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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
ANDREA SIROTSKY GERSHENSON
CONTRATO DE LOCAO EM SHOPPING CENTER
MESTRADO EM DIREITO
SO PAULO
2014
ANDREA SIROTSKY GERSHENSON
CONTRATO DE LOCAO EM SHOPPING CENTERS
Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do Ttulo de Mestre em Direito (Direito Civil), sob a orientao do Professor Doutor Jos Manoel de Arruda Alvim Neto.
MESTRADO EM DIREITO
SO PAULO
2014
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
__________________________________
___________________________________
Ao meu marido Ariel e pequeno filho Noah,
pela compreenso durante os perodos de
ausncia para a concluso deste trabalho.
GERSHENSON, Andrea Sirotsky. Contrato de Locao em Shopping Center.
2014. Dissertao (Mestrado). Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 2014.
RESUMO
O presente estudo busca analisar o contrato de locao em um tipo especfico
de organizao comercial: o Shopping Center. Sero analisadas as caractersticas
dessa espcie de empreendimento e demais aspectos que tornam sua estrutura
nica e complexa, diferenciada dos demais formatos de centros comerciais. Mesmo
aps sancionada a Lei de Locaes (Lei 8.245/91), que definiu a relao existente
entre o empreendedor e o lojista como de locao, diante das peculiaridades dessa
espcie de negcio, ainda existe controvrsia sobre a natureza jurdica do contrato.
Assim, sero investigados os posicionamentos doutrinrios acerca da natureza
jurdica do shopping center, para posteriormente qualific-lo como contrato tpico ou
atpico. O negcio jurdico ser contextualizado dentro da viso moderna do direito
contratual, analisando-se os seus princpios informadores, em especial o da funo
social, equidade e da boa-f. Analisar-se- sob a tica dos referidos paradigmas o
contrato de shopping center e suas clusulas peculiares. Ser abordado, ento,
como funciona a resoluo dessa espcie de contrato diante do descumprimento de
suas clusulas e suas hipteses de reviso ou alterao. Por fim, o presente estudo
tecer consideraes acerca das aes revisionais e renovatrias do contrato de
locao em shopping center.
Palavras-Chaves: Direito Privado Direito Civil Shopping Center Contrato de
Locao em Shopping Center Rede Contratual
GERSHENSON, Andrea Sirotsky. Contrato de Locao em Shopping Center.
2014. Dissertao (Mestrado). Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 2014.
ABSTRACT
This study analyzes the lease contract of a specific type of business
organization: the Shopping Mall. We will analyze the characteristics of this kind of
development and other aspects that make it a complex and unique structure and
which also make it distinct from other commercial centers. Even after the Lease Law
was sanctioned (Law 8.245/91), which defined the relationship between the
entrepreneur and the shopkeeper as a location, it is possible to consider the
peculiarities of this kind of business and notice that there is still controversy about the
legal nature of this kind of contract. Thus, we will study the doctrinal positions on the
legal nature of the mall, and later qualify it as a typical or atypical contract. The legal
business will be contextualized within the modern view of contract law, analyzing its
main principles, in particular social function, equity and good faith. We will analyze
the Mall contract and its peculiar clauses under the perspective of those paradigms.
We will then approach the subject of how the termination of this kind of contract
would work in case of breach of its provisions, and its chances for revision or
alteration. Finally, this study will weave considerations about termination or renewal
actions as far as the lease contract in shopping malls is concerned.
Key-words: Private Law - Civil Law - Shopping Malls Lease Contract in Shopping
Malls - Contract Net
SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................... 9
1 ORIGEM HISTRICA DO SHOPPING CENTER ............................................ 11
2 NATUREZA JURDICA E CONCEITO DO SHOPPING CENTER .................. 18
3 VISO MODERNA DO DIREITO CONTRATUAL. A FUNO SOCIAL E A
BOA-F NAS RELAES CONTRATUAIS ......................................................
28
4 INTERPRETAO E INTEGRAO CONTRATUAL .................................... 35
5 NATUREZA JURDICA DO CONTRATO DE SHOPPING CENTER .............. 38
6 CARACTERIZAO DO CONTRATO ATPICO ............................................ 45
7 ETAPAS PARA A FORMAO DO SHOPPING CENTER E O TENANT
MIX ......................................................................................................................
49
8 ESTRUTURA JURDICA DO CONTRATO DE SHOPPING CENTER ............ 56
9 O CONTRATO DE LOCAO EM SHOPPING CETER .............................. 62
10 CLUSULAS PECULIARES AO CONTRATO DE LOCAO EM
SHOPPING CENTER ..........................................................................................
70
10.1 Remunerao Fixa e Varivel e Obrigatoriedade do Lojista
Apresentar sua Contabilidade .........................................................................
70
10.2 Clusula de Degrau ................................................................................... 71
10.3 Aluguel Mnimo Dobrado .......................................................................... 72
10.4 A Diviso dos Encargos Comuns ........................................................... 73
10.5 Clusula de Raio ....................................................................................... 74
10.6 Cesso do Contrato e Alterao do Ramo de Atividade........................ 76
10.7 Prvia Aprovao de Projetos de Instalao e Decorao das
Unidades ............................................................................................................
77
11 A RES SPERATA .......................................................................................... 78
12 FUNDO DE COMRCIO ................................................................................ 82
13 A REDE CONTRATUAL FORMADA PELOS CONTRATOS FIRMADOS
ENTRE O EMPREENDEDOR E OS DIVERSOS LOJISTAS ..............................
88
14 CONTRATO DE SHOPPING CENTER: TPICO OU ATPICO? ................... 90
15 A RESOLUO DO CONTRATO POR INADIMPLEMENTO DO LOJISTA .. 93
16 A RESOLUO OU REVISO DO CONTRATO PELO NO
CUMPRIMENTO DE OBRIGAO POR PARTE DO EMPREENDEDOR ........
95
17 AO REVISIONAL DE ALUGUEL ............................................................. 96
18 AO RENOVATRIA ................................................................................. 98
CONCLUSO ..................................................................................................... 105
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .. 110
9
INTRODUO
Com a concentrao cada vez maior das pessoas em reas urbanas, da
busca de segurana, comodidade e principalmente, tendo em vista um pblico
consumidor cada vez mais exigente, os shopping centers, atendendo tal demanda,
expandiram-se em nmero e tornaram-se um dos maiores responsveis por grande
parte do faturamento do comrcio varejista brasileiro.
O desenvolvimento da indstria de shopping acabou sendo em parte
impulsionada pelo tratamento diferenciado dispensado a essa espcie de negcio,
diante da ampla liberdade contratual concedida s partes, uma vez que se submete
s restries protecionistas de menor intensidade do que das locaes comuns.
Realmente, a Lei 8.245/91 rege as locaes em shopping centers de modo lacnico,
dando s partes liberdade ampla na contratao, ao contrrio da finalidade social e
protetiva que caracteriza as locaes em geral. O artigo 54, caput, da citada norma
claro a esse respeito: Nas relaes entre lojistas e empreendedores de shopping
center, prevalecero as condies livremente pactuadas nos contratos de locao
respectivos e as disposies procedimentais previstas nesta Lei.
E com isso, as relaes contratuais entre o empreendedor, proprietrio e
administrador do shopping e os diversos lojistas, so cada vez mais debatidas,
principalmente diante das peculiaridades da relao negocial, que alguns entendem
colocar o lojista em situao de desvantagem, diante da ausncia de lei que as
regulamentem. Trata-se, assim, de um tema bastante atual e cada vez mais
presente na nova realidade econmica e jurdica brasileira. O shopping center uma
organizao comercial nica e complexa. So dois os polos principais nesta
organizao: i) o conjunto de lojistas que compe o shopping (dos mais diversos
setores) e; ii) o empreendedor, que o proprietrio do shopping.
Ambos utilizam o imvel para produo de nova riqueza: os lojistas por meio
da comercializao de seus produtos e o empreendedor concebendo o centro
comercial e administrando-o. Lojistas e empreendedor devem trabalhar em conjunto
para que obtenham sucesso no negcio e as relaes entre ambos so
completamente interdependentes. Os lojistas abrem mo de certa autonomia
individual em prol da empresa de conjunto.
10
Os direitos e deveres das partes so regidos por uma rede interligada de
contratos, cuja natureza jurdica ainda no questo pacfica na doutrina, mesmo
aps sancionada a Lei de Locaes (Lei n 8.245/91), a qual denominou o contrato
nessa espcie de empreendimento como de locao e o empreendedor e lojista,
respectivamente, como locador e locatrio.
Antes de adentrar-se na anlise do negcio, ser abordada a origem histrica
do shopping center e a natureza jurdica e conceito desse tipo de empreendimento,
compreendendo-se a sua lgica econmica, bem como a sua distino em relao a
outras formas de centros comerciais.
Ser necessrio, tambm, contextualizar o referido negcio jurdico dentro da
viso moderna do direito contratual, bem como tecerem-se breves consideraes
acerca dos princpios informadores do direito contratual, das tcnicas de
interpretao e integrao, para a posterior anlise isolada do negcio.
A anlise do contrato de shopping center implicar na investigao de sua
natureza jurdica, para que se possa caracterizar o tipo contratual ou, at mesmo,
enquadr-lo como atpico, mediante a anlise e distino entre ambas as espcies.
Em seguida, adestrar-se- nas caractersticas do negcio em shopping
center, analisando-se as etapas para a formao do empreendimento e sua
estrutura jurdica, que inclui diversos contratos, individualmente firmados, que se
interligam mutuamente.
Ser analisado o contrato de locao, suas clusulas peculiares, abordando-
se, tambm, questes especficas da indstria de shopping center, como a res
sperata e o fundo de comrcio.
A parte final desse estudo ser dedicada as hipteses de inadimplemento,
reviso e resoluo do contrato, analisando-se, tambm, a possibilidade de
ajuizamento de ao renovatria do contrato de locao de shopping center, bem
como os requisitos necessrios para tanto.
