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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP Vanessa Luciano Pozzoli “O que entende você por pragmatismo?”: Alguns confrontos entre os pragmatismos de C. S. Peirce e W. James Mestrado em Filosofia São Paulo 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC/SP

Vanessa Luciano Pozzoli

“O que entende você por pragmatismo?”:

Alguns confrontos entre os pragmatismos de C. S. Peirce e W. James

Mestrado em Filosofia

São Paulo

2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC/SP

Vanessa Luciano Pozzoli

“O que entende você por pragmatismo?”:

Alguns confrontos entre os pragmatismos de C. S. Peirce e W. James

Mestrado em Filosofia

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de Mestre em Filosofia, sob a

orientação do Prof. Dr. Ivo Assad Ibri.

São Paulo

2016

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

_______________________________________

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Esta pesquisa foi realizada com o auxílio de bolsa dissídio,

oferecida pela Fundação São Paulo (FUNDASP),

mantenedora da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo (PUC-SP).

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A meus pais,

com eterna gratidão...

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AGRADECIMENTOS

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela oportunidade de realizar esta pesquisa

com o auxílio da bolsa dissídio, e também aos professores do Programa de Estudos Pós-

Graduados em Filosofia, por todo o conhecimento que não poupam em nos transmitir.

Ao meu orientador, Prof. Ivo Assad Ibri, que acompanhou cuidadosamente o

desenvolvimento deste trabalho, instigando com suas aulas a estudos sempre mais audazes em

Peirce, e estando sempre à disposição para uma revisão atenta de cada capítulo da pesquisa.

Aos professores da Banca, Prof. Edelcio Gonçalves de Souza e Prof. Rogério da Costa, por

terem solicitamente aceitado o convite, e também ao Prof. Antônio José Romeira Valverde,

que, junto ao Prof. Edelcio, trouxeram significativas sugestões na Qualificação.

A meus pais, meus irmãos e toda a minha família e amigos, que de alguma forma

contribuíram para que este trabalho fosse realizado da maneira mais leve possível, com

conversas, sugestões, momentos de descontração e orações.

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Qual é a verdadeira definição de pragmatismo, eu acho algo difícil de dizer.

Mas sei que na minha natureza há uma espécie de atração instintiva

por fatos vivos.

(PEIRCE, CP 5.64)

Eu espero poder conduzi-lo a encontrar

o modo equilibrado de pensar que você busca.

(JAMES, P, p. 504)

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ABREVIATURAS

CP = Collected Papers (seguido do número do volume e da seção numerada).

W = Writings of Charles Sanders Peirce (seguido do número do volume e da página).

P = Pragmatism (seguido do número da página).

MT = The meaning of Truth (seguido do número da página).

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RESUMO

“Você e Schiller levam o pragmatismo muito longe para o meu gosto” (CP 8.258). É

assim, muito francamente, que Peirce se expressa em uma das cartas que escreve a William

James, em meados de 1904. Como já é sabido, o pragmatismo não manteve uma unidade de

interpretação entre os seus teóricos; ao contrário, deu origem a matizes de pensamentos dos

mais diversos, entre eles, o de Charles Peirce e o de William James — talvez as filosofias

pragmáticas mais conhecidas. Mas seriam essas diferenças tão grandes quanto se costuma

dizer? O que ambos entendem por pragmatismo? Que papel essa teoria exerce dentro do

universo conceitual de cada autor? Por que Peirce acredita que James “foi longe demais”?

Onde eles divergem? Essas são algumas das questões que esta pesquisa buscará investigar. E

para respondê-las, propomos ao leitor um “mergulho” nas filosofias de Peirce e James,

pinçando aqueles aspectos que julgamos mais relevantes para o objetivo que aqui se busca.

Para isso, seguiremos a seguinte estrutura, dividida em três momentos: um primeiro que irá

situar historicamente a corrente pragmática; um segundo que mostrará, especificamente, como

Peirce e James compreendem o pragmatismo; e um último, partindo das particularidades de

cada um, que buscará traçar alguns dos possíveis pontos de convergência e divergência entre

uma concepção e outra.

PALAVRAS-CHAVE: Filosofia Americana. Pragmatismo. Pragmaticismo. Realismo.

Nominalismo. Charles S. Peirce. William James.

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ABSTRACT

“You and Schiller carry Pragmatism too far for me” (CP 8.258). Thus, quite frankly,

after asking the question of this lecture’s title (What do you understand by it [pragmatism]?

(CP 8.253)), Peirce had expressed himself in one of the letters he wrote to William James in

1904. As already known, Pragmatism did not maintain a unity of interpretation among its

theorists; on the contrary, it gave rise to a several nuances of thoughts, between them, that of

Charles S. Peirce and William James, maybe the pragmatic philosophies most known.

However, are these differences as big as we are used to say? What does each one mean by

Pragmatism? What is the role of this theory in the conceptual universe of each author? Why

does Peirce believe that James “carry Pragmatism too far”, as mentioned above? Where do

they differ? To answer these questions, we propose the reader a diving in Peirce’s and James’

philosophies, selecting those aspects that we judge more relevant to this search. To this

objective, we will follow a structure divided into three moments: the first will situate

historically the term “pragmatism”; the second will show how Peirce and James conceive the

notion of pragmatism; and, finally, taking into consideration the particularities of each, the

last one will delineate some of the possible points of convergence and divergence between

both conceptions.

KEYWORDS: American Philosophy. Pragmatism. Pragmaticism. Realism. Nominalism.

Charles S. Peirce. William James.

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SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................................................. 12

CAPÍTULO I — Elementos históricos do pragmatismo ....................................................................... 14

1.1. Considerações sobre a origem do pragmatismo ............................................................................. 14

1.2. Uma filosofia americana ................................................................................................................ 19

CAPÍTULO II — O pragmatismo peirciano ......................................................................................... 24

2.1. “Um cientista em atividade”: o pragmatismo como máxima lógica .............................................. 24

2.2. A máxima pragmática .................................................................................................................... 27

2.3. O Realismo de Peirce ..................................................................................................................... 32

2.4. Realismo e Pragmatismo ................................................................................................................ 37

CAPÍTULO III — O pragmatismo jamesiano ...................................................................................... 39

3.1. “Um médico em atividade” ............................................................................................................ 39

3.2. Temperamentos na História da Filosofia........................................................................................ 40

3.3 O pragmatismo como teoria da verdade .......................................................................................... 42

3.4. O Nominalismo de James ............................................................................................................... 50

CAPÍTULO IV — Alguns confrontos entre os pragmatismos de Peirce e James ................................ 53

4.1. Pontos de convergência .................................................................................................................. 54

4.2. Pontos de divergência..................................................................................................................... 57

4.2.1. Realismo de Peirce x Nominalismo de James ............................................................................. 59

4.2.2. Princípio lógico x vida prática .................................................................................................... 64

Considerações finais .............................................................................................................................. 69

Referências ............................................................................................................................................ 71

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INTRODUÇÃO

O tema desta investigação nos pareceu muito instigante, pois nasceu de uma pergunta

muito simples, mas ao mesmo tempo intrigante: Peirce e James, enquanto principais nomes de

uma mesma corrente da Filosofia — a saber, do Pragmatismo —, trazem diferenças

significativas em seus pensamentos? Se sim, quais são elas? E quanto às semelhanças, elas

existem? No campo de estudo desses dois autores, encontramos vasto material acerca da

teoria pragmática de cada um, mas comparações aprofundadas entre ambos são escassas. O

que é facilmente encontrado são breves comentários, em meio a pesquisas sobre outros temas,

que apontam para possíveis comparações entre Peirce e James; mas trabalhos específicos

sobre o assunto são poucos. É por isso que a presente pesquisa vem animada de um

entusiasmo a mais de “curiosidade” por investigar o assunto da seguinte forma: reunindo

ideias que estão soltas entre os principais estudiosos do tema, sintetizando-as e fazendo uma

exposição sistemática de possíveis relações entre ambos os autores.

Esse objetivo, de fato, nos parece audacioso. Por isso alertamos que não pretendemos

esgotar o tema — isso nem mesmo seria possível, como em tudo na Filosofia — mas apenas

fazer esse exercício de “sistematização” que deixe registrado em um único trabalho alguns

elementos de comparação entre os pragmatismos de Peirce e James; isso a fim de abrir

caminho para futuras investigações acerca do assunto que, aí então, aprofunde em cada um

dos pontos levantados nessa pesquisa.

Assim, pensamos ser adequado dar início a essa empreitada explicando a citação que

figura no título do trabalho: “O que entende você por pragmatismo?”. Charles S. Peirce fez

esse questionamento em uma correspondência endereçada a William James, datada de

novembro de 1900. Assim ele se expressa: “Quem deu origem ao termo ‘pragmatismo’, eu ou

você? Quando é que apareceu impresso pela primeira vez? O que entende você por

pragmatismo?” (CP 8.253, grifos nossos). Esse trecho deixa transparecer dois elementos que

podem ser relevantes para este início de investigação. O primeiro é mostrar, através dos dois

questionamentos de Peirce, como o pragmatismo não manteve uma unidade de interpretação

entre os seus teóricos1; ao contrário, suscitou mundo afora desdobramentos dos mais diversos.

1 A grande variedade de nuances existente dentro da corrente pragmática é frequentemente motivo de crítica, a

ponto de afirmarem que o pragmatismo é um mero “aglomerado de correntes desconexas que estão

historicamente relacionadas, as quais nunca se desenvolveram em um todo sistemático” (WAAL, 2007, p. 235).

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Os questionamentos de Peirce advêm justamente desse fato, pois percebeu que o conceito que

havia fundado estava tomando formas variadas — entre elas, a de James — e muito distantes

da sua formulação original. Isso significa que teremos um vasto campo de estudo a explorar,

uma vez que o desenvolvimento do pragmatismo no universo conceitual de cada autor nos

parece ser muito abrangente.

Um segundo elemento pertinente que podemos extrair da citação acima está ligado ao

fato desta fazer parte de uma troca de correspondências; isso significa que os dois autores que

são objeto deste estudo viveram no mesmo período e chegaram a trocar, em vida, ideias sobre

as suas respectivas teorias. Daí que essa ponte entre Peirce e James que é aqui proposta não é

uma relação feita apenas postumamente — como grande parte das pesquisas filosóficas acaba

sendo, por tratar muitas vezes de autores que viveram em épocas e lugares distantes — mas

sim fruto de uma discussão que já começou em vida entre os próprios autores, o que foi

possível graças ao fato dos mesmos serem contemporâneos (viveram entre o fim do século

XIX e início do século XX) e conterrâneos (ambos eram norte-americanos). Isso significa que

algumas das nossas hipóteses acerca das semelhanças e diferenças entre seus pensamentos

poderão se basear em correspondências ou mesmo em trechos de artigos e comunicações em

que um faz referência ao outro, e vice-versa. Acreditamos que esse fator pode enriquecer

muito a pesquisa.

Para realizarmos essa análise, propomos ao leitor um “mergulho” nas filosofias de

Peirce e James. Para isso, seguiremos a seguinte estrutura, dividida em três momentos: um

primeiro que irá situar historicamente a corrente pragmática; depois, um segundo — que

abrangerá o segundo e o terceiro capítulos — que mostrará, especificamente, como cada um

dos autores — Peirce e James, respectivamente — concebe a noção de pragmatismo; e um

último que, tendo em conta as particularidades de cada um, buscará traçar alguns dos

possíveis pontos de convergência e divergência entre uma concepção e outra.

No entanto, é preciso ter em conta que o pragmatismo mostra-se muito mais como um método de filosofia do

que como uma teoria filosófica; e daí a sua fecundidade para gerar pensamentos dos mais variados. No decorrer

desse trabalho, teremos a oportunidade de desenvolver melhor esse aspecto.

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CAPÍTULO I — ELEMENTOS HISTÓRICOS DO PRAGMATISMO

Dizer o que é exatamente o pragmatismo

descreve muito bem o que eu e você teremos de desvendar juntos.

(CP 5.16)

1.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM DO PRAGMATISMO

Daremos início a este primeiro capítulo, de cunho sobretudo histórico e introdutório,

onde levantaremos alguns elementos acerca do contexto histórico e intelectual do

Pragmatismo que podem nos ajudar a compreender melhor a sua origem e então repercussão.

Neste primeiro item nos debruçaremos sobre os aspectos relacionados à origem do

pragmatismo, tanto sob o viés linguístico, quanto sob o viés histórico. Começaremos com o

aspecto linguístico, ou seja, falaremos da origem da palavra que leva o nome da corrente

filosófica em questão.

O termo “pragmatismo” tem sua raiz na palavra grega pragma. Alguns estudiosos do

tema dizem que, apesar disso, tal corrente filosófica não tem sua origem no conceito grego de

pragma, mas sim no conceito kantiano de pragmatisch. No entanto, se formos investigar,

veremos que o conceito kantiano não apenas tem a sua origem etimológica na palavra grega

(como a própria grafia nos sugere), mas tem também o seu fundamento conceitual na mesma.

Explicamo-nos.

No grego, há duas palavras que remetem à noção de “ação”, de “prática”; são elas:

práxis e pragma. A primeira refere-se a um agir mais amplo, àquele conjunto de ações

humanas que forma o ethos do homem. Já a segunda alude ao resultado de uma ação, ao ato

de fabricar, ao “agir eficiente”. É interessante observar que essa segunda concepção só irá

aparecer a partir do século VI a.C.; isso significa que não são observadas ocorrências nas

tragédias de Homero e Hesíodo, por exemplo, mas apenas a partir do momento em que “o

homem funda o sistema de sobrevivência a que chamou polis, que o obriga a discutir,

calcular, decidir, ocupar-se de sua própria sobrevivência em outra perspectiva que não aquela

estruturada pelas comunidades familiares” (ANDRADE, 2000, p. 12). Isso de alguma forma

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nos mostra que o conceito de pragma só passou a ser requerido — e daí o seu surgimento —

quando o contexto da sociedade exigia resultados práticos para uma melhor convivência.

Suas ocorrências surgem quando os homens falam de seus problemas imediatos

exigentes de soluções ainda desconhecidas e das tarefas que cumprem objetivando

algo. [...] O mundo das cidades é exigente de soluções novas, pois a ele se

apresentam problemas novos. [...] Nesse novo éthos das cidades, que não pode

prescindir de outros ângulos para os negócios, para as leis, para as edificações de

seus templos e casas — o que pressupõe uma outra visão do espaço e tempo do viver

— a palavra pragma surge muito forte: ela é a obra, a tarefa útil, necessária;

pragmatikós é o que diz respeito ao agir eficiente, deve resultar no ato útil, esperado;

[...] Tais significações presentificam-se nos textos, na maior parte das vezes,

envolvendo o fazer como ocupação, indicando uma habilidade que parece necessária

ao modus vivendi das cidades. Espera-se das ações sua eficácia porque muitas delas

provêm da busca anterior de soluções de problemas nunca antes experimentados

pelos novos cidadãos. (ANDRADE, 2000, pp. 12-13)

E para Kant? Segundo Dewey, em “A Metafísica dos Costumes” (1797), Kant

distingue os termos praktish e pragmatisch, dizendo que aquele aplica-se a leis morais a

priori e este a regras da arte e da técnica baseadas e aplicadas à experiência (cf. DEWEY,

2007, p. 228). Ora, se formos analisar, tal distinção em muito se parece com a definição grega

de práxis e pragma, em que uma volta-se para questões mais abrangentes da moral (práxis e

praktish) e a outra, a questões mais diretamente associadas à experiência (pragma e

pragmatisch). O próprio Peirce, em uma determinada passagem, fará referência ao grego,

deixando claro que tinha consciência da derivação que os conceitos kantianos tinham das

palavras gregas.

A essa doutrina ele [Peirce] deu o nome de “pragmatismo”. Alguns dos seus colegas

gostariam que ele a tivesse chamado de “praticismo” [practicism] ou “praticalismo”

[practicalism] (talvez pensando que praktikos é um melhor grego do que

pragmatikos). Mas para quem aprendeu filosofia a partir de Kant, como este autor

[...], e para quem naturalmente ainda pensa em termos kantianos, praktish e

pragmatisch são tão distantes quanto os dois pólos; o primeiro pertencendo a uma

região do pensamento, onde nenhuma mente de tipo experimentalista pode encontrar

terreno sólido sob seus pés, e o último expressando a relação a algum propósito

humano definido. De fato, o aspecto mais premente da nova teoria era o

reconhecimento de uma inseparável conexão entre cognição racional e propósito

racional; e essa consideração foi o que determinou a escolha pelo nome

“pragmatismo”. (CP 5.412)

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Assim, podemos concluir que a “origem direta” do termo “pragmatismo” foi o

conceito kantiano de pragmatisch, mas não podemos negar que, indiretamente, a sua origem

foi o conceito grego de pragma.

Outro fato interessante em relação ao nome da corrente filosófica que estamos

investigando é quanto ao posterior descontentamento dos seus autores com o próprio nome

“pragmatismo”. Isso por dois motivos. Um primeiro porque, para além da definição específica

que demos acima, a palavra “pragmático” sempre teve, no senso comum, uma conotação

negativa, com um sentido de algo que visa apenas resultados práticos, imediatos e úteis, como

é possível constatar nesta definição de “senso comum” do Dicionário Michaelis: “Pragmático

(adj.): que tem como foco o bom êxito da ação; eficiente, objetivo, prático”; no entanto, como

veremos mais para frente, o pragmatismo vai muito além de uma mera teoria que visa o êxito

da ação. E um segundo motivo, que se aplica principalmente a Peirce, é que ele via que os

teóricos do pragmatismo estavam desenvolvendo seus respectivos pensamentos de formas tão

diversas que ele mesmo, o “fundador”, não mais reconhecia a sua doutrina original e, por isso,

preferia não ser identificado com tal corrente.

Para exemplificar essa insatisfação, é bem conhecida a atitude de Peirce de propor a

substituição do termo pragmatismo por “pragmaticismo”, na tentativa de não ter a sua

filosofia vinculada ao que correntemente estava sendo difundido acerca do tema; e também

James, no prefácio das suas conferências sobre Pragmatismo (1907), demonstrará a sua

insatisfação com o que comumente era entendido por movimento pragmático, dizendo: “eu

não gosto deste nome, mas aparentemente já é tarde demais para mudar”. O pragmatista

britânico C. S. Schiller, citado por Cornelis de Waal, dirá que “havia tantos pragmatismos

quantos eram os pragmatistas” (WAAL, 2007, p. 14).

Visto a sua origem linguística, passemos agora para a histórica. Um fato histórico

crucial para compreendermos a origem do Pragmatismo é a existência do Metaphysical Club.

É sabido que, em meados de 1871, Peirce fundou o que seria um “grupo de estudos”,

chamado Metaphysical Club2. Desse grupo faziam parte oito integrantes: Oliver Wendell

Holmes Jr., Joseph Warner, Nicholas St. John Green, Chauncey Wright, John Fiske, Francis

2 Para mais detalhes sobre o Metaphysical Club, conferir: CP 5.12; BRENT, 1998, p. 85-89; FISCH, Max.

“American Pragmatism before and after 1898”. In American Philosophy from Edwards to Quine. Oklahoma

University Press, pp. 78-110, 1977; FISCH, Max. “A Chronicle of Pragmatism”. In The Monist 48 (1964): 441–

66; FISCH, Max. “Philosophical Clubs in Cambridge and Boston: from Peirce’s Metaphysical Club to Harry’s

Hegel Club”. In Peirce Semiotic and Pragmatism: Essays by Max Fisch. Indianna University Press, pp. 137-170.

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Ellingwood Abbot e, claro, Peirce e James. Peirce relata que as reuniões eram feitas ora no

seu escritório, ora no de James (cf. CP 5.12), ambos em Cambridge, Massachusetts. O grupo

deve ter durado cerca de alguns meses apenas e não deixou nenhum registro oficial. Com a

sua dissolução, Peirce, com receio de que as discussões ali fomentadas fossem esquecidas,

escreveu um pequeno ensaio, com algumas ideias suscitadas no grupo, e deu-lhe o nome de...

“pragmatismo”. É por isso que, de certa forma, podemos dizer que o “berço” do Pragmatismo

foi o Metaphysical Club, pois as reflexões que ali surgiram inspiraram um primeiro esboço

daquilo que, alguns anos depois, se tornaria esta conhecida corrente da Filosofia.

Como o próprio Peirce descreve, foi desse despretensioso ensaio — que a princípio

não possuía um objetivo acadêmico — que nasceu o primeiro artigo publicado sobre esse

“novo”3 método da Filosofia, que seria a semente para o desenvolvimento da doutrina de

muitos outros estudiosos pelo mundo — hoje “genericamente” chamados pragmatistas.

