pontifícia universidade católica de são paulo puc-sp ... cristina... · pesquisa qualitativa com...

111
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ELAINE CRISTINA SENA O SURDO E O TRABALHO: PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL. MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2011

Upload: phamnga

Post on 13-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

ELAINE CRISTINA SENA

O SURDO E O TRABALHO: PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL.

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

SÃO PAULO 2011

Page 2: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

ELAINE CRISTINA SENA

O SURDO E O TRABALHO: PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL.

SÃO PAULO 2011

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora como exigência parcial para

obtenção do título de MESTRE em

Psicologia Social, pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, sob

orientação da Prof. Dr. Salvador A. M.

Sandoval

Page 3: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

 

 

ERRATA

Página Linha Onde se lê Leia-se

19 8 É um componente estruturante Silveira(2009) baseada em

Marx, define o trabalho co-

mo um componente estru-

turante

21 25 cujos principais expoentes foram os teve como principais economistas expoentes, os economistas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Inclui-se:

BAUER, M.W.; GASKELL, G. (orgs.). Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis: 2002.

CARVALHO FREITAS, M.N. de; MARQUES, A.L. (orgs.). Trabalho e Pessoas com Deficiência: Pesquisas, Práticas e Instrumentos de Diagnóstico. Juruá. Curitiba: 2010.

Decreto 5296/04, que dispõe sobre Acessibilidade às Pessoas com Deficiência. Disponível em: www.jusbrasil.com.br/legislação. Acesso 20.07.11.

LARA, A.P.S. Trabalho e Luta por reconhecimento: A identidade do trabalhador com deficiência. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP 2011.

MOTTEZ, B.. Los banquetes de sordomudos y el nascimento del movimento sordo. Revista do Geles, n. 6, p. 5-19. 1992. Rio de Janeiro.

Page 4: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

ELAINE CRISTINA SENA

O SURDO E O TRABALHO: PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL.

BANCA EXAMINADORA

______________________

______________________

______________________

Page 5: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

i

Agradecimentos

Ao meu orientador Prof. Dr. Salvador Sandoval pela orientação,

amizade, paciência e apoio nos momentos difíceis que me dedicou, por

compartilhar os seus conhecimentos e por confiar na minha capacidade de ir

em frente apesar dos limites e dificuldades que a rotina do dia a dia me

apresentava.

Aos professores doutores Marcelo Afonso Ribeiro, Maria Cristina

da Cunha Pereira e Maria Cecília de Moura pelas sugestões apontadas na

Banca de Qualificação.

À minha família , pelo carinho, amor, dedicação e companheirismo e

pela força nos momentos difíceis, além da compreensão em vários

momentos sobre as minhas dificuldades de eu não estar presente quando

desejavam ter a minha companhia.

À minha querida e amada mãe pelo carinho, amor, dedicação,

palavras de conforto nos momentos difíceis e, sobretudo pelo orgulho que

sempre mostrou sentir á meu respeito pelo que sou como filha, profissional e

como pessoa.

Ao meu jovem amor Rafael, companheiro e amigo, que me apoiou e

esteve junto durante todo o tempo e me amando sempre, e compreendeu os

momentos difíceis e àqueles em que não pude lhe dar atenção e carinho.

Aos meus amigos novos e antigos, próximos e distantes que me

apoiaram, compreenderam o meu momento, e a minha negativa para vários

momentos que requisitavam minha companhia, mantendo-se fiéis à nossa

amizade.

Page 6: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

ii

À Lourdinha, minha chefe, amiga e companheira pelo apoio, carinho

e compreensão nos momentos difíceis da minha caminhada acadêmica, com

quem eu pude compartilhar minhas angústias nos momentos dificeis.

Aos amigos da Derdic pelo carinho, apoio e palavras de incentivo,

além da compreensão pelo momento da vida acadêmica.

À Cris Pereira pelo apoio anterior a minha entrada no curso de

Mestrado, e em todos os momentos em que precisei esclarecer dúvidas

técnicas ou de ordem prática.

Ao João da biblioteca da Derdic pela assessoria na formatação do

trabalho e nas pesquisas bibliográficas e pelo carinho e atenção.

Ás empresas que aceitaram abrir suas portas e disponibilizar seus

profissionais para a participação na pesquisa.

Aos trabalhadores surdos que se dispuseram em participar da

pesquisa e me atenderam com tanta atenção e carinho.

Page 7: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

iii

Resumo

A inclusão das pessoas com deficiência vem ocupando espaço importante no cenário político e social do país, espaço este conquistado a partir dos movimentos e reivindicações dos próprios deficientes, suas famílias e profissionais envolvidos com a questão, para a conquista de direitos e a ocupação de seus lugares na sociedade. Considerada essa perspectiva, tratar da inclusão do surdo no mercado de trabalho que se apresenta cada vez mais competitivo e excludente, permeado pelas exigências de qualificação e competências que emergem para um perfil de trabalhador empregável, as dificuldades e barreiras se apresentam cada vez mais limitantes, não necessariamente para o sua inserção, uma vez que a legislação tem favorecido nesse aspecto, mas na possibilidade real de seu desenvolvimento profissional na empresa. Sendo o trabalho o meio de inclusão social que mais privilegia o surdo na sua busca por independência e reconhecimento, mostra-se também como limitador para suas aspirações de crescimento e desenvolvimento profissional. O objetivo principal desse estudo foi identificar as barreiras e limitações que os surdos na situação de trabalho vivenciam pela falta de oportunidades de ascensão profissional. A intenção com este trabalho é trazer para discussão não somente a questão de uma lei que já existe como ação afirmativa, mas cabe aqui refletir sobre a lei do ponto de vista do sentido real da “inclusão” e como os surdos estão sendo tratados em relação às oportunidades nas organizações. A pesquisa foi realizada com o trabalhador surdo inserido nas empresas, e com as empresas empregadoras, em conformidade com a lei de cotas em vigor que obriga a contratação das pessoas com deficiência numa proporção de 2% a 5% do total de funcionários. A pesquisa se desenvolveu por meio de entrevistas com duas empresas de São Paulo, uma indústria e uma gerenciadora de projetos de engenharia, representadas pelos supervisores diretos do trabalhador surdo pelos profissionais de Rh da empresa, e de outro lado foram entrevistados seis trabalhadores surdos, sendo quatro das respectivas empresas entrevistadas. A pesquisa se mostrou de grande importância para os estudos nessa área, no sentido de apresentar alguns dados relevantes trazidos pelos entrevistados no sentido de permanecerem alguns preconceitos e discriminações em relação ao trabalhador surdo, especificamente objeto desse estudo, mesmo num momento em que os discursos são da ordem da inclusão como fato, e que as práticas nesse sentido não concebem mais diferenças de tratamento no acesso ao trabalho e às oportunidades de desenvolvimento profissional no âmbito das organizações. PALAVRAS-CHAVE: surdez; trabalho; inclusão; desenvolvimento profissional.

Page 8: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

iv

Abstract The inclusion of people with disability has been occupying an important space in the country´s political and social scenarios, a space gained from the movements and the people with disabilities themselves, their families and the professionals who are engaged in the issue, aimed at achieving rights and the occupation of their places in society. Addressing the inclusion of the deaf in a labor market that has increasingly presented itself as competitive, exclusionary and permeated with qualification requirements and expertise for directing an employable worker profile, has shown that the difficulties and barriers that have increasingly most limiting, not necessarily for their inclusion, since the legislation has advanced in this respect, but the real possibility of his or her professional development in the company. As work is the means of social inclusion that most favors the deaf person in his\her quest for independence and recognition, it also comes up as a limiting factor for his\her aspirations of growth and professional development. Thus, the main objective of this study was to identify the barrier and limitations the deaf experience in the work situation by the lack of career opportunities. The intention with this work is to raise the discussion not only about a law that already exists as an affirmative action, but also to reflect upon it from the point of view of the real meaning of "inclusion", and how the deaf are being treated in relation to the opportunities in organizations. The research was conducted with the deaf workers inserted in the companies and with the business employers, in accordance with the "Quota Law" into effect, which compels the hiring of people with disability at a rate of 2% to 5% of total employees, developing through interviews with two companies from Sao Paulo, one industry and one engeneering projects management company, represented by the direct supervisors of the deaf workers and by the Human Resources professionals. Further interviews were conducted with six deaf workers, four of those from the interviewed companies. The research proved to be of great importance for studies in this area, presenting some relevant data brought by the interviewed who indicated the persistence of prejudice and discrimination in some relation to the deaf worker, object of this study, even at a time when the discourses are in the order of inclusion as fact, and practices that do not conceive differences in treatment anymore, in access to work and to professional development opportunities within the organizations. KEY WORDS: deaf; work; inclusion; professional development.

Page 9: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

v

Sumário

Agradecimentos ..................................................................................................................i

Resumo ............................................................................................................................. iii

Abstract ............................................................................................................................. iv

Lista de tabelas ................................................................................................................. vi

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1 1.1. Breve Relato sobre a trajetória da pesquisadora na preparação e colocação do

surdo no mercado de trabalho ........................................................................... 1 1.2. Considerações gerais sobre a Derdic e o Programa de Colocação do Surdo no

Trabalho ............................................................................................................ 8

2. AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FRENTE AO MERCADO DE TRABALHO ............. 13 2.1. Contextualizando o panorama das pessoas com deficiência ........................... 13 2.2. A legalidade e as barreiras para a inclusão ..................................................... 17

3. O TRABALHO ............................................................................................................... 19 3.1. Conceitos e Abordagens sobre o Trabalho ..................................................... 19 3.2. Qualificação e Empregabilidade, uma questão ideológica ............................... 21 3.3. O trabalho e as pessoas com deficiência ao longo da história ........................ 25 3.4. História do Surdo no Trabalho ........................................................................ 32 3.5. A organização dos surdos e suas conquistas sociais ...................................... 37

4. DISCUSSÃO TEÓRICA ................................................................................................. 43 4.1. Inclusão .......................................................................................................... 43 4.2. Estigma e preconceito ..................................................................................... 46 4.3. Identidade e identidades profissionais ............................................................. 47 4.4. Diversidade ..................................................................................................... 49 4.5. Diversidade nas organizações ........................................................................ 50 4.6. A concepção sócio-antropológica da surdez .................................................... 52

5. METODOLOGIA ............................................................................................................ 55 5.1. Apresentação da metodologia e dos procedimentos para escolha dos sujeitos

da Pesquisa .................................................................................................... 55 5.2. Caracterização dos sujeitos da Pesquisa ........................................................ 60

5.2.1. Caracterização dos trabalhadores surdos participantes da pesquisa: ... 60 5.2.2. Caracterização das empresas participantes da pesquisa ..................... 61

5.3. Análise dos dados da pesquisa ....................................................................... 63

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 90

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 94

8. ANEXOS........................................................................................................................ 97

Page 10: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

vi

Lista de tabelas

Tabela 1 - Descrição dos trabalhadores surdos entrevistados .......... 61

Tabela 2 - Descrição das empresas entrevistadas ............................ 63

Page 11: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

1

1. INTRODUÇÃO

“Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

(Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 de dezembro de 1948)

1.1. Breve Relato sobre a trajetória da pesquisadora na preparação e colocação do surdo no mercado de trabalho

Era 1992, quando cheguei à Derdic1 para desenvolver o trabalho de

orientação profissional dos alunos do Primeiro Grau alternativo (PG II). Este

programa atendia a jovens e adultos que vinham de famílias menos

favorecidas, e que haviam recebido atendimento precário ou nenhum tipo de

atendimento pedagógico, e não tinham uma comunicação, seja gestual ou

escrita.

Os alunos tinham, na sua maioria, idade avançada em relação à série

escolar, ou seja, apresentavam uma defasagem grande no seu

desenvolvimento pedagógico e social.

Necessitavam de escolaridade, mas, ao mesmo tempo, precisavam

adquirir alguns conhecimentos que funcionassem como instrumental para

sua vida em geral e para seu ingresso no mercado de trabalho, devido à sua

situação econômica, que tornava urgente a sua colocação profissional.

Esta era uma das pontas do meu trabalho na Derdic, e, na outra

ponta, estava a atuação no Programa de colocação do surdo no mercado de

1 Derdic – Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação – Unidade

complementar da PUCSP, vinculada a Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde - FACHS – Fundação São Paulo.

Page 12: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

2

trabalho, que incluía, no seu atendimento, não só os alunos da nossa escola,

mas surdos que vinham de outras escolas e atendimentos na comunidade.

Estes eram informados por outros surdos e profissionais das áreas afins,

que os indicavam e os encaminhavam para a Derdic a fim de que

conseguissem um emprego.

Passei então a atuar nestas duas frentes, e no trabalho conjunto com

a profissional Cristina Redondo, que idealizou o programa de colocação que,

em 1981 (Ano Internacional da Pessoa com Deficiência), deu início aos

projetos de atendimento às pessoas com deficiência no que diz respeito às

questões de trabalho mais especificamente, o que passou a fazer parte

formal do programa da escola da Derdic. Este programa será detalhado mais

adiante.

Quando cheguei a Derdic, era muito recente a lei de cotas (1991), que

previa a contratação das pessoas com deficiência nas empresas privadas

que tivessem cem ou mais funcionários. A lei não tinha completado 01 ano

ainda e não havia movimento, por parte da maioria das empresas, de

cumprimento da lei, que ainda era muito nova e não fiscalizada pelos órgãos

competentes.

Na Derdic, como já acontecia há 10 anos, continuávamos nosso

trabalho de sensibilização do empregador sobre as questões relacionadas à

surdez e ao potencial do surdo para desempenhar a maioria das funções,

desde que não fossem atividades que tivessem como requisito a

comunicação oral.

O trabalho do POOE – Programa de Orientação Ocupacional e

Escolar, nome do programa de colocação do surdo no mercado de trabalho,

implantado, na Derdic, em 1981, atual Programa de Qualificação e

Colocação do Profissional Surdo, sempre cadastrou os surdos que

procuravam uma colocação de trabalho, e, tendo um banco de dados destes

cadastrados, procurava-se abrir vagas de trabalho que pudessem ser

Page 13: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

3

disponibilizadas para estes candidatos. O meu trabalho consistia em

procurar as empresas e tentar conscientizá-las e sensibilizá-las para a

contratação dos surdos.

Passavam pelo Programa, surdos vindos de vários locais, com

diferentes histórias de vida, com formas de comunicação das mais variadas.

Nesse contexto meu trabalho era cadastrar e entrevistar este surdo que

procurava a Derdic para conhecer um pouco de suas expectativas em

relação ao trabalho.

Alguns surdos já haviam passado por experiência profissional, mas,

sempre que perdiam seus empregos, voltavam à Derdic, pois não

conseguiam outro trabalho sem a intermediação do POOE. Outros surdos

procuravam pela primeira oportunidade de emprego no mercado de trabalho,

mas também sabiam que necessitavam da intervenção e do apoio para

conseguirem inserir-se neste mercado.

Este trabalho fez com que eu aprendesse a me comunicar com os

surdos, qualquer que fosse a sua forma de comunicação. Eles não tinham,

muitas vezes, língua, mas sim, linguagem, e eu verificava que cada um

deles tinha uma linguagem diferente, aprendida nas diferentes comunidades

de onde vinham, escolas, igrejas, associações. De certa forma, ia me

adaptando às várias maneiras possíveis de comunicação com estes surdos.

Poucos eram os surdos que vinham com a língua de sinais, uma vez que ela

não era legalizada e nem aceita na educação.

Eu tinha iniciado minha trajetória profissional na década de 1980,

numa instituição financeira, quando ainda cursava graduação em Psicologia.

Atuei durante cinco anos na área de Recursos Humanos, mais

especificamente em Recrutamento e Seleção. Posteriormente, passei por

uma empresa de alimentação de trabalho terceirizado em refeitórios

industriais, também, na área de Recrutamento e Seleção. Até então, eu

Page 14: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

4

nunca tinha pensado e nem encontrado candidatos que fossem surdos ou

tivessem qualquer outro tipo de deficiência.

Nessa minha experiência, embora não tivesse contato, nem

conhecimento sobre as questões de candidatos com deficiência, me

causava muita estranheza e indignação, as discriminações que observava

contra as pessoas sem qualquer deficiência, mas que tinham idade

considerada avançada, cor negra, estado civil (mulheres casadas em idade

reprodutiva), aparência considerada ruim para atendimento ao público, e

uma série de preconceitos contra as pessoas de uma maneira geral.

Passei, então, a pensar as questões do trabalho, sua precarização

nos tempos da globalização ou da pós-modernidade, qual o significado do

trabalho e o que representava para o indivíduo, e para mim mesma, que

assistia àquelas ações com muito sofrimento.

Passei a refletir sobre os preconceitos e discriminações que o mundo

do trabalho capitalista impõe ao trabalhador, pensando este como uma peça

que se encaixa ou não no seu mecanismo, e é excluído quando a diferença

ameaça os meios de produção e capital.

Quando me desliguei do mundo corporativo e fui convidada para

trabalhar com a inserção da pessoa com deficiência intelectual no trabalho,

adorei o desafio e, ao mesmo tempo, questionei a possibilidade destes

profissionais realmente conseguirem uma oportunidade no mercado, como

aquele de onde eu vinha que era tão perverso com o trabalhador, repleto de

preconceitos e discriminações.

Posso dizer que a experiência, tanto com o deficiente intelectual como

com o surdo, só me enriqueceu e me fez pensar que valeria a pena acreditar

e investir nas possibilidades de conquista de um mundo melhor para todas

as pessoas, sem a ideia, evidentemente, de que o mundo seria generoso

para com as diferenças entre os homens e que todos os problemas estariam

Page 15: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

5

resolvidos, a partir do ingresso no mercado de trabalho, daqueles que

tinham alguma deficiência.

A experiência só foi me mostrando o quanto era difícil para estes

trabalhadores mostrarem e provarem o seu valor, sobre o que eram

cobrados o tempo todo pelo mundo não deficiente, no caso do surdo, o

mundo ouvinte.

A partir da lei de cotas vi concretizar um sonho que, através de lutas e

movimentos destes grupos discriminados pela sua deficiência, conquistaram

um espaço, apesar de muitas dificuldades e barreiras, que ainda hoje estão

presentes em suas vidas.

Minha primeira experiência na educação e qualificação profissional,

visando à inserção de Pessoas com Deficiência (Pcds) no mercado de

trabalho foi inicialmente com jovens com deficiência intelectual, e, depois de

sete anos somente nesta área da deficiência, iniciei o trabalho com os

surdos. A partir daí passei a pensar minha atuação como profissional que se

preocupava com a preparação e inserção destas pessoas no mundo do

trabalho.

Inicialmente, o desejo e o objetivo deste trabalho visavam somente

preparar, o melhor possível, aquele indivíduo surdo para que ele se

mostrasse eficiente e capaz frente às exigências do mercado. Estávamos na

era da normalização, em que nós, profissionais, precisávamos abrir o

mercado e conseguir o espaço para que o profissional surdo mostrasse suas

competências para o trabalho de forma que sua diferença não fosse um

empecilho e, sim, um ganho para a empresa.

Nesta época, eu já acreditava que deveríamos preparar não só para o

trabalho, mas para a vida em sociedade. No entanto, a prática me levava a

buscar uma colocação para estas pessoas para que elas pudessem

trabalhar ganhar seu próprio sustento e sentir-se feliz por ter um emprego.

Page 16: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

6

Ao longo de minha trajetória fui me familiarizando por meio dos relatos

dos surdos, suas experiências de trabalho e suas dificuldades em relação

aos ouvintes quanto à comunicação e falta de oportunidades de crescimento

profissional. Por outro lado, escutava o relato dos empregadores sobre suas

experiências em trabalhar com o profissional surdo, e as dificuldades que

sentiam na relação com este trabalhador.

Todas as questões de dificuldades na inserção do surdo no mercado

de trabalho, bem como seu entrosamento com gestores e colegas ouvintes,

estavam relacionadas à comunicação.

Além disso, os surdos mais escolarizados e oralizados tinham

melhores oportunidades no mercado de trabalho. (Redondo,Carvalho, 2000).

Com o passar dos anos, com a lei de cotas já regulamentada, as

empresas passaram a contratar um número maior de surdos, e a “inclusão”

tornou-se fato. Naquele momento não havia mais como retroceder as tais

conquistas. Os surdos, bem como outras pessoas com diferentes

deficiências, passam a ser alvo da procura das empresas para preencherem

suas vagas, agora reservadas para as pcds.

Naquele momento, então, aqueles problemas, como falta de

escolaridade, falta de qualificação, dificuldades na comunicação,

dificuldades familiares, postura profissional, que já eram conhecidos como

fatores de dificuldades para a inserção dos surdos no trabalho, e que vinham

sendo relatados e apresentados pelos próprios surdos e profissionais da

área, inclusive por mim, passaram a não ser mais o meu alvo de

questionamento.

Aquelas dificuldades já estavam de alguma forma sendo trabalhadas

nos programas de Qualificação, tentando-se minimizar os problemas que

pudessem prejudicar a inserção do surdo no mercado de trabalho,

ajustando-se às exigências do mercado e ao perfil do trabalhador surdo.

Page 17: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

7

E no decorrer do meu trabalho eu vinha percebendo que os surdos

estavam sendo inseridos no trabalho, principalmente porque as empresas

precisavam cumprir suas cotas. Neste momento, então, passou a fazer parte

de minha inquietação profissional, a forma como estava ocorrendo esta

inserção, e quais eram as reais possibilidades e oportunidades de ascensão

profissional para estes surdos.

Nesse momento passo a querer explorar o que de fato ocorre quando

os surdos são contratados, e se existe a possibilidade de que este

trabalhador consiga ter um crescimento profissional dentro da empresa, pois,

na prática, percebe-se que, mesmo sendo profissional qualificado, não é

garantia de melhores e compatíveis postos de trabalho. Daí a minha

definição pelo problema de pesquisa escolhido.

Nesta perspectiva o presente estudo teve como objeto o trabalhador

surdo inserido no mercado de trabalho na cidade de São Paulo.

Com base em minha vivência profissional, como facilitadora e

intermediadora entre o mercado de trabalho (as empresas) e a pessoa

surda, e considerando os 20 anos de lei de cotas para pessoas com

deficiência, pretendo verificar que mudanças podem ter ocorrido do ponto de

vista dos discursos e práticas do trabalhador surdo, e do ponto de vista do

empregador. Vamos procurar entender as reais dificuldades para a

ascensão profissional do surdo nas organizações.

A intenção com este trabalho é trazer para discussão não somente a

questão de uma lei que já existe como ação afirmativa, mesmo porque em

termos de legislação, nosso país é rico em leis de proteção aos direitos das

pessoas com deficiência, mas cabe aqui refletir sobre a lei do ponto de vista

de qual é o sentido real da “inclusão”, e como os surdos estão sendo

tratados em relação às oportunidades nas organizações.

Pretendo neste trabalho tratar da questão das pessoas com surdez e

sua inclusão no mercado de trabalho, visando estabelecer uma análise à luz

Page 18: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

8

da natureza histórico-social sobre o impacto da lei de cotas nas empresas,

que empregam estes surdos, no que se refere à equiparação de

oportunidades para a ascensão profissional no ambiente de trabalho.

Nesta perspectiva, o objetivo neste estudo será de identificar se

existem e quais são as barreiras que dificultam/impedem a ascensão

profissional do trabalhador surdo nas organizações, e que expectativas estas

empresas têm em relação ao sujeito surdo trabalhador, no sentido de ter

acesso a uma carreira dentro da organização.