11
1 ORIGEM HISTRICA DO SHOPPING CENTER
Alexandre Agra Belmonte1 salienta que muitos dos elementos de base do
shopping, como a instalao de conglomerados mercantis em pontos estratgicos; o
incentivo estatal formao desses complexos, o impulso ao mercado de trabalho,
circulao de riquezas e arrecadao tributria, bem como a reunio do comrcio
em um mesmo espao fsico, so heranas dos mercados medievais. Entretanto,
salienta que a organizao de feiras e mercados medievais no servem para marcar
a origem dos shopping, pois nestes o planejamento, a organizao, objetivo e
contedo, enfim, a estrutura do negcio distinta daqueles.
A escolha do ponto comercial no era objeto de muita ateno pelos antigos
comerciantes. Nas cidades antigas, por exemplo, os comerciantes e artesos se
reuniam em torno das suas corporaes, fazendo surgir os chamados bairros
profissionais, como a rua dos padeiros, rua dos ferreiros, entre outras.
Mais tarde, na maioria dos casos por iniciativa das Municipalidades, em
decorrncia de seus respectivos planos de urbanizao, foram criadas edificaes
especficas para o mercado local varejista. Contudo, tais mercados no contavam
com qualquer outra organizao tecnolgica seno a primitiva loja do comerciante2.
Como primrdios dos shopping pode-se citar, ainda, os mercados cobertos da
antiguidade, que concentravam vrios ramos de atividade em um ambiente
organizado.
O Mercati di Traiano, localizado em Roma, considerado o primeiro centro
comercial coberto da histria. O complexo foi construdo no ano de 107 e 110 Dc
para abarcar a atividade administrativa do governo do Imperador Traiano, mas
marginalmente l passou a funcionar pujante atividade comercial3.
claro que tal Mercado no tinha a mesma configurao e organizao dos
atuais shopping centers, mas l j se antevia a preocupao com a estruturao
1 BELMONTE, Alexandre de S. Agra. Natureza jurdica dos shopping centers. Rio de Janeiro: Lumen
Juris Ltda, 1989, p. 29. 2 REQUIO, Rubens. Consideraes jurdicas sobre os centros comerciais (shopping centers) no
brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 795 | Dez / 2010 DTR\2012\1848, p. 4. 3Museums Rome. Disponvel em: . Acesso em: 27 jun. 2014.
http://www.museumsrome.com/it/capolavori-nei-musei-di-roma/284-i-mercati-di-traiano-a-roma.htmlhttp://www.museumsrome.com/it/capolavori-nei-musei-di-roma/284-i-mercati-di-traiano-a-roma.html
12
fsica do ambiente. O complexo foi projetado por um importante arquiteto da poca,
contando com ampla entrada, longos corredores e andares com vrias salas.
A preocupao com a estrutura fsica do ambiente e organizao orientada
dos diversos comerciantes, semelhante aplicada nos modernos shopping, tambm
j era observada no Mercado de Isfahan, localizado na cidade iraniana de nome
homnimo, construdo durante o governo do X Abbas (1587-1629). As bancas do
mercado eram agrupadas segundo a profisso de seu dono ou o tipo de mercadoria
oferecida, e as bancas com status superior (perfumes ou livros, por exemplo),
ficavam mais prximas da entrada da mesquita, enquanto os ofcios que causavam
rudos e odores nocivos (trabalho em couro ou cobre, por exemplo) eram
implantados o mais longe possvel.4
A Revoluo do Consumo e Comercial ocorreu antes da Revoluo Industrial
e o marco da modernizao ocidental, nos sculos XVI at o XVIII. Contudo, foi
somente aps o Sculo XIX que surgiu uma sociedade de consumo estabelecida,
com tipo de consumidores claramente diferenciados e novas modalidades de
comercializao e marketing5.
Com o crescimento expressivo das populaes urbanas, decorrente dos
avanos da industrializao, houve um aumento na oferta dos produtos,
investimentos na rea do transporte e os setores produtivos e mercado de consumo
se tornaram mais acessveis. Das relaes de simples trocas de mercadorias e
incipientes relaes mercantis chegaram-se a sofisticadas operaes comerciais,
formando-se relaes bilaterais de consumo: de um lado o fornecedor de bens e
servios e, de outro, o consumidor. A produo e o consumo foram massificados.
Na Frana, com o liberalismo econmico e o Cdigo Napolenico em 1.804,
oficializando a propriedade privada da terra, ocorreu uma modificao da dinmica
comercial, dando destaque a um novo conceito de valor da terra: a renda diferencial.
Nas metrpoles europeias a disposio da renda diferencial da terra se materializou
na polaridade centro-periferia, configurando diferentes valores do uso dela. Nesse
4 FAZIO, Michael; MOFFET, Marian; WODEHOUSE, Lawrence. A histria da arquitetura mundial. 3.
Ed., Porto Alegre: AMGH, 2011, p. 190,191. Disponvel em: . Acesso em: 27 jun. 2014. 5 ALMEIDA, Joo Batista de. Manual do direito do consumidor.2 ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva,
2006, p.2.
http://books.google.com.br/books?id=l8iYFbcX7HAC&pg=PA191&dq=mercado+de+isfahan&hl=pt-BR&sa=X&ei=ZW2tU6v6OvbLsATIk4L4Bg&ved=0CCQQ6AEwAQ#v=onepage&q=mercado%20de%20isfahan&f=falsehttp://books.google.com.br/books?id=l8iYFbcX7HAC&pg=PA191&dq=mercado+de+isfahan&hl=pt-BR&sa=X&ei=ZW2tU6v6OvbLsATIk4L4Bg&ved=0CCQQ6AEwAQ#v=onepage&q=mercado%20de%20isfahan&f=falsehttp://books.google.com.br/books?id=l8iYFbcX7HAC&pg=PA191&dq=mercado+de+isfahan&hl=pt-BR&sa=X&ei=ZW2tU6v6OvbLsATIk4L4Bg&ved=0CCQQ6AEwAQ#v=onepage&q=mercado%20de%20isfahan&f=false
13
contexto, surgem as passagens (galerias em francs) ou rcades em ingls, que
eram acessveis ao pedestre durante o dia e restrita ao transporte6.
Assim, entre os anos 1.770 e 1.880 foram construdas as primeiras galerias
europeias, em Paris, as galerias de Bois, Ver-Dodat, Vivienne, Palais Royal,
Lafayette; em Londres, Oxford Covered Market; em Milo, Vittorio Emanuele II. Suas
caractersticas eram: constituio de uma paisagem interior prpria, cdigos de
postura bem definidos em sua administrao, um embrionrio mas importante
processo de explorao imobiliria do negcio, com aluguel de lojas pagos pelo
comerciante7.
Na Frana Revolucionria, tendo em vista a ascenso de um mercado de
luxo, fundado no mundo da moda e das aparncias, surgem as grandes lojas, com
amplos sales nos quais as mercadorias eram expostas. Em 1.820 o grande
magazine de nouveauts inova o conceito de loja especializada por setores. A
exposio dos artigos e os preos neles marcados permitiam ao pblico a livre
circulao pela loja e a experincia de tocar o produto. As galerias e lojas de
departamento coexistem no centro da cidade8.
Em 1.852 foi inaugurado em Paris um pequeno armazm de retosaria que
adotou o nome de Bom March, que tambm revolucionou ao trabalhar com sistema
de preos fixos, margens de lucros pequenas e grande volume de mercadorias,
impedindo a sedimentao de novos intermedirios no comrcio9.
A Galeries Lafayette ento, encomendou uma pesquisa de mercado visando
estudar o poder de atrao da Bom March. A pesquisa revelou que aquele
estabelecimento no era apenas um centro de compras, mas tambm um grande
espetculo, um lugar de passeio, de quebrar a rotina. Com base nessa pesquisa a
Galeries Lafayette procurou readequar sua maneira de lidar com o consumidor e
6 BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping
centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 11. 7 BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping
centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 11. 8 BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping
centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 12. 9 BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping
centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 14.
14
com a experincia de fazer compras, adotando o slogan tout instant, il se passe
quelque chose aux Galeries Lafayette (A todo momento, algo est acontecendo na
Galeries Lafayette)10.
Diante da concentrao urbana e das novas exigncias da vida moderna
(algumas decorrentes do aumento do poder aquisitivo da populao), aliados s
novas tcnicas de distribuio e venda, surgiu a necessidade de concentrar o
comrcio de produtos e servios em um ambiente funcional, que garantisse,
tambm, maior conforto e segurana para os clientes.
Assim, considerando uma srie de fatores, como a escolha do local em vista
da densidade demogrfica, a rede viria, o planejamento estrutural da edificao,
entre outros, os empresrios idealizaram os centros comerciais, atualmente
conhecidos como shopping centers.
Valquria Padilha11 refere que os shopping centers aparecem como ltima
etapa no desenvolvimento da sociedade de massas (que nasce no ano 1930) e
participam de forma decisiva na construo de uma nova cultura urbana e seriam
resultado de uma nova forma de industrializao da oferta e da demanda.
Em 1.915 e 1.930, nos Estados Unidos, foram construdos e alugados os
primeiros shopping centers villages, normalmente somente por um investidor, em
funo de seu potencial de venda e no para justificar a venda de unidades
habitacionais urbanas. Eram localizados perto dos subrbios e com muitas vagas de
estacionamento, mas no contavam com corredores cobertos12.
A Grande Depresso, nos anos 1.930 e 1.940, interrompeu o
desenvolvimento desses centros. Tendo em vista o crescimento econmico e
planejamento urbano, alm de novas tecnologias resultantes do ps-guerra, iniciou-
se uma nova fase dos shopping centers no final de 1940, com lojas abertas para a
rua e parque de estacionamento na parte superior; blocos de loja voltadas para o
10
TEIXEIRA, Cid Carlos de Souza. Administrao dos grandes shopping centers no brasil. 2009. 89 f. Trabalho de Concluso de Curso (Ps Graduao Lato Senso MBA em Gesto Estratgia e Negcios) Universidade Federal Fluminense, Niteroi, 2009, p. 10. 11
PADILHA, Valquria. Shopping center: a catedral das mercadorias. So Paulo: Bomtempo, 2006, p.22. 12
BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 16.