[...] com a dissolução do clube, receando que não ficasse nenhum souvenir material,

escrevi um pequeno ensaio expressando algumas das opiniões que vinha

desenvolvendo naquela época sob o nome de pragmatismo. O ensaio foi recebido

com uma bondade tão inesperada que me senti encorajado, seis anos depois, a

publicá-lo, um pouco mais expandido, a convite do grande editor Appleton, no

Popular Science Monthly. (CP 5.13)

O artigo publicado na Popular Science Monthly (em novembro de 1877 e janeiro de

1878), e que no ano seguinte foi publicado na revista francesa Revue Philosophique (Vol. VI,

1878, p. 553; Vol. VII, 1879, p. 39), é o conhecido “Como tornar as nossas ideias claras”.

Nele, Peirce ainda não usa exatamente a palavra “pragmatismo”, mas já enuncia, pela

primeira vez, aquela que seria considerada a máxima pragmática, empregada nos seguintes

termos: “Considere quais efeitos, que concebivelmente poderiam ter consequências práticas,

3 A respeito da “novidade” do pragmatismo, Cornelis de Waal faz uma interessante observação: “Isso não

significa que esses homens acreditassem que o pragmatismo era algo radicalmente novo, um método

revolucionário nunca antes descoberto. Em vez disso, o pragmatismo era a adoção sistemática e consciente de

um método que os filósofos vêm praticando desde a Antiguidade. Peirce ousadamente declarou que a novidade

de uma ideia é um dos sinais mais certos de sua falsidade. E, para mostrar a nobreza de pedigree do

pragmatismo, até Jesus ele chamou de pragmatista, lendo sua máxima ‘conhece-os pelos seus frutos’ como uma

versão precoce da máxima pragmática. James buscou resumir o mesmo ponto quando pôs, em seu famoso livro

Pragmatismo, o subtítulo: ‘Um novo nome para algumas antigas maneiras de pensar’.” (WAAL, 2007, p. 18).

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concebemos que tenha o objeto de nossa concepção. Então, a concepção destes efeitos é o

todo de nossa concepção do objeto.”4 (CP 5.402)

Pode-se dizer que este trecho é um marco na história do Pragmatismo. É a partir dele

que todos os outros pensadores dessa corrente irão desenvolver as suas próprias filosofias,

cada qual com a sua especificidade. Quanto a essa “paternidade” — digamos assim — não há

discordância5: todos admitem que foi Peirce quem lançou as sementes do Pragmatismo ao

enunciar sua máxima. Inclusive James o admite. Uma passagem interessante que mostra isso

se encontra em uma troca de correspondências, datada de novembro de 1900, em que Peirce

pergunta: “Quem deu origem ao termo pragmatismo, eu ou você? Quando é que apareceu

impresso pela primeira vez? O que entende você por pragmatismo?” (CP 8.253). Ao que

James responde: “Você inventou o pragmatismo e eu lho atribuí numa conferência intitulada

Concepções filosóficas e resultados práticos”. E ainda James: “Ele [o conceito de

pragmatismo] foi introduzido pela primeira vez na filosofia pelo Sr. Charles Peirce em 1878.”

(P, p. 506)

Por um lado, se foi Peirce quem pela primeira vez enunciou a máxima, por outro, foi

James quem tratou de levar a público o termo pragmatismo. Dewey faz essa consideração,

ressaltando que James foi quem, por primeiro, deu importância à formulação pragmática de

Peirce no seu texto de 1878, quando o seu potencial ainda não tinha vindo à tona.

O trabalho começado por Peirce foi continuado por William James. [...] Os artigos

escritos por Peirce em 1878 quase não despertaram atenção nos círculos filosóficos,

na época sob a influência dominante do idealismo neokantiano de Green, de Caird e

da escola de Oxford, excetuando aqueles círculos onde a filosofia escocesa do senso

comum manteve sua supremacia. Em 1898, James inaugurou o novo movimento

pragmático em uma palestra intitulada “Concepções filosóficas e resultados

práticos” mais tarde impressa no volume Collected essays and reviews [“Ensaios e

resenhas coligidos”]. Mesmo nesse estudo inicial, pode-se facilmente notar a

presença daquelas duas tendências de restringir e, ao mesmo tempo, estender o

pragmatismo anterior. (DEWEY, 2007, p. 230)

4 Tomamos por referência a tradução da máxima feita por Ibri (cf. 1992, p. 96). O original em inglês é o

seguinte: “Consider what effects, that might conceivably have practical bearings, we conceive the object of our

conception to have. Then, our conception of these effects is the whole of our conception of the object” (CP

5.402). 5 Isso é o que podemos concluir dos escritos que temos lido sobre o assunto. No entanto, há uma passagem em

que Peirce lamenta perceber que alguns estudiosos (que ele não chega a nomear) claramente se inspiraram nas

suas ideias, mas se recusam a admitir tal influência. Afinal — Peirce diz, com seu característico tom irônico —,

“o que seria mais humilhante do que assumir ter aprendido algo de um lógico?” (CP 5.17).

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É interessante ressaltar que também foi James o principal responsável pela projeção

internacional de tal corrente. Tanto isso é verdade que hoje em dia o seu pragmatismo é mais

popularmente conhecido no mundo do que aquele de Peirce.

1.2. UMA FILOSOFIA AMERICANA6

Como foi visto, o Pragmatismo nasceu nos Estados Unidos da América e depois se

disseminou pelo mundo7. É por isso que podemos afirmar que o Pragmatismo é, de certa

forma, uma corrente filosófica tipicamente americana, não só porque teve a sua origem nos

Estados Unidos, mas também porque traz consigo elementos característicos da cultura

americana. Alguns estudiosos chegam até mesmo a considerar o Pragmatismo a grande

contribuição dos Estados Unidos para a Filosofia, isso porque, como Cornelis de Waal

comenta, “escolas anteriores, como os transcendentalistas da Nova Inglaterra, ou os

hegelianos de Saint Louis, eram, na maior parte, extensões da filosofia europeia” (WAAL,

2007, p. 19).

Mas por que tal escola de pensamento teria surgido justamente na “América”? O que

pode ter suscitado o seu desenvolvimento? Como veremos a seguir muito brevemente,

algumas características próprias da cultura e do contexto americanos da época podem ter

influenciado o seu surgimento. Várias abordagens poderiam ser feitas, mas resolvemos nos

deter em alguns elementos que Cornelis de Waal (cf. WAAL, 2007, p. 19) cita como sendo

determinantes para o florescimento do Pragmatismo em solo americano; são eles: o

puritanismo, a mentalidade pioneira dos colonos e a guerra civil americana. O puritanismo

(calvinismo) pode ser considerado uma influência na medida em que dá valor às ideias

religiosas conforme seu grau de comprovação na vida (cf. WEBER, 2004, p. 218); ora,

“comprovar na vida” o valor de determinada ideia pode ser considerada uma abordagem

muito pragmatista, por assim dizer. Já a dita “mentalidade dos colonos” também pode ter

colaborado, pois estes tinham muito presente a vontade de ruptura com os padrões

estabelecidos pela metrópole e uma consequente construção dos próprios padrões, a partir das

6 Optamos por usar o termo “americano (a)” para tudo o que se refere aos Estados Unidos da América, e não a

países do Continente Americano num geral. 7 Alguns autores pragmatistas mais conhecidos e que não são americanos são: F. C. S. Schiller, G. Papini, G.

Prezzolini, G. Vailati, M. Calderoni e J. Milhaud.

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próprias circunstâncias — característica que de alguma forma pode ser atribuída ao

Pragmatismo:

A expansão da indústria, da pesquisa de ponta, o ritmo vertiginoso das atividades

econômicas e dos investimentos, a organização social, a difusão da democracia e de

uma nova cultura exigem um pensamento ágil, experimental, prático, capaz de

promover as liberdades e os interesses do indivíduo, de atender às mudanças, de

prever resultados e consequências. [...] Na verdade, são as novas formas de produção

capitalista e a consciência de estar assumindo a hegemonia mundial que levam a

sociedade americana a contrapor-se à Europa e a lançar-se na busca de ideias e

teorias que possam configurar uma identidade própria e uma “nova civilização”.

Neste clima, portanto, sentia-se a necessidade de desenvolver “uma adequada

filosofia americana”, em sintonia com o “modelo democrático de vida” capaz de

realizar “o ideal de unidade social”. (SEMERARO, 2013, p. 06)

Por último, a guerra civil americana (1861-65), que colocou por terra as crenças

básicas que orientavam a vida intelectual de então, suscitando a vontade de busca por novas

formas de pensar menos “idealistas”/intelectualistas e mais “realistas” — demanda a que o

Pragmatismo poderia ser uma resposta (cf. MENAND, 2001).

Para além desses três elementos, poderíamos citar outros mais de “senso-comum”, por

assim dizer; elementos que nos fazem associar mais “automaticamente” Pragmatismo e

cultura americana, e que, por isso mesmo, acabam tornando-se pontos de crítica. Estamos

falando da mentalidade capitalista, consumista, imediatista, “praticalista” e materialista (e

outros “istas” que se queira acrescentar) das quais o mundo, como um todo, desde sempre

tendeu a rotular os Estados Unidos. É quase inevitável, ao tomarmos contato com os

princípios da corrente pragmática — principalmente se esse contato for superficial — logo a

associarmos a essa imagem praticalista tão arraigada que temos da cultura americana.

É por isso que esse é um dos pontos mais abordados pelos críticos do Pragmatismo.

Alega-se que o caráter praticalista da corrente acaba por desvalorizar questões de cunho

metafísico e espiritual, e que isso é a típica característica de uma sociedade pouco reflexiva e

nada preocupada com questões mais abstratas e essenciais da vida8. Bertrand Russell dirá que

8 Alguns autores que fizeram críticas nessa direção foram Bertrand Russell, G. E. Moore, Max Horkheimer,

Julien Brenda e G. K. Chesterton; este último, com seu característico senso de humor, chega a afirmar: “o

pragmatismo é assunto de necessidades humanas. E uma das primeiras necessidades humanas é ser algo mais do

que um pragmatista”. (Orthodoxy, 1908, p. 64 apud WAAL, 2007, p. 20). O irônico, como coloca Waal, é que,

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“o pragmatismo apela ao temperamento mental que encontra na superfície deste planeta o

todo de seu material imaginativo” (1966, p. 110).

Disso tudo, podemos concluir que:

O pragmatismo é, com certeza, o movimento filosófico mais distintivamente

americano. Entretanto, o sabor distintivamente americano do pragmatismo tem sido

exatamente o fator que tem maculado sua respeitabilidade em vários círculos

filosóficos. A linguagem do praticalismo americano, na qual suas ideias filosóficas

têm sido frequentemente expressas, tem muitas vezes ocultado a profundidade e a

dimensão de seus insights como uma resposta a problemas filosóficos permanentes e

profundamente enraizados. (ROSENTHAL, 2002, pp. 83-84)

Contra esse tipo de crítica, muitos escreveram em defesa do Pragmatismo: além dos

próprios autores (Dewey, principalmente) também alguns de seus comentadores. T. L. S.

Sprigge dirá que “apenas recentemente, à medida que certas tendências filosóficas de um tipo

frequentemente descrito como pragmático alcançaram as manchetes filosóficas, que objeções

[bastante próximas do senso comum] passaram a ser vistas como menos convincentes”

(SPRIGGE, 2010, p. 161). Há quem faça essa defesa rebatendo com ideias totalmente opostas

ao que usualmente se afirma acerca do Pragmatismo, dizendo que essa corrente veio para

resgatar questões vitais — tão solicitadas nos dias de hoje — e não apenas questões de cunho

materialista. E aí estaria a grande contribuição americana para a Filosofia no mundo.

Os tempos [modernos] parecem propícios para os filósofos se voltarem às questões

mais estéticas e vitais, as quais podem ser abordadas do ponto de vista do

pragmatismo clássico, uma escola de pensamento que está enraizada na cultura

americana do século XIX, mas que “saiu de casa” há muito tempo para tornar-se

uma filosofia para o mundo. (HOUSER, 2010, p. 14)

Mas para além das críticas e influências, acaso poderíamos dizer que o Pragmatismo

não apenas é uma corrente de origem e características americanas, mas que também pode ser

considerada a Filosofia Americana Clássica, “por excelência”? No livro Classic American

Philosophy (1996), Max Fisch discorre sobre seis filósofos americanos que podem ser

considerados os “clássicos da América”. São eles: Peirce, James, Royce, Santayana9, Dewey e

no caso de James, um dos seus objetivos era justamente tentar resgatar um lugar para a fé religiosa em uma

época em que ela se tornara materialista e cientificista (cf. WAAL, 2007, p. 22). 9 George Santayana nasceu na Espanha, mas foi criado desde pequeno nos Estados Unidos. Também foi lá que

desenvolveu toda a sua carreira acadêmica. É por isso que é considerado parte da intelectualidade deste país –

assim como o faz Fisch aos classificá-lo como um “clássico da América”.

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Whitehead. Fisch define “clássico” como o período em que “as principais tendências

filosóficas da cultura, na qual surgem, atingem sua expressão mais plena, uma definição

comum, uma síntese ou um equilíbrio e um conjunto de textos10 que rapidamente adquirem o

status de cânon” (FISCH, 1996, p. 01).

Tendo isso em conta, Fisch considerará o período clássico na Filosofia Americana

aquele que se inicia logo em seguida da Guerra Civil Americana (1865) e vai até o início da

Segunda Guerra Mundial (1939). Considerando que esse período totaliza menos de 100 anos,

podemos concluir que todos os seis filósofos acima citados foram contemporâneos. Como se

sabe, eles não apenas foram contemporâneos, como também tiveram um contato intelectual

direto, participando de círculos acadêmicos em comum (principalmente em Harvard e na

Johns Hopkins University), inclusive um sendo “discípulo” do outro, como no caso de Dewey

em relação a Peirce, bem como de Santayana em relação a James e Royce (cf. FISCH, 1996,

p. 03).

Essa relação pessoal entre os seis é, inclusive, uma das três características que Fisch

aponta como sendo prova da continuidade desse período que ele considerou clássico. As

outras duas características são as influências sociais e intelectuais que cada um sofreu (muitas

das quais tinham em comum, uma vez que viveram no mesmo período) e os temas filosóficos

que estavam em voga e para os quais todos contribuíram11. Não se faz pertinente agora

desenvolver cada uma dessas três características, muito menos os catorze temas da terceira,

mas o importante é sabermos que é a partir desses elementos que Fisch embasa a sua escolha

dos seis filósofos como os maiores representantes da Filosofia Americana Clássica.

A partir disso, é interessante notar que, dos seis filósofos escolhidos por Fisch, quatro

são pragmatistas (Peirce, James, Dewey e Royce), e mesmo os outros dois — Santayana e

Whitehead — também tiveram alguma influência do Pragmatismo em seu pensamento. É por

10 Fisch dirá que os textos mais importantes do “canon” americano são: Collected Papers (Peirce), Principles of

Psychology and his Pragmatism (James), The World and the Individual (Royce), The Life of Reason and his

Realms of Being (Santayana), Experience and Nature and his Logic (Dewey) e Process and Reality (Whitehead).

(Cf. FISCH, 1996, p. 01). 11 Fisch enumera 14 temas filosóficos principais, cujo desenvolvimento ele considera ter atingido o seu auge no

pensamento dos seis filósofos. Os temas elencados são: a condenação da filosofia de Descartes, a naturalização

da mente, a mentalização da natureza, da substância para o processo, a obsolescência do eterno, a redução do

ontem para o amanhã, a intenção no pensamento, a saída do espectador, a teoria dos sinais, laboratório versus

seminário de filosofia, ciência como investigação cooperativa, a supremacia do método, ciência e sociedade, e a

grande comunidade. (Cf. FISCH, 1996, p. 01).

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isso que Houser escreverá um artigo em que diz que, diante dessa análise, é, sim, possível

dizer que o Pragmatismo é a Filosofia Americana Clássica “por excelência”:

Existe uma tal correspondência entre os filósofos americanos clássicos e os

pragmatistas clássicos que somos facilmente levados a supor que a filosofia

americana clássica é o Pragmatismo. (HOUSER, 2010, p. 226)

Com esse tópico, concluímos a parte introdutória da nossa dissertação e adentramos

seu núcleo, onde trataremos de aprofundar a doutrina de cada um dos autores — começando

por Peirce — para então confrontá-las.

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CAPÍTULO II — O PRAGMATISMO PEIRCIANO

A vida de laboratório não impediu este autor [que vos escreve]

de interessar-se por métodos de pensamento. (CP 5.412)

2.1. “UM CIENTISTA EM ATIVIDADE”: O PRAGMATISMO COMO MÁXIMA LÓGICA

É isso mesmo. Peirce, antes de ser “filósofo”, era um laboratory-man, como ele

mesmo o denominou. Filho de matemático — de Benjamin Peirce, grande professor de

Harvard no século XIX —, sua primeira formação foi em Matemática e Física. Por isso, mais

do que a sala de aula, o seu “habitat” era o laboratório, onde o corriqueiro eram os “fatos

vivos”12, e não as especulações abstratas do mundo da Filosofia. Foi nesse ambiente, fazendo

os mais diversos experimentos — os quais contribuíram para o campo da matemática,

gravitação, química e até astronomia (cf. CP 1.3) —, que Peirce embasou grande parte das

suas posteriores reflexões filosóficas. Peirce também sempre se interessou pela Lógica,

dedicando-se a estudar desde os gregos e medievais até os modernos (ingleses, alemães e

franceses). Esse conhecimento aprofundado permitiu-lhe desenvolver seu próprio sistema

lógico.

Na metafísica, porém, Peirce assume ter feito um estudo menos sistemático, mas ainda

assim confirma ter pelo menos tomado contato com os principais sistemas da História da

Filosofia, “não se satisfazendo até que fosse capaz de pensá-los como os seus próprios

defensores pensam” (CP 1.3). Mas o estudo filosófico que mais o influenciou e para o qual ele

dedicou mais tempo — segundo ele, duas horas por dia, por mais de três anos — foi o da

“Crítica da Razão Pura” de Kant. Peirce assegura saber a obra kantiana inteira de cor, além de

ter examinado criticamente cada uma das suas seções e tido discussões quase diárias sobre o

tema com Chauncey Wright, também integrante do Metaphysical Club (cf. CP 1.4).

Como podemos ver, Peirce se aventurou no terreno das humanidades com uma não

pequena bagagem filosófica, mesmo sendo um autêntico laboratory-man, seja na sua

12 Referência à epígrafe deste trabalho, que diz: “Qual é a verdadeira definição de pragmatismo, eu acho algo

difícil de dizer. Mas sei que na minha natureza há uma espécie de atração instintiva por fatos vivos”. (CP 5.64)

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formação acadêmica, seja na sua forma de pensar. Por isso é que será notável como o seu

pragmatismo está imbuído destas duas influências: por um lado, a sua considerável erudição

no campo da Filosofia e, por outro, a sua forma científica de pensar. Essa característica do

pensamento peirciano é que fez Waal expressar que “a maneira de Peirce abordar a filosofia, e

em particular o pragmatismo, foi, antes de tudo, a de um cientista em atividade” (WAAL,

2007, p. 26, grifos nossos). E também, na mesma direção, Helmut Pape observa que “a

educação científica de Peirce, e em particular a sua experiência como cientista de laboratório

em química, astronomia e geodesia, preparou o caminho para a formulação do seu método

pragmático” (PAPE, 2009, p. 93).

Como o próprio Waal observa logo em seguida, não é por acaso que a primeira vez

que a máxima pragmática aparece é em uma série de artigos intitulada Illustrations of the

Logic of Science. Veremos no decorrer deste segundo capítulo de que maneira esse pano de

fundo científico influenciou o pragmatismo peirciano. Para isso, nos utilizaremos

principalmente das sete conferências de Peirce proferidas em Harvard, em 1903, e dos três

artigos publicados na revista The Monist, em 1905, além, claro, dos seus comentadores.

Antes, porém, gostaríamos de esclarecer ao leitor que, pelo espaço de que dispomos e pelos

objetivos que aqui foram propostos, não será possível abordar todos os aspectos do

pragmatismo peirciano (mesmo porque, há uma imensa quantidade de material que foi

deixada pelo autor, e um trabalho como este não daria conta de abarcá-la na sua totalidade),

mas apenas um recorte daqueles elementos que consideramos essenciais para o

desenvolvimento do problema desta pesquisa.

Se levarmos em conta essa influência que as ciências exatas — especialmente a

matemática — exerceram sobre Peirce, como vimos acima, não é de se estranhar que o seu

pragmatismo também traga resquícios dessa influência. E é justamente através dessa “porta”,

dentre as muitas existentes, que gostaríamos de adentrar o pragmatismo peirciano. Essa

“porta” é a Lógica: “Segundo Peirce, a lógica investiga as normas e métodos que nos

possibilitam sujeitar nossas atividades ao autocontrole reflexivo. Seu pragmatismo oferece um

esclarecimento das hipóteses e concepções que tornarão isso possível” (HOOKWAY, 2010, p.

