pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc … ricardo... · ao finalizar esta tese,...

181
1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP João Ricardo Nickenig Vissoci A influência do contexto bioecológico no processo de formação da identidade no esporte: possibilidades de colonização ou emancipação para atletas de futsal DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2015

Upload: tranbao

Post on 14-Feb-2019

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

João Ricardo Nickenig Vissoci

A influência do contexto bioecológico no processo de formação da identidade no esporte: possibilidades de colonização ou emancipação para atletas de

futsal

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

SÃO PAULO

2015

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

i

João Ricardo Nickenig Vissoci

A influência do contexto bioecológico no processo de formação da identidade

no esporte: possibilidades de colonização ou emancipação para atletas de futsal

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio da Costa Ciampa.

SÃO PAULO

2015

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

Banca Examinadora

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

iii

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a toda a minha família, que sempre apoiou e incentivou meus sonhos e andanças. À Bruna, que foi meu suporte durante todo o caminho e aos amigos Leonardo, José Roberto e Lenamar, que me ajudaram a iniciar, não desistir e chegar até aqui.

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

iv

AGRADECIMENTOS

Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que contribuíram para meu

desenvolvimento acadêmico e profissional durante toda a minha trajetória, na pós-

graduação:

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especificamente ao

Programa de Estudos Posgraduados em Psicologia Social, pela estrutura,

funcionários, materiais e contribuições no decorrer dos anos.

Aos docentes do Programa de Estudos Posgraduados em Psicologia Social,

por compartilharem o seu conhecimento e pela disponibilidade em ministrar

disciplinas.

Ao meu orientador Professor Doutor Antonio da Costa Ciampa,

principalmente por ter dado possibilidades emancipatórias a um desconhecido e

posteriormente pelas conversas, orientações, ensinamentos, paciência, amizade,

conselhos e oportunidades ao longo destes anos de convivência.

À minha co-orientadora e amiga Professora Doutora Lenamar Fiorese Vieira,

do Programa de Pós-Graduação em Educação Física associado UEL/UEM, por

todos os anos de convivência e amizade, e por ter aberto todas as portas que

contribuíram com minha trajetória acadêmica.

Ao meu orientador no Doutorado sanduíche na Duke University, Professor

PhD Ricardo Pietrobon, por abrir um mundo de novas possibilidades à minha

carreira e pela amizade conquistada.

Aos professores da banca examinadora, Profa. Dra. Maria do Carmo Guedes,

Prof. Dr. Salvador Antonio Meireles Sandoval, Prof. Dr. José Luiz Lopes Vieira,

pelas correções e sugestões no projeto e no trabalho final.

Às equipes de futsal da Liga Nacional 2013 por aceitarem fazer parte do

estudo.

Aos integrantes do Grupo de Pesquisa Pró-Esporte, coordenadores,

doutorandos, mestrandos, graduados e acadêmicos, pelo auxílio neste trabalho,

pela convivência compartilhada, troca de experiências, momentos de descontração,

companhia no laboratório, almoços e confraternizações.

Aos colegas da Faculdade Ingá, diretores, professores, funcionários e alunos,

pelo companheirismo e apoio nas reposições de aula, licenças e cafés.

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

v

Aos amigos José Luiz Lopes Vieira, Nelly Moraes Gil e Aline Chotte pela

amizade ao longo do processo, em especial aos companheiros de jornada Leonardo

Pestillo de Oliveira, José Roberto do Nascimento Junior, por todo o apoio, amizade,

viagens e parceria já de longa data.

À Capes e ao CNPQ pelo apoio ao desenvolvimento científico deste estudo e

pelo auxílio financeiro recebido.

Em especial ao meu pai Luiz Carlos, minha mãe Arlene, meus irmãos João

Augusto e Bianca e à minha companheira Bruna, pelo carinho, incentivo, suporte e

paciência em todos os momentos da minha vida.

E a Deus pelas bênçãos e a oportunidade desta conquista.

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

vi

VISSOCI, João Ricardo Nickenig. A influência do contexto bioecológico no processo de formação da identidade do atleta: Possibilidades de colonização ou emancipação para atletas de futsal. 2015. 190f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Programa de Estudos Posgraduados em Psicologia Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo defender a tese de que o contexto bioecológico

esportivo do futsal apresenta características que podem potencializar a busca por

emancipação e ao mesmo tempo atributos que favorecem a colonização da ordem

sistêmica sobre as metamorfoses no processo de formação identitária. Para tanto,

conduzimos três estudos buscando: (1) revisar de forma sistemática a literatura para

verificar direção e magnitude da associação de correlatos a identidade; (2)

caracterizar os parâmetros do contexto bioecológico dos atletas de futsal de alto

rendimento; e (3) analisar a influência do contexto sobre a formação da identidade

por meio do padrão semântico associado à narrativa sobre a carreira atlética e

estudos de caso sobre a história de vida. No primeiro estudo, revisamos 121 artigos

de forma sistemática categorizando as associações de variáveis com identidade em

questões demográficas, suporte psicossocial, problemas de saúde/lesões, controle

da vida, status educacional, auto-percepção, motivação, desenvolvimento

pessoal/carreira, compromisso com o esporte, atitudes alimentares, estratégias de

enfrentamento, aposentadoria e burnout. Associações positivas e negativas foram

identificadas com variáveis específicas e não-específicas do esporte. No segundo e

terceiro estudos, entrevistamos atletas de futsal e técnicos. Identificou-se no

segundo estudo, ao caracterizar os sistemas ecológicos dos atletas, que o contexto

do futsal apresenta elementos que podem instigar a busca de autonomia em

expressões identitárias, mas também possibilita a heteronomia. O terceiro estudo

identificou grupos de atletas utilizando o método da história de vida e análise em

rede, com discursos direcionados à heteronomia com projetos de vida na lógica do

agir instrumental, e outros dois grupos com discursos direcionados à autonomia de

sua expressão identitária, com distinção em projetos de vida baseados em políticas

de identidade ou identidades políticas. Conclui-se que a identidade pode ser

instigada a uma direção emancipatória, dado características do contexto que

possibilitem essa direção. Contudo, a forma como a modalidade do futsal se

estrutura percebe-se maiores possibilidades de agir instrumental frente ao sucesso

no esporte. Características externas ao esporte como estudo ou influencia familiar

podem proporcionar maior multiplicidade de papéis que resultam em riqueza de

sentidos ao discursar sobre carreira e identidade, favorecendo manifestações

autonômicas na busca de um bom viver.

Palavras-Chave: Identidade; Esporte; Atletas, Contexto. VISSOCI, João Ricardo Nickenig. Influence of the bioecological context in identity formation process in sports: Colonization or emancipation possibilities to futsal players. 2014. 190f. Thesis (PhD in Social Psychology) –

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

vii

Program of Graduate Studies in Social Psychology. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

ABSTRACT This thesis aims to argument the rationale that sports bioecological context of futsal

has characteristics that can enhance the search for emancipation while also may

contribute favoring the colonization by systemic order on the metamorphoses in

identity formation process. Therefore, we conducted three studies seeking: (1) to

systematically review the literature to verify direction and magnitude of variables

related to identity; (2) characterize bioecological context parameters of high

performance futsal players; and (3) analyze contextual influences on identity

formation through semantic pattern associated with athletic career narrative and life

story case studies. In the first study, we systematically reviewed 121 articles

categorizing variables associations with identity in demographics, psychosocial

support, health problems / injuries, control of life, educational status, self-perception,

motivation, personal / career development, commitment sports, eating attitudes,

coping strategies, retirement and burnout. Positive and negative associations were

identified with specific and non-specific sport variables. In the second and third

studies, we interviewed futsal athletes and coaches. In the second study we

identified by characterizing athletes’ ecological systems, that futsal context presents

elements that can instigate autonomy seeking behavior within identity expressions,

but also enables the heteronomy. In third study we verified through the method of life

history and network analysis, a group of athletes with narratives directed to

heteronomy with life projects in the logic of instrumental action, and two other groups

with narratives directed towards autonomy of their identity expression, with

distinction in life projects based on identity politics or political identities. In

conclusion, identity can be instigated in an emancipatory direction given context

features. However, the way the futsal sport is structured greater possibilities of

instrumental action are perceived in relation to success in the sport. Exterior features

to the sport such as education or family influences may provide greater multiplicity of

roles that result in wealth of meaning when narrating about career and identity,

promoting autonomic manifestations in search of a good living.

Keywords: Identity; Sport; Athletes, Context.

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

viii

LISTA DE FIGURAS Capítulo 2

Figura 1 -

Diagrama do modelo teórico do Sintagma Identidade –

Metamorfose – Emancipação...........................................................

26

Figura 2 -

O modelo desenvolvimental de participação

esportiva………………………………………………………................

33

Figura 3-

Elementos da teoria bioecológica do desenvolvimento do talento

esportivo...........................................................................................

38

Capítulo 3

Figura 1. Diagrama do fluxo do estudo…………………………........................ 54

Capítulo 4

Figura 1 -

Mapa do contexto Bioecológico dos atletas de futsal de elite

brasileiros..........................................................................................

87

Figura 2 -

Temas emergentes e categorias de primeira e segunda ordem

para caracterização do contexto

bioecológico.……………………………………………………………

89

Figura 3a -

(a) Rede de associações (proximidade e intensidade da cor das hastes) entre as características do contexto bioecológico e orientação dos atletas (nodos – círculos)……………………................................................................

103

Figura 3b -

(b) valor médio da do tamanho da distância (hastes) entre as

variáveis do ambiente e as orientações dos atletas (autonomia e

heteronomia).………………………………….....................................

104

Capítulo 5

Figura 1 -

Rede de conexões semânticas dos discursos sobre história de

vida em atletas de futsal brasileiros do grupo direcionado para

heteronomia e sem projeto de vida, nos períodos vitais da carreira

atlética de (a) experimentação, (b) especialização e (c)

investimento.....................................................................................

122

Figura 2 -

Rede de conexões semânticas dos discursos sobre história de

vida em atletas de futsal brasileiros do grupo direcionado para

autonomia e sem projeto de vida, nos períodos vitais da carreira

atlética de (a) experimentação, (b) especialização e (c)

investimento.………….......................................................................

129

Figura 3 -

Rede de conexões semânticas dos discursos sobre história de

vida em atletas de futsal brasileiros do grupo direcionado para

autonomia e com projeto de vida fundamentado na identidade

política, nos períodos vitais da carreira atlética de (a)

experimentação, (b) especialização e (c)

investimento.…………………………………………...........................

139

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

ix

LISTA DE TABELAS E QUADROS Capítulo 1

Quadro 1 - Estrutura da tese organizada por capítulos e seus principais

objetivos……………………………………………………………...

11

Capítulo 2

Quadro 1 -

Comparação entre as fases de desenvolvimento atlético de

Bloom (1985) e Cotè (1999).......................................................

36

Capítulo 3

Tabela 1 - Delineamentos de pesquisa e características das

amostras.....................................................................................

55

Tabela 2 - Variáveis associadas à identidade em atletas nos

diversos estudos incluidos.................................................

60

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

x

LISTA DE APÊNDICES

Apêndice A - Estratégia de busca na base de dados

Pubmed………………………………………………………………

158

Apêndice B - Parecer do Comitê de Ética em

Pesquia..............................................................................................

159

Apêndice C - Termo de consentimento livre e esclarecido………............................. 163

Apêndice D - Roteiro de entrevista semi-estruturado sobre carreira

esportiva...............................................................................................

165

Apêndice E - Autorização para realização da pesquisa com atletas e treinadores

de futsal brasileiros………………………………………………..............

167

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA.................................................................................................. iii

AGRADECIMENTOS........................................................................................ iv

RESUMO........................................................................................................... vi

ABSTRACT....................................................................................................... vii

LISTA DE FIGURAS......................................................................................... viii

LISTA DE TABELAS E QUADROS................................................................. ix

LISTA DE APÊNDICES.................................................................................... x

CAPÍTULO 1 01

INTRODUÇÃO.................................................................................................. 02

1.1 Caracterização do Tema........................................................................ 02

1.2 Justificativa............................................................................................ 07

1.3 Delimitação da Pesquisa....................................................................... 10

1.4 Limitações da Pesquisa........................................................................ 10

1.5 Objetivos................................................................................................. 10

1.5.1 Objetivo Geral....................................................................................... 10

1.5.2 Objetivos Específicos............................................................................ 10

1.6 Estrutura da Tese................................................................................... 11

Referências…………………………………………………………………………. 13

CAPÍTULO 2 15

REVISÃO DE LITERATURA: ............................................................................ 16

2.1 Identidade e Esporte…………………………………………………………. 16

2.1.1 Sociedade, socialização e individuação…………………………………… 17

2.1.2 Política de identidade e identidade política……………………………….. 21

2.1.3 Sintagma Identidade-Metamorfose-Emancipação……………………….. 23

2.1.4 Emancipação, autonomia e riqueza de papéis........................................ 29

2.2 Modelos de desenvolvimento de talentos esportivos e carreira atlética………………………………………………………………………………….

31

2.3 Parâmetros do contexto na perspectiva da teoria bioecológica ……. 36

Referências…………………………………………………………………………. 44

CAPÍTULO 3 47

ARTIGO ORIGINAL: Formação da identidade no esporte: Uma revisão

sistemática……………………………………………………………………………..

48

Referências…………………………………………………………………………. 70

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

CAPÍTULO 4 79

ARTIGO ORIGINAL: Contexto esportivo de alto rendimento: Um ambiente

ecológico possibilitador de metamorfoses orientadas para autonomia ou

heteronomia?......................................................................................................

78

Referências…………………………………………………………………………. 110

CAPÍTULO 5 112

ARTIGO ORIGINAL: O esporte é um contexto de emancipação ou

colonização?...................................................................................................... 113

Referências…………………………………………………………………………. 153

CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………….. 155

APÊNDICES E ANEXOS…………………………………………………………….. 158

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

1

CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO GERAL E ESTRUTURA DA TESE

Caracterização do tema

Problema

Justificativa social e científica

Delimitação do estudo

Limitações do estudo

Definição de termos

Objetivos

Estrutura da Tese

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

2

Capítulo 1.

1.1 Caracterização do Tema

O contexto esportivo tem sido amplamente estudado em seu papel no

desenvolvimento humano (MELO, 2010; ROCHA et al., 2011), com evidências

indicando as potencialidades desse contexto para o desenvolvimento de habilidades

positivas (SINCLAIR & ORLICK, 1993) e sua influência em prejuízos neste processo

(BRANDÃO et al., 2013). Interesse especial tem sido atribuído ao processo de

desenvolvimento da carreira atlética e do ser humano envolvido com o esporte, a

iniciação precoce e suas consequências para as transições de carreira posteriores

ou para o contraste com o desenvolvimento humano no esporte (STAMBULOVA,

FRANCK & WEIBULL, 2012; VISSOCI, 2009; WYLLEMAN & LAVALLEE, 2003).

A maior parte da literatura na área tem direcionado o foco para estudos sobre

aposentadoria do esporte e o abandono da prática como uma consequência de

problemas na formação da carreira (STAMBULOVA, FRANJ & WEIBULL, 2012).

No entanto, apesar dessa área de estudo ser crescente, os fatores associados à

qualidade do desenvolvimento humano no esporte ainda são inconsistentes,

especialmente em momentos de transição dentro da carreira.

Nesse sentido, um processo que vem assumindo importância como elemento

mediador da formação positiva no esporte é a identidade e, em especial, o conceito

de identidade atlética (BREWER et al., 1999). Diversos estudos trazem a identidade

como um elemento interveniente para o bem-estar, estratégias de enfrentamento,

saúde, satisfação com a vida entre outros (DANIELS, SINCHAROEN & LEAPER,

2005; GROVE, FISH & EKLUND, 2004; HOULE, BREWER & KLUCK, 2010; . Boa

parte dessas pesquisas tem utilizado o conceito de identidade atlética como

referência para seus estudos (BREWER & CORNELIUS, 2010; BREWER, VAN

RAALTE & LINDER, 1993; HOULE, BREWER & KLUCK, 2010), que por definição

se refere ao grau de identificação do indivíduo com o papel de atleta.

Não obstante, apesar das importantes contribuições da literatura para a

compreensão da formação da identidade no esporte e suas consequências

comportamentais, afetivas e cognitivas, algumas limitações podem ser encontradas

na perspectiva da identidade atlética, em especial a inconsistência sobre a sua

associação com indicadores positivos ou negativos no esporte (BREWER et al.,

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

3

1993b; SINCLAIR & ORLICK, 1993). Contrastando com o exposto sobre o papel

positivo da identidade atlética no esporte, estudos relataram encontrar evidências de

que maiores níveis de identidade atlética também estão associados a desfechos

como susceptibilidade a distúrbios emocionais e psicológicos com o término da

carreira (BREWER et al., 1993; SINCLAIR & ORLICK, 1993).

Uma possível explicação para esses resultados está na ideia de que

identidade não seria um processo estático e transversal no desenvolvimento

humano, sugerindo que modificações na constituição identitária seriam necessárias

para a continuidade da busca do indivíduo por autonomia e não pela manutenção

de papéis ao longo da evolução da carreira. Dessa forma, uma forte identidade

altética pode ser positiva em um dado momento da carreira (iniciação, por exemplo)

e negativa em outro (como na aposentadoria), dadas as características históricas da

vida do indivíduo, podendo agir (identidade atlética) como um elemento de

alienação em determinados momentos.

Essa noção está em concordância com a perspectiva de constituição da

identidade proposta pelo Sintagma Identidade-Metamorfose-Emancipação

(CIAMPA, 2009), que será o referencial teórico desta tese. Essa concepção será

mais bem abordada durante o decorrer deste estudo, mas para estabelecer um

posicionamento, acreditamos que a formação da identidade é um processo contínuo

relacionado ao movimento do ser humano de vir-a-ser, à sua atividade e, portanto,

vinculado à humanização e socialização e ao acesso à linguagem.

Por se tratar de um processo contínuo, entende-se que o ser humano passa

por transformações constantes (metamorfoses) com as modificações do indivíduo

e/ou do ambiente, direcionando-se como um movimento político de busca de

autonomia, integrando aspectos da cultura na sua expressão individual identitária

(fundamentada em identidades políticas) e emancipação da dominação ideológica

ou da manutenção da heteronomia (enquadramento nas regulações dos papéis -

Política de Identidade) com base nas nossas experiências históricas e no projeto de

vida (CIAMPA, 1987, 2009).

Assim, nossa hipótese é de que o estudo da identidade precisa ser

compreendido numa perspectiva histórica ao longo do desenvolvimento do

indivíduo, com ênfase especial para os sentidos atribuídos às vivências e a forma

como esses sentidos são integrados com a perspectiva de si, gerando novas

metamorfoses. Para esse processo ser compreendido, contudo, faz-se necessário

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

4

uma compreensão do contexto no qual o indivíduo está inserido, como forma de

auxiliar na compreensão de suas metamorfoses.

Apesar do processo de construção identitária ser um processo subjetivo, as

estimulações ambientais são determinantes para uma facilitação do processo na

busca por emancipação ou na alienação num processo regulatório da autonomia.

Olhando o esporte, podemos perceber que dependendo da forma como este é

vivenciado, o processo e busca por autonomia pode ser potencializado ou

restringido. Elementos como falta de estrutura para a prática, alta monetarização do

espetáculo, pressão por resultados e uso de substâncias são aspectos que

dificultam a busca por autonomia do indivíduo. Por outro lado, as experiências que o

esporte proporciona como viagens, contatos com diferentes pessoas e ascensão

social podem indicar uma potencialização da busca por autonomia e emancipação.

Dessa forma, para compreender o contexto no qual os atletas de futsal

estiveram inseridos ao longo do seu processo de desenvolvimento, utilizamos o

referencial teórico bioecológico de Bronfenbrenner (1996). Essa perspectiva teórica

proporciona um modelo para análise das características do contexto através da

divisão do ambiente em camadas (sistemas) que variam da mais próxima ao

indivíduo (microssistema), como os relacionamentos, atividades e papéis que adota,

até a mais distante (macrossistema), envolvendo características da cultura, leis e

aspectos burocráticos, com estruturas intermediárias (meso e exossistema), numa

perspectiva histórica temporal e vital (cronossistema).

Nosso campo de estudo será o futsal, que é atualmente a modalidade com

mais praticantes no país (QUEIROGA et al., 2005), por diferentes motivos, mas

entre eles pela proximidade com o futebol de campo, a facilidade da prática e a

simplicidade das regras. Apesar de serem esportes semelhantes e regidos pela

mesma entidade internacional (FIFA), o futsal vem tentando encontrar maior espaço

no cenário midiático nacional. Ainda, enquanto alguma atenção tem sido dada a

estudos com o futebol de campo, por ser a modalidade mais praticada ao redor do

mundo e por lidar com grande quantidade de investimentos (FULLER, JUNGE &

DVORAK, 2012), poucas evidências têm sido investigadas no futsal, que tem ampla

representatividade no Brasil como atração a jovens atletas, constituindo um

importante espaço de construção de metamorfoses.

O interesse no futsal se justifica com dados recentes da FIFA (2014) que

sugerem que o Brasil é o maior exportador de jogadores de futebol de campo e

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

5

futsal, com uma frequência de transferências de aproximadamente 1500 atletas

para clubes internacionais somente no ano de 2013, e em sua maioria com idades

variando de 17 a 22 anos de idade. Contudo, estudos recentes têm enfatizado que

menos de 1% dos jogadores que aspiram chegar a um nível profissional são

avaliados em teste de qualificação para seleção de jogadores em clubes brasileiros

profissionais de futebol de campo (DAMO, 2007; MELO, 2010).

Esses atletas acabam por sofrer as consequências dessa busca por

profissionalização a ponto de prejudicar sua formação em áreas alternativas

(WYLLEMAN & LAVALLEE, 2003; VISSOCI, 2009). Ainda, enquanto milhares de

talentos esportivos são transferidos para o exterior, dados da Confederação

Brasileira de Futebol mostram que a cada ano, aproximadamente 50% destes

retornam ao Brasil por uma diversidade de fatores como: problemas de adaptação,

clima, linguagem, cultura, problemas com outros jogadores, com comissão técnica,

entre outros (BRANDÃO, MAGNANI, MEDINA & TEGA, 2013; JACOBS & DUARTE,

2006), indicando que parecem existir problemas ou deficiências na formação desses

talentos esportivos (SOARES et al., 2011).

Assim, o processo de desenvolvimento atlético acaba sendo semelhante para

atletas de futebol de campo e futsal, chegando inclusive a se cruzar, conforme

relatos de ex-jogadores na mídia. Muitos começam a prática no futsal pela sua

maior difusão nos municípios do interior do Brasil, enquanto outros acabam por

voltar o olhar para o futsal após desistirem da carreira do futebol de campo, seja no

início da carreira ou mesmo no final, como é o caso do jogador Daniel Carvalho, que

desistiu do futebol profissional para retomar a carreira no futsal

(GLOBOESPORTE.COM, 2013). De fato, a carreira no futsal é amplamente

diferente da carreira no futebol de campo, tanto em características de estrutura da

modalidade como progressão financeira.

Portanto, partindo das concepções do Sintagma-Identidade-Metamorfose-

Emancipação e da concepção do contexto bioecológico, essa tese partiu da

seguinte questão geradora: Qual o papel do contexto bioecológico do futsal na

formação identitária em atletas de rendimento? A tese a ser defendida neste texto é

de que o contexto bioecológico esportivo apresenta características que podem

potencializar a busca por emancipação da identidade ao mesmo tempo em que

apresenta atributos que incentivam a regulação das metamorfoses, direcionando

para a heteronomia, e que essas características do contexto podem possibilitar a

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

6

formação de identidades políticas associadas à adesão a projetos de vida voltados à

emancipação, determinantes para que o indivíduo exerça a prática esportiva de

forma autonômica, conquistando fragmentos emancipatórios frente à opressão

sistêmica.

Para tanto, conduzimos três estudos que serão apresentados

sequencialmente nesta tese para alcançar a resposta da questão geradora. O

primeiro estudo trata-se de uma revisão sistemática sobre Identidade em atletas de

rendimento. Acreditamos que com esse estudo será possível evidenciar como o

conceito de identidade vem sendo estudado no contexto esportivo, com quais

variáveis está associado e como isso impacta na formação do atleta. Com este

estudo, poderemos identificar as lacunas da literatura, especificando as limitações e

futuras direções para a área e enfatizar a necessidade da tese defendida.

O segundo estudo apresenta uma análise de conteúdo fundamentada na

teoria bioecológica de Bronfenbrenner (1995) para evidenciar as características do

contexto bioecológico do futsal, relacionando com as possibilidades de

emancipação ou colonização do mundo da vida presentes no contexto esportivo.

Com isso, levantamos a hipótese de que existem elementos no contexto que

favorecem à colonização do atleta pela ordem sistêmica como o status, poder

financeiro ou a burocracia envolvida com a carreira esportiva. Contudo, acreditamos

também que o esporte de rendimento tem um potencial de possibilitar fragmentos

emancipatórios que favorecem as metamorfoses autonômicas para a identidade.

Por fim, apresentaremos um estudo no qual foi analisada a formação

identitária de atletas, numa perspectiva multi-metodológica, com narrativas de

história de vida, análise de redes semânticas e análise de conteúdo. Nesse estudo

pretendemos demonstrar a partir de casos emblemáticos, como atletas percebem o

contexto esportivo e manifestam suas metamorfoses identitárias em diferentes

momentos da carreira. Assim, acreditamos que este estudo ilustrará o conteúdo final

da tese defendida sobre a influência do contexto, através da diversidade de

atuações ambientais (papel, para BRONFENBRENER, 1995), proporcionando maior

(ou menor) riqueza de papéis (CIAMPA, 2009) que favorecem fragmentos

emancipatórios em metamorfoses identitárias.

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

7

1.2 Justificativa

Como o estudo trata da constituição da identidade em atletas de futsal, em

especial com um olhar sobre o papel possibilitador de emancipação ou regulação

por parte do contexto, vou comentar aqui brevemente como esse trabalho se

encaixa na minha história de vida, e como o meu contexto foi um potencializador

para fragmentos (hoje) emancipatórios em minha identidade.

Quando comecei a estudar Psicologia, foi por uma estimulação contextual

(amigos, no caso) que acabei conhecendo a Psicologia do Esporte. Confesso que,

quando comecei a estudar Psicologia, não tinha o curso como uma parte importante

para a concretização de um projeto de vida. Acabei por buscar a Psicologia mais por

uma influência de Política de Identidade (no caso, fazer um curso superior e ser

diferente do meu irmão), e ao procurar a Psicologia do Esporte encontrei algo que

aliava meu interesse por esportes e o curso que começava a fazer e me interessar.

Entretanto, mais que a área, consegui encontrar no Grupo Pró-Esporte e muito

especialmente, na Professora Lenamar Fiorese Vieira, uma área que logo me atraiu

muito, que é a pesquisa ou a ciência.

Desde o início, dediquei-me mais às iniciações científicas do que

propriamente à faculdade, e com o passar do tempo fui percebendo que havia uma

competência relacionada à prática da pesquisa. Ainda nesse contexto, desde o

princípio os temas de pesquisa que mais me interessavam eram aqueles pouco

abordados ou com certa dificuldade de encontrar material teórico, principalmente

envolvendo o desenvolvimento humano através do esporte. Antes de entrar no

Mestrado, trabalhei com agressividade e desenvolvimento moral (na época,

entrando em contato por telefone com a autora da área, nos EUA, porque tínhamos

dificuldade em achar conteúdo teórico e empírico no esporte aqui no Brasil), depois

trabalhando com agressividade e estresse com viés da fisiologia. Mas o Mestrado

mesmo é que deu a direção do meu interesse no campo da pesquisa. Aqui quero

fazer um pequeno recorte para minha história familiar.

Eu sou o segundo filho, do meio, e desde cedo cresci em um ambiente no

qual fui altamente estimulado a desenvolver habilidades como matemática, inglês,

esportes, música, entre outros. Acima de tudo, fui criado em um ambiente que me

estimulava a encontrar minhas próprias soluções. Meus pais trabalhavam e cresci

muito próximo de meu irmão e irmã, e éramos incentivados por estes a resolver

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

8

nossos problemas sozinhos, até por uma necessidade deles de tempo para o

trabalho.

Assim, desde cedo, eu costumava mexer muito nas coisas, buscando

investigar e entender como elas funcionavam. E foi fazendo pesquisa que consegui

encontrar uma forma de aplicar isso de um jeito que fosse reconhecido

externamente como produtivo. Voltando ao Mestrado, entrei no Programa de Pós-

Graduação em Educação Física UEL/UEM, no qual fui logo querer montar um

projeto que envolvia uma metodologia mista (quanti-quali), e o tema que mais me

interessava ainda era o desenvolvimento humano. Ficava fascinado com a ideia de

estudar e assim entender como o esporte poderia auxiliar (ou atrapalhar, mas não

aceitava isso muito na época) na formação do indivíduo.

Durante o programa, lendo alguns artigos sobre desenvolvimento de talentos

esportivos e procurando algum referencial teórico, entrei em contato com estudos

que sugeriam a identidade como um elemento importante para a formação do atleta,

mas ainda pouco estudado. Procurando então alguma forma de estudar identidade,

passei pela concepção teórica do Sintagma, porém, como na época (e hoje

também, por que não?) ainda não tinha maturidade acadêmica suficiente para

entender a teoria e o que era aquela história da tal da Severina, fui para um modelo

teórico mais estruturado (positivista também) do Status de Identidade. E assim,

puxando também o referencial teórico que minha orientadora se identificava

(Bronfenbrenner), fiz lá minha primeira incursão no estudo da identidade.

Lembro-me como a banca, composta por um Professor de Psicologia Social,

me perguntou por que não havia seguido o modelo do Sintagma, e minha resposta

foi a mesma (não entendia!), mas aquilo ficou marcado em minha memória. Alguns

anos e muitas aulas na graduação ministradas depois, junto com meu amigo

sempre parceiro, procurando por um programa de Doutorado que fosse próximo de

Maringá, em Psicologia, e com boa conceituação, é que acabamos por encontrar o

Professor Ciampa, na PUC-SP.

Foi aí que resolvi estudar essa tal de identidade, por esse tal de Sintagma,

como queria ter feito antes, mas agora com mais maturidade acadêmica. Algumas

questões ainda me inquietavam, principalmente porque no Mestrado eu havia

concluído que o modelo de formação atlética empregado no futebol de campo não

era favorável para uma identidade madura (de acordo com a concepção teórica da

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

9

época, hoje já não penso mais assim). E, principalmente, que alguns atletas

conseguiam seguir caminhos diferentes, mesmo estando no mesmo contexto.

Assim, voltei meu olhar para esse campo de investigação. No entanto, para

não finalizar a história com um final feliz, somente estudar identidade não me

emancipava: de fato, eu não estava me sentindo realizado com o doutorado apenas,

na perspectiva de retomar a vida de escravidão acadêmica que levava até então

(aproximadamente 40 horas de aula semanais em sala!). O Doutorado era um

caminho, mas ainda assim não conseguia encaixar esse mesmo caminho na minha

formulação de projeto de vida, de finalizar o doutorado e seguir com uma carreira

acadêmica, concursado e etc. (como se espera pela Política de Identidade).

Foi aí que, novamente por uma indicação da amiga e orientadora Prof.

Lenamar Fiorese Vieira, comecei a trabalhar em um projeto junto à Duke Univeristy,

sobre metodologia de pesquisa. Encurtando a história, esse projeto permitiu que eu

fizesse um estágio doutoral sanduíche nesta Universidade, onde passei um ano me

dedicando ao estudo de metodologia de pesquisa, assunto para o qual pretendo me

aprofundar cada vez mais. Contudo, mais que um conhecimento, esse estágio me

permitiu duas realizações que até então não havia tomado consciência. A primeira é

a de que existe uma possibilidade de carreira que aqui chamarei de "metodologista",

alguém que trabalha com foco em desenvolvimento de metodologias e formas de

investigação. A segunda é o fato de que eu adoro viajar e conhecer coisas novas.

Com isso, acredito que esse Doutorado me permitiu vislumbrar um fragmento

emancipatório para o meu personagem de docente/pesquisador, agora mais um

"investigador" acadêmico e com potencial para trabalhar em parceria com diferentes

isntituições ao mesmo tempo, investigando variados assuntos, viajando para tal, o

que tem sido uma realização pessoal e profissional. O mesmo tentei aplicar à

redação dessa Tese, continuando com um interesse pessoal de investigação no

esporte, porém mais que isso, aplicando inovações metodológicas ao projeto e

tentando proporcionar uma forma diferente de investigar identidade, potencialmente

contribuindo para o NEPIM (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Identidade-

Metamorfose – PUC-SP) e quem sabe com a área da Psicologia Social como um

todo.

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

10

1.3 Delimitação da Pesquisa

O Estudo 1 esteve delimitado a artigos publicados com populações de atletas

que utilizassem um referencial teórico para a compreensão da identidade. Os

estudos 2 e 3 delimitaram-se aos atletas adultos das equipes de futsal participantes

da principal competição brasileira da modalidade, a Liga Nacional de Futsal 2013, e

seus respectivos técnicos.

1.4 Limitações da Pesquisa

A pesquisa limita-se por fazer cortes transversais, com o objetivo de avaliar

de forma retrospectiva a memória dos atletas sobre seus processos de narrativa de

histórias de vida sobre sua carreira atlética. Outra limitação se refere à generalidade

da amostra utilizada, que representa os atletas de alto rendimento de futsal, mas

restringe as interpretações à modalidade do futsal e esse nível de competição.

Outras abstrações são teóricas dada a similaridade cultural do esporte. Já as

limitações específicas ao método de análise dos dados serão discutidas no corpo do

texto, em cada artigo que compõe a tese.

1.5 Objetivos

1.5.1. Objetivo Geral

Investigar a influência do contexto bioecológico do futsal para a

formação da identidade em atletas de futsal de alto rendimento.

1.5.2 Objetivos Específicos

Revisar de forma sistemática a literatura para verificar o estado dos

estudos sobre identidade, suas metodologias empregadas,

variáveis associadas e referenciais teóricos utilizados;

Caracterizar os parâmetros do contexto bioecológico dos atletas de

futsal de alto rendimento, visando identificar elementos que

possibilitem movimentos heteronômicos ou autonômicos em

metamorfoses identitárias;

Identificar a influência do contexto bioecológico sobre a formação

da identidade por meio do padrão semântico associado à narrativa

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

11

sobre a carreira atlética e estudos de caso sobre a história de vida

de atletas de futsal de rendimento.

1.6 Estrutura da Tese

Essa tese está estruturada no “Modelo Escandinavo”, que é um formato de

apresentação no qual os resultados das pesquisas que compõem o documento são

descritos em formatos de artigos independentes. Na proposta desta tese, a estrutura

é formada por seis capítulos (Quadro 1).

Capítulo 1 Introdução geral e estrutura da Tese

Apresentação da introdução, problemática da pesquisa, justificativa,

delimitações e limitações do estudo e objetivos.

Capítulo 2 Revisão de Literatura

Apresentação dos marcos teóricos: Sintagma Identidade – Metamorfose

– Emancipação, Modelos de desenvolvimento de talentos esportivos,

Teoria Bioecológica do desenvolvimento humano.

Capítulo 3 Artigo Original 1

Formação da identidade no esporte: Uma revisão sistemática.

Capítulo 4 Artigo Original 2

Contexto esportivo de alto rendimento é um ambiente de formação

identitária orientada para autonomia ou heteronomia?

Capítulo 5 Artigo Original 2

Esporte: um contexto de emancipação ou colonização?

Capítulo 6 Discussões Gerais e Conclusões

Apresentação das conclusões gerais da tese

Quadro 1. Estrutura da tese organizada por capítulos e seus principais objetivos.

No primeiro capítulo são apresentadas a introdução, problemática da

pesquisa, justificativa, delimitações e limitações do estudo e os objetivos. O capítulo

dois é composto pela revisão de literatura e nos capítulos três, quatro e cinco

encontram-se os artigos originais redigidos segundo as orientações e normas da

ABNT, que já foram submetidos a periódicos. Por fim, no capítulo seis são

apresentadas as conclusões gerais da tese. Os capítulos com artigos foram

estruturados para apresentar ao leitor a sequência de estudos realizados para se

chegar ao fechamento da pergunta proposta nesta tese.

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

12

O primeiro estudo (capítulo 3) apresenta uma revisão sistemática sobre

identidade e o contexto esportivo, amplamente conduzida para sumarizar o corpo de

evidências do assunto. Esse capítulo foi determinante para a definição da

originalidade da pergunta de pesquisa desta tese e contribui para a sua totalidade

como ponto de partida e fonte de informação utilizada nos capítulos subsequentes.

Ainda, este capítulo foi concebido como forma de identificar os conceitos associados

ao estudo da identidade na literatura da Psicologia do Esporte, principalmente para

identificar a direção das associações reportadas, como forma de gerar evidências

para uma crítica à falta de referencias que interpretem as influências do contexto.

No segundo estudo (capítulo 4) é feita uma caracterização do contexto

bioecológico que envolve os atletas de futsal. Este capítulo funciona como um

elemento intermediário ao agrupamento de evidências para a resposta da questão

geradora desta tese. Neste capítulo é possível evidenciar a diversidade de

elementos contextuais envolvidos no processo de formação identitária e atletas,

especificamente identificando papéis ambíguos do mesmo ambiente para atletas

diferentes.

O terceiro estudo (capítulo 5) foi estruturado para condensar as informações

obtidas nos estudos 1 e 2, avançando sobre o conteúdo e apresentando o processo

de formação identitária na perspectiva do atleta, destacando as influências

ambientais. Este estudo finaliza esta tese discutindo diretamente a questão

geradora e apresentando evidências da importância de contextos diversificados e

plurais que permitam o alcance de maior riqueza de papéis, favorecendo a

movimentos autonômicos na formação identitária.

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

13

Referências

BRANDÃO, M. R. F.; MAGNANI, A.; MEDINA, J. P. & TEGA, E. C. Além da cultura nacional: O expatriado no futebol. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v. 21, n. 2, p. 177-182, 2013. BREWER, B. W.; CORNELIUS, A. E. Self-Protective Changes in Athletic Identity Following Anterior Cruciate Ligament Reconstruction. Psychol Sport Exerc. v. 11, n. 1, p. 1-5, 2010. BREWER, B. W., VAN RAALTE, J. L., & LINDER, D. E. Athletic identity: Hercules’ muscles or achilles heel? International Journal of Sport Psychology, 24, 237-254, 1993. BREWER, B. W.; SELBY, C. L.; LINDER, D. E. & PETITPAS, A. J. Distancing oneself from a poor season: Divestment of athletic identity. Journal of personal & interpersonal loss, v. 4, n. 2, p, 149-162, 1999. BRONFENBRENNER, U. The bioecological theory of human development. In U. BRONFENBRENNER (Ed.), Making human beings human: Bioecological perspectives on human development (pp. 3-15). Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 2005. CIAMPA, A. C. A Estória do Severino e a História da Severina. São Paulo: Brasiliense, 1987. CIAMPA, A. C. A Estória do Severino e a História da Severina: Um ensaio de Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 2009. DAMO, A. Do dom à profissão: a formação de futebolistas no Brasil e na França. São Paulo: Hucitec, 2007. DANIELS, E.; SINCHAROEN, S. & LEAPER, C. The relation between sport orientations and athletic identity among adolescent girl and boy athletes. Journal of Sport Behavior, v. 28, n. 4, p. 315-332, 2005. FIFA. Laws of the Game 2014/2015. 2014. Disponível em www.fifa.com. Acesso em 05 de setembro de 2014. FULLER, C. W.; JUNGE, A. & DVORAK, J. Risk management: FIFA’s approach for protecting the health of football players. Br J Sports Med, v. 46, n. 1, p. 6-10, 2012. GLOBOESPORTE.COM. Daniel Carvalho deixa os gramados e recomeça no futsal: 'É outro ritmo'. 2013. Disponível em http://goo.gl/0qqF9J. Acesso em 02 de fevereiro de 2014. GROVE, J. R.; FISH, M.; EKLUND, R. C. Changes in athletic identity following team selection: Self-protection versus self-enhancement. Journal of Applied Sport Psychology, v.16, n.1, p.75-81, 2004. HOULE, J. L. W.; BREWER, B. W.; KLUCK, A. S. Developmental trends in athletic identity: a two-part retrospective study. Journal of sport behavior, v. 33, n. 2, p. 146-159, 2010. JACOBS, C. S.; DUARTE, F. Futebol exportação. Rio de Janeiro: SENAC, 2006. MELO, L. B. S. Formação e escolarização de jogadores de futebol no Estado do Rio de Janeiro. 2010. 72 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2010. QUEIROGA, M. R.; FERREIRA, S. A.; ROMANZINI, M. Perfil antropométrico de atletas de futsal feminino de alto nível competitivo conforme a função tática desempenhada no jogo. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, Florianópolis, SC, v. 7, n. 1 p. 30-34, 2005.

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

14

ROCHA, H. P. A.; BARTHOLO, T. L.; MELO, L. B. S. & SOARES, A. J. G. Jovens esportistas: profissionalização no futebol e a formação na escola. Motriz Rev Educ Fis, v. 17, n. 2, 252-63, 2011. SINCLAIR, D. A. & ORLICK, T. Positive transitions from high-performance sport. The sport psychologist, v. 7, p. 138-150, 1993. SOARES, A. J. G.; MELO, L. B. S.; COSTA, F. R.; BARTHOLO, T. L. & BENTO, J. O. Jogadores de futebol no Brasil: mercado, formação de atletas e escola. Rev Bras Ciênc Esporte. v. 33, n. 4, p.905-21, 2011. STAMBULOVA, N., FRANCK, A., & WEIBULL, F. Assessment of the transition from junior to senior sports in Swedish athletes. International Journal of Sport & Exercise Psychology, v. 10, n. 2, p. 1-17, 2012. VISSOCI, J. R. N. Estudo da influência do contexto esportivo no status de identidade de atletas de futebol de campo. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil, 2009. WYLLEMAN, P., LAVALLEE, D. A developmental perspective on transitions faced by athletes. In: WEISS, M. (Ed.), Developmental sport psychology. Morgantown, WV: Fitness Information Technology, 2003.

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

15

CAPÍTULO 2

SINTAGMA IDENTIDADE – METAMORFOSE – EMANCIPAÇÃO E PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO CONTEXTO.

Identidade e Esporte

Modelos de desenvolvimento de talentos Perspectiva bioecológica

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

16

Capítulo 2.

2.1 Identidade e Esporte: A perspectiva do Sintagma Identidade-Metamorfose-

Emancipação

No Brasil, o estudo da identidade pode ser representado pelos trabalhos de

Ciampa (1987), dentro da Psicologia Social, que apresenta a identidade em seus

escritos como uma questão de metamorfose, uma transformação permanente. Para

o autor, a identidade é uma unidade entre a atividade, a consciência e a identidade,

assim, para a identidade ser metamorfose deve-se levar em consideração a

atividade do indivíduo, como um ser que faz, e não uma atribuição estática,

definindo o indivíduo a partir daquilo que fez; o movimento do indivíduo (sua

atividade) define um objetivo, uma finalidade na relação com o contexto social.

Nesta perspectiva, a identidade também é algo que diferencia e ao mesmo

tempo define o indivíduo, sendo o reconhecimento de que o indivíduo é o próprio de

quem se trata, de quem se fala e não de outra pessoa. Contudo, também unifica, a

identidade situa o sujeito dentro de um contexto de um grupo social (CIAMPA,

1987).

Essa contextualização levanta alguns pontos fundamentais para se

compreender o processo de formação de identidade, de acordo com as proposições

de Ciampa (2005). A citar: (a) que identidade é um processo atrelado ao movimento

do ser humano de vir-a-ser, relacionado à sua atividade e, portanto, vinculado à

humanização e socialização e ao acesso à linguagem; (b) passamos por

transformações constantes (metamorfose) no nossa formação identitária, indo ao

encontro ou de encontro à ideologia; (c) esse movimento de metamorfose se

direciona como um movimento político na busca pela autonomia e emancipação da

dominação ideológica, ou da manutenção da heteronomia, com base nas nossas

experiências de vida e no projeto para o futuro.

Essas três constatações direcionam a estrutura desta apresentação da

construção teórica (por que não teoria?) fundamentada no sintagma identidade-

metamorfose-emancipação, abordando a noção de sociedade e o processo de

socialização; o sintagma propriamente dito e a dicotomia poítica de identidade e

identidades politicas, numa perspectiva de projetos de vida e busca pelo

reconhecimento.

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

17

2.1.1 Sociedade, socialização e individuação

Para iniciar a compreensão da teoria de identidade do sintagma identidade -

metamorfose - emancipação é necessário discorrer sobre a noção de sociedade que

fundamenta tais pressupostos teóricos. Essa seção trata da perspectiva de

sociedade e apresenta os fundamentos do qual emergiram a perspectiva proposta

por Ciampa (1987). Essa apresentação é importante para situar em que posição se

coloca a proposta teórica do Sintagma, importante para a compreensão de uma

teoria que aborda os estudos sociais.

Partindo da concepção de sociedade apresentada por Berger e Luckman

(2008), entendemos que a realidade é uma relação dialética entre a subjetividade e

objetividade. Dessa forma, a tudo aquilo que corresponde à experiência subjetiva, o

que se deseja ou nos motiva, precisa passar pelas condições objetivas, da

realidade, para a sua concretização. Portanto, qualquer acepção que visa

compreender a sociedade precisa, necessariamente, passar por ambas as

dimensões objetiva e subjetiva da sociedade.

Como concebemos, a partir das proposições de Mead (1993), que o ser

humano está em constante construção, continuamente se desenvolvendo, o que

nos torna definitivamente humanos é a interlocução com o social, a socialização. A

perspectiva é de que não nascemos humanos, necessariamente, mas sim

humanizáveis através do processo da linguagem. É através da linguagem que

estabelecemos relações com outros seres humanos e com o ambiente, conseguindo

atribuir um sentido subjetivo para as experiências objetivas.

Por sentido entende-se uma forma complexa de consciência, na qual se

percebe uma relação entre as experiências do mundo objetivo. "A experiência atual

em um dado momento pode ser relacionada com uma experiência já acontecida há

pouco ou num passado remoto. Geralmente a experiência atual não é relacionada

com uma única outra experiência, mas com um tipo de experiência, um esquema de

experiência, uma máxima comportamental, uma legitimação moral, etc., derivados

de muitas experiências e armazenados no conhecimento subjetivo ou tomados do

acervo social do conhecimento" (BERGER & LUCKMANN, 2004, p. 15-6).