15
parque de estacionamento; e insero de lojas de departamentos ncoras, em
formato de L e depois, em formato de U13.
Esses centros comerciais eram localizados em grandes terrenos nos
subrbios, privilegiando reas de grande fluxo de automveis associado ao baixo
preo da terra. Com o seu desenvolvimento formou-se paralelamente a infraestrutura
viria e vrias lojas de departamento, cujo reduto era o centro, l se instalaram.
Posteriormente percebeu-se, tambm, no havia mais sentido em as vitrines se
abrirem para a rua ou parque de estacionamentos, mas para um corredor interno, os
malls14.
A estrutura organizacional do shopping center como a que conhecemos
atualmente tem sua origem nos Estados Unidos da Amrica do Norte15 na dcada
de 1.950, depois da Segunda Guerra Mundial, tendo em vista o aumento do poder
aquisitivo da populao, do desenvolvimento da indstria automobilstica e da
migrao da populao para as zonas perifricas16.
Naquele ano de 1.950 o arquiteto John Graham projetou o primeiro shopping
mall, o Northgate, nos arredores de Seattle. Sua construo era em forma de caixa,
contava com caminho ao ar livre para pedestres, loja de departamento, cinema,
boliche e supermercado17.
13
BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 18. 14
BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 18,19. 15
Mrio Pecego Heide salienta que existe controvrsia a respeito da origem dos shopping centers, se norte americana ou canadense. Refere que foi no Canad, na dcada de 50 que tomou a forma do empreendimento que conhecemos hoje, em vista de seu inverno rigoroso, que fez com que surgisse a necessidade de existncia de um local para que as pessoas socializassem, com climatizao, estacionamento coberto e que proporcionasse variada opo de servios e lazer. Traos jurdicos, fsicos e econmicos da modalidade de negcio chamada shopping center. Disponvel em: . Acesso em 29.06.14. 16
PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center: uma nova era empresarial, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.2. 17
BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 19.
http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/28895-28913-1-PB.pdf
16
Em 1.957, em Minnesota, foi inaugurado o Southdale City, por muitos
considerado o primeiro shopping mall nos moldes modernos, por concentrar duas
lojas de departamento concorrentes no mesmo espao18.
Nos anos 1.950 e 1.960, com base no modelo norte-americano, os primeiros
shopping malls foram inaugurados na Inglaterra, Frana e Alemanha19.
Na atualidade, os americanos destacam-se entre os maiores grupos
proprietrios de shopping centers do mundo. A International Council of Shopping
Center o principal rgo de representatividade do segmento em nvel mundial.
No Brasil, a estrutura comercial do shopping center foi montada pela primeira
vez com a inaugurao do Shopping Iguatemi, em So Paulo, e se expandiu a partir
da dcada de 1.970, tendo em vista polticas de fuses, incorporaes e
conglomerao decorrentes da economia de escala e do afluxo de recursos por meio
de repasses originrios do mercado financeiro internacional, facilitado pelo
dimensionamento dos bancos locais.
Pedro Elias Avvad20 observa que o Shopping Inguatemi contrariou um dos
pressupostos iniciais do modelo americano, quanto localizao, j que ainda existe
e est no centro da maior cidade do pas, salientando que o shopping brasileiros, em
geral, conservam caractersticas nitidamente urbanas.
A construo do Shopping Iguatemi foi viabilizada por meio de permutas de
quotas parte, com a cesso do direito de propriedade de frao do empreendimento,
que poderia ser o terreno de implantao, a venda de uma loja na planta, ou os
recursos tradicionais de novos scios. Posteriormente, nos anos de 1.980 a 1.989,
as principais inauguraes de shopping centers resultaram de uma mescla de aporte
financeiro dos bancos (principalmente fundos de penso), securitizao e capital
privado21.
18
BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 20. 19
BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 21. 20
AVVAD, Pedro Elias. Direito imobilirio: teoria geral e negcios imobilirios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 619. 21
BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 35 e 37.
17
Dinah Sonia Renault Pinto22 lista os seguintes elementos como responsveis
pelo surgimento dessa espcie de centro comercial no Brasil: a) a descentralizao
para a periferia, em consequncia do aumento e concentrao da populao em
reas urbanas; b) o desafogamento do trnsito em virtude dessa descentralizao;
c) a facilidade de estacionamento de automveis, diante da existncias de espao
para tal finalidade no empreendimento; d) a segurana oferecida contra violncia
existente.
Jos Roberto Barsotti Baldim23, em monografia que trata da evoluo do
capital imobilirio no setor de shopping center, salienta que no Brasil tal setor ainda
est em estgio de crescimento, em razo do potencial demogrfico e extenso
geogrfica, e que tal expectativa econmica atrai muitos investidores estrangeiros,
acrescentando que a abertura de capital estimula a participao para alm dos
grupos econmicos, de investidores individuais.
O sucesso e expanso nas construes deram origem, em 1.976, criao
da ABRASCE (Associao Brasileira dos Shopping Centers), da qual integram a
quase totalidade dos empreendimentos e tem como uma de suas atribuies a
emisso de certificados aos empreendimentos que satisfaam determinados
requisitos.
A ABRASCE constitui uma associao civil, devidamente registrada, com
personalidade jurdica e que tem por objetivo desenvolver e fortalecer a indstria de
shopping centers no Brasil. Entre os seus associados esto empreendedores,
administradores, prestadores de servios e lojistas da indstria. No total, 280
shopping que atuam no Brasil so filiados entidade24.
O Brasil j soma 501 shopping centers em funcionamento, so 13.145
milhes de m de ABL (rea bruta locvel). Outros 30 empreendimentos sero
inaugurados at o final de 201425.
22
PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center: uma nova era empresarial, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.2. 23
BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 40. 24
Abrasce: Portal do Shopping Centers. Disponvel em: . Acesso em: 27 jun. 2014. 25
Abrasce: Portal do Shopping Centers. Disponvel em < http://www.portaldoshopping.com.br/abrasce/apresentacao>. Acesso em: 27 jun. 2014.
http://www.portaldoshopping.com.br/abrasce/historico-da-abrasce-associacao-brasileira-de-shopping-centershttp://www.portaldoshopping.com.br/abrasce/historico-da-abrasce-associacao-brasileira-de-shopping-centershttp://www.portaldoshopping.com.br/abrasce/apresentacao
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2 NATUREZA JURDICA E CONCEITO DO SHOPPING CENTER
O shopping center trouxe uma nova tecnologia ao comrcio. Aluga espaos
para a intermediao de mercadorias e servios, conjugando lazer, em um ambiente
diferenciado, planejado dentro das mais modernas tcnicas empresariais,
oferecendo segurana e conforto. Sua dinmica influencia aspectos econmicos e
sociais, dando origem a novos hbitos de comportamento de consumo, alm de
estimular e desenvolver a infraestrutura urbana e viria em seu entorno.
A natureza jurdica do shopping center de empresa de conjunto, pois se
trata de uma atividade econmica organizada, visando o lucro. Sua construo est
diretamente relacionada maximao do lucro, fundamentada em estudos de
viabilidade econmico-financeira.
Surge da integrao das atividades comerciais de cada lojista e do
empreendedor, sendo que o sucesso do empreendimento depende da atuao do
todo. O nico momento de produo na indstria do shopping center quando de
sua construo. Aps tal fato o shopping ir figurar como mero intermedirio,
atraindo o cliente pela qualidade da prestao de servios e por sua infraestrutura.
O aspecto distinto de dinamismo e eficincia do shopping a relao
contratual fixada entre o empreendedor e os comerciantes, que assegura a
participao do investidor no lucro das atividades que sero l desenvolvidas. O
empreendedor objetiva receber renda de aluguis dos sales, rendimento este que
conta, entretanto, com caractersticas especiais.
O empreendedor do shopping center aquele que vai exercer em nome
prprio ou por meio de administrador a atividade econmica de carter habitual,
visando o lucro, de criar o empreendimento, organiz-lo e administr-lo.
O empreendedor planeja e estrutura o empreendimento como um complexo
integrado, disponibilizando atrativos como estacionamento, segurana, diverso
para adultos e crianas, lanchonetes, restaurantes, escolhendo espcies de
comrcio para l funcionar, alm de promover o estabelecimento como um todo por
meio de campanhas de marketing. Em contrapartida, os lojistas pagam por todas
essas vantagens propiciadas pelo empreendedor no estabelecimento. A
remunerao paga pelo uso do espao (loja), denominado de aluguel, pode ser um
19
percentual sobre o respectivo faturamento bruto. Contribuem para o fundo de
promoes, fundo de administrao e de despesas internas. Portanto, a atividade do
lojista no pode prescindir dos servios internos, assim como o empreendedor tem
interesse no sucesso das vendas pois, desta forma, tambm ter mais lucro26.
Suas atividades no cessam quando da criao e constituio do shopping.
responsvel pela formao do tenant mix, por promover aes de marketing, pela
aprovao do ingresso do lojista na estrutura do empreendimento e pela
manuteno do equilbrio entre os lojistas, visando garantir um nvel mnimo
satisfatrio de resultados econmicos. Em suma, cabe ao empreendedor manter a
excelncia do empreendimento como coletividade.