199).

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Peirce quer deixar muito claro que a sua teoria pragmática não é uma doutrina

filosófica senão um método lógico de investigação13. É nesse sentido que ele afirma que o seu

pragmatismo “não é um sublime princípio de filosofia, mas sim uma máxima lógica” (CP

5.18). Isso porque, assim como a Lógica busca esclarecer conceitos, também o pragmatismo

tem a função de, enquanto método, fornecer meios para determinar o sentido de ideias

abstratas, principalmente quando estas são causa de discussões que de outra forma não teriam

um fim, que seriam intermináveis.

Ele diz que o motivo dessas discussões intermináveis é que cada adversário atribui

diferentes sentidos às palavras — ou nem mesmo atribuem um sentido definido (cf. CP 5.6).

Diante dessa situação, o pragmatismo viria não para dizer em que consiste o sentido de cada

palavra, mas para estabelecer um método que sirva para determinar o sentido dos conceitos

abstratos; assim como faz a Matemática, que extrai conclusões necessárias a partir de

premissas que nos autorizam realizar certos experimentos, esse método faz com que se chegue

sempre aos mesmos resultados, uma vez que o critério é objetivo e não subjetivo, isto é, não

depende daquilo que o sujeito pensa sobre ele.

Peirce chegará a dizer que o problema do pragmatismo é o problema da lógica da

abdução14, no sentido de que a máxima pragmática torna supérflua qualquer regra que admita

explicações de fenômenos tidas como “sugestões esperançosas”, isto é, hipóteses que não

acarretam consequências práticas, uma vez que tais explicações não modificariam a nossa

conduta. Assim como o raciocínio abdutivo só admite hipóteses cujas consequências sejam

passíveis de verificação experimental — isto é, que tenham uma correspondência com os

13 Cf. PAPE, Helmut. “Thinking and Acting The Logical Background of Peirce’s Pragmatism”. In: Cognitio –

Revista de Filosofia. São Paulo: Educ, vol. 10, n. 1, pp. 91 – 104, 2009. 14 Peirce define três tipos de raciocínio: a indução, a dedução e a abdução. “A dedução é o único raciocínio

necessário. Ela é o que constitui o raciocínio da matemática. Ela principia de uma hipótese, cuja verdade ou

falsidade nada tem a ver com o raciocínio; óbvio é que suas conclusões são igualmente ideais... A indução é o

teste experimental de uma teoria. Sua justificação é que, embora a conclusão, em qualquer estágio da

investigação, possa ser mais ou menos errônea, a aplicação continuada do mesmo método deve corrigir o erro. A

única coisa que a indução perfaz é determinar o valor de uma quantidade. Ela parte de uma teoria e avalia o grau

de concordância da teoria com os fatos. Ela nunca pode dar origem a qualquer ideia que seja. Nem o pode fazer a

dedução. Todas as ideias da ciência surgem da abdução. A abdução consiste em estudar os fatos e delinear uma

teoria para explicá-los. Sua única justificação é que, se pretendemos de algum modo compreender as coisas, tal

deve ser conseguido por aquele caminho.” (CP 5.145) “A dedução prova que algo deve ser; a Indução mostra

que algo é de fato operativo; a Abdução apenas sugere que algo pode ser.” (CP 5.171). A abdução é o tipo de

raciocínio que mais colabora para o avanço do conhecimento científico, uma vez que não pretende fornecer

verdades, mas probabilidades, através de hipóteses que abrem caminho para novas descobertas (caráter

heurístico). É por isso que, pensando na importância do avanço da investigação, Peirce mostra-se um grande

“defensor” do raciocínio abdutivo.

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fatos —, assim também a máxima pragmática só aceitará aquilo que tiver uma conformidade

com os fatos e que, portanto, exerça alguma influência na conduta prática de quem a toma por

método. Dessa forma, faz-se com que “as hipóteses que a máxima admitir, todos os filósofos

estarão de acordo com que sejam admitidas” (CP 5.196), acabando, assim, com o problema

das discussões intermináveis.

Sob este ponto de vista, a máxima do pragmatismo atuará como fator de escolha e

decisão entre hipóteses concorrentes, ou mesmo, por um processo indutivo, tornará o

meramente hipotético, que se traduz no meramente possível, numa teoria

efetivamente operativa, isto é, numa teoria de um correto poder preditivo do curso

futuro da experiência. (IBRI, 2002, p.115, grifos do autor)

Com essa leve pincelada acerca do caráter lógico do método pragmático de Peirce —

que julgamos importante expor primeiramente para que o “edifício” que virá a seguir seja

construído sobre a base pressuposta por Peirce, e não sobre ideias de senso comum que se

possa ter a respeito do pragmatismo —, daremos início ao percurso que nos levará ao conceito

que o nosso laboratory-man formulou a respeito do pragmatismo.

2.2. A MÁXIMA PRAGMÁTICA

Antes de falarmos especificamente da máxima pragmática, vejamos um detalhe

interessante que pode ser notado no corpus de escritos peircianos. É possível dizer que o

pragmatismo de Peirce passou por duas fases. Uma primeira que se reporta ao momento em

que a máxima pragmática foi enunciada, em 1878, no texto “Como tornar as nossas ideias

claras”15, dando assim a “largada” para as pesquisas sobre o pragmatismo. Certamente,

quando Peirce escreveu esse artigo, ele não fazia ideia do alcance que iriam ter as reflexões ali

escritas — e talvez por isso não tenha se importado em debruçar-se sobre o assunto nos anos

que se seguiram. Tanto foi assim, que demorou mais de vinte anos até que ele voltasse a falar

oficialmente sobre o tema. É justamente esse “gap” o que marca a transição da primeira para a

segunda fase do seu pragmatismo: a segunda fase é inaugurada com as “Harvard Lectures on

15 Original em inglês: How to make our ideas clear (CP 5.388 – 5.410).

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Pragmatism”, datadas de 1903, e é caracterizada por uma teoria mais madura, melhor

delineada e até mesmo “posta à prova”16.

Se por um lado a primeira fase mostra-se “frágil”, no sentido de não possuir grande

quantidade de textos sobre os quais se embasar — contrapondo-se, assim, à segunda, que

apresenta uma considerável quantidade de escritos17 —, por outro lado, ela sem dúvida foi a

fase que mais exerceu influência nos filósofos da época. Ela — mais especificamente, a

máxima pragmática nela enunciada — foi a grande inspiradora de todas as filosofias

pragmáticas que surgiram depois. E justamente essa repercussão foi o que motivou Peirce,

mais de vinte anos depois, a desenvolver e aprofundar a sua própria doutrina, isso porque, ao

ver o rumo que tinha tomado aquela escola de pensamento da qual ele era tido como “pai”,

ficou muito decepcionado e sentiu a necessidade de esclarecer o que era, de fato, aquela

doutrina a que chamou pragmatismo.

O retorno à doutrina [do pragmatismo] era de certa forma uma resposta à

notoriedade que James tinha ganhado com o pragmatismo pelas suas conferências de

1898 e publicações subsequentes. Peirce estava, por um lado, ansioso por explorar a

sua nova fama como fundador do pragmatismo, a fim de obter um maior

reconhecimento da sua visão, e por outro, aborrecido com a pálida cópia que foi

feita da sua própria posição e que estava popularmente associada ao termo

“pragmatismo”. (HOOKWAY, 1985, p. 234)

Peirce dirá que a sua visão sobre o assunto mudou muito no decorrer dos anos: “A

minha visão de 1877 era grosseira. Mesmo quando fiz as conferências de Cambridge, não

tinha chegado ao fundo ou visto a essência da coisa toda.” (CP 8.255). Nessa época, o

Pragmatismo já estava sendo estudado por alguns, inclusive por James, e então já começavam

a surgir interpretações diversas sobre o assunto. É por isso que nessas conferências de 1903,

além de melhor desenvolver a sua doutrina, diferindo-a das outras, Peirce quis ir além no

rompimento com o que então era associado à doutrina pragmática, e por isso irá propor uma

mudança linguística, conforme foi comentado na primeira parte deste trabalho: trocar o nome

da doutrina de Pragmatismo para Pragmaticismo.

16 Em uma grande parte dos escritos dessa segunda fase, Peirce se dedicará a desenvolver provas “não-

psicologistas” do seu Pragmatismo, que veremos mais para frente. Ele achou que isso era necessário para

diferenciar o seu pragmatismo dos outros que naquele momento estavam surgindo, mostrando que ele não

possuía uma base psicologista, como poderia parecer no seu artigo “Como tornar as nossas ideias claras”. 17 Considera-se parte desse segundo momento: as sete conferências que foram dadas em Harvard em 1903 (1903

Harvard Lectures on Pragmatism), os três artigos publicados no The Monist em 1905, além de uma série de

manuscritos, alguns publicados, outros não.

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“[...] Assim, o autor, vendo o seu garoto [bantling] pragmatismo muito difundido,

sente que é o momento de dizer adeus à sua criança e abandoná-la ao seu destino

maior; com o objetivo preciso de expressar a definição original, pede licença para

anunciar o nascimento da palavra pragmaticismo, que é suficientemente feia para

estar a salvo de sequestradores”. (CP 5.415)

Esse desenvolvimento posterior, que tinha por objetivo esclarecer e determinar os

limites da sua doutrina, não foi, no entanto, o que marcou a história do Pragmatismo; apesar

de todo o seu empenho e grande dedicação, o “legado” peirciano ficou mesmo por conta da

“frágil” primeira fase — sem dúvida, por mérito da inédita máxima pragmática nela presente

e não por outro motivo.

Conforme citado anteriormente, a formulação original18 da máxima pragmática é a

seguinte: “Considere quais efeitos, que concebivelmente poderiam ter consequências práticas,

concebemos que tenha o objeto de nossa concepção. Então, a concepção destes efeitos é o

todo de nossa concepção do objeto.”19 (CP 5.402). Para melhor compreendermos esse

“princípio do pragmatismo” — como James o chamava —, comecemos por esclarecer em

qual o contexto ele está inserido.

No artigo já citado “Como tornar as nossas ideias claras”, Peirce mostrará a relevância

da lição que a Lógica dá ao nos ensinar a importância de termos ideias claras, a fim de que

tenhamos um pensamento bem fundamentado. Peirce estava interessado em determinar um

novo critério de significação dos conceitos, pois rejeitava o tipo de conhecimento, como

aquele proposto por Descartes20, que afirmava, grosso modo, ser verdadeiro tudo o que se

mostrar clara e distintamente, o que for auto-evidente. Peirce julgava ser este um critério

muito vago e frágil, por isso se propõe desenvolver um novo critério de significação — que

será justamente o método pragmático.

Mas em que consiste esse método? Em poucas palavras, ele consiste em submeter todo

conceito que tivermos a respeito das coisas à máxima pragmática. Ela nos orientará a extrair

todos os efeitos que poderiam decorrer do conceito em questão; e esses efeitos serão o todo da

nossa concepção da coisa. Em um primeiro momento, isso tudo pode soar um praticalismo da

18 Dizemos “formulação original”, pois posteriormente a máxima pragmática foi reformulada de diversas formas

pelo próprio Peirce, sempre mantendo, porém, a sua ideia central. Alguns trechos onde Peirce enuncia a mesma

máxima, mas de forma variadas estão em: CP 5.9; 5.412; 5.196. 19 Tradução de referência: IBRI, 2002, p. 96. 20 Em várias passagens Peirce critica a filosofia cartesiana, principalmente no que se refere ao conceito de

crença. Para um maior aprofundamento cf. The fixation of believe (CP 5.358).

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ação pela ação, mas veremos a seguir, ao esmiuçar o método, como Peirce se defende dessa

crítica e o que está por trás dela.

Como foi dito, o objetivo da máxima é que se alcance o maior grau de clareza possível

nas ideias. Uma ideia clara pressupõe a mudança de um estado desconfortável de dúvida para

um estado relaxado de crença (belief). Quando estamos em um estado de dúvida, o sentimento

é de desconforto — às vezes até de angústia —, a tendência, portanto, é que nos mobilizemos

para adquirir novamente o estado de crença para, a partir de então, ter uma regra de conduta a

partir da qual possamos agir — e isso é exatamente a formação de um hábito. A crença nada

mais é do que uma regra de ação que irá nortear ações e pensamentos futuros, de modo que a

essência da crença estará fundada em hábitos, modos de agir. Assim Peirce descreve a

diferença entre crença e dúvida:

Nossas crenças guiam nossos objetivos e moldam nossas ações. [...] O sentimento de

crença é uma indicação mais ou menos certa de que se estabeleceu em nossa

natureza algum hábito que irá determinar nossas ações. A dúvida não produz tal

efeito. (CP 5.370-71) A essência da crença é o estabelecimento de um hábito; e

crenças diferentes são distinguidas pelos diferentes modos de ação a que dão

origem. (CP 5.398)

Aqui, no próprio desenvolvimento da fundamentação da máxima, já temos dois

exemplos da sua aplicação: um primeiro, quando Peirce determina a diferença entre dúvida e

crença a partir dos diferentes efeitos sensíveis que cada uma acarreta — a crença sendo aquele

estado que determina uma regra de ação, e a dúvida sendo o estado que de alguma forma

paralisa e move à inquirição. Um segundo exemplo é quando ele diz que diferentes tipos de

crenças são distinguidos de acordo com o modo de ação a que dão origem.

Nesse sentido, tanto a dúvida quanto a crença parecem produzir efeitos positivos sobre

nós: a dúvida porque, ao criar um desconforto, nos move à investigação, com o fim de

estabelecer uma nova crença e ser superada; e a crença, porque é parte indispensável da

conduta humana, sem ela não saberíamos como nos comportar nas várias situações (cf. CP

5.373). Ambas fazem parte do que poderíamos chamar “processo de aprendizagem”,

característica elementar da mente. O que a nossa mente faz é nada mais que repetir ações no

presente que se apresentam sob circunstâncias análogas a outras que aconteceram no passado.

E nada mais natural que buscar associações e similaridades entre fatos, caso contrário, não

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seríamos capazes de apreender nenhum conhecimento do mundo e o mundo seria para nós um

completo caos.

A primordial e fundamental lei da ação metal consiste na tendência à generalização.

[...] Quando um distúrbio de sentimento aparece, temos consciência de ganho, de

ganho de experiência; e um novo distúrbio estará apto a assimilar-se àquele que o

precedeu. [...] A consciência de tal hábito constitui um conceito geral. (CP 6.20)

Da mesma forma que a mente humana, a natureza também parece possuir uma

tendência natural a adquirir hábitos, fato que é possível constatar a partir das suas próprias

leis. Ora, leis nada mais são que hábitos cristalizados, isto é, hábitos que, de tanto se

afirmarem na experiência, sem nenhuma mudança aparente ou significativa, acabam se

cristalizando e tornando-se leis. Daí que o objetivo maior da investigação é o abandono da

dúvida e uma consequente aquisição de uma crença, a fim de que tenhamos um hábito que

molde a nossa conduta e a partir do qual possamos agir em situações futuras.

A vivacidade da mente está em sua capacidade em romper com hábitos,

reconhecendo, na novidade da experiência, seu elemento de mutabilidade que se faz

sujeito de uma nova crença. Aí está, novamente, o âmago da concepção de

aprendizagem, traduzido na plasticidade e provisioriedade do hábito adquirido pela

mente, cujo traço evolutivo será sua capacidade viva de alterar a própria conduta.

(IBRI, 1992, p. 100)

Falamos de crença, dúvida, hábito, aprendizagem... Mas qual a relação disso tudo com

o pragmatismo? Ora, a máxima pragmática, como Peirce a enunciou, traz um elemento de

previsão do futuro característico de todo processo cognitivo quando diz “quais efeitos

poderiam concebivelmente ter consequências práticas”. Isso significa que um dos seus

objetivos é que se consiga prever, ao avaliar seus efeitos sensíveis, o alcance de determinado

conceito também em situações futuras, e não apenas deter-se em uma simples constatação dos

seus efeitos. Daí a importância, no pragmatismo peirciano, de que as coisas se manifestem

pelo seu lado exterior, pois apenas assim serão passíveis de cognição e as suas crenças serão

discerníveis (cf. IBRI, 1992, p.101), caso contrário, “de que vale o poema nunca escrito, o

quadro jamais pintado, a música não composta, confinados a um interno-eterno silêncio?”

(IBRI, 1992, p.96)

É nesse ponto que o pragmatismo peirciano tange o realismo, doutrina que será o seu

pano de fundo e que para a nossa discussão do quarto capítulo será de indispensável

relevância, quando formos confrontá-lo com James. Para isso, faz-se necessário compreender

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32

bem em que sentido o realismo, em contraposição ao nominalismo, se faz presente nesse

âmbito do pensamento de Peirce.

2.3. O REALISMO DE PEIRCE

A querela dos universais é uma questão que acompanha a Filosofia há muito tempo.

Ela consiste basicamente na disputa entre o nominalismo e o realismo, isto é, entre a maneira

de olhar para os universais (o geral, a lei) como mera representação — e este é o nominalismo

— e, ao contrário, a maneira de entender os universais como sendo reais — e este é o

realismo21. Essa disputa está presente desde sempre na História da Filosofia e, explícita ou

implicitamente, divide os filósofos nesses dois grandes grupos, a depender dos pressupostos

em que cada um baseia a sua teoria. Por isso podemos dizer que a querela dos universais é um

divisor de águas na Filosofia, que afeta diretamente a visão de mundo e a arquitetura do

pensamento de cada autor, distanciando-os, ou aproximando-os, conforme o “grupo” em que

se encaixarem. Nesse trabalho, veremos especificamente como isso se dá e quais as suas

consequências no caso de Peirce e James.

Peirce, como já apontado acima, é declaradamente um realista, como veremos na

citação a seguir. E essa não é uma característica trivial do seu pensamento, senão um

pressuposto essencial do seu pragmatismo — e diríamos, inclusive, um pressuposto de todo o

seu sistema filosófico. Peirce chega a afirmar que não é possível dizer-se um pragmatista

aquele que não rejeitar o nominalismo e, consequentemente, aderir ao realismo22. Ao

contrário de alguns filósofos que não chegaram a declararem-se oficialmente adeptos a uma

corrente ou outra — apesar de suas doutrinas serem passíveis de classificação —, Peirce

desde sempre não teve receio de se declarar um realista; e não apenas um realista “genérico”,

21 No quarto capítulo iremos explicitar mais detalhadamente a questão da querela dos universais, mas algumas

referências sobre o assunto podem ser encontradas em: GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média. Trad.

Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995; ECO, Umberto. O nome da rosa. Trad. Aurora F.

Bernardini e Homero F. de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983; BEUCHOT, Maurício. El problema

de los universales. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1981; NASCIMENTO, Carlos Arthur

R. do. “A querela dos universais revisitada”. In: Cadernos PUC-Filosofia. São Paulo: Cortez, n. 13, 1983. 22 “A maior consequência do pragmatismo, de longe, e na qual tenho insistido sempre [...], é que nessa

concepção da realidade temos que abandonar o nominalismo” (CP 8.258).

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33

mas sim um realista escolástico de tipo extremado (CP 5.470), segundo suas próprias

palavras, influenciado principalmente por Duns Scotus23.

O autor do presente tratado é um realista scotista. [...] Ao se auto-denominar um

scotista, o autor não quer significar que ele está retroagindo às visões gerais de 600

anos atrás; ele meramente considera que o ponto da metafísica sobre o qual Scotus

principalmente insistiu, e que desde então tem sido negligenciado, é um ponto muito

importante. (CP 4.50)

Mas o que significa dizer que Peirce era um realista? Para Peirce, assim como o era

para Scotus, a relação entre o geral e o particular é real. Isso quer dizer que os universais,

aquilo que rege os individuais, a lei que está por detrás da relação entre os particulares, é real

e não apenas uma representação da mente, ou meros termos e conceitos que a mente gera a

fim de “organizar a multiplicidade sensível, destituindo a exterioridade de algum princípio

ontológico de ordem”, pois se assim fosse, “todo objeto estaria subsumido a uma regra criada

pelo sujeito” (IBRI, 2002, p. 104). Isso vai totalmente na contramão do que acredita um

realista, pois para ele, se há alguém submisso nesse processo, esse alguém é o próprio sujeito,

que, com o fim de conhecer a realidade, deve, por meio da sua razão e contando com o

elemento de razoabilidade que a própria realidade possui, apreender as relações reais que nela

existem. Em outras palavras: as coisas possuem relações entre si que independem do sujeito e,

uma vez este querendo conhecê-las, deve “treinar a sua razão para que se conforme com elas

[as relações] mais e mais” (EP 2.212; grifos nossos). Como Waal muito bem definiu: “Não se

ganha entendimento coletando fatos desconexos, mas entrando em afinação com a

razoabilidade concreta24 do cosmos” (WAAL, 2007, p. 147; grifos nossos).

