acredita um
realista, pois para ele, se há alguém submisso nesse processo, esse alguém é o próprio sujeito,
que, com o fim de conhecer a realidade, deve, por meio da sua razão e contando com o
elemento de razoabilidade que a própria realidade possui, apreender as relações reais que nela
existem. Em outras palavras: as coisas possuem relações entre si que independem do sujeito e,
uma vez este querendo conhecê-las, deve “treinar a sua razão para que se conforme com elas
[as relações] mais e mais” (EP 2.212; grifos nossos). Como Waal muito bem definiu: “Não se
ganha entendimento coletando fatos desconexos, mas entrando em afinação com a
razoabilidade concreta24 do cosmos” (WAAL, 2007, p. 147; grifos nossos).
Desse conceito de realismo podemos tirar três elementos que aí estão pressupostos.
Mas para compreendermos esses três elementos, será preciso adentrar uma outra área do
pensamento de Peirce sobre a qual ainda não falamos, mas que constitui a base de todo o
universo conceitual peirciano, inclusive do seu pragmatismo: a Fenomenologia. A
Fenomenologia de Peirce é um campo muito vasto, passível de aprofundamentos sem fim. No
entanto, aqui teremos de nos deter apenas naquilo que poderá nos auxiliar na compreensão do
23 John Duns Scotus (1266 – 1308) foi um teólogo franciscano escocês, grande nome do realismo escolástico.
Sobre o tema da relação entre Peirce e o realismo de Scotus, cf. BOLER, John F. Charles Peirce and Scholastic
Realism: a study of Peirce’s relation to John Duns Scotus. Seattle: University of Whashington Press, 1963; e
PICH, Roberto Hofmeister. “Scotus e Peirce sobre Realidade e Possibilidade”. In: Cognitio – Revista de
Filosofia. São Paulo: Educ, vol 6, n. 1 pp. 61 – 84, 2005. 24 Cf. CP 5.3
34
realismo de Peirce25 e, consequentemente, do seu pragmatismo. Apenas para termos uma ideia
de como a Fenomenologia ocupa um lugar importante na compreensão do pragmatismo de
Peirce, em uma carta endereçada a James em março de 1903, Peirce irá dizer que “a
verdadeira natureza do pragmatismo não pode ser entendida sem elas [as três categorias que
compõem a sua Fenomenologia]”. (L224, 16 de março de 1903). Por isso, adentremos
rapidamente nessa área do seu pensamento.
A Fenomenologia é a ciência que vai estudar os fenômenos, ou seja, tudo aquilo que
está de alguma forma presente na mente, e a sua tarefa será a de analisar as categorias da
experiência no cotidiano. Peirce divide a experiência em três categorias, ou modos de
aparecer universais, chamadas Primeiridade, Segundidade e Terceiridade.
A Primeiridade, primeira categoria, é o modo pelo qual entramos em contato com o
fenômeno, antes de percebê-lo como outro, como fato bruto (hard fact). É um sentir sem
mediação nem representação. A segundidade, por sua vez, vai de encontro à nossa vontade,
aos nossos planos e metas. Como seu próprio nome indica, a categoria da segundidade aponta
para a experiência de um segundo, de um alter, um não-ego, que vem de encontro a um
primeiro; daí ser caracterizada como uma experiência de alteridade. Esse outro reage e é
indiferente ao querer do primeiro, oferece resistência, contraria aquele, e por isso tal
experiência é denominada bruta.
Já a terceira categoria é vista como um terceiro elemento, que opera uma mediação
entre dois outros elementos, relacionando-os cognitivamente, a fim de elaborar um conceito
geral (general conception). Este processo torna-se estritamente cognitivo na realidade, uma
vez que reflete e analisa experiências passadas e, generalizando-as, tenta prever, na medida do
possível, as ações futuras, evitando desse modo a brutalidade característica da segundidade.
Ou seja, terceiridade é um processo de aprendizagem — daí seu caráter cognitivo — que
através da representação de particulares passados, tenta prever generalizações para o futuro
(cf. IBRI, 2002, cap. 1).
Essas categorias, no entanto, não se restringem apenas ao âmbito do modo de ser das
coisas, como se poderia pensar. As categorias fenomenológicas vão além: uma vez aplicadas
ao mundo real, elas ganham seus correlatos26 reais. Isso significa fazer um salto da
25 Para esclarecimentos mais detalhados sobre a Fenomenologia e suas categorias, cf. IBRI (2001). 26 É interessante lembrar que as categorias fenomenológicas ganham seus correlatos não só quando aplicadas ao
real, mas também quando aplicadas às diversas áreas do conhecimento. Isso significa dizer que, quando
35
Fenomenologia para a Metafísica, e, mais especificamente, para a Ontologia; isso porque as
categorias passam a produzir um dizer sobre o mundo que é da natureza de uma hipótese
explicativa daquilo que antes era apenas aparência27. Assim, os correlatos reais das três
categorias passam a constituir a realidade sob a forma da trinca Acaso28 (Primeiridade),
Existência (Segundidade) e Lei (Terceiridade).
O Acaso serio o princípio de tudo aquilo que é irregular, sem determinação, livre para
tornar-se qualquer coisa, é mera possibilidade. Por isso, sozinho não constitui uma realidade;
é o que Peirce chama de primeiridade real. A Lei, ao contrário, é princípio de tudo o que é
regular, que pode tornar-se hábito, que possui uma ordem; é a chamada terceiridade real, que
sozinha também não é capaz de constituir realidade. A hipótese da terceiridade real, isto é, da
existência de leis, surge da repetição de eventos particulares independentes da consciência,
que permitem serem associados a um caráter de generalidade. Daí dizer que se passa de um
realismo de individuais para um realismo de gerais:
A generalidade é, de fato, um ingrediente indispensável da realidade; a mera
existência individual, ou atualidade sem qualquer regularidade que seja, é uma
nulidade. (CP 5.431)
O último aspecto é aquele que vai surgir quando a espontaneidade da primeiridade
deixa de ser mera potência e torna-se atual: é a Existência (ou segundidade real). Nela
encontra-se toda a experiência de reação contra a consciência e toda a reação dos objetos entre
si29. Ela existe como um fragmento no espaço e no tempo, é particular, está destituída de
generalidade. Apenas com estes três elementos — Acaso, Existência e Lei — é que a
realidade torna-se possível.
Com essa breve exposição, torna-se possível traçar uma relação entre cada categoria
fenomenológica e o realismo peirciano. Podemos dizer que a primeiridade nos coloca diante
de um universo indeterminado, que se apresenta em constante mudança. Esse indeterminismo
inseridas nessas áreas, elas ganham um novo formato, ainda que mantenham as mesmas características
elementares. Por exemplo: “Na Psicologia, sentimento é primeiridade, senso de reação é segundidade, conceito
geral é terceiridade ou mediação. Na Biologia, a ideia de variação fortuita é primeiridade, hereditariedade é
segundidade, e o processo por meio do qual características acidentais tornam-se fixas é terceiridade. Acaso é
primeiridade, existência é segundidade. A tendência a adquirir hábitos é terceiridade. Mente é primeiridade,
matéria é segundidade e evolução é terceiridade.” (CP 6.33) 27 Cf. SANTOS, 2011, p. 66. 28 O conceito de acaso possui relevante importância em Peirce. À doutrina do absoluto acaso como princípio real
responsável pela diversidade no mundo, Peirce chamará Tiquismo (Tychism, do grego τύχη: acaso). 29 Cf. IBRI, 1992, p.36.
36
ontológico, fruto da primeiridade, faz com que as leis que formulamos sobre o cosmos sejam
colocadas à prova e, portanto, sejam passíveis de falsificação. Diante dessa realidade, é
natural que o homem, na sua sede insaciável por conhecer o cosmo, vá em busca de meios
para compreender, na medida do possível, o que está ao seu redor; o cosmo, por sua vez,
corresponde a essa busca, “deixando-se conhecer” através de elementos em comum que
determinados grupos de coisas apresentam, permitindo ao homem, a partir disso, formar leis,
generalizações; é o que chamamos de razoabilidade do cosmos. Isso corresponderia à
terceiridade. E se por um lado temos esse kósmos noëtós30, isto é, um universo inteligível,
razoável, passível de ser conhecido, por outro, nos deparamos com fatos que muitas vezes
entram em conflito com a lei formulada, opondo-se, assim, às generalizações (terceiridade)
que o sujeito os “confinou”; e essa é a segundidade.
Isso nos mostra três elementos em relação à realidade: 1. Que ela é exterior à mente,
uma vez que “o real é aquilo que é independente do que qualquer um possa pensar que ele
seja” (CP 5.405) — e essa é a segundidade; 2. Que justamente por ser independente do que
qualquer um possa pensar, as leis que o homem cria, a partir de generalizações de condutas
repetidas (hábitos), podem a qualquer momento cair por terra, mostrando-se, assim,
provisórias, pois falíveis31 — esse fator de constante mudança é a primeiridade 3. E, por fim,
para que novas leis possam ser elaboradas, é necessário que elas advenham, não de um único
30 “Universo inteligível”: expressão tirada do pensamento de Platão e que dá o nome ao livro de IBRI (1992), no
qual se expõe o universo conceitual de Peirce. Tal expressão está intimamente ligada à filosofia de Peirce, não
tanto no sentido platônico original como “mundo das ideias”, mas sim enquanto referência à razoabilidade
presente no cosmo, que independe do sujeito. 31 O chamado Falibilismo é uma doutrina essencial no pensamento de Peirce. Peirce define o Falibilismo como
“a doutrina que diz que o nosso conhecimento nunca é absoluto, mas sempre flutua num continuum de incerteza
e indeterminação” (CP 1.171). Ao falar que o conhecimento flutua num continuum de incerteza e
indeterminação, Peirce quer mostrar que todo conhecimento científico não é determinado, concluso, mas está
sujeito à falibilidade, por mais incontestável que possa parecer, como os postulados da geometria. Mesmo estes
não nos dão razão para supormos que são precisamente verdadeiros.
“Portanto, há três coisas as quais nunca poderemos esperar conseguir atingir pelo raciocínio, a saber, a absoluta
certeza, a absoluta exatidão e a absoluta universalidade. Não podemos estar absolutamente certos de que nossas
conclusões são nem mesmo aproximadamente verdadeiras; a amostra [que representa o todo] pode ser
completamente dessemelhante ao resto da coleção. Não podemos pretender ser nem mesmo provavelmente
exatos; porque a amostra consiste num número finito de instâncias e admite apenas valores especiais da
proporção procurada. [...] Portanto, se exatidão, certeza e universalidade não podem ser obtidas pelo raciocínio,
com certeza não há outros meios pelos quais elas podem ser alcançadas.” (CP 1.141-142, grifos nossos).
No entanto, não podemos deixar de considerar que “ser falibilista não significa renunciar à verdade, senão à
segurança ilusória da certeza. [...] O importante é abrir caminho.” (HYNES, 2015, p. 80), ou, como o próprio
Peirce diz, “do not block the way of inquiry” (CP 1.135), não bloquear o caminho da investigação com posturas
dogmáticas.
Para maiores esclarecimentos, conferir o artigo “Fallibilism, Continuity and Evolution” (CP 1.141-175).
37
sujeito, mas da própria realidade que se “impõe”, sem considerar o que o sujeito sobre ela
pense — e esse aspecto cognitivo é a terceiridade.
Diferentes mentes se deparam com os mais antagônicos pontos de vista, mas o
progresso da investigação leva-as, por uma força para além delas, para uma mesma
conclusão. [...] A opinião que está fadada a ser aceita por todos os que investigam é
o que nós chamamos verdade, e o objeto representado nessa opinião é o real. Assim
eu explicaria a realidade. (CP 5.407, grifos nossos)
2.4. REALISMO E PRAGMATISMO
A divisão da realidade nas três categorias peircianas da Fenomenologia deixou mais
claro o aspecto de independência da realidade em relação ao sujeito — aspecto este
primordial para o realismo: “A grande prova que Peirce apresentou em favor do seu realismo
encontra-se na evidência de que nossa percepção comete erros. Deve, portanto, haver alguma
coisa lá, em algum lugar diferente da nossa mente, que não depende da nossa percepção.”
(SANTAELLA apud SANTOS, 2011, p. 55). Outro aspecto essencial da realidade que
podemos tirar do percurso feito acima é a necessidade de mostra-se como é, caso contrário,
ela não poderia ser conhecida; e como vimos, ela está muito longe disso, pois mostra-se
sempre aberta para quem quiser conhecê-la.
Mas, então, qual a relação dessa concepção de realidade com o Pragmatismo? Ora, um
método de investigação que tem por base identificar os efeitos sensíveis que determinado
conceito concebivelmente pode ter, como o é o método pragmático, só faz sentido se trouxer
consigo uma realidade cognoscível, isto é, uma realidade que permita uma correspondência
entre os conceitos que a ela se referem e os seus fenômenos. A máxima pragmática só
encontra respaldo em um mundo onde “o ser de uma substância identifica-se com a totalidade
de sua manifestação fenomênica” (CP 5.313), caso contrário, como aplicar uma máxima que
diz que o todo do conceito está na concepção dos seus efeitos, em um mundo cujos objetos
não manifestam efeitos sensíveis?