Esse processo de socialização se inicia com a interiorização, apreensão ou

interpretação imediata de um acontecimento externo, objetivo, mas subjetivo, de

outra pessoa, e assim contraindo um sentido para o meu mundo interno. O

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

18

indivíduo, ao ser colocado nos primeiros contatos com a estrutura social objetiva,

encontra-se frente a um ambiente composto por outros pares significativos com

realidades objetivas que conduzem a sua socialização, processo este chamado de

socialização primária (BERGER & LUCKMAN, 2008). Esses elementos significativos

seriam pares relacionados ao indivíduo como membros familiares ou outros pares

sociais que tenham representação para a criança, como professores de educação

física ou treinadores, no caso do esporte.

Para exemplificar, essa definição apresenta um ponto bastante preocupante

sobre a inserção de criancás no esporte, no que se refere ao processo de

socialização que ocorre nesse ambiente. Casos como o do Neymar ilustram essa

preocupação. No contato da criança com o contexto esportivo, conceitos como

competitividade, vitória acima da prática entre outros elementos podem configurar a

forma como o ambiente esportivo integra o processo de socialização, possivelmente

influenciando no processo de formaçao identitária.

A realidade objetiva, composta por significados oriundos dos sentidos

subjetivos dos pares significativos, impõe ao indivíduo um universo simbólico

(BERGER & LUCKMAN, 2008). É nesse universo simbólico, formado por diferentes

áreas de significação, que ocorre a legitimação da identidade através dos processos

de comunicação e linguagem. Exemplificando, determinados comportamentos no

contexto esportivo, como o uso de substâncias visando uma melhora no

desempenho (doping), podem ser uma forma de operacionalização da busca por um

sentido (legitimização de sua identidade) através do reconhecimento de seu status

ou de participação no grupo de 'vencedores', obtendo reforço de pares como o

técnico, torcedores, família. Portanto, a forma como esse universo simbólico se

constitui, influenciado pelos significados presentes naquela determinada localização

(ou grupo social), poderá orientar a socialização do indivíduo e os sentidos

construídos.

Contudo, a socialização não ocorre apenas na forma primária. Nesse modelo

atual de sociedade, sociedades contemporâneas ou modernas, somos requisitados

a adotar diferentes papéis, assumindo diferentes posições e adentrando novos

campos de significações. Essa multiplicidade de papéis acaba por direcionar a

outros formatos de socialização: a socialização secundária que visa complementar a

primária sem modificar sua essência ou a relação com o seu passado, ou a

ressocialização, quando há uma mudança na significação do seu passado,

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

19

reinterpretando as experiências para se harmonizar com a realidade objetiva

(BERGER & LUCKMAN, 2008), conceitos estes importantes para, posteriormente,

compreendermos a idéia de metamorfose do sintagma.

Todo esse processo se decorre num contexto de sociedade que, como

aponta a literatura (HABERMAS, 1990, BERGER & LUCKMAN, 2004;

SIEBENEICHELER, 2003), vive um perído de pós-modernidade. Essas sociedades

pós-modernas se configuram por um desencanto com as concepções religiosas e

aumento da cultura dita "profana", estruturada socialmente em torno do mecanismo

capitalista e do aparelho burocrático do Estado, dissolvendo-se as formas de vidas

tradicionais e fomentando a formação de Identidades mais abstratas que

potencializam a individualização em contraste com a socialização (HABERMAS,

1990). Frente a essas concepções, essa sociedade estaria lidando com um

momento de crise dos sentidos, no qual o ser humano individualizado tem maior

distanciamento de socializações secundárias que, com a falta de estruturas sociais,

normas e moral bem definida, gera uma dificuldade em se definir o que seria o

"viver bem" que buscamos (SIEBENEICHLER, 2003BERGER & LUCKMANN,

2004).

Mundo da vida X Ordem Sistêmica

Para compreender as forças que direcionam a estrutura social, Habermas

(2012) sugere que a sociedade é constituída por duas estruturas conceituais

antagonístas que abrangem a complexidade do fenômeno social, o mundo da vida e

a ordem sistêmica. A análise do indivíduo e seu processo de socialização e

individuação ocorreriam nesse contexto de mundo da vida e ordem sistêmica, e na

interrelação dinâmica entre as duas esferas (PINZANI, 2009).

O mundo da vida é a estrutura que, através da linguagem, permite o encontro

entre o falante e o ouvinte, formando os processos de entendimento entre os

agentes. Caracteriza-se por representar espaços públicos (institucionais) e privados

dominados pela família e pelas relações sociais, estruturado através de tradições

culturais e de processos socializadores. Constitui um arcabouço compartilhado

composto pelo saber cultural, pelas estruturas de universos simbólicos e os

componentes que servem à produção de identidades pessoais (HABERMAS, 2002).

É o espaço que serve de local para a prática comunicativa, servindo para a

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

20

renovação do saber cultural, integração social, criação da solidariedade e formação

de identidades (SIEBENEICHLER, 2003).

A estrutura que antagoniza o mundo da vida, na concepção de Habermas

(2002), é o sistema ou a ordem sistêmica. Essa estrutura se organiza em função da

burocratização e a racionalização da vida que neutralizam o mundo da vida com

ações instrumentais que restringem a autonomia do indivíduo. O sistema se

reproduz através dos processos econômicos (sistema dinheiro/capital) e

burocráticos (sistema poder), invadindo outros âmbitos da sociedade e

contaminando formas autônomas de vida. Assim, as lógicas de funcionamento

econômico e burocrático invadem e reproduzem-se no interior das relações sociais,

usurpando as formas autênticas de linguagem e transformando o universo de

códigos emancipatórios de conduta em uma forma empobrecida e padronizada de

relações que valorizam a monetarização e burocratização, invadindo, portanto, o

mundo da vida.

Nessa perspectiva, a teoria do Agir Comuncativo (HABERMAS, 2012)

entraria como uma explicação da atuação do indivíduo na luta entre a busca pela

manutenção do mundo da vida frente à força da ordem sistêmica. A ideia é de que a

linguagem seria o elemento mediador das interações no mundo da vida (agir

comunicativo), estruturada a partir da moralização dos motivos da ação e

estabelecimento de relações com o mundo e outros indivíduos através de normas

intersubjetivas e não impostas, movimentado pelo recurso da solidariedade. Por

outro lado, na ordem sistêmica, a ação que predomina é a técnica, mediada pelo

trabalho, movimentada pelo dinheiro ou poder burocrático (agir instrumental ou

estratégico). Quando percebemos a substituição da força da solidariedade pelo

poder monetário ou da burocratização, evidenciamos um processo de colonização

do mundo da vida pela ordem sistêmica. Essa colonização tem como consequência

processos patológicos e alienação (ALMEIDA, 2005; LIMA, 2010, HABERMAS,

2012).

2.1.2 Política de Identidade e Identidade Política

Na perspectiva do Sintagma, entendemos identidade como um rompimento

da dicotomia existente entre identidade pessoal e identidade social, pois

consideramos que toda identidade é social. Entretanto, mantém-se a concepção de

uma identidade coletiva a qual sugere que o processo de constituição da identidade

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

21

é influenciado pelas relações sociais do indivíduo. Ciampa (2005) aponta para essa

necessidade do reconhecimento do outro, com base nas proposições de Mead

(2005), e do senso de comunidade para a formação da identidade.

Especificamente, Ciampa (1987) sugere que o reconhecimento social

possibilita a identidade como uma forma de se perceber como ser humano, através

de identidades pressupostas pelo discurso social ou pela cultura (LIMA, 2010).

Nesse campo do reconhecimento do que é chamado por Habermas (2012) de

identidade de "papéis", a análise da constituição da identidade passa pela

percepção individual de identificação com o grupo ou papel significado através da

atividade, a prática.

Nesse sentido, Ciampa (2007) propõe o conceito de políticas de identidade

com base na utilização do termo por Goffman (1988), através do estudo do sujeito

estigmatizado. A idéia é de que a pessoa que possuiria algum estigma acaba

adotando também um conjunto de comportamentos e formas de expressão já

esperados pela cultura ou pela política que envolve tal papel. Como uma forma de

elucidação, imaginemos um atleta que desde cedo se dedica ao esporte: é

esperado deste que saiba desempenhar seu papel no campo ou na quadra, mas

não se espera que o seu aproveitamento escolar seja adequado, daí tiramos frases

como "atletas treinam o corpo e não a mente", ou como nos Estados Unidos que

existe até uma alcunha para esses jovens atletas, chamados de jocks. Diversos

estudos inclusive discutem o efeito do jock em contrapartida do estudante, que

seriam a mesma pessoa com identidades diferentes (MILLER & KATHLEEN, 2009).

Dessa forma, entende-se que as políticas de identidade configurariam uma

forma de agir comum a qualquer sujeito que pertencer a determinado grupo ou

adote um papel específico. Essa concepção define critérios, orientações às quais os

indivíduos devem adotar para serem reconhecidos, estabelecendo pontos de

identidades pressupostas e podendo ser idealizadas ou até feitichizadas, que não

favoreceriam a emancipação e a autonomia. Contudo, as políticas de identidade

também funcionam como um agente que catalisa as demandas individuais a partir

de uma identificação com as reinvindicações de um coletivo. Nessas situações,

estamos falando de um conceito que será melhor abordado na seção seguinte, mas

que se refere à noção de personagem, que representa o indivíduo em atividade, em

movimento, em seu processo de metamorfose buscando então aderir proposições

de uma identidade coletiva (política de identidade) como forma de obter

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

22

reconhecimento e proporcionar alterações na forma como se vê e percebe o mundo,

metamorfoseando o seu posicionamento e busca por emancipação (ALMEIDA,

2005).

Fica assim exposta uma dupla direção que pode ser atribuída à relação do

indivíduo com as identidades coletivas, um caminho no qual este se submete à

política de identidade proposta (sentido regulatório) e outro que resiste à esse

enquadramento e busca integrar suas noções identitárias a partir do que pressupõe

a cultura do grupo, assumindo então uma identidade política (sentido emancipatório)

(CIAMPA, 1987; ALMEIDA, 2005). O primeiro sentido, regulatório, ocorreria quando

as pressuposições de determinado grupo social geram regras normativas que

prejudicam a autonomia do indivíduo, restringindo as representações de sua

identidade e direcionando para a heteronomia do sujeito. Quando trabalhamos as

políticas de identidade como instrumento de regulação, estamos nos referindo às

situações em que essas políticas são utilizadas de forma ideológica para a

manutenção de uma determinada realidade instituída, não possibilitando a

expressão da subjetividade individual (GUARESCHI, 2000).

Já o segundo sentido ocorre quando a adoção da política de identidade

favorece o enfrentamento da opressão da ordem sistêmica, direcionando o indivíduo

para a mudança ou transformações em si e no seu contexto a partir do equilíbrio

das desigualdades e das demandas grupais frente ao poder burocrático e/ou

monetário, direcionando para maior autonomia e movimentos emancipatórios

(CIAMPA, 2002). Diferente do conceito de política de identidade, a identidade

política permite verificar as metamorfoses do indivíduo como metamorfoses também

do grupo gerando novos espaços de expressão da identidade e dos interesses

pessoais, mobilizando os mais amplos do grupo (LIMA, 2010).

Nesse sentido, identidade política aparece como o conceito que antagoniza a

dominância das políticas de identidade no entremeio do processo de construção da

identidade. Identidade política é definida como aquela que envolve elementos que

proporcionam: (a) igualdade como a associação a motivações, ideias e grupos que

favoreçam ao reconhecimento e apoio no seu processo de metamorfose e

enfrentamento à opressão, mas sem restringir sua expressão à politicas de

identidade impositivas, e (b) diferença pela identificação a uma identidade coletiva

em oposição a outras possibilidades (CIAMPA, 2002). Como um atleta que, ao se

identificar como atleta de futsal, se nega como atleta de futebol de campo ou de

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

23

voleibol, adquirindo assim elementos da política de identidade do contexto do futsal,

podendo integrá-las em sua própria noção identitária num sentido regulatório ou

emancipatório. Contudo, identificar-se como atleta não exclui outros aspectos de

sua identidade como filho ou pai de família, participante da comunidade, estudante,

entre outros. Assim, uma identidade política configura a integração de uma nocão

de identidade coletiva sem que isso direcione para uma incorporação dessa

identidade coletiva, negando outros componentes, alienando-se no processo de

metamorfose e fechando-se à solidariedade universal (LIMA, 2010).

Para avançar na concepção de política de identidade e identidade política,

Lima (p.194) aponta que:

[...] Quando o indivíduo se submete à política de identidade proposta, diz-se

que se ajustou ao instituído, tornou-se alienado. Além disso, existem

indivíduos que resistem ao enquadramento e buscam ser conhecidos a partir

da coordenada onde estão localizados, neste caso, colocando-se como

pontos fixos, os quais a política de identidade deve tensionar para

reconhecer o que está sendo representado [...]

Esse fragmento aponta para a idéia de que indivíduos que resistem à

opressão das políticas de identidade modificam o grupo no qual estão inseridos,

gerando movimentações nas concepções de socialização que obrigam a política de

identidade a se "tensionar" para reconhecer o que está sendo representado pelo

indivíduo. No esporte, podemos elencar alguns exemplos de como esse processo

veio modificando a concepção de ser atleta de futsal ou futebol de campo, por

exemplo:

2.1.3 Sintagma Identidade-Metamorfose-Emancipação

Os elementos centrais da concepção de construção de identidade de Ciampa

e estudados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Identidade-Metamorfose

(NEPIM-PUC-SP) são contemplados pelo Sintagma Identidade-Metamorfose-

Emancipação. A ideia de sintagma envolve três elementos centrais, que são a

Identidade, o processo de metamorfose e a busca por emancipação. Esta seção

apresentará os conceitos relacionados à noção do Sintagma e Metamorfose,

enquanto a ideia de Emacipação será melhor abordada na seção seguinte.

A construção da identidade se dá a partir da perspectiva de que o indivíduo é

ao mesmo tempo composto por singularidade e individualidade, de forma que se

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

24

identifica com as concepções culturais e também se diferencia pela conjunção de

singularidades, formando uma indvidualidade. Como posiciona Ciampa (1987): "o

indivíduo é a indiferença de todas as determinidades, de modo que se exibe

enquanto totalidade, ao passo que do ponto de vista ontogenético, enquanto

individualidade, o EU é a diferença de todas as determinidades, é uma vivente

forma e se reconhece como tal" (p. 142).

É na singularidade que o indivíduo se diferencia dos demais por se identificar

com papéis ou grupos, mas, ao mesmo tempo, se iguala às motivações ou causas

coletivas frente à sociedade. Eu me diferencio dos demais porque sou um jogador

de futsal, não sendo um professor ou empresário, mas ao mesmo tempo me

equalizo com os outros jogadores de futsal, perante a sociedade, pela presença no

mesmo contexto, com objetivos semelhantes e demandas parecidas. Por outro lado,

na individualidade eu nego essas determinações impostas e me reconstruo a partir

da minha subjetividade, que congregra as diferentes singularidades e atividades que

escolho exercer. Mesmo sendo um jogador de futsal, eu sou um goleiro, de um time

qualquer, que resido na região sul do Brasil, com descendência negra, com dois

filhos, que gosta de jogar vídeo games e pratica o Budismo como religião. Essa

concepção é determinante para a perspectiva do Sintagama porque define que

identidade é um processo psíquico influenciado pelo social, mas a identidade se

constrói socialmente e está intrinsecamente relacionada às alterações do social,

alinhada com a perspectiva de que e identidade é, ao mesmo tempo, política.

Da mesma forma, como o ser humano só se torna humano a partir da

ascensão da linguagem (HABERMAS, 2012), a identidade, de forma semelhante, é

determinada pelo discurso social que envolve determinadas noções de

singularidades. Assim, compreender a narrativa e as conexões linguísticas sobre a

história de vida do indivíduo são importantes para caracterizar o processo de

construção da identidade (LIMA, 2010). De forma semelhante, a análise deste

discurso permite evidenciar de que forma a identidade se modifica, ou entra em

metamorfose regulada pela opressão sistêmica ou direcionada para a emancipação.

Essas significações verificadas no discurso sobre identidades apresentarão de que

forma a subjetividade do indivíduo articula-se na busca por reconhecimento social,

com a identidade representando a luta política de conjunção entre a objetividade da

natureza, a normatividade da sociedade e a intersubjetividade da linguagem

(HABERMAS, 1983).

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

25

Como foi exposto, acreditamos que a identidade entre em metamorfose ao

longo do percurso histórico do indivíduo, conforme este desempenha suas

atividades. Identidade é metamorfose, é a capacidade do indivíduo em construir

novas identidades, frente a situações conflitivas, harmonizando com as identidades

anteriores, agora superadas (CIAMPA, 2009). Esse caráter de metamorfose

também diz respeito à identidade enquanto função política, como uma manifestação

frente às estratégias de dominação. Esse sujeito em construção não existe como

algo imutável, com predicações estabelecidas, mas é uma concepção de ser como

devir, compreendida por meio das mudanças estabelecidas através dos sentidos

dados ao si e ao seu projeto de vida (CIAMPA, 1987).

Nessa concepção, metamorfose não é algo atribuído ao indivíduo, passivo no

seu processo de desenvolvimento. A pessoa é, ao mesmo tempo, produto e

produtor, autor e personagem, que se constitui a partir da sua atividade,

contextualizada num ambiente e num percurso histórico. Essas transformações são

originadas pelo próprio sujeito, "ele é o que faz" (CIAMPA, 1987, p. 135). Essas

metamorfoses identitárias constituem-se como uma ação política voltada para uma

tentativa de escapar do processo de colonização da ordem sistêmica, completando

o sintagma que sugere identidade enquanto metamorfose e emancipação, que pode

vir a surgir como fragmento para algum aspecto da identidade do indivíduo, ou

apenas como utopia emancipatória, funcionando como meta visada ou como

sensação de falta (CIAMPA, 1997).

Para que a emancipação exista, seja como fragmento ou mesmo como

utopia, o agir comunicativo, através da linguagem, precisa alcançar uma unidade

entre a subjetividade e a objetividade, "sem essa unidade, a subjetividade é desejo

que não se concretiza, e a objetividade é finalidade sem realização" (CIAMPA,

2009, p. 151). Essa unidade pode ser percebida pela congruência da atividade com

o compromisso pessoal com o projeto de vida, que pode acontecer via

metamorfoses. A expressão de si como outro de si, que não apenas é o que se

espera ser, caracteriza a metamorfose da identidade, que supera a identidade

pressuposta (CIAMPA, 1987).

Para ilustrar, se projetarmos um atleta que consegue unidade entre o atleta

(pai) que gostaria de dar mais atenção para a família e filhos (projeto de ser pai),

dificilmente conseguirá uma unidade com sua atividade presente enquanto precisa

se distanciar para jogar pelo clube que paga o melhor salário ou permite maior

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

26

desempenho (atleta/desempenho). Dessa forma, Ciampa (2009) sugere que ao

passar a se representar (1o sentido - como representante de si) acaba se tornando

um ser diferente de si por representar um outro dele mesmo (2o sentido -

desempenhando um papel - o atleta que se espera que ele seja, que o determina

enquanto atividade, e assim o limita). Ao se representar (o papel) o invidíduo acaba

por repor a si no seu presente – 3o sentido: re(a)presentar – sem conseguir

expressar o outro que também é ele (atleta pai, que é mesmo sem estar sendo).

Quando o sujeito deixa de se representar (no 3o sentido), conseguiria expressar um

outro de si que também faz parte dele (atleta pai), negando a sua própria negação

em ser algo que é mas não se projeta (representar no 2o sentido).

Em sequência, apresentaremos alguns conceitos que facilitarão a

compreensão da concepção teórica do sintagma (Figura 1).

Figura 1. Diagrama do modelo teórico do Sintagma Identidade –

Metamorfose – Emancipação.

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

27

Personagem

Como já foi mencionado, identidade se caracteriza pelo indivíduo em

atividade, que se movimenta e se modifica dado um conjunto de sentidos atribuídos

em determinado período histórico. Dessa forma, ao exprimir o sujeito em ação, este

coisifica sua atividade sendo entendido como um Personagem, alguém que é autor

e ator de sua própria história (CIAMPA, 1987). Personagem é o nome ou a

interiorização (sentido) que o indivíduo atribui às predicações (identidades

pressupostas) dadas pelo outro, gerando reconhecimento social (Figura 1).

Exemplificando, ser atleta é adotar o Personagem de atleta, no contexto

esportivo. A identidade, por sua vez, se constitui a partir da articulação de diferentes

personagens que encenamos conjuntamente (ALMEIDA, 2005) – adicionamos aqui

essa articulação que se dá numa perspectiva horizontal (diferentes personagens

constituindo uma mesma identidade) e vertical (personagens sendo substituídos por

novos personagens) e, que se sucedem num processo de metamorfose, numa

direção de progressão (para emancipação) ou regressão (para a reposição ou

repetição de personagens).

Essa concepção da identidade como expressão de personagens caracteriza

que a manifestação do indivíduo só ocorre a partir de personagens, de forma que

não existe vida sem uma representação de personagem. Ainda, a identidade é

constituida de diversas personalidades simultaneamente, portanto, é impossível

expressar a totalidade do indivíduo, sendo sempre um representante de si mesmo

(CIAMPA, 1987). Contudo, essa expressão da identidade em personagem não pode

se limitar ao substantivo, ou ao papel, desconsiderando a atividade do indivíduo

sobre seu personagem. O não agir, não vir-a-ser do indivíduo pode levar a confusão

do personagem com o papel, que caracterizaria uma atividade previamente

padronizada como tentativa de controle-regulação da autonomia, podendo

possibilitar a colonização da ordem sistêmica sobre o agir e resultando em

metamorfoses que não progridem para a emanipação. Não obstante, vale ressaltar

que nem toda metamorfose sugere uma progressão na luta contra a opressão e em

busca da emancipação, às vezes uma metamorfose pode ocorrer, como já dito,

alterando um personagem, que não gera emancipação, mas proporciona um

movimento, uma ação mesmo que na direção da sensação de falta de

emancipação.

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

28

Nesse sentido, quando o processo de metamorfose não resulta em uma

alternação do personagem, tornando-se uma reposição do personagem (e

manutenção do papel ou da política de identidade), pode acontecer o que foi

chamado de feitichismo do personagem (LIMA, 2010). Um personagem feitichizado

é aquele que se parece com uma metamorfose, mas é uma repetição do mesmo

papel. Proporciona ao indivíduo uma impossibilidade em atingir a concretização de

um projeto de vida, que dá uma impressão de não-metamorfose e impede o

indivíduo de se autodeterminar. Esse feitichismo do personagem é associado à um

processo de produção da identidade, como um reforçamento desse produto

(personagem feitichizado) a partir do seu valor de mercado (social ou monetário -

como um atleta e o uso de sua imagem comercial), de forma que se busca a

preservação do status, por um interesse sistêmico e não humano.

Tal fenômeno é melhor compreendido com a explicação do processo de

mesmice x mesmidade, descrito a seguir.

Mesmice X Mesmidade

A dualidade entre a perspectiva de metamorfose e aparência de não-

metamorfose descrita anteriormente é fruto da necessidade dos seres humanos em

obter reconhecimento. A busca por reconhecimento pressupõe uma identidade

através da política de identidade, por meio do reconhecimento de papéis. Esse

movimento por reconhecimento explicita um jogo de alternância de personagens,

que pode ser positivo ou negativo na perspectiva da luta por emancipação

(CIAMPA, 1987). Essa articulação é resultado da dicotomia entre o que o individuo

tem como atividade e o que é pressuposto a ele pelas políticas de identidade.

Como dito antes, a aparência de não-metamorfose representa um momento

onde a articulação de personagens não parece demonstrar grandes mudanças para

a identidade, dando uma falsa impressão de não-movimento, ou de cristalização da

identidade. Entretanto, o processo que está acontecendo, longe de uma estabilidade

da identidade, é uma sequência de metamorfoses que funcionam como reposição

dos personagens, pela manutenção do status (CIAMPA, 2005). A essa situação de

reposição de identidade, também chamado de alteridade, deu-se o nome de

mesmice, um processo que por vezes pode ser mais desgastante para o indivíduo

que a própria metamorfose em busca da emancipação.

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

29

Pensando num atleta em transição para o fim da carreira, que é uma

mudança significativa no contexto que inflinge uma necessidade de mudança

também no processo identitário, o fluxo natural da construção identitária desse

alteta seria adotar um personagem de ex-atleta, podendo procurar outras formas de

carreira no esporte mesmo (treinador, por exemplo) ou fora dele, de acordo com o

seu projeto de vida. Mas, caso esse mesmo atleta opte por entrar num processo de

mesmice identitária, fazendo uma reposição de sua personagem de atleta, pode

acabar tendo maior desgaste para se manter no contexto esportivo, muitas vezes

aceitando situações mais precárias, uso de substâncias ilegais ou até mesmo

desenvolvimento de patologias. Esse processo de mesmice pode ser desencadeado

tanto por características do atleta (como um feitichismo do personagem - não querer

abandonar a fama, o status, o rendimento financeiro), como por condições externas

(ambientais - como a falta de preparação para a transição com uma formação

vocacional).

O contraponto da mesmice é o fenômeno da mesmidade, que se refere à

superação do personagem reposto, do feitiche, pelo indivíduo. Esse processo é

representado pela expressão da metamorfose, do outro que também sou eu, um

novo personagem que vem complementar a identidade com conteúdos não

autoritariamente predefinidos, direcionando o indivíduo para maior autonomia frente

à opressão da ordem sistêmica (LIMA, 2010, p. 164-165). Enquanto a mesmice é

marcada por mudanças quantitativas na identidade, a mesmidade representaria um

conjunto de mudanças qualitativas, que envolveriam a aprendizagem de novos

conhecimentos, normas, habilidades, e que são propotas pelo próprio indivíduo

autodeterminado (ALMEIDA, 2005).

2.1.4 Emancipação, autonomia e riqueza de papéis

Habermas (2012) discute a existência de duas estruturas antagônicas no interior da

sociedade, o sistema e o mundo da vida. O sistema se reproduz por meio dos chamados

processos econômicos (dinheiro) e burocráticos (poder), que invadem outros âmbitos da

sociedade e acabam por contaminar formas autônomas de vida. Contaminação no sentido

de reproduzir no interior das relações sociais, usurpando as formas autênticas de

linguagem, transformando o universo de códigos emancipatórios de conduta, que acabam

por valorizar a monetarização e burocratização, invadindo, desta forma, o mundo da vida. O

chamado mundo da vida, por sua vez, representa os espaços públicos (institucionais) e

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

30

privados (família, relações sociais). Constitui-se assim, um arcabouço compartilhado,

composto pelo saber cultural, pelas estruturas de socialização e os componentes que

servem à produção de identidades pessoais.

Seguindo a ideia de socialização, Habermas (2012) apresenta o conceito de razão

comunicativa, que orientada ao entendimento, aponta para a questão da emancipação,

defendendo a conjectura de que um potencial emancipatório existe em qualquer

proferimento, na intenção de compreender os sentidos das produções simbólicas

democráticas e autônomas. Mas é complexa a tarefa de se pensar em homens

emancipados, em pleno exercício da razão, capazes de se entender como outros na esfera

pública democrática (HABERMAS, 2003; FENERICH, 2013), o ideal seria considerar que “a

emancipação resulta da conquista de uma razão autônoma em relação ao sentido”

(FENERICH, 2013, p. 652). A realização de projetos emancipatórios, é dificultada por uma

interiorização a-crítica de normas (heteronomia), pois neste caso o sujeito só se reconhece

através de um projeto que seja baseado em relações de dominação (CIAMPA, 2002).

Autonomia pode ser pensada como o resultado de um processo de maturação e

descentração do eu e do grupo, neste sentido a descentração é considerada uma evolução

do sujeito da heteronomia para a autonomia, realizando o processo de emancipação da

autoridade da regra e da coerção do grupo e formando autônomamente seus padrões de

julgamento, bem como suas concepções de regras, sem a interferência de terceiros (LA

TAILLE, 2006; FREITAG, 1989). Ocorre então uma alteração no modo como o sujeito se vê

a si mesmo e se percebe no mundo, além do modo como se posiciona frente a este mundo,

reivindicando assim autonomia e reconhecimento (CIAMPA, 2002; ALMEIDA, 2005).

Em suas discussões sobre moral, Habermas (1990) postula o processo de busca do

sujeito a uma liberdade moral e política, que teria a universalização de uma máxima de

ação estabelecida como norma, conduzida pela experiência mental do sujeito, e pelas

condições de autonomia de consciência. Ponto que Kant considera como autonomia da

vontade, entendida, por assim dizer, como internalização refletida da competência

comunicativa no sentido de sua estrutura ideal contrafaticamente antecipada (APEL, 1994).

A autonomia, no entanto, não é um conceito distributivo e não pode ser alcançada

individualmente. Assim, um sujeito só pode ser livre se todos os outros também forem,

Habermas (2013) sublinha então, que a noção de autonomia já discutida por Kant, introduz

um conceito que só pode ser explicitado plenamente dentro de uma estrutura

intersubjetivista.

Autônomo é o sujeito que goza de liberdade, com ações não decorrentes de uma

forma de poder exterior, e não irremediavelmente determinado por forças internas sobre as

quais a vontade não exerce influência alguma. Além disso, é também autônomo quem

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

31

legitima regras, princípios e valores morais sem referência a uma fonte que o transcende,

sem referência, portanto a figuras de autoridade como Deus (LA TAILLE, 2006).

2.2 Modelos de desenvolvimento de talentos esportivos e carreira atlética

Miller e Kerr (2002) colocam que a busca pela excelência no esporte pode

prejudicar as chances do indivíduo para conquistar a excelência pessoal. Frente a

isto, Vieira (1999) aponta que o desenvolvimento da carreira atlética deve estar

relacionado ao processo de crescimento e desenvolvimento individual, devendo a

iniciação ser planejada levando em consideração as fases de desenvolvimento da

criança. Nesse sentido, diversos estudos propuseram modelos para o

desenvolvimento atlético, caracterizando as etapas evolutivas. Esses modelos são

importantes para os profissionais do esporte porque relatam características e

valores específicos para o processo de desenvolvimento em cada momento da

evolução do atleta (BARREIROS, 2005).

Bloom (1985) estudou talentos em diferentes áreas do conhecimento e

delimitou estágios comuns de desenvolvimento, apesar das diferenças entre as

fases. O autor analisou o desenvolvimento de talentos em três áreas: atlética ou

motora; musical ou artística; intelectual e cognitiva.

Os estágios propostos por Bloom (1985) foram: anos iniciais, anos

intermediários e anos finais, delimitando em cada fase as características próprias

em relação ao envolvimento do atleta, professores e pais. Nos anos iniciais as

crianças estão começando a se envolver com o esporte e o objetivo mais importante

é o divertimento. Quando as crianças começam a competir, os pais são os principais

incentivadores e compartilham o prazer e aproveitamento dos filhos (WUERTH,

2004). Nessa fase os jovens evoluem de um contato inicial com o esporte a um nível

de especialização em um papel ou modalidade. Aqui as crianças enfrentarão um

esporte organizado em sessões de treinamento, competições aos finais de semana

e em feriados, maior carga física de treinamento e demanda psicológica

(STAMBULOVA, 2008). É aconselhado, nesta fase, que a criança experimente

diferentes modalidades esportivas com o foco do divertimento e ludicidade

(WYLLEMAN, 2007).

Nos anos intermediários, aumenta-se o comprometimento com o esporte e a

criança muda o foco da prática para o aprimoramento das habilidades e técnicas

com competições de maior nível. Nessa fase, que se inicia entre os doze/treze anos

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

32

de idade e vai até os dezoito anos, os jovens atletas se comprometem intensamente

com o esporte e se percebem como sendo talentosos ou promissores, com

capacidade de alcançar o alto nível de rendimento (WYLLEMAN, 2000). Além disso,

os jovens talentos precisam agora lidar com novas cargas de prática, maior

freqüência e especialidade de treinamentos, necessidade de maior preparo físico e

psicológico para as competições e maior expectativa dos pares sociais pelo

desempenho atlético.

Nos anos finais, os atletas são considerados obcecados com o esporte, e a

responsabilidade e independência são características desta fase. O nível das

competições alcançou o alto rendimento, assim como a pressão pelo desempenho e

as demandas em treinamentos (SALMELA et al, 2007). Essa fase requer do atleta o

desempenho em seu nível mais elevado, de forma consistente e com a maior

constância possível. A busca pela profissionalização faz com que o foco dos

objetivos pessoais dos atletas esteja voltado exclusivamente para o esporte,

envolvendo alta intensidade e freqüência de treinamento e maior número de

competições (BLOOM, 1985).

Por outro lado, com ênfase na influência do contexto social no

desenvolvimento de talentos esportivos, sabe-se que as crianças necessitam do

suporte de um grande número de indivíduos para desenvolver seu talento, assim,

pais, técnicos, mentores, amigos e instituições (colégios, clubes, escolas esportivas)

devem auxiliar no desenvolvimento do talento. Ambientes familiares integrativos,

que oferecem condições estáveis entre os membros da família, com clima de

suporte e que favorecem a individuação e autonomia foram ressaltados como o

ambiente que propicia melhor estímulo para o desenvolvimento do talento

(CSIKSZENTMIHALYI et al, 1997). Nesta perspectiva, o talento não pode existir

sem o suporte social, reconhecimento e envolvimento de pares sociais (pais,

técnicos, professores, familiares, entre outros) (BARREIROS, 2005).

Outra perspectiva para o suporte teórico do desenvolvimento de talentos

esportivos que será utilizada neste estudo foi proposta por Cotè (1999), que

construiu um modelo constituído de etapas de participação esportiva (Figura 2). Tal

modelo é composto por três períodos: o primeiro vai desde a infância (anos de

experiência), passando por uma etapa intermediária (anos de especialização) para

terminar no final da adolescência (anos de investimento).

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

33

Figura 2. O modelo desenvolvimental de participação esportiva (Fonte adaptada: CÔTÈ;

BAKER; ABERNETHY, 2007, p. 197).

Os anos de experiência referem-se à faixa de seis a doze anos e têm os pais

como principais influências para a entrada e desenvolvimento do interesse do filho

pelo contexto esportivo. A experiência diversificada entre as modalidades esportivas

é importante neste estágio para o desenvolvimento de capacidades motoras

básicas. O foco das atividades está no prazer e divertimento que os atletas sentem

ao praticar o esporte (COTÈ, 1999).

Estas atividades são caracterizadas por serem jogos que não envolvem a

presença de adultos, podendo ser realizados em diversos lugares (sendo adaptados

para cada modalidade). As regras são feitas pelas pessoas que participam,

ocasionando prazer, motivação, flexibilidade e qualidade de vida. Em contrapartida,

as práticas deliberadas são realizadas sempre com um propósito – seja para

melhorar as habilidades motoras ou psicológicas – com envolvimento de adultos na

maior parte do tempo e trabalhada por regras e específicos ambientes, sendo estes

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

34

exercícios muitas vezes desagradáveis e rígidos (CÔTÈ; BAKER; ABERNETHY,

2007).

Por volta dos treze anos inicia-se o estágio da especialização, no qual o

atleta sofre maior influência de professores e colegas definindo seu interesse para

um ou dois esportes. O interesse por atividades alheias à prática do esporte diminui,

mas o divertimento e a brincadeira ainda se sustentam como elementos centrais da

vivência esportiva. Inicia-se o treinamento específico, num aumento do volume de

prática com o objetivo de desenvolver habilidades esportivas específicas (COTÈ,

1999). A presença dos pais é caracterizada pela ênfase no desempenho do atleta

tanto no esporte como na escola, compromisso financeiro e de tempo com o atleta,

e aumento no interesse pelo esporte do filho (SALMELA et al., 2007). Desta forma,

existe um aumento de horas de treinamento e maior quantidade de campeonatos a

ser disputada, necessitando de maior dedicação para o esporte (CÔTÈ; HAY, 2002).

A presença do treinador e dos professores é maior nesta fase, os quais apresentam

maior interesse pessoal, esperando grandes resultados pela disciplina e trabalhos

mais fortes (WOLFENDEN; HOLT, 2005).

No estágio do investimento, o forte compromisso do atleta para alcançar o

alto nível e o desempenho em um esporte específico é evidenciado: a carga de

treinamento aumenta, assim como a dedicação à carreira atlética. O interesse dos

pais no esporte também aumenta e o suporte parental fica evidente como essencial

para que o atleta enfrente as demandas dos treinamentos e da competição (COTÈ,

1999; VIANNA JUNIOR, 2002).

Cotè (1999) aponta ainda para uma quarta fase, chamada de recreacional,

que pode ser alcançada através de qualquer fase anterior e é caracterizada pela

integração das atividades prazerosas e que busquem a saúde. O atleta que vai para

a fase recreacional pode regressar ou ingressar pela primeira vez na etapa de

investimento. Um último aspecto abordado pelo modelo é que um indivíduo que

inicia uma prática esportiva pode abandoná-la a qualquer momento, principalmente

se o divertimento e o aperfeiçoamento de habilidades não forem presentes (Figura

2).

A passagem dos atletas para os anos de especialização antes do tempo

pode acarretar em diversos fatores influenciadores na desistência do esporte.

Estudos realizados por Wolfenden e Holt (2005) observaram que atletas que

decidiram focar em um esporte específico com idade inferior (abaixo dos 10 anos)

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

35

tiveram um pico de performance antecipado e sem oportunidade de praticar outras

atividades, tendo dificuldades de adaptação na transição de fases por serem mais

novos que os demais competidores/companheiros. Além disso, os treinamentos

esportivos muitas vezes não são agradáveis e divertidos, havendo diminuição da

motivação intrínseca e posteriormente a desistência do atleta da modalidade

(WALL; CÔTÈ, 2007) (Figura 2).

Os atletas progridem em suas carreiras quando conseguem lidar com as

tarefas e demandas de cada estágio das mesmas. A superação destes estágios e a

mudança de uma fase para outra é considerada uma transição, que é definida por

Scholssberg (1981, apud ERPIC, 2004) como um evento que resulta em mudanças

na crença sobre si mesmo e sobre o mundo, a qual requer uma modificação

correspondente no comportamento e relacionamento do indivíduo (WYLLEMAN &

LAVALLEE, 2003) (Figura 2).

A estruturação de um programa esportivo tem sido importante para que

atletas consigam chegar neste pico de performance, devendo incentivar a

comunicação dos atletas com outros agentes sociais (família, técnico e

professores), podendo ajudar em problemas (estresse, desmotivação, fadiga) que

os indivíduos passam ao longo da carreira (FRASER-THOMAS; CÔTÈ; DEAKIN,

2008). Assim, como na fase de experimentação, o atleta tem a opção de abandonar

a modalidade que pratica e mover-se para o esporte recreativo daquela modalidade

ou tentar avançar a maiores níveis de desempenho (BAILEY et al., 2010). Apesar

dos estudos classificarem as fases e transições do desenvolvimento da carreira

esportiva, deve-se entender que estas trajetórias variam de acordo com o esporte

praticado pelo atleta (como no caso da ginástica), sistemas esportivos, normas

sociais e a cultura de cada região (CÔTÈ; BAKER; ABERNETHY, 2007;

STAMBULOVA et al., 2009).

Para este estudo com os atletas de futsal, optamos pelo modelo de

desenvolvimento atlético de Cotè (1999), sobre o de Bloom (1985), por acreditarmos

se aproximar mais da realidade da modalidade no Brasil. A principal diferença entre

os modelos teóricos é o período de abrangência de cada estágio: para Bloom (1985)

os anos intermediários (desenvolvimento) ocorrem dos catorze aos dezoito anos,

enquanto para Cotè (1999), na segunda fase de especialização, a abrangência vai

dos treze aos quinze anos, como evidencia o Quadro 2.

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

36

Quadro 1. Comparação entre as fases de desenvolvimento atlético de Bloom (1985) e Cotè

(1999)

BLOOM (1985) Idade COTÈ (1999) Idade

Anos Iniciais 6 – 13 anos Experimentação 6 – 12/13 anos

Anos Intermediários 14 – 18 anos Especialização 13 – 15 anos

Anos Finais 19 anos ou mais Investimento 15 anos ou mais

Essa escolha pelo modelo de Cotè (1999) ocorreu por se entender que este

modelo se adapta melhor à realidade das transições atléticas na atualidade, as

quais acontecem mais cedo e com maior comprometimento, além de diversos

estudos atuais optarem pelo modelo de Cotè (1999) como suporte teórico para as

transições atléticas em diferentes contextos esportivos (MORAES et al., 2004;

BARREIROS, 2005; SALMELA et al., 2000; VISSOCI, 2009).

2.3 Parâmetros do contexto na perspectiva da Teoria Bioecológica

O desenvolvimento humano é considerado um conjunto de processos nos

quais as propriedades da pessoa e os parâmetros do ambiente produzem mudança

nas características do indivíduo durante o seu crescimento, a partir de sua interação

(BRONFENBRENNER, 1995). Dessa forma, o desenvolvimento é caracterizado

como um processo ativo do ser humano em interação com o seu ambiente e nas

relações interpessoais que estabelece com todos que participam direta ou

indiretamente do mesmo contexto.

Entretanto, não é o ambiente real em si que influencia o comportamento de

desenvolvimento de uma criança, mas sim a percepção ou interpretação deste

contexto feito pelo indivíduo em desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1993).

Assim, para o estudo da influência do contexto no desenvolvimento humano é

necessário investigar a percepção desta influência na perspectiva do indivíduo além

dos parâmetros reais do contexto. Portanto, somente analisar as qualidades

objetivas de um ambiente sem levar em consideração o sentido dessas qualidades

para o indivíduo não representa uma análise da ecologia do desenvolvimento

humano (KREBS, 1997).

Para a execução da tarefa de análise das alterações no comportamento ao

longo do ciclo de vida do indivíduo, Bronfenbrenner (1996) propõe a investigação de

ocasiões selecionadas visando verificar o que o autor chamou de “transições

ecológicas”. As transições devem ser escolhidas pelo efeito significante nas

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

37

capacidades ao longo do desenvolvimento da criança (VIEIRA, 1999). Uma

transição ecológica é definida por Bronfenbrenner (1987) como:

Uma conseqüência e um processo instigador do desenvolvimento. Assim, do

ponto de vista de pesquisa, compõe toda transição ecológica uma experiência de

natureza constituída de um design ‘antes-depois’, no qual cada sujeito pode atuar

como controle dele próprio. Em resumo, uma transição ecológica fixa o estágio de

ambos (antes-depois) para a ocorrência e o estudo sistemático do fenômeno

desenvolvente (p. 17).

O objetivo do estudo das transições ecológicas está na busca pela

caracterização do ponto de transição a partir dos fatores que precipitaram a

transição e os efeitos que esta situação produziu no indivíduo em desenvolvimento.

Os efeitos das transições refletem a relação entre o potencial dos atributos pessoais

do sujeito e a influência dos parâmetros do contexto (BRONFENBRENNER, 1995).

A relação entre os atributos da pessoa e do contexto foi definida por

Bronfenbrenner (1995) como um paradigma bioecológico, o que corresponde ao

estudo da relação entre os traços pessoais e a interação entre as experiências

ambientais determinando o resultado do desenvolvimento. A perspectiva é de que

os processos psicológicos como cognição, motivação, emoção, entre outros,

possuem um conteúdo externo, baseados nos elementos do contexto

(BRONFENBRENNER & CECI 1994).

O modelo bioecológico (Figura 3) sustenta-se então a partir de quatro

domínios: a) as características pessoais do sujeito presente nesse contexto; b) o

processo através do qual o desenvolvimento emerge; c) o contexto no qual o

desenvolvimento ocorre; e d) a dimensão temporal ao longo da qual o

desenvolvimento acontece (Figura 2).

Os dois elementos centrais do paradigma são os atributos pessoais e os

parâmetros do contexto. O contexto, conforme proposto por Bronfenbrenner (1993),

é um conjunto de estruturas que se inter-relacionam e se completam, cada qual

envolvendo a estrutura anterior. Para Bronfenbrenner (1992), o processo de

desenvolvimento humano não pode ser definido sem levar em consideração a

variável tempo, partindo da premissa da ocorrência do desenvolvimento ao longo do

ciclo de vida, como um processo contínuo que ocorre dentro de um período

cronológico. Assim, o autor propõe a existência do cronossistema, o qual

compreende o período histórico-social no qual ocorre o ciclo de vida, que serve

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

38

como pano de fundo para os eventos ambientais e as transições. Explico que o

nosso interesse principal aqui é proporcionar informações suficientes sobre o

contexto relacionado ao fustal para compreender então a relação entre o contexto e

a formação da identidade do alteta (Figura 3).

Figura 3. Elementos da teoria bioecológica do desenvolvimento do talento esportivo

(KREBS et al., 2011).

Parâmetros do Contexto

Bronfenbrenner (1999) dá grande ênfase à influência do contexto ecológico

para o processo de desenvolvimento humano. Sua perspectiva sistêmica do

contexto pode proporcionar uma visão didática e explicativa da influência do

contexto no desenvolvimento, de forma interligada ao indivíduo. Apesar de partirem

de pressupostos epistemológicos levemente diferentes, verificamos uma

convergência com a proposição de Ciampa (1987) no que concerne à definição de

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

39

identidade como elemento social, indissociável do processo de socialização

humana. Ainda, na avaliação da constituição identitária, Ciampa (2005) também

sugere a investigação do processo numa perspectiva temporal-histórica (através do

método de história de vida), verificando as características políticas e contextuais e

sua influência no processo de individuação.

Dessa forma, a percepção sistemática de contextos proposta por

Bronfenbrenner (2005) permite analisar o ambiente em camadas, desde a mais

próxima ao indivíduo até a mais distante e generalista, envolvida por uma noção de

evolução temporal cronológica e subjetiva do indivíduo.

Grande ênfase é dada para a importância do sentido atribuído pelo indivíduo

à sua experiência com o contexto e suas interrelações. Em um nível mais próximo

da pessoa estão os ambientes nos quais ela participa ativamente como o time de

futsal no qual joga, sua família, escola, entre outros. A segunda esfera envolve a

estrutura de inter-ligações entre os ambientes do indivíduo, como escola-time de

futsal, definido através da maneira como o sujeito vivencia sua participação nos dois

ambientes e como estes se interferem. A terceira camada insere contextos que

influenciam o processo de desenvolvimento de forma indireta, nos quais o indivíduo

não participa ativamente, como a família do treinador ou direção do clube que o

deseja contratar. Envolvendo esse sistema ecológico aparece a camada final que

envolve a cultura, política, legislação que envolvem os outros ambientes no qual a

pessoa está inserida. Finalmente, esses ambientes ecológicos se situam em uma

perspectiva temporal-histórica cronológica ou percebida como evolução pelo sujeito

(Figura 3).

Microssistema-mesossistema-exossistema-macrossistema

O microssistema é a estrutura básica de análise do modelo proposto por

Bronfenbrenner (2005). É a partir dessa definição que se estrutura a interpretação

das outras camadas dos parâmetros do contexto do modelo bioecológico. O

microssistema é caracterizado a partir da análise dos padrões de atividades,

relacionamentos interpessoais e papéis experimentados pelos atletas em

desenvolvimento ao longo da carreira esportiva que facilitaram ou inibiram o

engajamento em atividades mais complexas. As atividades são consideradas como

o principal vínculo para a influência direta do ambiente sobre a pessoa em

desenvolvimento.

