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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP André Luiz dos Santos Nakamura A justa e prévia indenização na desapropriação MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

André Luiz dos Santos Nakamura

A justa e prévia indenização na desapropriação

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

André Luiz dos Santos Nakamura

A justa e prévia indenização na desapropriação

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção

do título de MESTRE em DIREITO

ADMINISTRATIVO, sob a orientação

do Professor Doutor Clóvis Beznos.

São Paulo

2012

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Dedico este trabalho à minha mãe, MARIA LUIZA e

minha irmã, FÁTIMA, pelo zelo que tiveram pela

minha formação bem como para a mulher da minha

vida, KATIELI, minha companheira de todos os dias,

todas as horas, inclusive na elaboração deste

trabalho.

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RESUMO

O direito de propriedade, de sua configuração originária, egoísta e

individualista, evoluiu para a função social da propriedade. Atualmente, a função

social é um fator decisivo para a definição das limitações e restrições ao direito de

propriedade e sua consequente indenizabilidade.

A desapropriação, garantia do direito de propriedade, também passou por

transformações. A justa indenização deve ser vista não somente pelo lado do

expropriado. O expropriante também é protegido pela garantia da justa indenização.

A vedação ao enriquecimento ilícito é o critério determinante para a apuração da

justa indenização.

A extensão da proteção ao direito de propriedade e a indenização pela

desapropriação devem ser estabelecidas de forma individual, considerando-se a

utilização do bem, em especial, o cumprimento de sua função social.

PALAVRAS CHAVE: Desapropriação. Propriedade. Indenização.

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ABSTRACT

The right to property, its original configuration, selfish and individualistic,

evolved into the social function of property. Currently, the social function is a decisive

factor in defining the limitations and restrictions on property rights and its consequent

compensation.

The expropriation, guarantees of property rights, too, has gone through

transformations. The just compensation should be seen not only from the side of the

dispossessed. The expropriating is also protected by the guarantee of just

compensation. Sealing the illicit enrichment is the decisive criterion for the

determination of just compensation.

The extension of protection to property rights and compensation for

expropriation should be established individually, considering the use of the property,

in particular, the fulfillment of its social function.

KEY WORDS: Expropriation. Property. Indemnification.

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SUMÁRIO

A JUSTA E PRÉVIA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Introdução .................................................................................................... 10

CAPÍTULO I – O direito de propriedade

1. A propriedade em sentido amplo e em sentido estrito. Conceito de domínio

........................................................................................................................ 12

2. Breve histórico do direito de propriedade ................................................ 15

3. Transformações no direito de propriedade ............................................... 20

3.1 A função social da propriedade ............................................................... 23

4. Restrições ao direito de propriedade ........................................................ 32

4.1 A desapropriação como garantia da propriedade ............................................ 32

4.1.2 Limitações ao direito de propriedade ................................................. 37

4.1.3 Sacrifícios ao direito de propriedade (medidas expropriatórias)........... 41

4.2 Restrições permitidas aos direitos fundamentais ............................................. 45

4.2.1 Conceito de direito fundamental ........................................................... 45

4.2.2 As normas de direitos fundamentais são princípios .............................. 49

4.2.3 Conceito de princípio jurídico ................................................................ 51

4.2.4 Restrições aos direitos fundamentais: teoria interna, teoria externa,

âmbito de proteção e núcleo essencial.......................................................... 58

4.2.2 A proporcionalidade e a razoabilidade .................................................. 65

4.2.2.1 A razoabilidade .................................................................................. 65

4.2.2.2 A proporcionalidade ........................................................................... 67

4.2.2.2.1 Os três testes da proporcionalidade ............................................... 72

4.2.2.2.1.1 A adequação ................................................................................ 72

4.2.2.2.1.2 A necessidade ............................................................................. 73

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4.2.2.2.1.3 A proporcionalidade em sentido estrito ........................................ 75

CAPÍTULO II – CONCEITO DE DESAPROPRIAÇÃO

1. Conceito de desapropriação .................................................................................... 77

2. A restrição do âmbito de cognição do Judiciário no processo de

desapropriação ......................................................................................... 80

3. A desapropriação não é um ato discricionário .......................................... 86

4. A proporcionalidade aplicável desapropriação ......................................... 91

5. Desapropriação indireta ........................................................................... 94

5.1 A proteção ao meio ambiente e o direito de propriedade ....................... 98

CAPÍTULO III – A JUSTA E PRÉVIA INDENIZAÇÃO

1. A importância da indenização na desapropriação .......................................... 118

2. A indenização justa ................................................................................. 125

3. A vedação do enriquecimento sem causa como critério para a apuração da

justa indenização .................................................................................... 134

4. A indenização do fundo de comércio ...................................................... 144

5. A indenização prévia .............................................................................. 148

5.1 A previedade da indenização e o pagamento por meio de precatórios 150

5.1.1. Os precatórios ..................................................................................................... 150

5.1.2. A diferença de valor entre a oferta e o fixado na sentença deve ser

pago diretamente, fora da sistemática dos precatórios, quando houver

imissão na posse ............................................................................................................ 154

6. A justa indenização na desistência da desapropriação ............................... 165

CAPITULO IV – A IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE E A JUSTA

INDENIZAÇÃO

1. Conceito de posse .................................................................................................... 171

2. A imissão provisória na posse ................................................................ 173

3. O controle judicial da declaração de urgência ................................................. 174

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4. A posse também é garantida pela justa e prévia indenização .................... 176

5. O valor a ser depositado para a imissão provisória ......................................... 179

5.1 A imissão provisória na posse dos imóveis residenciais ........................ 180

5.2 A imissão provisória na posse em imóveis não residenciais ................. 186

6. A necessidade de ponderação de princípios, no caso concreto, para a

concessão de imissão provisória ............................................................................ 191

6.1 A possibilidade de ponderação entre regras e princípios ...................... 193

6.2 A não aplicação do art. 15 do Decreto-lei 3.365/41 em decorrência da

ponderação deste com princípios constitucionalmente garantidos ........................ 196

CAPITULO V – OS JUROS NA DESAPROPRIAÇÃO

1. Juros moratórios ...................................................................................... 198

2. Juros compensatórios .............................................................................. 200

2.1 Inconstitucionalidade dos juros compensatórios por representarem uma

indenização pré-tarifada ......................................................................................... 206

Conclusões ................................................................................................ 213

Referências bibliográficas ........................................................................ 220

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INTRODUÇÃO

O estudo do instituto da desapropriação, com enfoque na indenização, será o

objeto do presente trabalho.

Trata-se de tema que merece ser revisto à luz da atual Constituição Federal

pelos seguintes fatores: 1- a disciplina legal da desapropriação tem origem sob a

égide de Constituições anteriores (Decreto-lei 3.365/41 e Decreto-lei 1075/70), razão

pela qual se faz necessária uma leitura sob a ótica da atual ordem constitucional; 2-

há uma escassez de obras doutrinárias atuais sobre o tema; 3- as soluções

apresentadas pela Jurisprudência se mostram, muitas vezes, insatisfatórias.

A desapropriação é única hipótese em que a intangibilidade da propriedade é

excetuada na Constituição Federal. No processo expropriatório existe um

antagonismo entre o interesse do Estado em adquirir a propriedade pagando um

valor estipulado unilateralmente e o particular que não pretende ser expropriado e

luta para receber o maior valor possível a título de indenização. Nesse antagonismo

de vontades entre os particulares e o Estado, deve-se buscar um equilíbrio.

Não existe um critério legal que discipline a forma como devem ser avaliados

os bens expropriados. Injustiças se apresentam no cotidiano do fórum, nos feitos

expropriatórios: imóveis são avaliados em desacordo com o valor justo, ocasionando

o empobrecimento do expropriado, e, em outros casos, o enriquecimento ilícito

deste.

Na imissão provisória na posse, ainda não foi encontrado um critério justo que

permita ao expropriado ser plenamente ressarcido da perda da disponibilidade do

bem. Também, faz-se necessário impedir que o poder expropriante seja condenado

a pagar por prejuízos resultantes da perda da posse que podem não existir no caso

concreto.

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O instituto da desapropriação merece uma releitura sob a ótica da atual

Constituição Federal, de forma isenta, procurando compatibilizar o direito de

expropriar com o direito de propriedade, evitando-se o a violação inconstitucional do

direito individual do particular bem como o enriquecimento ilícito deste, atendendo-

se à justa indenização.

A forma como analisaremos o instituto da desapropriação resultará em

discordâncias com a doutrina tradicional em vários aspectos, visto que esta analisa a

desapropriação sob a ótica de um direito de propriedade de cunho individualista e

egoísta, já superada pela exigência da função social e pela necessidade de

ponderar o direito de propriedade com outros valores também protegidos pela

Constituição Federal.

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CAPÍTULO I – O DIREITO DE PROPRIEDADE

1 - Propriedade em sentido amplo e em sentido estrito. Conceito de domínio

Propriedade decorre do latim proprietas derivado de proprius o qual significa

“o que pertence a uma pessoa”. É prevista como um direito fundamental pelo art. 5º

caput da Constituição Federal.

O direito de propriedade, tal como previsto e garantido pela Constituição, não

vem acompanhado de um conceito ou de uma definição, e, tampouco, aí se indica o

que pode ser objeto de propriedade1. A previsão constitucional diz respeito não

apenas aos bens imóveis2; abrange também os bens móveis, bem como todo e

qualquer valor econômico. O conceito de propriedade da Constituição é mais amplo

que o conceito do direito civil o qual prevê que a propriedade incide sobre coisas

(art. 1228 caput)3. Nesse sentido, Teixeira de Freitas4:

1 Cf. ALVIM, Arruda. Comentários ao Código Civil Brasileiro, Volume XI – tomo I. Rio de Janeiro:

Forense, 2009, p.38

2 Comentando o art. 150 § 22 da Constituição de 1967, Pontes de Miranda ensinava que “a

verdadeira interpretação é a que vê em “propriedade”, no art. 150 § 22, propriedade individual, no mais largo sentido; e de modo algum se exclui a desapropriação de bens que não consistam em direitos reais”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São Paulo: RT, 1968, p. 364). Tal interpretação é perfeitamente ajustável à atual

Constituição.

3 Cf. ALVIM, Arruda. Comentários ao Código Civil Brasileiro, Volume XI – tomo I. Rio de Janeiro:

Forense, 2009, p. 39.

4 Apud in: FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio

de Janeiro: Forense, 2010, 8ª edição, p. 414, nota de rodapé 161.

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A ideia geral de propriedade é ampla: ela compreende a universidade dos objetos exteriores, corpóreos e incorpóreos, que constituem a fortuna ou o patrimônio de cada um. Tanto fazem parte da nossa propriedade as coisas materiais, que nos pertencem de modo mais ou menos completo, como os fatos ou prestações, que se nos devem, e que, à semelhança das coisas materiais, têm um valor apreciável promiscuamente representado pela moeda.

Assim, bens de caráter econômico que não são considerados como partes

integrantes do direito das coisas, por não estarem dentro do conceito restrito de

propriedade do Código Civil, são protegidos pela Constituição pela exigência de

justa e prévia indenização no caso de desapropriação5.

Os bens objetos do direito de propriedade são mais restritos que os bens que

podem ser objeto de direito. A personalidade, o nome e a honra são bens da vida,

objetos de direito, mas não são objetos do direito de propriedade. É objeto deste

somente as coisas corpóreas e as incorpóreas que tenham um conteúdo

patrimonial6.

A propriedade é tudo que se tem como próprio. É próprio nosso tudo o que é

parte de nosso patrimônio, qual seja, o conjunto dos bens reunidos sob a pessoa a

que pertence. O patrimônio é coextensivo às propriedades de alguém, quer se trate

de direitos reais, quer de direitos pessoais. O domínio não. Não há domínio de bens

pessoais. No conceito de domínio, imprescindível o elemento da corporeidade. A

dominica potestas é o poder sobre coisas corpóreas7.

Em sentido amplíssimo, a propriedade é o domínio ou qualquer direito

patrimonial8. Em sentido estrito, a propriedade é só o domínio9. A propriedade é o

5 Cf. ALVIM, Arruda. Comentários ao Código Civil Brasileiro, Volume XI – tomo I. Rio de Janeiro:

Forense, 2009, p. 39

6 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial – tomo

XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª edição, p. 14/15

7 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial – tomo

XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª edição, p. 29/30

8 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial – tomo

XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª edição, p. 9

9 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial – tomo

XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª edição, p. 9

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gênero do qual o domínio é a espécie; a propriedade abarca as coisas corpóreas ou

incorpóreas; já o domínio compreende apenas os bens corpóreos ou coisas10.

O texto constitucional, aludindo à desapropriação como limite posto ao direito

de propriedade, deixou margem a que se pudesse fazê-la incidir sobre todos os

direitos patrimoniais (reais ou não) 11. Como disse Pontes de Miranda12, “o limite

único da desapropriação é a imperdibilidade”; assim, todos os bens13 são suscetíveis

de desapropriação, inclusive os inalienáveis e os insub-rogáveis14. Mas não

podemos deixar de reconhecer que o instituto da desapropriação é muito mais usual

em relação aos bens imóveis do que aos demais15.

O direito de propriedade, em sentido estrito, pode ser definido como o poder

que uma pessoa exerce sobre uma coisa, garantido pelo direito16. Orlando Gomes17

define a propriedade sob três critérios:

10

Cf. ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. A função social da propriedade pública. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 13

11 Cf. FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de

Janeiro: Forense, 2010, 8ª edição, p. 414.

12 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São

Paulo: RT, 1968, p. 364

13 O dinheiro não é expropriável, ele é somente tributável. Cf. FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle

dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2010, 8ª edição, p. 416, nota de rodapé 165.

14 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V.

São Paulo: RT, 1968, p. 407

15 “A desapropriação, que alcança, no direito brasileiro, a partir e 1941, todos os bens, a se estender,

portanto, aos bens móveis, sempre foi voltada historicamente para a propriedade imobiliária, posta a serviço do interesse público, pela transferência do domínio”. (TÁCITO, Caio. Problemas Atuais da Desapropriação. Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 8, n. 92, out. 2008. Disponível em: http://editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=55339. Acesso em: 6 janeiro 2011.)

16 “propriedade é o poder completo sobre determinada coisa”. (LISBOA, Roberto Senise. Manual de

Direito Civil vol. 4. São Paulo: RT, p. 159.

17 GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 2000, 17ª edição, p. 97

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Sua conceituação pode ser feita à luz de três critérios: o sintético, o analítico e o descritivo. Sinteticamente, é de se defini-lo, com Windscheid, como a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei.

O domínio tem o conteúdo definido pelo direito; não existe um conteúdo

prévio, jusnaturalista de domínio. Segundo Pontes de Miranda18, “domínio é o direito

limitado, quanto ao conteúdo, mas, dentro desse, ilimitado, de poder sobre a coisa”.

Assim, quando nos referimos à propriedade, estamos falando do seu aspecto

amplo e restrito, visto que qualquer bem de valor patrimonial é protegido pela

Constituição por meio da garantia da justa e prévia indenização em caso de

desapropriação.

2 – Breve histórico do direito de propriedade

A propriedade é um dos direitos fundamentais de primeira geração,

decorrentes da ascensão da burguesia e do ideal liberal nas revoluções do século

XVIII.

A propriedade, como fato, existe desde o inicio da civilização. Em relação à

propriedade imóvel, ela surgiu quando a posse temporária da terra se tornou

duradoura e por fim definitiva. Nas sociedades primitivas os homens viviam

exclusivamente da caça, da pesca e de frutos silvestres. Não havia a ideia de

apropriação do solo a não ser pela tribo, para o uso coletivo. Desaparecendo os

recursos naturais existentes em uma região, os homens migravam para outra.

18

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial – tomo XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª edição, p. 80

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16

Quando uma mesma tribo ou família, por algum tempo considerável, começou a se

utilizar exclusivamente de uma porção de terra, começou a surgir a ideia da

propriedade privada. Trata-se de fator que transformou o homem de um ser nômade

para um ser fixo e sedentário, ocasionando o surgimento da sociedade civil, do

Estado e do Direito.

Sobre a ligação entre o surgimento da propriedade e a formação do Estado e

do Direito, assim se manifesta Rousseau19:

O primeiro que tendo cercado um terreno se lembrou de dizer: isto é meu, e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar foi o verdadeiro fundador da sociedade civil...aqueles mesmos que só a indústria havia enriquecido não podiam fundar propriedade nos melhores títulos...destituído de razões válidas para se justificar e de forças suficientes para se defender; esmagando facilmente um particular, mas esmagado ele mesmo por tropas de bandidos; só contra todos, e não podendo, por causa das rivalidades mútuas, unir-se com seus iguais contra inimigos unidos pela esperança comum da pilhagem, o rico, premido pela necessidade, concebeu enfim, o projeto mais refletido que jamais entrara no espírito humano: o de empregar em seu favor as próprias forças daqueles que o atacavam, de tornar seus defensores os seus adversários, de lhes inspirar outras máximas e de lhes dar outras instituições que lhe fossem tão favoráveis quanto contrário lhe era o direito natural...unamo-nos – lhes disse – para livrar da opressão os fracos, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse do que lhe pertence: instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a se conformar, que não façam acepção de pessoas e que de certo modo reparem os caprichos da fortuna, submetendo igualmente o poderoso e o fraco a deveres mútuos. Em uma palavra, em vez de voltar nossas forcas contra nós mesmos, reunamo-las em um poder supremo que nos governe segundo leis sábias, que proteja e defenda todos os membros da associação, repila os inimigos comuns e nos mantenha em uma eterna concórdia...tal foi ou deve ter sido a origem da sociedade e das leis...

A propriedade somente existe se existir um Estado para garanti-la. Sem a

polícia, sem a justiça, a propriedade não tem valor algum20, porque poderia ser

esbulhada a qualquer momento.

19

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 61-73

20 “Dos direitos fundamentais talvez seja a propriedade o que mais deva ao Estado. De fato, o

senhorio do homem sobre as coisas, numa larga medida, é uma benesse do Estado que o protege contra a cobiça dos outros homens. Sem polícia, sem justiça, de que valeria a propriedade?”.

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17

Em Roma, a propriedade era social, desenvolvendo-se para a propriedade

individual, num momento posterior, a partir do reconhecimento da propriedade da

cidade (mancipium), da propriedade da família (dominium) e da propriedade

individual (proprietas). Somente o cidadão romano podia adquirir a propriedade e

apenas o solo romano podia ser seu objeto; não havia a propriedade das coisas

incorporadas ao solo. No período feudal o proprietário estabelecia a área de sua

habitação, submetendo os vassalos ao desenvolvimento de atividades agrícolas, nas

áreas de atuação ou produção. O senhor das terras tinha a propriedade e o domínio

direto do imóvel. Ao vassalo era dado o domínio útil, para o exercício de suas

atividades junto à gleba do senhor feudal, e a exploração econômica da terra,

mediante o pagamento da corveia, como forma de retribuição pelo uso do imóvel.

A propriedade moderna teve inicio a partir da Revolução Francesa de 1789. A

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão estatuiu que a propriedade é um

direito sagrado e inviolável21 e uma exteriorização da própria pessoa. O Código Civil

Francês deu destaque à propriedade individual22; esta veio a ser inserida nos

ordenamentos jurídicos ocidentais que se seguiram como um direito fundamental.

Com o advento da Revolução Francesa, a propriedade somente conhece a

limitação da necessidade pública, expressão restrita, que fornece elementos de

resistência ao interesse expropriador do Estado, decorrente do sentimento de

reação dos revolucionários, ante as experiências de postergação do direito individual

decorrentes da onipotência real23.

No Brasil, a primeira lei a disciplinar o direito de propriedade foi a Lei de

Terras (lei nº 601 de 18 de setembro de 1850). A partir desta, as terras brasileiras

(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 34ª

edição, 2008, p. 309)

21 “Art. 17. La propriété étant un droit inviolable et sacré, nul ne peut en être privé, si ce n‟nest lorsque

la nécessité publique, légalement constatée, l‟exige évidemment et sous la condition d‟une juste et préalable indemnité.”

22 Art. 544: “a propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas do modo mais absoluto, desde que

não se faça uso proibido pelas leis ou regulamentos”.

23 Cf. PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p 15

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passaram a ser registradas em cartório com base nos títulos de sesmarias ou de

posse mansa e pacífica24.

Em sua concepção original, a propriedade é um direito complexo que

proporciona ao proprietário o direito de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa. É

um direito absoluto25, por ser oponível a todos e conferir ao titular o poder exclusivo

de decidir pelo seu uso, abandono, alienação, destruição e limitações em favor de

terceiros. Também, foi considerado o direito de propriedade como perpétuo, por ter

duração ilimitada, não se extinguindo pelo não uso.

O direito de usar, gozar e dispor dos bens corresponde aos atributos da

propriedade romana: jus utendi, fruendi et abutendi. O jus utendi implica a

possibilidade de usar a coisa segundo a vontade exclusiva do proprietário, o que

afasta a idêntica faculdade em relação a terceiros. O jus fruendi consiste no poder

de colher os frutos naturais ou civis da coisa. O jus abutendi corresponde ao abusus

do romano, no sentido de dispor da coisa, alienando-a ou consumindo-a26.

Há várias teorias que procuram esclarecer o fundamento do direito de

propriedade e a legitimidade desse direito. Pela teoria da ocupação, se sustenta que

esta seria o fundamento da propriedade. A teoria da lei entende que a propriedade é

concessão do direito positivo. Já a teoria da especificação afirma que só o trabalho,

criador único de bens, constitui título legítimo para a propriedade. Por fim, a teoria da

natureza humana sustenta que a propriedade é inerente à própria natureza humana,

por representar a condição de existência, de liberdade e de expressão da criatura

humana, sendo um pressuposto e instrumento de desenvolvimento intelectual e

24

Cf. SANTOS, Cacilda Lopes dos. Desapropriação e política urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010,

p. 19

25 “A propriedade é direito absoluto e tem, por isso mesmo, eficácia erga omnes. Os sujeitos passivos

do domínio e dos outros direitos reais são todos, o alter.”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial – tomo XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª

edição, p. 16) .

26 Cf. HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 2007, 7ª edição, pág.

2

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moral do homem27. Ao prever a propriedade como um direito fundamental, nossa

Constituição adota a teoria da natureza humana.

Não existe um sujeito passivo determinado na relação de propriedade. O

sujeito passivo é a coletividade. Esta tem o dever de respeitar a propriedade28.

Trata-se de um direito erga omnes. Nesse sentido é a lição de Silvio Luiz Ferreira da

Rocha29:

…a nota característica da propriedade privada é a possibilidade de o titular do direito de propriedade excluir qualquer outra pessoa da posição de desfrutar do bem, salvo se autorizada por ele. Daí afirmar-se ter, o direito de propriedade, eficácia contra todos ou erga omnes, isto é, todos os demais devem respeitar o direito daquele que se apresenta como proprietário de usar, fruir e dispor da coisa. Em outras palavras, o direito de propriedade privado assegura ao titular uma exclusividade na exploração econômica do bem objeto do direito de propriedade

Não é, contudo, ilimitado o direito de propriedade. É um poder amplo, mas

não ilimitado, porque todo direito tem como pressuposto a sua limitação, como forma

inevitável de convivência com outros direitos, conforme Pontes de Miranda30:

O domínio não é ilimitado. A referência ilimitação do domínio procede da velha concepção absolutista da propriedade, que, aliás, recaía, antes, em coisas inanimadas, em animais e homens. O poder ilimitado ia até a destruição daquelas e à morte desses. Quando, hoje, abrimos certos livros e vemos repetido que o domínio é ilimitado, temos a prova de que tais escritores não pensaram, sequer, a matéria de que trataram, não atenderam, por exemplo, à entrada de limitação ao conteúdo do direito de propriedade, com os direitos de vizinhança, por exemplo. O domínio, hoje em dia, é apenas o mais amplo poder que se pode exercer sobre a coisa. A

27

Cf. HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 2007, 7ª edição, pág. 3

28 Cf. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 221

29 ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. A função social da propriedade pública. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 68

30 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial – tomo

XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª edição, p. 30/31

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lei é que dá o conteúdo da propriedade e do domínio, na concepção contemporânea.

Por absoluto, também, se deve entender que o direito de propriedade é

independente, que sobre as coisas não há domínio iminente do Estado, como

também que o proprietário pode exercer, sobre as coisas que lhe pertencem, todas

as faculdades materiais ou jurídicas31.

Tendo o proprietário o direito de usar, gozar e dispor da coisa, ao inverso,

teria, também, o direito de não usar, não gozar, não dispor, deixando as terras sem

cultivo, os terrenos urbanos sem construções, as casas sem locação, tendo em vista

ser o direito de propriedade absoluto. No mundo capitalista, o direito de propriedade

é considerado o mais sólido e relevante de todos os direitos subjetivos do

indivíduo32. A propriedade, como todo o direito privado, foi construída em torno de

uma noção de liberdade altamente individualista, descomprometida com qualquer

preocupação coletiva e social, que seriam de responsabilidade somente do Estado33.

Entretanto, a noção individualista da propriedade entra em decadência,

conforme abaixo demonstraremos.

3 – Transformações no direito de propriedade

No século passado houve uma forte tendência socializante do direito. Houve

uma perda da força do individualismo pregado pela Revolução Francesa o qual tinha

31

Cf. BIANCHI. Apud in: SILVA, Ildefonso Mascarenhas. Desapropriação por necessidade e utilidade pública. Rio de Janeiro: Aurora Limitada, 1947, p. 84.

32 Cf. CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980,

vol. 1, p. 12.

33 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. A função social da propriedade In: DALLARI, Adilson Abreu;

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico -1. São Paulo: RT, 1987, p. 4

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sido acolhido pelo Código Civil de 191634. O liberalismo perdeu o seu espaço. A

doutrina liberal assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intangíveis

os seus direitos. O individualismo liberalista pregava a não intervenção do Estado na

vida do indivíduo e em sua liberdade. A frase de Humboldt35 representa a síntese do

ideal liberal:

O homem verdadeiramente razoável não pode desejar outro Estado que não aquele no qual cada indivíduo possa gozar da mais ilimitada liberdade de desenvolver a si mesmo, em sua singularidade inconfundível, e a natureza física não receba das mãos do homem outra forma que não a que cada indivíduo, na medida das suas carências e inclinações, a ela pode dar seu livre-arbítrio, com as únicas restrições que derivem dos limites de suas forças e de seu direito.

Independentemente da adesão aos postulados marxistas, a ideia de que se

deve garantir ao homem um fundamento existencial e material digno, passou a fazer

parte do patrimônio da humanidade36.

A concepção de direito de propriedade absoluta foi perdendo força37,

resultando na diminuição dos poderes do proprietário.38 Ocorreu o surgimento de

novos fatores de ordem política, econômica e social que o mundo começou a

enfrentar que o Estado liberal não contemplava em suas atribuições. O Estado

contemporâneo teve que assumir a tarefa de assegurar a prestação dos serviços

fundamentais, visando proteger a sociedade como um todo e não como um

34

Cf. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 5ª edição, 2005, p. 175

35 Apud in: BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 6ª edição, 1998, p.

24

36 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:

Almedina, 7ª edição, p. 385

37 "O direito de propriedade não se revela absoluto. Está relativizado pela Carta da República – arts.

5º, XXII, XXIII e XXIV, e 184." (STF - MS 25.284, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17-6-2010, Plenário, DJE de 13-8-2010.)

38 “É de se ressaltar que o caráter absoluto e ilimitado da propriedade tem, ao longo dos anos, sofrido

limitações e restrições, importando uma incessante redução dos direitos do proprietário”. (GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro vol. V: direito das coisas. São Paulo: Saraiva,

2007, p. 219)

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somatório de individualidades. E, para tanto, precisou se imiscuir nas relações

privadas39 e a intervir no direito de propriedade dos particulares.

Reconheceu-se na propriedade importante função social e econômica, tendo

o Estado promulgado normas que sobrepuseram o interesse público às

prerrogativas antes liberalmente concedidas, havendo, atualmente, uma acentuada

tendência publicista do Direito Privado, qual seja, a interferência do Direito Público

em relações jurídicas que eram reservadas exclusivamente à esfera particular40.

Houve a chamada constitucionalização do direito privado; sobre a influência da

Constituição sobre institutos do direito privado, merece destaque a lição de Arruda

Alvim41:

É preciso, também, ter presente que a circunstância de que a Constituição ter-se referido, dentro do fenômeno de constitucionalização do direito civil, a diversos institutos historicamente confinados à disciplina do direito civil, deve levar a uma releitura do Código Civil, e, conforme seja, alterar-se o entendimento deste último à luz do valor constitucional constante da norma em que se preveja o mesmo instituto, ou, porque o instituto, que está no patamar do direito constitucional, influa no do direito civil. Isto é relevante para procurar-se extrair consequência ou implicação, no plano do entendimento do direito civil, defluente da circunstância da previsão constitucional.

Assim, hoje, o direito de propriedade não tem mais a configuração

individualista de outrora. A propriedade tem que se amoldar ao ideal consagrado

pela atual Constituição, que não se coaduna com o ideal liberal, mas com um ideal

39

Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 22ª edição, 2009, p. 733

40 Cf. CASSEB, Robinson. A desapropriação e a intervenção na propriedade. São Paulo: Saraiva,

1983, p. 5

41 ALVIM, Arruda. Comentários ao Código Civil Brasileiro, Volume XI – tomo I. Rio de Janeiro:

Forense, 2009, p. 49/50

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regido pela supremacia do interesse público, pelos ditames da justiça social e pelo

princípio da solidariedade, conforme voto do Ministro Celso de Mello42:

A Constituição da República, ao fixar as diretrizes que regem a atividade econômica e que tutelam o direito de propriedade, proclama, como valores fundamentais a serem respeitados, a supremacia do interesse público, os ditames da justiça social, a redução das desigualdades sociais, dando especial ênfase, dentro dessa perspectiva, ao princípio da solidariedade.

3.1 – A função social da propriedade

As Encíclicas Rerum Novarum, do Papa Leão XIII e Quadragésimo Ano, de

Pio XI deram um sopro de socialização ao direito de propriedade. A Encíclica Mater

et Magistra do Papa João XXIII de 1961 ensina que a propriedade é um direito

natural, mas esse direito deve ser exercido de acordo com uma função social, não

só em proveito do titular, mas também em beneficio da coletividade. A propriedade

deve ser produtiva e útil. Um bem não utilizado ou mal utilizado é constante motivo

de inquietação social. A má utilização da terra e do espaço urbano gera violência43.

As Constituições de 1824 e 1891 declararam o direito de propriedade em sua

plenitude. A Constituição de 1934 fez referência ao interesse social ou coletivo,

vedando que o uso da propriedade contrariasse esses interesses. A Constituição de

1937 não falou sobre o interesse social ou coletivo da propriedade, o que voltou a

42

STF - ADI 1003 MC, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/1994, DJ 10-09-1999 PP-00002 EMENT VOL-01962-01 PP-00001

43 Cf. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 5ª edição, 2005, p. 176

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ser previsto pela Constituição de 1946. Por fim, as Constituições de 1967 e 196944

proclamaram, expressamente, a função social da propriedade.