A essência do Pragmatismo reside nessa harmônica correspondência entre fenômeno
e conceito, de tal modo que os erros dessa correspondência, configurando uma
pseudo-harmonia, são corrigidos pelo transcurso da experiência no tempo, para o
qual se tenciona o esse in futuro que caracteriza o continuum da significação. (IBRI,
1992, p. 106)
38
Aos poucos vamos dando-nos conta de como os conceitos em Peirce estão todos muito
interligados. Um breve esquema para mostrar como todos esses conceitos acima expostos se
relacionam, visando principalmente deixar claro a relação entre o realismo de Peirce e o seu
pragmatismo, poderia ser este: 1. há um mundo que é exterior (alter) em relação ao sujeito
(segundidade); 2. uma vez existente, esse mundo apresenta efeitos sensíveis, “aparece”
enquanto fenômeno para o sujeito — e este é um elemento-chave para a doutrina pragmática,
cuja máxima conta justamente com os efeitos de determinado objeto para poder formar o seu
conceito; 3. uma vez manifesto, esse objeto mostra-se passível de ser conhecido (e o contrário
seria impossível32); 4. o conhecimento desse objeto dependerá da regularidade da sua conduta
no fluxo do tempo (formação do hábito); 5. com as generalizações feitas a partir dessa
regularidade da conduta, novas leis serão formuladas (terceiridade), não a partir de um
indivíduo, mas sim dos fatos33, o que garantirá o caráter não subjetivo das leis, deixando claro
que é a realidade que se impõe ao sujeito (realismo) e não o contrário.
Uma boa síntese do que tentamos desenvolver acima pode ser esta:
De acordo com a interpretação realista do pragmatismo, o significado de um
conceito, assim, não é alguma experiência ou ato singular (essa sendo somente uma
fase intermediária), mas como tais efeitos práticos contribuem para o
desenvolvimento da razoabilidade do universo (CP 5,3). Não se ganha entendimento
coletando fatos desconexos, mas entrando em afinação com a razoabilidade concreta
do cosmos. (WAAL, 2007, p. 147)
Aqui fizemos um breve apanhado do que é o pragmatismo de Peirce, cientes de que
limitamo-nos a um breve recorte, que interessará especificamente aos confrontos que faremos
no quarto capítulo, com o pragmatismo de James. Ali, cremos, será possível esclarecer mais o
pragmatismo peirciano. Antes disso, porém, tomaremos contato com o pensamento de James,
assunto do capítulo a seguir, onde procederemos da mesma maneira que no presente capítulo,
isto é, sem fazer maiores análises nem comparações, mas apenas expondo o pensamento do
autor.
32 Para Peirce, o absolutamente incognoscível é absolutamente inconcebível, pois tudo o que for real deve ser de
alguma forma cognoscível, caso contrário, é algo desprovido de sentido e, portanto, não é real. Para um maior
aprofundamento, conferir CP 5.310. 33 Isso garantirá o caráter objetivo e auto-corretivo da investigação, uma vez que “é tanto possível como provável
que, para qualquer crença equivocada, uma sociedade de investigadores possa, em um intervalo de tempo
pertinentemente finito, discernir seus próprios erros e avançar até o descobrimento do verdadeiro estado das
coisas.” (MARGOLIS apud HYNES, 2015, p. 72)
39
CAPÍTULO III — O PRAGMATISMO JAMESIANO
Eu espero poder conduzi-lo a encontrar
o modo equilibrado de pensar que você busca.
(P, p. 504)
3.1. “UM MÉDICO EM ATIVIDADE”
Assim como Peirce, James também não teve a sua primeira formação nas Ciências
Humanas. Graduado e doutorado em Medicina pela Harvard Medical School, William James
lecionou aulas de anatomia e fisiologia por um bom tempo nessa mesma instituição. Dentro
da Medicina, começa a interessar-se pela Psicologia, e então passa a estudá-la, em um
momento em que esta ainda estava se constituindo como ciência — não à toa, posteriormente,
após a publicação de reconhecidos ensaios sobre o assunto (o principal deles chamado “The
Principles of Psychology”), James será considerado o “pai da Psicologia americana”.
Da Psicologia para a Filosofia foi um passo. Ele mesmo assume ter originalmente ido
estudar medicina pensando em ser um fisiologista, mas, por uma espécie de “fatalidade”,
como diz, acabou se deparando com a Psicologia e com a Filosofia (cf. PERRY, 1935, p.
228), áreas com as quais ele não teve academicamente um contato prévio, apesar de desde
sempre mostrar-se um homem interessado em questões existenciais. “O que levou James à
Filosofia, em grande parte, foi o desejo de superar a oposição entre a perspectiva que ele via
na ciência e a perspectiva que sugeriam as suas inclinações humanistas.” (COPLESTON,
2000, p. 322). Assim — também com a contribuição das discussões do Metaphysical Club,
como foi visto no primeiro capítulo deste trabalho — James “descobriu” a Filosofia e dela não
se apartou tão cedo, ao contrário, deixou uma marca na sua história, já que, como vimos
anteriormente, foi o nome de maior destaque dentro da corrente filosófica pragmatista.
Mas, afinal, o que James disse acerca do pragmatismo? Quais foram as suas bases?
Onde ele queria chegar? A essa e outras perguntas buscaremos responder no decorrer deste
terceiro capítulo, recorrendo principalmente à coletânea de oito conferências proferidas no
Lowell Institute (Boston) em 1906 e na Columbia University (New York) em 1907 — que
40
foram posteriormente publicadas sob o nome de “Pragmatism: a new name for some old ways
of thinking” —, onde James expõe e desenvolve a sua doutrina pragmática.
3.2. TEMPERAMENTOS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA
Para entendermos o pragmatismo de James, é necessário irmos aos seus pressupostos.
Um deles é a noção de “temperamento”. Segundo James, os variados pensamentos que
surgiram no decorrer da História da Filosofia são resultado dos variados temperamentos de
cada filósofo (ainda que estes tentem esconder tal influência34). Nesse sentido, “as ideias não
são por si mesmas e independentes das mentes que as concebem, mas antes, todo conflito
filosófico se dá sempre no interior da vida íntima de um homem concreto, finito e em um
mundo de experiência real” (RAZZO, 2013, p. 17).
A história da Filosofia é, em grande parte, a história de uma certa colisão de
temperamentos humanos. Indigno que possa parecer a alguns de meus colegas um
tal tratamento, terei que levar em conta esses choques e explicar por seu intermédio
grande parte das divergências filosóficas. Qualquer que seja o temperamento de um
filósofo profissional, trata, quando filosofa, de encobrir o fato de seu temperamento.
O temperamento não é a razão convencionalmente admitida, com o que lança mão
das razões impessoais somente para as conclusões. Seu temperamento, contudo,
confere-lhe distorção mais forte do que qualquer de suas premissas mais objetivas.
Sobrecarrega-lhe a evidência desse modo ou de outro, estabelecendo uma visão mais
sentimental ou mais realista do universo. Confia em seu temperamento.
Necessitando de um universo que se lhe adapte, acredita em qualquer representação
que se lhe adapte. Sente que os homens de temperamento opostos estão fora de
sintonia com o caráter do mundo, e em seu íntimo considera-os incompetentes e
“por fora” do negócio filosófico (P, p. 488).
Assim teria caminhado a História da Filosofia. E como nas outras áreas35, também na
Filosofia haveria dois temperamentos predominantes36: o racionalista e o empirista. Na
34 “Pelo fato de o temperamento conferir um aspectos sentimental e pessoal ao intento filosófico, os filósofos
tentam “encobri-lo”, uma vez que o temperamento “não é a razão convencionalmente admitida” na comunidade
filosófica, justamente por esperarem das suas conclusões a objetividade cujo traço característico é o de
impessoalidade.” (RAZZO, 2013, p. 47-48) 35 James dirá que na etiqueta há os formalistas e os casuais; na política há os autoritários e os anarquistas; na
literatura há os acadêmicos e os realistas; enquanto que na arte há os clássicos e os românticos. (cf. P, p. 490). 36 James faz questão de observar que essa divisão em dois grupos não pretende ser absoluta, ao contrário,
permite variadas combinações e nuances. Explica que optou por essa classificação pois é o que é possível
41
primeira conferência da série Pragmatism, chamada “The Present Dilemma in Philosophy”,
James irá caracterizar detalhadamente cada um desses temperamentos. Aqui vamos expor
alguns elementos principais.
Vejamos primeiro os racionalistas. Os racionalistas são aqueles que historicamente
foram chamados “intelectualistas”. Baseiam-se em princípios, mais do que em fatos
particulares. Nas discussões tendem a ser mais dogmáticos em suas afirmações. Consideram-
se mais religiosos, idealistas e otimistas que os empiristas. Por isso James os chamará tender-
minded, “espíritos ternos”. Já os empiristas são associados mais ao materialismo. Nas
discussões, são mais céticos e abertos a debates. Tendem a se basearem em fatos, a serem
mais pessimistas e não religiosos. Por isso James os chamará tough-minded, “espíritos duros”.
Resumindo, e seguindo o mesmo esquema que James fez, o racionalista estaria mais propenso
a ser: intelectualista, idealista, otimista, religioso, defensor do livre-arbítrio, monista e
dogmático. Enquanto o empirista seria: sensorialista, materialista, pessimista, irreligioso,
fatalista, pluralista e cético (cf. P, p. 490–491).
A partir dessa classificação, James irá defender a necessidade de se encontrar um
sistema que combine ambos os temperamentos, já que poucas são aquelas pessoas que são
unicamente tender-minded ou unicamente tough-minded — sempre há uma mistura de
temperamentos: “A maioria de nós tem, é claro, um temperamento intelectual não muito bem
definido, nós somos uma mistura de ingredientes opostos, cada um presente de forma muito
moderada” (P, p. 488). Nesse sentido, James irá propor uma atitude que não tenda nem apenas
para um lado nem para o outro, mas que seja moderada. Por isso falará de expressões como
“monismo pluralista”, “livre-arbítrio determinado”, ou mesmo de um pessimismo prático
combinado com um otimismo metafísico. Outro elemento que confirmará a importância de se
buscar um temperamento mais equilibrado é a constatação de que cada vez mais os homens
buscam fatos — a ponto das “nossas crianças nascerem quase científicas” — mas, por outro
lado, de isso não ser suficiente para neutralizar a sua ânsia por religiosidade, já que o homem
de hoje “quer fatos, quer ciência, mas quer também religião” (P, p. 491).
Ora, uma vez constatado que a maior parte das pessoas não se encaixa unicamente em
um ou em outro temperamento, mas justamente tendem a misturar um pouco de cada, logo,
que tipo de filosofia é possível encontrar e que não esteja nem totalmente de um lado nem de
constatar com frequência e também porque “ajudará no [seu] propósito ulterior de caracterização do
pragmatismo” (cf. P, p. 490).
42
outro? James dirá que não há essa filosofia, pois, ou encontramos “uma filosofia empírica que
não é suficientemente religiosa” ou “uma filosofia religiosa que não é suficientemente
empírica”, quando o que a maior parte dos homens procura é uma filosofia em que se exercite
excelsas abstrações intelectuais, mas que também seja capaz de fazer conexões positivas com
o mundo atual. Dito em outras palavras e retomando os conceitos de racionalismo e
empirismo: ao olharmos para a História da Filosofia37, ou encontramos um empirismo não
humanista e irreligioso, ou encontramos um racionalismo que de fato é religioso, mas que se
mantém afastado dos fatos concretos (cf. P, p. 495).
Diante desse dilema encontrado na História da Filosofia38 é que James dirá que a sua
solução começa a aparecer. A filosofia que conseguirá levar em consideração os dois
temperamentos e colocá-los em equilíbrio, como é possível prever, é obviamente o
pragmatismo. Isso porque a filosofia pragmática, segundo James, conseguiria “permanecer
religiosa como os racionalistas, mas, ao mesmo tempo, como o empiristas, conseguiria
preservar a mais rica intimidade com os fatos” (P, p. 500-501). Assim James conclui a sua
primeira conferência, deixando para a seguinte a missão de explicar o que seria exatamente o
seu pragmatismo. Como esse é o principal interesse do presente capítulo, seguiremos com
James para a sua próxima conferência: “What Pragmatism means”.
3.3 O PRAGMATISMO COMO TEORIA DA VERDADE
James inicia a sua segunda conferência sobre pragmatismo contando a simpática
anedota do esquilo (cf. P, p. 505). Certa vez, quando nas montanhas, encontrou seus colegas
diante de uma intrigante disputa metafísica: havia um esquilo no tronco de uma árvore e um
homem, que, na tentativa de vê-lo, dava voltas em torno da mesma. Mas o esquilo fazia o
mesmo, o que impedia que o homem conseguisse vê-lo. Diante dessa situação, a pergunta era:
acaso o homem girava em torno do esquilo ou não? Estando o grupo com as opiniões
divididas, pediram para James se posicionar a fim de acabar com o empate. James, muito
sagazmente, recorreu ao adágio medieval que diz que onde há uma contradição é necessário
fazer uma distinção. A distinção que era necessária ser feita era em relação ao conceito de
37 Aqui faremos certa generalização, como James o faz, ao dividir a História da Filosofia apenas nestas duas
vertentes: empirista e racionalista, sem levar em conta as inúmeras correntes nela presente. Nesse sentido,
racionalismo e empirismo seriam menos duas correntes específicas da Filosofia do que temperamentos que
permeiam todos os pensamentos. 38 Não à toa o nome da conferência é “O presente dilema na Filosofia”.