1.2. Considerações gerais sobre a Derdic e o Programa de Colocação do Surdo no Trabalho

A Derdic – Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da

Comunicação, é mantida pela Fundação São Paulo – Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo/PUC-SP, e constitui-se numa entidade sem fins

lucrativos e para atendimento às áreas da audição, voz e linguagem.

A Derdic oferece atendimento clínico, atendimento escolar em

Educação Infantil e Ensino Fundamental, e por meio do Programa de

Orientação Ocupacional e Escolar, atual Programa de Empregabilidade para

Surdos, cadastra e realiza orientação profissional, qualificação e colocação

no mercado de trabalho.

A Escola Especial de Educação Básica, da Derdic – Instituto

Educacional São Paulo – PUC-SP, vem atuando de forma a preparar e

colocar os surdos no mercado de trabalho em São Paulo, desde 1969, ano

em que o Instituto Educacional São Paulo é doado à Fundação São Paulo –

PUC-SP, a qual deu continuidade ao atendimento escolar existente e

ampliado de forma significativa o atendimento oferecido à comunidade

surda, principalmente na preparação e colocação no mercado de trabalho.

Page 19: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

9

Desde o início da década de 70, o IESP/Derdic vem priorizando a

questão da inclusão do surdo no mercado de trabalho.

Consta desta data, a realização de uma ampla pesquisa de campo

sobre a situação do surdo (deficiente auditivo) no mercado de trabalho da

Grande São Paulo, realizada pela Profª Drª. Maria Amélia

Goldberg2.(Oliveira, 2006).

Durante os anos de 1968/69 e 1970 os pesquisadores, mapearam e

levantaram as empresas de São Paulo, e por métodos de amostragem

produziram um amplo painel da economia da região Metropolitana de São

Paulo.

Foram encontrados cerca de 10 surdos trabalhando e verificou-se que

o potencial de trabalho do surdo era inteiramente desconhecido pelas

empresas, e que apenas havia abertura de vagas para ocupações de baixa

qualificação.

A partir dos dados levantados e de posse de todo o material teórico e

prático produzido durante a realização da pesquisa, foi possível definir que o

exercício profissional seria um objetivo necessário para o bom ajustamento

do ex-aluno da escola IESP/Derdic, bem como a organização de um

processo de orientação profissional integrado ao currículo do ensino

fundamental.

Além do processo de orientação profissional para os alunos do ensino

fundamental foram introduzidas oficinas e cursos de capacitação para os ex-

alunos e demais surdos da comunidade que não encontravam vagas no

mercado de trabalho.

Paralelamente, ações foram desenvolvidas no sentido de ampliar as

oportunidades para a continuidade dos estudos dos alunos que já haviam

2 Professora Doutora Maria Amélia Goldberg, pedagoga atuante na área de Orientação Educacional.

Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas.

Page 20: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

10

concluído o Ensino Fundamental e tinham dificuldades para incluir-se em

outras escolas para prosseguirem os seus estudos.

Consta da história do IESP/Derdic, que o primeiro treinamento

profissional realizou-se no SERPRO, em 1971. Durante seis meses desse

ano, um grupo de 50 surdos foi treinado como perfuradores de cartão, e

destes, 29 acabaram sendo contratados pelo SERPRO3. (Oliveira, 2006).

Nos anos seguintes, em parceria com a Prefeitura de São Paulo, por

meio do Projeto FORMO – Formação de Mão de Obra foram treinados e

encaminhados para o mercado de trabalho, quase a totalidade dos ex-

alunos e outros surdos da comunidade. (Oliveira, 2006).

Durante mais de 10 anos o IESP manteve oficinas fixas de impressão

gráfica em offset, encadernação e douração, servindo de local para o

desenvolvimento de hábitos e atitudes, além da preparação para o trabalho

de um grande número de surdos que eram inseridos no mercado.

No ano de 1981, Ano Internacional das Pessoas Deficientes, houve

uma grande campanha por meio da Rede Globo e do SINE (Sistema

Nacional de Empregos), que promoveu a Campanha “Bolsa de Emprego –

Os Trapalhões 15 Anos” com objetivo de atingir as pessoas com diferentes

deficiências.

Constatou-se naquela ocasião, que poucos surdos se inscreveram

(16), para um grande número de vagas (116), e os surdos apresentaram-se

com baixa escolaridade e falta de preparo para o mercado de trabalho.

(Redondo,Carvalho, 2000).

Com o aumento da demanda, após o Ano Internacional da Pessoa

Deficiente (1981), foi criado o Programa de Orientação Ocupacional e

Escolar (POOE), do IESP/Derdic, atual Programa de Empregabilidade, que

concentrou todas as atividades ligadas ao cadastramento e seleção dos

3 Serviço Federal de Processamento de Dados – Regional São Paulo

Page 21: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

11

surdos, bem como, o cadastramento das demandas das empresas, a

abertura de novas vagas e assessoria às empresas que desejavam contratar

surdos.

O programa passou a funcionar como um sistema de bolsa de

emprego, e passou a intermediar os encaminhamentos dos surdos

cadastrados para as vagas oferecidas pelas empresas

Com a divulgação do serviço, houve um aumento gradativo e

significativo de cadastro de surdos que pleiteavam vagas para sua inserção

no mercado de trabalho.

Tradicionalmente, a Derdic, por meio de seu programa de inserção do

surdo no trabalho, vem mantendo uma média, num crescente de 100 surdos

colocados por ano. (Relatório 2006).

O programa de colocação do surdo no trabalho, em conjunto com a

equipe de Orientação Educacional do IESP veio atuando de forma a suprir

as dificuldades e promover a inclusão dos surdos no mercado de trabalho, e

foram sentindo, cada vez mais, a clara necessidade da implantação de

serviços mais amplos de orientação e preparação (qualificação) dos surdos

para o trabalho, de forma a tornar o cumprimento da lei de cotas um

instrumento efetivo de inclusão social.

A experiência do trabalho da Derdic, voltado para a inserção do surdo

no mercado de trabalho, veio mostrando que a maioria dos alunos egressos

da escola do IESP, e um grupo menor de surdos oriundos de outros

atendimentos, encontravam-se preparados para competir frente à demanda

do mercado, na oferta de vagas. Por outro lado, em geral, os surdos vindos

de diferentes grupos da comunidade, em sua maioria encontravam-se em

condições precárias minimamente exigidas de um trabalhador, e

necessitavam de uma atuação especializada para amenizar este

despreparo.

Page 22: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

12

Para tanto, a Derdic veio, ao longo de sua história de atendimento ao

surdo, em relação ao mercado de trabalho, por meio do programa de

qualificação e colocação profissional, procurando meios para ajustar-se às

exigências do mercado, procurando definir as necessidades individuais,

organizando grupos que pudessem usufruir de processos específicos para

permitir o desenvolvimento de suas potencialidades, procurando criar

condições mínimas desejáveis para a inclusão no mercado de trabalho, com

a preocupação de formar estas pessoas, e prepará-las com condições de

atuação e competição para o mundo do trabalho.

O programa de qualificação vem sofrendo mudanças em sua atuação

ao longo dos anos, e vem procurando se adequar, oferecendo atendimento

mais profissionalizado, em relação ao mercado de trabalho, acompanhando

as mudanças e tendências do mundo corporativo, oferecendo aos surdos a

possibilidade de competir em igualdade de condições com os ouvintes,

consideradas evidentemente as suas particularidades e necessidades.

Nessa perspectiva, o programa de qualificação procura desenvolver junto à

comunidade empresarial, ações que possam minimizar as dificuldades de

adaptação de ambas as partes no processo de inclusão no ambiente de

trabalho.

Page 23: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

13

2. AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FRENTE AO MERCADO DE TRABALHO

2.1. Contextualizando o panorama das pessoas com deficiência4

Segundo o Censo, realizado em 2000, pelo IBGE – Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística existem 24,5 milhões de brasileiros com algum

tipo de deficiência, constituindo uma parcela expressiva da sociedade

brasileira, representando 14,5% da população. Destas, 09 milhões estão em

idade de trabalhar, representando um contingente populacional com

inúmeras potencialidades no exercício das mais diversas funções no mundo

do trabalho.

Na história das conquistas de seus direitos e espaços, as pessoas

com deficiência vieram através da história, mostrando suas necessidades,

interesses e a consciência de si mesmas, e de suas demandas pessoais,

emocionais, sociais e profissionais, criadas a partir de suas vivências com

seus pares e com aqueles que faziam parte de sua trajetória de vida, como

4 O termo para designar o grupo das pessoas com deficiência passou por várias denominações. Ao se

organizarem como movimentos sociais as pessoas com deficiência buscam novas denominações, negando os termos pejorativos usados até final do séc. XIX, procurando romper com a imagem negativa que as excluía. O primeiro passo, nesse sentido, foi adotar o termo “pessoa deficiente”, usado pelo movimento, no final dos anos 70 e início dos 80, com o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Posteriormente foi adotado o termo “pessoas portadoras de deficiência” e incorporado pela Constituição de 1988. Conselhos, coordenadorias e associações passaram a incluí-la em seus documentos oficiais. Eufemismos foram adotados, tais como “pessoas com necessidades especiais” e “portadores de necessidades especiais”. A crítica do movimento a esses eufemismos se deve ao fato de o adjetivo “especial” criar uma categoria que não combina com a luta por inclusão e por equiparação de direitos. Para o movimento, com a luta política não se busca ser “especial”, mas, sim, ser cidadão. A condição de “portador” passou a ser questionada pelo movimento por transmitir a idéia da deficiência ser algo que se porta e, portanto, não faz parte da pessoa. Além disso, enfatiza a deficiência em detrimento do ser humano. A expressão “pessoa com deficiência” passou a ser adotada contemporaneamente para designar esse grupo social. Em oposição à expressão “pessoa portadora”, “pessoa com deficiência” demonstra que a deficiência faz parte do corpo e, principalmente, humaniza a denominação. Ser “pessoa com deficiência” é, antes de tudo, ser pessoa humana, é também uma tentativa de diminuir o estigma causado pela deficiência. A expressão pessoa com deficiência foi consagrada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2006. (fonte: Brasil: História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil; Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.)

Page 24: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

14

seus familiares, amigos, profissionais, professores, empregadores, a

sociedade em geral.

As pessoas com deficiência passaram por longos períodos da história

relegados ao isolamento, ou marginalizadas do convívio com as outras

pessoas sem deficiência. Suas escolas eram especiais, sua capacidade de

aprendizado e desenvolvimento cognitivo era ignorada pela visão médica e

patológica, que o incapacitava para desenvolver-se como um indivíduo com

as mesmas possibilidades de uma pessoa sem deficiência, asseguradas,

evidentemente, suas necessidades específicas de apoio e adaptações

necessárias.

A inclusão das pessoas com deficiência vem ocupando espaço

importante no cenário político e social do país, espaço este conquistado a

partir dos movimentos e reivindicações dos próprios deficientes, suas

famílias e profissionais envolvidos com a questão, para a conquista de

direitos e a ocupação de seus lugares na sociedade.

Começam os movimentos das pessoas com deficiência, a tomar um

formato, com ênfase no aspecto político, particularmente no contexto da

abertura política no final da década de 1970 e da organização dos novos

movimentos sociais no Brasil. (Brasil, 2010).

O Movimento Político das Pessoas com Deficiência, e a trajetória

desse movimento, assim como outros, se formaram no contexto da

redemocratização brasileira após o regime da ditadura militar. Destacam-se,

na trajetória dos movimentos, as estratégias adotadas e os caminhos

escolhidos pelo movimento para se fortalecer politicamente, bem como a

importância do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, instituído pela

ONU em 1981, como catalisador dessa organização.

A mobilização da sociedade civil em torno da elaboração da

Constituição de 1988 marcou a consolidação do processo de abertura

política. No seio desse amplo debate, os diversos movimentos sociais

Page 25: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

15

brasileiros participaram ativamente para incorporar à nova Constituição suas

principais demandas. (Brasil, 2010).

Vários movimentos das pessoas deficientes foram sendo realizados e

várias iniciativas de organização por meio de Associações dos diferentes

tipos de deficiência foram sendo criados e adequados através dos tempos

para que atendessem realmente as necessidades das pessoas com

deficiência. Foram criadas as Federações para congregar os movimentos

para cada tipo de deficiência (cegos, surdos, físicos, deficientes

intelectuais), consideradas as suas especificidades.

Ainda no ano de 2000, a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994)

ganha força na sua implantação. Duas de suas determinações são

importantes de serem destacadas: a) As escolas devem ajustar-se a todas

as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais,

linguísticas e outras. b) A escola deve incluir as crianças com deficiência

e/ou superdotadas, crianças em situação de rua ou crianças que trabalham,

crianças de populações imigradas ou nômades, crianças de minorias

linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos

desfavorecidos ou marginais.

Entre outras conquistas advindas dos movimentos das pessoas com

deficiência, uma importante conquista de direitos veio com a implantação da

legislação que impõe à sociedade a equiparação de oportunidades a estas

pessoas, tendo em vista o processo de inclusão por meio do trabalho, que

tem como meta tentar reparar as desvantagens sociais e históricas que tal

seguimento já vivenciou e, ainda hoje, é sujeito de discriminações e

desigualdades. Isto tem gerado um desconforto pelas empresas e vem abrir

um debate importante na sociedade.

Para que tais desvantagens sociais fossem minimizadas e para

tornar a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho mais

viável foi criada a lei para garantir o acesso da pessoa com deficiência ao

trabalho. A Lei 8.213, de 1991, regulamentada pelo Decreto 3.298, de 1999,

Page 26: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

16

e obriga as empresas com cem ou mais funcionários, a preencher de 02% a

05% de suas vagas com pessoas com deficiência.

Art.93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas, na seguinte proporção: I. até duzentos empregados, dois por cento; II. de duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento; III. de quinhentos a mil empregados, quatro por cento; IV. mais de mil empregados, cinco por cento.

A reserva de vagas imposta pela lei de cotas veio fazer com que o

mundo corporativo, que até então não se preocupava com a questão,

considerando o problema de competência do Estado e das instituições que

se propunham a “cuidar” das pessoas com deficiência, tutelando-as,

passasse a incluir em suas pautas a questão da inclusão das pcds em seus

quadros funcionais.

As concepções acerca das deficiências ainda passavam pelo

paternalismo e a caridade e, por conseqüência, estavam a serviço da

manutenção da imagem de incapacidade e necessidade de cuidados, bem

como da privação da pessoa com deficiência do seu convívio com a

sociedade.

Segundo Fonseca (2003), a reserva de vagas, como uma ação

afirmativa e necessária, vem garantir a essência do direito ao trabalho,

partindo dos pressupostos da lei que garante a igualdade real entre as

pessoas, minimizando as desigualdades que se constituem em fatores de

discriminação.

Cabe ao Direito do Trabalho, assim, despir-se dos preconceitos e buscar, cientificamente, a compreensão dos reais limites dos deficientes para, cumprindo seu papel histórico, garantir-lhes condições de igualdade plena aos demais trabalhadores.

Page 27: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

17

A reserva de vagas na Administração Pública ou nas empresas privadas jamais poderá ser considerada como uma proteção paternalista; trata-se, isto sim, da própria revelação da essência do Direito do Trabalho, o qual nasce da premissa básica de que a lei deve assegurar a igualdade real entre as pessoas, suprindo as desigualdades que se constituam em fatores de segregação (FONSECA, 2003)

2.2. A legalidade e as barreiras para a inclusão

Não basta uma lei que regulamenta e impõe a contratação de

pessoas com deficiência nos quadros de profissionais das empresas.

A questão das pcds como de outros grupos de minorias, que

historicamente sofreram com o peso da discriminação e preconceito de toda

a sociedade e, portanto, ficaram com o ônus de uma desvantagem social,

vem abrir um debate na sociedade com a criação de uma lei, que tem sido

de fundamental importância na conquista de direitos, e que vem tentando

reparar tais desvantagens, procurando equiparar as oportunidades

profissionais, promovendo a inclusão e o acesso social das pessoas com

deficiência. Nesta perspectiva, Fonseca (2003) considera que:

“Há que se superar, também, a mentalidade neoliberal, que

está precarizando todas as relações de trabalho, e a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho vem em boa hora para demonstrar o desacerto das políticas que imperaram nas últimas décadas, eis que o direito do trabalho é o maior instrumento no modelo de produção capitalista para a preservação da dignidade no trabalho”. (FONSECA, 2003)

O mundo corporativo passa então por uma tentativa de reformulação

de suas culturas e valores organizacionais, mas a questão é polêmica, pois,

é uma medida impositiva, legal, mas, que faz com que empresas se vejam

obrigadas a aceitar e incluir a pessoa com deficiência por força da lei de

Page 28: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

18

cotas o que se supõe, que vem “garantir” igualdade de acesso, e tentar

corrigir um ônus histórico de desigualdades.

Em pesquisa realizada por Carreira (1997) sobre a integração* das

pessoas com deficiência no mercado de trabalho, conclui que, apesar das

leis, muitos empregadores ainda desconhecem a capacidade de trabalho

das pessoas com deficiência e as medidas administrativas para sua

contratação, tais como, recrutamento, seleção, treinamento e legislação.

A falta de conhecimento e despreparo por parte das organizações é

ainda hoje, uma realidade.

Entre controvérsias e polêmicas, a nova ordem vem causando uma

mudança nas organizações, elas têm procurado se capacitar para os

processos de inclusão à que são obrigadas. As diferenças já são

consideradas e as particularidades das pessoas com deficiência passam a

fazer parte do dia a dia do mundo corporativo.

As questões de acessibilidade5 já são consideradas com mais

respeito, compreendendo-se as necessidades de adaptações importantes

para o apoio e a convivência com o trabalhador em condição de diferença.

Essas medidas são consideradas importantes, porém, sua efetividade

como solução para desigualdades, não garantem mudanças reais de

posturas cristalizadas dentro das empresas, e deixam de lado outras

questões importantes, como a integração dessas pessoas ao grupo e a

cultura da empresa, sua retenção no trabalho e o seu desenvolvimento

profissional.

5 Acessibilidade: condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos

espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida; decreto 5296; cap. 3; artigo 8º, de 2 de dezembro de 2004.

Page 29: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

19

3. O TRABALHO

3.1. Conceitos e Abordagens sobre o Trabalho

O tema trabalho será tratado aqui numa perspectiva sócio-histórica e

do ponto de vista de sua importância, suas complexidades e dialética, bem

como da alienação e degradação do homem pelo trabalho.

Do ponto de vista sócio-histórico, trabalho é a atividade humana que

transforma a natureza e, ao mesmo tempo, é fator determinante na

transformação do próprio homem. É um componente estruturante da vida

social e do pensamento, na medida em que permite ao homem uma relação

mediada e simbólica com objetos e pessoas. (Silveira, 2009, p.75)

O trabalho passou por evoluções e transformações ao longo da

história e esteve representado em cada momento social e histórico sobre

suas necessidades e valores, criando sentidos para o homem.

O trabalho se transformou consideravelmente ao longo da história e, a

partir da instauração do modo de produção capitalista, o trabalhador passa a

vender sua força de trabalho ao proprietário dos meios de produção,

tornando-se, assim, impossibilitado de apropriar-se dos resultados de seu

próprio trabalho.

A perspectiva de Marx é centrada nas relações sociais de produção

em contradição com as forças produtivas, portanto, na produção do ser

social mediado pelo trabalho. Todo trabalho humano envolve tanto a mente

quanto o corpo. O trabalho manual envolve percepção e pensamento.

A história do trabalho no mundo ocidental mostra que o trabalho tem

sido, pela sua gênese, a expressão do exercício de uma atividade vital para

Page 30: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

20

o homem, e sendo o trabalho uma atividade vital, significa que sem trabalho

não haveria o ser social. (Antunes, 2003).

Segundo Manfredi (1998), com base em Marx, a produção material é

a base da vida social e é através do trabalho que o homem cria e elabora

produtos, dando valor a eles. O homem transforma a natureza e constrói sua

história, mas se aliena dos produtos de seu trabalho por condições impostas

pelo capitalismo, transformando-se em apenas apêndices das máquinas em

que trabalham.

Segundo Antunes (2004), para Marx, o trabalho é uma atividade vital,

porém, fetichizada, estranhada e alienada. A alienação ou estranhamento6 é

a perda do objeto, a própria atividade de produção é alienada, o homem não

se reconhece no produto que produz.

Concebe-se o trabalho como uma forma de ação original e

especificamente humana, por meio do qual o homem age sobre a natureza,

transforma a ordem natural em ordem social, cria e desenvolve a estrutura e

as funções de seu psiquismo, relaciona-se com outras pessoas, comunica-

se, descobre, enfim, produz sua própria consciência e todo o conjunto de

saberes que lhe possibilitarão viver em sociedade, transformar-se e

transformá-la. (Manfredi, 1998)

A divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, isto é, a divisão

entre concepção e execução é imanente ao processo de trabalho capitalista,

pois constitui um aspecto do monopólio que o capital tem sobre o

conhecimento (acúmulos gerados pela ciência e tecnologia) e o poder de

projetar sistemas de produção. (Manfredi, 1998)

6 O “trabalho estranhado é uma bem elaborada reflexão sobre o lugar do trabalho na composição da

socialidade humana, e de como tal composição se reequaciona a partir da transformação do trabalho em elemento subordinado à troca e à propriedade privada. Para Marx, quando o trabalhador decai a uma mercadoria, torna-se um ser estranho, um meio de sua existência individual” (ANTUNES, R. Trabalho Estranhado e Propriedade Privada - Fragmentos extraídos dos Manuscritos Econômico-Filosóficos escritos por Marx, 1844, Paris. In: A Dialética do Trabalho - Escritos de Marx e Engels, Expressão Popular, 2004, p. 141).

Page 31: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

21

Embora seja indissociável à condição humana, o trabalho não é

objeto natural, mas uma ação essencial para estabelecer relações entre

homem e natureza, e entre sociedades e natureza.

A ação do homem sobre o meio ambiente originou o trabalho, que

consiste no modo como se dá esta ação, criando e recriando possibilidades

de adaptação e assegurando a sobrevivência. (Pizzaro & Eulalio, ).

Nessa perspectiva, Antunes (2004), segundo os Manuscritos

Econômico-Filosóficos de Marx, o que era uma finalidade central do ser

social converte-se em meio de subsistência. A força de trabalho torna-se

uma mercadoria, ainda que especial, cuja finalidade é criar novas

mercadorias e valorizar o capital. A força de trabalho converte-se, então, em

meio e não em primeira necessidade de realização do homem.

3.2. Qualificação e Empregabilidade, uma questão ideológica

A falta de qualificação profissional é o que o mercado atribui à

dificuldade nos processos de inclusão das pessoas com deficiência, o que

leva as empresas a não encontrarem profissionais preparados para a

ocupação dos seus postos de trabalho.

Portanto, aqui pretendemos apresentar a qualificação do ponto de

vista ideológico em conformação com o sistema dos meios de produção

capitalista.

A concepção de qualificação como preparação do capital humano,

associado ao desenvolvimento socioeconômico, surge nas décadas de 50 e

60 com a modernização dos meios de produção. O capital passa a

necessitar de mão-de-obra mais qualificada, associando formação

profissional e escolar. A concepção da formação do capital humano, cujos

principais expoentes foram economistas americanos como Theodore Schultz

(1974) e Frederick H. Harbison (1974). (apud MANFREDI, 1998).

Page 32: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

22

Esta concepção de qualificação gerou uma série de políticas

educacionais voltadas para a criação de sistemas de formação profissional

estreitamente vinculado as demandas e necessidades dos setores mais

organizados do capital e de suas necessidades tecnológicas e de

organização.