A Constituição Federal de 1988 (art. 5º XXIII) estabelece que a propriedade

deve cumprir sua função social. Nosso sistema constitucional vigente condiciona a

propriedade a ser destinada a uma função. A propriedade deve ser voltada não

somente ao interesse do proprietário, devendo haver a interação da mesma aos

interesses da coletividade. Trata-se de uma mudança muito importante, visto que,

como adverte Clóvis Beznos45, “entre nós sempre foi notório o ranço de uma

concepção arcaica a incensar o direito de propriedade como coisa sagrada,

intocável, de cunho egoísta e negativista”. A propriedade clássica moldada pela

Revolução Francesa não é compatível com a ordem constitucional vigente, conforme

lição de Maria Garcia46:

É consequência aceita e compreendida, da evolução social, que o direito de propriedade perdeu, de há muito, o caráter absoluto de que se revestia no Direito Romano: com o decorrer dos tempos, a propriedade, necessariamente, adequando-se à existência de outros direitos, à coexistência social, e os sistemas jurídicos, mediante disposições várias, vêm estabelecendo muitos desses condicionamentos, gerais ou específicos, ao exercício desse direito. A Constituição Federal, no seu art. 5ª, XXV, explicita o principio da função social da propriedade, ou seja, a adequação do seu exercício às suas finalidades no contexto social envolvendo, já, aqui, razões de interesse geral e do bem-estar de cada um.

Trouxe-se ao Direito Privado, em especial à propriedade, algo que somente

era visto no Direito Público: o condicionamento de um poder (o poder do

proprietário) a uma finalidade (a função social) 47. Houve a imposição de uma

44

Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda 01 de 1969.

45 BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 107

46 GARCIA, Maria. Inconstitucionalidades da lei das desapropriações: a questão da revenda. Rio de

Janeiro: Forense, 2007, 2ª edição, p. 3

47 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. A função social da propriedade In: DALLARI, Adilson Abreu;

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico -1. São Paulo: RT, 1987, p. 5

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obrigação, um dever de utilizar o bem em beneficio de um interesse social48.

Atribuiu-se aos particulares uma função quase pública, aumentando-lhe os ônus em

troca da preservação da liberdade de ter uma propriedade plenamente garantida

pelo ordenamento jurídico; realiza o proprietário uma função parecida com a

desempenhada pelo Estado49. O proprietário é convocado pela ordem jurídica a agir

de determinada forma, qual seja, a de que deve utilizar-se adequadamente da coisa,

em relação ao bem comum50. Para legitimar-se a apropriar-se de algo51, deve o

indivíduo cumprir os interesses sociais que possibilitam tal legitimação; deve assumir

um papel ativo, colocando em atividade a riqueza de que é detentor em beneficio da

coletividade52. Sobre tema, Clóvis Beznos53:

Propriedade: função social – O direito de propriedade é relativizado, de sorte que além da fruição pelo proprietário (direito de propriedade), incide sobre ela outro direito, de titularidade social (direito social), exsurgindo uma relação de administração, uma finalidade cogente a ser atendida pelo proprietário

48

Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. A função social da propriedade In: DALLARI, Adilson Abreu; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico -1. São Paulo: RT, 1987, p. 11

49 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. A função social da propriedade In: DALLARI, Adilson Abreu;

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico -1. São Paulo: RT, 1987, p.14

50 Cf. ALVIM, Arruda. Comentários ao Código Civil Brasileiro, Volume XI – tomo I. Rio de Janeiro:

Forense, 2009, p. 263

51 “No mundo moderno, o direito individual sobre as coisas impõe deveres em proveito da sociedade

a até mesmo no interesse dos não proprietários”. (GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro:

Forense, 2000, 17ª edição, p. 111)

52 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. A função social da propriedade In: DALLARI, Adilson Abreu;

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico -1. São Paulo: RT, 1987, p. 6

53 BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 67

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Conforme lição de Silvio Luiz Ferreira da Rocha54, a função social da

propriedade pode ser concebida como um poder-dever ou dever-poder do

proprietário de exercer o seu direito de propriedade sobre o bem em conformidade

com o fim ou interesse coletivo.

Não somente a propriedade imobiliária deve cumprir a função social. As

normas constitucionais quando se referem à propriedade, para prescrever-lhe

função social, usam a expressão propriedade em sentido amplo. Significa todo

direito de conteúdo econômico55. Segundo Silvio Luiz Ferreira da Rocha, os bens

públicos também devem cumprir a sua função social56. Toda propriedade, inclusive a

pública, deve cumprir a sua função social. Não é admissível que o Estado, cuja

única razão de existir é a busca do interesse público, possa ter uma propriedade que

não atenda a função social. O Estado, tal como o particular, não pode ser um

especulador imobiliário; não pode ter um patrimônio imobiliário sem que o mesmo

tenha uma finalidade de proporcionar satisfação ao interesse coletivo; deve alienar,

na forma da lei, o seu patrimônio imobiliário que não tenha finalidade pública, sob

pena de grave descumprimento do princípio constitucional da eficiência

administrativa. Entretanto, por vedação constitucional expressa57, não há a

possibilidade de usucapião de bens públicos. A Medida Provisória nº 2.220/2001

previu a concessão de uso para ocupantes de imóveis públicos, visando dar função

social à propriedade pública.

Conforme lição de Silvio Luiz Ferreira da Rocha58, “a função social integra a

estrutura do conceito jurídico de propriedade”. Não cumprindo a função social, deve

a propriedade ser extinta, conforme lição de Clóvis Beznos59:

54

ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. A função social da propriedade pública. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 71

55 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 62

56 “Afirmamos que o princípio da função social da propriedade ganhou contornos nítidos no

ordenamento jurídico e que os seus efeitos incidem, também, sobre o domínio público, embora, às vezes, haja a necessidade de harmonizar o princípio da função social com outros princípios e com o interesse público”. (ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. A função social da propriedade pública. São

Paulo: Malheiros, 2005, p. 127)

57 Arts. 183, § 3 e 191, parágrafo único da Constituição Federal.

58 ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. A função social da propriedade pública. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 73

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Emerge, todavia, a noção de que, não cumprida pelo proprietário a função social estabelecida pelo ordenamento positivo, deve o direito de propriedade extinguir-se, passando, das mãos de seu titular, ou para o Estado ou para quem lhe dê a função almejada.

No mesmo sentido decidiu o STF60:

O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade.

A função social da propriedade é decorrência do princípio da supremacia do

interesse público sobre o privado, no sentido de que permite que o interesse

individual e egoísta do proprietário seja suplantado pelo interesse coletivo que os

bens produzam riquezas que se disseminarão para toda a coletividade61.

Não cumpre a função social a mera utilização do bem, a colocação do mesmo

em uma destinação economicamente útil. Isso é necessário, mas não é tudo. Além

59

BEZNOS, Clovis. Desapropriação em nome da política urbana. In: DALLARI, Dalmo de Abreu; FERRAZ, Sergio. Estatuto da cidade: comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros,

2002, p. 123

60 STF - ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-4-2002, Plenário, DJ de 23-4-2004

61 “O sentido social da propriedade, em nossos dias, conduz, entretanto, a uma situação de direito,

aceita por todos os sistemas jurídicos, de que o interesse privado, consubstanciado no direito de propriedade, cede ligar ao interesse público, permitindo o sacrifício da propriedade do particular em prol do interesse coletivo”. (CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de

Janeiro: Forense, 1980, vol. 1, p. 31)

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da colocação do bem em uso para a sua finalidade própria de produzir riquezas para

o proprietário, exige-se, ainda, que os bens sejam usados para objetivos de justiça

social, ou seja, que se cumpra um projeto de uma sociedade mais justa e igualitária,

sendo a propriedade um meio de ampliar as oportunidades de todos, realizar o

desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades62. Nesse sentido, é a lição de

Carlos Ari Sundfeld63:

A propriedade, como elemento fundamental da ordem econômica, há de servir à conquista de um desenvolvimento que realize a justiça social. Consequentemente, o regime jurídico que lhe for traçado deve ensejar o desenvolvimento e favorecer um modelo social que seja o da justa distribuição da riqueza.

No plano constitucional, a função social da propriedade é o fundamento da

desapropriação64. Esta aparece, atualmente, como um instrumento de grande

relevância para fazer cumprir a função social da propriedade, conforme ensinamento

de Ildefonso Mascarenhas da Silva65:

A Constituição não admite a propriedade dos bens que não produzem e recebem valorização do trabalho coletivo e do próprio Estado. A propriedade improdutiva, que o proprietário não explora no sentido de transformá-la numa utilidade geral, criando riqueza para si e para a coletividade, não atende ao bem estar social, não merece o amparo do Estado. É possível, nesse caso e em outros equivalentes, a sua desapropriação, a fim de tornar a propriedade uma utilidade geral, um meio

62

Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade. In:

Revista de Direito Público n. 84 – outubro/dezembro de 1987, p. 43/44

63 SUNDFELD, Carlos Ari. A função social da propriedade In: DALLARI, Adilson Abreu; FIGUEIREDO,

Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico -1. São Paulo: RT, 1987, p.13

64 Cf. BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 22/23.

65 SILVA, Ildefonso Mascarenhas. Desapropriação por necessidade e utilidade pública. Rio de

Janeiro: Aurora Limitada, 1947, p. 36/37.

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de desenvolver a riqueza coletiva, promovendo-se a sua justa distribuição, com igual oportunidade para todos.

Parte da doutrina entende que o direito de propriedade somente é garantido

se atender à função social. A função social seria o fundamento do regime jurídico da

propriedade66. A função social tornar-se-ia a própria razão pela qual o direito de

propriedade seria atribuído a um determinado sujeito67. Nesse sentido é a lição de

José Afonso da Silva68:

O regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que este atenda sua função social. Se diz: é garantido o direito de propriedade (art. 5, XXII), e a propriedade atenderá a sua função social (art. 5, XIII), não há como escapar ao sentido de que só garante o direito de propriedade que atenda sua função social.

Segundo Duguit69,

A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do individuo e tende a se tornar a função social do detentor da riqueza mobiliaria e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de

66

Sobre o princípio da função social da propriedade, José Afonso da Silva assevera que “ele transforma a propriedade capitalista, sem socializá-la. Condiciona-a como um todo, não apenas seu exercício, possibilitando ao legislador entender com os modos de aquisição em geral ou com certos tipos de propriedade, com seu uso, gozo e disposição. Constitui, como já se disse, o fundamento do regime jurídico da propriedade, não de limitações, obrigações e ônus que podem apoiar-se – e como sempre apoiaram – em outros títulos de intervenção, como a ordem publica ou a atividade de policia”. (SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 19ª edição, 2001,

p. 286)

67 Cf. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 20002, p. 226

68 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 19ª edição,

2001, p. 273

69 DUGUIT, Léon. Las transformaciones del derecho publico y privado. Buenos Aires: Heliasta, 1975,

p. 236

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empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder.

De outro lado, parte da doutrina defende que a propriedade passa a ser uma

função social e ao mesmo tempo um direito subjetivo. A função social da

propriedade representaria um compromisso entre a ordem liberal e a ordem

socializante, incorporando certos ingredientes da segunda na primeira70. Seria um

instituto do capitalismo e perfeitamente compatível com ele. O proprietário não seria

obrigado a colocar o seu bem em interesse exclusivo da sociedade; teria o dever de

utilizar o bem para a satisfação das necessidades coletivas, mas não poderia ser

privado de utilizá-lo para as suas necessidades individuais71. O princípio da isonomia

não permitiria que o Estado onerasse exclusivamente um indivíduo em beneficio de

toda a coletividade; ademais, a função social não seria título para que o Poder

Público se desonerasse de seus deveres, lançando-os sobre os particulares72. Não

representaria o princípio da função social da propriedade uma socialização dos bens

imóveis, transformando a propriedade em mera função73. Continuaria a existir o

direito de propriedade como um direito individual, mas que deveria cumprir a sua

função social. Não haveria, assim, uma prevalência da função social sobre o próprio

direito de propriedade74. A existência da função social não teria feito desaparecer o

70

Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. A função social da propriedade In: DALLARI, Adilson Abreu; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico -1. São Paulo: RT, 1987, p. 2

71 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. A função social da propriedade In: DALLARI, Adilson Abreu;

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico -1. São Paulo: RT, 1987, p. 19

72 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. A função social da propriedade In: DALLARI, Adilson Abreu;

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico -1. São Paulo: RT, 1987, p. 19

73 “O primeiro ponto notar é que o Texto acaba por repelir de vez alguns autores afoitos que quiseram

ver no nosso direito constitucional a propriedade transformada em mera função. Em vez de um direito particular, ela seria um ônus, impondo-lhe quase o que seria um autentico dever.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 19ª edição, 1998, p. 209)

74 “O princípio do art. 5º, XXII (função social da propriedade), deverá adequar-se aos demais

princípios informadores da Constituição como, in casu, o direito de propriedade, uma relação de equilíbrio e de harmonia, não de prevalência ou preeminência”. (GARCIA, Maria.

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direito de propriedade. Este não se resumiria à mera função. Nesse sentido é a lição

de Celso Antonio Bandeira de Mello75:

Estamos a crer que, ao lume do direito positivo constitucional, a propriedade ainda está claramente configurada como um direito que deve cumprir uma função social e não como sendo pura e simplesmente uma função social, isto é, bem protegido tão só na medida em que a realiza.

Entendemos que a propriedade não se transformou em mera função; porém,

a propriedade que não cumpre a função social não tem a proteção integral do

ordenamento jurídico. A própria Constituição Federal prevê que a propriedade

descumpridora da função social pode ser expropriada, com o pagamento em títulos

no prazo de 10 e 20 anos, respectivamente, conforme art. 182 e 184. Ora, para a

propriedade em geral, é assegurada a prévia e justa indenização em dinheiro; para a

propriedade que não cumpre a sua função social, se permite pagar por meio de

títulos, com prazo de mais de década para resgate. Torna-se claro que a proteção

que o ordenamento confere à propriedade não cumpridora da função social é

mitigada. Assim, o Constituinte armou o Administrador de prerrogativas que podem

levar à extinção do direito de propriedade, sem o pagamento da justa e prévia

indenização em dinheiro76, o que nos leva a concluir que a propriedade que não

cumpre a função social não tem proteção integral do ordenamento jurídico.

A função social da propriedade é um princípio formal77 usado na ponderação

de valores conflitantes, para dar mais peso aos princípios que consagram o valor

Inconstitucionalidades da lei das desapropriações: a questão da revenda. Rio de Janeiro: Forense,

2007, 2ª edição, p. 24)

75 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade. In: Revista

de Direito Público n. 84 – outubro/dezembro de 1987, p. 41

76 Em títulos, conforme previsão dos arts. 182 §4º e 184 da Constituição Federal.

77 “Sem embargo, o direito à liberdade não é mera consequência do dever de cooperar da melhor

forma possível com a solidariedade social, é um direito protegido prima facie, pois se encontra positivado como um direito na Constituição da República. A realidade invocada por Duguit não faz tabula rasa da força normativa da Constituição. Consequentemente, há, sim, um âmbito individual de liberdade em que inexistem deveres. O ordenamento pode restringir ou ampliar esse âmbito, mas não

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social da propriedade, em detrimento dos que asseguram o interesse individual do

proprietário, podendo, assim, no caso de não cumprimento da função social, resultar

no afastamento de várias garantias que a Constituição atribui à propriedade.

4- Restrições ao direito de propriedade

4.1 – A desapropriação como garantia da propriedade

A desapropriação é vista por uns como uma restrição ao direito de

propriedade78. Segundo José dos Santos Carvalho Filho79, a desapropriação é “o

mais draconiano modo de intervenção na propriedade, vez que a retira do domínio

do proprietário para inseri-la no patrimônio do Estado”. Para Hely Lopes Meirelles80,

a desapropriação é a forma conciliadora entre a garantia da propriedade e a função

social dessa mesma propriedade, que exige usos compatíveis com o bem-estar da

coletividade. pode suprimi-lo; o legislador deve respeitar o núcleo essencial, do direito à liberdade. A função social é, por isso, um princípio formal especial, desprovido de conteúdo material, que num plano abstrato diminui o peso dos princípios opostos a ela. Nesses termos, nega-se uma publicização absoluta, mas se admite uma publicização relativa: o direito privado vai até onde, na ponderação, subsistir a liberdade individual”. (MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 115/116)

78 Nesse sentido é a lição de José Afonso da Silva que, ao falar sobre a desapropriação, afirma que

“é limitação que afeta o caráter perpétuo da propriedade, porque é meio pelo qual o Poder Público determina a transferência compulsória da propriedade particular, especialmente para o seu patrimônio ou de seus delegados, o que só pode verificar-se por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro...”. (SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 19ª edição, 2001, p. 284).

79 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 22ª edição, 2009, p. 736.

80 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 35ª edição, 2009,

p. 608.

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Apesar da desapropriação não causar a extinção do direito de

propriedade, visto que há a mera substituição do bem expropriado pela indenização,

há uma interferência grave no direito individual do proprietário, que vê o objeto do

seu direito ser tirado de sua disponibilidade sem possibilidade de impedir tal

procedimento81.

A desapropriação é necessária. Os meios negociais de que usam os

particulares não são hábeis a suplantar o instituto da desapropriação. A compra e

venda necessita da aquiescência do particular. Este pode, por razões várias, não

querer dispor de seu bem82. Como o Estado não pode ficar na dependência da

vontade do particular para realizar o interesse público, necessário se faz a existência

de um meio coercitivo de transferência da propriedade, qual seja, a

desapropriação83.

Conforme lição de Clóvis Beznos84, representa a desapropriação uma

garantia ao direito fundamental que reconhece a propriedade. A indenização na

desapropriação é a garantia de que a propriedade somente será retirada pelo Poder

Público mediante o oferecimento de uma quantia que permita ao expropriado

adquirir um bem da mesma qualidade/quantidade do que foi expropriado, regida por

um procedimento delimitado e previsto em lei. A desapropriação é um instituto que

apenas se limita a reger, em casos de necessidade ou utilidade pública, ou ainda de

interesse social, a forma de transferência de bens particulares para o domínio

público, mas sem nenhum atentado à propriedade privada, pois a condição “sine qua

non” da efetiva transmissão é o pagamento da coisa desapropriada, como

indenização dos danos e prejuízos decorrentes da atuação estatal; o patrimônio do

81

Cf. FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 16

82 “Percebe-se, desde logo, encontrar-se, de um lado, a Administração, cujos cometimentos podem

conduzir à supressão do direito individual da propriedade, e, de outro, o particular, necessitando ser cabalmente indenizado a fim de que o ônus não recaia somente sobre um mas, sim, sobre toda a coletividade (princípio da distribuição das cargas públicas)”. (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros: 8ª edição, 2006, p. 330)

83 Cf. FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1949, p. 12/13

84 Cf. BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 17.

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expropriado permanece sempre íntegro, e esse respeito é absoluto no exercício da

atividade expropriatória85.

Ao prever a desapropriação como única hipótese de perda da propriedade

sem a vontade do titular, a Constituição, na verdade, garante a sua intangibilidade

para todas as demais situações. A inclusão de um caso de restrição veda a

possibilidade de qualquer outra restrição (inclusione unius fit exclusio alterius). A

exceção da intangibilidade da propriedade pela desapropriação confirma a regra da

própria intangibilidade do direito do proprietário (exceptio firmat regulam in casibus

non exceptis). Nesse sentido, Seabra Fagundes86:

Em vista disso, o direito de desapropriação, do modo por que hoje se apresenta, rigorosamente delimitado pelo direito positivo, pode ser considerado, do ponto de vista histórico, como uma garantia assegurada ao direito privado de propriedade. Condicionando-lhe a subsistência da propriedade particular ao interesse coletivo, se lhe criam restrições, mas, por outro lado, pondo-se limites à ação desapropriadora do Estado, se lhe assegura relativa intangibilidade.

Assim, ao abrir uma única exceção ao direito de propriedade, qual seja, a

desapropriação87, a Constituição garantiu a sua intangibilidade contra qualquer ato

do Estado e de terceiros88. A previsão da desapropriação visa a resguardar a

propriedade particular contra o abuso, a discrição ou o arbítrio do poder

85

Cf. NOWILL, Hubert Vernon Lencioni. Desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 505,

novembro de 1977, p. 23-29.

86 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de

Janeiro: Forense, 2010, 8ª edição, p. 399, nota de rodapé 138.

87 “A regra é o direito de propriedade, no Brasil, direito assegurado por todas as Constituições; a

exceção é a desapropriação por necessidade ou utilidade publica ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização, em dinheiro, paga pelo expropriante ao expropriado, este último,o proprietário.” (CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980, vol. 1, p. 13)

88 “...o instituto da desapropriação impõe verdadeira exceção ao principio dominante de que a

propriedade permite ao dominus o poder absoluto sobre a coisa, poder que o liga de modo “indefinido” à res, protegendo-a contra qualquer possibilidade de atentado por parte de terceiros, esbulhadores ou turbadores”. (CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de

Janeiro: Forense, 1980, vol. 1, p. 31)

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administrativo. A intenção do legislador constituinte em prever a desapropriação foi

limitar o poder e não criar o poder. É uma forma de frustrar ao poder administrativo a

sua notória tendência, que lhe parece congênita, de fluir fora do leito aberto à sua

competência89.

A desapropriação garante a existência da propriedade como garantia de

instituto, a propriedade como tal e também como garantia do direito individual, a

propriedade concreta, a soma dos direitos de valor patrimonial do proprietário

particular90.

Ocorre com a desapropriação uma substituição compulsória do objeto da

propriedade; há uma substituição imposta do bem expropriado pelo seu equivalente

em dinheiro que opera simultaneamente a sua transferência para o domínio

público91. O domínio deixa de incidir sobre o bem expropriado e passa a alcançar a

indenização correspondente92. A indenização deve garantir que, já que se vai ser

expropriado e não se pode resistir a tal ato, pelo menos, o valor patrimonial fique

conservado; a garantia da existência transforma-se, então, em garantia do valor93.

A desapropriação decorre da própria configuração constitucional do direito

de propriedade94. Nas palavras de Clóvis Beznos95, “o fundamento jurídico, pois, da

desapropriação tradicional no nosso direito positivo subsume-se no próprio perfil

constitucional do direito de propriedade”. Este está condicionado pelas exigências do

89

Cf. CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional – volume I. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 179.

90 Cf. MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral. São Paulo: Manole, 2006, tradução de Luiz

Afonso Heck, p. 799.

91 Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:

Forense, 2009, 15ª edição, p. 423.

92 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 6ª edição,

2010, p. 617

93 Cf. MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral. São Paulo: Manole, 2006, tradução de Luiz

Afonso Heck, p. 801.

94 “No direito brasileiro, a Constituição de 1967, como as anteriores, considerou a substancia da

propriedade como algo de que é implícita a desapropriabilidade, se os pressupostos constitucionais se compõem.”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São Paulo: RT, 1968, p. 370)

95 BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 33/34

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interesse coletivo96, trazendo, em si mesmo, a possibilidade de seu exaurimento

pelo instituto da desapropriação. Nesse sentido, Clóvis Beznos97,

Os contornos do direito de propriedade são compostos da possibilidade de seu exaurimento, diante de circunstancias assim determinantes, ou seja, a conclusão de que o direito de propriedade, tal como concebe a Constituição Federal, traz ínsito a possibilidade de seu sacrifício, em dadas circunstâncias previstas em lei.

O fundamento98 da desapropriação99, como em geral das restrições ao direito

de propriedade, encontra explicação nos princípios da função social da

propriedade100 e no da supremacia do interesse publico sobre o privado101, conforme

lição de Cretella Junior102:

96

“O direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal, está condicionado, no seu exercício e amplitude, à conciliação com o interesse coletivo, seja este expresso no respeito devido aos demais direitos outorgados ao indivíduo como célula da sociedade, seja expresso nas necessidades gerais do Estado como órgão de tutela do interesse público”. (FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 13)

97 BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 33

98 “O fundamento da desapropriação está em que, havendo conflito entre o interesse público e o

interesse privado, que se não previu em lei, se há de atender àquele, dando-se satisfação a esse, indiretamente”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São Paulo: RT, 1968, p. 386)

99 “A desapropriação, consagrada em nosso direito positivo, tem como fundamento a supremacia do

interesse público sobre o particular, quando incompatíveis”. (ARRUDA ALVIM. Prefácio da obra A justa indenização na desapropriação de Sérgio Ferraz.). No mesmo sentido: “A desapropriação tem por base a prevalência do interesse público sobre o direito á propriedade privada”. (PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p . 53).

100 “...no plano constitucional, é a função social da propriedade o fundamento da desapropriação”.

(BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 23)

101 “Ou seja, a desapropriação possui como vértices a supremacia do interesse público sobre o

particular, a função social da propriedade, princípios esses, na verdade, imbricados, inter-relacionados com outros cânones atinentes às atividades finalísticas do Estado, ou à sua própria razão de ser, como é o caso do princípio democrático e, mesmo, do princípio isonômico”. (UELZE, Hugo Barrozo. Desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 851, setembro de 2006, p. 697-

735)

102 CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980, vol.

1, p. 41

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O fundamento da desapropriação não só no direito universal como no direito brasileiro encontra plena explicação na teoria da colisão de direitos e na teoria da função social da propriedade, explicações que se completam, identificando-se, visto que, no choque de interesses, há predominância do interesse público sobre o particular, verdadeiro postulado da razão prática radicado na função social da propriedade que, nos tempos modernos, vai perdendo cada vez mais o originário cunho individualista para ampliar-se e integrar-se na coletividade da qual não se dissocia.

4.1.2 – Limitações ao direito de propriedade

Através da limitação, o Estado define o campo legitimo de expressão de

um direito103. Limitar um direito é torná-lo compatível com o direito dos demais

dentro da comunidade e com os superiores interesses da sociedade104. Conforme

lição de Whitaker105, “não existe direito cujo exercício seja ilimitado, pois, vivendo o

homem em sociedade, todos os seus interesses precisam conciliar-se com os

direitos superiores do Estado”.

Sobre as limitações aos direitos, se manifesta Pontes de Miranda106:

Todo direito subjetivo é linha que se lança em certa direção. Até onde pode ir, ou até onde não pode ir, previsto pela lei, o seu conteúdo ou seu exercício, dizem-no as regras limitativas, que são regras que configuram, que traçam a estrutura dos direitos e as sua exercitação. O conteúdo dessas regras são as limitações. Aqui principalmente nos interessam as

103

Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 53

104 Cf. SILVA, Ildefonso Mascarenhas. Desapropriação por necessidade e utilidade pública. Rio de

Janeiro: Aurora Limitada, 1947, p. 78

105 WHITAKER, F. Desapropriação. São Paulo: Atlas, 3ª edição, 1946, p. 9

106 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial – tomo

XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª edição, p. 09

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limitações ao conteúdo. O domínio não ilimitável. A lei mesma estabelece limitações. Nem é irrestringível.

Sobre a possibilidade de limitações a direitos, há três concepções: 1-

concepção absoluta: a concepção absolutista entende que os direitos subjetivos

independem uns dos outros; movem-se, convivem sem, no entanto, se encontrarem;

o mundo jurídico seria de tal modo construído que todos os direitos estender-se-iam,

como linhas retas, sem se ferirem, sem se tocarem; 2- concepção relativista: a

concepção relativista pura sustenta que o direito de cada um seria o reflexo do

direito objetivo, sem maior consistência e resistência que a tolerada pelo interesse

comum ou geral; 3- concepção eclética: sustenta que há limites aos direitos, ao lado

da projeção, irredutíveis, deles; eles se lançam como as linhas com que o

absolutismo os concebia, porém param, cessam, têm limites; além desses limites, os

direitos são relativos no sentido de muitos direitos se entrelaçam107. Segundo a

concepção eclética, vige o princípio da relatividade dos direitos o qual informa que

todo direito que se cria a alguém, entrando na esfera de outrem, isto é, em direito

que antes não sofria isso, é direito que corta a outro, que passa a ser novo limite ao

outro108.

O direito de propriedade tem um âmbito de proteção estritamente

normativo, ou seja, não se limita o legislador ordinário a estabelecer restrições a

eventual direito, cabendo-lhe definir, em determinada medida, a amplitude e a

conformação desse direito individual109. É a ordem jurídica que converte o simples

ter em propriedade110. Essa categoria de direito fundamental confia ao legislador o

mister de definir o próprio conteúdo do direito regulado; nesse caso, fala-se em

107

Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial – tomo XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª edição, p. 26

108 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado – parte especial –

tomo XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 3ª edição, p. 19

109 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 211

110 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 215

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limitação ou conformação do direito; as normas relativas a esse instituto (a

propriedade) não se destinam a estabelecer restrições; são apenas normas de

conformação ou concretização desses direitos111. A garantia constitucional da

propriedade está submetida a um processo de relativização, sendo interpretada,

fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária; as

disposições legais têm um caráter constitutivo; a Constituição garante apenas o

instituto da propriedade112. A garantia constitucional é somente institucional e não de

conteúdo. O legislador não pode acabar com o direito de propriedade, mas tem

ampla liberdade de limitar tal direito113. Assim, o conteúdo e os limites do direito de

propriedade são definidos nas leis, de modo que só se garante, na Constituição

Federal, a instituição da propriedade. São suscetíveis de mudanças, em virtude de

legislação, o conteúdo e os limites mesmos da propriedade e do direito de

propriedade114.

Renato Alessi115 entende que não há limitações ao direito de propriedade;

há limitações tão somente à propriedade. Isso porque os regimes de propriedade

são aqueles definidos pela ordem jurídica. Vale dizer: o direito de propriedade só

tem existência no contexto da ordem jurídica, tal como o definiu a ordem jurídica.

Por certo que, na comparação entre ordens jurídicas distintas, poder-se-á afirmar

que nesta, em relação àquela, a propriedade é mais ou menos dilatada, em

decorrência de ser menos ou mais limitada. Não, porém, que o direito de

propriedade aqui ou ali seja limitado, neste ou naquele grau. Cada direito de

propriedade é direito integral nos quadrantes da ordem jurídica positiva que o

contempla.

111

Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 215

112 “A propriedade privada é instituto jurídico; e a garantia do art. 150 § 2º, é institucional”. (PONTES

DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São Paulo: RT,

1968, p. 367)

113 “Ao legislador só se impede de acabar, como tal e em geral, com o instituto jurídico, com o direito

de propriedade”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São Paulo: RT, 1968, p. 367)

114 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V.

São Paulo: RT, 1968, p. 368.

115 ALESSI, Renato. Principi di Diritto Amministrativo, v. II. Milão, 1.978, Giuffrè Editore, p. 590

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O conteúdo do direito de propriedade pode ser determinado pelas

necessidades que derivam da coexistência de propriedades e solidariedade de

interesses, por meio das leis. Estas apenas definem o conteúdo da propriedade e

lhe são inerentes como confins do exercício deste direito. São as condições legais

do direito de propriedade que não se confundem com os sacrifícios116.

Em relação ao direito de propriedade, eventual redução legal das

faculdades a ele inerentes pode ser vista sob uma dupla perspectiva: para o futuro,

cuida-se de uma nova definição do direito de propriedade; em relação ao direito

fundado no passado, tem-se uma nítida restrição117.

O legislador pode restringir o direito de propriedade. A restrição poderá

revelar-se legítima, se adequada para garantir a função social da propriedade ou

para preservar outro bem jurídico constitucionalmente protegido tão ou mais

importante que o direito de propriedade. Será ilegítima se desproporcional,

desazzarozada, ou incompatível com o núcleo essencial desse direito118. Assim, o

legislador dispõe de uma relativa liberdade na definição do conteúdo da propriedade

e na imposição de restrições119, mas deve preservar o núcleo essencial do direito120.

Sobre o núcleo essencial do direito de propriedade, o definiremos abaixo, ao

discorrer sobre as medidas expropriatórias de direito.

116

Cf. SILVA, Ildefonso Mascarenhas. Desapropriação por necessidade e utilidade pública. Rio de Janeiro: Aurora Limitada, 1947, p.81

117 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 217

118 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 217

119 “Não há que se negar que à lei assiste amplo espaço para delinear o direito de propriedade, mas,

à toda evidencia, haverá de existir um conteúdo mínimo que se tem por referido pela Carta Constitucional, o que não pode ser desconhecido ou deprimido”. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade. In: Revista de Direito Público n. 84 –

outubro/dezembro de 1987, p. 42)

120 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 218/219.