Nesse sentido, Roberto Wilson Pinto27 ressalta que a atuao do
empreendedor do shopping center no se exaure com a inaugurao do
empreendimento:
Pelo contrrio, a partir da, comea o persistente trabalho de solidificao da imagem do shopping center perante o pblico a que se destina e do aprimoramento do tenant mix, na medida em que o sistema locativo montado dinmico, acompanha a realidade e as novidades da moda, dos costumes, da decorao e assim por diante (...). (PINTO R., 1991, p. 219)
H, portanto, uma relao direta entre a rentabilidade do empreendedor e dos
comerciantes, o que possibilita uma integrao entre os interesses dos contratantes
e otimiza o marketing em nvel nunca antes imaginado pelo sistema de comrcio
convencional.
26
Para tanto o proprietrio do shopping escolher produtos e servios, selecionar lojistas, fazendo dos grandes magazines ou lojas de departamentos (lojas-ncoras) o ponto de atrao do pblico que impelir clientela s lojas magnticas ou satlites, promovendo campanhas publicitrias e criando condies bastante favorveis explorao do comrcio pelos lojistas. (...) Portanto, os locatrios beneficiam-se de uma srie de servios prestados pela entidade empreendedora do shopping, que os proteger contra a excessiva concorrncia, por haver no centro comercial limitao de nmeros de estabelecimento de um determinado ramo negocial; da a logicidade da participao do empresrio- proprietrio do shopping nos lucros obtidos pelas lojas. At mesmo o planejamento, feito pelo empreendedor, das reas de uso como sistema de condicionamento de ar, condutores de guas pluviais, caladas, reas de circulao interna para o pblico, reas de servio, escritrio da administrao, sanitrios pblicos, sadas usuais e de emergncia, estacionamento externo, ser elaborado tendo em vista melhorar o atendimento e suprir as necessidades operacionais do shopping. (DINIZ, Maria Helena. Tratado terico e prtico dos contratos, volume 3. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 40). 27
PINTO, Roberto Wilson Renault. O fundo de comrcio dos shopping centers e o Decreto n. 24.150/34. In: PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de (Coord). Shopping centers: questes jurdicas: doutrina e jurisprudncia. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 219.
20
Segundo Pedro Elias Avvad28 a explorao do shopping envolve duas reas
distintas e intimamente interligadas: a locao e administrao do negcio, sendo a
ltima efetivamente uma prestao de servios, que a essncia dessa atividade.
O lojista o comerciante que participar do empreendimento, nele
promovendo a sua atividade empresarial, por meio da cesso de uso (ou locao) de
um espao. Alm do quanto disposto no contrato de cesso de uso do espao
(locao), o lojista est subordinado s demais disposies fixadas pelo
empreendedor, constantes da escritura declaratria de normas gerais
complementares, do regulamento interno do shopping e ao estatuto da associao
dos lojistas. Existe a obrigatoriedade de o lojista integrar a associao de lojistas,
contribuir para as despesas coletivas e para o fundo de promoo.
Os lojistas devem respeitar as regras impostas pelo empreendedor para que o
conjunto funcione de forma equilibrada, no gozam de autonomia, pois no podem
decidir sobre o horrio de funcionamento de seus estabelecimentos, alterar a
configurao externa ou interna de suas lojas, alterar o ramo de comrcio ou ceder o
contrato sem a anuncia do empreendedor. Todo o arranjo externo e interno
do shopping faz-se em funo de um objetivo que no suscetvel de pulverizao.
Tudo armado para funcionar em conjunto e harmonicamente29.
Segundo Maria Elisa Gualandi Verri30 a submisso do lojista aos
regulamentos tendentes a uniformizar as prticas no empreendimento que o fazem
uma figura totalmente diferenciada do lojista do comrcio de rua, explicando:
No caso de este ltimo ser locatrio de um prdio autnomo, o nico vnculo existente entre o proprietrio do imvel e o lojista o aluguel, constituindo como obrigaes do lojista o pagamento deste e a manuteno do imvel, como qualquer simples relao locatcia. Ao contrrio, o lojista de shopping center dever conviver com determinados preceitos da estrutura desses centros, que sero adiante analisados, visando a que a estrutura do shopping center, minuciosamente planejada, no seja maculada. (VERRI, 1996, p. 30-31)
28
AVVAD, Pedro Elias. Direito imobilirio: teoria geral e negcios imobilirios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 622. 29
BESSONE, Darcy. Problemas Jurdicos do "Shopping Center", Revista dos Tribunais | vol. 660 | p. 7 | Out / 1990, Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 713 | Dez / 2010 | DTR\1990\173 30
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 30-31.
21
Existe a necessidade de que a performance de cada lojista se sintonize com o
afreguesamento do conjunto. O mau desempenho de uma ou de vrias lojas poder
repercutir na formao e na manuteno da clientela do shopping, favorecendo ou
prejudicando as outras. Tudo h de funcionar organizadamente, organicamente,
como um complexo unitrio31.
Jos de Oliveira Ascenso32 refere que, ao organizar os lojistas no
estabelecimento de conjunto, o empreendedor tem a finalidade nica da atividade de
conjunto. Ou seja, adotada uma integrao empresarial visando a operao
econmica global que o shopping, sendo este o diferencial desta espcie de
empreendimento para os demais centros comerciais.
Justamente por esta razo que Rodrigo Barcellos33 defende que ao shopping
center deve ser aplicada a teoria da empresa, no sentido de que os lojistas so
qualificados como empresrios, nos termos do art. 966 do CC, as lojas como
estabelecimentos e o empreendimento comercial como empresa de conjunto, nos
termos do art. 1.142 do CC, concluindo que a empresa de conjunto (o shopping
center) ser analisada em seu aspecto estrutural: uma rede de contratos criada pelo
empreendedor e integrada por ele e pelos diversos lojistas, que permite o exerccio
integrado das atividades empresariais.
Darcy Bessone34 sustenta que empreendedor s pode ser considerado um
empresrio --- dirigente das empresas que comerciam no shopping --- na fase do
lanamento, da construo e da organizao do complexo, pois aps a finalizao
da obra, ele passaria a uma outra condio, que conjuga o seu ttulo de propriedade
com o de coordenador ou administrador do organismo criado. No seria um dirigente
das empresas que comerciam no shopping.
Com todo respeito, ousamos discordar de tal posicionamento, uma vez que
mesmo aps a concluso do empreendimento o empreendedor age como
31
BESSONE, Darcy. O "Shopping" na Lei de Inquilinato, Revista dos Tribunais | vol. 680 | p. 23 | Jun / 1992, Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 731 | Dez / 2010, Doutrinas Essenciais Obrigaes e Contratos | vol. 5 | p. 683 | Jun / 2011 | DTR\1992\179 32
ASCENSO, Jos de Oliveira. Integrao empresarial e centros comerciais. Revista da Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, Lisboa, v. 32, p. 29-70, 1991. 33
BARCELLOS, Rodrigo. O contrato de shopping center e os contratos atpicos interempresariais, p. 82 e 85. 34
BESSONE, Darcy. Problemas Jurdicos do "Shopping Center", Revista dos Tribunais | vol. 660 | p. 7 | Out / 1990, Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 713 | Dez / 2010 | DTR\1990\173.
22
empresrio ao utilizar o imvel para produo de nova riqueza, promovendo o
desenvolvimento do estabelecimento de forma global.
Diferentemente do contrato de locao comum, onde a figura do locador
assume uma postura passiva, limitando-se em ceder o uso da coisa para auferir
rendimentos decorrentes, o empreendedor no shopping center participa ativamente
na criao e, posteriormente, na gesto do shopping, em conjunto com os lojistas,
visando o sucesso do empreendimento.
Percebe-se, tambm, que a causa e a finalidade do contrato de shopping
center difere do contrato de locao comercial, na medida em que as partes no
pretendem apenas a cesso do uso da coisa contra o pagamento do aluguel, e sim
objetivam tirar proveito da organizao do empreendimento para obter um maior
lucro.
O empreendedor pretende criar uma estrutura integrada pelos lojistas,
visando o aumento do pblico frequentador e da venda de cada uma das lojas, o
que refletir no aumento de seu lucro. O lojista tem por finalidade inserir o seu
estabelecimento nessa estrutura, integrando-o aos estabelecimentos dos demais
lojistas, para usufruir prestaes de servios comuns e as atribuies patrimoniais
proporcionadas pela empresa de conjunto, aumentando os seus lucros.
O que importa a atividade comum aos lojistas e empreendedor, visando o
lucro em uma estrutura organizada, de forma que o espao fsico do imvel
apenas o meio para atingir o fim comum almejado.
Nesse sentido, Maria Helena Diniz35 chama a ateno para o fato de que a
finalidade do empreendedor e dos lojistas em um empreendimento como o shopping
center relao direta entre a rentabilidade do empreendimento e a das atividades
comerciais exercidas no prdio:
A grande finalidade das partes que participam no contrato de shopping no ser, portanto, a cesso e uso de uma unidade em troca de uma remunerao pecuniria, mas sim a de tirar proveito da organizao do empreendimento, participando dos lucros obtidos por cada loja. Assim concede-se o uso ao lojista para que pratique atos de comrcio, distribuindo o lucro obtido com o sucesso comercial, pagando percentual correspondente ao faturamento bruto. (DINIZ, 2003, p.40)
35
DINIZ, Maria Helena. Tratado terico e prtico dos contratos, volume 3. 5. Ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 40.
23
O mais usual para o investimento em shopping center a formao de um
pool de investidores; normalmente um empreendedor majoritrio e a participao de
outros minoritrios, que procuram diluir o risco do negcio no fracionamento das
responsabilidades financeiras e econmicas. O processo de financeirizao
iniciado a partir do emprstimo bancrio36.
O shopping center diferencia-se das demais formas de centros comerciais,
como grandes lojas de departamento, por exemplo, uma vez que estas so
exploradas diretamente pela sociedade empresria que titular do estabelecimento,
mesmo que parte do espao seja objeto de locao para prtica de outras
atividades. Naquelas h a concentrao do exerccio da atividade em um nico
empresrio, diferentemente do que ocorre no shopping, em que o exerccio da
atividade se d por vrios empresrios distintos (lojistas), de forma integrada,
formando um conjunto que potencializa o valor da cada loja.