Desse conceito de realismo podemos tirar três elementos que aí estão pressupostos.

Mas para compreendermos esses três elementos, será preciso adentrar uma outra área do

pensamento de Peirce sobre a qual ainda não falamos, mas que constitui a base de todo o

universo conceitual peirciano, inclusive do seu pragmatismo: a Fenomenologia. A

Fenomenologia de Peirce é um campo muito vasto, passível de aprofundamentos sem fim. No

entanto, aqui teremos de nos deter apenas naquilo que poderá nos auxiliar na compreensão do

23 John Duns Scotus (1266 – 1308) foi um teólogo franciscano escocês, grande nome do realismo escolástico.

Sobre o tema da relação entre Peirce e o realismo de Scotus, cf. BOLER, John F. Charles Peirce and Scholastic

Realism: a study of Peirce’s relation to John Duns Scotus. Seattle: University of Whashington Press, 1963; e

PICH, Roberto Hofmeister. “Scotus e Peirce sobre Realidade e Possibilidade”. In: Cognitio – Revista de

Filosofia. São Paulo: Educ, vol 6, n. 1 pp. 61 – 84, 2005. 24 Cf. CP 5.3

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34

realismo de Peirce25 e, consequentemente, do seu pragmatismo. Apenas para termos uma ideia

de como a Fenomenologia ocupa um lugar importante na compreensão do pragmatismo de

Peirce, em uma carta endereçada a James em março de 1903, Peirce irá dizer que “a

verdadeira natureza do pragmatismo não pode ser entendida sem elas [as três categorias que

compõem a sua Fenomenologia]”. (L224, 16 de março de 1903). Por isso, adentremos

rapidamente nessa área do seu pensamento.

A Fenomenologia é a ciência que vai estudar os fenômenos, ou seja, tudo aquilo que

está de alguma forma presente na mente, e a sua tarefa será a de analisar as categorias da

experiência no cotidiano. Peirce divide a experiência em três categorias, ou modos de

aparecer universais, chamadas Primeiridade, Segundidade e Terceiridade.

A Primeiridade, primeira categoria, é o modo pelo qual entramos em contato com o

fenômeno, antes de percebê-lo como outro, como fato bruto (hard fact). É um sentir sem

mediação nem representação. A segundidade, por sua vez, vai de encontro à nossa vontade,

aos nossos planos e metas. Como seu próprio nome indica, a categoria da segundidade aponta

para a experiência de um segundo, de um alter, um não-ego, que vem de encontro a um

primeiro; daí ser caracterizada como uma experiência de alteridade. Esse outro reage e é

indiferente ao querer do primeiro, oferece resistência, contraria aquele, e por isso tal

experiência é denominada bruta.

Já a terceira categoria é vista como um terceiro elemento, que opera uma mediação

entre dois outros elementos, relacionando-os cognitivamente, a fim de elaborar um conceito

geral (general conception). Este processo torna-se estritamente cognitivo na realidade, uma

vez que reflete e analisa experiências passadas e, generalizando-as, tenta prever, na medida do

possível, as ações futuras, evitando desse modo a brutalidade característica da segundidade.

Ou seja, terceiridade é um processo de aprendizagem — daí seu caráter cognitivo — que

através da representação de particulares passados, tenta prever generalizações para o futuro

(cf. IBRI, 2002, cap. 1).

Essas categorias, no entanto, não se restringem apenas ao âmbito do modo de ser das

coisas, como se poderia pensar. As categorias fenomenológicas vão além: uma vez aplicadas

ao mundo real, elas ganham seus correlatos26 reais. Isso significa fazer um salto da

25 Para esclarecimentos mais detalhados sobre a Fenomenologia e suas categorias, cf. IBRI (2001). 26 É interessante lembrar que as categorias fenomenológicas ganham seus correlatos não só quando aplicadas ao

real, mas também quando aplicadas às diversas áreas do conhecimento. Isso significa dizer que, quando

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Fenomenologia para a Metafísica, e, mais especificamente, para a Ontologia; isso porque as

categorias passam a produzir um dizer sobre o mundo que é da natureza de uma hipótese

explicativa daquilo que antes era apenas aparência27. Assim, os correlatos reais das três

categorias passam a constituir a realidade sob a forma da trinca Acaso28 (Primeiridade),

Existência (Segundidade) e Lei (Terceiridade).

O Acaso serio o princípio de tudo aquilo que é irregular, sem determinação, livre para

tornar-se qualquer coisa, é mera possibilidade. Por isso, sozinho não constitui uma realidade;

é o que Peirce chama de primeiridade real. A Lei, ao contrário, é princípio de tudo o que é

regular, que pode tornar-se hábito, que possui uma ordem; é a chamada terceiridade real, que

sozinha também não é capaz de constituir realidade. A hipótese da terceiridade real, isto é, da

existência de leis, surge da repetição de eventos particulares independentes da consciência,

que permitem serem associados a um caráter de generalidade. Daí dizer que se passa de um

realismo de individuais para um realismo de gerais:

A generalidade é, de fato, um ingrediente indispensável da realidade; a mera

existência individual, ou atualidade sem qualquer regularidade que seja, é uma

nulidade. (CP 5.431)

O último aspecto é aquele que vai surgir quando a espontaneidade da primeiridade

deixa de ser mera potência e torna-se atual: é a Existência (ou segundidade real). Nela

encontra-se toda a experiência de reação contra a consciência e toda a reação dos objetos entre

si29. Ela existe como um fragmento no espaço e no tempo, é particular, está destituída de

generalidade. Apenas com estes três elementos — Acaso, Existência e Lei — é que a

realidade torna-se possível.

Com essa breve exposição, torna-se possível traçar uma relação entre cada categoria

fenomenológica e o realismo peirciano. Podemos dizer que a primeiridade nos coloca diante

de um universo indeterminado, que se apresenta em constante mudança. Esse indeterminismo

inseridas nessas áreas, elas ganham um novo formato, ainda que mantenham as mesmas características

elementares. Por exemplo: “Na Psicologia, sentimento é primeiridade, senso de reação é segundidade, conceito

geral é terceiridade ou mediação. Na Biologia, a ideia de variação fortuita é primeiridade, hereditariedade é

segundidade, e o processo por meio do qual características acidentais tornam-se fixas é terceiridade. Acaso é

primeiridade, existência é segundidade. A tendência a adquirir hábitos é terceiridade. Mente é primeiridade,

matéria é segundidade e evolução é terceiridade.” (CP 6.33) 27 Cf. SANTOS, 2011, p. 66. 28 O conceito de acaso possui relevante importância em Peirce. À doutrina do absoluto acaso como princípio real

responsável pela diversidade no mundo, Peirce chamará Tiquismo (Tychism, do grego τύχη: acaso). 29 Cf. IBRI, 1992, p.36.

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ontológico, fruto da primeiridade, faz com que as leis que formulamos sobre o cosmos sejam

colocadas à prova e, portanto, sejam passíveis de falsificação. Diante dessa realidade, é

natural que o homem, na sua sede insaciável por conhecer o cosmo, vá em busca de meios

para compreender, na medida do possível, o que está ao seu redor; o cosmo, por sua vez,

corresponde a essa busca, “deixando-se conhecer” através de elementos em comum que

determinados grupos de coisas apresentam, permitindo ao homem, a partir disso, formar leis,

generalizações; é o que chamamos de razoabilidade do cosmos. Isso corresponderia à

terceiridade. E se por um lado temos esse kósmos noëtós30, isto é, um universo inteligível,

razoável, passível de ser conhecido, por outro, nos deparamos com fatos que muitas vezes

entram em conflito com a lei formulada, opondo-se, assim, às generalizações (terceiridade)

que o sujeito os “confinou”; e essa é a segundidade.

Isso nos mostra três elementos em relação à realidade: 1. Que ela é exterior à mente,

uma vez que “o real é aquilo que é independente do que qualquer um possa pensar que ele

seja” (CP 5.405) — e essa é a segundidade; 2. Que justamente por ser independente do que

qualquer um possa pensar, as leis que o homem cria, a partir de generalizações de condutas

repetidas (hábitos), podem a qualquer momento cair por terra, mostrando-se, assim,

provisórias, pois falíveis31 — esse fator de constante mudança é a primeiridade 3. E, por fim,

para que novas leis possam ser elaboradas, é necessário que elas advenham, não de um único

30 “Universo inteligível”: expressão tirada do pensamento de Platão e que dá o nome ao livro de IBRI (1992), no

qual se expõe o universo conceitual de Peirce. Tal expressão está intimamente ligada à filosofia de Peirce, não

tanto no sentido platônico original como “mundo das ideias”, mas sim enquanto referência à razoabilidade

presente no cosmo, que independe do sujeito. 31 O chamado Falibilismo é uma doutrina essencial no pensamento de Peirce. Peirce define o Falibilismo como

“a doutrina que diz que o nosso conhecimento nunca é absoluto, mas sempre flutua num continuum de incerteza

e indeterminação” (CP 1.171). Ao falar que o conhecimento flutua num continuum de incerteza e

indeterminação, Peirce quer mostrar que todo conhecimento científico não é determinado, concluso, mas está

sujeito à falibilidade, por mais incontestável que possa parecer, como os postulados da geometria. Mesmo estes

não nos dão razão para supormos que são precisamente verdadeiros.

“Portanto, há três coisas as quais nunca poderemos esperar conseguir atingir pelo raciocínio, a saber, a absoluta

certeza, a absoluta exatidão e a absoluta universalidade. Não podemos estar absolutamente certos de que nossas

conclusões são nem mesmo aproximadamente verdadeiras; a amostra [que representa o todo] pode ser

completamente dessemelhante ao resto da coleção. Não podemos pretender ser nem mesmo provavelmente

exatos; porque a amostra consiste num número finito de instâncias e admite apenas valores especiais da

proporção procurada. [...] Portanto, se exatidão, certeza e universalidade não podem ser obtidas pelo raciocínio,

com certeza não há outros meios pelos quais elas podem ser alcançadas.” (CP 1.141-142, grifos nossos).

No entanto, não podemos deixar de considerar que “ser falibilista não significa renunciar à verdade, senão à

segurança ilusória da certeza. [...] O importante é abrir caminho.” (HYNES, 2015, p. 80), ou, como o próprio

Peirce diz, “do not block the way of inquiry” (CP 1.135), não bloquear o caminho da investigação com posturas

dogmáticas.

Para maiores esclarecimentos, conferir o artigo “Fallibilism, Continuity and Evolution” (CP 1.141-175).

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sujeito, mas da própria realidade que se “impõe”, sem considerar o que o sujeito sobre ela

pense — e esse aspecto cognitivo é a terceiridade.

Diferentes mentes se deparam com os mais antagônicos pontos de vista, mas o

progresso da investigação leva-as, por uma força para além delas, para uma mesma

conclusão. [...] A opinião que está fadada a ser aceita por todos os que investigam é

o que nós chamamos verdade, e o objeto representado nessa opinião é o real. Assim

eu explicaria a realidade. (CP 5.407, grifos nossos)

2.4. REALISMO E PRAGMATISMO

A divisão da realidade nas três categorias peircianas da Fenomenologia deixou mais

claro o aspecto de independência da realidade em relação ao sujeito — aspecto este

primordial para o realismo: “A grande prova que Peirce apresentou em favor do seu realismo

encontra-se na evidência de que nossa percepção comete erros. Deve, portanto, haver alguma

coisa lá, em algum lugar diferente da nossa mente, que não depende da nossa percepção.”

(SANTAELLA apud SANTOS, 2011, p. 55). Outro aspecto essencial da realidade que

podemos tirar do percurso feito acima é a necessidade de mostra-se como é, caso contrário,

ela não poderia ser conhecida; e como vimos, ela está muito longe disso, pois mostra-se

sempre aberta para quem quiser conhecê-la.

Mas, então, qual a relação dessa concepção de realidade com o Pragmatismo? Ora, um

método de investigação que tem por base identificar os efeitos sensíveis que determinado

conceito concebivelmente pode ter, como o é o método pragmático, só faz sentido se trouxer

consigo uma realidade cognoscível, isto é, uma realidade que permita uma correspondência

entre os conceitos que a ela se referem e os seus fenômenos. A máxima pragmática só

encontra respaldo em um mundo onde “o ser de uma substância identifica-se com a totalidade

de sua manifestação fenomênica” (CP 5.313), caso contrário, como aplicar uma máxima que

diz que o todo do conceito está na concepção dos seus efeitos, em um mundo cujos objetos

não manifestam efeitos sensíveis?

A essência do Pragmatismo reside nessa harmônica correspondência entre fenômeno

e conceito, de tal modo que os erros dessa correspondência, configurando uma

pseudo-harmonia, são corrigidos pelo transcurso da experiência no tempo, para o

qual se tenciona o esse in futuro que caracteriza o continuum da significação. (IBRI,

1992, p. 106)

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Aos poucos vamos dando-nos conta de como os conceitos em Peirce estão todos muito

interligados. Um breve esquema para mostrar como todos esses conceitos acima expostos se

relacionam, visando principalmente deixar claro a relação entre o realismo de Peirce e o seu

pragmatismo, poderia ser este: 1. há um mundo que é exterior (alter) em relação ao sujeito

(segundidade); 2. uma vez existente, esse mundo apresenta efeitos sensíveis, “aparece”

enquanto fenômeno para o sujeito — e este é um elemento-chave para a doutrina pragmática,

cuja máxima conta justamente com os efeitos de determinado objeto para poder formar o seu

conceito; 3. uma vez manifesto, esse objeto mostra-se passível de ser conhecido (e o contrário

seria impossível32); 4. o conhecimento desse objeto dependerá da regularidade da sua conduta

no fluxo do tempo (formação do hábito); 5. com as generalizações feitas a partir dessa

regularidade da conduta, novas leis serão formuladas (terceiridade), não a partir de um

indivíduo, mas sim dos fatos33, o que garantirá o caráter não subjetivo das leis, deixando claro

que é a realidade que se impõe ao sujeito (realismo) e não o contrário.

Uma boa síntese do que tentamos desenvolver acima pode ser esta:

De acordo com a interpretação realista do pragmatismo, o significado de um

conceito, assim, não é alguma experiência ou ato singular (essa sendo somente uma

fase intermediária), mas como tais efeitos práticos contribuem para o

desenvolvimento da razoabilidade do universo (CP 5,3). Não se ganha entendimento

coletando fatos desconexos, mas entrando em afinação com a razoabilidade concreta

do cosmos. (WAAL, 2007, p. 147)

Aqui fizemos um breve apanhado do que é o pragmatismo de Peirce, cientes de que

limitamo-nos a um breve recorte, que interessará especificamente aos confrontos que faremos

no quarto capítulo, com o pragmatismo de James. Ali, cremos, será possível esclarecer mais o

pragmatismo peirciano. Antes disso, porém, tomaremos contato com o pensamento de James,

assunto do capítulo a seguir, onde procederemos da mesma maneira que no presente capítulo,

isto é, sem fazer maiores análises nem comparações, mas apenas expondo o pensamento do

autor.

32 Para Peirce, o absolutamente incognoscível é absolutamente inconcebível, pois tudo o que for real deve ser de

alguma forma cognoscível, caso contrário, é algo desprovido de sentido e, portanto, não é real. Para um maior

aprofundamento, conferir CP 5.310. 33 Isso garantirá o caráter objetivo e auto-corretivo da investigação, uma vez que “é tanto possível como provável

que, para qualquer crença equivocada, uma sociedade de investigadores possa, em um intervalo de tempo

pertinentemente finito, discernir seus próprios erros e avançar até o descobrimento do verdadeiro estado das

coisas.” (MARGOLIS apud HYNES, 2015, p. 72)

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CAPÍTULO III — O PRAGMATISMO JAMESIANO

Eu espero poder conduzi-lo a encontrar

o modo equilibrado de pensar que você busca.

(P, p. 504)

3.1. “UM MÉDICO EM ATIVIDADE”

Assim como Peirce, James também não teve a sua primeira formação nas Ciências

Humanas. Graduado e doutorado em Medicina pela Harvard Medical School, William James

lecionou aulas de anatomia e fisiologia por um bom tempo nessa mesma instituição. Dentro

da Medicina, começa a interessar-se pela Psicologia, e então passa a estudá-la, em um

momento em que esta ainda estava se constituindo como ciência — não à toa, posteriormente,

após a publicação de reconhecidos ensaios sobre o assunto (o principal deles chamado “The

Principles of Psychology”), James será considerado o “pai da Psicologia americana”.

Da Psicologia para a Filosofia foi um passo. Ele mesmo assume ter originalmente ido

estudar medicina pensando em ser um fisiologista, mas, por uma espécie de “fatalidade”,

como diz, acabou se deparando com a Psicologia e com a Filosofia (cf. PERRY, 1935, p.

228), áreas com as quais ele não teve academicamente um contato prévio, apesar de desde

sempre mostrar-se um homem interessado em questões existenciais. “O que levou James à

Filosofia, em grande parte, foi o desejo de superar a oposição entre a perspectiva que ele via

na ciência e a perspectiva que sugeriam as suas inclinações humanistas.” (COPLESTON,

2000, p. 322). Assim — também com a contribuição das discussões do Metaphysical Club,

como foi visto no primeiro capítulo deste trabalho — James “descobriu” a Filosofia e dela não

se apartou tão cedo, ao contrário, deixou uma marca na sua história, já que, como vimos

anteriormente, foi o nome de maior destaque dentro da corrente filosófica pragmatista.

Mas, afinal, o que James disse acerca do pragmatismo? Quais foram as suas bases?

Onde ele queria chegar? A essa e outras perguntas buscaremos responder no decorrer deste

terceiro capítulo, recorrendo principalmente à coletânea de oito conferências proferidas no

Lowell Institute (Boston) em 1906 e na Columbia University (New York) em 1907 — que

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foram posteriormente publicadas sob o nome de “Pragmatism: a new name for some old ways

of thinking” —, onde James expõe e desenvolve a sua doutrina pragmática.

3.2. TEMPERAMENTOS NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Para entendermos o pragmatismo de James, é necessário irmos aos seus pressupostos.

Um deles é a noção de “temperamento”. Segundo James, os variados pensamentos que

surgiram no decorrer da História da Filosofia são resultado dos variados temperamentos de

cada filósofo (ainda que estes tentem esconder tal influência34). Nesse sentido, “as ideias não

são por si mesmas e independentes das mentes que as concebem, mas antes, todo conflito

filosófico se dá sempre no interior da vida íntima de um homem concreto, finito e em um

mundo de experiência real” (RAZZO, 2013, p. 17).

A história da Filosofia é, em grande parte, a história de uma certa colisão de

temperamentos humanos. Indigno que possa parecer a alguns de meus colegas um

tal tratamento, terei que levar em conta esses choques e explicar por seu intermédio

grande parte das divergências filosóficas. Qualquer que seja o temperamento de um

filósofo profissional, trata, quando filosofa, de encobrir o fato de seu temperamento.

O temperamento não é a razão convencionalmente admitida, com o que lança mão

das razões impessoais somente para as conclusões. Seu temperamento, contudo,

confere-lhe distorção mais forte do que qualquer de suas premissas mais objetivas.

Sobrecarrega-lhe a evidência desse modo ou de outro, estabelecendo uma visão mais

sentimental ou mais realista do universo. Confia em seu temperamento.

Necessitando de um universo que se lhe adapte, acredita em qualquer representação

que se lhe adapte. Sente que os homens de temperamento opostos estão fora de

sintonia com o caráter do mundo, e em seu íntimo considera-os incompetentes e

“por fora” do negócio filosófico (P, p. 488).

Assim teria caminhado a História da Filosofia. E como nas outras áreas35, também na

Filosofia haveria dois temperamentos predominantes36: o racionalista e o empirista. Na

34 “Pelo fato de o temperamento conferir um aspectos sentimental e pessoal ao intento filosófico, os filósofos

tentam “encobri-lo”, uma vez que o temperamento “não é a razão convencionalmente admitida” na comunidade

filosófica, justamente por esperarem das suas conclusões a objetividade cujo traço característico é o de

impessoalidade.” (RAZZO, 2013, p. 47-48) 35 James dirá que na etiqueta há os formalistas e os casuais; na política há os autoritários e os anarquistas; na

literatura há os acadêmicos e os realistas; enquanto que na arte há os clássicos e os românticos. (cf. P, p. 490). 36 James faz questão de observar que essa divisão em dois grupos não pretende ser absoluta, ao contrário,

permite variadas combinações e nuances. Explica que optou por essa classificação pois é o que é possível

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primeira conferência da série Pragmatism, chamada “The Present Dilemma in Philosophy”,

James irá caracterizar detalhadamente cada um desses temperamentos. Aqui vamos expor

alguns elementos principais.