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4.1.3 – Sacrifícios ao direito de propriedade

Importa, agora, estabelecer a diferenciação entre limitação e sacrifício de

direito. No caso do direito de propriedade, são limitações apenas as medidas que

não inviabilizem a utilização funcional do bem. Assim, devem-se distinguir as

medidas de índole conformativa ou restritiva, de um lado e, de outro, as medidas de

natureza expropriatória, que causam o sacrifício de um direito. As primeiras são

dotadas de abstração, generalidade e impõem restrições às posições jurídicas

individuais. As medidas expropriatórias têm conteúdo concreto, individual, e

importam na retirada total ou parcial do objeto da esfera de domínio privado121.

Tal diferenciação é relevante, visto que as medidas de natureza restritiva

ou conformativa, ao contrário das de natureza expropriatória, não legitimam qualquer

pretensão indenizatória122. Assim, cumpre elencar critérios para diferenciar a

limitação do sacrifício dos direitos. Enquanto a limitação não gera o dever de

indenizar, o sacrifício, em regra, exige a indenização justa.

O sacrifício é a situação subjetiva passiva imposta compulsoriamente pelo

Estado que importa em compressão do conteúdo do direito ou sua extinção em

nome do interesse público ou social123. Segundo Luis Manuel Fonseca Pires124:

121

Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p.

55/57.

122 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 220/221. No mesmo sentido: “Os condicionamentos, conquanto representem situação desfavorável para o particular, justamente por delimitarem o campo de atuação legitima do titular do direito não conferem direito à indenização.”. (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo:

Malheiros, 2003, p. 57)

123 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 86/87

124 PIRES, Luis Manuel Fonseca. A propriedade privada em área de proteção ambiental: limitações ou

restrições administrativas?. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca Pires; ZOCKUN, Maurício. Intervenções do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 32-53.

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O sacrifício de direitos, assim entendido, consiste na autorização legislativa ao Estado para atingir diretamente os direitos consagrados no sistema jurídico e já incorporados concretamente pelos administrados, diferentemente da conformação dos direitos na qual se traceja e com isto se desenha o conceito e a definição de determinado valor (liberdade ou propriedade) para o direito positivo.

A doutrina elenca vários critérios para diferenciar o sacrifício e a limitação

aos direitos. Dentre eles destacam-se: 1- critério da transferência da propriedade:

haveria sacrifício quando um bem fosse definitivamente deslocado das mãos de seu

titular para as de outrem, mas não quando permanecesse no seu patrimônio; 2-

critério do veículo da instituição do gravame: haveria condicionamento quando

imposto por lei e sacrifício quando imposto por outra espécie de ato estatal; 3-

critério da generalidade/singularidade: os gravames decorrentes de ato geral e

abstrato seriam condicionamentos e os derivados de medidas singulares seriam

sacrifícios125.

Nenhum dos critérios é salvo de críticas. Mesmo sem a transferência,

pode haver limitação ao conteúdo mínimo de um direito que o torne imprestável, o

que gera, sem sombra de duvida, o direito à indenização. Caso um ato de

autoridade imponha restrições tão grandes ao direito de propriedade que resulte em

supressão de todos os poderes inerentes ao domínio, sem impor a transferência do

bem, não há dúvida que se trata de sacrifício e não limitação, o que gera o dever de

indenizar.

O fato de a restrição vir por meio de lei ou outro ato de autoridade não faz

diferença, sendo importante o efeito do ato sobre o patrimônio do particular. A

desapropriação pode ser feita por meio de declaração de utilidade pública feita por

decreto ou por lei126. Não importa a forma do ato e sim a sua substancia.

125

Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 89/90

126 Art. 8º do Decreto-lei 3.365/41. Não é inconstitucional a previsão deste dispositivo legal. Apesar de

declarar a necessidade pública, a lei não obriga o Executivo a desapropriar; assim, não há violação ao princípio da Separação dos Poderes, em virtude de ato do Legislativo ocasionar despesas ao Executivo. Nesse sentido é a lição de Harada: “É claro que se o Executivo não é obrigado promover efetivamente a desapropriação de determinado bem que ele próprio declarou de utilidade pública, o mesmo comportamento omissivo pode ser manifestado em relação ao bem assim declarado por ato

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Quanto ao terceiro critério (critério da generalidade/singularidade), apesar

de ser o mais acertado, também é passível de críticas, visto que o critério de

generalidade é pouco preciso127 (o que é uma generalidade? 100 ou 10000

pessoas?). A “limitação”, apesar de geral, pode acabar com o núcleo essencial de

um direito e gerar o dever de indenizar, o que já foi constatado pela doutrina alemã.

Hartmut Maurer128 nos traz o conceito de caso inconveniente que se configura

quando uma lei reguladora da propriedade traz um dano desmesurado a uma ou

mais pessoas; tais danos seriam graves, que ultrapassariam os decorrentes da

normal vinculação social, qual seja, dos danos inerentes à condição de se viver em

sociedade e se sujeitar ao que regulam as leis de modo abstrato para todos, o que

ensejaria indenização. Assim, a limitação geral de um direito, quando importe em

onerosidade excessiva para o proprietário ou quando elimine o conteúdo mínimo

desse direito, deve gerar o dever de indenizar. Nesse sentido, Seabra Fagundes129:

Também é impossível justificar a não indenização de tais direitos com a amplitude que a Constituição deixa à lei ordinária ao regular o exercício e, consequentemente, os limites do direito de propriedade. A disciplinação do exercício não autoriza a supressão, ainda que parcial, do direito de propriedade. Regular o exercício é disciplinar direito que se reconhece existente e seria exceder o âmbito da regulamentação, e até contradizê-la no seu sentido, utilizá-la para a supressão de quaisquer direitos.

O critério essencial para diferenciar a limitação da expropriação do direito

é verificar, no caso, se houve o atingimento do núcleo essencial do direito. O núcleo

essencial do direito de propriedade é o direito de usar do bem, de acordo com as

características dele; se imóvel, de nele edificar, assim como o direito de dispor; são

do Poder Legislativo, que nesse particular não tem qualquer ascendência”. (KIYOSHI HARADA. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 7ª edição, 2007, p. 70)

127 Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 90/92

128 MAURER, Hartmut. Contributos para o direito do Estado. Porto Alegre: Livraria do advogado,

2007, p. 52

129 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de

Janeiro: Forense, 2010, 8ª edição, p. 423, nota de rodapé 178

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expressões do direito de propriedade inseparáveis dele, visto que é o conjunto

desses poderes que recebe o nome de propriedade; conforme lição de Celso

Antonio Bandeira de Mello130, “elididos estes poderes, nada mais restaria”. Se

houver o atingimento do núcleo essencial de um direito, ocorre o sacrifício deste,

ocasionando o dever de indenização pela expropriação do direito do particular.

Deve-se atentar para o critério da funcionalidade de um bem para a

definição do núcleo essencial a ser preservado. No caso de uma propriedade rural,

cuja funcionalidade normal é o de destinar-se à agricultura e pecuária, se tais

atividades não puderem ser realizadas, houve o atingimento do núcleo essencial do

direito de propriedade; o mesmo não se daria em uma propriedade urbana; nesta, se

fosse impedida a cultura de hortaliças, não haveria qualquer medida expropriatória,

visto que a funcionalidade normal do imóvel urbano se destina a servir de moradia e

não para atividades rurais. Assim, o conteúdo mínimo do direito de propriedade que

deve ser mantido para não se configurar em medida expropriatória é a sua utilização

funcional. Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello131,

O direito estaria sacrificado quando não se pudesse dar ao bem utilização funcional, entendendo-se por “funcionalidade” a aptidão natural do bem em conjugação com a destinação social que cumpre, segundo o contexto em que esteja inserido.

Assim, concluímos que, se for eliminado o conteúdo mínimo do direito de

propriedade, deve haver a indenização, se tratando de medida de natureza

expropriatória. Como o direito de propriedade é um direito fundamental, iremos

abaixo discorrer brevemente sobre a teoria geral das restrições aos direitos

130

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade. In: Revista

de Direito Público n. 84 – outubro/dezembro de 1987, p. 42

131 Apud in: PIRES, Luis Manuel Fonseca. A propriedade privada em área de proteção ambiental:

limitações ou restrições administrativas?. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca Pires; ZOCKUN, Maurício. Intervenções do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 32-53.

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fundamentais, também aplicáveis, como complemento ao acima já exposto sobre as

restrições ao direito de propriedade.

4.2 – Restrições aos direitos fundamentais

4.2.1 – Conceito de direito fundamental

O direito de propriedade é previsto como um direito fundamental no art. 5º

inciso XXII da Constituição Federal.

Um direito é considerado fundamental por ser tão importante que não deve

ser deixado ao livre arbítrio do Legislador e da Administração garanti-lo132. O

Legislador, apesar de ser um representante do cidadão, tem os direitos

fundamentais como barreira intransponível para suas deliberações. Nesse sentido,

Carlos Ari Sundfeld133:

Por isso, a lei não pode tudo. A própria Constituição lhe prescreve limites: os direitos individuais e coletivos que protege, de modo implícito ou explícito, os quais hão de ser preservados, ainda quando o legislador preferisse suprimi-los, em nome de um entendimento pessoal do sentido do interesse coletivo.

132

“Um conceito geral e formal de direitos fundamentais, que pode ser expresso da seguinte forma: direitos fundamentais são posições que são tão importantes que a decisão sobre garanti-las não pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar simples”. (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos

Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, tradução de Virgílio Afonso da Silva, p 446)

133 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p.68

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O conceito de direito fundamental é uma questão controvertida. Não

adotaremos qualquer conceito jusnaturalista134 de direito fundamental. Um direito

natural, qualquer que seja a sua fundamentação, só pode vigorar, se é que pode,

enquanto o Legislador não se apropriar da matéria regulada; após, se vigorar, é por

pura misericórdia do legislador135. Adotaremos um conceito jurídico, derivado do

direito positivo e do ordenamento jurídico.

Os direitos fundamentais são normas jurídicas decorrentes de valores

positivados. A única forma de dar efetividade aos direitos fundamentais é defini-los

como normas jurídicas. Nesse sentido é a lição de Friedrich Muller136:

Os direitos fundamentais e humanos não são meros “valores”, mas normas. Por trás deles encontram-se representações axiológicas de dignidade, liberdade e igualdade de todos os homens. Mas, a partir do momento em que uma Constituição os tenha positivado em seu texto, tornam-se direito vigente. Quem deseja rotulá-los como valores, paradoxalmente os desvaloriza.

Somente a positivação dos direitos fundamentais por normas constitucionais é

que pode garantir a efetividade de tais direitos, conforme ensinamento de

Canotilho137:

134

“Pode-se definir o jusnaturalismo como a doutrina segundo a qual existem leis não postas pela vontade humana – que por isso mesmo precedem à formação de todo grupo social e são reconhecíveis através da pesquisa racional – das quais derivam, como em toda e qualquer lei moral ou jurídica, direitos e deveres que são, pelo próprio fato de serem derivados de uma lei natural, direitos e deveres naturais”. (BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 6ª

edição, 1998, p. 12)

135 Cf. ELLSCHEID, Gunter. O problema do direito natural. Uma orientação sistemática. In:

KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, 2ª edição, p. 211.

136 MULLER, Friedrich. O novo paradigma do direito. São Paulo: RT, 2ª edição, 2009, p. 163

137 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:

Almedina, 7ª edição, p. 377

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A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os direitos do homem são esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional (Grundrechtsnormen).

Os direitos fundamentais aparecem pela primeira vez em 1627 na “petition of

rights”, na Inglaterra. Os preceitos constantes da Magna Carta de 1215 não eram

direitos fundamentais, mas preceitos que tinham por finalidade relacionar a posição

do cidadão com a sua esfera de interesses na comunidade. Tornam-se mais amplos

com o “habeas corpus act” de 1679, no “Bill and declaration of Rights and liberties of

subjects” de 1989; nas Constituições da Virgínia de 12 de junho de 1776, da

Pensilvânia de 11 de novembro de 1776, na Constituição Federal dos Estados

Unidos (por força das emendas posteriores a 1978) e na Constituição francesa de

1791. A Constituição Americana silenciava sobre a desapropriação; não garantia, de

maneira explícita, a propriedade. Somente em 1791, a 5ª Emenda se referiu à

propriedade e à desapropriação nos seguintes termos: “a ninguém se privará da

vida, da liberdade, ou da propriedade, sem o devido processo legal; nem se ocupará

a propriedade privada para uso público sem uma justa indenização138”.

Há a classificação dos direitos fundamentais em gerações. A primeira geração

são os direitos de defesa contra o Estado. A segunda geração seriam os direitos

econômicos, sociais e culturais que exigem a atuação estatal. A terceira geração é

formada pelos direitos coletivos, como a autodeterminação dos povos, o direito ao

desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente saudável. E, por fim, aparece a quarta

geração, o direito à democracia fundamentado nos direitos humanos139.

138

Cf. PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p. 16

139 Cf. MULLER, Friedrich. O novo paradigma do direito. São Paulo: RT, 2ª edição, 2009, p. 166

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Somente no Estado de Direito140 é que se pode cogitar da existência de

direitos fundamentais. Segundo Jorge Miranda, “Estado de Direito significa

observância de limites que transcendem o Estado: limitação do poder pelos direitos

fundamentais141”. Norberto Bobbio142 distingue o Estado de Direito fraco e o Estado

de Direito forte; aquele é aquele dirigido pela lei; este seria aquele que tem como

partes integrantes todos os mecanismos constitucionais que impedem ou

obstaculizam o exercício arbitrário e ilegítimo do poder e impedem ou desencorajam

o abuso ou exercício ilegal do poder. O Estado de Direito foi concebido para colocar

limites ao Poder Absolutista. Partiu-se da premissa de que os homens são

naturalmente livres, com direitos inerentes à condição humana. E,

consequentemente, a formação do Estado, por vontade dos homens, não implicava

na renúncia aos direitos que o homem possuía antes de se submeter ao julgo da

organização política por ele mesmo criada com a finalidade de proteger esses

direitos143.

Há quem diferencie direito fundamental e garantia fundamental144. A

propriedade seria o direito fundamental e a exigência de justa e prévia indenização

sua garantia, Entretanto, não são nítidas as diferenças entre direitos e garantias.

Não é correto afirmar que os direitos são declaratórios e as garantias assecuratórias

porque as garantias em certas medidas são declaradas e os direitos se declaram

140

“O Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito, porque é o Direito que regula o comportamento da Administração. É ele que disciplina as relações entre Administração e administrado, e só poderia mesmo existir a partir do instante em que o Estado, como qualquer, estivesse enclausurado pela ordem jurídica e restrito a mover-se dentro do âmbito desse mesmo quadro normativo estabelecido genericamente”. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de

Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 22ª edição, 2007, p. 46)

141 Apud in: DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado de Direito e Direitos Fundamentais. In: FIGUEIREDO,

Marcelo; PONTES FILHO, Valmir. Estudos de Direito Público em homenagem a Celso Antonio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 222.

142 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 6ª edição, 1998, p. 19

143 Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado de Direito e Direitos Fundamentais. In: FIGUEIREDO,

Marcelo; PONTES FILHO, Valmir. Estudos de Direito Público em homenagem a Celso Antonio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 223.

144 “No texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem

existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias: ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito”. (RUY BARBOSA. Apud in: SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo.

São Paulo: Malheiros, 19ª edição, 2001. p. 189)

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garantindo-os145. Toda declaração de direitos é inseparável da sua garantia146. Há,

inclusive, doutrinadores como Friedrich Muller que definem os direitos fundamentais

como garantias materiais147.

4.2.2. As normas de direitos fundamentais são princípios

Cabe agora definir uma posição a respeito da questão se os direitos

fundamentais seriam regras ou princípios. A escolha influenciará na resposta acerca

da possibilidade ou não de restrição aos direitos fundamentais. Se a norma de

direito fundamental for considerada uma regra, não admite afastamento, pela própria

natureza da regra, cuja aplicação se dá pelo tudo ou nada. Caso se entenda que a

norma é um princípio, ela pode ser restringida por meio da aplicação do método da

ponderação.

Entendemos que, na nossa Constituição Federal, as normas de direitos

fundamentais têm natureza de princípios.

Um princípio é um mandado de otimização. Ele determina que algo seja feito

ou uma finalidade alcançada, de acordo com as condições fáticas e jurídicas

existentes no momento de aplicação da norma. O princípio pode, em certos casos,

ser afastado para que outro valor tão ou mais importante seja preponderante no

caso concreto.

145

Ao falar da diferença entre direitos e garantias, José Afonso da Silva diz que “A Constituição se vale de verbos para declarar direitos que são mais apropriados para enunciar garantias; ela reconhece direito, garantindo-os”. (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São

Paulo: Malheiros, 19ª edição, 2001. p. 189)

146 Cf. GARCIA, Maria. Inconstitucionalidades da lei das desapropriações: a questão da revenda. Rio

de Janeiro: Forense, 2007, 2ª edição, p. 16

147 “Os direitos fundamentais não são um resíduo. Constituem a base normativa do desenvolvimento

social e político de cidadãos e homens livres em uma democracia. Os direitos fundamentais são garantias materiais, determinadas de maneira positiva mediante seu conteúdo e sua eficácia”. (MULLER, Friedrich. O novo paradigma do direito. São Paulo: RT, 2ª edição, 2009, p. 162/163)

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Os direitos fundamentais, na maioria das vezes, são antagônicos. O princípio

que garante a liberdade de expressão (art. 5º IX da CF) pode ser incompatível com o

que assegura a inviolabilidade da honra (art. 5º X). Para garantir a honra de alguém,

faz-se necessário, muitas vezes, impedir a livre expressão de outra pessoa. Se

fossem os direitos fundamentais regras, não seria válido argumentar no sentido do

afastamento de uma norma de direito fundamental. Teríamos que admitir que a

regra que garante a liberdade de expressão é inconstitucional porque pode atingir a

honra das pessoas. Não aceitamos a possibilidade de inconstitucionalidade de

normas instituídas pelo Poder Constituinte Originário. Somente considerando os

direitos fundamentais como normas-princípio podemos conservar a validade da

norma, diante da sua não aplicação aos casos concretos e da sua incompatibilidade

com outras normas de direitos fundamentais também previstas na Constituição

Federal.

Canotilho148 tem a opinião que os direitos fundamentais são princípios:

Os direitos fundamentais são sempre direitos prima facie...as normas dos direitos fundamentais são entendidas como exigências ou imperativos de optimização que devem ser realizadas, na melhor medida possível, de

acordo com o contexto jurídico e respectiva situação fática.

A grande vantagem da teoria dos princípios reside no fato de que ela pode

impedir o esvaziamento dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez

excessiva. A teoria da regra somente conhece a alternativa da validade ou

invalidade. Para uma Constituição como a brasileira, que formulou tantos princípios

sociais generosos, surge, com base nesse fundamento, uma pressão forte para,

desde logo, se dizer que as normas que não possam ser imediatamente aplicáveis

sejam declaradas como não vinculantes, isto é, como simples normas

programáticas. A teoria dos princípios pode, em contrapartida, levar a sério a

Constituição sem exigir o impossível. Ela pode declarar que normas não executáveis

148

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:

Almedina, 7ª edição, p. 1274

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são princípios que, em face de outros princípios, hão de passar por um processo de

ponderação. A teoria dos princípios apresenta não apenas uma solução para o

problema da colisão, como também para o problema da vinculação dos direitos

fundamentais149.

Assim, a norma que institui um direito fundamental é um princípio. O conceito

deste, entretanto, é controverso, razão pela qual discorreremos, brevemente, sobre

o assunto.

4.2.3 – Conceito de princípio jurídico

As normas se dividem em duas espécies: regras e princípios. Norma jurídica

é gênero; regras e princípios são espécies.

Podemos conceituar norma jurídica como um mandamento destinado a

regular determinado setor social e determinado assunto, prevendo uma hipótese à

qual se imputa uma consequência jurídica150.

Regra é uma norma jurídica que descreve um fato e uma consequência. O

fato se subsume ao previsto na norma que prevê uma consequência determinada.

O conceito de principio jurídico é uma questão tormentosa.

149

Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1. ed., 2. tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.

226, nota de rodapé n. 109.

150 “Em conclusão, podemos dizer que a dogmática jurídica analítica capta a norma jurídica como um

imperativo despsicologizado. Para evitar confusões com a ideia de comando, melhor seria falar em um diretivo vinculante, coercivo, no sentido de institucionalizado, bilateral, que institui uma hipótese normativa (facti species) à qual imputa uma consequência jurídica (que pode ser ou não uma sanção), e que funciona como um critério para a tomada de decisão (decidibilidade)”. (FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 6ª, 2008, p. 95)

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É fundamental antes de se discorrer sobre princípios, definir previamente o

seu conceito, conforme advertência feita por Celso Antonio Bandeira de Mello151:

O eminente Genaro Carrió, em seus “Princípios Jurídicos y Positivismo Jurídico”, Abeledo-Perrot, em 1970, pp. 34 a 38, arrola onze significados para tal expressão. A partir da década de 70 começou a vulgarizar-se uma acepção de princípio baseada nas formulações de Alexy e Dworkin (que de resto não são idênticas, mas têm grandes pontos de similitude). Ocorre que estes iminentes juristas não expropriaram (até mesmo por impossível) o direito ao uso de tal expressão, de molde a tornar admissível apenas a acepção que lhe emprestam. Então, é possível que algo seja qualificado como princípio, de acordo com uma dada acepção de princípio, descoincidente com a que lhe irrogam estes mencionados autores. É obvio, pois, que seria gravíssimo erro pretender avaliar o objeto dessarte identificado como princípio, para atribuir-lhe características distintas das que lhe foram irrogadas por quem dele se serviu, valendo-se de critério que estivesse assentado em outra acepção de princípio, qual a que lhe conferem Alexy e Dworkin. Isso implicaria falar de “A”, supondo-se referido a “B”. Quem cometer tal erro em obra teórica – e isto tem ocorrido ultimamente – sobre estar incurso em séria impropriedade, induzirá terceiros a incidirem no mesmo deplorável equívoco.

O conceito de princípio jurídico passou por três fases distintas: na primeira

eram os fundamentos de uma dada disciplina jurídica, seus aspectos mais

importantes; na segunda tem a significação de determinados enunciados do direito

positivo, dotados de extraordinária importância para o entendimento de todo o

sistema; na terceira, são conceituados como mandados de otimização152.

Adotamos o conceito decorrente da terceira fase acima citada. O ponto

crucial da distinção entre as regras e princípios é que estes são mandamentos de

otimização, ou seja, são satisfeitos em graus variados, dependendo das

151

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 27ª

edição, 2010, p. 53/54, nota de rodapé n. 34

152 Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Princípio da moralidade administrativa. In: ADRI, Renata Porto;

PIRES, Luiz Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício (coord.). Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 321/322

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possibilidades fáticas e jurídicas do caso. Já as regras são determinações, ou seja,

são sempre satisfeitas ou não. Nesse sentido, Alexy153:

...princípios são normas que ordenam algo que seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguintes, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente de possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes...já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau.

Os princípios são mandados de otimização que se caracterizam, não por sua

incondicionalidade, mas sim por sua particular fisionomia de dever consistente em

seguir certa conduta finalista que pode ser realizada em distinta medida154. As

regras são aplicadas ou não o são, sendo ineficazes se não o forem. Os princípios

podem não ser aplicados e mesmo assim são eficazes. Assim, a distinção entre

princípios e regras é qualitativa e não uma distinção de grau.

Os princípios existem independentemente de seu expresso reconhecimento

legal e jurisprudencial. Caso um princípio seja expressamente previsto em lei,

continua a ser um princípio, sendo, também, norma positivada. Assim, os princípios

não têm a sua vigência afetada pela derrogação de normas que os hajam

consagrado expressamente155. As regras, constitucionais ou infraconstitucionais,

153

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, tradução de

Virgílio Afonso da Silva, p. 90/91

154 Cf. PIETRO SANCHIS, Luis. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J.

Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p.

225

155 Cf. GONZÁLEZ PÉREZ, Jesús. El principio general de la buena fe en el derecho administrativo.

Madrid: Civitas, tercera edición, p. 81/82

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são normas que estabelecem o meio para atingir os fins exigidos pelos princípios.

Todas as regras concretizam princípios156.

Os critérios normalmente usados para resolver as antinomias entre regras são

bem conhecidos: o hierárquico (norma superior revoga a inferior), o cronológico

(norma posterior revoga a anterior) e o da especialidade (a lei especial revoga a

geral). Os dois primeiros critérios não são aplicáveis quando a antinomia se produz

dentro de um mesmo documento legislativo. Também, o critério de especialidade,

em certas ocasiões pode resultar insuficiente, quando não se torna possível

estabelecer um critério de especialidade entre as normas. Para interpretar os

princípios, os critérios acima são inúteis.

Existem dois tipos de antinomias: a antinomia contingente (ou em concreto)

que ocorre quando em um determinado momento, não podemos cumprir dois

comandos legais, visto que são contraditórios (em uma dada situação, duas normas

distintas impõem obrigações que se mostram impossíveis de serem

simultaneamente cumpridas, como o dever de comparecer em uma audiência no

horário e o dever de ajudar alguém em perigo que é encontrado no caminho de ida

para a audiência). Já a antinomia em abstrato ocorre quando os supostos de fato

descritos pelas normas conflitantes se superpõem conceitualmente, de tal forma

que, sempre que pretendermos aplicar uma, nascerá um conflito entre elas157. Neste

último caso, necessária se faz uma interpretação constitucional totalmente distinta

da dogmática interpretativa tradicional.

O método silogístico, dedutivo, arrimado à subsunção, cede lugar ao método

axiológico e indutivo que, com base nos princípios e nos valores, funda a jurisdição

constitucional contemporânea, volvida mais para a compreensão do que para a

razão lógica na aplicação da lei. Surge uma nova hermenêutica158. Conforme lição

156

Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Princípio da moralidade administrativa. In: ADRI, Renata Porto; PIRES, Luiz Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício (coord.). Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 311

157 Cf. PIETRO SANCHIS, Luis. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J.

Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p.

221/224

158 Cf. BONAVIDES, Paulo. Jurisdição Constitucional e Legitimidade (Algumas observações sobre o

Brasil). In: Estudos de Direito Público em homenagem a Celso Antonio Bandeira de Mello. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 544

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55

de Paulo Bonavides159, “a dogmática interpretativa tradicional, como hermenêutica

constitucional, possui pouca ou nenhuma serventia”.

Interpretar uma regra não é o mesmo que interpretar um princípio. É uma

operação mais delicada e complexa. Os princípios devem ser sopesados160 e

ponderados quando entram em conflito ante um caso concreto161. As várias

diretrizes apontadas por eles podem mostrar-se conflitantes162. E, como não há

hierarquia entre princípios, um deles, no caso concreto, deverá ceder espaço a

outro, sem que haja a declaração de invalidade do princípio preterido naquela

situação específica163.

O critério da urgência164 pode ser determinante para a escolha do princípio

que deverá prevalecer no caso concreto: em dada situação urgente se um princípio

não for o escolhido como o prevalente, o valor por ele albergado tornar-se-á

totalmente sacrificado, sem possibilidade de reparação.

Ponderar é buscar a melhor decisão quando concorrem razões conflituosas e

de mesmo valor. No caso concreto deve triunfar uma das razões em conflito, sem

que isso implique que em outro caso não deva triunfar a contrária. A ponderação é

um método para fundamentação desse enunciado de preferência referido ao caso

159

BONAVIDES, Paulo. Jurisdição Constitucional e Legitimidade (Algumas observações sobre o Brasil). In: Estudos de Direito Público em homenagem a Celso Antonio Bandeira de Mello. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 543

160 Cf. LAPORTA, Francisco J. Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios

Políticos y Constitucionales, p. 35

161 Sobre ponderação, ver artigo de nossa autoria: NAKAMURA, André Luiz dos Santos. Constituição

aberta, princípios, ponderação e limites à atuação do Judiciário. In: Revista da Procuradoria do

Estado de São Paulo nº 72, p. 13-65, jul./dez. 2010

162 Sobre o antagonismo existente entre o princípio da segurança jurídica e a princípio da justiça das

decisões judiciais, ver: ARMELIN, Donaldo. Flexibilização da Coisa Julgada. Revista da Procuradoria

Geral do Estado n. especial: 41-88, jan.dez. 2003, p. 47.

163 Sobre a ponderação ver: BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São

Paulo: Saraiva, 7ª edição, 2009, p. 353/354.

164 Sobre a urgência no como critério definidor do princípio que deve ter prevalência nos ensina

EDUARDO TALAMINI que “diante da impossibilidade de se chegar a um “denominador comum” para a conciliação de dois ou mais valores conflitantes no caso concreto, verifica-se qual deve (ou quais devem) prevalecer; quais são os mais “urgentes e fundamentais” no caso concreto. Mas o gravame ao bem jurídico que não prevalece (ou aos bens que não prevalecem) não deve ir além do que requer o fim aprovado: a consecução do bem que prevalece”. (Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: RT,

2005, p. 566)

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concreto; um auxílio para resolver conflito entre princípios do mesmo valor ou

hierarquia, cuja regra constitutiva pode formular-se assim: quando maior for o grau

de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a

importância da satisfação de outro165.

A necessidade de ponderação parte do pressuposto que não existem

hierarquias internas na Constituição, ou seja, os distintos princípios carecem de um

peso autônomo e diferenciado e somente possuem uma vocação de máxima

realização que seja compatível com a máxima realização dos demais166. Os

princípios se caracterizam porque nunca são mutuamente excludentes no plano

abstrato; suas eventuais contradições não resultam na declaração de invalidez de

um deles, nem tampouco na formulação de uma cláusula de exceção em favor de

outro, e sim no estabelecimento, caso a caso, de uma relação de preferência

condicionada, de maneira que em certas ocasiões triunfará um princípio e em outras

vezes, o seu contrário167.

O procedimento para a ponderação deve ser assim realizado: cabe ao

intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso,

identificando eventuais conflitos entre elas; após, cabe examinar os fatos, as

circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos; e,

por fim, deve decidir, analisando os diferentes grupos de normas e a repercussão

dos fatos do caso concreto, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos

aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve

preponderar no caso; também, deve decidir quão intensamente esse grupo de

normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais,

isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda

decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Todo

165

Cf. PIETRO SANCHIS, Luis. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J. Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p.

233

166 Cf. PIETRO SANCHIS, Luis. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J.

Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p.

234

167 Cf. PIETRO SANCHIS, Luis. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J.

Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p.

231

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procedimento deve ser guiado pela aplicação do postulado da proporcionalidade ou

razoabilidade168.

A ponderação é regrada por dois postulados fundamentais: o da razoabilidade

e o da justiça. Pelo primeiro, a solução deve ser compatível com a razão, com o que

a esmagadora maioria das pessoas considera aceitável, com o consenso social

vigente, e, caso este não exista, o sistema considera razoável a opinião do agente

competente; pelo segundo, a solução deve consistir na harmonização perfeita dos

valores envolvidos, deve ser justa. O segundo postulado prepondera sobre o

primeiro: o consenso social e, na falta deste, a opinião do agente competente podem

ser afastados se considerados injustos169.

Os valores que são preteridos no caso concreto, devem sê-lo na intensidade e

medida imprescindíveis à defesa do valor eleito como o prioritário170. Qualquer

afastamento de um princípio constitucional em intensidade e quantidade não

necessárias para fazer valer o princípio eleito no caso concreto como o prevalecente

será inconstitucional.

O método da ponderação é essencial na resolução da questão das restrições

aos direitos fundamentais.