No que toca s galerias de lojas, nestas a atividade comercial desenvolvida
por vrios empresrios, contudo, tem-se que nada os une, cada qual tem sua
autonomia, o que no ocorre no shopping center, onde os lojistas renunciam parte
de sua autonomia ao contratarem com o empreendedor do shopping, que organiza a
coletividade de lojistas com a finalidade nica do exerccio de uma atividade
integrada.
O shopping center se assemelha ao condomnio, mas com ele no se
confunde, pois na sua forma mais frequente, no h unidades autnomas ou a
conjugao de partes privativas e comuns. As lojas pertencem a um s proprietrio
(embora excepcionalmente os lojistas possam ser proprietrios das lojas), o qual fica
ligado ao centro comercial e tem poder de fiscalizao nos lucros, ramos de
atividades, lay out das lojas, entre outros. No condomnio, as unidades gozam de
independncia, uma vez respeitada a sua destinao e Conveno. Os deveres
dos lojistas de no praticarem atos que prejudiquem os demais integrantes do
empreendimento decorrem de regras contratuais fixadas com o proprietrio do
shopping.
36
BALDIN, Jos Roberto Barsotti. A evoluo do capital imobilirio nacional no setor de shopping centers a partir de 1980. 2012. 154 f. Tese (Doutorado em histria Econmica) Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012, p. 40.
24
Se a edificao decorrer do condomnio, ou seja, se os lojistas forem
proprietrios das lojas, deve seguir as regras da Lei de Incorporao Imobiliria
(basicamente a Lei 4.591, de 16.12.64), se fazendo necessrio a elaborao de uma
Conveno que estabelea as normas de direito e regras de comportamento dos
condminos.
Pedro Elias Avvad37 refere que alguns empresrios da indstria de shopping
center, para no serem tributados duplamente pela mesma renda, acabam por
constituir um condomnio pro indiviso, de forma que cada empresa participante do
empreendimento passa a ser coproprietria e possuir em nome prprio uma frao
do shopping, ou uma frao de cada uma das unidades imobilirias de que ele for
composto.
O mesmo Autor tambm relaciona que algumas vezes, durante a construo
do empreendimento, ocorre a venda antecipada de unidades e consequente
estabelecimento de um condomnio especial, com a designao de Condomnio
Edilcio.
Ocorre que uma vez construdo o shopping center pode dar origem a dois
empreendimentos distintos. O primeiro rene um investimento imobilirio que
administra e promove o marketing conjunto e aluga lojas para que se processe o
segundo negcio que o de vendas a varejo ou por atacado. A administrao
exercida por empresa criada pelos investidores cotistas (ou empreendedor) que tm
como remunerao do capital as receitas decorrentes do aluguel das lojas,
descontadas as despesas operacionais e os impostos e encargos fiscais.
A outra modalidade inclui a venda das lojas, cujos proprietrios alugam ou
desenvolvem seus prprios negcios e exercem a administrao sob a forma de
condomnio, mantendo as mesmas caractersticas fsicas e ambientais que tipificam
o empreendimento.
O shopping center no pode ser considerado uma sociedade em conta de
participao, por carecerem seus membros de affectio societatis. O pagamento de
valor correspondente ao uso da loja pelo lojista, mesmo que calculado sobre o seu
faturamento bruto, no o torna scio do shopping. Tambm tal tipo de
empreendimento no pode ser equiparado s joint-venture corporations, porque esta
25
reflete relaes pessoais entre seus scios e possui personalidade jurdica perante
terceiros, o que no ocorre no shopping, que no dotado de personalidade jurdica.
Rubens Requio38, ao analisar tal espcie de centro empresarial, acentua o
seu atual desvirtuamento, diante da disseminao da denominao shopping center
para abranger organizaes improvisadas e de porte mdio, dentro de cidades,
agravando a concentrao urbana, quando o seu objetivo primadal seria o de
propiciar a descentralizao urbana e a disperso do trfego virio. Salienta a
relevncia econmica dessa espcie de empreendimento em regies mais distantes,
fora da concentrao demogrfica, na periferia, por se tornar o ncleo de novas
reas, que passam a se desenvolver em seu entorno.
O shopping center trata-se de um negcio jurdico especfico, cuja finalidade e
elemento essencial , precisamente, a participao nos resultados. Pode ser
conceituado como comrcio reunido, geralmente, sob a forma de associao em
participao e peculiarmente organizado em infra-estrutura destinada a uma rpida
circulao de riquezas39.
A Abrasce considera shopping center os empreendimentos com rea Bruta
Locvel (ABL), normalmente, superior a 5 mil m, formados por diversas unidades
comerciais, com administrao nica e centralizada, que pratica aluguel fixo e
percentual. Na maioria das vezes dispe de lojas ncoras e vagas de
estacionamento compatvel com a legislao da regio onde est instalado40.
Fbio Ulhoa Coelho41 define o shopping center como um empreendimento
peculiar, em que espaos comerciais so alugados para empresrios com
determinados perfis, de forma que o complexo possa atender diversas necessidades
dos consumidores.
37
AVVAD, Pedro Elias. Direito imobilirio: teoria geral e negcios imobilirios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 628 e 629. 38
REQUIO, Rubens. Consideraes jurdicas sobre os centros comerciais (shopping centers) no brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 795 | Dez / 2010 DTR\2012\1848. 39
BELMONTE, Alexandre de S. Agra. Natureza jurdica dos shopping centers. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda, 1989, p. 53. 40
ABRASCE: Portal do Shopping. Disponvel em Acesso em: 27 jun. 2014. 41
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: volume I. 11 Ed. So Paulo: Editora Saraiva. p. 115.
26
Nagib Slaibi Filho42 sintetiza o shopping em um grupo de estabelecimentos
comerciais unificados arquitetonicamente e construdos em terreno planejado e
desenvolvido, administrado como uma unidade operacional, dotada de
estacionamento.
Segundo Alexandre Agra Belmonte, exige-se como requisitos bsicos
caracterizao do shopping center, na acepo tcnica do termo, a presena dos
seguintes elementos: a) ponto mercadologicamente estudado, em termos de
facilidade de acesso potencial de vendas; b) presena das lojas de atrao para
chamariz do pblico e dos usurios de lojas satlites; c) planejamento prvio das
atividades e diversificao adequada manuteno do conjunto; e d)
estacionamento proporcional ao volume de visitantes43.
Maria Helena Diniz44 d nfase complexibilidade do negcio ao
fundamentar que o shopping center envolve uma estrutura organizacional relativa a
sua localizao, a sua viabilidade econmica, captao de recursos, adeso ao
tenant mix por parte dos lojistas, que se subordinaro a um contrato normativo que
traa regras para o bom funcionamento e sucesso comercial do empreendimento.
Ives Gandra da Silva Martins45 v nos shopping um sobreestabelecimento
comercial, de onde os seus comerciantes recebem o principal fator de fora
mercantil, mesmo que sejam famosas as marcas ou renomadas as sociedades.
Explica que a estrutura do empreendimento permite que os estabelecimentos
comerciais l instalados existam e tenha sua principal razo de ser e fora, j que
no h estabelecimento que no tenha sido escolhido em funo dos aspectos de
agregao valorativa, representada pelo acrscimo que tal instalao fatalmente
provocar.
O shopping center, portanto, no representa apenas um amontoado de lojas
em um s local, no se limita ao seu aspecto visual. Tem uma estrutura e aspectos
que lhe so peculiares e prprios, podendo ser comparado a uma pequena cidade,
42
SLAIBI FILHO, Nagib. Comentrios Nova Lei do Inquilinato. 9. Ed. So Paulo: Forense, 1986, p. 331. 43
BELMONTE, Alexandre de S. Agra. Natureza jurdica dos shoppings centers. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda, 1989, p. 8. 44
DINIZ, Maria Helena. Tratado terico e prtico dos contratos, volume 3. 5. Ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 39. 45
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A natureza Jurdica das locaes comerciais dos shopping centers. In PINTO, Roberto W. Renault, OLIVEIRA, Fernando A. Albino de (Coord). Shopping centers: questes jurdicas. So Paulo: Saraiva, 1991, p.81.
27
dentro da cidade46. O empreendedor aplica toda uma tecnologia na formao do
empreendimento e aps a sua finalizao, no figura como mero locador de lojas, e
sim como criador de um novo fundo de comrcio, formado pela simbiose entre as
atividades dos lojistas e servios internos do centro. Vrios fatores, como o prvio
planejamento e captao dos lojistas, organizao das lojas, organizao
administrativa, cuidados com a segurana, dentre outros, agregado integrao
empresarial, visando a operao econmica global, fazem da locao em shopping
center um negcio distinto, o que justifica as especificidades dessa espcie
contratual, conforme ser demonstrado em tpico prprio.
46
(...) Enquanto empreendimento imobilirio, o shopping inova na sua localizao geogrfica e concepo arquitetnica que privilegiam a facilidade de acesso, estacionamento, circulao interna, segurana e, principalmente, o planejamento fsico e mercadolgico da distribuio das lojas (tenant mix), sob uma estrutura organizacional, cujo objetivo otimizar o comrcio varejista e a prestao de servios para consumo e lazer. Em decorrncia de que no um simples agrupamento de lojas destinadas a locao, e sim um centro empresarial que por suas dimenses j foi comparado a uma cidade dentro da cidade, uma cidade em miniatura, havendo at quem defenda, exageradamente, que os shopping centers se parecem cada vez mais com as cidades e estas com eles. (BESSONE, Darcy. Problemas jurdicos do "shopping center", Revista dos Tribunais | vol. 660 | p. 7 | Out / 1990 Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 713 | Dez / 2010 | DTR\1990\173).
28
3 VISO MODERNA DO DIREITO CONTRATUAL. A FUNO SOCIAL E A BOA-
F NAS RELAES CONTRATUAIS
Como visto acima, o shopping center tem natureza jurdica de empresa de
conjunto e os lojistas que integram o empreendimento e o empreendedor so
empresrios, na medida em que exploram atividade econmica.