43
“girar em torno de”39: ora, se o “girar em torno do esquilo” se referia a fazer uma volta do
norte para o leste, do leste para o sul, do sul para o oeste, e novamente para o norte do esquilo
(em um movimento circular), então podemos dizer que o homem está, sim, girando em torno
do esquilo. Porém, se com “girar em torno do esquilo” quer-se dizer passar da frente para a
direita, da direita para trás, de trás para a esquerda, e novamente para frente, então não
podemos dizer que o homem girou em torno do esquilo.
Dessa forma, James mostrou que ambas as opiniões estavam certas a depender da
definição que se dava ao conceito de “girar em torno de”, uma vez que cada uma das
definições acarretam consequências práticas distintas. Com essa solução, a discussão
filosófica que a princípio não teria fim, finalmente é capaz de ter um desfecho. E esse é
justamente um dos objetivos do método pragmático: “a resolução de disputas metafísicas que
de outra forma seriam intermináveis” (P, p. 506). Assim, podemos concluir que a anedota
contada por James foi o seu primeiro exemplo de aplicação do método pragmático. Mais
adiante veremos outros exemplos menos triviais como, por exemplo, o problema da
constituição ontológica da realidade, o problema da liberdade, da unidade/multiplicidade, ou
mesmo o problema de Deus etc.
Fazendo uma crítica a grande parte da Filosofia, James mostrará como muitas
discussões acabam tornando-se insignificantes quando colocadas sob a ótica pragmática, isto
é, quando questionadas a respeito das suas consequências práticas: “Que diferença prática
haveria para alguém se essa noção ou aquela fosse verdadeira? Se não pode ser traçada
nenhuma diferença prática, então as alternativas significam praticamente a mesma coisa e,
logo, toda a disputa é vã”. E em outra passagem: “Em que sentido o mundo seria diferente se
essa alternativa ou aquela fossem verdadeiras? Se eu não consigo encontrar nada que seja
diferente, então a alternativa não tem sentido” (P, pp. 506-507). Essas duas considerações
expressam a postura que todo pragmatista deveria ter diante dos problemas (ou “pretensos-
problemas”, como Peirce fala40) que se lhe apresentam.
Note que em ambas as citações acima há referência ao “verdadeiro”. De fato, para
James, o pragmatismo tem uma estreita relação com a verdade. Na segunda conferência (cf.
(P, p. 505ss) ele pontua dois objetivos do pragmatismo: o primeiro é que ele seja um método
(cf. P, p. 515). Isso porque, assim como Peirce, James não considerava o pragmatismo uma
39 Em inglês, “going round”. 40 Cf. CP 8.259.
44
doutrina com fim em si mesma, mas sim um método que guia na “trilha da verdade” (cf.
WAAL, 2007, p. 61): “estou interessado em outra doutrina filosófica, à qual dei o nome de
empirismo radical41, e me parece que o estabelecimento da teoria pragmática da verdade é um
passo de importância capital para fazer o empirismo radical prevalecer” (MT, p. 826).
O pragmatismo, concebido como método, não pretende responder àquelas questões a
respeito de uma explicação última da realidade e do conhecimento. Essa tarefa
caberá ao empirismo radical. O método pragmático concebido por James, a partir da
sua interpretação da máxima de Peirce, pretende fornecer a disposição correta de
como avaliar o sentido último da experiência” (RAZZO, 2013, p. 63).
O segundo objetivo é que o pragmatismo seja uma teoria da verdade. Como vimos na
citação acima, ele fala em “teoria pragmática da verdade”. Para esse tema, James dedicou uma
conferência inteira da série Pragmatism, cujo nome é “Pragmatism’s conception of Truth”.
Sobre ela iremos nos debruçar neste momento.
É fácil concordar com a definição básica de dicionário que diz que a “verdade é a
propriedade daquelas nossas ideias que estão em concordância com a realidade”. Mas é
provável que a discussão facilmente surja quando for necessário definir o que significa essa
concordância com a realidade. James dirá que será justamente esse o embate entre
pragmatistas e intelectualistas42. Os racionalistas dirão que a verdade é uma concordância
estável com a realidade, que fornece uma resposta satisfatória e dá um estável equilíbrio
epistemológico, uma vez que determinada ideia seria a precisa cópia da realidade, e a
realidade, por sua vez, seria algo já completo e acabado desde toda a eternidade.
Já os pragmatistas não se contentarão com uma verdade “estática”. A veracidade de
cada conceito dependeria da resposta àquela pergunta que já vimos anteriormente: “que
diferença concreta tal ideia fará na vida de alguém se for tomada por verdadeira? Que
experiências seriam diferentes se a mesma ideia fosse falsa?” (cf. P, p. 573). No fundo, com
essas perguntas o que se faz é aplicar a máxima pragmática à própria noção de verdade: essa
41 O empirismo radical é a doutrina sobre a qual James apoia a sua postura filosófica de considerar legítimo
somente fatos advindos da experiência. Em suas palavras, “as únicas coisas que devem ser debatíveis entre os
filósofos devem ser as coisas definíveis em termos derivados da experiência” (prefácio ao “The meaning of
Truth”, MT, p. 823ss). Para um maior aprofundamento sobre a doutrina do empirismo radical de James, cf.
JAMES, W. “Essays in Radical Empirism”, W-II. 42 Por “intelectualistas”, James quer fazer referência àqueles que não partem de fatos, mas sim de teorias. Nesse
sentido, os intelectualistas estariam bem mais próximos do temperamento racionalista do que do empirista.
Inclusive no decorrer da conferência, James irá variar entre um termo e outro. Optamos por usar, daqui para
frente, o termo “racionalistas”.
45
é, em pouca palavras, a “teoria pragmática da verdade”. Com ela, pretende-se descobrir aquilo
que James chama de cash-value, isto é, o “valor de caixa” de certa ideia: dependendo das
consequências que certa ideia acarreta (isso seria o seu “valor de caixa”), então podemos dizer
a sua verdade ou falsidade.
Ideias verdadeiras são aquelas que nós podemos assimilar, validar, corroborar e
verificar. Falsas ideias são aquelas que não podemos. [...] Essa tese é a que eu tenho
de defender. A verdade de uma ideia não é uma propriedade estática inerente a ela.
A verdade acontece a uma ideia. Ela torna-se verdadeira, é feita verdadeira pelos
eventos. A sua veracidade é de fato um evento, um processo: o processo, a saber, da
sua própria veri-ficação. A sua vali-dade é o processo da sua validação. (P, p. 573,
grifos nossos)
Percebemos facilmente como essa concepção de verdade é muito mais ampla do que
aquela clássica dos racionalistas. Essa forma de pensar, no entanto, não é inédita de James.
Em um âmbito micro, digamos assim, podemos pensar em Peirce, que de alguma forma
compartilhava essa ideia de que a verdade não é algo absoluto e estático43; e em um âmbito
macro, podemos pensar na própria história da Ciência44, que com o tempo foi tendendo para
essa forma de pensar: com os seus contínuos erros e acertos, muitos cientistas começaram a
43 A própria teoria evolucionista de Peirce quer mostrar isso. Em poucas palavras, o Evolucionismo de Peirce
seria a teoria de que o cosmos está sim sujeito a leis e possui certa regularidade, e isto é devido à fundamental lei
de aquisição de hábitos presente no cosmos desde a sua origem. No entanto, há um elemento de puro acaso que
também interfere no mundo e é ele o princípio de tudo o que há de irregular e único. A presença desses dois
elementos opostos no mundo se faz possível através de uma única explicação: a natureza (e também as leis, a
ciência, o nosso conhecimento, o cosmos...) está num constante processo de evolução; ela possui leis – e isso é
natural e necessário para que não se torne caótica - mas leis que a qualquer momento podem falhar, em prol do
crescimento e da evolução do cosmos. E é por isso que “nenhuma lei é absoluta” (CP 6.101). 44 Chalmers (1993) nos dá um exemplo muito ilustrativo e clássico da história da Ciência que nos mostra como o
conhecimento científico não é tão seguro e absoluto quanto se pensa. O exemplo de Chalmers retoma o
progresso da Física, passando por Aristóteles e Newton até chegar a Einstein: “A física aristotélica foi até certo
ponto bastante bem-sucedida. Ela podia explicar uma ampla gama de fenômenos. Podia explicar por que objetos
pesados caem no chão (procurando seu lugar no centro do universo), podia explicar a ação do sifão e da bomba
de elevação, e assim por diante. Mas, de fato, a teoria aristotélica foi falsificada de várias maneiras. [...] A física
de Newton, contudo, [...] era uma teoria superior que ultrapassou a de Aristóteles. A teoria de Newton podia
explicar a queda de objetos, o funcionamento de sifões e bombas de elevação, qualquer outra coisa que a teoria
de Aristóteles podia explicar e, ainda, os fenômenos que eram problemáticos para os aristotélicos e, de
acréscimo, ainda podia explicar fenômenos que não haviam sido tocados por Aristóteles. [...] Por dois séculos a
teoria de Newton foi falsificada de diversas maneiras. [...] Os físicos enfrentavam, então, problemas desafiadores
na passagem do século XX, problemas que clamavam por novas hipóteses especulativas projetadas para superá-
los de uma forma progressiva. Einstein foi capaz de aceitar este desafio. Sua teoria da relatividade foi capaz de
explicar fenômenos que falsificaram a teoria de Newton, além de produzir a previsão de novos fenômenos
espetaculares. [...] A falsificação da teoria de Einstein permanece um desafio para os físicos modernos. Seu
eventual sucesso assinalaria um novo passo na direção do progresso da física.” (CHALMERS, 1993, p.74-75).
46
rejeitar essa noção de ciência como uma descrição correta e infalível da realidade. As teorias,
nesse contexto, passaram a ser menos uma cópia ou uma descrição fiel da realidade do que
meros instrumentos para melhor compreendê-la. Isso é o que ficou conhecido como “teoria
instrumental da verdade” (cf. P, p. 508).
Segundo essa teoria, a verdade não poderia ser aquela descrição exata e infalível da
realidade que os racionalistas propunham, pois a própria natureza da mente humana, finita
como é, não seria capaz de abarcar o todo da realidade, com todas as suas leis e regras de
funcionamento. O problema é que os homens, ao fazerem grandes descobertas, “ficaram tão
arrebatados pela clareza, beleza e simplicidade daí resultantes, que acreditaram ter decifrado
autenticamente os pensamentos eternos do Todo-Poderoso” (P, p. 511). Quando, de fato, cada
grande descoberta não passava (e não passa) de algo que logo mais pode ser substituído por
uma nova descoberta. Sob essa ótica, as teorias tornam-se instrumentos através do quais
podemos dizer algo da realidade, mas não exauri-la. E não apenas isso, mas instrumentos
enquanto ligam uma experiência a outra, tornando-se assim, úteis e verdadeiras. Essa é
exatamente a condição para que uma teoria ou ideia seja considerada verdadeira: ao ligar uma
experiência a outra, fazendo alguma diferença para o sujeito que nela crê, ela será, então,
“verdadeira em toda a sua extensão, verdadeira instrumentalmente” (P, p. 512). Assim define
James: “As ideias tornam-se verdadeiras na medida em que nos ajudam a manter relações
satisfatórias com outras partes de nossa experiência” (Ibidem).
Note que James novamente fala que as ideias “tornam-se verdadeiras”. Isso nos faz
ver como a sua concepção de verdade está muito mais ligada a um atributo das ideias do que
da própria realidade. Para James, a verdade pode sim ser considerada uma “concordância”
com a realidade, conforme vimos no início desse tópico, porém, é preciso que se entenda bem
o que significa essa concordância. A concordância de determinada ideia com a realidade
depende do contexto em que está inserida. Para isso, James dá exemplos da história da
Ciência, onde a astronomia ptolomaica, o espaço euclidiano e a lógica aristotélica, por
exemplo, foram por muito tempo aceitas, mas agora, com as novas teorias, ficaram obsoletas.
Assim, é possível dizer que elas são apenas “relativamente verdadeiras ou verdadeiras no
interior dos limites de experiência. ‘Absolutamente’ elas são falsas; pois sabemos que aqueles
limites eram casuais, e podiam ter sido transcendidos por teóricos do passado assim como
foram por pensadores do presente”45.
45 P, p. 107 apud PUTNAM, 2010, p.226
47
Como fica claro, essa explicação em nada se assemelha à ideia que normalmente se
faz de James de que algo é verdadeiro quando conveniente46. Pensar assim seria tornar a
verdade algo necessariamente subjetivo, já que esta dependeria unicamente da deliberação do
sujeito em dizer se algo é verdadeiro ou não. O que James de fato defende é que “nossas
ideias devem concordar com as realidades, sejam elas concretas ou abstratas, fatos ou
princípios” (P, p. 578). Ou seja, para dizer se uma ideia é verdadeira, é necessário que ela
venha a concordar com a realidade (ainda que seja uma concordância apenas provisória,
restrita a um determinado momento da história), e isso podemos afirmar quando constatamos
que ela mantém relações satisfatórias com outras partes da nossa experiência.