168

Cf. BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 7ª edição, 2009, p. 361/362

169 Cf. MARTINS, Ricardo Marcondes. Princípio da moralidade administrativa. In: ADRI, Renata Porto;

PIRES, Luiz Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício (coord.). Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 312

170 EDUARDO TALAMINI afirma que “a ponderação propriamente dita deve ser conjugada com as

outras duas diretrizes, da adequação e da necessidade: o prejuízo do bem jurídico (que não irá prevalecer no caso concreto) não deve ir mais além do que requer o fim aprovado (a consecução do valor jurídico que irá prevalecer)”. (Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: RT, 2005, p. 605)

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4.2.4 – Restrições aos direitos fundamentais: teoria interna, teoria externa,

âmbito de proteção e núcleo essencial.

Os direitos fundamentais, apesar da sua grande importância, não são

absolutos. Um direito absoluto é uma contradição, visto que não poderia conviver

com outros direitos decorrentes do ordenamento jurídico.

Há quem entenda que os direitos fundamentais não admitem restrições.

Somente seria direito fundamental o direito absoluto. O que fosse possível restringir

não seria, na verdade, direito fundamental. É teoria interna para a qual não existem

os conceitos de direito individual e de restrição como categorias autônomas, mas

sim a ideia de direito individual171 com determinado conteúdo172. A ideia de restrição

é substituída pela de limite173.

Há, contudo, os que entendem que o direito fundamental é sempre prima

facie, podendo ser restringido no caso concreto, de acordo com outros princípios. É

a chamada teoria externa174 a qual entende que direito individual e restrições são

171

“La nozione di libertà individuale è concetto essenzialmente metagiuridico; la nozione di libertà entra invece nem campo giuridico, come diritto di libertà, sotto il profilo della tutela che l´ordinamento giuridico accorda all´individuo nello svolgimento delle predette attività, al fine di garantirlo da attentati da parte di ogni altro soggetto...”. (ALESSI, Renato. Principi di Diritto Amministrativo, v. II. Milão,

1.978, Giuffrè Editore, p. 587)

172 Segundo Alexy, trata-se da teoria interna: não há duas coisas – o direito e sua restrição -, mas

apenas uma: o direito com um determinado conteúdo. O conceito de restrição é substituído pelo conceito de limite. (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, tradução de Virgílio Afonso da Silva, p. 277)

173 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1. ed., 2. tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.

224

174 Alexy nos informa sobre a teoria externa: há uma relação de restrição. Há, em primeiro lugar, o

direito em si, não restringido e, em segundo lugar, aquilo que resta do direito após a ocorrência de uma restrição, o direito restringido. (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo:

Malheiros, 2008, tradução de Virgílio Afonso da Silva, p. 277)

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duas categorias distintas. Existe o direito propriamente dito, ilimitado e, com a

imposição de restrições, surge outro direito, agora limitado175.

Assim, segundo a teoria externa, há, em primeiro lugar, o direito em si, não

restringido e, em segundo lugar, aquilo que resta do direito após a ocorrência de

uma restrição, o direito restringido176. Já pela teoria interna, não existe direito e

restrição; existe apenas o direito com um determinado conteúdo: o conceito de

restrição é substituído pelo conceito de limite177.

Quando se parte de uma teoria interna, que é aquela que sustenta que o

direito fundamental e seus limites são algo uno – ou seja, que os limites são

imanentes ao próprio direito fundamental -, isso exclui que outros fatores externos,

baseados, por exemplo, na ideia de sopesamento entre princípios, imponham

qualquer restrição extra. Segundo a teoria interna, existe apenas um objeto, o direito

fundamental com seus limites imanentes. Os direitos fundamentais definitivos, a

partir do enfoque da teoria interna, têm sempre a estrutura de regras178. A ideia de

limites imanentes pressupõe que os direitos não são absolutos, pois têm seus limites

definidos, implícita ou explicitamente, pela própria Constituição e pelas leis

compatíveis com esta. Nesses casos, não se deve falar em restrições aos direitos ou

de colisões entre eles, mas de meros limites que decorrem da própria Constituição.

Tais limites fazem parte da própria essência dos direitos, já que não se pode falar

em liberdades ou em direitos ilimitados e que é tarefa por excelência da

interpretação constitucional tornar seus contornos os mais claros possíveis179.

Ambas as teorias, a interna, como a externa, admitem a restrição ao direito. A

diferença é que a teoria interna somente considera fundamental o direito já

175

Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1. ed., 2. tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.

224

176 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, tradução de

Virgílio Afonso da Silva, p. 277

177 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, tradução de

Virgílio Afonso da Silva, p. 277

178 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2 edição,

2010, p.128/130

179 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p 130/133

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restringido; antes da restrição existe o direito; após, o direito fundamental que,

segundo tal teoria, é absoluto. Pela teoria externa, o direito, mesmo antes da

restrição, já é fundamental e que, por ser relativo, ainda admite restrições

posteriores.

Restrições a direitos fundamentais são normas de hierarquia constitucional ou

normas infraconstitucionais, cuja criação é autorizada por normas constitucionais. As

restrições de hierarquia constitucional são restrições diretamente constitucionais, e

as restrições infraconstitucionais são restrições indiretamente constitucionais180. A

ideia de restrição leva à identificação de duas situações distintas: o direito e sua

restrição181. Para tanto, faz-se necessário apurar o âmbito de proteção de um direito,

o que se faz pela analise de seu suporte fático. Suporte fático abstrato são os fatos

descritos na norma que, acontecidos, dão ensejo a determinada consequência

jurídica. Preenchido o suporte fático, ativa-se a consequência jurídica. Suporte fático

concreto é o fato ocorrido que a norma transforma em fato jurídico182.

Os direitos fundamentais têm como função proteger o indivíduo contra

intervenções indevidas do Estado183. Para a definição do suporte fático são

necessárias quatro perguntas: 1) o que é protegido? 2) contra o quê? 3) qual é a

consequência jurídica que poderá ocorrer? 4) o que é necessário ocorrer para que a

consequência possa também ocorrer?184. Aquilo que é protegido é o âmbito de

proteção do direito fundamental. Tanto aquilo que é protegido (âmbito de proteção)

180

Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, tradução de

Virgílio Afonso da Silva, p. 286

181 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1. ed., 2. tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.

218/219.

182 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 67/68

183 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 70

184 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 71

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como aquilo contra o qual é protegido (intervenção, em geral estatal) faz parte do

suporte fático dos direitos fundamentais185.

Âmbito de proteção é conjunto de bens protegidos por um direito

fundamental. Bens protegidos são ações, estados ou posições jurídicas nos

respectivos âmbitos temáticos de um direito de defesa186. A definição do âmbito de

proteção exige a analise da norma constitucional garantidora de direitos, tendo em

vista a identificação dos bens protegidos, a amplitude dessa proteção, verificação

das possíveis restrições contempladas expressamente na Constituição e

identificação das reservas legais de índole restritiva187.

O problema central dos direitos fundamentais está em definir, em concreto,

quais são, de fato, os bens protegidos e quais não são. Há duas vertentes que

buscam solucionar este problema: a primeira inclui no âmbito toda ação, fato, estado

ou posição jurídica que tenham quaisquer características que, isoladamente

considerada, faça parte do “âmbito da vida” de um determinado direito fundamental

(teoria do suporte fático amplo). Há outra vertente que defende uma prévia exclusão

de algumas condutas que, certamente, não são albergadas pelos direitos

fundamentais (teoria do suporta fático restrito) 188.

A característica principal das teorias que pressupõem um suporte fático

restrito para as normas de direito fundamental é a não garantia a algumas ações,

estados ou posições jurídicas que poderiam ser, em abstrato, subsumidas no âmbito

de proteção dessas normas189. Em todas as formas de argumentação que

pressuponham um suporte fático restrito – não há que se falar em restrição a direitos

185

Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 71

186 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 72 e ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008,

tradução de Virgílio Afonso da Silva, p. 306.

187 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1. ed., 2. tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.

212/213

188 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 72/73

189 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 79/80

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fundamentais e, sobretudo, não há espaço para se falar em sopesamento entre

princípios190.

Toda teoria que se baseie em suporte fático restrito para os direitos

fundamentais tem como principal tarefa fundamentar o que se inclui e o que não

dever ser incluído no âmbito de proteção desses direitos, bem como definir qual é a

extensão do conceito de intervenção estatal nesse âmbito.

Um modelo baseado em um suporte fático amplo não se preocupa em definir

o que se inclui e o que deve ser excluído do âmbito de proteção do direito

fundamental. O decisivo não é o trabalho com o âmbito de proteção ou com o

conceito de intervenção estatal, mas com a argumentação possível no âmbito da

fundamentação constitucional das intervenções. Ocorre um deslocamento do foco

da argumentação: ao invés de um foco no momento da definição daquilo que é

protegido e daquilo que caracteriza uma intervenção estatal, há uma concentração

da argumentação no momento da intervenção191.

A teoria do suporta fático é importante para distinguir o que é uma restrição

constitucional, permitida pelo ordenamento, das restrições inconstitucionais, que

violam um direito fundamental. Devemos partir de uma afirmação básica: da mera

verificação de uma restrição a um direito fundamental – mesmo que ela inviabilize

seu exercício por completo, em alguns casos concretos – não decorre sua

inconstitucionalidade192.

Deve-se ressaltar que os direitos individuais enquanto direitos de hierarquia

constitucional somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional

190

Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 80/81

191 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 94

192 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 104

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(restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento na

própria Constituição (restrição mediata) 193.

Não é a intensidade ou quantidade de restrição a um direito fundamental que

determina se a restrição é constitucional ou inconstitucional. Há restrições menores,

consideradas, talvez, como meras regulamentações, que podem ser

inconstitucionais, enquanto é possível que restrições mais intensas possam ser

consideradas constitucionais194. A inconstitucionalidade de uma medida não

depende apenas da decisão sobre seu caráter restritivo e sobre sua intensidade: há

restrições intensas constitucionais e há restrições leves inconstitucionais. Em todos

os casos – regulamentações, restrições ou qualquer seja a caracterização da

intervenção – sempre será necessário um sopesamento. Há restrições

constitucionais e regulamentações inconstitucionais195.

A definição do âmbito de proteção é apenas a definição daquilo que é

protegido prima facie, ou seja, de algo que poderá sofrer restrições posteriores196.

Canotilho197 diferencia o âmbito de proteção e o conteúdo juridicamente protegido:

A diferenciação entre “momento descritivo” e “momento normativo” do âmbito de protecção aponta já para a necessidade de uma distinção clara entre âmbito de protecção e conteúdo juridicamente garantido. O conteúdo juridicamente protegido não pode fixar-se para cada direito de forma geral e abstracta. Pelo contrário: para cada direito impõe-se um específico trabalho de mediação jurídica. O facto de determinado comportamento, situação ou coisa serem descritos como fazendo parte de um direito fundamental aponta, numa primeira aproximação das coisas (prima facie) para a sua

193

Cf. Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1. ed., 2. tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.

227

194 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 106

195 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 108

196 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 109/110 e ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008,

tradução de Virgílio Afonso da Silva, p. 322/323

197 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:

Almedina, 7ª edição, p. 449

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“integração” no âmbito de protecção. Daí não se segue necessariamente que esse “comportamento”, “situação” ou “coisa” sejam recortados, em termos jurídico-constitucionais, como um conteúdo de um direito juridicamente garantido.

A proteção definitiva de um direito fundamental depende da classificação de

uma intervenção em seu âmbito ou como restrição constitucionalmente aceita ou

como violação inconstitucional198. O que define se uma restrição é constitucional ou

não é o atendimento das máximas da proporcionalidade e razoabilidade.

Contudo, ainda fica a questão de saber se, mesmo passando pelas máximas

da proporcionalidade e razoabilidade, ainda assim haveria um limite imanente às

restrições. Para explicar isso, existem duas teorias199: 1- teoria absoluta: entende o

núcleo essencial dos direitos fundamentais como unidade substancial autônoma

que, independentemente de qualquer situação concreta, estaria a salvo de eventual

restrição; 2- teoria relativa: o núcleo essencial há de ser definido para casa caso;

seria aferido mediante a utilização de um processo de ponderação entre os meios e

fins, com base no princípio da proporcionalidade; o núcleo essencial seria aquele

mínimo insuscetível de restrição ou redução com base nesse processo de

ponderação200.

Na verdade, as duas teorias apresentam fragilidades.

A teoria absoluta, ao acolher uma noção de núcleo essencial inalterável, pode

converter-se numa fórmula vazia em razão da dificuldade, no caso concreto, de

caracterizar o conteúdo deste mínimo. Por outro lado, a teoria relativa confere uma

198

Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição,

2010, p. 111

199 “Segundo a teoria relativa, o conteúdo essencial é aquilo que resta após o sopesamento.

Restrições que respeitem a máxima da proporcionalidade não violam a garantia do conteúdo essencial nem mesmo se, no caso concreto, nada restar do direito fundamental. A garantia do conteúdo essencial é reduzida à máxima da proporcionalidade. Já segundo a teoria absoluta, cada direito fundamental tem um núcleo, no qual não é possível intervir em hipótese alguma”. (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, tradução de Virgílio Afonso

da Silva, p. 296/298)

200 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1. ed., 2. tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.

244

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65

flexibilidade exagerada aos direitos fundamentais, podendo ocasionar a sua total

eliminação com base em argumentos de proporcionalidade e razoabilidade.

A solução deve ser a aceitação de um núcleo variável, mas também não se

pode aceitar que a essência de um direito fundamental seja totalmente restringida

com base na proporcionalidade201.

Vamos agora discorrer sobre a proporcionalidade e razoabilidade.

4.2.2 – A proporcionalidade e a razoabilidade

4.2.2.1 – A razoabilidade

Segundo Gordillo202, “la razonabilidad es asi el punto de partida del orden

jurídico”. Continua o autor dizendo que “este principio es de validez universal; resulta

aplicable tanto ao legislador como al administrador y al juez, e incluso a

particulares203”.

201

“Também aqui não há alternativas radicais porque, em toda a sua radicalidade, as teorias relativas acabariam por reconduzir o núcleo essencial ao princípio da proporcionalidade, proibindo designadamente o legislador de, na solução de conflitos, limitar direitos, liberdades e garantias para além do justo e do necessário. Tudo o que fosse desproporcional ou excessivo violaria o núcleo essencial. Por seu turno, as teorias absolutas esquecem que a determinação do âmbito de proteção de um direito pressupõe necessariamente a equação com outros bens, havendo possibilidade de o núcleo de certos direitos, liberdades e garantias poder vir a ser relativizado em face da necessidade de defesa destes outros bens”. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 7ª edição, p. 460)

202 GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo, tomo 1. Belo Horizonte: Del Rey e

Fundación de Derecho Administrativo, 7ª edição, 2003, p. VI-29

203 GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo, tomo 1. Belo Horizonte: Del Rey e

Fundación de Derecho Administrativo, 7ª edição, 2003, p. VI-28.

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A razoabilidade não se confunde com a proporcionalidade. Esta se diferencia

daquela não só pela sua origem, mas também pela sua estrutura. Para ser

desproporcional, não é necessário que um ato seja extremamente irrazoável ou

absurdo204.

Segundo Ricardo Marcondes Martins205:

Razoável é aquilo que não atenta contra a razão ou, se se preferir, contra o bom senso. Necessário dar o segundo passo, e estabelecer como definir o que se entende por “atentatório ao bom senso”. Propõe-se, então, o seguinte critério: razoável é aquilo que a esmagadora maioria das pessoas

considera conforme a razão, decorrente de um consenso social.

Se existe uma solução mais razoável, cabe ao agente estatal adotá-la. Se não

o fizer, pode o administrado exigir judicialmente a escolha da melhor opção. Não se

pode permitir ao agente que tem a função de buscar o interesse publico que tenha

atitudes irrazoáveis206.

O conceito de razoabilidade corresponde apenas à primeira das três sub-

regras da proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação. O postulado

da proporcionalidade é mais amplo que o da razoabilidade207.

204

Cf. SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT 798, 23-50, p. 28/31

205 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros,

2008, p. 172

206“Si existe alguna solución más razonable para un problema que aquella que ha escogido la

administración, con o sin sustento legal o reglamentario, esa solución más razonable es la que debe buscarse que impere judicialmente, por aplicación directa de la garantia constitucional del debido proceso em sentido sustantivo y adjetivo, por un principio de justicia natural o como derivación razonada de todos los principios generales del derecho; o por aplicación del Tratado Interamericano de Derechos Humanos em cuanto recoge la misma garantia del debido proceso legal”. (GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo, tomo 1. Belo Horizonte: Del Rey e Fundación de Derecho

Administrativo, 7ª edição, 2003, p. VI- 38)

207 Cf. SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT 798, 23-50, p. 31/33. Há,

entretanto, entendimento contrário, qual seja, de que a proporcionalidade é que estaria contida na razoabilidade: “embora a Lei n. 9.784/99 faça referência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, separadamente, na realidade, o segundo constitui um dos aspectos contidos no primeiro. Isto porque o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar. E essa

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Ambos os postulados (razoabilidade e proporcionalidade) constituem

instrumentos de controle dos atos estatais abusivos, seja qual for a sua natureza. No

processo histórico de formação desses postulados, o da razoabilidade nasceu com

perfil hermenêutico, voltado primeiramente para a lógica e a interpretação jurídica e

só agora adotado para a ponderação de outros princípios, ao passo que o postulado

da proporcionalidade já veio a lume com direcionamento objetivo, material, visando

desde logo ao balanceamento de valores208.

Assim, vamos analisar o conceito de proporcionalidade que abrange a

razoabilidade.

4.2.2.2 – A proporcionalidade

Proporcionalidade (Verhältnismäßigkeit) é uma técnica de limitação do poder

estatal em benefício da garantia de integridade física e moral dos que lhe estão sub-

rogados209.

Em 1791, Svarez, em conferência proferida diante do rei da Prússia,

Friederich Wilhem, propõe como postulado fundamental do direito público que o

Estado só esteja autorizado a limitar a liberdade dos indivíduos na medida em que

for necessário, para que se mantenha a liberdade e segurança de todos e daí

deduzia o princípio fundamental do “direito de polícia” (PolizeiRecht), ou, como hoje

se diria, “direito administrativo” 210. Von Berg, em 1802, emprega o termo

proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo:

Atlas, 22ª edição, 2009, p. 79).

208 Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 22ª edição, 2009, p. 39

209 Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido processo legal. In:

Silva, Virgílio Afonso (org.) Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 255.

210 Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido processo legal. In:

Silva, Virgílio Afonso (org.) Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 256/260

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Verhältnismäßigkeit, proporcional, ao tratar da possibilidade de limitação da

liberdade do individuo em virtude da atividade policial, referindo-se à indenização da

vítima pelo prejuízo sofrido211. Tal postulado, que se limitava ao chamado poder de

policia, passou a ser aplicado a todo o direito administrativo. Após, houve a

transposição de tal principio a todo o direito publico, partindo-se da premissa de que

também o legislador estaria obrigado a observar a proporcionalidade na sua

atividade de produção legislativa212.

A lei outorga competências visando um determinado fim, toda demasia, todo

excesso desnecessário ao atendimento deste fim é uma violação da finalidade legal.

A providência mais extensa ou mais intensa do que o requerido para atender ao

interesse publico é invalida, por transbordar a finalidade legal da norma213.

O postulado da proporcionalidade é uma ferramenta de interpretação e

aplicação do direito que deve ser empregada nos casos em que um ato estatal

destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um interesse

coletivo implica a restrição de outro direito fundamental214. A proporcionalidade é

essencial na resolução do problema do relacionamento entre o Estado, a

comunidade a ele submetida e os indivíduos que a compõem, a ser regulado de

forma equitativamente vantajosa para todas as partes. Para que o Estado, em sua

atividade, atenda aos interesses da maioria, respeitando os direitos individuais

fundamentais, se faz necessária não só a existência de normas para pautar essa

atividade – e que, em certos casos, nem mesmo a vontade de uma maioria pode

derrogar (Estado de Direito) -, como, também há de se reconhecer e lançar mão de

uma ferramenta reguladora para se ponderar até que ponto se vai dar preferência ao

211

Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido processo legal. In: Silva, Virgílio Afonso (org.) Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 256/260

212 Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido processo legal. In:

Silva, Virgílio Afonso (org.) Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 256/260

213 Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 22ª

edição, 2007, p.76

214 Cf. SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT 798, 23-50, p. 24

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todo ou às partes, o que também não pode ir além de certo limite, para não retirar o

mínimo necessário a uma existência humana digna215.

Segundo Virgílio Afonso da Silva216, o chamado “princípio” da

proporcionalidade não pode ser considerado um princípio porque não tem como

produzir efeitos em variadas medidas, já que é aplicado de forma constante, sem

variações, não podendo ser objeto de ponderação, sendo a ferramenta usada para a

aplicação dos princípios. Seria uma regra e o termo mais adequado seria postulado

da proporcionalidade.

Guerra Filho217, entretanto, tem o entendimento de que se trata de um

princípio218, visto que não poderia ser uma regra, porque não há previsão da

proporcionalidade em nossa Constituição e não se pode admitir uma regra implícita:

As diversas manifestações do principio da proporcionalidade (em sentido amplo) apresentam um grau bem maior de concreção, especialmente aquela referente à “adequação” (Geeignetheit), sendo isso o que leva a que se possa subsumir a elas fatos, diretamente, como não ocorre com qualquer princípio – pense-se, por exemplo, em um caso de abuso de poder. Dessa circunstancia, de ter seu conteúdo formado por subprincipios, com a estrutura lógico-deôntica de normas que são regras, por passíveis de neles se subsumirem fatos e questões jurídicas, não se pode, contudo, vir a considerar o princípio da proporcionalidade mera regra, ao invés de verdadeiro, como recentemente se afirmou entre nós, supostamente com apoio em Alexy. Isso porque não poderia ser uma regra o princípio que é a própria expressão da peculiaridade maior deste último tipo de norma em relação à primeira, o tipo mais comum de normas jurídicas, as regras, peculiaridade, esta, que Ronald Dworkin refere como a “dimensão de peso” (dimension of weight) dos princípios, e Alexy como a ponderação (Abwagung) – justamente o que se contrapõe à subsunção nas regras. E, também, caso a norma que consagra o princípio da proporcionalidade não fosse verdadeiramente um princípio, mas sim uma regra, não poderíamos considerá-la inerente à cláusula do devido processo legal, deduzindo-a do sistema constitucional por nós – e várias outras nações – adotado, em

215

Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido processo legal. In: Silva, Virgílio Afonso (org.) Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 261/263

216 SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT 798, 23-50, p. 26

217 Nesse sentido, ver: GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido

processo legal. In: Silva, Virgílio Afonso (org.) Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros,

2010, p. 268/269

218 Também defende a natureza principiológica da proporcionalidade e razoabilidade José Roberto

Pimenta Oliveira, em sua obra específica sobre o tema: “os princípios da razoabilidade e proporcionalidade no Direito Administrativo brasileiro”, páginas 27-37.

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sintonia com a ideia de Estado Democrático de Direito, posto que não há regra jurídica que seja implícita, mas tão somente podem sê-los os direitos (e garantias) fundamentais, consagrados em princípios igualmente fundamentais – ou, mesmo, “fundantes” -, a exemplo deste princípio de proporcionalidade, objeto da presente exposição. A circunstância de ao princípio da proporcionalidade, por seu conteúdo, se poder, indiretamente, subsumir fatos com relevância jurídica confere a este princípio constitucional, a possibilidade de ele vir a ser verdadeira norma fundamental, de kelseniana memória, justamente em virtude dessa sua peculiaridade de subsumir fatos jurídicos, e fatos da relevância daqueles envolvidos em colisões de princípios e direitos fundamentais, que lhe confere a vantagem de poder dar fundamentação concreta e, com isso, validade, no mais amplo sentido – ou seja, não apenas formal -, a disposições de uma ordem jurídica comprometida com os valores democráticos, com contexto de processos de aplicação do direito, judiciais ou não.

Outro entendimento aventado pela doutrina é que a proporcionalidade e a

razoabilidade são postulados normativos. Postulado normativo é uma condição de

possibilidade de conhecimento do fenômeno jurídico, que, embora não ofereça

substrato material para fundamentar uma decisão, explica como (sob que condições)

pode-se conhecer o direito219. Segundo lição de Ricardo Marcondes Martins220:

Esses institutos, comumente chamados de princípios, são postulados normativos: se fossem considerados normas jurídicas, necessitariam de positivação e poderiam ser revogados. Trata-se, todavia, de pressupostos epistemológicos do sistema jurídico que independem de positivação e não podem ser desconsiderados pelo jurista. Ambos, tanto a proporcionalidade como a razoabilidade, decorrem da própria existência no sistema de princípios jurídicos, e juntos constituem um interessante procedimento de

análise ou, mais propriamente, de apuração.

De fato, a proporcionalidade não está prevista expressamente na Constituição

Federal, razão pela qual não pode ser uma regra. Não é a proporcionalidade um

princípio; ela é a ferramenta usada na ponderação de princípios; ela não pode ser

219

Sobre o conceito de postulado normativo, ver: ÁVILA, Ana Paula Oliveira. O princípio da impessoalidade da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 58/62.

220 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros,

2008, p. 166/167

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objeto de ponderação, visto que ela é a ferramenta da ponderação. Não é regra,

porque não se dirige a uma dada situação específica, sendo um modelo de

procedimento na aplicação de quaisquer normas que impliquem na restrição de

qualquer direito fundamental. Assim, chegamos à conclusão de que a

proporcionalidade é um postulado normativo que decorre da existência de princípios

jurídicos.

Proporcionalidade não se limita a proibição de excesso. É um instrumento de

controle contra o excesso dos poderes estatais, mas também vem se firmando como

instrumento contra a omissão ou contra a ação insuficiente destes poderes221. A

proporcionalidade somente é aplicada quando não existirem dúvidas sobre a

legalidade dos fins e dos meios do ato. Somente quando os demais instrumentos do

ordenamento jurídico não tiverem resultado negativos para o ato é que se deve

utilizar a proporcionalidade; também, usa-se a proporcionalidade nos casos em que

se faz necessário avaliar uma conduta que não tem disciplina legal minuciosa, como

na discricionariedade222. Trata-se de um importante instrumento destinado a

controlar o exercício da função discricionária pela Administração Pública, bem como

para guiar a ponderação de princípios. Porém, não se exclui a possibilidade do uso

da proporcionalidade em atos regrados, quando estes tenham resultados tão

arbitrários que não sejam capazes de passar no teste de adequação, por não haver

coerência entre os fins e os meios. Nesse caso, porém, não é o ato que será objeto

de controle e sim a norma que estabeleceu a competência vinculada223.

O juízo de proporcionalidade é relativo. Não gera normas jurídicas e sim

regras de prevalência condicionada aplicáveis no caso concreto224.

221

Cf. SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT 798, 23-50, p. 27

222 Cf. SARMIENTO RAMIREZ-ESCUDERO, Daniel. El Control de Proporcionalidade de la Actividad

Administrativa. Valencia, 2004, tyrant lo blanch, p. 310

223 Cf. SARMIENTO RAMIREZ-ESCUDERO, Daniel. El Control de Proporcionalidade de la Actividad

Administrativa. Valencia, 2004, tyrant lo blanch, p. 310/311

224 Cf. SARMIENTO RAMIREZ-ESCUDERO, Daniel. El Control de Proporcionalidade de la Actividad

Administrativa. Valencia, 2004, tyrant lo blanch, p. 314

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4.2.2.2.1– Os três testes de proporcionalidade

Para fazer-se o juízo da proporcionalidade, faz-se necessário realizar três

testes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez,

precede a da proporcionalidade em sentido estrito. Se houver a reprovação no

primeiro dos três testes, não se vai ao teste seguinte. Se o ato for inadequado, não

se analisa a necessidade. Somente se o ato for adequado e necessário parte-se

para a análise da proporcionalidade em sentido estrito225.

Segundo Guerra Filho226, “pode-se dizer que uma medida é adequada, se

atinge o fim almejado; exigível, por causar o menor prejuízo possível; e, finalmente,

proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as

desvantagens".

Entretanto, conforme lição de Ricardo Marcondes Martins227, antes de se

verificar a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, será

necessário verificar a constitucionalidade do fim considerado pelo agente.

Vamos ver, separadamente, cada um dos três testes de proporcionalidade.

4.2.2.2.1.1 – A adequação

225

Cf. SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT 798, 23-50, p. 33/34

226 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido processo legal. In: Silva,

Virgílio Afonso (org.) Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 262

227 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros,

2008, p.168

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A proporcionalidade é uma adequação entre meios e fins. Deva a

Administração eleger os meios aptos ao fim colimado e menos restritivos à

liberdade. Uma conduta desproporcional é, inclusive, contrária à boa-fé228.

Adequado não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é alcançado,

mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada,

promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado. Assim, uma

medida estatal é adequada quando o seu emprego faz com que o objetivo legítimo

pretendido seja alcançado ou pelo menos fomentado. Uma medida somente pode

ser considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar

a realização do objetivo pretendido229.

O ato deve ser um meio coerente com o fim perseguido. A adequação apenas

averigua a idoneidade do meio, não entrando no fato de ser mais ou menos idôneo.

Trata-se de uma analise de manifesta inadequação; caso contrário, abrir-se-ia uma

discricionariedade muito grande ao Judiciário, pois todas as medidas administrativas

são passiveis de serem contestadas, sob o argumento de que haveria outro meio

mais idôneo que o escolhido para alcançar o interesse coletivo230.

4.2.2.2.1.2 – A necessidade

Somente é necessário um ato estatal que limita um direito fundamental caso a

realização do objetivo perseguido não possa ser promovida por meio de outro ato

que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido. O exame da

228

Cf. GONZÁLEZ PÉREZ, Jesús. El principio general de la buena fe en el derecho administrativo.

Madrid: Civitas, tercera edición, p. 70/71

229 Cf. SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT 798, 23-50, p. 34/37

230 Cf. SARMIENTO RAMIREZ-ESCUDERO, Daniel. El Control de Proporcionalidade de la Actividad

Administrativa. Valencia, 2004, tyrant lo blanch, p.317/320

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necessidade é um exame comparativo, enquanto o da adequação é um exame

absoluto231.

A medida administrativa deve ser a menos lesiva para os interesses

particulares dentre as possíveis de serem eleitas pelo Estado. Deve o particular

provar a existência de outra solução menos gravosa e igualmente eficiente para

conseguir o fim administrativo para anular a escolha do agente estatal. Não poderá o

juiz substituir o agente do executivo ou do legislativo e escolher outra das

possibilidades existentes que seriam igualmente gravosas.

Faz-se uma analise dos meios para saber se o escolhido é o menos gravoso.

Entretanto, não se pode chegar à conclusão que o meio menos gravoso para o

particular seria a não atuação do Estado, sob pena de paralisação da atividade

deste.

Para afirmarmos que a outra medida menos lesiva poderia ter sido a eleita,

ela deve ser apta a proporcionar os mesmos resultados que a medida anteriormente

escolhida. Também, não pode provocar a imposição de encargos e obrigações a

outros cidadãos, visto que estes poderiam também impugnar a medida. Por fim, a

medida alternativa deve estar revestida de legalidade, dentro da competência do

ente administrativo e deve ser suscetível de ser aplicada.

Para a aplicação do juízo de necessidade, deve-se provar o dano ao

particular e as alternativas menos danosas à disposição da Administração. Não é

necessária uma prova absoluta que o termo comparativo alcançaria os mesmos

resultados, mas sim uma prova real de que a afirmação é factível232.