Na explorao da atividade econmica a que se dedicam o empreendedor e
lojistas celebram diversos contratos para realizao de seus objetos sociais. Assim,
antes de adentrar-se na anlise do contrato de shopping center propriamente dito,
se faz necessrio rever os princpios basilares da teoria contratual.
O contrato, como acordo de vontades, negcio jurdico. Segundo Vera
Helena de Mello Franco47 o significado mais autntico de contrato aquele em que
ele se apresenta como subespcie (principal) do negcio jurdico bilateral,
patrimonial.
O negcio jurdico resulta de comportamento ou condutas espontneas e
queridas, manifestadas mediante declaraes de vontades, exaradas com o fito de
regular os prprios interesses em relao a terceiros ou de conseguir um
determinado resultado digno de tutela, conforme dentro dos limites estabelecidos
pela lei48. Portanto, a declarao de vontade fundamento do negcio jurdico,
embora possa no ser por si s suficiente para a sua constituio.
Os contratos esto inseridos na categoria dos negcios jurdicos plurilaterais,
que corresponde juno de duas ou mais vontades, sendo o consenso elemento
inarredvel. Do acordo de vontades deve tambm resultar a criao ou modificao
de relaes jurdicas preexistentes.
O contrato d roupagem, estrutura s diversas operaes econmicas, um
instrumento jurdico de circulao de riqueza. Sob esse ponto de vista, Orlando
Gomes49 assevera que contrato todo acordo de vontade destinado a constituir uma
relao jurdica de natureza obrigacional, com eficcia patrimonial.
47
FRANCO, Vera Helena de Mello. Teoria geral do contrato: confronto com o direito europeu futuro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 33. 48
FRANCO, Vera Helena de Mello. Teoria geral do contrato: confronto com o direito europeu futuro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 34. 49
GOMES, Orlando. Contratos, 19 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 12.
29
O cumprimento do contrato como instrumento da vida econmica satisfaz no
s s partes contratantes, como a sociedade em geral, posto que mantem as
relaes sociais a largo de conflitos.
O contrato como negcio jurdico tem como pressuposto de existncia:
agentes, manifestao de vontade, objeto e forma. E de validade: agente capaz e
legitimado, manifestao de vontade livre e de boa-f, objeto lcito, possvel ou ao
menos determinvel e forma prescrita e no defesa em lei. Para ser vlido, ainda, o
contrato no poder infringir preceitos de ordem pblica.
O esquema contratual tem natureza lgico formal, ou seja, preenchido pelo
contedo estabelecido para cada contrato em espcie. Paralelamente coexistem
normas gerais, que so aquelas normas comuns, aplicveis a todos os tipos de
contratos, o que permite que contratos no previstos em lei (contratos atpicos) se
socorram da teoria geral dos contratos.
Esse esquema lgico formal dos contratos submete-se a uma srie de
princpios para a validade do contrato: a) da autonomia privada ou autonomia
negocial; b) da obrigatoriedade do contrato pacta sunt servanda; c) da relatividade
das convenes; d) do equilbrio contratual; e) da boa-f e; f) da funo social dos
contratos.
Os trs ltimos princpios acima referidos, do equilbrio contratual, da boa-f e
da funo social, nasceram em vista de uma viso moderna do direito contratual,
originados nos ideais constitucionais trazidos pela Carta Cidad de 5 de outubro de
1.988 e influenciam sobremaneira na forma de interpretao dos contratos na
atualidade.
O Cdigo Civil de 2002, indo de encontro com o texto constitucional, afastou
os valores como patrimonialismo e individualismo, que impregnavam a Codificao
anterior, buscando novos referenciais, mais prximos e antenados aos valores da
Constituio da Repblica, em especial os direitos e garantias fundamentais. A
legislao civil abandonou a perspectiva patrimonialista e buscou proteger a pessoa
no mbito das relaes privadas, estabelecendo trs paradigmas a serem
perseguidos: a socialidade, a eticidade e a operabilidade50.
50
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 9 ed. rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 21.
30
A igualdade formal foi substituda por uma igualdade substancial,
reconhecendo-se a necessidade de um tratamento desigual, de forma a se obter a
igualdade entre desiguais. O foco da proteo Estatal, que no contexto liberal do
Cdigo Civil de 1916 era a propriedade privada e a liberdade contratual, sem
qualquer possibilidade de relativizao, passou para o indivduo, havendo uma nova
regulamentao da contratao em diversos setores.
Com efeito, sob a gide do Estado Social as relaes contratuais sofreram
relevante transformao e o Estado passou a gerenciar o contedo do contrato, seja
por meio da lei ou pelo judicirio, mediante a reviso, quando presente o
desequilbrio negocial. Assim o Estado pretende concretizar os direitos fundamentais
nas relaes privadas, mediante os princpios da boa-f, equilbrio contratual e da
funo social.
Frise-se, por oportuno, que os princpios gerais dos contratos acima referidos
so tcnicas de interpretao. Contudo, a funo social e a boa-f foram aladas
pelo ordenamento jurdico categoria de clusulas gerais, respectivamente, nos
arts. 421 e 113, 187 e 422 do Cdigo Civil.
As clusulas gerais configuram formulaes genricas, abertas e abstratas da
lei, constituindo normas orientadoras, diretrizes, dirigidas ao juiz, que,
simultaneamente, vinculam-no e lhe conferem liberdade para decidir, aplicar o direito
no caso concreto. Se relacionam diretamente aos princpios jurdicos, vez que
permitem a entrada, no ordenamento, de princpios valorativos expressos ou
implcitos (em especial, os constitucionais) e mximas de conduta.
Assim, o novo cdigo flexibilizou o ordenamento jurdico, criando um sistema
jurdico aberto. Por meio da aplicao das clusulas gerais e conceitos jurdicos
indeterminados e juntamente com os princpios, a lei passou a ser permevel s
modificaes sociais, econmicas e s exigncias do caso concreto.
Realmente, durante o sc. XVIII, com base no princpio da autonomia de
vontade, os particulares poderiam regular livremente as suas relaes, desde que
dentro dos limites traados pela lei, bons costumes e pela ordem pblica, vedada
qualquer ingerncia extravagante no poder privado. s vontades manifestadas era
atribudo o mesmo valor, sendo a igualdade formal (igualdade jurdica) decorrente do
princpio da autonomia de vontade. Ao Estado competia garantir a segurana, ordem
pblica e promover o bem comum.
31
Para a ordem positiva, a autonomia da vontade a validade dos acordos
realizados pelos prprios sujeitos do direito. Ou seja, o sujeito contrata o que quiser,
com quem quiser e na forma que quiser51. No modelo liberal, o princpio da
autonomia da vontade sintetizado na assertiva de que o contrato faz lei entre as
partes (pacta sunt servanda).
No sculo XX, tendo em vista movimentos sociais de cunho ideolgico e a
implantao de uma economia de massa --- do que decorreu contratos
padronizados, por adeso, desequilibrando a igualdade na formao dos contratos --
- houve uma alterao no cenrio econmico, poltico e social.
O art. 421 do Cdigo Civil determina que a liberdade de contratar ser
exercida em razo dos limites da funo social do contrato. Um dos motivos
determinantes desse mandamento resulta da Constituio de 1988, a qual, nos
incisos XXII e XXIII do art. 5, salvaguarda o direito de propriedade que atender a
sua funo social. Verifica-se que o dirigismo estatal condiciona a autonomia da
vontade das partes na relao contratual ao atendimento do bem comum e dos fins
sociais.
Alm disso, o pargrafo nico do art. 2.035 do Cdigo Civil dispe que
nenhuma conveno prevalecer se contrariar preceitos de ordem pblica, tal como
o estabelecido no art. 421 do Cdigo Civil Brasileiro, referente a funo social do
contrato.
Miguel Reale52 salienta que a colocao das avenas em um plano
transindividual tem levado alguns intrpretes a temer que haja uma diminuio de
garantia para os que firmam contratos baseados na convico de que os direitos e
deveres neles ajustados sero respeitados por ambas as partes. Conclui que tal
receio no tem cabimento, pois a nova Lei Civil no conflita com o princpio de que o
pactuado deve ser adimplido, que a ideia tradicional de pacta sunt servanda
continua a ser o fundamento primeiro das obrigaes contratuais. Explica que o
imperativo da funo social do contrato estatui que este no pode ser
transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano parte
contrria ou a terceiros.
51
COELHO, Fbio Ulhoa. Curdo de direito comercial. v. 3. So Paulo: Saraiva, 2005, p.8. 52
REALE, Miguel. Funo social do contrato. Disponvel em . Acesso em: 03 jul. 2014.
32
O contrato, por sua prpria finalidade, exerce uma funo social inerente
ao poder negocial que uma das fontes do direito, ao lado da legal, da
jurisprudencial e da consuetudinria, portanto, no deve atender somente ao
interesse das partes. Assim sendo, natural que se atribua ao contrato uma funo
social, a fim de que ele seja concludo em benefcio dos contratantes sem conflito
com o interesse pblico53.
Antonio Jeov Santos54 refere que a funo social do contrato objetiva a
proteo da parte mais fraca na relao contratual, que acima da vontade absoluta
das partes pairam altos valores sociais, que funcionam como uma balana e
impedem o desequilbrio arrogante, pecaminoso e ultrajante. E conclui:
Os sujeitos do negcio jurdico esto reciprocamente vinculados, transformando este lao que os vincula em relao que os coloca diante da sociedade em que vivem. As consequncias jurdicas da contratao envolvem os partcipes diretos e a sociedade, por rebote. (SANTOS A., 2004, p.144)
Intimamente ligado a interpretao do contrato est o princpio da boa-f,
previsto no artigo 422 do Cdigo Civil, que reza os contratantes so obrigados a
guardar, assim na concluso do contrato, como na sua execuo, os princpios da
probidade e boa-f. O artigo 113 do Cdigo Civil, por sua vez, prope que "os
negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a boa-f e os usos do lugar de
sua celebrao".