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

40

Bronfenbrenner (1995) definiu dois tipos de atividades, as moleculares e as

molares. As atividades moleculares são aquelas executadas pelo sujeito, mas que

têm pouca importância ou significado. Já as molares, por sua vez, são aquelas que

apresentam significado para o sujeito e para outras pessoas do ambiente,

demonstrando persistência ao longo do tempo. Por exemplo, jogar basquete na

escola pode caracterizar uma atividade molecular, com pouca significância, mas

jogar futsal na escolinha já proporciona relevância para a carreira do atleta.

A caracterização de uma atividade molar é feita a partir de algumas

propriedades básicas. A atividade é marcada por ser um processo contínuo, que

transmite a permanência extrapolando a definição de começo e fim. Tal atividade

apresenta um momento próprio que define o grau do impulso para a realização da

mesma, possibilitando a sensação de persistência e resistência à interrupção até a

atividade estar completada (BRONFENBRENNER, 1993). O momento da atividade

é definido pela existência de uma intenção, o desejo de realizar a atividade pelo

prazer da atividade ou como um meio para alcançar um objetivo maior.

Outra característica das atividades molares é o grau de complexidade dos

objetivos ou intenções que as motivam. A complexidade pode ser baseada na

estrutura da atividade, manifesta no número de atividades molares executadas

simultaneamente, na permanência e expectativa de continuidade temporal ampliada

e na presença de objetivos oriundos da intenção principal. Ou ainda, a

complexidade no campo ecológico, refletido na participação do indivíduo em

sistemas interpessoais, eventos ou situações que contemplem outros ambientes

(microssistemas), formando relações de mesossistemas ou exossistemas e a

expansão ou modificação do ambiente através da reorganização do microssistema

imediato (BRONFENBRENNER, 1996).

Os relacionamentos interpessoais são caracterizados sempre que uma

pessoa presta atenção às atividades de outra, ou participa ativamente de alguma

delas. Quando a relação ocorre em ambas às direções é estabelecida uma díade,

elementos determinantes para a formação de estruturas interpessoais mais amplas

e para o desenvolvimento humano (KREBS et al., 2011).

Bronfenbrenner (1993) apresentou três tipos de díades: o primeiro tipo refere-

se à díade observacional, a qual ocorre quando uma pessoa presta atenção na

atividade do outro e é reconhecida por tal feito. O segundo tipo é a díade de

atividade conjunta, que se estabelece quando, além da observação, a pessoa

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

41

participa da atividade da outra, seja de forma compartilhada ou complementar. O

terceiro tipo é a díade primária, considerada o vínculo interpessoal mais importante

para o desenvolvimento. Na díade primária o vínculo existe mesmo quando as

pessoas não compartilham o mesmo ambiente, aparecendo no pensamento de cada

um, estabelecendo fortes sentimentos emocionais e influenciando o comportamento

um do outro mesmo quando separados.

As díades apresentam três características básicas: a reciprocidade, o

equilíbrio de poder e a relação afetiva. A reciprocidade refere-se à coordenação das

atividades entre as pessoas, gera feedback mútuo, motivação para perseverança e

interdependência. O equilíbrio de poder remete à influência de cada participante na

atividade, e sempre um lado da díade tem mais domínio sobre o outro. Essa

característica é importante para a aprendizagem no sentido de que o equilíbrio do

poder se altera em favor da pessoa em desenvolvimento (BRONFENBRENNER,

1992). Por exemplo, quando um atleta consegue exercer maior importância na

relação com o treinador dando dicas táticas. A relação afetiva ressalta o

estabelecimento de sentimentos mais pronunciados entre os membros da díade,

podendo este sentimento ser positivo, negativo, ambivalente ou assimétrico, quando

um participante gosta do outro, mas o inverso não ocorre (BRONFENBRENNER,

1995).

Outro elemento característico do microssistema são os papéis. O papel é

entendido como um conjunto de atividades pertinentes a cada posição, que refletem

as expectativas da sociedade em relação ao ocupante e as expectativas que o

ocupante da posição tem em relação aos demais membros do contexto (KREBS,

1995). Para Bronfenbrenner (1995), um papel é uma série de atividades e relações

esperadas de uma pessoa que ocupa uma determinada posição em um ambiente, e

de expectativas de outros pares sociais em relação àquela pessoa.

A expectativa do papel refere-se ao padrão de atividades executadas e

também às relações diádicas estabelecidas entre as partes do ambiente, levando

em consideração a reciprocidade, o equilíbrio do poder e a relação afetiva. Tais

expectativas são enraizadas na cultura da sociedade, que ditam as formas de agir e

de se relacionar no ambiente. Vieira (1999) aponta que o desenvolvimento humano

é facilitado pela interação com pessoas que ocupam uma variedade de papéis,

como também pela participação num repertório cada vez mais amplo de atividades

e relacionamentos. Dessa forma, a variabilidade de experiências de papéis

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

42

representa uma forma de facilitar o desenvolvimento humano, na perspectiva

ecológica. A teoria dos sistemas ecológicos tem sido utilizada como base para

estudos na área do contexto esportivo que buscaram investigar o desenvolvimento

de talentos (VIEIRA, 1999a; VIEIRA, 1999b).

O microssistema usualmente é representado pelas estruturas dentro do

círculo interno, envolvendo os ambientes mais próximos do indivíduo, no caso a

comunidade, igreja, escola e família. Em um estudo prévio, Vissoci (2009)

identificou como contextos do microssitema do futebol de campo em atletas

brasileiros o clube em si, a escola e a família, ressaltando a necessidade de uma

maior amplitude de inserções em ambientes para favorecer o desenvolvimento da

carreira atlética de forma holística.

As relações estabelecidas entre os contextos do microssistema caracterizam

a estrutura do mesossistema – é a estrutura do contexto bioecológico que inclui as

interligações e potenciais processos acontecendo em dois ou mais ambientes dos

quais o indivíduo faz parte ativamente. Essa estrutura direciona a atenção para os

efeitos da participação multi ambiental do ser humano em desenvolvimento. Assim,

considera-se a relação entre os laços estabelecidos na família e na escola de futsal,

por exemplo, verificando o impacto da pressão dos pais por desempenho em

relação à política de formação atlética da escola. Por outro lado, contextos nos

quais o sujeito não está diretamente atuante também podem ser decisivos para a

compreensão do processo de desenvolvimento. Façamos a suposição de que, na

mesma situação, a empresa que financia a escola de formação atlética passa por

uma crise economica e precisa parar de financiar o clube. Esse acontecimento, que

não afeta diretamente o atleta porque ele não está envolvido com a empresa que

financia o clube, é um fator determinante para a continuidade do mesmo no esporte

e um agente influente na sua metamorfose identitária.

Assim, essa camada que envolve as relações entre contextos do

mesossistema com outros contextos distantes do sujeito é chamado de

exossistema. Em ambas as esferas, procura-se verificar a participação

multiambiental do sujeito, laços indiretos estabelecidos entre os agentes de cada

contexto, conhecimento entre os ambientes e os padrões de comunicação

intrambiental. O macrossistema aparece como instância mais distante do indivíduo

em desenvolvimento e contempla todos os sistemas anteriores, assinalando uma

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

43

cultura ou subcultura que referencia as características dos exossistemas,

mesossistemas e microssistemas, sua definição é:

O macrossistema consiste de todo um padrão de micro, meso e exossistemas característicos de uma determinada cultura ou outro contexto social maior, com um particular referencial desenvolvimentista-instigativo para o sistema de crenças, recursos, riscos, estilos de vida, estruturas, oportunidades, opções de vida e padrões de intercâmbio social que estão incluídos em cada um desses sistemas. O macrossistema pode ser visto como a arquitetura societal de uma cultura particular, subcultura ou outro contexto social maior (BRONFENBRENNNER, 1992, p. 228).

O macrossistema compreende todos os padrões sociais de cada um dos

sistemas: seus sistemas de crenças, valores, riscos, recursos, estilos de vida,

estruturas, oportunidades e padrão de relacionamentos interpessoais

(BRONFENBRENNER, 1993).

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

44

Referenciais

ALMEIDA, J. A. M. de Sobre a Anamorfose: Identidade e emancipação na velhice. Tese (Doutorado em Psicologia Socia) – Estudos posgraduados em Psicologia Sociao, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2005. APEL, K. O. Estudos de moral moderna. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. BARREIROS, A. Características psicológicas e desenvolvimento dos talentos em desporto. 2005. Dissertação (Mestrado em Psicologia do Esporte) - Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2005. BERGER, P.; LUCKMAN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Editora Vozes, 2008 [1996]. BERGER, P.; LUCKMAN, T. Modernidade, pluralismo e crise do sentido. Petrópolis: Editora Vozes, 2004 [1995]. BLOOM, B. S. Developing talent in young people. New York: Ballantine books, 1985. 557 p. BRONFENBRENNER, U, CECI,S. J. Nature-Nurture reconceptualized in developmental perspective: A bioecological model. Psychological Review, Washington, v. 101, n. 4, p. 568-586, 1994. BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. BRONFENBRENNER, U. Development in context: Acting and thinking in specific environments. In: WORZNIAK, R.H.; FISHER, K.W (Eds). The ecology of cognitive development: Research models and fugitive findings. Hillsdale: Erbaum, 1993. BRONFENBRENNER, U. Examining lives in context: Perspectives on the ecology of human development. In: MOEN et al. (Eds). Developmental ecology through space and time: A future perspective. Washington: American Psychological Association,1995. p. 619-647. BRONFENBRENNER, U. La ecologia del desarrollo humano. Ediciones Paidós: Barcelona, 1987. BRONFENBRENNER, U. Making human beings human: Bioecological perspectives on human development. Sage, 2005. ISBN 0761927123. BRONFENBRENNER, U. Six theories of child development. In: VASTA, R. (Ed). Ecological systems theory. London: Jessica Knigsley Publishers, 1992. p. 187-249. CECIC ERPIC, S.; WYLLEMAN, P.; ZUPANCIC, M. The effect of athletic and non-athletic factors on the sports career termination process. Psychology of Sport and Exercise, Amsterdam, v. 5, p. 45-59, 2004. CIAMPA, A. C. A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense, 2009 [1987]. CIAMPA, A. C. Las metamorphosis de la metamorphosis humana: És possible todavia uma utopia emancipadora. Comunicação apresentada no simpósio “Metamorfoses da identidade no mundo contemporâneo” do XXVI Congresso Interamericano da SIP. 7 de setembro de 1997. P-1-5. CIAMPA, A. C. Políticas de identidade e identidades políticas. In: DUNKER, C. I. L.; PASSOS, M. C. Uma psicologia que se interroga – ensaios. São Paulo: Edicon, 2002. CÔTÉ, J. The Influence of the Family in the Developmental of Talent in Sport. The Sports Psychologist, Champaign, v. 13, p. 395-417, 1999. CÔTÉ, J.; HAY, J. Children's involvement in sport: a developmental perspective. In: STEVENS, D. (Ed.), Psychological foundations of sport. Boston: Benjamin Cummings, 2002. p. 484-519.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

45

CÔTÈ; BAKER; ABERNETHY, 2007; CSIKSZENTMIHALYI, M, RATHUNDE, K, WHALEN, S. Talented teenagers: The roots of success & failure. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. 307 p. FENERICH, Claudia. Razão, sentido e formação a partir de um dialogo entre Benjamin e Habermas. Educ. Pesqui. [online]. 2013, vol.39, n.3, pp. 645-658. FRASER-THOMAS, J.; CÔTÉ, J.; DEAKIN, J. Understanding dropout and prolonged engagement in adolescent competitive sport. Psychology of sport and exercise, Amsterdam, v. 9, p. 645-662, 2008. FREITAG, Barbara. A questão da moralidade: da razão prática de Kant à ética discursiva de Habermas. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo,1(2): 7-44, 2.sem. 1989. GOFFMAN, E. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988 [1963]. GUARESCHI, N. M. de F. Políticas de identidade: novos enfoques e novos desafios para a psicologia social. Psicologia e Sociedade, v. 12, n. 1, 2000. HABERMAS, J. A Ética da Discussão e a Questão da Verdade. 3ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. 2 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003 [originalmente publicado em 1983].

HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade: Doze lições. São Paulo: Martins Fontes, 2002. HABERMAS, J. Para a Reconstrução do Materialismo Histórico. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.

HABERMAS, J. Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. Estud. av. [online]. 1989, vol.3, n.7, pp. 4-19. HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo, 1: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo, 2: Sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. KREBS, R. J, SANTOS J. O. L., RAMALHO, M. H. S., NAZARIO, P. F., NOBRE, G. C., & ALMEIDA, R. T. Disposição de adolescentes para a prática de esportes: um estudo orientado pela Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, 17(1):195-201, 2011. KREBS, R. J. Teoria dos sistemas ecológicos: Um paradigma para o desenvolvimento infantil. Santa Maria:Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Educação Física e Desportos, 1997. KREBS, R. J. Urie Bronfenbrenner e a ecologia do desenvolvimento humano. Santa Maria: Casa Editorial, 1995. LA TAILLE, Yves de. A importância da generosidade no início da gênese da moralidade na criança. Psicol. Reflex. Crit. [online]. 2006, vol.19, n.1, pp. 9-17

LIMA, A. F. Metamorfose, anamorfose e reconhecimento perverso: a identidade na perspectiva da Psicologia Social Crítica. São Paulo: FAPESP/EDUC, 2010. MEAD, G. H. Mind, self and society: from the standpoint of a social behaviorist. Londres: University of Chicago Press, 1992 [1934/1967]. MELUCCI, A. ‘The Symbolic Challenge of Contemporary Movements.’ Social Research 52: 781–816, 1989. MILLER, P. S. & KATHLEEN E. Sport-related identities and the 'Toxic Jock'. Journal of Sport Behavior, v. 32, n. 1, pp. 69-91, 2009. MILLER, P. S.; KERR, G. A. Conceptualizing excellence: Past, present and future. Journal of Applied Sport Psychology, London, v. 14, p. 14–153, 2002.

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

46

MORAES, L. C.; RABELO, A. S.; SALMELA, J. H. Papel dos pais no desenvolvimento de jovens futebolistas. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 17, n. 2, p. 211-222, 2004. SALMELA-ARO, K. AUNOLA, J.-E. Nurmi Personal goals during emerging adulthood: A 10-year follow-up. Journal of Adolescent Research,v. 22, pp. 690–715, 2007. SALMELA, J. H; YOUNG, B. W.; KALLIO, J. Within-Career transitions of the athlete-coach-parent triad. In: LAVALLEE, D. & WYLLEMAN, P. (Eds.) Career transitions in Sport: International Perspectives, Morgantown: Fitness Information Technology, 2000. SIEBENEICHELER, F. B. Jurgen Habermas: Razão comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 2003. STAMBULOVA, N., FRANCK, A., & WEIBULL, F. Assessment of the transition from junior to senior sports in Swedish athletes. International Journal of Sport & Exercise Psychology, v. 10, n. 2, p. 1-17, 2012. VIANNA JÚNIOR, N. S. Influências dos pais no desenvolvimento de atletas jovens no tênis. Dissertação. (Mestrado)-Escola de educação física, fisioterapia e terapia ocupacional. Universidade federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2002. VIEIRA, J. L. L. O processo de abandono de talentos do atletismo do estado do Paraná: um estudo orientado pela teoria dos sistemas ecológicos. 1999. Tese (Doutorado em Educação Física) – Universidade Federal de Santa Marina, Santa Maria, 1999b. VIEIRA, L. F. O processo de desenvolvimento de talentos paranaenses do atletismo: Um estudo orientado pela teoria dos sistemas escológicos. 1999. (Tese de Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em Ciência do Movimento]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1999a. VISSOCI, J. R. N. Estudo da influência do contexto esportivo no status de identidade de atletas de futebol de campo. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil, 2009. WALL, M. & CÔTÈ, J. Developmental activities that lead to dropout and investiment in sport. Physical Education and Sport Pedagogy, v. 12, n. 1, p. 77-87, 2007. WOLFENDEN; L. E. & HOLT, N. L. Talent development in elite junior tennis: Perceptions of players, parents, and coaches. Journal of Applied Sport Psychology, v. 17, n. 1, p. 1-19, 2005. WUERTH, S.; LEE, M. J.; ALFERMANN, D. Parental involvement and athletes’ career in youth sport. Psychology of sport and exercise, Amsterdam, v. 5, p. 21-33, 2004. WYLLEMAN, P., LAVALLEE, D. A developmental perspective on transitions faced by athletes. In: WEISS, M. (Ed.), Developmental sport psychology. Morgantown, WV: Fitness Information Technology, 2003. WYLLEMAN, P.; DE KNOP, P.; VERDET, M. C.; CECIC-ERPIC, S. Parenting and career transitions of elite athletes. In: JOWET S. & LAVALLEE, D. (Eds.) Social Psychology in Sport, Champaign: Human Kinetics, 2007. WYLLEMAN, P.; DE KNOPP, P.; EWING, M. E.; CUMMING, S. P. Transitions in Youth Sport: A Developmental Perspective on Parental Involvement. In: DAVID, L.; WYLLEMAN, P. Career Transitions in Sport: International perspectives. Editors Morgantown, 2000. 282 p.

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

47

CAPÍTULO 3

Identidade em atletas de rendimento: Uma revisão sistemática Athlete’s identity: A systematic review

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

48

Capítulo 3.

IDENTIDADE EM ATLETAS DE RENDIMENTO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA.

Athletes’ Identity: A Systematic Review

Resumo

O objetivo deste estudo foi conduzir uma revisão sistemática da literatura sobre a identidade

em atletas de rendimento, incluindo estudos de 1978 a 2014. Um total de 121 estudos

foram avaliados e reportados em três seções: características metodológicas, variáveis

associadas a identidade e principais suportes teóricos. As amostras dos estudos variaram

de 1 a 2000 participantes. Os estudos compreenderam uma amplitude de níveis

competitivos e modalidades, em gêneros diferentes e variados métodos de pesquisa.

Variáveis associadas à identidade foram categorizadas: questões demográficas, atmosfera

moral, suporte psicossocial, problemas de saúde/lesões, controle da vida, status

educacional, auto-percepção, motivação, desenvolvimento pessoal/carreira, compromisso

com o esporte, atitudes alimentares, estratégias de enfrentamento, aposentadoria e

burnout. O estado atual da área de estudo, limitações e sugestões para prática e futuras

pesquisas são discutidas.

Palavras-chave: Identidade; Esporte; Atletas; Revisão.

Abstract

This study aimed to conduct a systematic review of the literature on athletes’ identity

formation, including researches from 1978 to 2014. A total of 121 studies were evaluated

and reported in three sections: the methodological characteristics of the studies, variables

associated with identity and main theoretical supports. Study samples ranged from 1 to

2.000 participants. These studies comprised a range of several competitive levels and

modalities, in different genders and research methods. Variables associated with identity

were categorized as follows: demographic questions, moral atmosphere, psychosocial

support, health/injury problems, life control, educational status, self-perception, motivation,

personal/career development, sport commitment, eating attitudes, coping, retirement and

burnout. The current status of this area, limitations, suggestions for practice and future

research are discussed.

Keywords: Identity; Sport; Athletes; Review.

Introdução

Com o crescimento do interesse em estudos sobre o processo de

desenvolvimento de atletas, diversos temas têm surgido como importantes para

uma boa formação atlética (por exemplo, carreira atlética, aposentadoria, influência

de pais e pares sociais entre outros). Em especial, a identidade tem sido

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

49

considerada um elemento significativo para diferentes aspectos do desenvolvimento

do atleta, como a qualidade de vida (ZABRISKIE, LUNDBERG & GROFF, 2005), os

sintomas emocionais (KILLEYA-JONES, 2005; BROWN & POTRAC, 2009), a

satisfação com a vida (MASTEN, TUŠAK & FAGANEL, 2006) e o planejamento de

carreira (ver PARK, LAVALLEE & TOD, 2014). Apesar do corpo de estudos ter

crescido significativamente na última décadas sobre o papel da identidade no

processo de desenvolvimento humano envolvidos ao esporte ainda é inconsistente.

Pesquisas recentes têm procurado analisar a influência da identidade em

aspectos do desenvolvimento esportivo como a carreira atlética (DONNELLY &

YOUNG, 1988; LALLY & KERR, 2005; CIAMPA, LEME & SOUZA, 2010; HOULE,

BREWER & KLUCK, 2010) e a aposentadoria do esporte (WEBB et al., 1998;

LALLY, 2007; STIER, 2007; CARLESS & DOUGLAS, 2009). Evidências sugerem

que a identidade pode favorecer aspectos como participação esportiva

(ANDERSON, 2009) ou recuperação de lesões (TASIEMSKI, WILSKI & MEDAK,

2012) mas desfavorecer outros como controle emocional (BREWER et al., 2007).

Ainda, apesar da existência de diversos modelos teóricos sobre identidade (e.g

identidade atlética, identidade social, identidade de trabalho) maior ênfase têm sido

dada ao conceito de identidade atlética (BREWER, VAN RAALTE & LINDER, 1993;

BREWER & CORNELIUS, 2001), que seria específico a experiência esportiva. Tais

investigações apontam efeitos positivos e negativos da identidade atlética com

diferentes consequências, ou ainda sugerem que a identidade precisaria ser mais

abordada a partir de uma perspectiva subjetiva e integrada à história do indivíduo.

Apesar da vasta literatura sobre o tema, até onde conseguimos encontrar

nenhum estudo ainda se propôs a sintetizar as informações buscando descrever o

conteúdo e direção das características associadas à identidade atlética e auxiliar em

futuras direções, especificamente aplicando uma metodologia de revisão

sistemática. Os benefícios em se conduzir uma revisão sistemática para o

desenvolvimento de intervenções ou designar pesquisas futuras têm sido enfatizada

na literatura internacional (CRAIG et al., 2008; PARK, LAVALLEE & TOD, 2014).

Estudos com esse tipo de abordagem metodológica conseguem sintetizar as

melhores evidências disponíveis na literatura e teorias utilizadas para delinear

direcionamentos de pesquisa ou estratégias de intervenção, assim como

proporciona maiores conhecimentos sobre os variados métodos de pesquisa

aplicados para estudo do tema.

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

50

Face ao exposto, o objetivo deste estudo foi revisar, de forma sistemática, as

pesquisas sobre identidade no contexto esportivo, com foco nas características das

amostras, delineamentos de pesquisa utilizados e variáveis associadas aos

constructos de identidade aplicados ao esporte. Foram incluidos artigos publicados

até 2014, com a exclusão de publicações que não abordassem algum modelo

teórico sobre identidade e/ou que não fossem com atletas. Dessa forma,

procuramos caracterizar os aspectos metodológicos e teóricos utilizados nas

diversas investigações e analisar as principais variáveis ou conceitos associados

com identidade em atletas de rendimento.

Metodologia

Protocolo e Regitro

Essa revisão sistemática está descrita seguindo as diretrizes PRISMA (Preferred

Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses, MOHER, et al., 2009)

(PRISMA) e está registrado na base Prospero (International Prospective Register of

Systematic Reviews) (PROSPERO – N. CRD42015015980).

Critério de Eligibilidade

Os critérios de inclusão de estudos na revisão sistemática foram: a) estudos

com amostras de atletas; b) Estudos sobre identidade ou com um modelo teórico

sobre identidade. Como critérios de exclusão definimos: a) artigos publicados em

línguas que não inglês, português ou espanhol. Artigos em línguas que não as

listadas foram traduzidos por um especialista, e em casos da ausência deste, foram

excluídos; b) Revisões da literatura, artigos de opinião ou cartas de editores; c)

Pesquisas não publicadas em períodicos com revisão por pares.

Bases de Informação

Nossa busca foi conduzida nas seguintes bases eletrônicas, cobrindo desde

o início da base até Maio 2014: Medline, Embase, Web of Science, Physical

Education Index, PsychiatryOnline, PsycINFO, ScienceDirect, SportDiscus, Lilacs e

Scielo. Nós não utilizamos limite de data ou de linguagem quando realizamos a

busca. Ainda, conduzimos, manualmente, análises de referências e citação nos

artigos que foram incluídos na pesquisa inicial, utilizando o Google Acadêmico.

Buscamos, também, a sugestão de experts na área sobre fontes de informação

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

51

através de comunicações por email.

Buscas

A busca inicial foi composta pelos descritores Identity Crisis, Social

Identification, Identificarion (Psychology), Human Development, Identity, Social

identity, Psychosocial Development, Social Status, Social Function, Sports, Sports

Medicine, Athletic Performance, Exercise e sinônimos associados. A busca

completa utilizada na base Pubmed está anexada no Apêndice 1. Não utilizamos

filtros para linguagem e tempo. Os operadores booleanos AND, OR e NOT foram

empregados para a constituição das estratégias de busca nas diferentes bases de

dados.

Seleção dos estudos

Títulos e resumos dos artigos obtidos na busca foram avaliados

independentemente por 2 revisores (JRNV, LPO). Os resumos que não

apresentaram informações suficientes para definir sua eligibilidade foram mantidos

para análise do texto completo. Os revisores, independentemente, avaliaram os

textos completos e determinaram a elegibilidade de cada estudo. Discordâncias

foram resolvidas por consenso ou, caso a discordância persistisse, pela opinião de

um terceiro revisor (LFV). Um quadro com as características de todos o estudos

incluídos está anexada no Apêncide 2.

Qualidade dos Estudos

A avaliação da qualidade dos estudos foi realizada classificando-se cada

estudo de acordo com itens adaptados de Bennett et al, (2010) para pesquisa

quantitativas, e Joanna Briggs Institute - Qualitative Assessment tool and Review for

qualitative studies (The Joanna Brings Institute, 2013), para os estudos qualitativos.

Os itens avaliados nos estudos quantitativos foram os seguintes: justificação da

questão de pesquisa, explícita questão de pesquisa, clareza nos objetivos do

estudo, descrição dos métodos utilizados para análise dos dados, método de

administração do questionário, localização e data, métodos suficientemente

descritos para a replicação, evidência de confiabilidade, evidência de validade,

método de verificação de entrada dos dados, uso de codificação, cálculo do

tamanho da amostra, método de seleção da amostra, descrição da população da

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

52

amostra, descrição do questionário, descrição do desenvolvimento do questionário,

pré-teste do instrumento, instrumento de confiabilidade e validade, método de

pontuação, consentimento, aprovação ética da pesquisa e evidência de tratamento

ético dos participantes da pesquisa.

Para os estudos qualitativos, os aspectos analisados: congruência entre a

perspectiva filosófica indicada e a metodologia, congruência entre a metodologia da

pesquisa e da questão de pesquisa ou objetivos, congruência entre a metodologia

de pesquisa e os métodos utilizados para a coleta de dados, congruência entre a

metodologia da pesquisa e da representação e análise dos dados, congruência

entre a metodologia e a interpretação dos resultados, declaração que localize o

pesquisador cultural ou teoricamente, influência do pesquisador na pesquisa, e vice-

versa, representação dos participantes, e de suas vozes, investigação ética de

acordo com os critérios atuais, ou, para estudos recentes, se havia evidências de

aprovação ética por um órgão adequado, as conclusões foram tiradas dos relatórios

de pesquisa a partir da análise, ou interpretação dos dados (SHEA et al., 2009).

Nenhum estudo foi excluído por razões de qualidade, já que estudos prévios

direcionam a não exclusão a priori de estudos por razões de qualidade. No

Supplementary Guidance for Inclusion of Qualitative Research in Cochrane

Systematic Reviews of Interventions é apontada como uma das possibilidades, a de

não exclusão, permitindo que temas potencialmente valiosos continuem incluídos,

desde que seja explicitado o potencial risco de viés (SANDELOWSKI et al., 2007).

Extração dos dados

Quatro revisores (JRNV, LPO, JRNJ, CRM), em duplas, extrairam as

informações dos artigos de forma independente e discordâncias foram resolvidas

por um quinto revisor (LFV). Características gerais dos estudos foram coletadas

como: Local de realização do estudo, população alvo, metodologia empregada,

instrumentos de coleta, referencial teórico para identidade, métodos de análise de

dados. Além disso, procuramos identificar como defecho primário: as variáveis

associadas à identidade e a direção dessa associação.

Análise dos dados

Para a análise dos dados foi realizada metassumarização, a qual é uma

abordagem orientada para agregação quantitativa da síntese tanto de pesquisas

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

53

qualitativas, como de pesquisa quantitativas. A metodologia envolve extração,

agrupamento e formatação dos resultados, e o cálculo da frequência e intensidade

do tamanho do efeito (SANDELWOSKI et al., 2007).

Após a extração dos resultados dos estudos incluídos e agrupamento dos

achados relevantes, foram criados temas - representações concisas, mas

abrangentes, através de análise de conteúdo dos principais resultados. Para avaliar

a magnitude dos resultados extraídos, foi calculada a frequência do tamanho do

efeito. Para tanto, o número de estudos que apresentavam determinado tema

(menos os resultados derivados de um estudo de base comum e que

representassem uma duplicação da mesma conclusão) foram divididos pelo número

total de estudos incluídos e apresentados em forma de porcentagem.

Para verificar quais pesquisas contribuíram para o conjunto final de

conclusões abstraídas, foi calculada a intensidade do tamanho do efeito de cada

estudo: 1) dividindo-se o número de temas contidos no estudo pelo número total de

temas em todos os artigos; e 2) dividindo-se o número de temas com tamanhos de

efeito >25 contidos nesse estudo pelo número de temas com tamanho de efeito >25

em todos os estudos (SANDELWOSKI et al., 2007).

Associação entre temas relacionados à identidade e seus respectivos

tamanhos de efeito foram analisados e representados graficamente através de

análises em rede (CONSTANTINI, et al. 2014; BORSBOOM et al., 2011). Esse

método permite identificar associações a partir de uma matriz de vizinhança,

calculada a partir do grau de co-ocorrência dos temas num mesmo artigo. Assim, na

representação gráfica, cada nodo circulare é uma representação dos temas

associadas a identidade e nodos quadriculares são os artigos incluídos no estudo.

As conexões entre os nodos (hastes) são os graus de associação entre os temas. O

tamanho dos nodos circulares representa o tamanho do efeito de cada tema para os

estudos entre identidade e esporte. As análises foram executadas através do

programa Linguagem R (R-Project), através do pacote qgraph (EPSKAMP, 2014).

Resultados

Com base nas etratégias de busca, um total de 7854 citações foram

identificadas. Como demonstrado na Figura 1, após a revisão dessas referências

com os critérios de elegibilidade pré-definidos, um total de 121 artigos foram

incluídos para análise completa e extração dos dados.

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

54

Seleção dos Estudos

Figura 1. Diagrama do fluxo do estudo.

Características dos Estudos

Métodos de pesquisa

A Tabela 1 apresenta as características de métodos e amostra das

pesquisas. Pesquisadores utilizaram métodos qualitativos (43%), quantitativos

(54%) ou uma combinação dos dois (0,8%) para examinar a identidade atlética.

Apenas uma (0,8%) pesquisa foi realizada por meio do método longitudinal. Em

relação à coleta dos dados, foram utilizados instrumentos, tais como entrevistas

(38%) e questionários (62%), principalmente aqueles validados e estandardizados.

Os questionários mais utilizados foram a Athletic Identity Measurement Scale

(AIMS; BREWER, VAN RAALTE & LINDER, 1993) em sua versão original e também

na sua versão mais recente, desenvolvida por Brewer e Cornelius (2001), as duas

versões da AIMS foram utilizadas em sua totalidade ou apenas alguns itens,

dependendo dos objetivos do estudo. Além da AIMS, outros dois questionários se

destacaram, Sports Identities Index (SII; CURRY & WEANER, 1987) e a Exercise

Identity Scale (EIS; ANDERSON E CYCHOSZ, 1994).

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

55

Ta

be

la 1

. D

elin

ea

me

nto

s d

e p

esq

uis

a e

ca

racte

rística

s d

as a

mo

str

as.

Cara

cte

rísticas d

os

Estu

dos

Núm

ero

de r

efe

rência

A

mostr

as

Desen

ho

Qualit

ativo

1, 6,

7, 9,

12,

13,

14

, 16

, 17

, 18,

21,

27,

28,

29,

30,

31,

32, 3

3, 3

6, 4

3, 4

4, 4

6, 4

7, 4

9, 50

, 51

, 52

, 57

, 59

, 61

, 62

, 68, 6

9, 7

1, 7

4, 7

6, 7

8, 8

1,

83, 85

, 86

, 87

, 88

, 91

, 92

, 93

, 95,

96,

100

, 10

1, 1

17,

12

1

52

Quantita

tivo

2, 3,

4, 5,

8,

10,

11,

15,

19,

20, 2

2, 2

3, 2

4, 2

5, 2

6, 3

4, 3

5, 37

, 38

, 39

, 40

, 41

, 42

, 45

, 48,

53,

54,

55,

56,

58,

63,

64, 6

5, 6

6, 6

7, 7

0, 7

2, 7

3, 7

5, 77

, 80

, 82

, 84

, 89

, 90

, 94

, 97,

98,

102

, 10

3, 1

04,

105

, 106

, 10

7, 1

08,

109

, 11

0,

111,

113

, 11

4, 1

15,

116

, 11

8, 11

9, 1

20

, 60,

112

67

Com

bin

ado

79

1

Long

itu

din

al

99

1

Co

leta

de D

ad

os

Entr

evis

ta

1, 6,

7, 1

1, 1

3, 2

4, 1

8, 2

1, 2

7, 28

, 29

, 30

, 31

, 32

, 33

, 36

, 43,

44,

46,

47,

49,

50,

51,

57, 6

1, 6

2, 6

8, 6

9, 7

1, 7

4, 7

6,

78, 8

3, 8

5, 8

7, 8

8, 9

1, 9

2, 9

3, 95

, 96

, 99

, 10

0, 1

01,

117

, 121

46

Questio

nári

o

específ

ico

2, 3,

4, 5,

8,

9, 1

2, 1

5, 1

6, 1

9, 20

, 22

, 23

, 24

, 25

, 34

, 35

, 37,

38,

39,

40,

41,

42,

45,

48, 5

3, 5

4, 5

5, 5

6, 5

8, 6

0, 6

4,

65, 6

6, 6

7,

70, 7

2, 7

3, 7

5, 7

7, 79

, 89

, 90

, 97

, 98

, 10

3, 1

05, 1

06,

107

, 10

8, 1

09,

110

, 111

, 11

2, 1

13,

114

, 11

5,

116,

119

, 12

0,

60

Questio

nári

o n

ão

-específ

ico

10, 2

6, 6

3, 8

0, 8

2, 8

4, 9

4, 1

04, 1

18,

9

Questio

nári

os n

ão

-esta

nd

ard

iza

dos

17, 5

2, 5

9, 8

1, 8

6, 1

02,

6

Tam

an

ho

da A

mo

str

a

1-5

0

6, 7,

13,

18,

19,

21,

25,

27,

28, 2

9, 3

1, 3

3, 4

0, 4

3, 4

4, 4

6, 47

, 49

, 50

, 51

, 52

, 55

, 57

, 59,

61,

62,

72,

79,

83,

85,

86, 8

7, 8

8, 8

9, 9

0, 9

2, 9

3, 9

5, 96

, 99

, 10

0, 1

01,

103

, 11

8, 12

1

45

51-2

00

2, 4,

8, 9,

12,

14,

15

, 16

, 20

, 22,

32,

34,

35,

37,

38,

41,

45, 5

3,

54, 5

8, 6

3,

65, 7

0, 7

5,

78

, 82

, 94

, 97

, 10

2, 1

04,

106,

107

, 10

8, 1

10,

112

, 11

3, 11

5, 1

16,

119

39

201-5

00

3, 10

, 11

, 17

, 24

, 39

, 48

, 56

, 60,

64,

67,

73,

84,

111

14

> 5

00

5, 23

, 26

, 42

, 66

, 77

, 80

, 98

, 109

, 11

4, 1

20

11

Não ide

ntificad

o

1, 30

, 36

, 68

, 69

, 71

, 74

, 76

, 81,

91,

105

, 11

7

12

Gên

ero

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

56

Fem

inin

o

34, 3

5,

38, 4

6, 4

9, 5

0, 5

3, 5

7, 69

, 76

, 8

0, 83

, 85

, 89

, 96

, 100

, 10

1, 1

21

18

Masculin

o

13, 1

6, 2

4, 3

1, 4

0, 4

7, 5

1, 5

2, 55

, 68

, 75

, 77

, 78

, 82

, 84

, 86,

88,

92,

95,

98,

102

, 10

9, 11

9

23

Com

bin

ado

2, 3,

4, 5,

7,

8, 9,

10,1

5,

17,

18,

19,

20,

22,

23,

26,

28,

32, 3

7, 3

9, 4

1, 4

2, 4

4, 4

5, 4

8, 54

, 56

, 60

, 61

, 62

, 63

, 64

, 65, 6

6, 6

7,

70, 7

1, 7

2, 7

3, 7

9, 90

, 91

, 93

, 94

, 97

, 99

, 10

3, 10

4, 1

06,

107

, 10

8, 1

10,

111,

112

, 11

3, 1

14,

115

, 11

6,

118,

120

60

Não ide

ntificad

o

1, 6,1

1,

12,

14,

21,

25,

27,

29, 3

0, 3

3, 3

6, 4

3, 5

8, 5

9, 7

4, 81

, 87

, 10

5, 1

17,

20

Nív

el C

om

peti

tiv

o

Univ

ers

itário e

C

ole

gia

l 2, 3,

4, 9,

10,

11,

14

, 15

, 16

, 23,

29,

34,

38,

39,

40,

42,

46, 4

8, 5

1, 5

3, 5

4, 5

5, 6

0,

62, 64

, 66

, 67

, 70

, 71

, 80

, 82

, 94, 9

5, 9

7, 9

8, 1

01,

104

, 10

6, 10

7, 1

08,

109

, 11

2, 1

13,

115,

119

, 12

0

46

Am

adore

s

8, 20

, 21

, 26

, 27

, 28

, 32

, 33

, 3

7,

41,

65,

87,

93,

110

, 11

6, 12

1

16

Elit

e

17, 1

8, 3

1, 3

5, 4

3, 4

9, 5

0, 5

7, 59

, 69

, 72

, 79

, 83

, 88

, 89

, 91,

111

17

Pro

fissio

na

l 13, 4

7, 5

2, 6

1, 6

8, 7

5, 7

6, 7

7, 78

, 85

, 90

, 99

, 10

0

13

Mis

to

5, 24

, 56

, 63

, 73

, 84

, 86

, 92

, 102

9

Deficie

nte

s

7, 19

, 22

, 25

, 44

, 45

, 58

, 74

, 96,

103

, 11

4, 1

18

12

Não ide

ntificad

o

1, 6,

12,

30,

36,

81,

105

, 11

7

8

Tip

o d

e e

sp

ort

e

Esport

es c

ole

tivos

2, 4,

9, 1

0, 1

3, 1

6, 2

3, 2

5, 2

7, 31

, 32

, 42

, 46

, 48

, 50

, 52

, 55,

60,

68,

72,

75,

76,

78,

84, 8

6, 8

8, 8

9, 9

2, 9

6, 1

02,

109,

115

, 11

9

33

Esport

es ind

ivid

ua

is

5, 7,

15,

18,

20,

24,

33,

34,

35, 3

8, 4

1, 4

5, 4

7, 4

9, 5

7, 5

9, 61

, 65

, 85

, 87

, 93

, 95

, 99

, 100

, 10

3, 1

04,

110

, 11

3

28

Com

bin

ados

3, 17

, 28

, 30

, 37

, 39

, 40

, 43

, 51,

53,

54,

56,

63,

64,

66,

67,

69, 7

0, 7

1, 7

7, 8

0, 8

2, 8

3, 90

, 94

, 97

, 98

, 10

6, 1

07,

108,

111

, 11

2, 1

16,

118

, 12

0

35

Não ide

ntificad

o

1, 6,

8, 1

1, 1

2, 1

4, 1

9, 2

1, 2

2, 26

, 29

, 36

, 44

, 58

, 62

, 73

, 74,

79,

81,

91,

101

, 10

5, 1

14, 1

17,

121

25

Idad

e

Aba

ixo d

e 1

6

33, 4

6, 6

1, 6

2, 1

01,

106

, 11

9

7

16-2

6

2, 3,

4, 9,

10,

11,

14

, 15

, 16

, 23,

24,

29,

34,

37,

38,

39,

40, 4

2, 4

4, 4

8, 5

1, 5

3, 5

4, 5

5, 57

, 60

, 64

, 65

, 66

, 67

, 70

, 71, 7

2, 7

7, 8

0, 8

2, 8

3, 8

4, 8

5, 88

, 90

, 94

, 95

, 97

, 98

, 10

4, 10

7, 1

08,

109

, 11

2, 1

13,

115,

116

, 12

0, 1

21

55

27-4

0

17, 4

7, 4

9, 9

9, 1

00

5

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

57

Acim

a d

e 4

0

91

1

Vari

ação d

a idad

e (

5-

85)

5, 7,

8, 1

3, 1

8, 1

9, 2

0, 2

2, 2

5, 26

, 28

, 31

, 32

, 35

, 41

, 43

, 45,

50,

52,

56,

58,

63,

68,

69, 7

3, 7

5, 7

6, 7

8, 7

9, 8

6, 8

7,

89, 9

2, 9

3, 9

6, 1

02,

103

, 11

0, 11

1

39

Não ide

ntificad

o

1, 6,

12,

21,

27,

30,

36,

59,

74, 8

1, 1

05,

114

, 11

7, 1

18

14

Lo

calizaç

ão

Am

érica d

o N

ort

e

1, 2,

3, 4,

5,

8, 9,

10,

11,

14

, 15,

16,

18,

19,

20,

21,

22,

23, 2

4, 2

9, 3

0, 3

2, 3

4, 3

8, 3

9, 40

, 41

, 42

, 44

, 46

, 48

, 50

, 51, 5

3, 5

4, 5

5, 6

0, 6

4, 6

5, 6

6, 67

, 70

, 71

, 72

, 73

, 74

, 76

, 77,

80,

82,

84,

93,

94,

96,

97

, 1

01,

102

, 10

4, 1

06,

107

, 108,

109

, 11

0, 1

11,

118

, 11

9, 12

0,

67

Euro

pa

6, 7,

12,

17,

25,

27,

28,

31,

33, 3

5, 3

7, 4

7, 4

9, 5

2, 5

6, 5

7, 58

, 59

, 61

, 63

, 79

, 81

, 83

, 85,

86,

87,

88,

91,

92

, 95,

100,

103

, 11

2, 1

13,

114

, 11

5, 11

6

37

Austr

ália

13, 4

3, 4

5, 6

2, 7

8, 8

9, 9

0

7

Outr

as n

ações

36, 6

8, 6

9 (

Bra

sil)

, 7

5, 9

8 (

Chin

a),

99 (

Kore

a d

o S

ul)

6

Não ide

ntificad

o

26, 1

05,

117

, 12

1

4

1 =

Tsang (

2000);

2 =

Harr

ison e

t al. .

(2011);

3 =

Ste

infe

ldt

et

al.

(2011);

4 =

Petr

ie,

Deiters

& H

arm

ison (

2013);

5 =

Karr

et

at.

(2013);

6 =

Carle

ss &

Dougla

s (

2008);

7 =

Huang &

Britt

ain

(2006);

8

= B

rew

er

et

al. (

2007);

9 =

Sart

ore

-Bald

win

& W

arn

er

(2012);

10 =

Cunnin

gham

, C

hoi

& S

agas (

2008);

11 =

Fe

ltz e

t al. (

2013);

12 =

Mart

in (

1999);

13 =

Kelly

& H

ickey (

2009);

14 =

Bro

wn &

Gla

ste

tter-

Fe

nder

(2000);

15 =

Za

briskie

, Lundberg

& G

roff

(2005);

16 =

Ste

infe

ldt, R

eed &

Ste

infe

ldt

(2010);

17 =

Alferm

ann,

Sta

mbulo

va &

Ze

maityte

(2004);

18 =

Mill

er

(2009);

19

= G

reen

&

Wein

berg

(2001);

20 =

Str

achan e

t al. (

2012);

21 =

Ste

venson (

2002);

22 =

Bre

we

r et

al. (

2010);

23 =

Curr

y &

Weis

s (

1989);

24

= C

urr

y &

Weaner

(1987);

25 =

Kokarid

as e

t al. (

2009);

26 =

Mill

er

(2009b);

27 =

Spark

es &

Sm

ith (

2002);

28 =

Adam

sen e

t al. (

2009);

29 =

Lally

& K

err

(2005);

30 =

Donnelly

& Y

oung (

1988);

31 =

Ste

venson (

1990);

32 =

Ezzell

(2009);

33 =

Chim

ot

& L

ouveau

(2010);

34 =

To

dd &

Bro

wn (

200

3);

35 =

Packard

(2010);

36 =

Cia

mpa,

Lem

e &

Souza (

2010);

37 =

Caudro

it e

t al. (

2010);

38 =

Houle

, B

rew

er

& K

luck (

2010);

39 =

Soukup,

Henrich &

Bart

on

-

Westo

n (

2010);

40 =

Bre

wer

et

al. (

1999);

41 =

Lantz

, R

hea &

Mesnie

r (2

004);

42 =

Curr

y (

1993);

43 =

Palm

er

& L

ebe

rman (

2009);

44 =

Gro

ff &

Kle

iber

(2001);

45 =

Mart

in,

Eklu

nd &

Mushett

(1997);

46 =

Hendle

y &

Bie

lby (

2012);

47 =

Stie

r (2

007);

48 =

Ste

infe

ldt

et

al. (

2009);

49 =

Mennesson (

2000);

50 =

Meâ

n &

Ka

ssin

g (

2008);

51 =

Lally

(2007);

52 =

Me

ân (

2001);

53 =

You

ng &

Burs

ik (

2000);

54 =

Murp

hy,

Petitp

as &

Bre

wer

(1996);

55

= K

ille

ya

-Jones (

2005);

56 =

Maste

n,

Tu

šak &

Fa

ganel (2

006);

57

= L

avalle

e &

Robin

son (

2007);

58 =

Gro

ff,

Lundberg

& Z

abriskie

(2009);

59 =

Hockey (

2005);

60 =

Podlo

g e

t al. (

2013);

61 =

Pum

mell,

Harw

ood &

Lavalle

e (

2008);

62 =

Lig

ht

& N

ash (

2006);

63 =

Erp

ič, W

ylle

man &

Zu

pančič

(2004);

64 =

Ryska (

2002);

65 =

Coats

wort

h

& C

onro

y (

2009);

66 =

Curr

y (

1993);

67 =

Chen,

Snyder

& M

agner

(2010);

68 =

Rib

eiro &

Dim

eo (

2009);

69 =

Tra

lci F

ilho &

Rubio

(2012);

70 =

Danie

ls,

Sin

charo

en &

Leaper

(2005);

71 =

Mill

er

&

Kerr

(2003);

72 =

McK

ay e

t al. (

20

13);

73 =

Nasco &

Webb (

2006);

74 =

Le C

lair

(2011);

75

= M

axw

ell

& V

isek (

2009);

76 =

Pela

k (

2002);

77 =

Vis

ek e

t al. (

2010);

78 =

Hic

key &

Kelly

(2008);

79 =

Lavalle

e,

Gord

on &

Gro

ve (

1997);

80 =

Gold

berg

& C

handle

r (1

991);

81 =

Maguire (

1994);

82 =

Pern

a,

Za

ichkow

sky &

Bocknek (

199

6);

83 =

Warr

iner

& L

avalle

e (

2008);

84 =

Gaudre

au,

Am

iot

&

Valle

rand (

2009);

85 =

Carle

ss &

Dougla

s (

2009);

86 =

Zu

ccherm

aglio

(2

005);

87 =

Colli

nson &

Hockey (

2007);

88 =

Bro

wn &

Potr

ac (

2009);

89 =

Gro

ve,

Fis

h &

Eklu

nd (

2004);

90 =

Gro

ve,

Lavalle

e

& G

ord

on (

1997);

91 =

Ste

phan &

Bre

wer

(2007);

92 =

McG

illiv

ray &

McIn

tosh (

2006);

93 =

Wheato

n (

2000);

94 =

Sto

ne,

Harr

ison &

Mott

ley (

2012);

95 =

Carless &

Dougla

s (

2013);

96 =

Spencer,

Cavalie

re &

Peers

(2011);

97 =

Stu

rm,

Fe

ltz &

Gils

on (

2011);

98 =

Vis

ek e

t al. (

2008);

99 =

Park

, Lavalle

e &

To

d (

2013);

100 =

Dougla

s &

Carle

ss (

2009);

101 =

Anders

on (

2009);

102 =

Yopyk &

Pre

ntice (

200

5);

103 =

Tasie

mski, W

ilski &

Medak (

2012);

104 =

Bla

ck &

Sm

ith (

2007);

105 =

Gro

ff &

Za

briskie

(2006);

106 =

Harr

is &

Wats

on

(2011);

107 =

Burn

s e

t al. (

2012);

108 =

Webb e

t al.