231

Cf. SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT 798, 23-50, p. 38

232 Cf. SARMIENTO RAMIREZ-ESCUDERO, Daniel. El Control de Proporcionalidade de la Actividad

Administrativa. Valencia, 2004, tyrant lo blanch, p.334/342

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4.2.2.2.1.3 – A proporcionalidade em sentido estrito

Consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito

fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com

ele colide. Para que uma medida seja reprovada no teste da proporcionalidade em

sentido estrito, não é necessário que atinja o chamado núcleo essencial de algum

direito fundamental. Para que ela seja considerada desproporcional em sentido

estrito, basta que os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham

peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido. Só há que

se falar em exame da proporcionalidade em sentido estrito caso a medida estatal

tiver sido considerada adequada e necessária233.

Analisa-se se o interesse público realizado pelo ato é de relevância bastante

que justifique o sacrifício do interesse individual atingido pelo ato. Para tanto, deve-

se ponderar os princípios colidentes. O primeiro passo da ponderação consiste em

identificar os valores em conflito; o segundo consiste numa atribuição de peso ou

importância a cada um destes valores; quando existir um plus de proteção por parte

da Constituição em favor de algum valor, não se deve socorrer à ponderação.

Deve-se também observar a lei da ponderação: quanto maior for o grau de

prejuízo a um dos princípios, maior há de ser a importância de cumprimento do seu

contrário. Se um princípio lesionado não se vê contrabalanceado pelo beneficio do

cumprimento de outro, não existirá o equilíbrio e estaremos diante de um sacrifício

ilícito234.

O postulado da proporcionalidade em sentido estrito é iniciado identificando-

se os valores em conflito; após, deverá o aplicador da lei/intérprete, atribuir a

respectiva medida a cada valor identificado; por fim, quando maior for o grau de

prejuízo ao cidadão, maior há de ser a importância do fim público buscado, ou seja,

233

Cf. SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT 798, 23-50, p. 40/41

234 Cf. SARMIENTO RAMIREZ-ESCUDERO, Daniel. El Control de Proporcionalidade de la Actividad

Administrativa. Valencia, 2004, tyrant lo blanch, p. 342/352

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um prejuízo deve estar justificado por um objetivo mais importante235. Deverá o juiz

analisar o prejuízo fático que a aplicação de cada princípio pode proporcionar para,

então, fazer a escolha de qual será o prevalente236.

Constitui o postulado da proporcionalidade uma norma jurídica suscetível de

ser alegada em juízo, sendo vinculante para os particulares e para o Poder Público.

Pelo uso da proporcionalidade devem-se examinar os princípios incidentes, apurar o

peso de cada princípio e o respectivo meio de concretização. Deve-se, assim,

efetuar a ponderação. Por meio da ponderação, busca-se a justiça da decisão. Não

basta que seja razoável e proporcional a decisão, ela deve ser, também, justa.

Segundo Ricardo Marcondes Martins237:

Além de obedecer ao postulado da razoabilidade, a ponderação deve obedecer ao postulado da justiça... A razoabilidade gera uma forte razão em favor do consenso social ou, na falta deste, da opinião do agente competente; essa razão não é absoluta; deve ser afastada se considerada injusta.

235

Cf. SARMIENTO RAMIREZ-ESCUDERO, Daniel. El Control de Proporcionalidade de la Actividad Administrativa. Valencia, 2004, tyrant lo blanch, p. 345

236 SARMIENTO RAMIREZ-ESCUDERO, Daniel. El Control de Proporcionalidade de la Actividad

Administrativa. Valencia, 2004, tyrant lo blanch, p. 355

237 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros,

2008, p. 173/174

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CAPÍTULO II- CONCEITO DE DESAPROPRIAÇÃO

1- Conceito de desapropriação

A desapropriação é o procedimento pelo qual o Poder Público ou o legitimado

pela lei retira um bem da propriedade de alguém mediante o pagamento de justa e

prévia indenização, desde que presentes a necessidade pública, utilidade pública ou

interesse social238.

O termo “desapropriação” envolve o sentido inverso de “apropriação”, termo

este que encerra a ideia fundamental de “tornar próprio”, ou incorporar, agregar,

adquirir. “Desapropriação” é antônimo daquele, e, pois, contém a ideia oposta no

significado de perda, desincorporação, desagregação, afastamento, privação do que

é próprio. É o significado imposto pelo prefixo “des”, de origem latina, à palavra

“apropriação”, o que também ocorre com o prefixo “ex”, quando forma a palavra

“expropriação”, preferida no direito francês (expropriation), no direito espanhol

(expropiación) e no direito italiano (espropriazione) 239.

“A desapropriação não é modo de adquirir, é modo de perder a

propriedade240”, conforme Pontes de Miranda241:

238

Segundo a doutrina, a desapropriação é o “procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em interesse público”. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 22ª edição, 2007, p. 831). KIYOSHI HARADA conceitua a desapropriação como “um instituto de direito público consistente na retirada da propriedade privada pelo Poder Público ou seu delegado, por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, mediante o pagamento prévio da justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV, da CF). (KIYOSHI HARADA. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 7ª edição, 2007, p. 16)

239 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 5º edição, 2011, p. 394

240 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a

emenda n. 1 de 1969. São Paulo: RT, 2ª edição, 1971, p. 419.

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A desapropriação, ainda quando se dê a composição amigável segundo acordo entre desapropriante e titular de direito, não é negócio jurídico. Trata-se de ato de direito público com que se exerce o direito formativo extintivo. Ato jurídico strictu sensu. A questão de ser transferência ou extinção da propriedade, com a possível constituição de outra nova, elimina-se, se se assenta, de inicio, que a desapropriação é causa de perda, e não causa de aquisição: o que adquire a propriedade não sucede àquele a

quem foi desapropriada.

É um modo originário de aquisição de propriedade. Não há sucessão de

proprietários; não ocorre a transferência da propriedade do expropriado para o

expropriante. Por ser causa originaria de aquisição, não se filia à legitimidade dos

títulos anteriores. Nesse sentido, Pontes de Miranda242:

A perda da propriedade acontece ainda que tenha corrido o pleito contra quem não era o dono: a desapropriação apanha o bem; e desliga-o de qualquer apropriação desde esse momento, o que põe em evidência o caráter absoluto da eficácia desapropriativa. A aquisição posterior é originária; nada tem com o proprietário anterior, que perde a propriedade. A aquisição é erga omnes, incólume a qualquer pretensão do que teria sido injustamente demandado. A citação faz-se na pessoa do proprietário, no sentido mais largo, não porque se trate de pessoa de que se vai haver o bem, e sim porque é a pessoa que consta ser dono do bem...se há aquisição da propriedade, após o acordo, ou após a sentença, tal aquisição é originária, desde a transcrição, se se trata de bem imóvel...a expropriação cria domínio público. Nem sempre esse domínio sucede a ela, nem a titularidade do direito, a respeito do bem, posterior à perda da propriedade pelo desapropriando, tem qualquer ligação de efeito a causa com a desapropriação.

Por ser modo de aquisição originária, não guarda qualquer vinculo com o titulo

anterior. Se o expropriado não for o proprietário do imóvel, não há nulidade do título

do expropriante; caberá ao verdadeiro proprietário ação de desapropriação indireta

241

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda n. 1 de 1969. São Paulo: RT, 2ª edição, 1971, p. 423

242 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a

emenda n. 1 de 1969. São Paulo: RT, 2ª edição, 1971, p. 435/436

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contra o expropriante ou contra quem recebeu a indenização. O título de

propriedade do poder expropriante é sempre válido e isento de qualquer nulidade

porque, conforme lição de Silvio de Salvo Venosa243, “na aquisição originária, não se

consideram vícios anteriores da propriedade porque não existe anterior titular a ser

levado em conta”. No mesmo sentido, Orlando Gomes244:

A importância da distinção reside nos efeitos que se produzem conforme o modo de aquisição seja originário ou derivado. Se a propriedade é adquirida por modo originário, incorpora-se ao patrimônio do adquirente em toda a sua plenitude, tal como a estabelece a vontade do adquirente. Se for por modo derivado, transfere-se com os mesmos atributos, restrições e qualidades que possuía no patrimônio do transmitente, segundo conhecida parêmia: nemo plus jus transferre ad alium potest quam ipse habet. É que a aquisição derivada se condiciona à do predecessor, adquirindo o novo proprietário o direito que tinha e lhe transmitiu o antigo proprietário.

Mesmo a chamada desapropriação amigável não é um negócio jurídico. Mais

uma vez, Pontes de Miranda245:

A desapropriação efetiva-se mediante acordo, ou judicialmente. Esse acordo é negócio jurídico bilateral relativo ao quanto da indenização e à extensão da desapropriação. Não é negócio jurídico de transferência, nem, sequer, de disposição de propriedade. Tem, sim, o efeito de integrar a declaração de desapropriação, que, sem ele, teria de ser judicialmente (=sentenciamento) integrada. O acordo é, pois, sucedâneo dessa integração judicial, em vez de ser a integração judicial sucedâneo do acordo.

No mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

243

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 5ª edição, 2005, p. 198

244 GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 17ª edição, 2000, p. 137

245 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a

emenda n. 1 de 1969. São Paulo: RT, 2ª edição, 1971, p. 494

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REGISTRO DE IMÓVEIS - Desapropriação amigável - Hipótese retratada inequivocamente no título trazido aos autos - Entendimento de que se trata de mera doação afastado - Desnecessidade da continuidade e especialidade, para o ingresso na serventia, por cuidar-se de forma originária de aquisição - Recurso provido. (JTJ 133/340)

REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura pública - Desapropriação - Hipótese de forma originária de aquisição que independe da relação de continuidade do registro - Irrelevância, ademais, de sua efetivação pela via amigável - Registro determinado - Recurso provido. (JTJ 116/562)

REGISTRO DE IMÓVEIS - Desapropriação amigável - Desatendimento aos requisitos registrários - Forma de aquisição originária - Irrelevância - Acesso negado - Recurso não provido. (JTJ 274/599)

A desapropriação não ocorre somente através do procedimento normal

previsto no Decreto-lei 3.335/41. Sempre que qualquer medida do Poder Público

implicar para o particular na supressão do núcleo essencial do direito de

propriedade, haverá expropriação deste direito e necessidade de justa indenização.

Abaixo discorreremos sobre a chamada desapropriação indireta. Por ora,

vamos analisar a particularidade da restrição do âmbito de cognição do Poder

Judiciário no feito expropriatório.

2- A restrição do âmbito de cognição do Judiciário no processo de

desapropriação

Os pressupostos para a desapropriação são três: 1- necessidade pública:

surge quando Administração defronta situações de emergência, que, para serem

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resolvidas satisfatoriamente, exigem a transferência urgente de bens de terceiros

para o seu domínio e uso imediato; 2- utilidade pública: se apresenta quando a

transferência de bens de terceiros para a Administração é conveniente, embora não

seja imprescindível; 3- interesse social: ocorre quando as circunstâncias impõem a

distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento,

utilização ou produtividade em beneficio da coletividade ou de categorias sociais

merecedoras de amparo específico do Poder Público246.

Conforme previsão do art. 20 do Decreto-lei 3.365/41, a contestação no

processo judicial de desapropriação somente poderá versar sobre vício do processo

judicial ou impugnação do preço. Qualquer outra questão deverá ser decidida por

ação direta. Dispõe o art. 9º do Decreto-lei 3.365/41 que é vedado ao Poder

Judiciário decidir no processo de desapropriação se se verificam ou não os casos de

utilidade pública. Assim, pela atual disciplina legal, não cabe ao Judiciário a análise

da presença dos pressupostos para a desapropriação. Trata-se de medida destinada

a dar celeridade ao processo expropriatório, em virtude da necessidade da rápida

solução do litígio e incorporação do imóvel à finalidade pública que justifica a

desapropriação247, concentrando o objeto do processo para a discussão do justo

preço.

Adotou-se um procedimento de cognição restrita. Tal previsão tem sido objeto

de críticas da doutrina248. Alega-se que tais previsões seriam inconstitucionais249,

246

Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 35ª edição,

2009, p. 608/616.

247 “É em atenção à rapidez com que quase sempre a Administração precisa se investir na plena

propriedade da coisa expropriada, que se veda, no processo expropriatório, a indagação, não só dessa matéria, como de todas as que não digam respeito a nulidades processuais e deficiência do preço”. (FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 151)

248 “neste aspecto se constata ainda outro resquício da feudalidade: o ato expropriatório, forma de

aquisição de propriedade pelo Estado, regida por uma lei que no processo de desapropriação veda ao Poder Judiciário “decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública” (Dec-lei n 3.365/41, art. 9), em que “a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta” (art. 20)” (GARCIA, Maria. Inconstitucionalidades da lei das desapropriações: a questão da revenda. Rio de Janeiro: Forense,

2007, 2 edição, p. 118)

249 “...há elementos que permitem a argumentação de que seria importante permitir a discussão

judicial e/ou extrajudicial acerca da conveniência, oportunidade e necessidade da desapropriação na própria ação desapropriatória, inclusive para que a intervenção do poder público possa ser analisada como uma totalidade, e possa ser observado pelo Poder Judiciário se houve violação dos princípios

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por não permitirem o controle judicial de todo o procedimento da desapropriação, em

especial a violação de algum dos princípios constitucionais que regem a

Administração Pública250.

Apesar das opiniões abalizadas em sentido contrário, entendemos que, em

relação à vedação da analise da existência de interesse público no processo de

desapropriação251, constante do art. 9º do Decreto-lei 3.365/41, não existe

inconstitucionalidade alguma que mereça reparo252.

Não há impedimento de acesso ao Judiciário253. Nem poderia haver, em vista

do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º XXXV da

Constituição Federal). Houve a disciplina de um processo judicial, em vista de uma

finalidade pública razoável, visando à celeridade processual, deixando abertas as

portas do Judiciário para fulminar o decreto expropriatório ilegal por outras vias, tais

constitucionais que regem a administração pública...tal controle judicial e extrajudicial do mérito da decisão administrativa do poder publico poderia ser uma forma não apenas de minimizar a ocorrência de situações de abuso de poder, mas também, e principalmente, de se garantir uma maior eficácia econômica e racionalidade administrativa na utilização da desapropriação. Cabe discutir se a atual regulação da matéria, restringindo a discussão judicial ao quantum indenizatório, atenta contra o principio da economia processual e sobretudo à própria ordem democrática”. (FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. Revisitando o instituto da desapropriação: uma agenda de temas para reflexão. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o instituto da desapropriação.

Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 21-37).

250 Sobre o art. 9º do Decreto-lei 3.365/41, Sylvio Pereira fez o seguinte comentário: “Pretende coartar

a competência do Judiciário, vedando-lhe o exercício da atribuição de julgar caso que envolve direito básico do homem – o direito de propriedade...estas razões, que procuramos resumir, nos levam a inquinar de inconstitucional o dispositivo. Não pode o Judiciário admiti-lo, para cercear a defesa do interessado. Se o fizesse, estar-se-ia destruindo”. (PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p. 91)

251 “Merece temperamentos a interpretação do art. 9º da Lei de Desapropriação, segundo o qual fica

excluída da apreciação judicial, no processo expropriatório, a verificação dos casos de utilidade pública. Como é cediço, por força de tal disposição legal, é vedado ao Poder Judiciário, na ação de desapropriação, decidir sobre a ocorrência do caso de utilidade pública, mas não está impedido de apreciar o fundamento desta”. (RSTJ 73/243). In: NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 41ª edição, 2009, p. 1411.

252 “Todavia, na atualidade, legem habemus, devendo ser observado o que prescreve o art. 9ª do

Dec.-lei 3.365/41, que, a nosso ver, não pode ser tido como inconstitucional”. (SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da Jurisprudência. São Paulo: RT, 5ª edição, 2006,

p. 263

253 “Cabe ao Poder Judiciário decidir se a desapropriação corresponde à finalidade constitucional

prevista de destinar-se o bem expropriado a fins de necessidade ou utilidade pública, ou de interesse social”. (RTJ 72/479). In: NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 41ª edição, 2009, p. 1411.

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como o mandado de segurança254. Nesse sentido é o ensinamento de Seabra

Fagundes255:

Vedado no processo de desapropriação o exame dos vícios do ato declaratório, dado o seu objetivo especial, a fixação do preço, pagamento e imissão na posse, nem por isto se impede o pleno exame deles pelo Poder Judiciário. Este terá lugar por meio de ação adequada. O âmbito das ações só o Poder Legislativo o pode traçar e se males resultam de restrições, que ponha ao objetivo de algumas delas, não há solução para isto em via judiciária. Cada ação há de ter apenas o alcance que lhe preestabeleça a lei adjetiva... “A impossibilidade de exame da questão da inexistência de utilidade pública e da ocorrência de outros motivos de invalidez do ato declaratório no curso do processo de expropriamento, não importa em vedar definitivamente a sua analise pelo Poder Judiciário. A apreciação plena do ato administrativo expropriatório terá lugar através de ação direta, como se subentende do teor do artigo ora comentado e como ressalta da letra expressa do art. 20.

Nem se diga que seria inconstitucional a vedação da análise dos

pressupostos no processo de desapropriação porque o Judiciário é lento e até o

julgamento da ação ordinária em que se discute o mérito da desapropriação, esta já

teria terminado256. Primeiramente, tratar-se-ia de argumento não jurídico,

fundamentado numa atuação irregular do Judiciário que deve ser compelido a

prestar o serviço jurisdicional no tempo adequado. Ademais, os processos judiciais

de qualquer espécie, com a previsão da antecipação dos efeitos da tutela

jurisdicional257, podem ter uma solução, ao menos provisória, rápida e célere,

possibilitando proteger o expropriado de uma desapropriação manifestamente ilegal

e arbitrária.

254

“Cabe mandado de segurança para impedir desapropriação decretada com manifesto desvio de poder”. (RJTJESP 131/05)

255 FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1949, p. 166/167

256 Essa é a argumentação de parte da doutrina: “Esse recurso, é as vezes ilusório. A demora das

ações judiciais dará tempo ao desapropriante de tomar conta da cousa, quiçá modificando-a de modo a torná-la imprópria ao uso do dono”. (PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A.

Coelho Branco filho, 1948, p. 92) .

257 Art. 273 do Código de Processo Civil.

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O princípio da inafastabilidade da jurisdição não impede que a lei processual

discipline o rito e objeto de determinadas ações258. Se é possível, por outra via,

atacar o ato fulminado de ilegalidade, não há inconstitucionalidade na lei que não

permite a discussão de determinada matéria em sede processual específica. O que

não se pode permitir é que o interesse público não possa ser satisfeito enquanto

todas as questões possíveis de serem levantadas e de difícil prova, às vezes por

pura protelação decorrente do inconformismo em ser expropriado, possam ser

definitivamente resolvidas. Nesse sentido é a lição, ainda atual, de Ildefonso

Mascarenhas da Silva259:

...se o governo pode cometer abusos contra os proprietários, esses abusos ou erros serão corrigidos em ação própria. Mas o que não se tolera é que, pela possibilidade de abusos governamentais, fique o bem público à espera de delongas e discussões, que entravariam a marcha do processo e dilatariam a realização da obra necessária. E é muito mais provável o abuso das discussões por parte dos proprietários, que por parte do Estado em decretar desapropriações infundadas. A lei está certa em não permitir que, nos processos de desapropriação, se discuta mais que o preço fixado e formalidades de direito. Não exclui da apreciação do Poder Judiciário a lesão de direito individual que pode decorrer da desapropriação; apenas transfere essa apreciação para uma “ação direta”.

No processo judicial de desapropriação nada há mais que discutir, além da

indenização. Essa medida visa a acelerar o processo e afastar provisoriamente

questões de alta indagação que impediriam o rápido trâmite processual. Também,

258

“Os princípios constitucionais que garantem o livre acesso ao Poder Judiciário, o contraditório e a ampla defesa, não são absolutos e hão de ser exercidos, pelos jurisdicionados, por meio das normas processuais que regem a matéria, não se constituindo negativa de prestação jurisdicional e cerceamento de defesa a inadmissão de recursos quando não observados os procedimentos estatuídos nas normas instrumentais.” (STF - AI 152.676-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 15-9-1995, Primeira Turma, DJ de 3-11-1995.)

259 SILVA, Ildefonso Mascarenhas. Desapropriação por necessidade e utilidade pública. Rio de

Janeiro: Aurora Limitada, 1947, p. 253

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por essa razão, terceiros não podem intervir no feito expropriatório, somente

podendo fazê-lo em ação própria260.

Em outros processos judiciais previstos em lei, a defesa é limitada, sem

prejuízo da ação ordinária para se debaterem as questões dependentes de larga

discussão e prova. É o que ocorre no processo de inventário e partilha, ações de

despejo, ações possessórias de forca nova, executivos cambiais, fiscais e

hipotecários e embargos à execução. Nunca se cogitou da inconstitucionalidade de

tais procedimentos, porque a via do Judiciário continua aberta, porém não no

processo de rito especial261. Na mesma linha é o entendimento do STF262:

O proibir-se, em certos casos, por interesse público, a antecipação provisória da satisfação do direito material lesado ou ameaçado não exclui, evidentemente, da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito, pois ela se obtém normalmente na satisfação definitiva que é proporcionada pela ação principal, que, esta sim, não pode ser privada para privar-se o lesado ou ameaçado de socorrer-se do Poder Judiciário.

260

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO DE POSSE. CONTESTAÇÃO. MATÉRIA ARGÜÍVEL. PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E EFICIÊNCIA PROCESSUAL. TERCEIRO POSSUIDOR. EMBARGOS DE TERCEIROS. INADEQUAÇÃO DA VIA. 1. Fere o espírito da Lei de Desapropriação decisão judicial que autoriza o debate de questões estranhas ao valor da indenização nos próprios autos do processo desapropriatório. 2. Se, por um lado, o procedimento previsto no art. 20 do Decreto-Lei n. 3.365/41 parece contrariar o princípio da economia processual, por outro tem o mérito de proporcionar maior agilidade ao processo desapropriatório, aspecto de não menos relevância que acabou por determinar a conduta do legislador, pautada nos princípios da maior eficiência e celeridade processual. 3. As decisões proferidas em sede de cognição limitada não são, de regra, vocacionadas à coisa julgada material, por isso, nada impede que eventuais matérias excluídas por lei da apreciação judicial, por razões de política judiciária, sejam examinadas em outra ação. 4. Em sede de ação desapropriatória, é descabida a utilização da via dos embargos de terceiro pelo possuidor do bem imóvel, seja em razão da absoluta incompatibilidade da medida com o procedimento expropriatório, cuja essência pressupõe naturalmente a perda da posse do imóvel expropriado, seja em face da impertinência da argumentação que, in casu, ampara o pleito da parte, voltada para o não enquadramento da ação nas hipóteses que configuram o interesse social. 5. Recurso especial provido". (STJ - REsp 353.382/PB, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/03/2006, DJ 26/05/2006, p. 236)

261 Cf. SILVA, Ildefonso Mascarenhas. Desapropriação por necessidade e utilidade pública. Rio de

Janeiro: Aurora Limitada, 1947, p. 249/250

262 STF - ADI 223-MC, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, voto do Min. Moreira Alves, julgamento

em 5-4-1990, Plenário, DJ de 29-6-1990

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Não é fora do razoável que se imagine presumivelmente legitimo o ato

declaratório de utilidade pública, presentes os requisitos formais para esse fim

estabelecidos. Não soa incontornável o aparente empecilho posto à defesa. Trata-se

somente de concentrar, na demanda desapropriatória, o debate sobre o valor da

indenização. Inconstitucionalidade haveria se fosse vedado ao particular o debate

sobre a validade do decreto declaratório da utilidade pública em distinta causa263.

O controle do Judiciário, em ação autônoma, é amplo, pois, como se

demonstrará abaixo, a desapropriação não é um ato discricionário.

3 – A desapropriação não é um ato discricionário

A Constituição não autoriza o poder público a tomar, quando quiser, em

qualquer caso ou oportunidade, à sua discrição, a propriedade particular, mediante a

simples exigencia de prévia e justa indenização em dinheiro. Exige-se também a

existência de utilidade pública. A utilidade pública, por mais lato ou indeterminado

que seja o seu conceito, constitui um fato suscetível de apreciação e verificação. Se

não fosse possivel averiguar a existência da utilidade pública, a garantia

constitucional se reduziria somente à justa indenização.

A exigência de utilidade pública visa a impedir que a Administração tome a

propriedade do particular para uma finalidade não pública, com a finalidade de

perseguir ou beneficiar particulares. Apesar de ser da exclusiva competência do

Poder Público escolher a oportunidade ou o evento de que a lei faz depender a sua

iniciativa, isso, não significa, nem poderia significar, que no poder de livre apreciação

se envolva o de agir fora do momento ou da oportunidade, ou independentemente

do motivo ou da condição a que a lei subordina o exercício da competência

263

Cf. PEREIRA, Hélio do Valle. Manual da Fazenda Pública em juízo. Rio de Janeiro: Renovar,

2008, 3ª edição, p. 517

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administrativa. Quando a lei condiciona uma atividade ou uma iniciativa a

determinado motivo ou a finalidade definida, ela torna claro que a atividade ou a

iniciativa em questão não é, nem poderá ser discricionária264.

O poder de desapropriar não é, portanto, um poder discricionário, não só

porque condicionado o seu exercício a um motivo ou a um fim, cuja existência é

suscetível de verificação, como também porque o ato de desapropriação se destina

a modificar uma situação jurídica individual, formal e especificamente garantida pela

Constituição, qual seja, o direito de propriedade. Nesse sentido, Francisco

Campos265:

Com o admitir que, num só caso, a propriedade particular possa ser expropriada, a Constituição não conferiu, nem quis, nem poderia ter querido conferir à Administração um poder discricionário; se o tivesse feito, a garantia constitucional assegurada à propriedade seria um vão circunlóquio destinado a exprimir precisamente o contrário do que nela se acha declarado, isto é, que a propriedade particular poderia ser tomada em qualquer caso e para qualquer fim, mediante decisão arbitrária do poder administrativo...a Constituição assegura à propriedade uma garantia específica, isto é, a garantia de que ela não poderá ser tomada pela administração a não ser para um fim de utilidade pública e mediante prévia e justa indenização. A competência do poder desapropriante é, assim, um competência vinculada ou qualificada, ou que não poderá exercer-se senão quando e onde se configura ou se concretiza efetivamente o motivo ou a finalidade por força da qual se legitima a transposição da barreira mediante a qual a Constituição garante, assegura ou protege a propriedade particular.

A juridicidade e admissibilidade da desapropriação pressupõe a existencia do

interesse público que a justifique266. A existência de interesse público que justifique

a ação de desapropriação pode e deve ser objeto de controle judicial, caso se

264

Cf. CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional – volume I. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p.

177

265 CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional – volume I. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p.

179

266 Cf. MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral. São Paulo: Manole, 2006, tradução de Luiz

Afonso Heck, p. 810.

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perceba, no caso concreto, a inexistência absoluta desse requisito267. Caso não

esteja patente a inexistência de utilidade pública, deve o Judiciário aceitar a

declaração do Administrador, sob pena de exercer atividade que não percente ao

seu âmbito de atuação, impedindo, inconstitucionalmente, o regular exercício de um

dos Poderes.

Em ação própria poderá o interessado questionar a existência de interesse

público que justifique a desapropriacao. Entretanto, o juiz não pode analisar, por

exemplo, a conveniência ou não de realizar uma obra pública, por entender, por

exemplo, que a Administração deveria construir uma escola e não um posto de

saúde, quando ambos são necessarios. Trata-se de função unicamente

administrativa a escolha de uma obra publica a ser feita pelo Administrador, quando

necessária, mesmo que existam também outras necessidades que não possam ser

prontamente atendidas, conforme lição de Seabra Fagundes268.

Aferir a conveniência ou não de realizar uma obra publica, como da utilidade ou não de chamar ao patrimônio do Estado um bem particular, é função puramente administrativa, que só o Poder Executivo pode exercer tendo em consideração as verbas disponíveis e a visão conjunta das obras a empreender.

Entretanto, sem que exista o interesse público, não existe justa causa269 para

a desapropriação. A desapropriação sem a existência de necessidade pública,

utilidade pública ou interesse social é inconstitucional e deve ser fulminada pelo

Poder Judiciário. A desapropriação não pode ser implementada sem que o

expropriante indique claramente as razões por que pretende fazê-lo (motivo).

267

“A existência in concreto da utilidade pública, e não apenas a simples referencia a uma das hipóteses legais, descritas pela lei, é inarredável para a validade do ato declaratório”. (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros: 8ª edição, 2006, p. 330)

268 FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1949, p. 169

269 “A exigência da justa causa é que pode ser tida como o marco da moderna desapropriação”.

(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São

Paulo: RT, 1968, p. 388)

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Atingindo diretamente o direito de propriedade, somente pode legitimar-se ante

justificativas em função das quais se revele presente o interesse público. De outro

lado, cabe ao expropriante deixar registrado o objeto da desapropriação, ou seja, o

que intenta fazer em decorrência da providência adotada (objeto)270.

Quanto ao motivo da desapropriação, deve-se examinar três aspectos. O

primeiro deles é existência do pressuposto constitucional: sem este a

desapropriação padece de fundamento constitucional. O segundo corresponde à

previsão legal (causas previstas na legislação ordinária como ensejadoras do início

do processo de desapriopriação) e, por último a medida administrativa a ser

implementada271.

Os pressupostos constitucionais são aquelas situações genéricas apontadas

na Constituição ante cuja ocorrência se permite a desapropriação. Para que se

legitime a desapropriação ordinária, cumpre esteja presente situação de utilidade ou

necessidade pública, ou de interesse social, como está expresso no art. 5º, XXIV, da

CF. A Constituição indica o motivo genérico, que, em última instância, significa a

causa remota da desapropriação272.

O art. 5º, XXIV da CF foi regulamentado pelo Decreto-Lei nº 3.365/41, para

os casos de utilidade pública (incluindo-se aí os de necessidade pública), e pela Lei

nº 4.132/62, que enumerou os casos de interesse social. O legislador preferiu limitar

a opção do administrador público, vinculando-o especificamente às hipóteses que a

lei considerou como de utilidade pública (presunção legal). Não resulta daí garantia

270

Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade. Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009.Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

271 Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade.

Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009.Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

272 Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade.

Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009.Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

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integral para o proprietário, mas, sem dúvida, a relação serve para excluir situações

fáticas que nela não são contempladas273.

Ainda no que concerne ao motivo, será também necessário averiguar qual a

razão imediata geradora da providência administrativa concreta que mobilizou o

administrador a promover a desapropriação (motivo fático), vale dizer, o que

pretende edificar, ou que obra urbana deseja realizar, e assim por diante274.

Infere-se, por conseguinte, que, ao investigar o motivo expropriatório, o

intérprete precisa transportar-se por três planos nessa cadeia causal.

Primeiramente, os pressupostos constitucionais, que são a causa remota. Depois, a

situação que a lei contemplou. E, por último, a providência a ser tomada pela

Administração275.

Quanto ao objeto, que retrata a efetiva providência que a Administração

pretende implementar após ser ultimada a desapropriação, é cabível que o intérprete

e o operador do direito atentem para sua real necessidade ou utilidade, investigando

se a referida providência se compatibiliza com o interesse público276.

Por fim, a análise do Judiciário deve ser pautada pelo princípio da supremacia

do interesse público sobre o privado, considerando, também, a necessária função

social da propriedade. Não pode o Judiciário, que tem o poder de analisar todos os

pressupostos da desapropriação277, fazer tal análise sob uma ótica privatista e

273

Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade. Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009.Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

274 Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade.

Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009.Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

275 Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade.

Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009.Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

276 Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade.

Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009.Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

277 Não no feito expropriatório, mas em ação autônoma.

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egoísta de um direito de propriedade, privilegiando o interesse individual contra o

interesse coletivo, conforme ensinamento de Sylvio Pereira278:

A desapropriação é um processo sui generis; não se equipara a disputas particulares que geralmente encerram finalidades egoísticas de perseguição de vantagens pessoais. Ao tratar dos casos de desapropriação, deveremos ter em mente como “suprema ratio”, o interesse coletivo. O indivíduo não pode sobrepor-se à coletividade. Um não poderá obstar o beneficiamento de muitos, embora não seja, também, razoável que a coletividade anule o indivíduo. Os homens não são fabricados em série, de modo que se possa contá-los apenas como partes do todo.

4 – A proporcionalidade aplicável à desapropriação

A desapropriação também se sujeita ao postulado da proporcionalidade279. A

desapropriação será inválida se o Estado não evidenciar que a expropriação é a

solução adequada e necessária para o cumprimento dos deveres estatais na busca

da realização do interesse público, sem que isso importe em lesão a direitos e

valores protegidos pela Constituição280.

Somente é admissível uma desapropriação quando ela, relacionada com uma

finalidade legítima, é idônea, necessária e conveniente (proporcional em sentido

restrito); a necessidade deve ser negada quando a finalidade da desapropriação é

278

PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p. 108

279 “...os princípios da razoabilidade e proporcionalidade são perfeitamente aplicáveis em matéria de

desapropriação, já que o referido instituto ao impingir restrições ao direito de propriedade – seja pela ablação ou supressão, seja pela sua redução -, deve se ater às hipóteses e formas legalmente previstas e, mais do que isso, concretizá-las na exata medida necessária ao atendimento do interesse primário, das finalidades públicas, sob pena de serem havidas como abusivas e, portanto, inconstitucionais”. (UELZE, Hugo Barrozo. Desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 851,

setembro de 2006, p. 697-735)

280 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 6ª edição,

2010, p. 620

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obtenível por outro modo, menos agravante281. Pontes de Miranda282 já alertava

sobre a necessidade de observância da proporcionalidade na desapropriação:

A desapropriação não há de tirar ao que é titular do direito o que não é necessário, ou mais do que é necessário à finalidade estatal ou social...não se há de deferir o pedido de desapropriação se só a respeito de parte do bem se verifica o pressuposto; nem perde a propriedade aquele cujo bem se quer desapropriar, se à finalidade basta a constituição de servidão.

No mesmo sentido, Carvalho Filho283:

Com efeito, legitima-se a desapropriação com a presença dos pressupostos que lhe dão suporte, mas a legitimidade fica comprometida quando a ação estatal está divorciada do real conteúdo do instituto, e mais ainda quando os fatores que a cercam não se situam no exigível padrão de proporcionalidade.

Se o imóvel não for necessário à desapropriação, esta não pode se

consumar. Para que a desapropriação seja legítima não se exige apenas que a obra

ou empreendimento seja de utilidade pública. É ainda indispensável que a

propriedade condenada pelo decreto de desapropriação seja necessária à execução

da obra de utilidade pública. A causa de ordem geral que legitima a desapropriação

é a utilidade pública; a causa específica, que autoriza a incidência da

desapropriação sobre determinada propriedade é a circunstância de que esta se

281

Cf. MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral. São Paulo: Manole, 2006, tradução de Luiz

Afonso Heck, p. 813

282 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São

Paulo: RT, 1968, p. 410

283 CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade.

Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009. Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

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revela necessária à realização do fim de utilidade pública. É indispensável, em

suma, para que a desapropriação se legitime, que a propriedade condenada pelo

poder expropriante esteja para com a obra pública na mesma relação em que o meio

ou instrumento está para o fim, ou que somente pela utilização se possa conseguir a

utilidade pública, que a obra se destina a satisfazer. Nesse sentido, Francisco

Campos284:

O direito de desapropriar não é um direito absoluto; ele tem por medida, além da qual deixa de ser um direito, a necessidade para a obra pública do imóvel reclamado pela utilidade pública. O poder desapropriante não pode tomar senão o que for razoavelmente necessário ao fim de utilidade pública. Dentre várias soluções possíveis, se existem, ele não tem a discrição de escolher a mais onerosa para o proprietário, mas a que melhor concilia a utilidade pública com a utilidade individual do desapropriado. A necessidade deve ser razoável, e somente a necessidade razoável autoriza a desapropriação.

O controle expropriatório exercido pela aplicação do princípio da

proporcionalidade reclamará o exame dos três elementos componentes do princípio.

Primeiramente, caberá ao intérprete verificar se a desapropriação condiz com

o componente da adequação. Aqui é preciso analisar se o motivo da desapropriação

guarda consonância com os fins almejados pela Administração. Carvalho Filho285

nos fornece um exemplo pode esclarecer essa forma de controle: se o Poder Público

aponta como motivo expropriatório a necessidade de dividir uma área em terrenos

menores para oferecê-la a possuidores, sendo essa área incluída em região de

proteção ambiental, ausente estará a adequação, porque o motivo invocado pelo

administrador não se mostra adequado ao fim por ele pretendido. Desse modo,

embora possa estar formalmente legitimada, a desapropriação, na referida hipótese,

284

CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional – volume I. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p.

190

285 CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade.

Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009. Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

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ofende o princípio da proporcionalidade, devendo ser anulada ou, se for o caso,

interrompida.

O segundo aspecto a ser analisado é o relativo à necessidade a qual tem o

sentido de considerar abusiva a conduta administrativa de caráter restritivo quando a

restrição provocar maior gravame aos indivíduos do que a Administração precisaria

para alcançar a sua finalidade. Se, no caso concreto, a servidão puder cumprir o

objetivo visado pela Administração, esta não pode desapropriar.

O último componente do princípio a ser verificado reside na proporcionalidade

em sentido estrito, devendo ser observado se as vantagens a serem obtidas pela

conduta administrativa superam efetivamente as desvantagens. Carvalho Filho286

exemplifica que estaria esse componente se a desapropriação tivesse por alvo a

instalação de equipamentos de diversão infantil em local ocupado por vários

proprietários de baixa renda porque as desvantagens relativas à perda desses

proprietários em muito superariam as vantagens decorrentes do objetivo alvitrado

pela Administração, sobretudo quando se pode supor que esse objetivo poderia ser

alcançado em outros locais.

5- Desapropriação indireta

Segundo Clóvis Beznos287, a desapropriação indireta é o “despojamento da

propriedade privada pela Administração, com ânimo definitivo, sem os pressupostos

exigíveis para a efetivação de uma desapropriação”.

286

CARVALHO FILHO, José dos Santos. A desapropriação e o princípio da proporcionalidade. Biblioteca Digital Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 11, n. 53, jan./fev. 2009. Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56748>. Acesso em: 17 fevereiro 2010

287 BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 53

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Trata-se de um esbulho possessório cometido pela Administração, contrário à

Constituição que exige o pagamento de justa e prévia indenização288, atentando,

também, contra a exigência de devido processo legal para a retirada de bens do

administrado289 e que fere o princípio da igualdade, por implicar no agravamento

patrimonial de uma única pessoa no interesse da coletividade ou da

Administração290.

Em regra, terminada a obra pública em terreno alheio, não cabe a retomada

do imóvel291; somente se ainda é possível a reversão do esbulho se mostra possível

a reivindicação do bem292. Caso não seja reversível, cabe ao esbulhado pleitear a

indenização pelas perdas e danos e a responsabilização do agente público

responsável pelo ilícito, implicando a conduta dolosa em improbidade

administrativa293.

288

“A nosso entender, a chamada desapropriação indireta, além de configurar um esbulho possessório, vulnera frontalmente a Constituição Federal, que condiciona a desapropriação ao pagamento da prévia e justa indenização”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na

desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 57)

289 “Além disso, outro preceito constitucional vê-se atingido às escâncaras, que se amolda com a

previsão referida no inciso XXIV do artigo 5º, contida no inciso LIV do mesmo artigo, que assegura a todos o devido processo legal em hipótese de privação da liberdade ou dos bens”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.)

290 “Finalmente também é vulnerado o princípio constitucional da igualdade, pela imposição de

sacrifício de direito especialmente a alguém pela ação administrativa de construção de obra pública, fruível pela coletividade, ou pela própria Administração, sem nenhuma compensação” (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 57)

291 “Ementa: REINTEGRAÇÃO DE POSSE Ocupação de área para construção de escola pública

estadual ao lado de conjunto habitacional construído pela Autarquia-autora Obra concluída há muitos anos, em prol do interesse público - Extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido Decisão extra-petita Não configuração Matéria de ordem pública Sentença mantida Recurso não provido”. (TJSP, proc. 9171421-37.2002.8.26.0000 Apelação Relator: Peiretti de Godoy Comarca: São Paulo Órgão julgador: 13ª Câmara de Direito Público Data do julgamento: 14/09/2011Data de registro: 15/09/2011)

292 “É claro que se o esbulho for reversível, caberá a ação reivindicatória do bem, com eventual

condenação em perdas e danos, que se traduzem normalmente nos lucros cessantes, pela privação da propriedade, quando assim efetivamente ocorrer”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 59)

293 “...haverá o fato consistente no esbulho de ser objeto de apuração, com a responsabilização dos

servidores que, por culpa ou dolo, tenham sido responsáveis pelo apossamento administrativo, com prática de patente ilícito...ao que tange a conduta dolosa, nesse sentido, pode ser a mesma enquadrada em improbidade administrativa, conforme a previsão do artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, pois configura a prática de ato “diverso daquele previsto na regra de competência”, porque evidente o desvio de poder nessa circunstância”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 61)

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Não somente a ocupação de um imóvel configura desapropriação indireta.

Qualquer ato estatal que implique total esvaziamento do conteúdo econômico da

propriedade é também uma desapropriação indireta. Abaixo discorreremos sobre o

caso mais debatido, qual seja, as limitações decorrentes da legislação ambiental;

contudo, não se trata da única hipótese. Sempre que um ato estatal ocasionar a

perda da funcionalidade do bem no seu aproveitamento econômico, ocorre a

desapropriação indireta. A propriedade sem qualquer destinação útil não serve de

nada. Sempre que o núcleo essencial do direito de propriedade for atingido, haverá

a desapropriação indireta. Assim, conforme lição da doutrina294, “a desapropriação

indireta resta configurada tanto pelo apossamento ilegal quanto pelo esvaziamento

do conteúdo econômico da propriedade por ação do Estado”.

Clóvis Beznos defende que deve haver, ainda, o pagamento de indenização

por dano moral295, acrescido aos danos decorrentes da perda da propriedade e

lucros cessantes. Entretanto, ouso discordar da solução proposta. Não me parece

correto que somente o fato de ter havido um esbulho por parte do Poder Público

implique direito do expropriado em receber indenização por danos morais. O mero

dissabor não implica na existência do dano moral296. Só se deve reputar como dano

moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira

intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições,

angústia e desequilíbrio em seu bem estar; mero dissabor, aborrecimento, mágoa,

irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral por não

serem tão intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do

indivíduo297. A simples perda da posse do imóvel objeto de esbulho não

294

MUKAI, Sylvio Toshiro. Aspectos jurídicos da desapropriação indireta. IN: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (coordenadores). Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2011,

p. 867/874.

295 “Alem disso, vislumbramos a possibilidade de pleito de danos morais, em cumulação com os

danos materiais. De fato, o ilícito praticado pela Administração Pública, atingindo direito individual do administrado, é causa inquestionável de sofrimento moral...essa frustração da expectativa de proteção de direito do administrado, com a prática de ato que evidencia exatamente o contrário, enseja a reparação pelo dano moral causado...” (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 62/63)

296 “Para que se imponha o dever de indenizar o dano moral á necessário mais do que mero dissabor,

mas sim agressão que exacerbe a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem a elas se dirige” (RSTJ 150/382)

297 Cf. GONÇALVES. Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 10 ª edição, 2008,

p. 611

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necessariamente abala a psique do individuo que pode, no caso concreto, ter tantos

imóveis que nem sinta nada além da perda patrimonial que será ressarcida pela

indenização. Sobre o assunto, o ensinamento de Jeová Santos298:

Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá indenização. O reconhecimento do dano moral exige determinada envergadura. Necessário, também, que o dano se prolongue durante algum tempo e que seja a justa medida do ultraje às afeições sentimentais. As sensações desagradáveis, por si sós, que não trazem em seu bojo lesividade a algum direito personalíssimo, não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar, sem que exista um autêntico dano moral.

No mesmo sentido, num processo de desapropriação indireta, decidiu o

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo299:

Embora seja inegável o dissabor inerente ao sacrifício do direito de propriedade em prol da coletividade, este não é suficiente para configurar o dano moral. No caso concreto, não se vislumbra a repercussão do ato administrativo na esfera íntima dos autores, imprescindível para caracterizar o dano moral indenizável, sendo imperiosa a manutenção da sentença que afastou a pretensão.

Assim, entendemos que não cabe indenização por dano moral na

desapropriação indireta, devendo ser indenizado o expropriado pelos danos

298

SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. São Paulo: RT, 4a ed., 2003, item 22, pág. 113

299 TJSP, proc. N. 0008030-85.2006.8.26.0625 Apelação / Reexame Necessário Relator: Danilo

Panizza Comarca: Taubaté Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Público Data do julgamento: 27/09/2011 Data de registro: 28/09/2011.

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materiais, lucros cessantes e a autoridade responsável ser punida pelo ilícito

praticado.

5.1 – A proteção ao meio ambiente e o direito de propriedade

Incumbe ao Poder Público e à coletividade a defesa e preservação do meio

ambiente, bem de uso comum do povo, conforme art. 225 da Constituição Federal.

Segundo o Código Florestal, Lei 4.771/65, o exercício do direito de propriedade, em

relação às florestas e demais formas de vegetação (bens de interesse comum) será

efetuado de acordo com as limitações que a legislação em geral e o referido Código

estabelecem.

Área de preservação permanente é a protegida com a função de preservar os

recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo

gênico de fauna e flora, proteger o bem estar das populações humanas. Pode ser ou

não ser coberta por vegetação nativa, conforme previsão dos artigos 2º e 3º do

Código Florestal. Reserva legal é a área localizada no interior de uma propriedade

ou posse rural necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação

e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao

abrigo e proteção de fauna e flora nativas. Por meio de ato administrativo, o Poder

Público pode declarar como de preservação permanente florestas e demais formas

de vegetação natural. Assim, existem as áreas de preservação permanente

decorrentes de lei e as decorrentes de ato administrativo.

Cumpre agora enfrentar a questão se o proprietário tem direito a ser

indenizado pela obrigação de preservar o meio ambiente ou se tal obrigação seria

decorrente do próprio regime da propriedade, não ocasionando qualquer direito à

indenização. A questão se resolve na definição se o fato de uma propriedade

privada encontrar-se sob uma área de proteção ambiental qualifica-se como uma

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limitação administrativa, o que afastaria qualquer indenização ou, ao contrario,

tratar-se-ia de um sacrifício ao direito de propriedade, o que ensejaria o direito à

indenização. Trata-se de questão extremamente relevante; somente no Estado de

São Paulo, em decorrência da criação da Serra do Mar, apenas nove precatórios

somavam o valor de R$ 1.284.957.270,05; a falta de definição da relevante questão

da natureza do dever de preservar o meio ambiente aliada à falta de parâmetros

legais para se calcular a avaliação proporciona fraudes e prejuízos consideráveis

aos cofres públicos que devem ser evitados no futuro e corrigidos, apesar do

decurso do prazo para as ações rescisórias300.

Primeiramente, deve-se partir da premissa que a função social da propriedade

impõe ao proprietário o dever de preservar o meio ambiente no interior de sua

propriedade, visto que o art. 186 da Constituição Federal estabelece que a função

social da propriedade rural é cumprida quando atende, segundo critérios e graus de

exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de utilização

adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente301. A

função social direciona a propriedade a uma finalidade que não se cinge ao âmago

particular do proprietário e sim cumprir um interesse coletivo, qual seja, a de manter

e desenvolver um meio ambiente ecologicamente bem equilibrado.

300

Mesmo no caso das ações que já transitaram em julgado há tempos e que o prazo decadencial da ação rescisória já se escoou, deve ser buscada a modificação da decisão judicial que determinou uma indenização que ofende a justa indenização. Sobre o tema, ver artigo de nossa autoria: NAKAMURA, André Luiz dos Santos Nakamura. O princípio da justa indenização e a coisa julgada.

In: Revista dos Tribunais 911, p. 173/203, ano 100, setembro de 2011.

301 “A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da propriedade rural é

cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente" 2. A obrigação de os proprietários rurais instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, atende ao interesse coletivo. A averbação da reserva legal configura-se, portanto, como dever do proprietário ou adquirente do imóvel rural, independentemente da existência de florestas ou outras formas de vegetação nativa na gleba. Essa legislação, ao determinar a separação de parte das propriedades rurais para constituição da reserva florestal legal, resultou de uma feliz e necessária consciência ecológica que vem tomando corpo na sociedade em razão dos efeitos dos desastres naturais ocorridos ao longo do tempo, resultado da degradação do meio ambiente efetuada sem limites pelo homem. Tais consequências nefastas, paulatinamente, levam à conscientização de que os recursos naturais devem ser utilizados com equilíbrio e preservados em intenção da boa qualidade de vida das gerações vindouras (RMS nº 18.301/MG, DJ de 03/10/2005). A averbação da reserva legal, à margem da inscrição da matrícula da propriedade, é consequência imediata do preceito normativo e está colocada entre as medidas necessárias à proteção do meio ambiente, previstas tanto no Código Florestal como na Legislação extravagante. (REsp 927979/MG, DJ 31.05.2007) 6. Recurso Especial provido.” (REsp 821.083/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/03/2008, DJe 09/04/2008)

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100

Clóvis Beznos302defende que, apesar de ser dever decorrente da função

social da propriedade a defesa do meio ambiente, deve-se indenizar o proprietário.

Alega que tal dever deve ser distribuído à coletividade, não sendo encargo somente

do proprietário303. Fundamenta sua assertiva no dever de indenizar, por meio de

títulos públicos, existente na desapropriação sanção decorrente do não cumprimento

da função social da propriedade304. Conclui que, se na desapropriação sanção existe

o dever de indenizar, o mesmo se dá com o dever de preservar o meio ambiente305.

Alega que as florestas de preservação permanente não são limitações306 e sim

restrições307 ao direito de propriedade. Conclui que somente se a reserva servir aos

interesses do proprietário não deve ser indenizada308, sendo, assim, em regra,

302

BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 77/85

303 “O cumprimento da função social da propriedade, embora cogente sua implementação, nos termos

da Constituição e das leis disciplinadoras, não se constitui em encargo exclusivo do proprietário; e, embora elemento integrante do perfil do direito de propriedade, o custo de sua concretização, em último caso, dever ser distribuído à coletividade, porque sua não implementação conduz à desapropriação, mediante pagamento, aliás, do justo preço, embora em títulos, o que reafirma que o ônus da realização da função social da propriedade se configura em dever de toda a sociedade, e não exclusivamente do proprietário”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 77)

304 “A função social da propriedade, assim, embora constituindo fator interno ao direito de

propriedade, determinante de seu perfil, configura um dever de toda a coletividade, evidenciando que, se de um lado o descumprimento desse dever pelo proprietário é determinante da sanção, consistente em desapropriação sem o pagamento prévio em dinheiro, de outro, determina à coletividade tal pagamento, embora parcelado e em títulos públicos, impondo-se, a partir daí, ao Poder Público o dever de realizar essa função social, por si ou por terceiros”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 77)

305 “Portanto, se assim é, razão não há para invocar a função social da propriedade rural como

fundamento para o não pagamento de indenização de propriedade privada, individual, que venha a ser onerada, com a incidência de sacrifício de direito, em prol do atendimento dessa função, que se constitui em custo tributável a toda coletividade, como visto”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 79)

306 “Por outro lado, não nos parece se possam qualificar tanto as florestas de preservação

permanente como as reservas legais em meras limitações administrativas”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 79)

307 “Assim, parece-nos amoldarem-se perfeitamente tais restrições ao direito de propriedade na figura

da servidão, sendo, portanto, em princípio indenizáveis as áreas reservadas em questão”. BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 82

308 “Todavia, quanto à indenização, cabe a ponderação de que se a reserva permanente prevista no

Código Florestal atender aos interesses do proprietário do imóvel, tais como evitar erosões, desabamentos de terra nas encostas do morro, ou mesmo a preservação das águas que cortam a propriedade etc., não se pode pensar em distribuição dos encargos pela coletividade, devendo, pois, cada situação ser examinada casuisticamente”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 82)

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indenizável a reserva legal, por ser constituída somente no interesse da

coletividade309. A indenização deve ser proporcional à rentabilidade presumível do

imóvel310 e que, se o sacrifício decorrente do dever de preservar o meio ambiente

atingir toda a propriedade, deve haver a indenização integral, por se tratar de

desapropriação311.

O entendimento acima é seguido pelo STF:

A inexistência de qualquer indenização sobre a parcela de cobertura vegetal sujeita a preservação permanente implica violação aos postulados que asseguram o direito de propriedade e a justa indenização (CF, art. 5º, XXII e XXIV)

312.

Diga-se, também, que não há como excluir do montante indenizatório os valores das matas e das benfeitorias existentes na terra nua, uma vez que tais bens integram a área expropriada, fazendo parte integrante da mesma, motivo pelo qual não procede a irresignação da apelante

313.

A circunstância de o Estado dispor de competência para criar reservas florestais não lhe confere, só por si – considerando-se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de propriedade –, a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao particular, quando a atividade pública, decorrente do exercício de

309

“O mesmo, todavia, não se passa com a reserva legal, parecendo-nos, pelas disposições legais que as preveem, serem sempre constituídas no interesse da coletividade, sendo, portanto, sempre indenizáveis”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo

Horizonte: Fórum, 2006, p. 82)

310 “...cabe, todavia, ponderar que a indenização deve corresponder ao efetivo prejuízo do proprietário

rural, que necessariamente não corresponde à perda da área, mas simplesmente ao valor suprimido de seu uso, ou seja: sua rentabilidade presumível”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 83)

311 “Entretanto, quando o sacrifício de direito atinge a totalidade da propriedade, não mais cabe

pensar na figura da servidão, mas sim na da desapropriação, o que será determinante da indenização integral”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte:

Fórum, 2006, p. 84)

312 RE 267.817, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-10-2002, Segunda Turma, DJ de 29-11-

2002. No mesmo sentido: RE 114.682, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 5-11-1991, Primeira Turma, DJ de 13-12-1991; RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-1995, Primeira Turma, DJ de 22-9-1995.

313 AI 187.726-AgR, voto do Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 3-12-1996, Primeira Turma, DJ

de 20-6-1997.

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atribuições em tema de direito florestal, impedir ou afetar a válida exploração econômica do imóvel por seu proprietário

314.

Em sentido oposto, argumenta-se que não existe desapropriação indireta na

criação de área de preservação ambiental, sendo um ônus imposto a toda a

sociedade o de preservar o meio ambiente, não existindo qualquer direito à

indenização, conforme lição de Mário Roberto N. Veloso315:

É um ônus imposto pela vida em sociedade, ônus gerado por quem detém riqueza sem destinação adequada. E nem se diga, de forma alarmista, que se trata de confisco, ou assalto ao direito individual. O direito de propriedade permanece, encarando-se a limitação ambiental como um misto de beneficio coletivo compulsório e penalidade pela não utilização racional e desrespeito à função social da terra.

E continua o autor dizendo que:

A criação de área de proteção ambiental de modo algum comporta indenização. A fruição do bem fica mantida, e o uso e o gozo preservados, ainda que com limitações. O particular na condição de desapropriado não tem o uso, gozo nem disposição e recebe por isso 100% do valor do bem. Equiparar o atingido por restrição ambiental com o desapropriado é portanto inadmissível, pois sua situações são diversas

316.

314

RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-1995, Primeira Turma DJ de 22-9-1995.

315 VELOSO, Mário Roberto N. Desapropriação: aspectos civis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000,

p. 175

316 VELOSO, Mário Roberto N. Desapropriação: aspectos civis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000,

p. 173.

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O STJ tem decidido que não cabe qualquer indenização ao proprietário do

imóvel pela cobertura vegetal e pela criação de parque estadual:

A indenização pela cobertura vegetal, de forma destacada da terra nua, está condicionada à efetiva comprovação da exploração econômica lícita dos recursos vegetais, situação não demonstrada nos autos

317.

A criação do Parque Estadual da Serra do Mar, por intermédio do Decreto 10.251/77, do Estado de São Paulo, não acrescentou qualquer limitação àquelas preexistentes engendradas em outros atos normativos (Código Florestal, Lei do Parcelamento do Solo Urbano), que já vedavam a utilização indiscriminada da propriedade. Consectariamente, à luz do entendimento predominante desta Corte, revela-se indevida indenização em favor dos proprietários dos terrenos atingidos pelo ato administrativo sub examine - Decreto 10.251/77, do Estado de São Paulo, que criou o Parque Estadual da Serra do Mar - salvo comprovação pelo proprietário, mediante o ajuizamento de ação própria, em face do Estado de São Paulo, que o mencionado decreto acarretou limitação administrativa mais extensa do que aquelas já existentes à época da sua edição

318.

A limitação ao direito de propriedade decorrente da declaração de utilidade pública de imóvel, para o fim de criação de parque estadual, não gera direito à indenização por desapropriação indireta quando não ultimado o desapossamento pelo Poder Público, tampouco indenização a outro título quando não comprovada a existência de prejuízo

319.

A exigência de indenização na desapropriação sanção320 decorre da

necessidade de retirada da propriedade do particular por este não estar cumprindo a

função social requerida pelo ordenamento jurídico. A indenização é pela perda da

propriedade e não pela função social que recai sobre o imóvel.

Para se retirar a propriedade, indubitavelmente, se mostra necessário

indenizar. Entretanto, para a preservação do meio ambiente, das áreas de

preservação permanente e das áreas de preservação ambiental não há a retirada da

317

STJ - AgRg no REsp 636.163/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/11/2010, DJe 03/02/2011

318 STJ - AgRg no REsp 1119468/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em

22/09/2009, DJe 14/10/2009

319 STJ - EREsp 191.656/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado

em 23/06/2010, DJe 02/08/2010

320 Arts. 182 e 184 da Constituição Federal.

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propriedade e, consequentemente, não há o dever de indenizar. Mantendo-se a

propriedade nas mãos do particular, não se pode aplicar a mesma solução dos

casos em que a propriedade é retirada das mãos do proprietário para garantir o

cumprimento da função social. Se a propriedade continua com o particular, este não

pode ser indenizado como se tivesse sido expropriado.

Os casos em que há a previsão da retirada da propriedade por meio da

desapropriação sanção, quais sejam, os artigos 182 e 184 da Constituição Federal

se configuram em situações em que se exige uma conduta comissiva do

proprietário. Este, não cumprindo a obrigação de fazer que lhe incumbe, perde a

propriedade mediante pagamento em títulos, como forma de punição pelo

descumprimento do dever de agir imposto pela Constituição. O caso da preservação

do meio ambiente é diverso, visto que se trata, em regra, de conduta omissiva, qual

seja, a de preservar os recursos naturais presentes na propriedade. O Estado, em

regra, não tem como impor uma conduta comissiva ao particular, razão pela qual se

vê obrigado a lhe retirar a propriedade, em caso de descumprimento, devendo

ressarcir o valor da propriedade perdida. No caso das obrigações de não fazer, qual

seja, a de não destruir o meio ambiente, cabe ao Estado, fiscalizar e exigir do

particular a conduta omissiva exigida pelo ordenamento jurídico e não há o dever de

indenizar.

Se o Estado tem o dever de proteger o meio ambiente, por meio do seu poder

de conformar o uso da propriedade à sua função social, não pode ser obrigado a

indenizar por cumprir o dever que a Constituição lhe impôs. As restrições

decorrentes da conformação da propriedade à sua função social não ocasionam o

dever de indenizar, salvo quando expressamente afirmado pela Constituição321, tal

321

“Para fins de proteção ao meio ambiente, a noção de função social é relevantíssima, pois, como já dissemos, todo e qualquer controle que dela decorra, exceto quando a Constituição expressamente afirmar em contrário, não propicia indenização com base em desapropriação, direta ou indireta”. (BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcelos e. Desapropriação, reserva legal e áreas de preservação permanente. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8691. Acesso em

25/10/2011.)

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como na desapropriação sansão. Nesse sentido, Antonio Herman de Vasconcelos e

Benjamim322:

A função social da propriedade legitima certas interferências legislativas, administrativas e judiciais; na ausência de sua previsão constitucional expressa, tais atuações estatais poderiam, em tese, caracterizar desapropriação (direta ou indireta), exigindo, pois, indenização. No entanto, adotado e prestigiado o instituto como foi pela Constituição, nada é devido quando o Estado age na direção do mandamento constitucional. Descabido impor ao Poder Público a proteção do meio ambiente (podendo-se falar, inclusive, em responsabilidade do Estado se este se omitir em sua competência-dever de zelar pelo meio ambiente) e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, obrigá-lo a indenizar, por mover-se no estrito cumprimento de seu dever maior.

O uso, gozo e disposição do bem imóvel, de acordo com as normas de

proteção ao meio ambiente, continuam com o particular, e, por isso, não cabe a este

qualquer indenização. Nesse sentido323:

A regra geral de resguardar o meio ambiente, preceituada pela Constituição Federal, não infringe o direito de propriedade, não ensejando desapropriação, exceto quando impede, por inteiro, o uso da integralidade da propriedade, a proteção do meio ambiente; então, nada tira do proprietário privado que antes ele fosse detentor, pois não se pode ofender aquilo que nunca existiu. O controle da degradação ambiental é próprio do sistema de propriedade configurado pela Constituição, qual seja, o de cumprir uma função social.

322

BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcelos e. Desapropriação, reserva legal e áreas de preservação permanente. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8691. Acesso em

25/10/2011.

323 HADDAD, Emílio; SANTOS, Cacilda Lopes dos; FRANCO JUNIOR, Reynaldo Silveira. Novas

perspectivas sobre o instituto da desapropriação: a proteção ambiental e sua valoração. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO: “DESAFIOS PARA O DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO NO SÉCULO XXI”, 4., 2006, São Paulo. Biblioteca Digital Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 6, n. 31, jan./fev. 2007. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=39419>. Acesso em: 26 outubro 2011.)

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O dever de preservar o meio ambiente é uma limitação ao direito de

propriedade que, em regra, não se configura em medida expropriatória e não

ocasiona o dever de indenizar. O direito de propriedade é definido em seus

contornos pela Constituição e pelas leis. Preservar o meio ambiente é um ônus

inerente ao direito de propriedade. Este não existe desacompanhado deste dever.

Somente se o Poder Público, por não estar o proprietário cumprindo a função social

consistente em preservar o meio ambiente, decidir ser conveniente a retirada da

propriedade do particular, sem prejuízo das sanções civis e criminais decorrentes do

descumprimento da legislação ambiental, decorrerá o dever de indenizar na forma

do art. 184 da Constituição Federal.