O princpio de socialidade atua sobre o direito de contratar em
complementaridade com o de eticidade, cuja matriz a boa-f, a qual permeia todo
o novo Cdigo Civil55.
Segundo o princpio da boa-f preciso ater-se mais inteno do que ao
sentido literal da linguagem e em prol do interesse social de segurana das relaes
jurdicas. H assim dever de colaborao entre as partes, de forma que uma no
dificulte a ao da outra, tanto na formao como na execuo do contrato.
53
REALE, Miguel. Funo social do contrato. Disponvel em . Acesso em: 03 jul. 2014. 54
SANTOS, Antonio Jeov. Funo social dos contratos. 2 ed. So Paulo: Mtodo, 2004, p.144. 55
REALE, Miguel. Funo social do contrato. Disponvel em . Acesso em: 03 jul. 2014.
33
Maria Helena Diniz56 define o princpio como o respeito lealdade, impondo
aos contratantes um comportamento, que no pode ser abusivo nem lesivo,
conducente ao dever de cumprir as obrigaes assumidas, de informar, que abrange
o de aconselhar e de esclarecer, de cooperar ou colaborar, e o de diligncia e
cuidado.
Nesse mesmo sentido, Flvio Alves Martins57:
A boa-f, no sentido objetivo, um dever das partes, dentro de uma relao jurdica, se comportar tomando por fundamento a confiana que deve existir, de maneira correta e leal; mais especificamente, caracteriza-se como retido e honradez, dos sujeitos de direito que participam de um relao jurdica, pressupondo o fiel cumprimento do estabelecido. (MARTINS, 2000, p. 73)
A boa-f objetiva, como clusula geral, permite adaptar uma regra de direito
ao comportamento mdio em uso em uma dada sociedade num determinado
momento. Parte-se de um certo padro de conduta comum, do homem mediano,
num determinado caso concreto, levando em considerao os aspectos e
acontecimentos sociais envolvidos. O juiz dever avaliar se no caso concreto os
contratos observaram ou no a boa-f, podendo revision-los caso esta no tenha
sido observada, de forma a restabelecer a equidade.
Assim, o princpio da autonomia de vontade sofre restries quando
presentes interesses meta-individuais ou interesse individual relativo dignidade da
pessoa humana. A funo social do contrato e boa-f objetiva, quando aplicadas ao
caso concreto, criam condies de equilbrio econmico-contratual, facilitando o
reajuste das prestaes e at mesmo a resoluo do contrato.
O princpio do equilbrio contratual decorre da comutatividade contratual,
exigindo-se equivalncia das prestaes e o equilbrio delas no curso das
contrataes, pois as partes devem ter conhecimento desde o incio do negcio
quais sero seus ganhos e suas perdas, importando esse fato a aludida equivalncia
das mencionadas prestaes58.
56
DINIZ. Maria Helena. Tratado terico e pratico dos contratos. V. 1. 5. Ed. So Paulo: Saraiva, 2003, fls. 75 e 76. 57
MARTINS, Flvio Alves. Boa-f e sua formalizao no direito das obrigaes Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2000, p. 73. 58
AZEVEDO, Alvaro Villaa. Teoria geral dos contratos tpicos e atpicos: curso de direito civil. 3 ed. So Paulo: Atlas, 2009, p. 19.
34
Na hiptese de desequilbrio contratual caber a reviso judicial do contrato,
atualizando-se as obrigaes nele consignadas para que as partes no fiquem longe
da realidade de seu querer inicial, o qual foi alterado por uma situao
superveniente.
E sob a tica desses novos paradigmas, em especial da funo social,
equilbrio e da boa-f, que o contrato de shopping center dever ser analisado, o que
algumas vezes poder importar, at mesmo, em uma flexibilizao do contrato.
Embora no regime jurdico cvel as negociaes de clusulas sejam muito mais
frequentes, no contrato de shopping existem vnculos nascidos da simples adeso
de um dos contratantes s condies preestabelecidas pelo outro, como ocorre com
a escritura de normas gerais, regimento interno e estatuto da associao dos
lojistas.
Essa espcie de negcio, como acima j demonstrado, goza de
peculiaridades que o distinguem de um contrato de locao comum. A organicidade
do empreendimento e os diversos contratos firmados tem um objetivo comum, da
empresa de conjunto, ou seja, visam uma operao econmica globalizada.
Assim, as contrataes no podem ser vistas isoladamente, como um fim em
si mesmas. Vale dizer, que a prpria cooperao entre os membros do
empreendimento, que inerente a atividade conjunta do shopping, j demonstra a
finalidade social dessa espcie contratual e o contexto de boa-f que eles devem
estar inseridos, como forma de no haver desequilbrio ou, at mesmo, comprometer
o sucesso do negcio como um todo.
35
4 INTERPRETAO E INTEGRAO CONTRATUAL
Paralelamente aos novos paradigmas que devem nortear a interpretao do
contrato, conforme exposto no tpico anterior, tambm se fazem necessrias breves
consideraes acerca das tcnicas de interpretao e integrao contratual, para a
posterior anlise do contrato de shopping center e suas clusulas especficas.
Em todo negcio jurdico sempre h a necessidade de se apurar a vontade
das partes. Isso porque na manifestao de vontade pode haver divergncias em
relao sua intepretao, uma vez que o texto clausulado no suficiente para se
verificar a inteno que ele visa externar.
Assim, em uma concepo subjetivista, se faz necessrio a anlise do
contedo da vontade, considerando-se as circunstncias concretas em que a
manifestao volitiva se deu59, buscando delimitar o contedo do negcio celebrado
como efetivamente requerido.
Em uma concepo objetivista a interpretao contratual procura determinar
no a vontade das partes, mas o contedo do contrato, o significado do negcio
jurdico, mediante o exame das declaraes de vontades enunciadas e dos
comportamentos recprocos das partes, antes e durante a celebrao do contrato60.
Desta forma, para Orlando Gomes61, a interpretao pode ser dividida em
duas etapas: primeiro se indaga quanto a inteno comum, o conjunto das vontades,
integradas pelo consentimento (interpretao subjetiva); posteriormente deve ser
analisado qual o sentido concreto desta inteno comum (interpretao objetiva).
A reconstruo da vontade comum em concreto influenciada pelas
circunstncias existentes quando da formao do contrato, como a qualidade e o
modo de pensar das partes, a finalidade e a natureza do negcio jurdico celebrado.
Tambm levado em considerao o comportamento dos contratantes, anterior,
conjunto ou posterior concluso do negcio.
59
BETTI, Emilio. Interpretazione della legge e degli atti giuridici. 2 ed. MIlano :Giuffr, 1971, p. 278. 60
FRANCO, Vera Helena de Mello. Teoria geral do contrato: confronto com o direito europeu futuro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 197. 61
GOMES, Orlando. Contratos, atualizao e notas de Humberto Theodoro Jnior, 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 204. n. 162.
36
Aps ser fixada a inteno comum, o alcance e contedo da vontade das
partes, segue-se para a qualificao da natureza do contrato, o que permitir o
conhecimento de quais normas jurdicas devem ser aplicadas ao caso concreto.
O sistema jurdico brasileiro adotou a orientao determinada no art. 112 do
Cdigo Civil, segundo a qual nas declaraes de vontade se atender mais sua
inteno que ao sentido literal da linguagem.
Clvis Bevilaqua62 enxerga em tal preceito mais do que uma regra de
hermenutica. V nele a essncia do ato negocial, um elemento complementar do
negcio jurdico.
Ainda encontramos regras de hermenutica contratual nos arts. 11363, 11464,
42365, 81966, 84367, do Cdigo Civil Brasileiro.
Os princpios gerais do direito apresentam-se com fora normativa nos
sistemas jurdicos contemporneos e, por isso, devem ser observados nas
contrataes, sob pena de desequilibrarem-se as relaes jurdicas, com o
enriquecimento de uma parte em detrimento do empobrecimento da outra. Quando
no concretizados em lei tais princpios integram o sistema jurdico e so usados
pelos operadores do direito na soluo dos casos concretos.
Assim autoriza o art. 4 da Lei de Introduo s Normas do Direito
Brasileiro: Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princpios gerais do direito.
A doutrina aponta alguns princpios que norteiam a interpretao objetiva dos
contratos, como da funo econmica e funo social do contrato, da boa-f
objetiva, da interpretao do contrato como um todo e o da conservao do contrato.
Em se tratando de contratos empresariais, ainda necessrio que se
analisem os usos e costumes e prticas usuais do comrcio na interpretao
62
BEVILAQUA, Clvis. Comentrios, observao ao art. 85 do Cdigo civil de 1916. 63
Art. 113 do Cdigo Civil Brasileiro - Os negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a boa-f e os usos do lugar de sua celebrao. 64
Art. 114 do Cdigo Civil Brasileiro - Os negcios jurdicos benficos e a renncia interpretam-se estritamente. 65
Art. 423 do Cdigo Civil Brasileiro - Quando houver no contrato de adeso clusulas ambguas ou contraditrias, dever-se- adotar a interpretao mais favorvel ao aderente. 66
Art. 819 do Cdigo Civil Brasileiro - A fiana dar-se- por escrito, e no admite interpretao extensiva. 67
Art. 843 do Cdigo Civil Brasileiro - A transao interpreta-se restritivamente, e por ela no se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos.
37
contratual. lvaro Villaa Azevedo68 refere que o art. 113 do Cdigo Civil Brasileiro
uma sntese bem apanhada dos revogados arts. 130 e 131 do Cdigo Comercial,
que tratavam das prticas comercias e usos e costumes na interpretao contratual,
assentando que os negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a boa-f e
os usos do lugar de sua celebrao.