A história dos sistemas de formação profissional no Brasil enquadra-

se dentro desta lógica da qualificação, entendida como preparação de mão-

de-obra especializada (ou semi-especializada), para fazer frente às demandas

do mercado de trabalho formal.

A qualificação é considerada na perspectiva da preparação para o

mercado envolvendo, portanto, um processo de formação profissional

adquirido por meio de um percurso escolar e de uma experiência (ou carreira

profissional) capaz de preparar os trabalhadores para o ingresso e a

manutenção no mercado formal de trabalho.

Outro uso da noção de qualificação é entendê-la como um processo

de qualificação/desqualificação inerente à organização capitalista do trabalho,

sendo o resultado da relação social entre capital e trabalho e da correlação de

forças entre ambos. O conceito de qualificação possui conotação social e

político-ideológica, que passam a ser explicitamente valoradas pelo capital.

(Manfredi,1998)

O processo de reorganização da economia e da flexibilização do

trabalho, não só tem afetado as condições de trabalho, como também estão

fazendo surgir novas formas de representação e ressignificação do conceito

de qualificação e sua substituição pelo de competência.

Esse aspecto, segundo Manfredi (1998), nos remete à outra questão

crucial, qual seja, a de desvelar as conotações valorativas e simbólicas

presentes na noção de competência, expressas pela sua ambivalência,

percebendo-a como inscrita num campo simbólico de disputa ideológica entre

capital e trabalho. A substituição da qualificação pela competência nos traz

Page 33: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

23

também a explicitação de tipos de competências e habilidades que passam

pela subjetividade e por componentes socioculturais, com conotações

claramente ideológicas.

Nesta mesma perspectiva, Ross (1998) considera também que o

mundo do trabalho exige cada vez mais produtividade e mais qualificação do

trabalhador, bem como sua adequação às novas tecnologias.

A educação, o trabalho e a organização política numa sociedade capitalista são as principais formas de participação social dos homens.[...] a preocupação pela produtividade e lucro faz com que o capitalismo estabeleça o sucesso profissional como elemento importante na escala de valores da sociedade contemporânea. [...] A integração social do trabalhador depende, por conseqüência, do sucesso de uma atividade produtiva [...]. O capitalismo exige, cada vez mais, trabalhadores qualificados para atuar no mercado de trabalho no exato limite de suas novas necessidades, este mercado exige conhecimentos mais amplos que no passado, elevando a demanda por maior qualificação média não apenas da força de trabalho, mas de todos os membros da sociedade (ROSS, 1998, p.53-54).

Embora exista despreparo de profissionais, principalmente das

pessoas com deficiência, por uma questão histórica de falta de

oportunidades, tanto educacional como de qualificação profissional por

formação ou por experiência no próprio trabalho, constata-se também que

isto, algumas vezes, torna-se, para muitas empresas, uma forma velada de

exclusão respaldada pelo discurso do mercado.

A concepção de qualificação e competências para o trabalho está

conformada com a ideologia dominante, que espera perfis e desempenhos

na ordem do capital e mercado flexível. A flexibilização assume o significado

da polivalência, da capacidade de aprender permanentemente e de ajustar-

se continuamente para atender às demandas do mercado. (Kuenzer, 2006).

Page 34: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

24

Nesta perspectiva, é esperado do trabalhador com deficiência ou não,

que produza e adapte-se aos critérios do multiprofissional, que atende as

demandas e aceite as condições de precarização de seu trabalho.

Estamos diante do fenômeno da empregabilidade (Renteria, 2010)

que é, senão, a capacidade do indivíduo de encontrar um emprego e

manter-se nele, devendo apresentar qualificação e competências exigidas

pelo mercado de trabalho.

Este mercado mostra-se, por vezes, perverso e coloca no plano

individual a responsabilidade de sucesso, impondo a política do

individualismo, que não considera o contexto e momento social, político e

econômico e responsabiliza o próprio trabalhador pelo sucesso ou fracasso

no seu desempenho profissional e manutenção no emprego.

Cortella (1997), nessa perspectiva, argumenta em consonância com

nossa crítica sobre essa política do individualismo, e considera que a

Empregabilidade é uma construção social, evolutiva e dinâmica, e não uma

atribuição isolada e exclusiva dos indivíduos. Considera ainda que essa

construção vem atrelada a qualidade de vida e do trabalho como direitos

substantivos.

Para Hirata (1997), os conceitos de empregabilidade e competência

caminham juntos e, por vezes, podem ser considerados sinônimos, segundo

literatura francesa usada como referência em sua obra. Ambos os conceitos

têm como referencial o indivíduo, e permitem uma certa simetria na relação

feita entre desemprego e dispositivos de formação.

Segundo a autora, na literatura econômica, a função que ocupa diz

respeito à passagem da situação de desemprego e ingresso no mundo dos

empregados. (Hirata, 1997, p. 32-33)

Page 35: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

25

A função ideológica e política do conceito de empregabilidade está

associado a uma política de seleção da empresa e implica em transferir a

responsabilidade da não contratação ou da demissão ao trabalhador.

Um trabalhador “não empregável” é um trabalhador não formado para o emprego, não competente. O acesso ou não ao emprego aparece como dependendo da estrita vontade individual de formação, quando se sabe que fatores de ordem macro e meso econômicas contribuem decisivamente para essa situação individual. (HIRATA, 1997, p. 33).

3.3. O trabalho e as pessoas com deficiência ao longo da história

Pretendemos aqui, fazer uma breve incursão histórica para melhor

compreender a trajetória da pessoa com deficiência no cenário histórico da

nossa civilização e situar o leitor sobre como a pessoa com deficiência foi

sendo inserida no momento histórico, político e econômico de cada época.

Não se tem indícios na história de como se comportavam os primitivos

em relação às pessoas com deficiência, mas tudo indica que essas pessoas

não sobreviviam. Os estudiosos concluem que a sobrevivência de uma

pessoa com deficiência nos grupos primitivos era impossível porque o

ambiente era muito desfavorável e porque nessas comunidades cada

indivíduo deveria prover o seu próprio sustento, e as pessoas com

deficiência representavam um fardo para o grupo. Só os mais fortes

sobreviviam e era, inclusive, muito comum que certas tribos se desfizessem

das crianças com deficiência.

Evidências arqueológicas (Silva, 1986) nos fazem concluir que no

Egito Antigo, há mais de cinco mil anos, a pessoa com deficiência integrava-

se nas diferentes e hierarquizadas classes sociais (faraós, nobres, altos

funcionários, artesãos, agricultores, escravos). A arte egípcia, os afrescos,

os papiros, os túmulos e as múmias estão repletos dessas revelações. Os

Page 36: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

26

estudos acadêmicos baseados em restos biológicos, de mais ou menos

4.500 a.C., ressaltam que as pessoas com nanismo não tinham qualquer

impedimento físico para as suas ocupações e ofícios, principalmente de

dançarinos e músicos.

Na Grécia, se pode constatar através dos filósofos Platão, no livro A

República, e Aristóteles, no livro A Política, trataram do planejamento das

cidades gregas indicando as pessoas nascidas “disformes” para a

eliminação. A eliminação era por exposição, ou abandono ou, ainda, atiradas

do aprisco de uma cadeia de montanhas chamada Taygetos, na Grécia.

A Política, Livro VII, Capítulo XIV, 1335 b, Aristóteles – Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos, terá de haver uma lei segundo a qual nenhuma criança disforme será criada; com vistas a evitar o excesso de crianças, se os costumes das cidades impedem o abandono de recém-nascidos deve haver um dispositivo legal limitando a procriação se alguém tiver um filho contrariamente a tal dispositivo, deverá ser provocado o aborto antes que comecem as sensações e a vida (a legalidade ou ilegalidade do aborto será definida pelo critério de haver ou não sensação e vida) (GUGEL, 2007, p. 63).

Em Esparta os gregos se dedicavam à arte da guerra, preocupavam-

se com as fronteiras de seus territórios, expostas às invasões bárbaras,

principalmente do Império Persa. Pelos costumes espartanos, os nascidos

com deficiência eram eliminados, só os fortes sobreviviam para servir ao

exército de Leônidas. Dentre os poetas gregos o mais famoso é Homero

que, pelos relatos, era cego e teria vivido em época anterior a VII a.C., e

escreveu os belos poemas de Ilíada e Odisséia.

As leis romanas da Antiguidade não eram favoráveis às pessoas que

nasciam com deficiência. Aos pais era permitido matar as crianças que

nasciam com deformidades físicas, pela prática do afogamento. Relatos nos

dão conta, no entanto, que os pais abandonavam seus filhos em cestos no

Rio Tibre, ou em outros lugares sagrados. Os sobreviventes eram

Page 37: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

27

explorados nas cidades por “esmoladores”, ou passavam a fazer parte de

circos para o entretenimento dos abastados.

No Império Romano que surgiu o cristianismo. A nova doutrina

voltava-se para a caridade e o amor entre as pessoas. As classes menos

favorecidas sentiram-se acolhidas com essa nova visão. O cristianismo

combateu, dentre outras práticas, a eliminação dos filhos nascidos com

deficiência. Os cristãos foram perseguidos, porém, alteraram as concepções

romanas a partir do século IV. Nesse período é que surgiram os primeiros

hospitais de caridade que abrigavam indigentes e pessoas com deficiências.

Os períodos marcados pelo fim do Império Romano (século V, ano

476) e a Queda de Constantinopla (século XV, em 1453), marcam o início da

Idade Média.

A Idade Média é marcada por precárias condições de vida e de saúde

das pessoas. A população ignorante encarava o nascimento de pessoas

com deficiência como castigo de Deus. Os supersticiosos viam nelas

poderes especiais de feiticeiros ou bruxos. As crianças que sobreviviam

eram separadas de suas famílias e quase sempre ridicularizadas. A literatura

da época coloca os anões e os corcundas como focos de diversão dos mais

abastados.

A Idade Moderna ocorreu de 1453 (século XIV), quando da tomada de

Constantinopla pelos Turcos otomanos, até 1789 (século XVIII) com a

Revolução Francesa. O período marcante dessa época é o que vai até o

século XVI, com o chamado Renascimento das artes, da música e das

ciências, pois revelaram grandes transformações, marcada pelo humanismo.

Essa fase da história da humanidade é marcada por vários

acontecimentos na área das deficiências. Personagens importantes marcam

a história, como Gerolamo Cardano (1501 a 1576), médico e matemático

que inventou um código para ensinar pessoas surdas a ler e escrever,

Page 38: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

28

influenciando o monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1520-1584) a

desenvolver um método de educação para pessoa com deficiência auditiva,

por meio de sinais. Esses métodos contrariaram o pensamento da sociedade

da época que não acreditava que pessoas surdas pudessem ser educadas.

No século XIX, em 1819, o então aluno do Instituto Nacional dos

Jovens Cegos de Paris, Louis Braille, modificou totalmente o sistema de

escrita noturna, desenvolvido pelo capitão francês Charles Barbier, criando o

sistema de escrita padrão para o Braille, usado por pessoas cegas até os

dias de hoje, permitindo sua integração ao mundo da linguagem e escrita.

O século XIX, ainda com reflexos das idéias humanistas da

Revolução Francesa, ficou marcado na história das pessoas com deficiência.

Finalmente, se percebia que elas não só precisavam de hospitais e abrigos,

mas, também, de atenção especializada.

Grupos de pessoas organizam-se em torno da reabilitação dos feridos

para o trabalho, principalmente nos Estados Unidos, Alemanha e França,

cuja preocupação era que os soldados feridos e mutilados pela guerra

pudessem ser reintegrados ao serviço militar para atuarem em outros ofícios

como o trabalho em selaria, manutenção dos equipamentos,

armazenamento dos alimentos e limpeza dos animais. Daí a constituição da

lei de obrigação à reabilitação e readaptação ao trabalho.

Essa idéia de reabilitação foi compreendida em 1884 pelo Chanceler

alemão Otto Von Bismark, que constitui a lei de obrigação à reabilitação e

readaptação no trabalho.

No Brasil, o Imperador Dom Pedro II (1840-1889), segue como

modelo o movimento da Europa e Estados Unidos e cria na cidade do Rio de

Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, atual Instituto Benjamin

Constant, por meio do Decreto Imperial nº 1.428, de 12 de setembro de

1854.

Page 39: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

29

Em 26 de setembro de 1857, o Imperador, apoiando as iniciativas do

Professor francês Hernest Huet, funda no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto

de Surdos Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES,

que com o tempo, passou a atender pessoas surdas de todo o país.

Por volta dos anos de 1902 até 1912, cresceu na Europa a formação

e organização de instituições voltadas para preparar a pessoa com

deficiência. Levantaram-se fundos para a manutenção dessas instituições,

sendo que havia uma preocupação crescente com as condições dos locais

onde as pessoas com deficiência se abrigavam. Já começavam a perceber

que as pessoas com deficiência precisavam participar ativamente do

cotidiano e integrarem-se à sociedade.

Nos anos que se seguiram, a Alemanha realizou o primeiro censo

demográfico de pessoas com deficiência, com o objetivo de organizar o

Estado para melhor atender essa camada da população.

Nos Estados Unidos, realizou-se a Primeira Conferência da Casa

Branca sobre os Cuidados de Crianças Deficientes e, na cidade de Boston,

em 1907, a Goodwill Industries International organizou as primeiras turmas

de trabalho protegido de pessoas com deficiência nas empresas. (Silva,

1986)

Após o período da Primeira Guerra Mundial, em 1919, com o Tratado

de Versailles, é criado um importante organismo internacional para tratar da

reabilitação das pessoas para o trabalho, no mundo, inclusive das pessoas

com deficiência: é criada a Organização Internacional do Trabalho – OIT.

Em 1933, o então Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano

Roosevelt, que era paraplégico, contribuiu para uma nova visão da

sociedade americana e mundial de que a pessoa com deficiência poderia ter

independência pessoal. Ele foi um exemplo seguido por muitos americanos

com deficiência que buscavam vida independente e trabalho remunerado.

Page 40: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

30

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo passa por uma

reorganização, tendo em vista as demandas do pós guerra, e no ano de

1945 em Londres é criada a Organização das Nações Unidas - ONU,

visando encaminhar com todos os países membros as soluções dos

problemas que afetavam o mundo. Os temas centrais foram divididos entre

as agências: ENABLE – Organização das Nações Unidas para Pessoas com

Deficiência, UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura, UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância,

OMS - Organização Mundial da Saúde.

Em 1948, a comunidade internacional se reúne na nova sede da

ONU, em Nova York e os dirigentes mundiais decidem então reforçar a

Carta das Nações Unidas, declarando em um só documento todos os

direitos de cada pessoa, em todo lugar e tempo. Nasce a Declaração

Universal dos Direitos Humanos.

Artigo 1º: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo XXIII 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e as que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses. Artigo XXV ... menção expressa à pessoa com deficiência, designada de “inválida”. 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu

Page 41: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

31

controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social (Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948).

É nesse tempo de reconstrução que as instituições voltadas para as

pessoas com deficiência se consolidaram em todos os países,

principalmente, buscando alternativas para sua integração social e

aperfeiçoamento das ajudas.

As pessoas com deficiência passaram muitos anos à margem das

sociedades de cada época, e excluídas, como mostra a história da evolução

da humanidade. No Brasil não foi diferente, elas também estiveram

segregadas do convívio com as outras pessoas, porém, passaram a se

organizar em movimentos sociais a partir da década de 70, momento em

que começam a reivindicar seus direitos por si mesmas, tornando-se

sujeitos de sua própria história.

A partir desse importante momento histórico, as pessoas com

deficiência passaram a caminhar em direção às mudanças e conquistas de

direitos, que até então lhes eram negados.

Ao se organizarem como movimento social, as pessoas com

deficiência buscaram novas denominações que pudessem romper com essa

imagem negativa que as excluía. O primeiro passo nessa direção foi a

expressão “pessoas deficientes”, que o movimento usou quando da sua

organização no final da década de 1970 e início da década de 1980, por

influência do Ano Internacional das Pessoas Deficientes.

Page 42: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

32

A inclusão do substantivo “pessoa” era uma forma de evitar a

coisificação, se contrapondo à inferiorização e desvalorização associada

aos termos pejorativos7 usados até então.

Posteriormente, foi incorporada a expressão “pessoas portadoras de

deficiência”, com o objetivo de identificar a deficiência como um detalhe da

pessoa. A expressão foi adotada na Constituição Federal de 1988 e nas

estaduais, bem como em todas as leis e políticas pertinentes ao campo das

deficiências.

Pode-se afirmar que o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência

cumpriu o objetivo desejado pela ONU. No Brasil, as pessoas com

deficiência ganharam destaque. Suas reivindicações por direitos e suas

mobilizações se fizeram notar como nunca antes havia acontecido, o

movimento ganhou visibilidade. A ONU procurou dar continuidade a esse

processo com a promulgação da Carta dos Anos 80, que apontava ações

prioritárias e metas para a década de 1980 que possibilitassem às pessoas

com deficiência integrar e participar da sociedade, com acesso à educação

e ao mercado de trabalho.(Brasil, 2010).

3.4. História do Surdo no Trabalho

A história do surdo no trabalho, data do século XIX, com a formação

dos movimentos surdos, quando um pequeno grupo de surdos reuniam-se

inicialmente para os chamados banquetes franceses para comemorarem o

aniversário de Abée de l’Epée8, responsável pela fundação da primeira

escola pública para surdos na cidade de Paris.

7 Até os anos 80 os termos pejorativos eram usados para chamara as pessoas com deficiência:

aleijado; defeituoso; incapacitado; inválido, mas a partir de 1981, Ano Internacional das Pessoas Deficientes, e passa-se a usar pela primeira vez o termo pessoa deficiente. (Sassaki, 2005, Terminologia sobre deficiência na era da inclusão). 8 A primeira escola pública para surdos foi fundada pelo Abade L’Epèe, na cidade de Paris em 1760,

tornando-se, em 1791, o Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris – INJS (Institut, 1994). Esta escola foi referência na educação de surdos nos séculos XVIII e XIX, onde se formaram vários professores surdos que fundaram novas escolas de surdos em diferentes países, como é o caso do Instituto Nacional de Surdos do Brasil, fundado a partir da chegada do professor surdo Hernest Huet, em 1857, na cidade do Rio de Janeiro. (Klein, 1998, Movimentos Surdos e os Discursos sobre Surdez, Educação e Trabalho: A Constituição do Surdo Trabalhador, UFRGS).

Page 43: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

33

Segundo Mottez (1992), estes encontros serviram de base para a

organização dos surdos, e o autor aponta o ano de 1834 em que iniciaram

os banquetes, como uma importante data da história dos surdos, e como o

ano do nascimento da nação surda.

O Instituto de Surdos Mudos de Paris teve como um de seus

objetivos, a preparação dos surdos para o trabalho.

A história ainda mostra o nascimento de associações para a defesa

dos direitos dos surdos trabalhadores, e tem como referência a associação

dos artesãos da Dinamarca no período de 1866 a 1893, que demandava,

além de políticas de lazer, recreação e assistência, tinham como

preocupação a questão do trabalho.

Os trabalhadores que integravam a comunidade surda eram

trabalhadores especializados, e a associação deveria ter como objetivo, o

mesmo das associações de trabalhadores, e estavam voltadas a encontrar

emprego para os trabalhadores desempregados.(Widell, 1992 apud Klein).

A maioria da comunidade surda consistia de trabalhadores especializados, e era característico do período que o objetivo da associação surda fosse semelhante ao objetivo das associações de trabalhadores. (...) Além disso, pretendiam encontrar emprego para trabalhadores especializados que estivessem desempregados (Widell, 1992, p. 21).

Nessa época, a alusão aos trabalhadores surdos era de

trabalhadores especializados, mas a situação dos surdos era bastante

difícil, pois, a maior parte dos surdos tinha baixa escolaridade, o que

facilitava a exploração por parte dos donos das indústrias. As associações,

então, tinham um papel fundamental no treinamento desses surdos, como

também nas negociações no sentido de conquistas legais de garantia de

educação e trabalho.

Page 44: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

34

O primeiro instituto para educação de surdos no Brasil foi fundado a

partir da chegada do professor surdo Hernest Huet (ex-aluno do Instituto

Nacional de Surdos Mudos de Paris) em 1857, na cidade do Rio de Janeiro.

Inicialmente fora denominado Imperial Instituto de Surdos Mudos, passou a

ter o nome de Instituto Nacional de Surdos Mudos em 1956, e Instituto

Nacional de Educação de Surdos - INES em 1957.

O INES foi responsável pelas primeiras iniciativas de

profissionalização dos surdos no Brasil, e em 1873, com nova direção, o

Instituto estabelece regulamento e a obrigatoriedade de ensino profissional.

Em 1932, foi criado no INES, o externato para meninas com oficinas

de costura e bordado, e os trabalhos em madeira para os meninos. Além

disso, foram reativadas as outras oficinas, como sapataria, encadernação e

douração. E em 1947, a nova direção do Instituto, assim como a anterior,

não admite a idéia de depósito asilar de surdos e investe principalmente na

sua profissionalização.

A partir das décadas de 60 e 70 surgiu a idéia de que bastava

conhecimento (educação) para se ascender a um lugar de trabalho,

independentemente de cor, sexo ou condição física. Fez-se necessário,

então, que se formasse o deficiente auditivo9 com o conhecimento para

exercer sua profissão. Nesse sentido, instituições e escolas especiais

trabalharam para capacitarem trabalhadores surdos. (Klein, 1998, p. 84)

Até hoje as instituições e escolas especiais, continuam qualificando

surdos para o mercado de trabalho, ajustando-se aos modelos pré-

estabelecidos pelas empresas no que se refere às competências10 exigidas

9 Deficiência auditiva: termo utilizado pela concepção médica da surdez, como deficiência. Neste

trabalho optamos pelo termo surdo, “surdo” traz embutida uma concepção sócio-antropológica que concebe a surdez como uma marca de identidade. SKLIAR, 1999. Educação e Exclusão: Abordagens Sócio-antropológicas em Educação Especial. 10

Competências: permite concentrar a atenção sobre a pessoa mais do que sobre o posto de trabalho e possibilita associar as qualidades requeridas do indivíduo e as formas de cooperação intersubjetivas características dos novos modelos produtivos. HIRATA, 1997, p. 29-30. Os mundos do trabalho: convergência e diversidade num contexto de mudanças dos paradigmas produtivos.

Page 45: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

35

do trabalhador para que tenha condições de empregabilidade11. Nessa

perspectiva, segundo Klein (1998), vive-se atualmente uma transformação

do discurso integrador, e a lógica do pleno emprego vem sendo substituída

pela lógica da empregabilidade, a partir do desenvolvimento das

competências individuais.

Klein (1998) afirma que esse processo de formação, por parte das

escolas especiais, não se resume à aquisição de conhecimentos

considerados úteis e necessários ao exercício de uma profissão. Há também

uma preocupação com todo o lado comportamental socialmente aceito, que

se refere a um disciplinamento do sujeito surdo para uma melhor adequação

ao mundo do trabalho.

Segundo Klein (1998), no decorrer da história das pessoas surdas,

suas profissões eram escolhidas por outros, considerando-se suas aptidões

naturais, por determinadas atividades serem ideais para elas.

O mercado de trabalho ainda hoje, mesmo com as transformações

ocorridas, com os novos paradigmas em relação à capacidade do surdo em

competir por melhores condições profissionais, oferece ainda ocupações que

julga “compatível” para o surdo, dentro de uma possibilidade restrita de

trabalhos mais repetitivos e mecanizados e pouco qualificados,

independente de sua formação.