Mesmo que se considerasse o dever de proteger o meio ambiente uma

restrição e não uma limitação ao direito de propriedade, não haveria, ainda, o dever

de indenizar. O direito de propriedade admite restrições. O fundamento das

restrições ao direito de propriedade é a função social e a supremacia do interesse

público sobre o privado. A defesa e proteção do meio ambiente atende ao interesse

público, bem como a propriedade deve ser exercida de acordo com a função social

que abrange a necessidade de compatibilizar o seu uso com a preservação do meio

ambiente. Assim, o fundamento para a restrição do pleno uso do direito de

propriedade está presente. Se uma restrição ao direito de propriedade é

proporcional, não se mostrará inconstitucional, não se configurando em medida

expropriatória e, consequentemente, não ocasiona no dever de indenizar. A

proporcionalidade abrange a necessidade, utilidade e proporcionalidade em sentido

estrito; é necessário limitar o pleno uso da propriedade, sob pena de total

devastação do meio ambiente; é útil limitar a propriedade, visto que, sem essa

limitação, os particulares poderiam não cumprir as determinações legais e

constitucionais de preservação do meio ambiente e este somente seria preservado

em propriedades públicas. Por fim, ponderando-se, de um lado, o interesse privado

e egoísta de conseguir auferir o maior lucro com a exploração dos recursos naturais

e de outro a preservação do meio ambiente, essencial para a saúde e bem estar de

toda a coletividade, deve-se prestigiar o interesse público e dar primazia a este

último. A restrição ao direito de propriedade para a preservação do meio ambiente

é, assim, proporcional e não se configura em medida expropriatória, salvo se, no

caso concreto, atingir o núcleo essencial do direito de propriedade. O núcleo

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essencial do direito de propriedade é o direito de usar do bem e de nele edificar,

assim como o direito de dispor, de acordo com as condições do imóvel; não havendo

a perda do direito de usar e fruir de acordo com a função social imposta pelas regras

de proteção ao meio ambiente, bem como pela impossibilidade de se indenizar

atividade legalmente vedada, qual seja, a exploração de recursos naturais de áreas

de preservação ambiental, em regra, não há o que indenizar. No sentido da não

indenizabilidade é o ensinamento de Luis Manuel Fonseca Pires324:

De tal sorte, do mesmo modo que não há que se reclamar de qualquer violação ao direito de propriedade por ter o proprietário que respeitar os limites para construir (tanto de altura quanto de recuo) e mesmo a compatibilidade da obra de acordo com o zoneamento da cidade, também não há que se insurgir o proprietário de uma área cuja conformação jurídica passa a conter impedimentos quanto à irrestrita e absoluta exploração do bem porque é preciso respeitar-se, a partir da constituição da área de preservação ambiental, a nova configuração jurídica quanto ao uso e exploração da propriedade.

...desde que haja a manutenção da noção de “funcionalidade” da propriedade, o que se encontra por serem preservadas as possibilidades de haver uma habitação no local e alguma exploração econômica, por se tratar de mera limitação administrativa, não há, de modo algum, qualquer direito à indenização ao proprietário.

No mesmo sentido, Cacilda Lopes dos Santos325:

Por limitação administrativa entende-se toda imposição do Estado, de caráter geral, que condiciona direitos dominiais do proprietário, independentemente de qualquer indenização. Diferencia-se a limitação administrativa da desapropriação, por representar a imposição de medidas de caráter geral, impostas com fundamento no poder de polícia e em benefício de interesse público genérico, não gerando indenização ao particular. Como exemplo, temos as limitações impostas à propriedade pelo Código Florestal, tais como as áreas de preservação permanente e as áreas de preservação ambiental, esta ultima considerada unidade de conservação de uso sustentável.

324

PIRES, Luis Manuel Fonseca Pires. A propriedade privada em área de proteção ambiental: limitações ou restrições administrativas?. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca Pires; ZOCKUN, Maurício. Intervenções do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 32-53.

325 SANTOS, Cacilda Lopes dos. Desapropriação e política urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.

94/95

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Somente se pode falar em desapropriação indireta quando a proteção ao

meio ambiente impede, por inteiro, o uso da propriedade. Isso ocorre quando: 1-

ocorrer a destinação do espaço para uso comum do povo (como ocorre nos Parques

Estaduais, de livre visitação pública); 2- houver a eliminação do direito à alienação;

3- houver inviabilidade total do uso econômico, ou seja, na prática, existir total

interdição da atividade econômica do proprietário, na completa extensão daquilo que

é seu326. Se ocorrer qualquer das três hipóteses, haverá a configuração da

desapropriação indireta, por violação ao núcleo essencial do direito de propriedade.

O proprietário, mesmo nos limites estritos do seu imóvel, não tem total e

absoluta disposição da flora. Dentre os poderes associados à propriedade, não está

o poder de transformar o “estado natural” da res ou destruí-la. Nenhum proprietário

tem direito ilimitado e inato de alterar a configuração natural da sua propriedade,

dando-lhe características que antes não dispunha. Decorre da função social da

propriedade o dever de preservar o meio ambiente, razão pela qual inexiste dever de

indenizar327. Nesse sentido é a lição da doutrina328:

Em face da Constituição Federal de 1988, não há um direito de propriedade que confira ao seu titular a opção de usar aquilo que lhe pertence de modo a violar os princípios estampados nos arts. 5º, 170, inciso VI, 194, § 2º, 186, inciso II, e 225, todos da Constituição Federal. A propriedade privada, nos moldes da Lei Maior vigente, abandona, de vez, sua configuração essencialmente individualista para ingressar em outra fase, mais civilizada e comedida, a qual se submete a uma ordem ambiental.

326

Cf. BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcelos e. Desapropriação, reserva legal e áreas de preservação permanente. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8691. Acesso em

25/10/2011.

327 “No geral, a proteção do meio ambiente, no sistema constitucional brasileiro, não é uma

incumbência imposta ao direito de propriedade, mas uma função inserida no direito de propriedade, dele sendo fragmento inseparável. Em resumo, os limites internos não aceitam a imposição do dever de indenizar, exatamente porque fazem parte do feixe de atributos necessários ao reconhecimento do direito de propriedade”. (BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcelos e. Desapropriação, reserva legal e áreas de preservação permanente. Disponível em:

http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8691. Acesso em 25/10/2011.)

328 SANTOS, Cacilda Lopes dos. Desapropriação e política urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.

69.

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Não há como subsistir o argumento de que devem ser indenizadas ao

proprietário as áreas de preservação permanente (APP) e áreas de preservação

ambiental (APA). Elas não acarretam a impossibilidade de uso aproveitável do

imóvel, visto que incidem em apenas parte do mesmo. Decorrem da própria lei que

disciplinou o direito de propriedade, compatibilizando-o com o dever de preservar o

meio ambiente. O direito de propriedade não é atingido em seu núcleo essencial,

visto que na parte do imóvel onde não conste a APP ou APA, existe o total poder de

usar, fruir e dispor do proprietário, conforme lição de Antonio Herman de

Vasconcelos e Benjamim329:

Em linhas gerais, nenhum dos dispositivos do Código Florestal consagra, aprioristicamente, restrição que vá além dos limites internos do domínio, estando todos constitucionalmente legitimados e recepcionados; demais disso, não atingem, na substância, ou aniquilam o direito de propriedade. Em ponto algum as APPs e a Reserva Legal reduzem a nada os direitos do proprietário, em termos de utilização do capital representado pelos imóveis atingidos. Diante dos vínculos que sobre elas incidem, tanto aquelas como esta aproximam-se muito de modalidade moderna de propriedade restrita, restrita, sim, mas nem por isso menos propriedade...se desapropriar é retirar a propriedade de alguém, não se pode falar, como regra, em conduta expropriante na proteção do meio ambiente pela via da Reserva Legal e das APPs, que do dominus nada retiram, só acrescentam, ao assegurarem que os recursos naturais – mantidos em poder do titular do direito de propriedade – serão resguardados, no seu próprio interesse (=de sua propriedade) e das gerações futuras, agrupamento que inclui, é bom lembrar, seus descendentes. A regulamentação estatal, em questão, orienta-se pela gestão racional dos recursos ambientais, procurando assegurar sua fruição futura, sem que isso implique, necessariamente, alteração do núcleo da dominialidade.

Nos casos de criação, por ato administrativo, de área de preservação

ambiental, também, em regra, não há dever de indenizar o proprietário. Caso a

329

BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcelos e. Desapropriação, reserva legal e áreas de preservação permanente. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8691. Acesso em

25/10/2011.

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limitação administrativa não extrapole a própria disciplina legal de proteção ao meio

ambiente, o ato administrativo somente declarou o que a lei já havia constituído.

Assim, não haveria o dever de indenizar. Entretanto, caso a criação de área de

preservação implique em restrição mais intensa e/ou extensa ao direito de

propriedade que o já decorrente de toda a Legislação que disciplina a proteção do

meio ambiente, há, inequivocamente, o dever de indenizar. Esse entendimento foi

acolhido pelo STJ330:

A criação do Parque Estadual da Serra do Mar não gera direito à indenização pura e simplesmente, eis que as limitações administrativas previstas no Decreto Estadual 10.251/77 já estavam anteriormente entabuladas no Código Florestal, sendo devida a indenização somente no caso de restar comprovada limitação administrativa mais extensa que as já existentes na área antes do decreto e, também, prejuízo concreto decorrente da impossibilidade de exploração econômica da propriedade.

Ressalte-se que a tendência atual é considerar-se a criação de parque

estadual simples limitação administrativa, sem qualquer indenização, conforme

decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo331:

Ementa: DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA Lei nº 8.873/94, que instituiu o Parque do Pariquera Abaixo Inexistência de apossamento administrativo Simples limitação administrativa imposta pela Lei Estadual, editada muito tempo depois do Código Florestal (Lei Federal 4.771/65) que já impunha limitações a áreas cobertas de floresta Indenização indevida Sentença de procedência reformada Reexame necessário e recurso voluntário providos.

330

STJ - EREsp 610158/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/09/2008, DJe 22/09/2008

331 TJ/SP, proc. 9150101-57.2004.8.26.0000 Apelação Relator: J. M. Ribeiro de Paula Comarca:

Jacupiranga Órgão julgador: 12ª Câmara de Direito Público Data do julgamento: 19/10/2011 Data de registro: 11/11/2011

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Se existia restrição ao imóvel na época da sua compra, tal restrição já foi

considerada no preço de mercado e não pode ser ressarcida pelos cofres públicos

ao comprador. Este já pagou um valor menor pelo imóvel em virtude das restrições e

não pode receber o valor equivalente a um imóvel sem restrições, sob pena de

manifesto enriquecimento sem causa. Nesse sentido:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO. I - Se a restrição ao direito de construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à indenização. Todavia, o direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais restrições, pedir indenização ao poder público. II. - R.E. não conhecido

332.

Se, quando da realização do negócio jurídico relativo a compra e venda de imóvel, já incidiam restrições administrativas decorrentes dos Decretos ns. 10.251/77 e 19.448/82, editados pelo Estado de São Paulo, subentende-se que, na fixação do respectivo preço, foi considerada a incidência do referido gravame. Não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte, conquanto alegue, a toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido imóvel que sabidamente deveria ser utilizado com respeito às restrições anteriormente impostas pela legislação estadual

333.

Havendo prejuízos comprovados, decorrentes do ato administrativo de

criação de área de preservação ambiental, o principio da justa indenização impõe o

dever de indenizar. Se no imóvel havia atividade extrativa de madeira, devidamente

legalizada, a cessação da atividade ocasiona prejuízo comprovado ao proprietário,

ocasionando o dever de indenizar. Entretanto, não existindo qualquer atividade

332

STF: RE 140436, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 25/05/1999, DJ 06-08-1999 PP-00045 EMENT VOL-01957-03 PP-00498

333 STJ - EREsp 254.246/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO

OTÁVIO DE NORONHA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2006, DJ 12/03/2007, p. 189

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interrompida pela criação da área de preservação ambiental, incabível qualquer

indenização, conforme decidiu o STJ334:

Acerca da indenização em separado da cobertura vegetal do imóvel, se verifica no caso em questão que região expropriada está situada na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Estado do Acre. A referida reserva foi criada pelo Decreto Estadual 99.144/90 e é área de preservação permanente, declarada de interesse ecológico e social. Ademais, o imóvel em litígio já se encontrava limitado em decorrência do Código Florestal, razão porque, considerando a restrição imposta pelo Código Florestal para a exploração de áreas de preservação ambiental, inclusive as reservas extrativistas, entendo como não cabível o direito à indenização em conjunto da cobertura florestal, uma vez que esta somente se revelaria devida caso demonstrado o efetivo prejuízo decorrente da criação da Reserva Extrativista Chico Mendes. Ressalte-se, por oportuno, que tal exploração econômica jamais ocorreu, conforme se pode extrair dos autos. Portanto, a concessão de indenização nas hipóteses de imóvel situado em área de preservação ambiental, em que seria impossível a exploração econômica lícita da área, significaria, antes de tudo, enriquecimento sem causa, sabidamente vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.

Não se indeniza o prejuízo de atividade nunca realizada ou impossível de ser

realizada por condições físicas ou características geográficas do imóvel

expropriado335. Tal fato representaria proporcionar ao proprietário um lucro que este

334

STJ - REsp 848.577/AC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe 10/09/2010

335 Sobre as desapropriações propostas contra o Estado de São Paulo em decorrência da criação da

Serra do Mar, assim se pronunciou o Desembargador do Tribunal de Justiça Manoel de Queiroz Pereira Calças: “Com o devido respeito ao entendimento majoritário das mais respeitadas Cortes de Justiça de nosso País, ou seja, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, entendo que a interpretação pretoriana a respeito das desapropriações indiretas, decorrentes da criação do Parque Estadual da Serra do Mar foi feita à luz do conceito do direito de propriedade que nos é outorgado pelo direito privado, o qual, em nosso sentir, não mais pode ser utilizado após a edição da Constituição Federal de 1988. Não bastasse isto, examinando-se as situações fáticas dos inúmeros processos de desapropriação indireta aforados, em virtude da criação do Parque Estadual da Serra do Mar, constata-se que a mera edição do referido decreto estadual não interferiu na exploração econômica dos imóveis situados nos respectivos limites geográficos, posto que, pela localização dos mesmos, impossível qualquer espécie de exploração lucrativa”. (CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. As ações de desapropriação indireta propostas em face da criação do Parque Estadual da Serra do Mar pelo Decreto Estadual nº 10.251, de 30-8-77. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n. 19, ago./nov. 1997. disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/20694/acoes_desapropriacao.pdf?sequence=1, acesso em 26/10/2011.)

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nunca teve e nunca teria a possibilidade de ter, em flagrante enriquecimento sem

causa, conforme orientação do STJ:

Não é devida indenização pela cobertura vegetal de imóvel desapropriado se já anteriormente à dita desapropriação, configurada estava a impossibilidade de sua exploração econômica

336.

As matas inexploráveis são caracterizadas unicamente como acessório da terra nua, sem valor destacado do valor fixado para o pagamento da terra. Assim, se a exploração econômica da propriedade é inviável, não é justo indenizar os expropriados pelo valor de cobertura florística inexplorável economicamente, sob pena de enriquecimento sem causa

337.

Também é digno de transcrição voto proferido pelo desembargador Laerte

Nordi do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo numa das inúmeras ações de

desapropriação indireta derivadas da criação da Serra do Mar338:

A verdade é que a prova dos autos também demonstra amplamente a absoluta impossibilidade de aproveitamento econômico da área, nem tanto pelas restrições administrativas impostas pela reserva Florestal, mas e preponderadamente, em razão da localidade do imóvel.

Da leitura dos autos, conclui-se que tanto o loteamento da área, como o aproveitamento comercial das matas, é simplesmente impraticável. As possibilidades de exploração do local são, pois. altamente problemáticas, ou melhor, absolutamente inviáveis. Não há uma probabilidade objetiva de que tal exploração venha efetivamente a ocorrer. E, desta feita, não pode o particular transferir o seu problema de venda de um bem, que está fora do mercado, para o Estado, não por culpa deste, mas sim, pela sua própria condição e localização.

336

REsp nº 123.835/SP, Relator p/ Acórdão Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 01/08/2000.

337 STJ - REsp 809.827/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em

28/11/2006, DJ 18/12/2006, p. 333

338 Acórdão disponível em RT 717/151

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Não se indenizam por meio de juros compensatórios a perda de uma

atividade econômica inexistente. A desapropriação não tem o mágico poder de

transformar um imóvel improdutivo em produtivo; não se pode aceitar essa absurda

ficção jurídica não permitida e nem tolerada pelo ordenamento jurídico. Nesse

sentido:

Os juros compensatórios, in casu, tem o escopo de compensar a perda da área produtiva ou de exploração. A área em comento é localizada em terreno que dificulta, enormemente, sua exploração, não ficando comprovado que o decreto expropriatório operou impedimento ao uso e gozo, porquanto, concretamente, inexistia exploração anterior para ser compensada na via dos juros pleiteados. Precedentes: REsp nº 595.748/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 17/08/06 e REsp nº 108.896/SP, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, DJ de 30/11/98

339.

Ementa: Desapropriação - Indenização arbitrada com base no laudo oferecido pela expropriante, que encontrou o valor do imóvel considerando suas limitações: cortado por curso d'água, com nascentes, áreas inundáveis e alagadiças, em declives e com vegetação de preservação permanente, não se prestando à implantação de loteamento urbano. Indenização que deve ser contemporâneo da avaliação (DL 3365/41, art. 26). Juros compensatórios não devidos pelo fato da gleba não se revelar produtiva, sem que a simples desapropriação fizesse com que passasse a produzir rendas. Juros moratórios devidos a partir do primeiro dia útil seguinte ao exercício de expedição do precatório. Observância da Lei 11.960/2009 - Honorários advocatícios reduzidos (DL 3365/41, art. 27). Ação procedente. Recursos providos (oficial e voluntário)

340.

Ementa: Desapropriação indireta - Criação do Parque Estadual da Serra do Mar pelo Decreto n° 10.251, de 1977 - Inexistência de prescrição, bem como de inépcia da inicial. Apossamento administrativo inexistente - Restrições do direito de uso do imóvel que, por si só, não teriam efeito sob o direito domínio, até pelo fato de não impedirem a utilização de acordo com a sua função social ou a sua disponibilidade. Necessidade de comprovação do prejuízo, que deve ser real e não hipotético - Prejuízo não configurado no caso em exame - Aproveitamento econômico do imóvel para o corte e extração de madeira - Inexistência de vestígios do exercício de tal atividade,

339

STJ - REsp 784.106/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/12/2006, DJ 22/03/2007, p. 290

340 TJ/SP, proc. 0192715-94.2008.8.26.0000 Apelação Com Revisão / Desapropriação, Relator:

Urbano Ruiz, Comarca: Itatiba , Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 04/12/2009, Data de registro: 11/01/2010

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quer pela topografia da região, quer pelo estado de conservação da mata e, principalmente, por tratar-se de imóvel não servido por rede elétrica, consoante apurado peta prova pericial - Ausência, ademais, de prova segura de atividade comercial, ainda que algum documentos revelem a extração de certa quantidade de madeira em período remoto, com ou sem autorização legal - Conjunto probatório que não autoriza a chancela de indenização no valor total de mais de 12 milhões de reais - Sentença de improcedência da ação - Verba honorária fixada com razoabilidade Desprovimento de todos os recursos (agravo retido, apelação principal e apelo adesivo)

341.

No mesmo sentido é a doutrina342:

Observa-se que a criação dos juros compensatórios teve por objetivo compensar a renda da terra que o proprietário deixou de auferir em virtude da desapropriação. Nos casos das desapropriações ambientais, referidas regras não poderiam ser aplicadas, pois é improvável que seus proprietários auferissem renda de terras com as particularidades das compostas pela Serra do Mar, com encostas que constituem limitações naturais à exploração econômica.

Como o Brasil não possui legislação específica para desapropriações

ambientais, os procedimentos adotam o modelo instituído pelas normas gerais de

desapropriação, utilizadas em casos comuns. Os peritos judiciais costumam utilizar

como métodos de avaliação o comparativo de dados de mercado e o método

indireto, denominado involutivo. O método comparativo direto não é recomendado,

diante da escassez ou mesmo inexistência de outras glebas com as características

assemelhadas ao do imóvel objeto da restrição ambiental. Por sua vez, o método

involutivo parte de uma hipótese de aproveitamento econômico da área para se

chegar a um valor de indenização, modelo que também se mostra inadequado. O

341

TJ/SP, 9077177-82.2003.8.26.0000 Apelação Com Revisão, Relator: Osvaldo Magalhães. Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Público. Data de registro: 29/12/2004.

342 SANTOS, Cacilda Lopes dos. Desapropriação e política urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.

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método involutivo é conceituado no item 6.2.4.1 da Norma Brasileira NB502, nos

seguintes termos:

Aquele baseado em modelo de estudo de viabilidade técnico-econômica para apropriação do valor do terreno, alicerçado no seu aproveitamento eficiente, mediante hipotético empreendimento imobiliário compatível com as características do imóvel e com as condições de mercado.

Entretanto, o método involutivo, ao permitir que se por se avalie um imóvel

levando em conta “sua viabilidade técnico-econômica para apropriação do valor do

terreno, alicerçado no seu aproveitamento eficiente, mediante hipotético

empreendimento imobiliário compatível com as características do imóvel e com as

condições de mercado” ocasiona injustiças extremamente grandes e ofende o

ordenamento jurídico. A justa indenização não permite o pagamento de lucros

hipotéticos e indenizar um loteamento inexistente, somente sob o argumento de que

no terreno seria possível fazer um loteamento é proporcionar um enriquecimento

ilícito ao proprietário; ademais, tal solução fere o art. 42 da Lei 6.766/79 que veda,

nas desapropriações de terrenos não vendidos ou compromissados que estes sejam

considerados loteados para efeito de indenização. Assim, a utilização desses

métodos, adequados às desapropriações fundadas em utilidade pública ou interesse

social de imóveis situados nas cidades, não é boa técnica para as avaliações

ambientais.

Quando se admita a indenização, ou seja, nos casos de prejuízos

efetivamente comprovados, deve-se atentar ao fato de que as restrições ambientais

ocasionam a diminuição do valor de mercado dos imóveis sujeitos aos gravames da

legislação ambiental. Assim, não se podem avaliar tais imóveis no mesmo valor que

outros onde o aproveitamento econômico seria pleno, sob pena de enriquecimento

sem causa. Nesse sentido é a lição de José Afonso da Silva343:

343

SILVA, José Afonso da. Apud in: BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 65, nota de rodapé 1.

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...o proprietário, seja pessoa pública ou pessoa particular, não pode dispor da qualidade do meio ambiente a seu bel-prazer, porque ela não integra a sua disponibilidade. Além disso, há elementos físicos do meio ambiente que também não são suscetíveis de apropriação privada, como o ar, a água, que são, já por si, bens de uso comum do povo. Assim também as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País. Por isso, como a qualidade do ambiente, não são bens públicos nem particulares. São bens de interesse público, dotados de um regime jurídico especial, enquanto essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim de interesse coletivo.

A conclusão importante é que esses bens vinculados a um regime especial de imodificabilidade e, às vezes, de relativa inalienabilidade têm uma parte que fica sob o poder de decisão do proprietário acerca de sua utilização e fruição e que fica sob o domínio do poder público. Por isso a interpretação que a Jurisprudência tem dado a respeito do valor da indenização desses bens, especialmente das florestas especialmente protegidas, não tem levado em conta que tais bens não podem ter o mesmo valor monetário que teriam se não estivessem incluídos na categoria dos bens de interesse público. No cálculo da indenização, quando cabível há de se ponderar entre o interesse público e o interesse privado sobre o bem, para que se cumpra a determinação constitucional do preço justo no caso de desapropriação direta ou indireta. O conceito de valor justo não é só em benefício do proprietário. Se o bem tem uma parte de interesse público, o valor deve levar em conta a parte estritamente do particular. A parte vinculada desconta-se no total valor que teria o bem, se despido do vínculo de interesse público.

Assim, em regra, não há o dever de indenizar o proprietário por este ter o

dever de preservar o meio ambiente, as APPs e APAs em sua propriedade. Nem

mesmo a criação de área de preservação ambiental por meio de ato administrativo,

se o mesmo apenas se limita a declarar o que a lei já exigia, gera o dever de

indenizar, salvo prejuízos efetivamente comprovados e/ou havendo, no caso

concreto, a supressão do núcleo essencial do direito de propriedade.

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CAPÍTULO III – A JUSTA E PRÉVIA INDENIZAÇÃO

1 – A importância da indenização na desapropriação

O direito à indenização na desapropriação foi garantido por todas as

Constituições:

- CF/1824, art. 179, XXII: E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.

- CF/1891, art. 72, parágrafo 17: O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.

- CF/1934, art. 113, nº 17: garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

- CF/ 1937, art. 122, nº 14: direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício.

- CF/1946, art. 141, parágrafo 16: É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior.

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- CF/1967, art. 150, parágrafo 22: É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no art. 157, § 1º. Em caso de perigo público iminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior.

- EC nº 1/1969, art. 153, parágrafo 22: É assegurado o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no artigo 161, facultando-se ao expropriado aceitar o pagamento em título de dívida pública, com cláusula de exata correção monetária. Em caso de perigo público iminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior.

A indenização é fundamental ao conceito de desapropriação. O direito à justa

e prévia indenização na desapropriação é um direito fundamental previsto no art. 5º,

XXIV da Constituição Federal. Trata-se de um preceito de caráter preceptivo e não

programático. Tem eficácia plena, é auto-aplicável e bastante em si. Não necessita

de complementação, explicitação ou regulamentação. A lei desapropriatória, seja

qual for a sua forma, em seus dispositivos materiais ou processuais, jamais poderá

dispor de modo diferente. Tem de obedecer a esse comando emergente. Não

haverá desapropriação, em termos de transferência de propriedade por esse ato de

império, enquanto não recomposto o patrimônio do expropriado, mediante justa e

prévia indenização em dinheiro344.

A justa e prévia indenização tem por finalidade garantir contra os atos do

Poder Público um direito do indivíduo: o direito de propriedade. Existe o direito

público subjetivo345 à justa e prévia indenização. Também, é também um parâmetro

344

Cf. FRANCIULLI NETTO, Domingos. Desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 659, setembro de 1990, p. 230-232.

345 “Da garantia, contida na Constituição, de direitos em favor do indivíduo surgirá a noção de direito

público subjetivo, isto é, de um direito que o indivíduo titulariza contra o próprio Estado, ampliando o antigo conceito de direito subjetivo, até então circunscrito às relações entre particulares”. (SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 4ª edição, 2009, p.

48)

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ético de atuação da própria Administração Pública e como tal tem que ser

perseguida necessariamente346.

O direito de propriedade sempre sofreu nas mãos dos Monarcas soberanos. A

propriedade era retirada do particular sem qualquer compensação financeira. No

direito romano, não existia o instituto da desapropriação347, vigorando o arbítrio do

titular do Poder que subtraía a propriedade do particular, sem nenhuma indenização,

vigorando durante o Império a máxima “quod principi placuit legis habet vigorem348”.

No período feudal a desapropriação não existia. O senhor feudal submetia os bens

dos vassalos à sua livre disposição, ocorrendo o apossamento das terras dos

súditos, sem qualquer indenização. A desapropriação somente existiu a partir do

momento em que o Estado se viu obrigado a respeitar os direitos individuais para

promover a execução das obras públicas349. Nesse sentido é a lição de Ildefonso

Mascarenhas da Silva350:

A falta de garantias constitucionais, o absolutismo real, a divisão de castas, a existência da escravidão, demonstram que os Estados antigos não respeitavam a liberdade individual, elemento gerador do trabalho, ao qual deve, segundo muitos autores, a aquisição da propriedade. As grandiosas obras públicas realizadas por diversos países e cidades da antiguidade excluem a possibilidade de que os Estados não ocupassem propriedades particulares. Pode-se concluir desses fatos que era conhecida a desapropriação, embora não tivesse ela existência e desenvolvimento autônomo, pois se confundia com o interesse geral, que absorvia o interesse privado...todos reconhecem que a desapropriação é o resultado lógico do desenvolvimento histórico da sociedade; da transformação do

346

Cf. FERRAZ, Sérgio. Justa indenização na desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 502,

agosto de 1977, p. 247-255.

347 “Versaram-na o Digesto e o Código Teodosiano, de maneira incompleta, mas o que dominava era

a arbitrariedade”. (PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p. 13)

348 “o que agrada ao rei, tem vigor de lei”. “No início o monarca, detentor do poder soberano,

apropriava-se das terras que desejasse sem qualquer espécie de indenização. Não vigorava, pois, qualquer forma de legislação protetora do direito de propriedade contra a ação confiscatória do Estado”. (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 19ª edição,

1998, p. 212)

349 Cf. SILVA, Ildefonso Mascarenhas. Desapropriação por necessidade e utilidade pública. Rio de

Janeiro: Aurora Limitada, 1947, p. 61

350 SILVA, Ildefonso Mascarenhas. Desapropriação por necessidade e utilidade pública. Rio de

Janeiro: Aurora Limitada, 1947, p. 50/51

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regime absolutista, em que o rei era irresponsável, dono superior dos bens de seus súditos, no sistema atual em que a coletividade conquistou seu direito de soberania e o respeito da propriedade.

Assim, o que separa a desapropriação do Estado de Direito da

“desapropriação” dos períodos anteriores da história é a exigência de justa a prévia

indenização. Esta é a garantia da propriedade assegurada constitucionalmente,

sendo o instrumento de contenção aos atentados que a propriedade sofria antes do

Estado de Direito351.

A previsão de obrigatoriedade da indenização representou uma garantia da

propriedade em favor do particular. O direito justa e prévia indenização é um direito

fundamental porque se destina a preservar o direito individual de propriedade contra

o Estado. Conforme a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a indenização, na

verdade, é que distingue a desapropriação do confisco, ato por que o Estado toma

bens alheios para si, sem retribuição352”. Assim, sem a prévia e justa indenização,

não há desapropriação e sim confisco de bens particulares, o que não é permitido

pelo nosso ordenamento jurídico, salvo na hipótese prevista no art. 243 da

Constituição Federal353. Nesse sentido, Pontes de Miranda354:

351

No campo específico da propriedade surge a desapropriação. Esta, ao invés do que pode parecer à primeira vista, é um instrumento que historicamente consolidou o direito de propriedade, pelo menos contra os atentados que sofria por parte do Estado”. (BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 19ª edição, 1998, p. 212/213)

352 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 34

edição, 2008, p. 309.

353 Trata-se de hipótese em que Constituição previu uma desapropriação sem indenização, que se

trata de um confisco. Nesse sentido, comentando referido artigo, se manifesta José Afonso da Silva: “o artigo e seu parágrafo utilizam dois institutos que, no fundo, têm resultado igual (a subtração de bem sem indenização, pela qual, mediante ação judicial, se retiram do proprietário ou do possuidor glebas onde se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas; outro é o confisco de bens apreendidos em decorrência do tráfico de entorpecentes e drogas afins. Diz-se que expropriação sem indenização nada mais é do que uma forma de confisco. É um pensamento correto”. (SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007, 4ª edição, p. 884).

354 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São

Paulo: RT, 1968, p. 373

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O confisco é a agressão política, ou medida de defesa política, que retira de alguém, pessoa física ou jurídica, a propriedade de algum bem ou de alguns bens, ou de patrimônio, sem a indenização conforme a lei. Aproxima-se de sua figura e talvez já a sobponha a ela, ou nela se inclua, a retirada de bem patrimonial, qualquer que seja, se a indenização não é prévia, ou não é justa, ou não é em dinheiro e não houve acordo sobre esse modo de prestar.

Afirma Clóvis Beznos que “a indenização é o ponto nodal da

desapropriação que sem ela, pura e simplesmente não existe355”. Por fim,

ressaltando a importância da indenização no processo expropriatório, afirma Cretella

Junior que “a indenização é elemento fundamental no processo expropriatório; tudo

gira, praticamente, em torno da indenização356”.

A indenização é a condição necessária e imprescindível para limitar o direito

de propriedade. Esta se submete ao interesse coletivo. Entretanto a subordinação

ao interesse coletivo não pode significar uma redução ou aumento do patrimônio do

expropriado que deve sair da desapropriação com o mesmo valor patrimonial que

tinha antes desta357. O dever de indenizar decorre do princípio da igualdade dos

ônus e encargos sociais358. Segundo Clovis Beznos359, “configura a indenização o

símbolo do respeito pelo poder aos direitos individuais, traduzindo-se também em

evidente significado do princípio da igualdade”. A indenização decorre do princípio

355

BEZNOS, Clóvis. Aspectos Jurídicos da Indenização na Desapropriação; Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 15.