(1998);

109 =

Ste

infe

ldt

& S

tein

feld

t (2

012);

110 =

Gapin

& P

etr

uzzello

(2011

); 1

11 =

Lam

ont-

Mill

s &

Christe

nsen (

2006);

112 =

Phoenix

, F

aulk

ner

& S

park

es (

2005);

113 =

Mart

in,

Mushett &

Sm

ith

(1995);

114 =

Ta

sie

mski et

al. (

2004);

115 =

Mig

nano e

t al. (

2006);

116 =

Verk

ooije

n,

Hove &

Dik

(2012);

117 =

Hort

on &

Mack (

2000);

118 =

Shapiro &

Mart

in (

2010);

119 =

Ste

infe

ldt

& S

tein

feld

t

(2010);

120 =

Gro

ssbard

et

al. (

2009);

121 =

Spark

es (

1998)

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

58

Características da amostra

O número total de participantes foi de 18875 e o número de sujeitos das

amostras variou de 1 à 2421 (Tabela 1). Sobre as amostras, as pesquisas

escolheram sujeitos que se enquadravam em diversas categorias, tais como: atletas

profissionais, atletas amadores, estudantes que disputavam competições esportivas

colegiais e universitárias, atletas que já se aposentaram e atletas lesionados; estes

sujeitos eram de ambos os sexos. O número de estudos com menos de 50 sujeitos

foi 45, e 39 estudos foram conduzidos com amostras entre 51 e 200. Quatorze

estudos tiveram amostra entre 201 e 500, e onze estudos examinaram mais de 500

sujeitos. Em relação ao gênero, os estudos apresentaram as seguintes

características, 60 estudos continham sujeitos de ambos os gêneros, 18 estudos

com sujeitos apenas no gênero feminino, e 23 estudos com sujeitos apenas do

gênero masculino (Tabela 1).

Os estudos apresentaram variedade quanto ao nível competitivo das

amostras, 46 estudos avaliaram atletas universitários e colegiais, 16 estudos foram

conduzidos com atletas amadores, 17 estudos com atletas de elite, que participaram

de competições nacionais, internacionais ou olímpicas, 13 estudos com atletas

profissionais, 9 estudos com atletas com características mistas, e 12 estudos

realizados com atletas deficientes.

Os pesquisadores investigaram esportes coletivos (27%), esportes individuais

(23%) ou realizaram pesquisa com ambos os tipos de esportes (29%). Em 7 estudos

os sujeitos tinham idade abaixo de 16 anos, em 55 estudos a idade variou entre 16

e 26 anos, em 5 estudos a idade variou de 27 a 40 anos, 1 estudo foi realizado com

sujeitos acima de 40 anos, e 39 estudos tiveram uma variação de idade entre 15 e

85 anos. A maioria dos estudos foi conduzida na América do Norte (67), além de

estudos realizados na Europa (37), na Austrália (7), e outros países, tais como o

Brasil (3), China (2) e Coréia do Sul (1) (Tabela 1).

Suportes teóricos

Nos estudos quantitativos, o modelo teórico que teve maior utilização (21) foi

o da Identidade Atlética (Athletic Identity) que refere-se ao quanto o atleta se

identifica ou se percebe no papel de um atleta (BREWER, RAALTE, & LINDER

1993).

Nos estudos qualitativos, diversos suportes teóricos foram aplicados, no

entanto, assim como nas pesquisas quantitativas, o modelo teórico de Identidade

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

59

Atlética (Athletic Identity) foi o que mais apareceu (52) como referencial teórico

utilizado pelos autores. Outro referencial bastante utilizado nos estudos foi a teoria

identidade social (SIT, TAJFEL & TURNER, 1979), utilizada em 11 estudos.

Variáveis Associadas à Identidade no Esporte

A Tabela 2 apresenta as variáveis e associadas com a identidade em atletas

e a direção da correlação (+ ou -). Foram identificadas 14 variáveis associadas à

identidade atlética, incluindo questões demográficas, atmosfera moral, suporte

psicossocial, lesões/problemas de saúde, controle da vida, nível educacional,

autopercepção, motivação, carreira/desenvolvimento pessoal, participação da

carreira esportiva/comprometimento, atitudes alimentares, estratégias de coping,

pré-aposentadoria/planejamento de carreira-aposentadoria, burnout (Tabela 2).

Questões demográficas. Dos 16 estudos que examinaram as questões

demográficas dos atletas, em relação à identidade atlética, tais como raça, nível

competitivo, cultura, idade e gênero, quatro estudos analisaram a diferença da

identidade atlética entre as raças. Apenas 1 estudo (CUNNINGHAM, CHOI &

SAGAS, 2008) apresentou forte identidade pessoal de raça com identidade atlética

positiva. Dos cinco estudos que investigaram associação com o nível competitivo, 1

(MILLER, 2009) descreveu que os jocks apresentaram menos identidade atlética

quando comparado a outros grupos de atletas, e apenas 1 (LAMONT-MILLS &

CHRISTENSEN, 2006) apresenta nos resultados que os atletas de elite são os que

demonstram maior identidade atlética. Cultura foi um tema pouco recorrente e no

único estudo que citou esta dimensão, a forma da relação não ficou clara em sua

direção em intensidade. Quatro estudos verificaram as diferenças entre a identidade

atlética e a idade dos sujeitos, sendo que dois destes estudos (CHEN, SNYDER &

MAGNER, 2010) apresentaram relação positiva para os sujeitos mais velhos. Dois

estudos analisaram as diferenças da identidade atlética com relação ao gênero, os

resultados apresentados foram contraditórios, com um indicando maior identidade

atlética em mulheres e outro em homens (Tabela 2).

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

60

Tab

ela

2.

Va

riá

ve

is a

sso

cia

da

s à

ide

ntida

de

em

atle

tas n

os d

ive

rsos e

stu

do

s in

clu

ido

s.

Corr

ela

çã

o

Núm

ero

s d

e R

efe

rência

N

º de

E

stu

dos

Associa

ções

Códig

o

Resum

o

+

- 0

?

Fato

res r

ela

cio

nad

os à

Id

entid

ade

Atlética

Questõ

es

Dem

ográ

ficas

Raça: 2 ≠

? (

Am

ericano A

fric

ano

+),

10 ≠

? (

Fort

e I

den

tida

de P

essoa

l de

R

aça +

), 1

6 ≠

? (

Am

ericano

Afr

icano

-),

94 ≠

? (

Am

ericano A

fric

ano

-);

N

íve

l C

om

petitivo

: 9/1

=,

18 ≠

? (

Jock -

), 3

9 ≠

? (

Alto R

end

imento

+),

42

≠ ?

(A

lto R

end

imento

), 1

11

≠ ?

(E

lite +

); C

ultura

: 1

7/1

≠;

Ida

de:

46/1

+,

67/1

+ (

Mais

Velh

os),

95 –

(M

ais

novos),

115

+ (

Mais

Velh

os);

Gên

ero

: 46/2

– (

Fem

inin

o),

97 ≠

? (

Fem

inin

o +

)

16

17,6

(3

) 11,8

(2

) 11,8

(2

) 52,8

(9)

?

Sup

ort

e

Psic

ossocia

l S

up

ort

e S

ocia

l: 4

/1,

+19 +

, R

esis

tência

menta

l: 4

/2 +

; (E

str

esse p

ositiv

o)

4/3

+;

Em

oções e

Auto

estim

a: 8/1

-, 1

08/2

+;

Suport

e T

écnic

o: 65 +

, 8

2

+,

Atm

osfe

ra M

ora

l: 3

+.

9

88,0

(8

) 12,0

(1

) -

- +

Lesões/P

roble

mas

de S

aúd

e

7 =

, 8/2

-,

22 -

, 25 ≠

(D

eficiê

ncia

Con

gên

ita

+),

27 (

Ide

ntid

ade

M

asculin

a),

28 –

, 10

0 –

(C

âncer)

, 44 +

, 58 +

, 72 –

, 10

1 +

(P

art

icip

açã

o

no e

sp

ort

e),

59 +

, 87

+,

96 +

, 1

03 +

(P

rocesso d

e r

ecu

pera

ção d

e a

tleta

le

sio

nad

os),

74 –

(E

ste

reótipo

), 1

14 ≠

(R

ob

usto

+);

104

+ (

Pre

ve

nção d

e

Burn

out)

; 4

1 –

, 11

1 –

(A

titu

de A

limenta

r)

20

40,0

(8

) 40,0

(8

) 20,0

(4

) -

?

Habili

dad

es p

ara

vid

a

9/2

= (

Perc

epção d

e J

ustiça

); 1

5 +

(Q

ua

lidad

e d

e V

ida

); 4

0 -

(I

nsatisfa

ção

); 5

3 +

(P

roje

tos d

e V

ida

); 5

5/1

– (

Depre

ssão);

55/2

+, 10

7 +

(S

atisfa

ção c

om

a V

ida

); 5

6 +

(C

ontr

ole

da A

nsie

da

de

); 7

5 ?

, 77 -

, (A

gre

ssiv

idade

); 8

8 +

(C

ontr

ole

de D

istú

rbio

s E

mocio

nais

); 1

20 +

(C

ontr

ole

do Á

lcoo

l); 4

3 +

(E

str

até

gia

de E

nfr

enta

mento

)

13

58,4

(8

) 25

(3)

8,3

(1

) 8,4

3(1

) +

Nív

el E

ducacio

nal

16 ?

92 ?

2

- -

- 100 (

2)

?

Auto

Perc

epção

A

uto

eficácia

: 20/1

+,

24 +

(R

ole

), 2

0/2

– (

Identid

ade

de G

rupo

);

Este

reótip

o: 3

2 –

, 68 –

, 1

02 –

; Id

en

tid

ade

Mascu

lina

: 33 ?

, 48 ?

, 1

09 ?

, 119 ?

; Id

entida

de F

em

inin

a: 50 ?

; C

om

port

am

ento

Su

pers

ticio

so

: 34

+;

Ativid

ad

es E

xpre

ssas P

essoalm

ente

: 3

5 +

, 6

4+

; P

aix

ão

: 37

/1 +

(H

arm

onio

so

); D

esva

lori

za

ção e

sport

iva

: 3

7/2

-;

Ide

ntidade

em

M

ora

tóri

a:

54 –

(Id

entidad

e),

61 –

(A

pose

nta

dori

a),

71

– (

Estu

dante

s

Univ

ers

itários);

Id

entida

de S

ocia

l: 8

6 +

(P

ape

l);

Aju

sta

mento

Socia

l: 9

0

+;

Auto

Pro

teção

: 89 +

(A

ltera

ções a

curt

o p

razo

)

22

41

(9)

36,3

(8

) -

22,7

(5)

?

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

61

Motivaçã

o

23 +

(M

otivação S

ocia

l e G

ênero

), 6

6 ≠

(H

om

em

) 2

50

(1)

- 50

(1)

- ?

Desen

volv

imento

de

Carr

eira / P

essoa

l 29 +

, 3

0 +

, 36

?,

38 +

, 9

9 +

, 5

80

(4)

- -

20 (

1)

+

Part

icip

açã

o n

a

carr

eira

esport

iva/C

om

pro

metim

ento

31 +

, 6

7/2

+,

70 +

, 7

6 +

, 8

1 +

(P

ape

l), 9

3 +

, 11

3 +

7

100

(7)

- -

- +

Pré

A

pose

nta

doria

/Pla

neja

mento

de

Carr

eira p

ara

aposen

tad

oria

17/2

+,

29 +

, 47 +

, 5

1 +

, 6

3 –

, 8

3 –

, 85 –

(F

im d

a C

arr

eira

), 7

9 +

, 1

08/1

+

(Fim

da C

arr

eira

),

9

66,7

(6

) 33,3

(3

) -

- +

Não ide

ntificad

o:

1, 5,

6, 1

1, 1

2, 1

3, 1

4, 2

1, 2

6, 45

, 49

, 52

, 57

, 60

, 62

, 69

, 73,

78,

80,

84,

91, 9

8, 1

05,

106

, 11

2, 1

16,

117,

118

, 12

1

Nota

: D

ois

tem

as p

odem

ter

sid

o a

pre

senta

do

s e

m u

m m

esm

o e

stu

do

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

62

Suporte Psicossocial. Oito estudos realizaram análise da relação entre o

suporte psicossocial e a identidade atlética. Dentre os suportes psicossociais

analisados, encontram-se o suporte social, a resistência mental, o estresse positivo,

a emoção e autoestima e o suporte técnico. A maioria dos estudos (87,5%)

apresentou relação positiva entre o suporte psicossocial e a identidade atlética,

sendo que apenas um estudo (BREWER, et al., 2007) apresentou relação negativa

entre a emoção e autoestima com a identidade atlética. Atmosfera moral pode ser

definida como a percepção do sujeito sobre o ambiente em que está inserido com

relação ao comportamento dos companheiros de equipe e treinadores, se estes se

comportam de maneira moral ou não. Dos artigos analisados, apenas 1

(STEINFELDT et al., 2011) fez menção à relação da atmosfera moral com a

identidade atlética, sendo esta relação considerada positiva para este estudo.

Lesões/Problemas De Saúde. Sete de 17 estudos encontraram relação

positiva entre lesões/problemas de saúde e a identidade atlética. No entando, 6

estudos encontraram relação negativa entre as lesões/problemas de saúde e a

identidade atlética, sendo que as lesões/problemas de saúde, como o câncer por

exemplo, podem ser considerados fatores que levam os atletas a não se

identificarem mais como atletas, devido a possibilidade de a lesão ou o problema de

saúde serem os responsáveis pelo fim da carreira de atleta (ADAMSEN et al., 2009;

DOUGLAS & CARLESS, 2009;). Dois estudos investigaram a relação entre as

atitudes alimentares e a identidade atlética. Ambos (LANTZ, RHEA & MESNIER,

2004; LAMONT-MILLS & CHRISTENSEN, 2006) reportaram uma relação negativa

entre as variáveis, ou seja, a presença de distúrbios alimentares ou a dificuldade de

controle da alimentação pode levar os sujeitos a perderem a identidade atlética.

Apenas um estudo apresentou esta variável como possível de se relacionar com a

identidade atlética. Black e Smith (2007) encontraram resultados que demonstram

que quanto mais o sujeito estabelece capacidade de evitar o burnout, ou cria

estratégias para evitar o burnout, maior sua identidade atlética, evitando assim o

desgaste mental com relação à prática esportiva.

Habilidades para Vida. Controle da vida se refere a percepção de autonomia

por parte dos atletas e o poder de tomada de decisão enquanto estão competindo e

durante sua carreira. Sete estudos demonstraram que os sujeitos que apresentavam

maior controle de sua vida, apresentaram também uma maior identidade atlética,

com destaque para a qualidade de vida (ZABRISKIE, LUNDBERG & GROFF, 2005),

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

63

projetos de vida (YOUNG & BURSIK, 2000), satisfação com a vida (BURNS et al.,

2012), controle da ansiedade e de distúrbios emocionais (MASTEN, TUSAK &

FAGANEL, 2006; BROWN & POTRAC, 2009), e controle do álcool (GROSSBARD,

2009). No entanto, alguns estudos encontraram uma relação negativa entre o

controle da vida e a identidade atlética, mais especificamente, quanto maior a falta

do controle da vida, menor a identidade atlética, ou seja, quanto maior a depressão

(KILLEYA-JONES, 2005), a insatisfação (BREWER et al., 1999) e a agressividade

(VISEK et al., 2010) menos os sujeitos apresentaram identidade atlética. O único

estudo que relacionou as estratégias de coping e a identidade atlética encontrou

relação positiva entre as variáveis, tendo como destaque o fato de que os sujeitos

que conseguiam gerenciar melhor o tempo mais ficava em evidência a sua

identidade atlética (PALMER & LEBERMAN, 2009).

Nível Educacional. Os dois estudos que analisaram o nível educacional

(STEINFELDT, REED & STEINFELDT, 2010; MCGILLIVRAY & MCINTOSH, 2006)

reportaram relação indefinida com a identidade atlética.

Autopercepção. Autopercepção corresponde à percepção do sujeito sobre

sua autoeficácia, esteriótipo, identidade masculina, identidade feminina,

comportamento supersticioso, atividade expressas pessoalmente, paixão,

desvalorização esportiva, identidade em moratória, identidade social, ajustamento

social e autoproteção. Três estudos investigaram a relação entre a autoeficácia e a

identidade atlética, no entanto 1 estudo (STRACHAN et al., 2012) reportou relação

negativa quando a variável estudada foi a identidade de grupo. Três estudos

concluiram que a autopercepção de esteriótipo se relacionava negativamente com a

identidade atlética (YOPYK & PRENTICE, 2005; EZZELL, 2009; RIBEIRO &

DIMEO, 2009). Já quando se investigou a identidade masculina ou a identidade

feminina, a relação com a identidade atlética foi indefinida (MEÂN & KASSING,

2008; STEINFELDT, 2009; CHIMOT & LOUVEAU, 2010; STEINFELDT &

STENFELDT, 2010; STEINFELDT & STEINFELDT, 2012). Relações positivas com

a identidade atlética também foram encontradas quando as variáveis estudadas

foram o comportamento supersticioso (TODD & BROWN, 2003), atividade

expressas pessoalmente (PACKARD, 2010; RYSKA, 2002), paixão pela atividade

(CAUDROIT et al., 2010), identidade social (ZUCCHERMAGLIO, 2005),

ajustamento social (GROVE, LAVALLEE & GORDON, 1997) e autoproteção

(GROVE, FISH & EKLUND, 2004). Mais relações negativas foram reportadas pelos

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

64

estudos que investigaram as variáveis desvalorização esportiva (CAUDROIT et al.,

2010) e a identidade em moratória (MURPHY, PETITPAS & BREWER, 1996;

MILLER & KERR, 2003; PUMMELL, HARWOOD & LAVALLEE, 2008).

Motivação. Apenas dois estudos investigaram as relações entre a motivação

e a identidade atlética, sendo que esta relação apresenta particularidades em cada

um dos estudos. O estudo de Curry e Weiss (1989) identificou uma relação positiva

entre a motivação social e gênero com a identidade atlética. Já o estudo de Curry

(1993) não apresentou relação significativa com a identidade atlética, quando a

população estudada era de homens.

Carreira Esportiva/Desenvolvimento Pessoal/Aposentadoria. Dos 5 estudos

que reportaram a relação entre a carreira/desenvolvimento pessoal, 4 apresentaram

uma relação positiva com a identidade atlética, ou seja, quanto mais os sujeitos se

preocupam com a carreira e o seu desenvolvimento pessoal, mais caracteristica é a

presença da identidade atlética (DONNELLY & YOUNG, 1988; LALLY & KERR,

2005; HOULE, BREWER & KLUCK, 2010; PARK, LAVALLEE & TOD, 2013). Já o

estudo de Ciampa, Leme e Souza (2010) apresentou relação indefinida entre

carreira/desenvolvimento pessoal e a identidade atlética, analisando o processo ao

longo da vida do indivíduo, e que como tal, apresenta diferentes influências sobre o

processo de desenvolvimento.

Sete estudos investigaram a relação entre a participação da carreira

esportiva/comprometimento e a identidade atlética. Todos apresentaram como

resultados a relação positiva entre estas variáveis, ou seja, os atletas que se

comprometiam mais com sua carreira esportiva, se preocupando com a transição de

sua carreira, apresentavam também maior identidade atlética. (STEVENSON, 1990;

MAGUIRE, 1994; MARTIN, MUSHETT & SMITH, 1995; WHEATON, 2000; PELAK,

2002; DANIELS, SINCHAROEN & LEAPER, 2005; CHEN, SNYDER & MAGNER,

2010).

Com relação ao planejamento da aposentadoria por parte dos sujeitos, 6

estudos encontraram relações positivas entre o planejamento de carreira com

pensamento na aposentadoria e a identidade atlética, ou seja, o engajamento na

carreira esportiva faz com que os atletas pensem mais em como organizar sua vida

de atleta pensando no futuro, o que lhes garante maior identificação com o contexto

esportivo. Já estudos como os de Erpic, Wylleman e Zupancic (2004), Warriner e

Lavallee (2008) e Carless e Douglas (2009) reportaram que o término da carreira se

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

65

relacionou negativamente com a identidade atlética, fator que pode ser explicado

pelo fato de o sujeito não se organizar, ou preparar para o fim da carreira esportiva,

o que o leva a uma diminuição da identidade atlética.

Discussões

Até onde conseguimos encontrar, esse é o primeiro estudo que procurou

investigar de forma sistemática a literatura sobre identidade em atletas de

rendimento e identificar quais os tipos de variáveis associadas à identidade,

sumarizando as evidências proporcionando sugestões para futuros estudos. Um

total de 121 artigos alcançaram os critério de inclusão e exclusão, abrangendo

diferentes tipos de metodologia e populações. O nível de competição dos atletas foi

variado, abrangendo diferentes níveis de formação atlética, em diferentes

modalidades esportivas individuais e coletivas.

De forma geral, a identidade parece estar associada com consequências

positivas aos atletas, corroborando a perspectiva de que a exposição ao contexto

esportivo parecer ser favorável para o desenvolvimento humano. Resultados

recentes têm comprovado esse achado considerando o esporte um ambiente que

impulsiona o desenvolvimento positivo do atleta (FRASER-THOMAS, CÔTÈ &

DEAKIN, 2005). Potencialmente facilitando o desenvolvimento de habilidades para a

vida, transferidas diretamente do esporte (GOULD & CARSON, 2008).

Nessa perspectiva, boa parte dos estudos apresentaram evidências que

quanto maior a identidade atlética, maiores os benefícios da prolongada prática

esportiva de rendimento (HORTON & MACK, 2000). Nossos resultados indicam que

partindo da definição de identidade como o papel de atleta (Identidade atlética), as

evidências sugerem uma associação positiva com diferentes características

esportivas (Tabela 2). Um dos motivos desses resultados é a grande difusão do

modelo da identidade atlética, a partir da facilidade em avaliar o construto, através

do Questionário de Identidade Atlética (ver BREWER, VAN RAALTE, & LINDER,

1993). De fato, parece-nos coerente que quanto maior a identificação do indivíduo

maiores sejam seus atributos pessoais no esporte como percepção de competência,

comprometimento, dedicação entre outros (Tabela 2).

Vale ressaltar que o modelo teórico da Identidade Atlética (ver BREWER,

VAN RAALTE, & LINDER, 1993) foi o mais utilizado em estudos quantitativos.

Novamente uma explicação para esse predomínio é a existência de instrumentos de

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

66

coleta de dados, amplamente divulgados e aplicados para estudo do fenômeno da

identidade no contexto esportivo. Assim, percebe-se também que nos estudos de

design quantitativo as variáveis associadas foram, em sua maioria, aquelas que

também contêm modelos teóricos traduzidos em instrumentos psicométricos de

coletas de dados como Qualidade de Vida, Habilidades Psicológicas e Auto-

Percepção entre outros.

Diferente de estudos qualitativos que tem maior predominância de

associações entre identidade e correlatos como carreia atlética (ex. LALLY, 2008),

que envolve um processo de desenvolvimento e não é reconhecido com um

instrumento psicométrico para sua avaliação, gerando discussões alternativas sobre

o papel da identidade na experiência atlética. Nesses estudos, por exemplo, foi

possível identificar que a perspectiva de identidade altética também apresentou

evidências de associações negativas com variáveis não específicas do esporte

como esteriótipos em momentos de aposentadoria do esporte ou para jovens em

período colegial (EZZELL, 2009).

Analisando os resumos (Tabela 2) das direção das associações entre os

temas, sugere-se que a alta identificação com o papel do atleta parece favorecer a

experiência e sucesso esportivo, mas pode ser um elemento prejudicial para a vida

do atleta fora do contexto de rendimento. Uma possível explicação está na falta de

experimentação dos atletas de outros aspectos do desenvolvimento de sua carreira

(WYLLEMAN & LAVALLEE, 2003) que podem prejudicar seu envolvimento com

atividades, relacionamentos e papéis diversificados, restringindo seu

desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1995).

De forma geral observa-se uma escassez de estudos que investiguem as

influências contextuais sobre a formação identitária dos altetas de rendimento.

Poucos também foram os estudos que verificassem a formação da identidade como

processo que decorre ao longo da carreira atlética. Diferente do conceito de

identidade atlética, que corresponde ao papel de atleta, a formação da identidade

também é considerada como um processo contínuo e sofre influências ao longo do

desenvolvimento humano (LEMES; CIAMPA, 2003). Essa é uma possível

explicação para a ambiguidade das associações entre identidade e seus correlatos

(Tabela 2), entendendo identidade como uma metamorfose contínua na qual os

personagens que o indivíduo assume (ex. atleta) vão assumindo características de

autonomia ou heteronomia em função do momento histório e dos sentidos atribuídos

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

67

na experiência (CIAMPA, 2009). Dessa forma, enquanto a identidade atlética pode

ser um agente motivador no início da carreira ao final, para se aposentar, parece

funcionar como um elemento causador de sofrimento.

Os resultados dos diferentes estudos precisam ser tomados com cautela,

visto que diferentes aportes metodológicos foram desenvolvidos para compreensão

da identidade no esporte, e dentro de cada perspectiva o conceito da identidade

aparece com características diferenciadas. As diversas abordagens metodológicas

implicam em diferentes resultados, com inferências mais amplas em estudos

quantitativos e variedade maior de elementos em estudos qualitativos. O método

empregado, da metassumarização, permitiu associar essas metodologias e

sumarizar os achados mesmo em perspectivas metodológicas diferentes (Tabela 2)

(SANDELWOSKI et al., 2007).

Este estudo apresenta algumas limitações importantes que precisam ser

consideradas. A nossa revisão se propõs a abranger apenas os estudos que

envolvessem atletas. Dessa forma, uma vasta literatura em praticantes de exercicios

físicos ou esporte por lazer não entraram na revisão. Outra limitação foi a restrição

da linguagem de publicação dos estudos, 4 estudos em alemão, 5 em coreano, e 3

em francês foram exlcuidos da análise pela dificuldade em conseguir uma tradução

que permitiesse a extração dos dados de forma coerente. A terceira limitação foi

que a revisão não apresentou todas as associações encontradas pelo espaço

limitado para representação dos resultados. Para tanto, seguindo diretrizes já

aceitas na literatura (GOODGER et al., 2007; SALLIS, et al 2000) associações com

menos de três sujeitos foram agrupadas com outras variáveis semelhantes ou não

foram reportadas, podendo gerar alguma inconsistência na sugestão de futuros

direcionamentos. Por fim, nós optamos por incluir estudos com metodologias

qualitativas e quantitativas, apesar da importante diferença epistemológica das

abordagens. Essa opção foi para tentar abordar o maior número de estudos sobre o

assunto possível e também para levantar a discussão acerca das opções

metodológicas utilizadas em estudos sobre identidade. Acreditamos que a opção de

reportar as associações como uma medida categorizada pode diminuir o impacto

dos estudos qualitativos, que tem, por definição, maior profundidade no processo

avaliado. Próximos estudos poderiam aprofundar nessa questão com uma

abordagem metanalítica ou de metassumarização.

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

68

Com base nos resultados desse estudo, diversas direções futuras de

pesquisa podem ser identificadas. Percebe-se que a maioria dos estudos utiliza a

ideia de identidade atlética como suporte teórico para os estudos quantitativos.

Evidencia-se aqui uma importante lacuna de um modelo de identidade no esporte

que seja mais compreensivo, levando em considerações aspectos contextuais e

históricos do atleta. Outros referenciais utilizados ainda precisam de um corpo maior

de evidências empíricas de seu entendimento. Ainda, testar esses modelos

aplicados em estudos quantitativos e qualitativos e desenvolver um modelo que seja

específico ao esporte pode auxiliar em responder maiores questionamentos na área.

Sobre os métodos de pesquisa, a maioria dos estudos emprega um método

de coleta de dados retrospectivo, e muitos sugerem o viés relacionado à memória e

ao resgate das experiências como limitações. O emprego de metodologias

prospectivas, com designs longitudinais pode facilitar a compreensão do processo

dinâmico que é a constituição da identidade. Ainda, os dados, em geral, foram

coletados com entrevistas ou questionários padronizados ou não (como a

questionário de BREWER, VAN RAALTE & LINDEN, 1993) e, apesar destes

métodos serem amplamente aceitos, diferentes metodologias de coleta como

pesquisa ação, participante, grupos focais ou etnográficos poderiam proporcionar

indicadores inovadores aos estudos da área.

Quanto aos métodos de análise, tanto os estudos quantitativos quanto os

qualitativos seguem procedimentos semelhantes aos mais utilizados na literatura

como comparações de grupos, correlação, modelos de regressão, análise de

conteúdo e temática. Métodos inovadores como modelagem de equações

estruturais, sistemas dinâmicos, análises em rede ou mesmo idiográfica e histórias

de vida (estudos de caso único) podem levar a diferentes insights. Ainda, poucos

estudos levaram em consideração suportes teóricos como o bioecológico de

Bronfenbrenner (2005) ou a perspectiva holística do desenvolvimento da carreia de

Wyllemann e Lavalle (2003), podem proporcionar modelos que adicionem relevância

à compreensão do fenômeno.

Sobre as características das populações estudadas, poucos estudos

investigaram a identidade em atletas ainda jovens (<16 anos). Dado a relevância do

conceito para essa faixa etária e o estágio do seu desenvolvimento, mais estudos

com adolescentes são necessários para verificar como a identidade é influenciada

pelas altas demandas competitivas e de comprometimento nesse período. Outra

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

69

limitação encontrada no corpo de literatura está na distribuição geográfica dos

estudos, que se restringem à América do Norte, Europa e Austrália. Esses países

também tem recebido destaque nos estudos sobre desenvolvimento de talentos

esportivos e carreira atlética (ver PARK, LAVALLEE & TOD, 2014), assuntos

evidenciados como correlatos à identidade. Assim, mais estudos são necessários

em países latinos ou de culturas orientais que permitam gerar discussões

transculturais e avaliar os efeitos ambientais com mais qualidade.

Por último, nenhum estudo verificou o efeito de intervenções sobre o

processo de formação identitária como forma de prevenir efeitos como problemas

de transição de carreira, sintomas emocionais ou outras patologias ou alienações.

Os resultados sumarizados nessa revisão sugerem que a identidade é um elemento

determinante para consequências comportamentais, afetivas e cognitivas nos

atletas, específicas do esporte ou não, portanto, é um elemento a ser considerado

em intervenções. Outras implicações práticas envolvem a tomada de consciência

sobre os efeitos positivos e negativos da exposição ao esporte sobre a formação da

identidade. Especificamente contribuindo com indicadores para a constituição de

programas de iniciação esportiva, treinamento esportivo ou de aconselhamento de

carreira e aposentadoria. Fomentando assim, a autonomia para que se maximize os

efeitos positivos da identidade sobre os resultados como saúde e bem-estar no

esporte e transferência de habilidades para a vida fora do contexto esportivo.

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

70

Referências

ADAMSEN, L.; ANDERSEN, C.; MIDTGAARD, J.; MØLLER, T.; QUIST, M. & RØRTH, M. Struggling with cancer and treatment: young athletes recapture body control and identity through exercise: qualitative findings from a supervised group exercise program in cancer patients of mixed gender undergoing chemotherapy. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, v. 19, n. 1, p. 55-66, 2009. ALFERMANN, D.; STAMBULOVA, N. & ZEMAITYTE, A. Reactions to sport career termination: a cross-national comparison of German, Lithuanian, and Russian athletes. Psychology of Sport and Exercise, v. 5, n. 1, p. 61-75, 2004. ANDERSON, D. Adolescent Girls' Involvement in Disability Sport: Implications for Identity Development. Journal of Sport & Social Issues, v.33, n.4, p.427-449, 2009. ANDERSON, D. F., & CYCHOSZ, C. M. Development of an exercise identity scale. Perceptual and Motor Skills, 78, 747-751, 1994. BENNETT, C.; KHANGURA, S.; BREHAUT, J. C. et al. Reporting guidelines for survey research: an analysis of published guidance and reporting practices. PLoS medicine, v. 8, n. 8, ago 2010. BLACK, J. M.; SMITH, A. L. An examination of Coakley's perspective on identity, control, and burnout among adolescent athletes. International Journal of Sport Psychology, v.38, n.4, p.417-436, 2007. BORSBOOM, D., CRAMER, A. O. J., SCHMITTMANN, V. D., EPSKAMP, S. &

WALDORP, L. J. The Small World of Psychopathology. PLoS ONE 6(11):

e27407.doi:10.1371/journal.pone.0027407.

BREWER, B. W., & CORNELIUS, A. E. Norms and factorial invariance of the Athletic Identity Measurement Scale. Academic Athletic Journal, 16. E. (1993). BREWER, B. W., VAN RAALTE, J. L., & LINDER, D. E. Athletic identity: Hercules’ muscles or achilles heel? International Journal of Sport Psychology, 24, 237-254, 1993. BREWER, B. W.; CORNELIUS, A. E. Self-Protective Changes in Athletic Identity Following Anterior Cruciate Ligament Reconstruction. Psychol Sport Exerc. v. 11, n. 1, p. 1-5, 2010. BREWER, B. W.; CORNELIUS, A. E.; SKLAR, J. H.; VAN RAALTE, J. L.; TENNEN, H.; ARMELI, S.; CORSETTI, J. R. & BRICKNER, J. C., Pain and negative mood during rehabilitation after anterior cruciate ligament reconstruction: a daily process analysis. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, v. 17 n. 5, p. 520, 2007. BREWER, B. W.; SELBY, C. L.; LINDER, D. E. & PETITPAS, A. J. Distancing oneself from a poor season: Divestment of athletic identity. Journal of personal & interpersonal loss, v. 4, n. 2, p, 149-162, 1999. BRONFENBRENNER, U. Making human beings human: Bioecological perspectives on human development. Sage, 2005. ISBN 0761927123. BROWN, C.; GLASTETTER-FENDER, C. & SHELTON, M. Psychosocial identity and career control in college student-athletes. Journal of Vocational Behavior, v. 56, n. 1, p. 53-62, 2000. BROWN, G.; POTRAC, P. ‘You’ve not made the grade, son’: de‐ selection and identity disruption in elite level youth football. Soccer & Society, v. 10, n. 2, p. 143-159, 2009. ISSN 1466-0970.

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

71

BURNS, G. N.; JASINSKI, D.; DUNN, S. C.; FLETCHER, D. Athlete identity and athlete satisfaction: The nonconformity of exclusivity. Personality and Individual Differences, v.52, n.3, p.280-284, 2012. CARLESS, D, & DOUGLAS, K. Narrative, identity and mental health: How men with serious mental illness re-story their lives through sport and exercise Psychology of Sport and Exercise, v. 9, n. 5, p. 576-594, 2008. CARLESS, D.; DOUGLAS, K. “In the boat” but “selling myself short”: Stories, narratives, and identity development in elite sport. The Sport Psychologist, v.27, n.1, p.27-39, 2013. CARLESS, D.; DOUGLAS, K. We haven't got a seat on the bus for you' or 'all the seats are mine': narratives and career transition in professional golf. Qualitative Research in Sport & Exercise, v.1, n.1, p.51, 2009. CAUDROIT, J.; STEPHAN, Y.; BREWER, B. W. & LE SCANFF, C. Contextual and individual predictors of psychological disengagement from sport during a competitive event. Journal of Applied Social Psychology, v. 40, n. 8, p. 1999-2018, 2010. CHEN, S.; SNYDER, S. & MAGNER, M. The Effects of Sport Participation on Student-Athletes' and Non-Athlete Students' Social Life and Identity. Journal of Issues in Intercollegiate Athletics, p. 176. 2010. CIAMPA, A. C.; LEME, C. G.; SOUZA, R. F. Considerações sobre a formação e transformação da identidade profissional do atleta de futebol no Brasil. Diversitas perspectiv. psicol, v. 6, n. 1, p. 27-36, 2010. ISSN 1794-9998. COATSWORTH, J. D. & CONROY, D. E. The effects of autonomy-supportive coaching, need satisfaction, and self-perceptions on initiative and identity in youth swimmers. Dev Psychol, v. 45, n. 2, p. 320-8, 2009. COLLINSON, J. A.; HOCKEY, J. Working Out' Identity: Distance Runners and the Management of Disrupted Identity. Leisure Studies, v.26, n.4, p.381-390, 2007. COSTANTINI, G., EPSKAMP, S., BORSBOOM, D., PERUGINI, M., MÕTTUS, R.,

WALDORP, L. J., & CRAMER, A. O. State of the aRt personality research: A tutorial

on network analysis of personality data in R. Journal of Research in Personality.

In Press, Corrected Proof, Available online 15 July 2014.

CRAIG, P., DIEPPE, P., MACINTYRE, S., MICHIE, S., NAZARETH, I., & PETTICREW, M. Developing and evaluating complex interventions: The new Medical Research Council guide. British Medical Journal, 337, a1655. doi:10.1136/bmj.a1655, 2008. CUNNINGHAM, G. B.; CHOI, J. H. & SAGAS, M. Personal identity and perceived racial dissimilarity among college athletes. Group Dynamics: Theory, Research, and Practice, v. 12, n. 2, p. 167-177, 2008. CURRY, T. J. Effects of receiving a college letter on the sport identity. Sociology of sport journal, v. 10, n. 1, p. 73-87, 1993. CURRY, T.J. & WEANER, J.S. Sport identity salience, commitment, and the involvement of self in role: measurement issues. Sociology of Sport Journal v. 4, n. 3, p. 280-288, 1987. CURRY, T.J. & WEISS, O. Sport identity and motivation for sport participation: a comparison between American college athletes and Austrian student sport club members. Sociology of Sport Journal, v. 6, n. 3, p. 257-268, 1989. DANIELS, E.; SINCHAROEN, S. & LEAPER, C. The relation between sport orientations and athletic identity among adolescent girl and boy athletes. Journal of Sport Behavior, v. 28, n. 4, p. 315-332, 2005.

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

72

DONNELLY, P.; YOUNG, K. The construction and confirmation of identity in sport subcultures. Sociology of sport journal, v. 5, n. 3, p. 223-240, 1988. ISSN 0741-1235. DOUGLAS, K.; CARLESS, D. Abandoning the performance narrative: Two women's stories of transition from professional sport. Journal of Applied Sport Psychology, v.21, n.2, p.213-230, 2009. DUBAR, C. La socialization: Construction des identités sociales et professionnelles. Paris: Armand Colin, 1991. EPSKAMP, S. Package ‘qgraph’ . CRAN, 2014. Acessado em 14.01.2015: http://cran.r-project.org/web/packages/qgraph/qgraph.pdf. ERIKSON, E. H. Identity: Youth and crisis. New York: Norton, 1968. ERPIČ, S. C.; WYLLEMAN, P. & ZUPANČIČ, M. The effect of athletic and non-athletic factors on the sports career termination process. Psychology of Sport and Exercise, v. 5, n. 1, p. 45-59, 2004. EZZELL, M. B. Barbie dolls' on the pitch: Identity work, defensive othering, and inequality in women's rugby. Social Problems, v. 56, n. 1, p. 111-131, 2009. FELTZ, D. L.; SCHNEIDER, R. HWANG, S. & SKOGSBERG, N. J. Predictors of collegiate student-athletes' susceptibility to stereotype threat. Journal of College Student Development, v. 54, n. 2, p. 184-201, 2013. FRASER-THOMAS, J. L.; CÔTÈ, J. & DEAKIN, J. Youth sport programs: an avenue to foster positive youth development. Physical Education and Sport Pedagogy, v.10, n.1, p. 19-40, 2005. FRIEDMAN, D., & D. MCADAM. Collective identity and activism: Networks, choices, and the life of a social movement. In Frontiers in social movement theory, edited by A. D. Morris and C. M. Mueller. New Haven, CT: Yale University Press, 1992. GAPIN, J. I.; PETRUZZELLO, S. J. Athletic identity and disordered eating in obligatory and non-obligatory runners. Journal of Sports Sciences, v.29, n.10, p.1001-1010, 2011. GAUGREAU, P.; AMIOT, C. E.; VALLERAND, R. J. Trajectories of affective states in adolescent hockey players: turning point and motivational antecedents. Dev Psychol, v.45, n.2, p.307-319, 2009. GOLDBERG, A. D. & CHANDLER, T. J. Sport participation among adolescent girls: Role conflict or multiple roles? Sex Roles, v. 25, n. 3-4, p. 213-224, 1991. GOODGER, K., GORELY, T., LAVALLEE, D., & HARWOOD, C. Burnout in sport: A systematic review. The Sport Psychologist, V. 21, p. 127-151, 2007. GOULD, D.; CARSON, S. Life skills development through sport: current status and future directions. International Review of Sport and Exercise Psychology, v.1, n.1, p.58-78, 2008. GREEN, S. L. & WEINBERG, R. S. Relationships among athletic identity, coping skills, social support, and the psychological impact of injury in recreational participants. Journal of Applied Sport Psychology, v. 13, n. 1, p. 40-59, 2001. GROFF, D. G.; KLEIBER, D. A. Exploring the identity formation of youth involved in an adapted sports program. Therapeutic Recreation Journal, v. 35, n. 4, p. 318-332, 2001. GROFF, D. G.; LUNDBERG, N. R. & ZABRISKIE, R. B. Influence of adapted sport on quality of life: Perceptions of athletes with cerebral palsy. Disability and Rehabilitation: An International Multidisciplinary Journal, v. 31, n. 4, p. 318-326, 2009.

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

73

GROFF, D. G.; ZABRISKIE, R. B. An Exploratory Study of Athletic Identity Among Elite Alpine Skiers with Physical Disabilities: Issues of Measurement and Design. Journal of Sport Behavior, v.29, n.2, p.126-141, 2006. GROSSBARD, J. R.; GEISNER, I. M.; MASTROLEO, N. R.; KILMER, J. R.; TURRISI, R.; LARIMER, M. E. Athletic identity, descriptive norms, and drinking among athletes transitioning to college. Addictive Behaviors, v.34, n.4, p.352-359, 2009. GROVE, J. R.; FISH, M.; EKLUND, R. C. Changes in athletic identity following team selection: Self-protection versus self-enhancement. Journal of Applied Sport Psychology, v.16, n.1, p.75-81, 2004. GROVE, J. R.; LAVALLEE, D.; GORDON, S. Coping with retirement from sport: The influence of athletic identity. Journal of Applied Sport Psychology, v.9, n.2, p.191-203, 1997. HARRIS, B. S.; WATSON, J. C. Assessing youth sport burnout: A self-determination and identity development perspective. Journal of Clinical Sport Psychology, v.5, n.2, p.117-133, 2011. HARRISON, L. J. R.; SAILES, G.; ROTICH, W. K. & BIMPER, Y. Living the dream or awakening from the nightmare: race and athletic identity. Race ethnicity and education, v. 14, n. 1, p. 91-103, 2011. DI 10.1080/13613324.2011.531982 HENDLEY, A. & BIELBY, D. D. Freedom between the lines: Clothing behavior and identity work among young female soccer players. Sport, Education and Society, v. 17, n. 4. p. 515-533, 2012. HICKEY, C. & KELLY, P. Preparing to not be a footballer: Higher education and professional sport. Sport, Education and Society, v. 13, n. 4, p. 477-494, 2008. HOCKEY, J. Injured Distance Runners: A Case of Identity Work as Self-Help. Sociology of Sport Journal, v. 22, n. 1, p. 38-58, 2005. HORTON, R. S. MACK, D. E. Athletic identity in marathon runners: Functional focus or dysfunctional commitment? Journal of Sport Behavior, v.23, n.2, p.101-119, 2000. HOULE, J. L. W.; BREWER, B. W. & KLUCK, A. S. Developmental trends in athletic identity: A two-part retrospective study. Journal of Sport Behavior, v. 33, n. 2, p. 146-159, 2010. HUANG, C. & BRITTAIN, I. Negotiating identities through disability sport. Sociology of Sport Journal, v. 23, n. 4, p. 352-375, 2006. KARR, T. M.; ZUNKER, C. T.; RON, A.; SHERMAN, R. T.; ERICKSON, A. C.; LI CROSBY, R. D. & MITCHELL, J. E. Moderators of the association between exercise identity and obligatory exercise among participants of an athletic event. Body Image, v. 10, n. 1, p. 70-77, 2013. KELLY, P. & HICKEY, C. Professional identity in the global sports entertainment industry regulating the body, mind and soul of Australian Football League footballers. Journal of Sociology, v. 46, n. 1, p. 27-44, 2010. KILLEYA-JONES, L. A. Identity Structure, Role Discrepancy and Psychological Adjustment in Male College Student-Athletes. Journal of Sport Behavior, v. 28, n. 2, p. 167-185, 2005. KOKARIDAS D.; PERKOS S.; HARBALIS T. & KOLTSIDAS E. Sport orientation and athletic identity of greek wheelchair basketball players Perceptual and Motor Skills, v. 109, n. 3, p. 887-898. 2009. LALLY, P. Identity and athletic retirement: A prospective study. Psychology of Sport and Exercise, v. 8, n. 1, p. 85-99, 2007.