O surdo veio se transformando e adequando suas necessidades,

seus anseios e desejos para adaptar-se ao mundo do trabalho, o que

confirma a pesquisa de Redondo,Carvalho (2000):

De modo geral, as pessoas portadoras de surdez têm procurado se preparar melhor para atender às exigências do mercado de trabalho, no que se refere à escolaridade, avançando em seus estudos e se empenhando em concluir

11

Empregabilidade: Empregabilidade é uma construção social, evolutiva e dinâmica, e não uma atribuição isolada e exclusiva dos indivíduos. (CORTELLA, 1997, p.22).

Page 46: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

36

cursos do ensino médio e superior. (Redondo,Carvalho, 2000, p.56).

Sobre a inserção do surdo no mercado de trabalho, Redondo,

Carvalho (2000), preocupada em sua pesquisa com os cargos/funções que

os surdos estavam ocupando, já pôde observar nos discursos dos surdos

empregados, que os mesmos não se sentiam totalmente satisfeitos na sua

condição de trabalhador.

Mesmo o surdo que já venceu o obstáculo do acesso à vaga e da manutenção do emprego não vê grandes chances de ascensão profissional. Isso acontece porque, em geral, as empresas não sabem que podem contar com a assessoria de entidades especializadas, ou de intérpretes da língua de sinais, para facilitar a participação do surdo em cursos de treinamento, atualização e reciclagem profissional, dentro da

própria empresa (Redondo,Carvalho, 2000, p.57)

[...]muitos dos profissionais surdos apontam o trabalho como fonte de realização, e satisfeitos por terem tido uma chance de mostrar sua capacidade de trabalho [...]para muitos outros predomina o descontentamento trazido pelos baixos salários, pela realização de tarefas incompatíveis com seus interesses, pela sensação de poder produzir melhor em outras ocupações e também pelas dificuldades de ascensão

profissional (Redondo,Carvalho, 2000, p.57).

Para Klein (1998), que em seus estudos enfoca a questão da

educação, o que inclui a qualificação profissional, avalia que, uma visão

mais integrada em relação ao “deficiente auditivo” tem substituído os velhos

discursos que enfocavam somente aspectos patológicos da surdez.

Atualmente, considera-se o indivíduo surdo em todas as suas dimensões e

isto inclui o âmbito social em que o trabalho está inserido.

A pessoa surda está potencialmente apta a desempenhar variadas

ocupações existentes no mercado de trabalho, desde as mais simples às

mais qualificadas, no entanto, um grande número destes profissionais

aguarda uma oportunidade de trabalho que, devido ao desconhecimento de

suas potencialidades pelos empregadores, tem deixado o surdo à margem

do mercado de trabalho, ou ainda são contratados para cumprimento da lei

Page 47: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

37

de cotas e para funções incompatíveis com seus conhecimentos e

qualificações.

3.5. A organização dos surdos e suas conquistas sociais

Consta da história dos movimentos surdos, que a primeira Associação

Brasileira de Surdos-Mudos, foi fundada em 1930 com um pequeno número

de surdos, ex-estudantes no INES. Outra Associação foi fundada em maio

de 1953, com a ajuda de uma professora de surdos. Era composta por um

grupo de surdos da Congregação de Surdos do Rio de Janeiro (Alvorada) e

ex-estudantes do INES e desenvolvia competições esportivas e atividades

de lazer.

A segunda Associação de Surdos-Mudos foi a de São Paulo, fundada

em 19 de março de 1954.

Em 1956, foi fundado a terceira Associação de Surdos de Belo

Horizonte, em Minas Gerais.

As Associações têm como objetivo promover competições esportivas,

festas comemorativas e outras atividades de lazer, que permitem aos surdos

usuários da Língua de Sinais a possibilidade de encontros frequentes nas

associações de surdos.

Esses encontros acabam contribuindo para a preservação da Língua

de Sinais e da Identidade Cultural Surda e, conseqüentemente, para o

fortalecimento da luta pelos direitos dos surdos.

Na história dos surdos, inúmeros movimentos foram acontecendo na

sua trajetória na educação, trabalho e acessibilidade, e muitas conquistas

foram conseguidas para melhoria de sua condição de vida e cidadania.

Em 1977 foi criado no Rio de Janeiro, a Federação Nacional de

Educação e Integração dos Deficientes Auditivos – FENEIDA, com uma

diretoria de ouvintes.

Page 48: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

38

Em 1978, profissionais ouvintes fundaram oficialmente a Federação

Nacional de Educação e Integração do Deficiente Auditivo – FENEIDA, no

Rio de Janeiro. O encontro, que deu origem ao desejo de se fundar uma

associação em âmbito nacional, aconteceu no Instituto Nacional de

Educação de Surdos (INES).

Nesse encontro, a participação e a proposta da Fenapaes (

Federação Nacional das Apaes) era unificar as entidades ligadas aos

“deficientes da audiocomunicação” sob a tutela da Federação. A proposta

não foi aceita pelo grupo em reunião, em dezembro de 1977, encontro que

contou com a presença do professor americano Steve Mathis e onde

estavam presentes a Federação Brasileira de Surdos, a Federação Carioca

de Surdos-Mudos, a Associação Alvorada de Surdos, a Associação dos

Surdos do Rio de Janeiro e os membros do Projeto Integração.

A Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo – FENEIS

foi fundada em 16 de maio de 1987, sob a direção de um grupo de surdos

em contraposição à Feneida e contou com a presença de representantes de

associações de surdos de vários Estados brasileiros. Tal mudança não se

referiu apenas a uma simples troca de nomes, mas marcou uma

representação discursiva sobre a identidade e a cultura surdas.

Assim, a ideia de que os sujeitos surdos deveriam ser ajustados à

sociedade ouvintista12 passou a ser explicitamente combatida na mesma

medida em que o status de “minoria linguística”13 passou a ser defendido.

12

Ouvintismo” : Segundo Perlin (1998), O ouvintismo deriva de uma proximidade particular que se dá entre ouvintes e surdos, na qual o ouvinte sempre está em posição de superioridade. Outra idéia é a de que não se pode entender o ouvintismo sem que este seja entendido como uma configuração do poder ouvinte. Em sua forma oposicional ao surdo, o ouvinte estabelece uma relação de poder, de dominação, onde predomina a hegemonia através do discurso e do saber. O ouvintismo designa, academicamente, o estudo do surdo do ponto de vista da deficiência, da clinicalização e da necessidade de normalização. O ouvintismo não está ligado ao preconceito, não significa que viver o ouvintismo é ter preconceito com o surdo, e não é o mesmo que oralismo. 13

Minoria lingüística: Os surdos formam uma comunidade lingüística minoritária caracterizada por compartilhar uma Língua de Sinais e valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios. A Língua de Sinais constitui o elemento identificatório dos surdos. (SKLIAR, 1998).

Page 49: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

39

A Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS)

e a Confederação Brasileira de Surdos (CBS), fundada em 2004, possuem

uma representatividade mais ampla. São organizações filantrópicas sem fins

lucrativos que desenvolvem atividades políticas e educacionais, lutando

pelos direitos culturais, linguísticos, educacionais e sociais dos surdos no

Brasil. São entidades preocupadas com a integração entre os surdos.

A FENEIS é uma organização de âmbito nacional. Em nível local, os

surdos mantêm associações e clubes cujo objetivo principal é reunir o grupo

de surdos por meio de contatos sociais, linguísticos, culturais e esportivos.

A FENEIS é filiada à Federação Mundial de Surdos (Word Federation

of the Deaf – WFD), criada em 1951 e com sede na Finlândia. A WFD teve

influência decisiva nas recomendações da UNESCO, em 1984, no

reconhecimento formal da Língua de Sinais como língua natural das pessoas

surdas, garantindo que crianças surdas tivessem acesso a ela o mais

precocemente possível.

Em 1983, é criada no Brasil a Comissão de Luta pelos Direitos dos

Surdos, o que vem culminar com a substituição da Feneida pela FENEIS.

Em 1986, o Centro SUVAG, de Pernambuco, faz opção pelo

bilingüismo (uso de duas línguas, a de sinais e a língua majoritária da

comunidade ouvinte), tornando-se o primeiro lugar no Brasil onde

efetivamente esta orientação passou a ser praticada.

Na década de 90, a LIBRAS já começa a ser reconhecida, e em 1991,

é oficialmente reconhecida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, pela lei

10.397 de 10/01/91. Em 1994, começa a ser exibido na TV Educativa o

programa Vejo Vozes (out/94 a fev/95), usando a Língua de Sinais

Brasileira.

No ano de 1995, é criado por surdos, no Rio de Janeiro, o Comitê

Pró-Oficialização da Língua de Sinais.

Page 50: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

40

No ano de 1996, são iniciadas, no INES, em convênio com a

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisas que envolvem

a implantação da abordagem educacional com bilingüismo em turmas da

pré-escola, sob a coordenação da lingüista Eulália Fernandes.

Como formas de acessibilidade, em 1998 , a TELERJ ( Rio de

Janeiro), em parceria com a FENEIS, inaugurou a central de atendimento ao

surdo - através do número 1402, o surdo em seu TS, pode se comunicar

com o ouvinte em telefone convencional.

E ainda no âmbito da acessibilidade, em 1999, começam a ser

instaladas em todo Brasil tele salas com o tele curso 2000 legendado.

Ainda em 1999, a Pós Graduação em Educação da Faculdade de

Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em

conjunto com o Núcleo de Pesquisas em Políticas Educacionais para Surdos

e em parceria com a FENEIS do Rio Grande do Sul organizou o V

Congresso Latino Americano de Educação Bilíngüe para Surdos. Por

ocasião do V Congresso, grupos de trabalhos de pessoas surdas se uniram

no Pré-Congresso de Educação Bilíngüe para Surdos, de 20 a 21 de abril de

1999, para a discussão das propostas para a formação do professor surdo e

da formação do intérprete de LIBRAS.

O ano de 2000 foi marcado por várias conquistas também no tocante

a situação da Língua de Sinais no Brasil, e algumas leis são aprovadas em

nível estadual, como Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo, Alagoas, Ceará,

Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Nas lutas por acessibilidade, os surdos

conseguem uma importante conquista, com a inclusão do Closed Caption,

em alguns programas de televisão. No Rio de Janeiro e Maranhão, é

regulamentada a profissão de Intérprete.

Em Minas Gerais, por meio da Lei nº 13.623, de 11 de julho de 2000,

todas as mensagens publicitárias do governo, incluindo as campanhas

eleitorais, são obrigadas a exibirem legendas ou tradução em LIBRAS.

Page 51: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

41

Também em Minas Gerais, o Projeto de Lei nº 1.163, de autoria do deputado

Geraldo Resende, busca assegurar aos surdos o direito de serem atendidos

nas repartições públicas estaduais de Minas Gerais, em LIBRAS.

Em 2001, o Programa Nacional de Apoio à Educação do Surdo, a

Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS-RJ) em

parceria com o Ministério de Educação e Cultura (MEC), capacitou 80

surdos no Brasil para serem Instrutores de LIBRAS.

Nesse mesmo ano, aconteceu a Primeira Conferência dos Direitos e

Cidadania dos Surdos do Estado de São Paulo - I CONDICISUR – 2001-

"Viva a sua diferença", que motivou a criação da Lei de Libras, Intérpretes e

TV com Legenda e Closed Caption.

A Conferência apresentou propostas na conquista de seus direitos e

exercício pleno da cidadania relacionado à educação, cultura, família, saúde,

esportes, direitos e deveres, trabalho, Língua de Sinais, comunicação,

associações e movimentos do surdo.

Em setembro de 2001, no Programa Nacional de Apoio à Educação

do Surdo, a FENEIS-RJ, em parceria com o MEC e com o INES – capacitou

54 professores/intérpretes no Brasil para atuarem como professores nas

escolas inclusivas e desenvolveu métodos de ensino e materiais didáticos

para serem utilizados com os alunos surdos.

Em 24 de abril de 2002, é sancionada a Língua Brasileira de Sinais -

LIBRAS em nível federal, pela Lei de LIBRAS n° 10.436.

No ano de 2004, o decreto-lei 5.296 de 2 de dezembro de 2004

regulamenta as Leis n° 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá

prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de

dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a

promoção da acessibilidade.

Page 52: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

42

Mas somente em 2005, através do decreto de lei de n° 5.626/05, a Lei

da Libras (10.436) é regulamentada, tendo passado por reuniões técnicas

para a consulta pública de sua regulamentação na Secretaria de Educação

Especial (SEESP/MEC) com a participação de Instituições e Universidades

públicas e privadas.

Os relatos sobre os anos posteriores são marcados por entusiasmo e

determinação na luta pelo reconhecimento da Língua de Sinais, pelos

direitos das crianças, adolescentes e adultos surdos à educação, ao lazer, à

cultura, ao trabalho, entre outros.

Page 53: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

43

4. DISCUSSÃO TEÓRICA

Para embasar meus estudos e entendimentos sobre a questão da

inclusão do surdo no mundo do trabalho, procurarei entende, por meio de

definições teóricas de alguns autores, os temas de: inclusão, estigma,

identidade, identidades profissionais, identidade surda, diversidade e

diversidade nas organizações. Pretendemos ainda discutir a surdez numa

concepção sócio-antropológica da surdez.

A partir desses conceitos, tentarei apresentar uma compreensão dos

fatores que envolvem o processo de inclusão no trabalho, abordando as

questões de discriminação e dificuldades por que passam os trabalhadores

surdos nos seu processo de adaptação ao trabalho, e as condições que a

empresa oferece a este trabalhador para que ele tenha igualdade de acesso

à carreira, tendo em vista a exclusão como forma de inclusão perversa.

Discutiremos também as identidades, com base na visão sociológica

de Dubar (2009), as crises das identidades profissionais, na visão da crise

do trabalho na França, nos anos 80. Ainda no tema identidade, nos

apropriaremos da concepção de Ciampa (2004), da identidade como

metamorfose.

4.1. Inclusão

Neste trabalho vamos tratar da inclusão social, que é definida como

um conjunto de meios e ações que combatem a exclusão aos benefícios da

vida em sociedade, exclusão esta, provocada pela posição de classe social,

origem geográfica, educação, idade, existência de deficiência ou

preconceitos raciais.

Page 54: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

44

A sociedade inclusiva considera a diversidade e busca atender a

individualidade de cada um, desde os privilegiados até os marginalizados.

Para abordar a questão da inclusão, partirei dos conceitos e

definições do tema exclusão, que segundo alguns autores, tecerão

considerações de que a inclusão provém da exclusão ou, mais que isso,

será a exclusão uma inclusão perversa. (Sawaia, 1999)

O tema exclusão é atual e representa todas as minorias à margem da

sociedade, os considerados grupos em situação de risco e desigualdade

social em relação ao grupo social majoritário.

O tema inclusão passa pela abordagem das questões da

desigualdade social (Castel, 2004), num contraponto com Sawaia (1999), no

que trata a exclusão, do ponto de vista da vulnerabilidade criada pela

degradação das relações de trabalho.

A noção de exclusão social é criticada por Castel (2004),

primeiramente, pela heterogeneidade de seus usos, designando inúmeras

situações diferentes, encobrindo a especificidade de cada uma. Considera

ainda que a mesma enfatiza apenas os aspectos negativos voltados para a

não integração de um grupo ou do indivíduo em uma categoria dada. Castel

propõe a noção de desafiliação14 social, que visa analisar as situações,

colocando em evidência seu caráter dinâmico e dialético. Há sempre algum

tipo de inserção ou de afiliação do sujeito individual ou coletivo, no interior de

certas categorias e sistemas sociais.

A inclusão passa a ser a palavra de ordem, e voz para as

reivindicações de direitos desses grupos desfavorecidos, mas segundo

Sawaia (1999), não se pode reduzir exclusão somente ao fator econômico

(Castel), pois, na exclusão estão envolvidos todos os processos sociais,

psicológicos, políticos e históricos que determinaram tal condição. Sawaia

14

A expressão “desaffilié” é um neologismo na língua francesa. O termo tem sido traduzido por desfiliar e/ou desafiliar, termos também inexistentes na língua portuguesa.

Page 55: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

45

(1999) se utiliza de Espinosa, que apresenta um sistema de ideias em que

todos os processos são fenômenos éticos e da ordem do valor. A reflexão da

autora sobre a exclusão é a partir da afetividade, qualificando-a de “ético-

política”.

Existem formas sutis de exclusão que conduzem a uma aparente

inclusão, que camufla uma exclusão, entendida como inclusão perversa.

Dessa forma, conclui-se que não há exclusão antes de uma inclusão.

Assim, a idéia de exclusão social supõe uma lógica que preside um

padrão de relações em uma sociedade que, ao mesmo tempo, inclui e exclui

por meio de um conjunto de valores que a orienta.

Sawaia (1999) vai tratar a exclusão do ponto de vista da dialética

exclusão/inclusão, dos processos psicológicos e da contribuição da

psicologia social.

A exclusão vista como sofrimento de diferentes qualidades recupera o indivíduo perdido nas análises econômicas e políticas, sem perder o coletivo. Dá força ao sujeito, sem tirar a responsabilidade do Estado. [...] mas ele não é uma mônada responsável por sua situação social e capaz de, por si só superá-la. É o indivíduo que sofre, porém esse sofrimento não tem a gênese nele, e sim em intersubjetividades delineadas socialmente (SAWAIA,1999, p. 99).

A inclusão do surdo no trabalho do ponto de vista da lei, o coloca em

condições de igualdade, no que diz respeito ao seu reconhecimento como

trabalhador com direito de ocupar um posto de trabalho como qualquer outro

trabalhador.

Porém, os meandros dos mecanismos da exclusão estão presentes

nas dinâmicas organizacionais que, apesar da lei, ainda não reconhecem

este indivíduo, as mudanças internas, ou seja, na empresa e nas pessoas

ainda não ocorreram, portanto, os estigmas permanecem presentes nas

relações com o diferente.

Page 56: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

46

Desta forma, de que inclusão falamos? De que inclusão vivenciam os

surdos nos seus sofridos processos de integração e de ajustamento às

condições de trabalho que, por vezes, é precária no sentido das relações

com os outros, uma vez que sua forma de comunicação não é reconhecida?

A inclusão passa pela imposição de uma lei, e não pela aceitação e

respeito à diferença.

Nessa perspectiva, há que se acreditar que medidas compensatórias

e ações afirmativas de políticas neoliberais dos governos, nos levam a

resultados de pseudo-inclusão.

Segundo Oliveira (2004), que faz um estudo rigoroso da categoria

inclusão nas obras de Marx, considera que no modo de produção capitalista,

todas as formas de inclusão são sempre subordinadas, concedidas, porque

atendem às demandas do processo de acumulação. Ainda segundo o autor,

o círculo entre exclusão e inclusão subordinada é condição de possibilidade

dos processos de produção e reprodução do capital, sendo constitutivo

lógico necessário das sociedades capitalistas modernas.

4.2. Estigma e preconceito

A noção de estigma considerada por Goffman (1988) nos reporta a

uma compreensão e referência teórica em relação ao que determina a

identidade social do indivíduo, como real ou virtual, dependendo de nossas

expectativas, que faz com que imputamos ao outro, características daquilo

que acreditamos que possua como pessoa.

O termo estigma será tratado aqui como uma marca, ou estigma,

atribuídos a uma determinada pessoa ou grupo, como um atributo negativo,

depreciativo.

Para Goffman (1988), existem três tipos de estigma. Há, em primeiro

lugar, várias deformidades físicas, em segundo lugar, as culpas de caráter

Page 57: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

47

individual, como prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo, desemprego,

tentativas de suicídio e comportamento político radical. E por último, os

estigmas tribais, de raça, nação e religião, que podem ser transmitidos por

linhagem e contaminar por igual todos os membros de uma família.

[...] fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida. Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, como as de classe social (GOFFMAN,1988, p. 15).

Nesta perspectiva, os surdos são estigmatizados como um grupo que

tem um “defeito”, uma marca e, muitas vezes, sentem-se inseguros frente ao

olhar do outro normal e de como esse outro o identifica. Na condição de

indivíduo estigmatizado, o surdo poderá ter o sentimento de não ser uma

“pessoa normal”, considerando-se não merecedor de uma oportunidade

legítima. (Goffman, 1988)

4.3. Identidade e identidades profissionais

Para embasar teoricamente o meu estudo, e conceituar identidade,

pretendo me concentrar e trazer para esta discussão as contribuições de

três autores o entendimento da questão da identidade do trabalhador surdo,

e para isso, me apropriarei de algumas ideias destes autores para poder

explicar o processo de individualização e subjetividade do sujeito surdo.

Entre os autores que escolhi para o entendimento de meu estudo,

destacarei Ciampa (2004), que define a partir da concepção da identidade

psicossocial, afirmando que a identidade tem o caráter de metamorfose, ou

seja, as mudanças ocorrem constantemente. A aparência da identidade é de

algo que não muda.

A identidade, para a psicossocial, pressupõe a realidade social na

qual o indivíduo está inserido. A identidade de uma pessoa é considerada

Page 58: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

48

pelos cientistas sociais, um fenômeno social e não natural. Para Ciampa

(2004), a identidade pode ser entendida como o próprio processo de

identificação, considerando a representação como processo de produção.

Assim, a identidade que se constitui no produto de um permanente

processo de identificação aparece como um dado e não como um dar-se

constante que expressa o movimento do social. (Ciampa, 2004, p. 68)

Na abordagem de Dubar (2009), ele vai definir identidade a partir de

algumas considerações importantes sobre historicidade das formas

identitárias.

Abordará as novas formas de individualidade, como resultado, não

voluntário nem programado, de processos que se modificam em

conseqüência de transformações maiores nos campos econômico, político e

simbólico das relações sociais (Dubar, 2009, p. 26).

Dubar (2009), vai fazer um percurso sobre a crise das identidades e

para explicar alguns pontos de seu trabalho relativo à identidade, se utilizará

de alguns eixos teóricos que abordarão a questão da identidade, do ponto

de vista político, a relação do Eu-Nós (Norbert Elias), Do ponto de vista de

sua significação subjetiva, da ordem do simbólico (Max Weber), que não

utiliza o termo identidade, e faz uma análise mais abrangente da ação

humana, e Marx sobre o processo de libertação e consciência de classe,

fator econômico. Aborda Foucault sobre a “preocupação consigo mesmo”,

pensando na condição de um individualismo que valoriza os aspectos

privados da existência

A construção da identidade pessoal vai permear a construção das

identidades para as relações pessoais, de trabalho, e de crenças político-

religiosas.

Segundo Dubar (2009), a individualização nas formas das identidades

vai constituir uma ameaça de exclusão e isolamento para as vítimas do

Page 59: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

49

capital e das novas formas de precarização. A individualização se torna o

produto da destruição dos vínculos comunitários pelo desemprego, pela

mobilidade forçada e pela concorrência generalizada.

Com base nas considerações do autor acerca da crise das

identidades profissionais: As identidades profissionais são maneiras

socialmente reconhecidas, de os indivíduos se identificarem uns aos outros

no campo do trabalho e do emprego (DUBAR, 2009, p.117-18) reporta-nos a

questão da identidade profissional do surdo, no mundo do trabalho,

considerando sua diferença no ambiente corporativo

4.4. Diversidade

A ideia de diversidade está ligada aos conceitos de pluralidade,

multiplicidade, diferentes ângulos de visão ou de abordagem,

heterogeneidade e variedade. E, muitas vezes, também, pode ser

encontrada na comunhão de contrários, na intersecção de diferenças, ou

ainda, na tolerância mútua.