Vejamos primeiro os racionalistas. Os racionalistas são aqueles que historicamente

foram chamados “intelectualistas”. Baseiam-se em princípios, mais do que em fatos

particulares. Nas discussões tendem a ser mais dogmáticos em suas afirmações. Consideram-

se mais religiosos, idealistas e otimistas que os empiristas. Por isso James os chamará tender-

minded, “espíritos ternos”. Já os empiristas são associados mais ao materialismo. Nas

discussões, são mais céticos e abertos a debates. Tendem a se basearem em fatos, a serem

mais pessimistas e não religiosos. Por isso James os chamará tough-minded, “espíritos duros”.

Resumindo, e seguindo o mesmo esquema que James fez, o racionalista estaria mais propenso

a ser: intelectualista, idealista, otimista, religioso, defensor do livre-arbítrio, monista e

dogmático. Enquanto o empirista seria: sensorialista, materialista, pessimista, irreligioso,

fatalista, pluralista e cético (cf. P, p. 490–491).

A partir dessa classificação, James irá defender a necessidade de se encontrar um

sistema que combine ambos os temperamentos, já que poucas são aquelas pessoas que são

unicamente tender-minded ou unicamente tough-minded — sempre há uma mistura de

temperamentos: “A maioria de nós tem, é claro, um temperamento intelectual não muito bem

definido, nós somos uma mistura de ingredientes opostos, cada um presente de forma muito

moderada” (P, p. 488). Nesse sentido, James irá propor uma atitude que não tenda nem apenas

para um lado nem para o outro, mas que seja moderada. Por isso falará de expressões como

“monismo pluralista”, “livre-arbítrio determinado”, ou mesmo de um pessimismo prático

combinado com um otimismo metafísico. Outro elemento que confirmará a importância de se

buscar um temperamento mais equilibrado é a constatação de que cada vez mais os homens

buscam fatos — a ponto das “nossas crianças nascerem quase científicas” — mas, por outro

lado, de isso não ser suficiente para neutralizar a sua ânsia por religiosidade, já que o homem

de hoje “quer fatos, quer ciência, mas quer também religião” (P, p. 491).

Ora, uma vez constatado que a maior parte das pessoas não se encaixa unicamente em

um ou em outro temperamento, mas justamente tendem a misturar um pouco de cada, logo,

que tipo de filosofia é possível encontrar e que não esteja nem totalmente de um lado nem de

constatar com frequência e também porque “ajudará no [seu] propósito ulterior de caracterização do

pragmatismo” (cf. P, p. 490).

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42

outro? James dirá que não há essa filosofia, pois, ou encontramos “uma filosofia empírica que

não é suficientemente religiosa” ou “uma filosofia religiosa que não é suficientemente

empírica”, quando o que a maior parte dos homens procura é uma filosofia em que se exercite

excelsas abstrações intelectuais, mas que também seja capaz de fazer conexões positivas com

o mundo atual. Dito em outras palavras e retomando os conceitos de racionalismo e

empirismo: ao olharmos para a História da Filosofia37, ou encontramos um empirismo não

humanista e irreligioso, ou encontramos um racionalismo que de fato é religioso, mas que se

mantém afastado dos fatos concretos (cf. P, p. 495).

Diante desse dilema encontrado na História da Filosofia38 é que James dirá que a sua

solução começa a aparecer. A filosofia que conseguirá levar em consideração os dois

temperamentos e colocá-los em equilíbrio, como é possível prever, é obviamente o

pragmatismo. Isso porque a filosofia pragmática, segundo James, conseguiria “permanecer

religiosa como os racionalistas, mas, ao mesmo tempo, como o empiristas, conseguiria

preservar a mais rica intimidade com os fatos” (P, p. 500-501). Assim James conclui a sua

primeira conferência, deixando para a seguinte a missão de explicar o que seria exatamente o

seu pragmatismo. Como esse é o principal interesse do presente capítulo, seguiremos com

James para a sua próxima conferência: “What Pragmatism means”.

3.3 O PRAGMATISMO COMO TEORIA DA VERDADE

James inicia a sua segunda conferência sobre pragmatismo contando a simpática

anedota do esquilo (cf. P, p. 505). Certa vez, quando nas montanhas, encontrou seus colegas

diante de uma intrigante disputa metafísica: havia um esquilo no tronco de uma árvore e um

homem, que, na tentativa de vê-lo, dava voltas em torno da mesma. Mas o esquilo fazia o

mesmo, o que impedia que o homem conseguisse vê-lo. Diante dessa situação, a pergunta era:

acaso o homem girava em torno do esquilo ou não? Estando o grupo com as opiniões

divididas, pediram para James se posicionar a fim de acabar com o empate. James, muito

sagazmente, recorreu ao adágio medieval que diz que onde há uma contradição é necessário

fazer uma distinção. A distinção que era necessária ser feita era em relação ao conceito de

37 Aqui faremos certa generalização, como James o faz, ao dividir a História da Filosofia apenas nestas duas

vertentes: empirista e racionalista, sem levar em conta as inúmeras correntes nela presente. Nesse sentido,

racionalismo e empirismo seriam menos duas correntes específicas da Filosofia do que temperamentos que

permeiam todos os pensamentos. 38 Não à toa o nome da conferência é “O presente dilema na Filosofia”.

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43

“girar em torno de”39: ora, se o “girar em torno do esquilo” se referia a fazer uma volta do

norte para o leste, do leste para o sul, do sul para o oeste, e novamente para o norte do esquilo

(em um movimento circular), então podemos dizer que o homem está, sim, girando em torno

do esquilo. Porém, se com “girar em torno do esquilo” quer-se dizer passar da frente para a

direita, da direita para trás, de trás para a esquerda, e novamente para frente, então não

podemos dizer que o homem girou em torno do esquilo.

Dessa forma, James mostrou que ambas as opiniões estavam certas a depender da

definição que se dava ao conceito de “girar em torno de”, uma vez que cada uma das

definições acarretam consequências práticas distintas. Com essa solução, a discussão

filosófica que a princípio não teria fim, finalmente é capaz de ter um desfecho. E esse é

justamente um dos objetivos do método pragmático: “a resolução de disputas metafísicas que

de outra forma seriam intermináveis” (P, p. 506). Assim, podemos concluir que a anedota

contada por James foi o seu primeiro exemplo de aplicação do método pragmático. Mais

adiante veremos outros exemplos menos triviais como, por exemplo, o problema da

constituição ontológica da realidade, o problema da liberdade, da unidade/multiplicidade, ou

mesmo o problema de Deus etc.

Fazendo uma crítica a grande parte da Filosofia, James mostrará como muitas

discussões acabam tornando-se insignificantes quando colocadas sob a ótica pragmática, isto

é, quando questionadas a respeito das suas consequências práticas: “Que diferença prática

haveria para alguém se essa noção ou aquela fosse verdadeira? Se não pode ser traçada

nenhuma diferença prática, então as alternativas significam praticamente a mesma coisa e,

logo, toda a disputa é vã”. E em outra passagem: “Em que sentido o mundo seria diferente se

essa alternativa ou aquela fossem verdadeiras? Se eu não consigo encontrar nada que seja

diferente, então a alternativa não tem sentido” (P, pp. 506-507). Essas duas considerações

expressam a postura que todo pragmatista deveria ter diante dos problemas (ou “pretensos-

problemas”, como Peirce fala40) que se lhe apresentam.

Note que em ambas as citações acima há referência ao “verdadeiro”. De fato, para

James, o pragmatismo tem uma estreita relação com a verdade. Na segunda conferência (cf.

(P, p. 505ss) ele pontua dois objetivos do pragmatismo: o primeiro é que ele seja um método

(cf. P, p. 515). Isso porque, assim como Peirce, James não considerava o pragmatismo uma

39 Em inglês, “going round”. 40 Cf. CP 8.259.

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doutrina com fim em si mesma, mas sim um método que guia na “trilha da verdade” (cf.

WAAL, 2007, p. 61): “estou interessado em outra doutrina filosófica, à qual dei o nome de

empirismo radical41, e me parece que o estabelecimento da teoria pragmática da verdade é um

passo de importância capital para fazer o empirismo radical prevalecer” (MT, p. 826).

O pragmatismo, concebido como método, não pretende responder àquelas questões a

respeito de uma explicação última da realidade e do conhecimento. Essa tarefa

caberá ao empirismo radical. O método pragmático concebido por James, a partir da

sua interpretação da máxima de Peirce, pretende fornecer a disposição correta de

como avaliar o sentido último da experiência” (RAZZO, 2013, p. 63).

O segundo objetivo é que o pragmatismo seja uma teoria da verdade. Como vimos na

citação acima, ele fala em “teoria pragmática da verdade”. Para esse tema, James dedicou uma

conferência inteira da série Pragmatism, cujo nome é “Pragmatism’s conception of Truth”.

Sobre ela iremos nos debruçar neste momento.

É fácil concordar com a definição básica de dicionário que diz que a “verdade é a

propriedade daquelas nossas ideias que estão em concordância com a realidade”. Mas é

provável que a discussão facilmente surja quando for necessário definir o que significa essa

concordância com a realidade. James dirá que será justamente esse o embate entre

pragmatistas e intelectualistas42. Os racionalistas dirão que a verdade é uma concordância

estável com a realidade, que fornece uma resposta satisfatória e dá um estável equilíbrio

epistemológico, uma vez que determinada ideia seria a precisa cópia da realidade, e a

realidade, por sua vez, seria algo já completo e acabado desde toda a eternidade.

Já os pragmatistas não se contentarão com uma verdade “estática”. A veracidade de

cada conceito dependeria da resposta àquela pergunta que já vimos anteriormente: “que

diferença concreta tal ideia fará na vida de alguém se for tomada por verdadeira? Que

experiências seriam diferentes se a mesma ideia fosse falsa?” (cf. P, p. 573). No fundo, com

essas perguntas o que se faz é aplicar a máxima pragmática à própria noção de verdade: essa

41 O empirismo radical é a doutrina sobre a qual James apoia a sua postura filosófica de considerar legítimo

somente fatos advindos da experiência. Em suas palavras, “as únicas coisas que devem ser debatíveis entre os

filósofos devem ser as coisas definíveis em termos derivados da experiência” (prefácio ao “The meaning of

Truth”, MT, p. 823ss). Para um maior aprofundamento sobre a doutrina do empirismo radical de James, cf.

JAMES, W. “Essays in Radical Empirism”, W-II. 42 Por “intelectualistas”, James quer fazer referência àqueles que não partem de fatos, mas sim de teorias. Nesse

sentido, os intelectualistas estariam bem mais próximos do temperamento racionalista do que do empirista.

Inclusive no decorrer da conferência, James irá variar entre um termo e outro. Optamos por usar, daqui para

frente, o termo “racionalistas”.

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45

é, em pouca palavras, a “teoria pragmática da verdade”. Com ela, pretende-se descobrir aquilo

que James chama de cash-value, isto é, o “valor de caixa” de certa ideia: dependendo das

consequências que certa ideia acarreta (isso seria o seu “valor de caixa”), então podemos dizer

a sua verdade ou falsidade.

Ideias verdadeiras são aquelas que nós podemos assimilar, validar, corroborar e

verificar. Falsas ideias são aquelas que não podemos. [...] Essa tese é a que eu tenho

de defender. A verdade de uma ideia não é uma propriedade estática inerente a ela.

A verdade acontece a uma ideia. Ela torna-se verdadeira, é feita verdadeira pelos

eventos. A sua veracidade é de fato um evento, um processo: o processo, a saber, da

sua própria veri-ficação. A sua vali-dade é o processo da sua validação. (P, p. 573,

grifos nossos)

Percebemos facilmente como essa concepção de verdade é muito mais ampla do que

aquela clássica dos racionalistas. Essa forma de pensar, no entanto, não é inédita de James.

Em um âmbito micro, digamos assim, podemos pensar em Peirce, que de alguma forma

compartilhava essa ideia de que a verdade não é algo absoluto e estático43; e em um âmbito

macro, podemos pensar na própria história da Ciência44, que com o tempo foi tendendo para

essa forma de pensar: com os seus contínuos erros e acertos, muitos cientistas começaram a

43 A própria teoria evolucionista de Peirce quer mostrar isso. Em poucas palavras, o Evolucionismo de Peirce

seria a teoria de que o cosmos está sim sujeito a leis e possui certa regularidade, e isto é devido à fundamental lei

de aquisição de hábitos presente no cosmos desde a sua origem. No entanto, há um elemento de puro acaso que

também interfere no mundo e é ele o princípio de tudo o que há de irregular e único. A presença desses dois

elementos opostos no mundo se faz possível através de uma única explicação: a natureza (e também as leis, a

ciência, o nosso conhecimento, o cosmos...) está num constante processo de evolução; ela possui leis – e isso é

natural e necessário para que não se torne caótica - mas leis que a qualquer momento podem falhar, em prol do

crescimento e da evolução do cosmos. E é por isso que “nenhuma lei é absoluta” (CP 6.101). 44 Chalmers (1993) nos dá um exemplo muito ilustrativo e clássico da história da Ciência que nos mostra como o

conhecimento científico não é tão seguro e absoluto quanto se pensa. O exemplo de Chalmers retoma o

progresso da Física, passando por Aristóteles e Newton até chegar a Einstein: “A física aristotélica foi até certo

ponto bastante bem-sucedida. Ela podia explicar uma ampla gama de fenômenos. Podia explicar por que objetos

pesados caem no chão (procurando seu lugar no centro do universo), podia explicar a ação do sifão e da bomba

de elevação, e assim por diante. Mas, de fato, a teoria aristotélica foi falsificada de várias maneiras. [...] A física

de Newton, contudo, [...] era uma teoria superior que ultrapassou a de Aristóteles. A teoria de Newton podia

explicar a queda de objetos, o funcionamento de sifões e bombas de elevação, qualquer outra coisa que a teoria

de Aristóteles podia explicar e, ainda, os fenômenos que eram problemáticos para os aristotélicos e, de

acréscimo, ainda podia explicar fenômenos que não haviam sido tocados por Aristóteles. [...] Por dois séculos a

teoria de Newton foi falsificada de diversas maneiras. [...] Os físicos enfrentavam, então, problemas desafiadores

na passagem do século XX, problemas que clamavam por novas hipóteses especulativas projetadas para superá-

los de uma forma progressiva. Einstein foi capaz de aceitar este desafio. Sua teoria da relatividade foi capaz de

explicar fenômenos que falsificaram a teoria de Newton, além de produzir a previsão de novos fenômenos

espetaculares. [...] A falsificação da teoria de Einstein permanece um desafio para os físicos modernos. Seu

eventual sucesso assinalaria um novo passo na direção do progresso da física.” (CHALMERS, 1993, p.74-75).

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46

rejeitar essa noção de ciência como uma descrição correta e infalível da realidade. As teorias,

nesse contexto, passaram a ser menos uma cópia ou uma descrição fiel da realidade do que

meros instrumentos para melhor compreendê-la. Isso é o que ficou conhecido como “teoria

instrumental da verdade” (cf. P, p. 508).

Segundo essa teoria, a verdade não poderia ser aquela descrição exata e infalível da

realidade que os racionalistas propunham, pois a própria natureza da mente humana, finita

como é, não seria capaz de abarcar o todo da realidade, com todas as suas leis e regras de

funcionamento. O problema é que os homens, ao fazerem grandes descobertas, “ficaram tão

arrebatados pela clareza, beleza e simplicidade daí resultantes, que acreditaram ter decifrado

autenticamente os pensamentos eternos do Todo-Poderoso” (P, p. 511). Quando, de fato, cada

grande descoberta não passava (e não passa) de algo que logo mais pode ser substituído por

uma nova descoberta. Sob essa ótica, as teorias tornam-se instrumentos através do quais

podemos dizer algo da realidade, mas não exauri-la. E não apenas isso, mas instrumentos

enquanto ligam uma experiência a outra, tornando-se assim, úteis e verdadeiras. Essa é

exatamente a condição para que uma teoria ou ideia seja considerada verdadeira: ao ligar uma

experiência a outra, fazendo alguma diferença para o sujeito que nela crê, ela será, então,

“verdadeira em toda a sua extensão, verdadeira instrumentalmente” (P, p. 512). Assim define

James: “As ideias tornam-se verdadeiras na medida em que nos ajudam a manter relações

satisfatórias com outras partes de nossa experiência” (Ibidem).

Note que James novamente fala que as ideias “tornam-se verdadeiras”. Isso nos faz

ver como a sua concepção de verdade está muito mais ligada a um atributo das ideias do que

da própria realidade. Para James, a verdade pode sim ser considerada uma “concordância”

com a realidade, conforme vimos no início desse tópico, porém, é preciso que se entenda bem

o que significa essa concordância. A concordância de determinada ideia com a realidade

depende do contexto em que está inserida. Para isso, James dá exemplos da história da

Ciência, onde a astronomia ptolomaica, o espaço euclidiano e a lógica aristotélica, por

exemplo, foram por muito tempo aceitas, mas agora, com as novas teorias, ficaram obsoletas.

Assim, é possível dizer que elas são apenas “relativamente verdadeiras ou verdadeiras no

interior dos limites de experiência. ‘Absolutamente’ elas são falsas; pois sabemos que aqueles

limites eram casuais, e podiam ter sido transcendidos por teóricos do passado assim como

foram por pensadores do presente”45.

45 P, p. 107 apud PUTNAM, 2010, p.226

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47

Como fica claro, essa explicação em nada se assemelha à ideia que normalmente se

faz de James de que algo é verdadeiro quando conveniente46. Pensar assim seria tornar a

verdade algo necessariamente subjetivo, já que esta dependeria unicamente da deliberação do

sujeito em dizer se algo é verdadeiro ou não. O que James de fato defende é que “nossas

ideias devem concordar com as realidades, sejam elas concretas ou abstratas, fatos ou

princípios” (P, p. 578). Ou seja, para dizer se uma ideia é verdadeira, é necessário que ela

venha a concordar com a realidade (ainda que seja uma concordância apenas provisória,

restrita a um determinado momento da história), e isso podemos afirmar quando constatamos

que ela mantém relações satisfatórias com outras partes da nossa experiência.

Ele chegou à conclusão de que as crenças não “concordam com a realidade” (de

modo não observável) independentemente de se elas são verificadas, mas, em vez

disso, vêm a concordar com a realidade à medida em que as relações conjuntivas

em questão passam a existir. Daí a doutrina de que “a verdade acontece a uma

ideia”! (PUTNAM, 2010, p. 227)

É por isso que no pensamento de James a experiência desempenha um papel tão

importante. Diferente dos racionalistas que partem de princípios e conceitos abstratos, um

empirista (“radical”) como James só aceitará dados que advierem da experiência e, a partir

desses dados, é que a mente chegará às ideias, que não são uma cópia da experiência, mas sim

aquilo que relaciona as partes da experiência. E aqui voltamos àquela definição supracitada

que diz que “as ideias tornam-se verdadeiras na medida em que nos ajudam a manter relações

satisfatórias com outras partes de nossa experiência” (P, p. 512, grifos nossos). Assim torna-

se mais clara a ideia de verdade como instrumento, como mediadora, pois será a ideia

verdadeira que fará a mediação entre as expectativas do sujeito e a própria realidade que se

apresenta (cf. RAZZO, 2013, p. 85).

Nesse sentido, a verdade não se encontraria propriamente nos fatos, mas sim nas

proposições referidas a eles: “Os fatos, em si mesmos, não são verdadeiros. Eles

simplesmente são. Verdade é a função das crenças que começam e terminam entre eles” (P, p.

581). Daí a ideia de que a verdade iria se construindo no decorrer do tempo, de que “a

verdade é feita no curso da experiência” (P, p. 581).