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

74

LALLY, P. S.; KERR, G. A. The career planning, athletic identity, and student role identity of intercollegiate student athletes. Research Quarterly for Exercise and Sport, v. 76, n. 3, p. 275-285, 2005. ISSN 0270-1367. LAMONT-MILLS, A.; CHRISTENSEN, S. A. Athletic identity and its relationship to sport participation levels. Journal of Science and Medicine in Sport, v.9, n.6, p.472-478, 2006. LANTZ, C.D.; RHEA D. J. & MESNIER K. Eating attitudes, exercise identity, and body alienation in competitive ultramarathoners. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, v. 14, n. 4, p. 406-418, 2004. LAVALLEE, D. & ROBINSON, H. K. In pursuit of an identity: A qualitative exploration of retirement from women's artistic gymnastics. Psychology of Sport and Exercise, v. 8, n. 1, p. 119-141, 2007. LAVALLEE, D.; GORDON, S. & GROVE, J. R. Retirement from sport and the loss of athletic identity. Journal of personal & interpersonal loss, v. 2, n. 2, p. 129-147, 1997. LE CLAIR, J. M. Transformed identity: From disabled person to global Paralympian. Sport in Society, v. 14, n. 9, p. 1116-1130, 2011. LIGHT, R. & NASH, M. Learning and identity in overlapping communities of practice: Surf club, school and sports clubs. Australian educational researcher, v. 33, n. 1, p. 75-94, 2006. MAGUIRE, J. Sport, identity politics, and globalization - diminishing contrasts and increasing varieties. Sociology of sport journal, v. 11, n. 4, p. 398-427, 1994. MARCIA, J. E. Development and validation of ego-identity status. Journal of Personality and Social Psychology, 35, 63-78, 1966. MARTIN J.J.; EKLUND R.C. & MUSHETT C.A. Factor structure of the athletic identity measurement scale with athletes with disabilities. Adapted Physical Activity Quarterly, v. 14, n. 1, p. 74-82, 1997. MARTIN, J. J. Predictors of social physique anxiety in adolescent swimmers with physical disabilities. Adapted Physical Activity Quarterly, v. 16, n. 1. p. 75-85, 1999. MARTIN, J. J.; ADAMS-MUSHETT, C.; SMITH, K. L. Athletic identity and sport orientation of adolescent swimmers with disabilities. Adapted Physical Activity Quarterly, v.12, n.2, p.113-123, 1995. MASTEN, R.; TUŠAK, M. & FAGANEL, M Impact of identity on anxiety in athletes. Kinesiology, v. 38, n. 2, p. 126-134, 2006. MAXWELL, J. P. & VISEK, A. J. Unsanctioned Aggression in Rugby Union: Relationships Among Aggressiveness, Anger, Athletic Identity, and Professionalization. Aggressive Behavior, v. 35, n. 3, p. 237-243, 2009. MCGILLIVRAY, D.; MCINTOSH, A. ‘Football is My Life’: Theorizing Social Practice in the Scottish Professional Football Field. Sport in Society, v.9, n.3, p.371-379, 2006. MCKAY, C.; CAMPBELL, T.; MEEUWISSE, W. & EMERY, C. The Role of Psychosocial Risk Factors for Injury in Elite Youth Ice Hockey. Clinical Journal of Sport Medicine, v. 23, n. 3, p. 216, 2013. MEAN, L. Identity and discursive practice: doing gender on the football pitch. Discourse & society, v. 12, n. 6, p. 789-815, 2001. MEÂN, L. J. & KASSING, J. W. I would just like to be known as an athlete': Managing hegemony, femininity, and heterosexuality in female sport. Western Journal of Communication, v. 72, n. 2, p. 126-144, 2008.

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

75

MELUCCI, A. ‘The Symbolic Challenge of Contemporary Movements.’ Social Research 52: 781–816, 1989. MENNESSON, C. Hard' women and 'soft' women: the social construction of identities among female boxers. International Review for the Sociology of Sport, v. 35, n. 1. p. 21-33, 2000. MIGNANO, A. C.; BREWER, B. W.; WINTER, C.; VAN RAALTE, J. L. Athletic Identity and Student Involvement of Female Athletes at NCAA Division III Women's and Coeducational Colleges. Journal of College Student Development, v.47, n.4, p.457-464. MILLER, K. E. Reflections on Identity, Gender, and Adolescent Sports. International review for the sociology of sport, v. 44, n. 4, p. 363-380, 2009. MILLER, K. E. Sport-related identities and the 'Toxic Jock'. Journal of Sport Behavior, v. 32, n. 1, p. 69-91, 2009. MILLER, P. S. & KERR, G. A. The role experimentation of intercollegiate student athletes. The Sport Psychologist, v.17, n. 2, p. 196-219, 2003. MOHER D. et al. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. PLoS Med, v. 6, epub. 1000097, 2009. MURPHY, G. M.; PETITPAS, A. J. & BREWER, B. W. Identity foreclosure, athletic identity, and career maturity in intercollegiate athletes. The Sport Psychologist, v. 10, n. 3, p. 239-246, 1996. NASCO, S. A. & WEBB, W. M. Toward an Expanded Measure of Athletic Identity: The Inclusion of Public and Private Dimensions. Journal of Sport & Exercise Psychology, v. 28, n. 4, p. 434-453, 2006. PACKARD, A. N. Competing Identities: Athletic Versus National Identity in Barcelona. Educació Física i Esports, n. 100, p. 7, 2010. PALMER, F. R. & LEBERMAN, S. I. Elite athletes as mothers: Managing multiple identities. Sport Management Review, v. 12, n. 4, p. 241, 2009. PARK, S., LAVALLEE, D. & TOD, D. Athlete’s career transition out of sport: a systematic review. International Review of sport and exercise psychology, v. 6, n. 1, p. 22-53, 2013. PARK, S.; LAVALLEE, D.; TOD, D. A longitudinal qualitative exploration of elite Korean tennis players' career transition experiences. Athletic Insight: The Online Journal of Sport Psychology, v.5, n.1, p.65-92, 2013. PELAK, C. F. Women's collective identity formation in sports - A case study from women's ice hockey. Gender & society, v. 16, n.1, p. 93-114, 2002. PERNA, F. M.; ZAICHKOWSKY, L.; BOCKNEK, G. The association of mentoring with psychosocial development among male athletes at termination of college career. Journal of Applied Sport Psychology, v.8, n.1, p.76-88, 1996. PHOENIX, C.; FAULKNER, G.; SPARKES, A. C. Athletic identity and self-ageing: the dilemma of exclusivity. Psychology of Sport and Exercise, v.6, n.3, p.335-347, 2005. PODLOG, L.; GAO, Z.; KENOW, L.; KLEINERT, J.; GRANQUIST, M.; NEWTON, M. & HANNON, JAMES. Injury rehabilitation overadherence: preliminary scale validation and relationships with athletic identity and self-presentation concerns Injury rehabilitation overadherence: preliminary scale validation and relationships with athletic identity and self-presentation concerns. Journal of athletic training. v. 48, n. 3, p.372-81, 2005. PUMMELL, E.; HARWOOD, C. & LAVALLEE, D. Jumping to the next level: A qualitative examination of within-career transition in adolescent event riders. Psychology of Sport & Exercise, v. 9, n. 4, p. 427, 2008.

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

76

R-PROJECT. A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. ISBN 3-900051-07-0, 2014, URL: http://www.R-project.org/ RAY, R., & A. C. KORTEWEG. Women's movements in the Third World: Identity, mobilization, and autonomy. Annual Review of Sociology 25:47-71, 1999. RIBEIRO, C. V. H. & DIMEO, P. The experience of migration for Brazilian football players. Sport in Society, v. 12, n. 6, p. 725, 2009. RYSKA, T. A. The effects of athletic identity and motivation goals on global competence perceptions of student-athletes. Child Study Journal, v. 32, n. 2, p. 109-129, 2002. SALLIS, J.F., PROCHASKA, J.J., & TAYLOR, A.C. A review of correlates of physical activity of children and adolescents. Medicine and Science in Sport and Exercise, v. 32, 963-975, 2000. SANDELOWSKI, M.; BARROSOS, J. & VOILS, C. Using qualitative metasummary to synthesize qualitative and quantitative descriptive findings. Res Nurs Health 30: 99-111, 2007. SARTORE-BALDWIN, M. & WARNER, S. Perceptions of Justice within Intercollegiate Athletics among Current and Former Athletes. Journal of Issues in Intercollegiate Athletics, v. 5, p. 269, 2012. SHAPIRO, D. R.; MARTIN, J. J. Athletic identity, affect, and peer relations in youth athletes with physical disabilities Disabil Health J. 2010 v.3, n.2, p.79-85, 2010. SHEA, B. J.; GRIMSHAW, J.M.; WELLS, G. A. et al. Development of AMSTAR: A measurement tool to assess the methodological quality of systematic reviews. BMC Med Res Methodol, v. 7, p.10, 2009. SOUKUP, S.R.; GREGORY, J.; HENRICH, T. W. & BARTON-WESTON, H. M., Differences in Exercise Identity Between Secondary Physical Education Students and Athletes. ICHPER -- SD Journal of Research in Health, Physical Education, Recreation, Sport & Dance, v. 5, n. 1, p. 33. 2010. SPARKES, A. C. & SMITH, B. Sport, spinal cord injury, embodied masculinities, and the dilemmas of narrative identity. Men and Masculinities, v. 4, n. 3, p. 258-285, 2002. SPARKES, A. C. Athletic identity: An Achilles' heel to the survival of self. Qualitative Health Research, v.8, n.5, p.644-664, 1998. SPENCER-CAVALIERE, N.; PEERS, D. “What’s the difference?” Women’s wheelchair basketball, reverse integration, and the question(ing) of disability. Adapted Physical Activity Quarterly, v.28, n.4, p.291-309, 2011. STEINFELDT, J. A.; REED, C. & STEINFELDT, M. Clint Racial and Athletic Identity of African American Football Players at Historically Black Colleges and Universities and Predominantly White Institutions. Journal of black psychology, v. 36, n. 1, p. 3-24, 2010. STEINFELDT, J. A.; RUTKOWSKI, L. A.; VAUGHAN, E. L. & STEINFELDT, M. C. Masculinity, moral atmosphere, and moral functioning of high school football players. J Sport Exerc Psychol. v. 33, n. 2, p. 215-34, 2011. STEINFELDT, J. A.; STEINFELDT, M.; CLINT, T. I.; ENGLAND, B. & SPEIGHT, Q. L. Gender role conflict and stigma toward help-seeking among college football players. Psychology of Men & Masculinity, v. 10, n. 4, 2009. STEINFELDT, J. A.; STEINFELDT, M.; CLINT, T. I. Gender Role Conflict, Athletic Identity, and Help-Seeking Among High School Football Players. Journal of Applied Sport Psychology, v.22, n.3, p.262-273, 2010.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

77

STEINFELDT, M.; STEINFELDT, J. A., Athletic Identity and Conformity to Masculine Norms Among College Football Players. Journal of Applied Sport Psychology, v.24, n.2, p.115-121, 2012. STEPHAN, Y.; BREWER, B. W. TI Perceived determinants of identification with the athlete role among elite competitors. Journal of Applied Sport Psychology, v.19, n.1, p.67-79, 2007. STEVENSON, C.L. Seeking identities: towards an understanding of the athletic careers of masters swimmers. International Review for the Sociology of Sport: v. 37, n. 2, p. 131-146, 2002. STEVENSON, C.L. The early careers of international athletes. Sociology of Sport Journal Sept, v. 7 n. 3, p. 238-253, 1990. STIER, J. Game, name, and fame--Afterwards, will I still be the same? A social psychological study of career, role exit and identity. International Review for the Sociology of Sport, v. 42, n. 1, p. 99-111, 2007. STONE, J.; HARRISON, C.; MOTTLEY, J. “Don't call me a student-athlete”: The effect of identity priming on stereotype threat for academically engaged African American college athletes. Basic and Applied Social Psychology, v.34, n.2, p.99-106, 2012. STRACHAN, S. M.; SHIELDS, C. A.; GLASSFORD, A. & BEATTY, J., Role and group identity and adjustment to the possibility of running group disbandment. Psychology of Sport & Exercise, v. 13, n. 4, p. 436, 2012. STRYKER, S. Identity theory: developments and extensions. Oxford, England: John Wiley & Sons, 1987. ISSN 0471911259. STURM, J. E.; FELTZ, D. L.; GILSO, T. A. A comparison of athlete and student identity for Division I and Division III athletes. Journal of Sport Behavior, v.34, n.3, p.295-306, 2011. TAJFEL, H., & TURNER, J. C. An integrative theory of intergroup conflict. In W. G. Austin & S. Worchel (Eds.), The social psychology of intergroup relations (pp. 33-47). Monterey, CA: Brooks/Cole, 1979. TASIEMSKI, T.; KENNEDY, P.; GARDNER, B. P.; BLAIKLEY, R. A. Athletic identity and sports participation in people with spinal cord injury. Adapted Physical Activity Quarterly, v.21, n.4, p.364-378, 2004. TASIEMSKI, T.; WILSKI, M.; MȨDAK, K. An assessment of athletic identity in blind and able-bodied tandem cyclists. Human Movement, v.13, n.2, p.178-184, 2012. TAYLOR, V., & N. WHITTIER. Collective identity in social communities: Lesbian feminist mobilization. In Frontiers in social movement theory, edited by A. D. Morris and C. M. Mueller. New Haven, CT: Yale University Press, 1992. The Joanna Brings Institute. Disponível em: http://www.joannabriggs.edu.au/Home Acesso em Setembro 05 2014. TODD, M. & BROWN, C. Characteristics associated with superstitious behavior in track and field athletes: Are there NCAA divisional level differences? Journal of Sport Behavior, v. 26, n. 2, p. 168-187, 2003. TRALCI FILHO, M. A. RUBIO, K. The identities of the Brazilian female athlete: the "points of temporary attachment" of women in sports. Movimento, v. 18, n. 2, p. 255-275, 2012. TSANG, T. Let me tell you a story: A narrative exploration of identity in high-performance sport Sociology of Sport Journal, v. 17, n. 1, p. 44, 2000. VERKOOIJEN, K. T.; VAN HOVE, P. D.; GIEL, T. I. Athletic Identity and Well-Being among Young Talented Athletes who Live at a Dutch Elite Sport Center. Journal of Applied Sport Psychology, v.24, n.1, p.106-113, 2012.

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

78

VISEK, A. J.; HURST, J. R.; MAXWELL, J. P.; WATSON, J. C. A Cross-Cultural Psychometric Evaluation of the Athletic Identity Measurement Scale. Journal of Applied Sport Psychology, v.20, n.4, p.473-480, 2008. VISEK, A. J.; WATSON, J. C.; HURST, J. R.; MAXWELL, J. P. & HARRIS, B. S. Athletic identity and aggressiveness: A cross‐ cultural analysis of the Athletic Identity Maintenance Model. International Journal of Sport and Exercise Psychology, v. 8, n. 2, p. 99-116, 2010. WARRINER, K.; LAVALLE, D. The retirement experiences of elite female gymnasts: Self identity and the physical self. Journal of Applied Sport Psychology, v.20, n.3, p.301-317, 2008. WEBB, W. M.; NASCO, S. A.; RILEY, S.; HEADRICK, B. Athlete identity and reactions to retirement from sports. Journal of Sport Behavior, v.21, n.3, p.338-362, 1998. WHEATON, B. Just do it?: Consumption, commitment, and identity in the windsurfing subculture. Sociology of Sport Journal, v.17, n.3, p.254-274, 2000. WYLLEMAN, P., LAVALLEE, D. A developmental perspective on transitions faced by athletes. In: WEISS, M. (Ed.), Developmental sport psychology. Morgantown, WV: Fitness Information Technology, 2003. YOPYK, D. J. A.; PRENTICE, D. A. Am I an athlete or a student? Identity salience and stereotype threat in student-athletes. Basic and Applied Social Psychology, v.27, n.4, p.329-336, 2005. YOUNG, J. & BURSIK, K. Identity development and life plan maturity: A comparison of women athletes and nonathletes. Sex Roles, v. 43, n. 3-4, p. 241-254, 2000. ZABRINSKIE, R. B.; LUNDBERG, N. R.; GROFF, D. G. Quality of life and identity: The benefits of community-based therapeutic recreation and adaptive sports program. Therapeutic Recreation Journal, v. 39, n. 3, p. 176, 2005. ISSN 0040-5914. ZABRISKIE, R. B.; LUNDBERG, N. R. & GROFF, D. G. Quality of life and identity: The benefits of a community-based therapeutic recreation and adaptive sports program. Therapeutic Recreation Journal, v. 39, n. 3, p. 176-191, 2005. ZUCCHERMAGLIO, C. Who wins and who loses: The rhetorical manipulation of social identities in a soccer team. Group Dynamics, v.9, n.4, p.219-238, 2005.

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

79

CAPÍTULO 4

ARTIGO ORIGINAL

Contexto esportivo de alto rendimento: Um ambiente ecológico

possibilitador de metamorfose orientadas para autonomia ou heteronomia? Elite sports context: An exological environment fostering metamorphosis

autonomy or heteronomy oriented?

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

80

Capítulo 4

CONTEXTO ESPORTIVO DE ALTO RENDIMENTO: UM AMBIENTE

ECOLÓGICO POSSIBILITADOR DE METAMORFOSES

ORIENTADAS PARA AUTONOMIA OU HETERONOMIA?

Elite sports context: An ecological environment fostering

autonomous or heteronomous oriented metamorphosis

Resumo

O objetivo deste estudo foi analisar os parâmetros do contexto bioecológico do futsal em

atletas brasileiros de alto nível, visando evidenciar elementos significativos do contexto que

possibilitem a formação identitária com orientação para autonomia ou heteronomia.

Entrevistamos no estudo 25 atletas adultos de clubes que disputam a Liga Nacional de

futsal, com um roteiro semi-estruturado sobre o desenvolvimento da carreira esportiva. Três

grupos de características do contexto foram evidenciadas, o primeiro que seriam

caracterísitcas ambivalentes, que funcionariam como possibilidades emancipatórias ou de

colonização de acordo com o sentido atribuído pelo atleta, a segunda são características

que favorecem metamorfoses direcionadas à autonomia e a terceira são características que

possibilitam metamorfoses de reposição identitária favorecendo a mesmice ou a

feitichização da personagem atleta de Futsal. Conclui-se que o contexto esportivo do Futsal

apresenta características que instigam o processo para construção da autonomia ou inibem

a expressão identitária autonômica, requerendo cuidado e atenção dos profissionais da

área esportiva sobre como a estrutura de seus clubes pode influenciar a expressão e

formação identitária.

Palavras-chave: Identidade; Esporte; Atletas, Contexto.

Abstract

This study aimed at analyzing the bioecological parameters of the context of Futsal in

Brazillian elite players, seeking to provide evidence about contextual significant elements

fostering or twharting an autonomous identity formation and expression. We interviewed 25

adult athletes from different team playing the National League of Futsal, with a semi-

structured script about career development. Results showed three groups of contextual

characteristics, regarding ambivalent characteristics (1) working wither to possibilitate

emancipation or colonization according to the meaning attributed by the athletes;

characteristics that foster metamorphosis directed to autonomy (2); and characteristics

thwarting an autonomous expression of identity facilitating metamorphosis of identity

reposition and, consequently, idealization of the athlete role. So it is concluded that Futsal's

sport context have characteristics that either facilitate or thwarts autonomous identity

expression and formation, requiring care and attention by sports practitioners in relation to

how athletes experience this environment in terms of identity formation.

Keywords: Identity; Sport; Athletes, Context.

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

81

Introdução

Evidências apontam o esporte como um ambiente com possibilidades de

intervir de maneira positiva no desenvolvimento humano e esportivo, e a identidade

atlética pode potencializar a aquisição de habilidades que auxiliem o ser humano no

seu do dia a dia (FRASER-THOMAS, CÔTÈ & DEAKIN, 2005; GOULD & CARSON,

2008). Embora existam evidências, não há consenso de que o contexto esportivo

favorece ou não o desenvolvimento humano. Evidências também sugerem a relação

negativa entre identidade atlética e aspectos negativos ligados ao esporte como

situações de transição de carreira/aposentadoria ou lesões (ver PARK, LAVALLEE

& TODD, 2013) e também com a formação educacional/vocacional e psicossocial

com o comprometimento precoce com o esporte (VISSOCI, 2009). Essas restrições

podem ser relevantes para um processo de formação de identidade que facilite ou

atrapalhe a busca por autonomia.

De fato, compreender como o contexto esportivo apresenta elementos que

possibilitam ou dificultam a formação de identidade parece determinante para

entender o desenvolvimento humano daqueles ligados com o esporte,

principalmente durante as transições da carreira atlética. Contudo até onde

pudemos encontrar nenhum estudo analisou ambiente esportivo e suas

características bioecológicas oportunizando possibilidades de busca por autonomia

ou de manutenção da heteronomia no processo de formação identitária durante a

carreira atlética.

Para entender identidade partimos da concepção de identidade do Sintagma

Identidade – Metamorfose – Emancipação (CIAMPA, 1987, 2009), a qual trata de

um processo relacionado ao movimento do ser humano de vir-a-ser, relacionado à

sua atividade. Portanto, este processo está vinculado á humanização e socialização

e ao acesso à linguagem; passando por transformações constantes (metamorfoses)

com as modificações do indivíduo e/ou do ambiente, direcionando-se como um

movimento político de busca da autonomia frente a opressão sistêmica. Ainda,

integra aspectos da cultura na sua expressão individual identitária (fundamentada

em identidades políticas) e emancipação da dominação ideológica (ou colonização

pela ordem sistêmica), ou da manutenção da heteronomia (enquadramento nas

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

82

regulações dos papéis - Política de Identidade) com base nas nossas experiências

históricas e no projeto de vida (CIAMPA, 1987, 2009).

Dentro da perspectiva supracitada, a formação identitária sofre influência do

sentido atribuído pelo sujeito às características do contexto em que está incluído,

em especial às características culturais e pressupostas (Políticas de Identidade,

CIAMPA, 2002), as quais estão ligadas a essa troca do sujeito com o ambiente. Por

isto, compreender como o contexto se estrutura e é entendido pelo indivíduo é

determinante para entender seu papel na metamorfose identitária e,

consequentemente, o impacto do contexto no desenvolvimento humano do indivíduo

em busca da emancipação da expressão da sua autonomia. Nesta perspectiva, o

estudo avança em caracterizar o contexto de atletas de Futsal para compreender

como o ambiente esportivo pode favorecer movimentos autonômicos ou

heteronômicos e em qual grau fornecem possibilidades emancipatórias ou

reguladoras para os seres humanos que exercem, também, o papel de atleta.

Para caracterizar os parâmetros do contexto, buscamos suporte na teoria

bioecológica de Bronfenbrenner (2005), a qual proporciona um modelo para estudo

de processos de desenvolvimento em contexto. Essa perspectiva teórica tem sido

aplicada em diferentes estudos na área do esporte (VIEIRA, 1999a; VIEIRA, 1999b;

KREBS et al, 2011) e da Psicologia Social (JORDAHAL; LOHMAN, 2009; FLEARY

et al., 2010), mas ainda nenhum estudo utilizou esta perspectiva como forma de

compreensão da identidade em atletas. A teoria bioecológica propõe estudar o

desenvolvimento humano (BRONFENBRENNER, 1995) em quatro níveis de

contexto (micro-, meso-, exo- e macrossistema).

Os quatro níveis de contexto são diferenciados entre si de acordo com a

interação direta que o indivíduo tem em cada nível (BRONFENBRENNER, 1992). O

microssistema é o ambiente imediato (ex.: casa, escola, clube, etc.), no qual o

indivíduo atua diretamente, estabelece relações interpessoais (ex.: relação pai e

filho), executa atividades (ex.: cotidianas ou esportivas) e exerce um determinado

papel (ex.: papel de atleta, filho, etc.). O mesossistema é caracterizado por elos

entre dois ou mais microssistemas (ex.: casa-escola) que o indivíduo faz parte

diretamente configurando participações multi-ambientais, maior conhecimento e

comunicação entre os ambientes diferentes. Em terceiro nível, o exossistema

caracteriza-se por ligações entre dois ou mais ambientes, sendo que no mínimo em

um destes ambientes o indivíduo não atue diretamente. Contudo, ocorrem eventos

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

83

neste nível ambiental que podem influenciar o comportamento dentro do ambiente

imediato que contém a pessoa em desenvolvimento; por exemplo, a rescisão de

patrocínio pode influenciar o desenvolvimento do indivíduo no microssistema

“clube”, em que o atleta participa ativamente.

O macrossistema consiste em um padrão externo de micro-, meso- e

exossistemas característicos de uma determinada cultura ou um contexto social

maior, contendo normas, sistema de crenças, recursos, riscos, oportunidades,

estilos de vida, estruturas e padrões de intercâmbio social. O cronossistema se

refere à noção temporal, cronológica dos eventos (transições de carreira) e vital

(própria do indivíduo), em que ocorre o desenvolvimento (BRONFENBRENNER,

2005; KREBS et al., 2011).

Face ao exposto, o objetivo deste estudo foi caracterizar o contexto

bioecológico de jogadores de futsal brasileiros, visando analisar os elementos

significativos para o desenvolvimento dos atletas. Especificamente buscamos, com

base na teoria bioecológica do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner (2005)

e na concepção do sintagma identidade - metamorfose - emancipação de Ciampa

(2009), evidenciar elementos do contexto que favorecessem a busca por

emancipação ou autonomia ao indivíduo ou que funcionasse como barreiras,

direcionando para a heteronomia e mesmice do processo de metamorfose

identitária.

Métodos

Estudo transversal de caráter qualitativo exploratório, com o objetivo de

analisar as características do contexto bioecológico experienciado por atletas de

Futsal. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres

Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer no 248363/2013).

Consentimento livre e esclarecido foi assinado por todos os participantes do estudo.

Seleção dos Participantes

A população do estudo foi composta por jogadores brasileiros de Futsal. Para

cobrir uma variedade de experiências esportivas, nós selecionamos uma amostra de

jogadores por conveniência em cada um dos times disponíveis. Foram selecionados

dois atletas de cada time para as entrevistas. Contudo, quatro equipes não

liberaram seus atletas para participar das entrevistas, e uma equipe liberou apenas

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

84

um atleta. A amostra final foi composta por 25 atletas. A segunda amostra foi

composta por sete treinadores, representantes de cada uma das equipes dos atletas

entrevistados. O critério para seleção dos participantes foi o nível de desempenho

das equipes (participação na Liga Nacional de Futsal 2013, que é uma das

competições mais relevantes do mundo, na modalidade). Nós solicitamos aos

treinadores que sugerissem atletas tidos como referência dentro da equipe, em

termos de desempenho técnico ou experiência. Nossa hipótese é de que esse atleta

representaria a cultura de equipe por ser o centro das relações estabelecidas na

mesma.

Instrumentos e Procedimentos

Entrevistas

As entrevistas seguiram um roteiro semiestruturado, com objetivo de

direcionar o discurso sem orientar a resposta de perguntas específicas. Os assuntos

abordados nas entrevistas seguiram os elementos dos parâmetros do contexto,

oriundos da teoria bioecológica, e a trajetória de carreira experimentada pelos

atletas. No início de cada entrevista, os atletas eram orientados sobre a

confidencialidade das informações, da utilização de aparelhos para gravação dos

depoimentos e da garantia de abandonar o estudo a qualquer momento. As

entrevistas foram conduzidas em uma sala privada, no local de treinamento ou no

hotel em que os atletas estavam hospedados, com duração de 20 a 40 minutos.

Transcrições foram feitas logo após cada entrevista e, caso mais informações

fossem necessárias, uma nova entrevista era agendada.

Análise Documental

Após cada entrevista com os atletas e treinadores, nós indagávamos os

participantes sobre documentos ou fontes de informações relevantes para a

compreensão da estrutura, funcionamento e organização da modalidade do Futsal.

A partir das entrevistas e uma análise prévia sobre as indicações, quatro

documentos (FIFA, 2014, CBFS, 2013, 2014a, 2014b) entraram para análise para

identificar elementos referentes ao macrossistema do Futsal.

Análise dos dados

Categorias do sistemas ecológicos. O método de análise dos dados aplicado

para caracterização dos sistemas ecológicos (micro, meso, exo e macrossistemas)

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

85

dos atletas foi o perfil idiográfico, caracterizado pelas etapas de análise indutiva e

dedutiva. Na etapa indutiva, as gravações foram transcritas gerando

aproximadamente 98 páginas digitadas em espaço simples. Independentemente,

dois pesquisadores identificaram os temas brutos (citações ou parafrases que

capturavam as ideias gerais dos depoimentos) caracterizando as respostas dos

atletas à luz dos conceitos utilizados como base para a entrevista. Essa análise

inicial gerou um perfil idiográfico de cada atleta (GRATTON & JONES, 2010). Na

sequência, através de extensas discussões, o consenso foi obtido sobre um perfil

conjunto de temas para cada atleta e respostas para cada atleta, assim como uma

lista de subtemas caracterizando cada indivíduo.

Os investigadores discutiram os perfis idiográficos dos atletas e todos os

temas subjacentes. Os temas emergentes foram agrupados sobre domínios em

comum, gerando uma lista de temas englobando todos os sujeitos da pesquisa. A

partir destes temas, uma análise indutiva com base no referencial teórico

determinou temas de maior generalização em relação aos temas evidenciados.

Cada seção geral (domínio) foi formada por um tema emergente de primeira ou

segunda ordem.

Para verificação suplementar da análise indutiva, os temas de primeira e

segunda ordem foram verificados através de uma análise dedutiva. Nesta etapa,

nós retomamos as transcrições das entrevistas e verificamos se todos os temas

emergentes e dimensões estavam representados nos relatos. Para fins de sigilo e

identificação dos depoimentos, atletas e treinadores foram codificados de acordo

com a nomenclatura A (A1, A2, A3...) para os atletas e T (T1, T2, T3…) para os

treinadores.

Associação com o contexto Bioecológico. Para a análise da associação entre

os paramêtros do contexto e a classificação dos atletas de acordo com o movimento

de expressão identitária (autonomia ou heteronomia), utilizamos o método de

análise de redes (BORSBOOM et al., 2011). Cada atleta foi categorizado de forma

dicotômica em (1) orientado para autonomia ou (2) orientado para heteronomia, a

partir do conteúdo das entrevistas.

A rede foi construída utilizando cada categoria do contexto identificada pela

análise idiográfica e classificação em direção para heteronomia ou autonomia. Para

tanto organizamos um banco de dados no qual foram categorizadas (de forma

dicotômica, com 0 = não e 1 = sim) as características do contexto expressas por

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

86

cada atleta em seu discurso sobre sua carreria esportiva. Assim, chegamos a um

banco de dados com 61 temas emergentes que caracterizaram as categorias do

ambiente bioecológico dos atletas e 2 representando autonomia e heteronomia,

totalizando 63 nodos (representações circulares na Figura 2). As hastes (conexões

entre os nodos) foram desenhadas para cada variável que apareciam

simultaneamente no discurso do mesmo sujeito, gerando assim uma matriz de

vizinhança com a frequência de co-ocorrências.

Nós aplicamos uma rede não-direcional, com algorítimo de posicionamento

que permite aproximar nodos com associações mais altas. Dessa forma, quanto

mais próximos os nodos maior é associação entre as variáveis. As hastes tiveram

uma disposição ponderada indicando que a espessura (intensidade da cor) exprime

a força da haste, que é o grau de conexão entre dois itens.

Utlizamos o descritivo APL (Tamanho médio de trajetória - Avarage Path

Lenght), que é uma medida que indica o grau de associação a partir do tamanho

médio de distância entre dois nodos na rede. Calcula-se a média de trajetórias

(hastes) que são percorridas para alcançar o nodo alvo. Quando menor essa média,

mais próximos os nodos são e maior é associação, como tem sido reportado em

outros estudos (Borsboom et al., 2011). Essa análise permitiu identificar ao grau de

associação entre as categorias do contexto e a orientação da expressão de

autonomia dos atletas (autonomia e heteronomia), evidenciando quais elementos do

contexto funcionam como possibilidades emancipatórias ou de colonização da

formação identitária. Todas as análises foram conduzidas com o programa

Linguagem R (R-PROJECT, 2015).

Resultados

Mapa bioecológico dos atletas de futsal

As ideias coletadas foram sintetizadas e organizadas em uma representação

esquemática da configuração do contexto bioecológico dos atletas de Futsal, em

relação ao desenvolvimento de suas carreiras atléticas (Figura 1). Os elementos

(círculos) conectados com o círculo central (atleta) representam os microssitemas, e

as conexões em vermelho representam o mesossitema. O exossistema está

representado por elementos que não se conectam diretamente ao atleta, mas se

relacionam indiretamente e se interconectam (linhas verdes) no macrossistema, que

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

87

compreende o ambiente cultural, político, econômico e valorização da modalidade

pela sociedade.

Figura 1. Mapa do contexto Bioecológico dos atletas de Futsal de elite brasileiros.

Organizamos a descrição do microssistemas em 4 ambientes que integram a

dinâmica dos conceitos de atividades, relacionamentos interpessoais e papéis

(Figura 1). O primeiro se refere aos sistemas diretamente relacionados à prática

esportiva, seja em uma escolinha de futsal ou futebol de campo ou a própria equipe

esportiva. A segunda dimensão do microssistema integra contextos relacionados à

formação acadêmica/profissional como escola (que não esportiva) e/ou ensino

superior (faculdade), e ambiente de trabalho que não o esporte. A terceira dimensão

aborda temas relacionados à família, tanto família na fase infantil como atualmente

na fase adulta, como esposa ou filhos. O último contexto evidenciado reúne

características da comunidade ou cidade na qual o atleta reside, também incluindo

elementos dos torcedores. A relação entre esses elementos de microssitema

determinam o mesossitema dos atletas de futsal.

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

88

Numa terceira estrutura, conseguimos identificar quatro domínios

significantes para caracterizar o exossistema, (1) a Diretoria da equipe aqui

representando os agentes que fomentam e organizam a modalidade no nível da

equipe e no nível das Federações, (2) Mídia, representando os agentes ligados à

publicidade e a propagação da modalidade no cenário regional, nacional e

internacional, (3) Setor Público/Privado, relacionado aos ambientes profissionais

que empregam as famílias dos altetas, financiam as equipes e representam os

interesses do capital relacionados ao esporte, e (4) Administração Pública, referindo

aos incentivos municipais e o respaldo de governabilidade que influenciam a

modalidade e a vida do atleta (Figura 1).

Os conteúdos das entrevistas com os atletas foram aglutinados em temas

emergentes que caracterizaram cada um dos elementos (categorias de primeira

ordem) dos sistemas ecológicos (categorias de segunda ordem) que configuram o

contexto esportivo do futsal (Figura 2). Para facilitar a descrição, organizamos os

resultados a partir do sistemas ecológicos com exemplos de trechos de discurso dos

atletas.

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

89

Pa

rtic

ipa

ção

da

fam

ília

na

inte

gra

çã

o c

om

a e

qu

ipe

Dific

uld

ad

es in

str

um

enta

is e

ed

uca

cio

na

is c

om

a c

arr

eira

Carr

eira

ltip

la -

fu

tsa

l/e

stu

do

s/tra

ba

lho

Cob

ran

ça f

am

iliar

po

r b

om

de

se

mp

en

ho n

os e

stu

do

s

Falta

de

pe

rspe

ctiva

de

in

se

rção

do

merc

ado f

ora

do

esp

ort

e

Con

tato

en

tre fa

mília

s d

e c

ole

ga

s a

tle

tas

Pa

rtic

ipa

çã

o

Mu

ltia

mb

ien

tal

Lig

ões

ind

ire

tas

Co

mu

nic

ão

In

tera

mb

ien

tal

Con

diç

ão s

ocio

eco

nôm

ica d

os p

ais

Impo

rtân

cia

da f

am

ília

na

exp

eriê

ncia

espo

rtiv

a

Esp

ort

e c

om

o a

lte

rnativa

à d

roga

s e

crim

ina

lida

de

Pre

ca

rie

dad

e e

de

sig

ua

lda

de

de

rela

ção

de

tra

ba

lho

en

tre d

ire

toria

e e

qu

ipe

Fam

ília

su

jeita

à p

recarie

da

de d

a r

ela

ção

direto

ria

-atle

ta

Te

mas

Em

erg

en

tes

P

rim

eir

a

Ord

em

Se

gu

nd

a

Ord

em

Influên

cia

da

com

un

ida

de

pa

ra a

in

icia

ção

Pa

is c

om

rece

io d

o e

sp

ort

e influ

en

cia

r n

o t

rab

alh

o

Carr

eira

fo

ra d

o f

uts

al vs.

Carr

eira

no

espo

rte

Rep

erc

ussão

do

de

sem

pen

ho

do

atle

ta

Dis

torç

õe

s e

ntr

e c

on

teú

do

mid

iático

e r

ea

lidad

e

Co

nh

ec

ime

nto

In

tera

mb

ien

tal

Me

so

-

Ex

ossis

tem

as

Inic

iaçã

o c

edo

, po

r div

ers

ão

e c

om

pro

me

tim

en

to a

o p

rofissio

na

liza

r-se

Dific

uld

ad

es in

str

um

enta

is c

om

a c

arr

eira

Ince

ntivo

e g

osto

pe

la p

rática

esp

ort

iva

Estu

do

com

o a

lte

rna

tiva

à c

arr

eira

espo

rtiv

a

Fort

e v

incu

laçã

o c

om

ou

tros a

tle

tas d

evid

o à

in

ten

sa

jo

rna

da

Pe

rcep

çã

o d

e s

up

ort

e instr

um

en

tal e

afe

tivo

pa

ren

tal

Ap

oio

fam

iliar

e d

e té

cn

icos a

mb

iva

len

tes

Afe

tos p

ositiv

os e

ne

ga

tivo

s s

ob

re a

dis

tan

cia

fam

iliar

Pro

me

ssa

de

asce

nsão

so

cia

l e

esta

bili

dad

e p

elo

esp

ort

e

Falta

de

pe

rspe

ctiva

de

in

se

rção

do

merc

ado f

ora

do

esp

ort

e

Impo

rtân

cia

do f

uts

al pra

a c

idad

e/c

om

un

ida

de

Ati

vid

ad

es

Rela

çõ

es

Inte

rpes

so

ais

Pa

péis

Mic

ros

sis

tem

a

Pre

ocup

ação

com

o p

raze

r pe

la m

oda

lida

de

ao

in

s d

o s

alá

rio

Impo

rtân

cia

da m

oda

lida

de

pa

ra o

pa

ís

Pra

ze

r pe

la p

rática

Va

loriza

çã

o d

a c

om

un

ida

de

pe

la m

oda

lida

de

ma

s p

ou

ca

va

lori

za

çã

o g

era

l R

eco

nhe

cim

en

to p

erv

ers

o d

o a

tleta

Esta

gn

ação

da

mo

da

lida

de

Ince

rteza

sob

re a

ma

nu

ten

çã

o d

a p

osiç

ão

na e

qu

ipe

Cre

as

Va

lore

s

Es

tru

tura

Ma

cro

ss

iste

ma

Fig

ura

2. Te

ma

s e

me

rge

nte

s e

ca

tego

ria

s d

e p

rim

eira

e s

egu

nd

a o

rde

m p

ara

ca

racte

riza

çã

o d

o c

on

texto

bio

eco

lógic

o.

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

90

Macrossistema

Sobre a primeira dimensão do macrossistema (Crenças, Figura 2), emergiu a

categoria de preocupação com o prazer evocado pela prática do futsal que

representa o fator intrínseco associado à carreira esportiva, conforme relato do

atleta A15:

Eu amo o que eu faço. Período de férias é legal na primeira semana e segunda semana, depois eu já

começo a ficar amargurado, porque você quer voltar a treinar, você quer voltar a jogar. Isso acaba

sendo muito intrínseco [...] a vontade de jogar que está no sangue (A15).

Percebemos uma presença forte da percepção pela valorização da

modalidade pela comunidade (torcedores ou moradores da cidade do clube), na

dimensão de Valores (Figura 2). Essa valorização se reflete na presença dos

torcedores nos ginásios, pelo contato com os atletas no dia-dia e pela participação

midiática nos clubes. Como retrata o depoimento:

Faz 6 anos que to em [nome da cidade]. Cria raiz, amigos. Pra ter uma ideia tem uma senhora de 86

anos que em todo jogo desde a série prata ela vai de cadeira de rodas com o vozinho, ela sempre ta

lá. Tu chega no ginásio e conhece todo mundo. Todo jogo, na maioria dos jogos tem 3.500 pessoas,

4.000 pessoas acompanham o futsal. Lá o pessoal vive o futsal (A2).

Apesar dessa valorização, fica claro também nos discursos que a modalidade

não alcança o cenário nacional, principalmente quando comparada ao futebol de

campo. Os relatos sugerem pouco investimento, situações precárias de contratos de

trabalho, pouco impacto midiático e desvalorização em relação a outras

modalidades que são olímpicas como o voleibol e futebol de campo (Figura 2).

Neste contexto, o reconhecimento do atleta de futsal também emergiu como

um elemento negativo. Temas como sentirem-se cobrados ou percebidos pela

comunidade como famosos, ou como tendo bons ganhos financeiros por aparecer

na televisão, serem tratados como atletas de futebol de campo apesar de não

receber o mesmo investimento ou ter a mesma estrutura de organização; e, por fim,

serem reconhecidos profissionalmente apenas quando estão vencendo jogos

(Figura 2). Alguns relatos ilustram bem a percepção distorcida de reconhecimento

pelo papel de atleta:

Ah eu quero ganhar titulo [...], toda competição que eu to que quero ganhar, não quero saber de ah

eu já ganhei isso, ganhei aquilo ta bom, não, as portas só se abrem aos vencedores. Isso eu tenho

plena consciência, e tem que ta ganhando, não adianta jogar 2,3 jogo bem e não ser campeão, tem

gente que se contenta em ganhar jogo, eu quero ganhar titulo, os cara fala quem foi campeão lá, o

sucesso da equipe é o sucesso individual de cada um (A8).

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

91

Ah quando ganha sempre ta tudo bem [...], e quando perde a gente sempre fica um de cara feia pro

outro, assim, sempre tem uma influência quando perde, mas no geral é tranquilo [...], um ajuda o

outro, procura ajudar quem ta mal, pra no próximo jogo ir bem (A11).

Sobre a categoria da Estrutura, relatos evidenciaram a falta de organização e

precariedade da modalidade (Figura 2) e a incerteza quanto à situação profissional.

Atrelado aos temas relacionados a pouca estrutura, também aparece a precarização

dos contratos de trabalho e da situação empregatícia do atleta. Alguns atletas

sequer reconhecem a prática como profissionalizada. As próprias equipes tem

pouca estrutura financeira, o que não garante a continuidade do time ano após ano,

como relata o atleta A7:

o esporte está valorizado no Brasil. só que eu acho que às vezes, o time tem 5 mil pra te dar, tem

alguns que falam não e falam mal, só que tem 3 jogadores que aceitam mil e quinhentos. A eu jogo

por 3 mil, o cara não vai pagar 3 mil, eu posso pagar 2. Porque eu vou contratar um por 3 mil se eu

posso pagar 2? Normal [...], tem muita gente que não quer parar de jogar, tem qualidade mas está

acertando só por causa disso, a, pra mim mil e quinhentos está bom. Acho que patrocínio também

tem muito, é só a pessoa querer fazer um pouquinho de esforço que a pessoa consegue o dinheiro

[...] (A7).

Poucas equipes conseguem ter continuidade e oferecer planejamento de

carreira ao atleta, sem discutir a formação de talentos ou pessoal através do esporte

(Figura 2). Estas características serão revisitadas nos discursos referentes à outras

estruturas do contexto bioecológico.

Microssistema

Como principais características do microssistema, destacamos o ambiente

diretamente relacionados à prática esportiva, seja em uma escolinha de futsal ou

futebol de campo, ou a própria equipe esportiva. O segundo ambiente relatado

integra contextos relacionados à formação acadêmica/profissional como escola (que

não esportiva) e/ou ensino superior (faculdade), e ambiente de trabalho que não o

esporte. Temas relacionados à família, tanto na fase infantil como na fase adulta

também estiveram presentes e o ambiente que reúne características da comunidade

ou cidade na qual o atleta reside, incluindo elementos dos torcedores.

Configurando as Atividades, é possível perceber que a entrada no futsal

usualmente ocorria por diversão, praticado no contra turno da escola (Figura 2).

Estes discursos indicam o comprometimento prematuro com a prática, o que parece

ser influenciado pelo objetivo de ser um atleta de futebol desde a infância. Contudo,

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

92

com a evolução da prática, o comprometimento do atleta aumentava, junto com a

percepção de possibilidades de emprego por meio do futsal/futebol de campo,

conforme depoimento a seguir:

[…] comecei com 5 anos a tomar gosto pela competição eu comecei a treinar muito novo, então eu

falei eu vou levando e vamos ver ate onde vai dar, e a única coisa que eu quero é seguir estudando

então vou tentar levar pros jogos e fui levando e quando eu vi que eu estava em um time de ponta no

caso o [nome do time] com 18 anos eu realmente falei já to aqui demorei pra caramba pra chegar

agora eu vou seguir em frente (A14).

Outra categoria foi o impacto das políticas de identidade do papel atleta sobre

a vivência e desenvolvimento do adolescente envolvido com o esporte.

Especificamente com relação à educação, transformando outras atividades molares

em moleculares que acabam perdendo força e entrando em descontinuidade. Cabe

ressaltar, que esse comprometimento ou vislumbre de uma profissionalização com a

prática esportiva, ocorreu para estes jogadores por volta dos 13 a 15 anos, diferente

de carreiras vocacionais que usualmente iniciam-se após o ensino médio (por volta

dos 17 a 19 anos). Os relatos dos atletas A10 e A11 ilustram essa ação das

Políticas de Identidade:

Olha no [nome do time] esportes, sob o olhar dos meus pais eu sempre deixava meio a desejar [...],

eu sempre queria deixar de lado os estudos e sempre fui apaixonado pelo que faço até hoje, sempre

fui apaixonado pelo futsal entendeu, então eu matava aula mesmo pra brincar com a rapaziada, e

acabava enganando meus pais [...], [...] aonde é que eu acabei deixando pra trás, que quando eu fui

ver que aula não era pra mim, não tinha cabeça mais para estudar porque eu tava muito atrás dos

outros alunos (A10).

Ah quando eu decidi mesmo que eu, na verdade desde pequeno era o sonho de ser jogador sempre

[...] foi a partir dos 18 anos que começou a ficar mais sério o negócio, eu comecei a ganhar os

primeiros salários tal (A11).