Alm da interpretao contratual, tambm possvel a integrao do contrato
por um processo lgico-sistemtico, com vistas a preencher as lacunas
eventualmente existentes, complementando-o com normas supletivas.
Segundo Maria Helena Diniz69 com a integrao contratual se pretende
desvendar os efeitos do contrato, nas hipteses em que apresentarem falha ou
lacuna, em decorrncia de previso ou conhecimento das partes contratantes ou
no correspondncia do contrato a fatos novos ou a valores no supridos pela via
interpretativa, recorrendo-se, para tanto, lei, analogia, aos costumes, aos
princpios gerais do direito ou equidade, criando norma supletiva complementando
o contrato, que uma norma jurdica individual.
68
AZEVEDO, Alvaro Villaa. Teoria geral dos contratos tpicos e atpicos: curso de direito civil. 3 ed. So Paulo: Atlas, 2009, p. 47. 69
DINIZ, Maria Helena. Tratado terico e prtico dos contratos, volume 1. 5. Ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 97 e 98.
38
5 NATUREZA JURDICA DO CONTRATO DE SHOPPING CENTER
Sempre existiu debate quanto a classificao da natureza do contrato em
shopping center, principalmente, porque antes da edio de Lei 8.245/1991, no
existia qualquer disposio legal regulando dita espcie contratual. A Lei 6.649/79
no fazia nenhuma aluso ao contrato de shopping.
A discusso sobre a questo remonta o ano de 1.983, quando em estudo
sobre a matria Luis Antnio de Andrade70, considerando apenas o critrio dos
essentialia71, caracterizou o contrato de shopping center como de locao,
fundamentando que nos contratos com clusula de aluguel calculado sobre a receita
ou faturamento esto presentes todos os elementos que caracterizam a figura
jurdica da locao.
No mesmo ano de 1.983, Rubens Requio72 publicou estudo concluindo, com
base na unidade econmica, pela existncia de coligao no contrato de shopping
center, por congregar elementos de vrios contratos. Ressalta, contudo, que no se
trata de contrato misto porque h autonomia entre os instrumentos, sendo que o
contrato de locao seria apenas um dos contratos inseridos em tal universo.
Tambm em 1983, Orlando Gomes73, analisando o perfil jurdico do shopping
center entendeu no ser a relao de locao. Qualificou o contrato como atpico,
70
ANDRADE, Luis Antonio de Andrade. Consideraes sobre o aluguel em shopping center, RT 572/14-15, So Paulo:RT, jun. 1983. 71
A procura no contrato da identificao dos elementos essenciais de cada espcie contratual. 72
REQUIO, Rubens. Consideraes Jurdicas sobre os Centros Comerciais - "Shopping Centers" - no Brasil", in Shopping Center cit., p. 15-16-18, e in RT 571/27 73
O contrato do lojista do shopping center no , seguramente, um contato coligado. As anomalias que o tornam inslito no resultam reconhecidamente de conexo entre dois ou mais contratos. Na coligao de contratos no existe unidade de causa; cada qual conserva a sua. H apenas unidade econmica e pluralidade jurdica. manifesto que no aludido contrato no se renem o contrato de locao e o contrato de sociedade na acepo lata de combinao de esforos ou recursos para lograr fins comuns. Se houvesse coligao, a disciplina jurdica desse contrato coligado no seria unitria. Ao uso e gozo da coisa, concedidos para explorao comercial, aplicar-se-iam as regras da locao, mas sua retribuio se importariam as da sociedade. Usando-se terminologia empregada na classificao dos contratos atpicos, dir-se-ia que so contratos gmeos, os quais, todavia, conservam a individualidade. Do ponto-de-vista econmico-prtico, no estariam longe de ser um contrato unitrio na observao de um escritor mas no do ponto-de-vista estrutural como instrumento jurdico. Do que se infere a inadequao das regras da locao sua remunerao, posta, como teria sido, no mbito caracterstico do contrato de sociedade, ou, em outras palavras, levada para a rede dos contratos associativos. (GOMES, Orlando. Traos do Perfil Jurdico de um Shopping Center. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 765 | Dez / 2010 | DTR\2012\1851).
39
com base em sua funo econmico-social (critrio da causa74). Referido Autor
discorda do entendimento de que o contrato de shopping center seria um contrato
coligado, fundamentando que seus elementos peculiares no so originrios da
conexo entre contratos e que h unidade de causa.
Sobreveio estudo de Washigton de Barros Monteiro75, no qual afirmou ser de
locao e no atpico o contrato firmado entre o empreendedor e o lojista, tendo em
vista que seus elementos peculiares no seriam suficientes para alterar a sua
natureza, que se enquadraria no art. 1.188 do CCB.
Em artigo publicado no incio do ano de 1.984, Caio Mrio da Silva Pereira76
analisando os estudos anteriores de seus colegas, que fundamentavam pela
74
Todo o contrato possui uma funo econmico-social prpria que se reflete numa estrutura jurdica, o que levar a qualificao do contrato em apreo. 75
MONTEIRO, Washington de Barros. Shopping centers. So Paulo: RT, ano 73, v. 580, p.12-13, fev. 1984. 76
No h unidade conceitual nas concluses destes eminentes Mestres, nem nas decises dos tribunais. Ora se inclinam para emprestar plena autonomia e conseqente atipicidade ao contrato shopping center; ora situam-no no campo tradicional do contrato de locao, tal como ordenado no Cdigo Civil (LGL\2002\400) e nas leis especiais que regulam este contrato. As tendncias ora revelam comodismo freqente nos juristas, ora se plantam na mobilizao de conceitos sedimentados, ora preferem, numa capitulao de contrato sui generis, apresentar o instituto como de atipicidade essencial. A verdade, porm, que o shopping center nem um contrato tradicionalmente ordenado pelo legislador, espcie de negcio jurdico prt--porter, que Josserand inclui na classe dos j confeccionados; nem o que o mesmo autor qualifica de contrato sob medida, que cada vez os interessados tm de elaborar extraindo-o do nada, para, com clusulas tiradas de sua imaginao criadora, elabor-los caso por caso. E de forma a no se enfeixar toda a contratualstica do shopping center numa s figura negocial, Caio Mrio da Silva Pereira props um estudo analtico do shopping center, dividindo os contratos conforme o desenvolvimento do shopping nas diversas fases que o contm, sendo elas: 3.1 Fase preparatria Em uma primeira etapa, o shopping center no objeto de cogitao do jurista. Polariza a ateno do economista, do pesquisador de marketing passa ao arquiteto, ao paisagista, ao construtor. Estranha ao Direito no cogito do seu desenvolvimento, da avaliao da infra-estrutura, da viabilidade tcnica e econmica. 3.2 Modalidades de aprovisionamento Na etapa seguinte, em que se promove a construo do conjunto edificacional, poderiam ocorrer duas modalidades: 3.2.1 Em uma delas, o empreendedor, tendo em vista a necessidade de recursos financeiros volumosssimos, recorreria tcnica da incorporao imobiliria, com apelo venda de unidades ou de andares corridos, sob o imprio da legislao especial (Lei 4.591, de 16.12.64). E, sob este aspecto, a vinculao jurdica entre o empreendedor e o adquirente modelar-se-ia no contrato de incorporao tipificado nos termos dessa lei. 3.2.2 No , porm, esta a mais difundida ou a, mais freqente. A outra uma forma de captao de recursos em que o empreendedor recebe dos futuros usurios, ou futuros lojistas, quantias com que contribuem durante a fase da construo, at o momento em que a edificao se completa e aberta utilizao efetiva. (...) Vem em seguida a fase da utilizao. 4. Cesso de uso dos sales
http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/relationships/document?stid=st-rql&marg=LGL-2002-400&ds=BR_LEGIS_CS;BR_JURIS_CS;BR_DOUTR_JURIST;BR_DOUTRINA_CS;BR_SUMULAS_CS&sourceProduct=&startChunk=1&endChunk=1
40
natureza jurdica do contrato de shopping center ora como de locao, ora como
atpico, concluiu que no existe um contrato especfico, abrangente de todas as
situaes que possa ele envolver, e que exibisse o rtulo de contrato de shopping
center e, no que se refere a cesso de uso dos sales, se trataria de contrato de
locao, porque nele estariam presentes os elementos essenciais de tal espcie
contratual, afirmando que as suas peculiaridades caracterizariam apenas
elementos acidentais.
Anteriormente Lei de Locaes (Lei n 8.245/91), o Prof. Darcy Bessone77,
em artigo de doutrina intitulado "Problemas Jurdicos do Shopping Center",
asseverou: "Sem objeto e preo, em termos de locao e com causa diversa, tal
contrato, na minha opinio, nada tem de locatcio", chamando ateno para o fato de
que existem outras relaes jurdicas de carter empresarial englobadas pelo
contrato de shopping, que no esto regradas no tocante a seus encargos, os quais
diferem da tradicional locao comercial em decorrncia da estrutura organizacional
do empreendimento, que tem uma causa unitria, que a orgnica finalidade
econmico-social.
Partindo da causa unitria, produtiva de uma entidade contratual autnoma e,
por isso, incindvel, o referido Autor conclui que entendendo-se a tipicidade como o
ajustamento a um tipo definido por lei, o contrato em exame ser, sem dvida,
atpico.
A propsito da caracterizao jurdica deste contrato reina certa controvrsia. A mim me parece que se trata de um vero e prprio contrato de locao. O que tem levado a p-lo em dvida tem sido imiscuir, na sua tipologia, elementos acidentais. Fundamentalmente, locao, em nosso e alheio Direito, o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a ceder temporariamente a outra o uso e gozo de uma coisa, mediante remunerao. luz deste conceito, que, sem sombra de generalizao duvidosa, presente em todos os sistemas ocidentais, a cesso do uso dos sales do shopping center constitui um contrato de locao. Nele esto presentes os elementos essenciais essentialia negotii: a coisa, res, objetivada no salo com tod