Ele chegou à conclusão de que as crenças não “concordam com a realidade” (de
modo não observável) independentemente de se elas são verificadas, mas, em vez
disso, vêm a concordar com a realidade à medida em que as relações conjuntivas
em questão passam a existir. Daí a doutrina de que “a verdade acontece a uma
ideia”! (PUTNAM, 2010, p. 227)
É por isso que no pensamento de James a experiência desempenha um papel tão
importante. Diferente dos racionalistas que partem de princípios e conceitos abstratos, um
empirista (“radical”) como James só aceitará dados que advierem da experiência e, a partir
desses dados, é que a mente chegará às ideias, que não são uma cópia da experiência, mas sim
aquilo que relaciona as partes da experiência. E aqui voltamos àquela definição supracitada
que diz que “as ideias tornam-se verdadeiras na medida em que nos ajudam a manter relações
satisfatórias com outras partes de nossa experiência” (P, p. 512, grifos nossos). Assim torna-
se mais clara a ideia de verdade como instrumento, como mediadora, pois será a ideia
verdadeira que fará a mediação entre as expectativas do sujeito e a própria realidade que se
apresenta (cf. RAZZO, 2013, p. 85).
Nesse sentido, a verdade não se encontraria propriamente nos fatos, mas sim nas
proposições referidas a eles: “Os fatos, em si mesmos, não são verdadeiros. Eles
simplesmente são. Verdade é a função das crenças que começam e terminam entre eles” (P, p.
581). Daí a ideia de que a verdade iria se construindo no decorrer do tempo, de que “a
verdade é feita no curso da experiência” (P, p. 581).
46 James criticará aqueles que dizem que os pragmatistas “são pessoas que pensam que, dizendo qualquer coisa
que você ache prazeroso dizer e chamando isso de verdade, assim você realizou plenamente o anseio
pragmatista.” (P, p. 588)
48
[...] o que é verdadeiro é a proposição que enuncia um fato, não o próprio fato. A
existência de Júlio César em um período determinado da história não pode dizer-se
propriamente verdadeira; mas a afirmação de que ele existiu é verdadeira, enquanto
que a afirmação de ele não existiu é falsa. Ao mesmo tempo, a afirmação de que
Júlio César existiu não é dita verdadeira em virtude dos significados dos símbolos
ou das palavras empregadas na afirmação, mas sim em virtude da relação de
correspondência com a realidade do fato. (COPLESTON, 2000, p. 325)
Por isso, conforme os fatos forem exigindo uma nova correspondência, algo que era
verdadeiro no passado pode vir a tornar-se falso no presente e exigirá do homem uma
formulação atualizada da verdade, que corresponda corretamente à realidade como então se
mostra. É o que James chamou de processo de verificação: para que uma ideia seja tomada
por verdadeira é preciso que ela seja verificada e validada. E o que isso significa? Significa
que a ideia, para ser verdadeira, deve ter consequências práticas, que só aparecem quando a
ideia concorda com a realidade e, assim, nos conduz aos atos e a outras ideias. Essas conexões
entre a ideia verdadeira, o agir e as outras ideias tendem a ser progressivas, harmoniosas e
satisfatórias; e justamente esse processo harmonioso e agradável é o que James chama de
verificação (cf. P, p. 573). Daí a conhecida citação jamesiana que diz que “verdadeiras ideias
são aquelas que podemos assimilar, validar, corroborar e verificar. Falsas ideias são aquelas
que não podemos.” (P, p. 573)
Quanto às ideias de que a verdade muda no decorrer do tempo, um ponto importante
para se fazer notar é que, para James, a própria natureza da realidade não se encontra pronta e
completa (ready-made) desde toda a eternidade, como os racionalistas acreditam, mas sim é
algo que está constantemente fazendo-se e aperfeiçoando-se. Isso está relacionado com o que
James chamou de “pragmatismo pluralista”, no qual “a verdade cresce dentro de todas as
experiências”47. Como Waal destaca: “As velhas verdades não são permanentes, como os
racionalistas alegam, mas mudam no tempo diante de novas experiências. Verdades são
equilíbrios temporários no processo de aprender” (WAAL, 2007, p. 73). Nesse sentido, a
47 Guardadas as devidas divergências (que não são poucas), essa ideia de James faz lembrar a doutrina do
indeterminismo ontológico de Peirce, que também diz que o universo está em constante mudança e
aperfeiçoamento, pois está sujeito à ação ontológica do acaso. Dessa forma, também as leis que formulamos
sobre as coisas estariam sujeitas a desvios, à falibilidade (essa doutrina de Peirce é conhecida como
“Falibilismo”) e, por isso, algo que é verdadeiro hoje pode não o ser amanhã, pois as leis são passíveis de
falharem. Esse traço epistemológico existe porque o elemento ontológico do acaso é real. Assim, haveria no
mundo um movimento que vai do caótico nada a um kosmos noëtos ordenado, que se deixa conhecer (Cf.
“Fallibilism, Continuity and Evolution” in CP 1. 141-175 e IBRI, 1992, p. 39-54, cap. 3: “O Indeterminismo
Ontológico e a Matriz Evolucionista”).
49
verdade seria fluida, pois espera ser moldada, como um bloco de mármore que pode esculpido
de várias formas, a depender daquele que o esculpe. “Lemos os mesmos fatos de formas
diferentes” (P, p. 594), e isso vai depender das consequências que eles trarão para cada um.
Assim podemos compreender em que sentido a teoria pragmática de James é uma
teoria da verdade e, para esse fim, aplicamos a própria máxima pragmática à noção de
verdade. Mas há outros exemplos de aplicação da máxima que ajudam a esclarecer mais o
pragmatismo proposto por James. O próprio James dedicou algumas das suas conferências de
1907 para mostrar exemplos de questões analisadas sob o olhar pragmático, como, por
exemplo, a questão do monismo e do pluralismo48, da religião49, do senso-comum50, o
problema da substância, do “desígnio” da natureza e da liberdade51. Para todas essas questões,
embasado nas principais escolas filosóficas que trataram de cada tema e tendo em conta a
particularidade de cada uma, James, por fim, acaba abordando-as pragmaticamente, aplicando
sempre a mesma “pergunta-chave”: que diferença prática haverá caso uma ideia ou outra —
normalmente oposta — seja tomada por verdadeira?
Segundo James, fazer essa pergunta pragmática nos faria passar do vago para o
definido, do abstrato para o concreto. Isso nos ajudaria a deixar a questão mais clara e,
consequentemente, a evitar discussões filosóficas intermináveis — que, na maior parte das
vezes, surgem devido aos distintos temperamentos dos seus debatedores. Essa seria uma
forma de desvencilhar os debatedores de formas de pensar pré-concebidas, uma vez que o
método pragmático traria um critério objetivo a partir do qual analisar a questão, a saber: os
efeitos que tal teoria, uma vez acatada, traria. Assim voltamos ao que foi visto no início do
capítulo: o pragmatismo como um equilíbrio entre os temperamentos, que consegue colocar
um fim a disputas filosóficas que de outra forma seriam intermináveis.
48 P, Lecture IV: “The one and the many”, p. 541-557. 49 P, Lecture VIII: “Pragmatism and Religion”, p. 606-619. Pode parecer um pouco inusitado um pragmatista
falar de religião, já que, em um primeiro momento, essa corrente pode parecer avessa a questões metafísicas;
mas James mostra que não. Na sua concepção, a religião é plenamente compatível com o pragmatismo, uma vez
que, se ideias teológicas provarem ter um valor para a vida concreta, não há por que desconsiderá-las. “Nossa
estima pelos fatos não nos neutraliza de toda religiosidade. É ela própria quase religiosa [...]. Ele [um “homem
pragmático”] quer fatos, quer ciência, quer também, porém, uma religião” (P, p. 492). Em outras palavras, sua
doutrina quer resolver o embate entre “uma filosofia empírica que não é bastante religiosa e uma filosofia
religiosa que não é bastante empírica” (P, p. 492). 50 P, Lecture IV: “Pragmatism and Common Sense”, p. 558-571. 51 Esses últimos encontram-se na terceira conferência: P, Lecture III: “Some Metaphysical problems
pragmatically considered”, p. 523-540.
50
3.4. O NOMINALISMO DE JAMES
Tendo por base tudo o que foi visto até aqui, gostaríamos de entrar agora em um ponto
que será essencial para a discussão do próximo capítulo, a saber, o nominalismo de James. No
segundo capítulo, pudemos constatar que Peirce é um realista, e vimos que este foi um
elemento que afetou diretamente a forma como ele concebeu o pragmatismo. Neste item,
queremos fundamentar o posicionamento de James nesse quesito, já que isso também terá
relevantes consequências no seu pragmatismo. Dissemos “fundamentar” e não “descobrir”,
porque já partiremos do pressuposto de que James de fato tende para o nominalismo mais do
que para o realismo — como Haack confirma: “Enquanto Peirce era um realista, James estava
inclinado para o nominalismo” (HAACK, 2002, p. 141). Isso podemos constatar não apenas a
partir dos seus comentadores, mas explícita e principalmente a partir dos seus próprios
escritos, como nesta passagem em que diz: “[O pragmatismo] concorda com o nominalismo
ao sempre apelar para os particulares” (P, p. 510).
Comecemos, então, dessa mesma frase de James. Nela encontramos a razão principal
do pensamento de James ser considerado nominalista: o fato de “apelar para os particulares”.
Como foi possível constatar no decorrer do capítulo, James rechaçava qualquer sombra de
forma de pensar racionalista, que se afastasse completamente da realidade por tratar de
questões estritamente metafísicas e abstratas que, de tão distantes, não afetassem a vida52. Por
isso, reelaborou a máxima pragmática, primeiramente enunciada por Peirce, enfatizando a
importância dos efeitos particulares que determinada ideia tem sobre a experiência do
indivíduo que nela crê: “James estava totalmente ciente do seu nominalismo e o considerava
uma coisa boa. James considerava que o requisito de que o significado esteja relacionado a
52 Quanto a esse seu incômodo com a drástica separação que se costuma fazer entre a teoria (e aqui ele fala
especificamente da Filosofia) e a vida, há este simpático relato que faz transparecer bem a inconformidade de
James: “Quisera ter poupado as primeiras páginas de uma tese que um estudante me passou às mãos um ano
atrás. Ilustravam meu ponto tão claramente que tenho pena de não poder lê-las agora. Esse jovem, formado por
alguma faculdade do oeste, começava dizendo que tinha tido sempre como certo o fato de que, quando se entra
em uma classe de Filosofia, tem-se que estreitar relações com um universo inteiramente distinto daquele que se
deixou lá atrás na rua. Supunha-se que os dois [universos], disse, tinham tão poucas relações um com o outro,
que não se podia possivelmente ocupar o espírito com eles ao mesmo tempo. O mundo de experiências pessoais
concretas ao qual a rua pertence é heterogêneo, além da imaginação, enredado, obscuro, doloroso e enigmático.
O mundo ao qual o professor de Filosofia o introduz é simples, claro e nobre. As contradições da vida real
acham-se ausentes dele. Sua arquitetura é clássica. Os princípios da razão traçam os seus delineamentos, as
necessidades lógicas cimentam suas partes. A pureza e a dignidade são o que mais expressa. É uma espécie de
templo de mármore brilhando no alto da colina [...]. O refinamento tem o seu lugar, é bem verdade. Mas uma
filosofia que nada transpira, a não ser refinamento, jamais satisfará o temperamento empírico. Parece, antes, um
monumento de artificialidade” (P, p.495-496).
51
experiências particulares uma importante salvaguarda para evitar o abuso dos velhos
metafísicos” (WAAL, 2007, p. 62).
Aplicar a máxima a experiências particulares seria uma forma de escapar da
concepção de mundo realista que se pauta nos gerais, para ir ao encontro de uma concepção
nominalista, onde o que de fato importa são os particulares, pois apenas eles constituem a
realidade; aquilo que a ele se refere são apenas abstrações, são nomes53. Vejamos uma das
versões dadas por James à máxima pragmática, atentos à maneira como ele faz essa
abordagem nominalista:
Para nós, o teste último de o que uma verdade significa é, certamente, a conduta que
dita ou inspira. Mas ela inspira aquela conduta porque prediz alguma virada
particular à nossa experiência, que nos deve invocar, a nós, exatamente, aquela
conduta (P, p. 348).
“[...] prediz alguma virada particular à nossa experiência”. James deixa muito claro
que, para que uma ideia seja considerada verdadeira, é necessário que ela afete de alguma
forma a conduta particular daquele que nela crê. Assim, as ditas “consequências práticas” de
determinada ideia não seriam referentes aos efeitos que poderiam acontecer num futuro para
um indivíduo, “num geral”, formando assim um padrão ou um hábito, mas sim aos efeitos que
acarretaria em um indivíduo em particular. Um exemplo seria o da transubstanciação54. Para
James, o fato de não haver uma mudança sensível no pão e no vinho não significa que não
haja ali um “valor pragmático”, visto que, se houver consequências práticas para aquele que
acredita, se o fato de ele crer afetar de alguma forma a sua conduta, então não há motivos para
dizer que não há uma verdade aí. Mas ela só será válida, James reforça, para aqueles que de
fato acreditam (cf. P, p. 524).