Ao tratar das Atividades, os atletas expressaram temas referentes à

experiência com a prática do futsal (Figura 2). Um dos domínios identificados foi o

de dificuldades instrumentais com a carreira, pouco investimento e auxilio financeiro

aos atletas, alguns relataram ter dificuldades para se estabelecer e se alimentar:

Eu com 14 anos com essa trajetória toda, eu já fui pra vários times de campo. O [nome do time], que

eu estava no [nome do time], o meu pai deixou eu ir, eu cheguei lá e não tinha o que comer. O

quartel ficava a 4 km de onde a gente treinava. O treino acabava as 11:30 por aí, e no quartel servia

comida até 12:00. Se tu não chegar lá. Então nós não tínhamos tempo pra chegar lá. Tinha 3 km pra

caminhar, não conseguia (A2).

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

93

Todos os relatos apontaram que as primeiras experiências com o esporte

foram na escola, com a prática de diversas modalidades (Figura 2). De maneira

semelhante, os relatos sugeriam maior identificação com a prática de exercícios

físicos nas aulas de educação física e com o professor da disciplina, evidenciado no

relato do atleta A2:

Com 5 pra 6 anos eu comecei a frequentar o colégio, aí eu comecei a frequentar esportes. Comecei

no futsal até os 12 anos se não me engano. Depois junto com o campo. Mas ali também tinha como

tem hoje, basquete, handebol, o geral. Eu sempre participei em tudo. Na seleção do colégio desde o

atletismo até, mesmo sendo baixinho, no basquete, vôlei. Disputei estaduais com 15 e 16 anos no

basquete, vôlei, handebol (A2).

Por fim, sobre as Atividades do microssistema, em uma etapa mais avançada

da trajetória esportiva dos atletas, a vivência acadêmica/vocacional retorna como

uma alternativa à carreira esportiva. Relatos demonstram a busca de alguns atletas

por formação educacional, até mesmo a nível superior, como plano secundário de

futura atuação profissional. Outros apontam o retorno à formação educacional após

alcançar uma consolidação da carreira atlética, como relata o atleta (A4):

a carreira é curta então o cara tem que saber fazer as escolhas certas, foi por isso que eu decidi

procurar a vida acadêmica, para dar uma base, porque se o esporte não desse certo, eu tinha uma

coisa na minha vida então (A4).

Sobre a dimensão de Relacionamentos Interpessoais, emergiram temas

associados à forte vinculação entre os atletas, caracterizando padrões de

relacionamento interpessoal. Os relatos evidenciam que no início da carreira

esportiva muitos atletas mudam de cidade para jogar, vivendo em casas juntos com

outros atletas. No relato do atleta A1, esse relacionamento com outros atletas

configura uma "família”, como exemplificado no trecho:

quando eu fui jogar fora, a gente criou um vínculo de amizade que é totalmente diferente. Porque

hoje em dia a maioria dos jogadores são casados, de outros estados, acaba que tu tem, é claro, a

gente passa muito tempo junto, mais que com a família, seria uma família mas naquela época tu

treinar com outro atleta e chegar em casa vai estar o atleta, aí tu acordar vai estar o atleta, sabe é

bem diferente, muda muito do que hoje. Tu vai lá, trabalha com o cara, tu vai pra sua casa e o cara

também foi pra casa, pra ver a esposa, você pra ver tua esposa (A1).

Em paralelo, além dos atletas, os treinadores acabam se tornando influências

significativas para os atletas, na maneira como estes se relacionam com o contexto

esportivo. Contudo, essa influência nem sempre é positiva, principalmente com

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

94

treinadores que cobram exageradamente por resultados. Os depoimentos ilustram

essa ambivalência da relação com o treinador:

foi o treinador que me cobrava muito me exigia muito, eu não sei se ele marcou positivamente ou

negativamente, quem sabe ele cobrava tanto por ver em mim um grande potencial, com o passar do

tempo eu comecei a olhar por esse lado, na época eu não gostava muito, só que hoje, depois de 4, 5

anos que eu sai de la, eu vejo que ele me via com outros olhos, via esse potencial, só que tem que

trabalhar, então quem sabe foi o cara que marcou, eu não sei até hoje se foi positivo ou negativo,

mas eu acho que foi um cara que marcou sempre aquela cobrança. (...) É que era uma cobrança

diferente [...], a fama dele não era muito boa, de ser um treinador muito exigente, por mais que

fizesse, se dedicasse 100%, [...] as vezes até cobrava na frente dos colegas, que deixava a gente

meio mal assim na frente dos colegas, mas eu tinha ja meus 22, 23 anos já era um pouquinho mais

maduro, quem sabe fosse um moleque eu tinha chutado o balde, só que como eu via naquilo ali

também meu futuro (A8).

Por volta de 9 anos eu comecei na própria escola, tinham os meus professores que também eram

treinadores de clubes e foi na hora que já começou aquela separação (vem cá você vai treinar

comigo), aí foram dando o direcionamento que acabou indo pro futsal e acabei me adequando e tô

até hoje. (...) Eram pessoas assim muito legais, muito boas, tive sorte de pegar treinadores que não

tinham tanto enfoque assim ou só o enfoque da questão da vitória, mas de uma formação

educacional dentro do esporte, que pra mim foi fantástico (A15).

Os atletas relataram boas relações com a família, em especial no que se

refere ao suporte para a prática esportiva. Em alguns relatos a prática esportiva era

influenciada diretamente por um membro da família que também era atleta ou que

foi atleta em algum momento da vida. Essas relações são ilustradas nos recortes de

entrevista a seguir:

[...] não no meu caso não porque minha esposa é muito parceira não me cobra questão de presença

porque ela entende, ela já ta comigo há 4 anos, [...] a gente consegue conciliar o máximo que pode,

toda folga que eu to eu procuro ta junto deles, participar a maior parte do tempo do crescimento da

minha filha que eu acho que isso é importante (A5).

[...] a eles faziam tudo pra me ajudar [...]. O meu pai já jogou já. E minha mãe também gosta, sempre

ia nos jogos, não faltava em nenhum jogo, e se tivesse que trabalhar ela faltava no trabalho pra ir.

Ela fazia de tudo pra gente ir jogando, fazia lanche (A7).

No que se refere ao Papel (Figura 2), os atletas relatam promessa de

ascensão social e estabilidade pelo esporte. Relatos mostravam que o Futsal

proporcionava bons salários, possibilidades de mudanças comportamentais como

evitar drogas, tendo ainda impacto no desenvolvimento pessoal por se distanciar da

família e precisar "se virar" sozinhos, como relata o atleta:

Se não fosse futsal de me dar oportunidade acho que eu não teria me dado bem, todos meus amigos

da infância ou morreram ou foram preso, se meteram com coisa errada então o lado positivo é esse

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

95

do esporte então eu só tenho que agradecer [...] o esporte só traz coisa boa, é saúde, é paz, é

tranquilidade, te faz te da uma paz de espírito muito grande (A4).

Foi possível verificar que os atletas se identificavam com a personagem de

pai ou marido (Figura 2). É interessante notar uma característica repetidamente

relatada ao descrever suas relações com as famílias, demonstrando uma

ambivalência em relação à distância da família, que o esporte acaba promovendo

pela sua característica de viagens e competição. Para alguns, os discursos giraram

em torno de manifestações de saudade, enquanto para outros atletas a distância da

família auxiliou no amadurecimento pessoal, conforme relatos:

geralmente a gente fica longe, e eu vejo muitas vezes as pessoas que estão perto da família e que

poderiam ser mais carinhosas, porque não é fácil ficar longe da família, das pessoas que tu gosta e

lá no final sabe que se Deus quiser as coisas vão melhorar e poder dar o que tu deseja para as

pessoas que tu ama (A3).

o negativo é que tem muitas viagens tem muitos treinos que são necessários então a gente fica

longe da família não tem a oportunidade de ver os filhos crescer visitar os pais ainda mais os meus

que estão longe (A5).

Um domínio que emergiu quanto aos Papéis do microssistema (Figura 2) foi

uma relevância da comunidade para a sua definição identitária. Os atletas relataram

o acolhimento que recebiam das cidades pelas quais iam jogar, principalmente com

o tom de reconhecimento do seu papel enquanto atleta, como demonstram as falas:

Foi onde tudo começou, onde a torcida abraçou o time, que lotou a primeira vez o ginásio. Você

olhava na cidade, era todo mundo de amarelo, era prédios com, sabe. Faziam camisetas de 50 60

metros que desciam os prédios. Foi uma loucura, foi um absurdo. Então foi ali que começou (A2).

[...] ainda mais que a [nome do time[ em [nome da cidade] é uma cidade que é muito hospitaleira,

acolhe muito legal todo mundo em São Paulo em um ano eu não conheci meus vizinhos, e lá em

uma semana meu vizinho, desce aí e vamos tomar uma cervejinha e tal, e isso é muito diferente no

lugar aonde tu vai, porque as vezes o atleta pode estar feliz, mas aí tu mora em um lugar ruim, sabe,

tu acaba já não rendendo o que poderia render sabe (A15).

O Futsal tem uma presença forte em cidades mais interioranas, fora de

grandes centros que são tomados por equipes de futebol de campo ou voleibol, por

exemplo. Dessa forma, os atletas são conhecidos por toda a cidade, e reconhecidos

como atletas mesmo em outros contextos. Este reconhecimento parece dar

importância ao atleta, proporcionando destaque e acolhimento por parte da

comunidade e torcedores.

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

96

Mesossistema e Exossitema

Na análise do mesossistema, encontramos uma forte característica de

participação multiambiental entre o ambiente familiar dos atletas e a sua equipe

esportiva. Também, de comunicação interambiental da prática esportiva sobre a

vida acadêmica/vocacional. Menos presente, evidenciamos elementos de

conhecimento interambiental da comunidade e do reconhecimento dos atletas em

suas participações esportiva (Figura 2).

A participação multiambiental da família exerce uma influência importante

para que os atletas não percam de vista a relevância da continuidade dos estudos

durante a experimentação e especialização esportiva, caracterizando a

comunicação interambiental como elemento que potencializa a experiência e

diversidade de atividades molares. Os atletas relataram perceber cobrança dos pais

para que continuassem os estudos apesar de perseguirem, simultaneamente, a

carreira atlética. Contudo, notamos também que essa cobrança se estende até,

aproximadamente, o ensino fundamental ou médio, conforme relato:

Meus pais sempre foram muito tranquilos e sempre falaram ó quer jogar? tem que estudar, minha

única cobrança era estudar ter notas boas no colégio pra fazer o que queria e de treinador também

(e você sempre levou o estudo junto?) sempre até hoje eu faço administração [...] to no sexto período

dois períodos de me formar e pra mim isso vai ser uma felicidade incrível poder dar isso pros meus

pais sempre falaram que tem que estudar e seguir jogando e hoje estou conseguindo me formar sem

gastar um real tendo bolsa do clube então pra mim ta sendo maravilhoso (A14).

A participação multiambiental no esporte sobre o contexto educacional, por

sua vez, tem efeito inverso no período de investimento da carreira esportiva (Figura

2). Os atletas por volta dos 17 anos relataram abandonar os estudos, ou ter muita

dificuldade em acompanhar uma carreira educacional para se especializar na

prática esportiva. No entanto, alguns atletas reportaram o interesse em retomar as

atividades acadêmicas/vocacionais quando conseguiram alcançar uma estabilização

da carreira esportiva, visando a vida pós aposentadoria do esporte, o que

caracteriza uma comunicação interambiental importante para o desenvolvimento do

atleta, como exemplificado na fala dos atletas:

com 13 anos quando eu sai da escola e fui para um clube federado que foi o atlético (...), de positivo

foi que eu aprendi uma série de coisas como atleta a se portar como atleta questão de horários dos

treinamentos se dedicar mais de investir mesmo nesta parte e o ponto positivo é que um período

assim eu larguei os estudos isso foi ruim (A5).

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

97

É uma idade que decidi até muita coisa, ou você vai jogar mesmo ou vai estudar. E eu até na época

tava meio desiludido com o futebol. E como eu sempre joguei futsal eu falei a vou jogar futsal e

estudar [...]. Seria alguma coisa normal. E acabou dando certo. Hoje em dia eu só jogo futsal (...)

Quando eu entrei, passei na faculdade cheguei a fazer um ano e depois eu fui jogar no Minas e

parei. Voltei pra São Paulo e voltei a fazer faculdade, eu tentava conciliar. (A20).

Ao longo da trajetória, os pais perdem parte da importância, dando lugar às

próprias famílias que os atletas constituem (Figura 2). Esta família influencia os

atletas pela distância que acabam tendo devido às viagens e demandas do esporte.

Mas, também caracterizam uma força de comunicação interambiental entre o atleta

e as famílias dos colegas de equipe, favorecendo o comprometimento do atleta e

sua integração com o grupo. Quando um atleta chega no clube no qual as famílias

não interagem entre si, o relato aponta que a integração entre os atletas e própria

adequação ao clube sofrem influências:

Como tu viu ali, todo mundo combinando pra ir num parque pra jogar um pôquer. Então acho que até

o [nome de um colega de equipe] comentou, a esposa dele chegou e comentou com a minha esposa

que é difícil encontrar isso no meio do futebol, que ela ta se sentindo bem. (...) e que aqui ela se

sentiu, se estranhou quando ela chegou, porque no primeiro dia as gurias levaram, que nem agora,

estamos aqui, hoje, as gurias fazem uma janta la em casa outro dia na outra, tudo junto entendeu?

(...) Então isso, acho que tu vê sua família se sentindo bem, o atleta se sentindo bem, tu começa a

criar um vinculo com o clube (A2).

Uma situação recorrente nos relatos foi de que a participação multiambiental

com a família também era um fator determinante para lidar com a falta de estrutura

no início da carreira esportiva. A maior parte dos clubes não apresenta recursos

financeiros e estrutura para investir em jogadores de base, as famílias precisam

prestar o suporte financeiro e instrumental necessário para a prática (Figura 2).

Evidenciamos também o relato de atleta sobre a objeção dos pais com a

profissionalização esportiva, por potencialmente afetar o desenvolvimento

vocacional do atleta, como sugere o relato:

Meus pais até apoiavam assim de certa maneira [...], no meu caso praticamente, já tava trabalhando

[...], e jogava, ai eles tiveram receio assim [...] quando falei que ia para de trabalha pra joga, mais

agora eles estão ai [...] apoiando [...]. Rapais eu trabalhava mais pra isso [...] porque eu não tinha um

suporte financeiro da família e da equipe [...], eu precisava de dinheiro pra mim me mante (A3).

Para alguns atletas, apesar das dificuldades, a escolha pela carreira no

Futsal foi feita de forma autônoma, a partir do desejo de ser atleta (Figura 2).

Diferente de ser apenas uma expressão de políticas de identidade, essa escolha

parece sugerir uma direção de formação de uma identidade política de atleta, a

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

98

partir de um conhecimento interambiental de experiências fora do contexto do

esporte e do próprio esporte, com estabelecimento de um projeto de vida associado

de utilizar o esporte para se desenvolver pessoalmente, como sugere a entrevista

do atleta A4.

Quando eu me formei que eu consegui já um status profissional que eu tinha uma profissão que eu

decidi atuar no futsal, tive que abdicar de algumas coisas para me dedicar ao futsal, [...] foi quando

surgiu a oportunidade lá em [nome da cidade] de jogar a liga nacional com 18 19 anos eu jogava no

nacional e em 1999 quando o [time do atleta] tava a primeira equipe na liga, era meu primeiro ano no

juvenil. Joguei a primeira liga, e continuei jogando lá em [nome da cidade] e em outras equipes, tive

muitas propostas para sair de [nome da cidade], ir para o sul, mas sempre procurei me dedicar a

profissão que eu tava tentando, só que tava estudando, [...] quando eu me formei, eu decidi jogar

futsal profissionalmente (A4).

Não é surpresa que essa fala está associada a um atleta que tem diferentes

participações multiambientais ao longo de sua carreira, favorecendo a exploração

de outros personagens ao vivenciar o ensino superior e também uma profissão fora

do esporte para conseguir o sustento (Figura 2). Dessa forma, a escolha pela

carreira de atleta se da num momento em que a decisão pode ser mais autônoma.

Relatos semelhantes sugerem que o ingresso no esporte permitiu a fuga de

situações de risco sociais, como relata o atleta (A7):

[...] droga, onde eu morava tinha muita coisa disso. Meu pai se separou da minha mãe quando eu

tinha 13 anos, então eu era um pouco revoltado, eu era muito briguento. No esporte eu esqueci um

pouco disso, [...] mas se não fosse o esporte eu podia até estar fazendo alguma coisa aí de errado,

de repente (A7).

Caracterizando a Comunicação Interambiental (Figura 2), identificamos que a

forma como as equipes e a modalidade se estruturam desfavorecem o

desenvolvimento pessoal e atlético. Relatos apontam o estado precário das relações

de trabalho estabelecidas entre o atleta e as equipes, em especial pelas políticas de

contratação definidas pela diretoria das equipes. Poucas equipes, conforme relatos

dos treinadores, tem contratos que duram 12 meses, e, um número menor ainda,

paga direito trabalhista como 13o salário ou férias aos atletas. Em geral, esses

benefícios são alocados para atletas que tem maior destaque de desempenho e são

analisados caso a caso pelas diretorias das equipes. Ainda, os contratos costumam

iniciar e terminar no mesmo ciclo que a temporada, portanto, no casos das equipes

com menor destaque, podendo durar apenas 9 meses. Os relatos indicam que

esses contratos podem ser terminados a qualquer momento sem nenhum tipo de

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

99

proteção para o atleta, podendo, por vezes, nem existir um contrato no papel e

assinado pelas partes. Essa situação foi relatada por diversos atletas, conforme

destacado na entrevista com o atleta A1:

porque mesmo o cara que tem moral, o atleta mais experiente, se ele não demonstrar em um ano, o

contrato do outro ano não vai ser o mesmo, então isso é, a gente sabe que se a gente fizer um bom

ano, tu vai ser reconhecido lá no final (A1).

A falta de estrutura burocrática e até trabalhista para o atleta gera incerteza

quanto ao ambiente de trabalho. Dificulta o planejamento de vida em longo prazo, e

influencia diretamente na carreira do atleta e indiretamente na formação de sua

família, que acabam precisando se mudar de cidade para acompanhar a

instabilidade da vida atlética (Figura 2). No caso do atleta A2, configurando um tema

de Ligação Indireta entre ambientes, sua carreira poderia ter sido terminada

precocemente por influência do interesse principalmente no aspecto financeiro da

diretoria da equipe, na qual iniciou sua carreira. Por duas vezes o atleta conseguiu

atrair o interesse de equipes maiores do futebol de campo, mas não foi liberado

para assinar contrato com a outra equipe porque sua diretoria exigiu um valor alto

pelo seu "passe", como fica evidenciado no depoimento abaixo:

Por ter diretores que pensam mais no financeiro do que no próprio atleta, o clube queria 40 mil por

mim. Então ele pediu 40 mil pro clube pra me liberar. Porque não tinha aquela lei Pelé. Então eu teria

que ficar vinculado com o clube até os 18 anos ou ter parado de jogar. Aí meio que eu me

decepcionei com o campo [...]. Os caras falaram, 40 mil eu posso trazer um jogador profissional pro

meu time e tu tem 14 anos e quando chegar nos 18 de repente não vai jogar o que tu joga. É uma

incerteza [...]. Então ele não quis investir. (...) Ele era amigo do presidente e conversou e tal, e o cara

me liberou pra eu ir. Aí fui no [nome do campeonato] novamente e tiramos o [nome do time] fora, o

[nome do time], e pegamos o [nome do time] na semifinal. Perdemos mas acabei fazendo 2 gols

também. Aí o mesmo cara que queria me levar veio de novo. Daí era pra eu seguir no campo. Aí

chamou o meu pai e todo mundo e tal. Eu achava que eu já era do [nome do time] no meu contrato,

mas não. Eu pertencia ainda pro outro cara. Então aconteceu praticamente a mesma coisa. Então ali

foi uma decepção geral. Falei pro meu pai que não quero mais saber (A2).

Por outro lado, equipes com maior estrutura de formação atlética, com

contratos bem estipulados e direitos concedidos aos atletas, criam ambientes mais

favoráveis de rendimento esportivo, de manutenção da carreira e planejamento de

vida, conseguindo manter atletas por mais tempo, como retrata o atleta (A19).

Contudo, essa não é a realidade da modalidade no Brasil.

pro clube, uma criança, um menino que vem, que o clube cria até o juvenil, depois o cara vai arranca

ele por questão de mil reais, então, ao mesmo tempo que a gente briga por nós, o clube tem que

brigar por eles, então tem que ver até que ponto que vale, o clube investir numa criança até o final e

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

100

não comprar ela pronta, tudo vai disso daí, mas eu acho que partindo disso, de associações [...] é

deixar mais a voz do atleta nas opiniões de grupo (A19).

Sobre o Conhecimento Interambiental (Figura 2), percebemos a importância

dada pela forma como a modalidade e seu desempenho é veiculado na mídia, seja

no sentido positivo ou negativo. Principalmente, porque a forma como o futsal é

apresentado nos espaços midiáticos não representa a situação real da modalidade.

Fica claro na fala dos atletas que a mídia cria uma expectativa e distorce a

realidade, de forma que os atletas são encarados como jogadores de grande

rendimento, como são os de futebol de campo. Isso demonstra como a Política de

Identidade adotada fica incongruente com a personagem, e em outra análise, gera a

falta de unidade entre a personagem vivida (no campo objetivo) com o projeto de

vida (subjetivo) de ser um atleta altamente reconhecido. Contudo, a realidade é

diferente, e a magnitude do reconhecimento e rendimento financeiro de atletas de

elite de futebol de campo e de vôlei é superior aos de atletas de futsal, conforme

relatos (A6) e (A23):

acho que a maioria das pessoas que veem a gente na tv acha que a gente ganha milhões, mas não

é. Olha é bem pouco esses atletas que ganham muito bem (A23).

Uma parte da imprensa assim, acho que é aquele negócio do senso do como eu sou de [nome da

cidade], Ah... o menino de [nome da cidade] nunca vai pra frente, nunca vai sair daqui, não adianta,

pessoal de casa não serve, tem que tá vindo de fora. Isso que é o negativo memo (A6).

Essa distorção afeta a percepção cultural do atleta de futsal frente a sua

comunidade e torcedores. Em contraponto, a modalidade não recebe o mesmo

destaque de outros esportes na grande mídia (Figura 2). Apenas alguns canais

pagos transmitem os jogos de futsal, fenômeno que ainda é recente e que tem

ajudado no desenvolvimento da modalidade. Esse é um elemento relevante para a

evolução da modalidade como um todo, nessa lógica de que maior destaque

midiático atrai maiores financiamentos privados e a atenção dos órgãos de

governança pública. Esse fato geraria mudanças nas outras camadas do contexto

bioecológico dos atletas, favorecendo o seu desenvolvimento. Entretanto, essa

relação não é linear, o maior conhecimento interambiental midiático também

favorece processos como reconhecimento perverso, mesmice, ou mesmo

exemplificando a colonização do mundo da vida do esporte, pela ordem sistêmica

gerando ainda mais a cultura do culto ao vencedor, ao sucesso em detrimento aos

valores esportivos. Estes fatos estão evidenciados no depoimento do atleta A10,

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

101

que teve sua especialização no esporte desde os 5 anos de idade e recebendo

reconhecimento para tal:

não tenho condições financeiras [...], minha família não tinha condições, quem me bancava mesmo é

os pais dos atletas que conviviam comigo [...] que faziam uma vaquinha [...] na época, pra pagar

todas as minhas despesas, mensalidade, e até mesmo cada gol que eu fazia por partida como

incentivo (A10).

Neste contexto, a situação econômica e de trabalho da família do atleta,

quando na iniciação, aparece como um elemento importante para o engajamento ou

continuidade na prática (Figura 2). É interessante como o sentido atribuído pelo

atleta a esta característica modifica-se nas diferentes narrativas. O atleta A13, por

exemplo, sugere em seu relato que a situação financeira ruim de sua família foi um

dos fatores motivadores para a profissionalização no esporte:

Principal motivo era de querer ajudar a minha família, tirar a minha família da carência, e sempre

sonhei ser um jogador não famoso, mas sempre ta conhecido e ajudar minha família, comprar uma

casa pros meus pais, ter a minha casa (A13).

Essa história se repete em diversos discursos, inclusive recortes midiáticos

sobre a história de diferentes talentos esportivos de diferentes modalidades (Figura

2). Por outro lado, outros atletas relatam as dificuldades enfrentadas na carreira pela

falta de estrutura familiar, como suporte instrumental à prática, podendo em

momentos apresentar dificuldade para satisfazer necessidades básicas como

alimentação e moradia.

De forma semelhante, sabe-se que muito do financiamento para essas

equipes esportivas vem de instituições privadas. O sucesso da modalidade na

cidade do interior do estado atrai a atenção de indústrias que apoiam fortemente a

equipe. Contudo, essa realidade não é tão comum, como sugeriram as falas dos

treinadores. T7 relatou que seu time de uma cidade do interior tem muita dificuldade

em conseguir investimento e patrocínio, de forma que seu time não consegue

manter uma continuidade ou estabelecer um planejamento de longo prazo. Ainda,

outro aspecto bastante comum é a instituição de ensino superior patrocinar equipes

em suas cidades, oferecendo bolsas de estudos para os atletas em troca do

marketing com a equipe. Esta ação auxilia as equipes a tentarem uma oferta mais

atraente aos atletas, mesmo sem se relacionar diretamente a valor monetário. Como

ressalta o atleta A20, essa situação favorece, por vezes, a abertura de

possibilidades de vida até então não vislumbradas pelos jogadores:

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

102

[nome da cidade] é uma cidade que a comunidade tem sua parcela, tem uma grande empresa.

Porque você vai a grandes centros é muito difícil ter um time de futsal forte, porque o foco é outro, é

no futebol. Então eu acredito que tem que ser mais ou menos isso. Ajuda da comunidade, das

empresas, porque aí sim você consegue exercer a profissão que já que a concorrência com o futebol

é muito grande e o espaço é pouco infelizmente. (A20).

Referindo às legislações e o respaldo de governabilidade regional e nacional

que influenciam a modalidade e o desenvolvimento do atleta (Figura 2). O auxílio

público para o Futsal parece ser fundamental, como sugeriram os treinadores. No

entanto, mais importante que os auxílios financeiros são as políticas de incentivo ao

esporte que favorecem a criação de equipes esportivas.

Associação entre o contexto bioecológico e as direções do movimento

identitário no discurso dos atletas

A Figura 3a mostra a associação em rede entre as características do contexto

que foram mais presentes no discurso dos atletas. Essas características indiacam o

grau de associação com a classificação dos indivíduos (autonomia e heteronomia).

Valores mais baixos (na Figura 3b) indicam maior associação. Dessa forma, as

características do ambiente (descritas anteriormente) mais associadas à autonomia

(possibilidade emancipatória) foram “diferença de maturidade” (ao profissionalizar-se),

“esporte vs. drogas/criminalidade”, “percepção de futuro”, "início com futsal e futebol" e

"influência familiar para continuar nos estudos". Para a heteronomia (possibilidade

colonizadora) as maiores associações foram com as característica do ambiente de

"abandono da escola para jogar", "diferenças entre futsal e futebol", "cobrança por

estudos", "modelos para políticas de identidade" e "pouco reconhecimento" (Figura 3b).

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

103

Figura 3a. (a) Rede de associações (proximidade e intensidade da cor das hastes) entre as características do contexto bioecológico e orientação dos atletas (nodos – círculos) e (b) valor médio da do tamanho da distância (hastes) entre as variáveis do ambiente e as orientações dos atletas (autonomia e heteronomia).

Page 117: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

104

F

igu

ra 3

b.

(a)

Rede d

e a

ssocia

ções (

pro

xim

idade e

in

tensid

ade d

a c

or

das h

aste

s)

entr

e a

s c

ara

cte

rísticas d

o c

onte

xto

bio

eco

lóg

ico e

ori

enta

çã

o d

os a

tleta

s

(nodos – cír

culo

s)

e (b

) valo

r m

édio

d

a d

o ta

manh

o da dis

tância

(h

aste

s)

en

tre as vari

áve

is do am

bie

nte

e as o

rie

nta

çõ

es dos atle

tas (a

uto

nom

ia e

hete

ronom

ia).

Page 118: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

105

Discussões

Este estudo buscou investigar o contexto, na perspectiva bioecológica,

associado ao desenvolvimento da carreira atlética em atletas de Futsal. A análise foi

delineada de forma a identificar elementos do contexto que potencializassem

possibilidades emancipatórias ou de colonização para a formação identitária dos

atletas. Esta abordagem é inovadora, visto que nenhum artigo foi identificado, até o

momento, que investigasse o contexto bioecológico em atletas de Futsal, com

especial atenção para a formação da identidade na perspectiva do Sintagma

Identidade - Metamorfose - Emancipação.

Os resultados evidenciaram que o contexto esportivo do Futsal apresenta

características que instigam ou inibem a expressão identitária autonômica. Três

grupos de características do contexto foram evidenciados. O primeiro que seriam

características ambivalentes, que funcionariam como possibilidades emancipatórias

ou de colonização de acordo com o sentido atribuído pelo atleta, a segunda são

características que favorecem metamorfoses direcionadas à autonomia, e, a terceira

são características que possibilitam metamorfoses de reposição identitária

(CIAMPA, 1987), favorecendo a mesmice ou a feitichização do personagem (LIMA,

2010) atleta de Futsal.

Esses resultados suportam nossa hipótese inicial de que o esporte não

proporciona, essencialmente, características instigativas de desenvolvimento,

apesar da ampla literatura sugerir o contrário. Diversos estudos sugerem a

influência do esporte no desenvolvimento de habilidades positivas (FRASER-

THOMAS, CÔTÈ & DEAKIN, 2005) e, apesar de concordarmos com essa

perspectiva, desfechos negativos também estão associados a exposição ao

contexto esportivo.

Como os resultados ainda são inconsistentes, nossa hipótese foi delineada

na perspectiva de que existem variáveis ainda não estudadas satisfatoriamente. No

nosso caso, a identidade, que poderia mediar essa relação entre a carreira atlética e

um desenvolvimento autonômico, na direção do que é considerado um "viver bem"

(HABERMAS, 1990). Um resultado que merece destaque é a possibilidade que o

esporte proporciona de profissionalização e carreira para muitos jovens que vm de

famílias de pouca condição socioeconômica e financeira, configurando um elemento

potencialmente favorável. Este resultado foi semelhante aos encontrados em

diferentes modalidades esportivas como futebol de campo (HECIMOVICH, 2004;

Page 119: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

106

MORAES et al, 2004). Entretanto, essa característica precisa ser analisada com

cautela, porque essa profissionalização pode estar associada à outras

características não favoráveis, como o abandono da formação escolar, muito

comum nos relatos dos atletas deste estudo e também evidenciada na literatura

(VISSOCI, 2009), e distanciamento familiar.

Esse resultado atrai preocupação porque, ao falarmos do Futsal, estamos

lidando com uma modalidade que é similar à modalidade mais bem aceita no

contexto brasileiro e mundial, que é o Futebol de Campo. Diversos relatos

apontaram para a relevância da modalidade como um agente proporcionador de

reconhecimento aos atletas, também como um desejo de todo jovem, com relatos

de intenso amor pela prática. Aqui cabe uma reflexão sobre o efeito de Políticas de

Identidade associadas ao papel do atleta no cenário brasileiro. Estudos sugerem

que a idealização do jogador de futebol trás problemas para a formação identitária

em jovens talentos, que muitas vezes estabelecem projetos de vida inconsistentes

com a sua realidade de realização, sonhando com carreiras internacionais e de

sucesso quando a realidade aponta que apenas 1% acaba se mantendo na prática

profissional de elite (DAMO, 2005).

Essa representação do papel de atleta, como determinado pela Política de

Identidade associada, faz com que atletas se sujeitem a situações precárias de

treinamento e formação, muitas vezes com dificuldades para arrumar alimentos ou

suportando cobranças exaustivas por parte de treinadores, como apontaram os

resultados desse estudo. Ainda, análises documentais e entrevistas com treinadores

indicaram para a construção de um valor de mercado grande em jovens talentos.

Mesmo de se tornarem jogadores de elite, alguns atletas tem seus "passes"

negociados com clubes internacionais, ou acabam sofrendo com colonização da

ordem sistêmica, com a burocracia e negociações que impedem a carreira de

evoluir, como foi o caso de um dos atletas entrevistados. Estudos semelhantes

evidenciaram que ex-atletas de Futebol de Campo tem muitas dificuldades em

superar essa personagem feitichizada, muitas vezes recorrendo à substâncias

químicas e com consequências comportamentais comprometedoras para sua

formação (LEME, 2011).

Ainda assim, percebemos que o esporte configura uma atividade molar para

o individuo, com sua continuidade por longos períodos de tempo, mesmo contando

com dificuldades. Essa característica do microssistema sugere a influência do

Page 120: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

107

contexto para a manutenção de metamorfoses com aparência de não-metamorfose.

Em relatos encontrados neste estudo, foi através de modificações ambientais

(transições ecológicas) que pareceram incentivar metamorfoses que

proporcionassem a alteração da personagem. Atletas que se casam e constituem

família, começam a incorporar diferentes personagens advindos de contextos

paralelos ao esportivo, fazendo com que novas socializações remetam a novas

metamorfoses, aceitando a estabilidade em um clube de menor expressão para

conseguir proporcionar mais tranquilidade à família.

De acordo com os resultados relacionados ao exossistema, percebe-se que

há uma cultura que reconhece o atleta pela comunidade e seus pares, cultura esta

(Política de Identidade) que é internalizada como amor pela modalidade, que ajuda

a superar obstáculos, mas favorece a alienação. Esse reconhecimento não é

reforçado pelas estruturas políticas e burocráticas da modalidade, que é pouco

desenvolvida, com contratos precários para os atletas e instabilidade de carreira, em

especial pelo pouco reconhecimento que a modalidade recebe de investidores e da

mídia.

A falta de reconhecimento da própria estrutura da modalidade parece

influenciar os atletas que apesar de gostar de jogar, e por gostar, adotam a ideia de

que fazem um sonho ser realizado. Mas isso em um contexto pouco estruturado e

instável. Dessa forma, cria-se um ciclo que favorece a reposição identitária, através

de um mecanismo de reconhecimento perverso. O atleta precisa se expor a essas

condições não instigantes do desenvolvimento de prática porque começaram cedo,

deixaram a família e outras possibilidades de formação pessoal, assumiram o papel

do atleta reconhecido pela comunidade, perseguindo uma carreira que é sonho de

todos, mas que na verdade não tem uma boa estrutura, e é idealizada.

O contexto bioecológico do Futsal não proporciona apenas possibilidades de

colonização, que direcionam o indivíduo para a heteronomia. Algumas

características foram discutidas, inclusive com a perspectiva de ambivalência, mas

outras são notoriamente possibilidades emancipatórias que favorecem o

desenvolvimento do ser humano que está sendo atleta. A primeira referência está

na presença de relacionamentos interpessoais significativos (no âmbito do

microssistema), ou díades primárias que favoreçam o desenvolvimento do sujeito.

Diversos estudos apontam para a importância dos pares sociais, pais, e da

qualidade da relação atleta-treinador para proporcionar satisfação e

Page 121: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

108

desenvolvimento positivo com esporte (LORIMER & JOWETT, 2009). Isto corrobora

com os achados desse estudo que relataram treinadores que além de ensinar

elementos da técnica e tática esportiva, também auxiliaram no desenvolvimento do

indivíduo, como um agente de socialização secundária que favoreciam o agir

comunicativo em detrimento do agir instrumental focado na vitória e resultados. O

mesmo com grupos familiares que proporcionavam os elementos mínimos

instrumentais para que o atleta pudesse procurar se desenvolver através do

esporte.

Outro ponto bastante interessante foi o relato de que a prática esportiva foi

uma alternativa que ajudou a estruturar projetos de vida que emancipassem o

indivíduo de Políticas Identitárias como violência, abuso de drogas e outras. De fato,

a literatura aponta que o uso de substâncias e outros comportamentos desajustados

moralmente são menos frequentes em populações envolvidas com esportes

(MILLER, 2009; MILLER; KERR, 2009). Além disso, a necessidade de uma

estrutura física e emocional equilibrada para alcançar o desempenho também

favorece a aprendizagem de habilidades para a vida que auxiliam no dia-dia.

A pesquisa limita-se por fazer cortes transversais, com o objetivo de avaliar

de forma retrospectiva a memória dos atletas sobre seus processos de narrativa de

histórias de vida sobre sua carreira atlética. Outra limitação se refere à generalidade

da amostra utilizada, que representa os atletas de alto rendimento de futsal, mas

restringe as interpretações à modalidade do futsal, e esse nível de competição.

Outras limitações específicas concernem ao método de análise dos dados,

exclusivamente análise de conteúdo, seguindo o modelo idiográfico. Outros

formatos como análises semânticas ou história de vida poderiam proporcionar

diferentes compreensões.

Os resultados do estudo apontam para a importância da análise do contexto

como indicador de estimulações para o desenvolvimento, no caso a formação da

identidade. Os malefícios da especialização precoce e profissionalização tem sido

amplamente estudados, e os nossos resultados apontam para os elementos

contextuais que favorecem esses processos. Da mesma forma, características

como suporte parental, manutenção da vida escolar e prática de outras atividades

além do esporte parecem auxiliar na expressão autônoma de identidade. Sugere-se

que programas de treinamento levem em consideração a inserção de elementos

que possibilitem a emancipação dos atletas que participam desses contextos, assim

Page 122: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

109

como clubes devem se preocupar com características que auxiliam no

enfrentamento de transições ecológicas, favorecendo metamorfoses identitárias

autonômicas. Novas pesquisas precisam ser realizadas para aprofundar o

entendimento sobre os contextos com maior especificidade, como as características

das atividades molares do microssistema, influências das forças do mesossistema e

exossistema, com base em uma politica de esportes do macrossistema que

permitam abordagens de análises do cronossistema com perspectivas longitudinais.

Page 123: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

110

Referências

BRONFENBRENNER, U. The bioecological theory of human development. In U. BRONFENBRENNER (Ed.), Making human beings human: Bioecological perspectives on human development (pp. 3-15). Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 2005. CBFS. Livro Nacional de Regras 2013. 2013. Disponível em http://www.cbfs.com.br/2009/cbfs/Livro_Nacional_de_Regras_2013_.pdf. Acesso em 05 de setembro de 2014. CBFS. Regulamento de certames nacionais 2014. 2014a. Disponível em http://www.cbfs.com.br/2009/cbfs/RegulamentoCertamesNacionais_2014.pdf. Acesso em 05 de setembro de 2014. CBFS. Resolução CBFS Nº 001/2014. Altera Concessão De Subsídios Financeiros Nos Certames Nacionaisde Março E Abril De 2014. 2014b. Disponível em http://www.cbfs.com.br/arquivos/notacbfs_1329072014.pdf. Acesso em 05 de setembro de 2014. CIAMPA, A. C. A Estória do Severino e a História da Severina. São Paulo: Brasiliense, 1987. CIAMPA, A. C. Políticas de identidade e identidades políticas. In Dunker, C. I. L. & Passos, M. C. Uma Psicologia que se Interroga – Ensaios. São Paulo, Edicon:133-144, 2002. CIAMPA, A. C. A Estória do Severino e a História da Severina: Um ensaio de Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 2009. CÔTÈ, J. The Influence of the Family in the Developmental of Talent in Sport. The Sports Psychologist, 13, 395-417, 1999. DAMO, A. Do dom à profissão: a formação de futebolistas no Brasil e na França. São Paulo: Hucitec, 2007. FIFA. Laws of the Game 2014/2015. 2014. Disponível em www.fifa.com. Acesso em 05 de setembro de 2014. FLEARY, S. A., HEFFER, R. W., MCKYER, E. L. J., & NEWMAN, D. A. Using the bioecological model to predict risk perception of marijuana use and reported marijuana use in adolescence. Addictive Behaviors, 35: 795-798, 2005. FRASER-THOMAS, J., CÔTÉ, J., & DEAKIN, J. Youth sport programs: An avenue to foster positive youth development. Physical Education and Sport Pedagogy, 10, 19-40, 2005. GOULD, D., & CARSON, S. Life skills development through sport: Current status and future directions. International Review of Sport & Exercise Psychology, 1, 58-78, 2008. GRATTON, C., & JONES, I. Research methods for sports studies, 2010. HABERMAS, J. Para a Reconstrução do Materialismo Histórico. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. HECIMOVICH, M. Sport specialization in youth: A literature review. Journal of the American Chiropractic Association, 41, 32–41, 2004. JORDAHL, .T, & LOHMAN, B. J. A bioecological analysis of risk and protective factors associated with early sexual intercourse of young adolescents. Children and Youth Services Review, 31: 1272–1282, 2009. KREBS, R. J, SANTOS J. O. L., RAMALHO, M. H. S., NAZARIO, P. F., NOBRE, G. C., & ALMEIDA, R. T. Disposição de adolescentes para a prática de esportes: um estudo orientado pela Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, 17(1):195-201, 2011.

Page 124: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

111

LEME, C. G. O. Futebol Como Estratégia de Ascensao na Sociedade de Risco: O Atleta “Sem Clube” e Sua Identidade. Tese de Doutorado em Psicologia - PUCSP, São Paulo, Brasil, 2011. LIMA, A. F. Metamorfose, anamorfose e reconhecimento perverso: a identidade na perspectiva da Psicologia Social Crítica. São Paulo: FAPESP/EDUC, 2010. LORIMER, R., & JOWETT, S. Empathic accuracy in coach-athlete dyads who participate in team and individual sports, Psychology of Sport and Exercise, 10, pp.152-158, 2009. MILLER, K. E. Sport-related identities and the “toxic jock”. Journal of port behavior, 32(1): 69-75, 2009. MILLER, P. S., & KERR, G. A. Conceptualizing excellence: Past, present and future. Journal of Applied Sport Psychology, 14, 14–153, 2002. MORAES, L. C., RABELO, A. S., & SALMELA, J. H. Papel dos pais no desenvolvimento de jovens futebolistas. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(2), 211-222, 2004. PARK, S., LAVALLEE, D., & TOD, D. Athletes' career transition out of sport: a systematic review. International Review of Sport and Exercise Psychology, 6 (1), 22-53, 2013. R-PROJECT. A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. ISBN 3-900051-07-0. Disponível em: http://www.R-project.org/ Acessado em: 20 de Jan 2015. VIEIRA, L. F. O processo de desenvolvimento de talentos paranaenses do atletismo: Um estudo orientado pela teoria dos sistemas escológicos. Tese de Doutorado em Educação Física. Universidade Federal de Santa Marina, Santa Maria, Porto Alegre, Brasil, 1999a. VIEIRA, J. L. L. O processo de abandono de talentos do atletismo do estado do Paraná: um estudo orientado pela teoria dos sistemas ecológicos. Tese de Doutorado em Educação Física. Universidade Federal de Santa Marina, Santa Maria, Porto Alegre, Brasil, 1999b. VISSOCI, J. R. N. Estudo da influência do contexto esportivo no status de identidade de atletas de futebol de campo. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil, 2009.

Page 125: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

112

CAPÍTULO 5

ARTIGO ORIGINAL

O esporte é um contexto de emancipação ou colonização?

Is sport a context for emancipation or colonization?

Page 126: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

113

Capítulo 5.

ESPORTE É UM CONTEXTO DE EMANCIPAÇÃO OU

COLONIZAÇÃO?

Is sport a context for emancipation or colonization?

Resumo

O objetivo deste estudo foi analisar a influência do contexto em proporcionar possibilidades

emancipatórias ou regulatórias no processo de construção da identidade em atletas de

futsal através do padrão semântico de fala e da caracterização do contexto bioecológico,

exemplificados com narrativas da história de vida de sujeitos considerados emblemáticos.

Entrevistamos no estudo 25 atletas adultos de clubes que disputam a Liga Nacional de

futsal, com um roteiro semi-estruturado sobre o desenvolvimento da carreira esportiva. Os

resultados identificaram 3 grupos caracterizados pela forma como expressavam suas

metamorfoses identitárias. Um grupo era marcado por um discurso direcionado à

heteronomia com projetos de vida inexistentes ou enquadrados na lógica do agir

instrumental, os outros dois grupos eram direcionados à autonomia de sua expressão

identitária, com distinção em projetos de vida baseados em Políticas de Identidade ou

identidades políticas. Conclui-se que as caracterísitcas do contexto foram marcantes para

proporcionar experiências que instigaram metamorfoses identitárias resultando em

fragmentos emancipatórios ou reposições de mesmice identitária, resultando em atletas

com padrões de narrativa diversificados em busca de uma boa vida.

Palavras-chave: Identidade; Esporte; Atletas, Contexto.

Abstract

The aim of this study was to analyze the influence of the context to allow emancipatory or

regulatory possibilities to the process of identity formation through a narrative semantic

pattern and bioecological context characterization, exemplified through life story technique

applied to emblematic subjects. We interviewd 25 adult athletes from futsal teams playgin at

the National League of Futsal, with a semi-structured script about sports career

development. Results identified 2 groups characterized by their expression of identity

metamorphosis. One group was marked by a nerrative directed to heteronomy with

unixistintg life project or cornered by the logic of instrumental act; the other two groups were

directed to autonomic identity expression, differentiated by the existence of a life project

based on identity policies or political identity. So it is concluded that contextual

characteristics were determinant to estimulate experiences instigating identity

metamorphosis resulting in emancipatory fragments or repositional mesmices, referred in

athletes with diverse narrative patterns in the search of a good life.

Keywords: Identity; Sport; Athletes, Context.

Page 127: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

114

Introdução

Estudos recentes apontam que para obter sucesso no esporte é necessário

que os atletas sejam altamente focados e imersos em suas carreiras atléticas

(LAVALLEE, ROBINSON, 2007; PARK, LAVALLEE, TOD, 2013). Essa intensa

identificação têm se mostrado positivamente associada com melhora no

desempenho e na capacidade de enfrentamento das pressões dos treinamentos

(BREWER, RAALTE, & LINDER 1993). Contudo, resultados recentes têm

demonstrado que identidade atlética também está diretamente associada com

desfechos negativos no esporte, inclusive relacionando altos níveis de identidade

atlética como problemas para enfrentar transições de carreira (CARLESS &

DOUGLAS, 2009; STIER, 2007; LALLY, 2007) e lidar com defechos emocionais

(BROWN & POTRAC, 2009).

Essas inconsistências evidenciadas na literatura sugerem que os estudos

sobre identidade humana a compreendam enquanto processo contínuo, analisando

além do momento atual, o percurso histórico pessoal e o ambiente no qual o sujeito

está inserido (CIAMPA, 2002). Até onde pesquisamos, não foram encontrados

estudos que analisassem a influência do contexto ecológico do Futsal sobre a

percepção do atleta da sua formação identitária em sua narrativa de história de vida

e da carreira esportiva.