46 James criticará aqueles que dizem que os pragmatistas “são pessoas que pensam que, dizendo qualquer coisa

que você ache prazeroso dizer e chamando isso de verdade, assim você realizou plenamente o anseio

pragmatista.” (P, p. 588)

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[...] o que é verdadeiro é a proposição que enuncia um fato, não o próprio fato. A

existência de Júlio César em um período determinado da história não pode dizer-se

propriamente verdadeira; mas a afirmação de que ele existiu é verdadeira, enquanto

que a afirmação de ele não existiu é falsa. Ao mesmo tempo, a afirmação de que

Júlio César existiu não é dita verdadeira em virtude dos significados dos símbolos

ou das palavras empregadas na afirmação, mas sim em virtude da relação de

correspondência com a realidade do fato. (COPLESTON, 2000, p. 325)

Por isso, conforme os fatos forem exigindo uma nova correspondência, algo que era

verdadeiro no passado pode vir a tornar-se falso no presente e exigirá do homem uma

formulação atualizada da verdade, que corresponda corretamente à realidade como então se

mostra. É o que James chamou de processo de verificação: para que uma ideia seja tomada

por verdadeira é preciso que ela seja verificada e validada. E o que isso significa? Significa

que a ideia, para ser verdadeira, deve ter consequências práticas, que só aparecem quando a

ideia concorda com a realidade e, assim, nos conduz aos atos e a outras ideias. Essas conexões

entre a ideia verdadeira, o agir e as outras ideias tendem a ser progressivas, harmoniosas e

satisfatórias; e justamente esse processo harmonioso e agradável é o que James chama de

verificação (cf. P, p. 573). Daí a conhecida citação jamesiana que diz que “verdadeiras ideias

são aquelas que podemos assimilar, validar, corroborar e verificar. Falsas ideias são aquelas

que não podemos.” (P, p. 573)

Quanto às ideias de que a verdade muda no decorrer do tempo, um ponto importante

para se fazer notar é que, para James, a própria natureza da realidade não se encontra pronta e

completa (ready-made) desde toda a eternidade, como os racionalistas acreditam, mas sim é

algo que está constantemente fazendo-se e aperfeiçoando-se. Isso está relacionado com o que

James chamou de “pragmatismo pluralista”, no qual “a verdade cresce dentro de todas as

experiências”47. Como Waal destaca: “As velhas verdades não são permanentes, como os

racionalistas alegam, mas mudam no tempo diante de novas experiências. Verdades são

equilíbrios temporários no processo de aprender” (WAAL, 2007, p. 73). Nesse sentido, a

47 Guardadas as devidas divergências (que não são poucas), essa ideia de James faz lembrar a doutrina do

indeterminismo ontológico de Peirce, que também diz que o universo está em constante mudança e

aperfeiçoamento, pois está sujeito à ação ontológica do acaso. Dessa forma, também as leis que formulamos

sobre as coisas estariam sujeitas a desvios, à falibilidade (essa doutrina de Peirce é conhecida como

“Falibilismo”) e, por isso, algo que é verdadeiro hoje pode não o ser amanhã, pois as leis são passíveis de

falharem. Esse traço epistemológico existe porque o elemento ontológico do acaso é real. Assim, haveria no

mundo um movimento que vai do caótico nada a um kosmos noëtos ordenado, que se deixa conhecer (Cf.

“Fallibilism, Continuity and Evolution” in CP 1. 141-175 e IBRI, 1992, p. 39-54, cap. 3: “O Indeterminismo

Ontológico e a Matriz Evolucionista”).

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verdade seria fluida, pois espera ser moldada, como um bloco de mármore que pode esculpido

de várias formas, a depender daquele que o esculpe. “Lemos os mesmos fatos de formas

diferentes” (P, p. 594), e isso vai depender das consequências que eles trarão para cada um.

Assim podemos compreender em que sentido a teoria pragmática de James é uma

teoria da verdade e, para esse fim, aplicamos a própria máxima pragmática à noção de

verdade. Mas há outros exemplos de aplicação da máxima que ajudam a esclarecer mais o

pragmatismo proposto por James. O próprio James dedicou algumas das suas conferências de

1907 para mostrar exemplos de questões analisadas sob o olhar pragmático, como, por

exemplo, a questão do monismo e do pluralismo48, da religião49, do senso-comum50, o

problema da substância, do “desígnio” da natureza e da liberdade51. Para todas essas questões,

embasado nas principais escolas filosóficas que trataram de cada tema e tendo em conta a

particularidade de cada uma, James, por fim, acaba abordando-as pragmaticamente, aplicando

sempre a mesma “pergunta-chave”: que diferença prática haverá caso uma ideia ou outra —

normalmente oposta — seja tomada por verdadeira?

Segundo James, fazer essa pergunta pragmática nos faria passar do vago para o

definido, do abstrato para o concreto. Isso nos ajudaria a deixar a questão mais clara e,

consequentemente, a evitar discussões filosóficas intermináveis — que, na maior parte das

vezes, surgem devido aos distintos temperamentos dos seus debatedores. Essa seria uma

forma de desvencilhar os debatedores de formas de pensar pré-concebidas, uma vez que o

método pragmático traria um critério objetivo a partir do qual analisar a questão, a saber: os

efeitos que tal teoria, uma vez acatada, traria. Assim voltamos ao que foi visto no início do

capítulo: o pragmatismo como um equilíbrio entre os temperamentos, que consegue colocar

um fim a disputas filosóficas que de outra forma seriam intermináveis.

48 P, Lecture IV: “The one and the many”, p. 541-557. 49 P, Lecture VIII: “Pragmatism and Religion”, p. 606-619. Pode parecer um pouco inusitado um pragmatista

falar de religião, já que, em um primeiro momento, essa corrente pode parecer avessa a questões metafísicas;

mas James mostra que não. Na sua concepção, a religião é plenamente compatível com o pragmatismo, uma vez

que, se ideias teológicas provarem ter um valor para a vida concreta, não há por que desconsiderá-las. “Nossa

estima pelos fatos não nos neutraliza de toda religiosidade. É ela própria quase religiosa [...]. Ele [um “homem

pragmático”] quer fatos, quer ciência, quer também, porém, uma religião” (P, p. 492). Em outras palavras, sua

doutrina quer resolver o embate entre “uma filosofia empírica que não é bastante religiosa e uma filosofia

religiosa que não é bastante empírica” (P, p. 492). 50 P, Lecture IV: “Pragmatism and Common Sense”, p. 558-571. 51 Esses últimos encontram-se na terceira conferência: P, Lecture III: “Some Metaphysical problems

pragmatically considered”, p. 523-540.

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50

3.4. O NOMINALISMO DE JAMES

Tendo por base tudo o que foi visto até aqui, gostaríamos de entrar agora em um ponto

que será essencial para a discussão do próximo capítulo, a saber, o nominalismo de James. No

segundo capítulo, pudemos constatar que Peirce é um realista, e vimos que este foi um

elemento que afetou diretamente a forma como ele concebeu o pragmatismo. Neste item,

queremos fundamentar o posicionamento de James nesse quesito, já que isso também terá

relevantes consequências no seu pragmatismo. Dissemos “fundamentar” e não “descobrir”,

porque já partiremos do pressuposto de que James de fato tende para o nominalismo mais do

que para o realismo — como Haack confirma: “Enquanto Peirce era um realista, James estava

inclinado para o nominalismo” (HAACK, 2002, p. 141). Isso podemos constatar não apenas a

partir dos seus comentadores, mas explícita e principalmente a partir dos seus próprios

escritos, como nesta passagem em que diz: “[O pragmatismo] concorda com o nominalismo

ao sempre apelar para os particulares” (P, p. 510).

Comecemos, então, dessa mesma frase de James. Nela encontramos a razão principal

do pensamento de James ser considerado nominalista: o fato de “apelar para os particulares”.

Como foi possível constatar no decorrer do capítulo, James rechaçava qualquer sombra de

forma de pensar racionalista, que se afastasse completamente da realidade por tratar de

questões estritamente metafísicas e abstratas que, de tão distantes, não afetassem a vida52. Por

isso, reelaborou a máxima pragmática, primeiramente enunciada por Peirce, enfatizando a

importância dos efeitos particulares que determinada ideia tem sobre a experiência do

indivíduo que nela crê: “James estava totalmente ciente do seu nominalismo e o considerava

uma coisa boa. James considerava que o requisito de que o significado esteja relacionado a

52 Quanto a esse seu incômodo com a drástica separação que se costuma fazer entre a teoria (e aqui ele fala

especificamente da Filosofia) e a vida, há este simpático relato que faz transparecer bem a inconformidade de

James: “Quisera ter poupado as primeiras páginas de uma tese que um estudante me passou às mãos um ano

atrás. Ilustravam meu ponto tão claramente que tenho pena de não poder lê-las agora. Esse jovem, formado por

alguma faculdade do oeste, começava dizendo que tinha tido sempre como certo o fato de que, quando se entra

em uma classe de Filosofia, tem-se que estreitar relações com um universo inteiramente distinto daquele que se

deixou lá atrás na rua. Supunha-se que os dois [universos], disse, tinham tão poucas relações um com o outro,

que não se podia possivelmente ocupar o espírito com eles ao mesmo tempo. O mundo de experiências pessoais

concretas ao qual a rua pertence é heterogêneo, além da imaginação, enredado, obscuro, doloroso e enigmático.

O mundo ao qual o professor de Filosofia o introduz é simples, claro e nobre. As contradições da vida real

acham-se ausentes dele. Sua arquitetura é clássica. Os princípios da razão traçam os seus delineamentos, as

necessidades lógicas cimentam suas partes. A pureza e a dignidade são o que mais expressa. É uma espécie de

templo de mármore brilhando no alto da colina [...]. O refinamento tem o seu lugar, é bem verdade. Mas uma

filosofia que nada transpira, a não ser refinamento, jamais satisfará o temperamento empírico. Parece, antes, um

monumento de artificialidade” (P, p.495-496).

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51

experiências particulares uma importante salvaguarda para evitar o abuso dos velhos

metafísicos” (WAAL, 2007, p. 62).

Aplicar a máxima a experiências particulares seria uma forma de escapar da

concepção de mundo realista que se pauta nos gerais, para ir ao encontro de uma concepção

nominalista, onde o que de fato importa são os particulares, pois apenas eles constituem a

realidade; aquilo que a ele se refere são apenas abstrações, são nomes53. Vejamos uma das

versões dadas por James à máxima pragmática, atentos à maneira como ele faz essa

abordagem nominalista:

Para nós, o teste último de o que uma verdade significa é, certamente, a conduta que

dita ou inspira. Mas ela inspira aquela conduta porque prediz alguma virada

particular à nossa experiência, que nos deve invocar, a nós, exatamente, aquela

conduta (P, p. 348).

“[...] prediz alguma virada particular à nossa experiência”. James deixa muito claro

que, para que uma ideia seja considerada verdadeira, é necessário que ela afete de alguma

forma a conduta particular daquele que nela crê. Assim, as ditas “consequências práticas” de

determinada ideia não seriam referentes aos efeitos que poderiam acontecer num futuro para

um indivíduo, “num geral”, formando assim um padrão ou um hábito, mas sim aos efeitos que

acarretaria em um indivíduo em particular. Um exemplo seria o da transubstanciação54. Para

James, o fato de não haver uma mudança sensível no pão e no vinho não significa que não

haja ali um “valor pragmático”, visto que, se houver consequências práticas para aquele que

acredita, se o fato de ele crer afetar de alguma forma a sua conduta, então não há motivos para

dizer que não há uma verdade aí. Mas ela só será válida, James reforça, para aqueles que de

fato acreditam (cf. P, p. 524).

Da mesma forma, quando ele falar de religião, na oitava e última conferência do

compilado Pragmatism, dirá que “se a hipótese de Deus funcionar satisfatoriamente [...], ela é

verdadeira”. Para James, o pragmatismo muitas vezes pode até se confundir com o

temperamento empirista — como vimos no início deste capítulo — pelo fato de voltar-se para

o mundo empírico, para os fatos; porém, nesta conferência ele mostra em que ponto o

pragmatismo afasta-se do extremo empirista, indo em direção ao outro extremo racionalista,

53 No quarto capítulo, o nominalismo será exposto de forma mais aprofundada. 54 A transubstanciação refere-se ao processo pelo qual os católicos creem que a substância do pão torna-se Corpo

[de Cristo] e o vinho torna-se Sangue. Pelo fato de haver mudança apenas na substância e não no acidente, o pão

e o vinho permaneceriam aparentemente inalteráveis.

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52

resultando, assim, no equilíbrio pragmatista, que era o seu objetivo: o ponto é justamente

quando trata da religiosidade. Para ele, o homem tem essa necessidade: “ele quer fatos, quer

ciência, quer também, porém, uma religião” (P, p. 492), mas não uma religião dogmática,

com princípios absolutos e rijos — essa é a religião do racionalista —, mas sim uma religião

“pluralista”55.

Se você não é nem duro (tough) nem terno (tender) em um sentido extremo ou

radical, mas uma mistura como a maioria de nós somos, parecerá a você que o tipo

de religião pluralista e moralista que eu ofereci é uma boa síntese religiosa como

você gostaria de encontrar. Entre os dois extremos do naturalismo cru, de um lado, e

do absolutismo transcendental de outro, você vai perceber que o que eu tomei a

liberdade de chamar de tipo teísta pragmatista e meliorista é exatamente o que você

procura. (P, p. 619)

As consequências de uma crença religiosa na vida de um homem são notáveis. Ela, de

fato, dita e inspira a sua conduta, ela “prediz alguma virada particular à [sua] experiência” (P,

p. 348), e por isso é digna de ser considerada verdadeira para aquele homem que nela crê.

Esse exemplo da religião consegue arrematar todos os outros pontos que vimos acerca do

pensamento de James no decorrer desse capítulo. Façamos uma breve retrospectiva

utilizando-nos desse exemplo, a fim de assentar bem os conceitos jamesianos e, assim,

adentrarmos mais seguramente o próximo capítulo, que se dedicará aos confrontos entre os

pensamentos de Peirce e James.

A noção pluralista de religião, para James, seria um meio-termo entre os

temperamentos racionalista e o empirista — daí essa ser a opção do “homem pragmático”.

Uma vez esse homem, verificando na sua experiência particular a influência dessa crença

religiosa, já que a sua conduta foi afetada, não haveria por que não tomá-la por verdadeira

(daí a noção pragmática da verdade), ela tornou-se verdadeira para esse sujeito que nela crê,

ainda que para outros ela não o seja. Uma frase do próprio James que julgamos sintetizar de

uma forma simples tudo o que foi visto — e por aqui concluímos o terceiro capítulo — é a

seguinte: “Segundo os princípios pragmáticos, não podemos rejeitar nenhuma hipótese se dela

emanarem consequências úteis para a vida” (P, p. 606). Esse é o pragmatismo jamesiano.

55 Seria demasiado simplista dizer que a noção de religião que James desenvolveu se reduz a isso. James tem

toda uma teoria acerca da experiência religiosa, mas aqui queremos deixar claro que gostaríamos apenas de

ilustrar com um exemplo a ideia de verdade aplicada a experiências particulares. Para um maior aprofundamento

no assunto, conferir uma das conferências das Gifford Lectures, chamada “The varieties of religious experience”

e a oitava conferência do Pragmatism, entitulada “Pragmatism and religion” (P, pp. 606–619).

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53

CAPÍTULO IV — ALGUNS CONFRONTOS ENTRE OS PRAGMATISMOS DE PEIRCE E JAMES

O que entende você por pragmatismo?

(CP 8.249)

A pergunta que leva o título deste trabalho — e agora também da epígrafe deste último

capítulo — foi feita por Peirce, como vimos anteriormente, em uma carta endereçada a James

datada de 10 de novembro de 1900. Julgamos interessante dar-lhe um destaque porque, além

de mostrar a relação próxima que os autores tinham entre si, ela também demonstra qual a

disposição investigativa que nós, enquanto pesquisadores, temos para com Peirce e James no

decorrer desse estudo. Isso porque estamos em busca de compreender o que cada um desses

autores entende por pragmatismo, para então encontrarmos possíveis pontos de convergência

e divergência entre eles — tomando o máximo de cuidado para não cair em generalizações

precipitadas e injustas. Neste quarto e último capítulo, após tomarmos contato com o

pensamento de cada autor, buscaremos fazer esses confrontos.

Com o percurso feito até aqui, o leitor já poderá intuir alguns possíveis pontos onde as

doutrinas de Peirce e James se aproximam e outros onde se distanciam. Esses últimos nos

parecem ser menos evidentes, mas de suma importância, inclusive para que cada autor seja

compreendido corretamente — apesar de sabermos que uma compreensão inequívoca e

perfeitamente de acordo com a sua origem é quase impossível. Por isso optamos por dar

ênfase, na maior parte deste capítulo, para os elementos de divergência entre os autores. Mas,

para que a leitura não fique demasiado negativa, dedicaremos este primeiro momento para

pincelar alguns pontos de convergência — mesmo porque, seria no mínimo injusto tratarmos

de doutrinas que tiveram a mesma origem e levam o mesmo nome, sem falarmos dos seus

pontos em comum. Então, vejamos essa primeira parte.

Page 54: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP Luciano... · Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC/SP Vanessa Luciano Pozzoli “O que entende você por

54

4.1. PONTOS DE CONVERGÊNCIA

Que haja semelhanças entre os pragmatismos de Peirce e James é inegável. O fato de

levarem o mesmo nome56 e partilharem a mesma seção nos livros de História da Filosofia,

obviamente, já nos diz algo. O nome “pragmatismo”; o fato de terem sofrido a mesma

influência das discussões feitas no Metaphysical Club; o fato de tomarem como ponto de

partida a mesma máxima pragmática e, a partir dela, darem especial importância para a

função que as “consequências práticas” exercem para a determinação do significado de um

conceito; essas são as semelhanças mais evidentes, que dispensam maiores

desenvolvimentos57.

Outro ponto notável de convergência é o fato de ambos os autores colocarem como

sendo um dos objetivos do pragmatismo o fim de disputas filosóficas meramente verbais que

a princípio seriam intermináveis; como James diz nessa passagem: “o método pragmático é,

antes de tudo, um método de resolução de disputas metafísicas que de outra forma seriam

intermináveis” (P, p. 506). E Peirce, ao dizer que “as hipóteses que a máxima admitir, todos

os filósofos estarão de acordo com que sejam admitidas” (CP 5.196), faz com que o

pragmatismo “mostre que supostos problemas não são problemas reais” (CP 8.259) e, assim,

ele seria capaz de colocar um fim nessas discussões meramente verbais58. Dessa forma

podemos concluir que “os pragmatistas concordam que estão recomendando uma técnica ou

método para esclarecer palavras, conceitos, pensamentos, ideias, hipóteses e assim por diante”

(HOOKWAY, 2010, p. 193).

Alguns outros pontos em comum foram enumerados por Nubiola e Redondo. Esses

são, ao mesmo tempo, genéricos e específicos. Genéricos, pois referem-se não apenas ao

pragmatismo de Peirce e James, mas também às doutrinas de todos os outros filósofos que se

debruçaram sobre o tema. E específicos, porque não são generalistas: põem em relevo 56 Apesar de termos visto no primeiro capítulo (cf. item 1.1 “Considerações sobre a origem do pragmatismo”)

que nem Peirce nem James estavam satisfeitos com tal nome. Também não estamos considerando a posterior

mudança de Peirce, que passou a usar o termo “pragmaticismo”. 57 Para um maior aprofundamento em relações mais específicas entre Peirce e James, conferir: HOOKWAY,

Christopher. Princípios lógicos e atitudes filosóficas: a resposta de Peirce ao pragmatismo de James. In:

PUTNAN, Ruth Anna (org.). William James. São Paulo: Ideias & Letras, 2010. MADDEN, Edward H.,

“Discussing James and Peirce with Meyers”. In: Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol. 25, n. 2, pp.

123-148, (Spring, 1989); MEYERS, Robert G. “The Roots of Pragmatism: Madden on James and Peirce”. In:

Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol. 25, n. 2, pp. 85-121, (Spring, 1989). WOELL, John W.

Peirce, James and a Pragmatic Philosophy of Religion. Continuum London: Studies in American Philosophy. p.

224, 2012. WAAL, Cornelis. Sobre pragmatismo. Trad. Cassiano Terra Rodrigues. São Paulo: Loyola, 2007. 58 Ambos os posicionamentos foram vistos e desenvolvidos no segundo (item 2.1 “O pragmatismo como máxima

lógica” – Peirce) e terceiro (item 3.3 “O pragmatismo como teoria da verdade” – James) capítulos.

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55

elementos próprios do pragmatismo, passíveis de muitos aprofundamentos. Assim eles

descrevem:

Apesar de podermos identificar tantos pragmatismos quantos filósofos pragmatistas,

todos eles compartilham certa “familiaridade” (aire de família). Entre essas

características vagamente compartilhadas, poderíamos destacar: a) a rejeição à

Filosofia moderna, encarnada de modo prototípico na figura de Descartes; b) a

negação dos dualismos próprios da modernidade (sujeito/objeto, mente/matéria,

meios/fins, indivíduo/comunidade, etc.) como dicotomias reais; c) o impacto do

evolucionismo e a aceitação de um universo potencialmente indeterminado; d) a

extensão do espírito científico a outras ordens da experiência, tais como a ética e a

política; e) o falibilismo e o meliorismo como atitudes opostas ao ceticismo e ao

quietismo; f) o pluralismo epistemológico; g) a investigação científica como

empresa cooperativa e social; h) o estilo democrático de vida; e i) a ação humana

como conduta teleológica orientada a fins. (NUBIOLA, J.; REDONDO, 2010, p.

929-930)

Seria possível escrever uma dissertação inteira sobre cada um desses itens, mas aqui

não vem ao caso tal aprofundamento. Vamos nos deter apenas em alguns, nos quais julgamos

que os pensamentos de Peirce e James se encontram. Um primeiro é aquele que diz do

“impacto do evolucionismo e a aceitação de um universo potencialmente indeterminado”.