Atrelado ao conceito de diversidade, vem o novo paradigma da

contemporaneidade, que determina um período histórico denominado de

pós-modernidade, que valoriza o pluralismo das idéias, aproximação e

valorização das diferentes culturas.

No contexto da pós-modernidade, as minorias e os grupos

marginalizados passam a ser preocupação das políticas públicas, que visam

minimizar e compensar a histórica exclusão e marginalização social destes

grupos.

Page 60: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

50

4.5. Diversidade nas organizações

Diversidade surge como um modelo de administração, em resposta à

política de ação afirmativa nos Estados Unidos a partir dos anos 1960.

(Alves & Galeão-Silva, 2004)

A diversidade nas organizações pressupõe uma ideologia

tecnocrática, que procura deslocar o tratamento das desigualdades sociais

do âmbito político para a administração de recursos humanos das empresas

(Alves & Galeão-Silva, 2004). Para os autores, a ação afirmativa baseia-se

na compreensão de que problemas sociais não são naturais e necessitam

de interferência de medidas políticas que minimizem e revertam as

desigualdades dos grupos sociais atingidos por diferentes formas de

exclusão, e que têm o seu acesso dificultado às diversas oportunidades.

As ações afirmativas podem ser entendidas como um conjunto de

políticas, práticas e orientações públicas de caráter compulsório, que têm

por objetivo retificar as desigualdades historicamente impostas a uma

parcela da sociedade. Dessa forma, as ações, afirmativas surgem como

articulação entre as noções de igualdade e equidade, como respeito à

diversidade, sendo a garantia do reconhecimento de que a sociedade é

composta por pessoas que são diferentes, não existindo padrão único de ser

humano (Souza, 2006, p. 20).

Nessa perspectiva, as ações afirmativas, para efetivarem a igualdade

de direitos, valem-se fundamentalmente da noção de equidade na medida

em que esta significa uma forma de justiça que garante o espaço público da

diferença. (Souza, 2006, p. 21).

No caso do acesso às condições de equiparação de oportunidades de

desenvolvimento profissional para o trabalhador com deficiência, as políticas

acorrem atrás de suprir o ônus histórico das desigualdades sociais, a que foi

Page 61: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

51

submetido os grupos das “minorias”, no caso, os surdos especificamente,

objeto desse estudo.

Com as políticas de ações afirmativas, as organizações incorporaram,

mas ainda não reconhecem a existência da discriminação de determinados

grupos, para se justificarem no discurso da dificuldade no recrutamento das

pessoas com deficiência pela falta de qualificação existente no mercado.

A partir do momento em que a contratação de pessoas pertencentes

aos grupos sociais excluídos, tornou-se obrigatória e inevitável, os

administradores passaram a incorporar a novidade ao sistema administrativo

por meio das políticas de gestão de diversidade, e esta gestão tornou-se,

então, parte integrante da ideologia dos administradores (Alves & Galeão-

Silva, 2004)

Nessa perspectiva, as empresas se utilizam-se de tecnologia

administrativa para lidar com um problema social, tratando as diferenças

entre as pessoas como vantagem competitiva. (Souza, 2006, p.30). Na

concepção de Alves & Galeão Silva (2004), a diferença neutralizada

transforma-se em mercadoria e pode ser gerenciada como um recurso da

organização.

A onda da gestão “socialmente responsável” revestiu os discursos

empresariais, aqui entendidos como processos de engenharia

organizacional que alinham a organização ao mercado no nível retórico, de

afirmações quanto à promoção da diversidade dentro das empresas. Os

resultados de algumas recentes pesquisas que se propuseram a verificar a

coerência entre o discurso e as práticas em algumas empresas têm sido,

entretanto, desanimadores: o fato de as empresas brasileiras contratarem

indivíduos diferenciados não significa que os estejam tratando de forma

igualitária. Essas pesquisas revelam discrepâncias entre o dito e o feito

pelas organizações, entre a modernidade do discurso e o conservadorismo

das práticas. (Schimidt, 2007).

Page 62: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

52

4.6. A concepção sócio-antropológica da surdez

A terminologia “Deficiente Auditivo” ou DA passou a ser rejeitada

porque define o surdo segundo uma concepção clínico-patológica de sua

capacidade ou de não ouvir – com uma gradação dessa capacidade – e que,

por isso, concebe a surdez como uma situação a ser consertada por meio de

treinamento de fala e audição, adaptação precoce de aparelhos de

amplificação sonora individuais, intervenções cirúrgicas como o implante

coclear, etc. Já o termo “surdo” traz embutida uma concepção sócio-

antropológica que concebe a surdez como uma marca de identidade.

Segundo Skliar (1997), foi a partir da década de 60, que duas

observações importantes levaram outros especialistas, como antropólogos,

linguistas e sociólogos a interessar-se pelos surdos, e daí geraram uma

visão totalmente oposta à clínica, surge então uma perspectiva sócio-

antropológica da surdez.

Segundo o autor, por um lado, os surdos formam comunidades cujo

fator aglutinante é a Língua de Sinais, apesar da dita repressão pela

sociedade e pela escola. Por outro lado, a confirmação de que surdos, filhos

de pais surdos, apresentam melhores níveis acadêmicos, melhores

habilidades para aprendizagem da língua oral e escrita, níveis de leitura

semelhantes as do ouvinte, uma identidade equilibrada, e não apresentam

os problemas sociais e afetivos próprios dos filhos surdos de pais ouvintes.

Os surdos formam uma comunidade linguística minoritária

caracterizada por compartilhar uma Língua de Sinais e valores culturais,

hábitos e modos de socialização próprios. A Língua de Sinais constitui o

elemento identificatório dos surdos. (Skliar, 1998)

Constituindo-se, assim, como uma comunidade que compartilha o uso

de uma mesma língua e se comunica de forma eficaz e eficiente, ou seja,

Page 63: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

53

desenvolveram as competências lingüística, comunicativa e cognitiva, por

meio do uso de uma Língua de Sinais própria daquela comunidade.

Desta forma, a comunidade surda apresenta uma visão diferenciada,

já que não leva em consideração a perda auditiva dos surdos e sim o seu

potencial. Por meio da Língua de Sinais, a deficiência se dilui e permite aos

surdos que se constituam como uma comunidade minoritária diferente, e não

como um desvio da normalidade.

Nessa perspectiva, é relevante que consideremos as identidades

surdas, do ponto de vista das particularidades dessa comunidade. Para

definir identidades surdas, Perlin (1998), utiliza-se de Hall (1997), que

entende o conceito de identidade do ponto de vista pós-moderno. Segundo

essa concepção, as identidades são plurais, múltiplas que se transformam,

que não são fixas, imóveis, estáticas ou permanentes. A identidade é algo

em construção móvel que pode frequentemente ser transformada.

Do ponto de vista das identidades surdas, Perlin (1998) considera que

a identidade surda sempre está em proximidade, em situação de

necessidade com o outro igual. O sujeito surdo nas suas múltiplas

identidades sempre está em situação de necessidade diante da identidade

surda.

As identidades surdas não se diluem totalmente no encontro e na

vivência em meios socioculturais ouvintes, mas assumem formas

multifacetadas, em vista das fragmentações a que estão sujeitas, face a

presença do poder ouvintista (Perlin, 1998, p.54).

A cultura surda e a Língua de Sinais ganharam importantes

argumentos em sua defesa quando, em meados de 1960, o linguista Willian

Stokoe publicou o livro Language Structure: an outline of the visual

communication system of the american deaf (Estrutura de Linguagem: uma

abordagem do sistema de comunicação visual do surdo americano), no qual

Page 64: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

54

afirma que a língua de sinais americana tinha todas as características da

língua oral.

Ao se conferir status de “língua” à Língua de Sinais, os surdos

puderam reafirmar com mais força e argumentação o seu pertencimento a

uma comunidade linguística que lhes provê uma cultura e uma identidade

próprias.

Não há como negar a complexidade que existe nas relações entre

cultura, linguagem e identidade; mas também não se pode negar que o fato

de pertencer a um mundo de experiência visual e não auditiva traz uma

marca identitária significativa para essa parcela da população, que reafirma

sua diferença perante o mundo ouvinte e, assim, legitima sua luta por

direitos e pela sua existência como cidadãos.

Page 65: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

55

5. METODOLOGIA

5.1. Apresentação da metodologia e dos procedimentos para escolha dos sujeitos da Pesquisa

Com base na fundamentação teórica que foi apresentada, e análise

de conteúdo tomamos como base a orientação para os procedimentos e

análise dos dados da pesquisa.

Tendo em vista a abordagem qualitativa, em que as representações

sobre o assunto (Gaskell, 2002) são mais importantes do que a quantidade

de entrevistados, optou-se por uma amostragem intencional, dirigida a

segmentos relevantes para o estudo: seis trabalhadores surdos e quatro

representantes de duas empresas, direta ou indiretamente ligados a estes

funcionários.

Os dados serão analisados buscando-se compreender as ideias e

posturas, e a representação social da inclusão no trabalho, a construção do

sentido deste trabalho e as questões de subjetivação do trabalhador surdo,

numa perspectiva sócio-histórica da Psicologia.

Os sujeitos escolhidos para a realização do estudo foram seis surdos

adultos, com faixa etária acima de 18 anos, que atualmente estão

trabalhando em quatro diferentes empresas de São Paulo, de diferentes

atividades no mercado.

Para a escolha dos sujeitos obedecemos aos critérios iniciais, de que

estivessem empregados com, no mínimo, um ano de atividade na empresa.

Tal critério foi ao encontro do que foi pensado para empresas mais recentes

em contratações de profissionais surdos.

Page 66: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

56

Dos surdos entrevistados, quatro passaram pelo programa de

Empregabilidade da Derdic, em orientação e encaminhamento para o

trabalho, ou pelos cursos de qualificação e, posteriormente, também

encaminhados ao mercado.

Os sujeitos seriam escolhidos intencionalmente para os propósitos da

pesquisa, e divididos em três grupos de surdos, ou seja: dois trabalhadores

surdos que haviam sido contratados e permaneciam na mesma função, dois

trabalhadores surdos que tiveram mudança de posto de trabalho, mas sem

ascensão profissional e dois trabalhadores surdos que tiveram oportunidade

de promoção no trabalho.

Porém, os surdos que responderam a pesquisa, não foram

selecionados exatamente dentro desses critérios, devido a algumas

dificuldades em conseguir acesso às empresas, principalmente, as de maior

porte, em que o número de surdos trabalhando é maior e a diversidade de

situações e condições de trabalho também poderiam variar mais, inclusive,

em relação ao tempo em que estavam trabalhando na empresa e as

possibilidades de promoção no emprego.

Algumas empresas que haviam inicialmente concordado em conceder

as entrevistas e autorizado seus funcionários a participarem, não

confirmaram a participação na pesquisa, após diversas tentativas de contato

por telefone ou por meio de correio eletrônico.

Dois dos sujeitos surdos que concederam entrevista se dispuseram a

participar de forma voluntária, independentemente das empresas para as

quais trabalhavam e, inclusive, deixaram claro que essas organizações não

aceitariam participar das entrevistas. Portanto, apresentaremos as

entrevistas destes trabalhadores surdos, sem as entrevistas dos

representantes da empresa, que dariam seus depoimentos do ponto de vista

do empregador, os quais viriam ao encontro do objetivo da pesquisa.

Page 67: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

57

As empresas escolhidas para participarem da pesquisa foram

escolhidas, inicialmente, de forma intencional, conforme características no

mercado voltadas para o objetivo da pesquisa. Os critérios que foram

utilizados definiram por aquelas empresas que já contratavam trabalhadores

surdos e as que contratavam mais recentemente estes trabalhadores.

Elegemos, inicialmente, como uma das empresas sendo do ramo

industrial metalúrgico de grande porte, localizada em São Bernardo do

Campo, no ABC Paulista, município da grande São Paulo, que tem no seu

quadro de funcionários hoje, 55 pessoas com deficiência, das quais 23 são

surdas e, em sua maioria, atuando na área de produção.

Outra empresa convidada a participar da pesquisa, é da área de

engenharia e projetos, localizada na região da Lapa, na zona oeste da

cidade de São Paulo, sede da empresa, e tem hoje no seu quadro de

funcionários, dois surdos trabalhando na área administrativa. A empresa tem

outras filiais no interior de São Paulo e outros Estados do Brasil, que

também contrata pessoas com deficiência.

A primeira não participou da pesquisa, depois de variadas tentativas

de autorização e agendamento para a realização das entrevistas. A pessoa

do setor de Recursos Humanos, nosso contato na empresa, nos informou

que não conseguiriam nos atender, devido ao grande volume de trabalho

que o setor demandava naquele momento e que, portanto, não participariam

da pesquisa proposta.

Diante dessa recusa, verificamos outra empresa de grande porte, do

ramo de iluminação elétrica, localizada em Osasco, município da região da

grande São Paulo.

Embora não fosse critério de escolha, as duas empresas participantes

da pesquisa já tinham contratado funcionários surdos provenientes do

Programa de Qualificação e Colocação do Surdo no mercado de trabalho, da

Page 68: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

58

Derdic e do total de funcionários surdos, parte deles encaminhados pela

Derdic, participaram das entrevistas para a referida pesquisa.

A pesquisa de campo foi realizada entre os dias 21 de julho e 03 de

agosto de 2011, nas dependências das duas empresas participantes da

pesquisa, para as entrevistas com as duas partes envolvidas no objeto

desse estudo, empregador e o surdo empregado. As entrevistas foram

previamente autorizadas, e no momento da entrevista também, quando

foram esclarecidos pelo pesquisador o objetivo e a importância da pesquisa,

e confirmado o consentimento de participação e gravação das entrevistas.

Nesse momento, o pesquisador também explica sobre a utilização do

intérprete para a realização das entrevistas.

Desta forma, para a realização das entrevistas com os trabalhadores

surdos, embora o pesquisador tivesse conhecimento da Língua Brasileira de

Sinais – LIBRAS, fizemos a opção pelo uso do intérprete para a tradução

simultânea das entrevistas que foram gravadas e posteriormente transcritas.

Tanto a gravação dos relatos como a utilização da interpretação em

LIBRAS, deu ao pesquisador uma liberdade para conduzir as entrevistas, de

forma que pudesse interferir nos relatos do entrevistado, retomando os

assuntos, mudando a forma de perguntar para clareza do entrevistado e até

mesmo acrescentando perguntas ao roteiro no decorrer das entrevistas, no

sentido de melhor entender suas colocações e posições.

O recurso do intérprete teve o objetivo de garantir maior precisão do

conteúdo relatado pelo sujeito surdo entrevistado, e permitiu maior liberdade

do pesquisador para conduzir a entrevista, estendendo-se ou retomando

alguns pontos, quando necessário, além de proceder à gravação do relato.

Os dados foram coletados a partir de entrevistas semi-estruturadas,

com perguntas abertas em questionário pré-estabelecido para orientação

das entrevistas realizadas com seis trabalhadores surdos, sendo que quatro

Page 69: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

59

deles tiveram a correspondência de seus respectivos empregadores,

representados pelos supervisores diretos nos seus setores de trabalho e por

profissionais responsáveis pelo setor de Recursos Humanos da empresa,

indiretamente ligados aos funcionários surdos.

As entrevistas feitas com os dois surdos voluntários foram realizadas

numa das salas da Derdic, por se tratar de local neutro e de mais fácil

acesso para o encontro, tanto para os entrevistados como para a

pesquisadora.

As entrevistas tiveram como objetivo, o levantamento por meio das

experiências dos supervisores com pessoas surdas no trabalho, a visão da

empresa sobre a inclusão do surdo no mercado de trabalho, e as reais

condições de ascensão profissional, consideradas suas limitações na

comunicação.

Direcionamos nossas entrevistas com os trabalhadores surdos para

os aspectos profissionais deles, enfocando sua trajetória profissional no

mundo do trabalho, embora no primeiro bloco de perguntas, tenhamos feito

uma incursão pela vida escolar desses trabalhadores, a fim de conhecer seu

percurso na educação, incluindo os percalços e facilidades que poderiam ter

influenciado na sua vida profissional.

As entrevistas realizadas com os trabalhadores surdos visaram

conhecer, do ponto de vista deste trabalhador, qual é a sua situação na

política de carreira da empresa, quais são as condições de equiparação de

oportunidades para sua ascensão profissional na organização.

Para análise dos dados da pesquisa, foram utilizadas outras fontes de

pesquisa e informações referentes a outros estudos feitos nessa área,

referências de trabalhos/pesquisas já existentes sobre inclusão de surdos e

pessoas com deficiências no mercado de trabalho, ou da temática

diversidade nas organizações.

Page 70: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

60

5.2. Caracterização dos sujeitos da Pesquisa 5.2.1. Caracterização dos trabalhadores surdos participantes da pesquisa:

Participaram da pesquisa dois sujeitos do sexo feminino e quatro do

sexo masculino, com idades entre vinte e quatro e trinta e cinco anos.

Destes participantes, dois deles tem formação em Ensino Superior, um no

Médio, e os outros três em Ensino Fundamental completo ou Médio

incompleto.

Os entrevistados estão no mínimo dois e máximos sete anos

contratados pela empresa atual e foram escolhidos por estas empresas para

participação da pesquisa. As escolhas dos quatro funcionários surdos para

participação na pesquisa seguiu também o critério de os mesmos terem

passado pelo programa de qualificação ou orientação da Derdic, e terem

sido encaminhados para trabalharem na empresa, pela mesma instituição. O

conhecimento prévio que tinham dessa instituição veio a facilitar um pouco a

abertura e disponibilidade da empresa para a realização das entrevistas.

Os outros dois surdos entrevistados se ofereceram como participantes

voluntários da pesquisa, por conhecerem a Derdic, e por um deles ter um

laço mais estreito de parentesco com uma professora da Instituição, a qual

nos indicou essas pessoas. No entanto, esses trabalhadores surdos,

concordaram em participar da pesquisa, mas não se sentiram a vontade

para que procurássemos suas empresas para também participarem, pois

acreditavam que elas não gostariam de se expor. Acreditavam que essas

organizações não estariam abertas para esse tipo de exposição, por se

tratarem de empresas de grande porte e muito conhecidas e reconhecidas

no mercado por sua área de atuação.

Page 71: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

61

Os limites colocados pelos entrevistados foram respeitados por uma

questão ética e respeito a seu direito de preservação diante da empresa, e

nesse sentido, analisamos as informações das entrevistas concedidas por

eles, levando-se em conta somente as suas impressões e percepções diante

do problema pesquisado, sem qualquer alusão à organização empregadora.

Dos seis entrevistados, quatro já tinham tido experiências

profissionais anteriores à empresa atual, três dos quais tendo atuado

inicialmente a área de produção, ou somente na área de produção de

pequenas ou grandes empresas.

Tabela 1 - Descrição dos trabalhadores surdos entrevistados

Surdos Idade Sexo Formação Situação atual Anos* Cargo

S1 29 M Sup. Pós ADM. 06 Técnico de software S2 24 F Sup. Não estuda 04 Analista de Aliança S3 34 M EM Não estuda 02 Aux. Administrativo S4 35 M EM Não estuda 02 Mensageiro S5 35 M EM Supletivo 07 Operador de produção S6 35 F EF Não estuda 07 Operadora de produção

*permanência na empresa em anos. Fonte: Elaboração da autora a partir da coleta de dados.

5.2.2. Caracterização das empresas participantes da pesquisa

Participaram deste estudo duas empresas, que chamaremos de E1 e

E2.

A E1 é uma indústria de iluminação elétrica no mercado há mais de

cinquenta e cinco anos. Tem hoje em seu quadro funcional,

aproximadamente 570 funcionários e tem no momento, por volta de 20

surdos contratados, sendo que, sua cota para contratações é de 22 PcDs,

4% do total de funcionários.

Os vinte funcionários surdos da empresa ocupam os cargos de

operador de produção desde sua contratação a partir de 2001.

Page 72: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

62

Com relação ao tempo de permanência dos funcionários surdos

contratados pela empresa, os dados variam de dois a dez anos, sendo que a

maioria estão na empresa desde 2001.

A empresa optou pela contratação de surdos, devido as condições de

acessibilidade, uma vez que os surdos não apresentavam dificuldades para

locomoção, dispensando as adaptações do espaço físico, principalmente no

ambiente da fábrica onde todos estão alocados.

A empresa está localizada em Osasco, região oeste da grande São

Paulo, sendo a única fábrica e matriz no Brasil e possui três filiais,

caracterizados como sendo pequenos escritórios, voltados à área de

representação. Esses escritórios estão localizados em Goiás, Recife e Porto

Alegre.

A E2, é uma empresa de gerenciamento e fiscalização de projetos na

área de engenharia civil, no mercado há, aproximadamente, 30 anos. A

empresa atua na parte de gerenciamento das obras públicas ou privadas,

faz todo o processo de consultoria e assessoria às empresas contratantes

dos serviços. A empresa conta hoje com o total de 1.100 funcionários, e tem

aproximadamente 52 PcDs contratados, sendo que sua cota para

contratações é de 55 PcDs, 5% do total de funcionários. A empresa

contrata as PcDs desde 2005, tendo iniciado com a contratação de

deficientes intelectuais.

A empresa estabeleceu um convênio com o sindicato patronal que,

por sua vez, fez um acordo com a DRT (Delegacia Regional do Trabalho)

que agrupou as empresas do mesmo ramo de atividade, e estabeleceu um

acordo coletivo para a redução das cotas até agosto de 2010. Após esse

período, estas empresas prestaram contas sobre as suas contratações de

PcDs.

A sede e matriz da empresa está localizada na zona oeste da cidade

de São Paulo como escritório central e possui escritórios filiais, que tem

Page 73: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

63

como função administrar contratos específicos, um deles na região do

centro, e outros, como os dos municípios de Jundiaí e Barueri também em

São Paulo. Outros escritórios estão localizados em Belo Horizonte, Espírito

Santo, Maranhão e Ceará.

Tabela 2 - Descrição das empresas entrevistadas

Empresa Setores/Áreas Anos Nº Func. Cota PcD Início contratações

PcD

E 1 RH Produção

17 16

570 22 20 surdos*

2001

E 2 RH Recursos Materiais

2 10

1.100 55 52** 2 surdos

2005

* a empresa só contrata surdos, devido às condições de acessibilidade de espaço físico.

**pcds contratados na matriz em São Paulo e nas filiais distribuídas pelo Brasil. Fonte: Elaboração da autora a partir da coleta de dados.

5.3. Análise dos dados da pesquisa

As entrevistas com os trabalhadores surdos foram divididas em cinco

blocos na tentativa de agrupar algumas categorias para a análise dos

conteúdos apresentados.

O primeiro bloco refere-se a sua identificação, dados de sua trajetória

na educação, época em que teve despertado o interesse em trabalhar,

preparação para o trabalho e início de suas atividades profissionais.

O segundo bloco tratou do início de suas atividades profissionais, de

sua trajetória no mundo do trabalho.

O terceiro bloco teve como objetivo investigar sua condição atual no

trabalho, além de sua trajetória no emprego atual e condições de

desenvolvimento profissional dentro dessa organização.

O quarto bloco tratou das condições que o trabalhador surdo teve em

relação às oportunidades de crescimento profissional, bem como sobre que

tipo de barreira pode ter dificultado a sua ascensão.

Page 74: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

64

O quinto e último bloco teve o objetivo de conhecer o nível de

satisfação com o atual emprego.

Nessa perspectiva, dividimos as respostas das entrevistas dos surdos

pesquisados, procurando analisar os dados do ponto de vista da discussão

teórica que fundamentou esse estudo.

As respostas foram agrupadas em algumas categorias com o objetivo

de organizar e facilitar a análise dos dados apresentados.