Especificamente em relação ao Futsal, nenhum estudo foi encontrado na

literatura que investigasse o processo de formação da identidade dos atletas,

especialmente em uma perspectiva epistemológica que compreenda a dimensão

subjetiva, suas experiências, narrativas e sentidos atribuídos à dialética com o

ambiente (CIAMPA, 1987). Para tanto, nossa proposta é concebermos a formação

da identidade como um processo atrelado à socialização (HABERMAS, 1990) do

indivíduo, marcada pelo acesso do ser humano à linguagem e consequentemente

ao sentido atribuído às experiências, tratando-se então de uma questão social

(CIAMPA, 1987).

Nesse sentido, a concepção do Sintagma Identidade - Metamorfose -

Emancipação foi adotada como suporte teórico para análise do processo de

construção da identidade em atletas de Futsal. Essa concepção trata identidade

como um processo relacionado ao movimento do ser humano de vir-a-ser,

Page 128: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

115

relacionado à sua atividade no qual adota personagens; passando por

transformações constantes (metamorfoses) com as modificações do invidvíduo e/ou

do ambiente, direcionando-se como um movimento político de busca de autonomia

e emancipação. Nessas metamorfoses o indivíduo articula personagens de acordo

com a sua troca com o ambiente, integrando aspectos da cultura na sua expressão

individual identitária (fundamentada em identidades políticas) e emancipação da

dominação ideológica, ou da manutenção da heteronomia (enquadramento nas

regulações dos papéis - Política de Identidade) e reposição de personagens

favorecendo a opressão da ordem do capital e da burocracia (CIAMPA, 1987).

Nesta perspectiva, compreender identidade envolve entender que todo

indivíduo está num processo de busca por autonomia. A autonomia em si pode ser

considerada como o resultado de um processo de maturação e descentração do eu

e do grupo, sendo esta descentração uma evolução do sujeito da heteronomia para

a autonomia, realizando o processo de emancipação da autoridade da regra e da

coerção do grupo, formando autonomamente seus padrões de julgamento e suas

concepções das regras, sem que terceiros interfiram neste processo (FREITAG,

2002).

Assim, investigar identidade envolve um processo que é ao mesmo tempo

regressivo (verificando a história do indivíduo e seus significados) e progressivo

(identificando os projetos de vida estabelecidos), com base em Políticas de

Identidade ou Identidades políticas (CIAMPA, 2002). Diferente do que tem sido

verificado em sua maioria na literatura, com investigações sobre identidade atlética

como um construto momentâneo, mais parecido com o conceito de papel

(HABERMAS, 1990) do que de identidade em si. Nesse sentido, este artigo avança

na literatura ao incluir também uma análise dos parâmetros do contexto,

investigando o quanto o ambiente apresenta ao sujeito possibilidades que

favoreçam a emancipação ou a opressão (colonização) da ordem sistêmica

(HABERMAS, 1990).

Estudos com abordagens semelhantes investigaram a identidade de atletas

nessa perspectiva e verificaram a influência de alta identificação com a personagem

do atleta como um elemento que dificultou a vida pós-carreira (LEME, 2011) ou a

relevância do esporte para emancipação em deficientes físicos (PRESOTO, 2005).

Contudo, esses estudos não levaram em consideração a investigação do contexto

como potencializador de possibilidades emancipatórias ou regulatórias para o

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

116

processo do indivíduo. Ainda, verificando o papel da linguagem no processo de

constituição da identidade, outra perspectiva de avanço nos achados do estudo

pode estar na análise semântica das narrativas de história de vida.

Na perspectiva da história de vida do atleta, concebemos o desenvolvimento

atlético em três etapas divididas pela participação social e comprometimento com a

prática (CÔTÈ, 2004). A carreira atlética é dividida em (a) experimentação (pouco

comprometimento, participação parental e variedade de prática), (b) especialização

(foco em uma modalidade e menor participação parental) e (c) investimento

(profissionalização na modalidade e maior participação da comissão técnica e pares

sociais).

Face ao exposto, o objetivo deste estudo foi analisar a influência do contexto

esportivo em proporcionar possibilidades emancipatórias ou regulatórias no

processo de construção da identidade de atletas de futsal através do padrão

semântico de fala e da caracterização do contexto bioecológico, embasados em

com narrativas da história de vida de sujeitos considerados emblemáticos.

Métodos

Para fins de coleta de dados o projeto inicialmente passou pelo comitê de

ética da Universidade Estadual de Maringá, sendo aprovado com o parecer n°

248.363/2013 (APÊNDICE 3).

Design no Estudo

O estudo foi delineado como transversal do tipo qualitativo com base na

teoria do Sintagma Identidade - Metamorfose - Emancipação de Ciampa (1987). As

entrevistas foram analisadas para identificar os padrões semânticos de discurso,

características significativas da história de vida, projetos de vida e relação com o

contexto. A sequência metodológica deste estudo seguiu duas abordagens que se

integram: a) entrevistas com o método de história de vida frente à carreira dos

atletas, para as quais foram selecionados alguns casos considerados emblemáticos

(sujeitos que representam com seu percurso histórico de vida o movimento de

metamorfoses identitárias a ser analisado) para condução de estudo de caso; b)

mineração de texto (FEINRER, 2014; WEISS et al., 2005) (tradução livre de Test

mining), que é um método amplamente utilizado na área de mineração de dados

(tradução libre de Data mining – WITTEN & FRANK, 1999) para extrair informação

Page 130: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

117

em documentos pouco ou semi-estruturados (como transcrições de entrevistas),

associado com análise em redes para verificar os padrões de conexão semântica

dos discursos dos atletas.

Seleção dos Participantes

A população deste estudo foi composta por jogadores brasileiros de Futsal.

Para cobrir uma variedade de experiências esportivas, nós selecionamos uma

amostra por conveniência de jogadores em cada um de seus times. A seleção para

as entrevistas foi não-probabilística, consistindo em dois atletas de cada time.

Contudo, quatro equipes não liberaram seus atletas para participar das entrevistas e

uma equipe liberou apenas um de seus atletas. Assim, nossa amostra final foi

composta por 25 atletas adultos com idade média de 25.49 ± 4.91 anos e média de

idade no início da prática do futsal de 9.12 ± 3.59 anos.

Os critérios para seleção dos participantes foi o nível de desempenho das

equipes (participação da Liga Nacional de Futsal 2013, que é uma das competições

mais relevantes do mundo, na modalidade). Nós solicitamos aos treinadores que

sugerissem atletas que fossem alguma referência dentro da equipe, pelo

desempenho técnico ou por experiência esportiva na modalidade. Nossa hipótese é

que esses atletas representariam a cultura de equipe e o centro das relações

estabelecidas na mesma. Esses atletas inicialmente participaram de uma entrevista

semi-estruturada sobre o desenvolvimento de suas carreiras (WYLLEMAN &

LAVALLEE, 2003).

Os atletas foram categorizados inicialmente em dois grupos, de acordo com o

conteúdo relacionado à expressão de suas metamorfoses presentes em seus

relatos de histórias de vida, àqueles direcionados para autonomia e os voltados para

a heteronomia. Contudo, percebemos que o grupo de atletas com expressão

autonômica também poderiam ser separados de acordo com os projetos de vida

estabelecidos, fundamentados em Políticas de Identidade ou em Identidades

Políticas (previamente conduzido por DANTAS, 2013). Para cada grupo, elencamos

um atleta como sujeito emblemático (ATKINSON, 1998), com os quais conduzimos

novas entrevistas para aprofundar o discurso em uma narrativa de história de vida.

Foram analisados os momentos da história de vida e dos discursos de acordo com

as fases de desenvolvimento da carreira atlética proposta por Côtè (1999) de

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

118

experimentação (menos de 13 anos), especialização (14 a 16 anos) e investimento

(mais de 17 anos).

Instrumentos

Entrevistas. As entrevistas seguiram um roteiro semi-estruturado abordando

os elementos do contexto bioecológico e a trajetória de carreira experimentada

pelos atletas. No início de cada entrevista os participantes eram orientados sobre a

confidencialidade das informações, da utilização de aparelhos para gravação dos

depoimentos e da garantia de abandonar o estudo a qualquer momento do seu

andamento. Todas as entrevistas foram conduzidas em uma sala privativa, no local

de treinamento dos atletas ou no hotel em que estavam hospedados para as

partidas.

A condução das entrevistas foi realizada com perguntas abertas, de forma a

organizar um quadro que representasse os acontecimentos relatados pelo atleta

sobre o seu desenvolvimento atlético e de vida. A organização dos relatos se deu de

forma cronológica, associada à interpretações dos relatos de acordo com o

referencial teórico. Para garantir a coerência com o resto da argumentação do

artigo, sequenciamos descrição dos relatos de história de vida em 3 momentos que

respeitavam tanto o tempo cronológico, de acordo com as fases do desenvolvimento

da carreira atlética (CÔTÈ, 2004), como o tempo vital que compreendia momentos

de transição ecológica (BRONFENBRENER, 1995) e metamorfoses (CIAMPA,

2009). Caso a história necessitasse de mais separações, para facilitar a

compreensão do processo de formaçao identitária, novos momentos seriam

inseridos.

A duração média das entrevistas foi 40 minutos, com recordação consentida

do áudio. Transcrições foram feitas logo após cada entrevista, caso mais

informações fossem necessárias, uma nova entrevista era agendada.

Análise dos dados

Rede de conexões semânticas. Técnicas de mineração de texto (FEINRER,

2014; WEISS et al., 2005) foram aplicadas para análise dos padrões semânticos

dos discursos dos atletas. Os textos foram divididos de acordo com a classificação

temporal dos discursos, a partir das etapas de desenvolvimento da carreira em (a)

experimentação, (b) especialização e (c) investimento (CÔTÈ, 1999).

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

119

A mineração de texto pode ser conduzida de diferentes formas, a partir de um

processo de 3 etapas: coleta de dados, pré-processamento do texto e aplicação de

algoritmo de análise (WEISS et al., 2005). A coleta de dados foi feita por entrevista e

transcrição, conforme descrito anteriormente. As transcrições coletadas foram

transformadas em um banco de dados separando cada parágrafo do texto em uma

linha do banco criando-se um corpus com base nas entrevistas. O pré-

processamento do texto seguiu sequência: a) inicialmente removendo contectores

entre as palavras (artigos, advérbios, interjeições entre outros); b) redução de

verbos para radicais semânticos das palavras (processo conhecido como

stemização); c) remoção de pontuações; d) revisão manual do corpus para limpeza;

e) diminuição do percentual de termos esparsos (aceitação de 70%, FEINRER,

2014). A revisão manual foi necessária porque os algorítimos para mineração de

texto são mais ajustados para a língua inglesa, não apresentando a mesma

performance para a língua portuguesa.

Após a técnica de mineração de texto, uma matriz com a co-ocorrência

(frequência nos mesmos parágrafos) de cada palavra foi gerada que posteriormente

foi utilizada para geração de uma matriz de associação através de uma correlação

policlórica. Finalmente, a matriz de correlação policlórica foi analisada por um

método de análise de rede (BORSBOM et al., 2011; EPSKAMP et al., 2014).

A rede foi construída (1) tomando cada palavra da matriz de correlação como

um nodo (representação circular, nas figuras). Esses nodos foram conectados pelas

hastes (2) representando a intensidade da sua correlação na matriz pliclórica. Essa

associação varia de 0 a 1, com valores mais próximos de 1 como mais altos. Esses

passos representam uma configuração de rede bipartite, na qual as palavras que

fossem expressas nos mesmos parágrafos teriam uma relação maior (direta), com

relações indiretas estabelecidas pela presença de palavras em comum. Por

exemplo, ao dizer "Eu gosto de futsal", os termos "gosto" e "futsal" teriam uma

associação alta e direta. Contudo, se em outro parágrafo eu disser "Eu gosto de

vencer", "futsal" e "vencer" teriam uma associação indireta pelo compartilhamento

da sentença com a palavra comum "gosto". Duas palavras que não compartilharam

outros termos foram consideradas pouco (não) associadas.

Nós aplicamos uma rede não-direcional, com algorítimo de posicionamento

que permite aproximar nodos com associações mais altas (BORSBOM et al., 2011).

De forma que quanto mais próximos os nodos (palavras), maior é associação entre

Page 133: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

120

os termos. As hastes tiveram uma disposição ponderada, de forma que a espessura

(intensidade da cor) exprime a força da haste, que é a conexão entre dois itens.

Como indicadores descritivos da rede, utilizamos o conceito de betweness

(EPSKAMP et al., 2014) (aqui traduzido como conectores) para identificar os termos

que eram mais importantes para fazer as conexões entre os clusters da rede de

conexões semânticas. Todas as análises foram conduzidas com o programa

Linguagem R (R-Project, 2014), através dos pacotes tm (FEINERER, 2014) e

qgraph (EPSKAMP et al., 2014).

Compreensão do movimento regressivo e progressivo da formação identitária

(Histórias de Vida). O método de história de vida (ATKINSON, 1998) foi aplicado

para análise do movimento progressivo (projetos de vida) e regressivo (história de

vida) como forma de compreensão da formação identitária dos atletas de futsal.

Para cada estrato de atletas foi selecionado um relato que representasse um sujeito

emblemático do processo a ser analisado, configurando estudos de caso. A análise

procurou evidenciar momentos determinantes para a formação identitária dos

atletas, em especial evidenciando possiblidades emancipatórias ou regulatórias

oferecidas pelo contexto (BRONFENBRENNER, 1995), sentido atribuídos pelos

atletas e movimentos de metamorfose identitária (CIAMPA, 1987). Para análise e

descrição das histórias de vida, nomes fictícios foram atribuídos aos atletas que

configuraram os sujeitos emblemáticos.

Resultados

Ao analisar as entrevistas conseguimos identificar três grupos de expressões

identitárias, resguardando suas idiossincrasias e sentidos atribuídos às

experiências. As categorizações foram: a) indivíduos com discurso voltado para

heteronomia e que não evidenciaram um projeto de vida; b) indivíduos com discurso

voltado para autonomia mas com um projeto de vida fundamentado em políticas de

identidade; c) indivíduos com discurso voltado para autonomia e com um projeto de

vida estabelecido com base em identidades políticas. Para cada grupo

apresentaremos as redes de conexões semânticas dos discursos e um estudo de

caso.

Page 134: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

121

Grupo direcionado para heteronomia e sem projeto de vida

A análise semântica das palavras utilizadas nos discursos sobre a história de

vida dos atletas indica como principais conectores, para o período da

experimentação, as palavras "comecei", "futsal", "vizinho", "indicação" e "rua",

servindo então de conexão entre as ideias dos discursos (Figura 1a). Essas

palavras representam características lúdicas da fase de experimentação na

modalidade, que começa como uma brincadeira infantil e por alguma circunstância

(indicação de vizinhos ou professores) acaba se tornando uma atividade de

importância. Contudo, vale destacar que para esse grupo de atletas, o início da

carreira já é marcado por aspectos que remetem ao esporte espetáculo e

colonizado pela importância financeira (palavras como: pagar, mensalidade,

incentivo, condição financeira; associadas ao conector "comecei") ou pela

burocratização da prática, já inserido como um atleta profissionalizado (palavras

como: federado, profissional, mamadeira e fraldinha, avaliado e dispustas;

associadas aos conectores "futsal" e "indicação") (Figura 1a).

Já a rede da fase de especialização mostra o foco do discurso dos atletas em

conceitos manifestos pelas Políticas de Identidade associadas ao esporte,

representada nos conectores valorizado, trabalho, cobrado, recompensa e

profissional (Figura 1b). O único cluster de palavras que foge ao relacionado ao

esporte diretamente é aquele que se conecta à rede pela palavra "pai". Contudo,

ainda assim, as palavras associadas se referem à aspectos do apoio instrumental à

prática esportiva. Vale destacar que o conector "cabeça" (como controle emocional)

aparece associado a palavras referentes à pressão da prática esportiva em um

cluster (também relacionado à "trabalho", "valorizado" e "cobrado") e por outro lado

com características relacionadas à estratégias de enfrentamento ao contexto

(palavras como "ganhava", "visitar", "família") (Figura 1b).

A rede da fase de investimento é semelhante, trazendo significados das falas

dos atletas com uma orientação altamente heteronômica, associando conceitos

pressupostos à ideia de "time", "trabalho", "vencer". Todos esses conectores se

relacionam com outras palavras de cunho instrumental (Figura 1c). Mesmo quando

são conectores que fogem ao pré-estabelecido para o papel de atleta, temos

associações com aspectos de rendimento, como no caso de "deus" e "família".

Page 135: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

122

F

igu

ra 1

a.

Re

de

de c

on

exõ

es s

em

ân

tica

s d

os d

iscu

rso

s s

obre

his

tória d

e v

ida e

m a

tle

tas d

e f

uts

al

bra

sile

iro

s d

o g

rup

o d

ire

cio

na

do

para

hete

ron

om

ia e

se

m p

roje

to d

e v

ida,

nos p

erí

odo

s v

ita

is d

a c

arr

eira a

tlé

tica d

e (

a)

exp

eri

me

nta

çã

o, (b

) e

spe

cia

liza

ção

e (

c)

inve

stim

en

to.

Page 136: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

123

F

igu

ra 1

b.

Re

de

de c

one

es s

em

ân

tica

s d

os d

iscu

rso

s s

obre

his

tória

de v

ida e

m a

tleta

s d

e f

uts

al

bra

sile

iro

s d

o g

rup

o d

ire

cio

na

do

para

hete

ron

om

ia e

se

m p

roje

to d

e v

ida,

nos p

erí

odo

s v

ita

is d

a c

arr

eira a

tlé

tica d

e (

a)

exp

erim

enta

ção

, (b

) e

sp

ecia

liza

çã

o e

(c)

inve

stim

ento

.

Page 137: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

124

F

igu

ra 1

c.

Re

de

de c

on

exõ

es s

em

ân

tica

s d

os d

iscu

rso

s s

obre

his

tória d

e v

ida e

m a

tle

tas d

e f

uts

al

bra

sile

iro

s d

o g

rup

o d

ire

cio

na

do

para

hete

ron

om

ia e

se

m p

roje

to d

e v

ida,

nos p

erí

odo

s v

ita

is d

a c

arr

eira a

tlé

tica d

e (

a)

exp

erim

enta

ção

, (b

) e

spe

cia

liza

ção

e (

c)

inve

sti

me

nto

.

Page 138: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

125

Primeiro Caso: Luta pelo sucesso, o atleta perfeito

Este primeiro caso trata-se da história de José Roberto, um atleta promissor

que desde muito cedo em sua carreira atlética já era tratado como talento esportivo.

Pela sua narrativa, podemos perceber que essa alcunha o persegue até os

momentos atuais, caracterizando um momento de fe tichização da personagem

atleta, representado pela falta de autonomia presente em seu relato.

Momento 1 - Descoberta (A promessa)

O relato de José Roberto inicia com a descrição da sua entrada no contexto

do Futsal. Sua descrição é de que sempre gostou de jogar "bola", mesmo com os

pés descalços, na rua, como forma de brincadeira. Logo de início, um aspecto da

fala de José Roberto que chama atenção é representativo da influência da Política

de Identidade sobre sua identidade, o sujeito utiliza da comparação com o "resto

das pessoas" para fortalecer sua convicção, como uma busca de um senso coletivo

de autodefinição, expressado no trecho a seguir:

"jogar com os pés descalços, jogar descalço na rua [...], sempre com os pés no chão [...], com trave de chinelo, e lajota [...], que roubava do vizinho [...], acho que começou ai, quem não começou ai, acho que a maioria começou ai."

Com 5 anos de idade, José Roberto relata ter sido "achado" por um vizinho,

que o indicou para uma escola de Futsal. Logo nessa primeira seleção, foi aceito

para disputar o campeonato estadual fraldinha (a 5 anos de idade), tornando-se um

atleta federado. Iniciando sua carreira vencendo e ganhando medalhas: "Primeira

medalha, foi com 5, 6 anos de idade mesmo, eu já comecei já, sendo um vencedor."

Diferente do relato de outros atletas, José Roberto nunca praticou outras

modalidades e estampa isso com orgulho de sempre ter se dedicado apenas ao

Futsal. Durante sua narrativa, fica evidente que José Roberto se sente orgulhoso de

seu desenvolvimento como atleta, como se carregasse uma responsabilidade

grande nisso. Vindo de uma família com pouca condição financeira, ainda com 5 a 7

anos, José Roberto era patrocinado pelos pais dos atletas que jogavam na mesma

equipe, pagando, inclusive, um incentivo para cada gol que fazia. É importante

destacar como o contexto de José Roberto já apresentava evidências de

possibilidades colonizadoras ao invés do potencial emancipatório que seu talento

para o esporte poderia ter proporcionado, favorecendo essa idealização da

personagem atleta, inclusive sobrepondo outros personagens esperados como de

filho, ou estudante, que não aparecem no relato.

Page 139: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

126

Momento 2 - Profissionalização (ou encarceramento).

Não é surpresa que no seu período de profissionalização, com 16 anos, José

Roberto relate perceber que decepcionava seus pais, porque não se dedicava aos

estudos como fazia ao Futsal. Mas, para o atleta, essa falta de exploração em

outras atividades se explicava pelo amor que sentia pelo Futsal até perceber que

não conseguiria acompanhar os estudos: "[...] é que eu acabei deixando pra trás,

que quando eu fui ver que aula não era pra mim, não tinha cabeça mais para

estudar porque eu tava muito atrás dos outros alunos."

Nesse período, José Roberto relata ter começado a receber uma

remuneração, apesar de pequena, se profissionalizando como atleta. Apesar dessa

remuneração ser pequena, permitia que voltasse para casa visitar sua família com

mais frequência, pois já morava longe há anos e também permitia comprar algumas

coisas que gostasse. Nesse momento do relato, a forma como José Roberto

expressa sua relação com o Futsal faz refletir o quanto se sentia preso à esse

personagem. Mesmo sem perceber, José Roberto se coloca como coadjuvante do

que acontece em sua vida. Sua escolhas são feitas por outras pessoas, ou por

aspectos que não consegue controlar (amor pelo esporte impossibilita estudar, ou a

necessidade de ser um jogador de sucesso o faz ficar longe da familia). O mais

marcante é a forma como expressa a conquista de remuneração, permitindo que

tivesse seus próprios desejos satisfeitos. Nesse momento, José Roberto narra:

"Minha primeira recompensa foi com 16 anos de idade, em [nome da cidade] no [nome do clube]. Primeira foi uma ajuda de custo [...], onde eu recebia passagem de volta pra eu visitar minha família, pra que eu tivesse cabeça boa, como eu sai muito novo [...] das atenções dos meus pais, eu ganhava uma passagem ida e volta e pra me manter ali [...], comprando umas coisinhas que eu gostava de comer tal e umas coisas extras."

Momento 3 - Ápice (mas nada de novo).

Uma mudança que foi marcante na carreira de José Roberto foi sua

transferência para um clube de mais expressão, permitindo que disputasse o melhor

torneio estadual de atletas profissionais. Aqui, para José Roberto, é quando sua

carreira realmente desenrola tornando-se, em suas palavras, um "grande"

profissional: "aonde eu deixei de ser um amador pra ser um grande profissional

mesmo [...]."

Essa profissionalização veio como uma surpresa para José Roberto, que

acreditava que ainda não estava na hora. Relata que conseguiu transformar isso em

um ponto positivo para sua carreira. Nesse momento, percebia muita cobrança,

Page 140: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

127

especialmente porque seu potencial era grande e precisava dessa cobrança para

continuar evoluindo. Mesmo nesse ambiente, José Roberto relata não perceber

pontos negativos com as suas escolhas e com o ambiente profissional que vive. É

um momento de muita felicidade por que conquistou seu objetivo que era jogar em

uma equipe de alto nível, no melhor campeonato. Percebe-se que o discurso de

José Roberto têm uma direção de heteronomia, com o sucesso sendo representado

pela adequação de sua identidade ao que é esperado de um atleta (Política de

Identidade). Em poucos momentos de fala José Roberto não-atleta aparece no

discurso, assim como pouco fala de amizades, relacionamentos e família. Em

sequência, José Roberto é transferido para outro clube, agora para disputar o

melhor campeonato do país, alcançando um de seus objetivos de vida:

"Olha graças a Deus [...], minha meta era jogar num time de liga nacional, e graças a Deus eu to conseguindo, é... e meu próximo passo agora se Deus quiser como eu já peguei a seleção estadual, se Deus quiser é vestir a camisa da seleção brasileira [...], e isso ai não foge nenhum momento da minha cabeça e eu tenho certeza que eu vou conseguir isso [...], com o trabalho do dia-a-dia que eu venho desenvolvendo."

Nessa etapa da carreira, José Roberto deixa claro seu projeto de vida (atleta

de alto rendimento), que novamente envolve apenas o sucesso, enquanto atleta.

Parece que José Roberto se apresenta como alguém que está lutando, se

superando, vencendo. Sua justificativa para esse enfrentamento é sempre a paixão

pelo esporte, que justifica todos os sacrifícios que fez para alcançar o sucesso que

percebe atualmente. Em um dos poucos momentos que José Roberto não foi

apenas a representação do atleta perfeito (no sentido de um outro dele que o nega),

relatou a frustração por não ter acompanhado o crescimento de seus irmãos, de

ficar mais perto de sua família. Mas logo retoma a fachada de atleta que sofre mas

consegue, que é vencedor, e que sua batalha é para continuar vencendo, tudo pela

paixão que sente pelo Futsal.

Grupo de indivíduos com discurso voltado para autonomia mas com um

projeto de vida fundamentado em políticas de identidade

As redes com as conexões evidenciam para a fase de experimentação como

principais conectores as palavras "profissional", "atleta", "jogar" (ou "jogava") e

"comecei" (Figura 2a). O discurso para esse período da carreira atlética é

semelhante ao do grupo anterior (Figura 1a), tratando de práticas diversas antes da

profissionalização mas o que diferencia aqui é a maior variabilidade de conceitos

Page 141: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

128

relacionados ao "jogar" o esporte. Esse conceito tem uma faceta mais

multidimensional, sugerindo uma experiência identitária mais ampla e menos

pressuposta. Esse conceito de jogar é o que foi identificado, pela análise de rede,

como o tema central do discurso dos atletas (Figura 2a).

Na fase de especialização, percebemos um maior distanciamento do padrão

narrativo dos atleta do grupo anterior. Aqui, a ocorrência de conectores é menor,

mas recebendo maior amplitude de definições, como é o caso das palavras

"obrigação", "atleta" e "seriedade" (expresso com o radical semântico "seri") (Figura

2b). No caso de "atleta", identificamos dois clusters associados que remetem ao

atleta jogador, que percebe cobrança e precisa alcançar seus objetivos e outra

estrutura relacionada ao atleta social, e a suas vinculações afetivas. O mesmo

acontece com "obrigação", que divide o cluster das relações sociais com o termo

"atleta", mas também se conecta com características mais instrumentais e de

reconhecimento do esporte (Figura 2b).

Na fase de investimento, esse grupo de atletas marca sua classificação como

direcionados para autonomia (Figura 2c). O discurso não é carregado de palavras

comuns à Política de Identidade associada à carreira esportiva. Os conectores são

palavras associadas à vida e dia-dia do ser humano envolvido com o esporte como

"futsal", "lesão", "pre-temporada", "jogar", "equipe" e "esposa" (Figura 2c). Destaca-

se que não são marcantes44 falas relacionadas à vitória, cobrança, rendimento.

Contudo, as falas não evidenciam perspectivas de projeto de vida, algo que não

seja ligado à "seleção". Os conceitos ligados aos conectores sugerem o

reconhecimento pela prática, sucesso, práticas familiares e sociais, preparação

entre outros.

Page 142: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

129

F

igu

ra 2

a.

Re

de

de c

on

exõ

es s

em

ân

tica

s d

os d

iscu

rso

s s

obre

his

tória d

e v

ida e

m a

tle

tas d

e f

uts

al

bra

sile

iro

s d

o g

rup

o d

ire

cio

na

do

para

a

uto

no

mia

e s

em

pro

jeto

de v

ida,

nos p

erí

odo

s v

ita

is d

a c

arr

eira a

tlética d

e (

a)

exp

eri

me

nta

çã

o, (b

) e

spe

cia

liza

ção

e (

c)

inve

stim

ento

.

Page 143: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

130

F

igu

ra 2

b.

Re

de

de c

one

es s

em

ân

tica

s d

os d

iscu

rso

s s

obre

his

tória

de v

ida e

m a

tleta

s d

e f

uts

al

bra

sile

iro

s d

o g

rup

o d

ire

cio

na

do

para

auto

no

mia

e s

em

pro

jeto

de v

ida,

nos p

erí

odo

s v

ita

is d

a c

arr

eira a

tlética d

e (

a)

exp

erim

enta

ção

, (b

) e

sp

ecia

liza

ção

e (

c)

inve

stim

en

to.

Page 144: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

131

F

igu

ra 2

c.

Re

de

de c

on

exõ

es s

em

ân

tica

s d

os d

iscu

rso

s s

obre

his

tória d

e v

ida e

m a

tle

tas d

e f

uts

al

bra

sile

iro

s d

o g

rup

o d

ire

cio

na

do

para

auto

no

mia

e s

em

pro

jeto

de v

ida,

nos p

erí

odo

s v

ita

is d

a c

arr

eira a

tlética d

e (

a)

exp

erim

enta

çã

o, (b

) e

spe

cia

liza

ção

e (

c)

inve

sti

me

nto

.

Page 145: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

132

Segundo Caso: Heroificação do esporte

Este caso trata da história de vida de um atleta que chamaremos aqui de

Leonardo. Leonardo atualmente é um atleta de futsal que disputa a Liga Nacional de

Futsal, e tem participações em torneios internacionais, como jogador da Seleção

Brasileira de Futsal. Essa narrativa será dividida em 3 momentos, que caracterizam

suas metamorfoses identitárias e exemplificam a busca por emancipação através da

prática do Futsal.

Momento 1 - Descoberta (Idealização do ser atleta)

Leonardo relata que começou a praticar o Futsal por volta dos 12 anos de

idade, ao frequentar escolas de treinamento esportivo na escola. Na época,

percebia que a prática esportiva ocorria como uma forma de brincadeira, praticando

diferentes modalidades, como relata Leonardo:

"eu sempre participei em tudo. Na seleção do colégio desde o atletismo até, mesmo sendo baixinho,

no basquete, vôlei. Disputei estaduais com 15 e 16 anos no basquete, vôlei, handebol."

Contudo, o interesse pelo Futebol começou cedo ao acompanhar o irmão que

treinava em uma escola para profissionais. Esse caso é interessante porque é

representativo da amostra entrevistada, no que se refere à iniciação esportiva. Em

geral, percebeu-se que os atletas iniciavam com uma variabilidade de modalidades

e se interessavam ao Futebol de Campo, por ter maior dedicação. No caso de

Leonardo, sua entrada no esporte foi um acaso. Em um torneio, ao acompanhar seu

irmão, acabou entrando para jogar porque um dos atletas faltou. Nesse jogo

mostrou um potencial grande para a prática esportiva e acabou ingressando na

equipe, aos 14 anos.

Nesse momento, Leonardo inscreve-se na equipe profissional da cidade,

mesmo com uma idade jovem, e começam a receber um salário para jogar. Ainda

assim, apesar da maior seriedade, a prática ainda era levada como uma brincadeira,

da mesma forma como é percebida com outras modalidades. Inclusive, como já

relatado, Leonardo não deixa de participar em outras atividades esportivas,

disputando torneios estaduais com a escola no vôlei e no basquete. Este dado é

bastante relevante porque demonstra uma característica peculiar da história de

Leonardo em relação à outros jovens que ingressam na prática do Futebol de

Campo.

Page 146: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

133

Nessa fase, vale destacar que o esporte ainda não desempenha um papel

dominante para o processo de socialização de Leonardo, neste momento da sua

narrativa ainda percebe-se incursão da ordem sistêmica sobre a prática do esporte

(Futebol de Campo, no caso). Sua identidade de atleta está associada à uma

brincadeira, uma atividade prazerosa na qual ainda está se descobrindo

interessado. Sua escolha em adentrar o contexto, ser um jogador, ainda é marcada

por um movimento autonômico, potencialmente influenciado pela cultura brasileira

de "amor ao Futebol" e pelo irmão que já praticava. Entretanto, é comum crianças

brasileiras passarem por escolas de Futebol de Campo quando jovens, mas boa

parte abandona com a ascenção de interesses acadêmicos e sociais na

adolescência. Esse interesse de Leonardo em acompanhar o irmão nos treinos de

Futebol de Campo representam a aproximação da Política de Identidade da

modalidade, que atrai o interesse de jovens para a prática, muitas vezes em

atividades de "identificação" com referências do contexto, com verbalizações como:

"Eu vou ser o Ronaldinho Gaúcho".

Contudo, essa primeira participação de Leonardo com o Futebol aparece

como uma possibilidade emancipatória para sua formação identitária. Caracteriza

um momento em uma nova oportunidade de experiências que podem se integrar a

sua socialização. Com o decorrer de seu ingresso na carreira atlética, disputando

campeonatos estaduais e conseguindo adquirir destaque em seu rendimento,

começa a entrar num segundo momento de seu desenvolvimento esportivo e, por

conseguinte, em sua identidade. Leonardo passa a obter maior reconhecimento por

sua atividade no contexto do Futebol de Campo, fortalecendo sua identificação com

a personagem do atleta, agora um atleta profissionalizado e com talento.

Podemos dizer que até esse momento o contexto esportivo vinha

funcionando como um elemento potencializador de emancipação para Leonardo.

Até então o personagem de atleta parecia uma alternativa, que abria toda uma nova

cadeia de possibilidades e desejos que potencializam modificações/criações de

objetivos pessoais, talvez um rascunho de projeto de vida atrelado à carreira

atlética. Essa identificação com o papel de atleta se fortalece quando um clube

grande de Futebol de Campo do estado de Leonardo o procura com uma proposta

de contrato (aos 15 a 16 anos). Neste momento, percebemos como a influência de

elementos da ordem burocrática ou do capital, muito comuns neste contexto do

Page 147: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

134

Futebol de Campo, agem para restringir o processo emancipatório das

metamorfoses identitárias.

"Então ali deu uma repercussão enorme no estado. naquela época veio o [nome do clube], que a

[nome do patrocinador] tinha investido no [nome do clube], e eles vieram atrás de mim. Por ter

diretores que pensam mais no financeiro do que no próprio atleta, o clube queria 40 mil por mim.

Então ele pediu 40 mil pro clube pra me liberar. Porque não tinha aquela lei Pelé. Então eu teria que

ficar vinculado com o clube até os 18 anos ou ter parado de jogar. Aí meio que eu me decepcionei

com o campo [...]. Os caras falarem 40 mil eu posso trazer um jogador profissional pro meu time e tu

tem 14 anos e quando chegar nos 18 de repente não jogar o que tu joga. É uma incerteza [...]. Então

ele não quis investir."

Aqui percebe-se que o valor monetário associado à uma possível ascenção na

carreira de atleta de Futebol de Campo causa mudanças na perspectiva de Leonardo frente

a si a e seu projeto de vida. Até esse momento não havia uma presença forte no discurso

em relação à carreira no Futebol de Campo, contudo, frente à "frustração" de não ter o

contrato liberado impõe uma barreira à uma carreira ainda inexistente. Leonardo refere que

após esse acontecimento, ficou aproximadamente um ano sem jogar Futebol de Campo,

como um reflexo dessa quebra na personagem de atleta que se construia.

Dedicando-se à escola e outras atividades que não o Futebol de Campo em

si, surge uma nova oportunidade para ingressar na carreira do Futebol de Campo,

com o mesmo técnico com quem havia jogado anteriormente. Nessa oportunidade,

Leonardo disputou o maior campeonato de Futebol de Campo do estado, com

momentos muito marcantes como ganhar de um dos maiores times da modalidade

e, novamente, com um bom destaque. Contudo, para conseguir chegar nesse local

em sua carreira, Leonardo refere ter tido diversos problemas:

"Exemplo eu, eu com 14 anos com essa trajetória toda, eu já fui pra vários times de campo [...], eu

resumi alí a história. O [nome da equipe], que eu estava no [nome da equipe], o meu pai deixou eu ir,

eu cheguei lá e não tinha o que comer. O quartel ficava a 4 km de onde a gente treinava. O treino

acabava as 11:30 por aí, e no quartel servia comida até 12:00. Se tu não chegar lá. Então nós não

tínhamos tempo pra chegar lá. Tinha 3 km pra caminhar, não conseguia. Então minha família, meu

pai ligava pra mim e eu falava que não pai, eu to comendo em restaurante, sabe. Porque eu queria

aquilo pra mim entendeu."

Era, segundo Leonardo, a oportunidade que teve para seguir na carreira e

conforme o investimento pessoal era feito novamente na vida esportiva, Leonardo

esbarra novamente na burocracia e discussões financeiras com o seu contrato.

"Aí fui no [nome do campeonato] novamente e tiramos o [nome da equipe] fora, o [nome da equipe],

e pegamos o [nome de outra equipe] na semifinal. Perdemos mas acabei fazendo 2 gols também. Aí

o mesmo cara que queria me levar veio de novo. Daí era pra eu seguir no campo. Aí chamou o meu

Page 148: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

135

pai e todo mundo e tal. Eu achava que eu já era do [nome da equipe] no meu contrato, mas não. Eu

pertencia ainda pro outro cara. Então aconteceu praticamente a mesma coisa. Então ali foi uma

decepção geral. Falei pro meu pai que não quero mais saber, vou estudar, não quero mais saber do

futebol, eu vou arrumar um emprego. E meu pai, assim minha família bem humilde, meu pai pedreiro,

minha mãe dona de casa. Então eu disse que não quero mais saber, vamos lagar e parar por aí."

Novamente, Leonardo vê seu projeto de vida de "jogador de futebol" ser

impossibilitado por uma demanda externa e cessa sua atividade. Essa situação com

a diretoria do clube não foi, necessariamente, uma caracterísitca negativa para

Leonardo. Esse acontecimento poderia ter sido interpretado como uma possibilidade

de mudança de direção em sua vida, se conseguisse estabelecer um novo projeto

de vida, entretanto parece que Leonardo não havia superado efetivamente sua

personagem atleta e concretizado uma metamorfose, como veremos no decorrer da

descrição.

Momento 2 - Profissionalização (Retorno, ascenção e estagnação)

Após passar um tempo sem se dedicar à carreira esportiva, voltando a

formação acadêmica e trabalhando para ajudar os pais em casa, Leonardo se ve

frente a uma nova oportunidade para adotar o personagem atleta. Um chamado,

agora para jogar Futsal pela sua cidade natal, chega a Leonardo através de uma

notícia na televisão. Os dirigentes da equipe de Futsal dessa cidade anunciam o

interesse pela contratação de Leonardo com a justificativa de que era uma "semente

da terra":

"Estava eu almoçando e assistindo tv, aí fizeram uma matéria da região que a [nome da equipe]

estava contratando o ala esquerda [nome do atleta aqui chamado de Leonardo] que era a semente

da nossa terra, cria dalí. E eu fiquei olhando, mas não pode ser porque ninguém me ligou, não falou

nada, não to sabendo. E foi uma informação que vazou antes do tempo pra imprensa. Aí eu acabei

de almoçar e quando eu acabei toca o telefone de casa e era o dirigente lá me ligando. Agora vazou

eu tenho que te trazer de qualquer jeito. Naquele mesmo tempo eu pensei, poxa se já vazou na

imprensa vai ter obrigação de me levar agora [...]. aí o cara disse que nós aqui vamos te dar meio

salário mínimo. E eu, não, não, eu quero dois salários mínimos pra mim ir, se não, não vou. Porque

já tinha saído. Eu ter convivido muito novo no meio dos caras eu já tinha a malandragem pra isso.

Daí eu pedi. Eles fizeram uma reunião e me deram a resposta à tarde. E tudo começou aí."

Foi nesse momento que a carreira de Leonardo inicia-se no Futsal,

disputando seu primeiro campeonato como o jogador que mais fez gol na

temporada. Percebe-se, pelo relato, que sua entrada no Futsal foi uma virada

importante em sua vida, já está na mesma equipe há seis anos e conseguiu ver seu

time sair de fase bronze (que seria análogo à terceira divisão) para disputar a Liga

Nacional. Passou, nesse tempo, pela profissionalização da equipe, com aumento

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

136

nos investimentos. É, para Leonardo, um ambiente muito mais amigável que o

Futebol de Campo, quando relata:

"Futsal hoje em dia é todo mundo fala bem, se comunica bem, ninguém quer passar a perna em

ninguém, ninguém quer ser mais que ninguém, já o campo não. O campo é eu vou te machucar

porque eu quero jogar amanha entendeu, não pensa na equipe."

Nesse período, percebeu-se um discurso com bastante ênfase no

reconhecimento obtido com a prática. Seu relato indica a importância da sua equipe

para a comunidade/cidade, que a adesão da torcida é grande, funcionando como

um agente importante de motivação. Leonardo casou-se e teve um filho e já começa

a vivenciar problemas com a carreira. Mas constitui-se uma fase na qual Leonardo

consegue unificar sua personagem objetiva (ser atleta) com um projeto de vida (ser

atleta) reconhecido por tal e proporcionando um viver bem. Entretanto, com o

decorrer do tempo e a exposição na carreira, transições normativas (idade) como

não-normativas (lesões ou mudanças na família) fazem com que novos ajustes

identitários sejam necessários.

Momento 3 - Ápice (Atleta ou pai, reposição da personagem).

Na continuidade de seu relato, Leonardo está entrando em um momento de

crise, com mudanças ambientais. Fica evidente naquele momento, com 34 anos,

que seu esforço para a manutenção do desempenho era grande. Ao mesmo tempo,

lesões vinham acontecendo, o que o deixaram fora de boa parte em temporadas

passadas. Essas condições têm feito Leonardo questionar sua permanência no

futsal, potencialmente preparando uma aposentadoria.

Como percebido ao longo de sua carreira, situações de transição não são

caracterísitcas de problemas para a formação identitária do indivíduo, na verdade

constituem oportunidade para novos movimentos de metamorfose. Entretanto,

também podem ser momento de manutenção da identidade, facilitando a

colonização da ordem sistêmica e reposição de papéis. No caso de Leonardo,

percebe-se que há uma dúvida, que o leva a refletir e buscar mais informações

sobre a continuidade da sua prática e, consequentemente, de sua identidade:

"Aí eu conversando com a minha esposa, eu com 34 anos, falei, e até o treinador agora da seleção é

o [nome do treinador] [...], que nós fomos campeão [...] lá em [nome do estado] em 2002 ou 2003.

Minha esposa falou pra mim, você ta pensando mais um ou dois anos? E eu, a amor acho que vou

me dedicar e esforçar esse ano e vou buscar uma convocação na seleção. E ela me olhou assim,

Page 150: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

137

você ta brincando [...]? E eu, ué por quê? Você acha que eu não tenho condições? E ela, não amor

eu não to falando disso. E eu, claro amor, eu to bem eu vou brigar por isso, tenho objetivos."

A fala explicita o momento que Leonardo está enfrentando, buscando

opiniões ou talvez reforçamentos para a manutenção de sua personagem de atleta

com pessoas significantes do contexto. Aqui percebemos que apesar das escolhas

inicialmente autônomas pelo personagem de "atleta" no futsal, Leonardo passa a

representar esse papel, frente à dificuldade em transitar para fora do contexto

esportivo. Há um certo feitichismo em idealizar o abandono da modalidade após

uma nova convocação para a seleção brasileira, reforçando as metas pessoais e o

projeto de vida, agora não tão coerente com uma identidade política através do

esporte.

Essas caracterizações ficam evidentes quando Leonardo relata que, na fase

que está, precisa dar "algo mais" quando "estiver cansado ou tiver uma dorzinha

ali", tudo explicado como uma necessidade para alcançar um objetivo maior, que no

caso seria a seleção. Esse movimento reforça a busca de reconhecimentos que

fortalece a posição, mas que acaba por ser um reflexo da adesão à políticas de

identidade, quando Leonardo relata que está fazendo isso para dar exemplo ao

filho. Essa dificuldade é compreensível porque foi neste ambiente atual, com esse

personagem, que Leonardo conseguiu encontrar um ambiente favorável para seu

desenvolvimento e para sua família, integrado com as famílias dos seus colegas de

equipe e com a comunidade.

É nessa relação com o filho que, no entanto, começamos a vislumbrar um

potencial emancipatório para Leonardo. Em diferentes momentos de sua narrativa

começa a se perceber um personagem "pai" aparecendo como projeto de vida,

simultâneo ao de "atleta". No entanto, da forma como se estabelece o ambiente de

Leonardo, esse projeto depende de um bom desempenho no esporte, o que parece

ser um significado regulatório. Numa tentativa de integrar os papéis, Leonardo se

coloca na perspectiva de atleta-pai com os próprios colegas de equipe, relatando:

"Eu tenho que sempre dar algo a mais. Mesmo que eu não chegue na seleção, mas eu vou fazer

uma baita temporada. Eu to fazendo, sabe, eu to buscando um nível maior. Se eu não almejar nada,

eu me acomodo. Por mais que tenha 6 anos de clube, eu não posso me acomodar. Eu tenho que

ser exemplo pros que estão chegando [...]. Chegam aqui e, olha o cara tá acomodado, não pera aí, o

cara tá há 6 anos aqui e o cara tá correndo o que ta correndo, fazendo o que ta fazendo. Chamar os

caras junto. Então eu acho que o meu pensamento é esse, que esse ano o time ta unido."

Page 151: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

138

Assim, no momento atual, apesar de indicar movimentos autônomos, sua

identidade parece indicar uma metamorfose no sentido da mesmice (reposição da

identidade e facilitador da colonização do mundo da vida), repondo a personagem

de atleta, com vislumbres de colonização da ordem sistêmica se tornando presentes

em seu discurso, evidenciando um direcionamento heterônomico se tornando

manifesto:

"Tu tem que saber que em primeiro lugar vem o emblema da sua equipe, por isso vem no teu peito, e

seu nome atrás, tu tem que colocar isso na cabeça, primeiro o clube e depois o seu nome. Quando

você souber que o clube vem em primeiro lugar e você em segundo plano, acho que tem tudo pra

dar certo."

Grupo atletas com discurso voltado para autonomia e com um projeto de vida

estabelecido com base em identidades políticas.

As conexões da rede semântica dos atletas que configuram o grupo com

discurso voltado para autonomia e com projeto de vida com base em identidades

políticas apresentou configuração diferente daquela dos grupos anteriores, com um

foco em conectores e significados diversos àqueles ligados a Políticas de Identidade

relacionadas ao esporte (Figura 3).