Da mesma forma, quando ele falar de religião, na oitava e última conferência do
compilado Pragmatism, dirá que “se a hipótese de Deus funcionar satisfatoriamente [...], ela é
verdadeira”. Para James, o pragmatismo muitas vezes pode até se confundir com o
temperamento empirista — como vimos no início deste capítulo — pelo fato de voltar-se para
o mundo empírico, para os fatos; porém, nesta conferência ele mostra em que ponto o
pragmatismo afasta-se do extremo empirista, indo em direção ao outro extremo racionalista,
53 No quarto capítulo, o nominalismo será exposto de forma mais aprofundada. 54 A transubstanciação refere-se ao processo pelo qual os católicos creem que a substância do pão torna-se Corpo
[de Cristo] e o vinho torna-se Sangue. Pelo fato de haver mudança apenas na substância e não no acidente, o pão
e o vinho permaneceriam aparentemente inalteráveis.
52
resultando, assim, no equilíbrio pragmatista, que era o seu objetivo: o ponto é justamente
quando trata da religiosidade. Para ele, o homem tem essa necessidade: “ele quer fatos, quer
ciência, quer também, porém, uma religião” (P, p. 492), mas não uma religião dogmática,
com princípios absolutos e rijos — essa é a religião do racionalista —, mas sim uma religião
“pluralista”55.
Se você não é nem duro (tough) nem terno (tender) em um sentido extremo ou
radical, mas uma mistura como a maioria de nós somos, parecerá a você que o tipo
de religião pluralista e moralista que eu ofereci é uma boa síntese religiosa como
você gostaria de encontrar. Entre os dois extremos do naturalismo cru, de um lado, e
do absolutismo transcendental de outro, você vai perceber que o que eu tomei a
liberdade de chamar de tipo teísta pragmatista e meliorista é exatamente o que você
procura. (P, p. 619)
As consequências de uma crença religiosa na vida de um homem são notáveis. Ela, de
fato, dita e inspira a sua conduta, ela “prediz alguma virada particular à [sua] experiência” (P,
p. 348), e por isso é digna de ser considerada verdadeira para aquele homem que nela crê.
Esse exemplo da religião consegue arrematar todos os outros pontos que vimos acerca do
pensamento de James no decorrer desse capítulo. Façamos uma breve retrospectiva
utilizando-nos desse exemplo, a fim de assentar bem os conceitos jamesianos e, assim,
adentrarmos mais seguramente o próximo capítulo, que se dedicará aos confrontos entre os
pensamentos de Peirce e James.
A noção pluralista de religião, para James, seria um meio-termo entre os
temperamentos racionalista e o empirista — daí essa ser a opção do “homem pragmático”.
Uma vez esse homem, verificando na sua experiência particular a influência dessa crença
religiosa, já que a sua conduta foi afetada, não haveria por que não tomá-la por verdadeira
(daí a noção pragmática da verdade), ela tornou-se verdadeira para esse sujeito que nela crê,
ainda que para outros ela não o seja. Uma frase do próprio James que julgamos sintetizar de
uma forma simples tudo o que foi visto — e por aqui concluímos o terceiro capítulo — é a
seguinte: “Segundo os princípios pragmáticos, não podemos rejeitar nenhuma hipótese se dela
emanarem consequências úteis para a vida” (P, p. 606). Esse é o pragmatismo jamesiano.
55 Seria demasiado simplista dizer que a noção de religião que James desenvolveu se reduz a isso. James tem
toda uma teoria acerca da experiência religiosa, mas aqui queremos deixar claro que gostaríamos apenas de
ilustrar com um exemplo a ideia de verdade aplicada a experiências particulares. Para um maior aprofundamento
no assunto, conferir uma das conferências das Gifford Lectures, chamada “The varieties of religious experience”
e a oitava conferência do Pragmatism, entitulada “Pragmatism and religion” (P, pp. 606–619).
53
CAPÍTULO IV — ALGUNS CONFRONTOS ENTRE OS PRAGMATISMOS DE PEIRCE E JAMES
O que entende você por pragmatismo?
(CP 8.249)
A pergunta que leva o título deste trabalho — e agora também da epígrafe deste último
capítulo — foi feita por Peirce, como vimos anteriormente, em uma carta endereçada a James
datada de 10 de novembro de 1900. Julgamos interessante dar-lhe um destaque porque, além
de mostrar a relação próxima que os autores tinham entre si, ela também demonstra qual a
disposição investigativa que nós, enquanto pesquisadores, temos para com Peirce e James no
decorrer desse estudo. Isso porque estamos em busca de compreender o que cada um desses
autores entende por pragmatismo, para então encontrarmos possíveis pontos de convergência
e divergência entre eles — tomando o máximo de cuidado para não cair em generalizações
precipitadas e injustas. Neste quarto e último capítulo, após tomarmos contato com o
pensamento de cada autor, buscaremos fazer esses confrontos.
Com o percurso feito até aqui, o leitor já poderá intuir alguns possíveis pontos onde as
doutrinas de Peirce e James se aproximam e outros onde se distanciam. Esses últimos nos
parecem ser menos evidentes, mas de suma importância, inclusive para que cada autor seja
compreendido corretamente — apesar de sabermos que uma compreensão inequívoca e
perfeitamente de acordo com a sua origem é quase impossível. Por isso optamos por dar
ênfase, na maior parte deste capítulo, para os elementos de divergência entre os autores. Mas,
para que a leitura não fique demasiado negativa, dedicaremos este primeiro momento para
pincelar alguns pontos de convergência — mesmo porque, seria no mínimo injusto tratarmos
de doutrinas que tiveram a mesma origem e levam o mesmo nome, sem falarmos dos seus
pontos em comum. Então, vejamos essa primeira parte.
54
4.1. PONTOS DE CONVERGÊNCIA
Que haja semelhanças entre os pragmatismos de Peirce e James é inegável. O fato de
levarem o mesmo nome56 e partilharem a mesma seção nos livros de História da Filosofia,
obviamente, já nos diz algo. O nome “pragmatismo”; o fato de terem sofrido a mesma
influência das discussões feitas no Metaphysical Club; o fato de tomarem como ponto de
partida a mesma máxima pragmática e, a partir dela, darem especial importância para a
função que as “consequências práticas” exercem para a determinação do significado de um
conceito; essas são as semelhanças mais evidentes, que dispensam maiores
desenvolvimentos57.
Outro ponto notável de convergência é o fato de ambos os autores colocarem como
sendo um dos objetivos do pragmatismo o fim de disputas filosóficas meramente verbais que
a princípio seriam intermináveis; como James diz nessa passagem: “o método pragmático é,
antes de tudo, um método de resolução de disputas metafísicas que de outra forma seriam
intermináveis” (P, p. 506). E Peirce, ao dizer que “as hipóteses que a máxima admitir, todos
os filósofos estarão de acordo com que sejam admitidas” (CP 5.196), faz com que o
pragmatismo “mostre que supostos problemas não são problemas reais” (CP 8.259) e, assim,
ele seria capaz de colocar um fim nessas discussões meramente verbais58. Dessa forma
podemos concluir que “os pragmatistas concordam que estão recomendando uma técnica ou
método para esclarecer palavras, conceitos, pensamentos, ideias, hipóteses e assim por diante”
(HOOKWAY, 2010, p. 193).
Alguns outros pontos em comum foram enumerados por Nubiola e Redondo. Esses
são, ao mesmo tempo, genéricos e específicos. Genéricos, pois referem-se não apenas ao
pragmatismo de Peirce e James, mas também às doutrinas de todos os outros filósofos que se
debruçaram sobre o tema. E específicos, porque não são generalistas: põem em relevo 56 Apesar de termos visto no primeiro capítulo (cf. item 1.1 “Considerações sobre a origem do pragmatismo”)
que nem Peirce nem James estavam satisfeitos com tal nome. Também não estamos considerando a posterior
mudança de Peirce, que passou a usar o termo “pragmaticismo”. 57 Para um maior aprofundamento em relações mais específicas entre Peirce e James, conferir: HOOKWAY,
Christopher. Princípios lógicos e atitudes filosóficas: a resposta de Peirce ao pragmatismo de James. In:
PUTNAN, Ruth Anna (org.). William James. São Paulo: Ideias & Letras, 2010. MADDEN, Edward H.,
“Discussing James and Peirce with Meyers”. In: Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol. 25, n. 2, pp.
123-148, (Spring, 1989); MEYERS, Robert G. “The Roots of Pragmatism: Madden on James and Peirce”. In:
Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol. 25, n. 2, pp. 85-121, (Spring, 1989). WOELL, John W.
Peirce, James and a Pragmatic Philosophy of Religion. Continuum London: Studies in American Philosophy. p.
224, 2012. WAAL, Cornelis. Sobre pragmatismo. Trad. Cassiano Terra Rodrigues. São Paulo: Loyola, 2007. 58 Ambos os posicionamentos foram vistos e desenvolvidos no segundo (item 2.1 “O pragmatismo como máxima
lógica” – Peirce) e terceiro (item 3.3 “O pragmatismo como teoria da verdade” – James) capítulos.
55
elementos próprios do pragmatismo, passíveis de muitos aprofundamentos. Assim eles
descrevem:
Apesar de podermos identificar tantos pragmatismos quantos filósofos pragmatistas,
todos eles compartilham certa “familiaridade” (aire de família). Entre essas
características vagamente compartilhadas, poderíamos destacar: a) a rejeição à
Filosofia moderna, encarnada de modo prototípico na figura de Descartes; b) a
negação dos dualismos próprios da modernidade (sujeito/objeto, mente/matéria,
meios/fins, indivíduo/comunidade, etc.) como dicotomias reais; c) o impacto do
evolucionismo e a aceitação de um universo potencialmente indeterminado; d) a
extensão do espírito científico a outras ordens da experiência, tais como a ética e a
política; e) o falibilismo e o meliorismo como atitudes opostas ao ceticismo e ao
quietismo; f) o pluralismo epistemológico; g) a investigação científica como
empresa cooperativa e social; h) o estilo democrático de vida; e i) a ação humana
como conduta teleológica orientada a fins. (NUBIOLA, J.; REDONDO, 2010, p.
929-930)
Seria possível escrever uma dissertação inteira sobre cada um desses itens, mas aqui
não vem ao caso tal aprofundamento. Vamos nos deter apenas em alguns, nos quais julgamos
que os pensamentos de Peirce e James se encontram. Um primeiro é aquele que diz do
“impacto do evolucionismo e a aceitação de um universo potencialmente indeterminado”.
Como foi visto, o pragmatismo de Peirce está estreitamente ligado à ideia de um universo em
evolução59 e, portanto, indeterminado — essa indeterminação é a forma como a primeira
categoria fenomenológica, a primeiridade, se manifesta no mundo (cf. CP 1.141-175). Por
outro lado, em James, também há a ideia de que o universo tende a se aperfeiçoar e de que a
verdade sobre ele vai se fazendo no decorrer da história; por isso a importância do método
pragmático de fazer com que a verdade se adéque aos fatos60 (cf. P, p. 573). E aí estaria mais
um ponto de encontro entre os dois pensadores.
Outro item levantado por Nubiola e Redondo, que de alguma forma se relaciona com o
anterior, é o seguinte: “o falibilismo e o meliorismo como atitudes opostas ao ceticismo e ao
quietismo”. Tanto a postura falibilista, quando falamos de Peirce, quanto a meliorista, quando
falamos de ambos, são posturas que se opõem ao ceticismo e ao quietismo, no sentido de não
se conformarem com um sujeito passivo em relação ao mundo. Para ambos, em um universo
59 Sobre a relação entre pragmatismo e indeterminismo, retomar item 2.3 deste trabalho. 60 Retomar item 3.3 deste trabalho: “O pragmatismo como teoria da verdade”.
56
que se mostra em constante mudança61 e, portanto, que reclama ser conhecido e descoberto,
não cabe um sujeito cético e passivo, ao contrário, deve haver um sujeito que está
constantemente buscando conhecer sempre mais esse mundo. Claro que se formos adentrar o
desenvolvimento de cada um dos autores a respeito desse tema, chegaremos a consideráveis
divergências, mas o ponto em comum que aqui nos interessa é este de ambos apresentarem
um sujeito em constante busca por conhecer e “desvendar” o cosmos que o rodeia.
Um último item que diz muito de ambos os autores é o que aponta para “a extensão do
espírito científico a outras ordens da experiência”. Como também foi visto no início dos
capítulos II e III, tanto Peirce como James não tiveram a sua primeira formação na Filosofia:
Peirce era físico e matemático, e James era médico. Assim, a influência dessas áreas nos seus
pensamentos foi inevitável; em ambos encontramos uma preocupação com os fatos, com a
experiência, com os dados empíricos — algo muito característico do espírito científico. Essa
influência seria mais um ponto determinante para a proximidade entre os pragmatismos de
Peirce e James.