Do ponto de vista dos surdos trabalhadores, iniciaremos pelo primeiro

bloco de questões relativas ao início de sua vida escolar, primeiros

interesses, expectativas e iniciativas para a obtenção do primeiro emprego.

Nos relatos dos surdos entrevistados, aparece na sua trajetória pela

educação, os discursos de suas experiências em escolas especiais para

surdos e as escolas comuns para ouvintes. Nas suas passagens por longos

ou curtos períodos pelas escolas de ouvintes (dessa forma referidas pelos

surdos), são unânimes em dizer-se com muitas dificuldades em relação à

comunicação e aprendizado, uma vez que os professores e colegas, não

tendo conhecimento da Libras e não havendo o recurso do intérprete,

tornava o contato do surdo com o ouvinte muito difícil e muito sofrido pelo

isolamento a que ficavam submetidos, mesmo quando esse surdo era

oralizado ou tinha uma boa compreensão por meio da leitura orofacial.

Podemos observar isso nos fragmentos das entrevistas:

Relatos de S1: Funcionário de uma empresa multinacional americana da

área de equipamentos de informática e comercialização de software:

Acho que comecei a estudar com 3 ou 4 anos mais ou menos, mas primeiro estudei escola de ouvintes, minha família não tinha muito conhecimento sobre escola de surdos, depois pesquisou a escola, e encontrou primeiro a HK depois a família procurou outra escola, fiquei na HK pouco menos de um ano, e depois fui para o AS, era mais próximo da minha casa, fiquei pouco tempo lá... depois a S.

Page 75: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

65

veio fazer estágio aqui na Derdic, porque ela estudava na PUC, e eu vim estudar aqui, acho que em 93, na terceira

série e depois fiquei até o final, até a oitava série.

Depois fui para o colégio R, não tinha intérprete, no começo não tinha intérprete, não tinha nada. Eu sofri bastante, sofri muito. Eu lembro pensei em desistir, e quase desisti, todo dia era muito difícil, por exemplo, teve um dia em que os alunos estavam se preparando, se mexendo, e eu perguntei o que era... Era prova, e eu não sabia. Isso aconteceu várias vezes. Hoje tem prova? Isso aconteceu várias vezes.

No começo só tinha eu de surdo, depois tinha outro na minha sala mesmo, mas ele mudou, depois de um ano foi pra outra unidade. Naquela época não era obrigatório o intérprete ainda. Nos dois primeiros anos não tive intérprete, no terceiro ano é que teve intérprete, foi obrigado a contratar intérprete, aí a escola contratou, foi bem melhor, me ajudou muito. Não ficava mais preocupado em ficar olhando para a cara do professor, e o professor podia ficar a vontade, andar tranquilo pela sala. Antes toda hora tinha que falar para o professor voltar, era tão ruim, o intérprete avisava que era prova, me ajudou demais.

No primeiro ano eu não tinha nem experiência de conviver com pessoas ouvintes, não na escola com pessoas ouvintes... Então as pessoas falavam várias coisas e eu ficava sem entender. Por exemplo, Física, aquele monte de fórmulas, eu não entendia do jeito que ele explicava, era muito difícil de entender. O primeiro ano foi pior, no segundo ano eu comecei a ter mais coragem, eu tentava me fortalecer... mas sempre perguntando e confirmando com o professor quando que tinha prova, entrega de trabalho, sempre tinha que ficar perguntando, às vezes tinha o grupo de ouvintes, alguns me ajudavam, mas não era cem por cento..... ah! hoje tem prova? esqueciam de me avisar... poxa! a prova é tão importante, e os colegas diziam, ah, desculpe esqueci de avisar, era horrível e o professor nem ligava, sabia que eu era surdo, mas andava pela sala, falava de costas, não ligava.

Tinha um professor, o pior, era professor de inglês, eu explicava... olha, eu sou surdo! Ele nem ligava. Um dia passou um vídeo com música, e eu fiquei ali sem entender nada. Eu sou surdo, não tem uma adaptação pra mim, por escrito, alguma coisa? O professor respondeu, não, nada.

Na escola foi sempre muito difícil, eles tinham o mundo de ouvintes... às vezes eles se aproximavam...ah, o surdo é legal, mas logo acabava, eu tentava entrar, falar com eles, mas é muito difícil. Por exemplo, na faculdade, a gente sai

Page 76: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

66

pra jantar, aí fica todo mundo conversando, eu tento, mas é difícil, muito difícil. Os assuntos que consigo participar, por exemplo, eu gosto de esporte, então vamos jogar vôlei, eu jogo bem... Quando interessa pra eles, tenho boa prática esportiva, mas quando tem o intervalo, outro assunto, aí já fica diferente, entende? Eu tento entrar, mais é difícil. Às vezes tem um ou dois, que ficam mais juntos, mais unidos assim, mas não dá pra estender pra todos, não.

.

Relato de S2: funcionária surda de uma multinacional americana da área de

Tecnologia da Informação; 24 anos, oralizada.

Entrei na Derdic tinha 2 anos e meio, fiquei aqui até os sete anos, até primeira série. Aí fui pra escola ouvinte.

Mais difícil? É que aqui eu tava acostumada a falar língua de sinais e quando fui pra escola ouvinte e tive que trabalhar com a fala... falar ao invés de sinais... daí foi mais difícil... às vezes eu esquecia, falava sinais, a pessoa não entendia. Por exemplo, aqui na Derdic o professor falava por sinal,

professor dava aula por sinal. Lá professor não fazia sinais... às vezes falava de costas, andava na sala, eu não entendia. Eu brincava muito no parque... e a menina falava muita palavra... eu não entendia a palavra, eu me perdia... até hoje me perco... eu sentia muito diferente... aqui não.

Nas disciplinas... português, até hoje tenho dificuldade com português... matemática, não, física, não, química, não... minha mãe sempre me ajudou, ela era formada engenharia química, então química, física e matemática... (risos)... não tinha problema... agora, o português... era muito difícil... até hoje tenho dificuldade.

Relato S3: funcionário surdo de empresa de gerenciamento de projetos de

engenharia; 34 anos, oralizado.

Comecei a estudar com três anos na escola HK, até 1988... depois, outra escola de ouvinte... tinha nove, dez anos em 88. Fui escola de ouvintes, porque a professora do HK

falava que eu falava bem e, por isso, precisava ir pra escola de ouvintes. Tentei estudar, consegui passar... três anos na escola ouvinte...duas vezes fui reprovado, na terceira série... não deu certo.

Na escola de ouvinte faltava comunicação, faltava intérprete... O professor falava, eu não entendia... também pouco contato com os ouvintes, poucos amigos... pouco

Page 77: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

67

contato, pouca integração, não ajudavam. A professora não ficava preocupada, não se importava com dificuldade. Aí pai e mãe perceberam as dificuldades e então procuraram novamente HK. Voltei na terceira série... da terceira até oitava, 1997. Aí fui segundo grau em outra escola... escola de ouvinte... não tinha escola para surdos segundo grau... poucos surdos, aí tentei, acostumei... um pouco difícil... perguntava pra outros alunos, alguns alunos ajudavam, havia uma troca... a professora tinha dificuldade comigo, não tinha intérprete... fui indo, aí passei. Terminei 2003, segundo grau... 22 anos. Aí não tinha objetivo pra fazer faculdade.

Relato S4: funcionário surdo da empresa de gerenciamento de projetos de

engenharia; 35 anos:

Comecei a estudar com oito anos, 1984. Escola comum de ouvintes. É foi difícil? Professora entendia que eu era surdo... mas não tinha LIBRAS perfeito, não, né, porque antigamente... mas depois, conforme foi crescendo, aí encontrei outro surdo... queria aprender LIBRAS...1991 comecei a aprender LIBRAS. É, sempre escola comum, nunca fui escola de surdos. Mais ou menos, algumas palavras que não conhecia... na verdade, tinha dificuldade em tudo, né? Todas as matérias.

Poucos amigos. Antes de 1991 tinha só os amigos da escola, não tinha amigos fora da escola. Queria conhecer, aumentar, conhecer mais surdo, né? Fiquei admirado com surdos, mas só depois de 1991 na Lapa comecei a ver os surdos... tinha os surdos, eles ficavam gesticulando... eu não entendia, não conhecia Língua de sinais... aí fui perguntar o que era, eles foram explicar. Aí fui conhecendo as pessoas...

Relato S5: funcionário surdo da indústria de iluminação elétrica; 35 anos:

Iniciou seus estudos com 4 anos de idade, na Derdic,

escola para surdos, ficou até 1992, quando estava na 5ª série. Família mudou-se para o interior de São Paulo. No interior continuou estudando, mas numa escola para ouvintes... teve muitas dificuldades... era legal estudar, mas era um pouco difícil... Fui passando de ano, foi indo, bastante dificuldade... parei na 7ª série, era difícil acompanhar, fazer leitura labial.

Relato de S6: funcionária surda da indústria de iluminação elétrica; 35 anos:

Comecei a estudar no IST, é difícil lembrar... faz tanto tempo, tinha mais ou menos 8 anos... depois foi para o

Page 78: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

68

Helen K. com 14 anos.. é difícil lembrar ... faz muito tempo. O ensino no Santa Terezinha era melhor, mas era muito mais caro pra pagar... o HK era muito fraco.... Terminei a

oitava com 22 anos, mais ou menos... Matemática era mais ou menos, história, português ciências era mais fácil. O português era mais ou menos. O português é difícil, os verbos são muito difíceis... na escola perguntava bastante coisa, a professora ensinava bastante coisa, eu aprendia, mais ou menos... As matérias eram mais ou menos fáceis, consigo ler um pouco, pouco, né?

Isso nos reporta às questões da cultura e das identidades surdas em

que a necessidade que o surdo tem de contato com sua língua e com seus

pares é de suma importância para a formação de sua identidade. Para Perlin

(1998), o encontro surdo-surdo é essencial para a construção da identidade

surda, é como abrir um baú que guarda os adornos que faltam ao

personagem. As identidades surdas estão aí, não se diluem totalmente no

encontro ou na vivência em meios socioculturais ouvintes. Os surdos são

surdos em relação a experiência visual e longe da experiência auditiva.

(Perlin, 1998, p.54)

Essa constatação nos remete à história da educação do surdo, que

durante anos privilegiou a oralidade em detrimento da língua de sinais, o que

resultou em dificuldades no seu desenvolvimento cognitivo e social e em

grande sofrimento na sua trajetória acadêmica que, de certa forma, veio

refletir na sua vida profissional.

Quanto às questões do início de suas atividades profissionais e de

sua trajetória no mundo do trabalho, os relatos são da ordem das

dificuldades em conseguir o primeiro emprego e as conquistas profissionais

a um preço bastante alto, com sacrifícios e demonstração de atitudes de

superação. Os sentimentos de desvalorização profissional, acomodação e

gratidão por ter um emprego e os esforços por mostrar-se competente são

conteúdos que marcam também os relatos dos trabalhadores surdos na sua

trajetória profissional.

Page 79: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

69

S1: Até o terceiro colegial, não pensava ainda em trabalhar, não pensava nisso. Quando você entra na faculdade, parece que você já está assim, amadurecido. As pessoas, você começa a ver as pessoas com gravata, assim, eu pensei, eu vou trabalhar mesmo. Durante o primeiro ano, só estudava na PUC... tinha vontade de trabalhar, sim. As pessoas de

paletó, gravata, eu queria andar assim, eu tinha vontade, achava que ia ser legal, achava que tinha a ver com a faculdade.

Aí, no segundo ano PUC começa a divulgar que vocês vão ter que fazer estágio, cumprir os estágios... comecei a entregar currículo... Consegui uma entrevista... Primeiro foi a... Fiquei pouco tempo, um mês e meio mais ou menos, são aqueles cursos preparatórios, é contratado e fica em treinamento.

Eu fazia várias inscrições, mandava currículo, pesquisei site do CIEE, vários sites, apareceu o programa de estágio da... aí eu me inscrevi, pesquisei sozinho... eu mandava currículo pra vários lugares, mas eu não tinha muita experiência, meu currículo era muito... Sem experiência, isso era muito difícil... mesmo assim eu mandava... Depois de uns 3 meses que eu mandei, eles me chamaram. Eu já estava para iniciar o treinamento da outra empresa, faltavam 2 semanas, aí a... me chamou, a seleção era dentro do CIEE mesmo, eles faziam e depois encaminhavam. Teve uma entrevista, eu e outro surdo, uma entrevista coletiva, não fiquei satisfeito, porque tinham ouvintes e outros deficientes. Ficou ruim, e eu pensava, todos os ouvintes vão passar e a gente (surdos) vai ser reprovado. A pessoa perguntava oralmente, a gente nem entendia a pergunta, e os ouvintes já estavam respondendo. Nesses momentos, eu mesmo parava e perguntava, falava, não estou entendendo, fala mais devagar, repete... eu fiquei perguntando o tempo todo, não sei se ele achou ruim ou não, mas eu fiz, porque eu não estava entendendo. Depois deram uma prova em inglês, totalmente em inglês, eu fiz, entreguei. Eu e o outro surdo pensamos, a gente não vai passar, eles responderam tudo, e a gente ficava meio perdido. Na época conhecia pouco inglês, muito pouco.

Era um estágio de dois anos vinculado a faculdade, mas teria salário, convênio, era um salário como se fosse uma bolsa, mais ou menos o valor da faculdade, mas era razoável. Eles estavam procurando exatamente isso, pessoa que tivesse faltando dois anos pra terminar a faculdade, e eu estava exatamente no segundo ano.

Quando eu cheguei pra falar com o chefe, eu percebi que ele não esperava que eu fosse surdo, o RH seleciona e não avisa o chefe que eu sou surdo. A hora que sentei, eu

Page 80: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

70

percebi que a chefe ficou com um estranhamento... ah, ele é surdo? Ficou meio perdida, aí a moça do RH explicou, pediu calma e explicou. Ela falou, então tudo bem, vamos tentar, vamos conversar. Conversamos, com a ajuda do intérprete.

A moça do RH falou, se você entrar... Nunca teve nenhum surdo na empresa, nunca teve outro, porque antes, na empresa, eles tinham uma cultura de não aceitar qualquer diferença, tinham poucos negros, poucos deficientes, só brancos eram aprovados, era uma cultura assim, bem americana, bem fechada.

Depois das etapas de seleção para o novo emprego, percebe-se um

esforço do surdo em mostrar sua capacidade, provar que é capaz tanto

quanto os funcionários ouvintes. É uma “luta” diária tentando provar sua

competência e seu valor para chefias e colegas. O surdo tem que se

superar, não pode deixar que o fato de ser surdo, não lhe dê a condição de

conquistas e equiparação com os ouvintes:

S1 relata sua experiência nesse sentido:

“Eu ficava muito perdido no começo, mas minha diretora era uma mulher, minha diretora, ela me ajudou bastante, falava, fica calmo, vai dar tudo certo... não fica preocupado assim, presta atenção que tudo vai dar certo. Eu tinha muito interesse também, e ela me fazia entender como funcionava aquela área, o que acontecia lá... ela não era a que manda só, ela trabalhava junto com equipe... ela sempre sabia o que tava acontecendo com a equipe, se uma pessoa tinha um problema, então ela falava, calma. Falava comigo... o que você está precisando, precisa mudar isso, mudava, ela foi muito legal pra mim, muito legal mesmo.

Eu sabia que não era assim... está legal e fica confortável, não... eu sabia que tinha que aumentar minhas responsabilidades, então alguém falava, agora você vai ter que aprender a fazer isso, então eu tinha que aprender a fazer aquilo.

Outra coisa que era muito difícil pra mim eram as reuniões, na verdade, eu sentia que nem precisava estar naquelas reuniões, mas eu sabia que precisava daquelas informações, então eu ficava. Por exemplo, tem que fazer

Page 81: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

71

uma mudança ou vai ficar assim, eu precisava daquele dado pra fazer... Então eu não podia deixar de ir... Ah, surdo não combina com reunião, era um sacrifício, eu tinha que passar por sacrifício e ir. Eu via, eles falavam, eu concordo, não concordo, eu falava, meu deus... vou tentar pegar alguma coisa... por exemplo, vinha um especialista em vendas, ele mostrava os resultados... quando terminava tudo, eu falava, posso conversar com você? Pode me mandar por email, conversar um pouco... ele, muitas vezes, mandava aquele slides pra eu entender, sempre eu ficava pedindo, por favor, será que você pode, sempre tinha que fazer assim, era sempre assim.”

S2:

Quando eu estava no terceiro colegial, eu já estava na escola ouvinte... e queria fazer faculdade... Então eu falei, vou ter que procurar um emprego pra pagar a faculdade. Foi que eu consegui, arrumei meu primeiro emprego pra pagar a faculdade. Eu tinha dezenove anos. Eu terminei com dezoito, e com dezenove anos eu consegui emprego e entrei na faculdade.

Não escolhi muito meu primeiro emprego. Eu conseguia a oportunidade e aceitava o emprego... é... depende, por exemplo... trabalhar na produção... trabalhar numa sala, num escritório... aí, sim, mas trabalhar na produção, não.

Primeiro emprego... primeiro foi a... Eu consegui trabalhar na ... eu trabalhava nos arquivos... no computador, não na área de produção, não. Até hoje também.

S4: Tinha mais ou menos 16 anos, e aí resolvi que queria

trabalhar, estudava de manhã e a tarde queria trabalhar, mas não tinha nenhum registro ainda, né? Tinha dezesseis anos, comecei a trabalhar em uma oficina de carro, de pintura de carro, com pintura de carro, lixar carro... era bem jovem.

Quando já tinha dezoito anos, na sétima série eu estava, aí pedi que precisava procurar um emprego melhor, a minha mãe não deixou procurar outro emprego melhor... ele perguntou, por quê? A mãe falou, primeiro terminar a oitava série e depois procurar outro emprego Tinha que ter paciência, né? Depois, já tinha vinte anos quando terminei a oitava série... consegui emprego, aí mudou, passei a estudar à noite.

Page 82: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

72

S5:

Com 21 anos, resolvi trabalhar, procurar emprego... comecei a trabalhar. No interior, tentei trabalhar, procurei, mas não encontrei... trabalho surdo difícil. Resolvi que precisava trabalhar, porque precisava ajudar a família, e queria ter meu próprio dinheiro.

Meu primeiro emprego foi num Lava Rápido, depois trabalhei numa marcenaria, fazendo móveis, mesas para computador. Meu terceiro emprego foi numa empresa de portões automáticos, e esse emprego atual, que foi o melhor que consegui. Antes, nos outros trabalhos não consegui melhorar.

Nessa empresa (atual), trabalhei durante 5 anos direto, depois saí, e pedi pra voltar. Fui demitido devido à crise (apagão mais ou menos 2006), que houve uma queda na produção das lâmpadas elétricas. Depois procurei novamente a empresa porque não conseguia arrumar outro trabalho, e quando a empresa se estabilizou e voltou a produzir, me chamou de volta para trabalhar.

Quando entrei nessa empresa, eu tinha a oitava série completa, mas não estava estudando e continuei sem estudar, e somente quando fui demitido, voltei a estudar, e até hoje estou estudando, cursando o primeiro colegial supletivo.

S6:

Comecei a trabalhar com 22 anos, em 2004, meu primeiro emprego foi aqui mesmo... fui à Derdic, ligaram pra minha mãe. Me chamou pra fazer ficha, falou, explicou o lugar... Derdic ajudou, chamou. Foi encaminhada para a empresa X,

essa aqui. Trabalho há sete anos.

Uma vez relatadas as primeiras experiências desses trabalhadores

surdos no mundo do trabalho, vamos conhecer suas impressões e opiniões

sobre suas trajetórias e condição de trabalho na empresa em que trabalham

hoje, bem como, das condições de promoção com os seus facilitadores e

fatores impeditivos para seu crescimento profissional.

Page 83: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

73

Pudemos observar também no discurso do surdo, um sentimento de

desvalorização profissional e sua constatação de que a empresa preocupa-

se em atender a lei de cotas, não dando nenhuma chance de crescimento

para o surdo na empresa. Por outro lado, mostra um desejo de prosperar, de

desenvolver-se no trabalho e nos estudos, como se pode observar na

entrevista da funcionária surda (S2) de uma multinacional americana da área

de Tecnologia da Informação:

Olha, o que é difícil até hoje, é você não ser promovida, por causa da lei da cotas, eles querem o deficiente... qualquer tipo de deficiente pra não pagar multa, né? Agora, eles te oferecem vários benefícios, mas se você pede pra ser promovido, você pede aumento de salário... ah é difícil,... eu te contratei pela cota... já fala, minha chefe mesmo falou. Já conversei com ela, ou você vê pelo meu trabalho ou você vê pela cota.

A empresa paga todos os benefícios. Você vai ver no RH, se é contratado pela cota, você sabe que é difícil, né? O salário é o mesmo, eu já fui como assistente, e agora sou consultora de aliança, porém, consultora de aliança, não na carteira, só mudou o nome no sistema da empresa. A função muda, mas não o salário, e quando você vai aprender coisas novas, falam, você vai fazer isso, aprender isso... mandam fazer curso, eu já fiz vários cursos que a empresa pediu. Mas não é promoção. Aí ela (a chefe) fala, você foi contratada pela cota e é difícil você subir. Vou ao RH e é blábláblá, mas não muda, é difícil.

Percebe-se uma “acomodação” do trabalhador devido a sua condição

de surdez com dificuldade de comunicação ou com baixa escolaridade,

portanto sem chance de ser promovido. Dessa forma, mostra um sentimento

de gratidão à empresa por ter-lhe oferecido emprego e por mantê-lo

empregado. Isso é observado nos fragmentos de depoimentos na entrevista

da funcionária da empresa de iluminação elétrica, na qual trabalha há sete

anos na área de produção:

Page 84: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

74

(...) tenho vontade, é difícil, não sei se quero curso... está bom assim... quero, sim, terminar de estudar, mas tenho dois filhos, um com 10 e outro com 9 anos (...).

Talvez volte a estudar... 2012, mas depende, precisa mudar o horário pra de manhã no trabalho... trabalho até 22h40... moro longe, mais ou menos 1h30.

Não trabalhei em outra empresa antes dessa, foi meu primeiro emprego. Não tenho vontade de sair dessa empresa, preciso pagar as contas, tenho dois filhos, tem outras coisas, escola, perua escolar. Também ficar sem emprego com dois filhos, não dá. O salário é mais ou menos... Queria que fosse mais, mas...

Outras pessoas ganham mais... 1.000, 1.200,00. Outros empregos, difícil, às vezes ganha 450,00. Aqui é melhor o salário. Aqui na empresa ganha o salário, benefícios... dá pra ajudar bem com os filhos...

O seu discurso continua na ordem da auto desvalorização

frente à empresa, mostra em seus relatos que para o surdo é sempre

muito difícil mudar sua condição de trabalho, considerando o fato da

surdez como um fator de barreira, da dependência do trabalho para

sustento dos filhos, e sua condição de pobreza:

Sempre trabalho igual, o salário foi aumentando um pouquinho. Nunca fui promovida. Tenho vontade de melhorar, crescer, fazer faculdade, mas não dá, é complicado, tem os filhos... a vida de pobre é mais difícil... vontade de melhorar, mas não sabe o cargo, é difícil...

Acho que não fui promovida porque é difícil, horário... não sei, sempre igual... não sei... ouvinte, já foi promovido, surdo não... tem alguns surdos que, sim, já fizeram curso, ela não, a mãe não deixava... alguns surdos, sim, já conseguiram.