Como foi visto, o pragmatismo de Peirce está estreitamente ligado à ideia de um universo em

evolução59 e, portanto, indeterminado — essa indeterminação é a forma como a primeira

categoria fenomenológica, a primeiridade, se manifesta no mundo (cf. CP 1.141-175). Por

outro lado, em James, também há a ideia de que o universo tende a se aperfeiçoar e de que a

verdade sobre ele vai se fazendo no decorrer da história; por isso a importância do método

pragmático de fazer com que a verdade se adéque aos fatos60 (cf. P, p. 573). E aí estaria mais

um ponto de encontro entre os dois pensadores.

Outro item levantado por Nubiola e Redondo, que de alguma forma se relaciona com o

anterior, é o seguinte: “o falibilismo e o meliorismo como atitudes opostas ao ceticismo e ao

quietismo”. Tanto a postura falibilista, quando falamos de Peirce, quanto a meliorista, quando

falamos de ambos, são posturas que se opõem ao ceticismo e ao quietismo, no sentido de não

se conformarem com um sujeito passivo em relação ao mundo. Para ambos, em um universo

59 Sobre a relação entre pragmatismo e indeterminismo, retomar item 2.3 deste trabalho. 60 Retomar item 3.3 deste trabalho: “O pragmatismo como teoria da verdade”.

Page 56: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP Luciano... · Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC/SP Vanessa Luciano Pozzoli “O que entende você por

56

que se mostra em constante mudança61 e, portanto, que reclama ser conhecido e descoberto,

não cabe um sujeito cético e passivo, ao contrário, deve haver um sujeito que está

constantemente buscando conhecer sempre mais esse mundo. Claro que se formos adentrar o

desenvolvimento de cada um dos autores a respeito desse tema, chegaremos a consideráveis

divergências, mas o ponto em comum que aqui nos interessa é este de ambos apresentarem

um sujeito em constante busca por conhecer e “desvendar” o cosmos que o rodeia.

Um último item que diz muito de ambos os autores é o que aponta para “a extensão do

espírito científico a outras ordens da experiência”. Como também foi visto no início dos

capítulos II e III, tanto Peirce como James não tiveram a sua primeira formação na Filosofia:

Peirce era físico e matemático, e James era médico. Assim, a influência dessas áreas nos seus

pensamentos foi inevitável; em ambos encontramos uma preocupação com os fatos, com a

experiência, com os dados empíricos — algo muito característico do espírito científico. Essa

influência seria mais um ponto determinante para a proximidade entre os pragmatismos de

Peirce e James.

Com este breve apanhado de algumas características em comum nos pensamentos dos

autores62, estamos prontos para adentrar uma discussão acerca das suas divergências. Antes,

porém, gostaríamos de finalizar este primeiro momento com um curioso trecho de uma carta

datada de 16 de março de 1903, em que Peirce expressa o seu reconhecimento pela doutrina

desenvolvida por James63. Assim ele escreve: “Você é, dentre todos os meus amigos, quem

ilustra o pragmatismo na sua forma mais indispensável. Você é uma joia do pragmatismo”64

(L 224). Começamos o segundo momento deste capítulo com esse trecho para evidenciar

quão próxima era a relação entre Peirce e James. Mesmo quando nos depararmos com suas

61 No falibilismo, a ideia central é que o universo não está completo e, justamente por isso, o nosso

conhecimento acerca dele estaria sujeito à falibilidade. Como foi visto na nota 47 deste trabalho, esse traço

epistemológico existe porque o elemento ontológico do acaso é real (para um maior esclarecimento, cf. nota 31

deste trabalho; o artigo de Peirce “Fallibilism, Continuity and Evolution” in CP 1. 141-175, e também IBRI,

1992, p. 39-54, cap. 3: “O Indeterminismo Ontológico e a Matriz Evolucionista”). Já o meliorismo, em poucas

palavras, diz que o mundo tende a progredir e tornar-se melhor ao longo do tempo e, por isso, também estaria em

constante mudança. 62 Para uma discussão mais aprofundada e recente acerca dos pensamentos de Peirce e James, conferir:

MADDEN, Edward H., “Discussing James and Peirce with Meyers”. In: Transactions of the Charles S. Peirce

Society, vol. 25, n. 2, pp. 123-148, (Spring, 1989); e MEYERS, Robert G. “The Roots of Pragmatism: Madden

on James and Peirce”. In: Transactions of the Charles S. Peirce Society, vol. 25, n. 2, pp. 85-121, (Spring, 1989). 63 É importante ter presente que então Peirce ainda não tinha dado as suas “Conferências sobre Pragmatismo”

(1905), onde ele desenvolve mais a sua doutrina e, aí sim, distancia-se bastante de James. 64 Achamos que seria interessante reproduzir a frase tal como ela foi escrita por Peirce, em inglês: “You are of

all my friends the one who illustrates pragmatism in its most needful forms. You are a jewel of pragmatism.”

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57

diferenças, saberemos que estas nunca serão ofensivas, mas sim uma questão de divergência

acadêmica e de visão de mundo.

4.2. PONTOS DE DIVERGÊNCIA

Assim como nos pontos em que as doutrinas de Peirce e James se aproximam, também

nos pontos em que se afastam encontramos muitos elementos que poderiam ser levantados.

Passaremos por dois deles — que julgamos serem os principais —, sendo que daremos um

enfoque maior para o segundo, pois este nos parece ser aquele que está por trás de todos os

outros, pois toca em elementos que estão na base do pensamento de cada um dos autores.

O primeiro ponto refere-se justamente ao fato de James ampliar a aplicação da

máxima pragmática a certas questões metafísicas que Peirce não concorda, e por isso ele

criticará James por tal abordagem65. Conforme foi visto, James aplicou a máxima a várias

questões metafísicas, como a questão da liberdade e do determinismo, da substância do

mundo ser una ou múltipla, da religião; inclusive intitulou uma das suas conferências de

“Alguns problemas metafísicos pragmaticamente considerados” (Some Metaphysical

problems pragmatically considered, P, p. 523-540). Para Peirce, essa abordagem não é

adequada, uma vez que o pragmatismo está muito mais para a lógica do que para a metafísica;

está muito mais para esclarecer conceitos e evitar discussões desnecessárias do que para

resolver problemas abstratos.

65 É importante ter em conta que Peirce critica o fato de James aplicar a máxima pragmática a questões

“demasiado metafísicas”, no entanto, ele não acredita que a filosofia seja incompatível com a religião, uma vez

que também ele era um homem, de alguma forma, religioso: “Peirce teve fortes convicções religiosas. Esse

espírito religioso de Peirce está presente na sua filosofia, que é profundamente teísta. A ideia de Deus é uma

referência constante no seu pensamento. Peirce sempre destacou a unidade entre a ciência e a religião. O

verdadeiro método científico, para ele, não estava em contradição com a religião, ao contrário, existia uma

unidade subjacente entre ambos. Ao longo da vida, Peirce tratou de destacar essa unidade frente àqueles que

afirmavam que a ciência e a religião falavam linguagens distintas. Entre ambos os campos do saber não existia,

para Peirce, contradição, ao contrário, ele defendia que se apoiavam mutuamente, no que seria uma continuidade

de instinto, sentimento e razão. A ciência, sem as formas emotivas e experiências da religião, seria mero

cientificismo, uma teoria ineficaz e sem inspiração, e a religião sem ciência tornar-se-ia cega e incapaz de

crescimento. Peirce tratou inclusive de aplicar sua peculiar metodologia científica ao estudo da questão de Deus

e desenvolveu essa aplicação em um artigo de 1908 intitulado “Um argumento negligenciado em favor da

realidade de Deus” [A neglected argument for the reality of God; in CP 6.452-493]. [...] Para demonstrar a

realidade de Deus, segundo Peirce, será precisa uma peculiar combinação do processo de argumentação racional

e da vitalidade da experiência” (NUBIOLA, 2013, p. 36-37).

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58

Nesse sentido, para Peirce, a máxima pragmática funcionaria como um princípio

regulador da lógica que auxilia no esclarecimento de conceitos — como foi visto no item 2.1.

“O pragmatismo como máxima lógica” —, enquanto que para James, o pragmatismo

extrapolaria o campo da lógica. Seria, sim, uma nova teoria da verdade — como foi visto no

item 3.3. “O pragmatismo como teoria da verdade”—, na medida em que a verdade seria

aquilo que a experiência verifica e corrobora como tendo um valor prático (cash value) em

determinada circunstância, podendo mudar com o decorrer dos fatos. Sob esse ponto de vista,

questões metafísicas também poderiam ser abarcadas, uma vez que, na experiência, se elas

provarem ter um valor prático, não haveria motivo para desconsiderá-las, já que o

pragmatismo leva em conta justamente as consequências práticas que determinada crença

acarreta na conduta do indivíduo.

É por isso que Peirce irá reconhecer esse ponto de divergência — não só em relação a

James, mas também em relação a todos os outros pragmatistas da época, em especial Schiller

— como algo que os distanciava e o fazia ser alvo de crítica por parte deles, como ele mesmo

assume: “Do lado deles, uma das faltas que me podem atribuir é ter feito do pragmatismo uma

máxima lógica em vez de um sublime princípio de filosofia especulativa” (CP 6.18). Mesmo

nas suas conferências sobre pragmatismo, em 1905, onde Peirce irá fundamentar e provar a

sua doutrina, ele não volta atrás nesse ponto e sustenta até o fim o caráter lógico, segundo ele,

inerente à máxima. Aos que pensam como James nesse aspecto, Peirce dirá: “parece-me que

vocês todos têm uma sombra na retina mental que não deixa ver o que os outros veem e que

tornaria o pragmatismo mais claro” (CP 8.263).

Esse seria o primeiro ponto. E qual seria o segundo? Qual seria aquele que está por

trás de todos os outros e que é o ponto central dos confrontos possíveis entre Peirce e James?

Ora, no decorrer da pesquisa foram desenvolvidas algumas questões que — cremos —

apontaram para qual seria esse ponto, e que, podemos dizer, é o problema-chave da presente

investigação. Estamos nos referindo, como o próprio leitor pode intuir, à questão do realismo

de Peirce em contraposição ao nominalismo de James. É exatamente sobre esse dilema que

nos debruçaremos daqui em diante, contando com tudo o que foi visto até aqui e esperando

que o que virá possa deixar mais clara a relação que há entre os autores, pelo menos no que se

refere aos seus pragmatismos.

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59

4.2.1. REALISMO DE PEIRCE X NOMINALISMO DE JAMES

Conforme foi visto nos capítulos II e III, tanto Peirce quanto James declaram-se,

respectivamente, um realista e um nominalista. Vemos isso explicitamente nestas duas

passagens: “O autor do presente tratado [Peirce] é um realista scotista. [...] ele meramente

considera que o ponto da metafísica sobre o qual Scotus principalmente insistiu, e que desde

então tem sido negligenciado, é um ponto muito importante” (CP 4.50). E James: “[O

pragmatismo] concorda com o nominalismo ao sempre apelar para os particulares” (P, p.

510). Com essas duas declarações, tomamos por assumidas pelos próprios autores tais

classificações e, portanto, esperamos não correr o risco de cair em “rótulos” precipitados e

injustos. Dessa forma, prossigamos a análise, a fim de destrincharmos essa patente

divergência no pensamento dos autores.

Gostaríamos de começar com duas citações de estudiosos do pragmatismo que deixam

bem claro que a diferença mais elementar que há entre os pragmatismos de Peirce e James é

justamente essa questão da chamada “querela dos universais”, isto é, da oposição entre o

realismo de Peirce e o nominalismo de James. A primeira delas é de Christopher Hookway,

que diz: “Ele [Peirce] constantemente reforçava que a sua posição era distinta daquela de

James e Schiller; ele denunciou o nominalismo deles” (HOOKWAY, 1985, p. 234). E a

segunda é de Cornelis de Waal, que fez um estudo muito completo e acessível acerca da

corrente filosófica pragmática, passando pelos seus principais nomes e vertentes66. Assim ele

diz: “De fato, a interpretação realista de Peirce da máxima pragmática marca uma diferença

crucial entre seu pragmatismo e o de James” (WAAL, 2007, p. 53). Antes, porém, de vermos

como cada uma dessas vertentes, que são o realismo e o nominalismo, tomaram forma nas

filosofias de Peirce e James, veremos o que são cada uma delas e retomaremos de que

maneira elas são assimiladas pelos autores.

A questão da querela dos universais aparece na História da Filosofia desde a

Antiguidade, com Aristóteles, Porfírio e Boécio; mas é principalmente na Idade Média que ela

vem à tona com Abelardo, Tomás de Aquino e seus principais expoentes: Duns Scotus, como

principal representante do realismo, e Guilherme de Ockham, como principal representante do

nominalismo. Nesse embate, para além dos seus vários desdobramentos, a principal questão

66 Aqui referimo-nos à sua obra On pragmatism. Conferir nas referências: WAAL, 2007.

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60

ficou resumida nesta simples pergunta: “São os universais67 reais?”, ou seja, aquelas ideias

gerais — por exemplo, o conceito de homem, de cavalo, de cadeira... — designam realidades

em si mesmas ou são simples noções genéricas da linguagem? Possuem uma existência real

ou dependem do intelecto? Resumidamente, aqueles que respondessem que os universais são

realidades em si, esses eram considerados realistas, e os que respondessem que são meros

conceitos, ou seja, que os universais são apenas nomes referidos a particulares reais, esses

eram considerados nominalistas. Obviamente a questão não se restringiu apenas a esses dois

posicionamentos opostos, como em grande parte das questões filosóficas, mas deu abertura

para variadas opiniões, dos mais extremos aos moderados68.

Waal, porém, fará uma importante observação acerca desse debate, quando referido à

obra de Peirce. Ele dirá que, em Peirce, a questão da distinção entre as duas correntes não

dependerá da resposta que se dá à pergunta “Os universais são reais?”, mas sim dependerá do

que se concebe como sendo “real”.

Depois de notar que o debate nominalista-realista gira em torno da questão de se os

universais são reais, Peirce perceberá que as respostas opostas de nominalistas e

realistas são menos o resultado das suas diferentes visões acerca dos universais, do

que do fato de que “cada parte tem a sua própria ideia sobre o que é o real, os

realistas assumindo que a realidade pertence ao que está presente para nós no

conhecimento verdadeiro de qualquer tipo, e os nominalistas assumindo que a

totalidade das causas externas à percepção são as únicas realidades” [W

2.489,1871]. (WAAL, 1998, p. 183-184)

Para Peirce — que “empresta” de Scotus o conceito de realidade — algo é real quando

“tem uma existência independente da sua mente ou da minha ou de qualquer outra pessoa. O

real é aquele que não é conforme o que nos acontece de pensar sobre ele, mas é indiferente ao

67 O conceito de universal pode ser tomado tanto a partir da definição aristotélica, na qual universal é aquilo que

é apto por natureza a ser predicado de vários — predicable de pluribus —, ou a partir de Boécio, segundo o qual

o universal é algo comum a muitos — comunis in multis. Aquela traz um aspecto lógico (de predicabilidade) e

esta, um aspecto ontológico (de comunidade) (cf. LEITE, 2001, p. 15-26). 68 Sobre a querela dos universais — como já referenciado em nota no segundo capítulo — conferir: GILSON,

Etienne. A Filosofia na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995; ECO, Umberto.

O nome da rosa. Trad. Aurora F. Bernardini e Homero F. de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983;

BEUCHOT, Maurício. El problema de los universales. México: Universidad Nacional Autónoma de México,

1981; NASCIMENTO, Carlos Arthur R. do. “A querela dos universais revisitada”. In: Cadernos PUC-Filosofia.

São Paulo: Cortez, n. 13, 1983.

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61

que nós possamos pensar sobre ele”69 (CP 8.12); já o nominalismo adota uma concepção de

realidade que diz que algo existe “apenas enquanto você ou eu ou algum homem os imagina”

(Ibidem). Essas duas concepções nos remetem àquele que parece ser o cerne da questão: as

relações entre o geral e o particular (cf. IBRI, 1992, p. 31). Isso porque, pensar em uma

realidade que é independente do que sobre ela se pensa (realismo) é o mesmo que dizer que os

particulares são independentes do que os gerais sobre eles dizem, uma vez que estes (gerais) é

que devem se conformar ao que aqueles (particulares) mostram ser no fluxo do tempo —

deixando-se, assim, serem conhecidos — e não o contrário.

Essa ideia está muito vinculada à noção de terceiridade de Peirce, que vimos no

segundo capítulo. Para Peirce, é necessário que haja no universo uma regularidade70 (hábitos)

nos particulares que permita generalizações e, consequentemente, que se permita ser

conhecido. O fato de que haja leis no universo só é possível devido à repetição de eventos

particulares independentes da consciência, que permitem ser associados a uma relação geral

(tornando-o cognoscível) e, portanto, possibilitando uma previsão para o futuro71 (esse in

futuro).

Um mundo que não permite que o intelecto generalize é um mundo caótico,

constituído de individuais por si e para si. A ausência de relações gerais e reais que

têm permanência no tempo configura um mundo de existentes particulares de

conduta imprevisível, no qual, sequer, talvez, o nome das rosas tenha qualquer

significado, pois planejar hoje dar amanhã uma delas a alguém, na intenção da

homenagem, poderá ser presentear um objeto com o perfume do pior dos esgotos.

(IBRI, 1992, p. 35)

69 O original em inglês está assim: “[…] have an existence independent of your mind or mine or that of any

number of persons. The real is that which is not whatever we happen to think it, but is unaffected by what we

may think of it” (CP 8.12). 70 Julgamos importante fazer aqui uma distinção entre o conceito de realidade e de existência em Peirce, que já

foi visto no item 2.3, mas que faz-se necessário reforçar. Para Peirce, a realidade abarca não apenas a existência

(segundidade), mas também a generalidade (terceiridade). A existência seria “toda experiência de reação contra a

consciência e toda a reação dos objetos entre si” (IBRI, 2002, p. 35), é ato, é alteridade, é a determinação

individual no tempo — por isso está vinculada à segunda categoria peirciana. A realidade possui um elemento de

existência, mas não se reduz a ele, pois “requer o atributo de generalidade do qual [a existência] está destituída.

Aquilo que existe, existe na sua particularidade como fragmentos do espaço e do tempo; existe por ser esta coisa

e não outra. Vimos, não obstante, que a inteligibilidade da existência tem sua condição de possibilidade na sua

subsunção às regularidades de conduta, ou seja, os indivíduos devem estar em uma relação geral para que sejam

redutíveis ao pensamento” (Ibidem, p. 36). E Peirce conclui: “A generalidade é, de fato, um ingrediente

indispensável da realidade; a mera existência individual, ou atualidade sem qualquer regularidade que seja, é

uma nulidade” (CP 5.431). 71 “O significado racional de toda proposição reside no futuro” (CP 5.427).

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62

Fica assim estabelecida para Peirce a necessária relação entre o geral e o particular

dentro do seu pragmatismo: “O que, então, suporta logicamente a máxima do pragmatismo é a

pressuposição de que deve haver uma relação de necessidade entre o geral o particular, [...] tal

que o geral deva estar, para sua significação possível, necessariamente figurado no

particular” (IBRI, 2000, p. 32). Com isso, Peirce quer escapar do risco de tornar as

“consequências práticas” que máxima pragmática propõe72 em meros efeitos que determinado

conceito teria para a conduta de um indivíduo — como ele considera que James faz —, pois

isso seria restringir a máxima a uma esfera particular, quando o que ele pensou, de fato, ao

enunciá-la, era basear o conceito em questão nas consequências que o mesmo

concebivelmente teria no futuro, a partir de uma conduta padrão (geral).

Nesse sentido, Peirce não hesita em dizer que, da forma como James concebe o

pragmatismo, é inevitável que ele caia no nominalismo, uma vez que aplicar a máxima a uma

esfera individual, isto é, levando em conta os efeitos que tal crença acarreta na conduta de um

indivíduo em particular, é deixar de lado a objetividade (“brutalidade”) dos fatos

(segundidade) — que ignoram completamente a vontade do sujeito e que existem

independentemente daquilo que o sujeito pensa sobre eles — e, consequentemente, deixar de

lado também a generalidade dos fatos (terceiridade), o geral — que, por se basear nos fatos e

não naquilo que o sujeito elabora no intelecto acerca deles, é também real. Para Peirce, o que

James faz é acabar justamente com uma grande contribuição que o pragmatismo vem dar para

a Filosofia73, que é aquela de abandonar o nominalismo para dar lugar ao realismo, como ele

expressa em uma carta de 7 de março de 1904, em que escreve a James: “Você e Schiller

levam o pragmatismo muito longe para o meu gosto [...]. A maior consequência do

pragmatismo, de longe, e na qual tenho insistido sempre [...], é que nessa concepção da

realidade temos que abandonar o nominalismo” (CP 8.258) — o que James não o faz.