Com este breve apanhado de algumas características em comum nos pensamentos dos
autores62, estamos prontos para adentrar uma discussão acerca das suas divergências. Antes,
porém, gostaríamos de finalizar este primeiro momento com um curioso trecho de uma carta
datada de 16 de março de 1903, em que Peirce expressa o seu reconhecimento pela doutrina
desenvolvida por James63. Assim ele escreve: “Você é, dentre todos os meus amigos, quem
ilustra o pragmatismo na sua forma mais indispensável. Você é uma joia do pragmatismo”64
(L 224). Começamos o segundo momento deste capítulo com esse trecho para evidenciar
quão próxima era a relação entre Peirce e James. Mesmo quando nos depararmos com suas
61 No falibilismo, a ideia central é que o universo não está completo e, justamente por isso, o nosso
conhecimento acerca dele estaria sujeito à falibilidade. Como foi visto na nota 47 deste trabalho, esse traço
epistemológico existe porque o elemento ontológico do acaso é real (para um maior esclarecimento, cf. nota 31
deste trabalho; o artigo de Peirce “Fallibilism, Continuity and Evolution” in CP 1. 141-175, e também IBRI,
1992, p. 39-54, cap. 3: “O Indeterminismo Ontológico e a Matriz Evolucionista”). Já o meliorismo, em poucas
palavras, diz que o mundo tende a progredir e tornar-se melhor ao longo do tempo e, por isso, também estaria em
constante mudança. 62 Para uma discussão mais aprofundada e recente acerca dos pensamentos de Peirce e James, conferir:
MADDEN, Edward H., “Discussing James and Peirce with Meyers”. In: Transactions of the Charles S. Peirce
Society, vol. 25, n. 2, pp. 123-148, (Spring, 1989); e MEYERS, Robert G. “The Roots of Pragmatism: Madden
on James and Peirce”. In: Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol. 25, n. 2, pp. 85-121, (Spring, 1989). 63 É importante ter presente que então Peirce ainda não tinha dado as suas “Conferências sobre Pragmatismo”
(1905), onde ele desenvolve mais a sua doutrina e, aí sim, distancia-se bastante de James. 64 Achamos que seria interessante reproduzir a frase tal como ela foi escrita por Peirce, em inglês: “You are of
all my friends the one who illustrates pragmatism in its most needful forms. You are a jewel of pragmatism.”
57
diferenças, saberemos que estas nunca serão ofensivas, mas sim uma questão de divergência
acadêmica e de visão de mundo.
4.2. PONTOS DE DIVERGÊNCIA
Assim como nos pontos em que as doutrinas de Peirce e James se aproximam, também
nos pontos em que se afastam encontramos muitos elementos que poderiam ser levantados.
Passaremos por dois deles — que julgamos serem os principais —, sendo que daremos um
enfoque maior para o segundo, pois este nos parece ser aquele que está por trás de todos os
outros, pois toca em elementos que estão na base do pensamento de cada um dos autores.
O primeiro ponto refere-se justamente ao fato de James ampliar a aplicação da
máxima pragmática a certas questões metafísicas que Peirce não concorda, e por isso ele
criticará James por tal abordagem65. Conforme foi visto, James aplicou a máxima a várias
questões metafísicas, como a questão da liberdade e do determinismo, da substância do
mundo ser una ou múltipla, da religião; inclusive intitulou uma das suas conferências de
“Alguns problemas metafísicos pragmaticamente considerados” (Some Metaphysical
problems pragmatically considered, P, p. 523-540). Para Peirce, essa abordagem não é
adequada, uma vez que o pragmatismo está muito mais para a lógica do que para a metafísica;
está muito mais para esclarecer conceitos e evitar discussões desnecessárias do que para
resolver problemas abstratos.
65 É importante ter em conta que Peirce critica o fato de James aplicar a máxima pragmática a questões
“demasiado metafísicas”, no entanto, ele não acredita que a filosofia seja incompatível com a religião, uma vez
que também ele era um homem, de alguma forma, religioso: “Peirce teve fortes convicções religiosas. Esse
espírito religioso de Peirce está presente na sua filosofia, que é profundamente teísta. A ideia de Deus é uma
referência constante no seu pensamento. Peirce sempre destacou a unidade entre a ciência e a religião. O
verdadeiro método científico, para ele, não estava em contradição com a religião, ao contrário, existia uma
unidade subjacente entre ambos. Ao longo da vida, Peirce tratou de destacar essa unidade frente àqueles que
afirmavam que a ciência e a religião falavam linguagens distintas. Entre ambos os campos do saber não existia,
para Peirce, contradição, ao contrário, ele defendia que se apoiavam mutuamente, no que seria uma continuidade
de instinto, sentimento e razão. A ciência, sem as formas emotivas e experiências da religião, seria mero
cientificismo, uma teoria ineficaz e sem inspiração, e a religião sem ciência tornar-se-ia cega e incapaz de
crescimento. Peirce tratou inclusive de aplicar sua peculiar metodologia científica ao estudo da questão de Deus
e desenvolveu essa aplicação em um artigo de 1908 intitulado “Um argumento negligenciado em favor da
realidade de Deus” [A neglected argument for the reality of God; in CP 6.452-493]. [...] Para demonstrar a
realidade de Deus, segundo Peirce, será precisa uma peculiar combinação do processo de argumentação racional
e da vitalidade da experiência” (NUBIOLA, 2013, p. 36-37).
58
Nesse sentido, para Peirce, a máxima pragmática funcionaria como um princípio
regulador da lógica que auxilia no esclarecimento de conceitos — como foi visto no item 2.1.
“O pragmatismo como máxima lógica” —, enquanto que para James, o pragmatismo
extrapolaria o campo da lógica. Seria, sim, uma nova teoria da verdade — como foi visto no
item 3.3. “O pragmatismo como teoria da verdade”—, na medida em que a verdade seria
aquilo que a experiência verifica e corrobora como tendo um valor prático (cash value) em
determinada circunstância, podendo mudar com o decorrer dos fatos. Sob esse ponto de vista,
questões metafísicas também poderiam ser abarcadas, uma vez que, na experiência, se elas
provarem ter um valor prático, não haveria motivo para desconsiderá-las, já que o
pragmatismo leva em conta justamente as consequências práticas que determinada crença
acarreta na conduta do indivíduo.
É por isso que Peirce irá reconhecer esse ponto de divergência — não só em relação a
James, mas também em relação a todos os outros pragmatistas da época, em especial Schiller
— como algo que os distanciava e o fazia ser alvo de crítica por parte deles, como ele mesmo
assume: “Do lado deles, uma das faltas que me podem atribuir é ter feito do pragmatismo uma
máxima lógica em vez de um sublime princípio de filosofia especulativa” (CP 6.18). Mesmo
nas suas conferências sobre pragmatismo, em 1905, onde Peirce irá fundamentar e provar a
sua doutrina, ele não volta atrás nesse ponto e sustenta até o fim o caráter lógico, segundo ele,
inerente à máxima. Aos que pensam como James nesse aspecto, Peirce dirá: “parece-me que
vocês todos têm uma sombra na retina mental que não deixa ver o que os outros veem e que
tornaria o pragmatismo mais claro” (CP 8.263).
Esse seria o primeiro ponto. E qual seria o segundo? Qual seria aquele que está por
trás de todos os outros e que é o ponto central dos confrontos possíveis entre Peirce e James?
Ora, no decorrer da pesquisa foram desenvolvidas algumas questões que — cremos —
apontaram para qual seria esse ponto, e que, podemos dizer, é o problema-chave da presente
investigação. Estamos nos referindo, como o próprio leitor pode intuir, à questão do realismo
de Peirce em contraposição ao nominalismo de James. É exatamente sobre esse dilema que
nos debruçaremos daqui em diante, contando com tudo o que foi visto até aqui e esperando
que o que virá possa deixar mais clara a relação que há entre os autores, pelo menos no que se
refere aos seus pragmatismos.
59
4.2.1. REALISMO DE PEIRCE X NOMINALISMO DE JAMES
Conforme foi visto nos capítulos II e III, tanto Peirce quanto James declaram-se,
respectivamente, um realista e um nominalista. Vemos isso explicitamente nestas duas
passagens: “O autor do presente tratado [Peirce] é um realista scotista. [...] ele meramente
considera que o ponto da metafísica sobre o qual Scotus principalmente insistiu, e que desde
então tem sido negligenciado, é um ponto muito importante” (CP 4.50). E James: “[O
pragmatismo] concorda com o nominalismo ao sempre apelar para os particulares” (P, p.
510). Com essas duas declarações, tomamos por assumidas pelos próprios autores tais
classificações e, portanto, esperamos não correr o risco de cair em “rótulos” precipitados e
injustos. Dessa forma, prossigamos a análise, a fim de destrincharmos essa patente
divergência no pensamento dos autores.
Gostaríamos de começar com duas citações de estudiosos do pragmatismo que deixam
bem claro que a diferença mais elementar que há entre os pragmatismos de Peirce e James é
justamente essa questão da chamada “querela dos universais”, isto é, da oposição entre o
realismo de Peirce e o nominalismo de James. A primeira delas é de Christopher Hookway,
que diz: “Ele [Peirce] constantemente reforçava que a sua posição era distinta daquela de
James e Schiller; ele denunciou o nominalismo deles” (HOOKWAY, 1985, p. 234). E a
segunda é de Cornelis de Waal, que fez um estudo muito completo e acessível acerca da
corrente filosófica pragmática, passando pelos seus principais nomes e vertentes66. Assim ele
diz: “De fato, a interpretação realista de Peirce da máxima pragmática marca uma diferença
crucial entre seu pragmatismo e o de James” (WAAL, 2007, p. 53). Antes, porém, de vermos
como cada uma dessas vertentes, que são o realismo e o nominalismo, tomaram forma nas
filosofias de Peirce e James, veremos o que são cada uma delas e retomaremos de que
maneira elas são assimiladas pelos autores.
A questão da querela dos universais aparece na História da Filosofia desde a
Antiguidade, com Aristóteles, Porfírio e Boécio; mas é principalmente na Idade Média que ela
vem à tona com Abelardo, Tomás de Aquino e seus principais expoentes: Duns Scotus, como
principal representante do realismo, e Guilherme de Ockham, como principal representante do
nominalismo. Nesse embate, para além dos seus vários desdobramentos, a principal questão
66 Aqui referimo-nos à sua obra On pragmatism. Conferir nas referências: WAAL, 2007.
60
ficou resumida nesta simples pergunta: “São os universais67 reais?”, ou seja, aquelas ideias
gerais — por exemplo, o conceito de homem, de cavalo, de cadeira... — designam realidades
em si mesmas ou são simples noções genéricas da linguagem? Possuem uma existência real
ou dependem do intelecto? Resumidamente, aqueles que respondessem que os universais são
realidades em si, esses eram considerados realistas, e os que respondessem que são meros
conceitos, ou seja, que os universais são apenas nomes referidos a particulares reais, esses
eram considerados nominalistas. Obviamente a questão não se restringiu apenas a esses dois
posicionamentos opostos, como em grande parte das questões filosóficas, mas deu abertura
para variadas opiniões, dos mais extremos aos moderados68.
Waal, porém, fará uma importante observação acerca desse debate, quando referido à
obra de Peirce. Ele dirá que, em Peirce, a questão da distinção entre as duas correntes não
dependerá da resposta que se dá à pergunta “Os universais são reais?”, mas sim dependerá do
que se concebe como sendo “real”.
Depois de notar que o debate nominalista-realista gira em torno da questão de se os
universais são reais, Peirce perceberá que as respostas opostas de nominalistas e
realistas são menos o resultado das suas diferentes visões acerca dos universais, do
que do fato de que “cada parte tem a sua própria ideia sobre o que é o real, os
realistas assumindo que a realidade pertence ao que está presente para nós no
conhecimento verdadeiro de qualquer tipo, e os nominalistas assumindo que a
totalidade das causas externas à percepção são as únicas realidades” [W
2.489,1871]. (WAAL, 1998, p. 183-184)
Para Peirce — que “empresta” de Scotus o conceito de realidade — algo é real quando
“tem uma existência independente da sua mente ou da minha ou de qualquer outra pessoa. O
real é aquele que não é conforme o que nos acontece de pensar sobre ele, mas é indiferente ao
67 O conceito de universal pode ser tomado tanto a partir da definição aristotélica, na qual universal é aquilo que
é apto por natureza a ser predicado de vários — predicable de pluribus —, ou a partir de Boécio, segundo o qual
o universal é algo comum a muitos — comunis in multis. Aquela traz um aspecto lógico (de predicabilidade) e
esta, um aspecto ontológico (de comunidade) (cf. LEITE, 2001, p. 15-26). 68 Sobre a querela dos universais — como já referenciado em nota no segundo capítulo — conferir: GILSON,
Etienne. A Filosofia na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995; ECO, Umberto.
O nome da rosa. Trad. Aurora F. Bernardini e Homero F. de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983;
BEUCHOT, Maurício. El problema de los universales. México: Universidad Nacional Autónoma de México,
1981; NASCIMENTO, Carlos Arthur R. do. “A querela dos universais revisitada”. In: Cadernos PUC-Filosofia.