Não sei se, de repente, no futuro o chefe manda embora, é normal... não sabe o que pode acontecer... ela fica quieta, fica na dela, sem expectativa... não fala... pra que os outros façam o que tiver que fazer.

(...) o ouvinte consegue ser promovido... por causa da comunicação, o surdo não consegue entender o que está sendo falado... tem um chefe que sabe um pouco de libras... acha que é vontade do chefe...

Page 85: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

75

Nessa mesma perspectiva, os relatos seguem muito parecidos

e com o mesmo sentimento de que a condição de surdez não lhe

permite um crescimento profissional dentro da empresa. É o que

mostra os fragmentos da entrevista do funcionário (S5), também da

empresa de iluminação elétrica.

Percebe-se em seus relatos que, embora tenha interesse em

buscar uma formação, uma qualificação profissional melhor, não vê

perspectiva de ascensão. O seu discurso denota um sentimento de

menos valia diante da empresa para a qual trabalha.

Meu cargo, desde que ingressei na empresa, continua o mesmo, operador de produção... não sei se pode melhorar meu cargo... precisa de curso, tenho vontade de curso de informática, essas coisas, depois Administração. Acho que vou fazer os cursos enquanto trabalho. Depois não sei se continuo na empresa... Não quero mais área de produção, quero mudar. Não sei se estudando consigo ser promovido, mudar de cargo. Os outros funcionários são promovidos, sim. Então pensei em fazer um curso aqui pela empresa... a empresa paga, e aí vou para outro lugar.

Acho que surdo pode trabalhar no administrativo... Aqui em baixo na fábrica tem a parte de máquinas e tem uma parte que o surdo não pode fazer, a parte de mecânica. Mesmo com curso, surdo não pode... é difícil... tenho vontade... não posso falar, pedir pra promoção. Não sei se fizer curso vou ser promovido... Os ouvintes, sim, são promovidos... Eles fazem curso da empresa... Tem surdos que já fizeram curso, mas nunca ninguém chamou pra ser promovido.

As pessoas que trabalham lá eram da produção, aí alguém saiu e elas ficaram, foram chamadas pelo chefe... É o chefe que escolhe... os surdos não têm promoção, o chefe não chama.

Os surdos para serem promovidos... Por exemplo, o RH não escolhe, acha que o surdo vai ficar inferior... o RH se preocupa em deixar para os surdos as coisas mais simples... acho que ficam com medo de dar problema, produção cair...

Aqui tem alguns ouvintes que conseguem aprender um pouco de Libras, mas se for ver para outros trabalhos diferentes, eles não chamam o surdo para fazer esse tipo de

Page 86: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

76

trabalho, não sei por quê. Pode ser que o surdo estude menos, os ouvintes estudem mais.

Nos trechos dos depoimentos que se seguiram, especialmente de S5

e S6, fica clara a introjeção dos estereótipos e estigmas (Goffman, 1988),

que já marcaram o surdo por sua condição de diferença em relação ao

mundo ouvinte. Para Goffman (1988), o indivíduo estigmatizado tende a ter

as mesmas crenças sobre identidade que aqueles que o estigmatizam. Seus

sentimentos mais profundos sobre o que ele é podem confundir a sua

sensação de ser uma “pessoa normal”, um ser humano como qualquer

outro, portanto, que mereça um destino agradável e uma oportunidade

legítima.

...é difícil... tenho vontade... não posso falar, pedir pra promoção. Não sei se fizer curso vou ser promovido... Os ouvintes, sim, são promovidos... Eles fazem curso da empresa... tem surdos que já fizeram curso, mas nunca ninguém chamou pra ser promovido.

...eles não chamam o surdo para fazer esse tipo de trabalho, não sei por quê. Pode ser que o surdo estude menos, os ouvintes estudem mais.

(...) o ouvinte consegue ser promovido... por causa da comunicação, o surdo não consegue entender o que está sendo falado... Tem um chefe que sabe um pouco de libras... Acho que é a vontade do chefe para promover...

Por outro lado, o conteúdo do relato de outro trabalhador surdo, expressa o

contrário em relação às possibilidades de ascensão. O surdo mantém o

discurso do estigma, de que, pelo fato de ser surdo não pode, porém, a

empresa abre para ele as possibilidades de ascensão num cargo

equivalente em status e remuneração.

Você pode, sim, chegar ao cargo de gerente... fiquei com um ponto de interrogação na minha cabeça... é mesmo, gerente surdo? É impossível, eu pensei que era impossível, eu falei para o meu chefe: você acha possível isso pra mim,

Page 87: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

77

um surdo? Meu chefe disse pra mim, acho que sim. Eu falei, como vou telefonar? Qual o problema? Eu falei, um gerente precisa usar o telefone. Não, eu não acho que é assim, por exemplo, mostrou o papel, e foi mostrando, o estagiário, o assistente, o técnico, depois vai ter o gerente, ele está aqui acima. Aí tem o assistente, o técnico... tem o especialista, é igual, é como se fosse gerente, igual... Às vezes tem especialista que tem o mesmo salário de um gerente.

Mas já vi surdos em outras empresas que só estão pra cumprir a cota mesmo... é muito complicado pra você... A cota é boa pra entrar, mas depois pra você se desenvolver... pode não acontecer.

Dentre as possíveis barreiras para que o trabalhador surdo não

tivesse condições de promoção no trabalho, os mesmos levantaram algumas

dificuldades em relação à comunicação e à escolaridade, porém, não sendo

estes fatores que eles julgassem como impedimento real ao seu

desenvolvimento profissional na empresa.

S2:

Na empresa, eles percebem, sim, a dificuldade com português... eu falo errado. Muitas vezes perceberam dificuldade na escrita... Muitas vezes não dava tempo de mandar pra minha mãe, aí eu pensava, vou ter que arriscar... a pessoa me chamava, o que você escreveu aqui? Eu falava, ah, escrevi isso... a pessoa falava, ah, tá bom.

Então, às vezes eu penso, que para o tipo da minha deficiência, não é esse trabalho. Eu pergunto pra ela, você acha que minha deficiência atrapalha... ela diz, não, claro que não. Ela sempre fala que admira muito o meu esforço... ela fala, você é uma pessoa, um exemplo pra mim, você está sempre batalhando uma coisa melhor. Você quando não entende, pede pra pessoa mandar e-mail, e depois resolve, as pessoas falam que mandaram e-mail e você resolveu, respondeu, gosto muito de você. Isso me motiva mais, penso que estou vencendo mais essa batalha.

S6:

Page 88: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

78

Na empresa não tem intérprete, fico mais sozinha... Tem a outra surda também, às vezes tem reunião e a gente não entende... É difícil... Tento perguntar pra algum ouvinte, mas entendo muito pouco... com o chefe tento me comunicar, com o chefe é mais difícil a comunicação... Tem a colega que tem um pouco de libras, fala às vezes, passa algumas informações da reunião, ajuda um pouco. Nas reuniões têm muita fala e escrita, não entendo as palavras, é muito difícil.

S1:

Na empresa X a gente trabalha com plano de

desenvolvimento, lá tem, por exemplo, você vê tudo dos departamentos, o que tem, por exemplo, eu posso conversar com meu chefe que tenho interesse naquele departamento, eu posso tentar, continuar me desenvolvendo, isso é para o meu desenvolvimento pessoal... é bem atual, agora começou isso.

Uma vez tive promoção, foi no ano passado... Comecei como assistente de planejamento, agora sou técnico de software. Melhorou cargo, melhorou salário, muito melhor agora.

Eu tenho muita dificuldade com as pessoas, com a comunicação... Mas eles sabem disso, e me dão toda oportunidade de eu melhorar assim. Então agora se comprarem o equipamento, Viable, vai ser muito mais fácil...

intérprete? Uma vez por ano reúne todo mundo, nas convenções, eles pagam interprete, é bem legal. Mas é assim, mesmo com intérprete, tudo... eu tenho que fazer esforço, eu tenho que acompanhar o mundo dos ouvintes... Não é em todos os momentos que o interprete pode ir, vai bater papo, não é fácil não, mais tem que ir.

S5: sobre cargo mais elevado na produção:

Não, a comunicação, não acho que atrapalhe esse tipo de trabalho, eu consigo, com calma, leitura labial, escrita.

... mas se for ver para outros trabalhos diferentes, eles não chamam o surdo para fazer esse tipo de trabalho, não sei por quê. Pode ser que o surdo estude menos, os ouvintes estudem mais.

S4:

Page 89: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

79

Quando aceitei office-boy, eu pensava que podia melhorar... ir para o administrativo depois.

Já pensei em melhorar mas, até agora nada... primeiro tenho que voltar a estudar.. Tem que esperar... ajudar a família primeiro... aí não tem como.

É difícil pra surdo entender as coisas, é um cargo forte, é porque é difícil a comunicação também... é... o telefone, por exemplo, não ia poder atender, teria que ser um trabalho que combinasse... que a comunicação fosse possível também, porque se é um cargo mais forte assim, precisa

comunicação... é difícil, é diferente...diferente pra entender.

Da satisfação com o trabalho atual, e das condições de igualdade de

promoção com os funcionários ouvintes e satisfação com salário:

S3:

Eu acho que é possível ser promovido, mas o surdo precisa se esforçar, precisa pedir pra aprender, precisa interesse em aprender, pedir pra pessoa ensinar, trocar com as outras pessoas. Se ficar sempre igual, a mesma coisa tem que aproveitar, aproveitar pra aprender outras coisas porque o chefe vai ver, as outras pessoas vão ver que está se interessando, está se esforçando. Aí ele vai melhorar, precisa força de vontade, e depende de cada pessoa. Tem uns que são esforçados, têm outros que não.

Depende, surdo ou ouvinte, depende da pessoa. O ouvinte também não dá certo, às vezes tem a oportunidade, ele tentou, fez coisas erradas, não conseguiu, aí é mandado embora. Então eu acho que é a mesma coisa, sendo surdo ou não. A pessoa precisa aprender pra ter uma profissão, pra melhorar dentro da empresa.

Agora aqui eu aprendi rápido, comparando com as outras, aqui foi muito rápido, em oito meses, eles já viram o que eu tinha aprendido. Agora, ouvinte ou surdo, vai depender da empresa, vai depender da pessoa.

Acho que posso, sim, ser promovido, se eu estudar, fazer a faculdade, acho que pode, sim, acho que pode me dar oportunidade. Vou me esforçar, ter coragem... não adianta ficar parado... minha vida no futuro depende de mim.

Aqui eu aprendi, desenvolvi... aqui eu acho que combina comigo e agora estou com objetivo de fazer a faculdade

Page 90: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

80

nessa área, RH ou Administração. O chefe conversa, orienta e eu sempre aprendo muito, é bom pra mim, muito melhor, muito melhor. Eu era auxiliar administrativo, agora assistente administrativo. Vou fazer dois anos em outubro. Eu nem esperava, fiquei muito feliz. Antes, sempre igual.

Estou, sim, contente com salário, trabalho, horário, local de trabalho. Eles respeitam, quase todos respeitam, alguns que não respeitam, eu não ligo, é a minha vida, eu respeito, não quero criar problema pra mim... a vida é dele... a vida é minha, então eu respeito.

S4:

Estou satisfeito com trabalho, vida melhor... não penso no salário, acho que está bom... não trago problemas de casa pra empresa. Não tem problema de relacionamento com as pessoas... se percebe algum problema, se alguém está nervoso... fica na dele, calma, fica quieto.

Acho que é muito particular de cada pessoa, não sei por que as pessoas foram promovidas. Não tem como saber se os surdos e ouvintes têm a mesma oportunidade, nunca perguntei para as pessoas aqui, não dá pra saber. É difícil saber, o surdo é diferente do ouvinte... Porque para o surdo é mais difícil... não sei... é diferente para o surdo... os ouvintes pensam, ele é surdo, não tem essa igualdade.

S5:

Gosto do trabalho aqui, mas quero estudar e conseguir uma coisa melhor, mesmo que seja outra empresa... não sei se RH vai dar oportunidade.

No início quando comecei a trabalhar aqui, o salário era menor... depois de dois anos o salário aumentou para ficar igual do ouvinte.

Os surdos para serem promovidos... Por exemplo, o RH não escolhe, acha que o surdo vai ficar inferior... o RH se preocupa em deixar aos surdos as coisas mais simples... acho que ficam com medo de dar problema, produção cair...

Tinha um surdo que trabalhou aqui 25 anos, sempre operador de produção, até hoje. Ele não fez curso, ele tentou, tentou, perguntou para os mecânicos se podia

Page 91: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

81

trabalhar, mas os mecânicos falam que não pode, o RH não deixa. Não tem surdo na administração também, é só operador (se referindo à fábrica).

S6:

Estou satisfeita com salário, com o trabalho... o ouvinte consegue ser promovido... por causa da comunicação, o surdo não consegue entender o que está sendo falado... tem um chefe que sabe um pouco de libras... acho que é vontade do chefe... Acho que o problema é não ter o intérprete.

S1:

Estou satisfeito estou lá há seis anos, eu percebo que estou avançando mais, não é avançando mais, como posso falar... com esse plano de desenvolvimento, com o Viable, o

equipamento que te falei, eu percebo que tenho mais chance ainda, antes era bem menos. Eu era só um estagiário, não tinha experiência... agora percebo que tenho mais chance. É um desenvolvimento geral mesmo.

S2:

A empresa tem muitos benefícios, eu fico contente, sim, por outro lado, triste... as pessoas perguntam, é, você está lá, já foi promovida? A pessoa pergunta há quanto tempo você está aqui? Às vezes a pessoa com um mês já foi promovido, eu há quatro anos estou aqui... Uma coisa chata. Eu estou sempre querendo fazer uma coisa melhor, procuro chegar mais cedo, sete e meia, sete e quinze, eu não vejo a troca, eu não vejo, assim vamos lutar juntos, vamos tentar salário maior, assumir outra responsabilidade. Um amigo meu foi promovido, ele está há três anos na área e foi promovido, porque pra ele e pra mim não?

Apesar de ela reconhecer o meu trabalho, tudo... está bom pra ela. O que vale é a cota.

Page 92: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

82

Quanto ao processo de inclusão e adaptação dos surdos ao trabalho

e a empresa, os supervisores e profissionais de RH em seus discursos

parecem não observar e nem sentir dificuldades hoje, em relação aos surdos

que trabalham em suas organizações. As dificuldades são colocadas como

superadas, e como parte de um passado que teve um início repleto de

percalços, devido ao desconhecimento e resistência de algumas pessoas na

empresa.

E1: Eu vejo como um ponto positivo, como o L. comentou no

início, foi difícil... acho que, como toda situação... no início é sempre... até você se encaixar e começar a entender as coisas direitinho... é meio que complicado, né?

P.: Inicialmente foi uma imposição, a empresa tinha que cumprir a cota...?

Exatamente, exatamente... mas hoje não, quando você vê, fala deficiente auditivo, você não vê a pessoa, você não lembra que tem aquele deficiente trabalhando dentro da empresa... porque ficou tão homogêneo, ficou tão igual, que você não vê essa diferença. E eles assim... Tanto a empresa quanto eles tiveram um período pra se conhecer, tiveram... mas que depois, foi tranquilo.

No começo, as pessoas achavam, será?... é como o L.

falou, é mais da pessoa colocar obstáculo antes de conhecer... não, não vai dar certo.. não vai entender, vai ser difícil, no começo foi um pouco difícil, mas depois, mesmo os outros funcionários, entenderam bem a situação... e ficou um trato de igual pra igual... e ele tem, os deficientes têm, os que estão aqui pelo menos... eles mostram, demonstram uma vontade muito grande de ficar.

E2: Ah! Já acostumaram sim, já entrou no meio nosso, já

está uma pessoa... quase que normal, se não fosse isso seria normal... normalidade normal, entendeu? Não tem dificuldade nenhuma com ele.

Quanto à política de cargos e salários e processo de avaliação:

A avaliação a gente não registra, mas sempre a gente está avaliando os funcionários, assiduidade, pontualidade... por exemplo, o pessoal não faltou, se a pessoa não chegar no horário... a pessoa é avaliada igualzinho aos outros

Page 93: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

83

funcionários, não tem distinção. Procuro sempre repetir isso porque o tratamento, sendo igual, eles vão se sentir iguais aos outros. Se você começa a diferenciar, começa a dar o preconceito, a pessoa começa a se sentir isolada, aí o próprio ambiente isola essa pessoa, e eles são envolvidos igualzinho os outros. Se eu tenho alguma demissão pra fazer, algum processo por não estar bem dentro do mercado, a gente vai avaliar no mesmo processo de todos os operadores, horário, se falta, se não falta, se sai muito, produtividade. (supervisor produção)

P.: Algum funcionário nesses dez anos já foi promovido?

Não, eles são operadores de produção... na produção é mais difícil ter uma promoção assim, porque os que ocupam uma função diferenciada, como auxiliar de controle, já tem uma idade que ainda não atingiu a aposentadoria, os funcionários hoje estão capacitados, então a gente não tem... o operador entra como operador e fica como operador... a gente procura promover, mas na medida em que a gente tem evolução, a gente não tem os cargos pra isso dentro da produção, tem dois cargos a mais que é o controlador e o auxiliar de qualidade, que já é mais específico, com cursos especializados, né? Tem que mexer com controle e tudo, fora esse, depois é nível de supervisão... Não tem muitos cargos na produção, aí supervisão é coordenação, são engenheiros, engenheiros de produção, tem que ter formação faculdade, né?

P.: Então os funcionários da produção, surdos ou ouvintes não conseguem ser promovidos?

A função que tem pra ser promovido, tem que ter um curso específico, e na produção a gente só tem dois cargos a mais, em nível... depois do operador... é claro, se vier... aí tem mecânico de produção, se ele for formado em mecânica de produção pelo SENAI, ele vai competir com os outros, se

ele fizer esses cursos.

A empresa tem um trabalho com a área de treinamento que quando tem alguma vaga na função da área administrativa, quem tiver o perfil pra poder ocupar o cargo, está aberto pra ele... eles também, se eles tiverem o curso ou o perfil para aquela vaga... é aberto pra todos da empresa. (supervisor de produção).

P.: O que impediria o surdo para uma promoção para esses cargos?

A empresa evoluiu muito e hoje a gente exige pra produção o segundo grau completo.

Page 94: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

84

Primeiro, escolaridade eles já têm, eles já estão trabalhando na empresa, todos têm segundo grau? É uma exigência nossa tanto pra posição de operação... e a partir daí, eles vão buscar por eles. Vou dar a minha opinião, e é o que eu tenho visto hoje, não dificulta estar aberto pra todo mundo, nenhum momento tem alguma restrição... Por ele ser surdo, não vejo nenhum problema, na minha área não, é claro que talvez eles pensem diferente... está aberto pra eles todos, aí eu não sei qual é o nível da escola... esse curso de mecânico mesmo, ele tem que frequentar um SENAI. O SENAI dá condições de ele frequentar? O que eu vejo em relação aos iniciantes, eles têm certa dificuldade pra escrever, então se ele fizer o curso, ele está evoluído no processo, tenho certeza disso.

Quanto à lei de cotas, as empresas se reportam ao início do processo

das contratações pela imposição legal:

P.: E a lei de cotas?

Eu acho que no começo que iniciou, veio, foi como uma avalanche, a gente teve que ir atrás de deficiente pra não ser multado, mas hoje eu sinto que a empresa vê isso... normal, um item normal. Eu, particularmente, eu acho, eu vejo um lado positivo, que de uma certa forma, acho que... essa lei surgiu e os patrões se viram obrigados a contratar... a princípio se viram obrigados e por outro lado, agora eles estão vendo, os deficientes tiveram chance de mostrar que eles são normais, produzem exatamente como qualquer um outro. Então essa coisa de deficiente caiu muito nesses dez anos, entendeu? Tanto que a gente não tem problema... olha, é deficiente, sabe... é normal, então acho que quando aconteceu realmente, foi um choque pra empresa ter que cumprir com essa cota.

P.: Depois de 10 anos da lei, a empresa sabia e não contratava?

Sim, sabia, assim como as outras empresas ia empurrando, até que chegou, e... tem que ser, tem que cumprir... mas eu vejo como um lado positivo, porque eu acho que se não tivesse, como eu falei, essas pessoas não teriam oportunidade de estarem aqui dentro da empresa e provarem que são normais tanto quanto os outros e podem produzir tanto quanto os outros, tanto que a gente tem funcionário aí que... deficientes, que são muito melhores do que aqueles que se dizem normais.

Page 95: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

85

Eles (os patrões) ficam mais distanciados, mas eles acompanham... sabem quantos funcionários tem que ter pela cota, se a gente está cumprindo, se está dentro, entendeu. Hoje como nós não temos mais o gerente de RH, nós respondemos ao M., que é o nosso presidente, então

ficou mais difícil da gente ter contato, mas... ele não....como posso dizer...? Ele não tem dor de cabeça com esse tipo de coisa, porque ele sabe que a coisa está fluindo... e quando eles (surdos) tem algum problema, eles procuram a

assistente social.....

P.: Como é o fator da diversidade?

A empresa é bastante respeitada no mercado... é uma empresa que está com tudo sempre em ordem, está tudo dentro das leis, e é um ambiente saudável, tranquilo, não é aquela coisa de... isso eu falo no geral, tanto administrativo quanto na parte operacional... é como de pai pra filho, tem uma senhora que trabalha comigo que tem 44 anos de empresa. A maioria é de vinte, vinte e poucos... vinte e cinco....

É comum a gente ter funcionários com muitos anos de casa... o que tem de mais recente hoje, são os estagiários, né? Mas tanto fábrica como escritório, se você vai ver a média de tempo que eles têm aqui dentro é, no mínimo, dez anos.

Então é um ambiente bom pra trabalhar, mas só que... não é uma empresa que manda embora, não... por qualquer motivo, então, antes de ser dispensado, o problema é levado para o serviço social... é feito reunião com a gerência, com o gestor da área, com o funcionário.

E2: Eu acho que sim, é importante pela parte social da

empresa, eu acho importante, e a empresa... antes a gente não tinha... quando começou nós achamos até que houve um crescimento muito rápido até... daqui, ali, tal... acho que não houve resistência, isso é muito importante para a empresa, né? Ser assim... pelas outras (empresas)... ah, mas vocês têm?... nossa que legal! Então acho que isso é muito bom pra empresa, principalmente pra D., que é uma empresa... é bem falada no nosso meio de engenharia e tal. Acho que isso é muito importante pra nós.

P.: A empresa tem condições de saber o nível de satisfação dos funcionários surdos, com o trabalho, com o salário?

Pelo que eu tenho trabalhado com eles, acho que eles estão felizes de trabalhar com a gente. Eles interagem, cumprimentam. Olha, na minha opinião, eu acho que estão, sim, mas é a minha opinião, por isso que era bom de vez em

Page 96: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

86

quando a gente ter um feedback deles, mas eu tenho certeza que eles estão satisfeitos, porque senão eles já iriam na assistente social, alguma coisa do gênero... eles são umas pessoas muito observadoras, né?

Os resultados encontrados na pesquisa indicam para uma prática

desenvolvida pelas empresas no que diz respeito à inclusão das PcDs em

seus quadros funcionais, especificamente, de surdos, que é o objeto desse

estudo, mostrando que algumas barreiras foram sendo desconstruídas com

o passar do tempo e com o costume no convívio com os diferentes, isso

caracterizado pelos seus discursos de boa convivência e visão não

paternalista em relação aos surdos contratados por elas.