Vejamos mais detalhadamente de que forma James aplica a máxima a uma esfera

“demasiado particular” a ponto de cair no nominalismo. Para isso, nos ajudará tomar contato

72 Apenas para relembrar a máxima: “Considere quais efeitos, que poderiam concebivelmente ter consequências

práticas, concebemos que tenha o objeto de nossa concepção. Então, a concepção destes efeitos é o todo de

nossa concepção do objeto” (CP 5.402) 73 Peirce tinha muito claro que a Filosofia, principalmente na Modernidade, abandonou o realismo e assumiu

posturas notavelmente nominalistas, como ele diz nesta passagem: “A filosofia realista do último século perdeu

hoje toda a sua popularidade, exceto para as mentes mais conservadoras. E a ciência, assim como a filosofia, é

nominalista” (CP 8.38).

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com a paráfrase que James faz da máxima pragmática de Peirce, a qual pretende ser o guia do

seu pragmatismo. Assim ele a enuncia:

“Para atingir clareza perfeita de um objeto em nossos pensamentos [...], precisamos

somente considerar quais efeitos de uma espécie concebivelmente prática o objeto

pode envolver — quais sensações devemos esperar dele e quais reações devemos

preparar. Nossa concepção desses efeitos, então, é para nós o todo de nossa

concepção do objeto, na medida em que essa concepção tem alguma significância

positiva” (JAMES apud WAAL, 2007, p. 52; grifos nossos)

Assim como na máxima de Peirce, James também afirma que o completo significado

da concepção de um objeto se encontra nos efeitos práticos (que para Peirce são as

“consequências práticas”74) que esse objeto pode acarretar. No entanto, cada um irá

especificar qual tipo de efeitos práticos seriam esses; e é neste ponto que acreditamos que os

dois autores seguem por caminhos diversos e acabam vinculando seus pensamentos a

diferentes correntes: um ao realismo e outro ao nominalismo. James especifica que os efeitos

práticos a que devemos nos atentar são “as sensações que devemos esperar” e “as reações que

devemos preparar”. Dessa forma, ele acaba restringindo a máxima a uma esfera particular,

uma vez que as sensações e as reações são fatores muito particulares, que podem variar de

indivíduo para indivíduo e que, portanto, fazem com que os efeitos referidos na máxima não

tenham um alcance geral, mas sim particular.

Peirce, ao contrário, dá à máxima um alcance muito mais amplo e de cunho lógico

(como vimos no item 2.1. “O pragmatismo como máxima lógica”). Ele não estava

interessado, como James, em traçar uma relação íntima entre o pragmatismo e a vida prática.

Para ele, a concepção de um objeto decorre não dos efeitos que ele causa em indivíduos

particulares (“sensações” e “reações”), mas sim nos hábitos (gerais) que a concepção

ocasiona, como o próprio Peirce afirma: “a definição de pragmatismo de James difere da

minha apenas em que ele não restringe o ‘significado’ [...], como eu faço, a um hábito, mas

permite que perceptos, isto é, sentimentos complexos dotados de compulsividade o sejam”

(CP 5.494).

74 Sobre o conceito de consequências práticas em Peirce: “Um possível viés para entendimento do que,

exatamente, Peirce pretendia significar por conseqüências práticas, está, a nosso ver, no seguinte trecho de sua

obra: ‘A validade da indução depende da relação necessária entre o geral e o particular. É precisamente isto que

é a base do pragmatismo’ [CP 5.170]” (IBRI, 2000, p. 31). Para maiores aprofundamentos, conferir: IBRI, Ivo

Assad. “As consequências de consequências práticas no Pragmatismo de Peirce”. In: Cognitio – Revista de

Filosofia. São Paulo: Educ, n. 1, pp. 30 – 37, 2000.

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É por isso que, ao perceber que a sua máxima original dava margem para esse tipo de

interpretação nominalista, Peirce irá esclarecer o que ele entendia por “consequências

práticas”, a fim de deixar claro o caráter lógico e realista da máxima75. Como neste trecho:

“Com prático quero dizer apto a afetar a conduta; e com conduta, ação voluntária que é

autocontrolada, isto é, controlada por deliberação adequada” (CP 8.322). Ou seja, as

consequências a que ele se refere são consequências para a conduta racional, para um

comportamento geral implicado pelo conceito em questão, e não consequências para um

indivíduo em particular, como pretendeu James.

Ainda em relação às diferentes maneiras de interpretar as consequências práticas,

podemos dizer que estas, enquanto determinantes do significado de um conceito, são algo

bem próprio não só de Peirce e James, mas também da filosofia pragmática em geral. E como

foi visto, o que irá distinguir um pragmatismo de outro será justamente a forma como cada

um interpreta essas consequências. Vejamos quais são os tipos possíveis de consequências.

Há um tipo que podemos chamar de “consequências atuais”, que considera verdadeiro um

conceito se ele não for falseado por uma experiência inesperada e pontual, e se ele leva a um

aumento de felicidade. Há um outro tipo que chamamos “consequências possíveis”, que

considera que um conceito seria verdadeiro se ele não fosse falseado em uma série de mundos

possíveis e, além disso, se ele promovesse a felicidade em uma série de situações possíveis,

inclusive a atual (cf. HOOKWAY, 2010, p. 197). Segundo Hookway, as observações de

Peirce sugerem que o seu pragmatismo se trata do segundo tipo, enquanto que o de James

trataria do primeiro. Essa distinção nos revela e nos reforça uma ideia que temos visto:

enquanto James preocupa-se com consequências imediatas e particulares, Peirce busca

consequências que envolvam hábitos, padrões gerais, que possam ser remetidos ao futuro.

4.2.2. PRINCÍPIO LÓGICO X VIDA PRÁTICA

Até então, vimos muitas acusações de Peirce e algumas constatações a partir dos

escritos do próprio James. Mas será que James se considerava mesmo um nominalista?

75 Diante da repercussão que o pensamento de James estava ganhando, Peirce sabia que era natural que

associassem aquela doutrina à sua, e isso o preocupava, pois via que James divergia em pontos importantes. Por

isso dedicou muitos dos seus escritos sobre pragmatismo, a partir de 1903, para explicitar o que realmente era a

sua doutrina. “Em 1896, Wiliam James publicou o seu Will to believe e mais tarde o seu Philosophical

Conceptions and Practical Results que levaram este método [pragmático] a tais extremos que é necessário fazer

uma pausa” (CP 5.402).

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Segundo Waal, sim, “James estava totalmente ciente de seu nominalismo e o considerava uma

coisa boa”. Isso porque ele “considerava o requisito de que o significado esteja relacionado a

experiências particulares uma importante salvaguarda para evitar os abusos dos velhos

metafísicos” (WAAL, 2007, p. 62). Neste trecho de uma carta que James escreveu a Peirce,

podemos ver como, de fato, ele estava preocupado com questões da vida prática76, menos do

que com “excelsas questões filosóficas” distantes da vida — e nesse caso, especificamente,

ele se refere à lógica —, sobre as quais os “filósofos de gabinete” e os “velhos metafísicos” se

debruçam.

Sinto muito que você [Peirce] se apegue tanto à lógica formal [...]. Você mal pode

imaginar o pouco interesse que existe nos aspectos puramente formais da lógica.

Coisas sobre esses assuntos deveriam ser impressas para poucas pessoas. Você está

cheio de novas ideias. E as conferências não precisam de modo algum formar um

todo contínuo; tópicos separados de um caráter vitalmente [vitally] importante

cairiam super bem. (JAMES apud WAAL, 2007, p. 132; grifo nosso)

Em resposta a essa carta, Peirce ironicamente dirá que, em homenagem a James,

colocará o seguinte título em uma série de conferências que logo mais iria ministrar: “Ideias

destacadas sobre tópicos vitalmente importantes” [Detached ideas on vitally important topics]

— mas que posteriormente ficou sendo “Raciocínio e a lógica das coisas” [Reasoning and the

logic of things] —, onde defendia que, “onde os tópicos são vitais, há poucas chances neles na

Filosofia”77. Para Peirce, a Filosofia não deveria se pautar por aplicações práticas, uma vez

que “o pragmatismo é uma técnica de autocontrole reflexivo78, e se o instinto é mais

importante que a reflexão na resposta aos problemas vitais, o pragmatismo não terá um grande

papel na lida com assuntos práticos” (HOOKWAY, 2010, p. 200). É por isso que disso

decorrerá que, para ele, as únicas consequências de um conceito que são pragmaticamente

relevantes são aquelas que se reportam à investigação científica e não a “questões vitais”.

76 Sobre essa preocupação de James com a vida prática, temos aquele curioso trecho que já citamos

anteriormente na nota 52 e do qual transcrevemos apenas uma parte: “O mundo de experiências pessoais

concretas ao qual a rua pertence é heterogêneo, além da imaginação, enredado, obscuro, doloroso e enigmático.

O mundo ao qual o professor de filosofia o introduz é simples, claro e nobre. [...] Os princípios da razão traçam

os seus delineamentos, as necessidades lógicas cimentam suas partes. É uma espécie de templo de mármore

brilhando no alto da colina [...]. O refinamento tem o seu lugar, é bem verdade. Mas uma filosofia que nada

transpira, a não ser refinamento, jamais satisfará o temperamento empírico. Parece, antes, um monumento de

artificialidade” (P, p. 495-496). 77 Carta de Peirce a James de 4 de janeiro de 1898 in WAAL, 2007, p. 132. 78 “Autocontrole reflexivo” no sentido de que parte da reflexão que busca padrões gerais, para alcançar certo

conhecimento que diminua, na medida do possível, o risco de erro no futuro e, assim, garantir e ter sob controle

uma conduta bem-sucedida.

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66

Aqui vemos bem patente o aspecto do pragmatismo de Peirce enquanto princípio

lógico. Nesse sentido, o pragmatismo seria um meio essencial para a ciência, que busca por

padrões na experiência que possam tornar-se leis e que, para esse fim, pode encontrar na

máxima pragmática um auxílio para o esclarecimento de conceitos e, consequentemente, para

o esclarecimento de hipóteses. “A ciência exige o autocontrole reflexivo; a lógica peirciana

serve a tal investigação autocontrolada; e o princípio pragmatista revela os aspectos do

significado que são relevantes para esta tarefa” (HOOKWAY, 2010, p. 202). Dessa forma, o

pragmatismo auxiliaria em um grande objetivo: o da realização do progresso científico.

James, ao contrário, não tinha um objetivo tão “audacioso” como o de Peirce. Para o seu

pragmatismo, bastava que ele auxiliasse em “questões vitais” e também, ao esclarecer

conceitos, auxiliasse na simplificação de discussões metafísicas que de outra forma não

terminariam.

Talvez esse enfoque dado por James aos efeitos práticos como particulares tenha sido

a causa de o pragmatismo ter esse “rótulo” universal de buscar a ação pela ação79. Para Peirce,

“não é a mera ação que é o propósito de tudo, mas, digamos, a generalização, a ação conforme

tende à regularização e à atualização do pensamento que, sem ação, permanece impensado”.

Esse é o elemento peirciano de terceiridade, que diz que há de existir um princípio de ordem

na exterioridade, a fim de que o intelecto (pensamento) possa conhecê-la, a partir da

generalização de ações (hábitos). Isso exige dois elementos que a abordagem nominalista

ignora: 1. Que haja relações reais no universo, a fim de possibilitar uma mediação cognitiva

(ou “generalização” — que é um elemento da terceiridade) por parte do intelecto; e 2. Que

haja uma alteridade (elemento da segundidade) no cosmos, que mostra que não é o sujeito que

determina o conhecimento que se tem do objeto, mas o contrário (cf. IBRI, 1992, p. 104).

É nesse sentido que podemos dizer que, na interpretação realista de Peirce, o

significado de um conceito não depende de uma experiência particular ou de uma ação

singular, como pensava James, mas sim de como tais efeitos práticos contribuem para o

desenvolvimento da razoabilidade do universo. O conhecimento sobre as coisas não se

adquire através de um conjunto de fatos aleatórios e singulares, mas sim a partir do momento

79 Essa interpretação é equivocada mesmo quando falamos do pragmatismo de James. Isso porque, como vimos,

o seu objetivo não era a mera ação, mas sim uma significação conceitual baseada nos efeitos práticos do conceito

em discussão. Essa difundida interpretação da “ação pela ação”, todavia, também atingiu Peirce: “[Peirce

acreditava que] James assumia que o fim humano fundamental era a “ação” e usava seu princípio para esclarecer

hipóteses segundo interesses da ação eficiente e bem-sucedida [...]. Argumentarei que, se essa é sua visão, então

Peirce compreendeu mal o pragmatismo de James” (HOOKWAY, 2010, p. 199).

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em que se consegue apreender algo de constante e “comum de muitos” (geral ou universal) na

conduta das coisas. Isso demonstra, por um lado, a razoabilidade do cosmos e, por outro, a

capacidade de generalização da mente (que Peirce diz ser “a fundamental lei do universo”80),

que não se interessa por fatos particulares, mas por hábitos, por padrões na experiência que

possam funcionar no futuro — mesmo que funcione apenas por um tempo, já que o universo

está em evolução e, portanto, as suas leis são passíveis de falibilidade, como vimos

anteriormente na sua doutrina do Falibilismo. O fato é que, nesse processo de identificação de

padrões de conduta (hábitos) — que não têm outra forma de se mostrar a não ser através de

efeitos práticos —, o pragmatismo torna-se o método essencial, já que é a partir da aplicação

da sua máxima que será possível compreender os conceitos (e consequentemente o universo),

isso a partir dos seus efeitos práticos (ou “consequências práticas”), que devem

necessariamente advir de uma concebível conduta padrão, de possíveis hábitos, de gerais.

James, ao contrário, não está preocupado com generalizações, mas sim com os efeitos

que aquele conceito, uma vez acatado, trará para a conduta de um indivíduo: quais reações e

sensações dela emanam para esse indivíduo? Se esse conceito trouxer uma significância

positiva e útil, então ele é digno de ser tomado por verdadeiro. Lembrando que o pragmatismo

jamesiano é também uma teoria da verdade81, portanto, uma vez aplicada a pergunta

pragmática — “Que diferença prática haveria para alguém se essa noção ou aquela fosse

verdadeira?” — e constatada na vida de alguém uma mudança de conduta, isto é, uma boa82

consequência prática, então tal conceito é digno de ser tomado por verdadeiro. O próprio

James afirma: “Segundo os princípios pragmáticos, não podemos rejeitar nenhuma hipótese se

dela emanarem consequências úteis para a vida” (P, p. 606). E ainda: “Mas ela [a verdade]

inspira aquela conduta porque prediz alguma virada particular à nossa experiência, que nos

deve invocar, a nós, exatamente, aquela conduta” (P, p. 348).

Assim Hookway resume esse dilema:

80 O processo de formação de hábitos, que advém da tendência à generalização, é o que Peirce chama de a

fundamental lei do universo: “A primordial e fundamental lei da ação metal consiste na tendência a

generalização. [...] Quando um distúrbio de sentimento aparece, temos consciência de ganho, de ganho de

experiência; e um novo distúrbio estará apto a assimilar-se aquele que o precedeu. [...] A consciência de tal

habito constitui um conceito geral” (CP 6.20). 81 Conferir 3.3. “Pragmatismo como teoria da verdade”. 82 “... as consequências que James tinha em mente não são somente quaisquer consequências práticas. Elas

devem ser boas consequências práticas” (WAAL, 2007, p. 66).

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[...] podemos assumir que a diferença crucial entre os dois pragmatismos é que,

enquanto James simplesmente procura pelas experiências que resultariam se a

proposição fosse verdadeira ou pela conduta que alguém deveria adotar naquelas

circunstâncias, Peirce procura por padrões na experiência e inter-relações nômicas

[isto é, semelhantes a leis] entre a ação e a experiência [...]. Usando a versão de

Peirce do princípio do pragmatismo, esclarecemos um conceito ou proposição

mediante a identificação dos hábitos de expectativa que são associados a ele. As

“consequências” de Peirce são gerais; James admite que elas possam também ser

ações e percepções particulares — ou, pelo menos, ele não decreta que elas devam

assumir a forma de leis e padrões (“hábitos”). (HOOKWAY, 2010, p. 196)

Para compreendermos melhor essa diferença entre os autores, pode nos ajudar um

exemplo concreto. Usaremos o mesmo exemplo que foi dado no terceiro capítulo: a

transubstanciação. Para James, a transubstanciação tem um valor pragmático na medida em

que traz consequências práticas concebíveis para a vida daquele que nela crê; assim, fica claro

que as consequências práticas para James ficam restritas a experiências particulares. Peirce,

ao contrário, acreditava que um conceito só tem sentido quando passível de mostrar as suas

consequências práticas concebíveis, como por exemplo, o conceito de “dureza”, que é

significativo, pois é possível dizer da dureza de um objeto quando uma lâmina não consegue

riscá-lo, como no caso de um diamante. Uma tal consequência prática, no entanto, não pode

ser encontrada no caso da transubstanciação, uma vez que nela não há uma mudança notável

na conduta do objeto, há um efeito objetivo. É por isso que “muitas proposições que são sem

sentido segundo a máxima pragmática de Peirce, mas que farão uma diferença nas vidas de

algumas pessoas, tornam-se significativas aos olhos de James” (WAAL, 2007, p. 64).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Gostaríamos de fazer agora um breve resumo do percurso feito até aqui, recapitulando

as principais ideias e apontando possíveis conclusões. A proposta feita no início do trabalho

era a de desenvolver alguns confrontos entre os pensamentos dos dois principais nomes do

pragmatismo americano: Charles S. Peirce e William James. No primeiro capítulo, foi feito

um apanhado histórico do pragmatismo, recorrendo às suas origens linguísticas e filosóficas e

destacando a influência que o Metaphysical Club teve no pensamento dos autores. Depois, no

segundo e terceiro capítulos, desenvolvemos brevemente a doutrina pragmática de cada um

dos dois autores, enfocando nos elementos que poderiam auxiliar nos posteriores confrontos.

E, finalmente, no quarto e último capítulo, apresentamos alguns pontos, mas principalmente

contrapontos, entre as duas doutrinas, detendo-nos mais demoradamente naquele contraponto

que julgamos ser a chave de leitura para todos os demais, a saber, o confronto entre o realismo

de Peirce e o nominalismo de James.

Como foi dito na introdução, com toda a investigação aqui feita, de forma alguma

esperamos ter esgotado o assunto, mas sim apenas ter reunido e articulado algumas ideias

centrais acerca de possíveis comparações entre Peirce e James e, dessa forma, abrir caminho

para futuros trabalhos que aprofundem cada um dos elementos levantados. Isso mostra que a

discussão não termina por aqui, muito pelo contrário, faz com que aqui ela tenha o seu ponto

de partida. Apesar disso, gostaríamos de propor uma conclusão “parcial” — embasada nos

elementos que puderam ser levantados no decorrer dessa investigação — no que diz respeito à

relação entre os pragmatismos de Peirce e James.

Ficou claro que, de fato, os pragmatismos de Peirce e James possuem consideráveis

divergências. O que gostaríamos de enfatizar, entretanto, é que essas diferenças não advêm

daquela opinião corrente de que James tenha interpretado incorretamente a máxima

pragmática de Peirce83, senão que ele aproveitou a grande ideia do seu companheiro e a

desenvolveu da forma que o “pano de fundo” — que é o restante do seu pensamento —

permitiu. Essa é uma ideia que também Hookway e Waal84 sustentaram e é a que nos pareceu

83 Essa é uma opinião comum de se encontrar, como afirma Perry neste trecho: “O movimento moderno

conhecido como pragmatismo é, em larga medida, o resultado da incompreensão de Peirce por James” (PERRY,

1935, 2:409). 84 Cf. HOOKWAY, 2010, p. 210 e WAAL, 2007, p. 55.

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mais acertada e menos injusta, já que, não podemos negar, ambas as doutrinas tiveram o seu

mérito e foram de grande importância para a História da Filosofia, não só nos Estados Unidos,

mas também no mundo inteiro.

Se tudo isso estiver correto, podemos avaliar a força da afirmação de Peirce de que

as diferenças fundamentais entre os “pragmatismos” de Peirce e James refletem

diferenças em outras partes do pensamento de ambos. É errado interpretar James

como adotando uma leitura ou compreensão errônea da máxima pragmática de

Peirce. Em vez disso, ele aproveitou o insight fundamental dessa máxima acerca do

significado, das consequências e do futuro e empregou-o a serviço de um diferente

conjunto de objetivos filosóficos e de uma concepção contrastante da ciência e de

seus objetivos (HOOKWAY, 2010, p. 210).

Esperamos que esse estudo tenha conseguido cumprir o seu objetivo de traçar

paralelos entre os pensamentos desses dois grandes filósofos e que, assim como o

pragmatismo propõe, tenha trazido boas consequências práticas, tanto para a investigação

científica em geral quanto para o leitor em particular.

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REFERÊNCIAS

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