São Paulo: Cortez, n. 13, 1983.
61
que nós possamos pensar sobre ele”69 (CP 8.12); já o nominalismo adota uma concepção de
realidade que diz que algo existe “apenas enquanto você ou eu ou algum homem os imagina”
(Ibidem). Essas duas concepções nos remetem àquele que parece ser o cerne da questão: as
relações entre o geral e o particular (cf. IBRI, 1992, p. 31). Isso porque, pensar em uma
realidade que é independente do que sobre ela se pensa (realismo) é o mesmo que dizer que os
particulares são independentes do que os gerais sobre eles dizem, uma vez que estes (gerais) é
que devem se conformar ao que aqueles (particulares) mostram ser no fluxo do tempo —
deixando-se, assim, serem conhecidos — e não o contrário.
Essa ideia está muito vinculada à noção de terceiridade de Peirce, que vimos no
segundo capítulo. Para Peirce, é necessário que haja no universo uma regularidade70 (hábitos)
nos particulares que permita generalizações e, consequentemente, que se permita ser
conhecido. O fato de que haja leis no universo só é possível devido à repetição de eventos
particulares independentes da consciência, que permitem ser associados a uma relação geral
(tornando-o cognoscível) e, portanto, possibilitando uma previsão para o futuro71 (esse in
futuro).
Um mundo que não permite que o intelecto generalize é um mundo caótico,
constituído de individuais por si e para si. A ausência de relações gerais e reais que
têm permanência no tempo configura um mundo de existentes particulares de
conduta imprevisível, no qual, sequer, talvez, o nome das rosas tenha qualquer
significado, pois planejar hoje dar amanhã uma delas a alguém, na intenção da
homenagem, poderá ser presentear um objeto com o perfume do pior dos esgotos.
(IBRI, 1992, p. 35)
69 O original em inglês está assim: “[…] have an existence independent of your mind or mine or that of any
number of persons. The real is that which is not whatever we happen to think it, but is unaffected by what we
may think of it” (CP 8.12). 70 Julgamos importante fazer aqui uma distinção entre o conceito de realidade e de existência em Peirce, que já
foi visto no item 2.3, mas que faz-se necessário reforçar. Para Peirce, a realidade abarca não apenas a existência
(segundidade), mas também a generalidade (terceiridade). A existência seria “toda experiência de reação contra a
consciência e toda a reação dos objetos entre si” (IBRI, 2002, p. 35), é ato, é alteridade, é a determinação
individual no tempo — por isso está vinculada à segunda categoria peirciana. A realidade possui um elemento de
existência, mas não se reduz a ele, pois “requer o atributo de generalidade do qual [a existência] está destituída.
Aquilo que existe, existe na sua particularidade como fragmentos do espaço e do tempo; existe por ser esta coisa
e não outra. Vimos, não obstante, que a inteligibilidade da existência tem sua condição de possibilidade na sua
subsunção às regularidades de conduta, ou seja, os indivíduos devem estar em uma relação geral para que sejam
redutíveis ao pensamento” (Ibidem, p. 36). E Peirce conclui: “A generalidade é, de fato, um ingrediente
indispensável da realidade; a mera existência individual, ou atualidade sem qualquer regularidade que seja, é
uma nulidade” (CP 5.431). 71 “O significado racional de toda proposição reside no futuro” (CP 5.427).
62
Fica assim estabelecida para Peirce a necessária relação entre o geral e o particular
dentro do seu pragmatismo: “O que, então, suporta logicamente a máxima do pragmatismo é a
pressuposição de que deve haver uma relação de necessidade entre o geral o particular, [...] tal
que o geral deva estar, para sua significação possível, necessariamente figurado no
particular” (IBRI, 2000, p. 32). Com isso, Peirce quer escapar do risco de tornar as
“consequências práticas” que máxima pragmática propõe72 em meros efeitos que determinado
conceito teria para a conduta de um indivíduo — como ele considera que James faz —, pois
isso seria restringir a máxima a uma esfera particular, quando o que ele pensou, de fato, ao
enunciá-la, era basear o conceito em questão nas consequências que o mesmo
concebivelmente teria no futuro, a partir de uma conduta padrão (geral).
Nesse sentido, Peirce não hesita em dizer que, da forma como James concebe o
pragmatismo, é inevitável que ele caia no nominalismo, uma vez que aplicar a máxima a uma
esfera individual, isto é, levando em conta os efeitos que tal crença acarreta na conduta de um
indivíduo em particular, é deixar de lado a objetividade (“brutalidade”) dos fatos
(segundidade) — que ignoram completamente a vontade do sujeito e que existem
independentemente daquilo que o sujeito pensa sobre eles — e, consequentemente, deixar de
lado também a generalidade dos fatos (terceiridade), o geral — que, por se basear nos fatos e
não naquilo que o sujeito elabora no intelecto acerca deles, é também real. Para Peirce, o que
James faz é acabar justamente com uma grande contribuição que o pragmatismo vem dar para
a Filosofia73, que é aquela de abandonar o nominalismo para dar lugar ao realismo, como ele
expressa em uma carta de 7 de março de 1904, em que escreve a James: “Você e Schiller
levam o pragmatismo muito longe para o meu gosto [...]. A maior consequência do
pragmatismo, de longe, e na qual tenho insistido sempre [...], é que nessa concepção da
realidade temos que abandonar o nominalismo” (CP 8.258) — o que James não o faz.
Vejamos mais detalhadamente de que forma James aplica a máxima a uma esfera
“demasiado particular” a ponto de cair no nominalismo. Para isso, nos ajudará tomar contato
72 Apenas para relembrar a máxima: “Considere quais efeitos, que poderiam concebivelmente ter consequências
práticas, concebemos que tenha o objeto de nossa concepção. Então, a concepção destes efeitos é o todo de
nossa concepção do objeto” (CP 5.402) 73 Peirce tinha muito claro que a Filosofia, principalmente na Modernidade, abandonou o realismo e assumiu
posturas notavelmente nominalistas, como ele diz nesta passagem: “A filosofia realista do último século perdeu
hoje toda a sua popularidade, exceto para as mentes mais conservadoras. E a ciência, assim como a filosofia, é
nominalista” (CP 8.38).
63
com a paráfrase que James faz da máxima pragmática de Peirce, a qual pretende ser o guia do
seu pragmatismo. Assim ele a enuncia:
“Para atingir clareza perfeita de um objeto em nossos pensamentos [...], precisamos
somente considerar quais efeitos de uma espécie concebivelmente prática o objeto
pode envolver — quais sensações devemos esperar dele e quais reações devemos
preparar. Nossa concepção desses efeitos, então, é para nós o todo de nossa
concepção do objeto, na medida em que essa concepção tem alguma significância
positiva” (JAMES apud WAAL, 2007, p. 52; grifos nossos)
Assim como na máxima de Peirce, James também afirma que o completo significado
da concepção de um objeto se encontra nos efeitos práticos (que para Peirce são as
“consequências práticas”74) que esse objeto pode acarretar. No entanto, cada um irá
especificar qual tipo de efeitos práticos seriam esses; e é neste ponto que acreditamos que os
dois autores seguem por caminhos diversos e acabam vinculando seus pensamentos a
diferentes correntes: um ao realismo e outro ao nominalismo. James especifica que os efeitos
práticos a que devemos nos atentar são “as sensações que devemos esperar” e “as reações que
devemos preparar”. Dessa forma, ele acaba restringindo a máxima a uma esfera particular,
uma vez que as sensações e as reações são fatores muito particulares, que podem variar de
indivíduo para indivíduo e que, portanto, fazem com que os efeitos referidos na máxima não
tenham um alcance geral, mas sim particular.
Peirce, ao contrário, dá à máxima um alcance muito mais amplo e de cunho lógico
(como vimos no item 2.1. “O pragmatismo como máxima lógica”). Ele não estava
interessado, como James, em traçar uma relação íntima entre o pragmatismo e a vida prática.
Para ele, a concepção de um objeto decorre não dos efeitos que ele causa em indivíduos
particulares (“sensações” e “reações”), mas sim nos hábitos (gerais) que a concepção
ocasiona, como o próprio Peirce afirma: “a definição de pragmatismo de James difere da
minha apenas em que ele não restringe o ‘significado’ [...], como eu faço, a um hábito, mas
permite que perceptos, isto é, sentimentos complexos dotados de compulsividade o sejam”
(CP 5.494).
74 Sobre o conceito de consequências práticas em Peirce: “Um possível viés para entendimento do que,
exatamente, Peirce pretendia significar por conseqüências práticas, está, a nosso ver, no seguinte trecho de sua
obra: ‘A validade da indução depende da relação necessária entre o geral e o particular. É precisamente isto que
é a base do pragmatismo’ [CP 5.170]” (IBRI, 2000, p. 31). Para maiores aprofundamentos, conferir: IBRI, Ivo
Assad. “As consequências de consequências práticas no Pragmatismo de Peirce”. In: Cognitio – Revista de
Filosofia. São Paulo: Educ, n. 1, pp. 30 – 37, 2000.
64
É por isso que, ao perceber que a sua máxima original dava margem para esse tipo de
interpretação nominalista, Peirce irá esclarecer o que ele entendia por “consequências
práticas”, a fim de deixar claro o caráter lógico e realista da máxima75. Como neste trecho:
“Com prático quero dizer apto a afetar a conduta; e com conduta, ação voluntária que é
autocontrolada, isto é, controlada por deliberação adequada” (CP 8.322). Ou seja, as
consequências a que ele se refere são consequências para a conduta racional, para um
comportamento geral implicado pelo conceito em questão, e não consequências para um
indivíduo em particular, como pretendeu James.
Ainda em relação às diferentes maneiras de interpretar as consequências práticas,
podemos dizer que estas, enquanto determinantes do significado de um conceito, são algo
bem próprio não só de Peirce e James, mas também da filosofia pragmática em geral. E como
foi visto, o que irá distinguir um pragmatismo de outro será justamente a forma como cada
um interpreta essas consequências. Vejamos quais são os tipos possíveis de consequências.
Há um tipo que podemos chamar de “consequências atuais”, que considera verdadeiro um
conceito se ele não for falseado por uma experiência inesperada e pontual, e se ele leva a um
aumento de felicidade. Há um outro tipo que chamamos “consequências possíveis”, que
considera que um conceito seria verdadeiro se ele não fosse falseado em uma série de mundos
possíveis e, além disso, se ele promovesse a felicidade em uma série de situações possíveis,
inclusive a atual (cf. HOOKWAY, 2010, p. 197). Segundo Hookway, as observações de
Peirce sugerem que o seu pragmatismo se trata do segundo tipo, enquanto que o de James
trataria do primeiro. Essa distinção nos revela e nos reforça uma ideia que temos visto:
enquanto James preocupa-se com consequências imediatas e particulares, Peirce busca
consequências que envolvam hábitos, padrões gerais, que possam ser remetidos ao futuro.
4.2.2. PRINCÍPIO LÓGICO X VIDA PRÁTICA
Até então, vimos muitas acusações de Peirce e algumas constatações a partir dos
escritos do próprio James. Mas será que James se considerava mesmo um nominalista?
75 Diante da repercussão que o pensamento de James estava ganhando, Peirce sabia que era natural que
associassem aquela doutrina à sua, e isso o preocupava, pois via que James divergia em pontos importantes. Por
isso dedicou muitos dos seus escritos sobre pragmatismo, a partir de 1903, para explicitar o que realmente era a
sua doutrina. “Em 1896, Wiliam James publicou o seu Will to believe e mais tarde o seu Philosophical
Conceptions and Practical Results que levaram este método [pragmático] a tais extremos que é necessário fazer
uma pausa” (CP 5.402).
65
Segundo Waal, sim, “James estava totalmente ciente de seu nominalismo e o considerava uma
coisa boa”. Isso porque ele “considerava o requisito de que o significado esteja relacionado a
experiências particulares uma importante salvaguarda para evitar os abusos dos velhos
metafísicos” (WAAL, 2007, p. 62). Neste trecho de uma carta que James escreveu a Peirce,
podemos ver como, de fato, ele estava preocupado com questões da vida prática76, menos do
que com “excelsas questões filosóficas” distantes da vida — e nesse caso, especificamente,
ele se refere à lógica —, sobre as quais os “filósofos de gabinete” e os “velhos metafísicos” se
debruçam.
Sinto muito que você [Peirce] se apegue tanto à lógica formal [...]. Você mal pode
imaginar o pouco interesse que existe nos aspectos puramente formais da lógica.
Coisas sobre esses assuntos deveriam ser impressas para poucas pessoas. Você está
cheio de novas ideias. E as conferências não precisam de modo algum formar um
todo contínuo; tópicos separados de um caráter vitalmente [vitally] importante
cairiam super bem. (JAMES apud WAAL, 2007, p. 132; grifo nosso)
Em resposta a essa carta, Peirce ironicamente dirá que, em homenagem a James,
colocará o seguinte título em uma série de conferências que logo mais iria ministrar: “Ideias
destacadas sobre tópicos vitalmente importantes” [Detached ideas on vitally important topics]
— mas que posteriormente ficou sendo “Raciocínio e a lógica das coisas” [Reasoning and the
logic of things] —, onde defendia que, “onde os tópicos são vitais, há poucas chances neles na
Filosofia”77. Para Peirce, a Filosofia não deveria se pautar por aplicações práticas, uma vez
que “o pragmatismo é uma técnica de autocontrole reflexivo78, e se o instinto é mais
importante que a reflexão na resposta aos problemas vitais, o pragmatismo não terá um grande
papel na lida com assuntos práticos” (HOOKWAY, 2010, p. 200). É por isso que disso
decorrerá que, para ele, as únicas consequências de um conceito que são pragmaticamente
relevantes são aquelas que se reportam à investigação científica e não a “questões vitais”.