Identificou-se, portanto, que as iniciativas, ou melhor dizendo, a

obrigatoriedade no cumprimento da legislação, foi o que impulsionou

estas empresas a incluírem os surdos nos seus quadros de funcionários,

uma vez que não havia alternativa para a questão legal. Nesse sentido,

pôde-se observar que tais contratações passaram a fazer parte das agendas

das organizações, mas com pelo menos 10 anos após a implantação da lei

de cotas. Pôde-se constatar que os movimentos de inclusão das PcDs

passaram a constar das agendas destas organizações no momento em que

foram acionadas pelos órgãos de fiscalização para o cumprimento da lei em

vigor, após a regulamentação pelo decreto 3.298/99.

Nas empresas foi possível constatar que o empenho na contratação

das PcDs foi motivado pelo cumprimento da lei de cotas, sendo que as duas

entrevistadas somente passaram a contratar as Pcds desde o momento em

que a Delegacia Regional do Trabalho – DRT, passou a fiscalizar as

empresas com mais rigor e iniciou os TACs15 junto às empresas, por volta

de 2001, quando os prazos para contratação começavam a expirar.

15

Após regulamentação da lei 8.213/91, por meio do Decreto 3298/99, o Ministério Público do Trabalho e Delegacia Regional do Trabalho passam a fazer os acordos com as empresas por meio dos Termos de Ajustamento de Conduta – TAC e a determinar prazos para contratação das pessoas com deficiência.

Page 97: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

87

Pudemos constatar isso nos depoimentos de supervisores diretos e

responsáveis pela área de RH nas empresas que, a partir de 2001, o

mercado de trabalho busca adequar-se a legislação:

Empresa 1: Supervisor e RH:

“Em 2001 eu fui pra área e aí então começou a melhorar nas empresas a adaptação dos deficientes, então... a gente tinha um pouquinho de receio, tanto da parte deles, como da chefia, no caso, mas a evolução a gente conseguiu adaptar; a gente conseguiu se comunicar com elas, teve dificuldade no começo lá em 2001....”.(supervisor de produção)

“....quando a gente recebeu...isso foi tudo documentado, foi... que a gente tinha que cumprir a cota, a gente teve que fazer um trabalho com os gestores, a gente teve que pôr essas pessoas deficientes dentro da área, porque senão a empresa ia ser multada, coisa e tal”. (gerente de RH)

Empresa 2:

“Há seis anos (2005) a gente começou com deficiente mental... nós fizemos um convênio com o sindicato, o sindicato patronal fez um convênio com a DRT sobre as empresas de gerenciamento... a gente fez um acordo coletivo pra que nossa cota fosse um pouquinho menor até agosto de 2010, aí depois a gente conseguiu a cota, depois a gente apresentou na DRT...”

Percebeu-se nos seus depoimentos, que a obrigação legal fez com

que adotassem procedimentos de contratação por meio de instituições

especializadas no atendimento de PcDs, e consideraram o fato de os

candidatos encaminhados para suas vagas terem passado por programa de

qualificação, isso facilitou o processo de inclusão na empresa, conforme

relato de supervisor E1:

os que eu tenho vieram, todos... a E. veio, então desde 2001 eles vieram desse programa (referindo-se à Derdic). Eu

acho que deu diferença... eu vi que na hora da entrevista alguns já tinham trabalhado, isso já ajuda bastante, se

Page 98: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

88

tivesse vindo com menos, teria um tempo maior pra treinar, isso é igual pra todo mundo, então isso não atrapalharia, mas já ajudou bastante... Vindo do programa facilita, sim... já estão orientados e facilita bastante.

Quanto ao nível de satisfação do funcionário surdo na empresa, os

depoimentos são de que as empresas consideram que funcionários

contratados pelos seus programas de inclusão, denotam satisfação com sua

situação de trabalho atual, com seus salários e com a empresa no geral.

E1: Pelo que eu tenho trabalhado com eles, acho que eles estão felizes em trabalhar com a gente. Eles interagem, cumprimentam. Olha, na minha opinião, eu acho que estão, sim, mas é a minha opinião, por isso que era bom de vez em quando a gente ter um feedback deles, mas eu tenho certeza que eles estão satisfeitos, porque senão eles já iriam na assistente social, alguma coisa do gênero... eles são umas pessoas muito observadoras, né?

Com relação à pergunta sobre as dificuldades e facilidades para o

processo de inclusão dos surdos, as empresas relatam as dificuldades no

início do processo e os ajustes e adaptações importantes que foram fazendo

no decorrer dos anos para facilitar mais as condições de trabalho e,

consequentemente, a melhora dos níveis de produção e segurança dos

surdos na empresa.

Os supervisores relatam dificuldades na comunicação, o que criava

situações constrangedoras tanto para o surdo como para os outros

funcionários e chefias, é o que nos mostra relato do supervisor da E1:

Eu lembro, no começo era bem difícil a comunicação, por exemplo, eu tenho uma funcionária, a E., ela chorava... pô!

A gente não sabia... aí ela teve um problema na mão lá, a gente não sabia também porque ela estava com o problema, no fim a gente fez rodízio na função dela, então acabou ajudando, trouxemos pra conversar, aí interagimos... aí

Page 99: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

89

começamos... sabe, tudo tem um paradigma, as pessoas... todos e começaram a participar e acreditar, porque no começo as pessoas... é, não quero... a gente começa a interagir e eles (os surdos) começam a se sentir úteis... No começo ela se sentia rejeitada, a E., no caso... às vezes não

entendia alguma coisa...

A empresa busca soluções diante das dificuldades de comunicação e

de problemas de adaptação ao trabalho, garantindo sua produtividade. O

surdo, por sua vez, passa a ser peça fundamental nos processos de

produção, não gerando perdas para a empresa.

E1: No começo tinha uma barreira... como a gente evoluiu na

parte de segurança, antigamente a máquina tinha que apitar... se eu colocasse um deficiente auditivo a máquina ia parar, ele não ouve, aí a gente tem produtividade, máquina manual, mas com a evolução de sinalização, hoje a gente não vê problema pra isso, eles conseguem interagir, quando tem um problema na máquina ele sabe que tem que apertar um botão e chamar um mecânico, então hoje a inclusão é fácil.

Em se tratando de alguma vantagem na contratação de trabalhadores

surdos, as empresas colocam-se como não pensando em vantagens, uma

vez que tratam seus funcionários surdos e ouvintes sem qualquer distinção,

portanto, não podem falar em vantagens pelo fato de ser surdo:

E1: Eu vou falar uma coisa pra você, eu trato todo mundo igual, eu trato... a vantagem pra mim, todos são iguais, mesmo sendo deficientes, e os que são normais, eles são todos iguais, então é difícil ver vantagen... já tratando como pessoa normal é uma grande vantagem, né? Se eu o tratasse diferente, a gente, com certeza ia ter muito mais problemas. A empresa está ganhando, por que? Ela tem que cumprir essa cota, e a gente não está com vinte pessoas deficientes pra cumprir, eles dão produção... eles são exatamente iguais aos outros... E também ele dá produção, e se ele vai pra outra área, ele consegue se adaptar... então ele é uma pessoa normal.

Page 100: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

90

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho como inclusão social para o surdo tornou-se o meio mais

eficaz de inserção do mesmo. O trabalho promove sua independência,

sustento e status, mas, as dificuldades e sofrimento, também são parte do

processo de sua promoção social.

Nessa perspectiva, percebe-se que apesar da legislação vigente que

prevê a reserva de vagas, ainda existem muitas barreiras para o surdo

conquistar seu lugar no mercado de trabalho, considerando-se suas

características competitivas e excludentes, o que promove uma inclusão

perversa (SAWAIA, 2002).

Considerando os dados do estudo realizado, chegamos a algumas

considerações, que embora não sejam conclusivas, nos remete à uma

reflexão sobre as representações e os sentidos do trabalho para o surdo e

para as empresas que contratam estes trabalhadores.

A pesquisa teve como objetivo demonstrar do ponto de vista dos

trabalhadores surdos, bem como dos empregadores, como que se deram os

processos de inclusão na empresa, e como vem ocorrendo sua trajetória

profissional nas organizações.

No decorrer dos discursos das empresas, fica clara a sua tentativa em

passar uma imagem de que tudo está ocorrendo dentro de uma

normalidade, e que as questões de diferenças em relação aos surdos não

existem mais, uma vez que todas as dificuldades iniciais foram sanadas com

o tempo.

Percebe-se que as empresas não estão preocupadas com as

demandas levantadas pelos surdos de que a comunicação ainda é muito

difícil, e as condições para participarem das reuniões, cursos e palestras

Page 101: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

91

ainda são precárias, uma vez que dependem sempre de alguém que se

disponha a explicar o conteúdo exposto no evento.

Embora existam iniciativas isoladas de interesse em colaborar com os

surdos, percebe-se que falta uma política real de inclusão para que

realmente essas pessoas possam fazer parte do conjunto organizacional e

compreender a cultura da empresa e seus processos, o que favoreceria a

questão da diversidade (ALVES e GALEÃO-SILVA, 2004) no âmbito das

organizações, promovendo as mudanças de atitudes de discriminação em

relação aos seus funcionários.

Trata-se de as empresas se preocuparem com as questões de

acessibilidade, não só no que diz respeito a arquitetura, mas em relação às

práticas que visam melhorar a comunicação e o clima organizacional,

possibilitando aos surdos e ouvintes, uma convivência real. Desse modo a

possibilitar a interação surdo-ouvinte para que as diferenças sejam

superadas ou minimizadas, possibilitando a abertura de um canal para a

comunicação e o relacionamento.

Percebe-se que as empresas, na medida em que contratam surdos e

não precisam se preocupar com a acessibilidade arquitetônica acreditam

não ser mais necessário se preocupar com as outras formas de

acessibilidade que, no caso do surdo, é com relação à comunicação. Essas

organizações em nenhum momento sinalizam a preocupação em

capacitarem-se para o uso da LIBRAS no sentido de facilitarem o acesso

aos surdos.

Tecendo uma análise acerca dos relatos dos surdos, percebe-se um

desconforto e uma falta de perspectiva de mudanças na sua situação

profissional. Na sua maioria apresentam longos períodos de permanência

nas empresas e, isso os remete a uma situação de acomodação, pois,

necessitam manter esse emprego por uma questão de sobrevivência e

devido a certa insegurança em não encontrar uma oportunidade melhor. Isso

Page 102: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

92

se dá principalmente para aqueles que não evoluíram o bastante em

escolaridade, fator excludente para o mercado de trabalho hoje.

Nos discursos dos surdos, o fator escolaridade é um dos motivos para

a falta de oportunidades para sua ascensão profissional, quando dizem que

os ouvintes são mais promovidos porque estudam mais que os surdos.

Nesse sentido perpetuam os estigmas (GOFFMAN,1988) sobre o fato de

que os surdos são de uma categoria inferior, e que estão sujeitos a uma

condição menos favorecida e de submissão ao poder do ouvinte.

Por outro lado, constata-se como realidade das empresas,

especialmente na indústria, uma condição de precarização (CASTEL, 2004)

do trabalhador de maneira geral, o que nem sempre privilegia os ouvintes

em detrimento do surdo, mas as condições de trabalho não oferecem

possibilidades de grandes mudanças e melhorias em relação à todos os

funcionários. Dessa forma, os surdos parecem se adaptar, e o trabalho é a

base da construção de sua identidade social (CASTEL, 2004).

As formas de individualidade desses trabalhadores são processos

que modificam as formas de identificação, em consequência de

transformações maiores na organização econômica, política e simbólica das

relações sociais (DUBAR, 2009).

Constata-se em alguns depoimentos, seja do surdo ou do

empregador, que os mesmos consideram que a responsabilidade sobre as

condições de empregabilidade (HIRATA, 1997) é do próprio surdo, e que,

portanto, para o seu crescimento profissional na empresa também

dependerá somente de suas iniciativas, bem como o seu fracasso em

ascender.

Os surdos se definem em seus discursos ora sob aspectos positivos,

ora negativos de suas identidades. Os empregadores por sua vez, falam de

um surdo que tem seu crescimento e dignidade por meio do trabalho, mas,

assim como muitas organizações, se mantiveram alheias à questão das

Page 103: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

93

pessoas com deficiência e às suas necessidades, como qualquer humano

de ter trabalho e dignidade.

Hoje o panorama que se apresenta já mostra algumas mudanças de

atitudes e visão mais focadas no mundo das pessoas que se apresenta nas

suas diversidades. Embora as organizações se preocupem pelo lado

econômico e da produção, e apresentem uma perspectiva de normalização

(Silveira, 2009) do surdo enquanto trabalhador, as identidades sociais,

profissionais e surdas passam por metamorfoses (CIAMPA, 2004) num

mundo dinâmico de transformações sociais.

Esse estudo não finda as questões das pessoas com deficiência no

mundo do trabalho e suas perspectivas de melhorias, de desenvolvimento e

de aceitação das diferenças. É nessa perspectiva que o homem é um ser

sócio histórico e transforma-se num mundo dinâmico e dialético, como

também constrói e reconstrói suas identidades.

Page 104: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

94

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, M.A., GALEÃO-SILVA, L.G. . A Crítica da Gestão da Diversidade nas Organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 44 , n. 3, São

Paulo: 2004.

ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a

negação do trabalho. Boitempo Editorial, São Paulo: 2003.

___________. Trabalho Estranhado e Propriedade Privada. In: A Dialética do Trabalho – escritos de Marx e Engels. Expressão Popular, p. 146-147,

São Paulo: 2004.

BRASIL. História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil; Brasília. Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência: 2010.

CARREIRA, D. A Integração da Pessoa Deficiente no Mercado de Trabalho. Pesquisa pela Escola de Administração de Empresas de São

Paulo – Fundação Getúlio Vargas: 1997.

CASTEL, R. As armadilhas da exclusão. In: Desigualdade e a questão social. Mariangela Belfiore-Wanderley et tal.(Org.), p. 17-48, EDUC, São Paulo: 2004.

___________. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Vozes, Petrópolis: 1999.

CIAMPA, A. C. Identidade. In: Psicologia social: o homem em movimento. Brasiliense, p.58-75, São Paulo: 2004.

CORTELLA, M.S. O mundo do trabalho. In: Empregabilidade e Educação: novos caminhos no mundo do trabalho. Alípio Casali et tal (Org). EDUC, p.21-22, São Paulo: 1997.

Declaração Universal do Direitos do Homem. Disponível em: <www.direitoshumanos.usp.br> Acesso 23.07.11.

DUBAR, C. A crise das Identidades. Edusp, São Paulo: 2009.

FONSECA, R. T. M. O mercado de trabalho e as leis de ação afirmativa em prol da pessoa portadora de deficiência. Rede Saci, 2003. Disponível

em: http://saci.org.br/?modulo=akemi&parametro=5744 Acesso em 21.03.11.

Page 105: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

95

GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro: 1988.

GUGEL, M. A. Pessoas com Deficiência e o Direito ao Trabalho. Obra Jurídica, Florianópolis: 2007. Disponível em: <http://phylos.net/direito/pd-historia> acesso em 20.07.11.

HANASHIRO, D.M.M & PEREIRA, J.B.C. Diversidade nas organizações:

ser ou não ser favorável às práticas de diversidade? Eis a questão. RAC, Curitiba, v. 14, n.4, art.6, pp. 670-683, jul/ago.2010. www.anpad.org.br/rac, acesso 21.03.11.

HIRATA, H. Os Mundos do trabalho. In: Empregabilidade e educação: novos caminhos no mundo do trabalho. Alípio Casali et tal (Org). p. 32-33. Educ, São Paulo: 1997.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000.

Características Gerais da População. Resultados da Amostra. IBGE, Rio de

Janeiro: 2003. www.ibge.gov.br/censo2000. Acesso em 08.03.11.

KLEIN, M. Movimentos surdos e os discursos sobre surdez, educação e trabalho: a constituição do surdo trabalhador. p.1-3. UFRGS. Acesso 10.06.11. ___________. Os discursos sobre surdez, trabalho e educação e a formação do surdo trabalhador. In: SKLIAR, Carlos (org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. p. 75-93. Mediação, Porto Alegre: 1998. ____________Novos textos e novos atores na formação profissional para surdos: rupturas ou permanências? Revista Brasileira de Educação, v.11, n.33, pp. 435-561, set/dez 2006. Acesso em 08.03.11.

KUENZER, A.Z. A Educação Profissional nos Anos 2000: a dimensão subordinada das políticas de inclusão. Educação e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 96 – Especial, p. 877-910, out.2006.

MADER, G. Integração da pessoa portadora de deficiência: a vivência de um novo paradigma. In: MANTOAN, Maria Teresa Eglés et al. (Org.) A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão

sobre o tema. p. 44-50. Memnon, São Paulo: 1997.

MANFREDI, M. S. Trabalho, Qualificação e Competência Profissional:

das dimensões conceituais e políticas. Revista Educação e Sociedade, Nº 64, 1998. p. 08. Scielo Brasil, acesso em 14/07/11.

MONTEIRO, M. S. Relato de Experiência - Grupo de Estudos e Subjetividade: história dos movimentos dos surdos, e o reconhecimento da

Page 106: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

96

Libras no Brasil. Educação Temática Digital, v.7, n.2, p.292-302. Campinas: 2006.

OLIVEIRA, A. R. Marx e a esclusão. Pelotas, RS: Seiva, 2004.

OLIVEIRA, J.B..Relatório de Atividades da Derdic /PUCSP. 2006. PERLIM, G. T.T. Identidades surdas. In: SKLIAR, Carlos (org.). A Surdez:

um olhar sobre as diferenças. p. 52-71. Mediação, Porto Alegre: 1998.

PIZZARRO, D.M. L. & EULÁLIO, S. R. A Dialética da Inclusão do Surdo no Mundo do Trabalho no Viés Histórico e Social da Psicologia. Sociedade Inclusiva. PUC Minas, acesso 03/02/11.

REDONDO, M.C.., CARVALHO, J. M. Deficiência auditiva. Brasília: MEC,

Secretaria da Educação à Distância, 2000.

REIS, J. G. O Surdo e o Mercado de Trabalho na Cidade de Manaus.

Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade Federal do Amazonas, 2006.

RENTERIA, E. Identidade e Trabalho: a questão da empregabilidade. Palestra Pontíficia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Social – Núcleo Identidade e Trabalho e Ação social, professor convidado da Universidad Del Valle – Cali, Colômbia. São Paulo: 2010.

ROSS, P. R. Educação e Trabalho: a conquista da diversidade ante as políticas neoliberais. In: BIANCHETTI, Lucídio; FREIRE, Ida Mara (orgs.) Um olhar sobre a diferença: Interação, Trabalho e Cidadania. p. 53-110.

Papirus, Campinas: 1998.

SASSAKI, R.K.. Terminologia sobre deficiência na era da inclusão. São Paulo, 2003. Google acadêmico. Acesso 15.07.11.

SAWAIA, B. B. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. In: SAWAIA, B.B.(org.) As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e a ética da desigualdade social. 4.ed., p. 97-

116. Vozes, Rio de Janeiro: 1999.

SCHMIDT, F. Diversidade nas Organizações Contemporâneas. Instituto

Percepções de Responsabilidade Social, 2007. Disponível em: <www.percepcoes.org.br/artigos.asp> acesso 17.03.11.

SILVA, Otto Marques da. A Epopéia Ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. CEDAS, São Paulo: 1986.

Page 107: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

97

SILVEIRA, F. F. R. As representações Sociais do Trabalho dos Surdos e a Construção das Suas Identidades. Brasília: Tese de Doutorado em

Psicologia Social, Universidade de Brasília – UNB, 2009.

SKLIAR, C. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Mediação, Porto

Alegre: 1998.

SKLIAR, C. Educação e Exclusão: abordagens sócio-antropológicas em

educação especial. Mediação, Porto Alegre: 1999.

SOUZA, E. de. Problematizando a Equidade: a questão da inclusão

profissional da pessoa com deficiência. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, 2006.

TESKE, O. A relação dialógica como pressuposto na aceitação das diferenças: processo de formação das comunidades surdas. In: SKLIAR, Carlos (org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Mediação, p. 139-156. Porto Alere: 1998.

Page 108: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

8. ANEXOS

Roteiro de Entrevista (empresa)

1. Nome da empresa

2. Há quanto tempo está no mercado?

3. Qual é a atividade da empresa?

4. Quantos funcionários tem?

5. A empresa tem uma política de carreira para seus funcionários?

6. Qual(Como funciona) é a política de carreira que a empresa

estabelece?

7. A empresa tem um instrumento de avaliação, que visa medir as

condições de ascensão do funcionário?

8. Como é feita a avaliação do funcionário para sua progressão

profissional?

9. Como a empresa encara o fator da diversidade? Existe uma política

neste sentido?

10. Como a empresa vê a lei de cotas?

11. Como a empresa enfrentou a questão da inclusão de surdos no seus

postos de trabalho?

12. Há quanto tempo a empresa emprega pessoas com surdez?

Page 109: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

Roteiro Entrevista Supervisor

1. Como se dá o processo de inclusão e adaptação à rotina de trabalho da empresa?

2. Como a empresa avalia o funcionário surdo? 3. A empresa tem algum funcionário surdo, que iniciou em uma função

menos qualificada e teve uma progressão profissional? 4. Se sim, como se deu o processo de promoção? Como foi avaliado? 5. Pensando nos postos de trabalho desta empresa, existe condições de

crescimento profissional para o surdo? 6. Se não, por quê? Quais foram os motivos? 7. Escolaridade 8. Comunicação 9. Falta de experiência 10. Falta de preparo para a função 11. Dificuldade de relacionamento 12. Este funcionário veio de algum programa de qualificação profissional,

e demonstrou preparo para assumir a função proposta? 13. Este funcionário mudou de função, e significou uma promoção, ou foi

só uma mudança de posto de trabalho? 14. A empresa sabe do nível de satisfação deste funcionário, com seu

cargo e salário? 15. Quais tem sido as dificuldades em incluir o funcionário surdo na

empresa? 16. Quais tem sido as facilidades para incluir? 17. Quais as vantagens para a empresa tendo uma política de inclusão

de surdos? 18. Você já tinha experiência anterior com surdos?

Page 110: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

Roteiro de Entrevista – Surdos

Bloco I

1. Nome 2. Idade 3. Escolaridade 4. Com que idade começou estudar? 5. O que foi mais difícil nos estudos? 6. Quando resolveu que queria trabalhar? 7. Como escolheu que trabalho queria? 8. Fez curso de qualificação profissional? 9. Quando começou a trabalhar?

Bloco II

10. Qual foi o seu primeiro emprego? 11. Já trabalhou em outros empregos? 12. Como foi sua vida profissional? 13. O que foi mais difícil no trabalho? 14. O que foi mais fácil? 15. Você escolheu o emprego que queria?

Bloco III

16. Qual o cargo que ocupa na empresa atual? 17. Começou neste mesmo cargo? 18. Você foi promovido? 19. Se sim para qual cargo? 20. Era o que queria profissionalmente, nesta empresa? 21. O que você acha que facilitou sua promoção de cargo? Bloco IV

22. Se não teve promoção, porque você acha que não foi promovido? 23. Que cargo queria? Você tinha condições para exercer esta função? 24. O que você acha que pode ter dificultado a sua promoção?

Comunicação

Falta de experiência/ conhecimento do trabalho

Dificuldade de se relacionar com chefia e colegas

Escolaridade Bloco V

25. Você está satisfeito/feliz no seu trabalho atual?

Page 111: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP ... Cristina... · Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (Guareschi, P.A.,trad.). Vozes. Petrópolis:

26. Você está satisfeito com o salário?

27. Você acha que tem as mesmas condições dos funcionários ouvintes, de promoção nesta empresa?

28. Você prefere trabalhar em empresa de grande ou pequeno porte?