Na fase de experimentação, os discursos relatam aspectos esportivos como

os conectores "futsal", "categoria", "mirim" e "juvenil", aqui associados a

características da formação atlética (Figura 3a). Entretanto, vale destacar que não

aparecem conectores relacionados à desempenho, sucesso, vitória, como visto nos

discursos dos outros grupos. Aparece, contudo, termos de outras esferas da

vivência humana, como os conectores "vida" e "trabalho", associados,

simultaneamente, à aspectos da formação humana e o contraste com o esporte

como estudar, treinar e manejo do tempo (Figura 3a).

Page 152: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

139

F

igu

ra 3

a.

Re

de d

e c

one

es s

em

ân

tica

s d

os d

iscu

rso

s s

obre

his

tória

de v

ida e

m a

tle

tas d

e fu

tsa

l b

rasile

iro

s d

o g

rupo d

irecio

na

do

pa

ra

auto

no

mia

e c

om

pro

jeto

de v

ida f

und

am

enta

do n

a ide

ntid

ad

e p

olítica

, n

os p

erí

odo

s v

ita

is d

a c

arr

eira

atlé

tica d

e (

a)

exp

eri

me

nta

çã

o, (b

)

espe

cia

liza

ção

e (

c)

inve

stim

ento

.

Page 153: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

140

F

igu

ra 3

b.

Re

de d

e c

one

es s

em

ân

tica

s d

os d

iscu

rso

s s

obre

his

tória

de v

ida e

m a

tle

tas d

e fu

tsa

l b

rasile

iro

s d

o g

rupo d

irecio

na

do

pa

ra

auto

no

mia

e c

om

pro

jeto

de v

ida f

und

am

enta

do n

a ide

ntid

ad

e p

olítica

, n

os p

erí

odo

s v

ita

is d

a c

arr

eira

atlé

tica d

e (

a)

exp

erim

enta

ção

, (b

)

esp

ec

ializa

çã

o e

(c)

investim

ento

.

Page 154: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

141

F

igu

ra 3

c.

Re

de d

e c

one

es s

em

ân

tica

s d

os d

iscu

rso

s s

obre

his

tória

de v

ida e

m a

tle

tas d

e fu

tsa

l b

rasile

iro

s d

o g

rupo d

irecio

na

do

pa

ra

auto

no

mia

e c

om

pro

jeto

de v

ida f

und

am

enta

do n

a ide

ntid

ad

e p

olítica

, n

os p

erí

odo

s v

ita

is d

a c

arr

eira

atlé

tica d

e (

a)

exp

eri

me

nta

çã

o, (b

)

espe

cia

liza

ção

e (

c)

inve

stim

ento

.

Page 155: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

142

A complexidade das conexões fica mais interessante nas fases de

especialização (Figura 3b) e investimento (Figura 3c) que mantém conectores

semelhantes como "futsal", "vida" e "esporte" mas com sentidos mais amplos e

diversificados. Na especialização, o discurso volta para aspectos da dificuldade com

a prática ligados à "futsal", "futebol" e "vida" mas também aos benefícios alcançados

com o esporte (Figura 3b). Palavras que destacam o reconhecimento obtido com a

prática aparecem relacionados ao contector "equipe" e "profissão", mas ao conector

"esporte" em si, aparecem palavras que representam sua presença num contexto

mais amplo de benefícios, associado à formação acadêmica. Parece indicar que a

pecepção do contexto esportivo vai na direção de estabelecimento de projeto de

vida, assumindo as característias do papel de atleta como aspectos de identidade

política.

Esse mesmo padrão continua na representação das conexões das narrativas

referentes à fase de investimento (Figura 3c). Destacam-se os conectores "futsal",

"base", "trabalho" e "importante", todos associados à palavras que mostram uma

perspectiva ampla da prática esportiva como elementos familiares, carreira

esportiva, ganhos financeiros, sensações positivas e a palavra "escolha". Ainda,

aspectos que são notoriamente atrelados à direções regulatórias como "alto" e

"nível" se associaram a palavras como "humano", "cidadão" e "profissão", sugerindo

conceitos diferentes dos instrumentais ou convencionais vistos em outros grupos.

Terceiro Caso: Salvação e vida pelo esporte

Aqui apresentaremos o caso de Ricardo, atleta de 30 anos, nascido no

Nordeste, mas cresceu em uma cidade do Centro-Oeste. Atualmente, é um atleta de

uma grande equipe de Futsal do país, com uma carreira bem estabelecida. Contudo

sua história têm peculiaridades que indicam a importância das experiências e do

contexto para a forma como a socialização ocorre facilitando ou não a autonomia do

indivíduo.

Momento 1 - Descoberta (Esporte e novas perspectivas)

Ricardo começa seu relato dizendo que cresceu em uma cidade grande, mas

que teve uma infância humilde, que sua família tinha poucas condições financeiras e

viviam em um bairro pouco estruturado. Nesse contexto que Ricardo introduz sua

inserção no Futsal, como um ambiente que permitiu se emancipar dessa situação,

realizando-se pessoalmente e profissionalmente:

Page 156: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

143

"graças ao futsal eu consegui me realizar não só pessoalmente, profissionalmente e pessoalmente,

tudo ligado ao esporte"

Seu início no futsal foi ainda na infância, por volta dos dez anos, seguindo o

que constumeiramente acontece na iniciação esportiva. Como logo de início se

destacou na prática, logo estava disputando todas as categorias de esporte infanto-

juvenil. Sempre na região da sua cidade natal. Sua "descoberta" para o futsal,

novamente, da forma mais comum, jogando futebol na rua e um vizinho o indicou

para uma escolinha por perceber que tinha talento. Nessa primeira equipe

estruturada de futsal foi que Ricardo teve toda a sua base de formação técnica no

esporte, com seus professores da época.

Aliado a um ambiente que proporcionava experiências estimulantes e

reconhecimento pela relevância da prática para o Brasil, Ricardo também relata que

sua família foi muito importante apoiando sua carreira. O relato indica que seus pais

acharam no esporte uma boa situação para Ricardo se desenvolver e conseguir

uma condição de vida melhor. Entretanto, a infância/adolescência de Ricardo foi

marcada por momentos de dificuldade e ambientes pouco estimulantes, fora a

prática do futsal. Seus pais se separaram quando Ricardo tinha 15 anos, o que foi

relatado como um momento muito difícil. Ainda assim, mesmo separados, Ricardo

relata que continuaram apoiando sua prática do esporte, e que o esporte ajudou a

superar a dificuldade da sua situação família.

Além da situação dificil afetiva e financeira de sua família, Ricardo também

precisava lidar, na adolescência com o ambiente em que vivia, que era perigoso,

com alta criminalidade:

"eu vim morava num lugar totalmente de alta periculosidade então [...] tenho certeza que se não

fosse o esporte eu não teria me dado muito bem, se não fosse futsal de me dar oportunidade acho

que eu não teria me dado bem, todos meus amigos da infância ou morreram ou foram preso, se

meteram com coisa errada [...]"

Ricardo conseguiu manter-se no esporte, apesar dos acontecimentos de sua

trajetória de vida, contando com muito apoio familiar. Vale destacar que mesmo se

destacando como um atleta de potencial, continuou estudando, diferente das outras

trajetórias de atletas (caso 1 e caso 2), nunca saindo do entorno de sua cidade. Foi

apenas após o término dos estudos no ensino médio que Ricardo resolveu dedicar

mais tempo ao futsal (fase de investimento), mesmo assim procurou um emprego

Page 157: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

144

para conseguir se sustentar e treinava nos períodos alternativos. E por volta dos

dezoito ou dezenove anos, surgiu a oportunidade de jogar a liga nacional (maior

competição da modalidade). Foi nesse período que Ricardo optou por se dedicar ao

futsal, abdicando de seu emprego. É uma escolha interessante porque a entrada no

contexto não foi uma continuidade de escolhas infantis, mas sim uma decisão frente

à uma oportunidade (transição ecológica) que gerou um movimento adaptativo em

Ricardo, que se assemelha a uma expressão autonômica aderindo a sua

metamorfose uma personagem de atleta com base em identidade política.

É uma consolidação dessa metamorfose que já vinha dando sinais desde sua

iniciação esportiva, e que pela forma como foi descrita aparenta ter potencializado

um fragmento emancipatório para Ricardo.

Momento 2 - Profissionalização (Não-acomodação e continuidade da direção

emancipatória)

Pelo transcorrer da história de Ricardo, esperava-se agora iniciar um relato

de como Ricardo se dedicou à carreira atlética, entrando cada vez mais nas

Políticas de Identidade do esporte, movido pelo status, reconhecimento perverso do

papel do atleta e pela cultura do futebol presente no Brasil. Contudo, o que

encontramos é um caminhar para uma direção oposta, aqui interpretado como uma

continuidade da autonomia na sua expressão identitária, evitando o enquadramento

da colonização da ordem sistêmica.

Ricardo relata que após essa primeira participação na liga nacional, ainda na

sua fase de atleta juvenil, recebeu diversas propostas de contrato para jogar em

outras equipes espalhadas pelo Brasil. Entretanto, Ricardo preferiu ficar em sua

equipe, na cidade em que cresceu, para continuar sua formação acadêmica e

adquirir uma "base" para depois "tentar o futsal como esporte e alto rendimento".

Aqui o relato nos surpreendeu, porque até o que se sabe, praticar o esporte é algo

tido como sonho para muitos jovens, ainda mais jovens que vem de famílias de

pouca condição financeira, como uma promessa de ascenção social.

Quando retomamos o contato com Ricardo para explorar melhor essa sua

escolha, a explicação foi que apesar de gostar do futsal, e de ter se dedicado à

modalidade desde os seus 10 anos, disse que sempre foi uma orientação de seus

pais que ele terminasse os estudos e que tivesse uma estrutura caso a vida no

esporte não desse certo. Ricardo relata que sua relação com o esporte era muito

positiva, mas que queria dar uma chance para a carreira profissional que vinha

Page 158: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

145

tentando em paralelo. Tanto que sua opção por equipes para jogar, ainda que na

sua cidade, era sempre em equipes que davam bolsas de estudos para os altetas

em faculdades:

"sempre me dediquei o futsal, desde os dez anos, mesmo na minha vida acadêmica, eu trabalhava

um período treinava o outro estudava outro a noite, então minha vida era bastante complexa, meu

tempo era praticamente todo preenchido, eu trabalhava num horário, ia treinar, do treino ia estudar,

depois ia para casa, sempre ativa, sempre tive treinando, jogando"

Percebe-se que mesmo com a vida atlética se desenvolvendo e evoluindo, o

esporte fazia parte de seu projeto de vida, mas era um mecanismo a alcançar, num

projeto maior de alcançar o viver bem, com satisfação e saúde, alcançando uma

situação financeira satisfatória. Dessa forma, percebemos que não é o papel de

atleta (Política de Idenitdade) que domina sua expressão identitária, mas a

identidade política de atleta que se apropria das características do contexto

esportivo para se definir nesse processo de metamorfose direcionado para

fragmentos emancipatórios.

Momento 3 - Ápice (Dedicação exclusiva ao futsal, mas com a cabeça no

projeto de vida).

A partir de 2010, já com 27 anos, Ricardo recebe uma proposta de um

grande clube do país, talvez um dos maiores e decide então se dedicar

exclusivamente ao futsal. Desliga-se de seu emprego e muda-se de sua cidade. Foi

ai que sua vida tomou um rumo totalmente diferente, como relatou Ricardo.

"tanto que surgiu outra equipe em 2011 equipe do [apelido do time], que ai a gente pode ter um

trabalho, de um nível mais elevado tanto taticamente fisicamente tecnicamente a gente se dedicou

ao futsal tive que abrir mão do meu emprego para viver do futsal, foi ai que decidi jogar futsal

profissionalmente, fiz uma boa temporada. [...] desde então tive uma vida totalmente diferente."

Atualmente, Ricardo é casado e tem dois filhos. Recentemente, com uma

mudança grande de cidade para entrar em uma equipe grande, conforme explica

Ricardo "talvez a maior do país, que todo atleta sonha em jogar", Ricardo deixou

sua família na cidade que morava anteriormente e foi se dedicar à prática esportiva.

O que parece ser um indício de adesão heteronômica em suas metamorfoses,

parece não funcionar assim. Ricardo relata que sua família deu todo o apoio que

precisava, e que até hoje funcionam como base para que consiga enfrentar as

dificuldades. A cobrança que percebe nessa equipe é muito grande, muito maior

Page 159: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

146

que em outros times menores em que jogou. Mas essa pressão se dissolve com um

ambiente de grupo muito interativo e acolhedor que recebeu.

É interessante que, ao relatar sobre a mudança de cidade, Ricardo sugere

que foram bem acolhidos até porque alguns foram para lá (cidade da equipe) para

se estabilizar e não apenas para jogar. Perguntamos se essa não era a perspectiva

de Ricardo e a resposta foi de que não, que sua casa era com a sua família e que

logo planejava retornar, porque já estava planejando o término de sua carreira.

Fica evidente que o esporte, ou a representação do papel "ser atleta" não

domina a sua expressão identitária, fortalecendo cada vez mais a ideia de que seu

projeto de vida vai além do sucesso no esporte, definido a paritr de uma identidade

política e pós-convencional. Em momento nenhum do seu discurso ouvimos falas

que indicasem um senso coletivo de sua atividade, do seu vir a ser, ou uma escolha

determinada por características instrumentais, como parece ficar claro na sua fala:

"sempre a gente tem que procurar buscar novos desafios, e acho que esse foi um grande destino na

minha vida".

Essa tomada de consciência de Ricardo sobre a alienação que leva a um agir

instrumental e estratégico do esporte, fica evidente quando perguntamos sobre a

sua perspectiva em relação ao esporte. Ricardo parece muito esclarecido das forças

opressoras que existem no esporte e utiliza disso para conseguir seus objetivos

pessoais, sem ceder a essa pressão, como explica:

"apesar que a carreira é curta então o cara tem que saber fazer as escolhas certas, foi por isso que

eu decidi procurar a vida acadêmica, para dar uma base, porque se o esporte não desse certo, eu

tinha uma coisa na minha vida então, não me arrependo do que fiz, hoje consegui ta em uma equipe

de alto nível de alto rendimento. [...] espero em um alto nível uns 35 anos e depois me dedicar ao

futsal como tenho outra profissão, mas mesmo assim nunca vou deixar o futsal de lado, que me faz

ser homem, ser humano, um cidadão do bem, estão eu espero um dia dar sequencia fora de quadra

[...] fazendo alguma coisa para tá contribuindo para o futsal essa vai ser daqui um tempo meu

pensamento."

Discussões

O objetivo deste estudo foi analisar a influência do contexto esportivo em

proporcionar possibilidades emancipatórias ou colonizadoras no processo de

construção da identidade em atletas de futsal através do padrão semântico de fala e

da caracterização do contexto bioecológico, exemplificando com narrativas da

história de vida de sujeitos considerados emblemáticos. Analisando as narrativas de

Page 160: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

147

25 atletas de futsal de alto rendimento, identificamos 3 grupos caracterizados pela

forma como expressavam suas metamorfoses identitárias num sentido de

direcionamento do discurso da história de vida (movimento regressivo) e dos

projetos de vida (movimento progressivo). Um grupo era marcado por um discurso

direcionado à heteronomia com projetos de vida inexistentes ou enquadrados na

lógica do agir instrumental, os outros dois grupos eram direcionados à autonomia de

sua expressão identitária, com distinção em projetos de vida baseados em Políticas

de Identidade ou identidades políticas. Uma organização semelhante dos dados em

estudos de identidade com base no Sintagma Identidade - Metamorfose -

Emancipação já foi previamente desenhada com uma população geral (DANTAS,

2013).

Os resultados encontrados nesse estudo permitiram identificar que o padrão

semântico do discurso dos atletas seguem estruturas diferentes de acordo com a

sua classificação, facilitando a identificação de conceitos enquadrados pelas

Políticas de Identidade nos discursos dos atletas, e, após analisar os estudos de

caso com os discursos sobre histórias de vida fica evidente que a percepção do

contexto esportivo como agente estimulador de possibilidades emancipatórias e

colonizadores está associado a história de vida do atleta e suas experiências.

Percebe-se que atletas que apresentaram maior multiplicidade de papéis, com

maior participação multiambiental e intercâmbio entre relações de diferentes

contextos também apresentaram um processo de metamorfose com maiores vias de

emancipação do domínio idoeológico da ordem sistêmica atrelada ao esporte.

Como sugere a teoria bioecológica (BRONFENBRENNER, 2005), a

participação do indivíduo em diferentes ambientes, com multiplicidade de papéis

favorece o processo de desenvolvimento, no caso a Identidade-Metamorfose-

Emancipação. Nossos resultados corroboram essa perspectiva e também apontam

que essa riqueza de papéis (como proposto por CIAMPA, 1987) auxiliam o indivíduo

na auto-exploração, proporcionando maior autonomia e conquista de fragmentos

emancipatórios em seu processo de formação identitária.

Entendemos que o processo de formação identitária é algo subjetivo,

dependente das experiências do indivíduo e da relação que este estabelece com o

ambiente (HABERMAS, 1990). Contudo, faz parte dessa análise o impacto que o

contexto tem nesse processo, proporcionando elementos para a atribuição de

sentido pelo indivíduo. Contextos altamente controladores que regulam a

Page 161: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

148

experiência do indivíduo não abrem espaço para a manifestação da autonomia do

sujeito, facilitando sua adequação às regreas impostas pelas Políticas de

Identidade, representando uma incursão da ordem sistêmica sobre o mundo da vida

do sujeito (HABERMAS, 2012). Nossos resultados deixam esse processo evidente

na comparação progressiva entre os três casos expostos, tanto na análise das

palavras que utilizam para descrever suas carreiras como na sequência de

acontecimentos em suas histórias de vida.

Em especial, os atletas do primeiro grupo utilizavam com muita frequência

palavras que representam uma forma de racionalidade instrumental, ligados à

vitória, sucesso e outras características do esporte espetáculo. Enquanto os grupos

mais autonômicos apresentavam conexões semânticas mais diversas, unindo

experiências esportivas e não esportivas, potencialmente alcançando mais

racionalidade comunicativa entre suas manifestações de personagens e seus

contextos.

Não obstante, são esses atletas (mais autonômicos) que apresentam

metamorfoses identiárias mais direcionadas para fragmentos emancipatórios.

Contudo, essa metamorfose pode também assumir papel de não-metamorfose, fato

mais evidente nos atletas do grupo 1, mas também presente nos atletas do grupo 2.

Uma característica que pareceu ser comum aos grupos 1 e 2 de atletas foi que, no

início da prática esportiva, esta parece mais lúdica (Descoberta), menos regulatória.

Mas conforme a dedicação ao futsal vai se intensificando, com a progressão da

carreira (Profissionalização), fica mais claro o processo de mesmice (Ápice) em que

se encontram, regulados pelas Políticas de Identidade, principalmente vinculado ao

lado financeiro e ao grande reconhecimento que o esporte parece proporcionar

(CIAMPA, 2002; HABERMAS, 1983; 1989).

Diversos momentos das entrevistas, falas referentes à importância da

modalidade para a comunidade e para suas famílias pareciam dar mais força à suas

identidades, podendo ser entendidas como personagens feitichizadas. Muito

diferente do grupo 3, que já tem um discurso que não se regula pela necessidade de

realização no esporte, nem pelo reconhecimento de seu papel de atleta, mas sim

pelo reconhecimento de suas conquistas e da relevância do esporte como elemento

para concretização de projetos de vida mais amplos, envolvendo a família, planos

de futuro e a busca pelo viver bem, evidenciando um processo de metamorfose com

fragmentos emancipatórios (HABERMAS, 1990).

Page 162: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

149

Estudos com populações de atletas também têm encontrado resultados

semelhantes, sobre o efeito da modalidade como elemento regulatório da formação

da identidade em atleta de futebol de campo, com dificuldades para se ajustar na

vida após aposentadoria (WEBB et al., 1998; LALLY, 2007), ou emancipatórios para

atletas deficientes (PRESOTO, 2005; Le CLAIR, 2011). A literatura especializada

também tem apontado para essa direção, utilzando referenciais teóricos

epistemologicamente diferentes, como a identidade atlética que é o grau de

identificação com o papel de atleta (PARK, LAVALLEE, TOD, 2013).

No entanto, nenhum estudo ainda havia investigado o esporte como

elemento possibilitador de processos de fragmentos emancipatórios ou de

colonização para atletas de rendimento. Ao contrário, há uma extensa literatura

apontando para os malefícios dessa prática de rendimento. Contudo, corroborando

achados recentes, o esporte de rendimento tem potencial para possibilitar

regulações (racionalidade instrumental e regulações da origem sistêmica) mas

também pode possibilitar fragmentos emancipatórios, como representados pelos

atletas do grupo 3 aqui analisados. Ainda, nenhum estudo foi encontrado

investigando esse processo em atletas de futsal, que é uma das modalidades mais

praticadas no Brasil e no mundo (DAMO, 2005).

Aprofundando, especificamente a análise do contexto no discurso dos atletas,

percebemos que o esporte pode possibilitar fragmentos emancipatórios ou

incursões da colonização da ordem sistêmica dependendo das outras

características de vivência do atleta e de algumas situações especificas. Ficou

definido que a iniciação e profissionalização precoce, com um foco específico em

rendimento parecem favorecer movimentos heteronômicos e manutenção da

mesmice identitária, além de prejudicar o estabelecimento de projetos de vida que

não sejam baseados em um agir instrumental. Reforçando a importância de escolas

de formação com uma perspectiva holística de desenvolvimento de talentos, que já

tem sido apresentado na literatura como mais eficazes para o bom desenvolvimento

do atleta e transferência de habilidade para a vida (GOULD & CARSON, 2008),

também exemplificado pelo terceiro estudo de caso de Ricardo.

Outra característica marcante foi a presença da escola/faculdade, diversos

estudos têm apontado para o problema da carreira dupla que atletas precisam levar,

com a vida escolar (STEINDFELDT, STEINDFELDT, 2010). Esses resultados

corroboram os nossos achados, agora numa perspectiva de formação identitária.

Page 163: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

150

Contudo, como entendemos que o processo de metamorfose é constante e

individual, não podemos decretar que o abandono da escola é essencialmente um

fator regulatório da expressão da identidade, mas pelos resultados que

encontramos, esse abandono foi um elemento importante que facilitou maior

imersão na carreira atlética e consequentemente, maior adequação ao agir

instrumental e a Políticas Identitárias. Em contrapartida, o caso 3 apresentou o

oposto, que a continuidade nos estudos favoreceu a exploração pessoal e a

formação de identidades políticas com a prática esportiva (estar atleta ao mesmo

tempo que estou aluno, impossibilitando projetos de vida de conseguir o sucesso no

esporte qualquer custo).

De forma semelhante, a presença da família têm sido continuamente

reportada como um elemento importante para formação de talentos esportivos, em

especial para proporcionar o apoio afetivo e instrumental para a prática. Nossos

achados vão ao encontro da literatura (WYLLEMAN & LAVALLEE, 2003), mas

expandem apresentando a relevância da família estabelecida pelo atleta (esposa e

filhos) como elementos significativos que geram crises e consequentes

metamorfoses. Foi o que apareceu em algumas das redes semânticas, dando

significado à palavras como vida ou obrigação com o esporte. Nas histórias de vida,

o grupo 2 relatou a família como um elemento que o questionava, potencialmente

fazendo-o refletir sobre sua mesmice identitária e estimulando uma metamorfose, da

mesma forma que a família também foi usada por Leonardo para a manutenção de

sua Política de Identidade (mostrar ao filho que não desiste, que precisa se

esforçar). Já no caso do grupo 3, a família é notadamente um elemento de apoio à

manutenção da emancipação de Ricardo.

Uma última caracterísitca que precisa ser analisada é a presença do esporte

como alternativa a ambientes de violência e criminalidade. Diversos relatos de

estudos mostram que o esporte é utilizado como forma de ascenção e mobilidade

social para pessoas de baixa condições financeiras (DAMO, 2005, VISSOCI, 2009),

como é o relato do atleta do grupo 3, mas além disso, proporciona oportunidades de

vida em ambientes com fortes presenças de alienação. Avançando na literatura

evidenciando o uso de esportes como estratégia de tomada de consciência e

desenvolvimento.

Este estudo apresenta limitações que precisam ser discutidas. A primeira

reflete na abrangência da amostra. Apesar de tentarmos entrevistar a maioria dos

Page 164: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

151

atletas que representassem a popoulação de jogadores de futsal de rendimento, o

método empregado presa por maior profundidade de análise e não amplitude e

generalização. Assim, os resultados se restringem as experiências aqui

apresentadas, mas podem ser compreendidos numa perspectiva cultural da

modalidade. Ainda, optamos por utilizar apenas 3 casos de sujeitos emblemáticos,

seguindo as sugestões da literatura, que possibilitam o uso de casos que retratam

claramente o processo teórico estudado. Uma segunda limitação está na análise

semântica, que aplicada à lingua portuguesa sofre algumas alterações pela falta de

dicionários mais adequados para o procedimento, entretanto sugere-se a aplicação

de novos estados para confirmar os achados. Contudo, os resultados são

corroborados pelos estudos de caso, de forma que sustentam sua argumentação.

Por fim, tratamos exclusivamente da modalidade do futsal e suas características,

assim novos estudos são necessários para verificar essa manifestação em outras

modalidades ou em outros níveis de desempenho esportivo.

Como implicações para a prática, fica evidente a importância de elementos

como o conceito de transição ecológica (BRONFENBRENNER, 1995), muitas vezes

oriundas de mudanças geográficas, que indicam caracteristicas ambientais que

estimulam modificações no processo de desenvolvimento do indivíduo, provocando

crises e necessidades de movimentos, hora heteronômicos e de manutenção da

colonização do mundo da vida e mesmice identitária, outros em metamorfoses que

favorecem a autonomia e a emancipação. Dessa forma, esse estudo avança ao

indicar a importância de um cuidado com os programas de desenvolvimento de

talentos esportivos, especialmente aqueles que não modalidades altamente

estruturadas mas que atraem grande parcela de praticantes, como é o futsal.

Relação com treinadores, climas motivacionais de treinamento, suporte familiar,

formação holística são conceitos que precisam ser melhor analisados numa

perspectiva de formação identitária no esporte e suas consequências no

comportamento humano.

A análise semântica empregada associada à análise em redes permitiu

evidenciar padrões de discurso que podem ser utilizados para identificação de

características de expressão identitária, podendo facilitar o entendimento do

fenômeno nos estudos em Psicologia Social. Contudo, é uma aplicação inicial do

método e precisa de maiores análises de sua usabilidade em outros estudos, sem

Page 165: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

152

ferir a premissa a hermenêutica que tange os estudos com o fundamento do

Sintagma Identidade - Metamorfose - Emancipação.

O estudo mostra, ainda, que quando se atinge uma identidade política, pós-

convencional (como no caso de Ricardo), o indivíduo se sente mais seguro para

promover mudanças em seu contexto, e adotar comportamentos emancipatórios

que enfrentam a opressão provida pelas Políticas de Identidade. O caso de José

Roberto, refletido no padrão semântico da fala dos altetas do grupo que

representava, evidencia a necessidade de maior clareza de consciência frente a

reposição de personagens feitichizadas (processo de mesmice representando

colonização da ordem sistêmica) e as consequências disso para a formação

humana. Leonardo exemplifica um atleta que está em processo de tomada de

consciência que, como em seu caso, pode precisar de uma lesão ou de uma

pressão familiar para conseguir assumir a necessiade da luta pela emancipação e

estabelecimento de projetos de vida com base no agir reflexivo e comunicativo,

identidades políticas e autonomia.

Page 166: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

153

Referências

ATKINSON, R. The life story interview. Thousand Oaks, CA: Sage, 1998. BORSBOOM et al. Why psychologists must change the way they analyze their data: the case of psi: comment on Bem. J Pers Soc Psychol. 2011 Mar; 100(3):426-32. BREWER, B. W.; VAN RAALTE, J. L.; LINDER, D. E. Athletic identity: Hercules' muscles or Achilles heel? International Journal of Sport Psychology, Vol 24(2), Apr-Jun, 1993. BRONFENBRENNER, U. Examining lives in context: Perspectives on the ecology of human development. In: MOEN et al. (Eds). Developmental ecology through space and time: A future perspective. Washington: American Psychological Association, 1995. p. 619-647. BROWN, G.; POTRAC, P. 'You've not made the grade, son': de-selection and identity disruption in elite level youth football. Soccer & Society, Mar-2009, Vol. 10(2), p.143-159. CARLESS, D.; DOUGLAS, K. 'We haven't got a seat on the bus for you' or 'all the seats are mine': narratives and career transition in professional golf. Qualitative Research in Sport & Exercise, Mar-2009, Vol. 1(1), p. 51-66. CIAMPA. A. C. A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense, 1987. CIAMPA, A. C. Políticas De Identidade E Identidades Políticas. In. Dunker, C. I. L. & Passos, M. C., “Uma Psicologia que se Interroga – Ensaios” – São Paulo, Edicon: 2002 (p. 133-144). CÔTÉ, J. The Influence of the Family in the Developmental of Talent in Sport. The Sports Psychologist, Champaign, v. 13, p. 395-417, 1999. DAMO, A. Do dom a profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir da formação de jogadores no Brasil e na França. Porto Alegre, 434p. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em AntropologiaSocial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. DANTAS, S. S. DE REFÉM A PROTAGONISTA: o desenvolvimento de identidades políticas e projetos de vida tornando o consumo um viabilizador de identidades emancipadas. São Paulo. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica, 2013. EPSKAMP, S.; COSTANTINI, G.; CRAMER, A. O. J.; WALDORP, L. J., SCHMITTMANN, V. D. & BORSBOOM, D. Package ‘ qgraph’ . CRAN, disponível em http://sachaepskamp.com/qgraph, 2014. FEINERER, I. Introduction to the tm Package: Text Mining in R. June 10, 2014. FREITAG, Barbara. A questão da moralidade: da razão prática de Kant à ética discursiva de Habermas. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 7-44, 2. sem. 1989. FREITAS, L. B. L. Piaget e a consciencia moral - um kantismo evolutivo? Psicol. Reflex. Crit. [online], v.15, n. 2, p. 303-308, 2002. GOULD, D. & CARSON, S. Life skills development through sport: Current status and future directions. International Review of Sport and Exercise Psychology, 1, 58-78, 2008. HABERMAS, J. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo, Brasiliense, 1983. HABERMAS, J. Para a Reconstrução do Materialismo Histórico. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.

Page 167: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

154

HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo, 1: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. HABERMAS, J. Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. Estud. av. [online]. 1989, vol.3(7), pp. 4-19. LALLY, P. Identity and athletic retirement: A prospective study. Psychology of Sport and Exercise, Vol 8(1), Jan, 2007. pp. 85-99. Le CLAIR, J. M. Transformed identity: From disabled person to global Paralympian. Sport in Society, Vol 14(9), Nov, 2011. p. 1116-1130. LEME, C. G. O futebol como estratégia de ascensão na sociedade de risco: o atleta “sem clube” e a sua identidade. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica, 2011. PARK, S.; LAVALLEE, D. & TOD, D. A longitudinal qualitative exploration of elite Korean tennis players' career transition experiences. Athletic Insight: The Online Journal of Sport Psychology, Vol 5(1), Spr, 2013. pp. 65-92. PRESOTO, D. Deficiente físico “cadeirante”: Identidade e individuação. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social. São Paulo, PUC, 2005. R-PROJECT. A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. ISBN 3-900051-07-0, URL: http://www.R-project.org/.Acesso em 05 de setembro, 2014. STEINFELDT, J. A.; STEINFELDT, M. C. Athletic Identity, and Help-Seeking Among High School Football Players. Gender Role Conflict, Journal Of Applied Sport Psychology v.22(3), p. 262-273, 2010. STIER, J. Game, name, and fame--Afterwards, will I still be the same? A social psychological study of career, role exit and identity. International Review for the Sociology of Sport, v.42(1), Mar, 2007. p. 99-111. VISSOCI, J. R. N. Estudo da influência do contexto esportivo no status de identidade de atletas de futebol de campo. 2009. 155 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Centro de Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2009. WEBB, W. M.; NASCO, S. A.; RILEY, S.; HEADRICK, B. Athlete identity and reactions to retirement from sports. Journal of Sport Behavior, v.21(3), Sep, 1998. p. 338-362. WEISS, S. M.; INDURKHYA, N,; ZHANG, T. & DEMARAU, F. Text Mining: Predictive methods for analyzing unstructured information. New York: Springer, 2005. WITTEN, I. H. & FRANK, E. Data mining: practical machine learning tools and techniques with Java implementations. Morgan Kaufmann; 1999. PARK, S.; LAVALLEE, D. & TOD, D. A longitudinal qualitative exploration of elite Korean tennis players' career transition experiences. Athletic Insight: The Online Journal of Sport Psychology, Vol 5(1), Spr, 2013. pp. 65-92. LAVALLEE, D. e ROBINSON, H. K. In pursuit of an identity: A qualitative exploration of retirement from women’s artistic gymnastics. Psychology of Sport and Exercise, Amsterdam, v. 8, n. 2, p. 119-141, 2007.

Page 168: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

155

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese defendida neste texto foi de que o contexto bioecológico esportivo do

Futsal apresenta características que podem potencializar a busca por emancipação

da identidade ao mesmo tempo que apresenta características que favorecem a

colonização da ordem sistêmica sobre as metamorfoses, direcionando para a

heteronomia. Entendemos que essas características do contexto podem possibilitar

formação de identidades políticas associadas à adesão a projetos de vida voltados

emancipação, determinantes para que o indivíduo exerça a prática esportiva de

forma autônomica, conquistando fragmentos emancipatórios frente à opressão

sistêmica.

Para alcançar evidências que suportassem a tese defendida, e após uma

profunda revisão da literatura, conduzimos três estudos que procuraram identificar o

estado da área dos estudos em identidade no esporte, verificar as características do

contexto bioecológico dos futsal e analisar associação com a formação da

identidade desses atletas.

O primeiro estudo procurou investigar de forma sistemática a literatura

nacional e internacional para levantar os estudos sobre identidade no esporte e

identificar quais os tipos de variáveis associadas à identidade e que suportes

teóricos têm sido utilizados. O segundo estudo buscou investigar o contexto, na

perspectiva bioecológica, associado ao desenvolvimento da carreira atlética em

atletas de Futsal, delineado de forma a identificar elementos do contexto que

potencializassem possibilidades emancipatórias ou de colonização para a formação

identitária dos atletas. O último estudo analisou a influência do contexto esportivo

em proporcionar possibilidades emancipatórias ou colonizadoras no processo de

construção da identidade em atletas de futsal através do padrão semântico de fala e

da caracterização do contexto bioecológico, exemplificando com narrativas da

história de vida de sujeitos considerados emblemáticos.

Os resultados encontrados nesse estudo permitiram identificar que o padrão

semântico do discurso dos atletas seguem estruturas diferentes de acordo com a

sua classificação em termos de expressão identitária e comprometimento com um

projeto de vida, facilitando a identificação de conceitos enquadrados pelas Políticas

de Identidade nos discursos dos atletas, e, após analisar os estudos de caso com os

Page 169: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

156

discursos sobre histórias de vida fica evidente a influência do contexto esportivo

como agente estimulador de possibilidades emancipatórias e colonizadoras.

Quando pensamos em projetos de vida e identidade política, precisamos pensar em

algo direcionado para a ação comunicativa (reflexiva, crítica, autonomia) e não

instrumental (alienada, funcional) com vias de uma identidade Pós convencional.

Assim, o desenvolvimento esportivo parece ter um viés muito mais Instrumental do

que comunicativo, olhando para o desenvolvimento atlético com foco em habilidades

atléticas ou habilidades para a vida boa.

Percebemos que o contexto esportivo do Futsal apresenta características que

instigam ou inibem a expressão identitária autonômica. O esporte torna-se

rapidamenta uma atividade molar na vivência desses atletas e fortalece-se ao longo

da carreira, ocupando espaço de outras atividades como a educação e presença

familiar, que se tornam moleculares. Contudo, esse fenômeno é altamente

influenciado pelas forçar do meso e exossistemas, norteadas pela estrutura, valores

e crenças do macrossistema. Os resultados evidenciaram que a força da

comunicação interambiental ou da participação multiambienta podem favorecer

experiências que suplantem os agir instrumental referenciado pela reposição e

feitichização do personagem "atleta".

Ainda, o corpo de literatura sobre identidade e esporte ainda precisa avançar

quanto à presença de estudos sobre a influência do contexto nesse processo,

partindo para abordagens menos subjetivistas, analisando características pessoas e

não a identidade como um processo. O contexto pode ser um agente

relevante, quando você se depara com treinadores que o auxiliam, escolas com

focos diferente de rendimento e formação atlética, família que da suporte com foco

em autonomia de decisão e não uma tomada de decisão forçada por políticas de

identidade colonizando o que os pais imaginam de boa vida.

Assim, conclui-se que o contexto esportivo tem potencial para ser um

elemento que possibilite a busca por reconhecimento e fragmentos emancipatórios

na expressão identitária dos atletas, mas este processo é mediado pelo

comprometimento individual com um projeto de vida. Atletas sem projetos de vida

seria aqueles que não conseguem vislumbrar nem metas a serem alcançados.

Focam no momento, em tocar o dia dia e, consequentemente têm pior sequencia

de discurso. Percebemos, também, que em momentos e crise a cultura

Page 170: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

157

(macrossistema) favorece o agir instrumental, munido os atletas de falas prontas e

enquadradas em Políticas identitárias marcadas por discursos repetitivos e simples.

Essas metamorfoses identitárias precisam ser analisadas em contexto,

facilitando a compreensão do impacto do ambiente no processo individual de

formação identitária e proporcionando elementos para a estruturação de ambientes

de experimentação esportiva mais favoráveis à emancipação que à colonizção da

identidade pela ordem sistêmica.

Page 171: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

158

APÊNDICES E ANEXOS

APÊNDICE A

Estratégia de busca na base de dados Pubmed

Search Query Items found

#4 Search (#3 NOT animals) 2807

#3 Search (#1 AND #2) 3089

#2 Search ("Sports"[Mesh] OR "Sport"[All Fields] OR "Athletics"[All Fields] OR "Athletic"[All Fields] OR "Sports Medicine"[Mesh] OR "Sport Medicine"[All

Fields] OR "Medicine, Sport"[All Fields] OR "Medicine, Sports"[All Fields] OR "Athletic Performance"[Mesh] OR "Athletic Performances"[All Fields] OR

"Performance, Athletic"[All Fields] OR "Performances, Athletic"[All Fields] OR "Sports Performance"[All Fields] OR "Performance, Sports"[All Fields] OR

"Performances, Sports"[All Fields] OR "Sports Performances"[All Fields] OR "Exercise"[Mesh] OR "Exercises"[All Fields] OR "Exercise, Physical"[All

Fields] OR "Exercises, Physical"[All Fields] OR "Physical Exercise"[All Fields] OR "Physical Exercises"[All Fields] OR "Exercise, Isometric"[All Fields] OR "Exercises, Isometric"[All Fields] OR "Isometric Exercises"[All Fields] OR

"Isometric Exercise"[All Fields] OR "Warm-Up Exercise"[All Fields] OR "Exercise, Warm-Up"[All Fields] OR "Exercises, Warm-Up"[All Fields] OR "Warm Up Exercise"[All Fields] OR "Warm-Up Exercises"[All Fields] OR "Exercise, Aerobic"[All Fields] OR "Aerobic Exercises"[All Fields] OR

"Exercises, Aerobic"[All Fields] OR "Aerobic Exercise"[All Fields])

215602

#1 Search ("Identity Crisis"[Mesh] OR "Crises, Identity"[All Fields] OR "Crisis, Identity"[All Fields] OR "Identity Crises"[All Fields] OR "Social

Identification"[Mesh] OR "Social Identity"[All Fields] OR "Identities, Social"[All Fields] OR "Identity, Social"[All Fields] OR "Social Identities"[All Fields] OR "Identification, Social"[All Fields] OR "Identifications, Social"[All Fields] OR "Social Identifications"[All Fields] OR "Group Identification"[All Fields] OR "Group Identifications"[All Fields] OR "Identification, Group"[All Fields] OR

"Identifications, Group"[All Fields] OR "Identification (Psychology)"[Mesh] OR "Identifications (Psychology)"[All Fields] OR "Identification"[All Fields] OR

"Human Development"[Mesh] OR "Development, Human"[All Fields])

467669

Page 172: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

159

APÊNDICE B

Parecer do comitê de ética

Page 173: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

160

Page 174: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

161

Page 175: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

162

Page 176: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

163

APÊNDICE C

Termo de consentimento livre e esclarecido

Gostaríamos de convidá-lo a participar da pesquisa intitulada “A influência do

context bioecológico no processo de formação da identidade do atleta: Possibilidades de

colonização ou emancipação para atletas de futsal.”, que faz parte do curso de Doutorado

do Programa de Estudos posgraduados em Psicologia Social da PUCSP e é co-orientado

pela Prof. Dra. Lenamar Fiorese Vieira, da Universidade Estadual de Maringá.

O objetivo da pesquisa é analisar o efeito das características perfeccionistas na

coesão de grupo de equipes de futsal de alto rendimento por meio de um modelo de

equação estrutural mediado pelas necessidades psicológicas básicas dos atletas. Para isto

a sua participação é muito importante, e ela se daria da seguinte forma: respondendo a

três questionários com questões referentes às características de perfeccionismo, às

necessidades psicológicas básicas e à coesão de grupo, além de uma entrevista

semiestruturada.

Gostaríamos de esclarecer que sua participação é totalmente voluntária, podendo

você: recusar-se a participar, ou mesmo desistir a qualquer momento sem que isto

acarrete qualquer ônus ou prejuízo à sua pessoa. É garantido o sigilo e confidencialidade

aos sujeitos da pesquisa, bem como não são previstos riscos ou desconfortos inaceitáveis

na participação no estudo. O benefício esperado é a disponibilização para profissionais

que trabalham com o futsal a relação entre os atributos psicológicos (perfeccionismo,

motivação e coesão de grupo) de atletas de futsal de alto rendimento e a influência da

trajetória esportiva nesta relação.

Caso você tenha mais dúvidas ou necessite maiores esclarecimentos, pode nos

contatar nos endereços abaixo ou procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da UEM, cujo

endereço consta deste documento. Este termo deverá ser preenchido em duas vias de

igual teor, sendo uma delas, devidamente preenchida e assinada entregue a você.

Além da assinatura nos campos específicos pelo pesquisador e por você,

solicitamos que sejam rubricadas todas as folhas deste documento. Isto deve ser feito por

ambos (pelo pesquisador e por você, como sujeito de pesquisa) de tal forma a garantir o

acesso ao documento completo.

Caso V. Sra. concorde com a participação no estudo, solicitamos seu

consentimento preenchendo as informações abaixo:

Eu, _______________________________________, declaro que fui devidamente

esclarecido e concordo em participar VOLUNTARIAMENTE da pesquisa coordenada pela

Profª Dra. Lenamar Fiorese Vieira.

__________________________________________ Data: _____/_____/_____

Assinatura (do Pesquisado)

Eu, José Roberto Andrade do Nascimento Junior, declaro que forneci todas as

informações referentes ao projeto de pesquisa supra-nominado.

Page 177: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

164

__________________________________________ Data: _____/_____/_____

Assinatura (do Pesquisado)

Qualquer dúvida com relação à pesquisa poderá ser esclarecida com o pesquisador, conforme o

endereço abaixo:

Lenamar Fiorese Vieira Rua Neo Alves Martins, 1886 Apto 151 Telefone: 32232145/99451923

Qualquer dúvida com relação aos aspectos éticos da pesquisa poderá ser esclarecida com o

Comitê Permanente de Ética em Pesquisa (COPEP) envolvendo Seres Humanos da UEM, no

endereço abaixo:

COPEP/UEM

Universidade Estadual de Maringá.

Av. Colombo, 5790. Campus Sede da UEM.

Bloco da Biblioteca Central (BCE) da UEM.

CEP 87020-900. Maringá-Pr. Tel: (44) 3261-4444

E-mail: [email protected]

Page 178: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

165

APÊNDICE D

Roteiro de entrevista semi-estruturado sobre carreira esportiva

Experimentação (Experiências iniciais com a atividade motora – 6 a 12 anos)

Gostaria que você comentasse sobre suas atividades motoras na infância

Quais atividades e /ou brincadeiras costumava fazer?

Onde morava?

Com quem costumava brincar?

Que idade tinha?

Especialização (da aprendizagem à automatização – 12/13 a 15 anos)

Dentre os esportes que aprendeu, qual praticou mais?

Roteiro – Quais?

Idade?

Por quê?

Alguma característica pessoal tua foi importante para praticar o futsal?

Quanto tempo por semana, horas por dia se dedicava aos treinamentos?

Fale sobre os teus professores/ técnico

Que outra atividade tinha além de treinar futsal? Estudava?

Como tua família participava do teu envolvimento com o futsal?

Quando começou a competir em nível de federação?

O que recorda de positivo ou negativo desta época?

Teve algum tipo de suporte financeiro... da família..... de patrocinadores... da equipe.... do

governo municipal... estadual ... ?

- Ganhou medalhas nesse período?

-Quais os motivos que o levaram a praticar o futsal?

-Qual o seu nível de cobrança em relação ao seu desempenho e suas metas?

-Como era a relações de grupo na categoria juvenil/adulto? (Faziam confraternizações? Saiam

em grupo? Como eram as relações do grupo nos treinamentos e competições?).

Investimento (Dedicação exclusiva ao esporte escolhido – Acima de 15 anos)

O esporte escolhido.

- Qual o momento de sua carreira esportiva que escolheu dedicar-se exclusivamente ao futsal?

Em que ano ou época isso aconteceu?

Quantos anos tinha naquela época?

Quais foram os fatores que te levaram a optar por essa modalidade?

Page 179: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

166

Quantos horas e dias de treinos por semana?

Como era o teu relacionamento com o teu técnico?

Que outras atividades tinha que fazer além de se dedicar aos treinamentos? Estudam?

Como era o teu relacionamento com tua família?

Considera que por ter sido atleta foi valorizado dentro da comunidade que vivia?

Como você elaborava seus planos para o futuro?

- Qual o impacto que o esporte teve na sua vida?

- Aponte os fatores positivos e negativos de ser um jogador de futsal.

- Quais os motivos que o mantém praticando o futsal?

- Qual o seu nível de cobrança em relação ao seu desempenho e suas metas atuais?

- Como são as relações de grupo na equipe atual? (Fazem confraternizações? Saem em

grupo? Como são as relações do grupo nos treinamentos e competições?)

Page 180: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

167

APÊNDICE E

Autorização para realização da pesquia com atletas e treinadores de futsal

Page 181: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Ricardo... · Ao finalizar esta Tese, quero agradecer a todos que ... Prof. Dr. Salvador Antonio ... estrutura percebe-se

168