76 Sobre essa preocupação de James com a vida prática, temos aquele curioso trecho que já citamos
anteriormente na nota 52 e do qual transcrevemos apenas uma parte: “O mundo de experiências pessoais
concretas ao qual a rua pertence é heterogêneo, além da imaginação, enredado, obscuro, doloroso e enigmático.
O mundo ao qual o professor de filosofia o introduz é simples, claro e nobre. [...] Os princípios da razão traçam
os seus delineamentos, as necessidades lógicas cimentam suas partes. É uma espécie de templo de mármore
brilhando no alto da colina [...]. O refinamento tem o seu lugar, é bem verdade. Mas uma filosofia que nada
transpira, a não ser refinamento, jamais satisfará o temperamento empírico. Parece, antes, um monumento de
artificialidade” (P, p. 495-496). 77 Carta de Peirce a James de 4 de janeiro de 1898 in WAAL, 2007, p. 132. 78 “Autocontrole reflexivo” no sentido de que parte da reflexão que busca padrões gerais, para alcançar certo
conhecimento que diminua, na medida do possível, o risco de erro no futuro e, assim, garantir e ter sob controle
uma conduta bem-sucedida.
66
Aqui vemos bem patente o aspecto do pragmatismo de Peirce enquanto princípio
lógico. Nesse sentido, o pragmatismo seria um meio essencial para a ciência, que busca por
padrões na experiência que possam tornar-se leis e que, para esse fim, pode encontrar na
máxima pragmática um auxílio para o esclarecimento de conceitos e, consequentemente, para
o esclarecimento de hipóteses. “A ciência exige o autocontrole reflexivo; a lógica peirciana
serve a tal investigação autocontrolada; e o princípio pragmatista revela os aspectos do
significado que são relevantes para esta tarefa” (HOOKWAY, 2010, p. 202). Dessa forma, o
pragmatismo auxiliaria em um grande objetivo: o da realização do progresso científico.
James, ao contrário, não tinha um objetivo tão “audacioso” como o de Peirce. Para o seu
pragmatismo, bastava que ele auxiliasse em “questões vitais” e também, ao esclarecer
conceitos, auxiliasse na simplificação de discussões metafísicas que de outra forma não
terminariam.
Talvez esse enfoque dado por James aos efeitos práticos como particulares tenha sido
a causa de o pragmatismo ter esse “rótulo” universal de buscar a ação pela ação79. Para Peirce,
“não é a mera ação que é o propósito de tudo, mas, digamos, a generalização, a ação conforme
tende à regularização e à atualização do pensamento que, sem ação, permanece impensado”.
Esse é o elemento peirciano de terceiridade, que diz que há de existir um princípio de ordem
na exterioridade, a fim de que o intelecto (pensamento) possa conhecê-la, a partir da
generalização de ações (hábitos). Isso exige dois elementos que a abordagem nominalista
ignora: 1. Que haja relações reais no universo, a fim de possibilitar uma mediação cognitiva
(ou “generalização” — que é um elemento da terceiridade) por parte do intelecto; e 2. Que
haja uma alteridade (elemento da segundidade) no cosmos, que mostra que não é o sujeito que
determina o conhecimento que se tem do objeto, mas o contrário (cf. IBRI, 1992, p. 104).
É nesse sentido que podemos dizer que, na interpretação realista de Peirce, o
significado de um conceito não depende de uma experiência particular ou de uma ação
singular, como pensava James, mas sim de como tais efeitos práticos contribuem para o
desenvolvimento da razoabilidade do universo. O conhecimento sobre as coisas não se
adquire através de um conjunto de fatos aleatórios e singulares, mas sim a partir do momento
79 Essa interpretação é equivocada mesmo quando falamos do pragmatismo de James. Isso porque, como vimos,
o seu objetivo não era a mera ação, mas sim uma significação conceitual baseada nos efeitos práticos do conceito
em discussão. Essa difundida interpretação da “ação pela ação”, todavia, também atingiu Peirce: “[Peirce
acreditava que] James assumia que o fim humano fundamental era a “ação” e usava seu princípio para esclarecer
hipóteses segundo interesses da ação eficiente e bem-sucedida [...]. Argumentarei que, se essa é sua visão, então
Peirce compreendeu mal o pragmatismo de James” (HOOKWAY, 2010, p. 199).
67
em que se consegue apreender algo de constante e “comum de muitos” (geral ou universal) na
conduta das coisas. Isso demonstra, por um lado, a razoabilidade do cosmos e, por outro, a
capacidade de generalização da mente (que Peirce diz ser “a fundamental lei do universo”80),
que não se interessa por fatos particulares, mas por hábitos, por padrões na experiência que
possam funcionar no futuro — mesmo que funcione apenas por um tempo, já que o universo
está em evolução e, portanto, as suas leis são passíveis de falibilidade, como vimos
anteriormente na sua doutrina do Falibilismo. O fato é que, nesse processo de identificação de
padrões de conduta (hábitos) — que não têm outra forma de se mostrar a não ser através de
efeitos práticos —, o pragmatismo torna-se o método essencial, já que é a partir da aplicação
da sua máxima que será possível compreender os conceitos (e consequentemente o universo),
isso a partir dos seus efeitos práticos (ou “consequências práticas”), que devem
necessariamente advir de uma concebível conduta padrão, de possíveis hábitos, de gerais.
James, ao contrário, não está preocupado com generalizações, mas sim com os efeitos
que aquele conceito, uma vez acatado, trará para a conduta de um indivíduo: quais reações e
sensações dela emanam para esse indivíduo? Se esse conceito trouxer uma significância
positiva e útil, então ele é digno de ser tomado por verdadeiro. Lembrando que o pragmatismo
jamesiano é também uma teoria da verdade81, portanto, uma vez aplicada a pergunta
pragmática — “Que diferença prática haveria para alguém se essa noção ou aquela fosse
verdadeira?” — e constatada na vida de alguém uma mudança de conduta, isto é, uma boa82
consequência prática, então tal conceito é digno de ser tomado por verdadeiro. O próprio
James afirma: “Segundo os princípios pragmáticos, não podemos rejeitar nenhuma hipótese se
dela emanarem consequências úteis para a vida” (P, p. 606). E ainda: “Mas ela [a verdade]
inspira aquela conduta porque prediz alguma virada particular à nossa experiência, que nos
deve invocar, a nós, exatamente, aquela conduta” (P, p. 348).
Assim Hookway resume esse dilema:
80 O processo de formação de hábitos, que advém da tendência à generalização, é o que Peirce chama de a
fundamental lei do universo: “A primordial e fundamental lei da ação metal consiste na tendência a
generalização. [...] Quando um distúrbio de sentimento aparece, temos consciência de ganho, de ganho de
experiência; e um novo distúrbio estará apto a assimilar-se aquele que o precedeu. [...] A consciência de tal
habito constitui um conceito geral” (CP 6.20). 81 Conferir 3.3. “Pragmatismo como teoria da verdade”. 82 “... as consequências que James tinha em mente não são somente quaisquer consequências práticas. Elas
devem ser boas consequências práticas” (WAAL, 2007, p. 66).
68
[...] podemos assumir que a diferença crucial entre os dois pragmatismos é que,
enquanto James simplesmente procura pelas experiências que resultariam se a
proposição fosse verdadeira ou pela conduta que alguém deveria adotar naquelas
circunstâncias, Peirce procura por padrões na experiência e inter-relações nômicas
[isto é, semelhantes a leis] entre a ação e a experiência [...]. Usando a versão de
Peirce do princípio do pragmatismo, esclarecemos um conceito ou proposição
mediante a identificação dos hábitos de expectativa que são associados a ele. As
“consequências” de Peirce são gerais; James admite que elas possam também ser
ações e percepções particulares — ou, pelo menos, ele não decreta que elas devam
assumir a forma de leis e padrões (“hábitos”). (HOOKWAY, 2010, p. 196)
Para compreendermos melhor essa diferença entre os autores, pode nos ajudar um
exemplo concreto. Usaremos o mesmo exemplo que foi dado no terceiro capítulo: a
transubstanciação. Para James, a transubstanciação tem um valor pragmático na medida em
que traz consequências práticas concebíveis para a vida daquele que nela crê; assim, fica claro
que as consequências práticas para James ficam restritas a experiências particulares. Peirce,
ao contrário, acreditava que um conceito só tem sentido quando passível de mostrar as suas
consequências práticas concebíveis, como por exemplo, o conceito de “dureza”, que é
significativo, pois é possível dizer da dureza de um objeto quando uma lâmina não consegue
riscá-lo, como no caso de um diamante. Uma tal consequência prática, no entanto, não pode
ser encontrada no caso da transubstanciação, uma vez que nela não há uma mudança notável
na conduta do objeto, há um efeito objetivo. É por isso que “muitas proposições que são sem
sentido segundo a máxima pragmática de Peirce, mas que farão uma diferença nas vidas de
algumas pessoas, tornam-se significativas aos olhos de James” (WAAL, 2007, p. 64).
69
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Gostaríamos de fazer agora um breve resumo do percurso feito até aqui, recapitulando
as principais ideias e apontando possíveis conclusões. A proposta feita no início do trabalho
era a de desenvolver alguns confrontos entre os pensamentos dos dois principais nomes do
pragmatismo americano: Charles S. Peirce e William James. No primeiro capítulo, foi feito
um apanhado histórico do pragmatismo, recorrendo às suas origens linguísticas e filosóficas e
destacando a influência que o Metaphysical Club teve no pensamento dos autores. Depois, no
segundo e terceiro capítulos, desenvolvemos brevemente a doutrina pragmática de cada um
dos dois autores, enfocando nos elementos que poderiam auxiliar nos posteriores confrontos.
E, finalmente, no quarto e último capítulo, apresentamos alguns pontos, mas principalmente
contrapontos, entre as duas doutrinas, detendo-nos mais demoradamente naquele contraponto
que julgamos ser a chave de leitura para todos os demais, a saber, o confronto entre o realismo
de Peirce e o nominalismo de James.
Como foi dito na introdução, com toda a investigação aqui feita, de forma alguma
esperamos ter esgotado o assunto, mas sim apenas ter reunido e articulado algumas ideias
centrais acerca de possíveis comparações entre Peirce e James e, dessa forma, abrir caminho
para futuros trabalhos que aprofundem cada um dos elementos levantados. Isso mostra que a
discussão não termina por aqui, muito pelo contrário, faz com que aqui ela tenha o seu ponto
de partida. Apesar disso, gostaríamos de propor uma conclusão “parcial” — embasada nos
elementos que puderam ser levantados no decorrer dessa investigação — no que diz respeito à
relação entre os pragmatismos de Peirce e James.
Ficou claro que, de fato, os pragmatismos de Peirce e James possuem consideráveis
divergências. O que gostaríamos de enfatizar, entretanto, é que essas diferenças não advêm
daquela opinião corrente de que James tenha interpretado incorretamente a máxima
pragmática de Peirce83, senão que ele aproveitou a grande ideia do seu companheiro e a
desenvolveu da forma que o “pano de fundo” — que é o restante do seu pensamento —
permitiu. Essa é uma ideia que também Hookway e Waal84 sustentaram e é a que nos pareceu
83 Essa é uma opinião comum de se encontrar, como afirma Perry neste trecho: “O movimento moderno
conhecido como pragmatismo é, em larga medida, o resultado da incompreensão de Peirce por James” (PERRY,
1935, 2:409). 84 Cf. HOOKWAY, 2010, p. 210 e WAAL, 2007, p. 55.
70
mais acertada e menos injusta, já que, não podemos negar, ambas as doutrinas tiveram o seu
mérito e foram de grande importância para a História da Filosofia, não só nos Estados Unidos,
mas também no mundo inteiro.
Se tudo isso estiver correto, podemos avaliar a força da afirmação de Peirce de que
as diferenças fundamentais entre os “pragmatismos” de Peirce e James refletem
diferenças em outras partes do pensamento de ambos. É errado interpretar James
como adotando uma leitura ou compreensão errônea da máxima pragmática de
Peirce. Em vez disso, ele aproveitou o insight fundamental dessa máxima acerca do
significado, das consequências e do futuro e empregou-o a serviço de um diferente
conjunto de objetivos filosóficos e de uma concepção contrastante da ciência e de
seus objetivos (HOOKWAY, 2010, p. 210).
Esperamos que esse estudo tenha conseguido cumprir o seu objetivo de traçar
paralelos entre os pensamentos desses dois grandes filósofos e que, assim como o
pragmatismo propõe, tenha trazido boas consequências práticas, tanto para a investigação
científica em geral quanto para o leitor em particular.
71
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