356 CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980, vol.

2, p. 118

357 Nesse sentido; PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho,

1948, p. 130.

358 Cf. ALVIM, Arruda. Desapropriação e valor no direito e na jurisprudência. In: Revista de Direito

Administrativo nº 102, outubro/dezembro 1970, p. 42-70.

359 BEZNOS, Clóvis. Aspectos Jurídicos da Indenização na Desapropriação; Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 15

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da igualdade360. Este não permite que um cidadão seja privado de seu patrimônio

em proveito da coletividade sem que esta indenize integralmente o expropriado361.

Conforme lição de Ildefonso Mascarenhas da Silva362,

se a desapropriação justifica o pagamento de uma indenização é por que ela tem o efeito de despojar certos proprietários de toda ou de parte de suas propriedades enquanto que outros continuam na posse da sua, ou são simplesmente restringidos no exercício de seu direito.

A garantia da indenização decorre de três fatores: 1- da própria garantia da

propriedade que, no caso da desapropriação, converte-se em uma garantia do valor

da propriedade e, por conseguinte, requer, pelo menos, a conservação da existência

do patrimônio com relação ao valor; 2- do princípio da igualdade que exige a

compensação, por todos, do prejuízo de um em benefício da coletividade e; 3- da

ordenação econômica existente, orientada pelo principio do mercado e da

concorrência; este seria abalado, se a propriedade das coisas e os outros direitos

patrimoniais fossem avaliados diferentemente, conforme são retirados por meio de

coerção no caminho da desapropriação ou voluntariamente no caminho da venda ao

estado ou a outro cidadão363.

Do mesmo modo que o expropriado não tem como evitar a desapropriação, o

expropriante não tem como evitar a necessária indenização364. Esta é um direito

360

...”o problema da indenização surgiria como uma das faces do princípio jurídico fundamental da igualdade”. (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 15)

361 “Assim, não se pode conceber, diante desse princípio, que os encargos sociais decorrentes dos

benefícios ou melhorias, construídos em prol da coletividade, recaiam especialmente sobre alguém, exigindo que sejam eles distribuídos para toda a sociedade”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos Jurídicos da Indenização na Desapropriação; Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.33/34)

362 SILVA, Ildefonso Mascarenhas. Desapropriação por necessidade e utilidade pública. Rio de

Janeiro: Aurora Limitada, 1947, p. 282/283

363 Cf. MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral. São Paulo: Manole, 2006, tradução de Luiz

Afonso Heck, p. 821

364 Cf. WHITAKER, F. Desapropriação. São Paulo: Atlas, 3ª edição, 1946, p. 29

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subjetivo do expropriado e um dever do expropriante. Sem ela, haveria um

enriquecimento sem causa do Estado365.

No direito brasileiro, a indenização é informada pelos princípios da

previalidade, da certeza, da unicidade, da justeza e da moeda366.

Sobre a necessidade de a indenização ser prévia e justa, discorreremos

abaixo de forma mais detida.

A indenização deve ser certa, ou seja, deve ser determinado um valor

nominal para o bem expropriado, não se aceitando valores indefinidos ou a serem

objeto de arbitramento ou liquidação posterior367.

O princípio da unicidade da indenização determina que, embora sobre um

imóvel possam concorrer, com o direito do proprietário, direitos diversos de outros

sujeitos, tais como o de usufruto, de uso, de servidão, de domínio direto, a

indenização é sempre única e concerne inteiramente ao proprietário. Mediante a

desapropriação, os direitos que os outros sujeitos possam ter sobre a coisa se

extinguem e se concentram na indenização que é destinada compensar tantos os

proprietários como os demais sujeitos que possam ter direitos sobre o imóvel368. A

lei de desapropriações, adotando o sistema de indenização única e apenas

ressalvando, no interesse de terceiros, a sub-rogação no preço de quaisquer ônus

ou direitos incidentes sobre a coisa, deixou ao desamparo as situações que não

possam fazer valer tão só por essa providência. Apesar disso, e porque amparados

pelo texto constitucional assecuratório do direito de propriedade em sentido amplo,

365

Cf. CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980,

vol. 2, p. 121

366 Cf. CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980,

vol. 2, p. 128/129

367 Nesse sentido foi o entendimento firmado pelo STF vedando que o precatório da desapropriação

fosse expresso em índices de indexação, como a OTN: - “DESAPROPRIAÇÃO. PRECATORIO - LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. CONVERSAO DE OTNS A DATA DO PAGAMENTO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO SENTIDO DE NÃO SER POSSIVEL A PERMANENTE ATUALIZAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO A BASE DAS OTNS COM APURAÇÃO NA ÉPOCA DA LIQUIDAÇÃO. RE CONHECIDO E PROVIDO. (STF - RE 119081, Relator: Min. CELIO BORJA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/03/1990, DJ 20-04-1990 PP-03053 EMENT VOL-01577-03 PP-00624)

368 Nesse sentido, ZANOBINI. Apud in: CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação.

Rio de Janeiro: Forense, 1980, vol. 2, p. 122

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as situações patrimoniais afetadas simultaneamente com a do dono da coisa, desde

que não suscetíveis de reparação pelo sub-rogamento, devem ser indenizadas pelo

expropriante, em ação própria369.

Por fim, a indenização deve ser paga em dinheiro. Somente nos casos

expressamente previstos na Constituição se pode cogitar do pagamento em

títulos370. Pagar em títulos é pagar a prazo; o título é um crédito que somente se

realizará na data em que o devedor o cumprir. Assim, não atende ao princípio da

prévia indenização371.

2 – A indenização justa

Conforme lição se Sérgio Ferraz372,

Direito é, sobretudo, bom senso. A técnica é tão apenas um instrumento para o exercício do bom senso, não mais do que isso. Não devem ser complicados a linguagem, os problemas e, sobretudo, as soluções jurídicas. O problema da justa indenização, diabolicamente complicado por uma série de indagações quase sempre sem sentido, é tão simples que os fatores complicadores vêm dos interrogantes e não das questões. O problema da justa indenização é daqueles que permite realmente esse tipo de abordagem semiológica, mas igualmente de mero senso comum, de homem do povo: uma abordagem jurídica sem vaidade.

369

Cf. FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de

Janeiro: Forense, 2010, 8ª edição, p. 422/423

370 Exemplos: Art. 182 § 4; 184 da CF.

371 “Os títulos criam para o emitente apenas uma obrigação de pagar a quantia correspondente ao

seu valor nominal, à data do vencimento. O proprietário pago em títulos, é, portanto, expropriado de certo valor do seu patrimônio sem que a contraprestação, por parte do Estado, tenha lugar antecipadamente, como exige a Constituição”. (FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 26)

372 FERRAZ, Sérgio. Justa indenização na desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 502,

agosto de 1977, p. 249.

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A Constituição Imperial é silente quanto à característica de justeza,

transcrevendo somente a obrigação de indenizar. O mesmo ocorreu na Constituição

Republicana de 1891. Em 1934 surge, pela primeira vez, a exigência de ser justa a

indenização, que desaparece logo na Constituição de 1937. Em 1946, novamente,

aparece o adjetivo “justa” ao lado da exigência de indenização. E, a partir daí, todas

as Constituições exigiram que a indenização fosse justa.

Há quem entenda que o conceito de justa indenização é redundante. Sylvio

Pereira diz que “a indenização ou é justa ou não é indenização373”.

Não se pode permitir que a Administração promova transferências coativas de

propriedade sem que esteja aparelhada para atender aos ônus daí decorrentes. Se

não há a justa indenização, há uma ofensa grave ao principio da igualdade374, visto

que o interesse da coletividade seria satisfeito com o sacrifício somente de uma

pessoa.

O legislador brasileiro jamais se preocupou em consagrar critérios para aferir

a indenização justa; a disciplina do art. 27 da Lei de Desapropriações375 é

inadequada por se fundar no valor venal do imóvel, que, na maioria das vezes, se

mostra discrepante do valor real do imóvel. Também, os outros critérios não são de

muita serventia, visto que o preço de aquisição, na prática, nunca é declarado

corretamente no registro de imóveis com a finalidade de burlar o fisco, e a inflação

na qual viveu o Brasil anteriormente à segunda metade da década de 90 torna tais

valores totalmente inadequados como parâmetro para se indenizar.

Pode-se entender que o ideal é que a lei não dê parâmetros rígidos e que a

cada momento se procure reconstruir o conceito de justiça, sobretudo porque ele é

373

PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p. 31

374 Cf. FERRAZ, Sérgio. Justa indenização na desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 502,

agosto de 1977, p. 247-255.

375 O artigo 27 do Decreto-lei nº 3.365/41 estabelece: “O juiz indicará na sentença os fatos que

motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu”.

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extremamente contingente e conjuntural376. Entretanto, a falta de critérios legais

atribui muito poder ao perito; devido à falta de padrões mínimos que deverão ser

observados na realização da perícia, há a produção de laudos muito subjetivos e

com valores muito discrepantes em relação a outros realizados com as mesmas

características. Nesse sentido377:

No Brasil, repita-se, a ausência na lei de dispositivos específicos para o caso de avaliação de imóveis, em particular no caso de desapropriações, é fator que dificulta ao Poder Judiciário analisar os resultados dos laudos apresentados e gera discussões intermináveis a respeito do quantum a ser indenizado.

Na verdade, no Brasil, em termos práticos, quem julga não é o juiz; é o perito.

Este decide o preço a ser pago pelo Poder Expropriante. E, como não existem

balizas legais, o subjetivismo impera, abrindo-se espaço para fraudes e

corrupções378 de toda espécie, em detrimento aos cofres públicos ou em prejuízo do

376

Cf. FERRAZ, Sérgio. Justa indenização na desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 502,

agosto de 1977, p. 247-255.

377 SANTOS, Cacilda Lopes dos. Desapropriação e política urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.

65

378 É o que provavelmente ocorreu nas perícias da desapropriação da Serra do Mar em São Paulo,

onde o STJ permitiu ao Estado de São Paulo realizar nova perícia devido ao fortes indícios de fraude na perícia judicial realizada que culminou na condenação do Estado ao pagamento do absurdo valor de mais de 372 milhões: “PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. SERRA DO MAR. AÇÃO RESCISÓRIA. PROVA PERICIAL FALSA. FALTA DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE O OBJETO PERICIADO E O LAUDO PRODUZIDO. FORTES INDÍCIOS. APURAÇÃO NO ÂMBITO DA AÇÃO. NOVA PERÍCIA. DEFERIMENTO. 1. É admissível Ação Rescisória fundada no art. 485, VI, do CPC, em que se alega a falsidade da prova pericial em razão da falta de correspondência entre o objeto analisado e o laudo produzido. 2. Hipótese em que os autos estão instruídos com elementos que apontam fortes indícios de falsidade. 3. Precatório de R$ 372.875.673,00 (valores de fevereiro de 2002), referente à área de 3.300 ha afetados pela criação do Parque Estadual da Serra do Mar. 4. No âmbito do Direito Público, é técnica e juridicamente descabida a distinção, para fins de aplicação do art. 485, VI, do CPC, entre "falsidade" e "erronia". 5. Desnecessário, na Ação Rescisória, perquirir a atitude ou estado de espírito do perito, se houve simples erro ou deliberada intenção de prejudicar a cognição do Judiciário, importando apenas aferir a correspondência entre o conteúdo do laudo pericial e a realidade que se propôs a apurar e relatar. 6. Indeferir a produção de nova perícia na Ação Rescisória, apesar dos fortes indícios, constantes dos autos, de ilegalidade e de flagrante atentado à realidade do mercado, seria negar ao autor a possibilidade de comprovar suas alegações, como autorizado pelo art. 485, VI, do CPC. 7. Agravo Regimental provido”. (AgRg na AR 3290/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/09/2007, DJe 10/11/2009)

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expropriado. Assim, “o magistrado limita sua atividade jurisdicional, nos processos

de desapropriação, a decisões de cunho meramente formal, deixando a fixação do

preço da terra desapropriada à arbitragem e exame dos peritos judiciais379”.

Na legislação colombiana, o Decreto nº 1.420/1998 estabelece:

ARTICULO 2º. Se entiende por valor comercial de un inmueble el precio más probable por el cual éste se transaría en un mercado donde el comprador y el vendedor actuarían libremente, con el conocimiento de las condiciones físicas y jurídicas que afectan el bien.

(...)

CAPITULO IV.

DE LOS PARAMETROS Y CRITERIOS PARA LA ELABORACION DE AVALUOS

ARTICULO 20. El Instituto Geográfico Agustín Codazzi, la entidad que cumpla sus funciones y la personas naturales o jurídicas registradas y autorizadas por las lonjas en sus informes de avalúo, especificarán el método utilizado y el valor comercial definido independizando el valor del suelo, el de las edificaciones y las mejoras si fuere el caso, y las consideraciones que llevaron a tal estimación.

(...)

A legislação espanhola estabelece critérios para cada tipo de solo,

classificando-o em urbanizável e não urbanizável, situação esta que traz segurança

aos particulares relativamente à atuação do Estado diante de suas propriedades:

Ley 6/1998, de 13 de abril, sobre régimen del suelo y reglas de valoración:

Artículo 27. Valor del suelo urbanizable

379

LIMA, Adriana Nogueira Vieira; MACEDO FILHO, Edson. Desapropriação em áreas urbanas de assentamentos informais: limites e alternativas a sua aplicação. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o instituto da desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2009, p. 220/238

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1. El valor del suelo urbanizable incluido en ámbitos delimitados para los

que el planeamiento haya establecido las condiciones para su desarrollo se

obtendrá por aplicación al aprovechamiento que le corresponda del valor

básico de repercusión en polígono, que será el deducido de las ponencias

de valores catastrales. En el supuesto de que la ponencia establezca para

dicho suelo valores unitarios, el valor del suelo se obtendrá por aplicación

de éstos a la superficie correspondiente. De dichos valores se deducirán los

gastos que establece el artículo 30 de esta Ley, salvo que ya se hubieran

deducido en su totalidad en la determinación de los valores de las

ponencias. (...)

En cualquier caso, se descartarán los elementos especulativos del cálculo y

aquellas expectativas cuya presencia no esté asegurada.

O Código das Expropriações de Portugal, Lei nº 168/99 estabelece que:

TÍTULOIII

Do conteúdo da indemnização

Artigo 23º Justa indemnização

1 - A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela

entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado

advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de

acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica

normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em

consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela

data.

E ainda, a lei espanhola sobre expropriação:

Lei 6/1998, sobre règim del sòl i regles de valoración

Artículo 36. Procedimiento de determinación del justiprecio

El justiprecio de los bienes y derechos expropiados se determinará

conforme a lo establecido en el título III de la presente Ley, mediante

expediente individualizado o por el procedimiento de tasación conjunta.

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130

TÍTULO III

Valoraciones

Artículo 23. Aplicación general de las reglas de valoración a los efectos de

expropiación, las valoraciones de suelo se efectuarán con arreglo a los

criterios establecidos en la presente Ley, cualquiera que sea la finalidad que

la motive y La legislación, urbanística o de otro carácter, que la legitime.

Mesmo sem disciplina legal que forneça parâmetros para a avaliação dos

imóveis, deve-se partir de um pressuposto básico: indenização justa é aquela que

impede o empobrecimento e o enriquecimento do expropriado. O conceito de justa

indenização deve representar uma retribuição que permita a reparação integral,

traduzida exatamente na possibilidade imediata em que se encontra o expropriado,

quando receba a indenização, de adquirir um bem do mesmo valor daquele que foi

transferido coativamente ao Estado. Segundo Sérgio Ferraz380,

A justa indenização é aquela que, naquele momento do mercado em que a indenização é colocada na mão do expropriado, permite que, se ele desejar, possa adquirir outro imóvel da mesma natureza, características e atributos daquele que lhe fora subtraído por imposição.

Justa indenização381 é a indenização que permite ao expropriado adquirir um

bem da mesma qualidade e/ou quantidade que o perdido para o Estado pelo

processo de desapropriação382. A justa indenização, em regra, corresponde ao valor

380

FERRAZ, Sérgio. Justa indenização na desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 502, agosto de 1977, p. 247-255.

381 “Justa indenização deverá ser a indenização, isto é, consistirá em quantia equivalente ao preço

que a coisa alcançaria caso tivesse sido objeto de contrato normal (e não compulsório) de compra e venda”. (CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980,

vol. 2, p. 123)

382 “o papel da indenização é, a nosso ver, fazer entrar no patrimônio do expropriado um valor

exatamente equivalente ao que apresentado, pelo bem de que foi despojado”. (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 13)

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que o particular obteria se o bem fosse vendido no mercado383, no momento em que

é decretada a utilidade pública ou interesse social, não abrangendo, assim, a

valorização decorrente da própria desapropriação384. A indenização somente será

justa se por ela se puder deixar o expropriado na situação econômica que desfrutava

antes da expropriação385. O critério de justiça há de ser encarado considerando o

bem e o que ele representa na economia do proprietário386.

Ressarcimento, reparação e indenização não se confundem. Ressarcimento é

o pagamento de todo prejuízo material sofrido, abrangendo o dano emergente e os

lucros cessantes, o principal e os acréscimos que lhe adviriam com o tempo e o

emprego da coisa. Reparação é a compensação pelo dano moral, a fim de minorar a

dor sofrida pela vítima. E a indenização é reservada para a compensação do dano

decorrente de um ato lícito do Estado, lesivo do particular, como ocorre nas

desapropriações387.

A indenização na desapropriação é decorrente de um ato lícito, exercido no

exercício regular de um direito que decorre da Constituição Federal. Não se

confunde com a reparação pelo ato ilícito388. Indenização é a compensação de um

383

Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 6ª edição,

2010, p. 639

384 “Outro aspecto dessa reflexão que também deve ser considerado é de que a indexação deve ser

calculada com base no valor do imóvel no momento da declaração da intenção do poder público, excluindo assim quaisquer incrementos de valor posteriores à declaração da utilidade/necessidade pública ou de interesse social para fins de desapropriação”. (FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. Revisitando o instituto da desapropriação: uma agenda de temas para reflexão. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o instituto da desapropriação. Belo

Horizonte: Fórum, 2009, p. 21-37.)

385 “Ou seja, a indenização havida como justa, pela sentença, segue-se que o quantum respectivo

não pode sofrer diminuição, evitando-se que por esse motivo e na medida dessa diminuição, viesse a indenização deixar de ser justa”. (ALVIM, Arruda. Desapropriação e valor no direito e na jurisprudência. In: Revista de Direito Administrativo nº 102, outubro/dezembro 1970, p. 42-70.)

386 Cf. FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas

Bastos, 1949, p. 343

387 Cf. GONÇALVES. Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 10 ª edição, 2008,

p. 592.

388 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V.

São Paulo: RT, 1968, p. 437

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prejuízo389. Este é a diminuição do patrimônio ocasionada por ato de terceiro. A

desapropriação é a causa de diminuição do patrimônio do expropriado. A

indenização é a reposição do patrimônio do expropriado do prejuízo causado pelo

expropriante390.

Não somente o valor do bem entra na indenização. Esta compreende a

recomposição de todos os prejuízos atuais e imediatos decorrentes da

desapropriação e margem de lucros que a coisa expropriada efetivamente já

assegurava projetar no futuro391. Entretanto, não se admite o pagamento de

eventuais lucros presumidos392, hipotéticos, e de afeição393. A garantia da

propriedade compreende somente a existência de valores patrimoniais

concretamente existentes, não abrangendo oportunidade de aquisição,

possibilidades de ganho e esperança de lucro394. Segundo Seabra Fagundes395, “os

lucros cessantes devem ser sempre indenizados...mas para tal, é preciso que sejam

efetivos e não prováveis, problemáticos, apenas possíveis”. Entretanto, Luis Manuel

389

“O pagamento de importância inferior ao preço da cousa desapropriada jamais se poderia chamar de indenização, eis que ela deve compensar, por inteiro, o prejuízo sofrido pelo expropriado”. (PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p. 31)

390 Cf. CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980,

vol. 2, p. 118/119

391 Cf. FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 19

392 Segundo Fernando Logón, “quando uma coisa é suscetível de produzir algo, ou tem em si mesma

um valor potencial, guarda uma energia positiva de valor. Ao contrário, quando se trata de uma mera possibilidade, não se pode falar em nenhuma computação, porque se trata de algo constitucionalmente negativo ao objeto. Em outros termos, deve reintegrar-se o valor dinâmico da coisa, não o estático; a qualidade natural e não a artificiosamente provocada. Apud in: FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 345

393 “De todo o afirmado referentemente à compreensão dos lucros cessantes na fixação do montante

da indenização decorre em contrapartida, a assertiva da inindenizabilidade de prejuízos meramente hipotéticos, simplesmente passiveis ou não passiveis de aferição patrimonial. Não há, pois, como se considerar o reflexo patrimonial estimado pelo proprietário em razão de uma especial afeição, que não está contemplado no direito positivo brasileiro:. (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 23)

394 Cf. MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral. São Paulo: Manole, 2006, tradução de Luiz

Afonso Heck, p. 805

395 FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1949, p. 344

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133

Fonseca Pires396 entende que não se devem pagar lucros cessantes na

desapropriação:

Se o lucro cessante é “(...) a frustração da expectativa de lucro. É a perda de uma ganho esperado”, esta categoria jurídica só se perfila com a ideia de violação de direito, tanto por ato ilícito como por ato lícito (por um dano anormal e especial), mas nunca se pode compatibilizar com a noção de sacrifício de direito, como é o caso da restrição administrativa, porque o sacrifício de direito pressupõe que a própria ordem jurídica prescreve situações que legitimam, em prestígio ao interesse coletivo, o perecimento de determinados direitos dos administrados.

Pois bem. Se é a ordem jurídica que reconhece, por exemplo, o instituto da desapropriação para, preenchidas certas condições, a propriedade ser expropriada, então apenas a diminuição patrimonial, isto é, apenas os danos emergentes devem ser ressarcidos (o que, no caso, compreende os juros moratórios), e não os lucros cessantes que se associam, como dissemos, à ideia de lucro esperado porque tal compreensão apenas se compatibiliza com a noção de violação de direitos.

O princípio da justa indenização não permite a aplicação de ônus processuais

que façam o preço ser incompatível com o valor real do imóvel. Assim, se o réu não

contestar a ação, não há revelia397. O valor apurado pode ser inferior ao oferecido,

bem como superior ao postulado pelo expropriado398. Não há a aplicação do

principio da congruência do pedido nos feitos expropriatórios399.

396

PIRES, Luis Manuel Fonseca. A propriedade privada em área de proteção ambiental: limitações ou restrições administrativas?. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca Pires; ZOCKUN, Maurício. Intervenções do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 32-53.

397 “Para que haja a justa indenização, mostra-se imperiosa a realização da pericia, mesmo que revel

o expropriado. Não deve ser aplicada a regra geral do processo civil, com a decretação da revelia e confissão sobre a matéria fática, mas a regra especial encartada na Lei Geral das Desapropriações que preconiza a realização do exame pericial”. (STJ-2ª T., REsp. 686.901, rel. Min. Castro Meira, j. 15.5.06, DJU 30.5.06, p. 140. In: NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 41ª edição, 2009, p. 1423

398 “O juiz pode fixar para a indenização preço inferior ao da oferta inicial, tendo em vista que a

garantia constitucional da justa indenização (CF 5º XXIV) é dúplice: visa a proteger tanto o particular, fazendo com que ele seja efetivamente compensado pela perda da propriedade, quanto o Estado, assegurando que este não pague pelo bem desapropriado mais do que ele realmente vale”. (NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 41ª edição, 2009, p. 1425). Em sentido contrário: “É de elementar moralidade que a indenização não seja fixada em quantia inferior à oferecida pelo expropriante (porque se presume que

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3 – A vedação do enriquecimento sem causa como critério para a apuração da

justa indenização

A vedação do enriquecimento sem causa sempre foi considerado pela

doutrina como um princípio geral de direito400. Segundo a doutrina tradicional,

principio geral de direito401 é um enunciado normativo de valor genérico que orienta

e condiciona a compreensão e aplicação do ordenamento jurídico402; constituem os

princípios gerais do direito as ideias diretivas do hermeneuta e os pressupostos

científicos da ordem jurídica403. Segundo Garcia de Enterria404,

Los princípios generales del Derecho expresan los valores materiales básicos de un ordenamiento jurídico, aquellos sobre los cuales se constituye como tal, las convicciones ético-jurídicas fundamentales de uma comnidad.

este não poderia oferecer mais do que valesse o bem), nem superior ao preço pedido pelo proprietário (porque este não pediria menos do que o valor real da coisa). A essa regra, que a lei não impõe, mas que decorre da própria natureza das coisas não deve fugir o juiz”. (FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 370)

399 “Não ocorre julgamento extra petita, se dos fatos alegados e discutidos na ação de desapropriação

indireta, sobreveio o reconhecimento do direito aos juros compensatórios para integralização do preço, de modo a realizar-se a exigência constitucional de indenização justa e prévia (CF, art. 5º, XXIV).” (STF - AI 212.070-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 9-3-1999, Segunda Turma, DJ de 7-5-1999.).

400 Cf. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de Direito Administrativo, volume I.

São Paulo: Malheiros, 2007, 3ª edição, p. 421.

401 Sobre os princípios gerais de direito, assim se manifesta Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: “são

as regras éticas que informam o direito positivo como mínimo de moralidade que circunda o preceito legal, latente na fórmula escrita ou costumeira. Encerra normas jurídicas universais, expressão de proteção do gênero humano na realização do Direito”. (MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de Direito Administrativo, volume I. São Paulo: Malheiros, 2007, 3ª edição, p. 420)

402 Cf. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 23ª edição, 1996, p. 300

403 Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 9ª

edição, 1984, p. 295

404 EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA e TOMÁS-RAMÓN FERNANDES. Curso de derecho

administrativo. Madri: Civitas, 2006, vol. I, p. 85.

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Pero no se trata simplesmente de unas vagas ideas o tendencias morales que puedem explicar el sentido de determinadas reglas, sino de princípios técnicos, fruto de la experiência de la vida jurídica y sólo a través de ésta cognoscibles.

Vamos decompor a expressão “princípio geral de direito”. Quando se fala em

princípio, estamos dizendo que se trata um suporte primário estruturante de todo

ordenamento jurídico, que lhe atribui um sentido; quando se fala em geral, significa

que é algo que transcende a um caso concreto e que serve para dar sentido e

organização para todas as normas jurídicas do sistema; e, por fim, quando dizemos

“de direito” é porque tem origem no próprio ordenamento jurídico, não sendo

derivado do sentimento de justiça ou do direito natural, tendo como suporte as

normas jurídicas vigentes405.

Mais uma vez estamos diante de um grande problema do direito atual: o

conceito de princípio. Este, conforme já definimos no Capítulo I, item 4.2.3, é uma

norma que determina que algo seja feito ou uma finalidade alcançada, de acordo

com as condições jurídicas e fáticas existente; trata-se, assim, de um mandado de

otimização. Assim, os conceitos acima descritos pela doutrina tradicional não

correspondem ao adotado nessa obra sobre princípio. A vedação do enriquecimento

sem causa é não é um princípio, visto que não pode ser ponderado, afastado, bem

como deve ser sempre aplicado e não somente de acordo com as possibilidades

existentes. Pelos conceitos acima dados, percebe-se que, na verdade, a vedação do

enriquecimento sem causa é um postulado normativo. Este, segundo a doutrina

atual406, “é uma condição de possibilidade de conhecimento do fenômeno jurídico,

que, embora não ofereça substrato material para fundamentar uma decisão, explica

como (sob que condições) pode-se conhecer o direito”. Vemos, assim, que os

conceitos acima do chamado “princípio geral de direito” correspondem ao de

postulado normativo, razão pela qual podemos afirmar que a vedação ao

enriquecimento sem causa é um postulado normativo.

405

Cf. EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA e TOMÁS-RAMÓN FERNANDES. Curso de derecho

administrativo. Madri: Civitas, 2006, vol. I, p.85.

406 ÁVILA, Ana Paula Oliveira. O princípio da impessoalidade da Administração Pública. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004, p. 58/62

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O estudo histórico do enriquecimento sem causa remonta à regulamentação

que o Direito Romano, especificamente no Digesto do Imperador Justiniano, dava às

conditiones. Se ocorresse um enriquecimento sem causa, o direito justineaneu

usava das conditiones sine causa para desfazer tal situação, através das actiones in

rem verso que se traduzem como ações sobre o proveito obtido407.

O Código Civil de 1916 não previa o enriquecimento sem causa; entretanto,

este sempre foi considerado um “princípio geral de direito”, tendo o STF, inclusive, o

considerado como uma garantia constitucional implícita408. Atualmente, o

enriquecimento sem causa é previsto nos artigos 884 a 886 do Código Civil.

O enriquecimento sem causa consiste na obtenção de uma vantagem de

caráter patrimonial sem qualquer causa justa para tanto. O enriquecimento não se

verifica apenas mediante um aumento no ativo patrimonial de uma pessoa, podendo

ocorrer também por uma diminuição do passivo. Deve o enriquecimento se dar à

custa de outrem; não se exige o empobrecimento da outra parte. Para se configurar

o enriquecimento sem causa basta que a vantagem adquirida por uma pessoa não

resulte de um correspondente sacrifício econômico409.

A justa indenização visa a preservar o patrimônio do particular, garantindo a

este a reposição integral410 do bem perdido, como também é uma garantia ao

407

Cf. TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República - volume II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 750

408 AGRAVO DE INSTRUMENTO - ATUAÇÃO DO RELATOR - USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA

DO COLEGIADO. A apreciação do pedido formulado no agravo de instrumento é atribuído, consoante o artigo 28 da Lei nº 8.038/90, ao relator. Descabe cogitar de usurpação da competência da Turma, quando, a fim de bem desempenhar o mister, necessita dizer da configuração, ou não, de infringência constitucional, isto para definir o enquadramento do extraordinário no permissivo da alínea "a" do inciso III do artigo 102 do Diploma Maior. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - CRÉDITO - CORREÇÃO - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. Homenageia o princípio da não-cumulatividade decisão no sentido de considerar-se os créditos pelo valor devidamente corrigido, isso em face da passagem do tempo até a vinda a balha de definição da legitimidade respectiva, por ato da Fazenda do Estado. Descabe falar, na espécie, de transgressão ao princípio da legalidade. O alcance respectivo há de ser perquirido considerada a garantia constitucional implícita vedadora do enriquecimento sem causa. (AI 182458 AgR, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 04/03/1997, DJ 16-05-1997 PP-19960 EMENT VOL-01869-04 PP-00788)

409 Cf. TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil

interpretado conforme a Constituição da República - volume II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 753

410 “Indenização justa é a que tem por finalidade apagar qualquer dano ou gravame. O proprietário

deve ficar indene”. (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros:

8ª edição, 2006, p. 336)

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Estado expropriante411 de que este não pode pagar mais do que vale o imóvel412. O

enriquecimento sem causa do expropriante ou do expropriado afronta o princípio da

moralidade administrativa. A vedação ao enriquecimento sem causa é aplicável ao

regime jurídico administrativo e, pois, ao instituto da desapropriação413. Não pode

ser a desapropriação nem causa nem de empobrecimento e nem de enriquecimento

do expropriado414. Digna de menção é a afirmação de Sérgio Ferraz415 no sentido de

que “a desapropriação não pode servir de fundamento para o enriquecimento de

alguns em detrimento de outros”. A justa indenização não se coaduna com o

enriquecimento sem causa do expropriado. Nesse sentido é a lição de Candido

Rangel Dinamarco416:

Aparentemente, a garantia da justa e prévia indenização poderia parecer destinada com exclusividade ao resguardo do direito de propriedade e, portanto, configurar-se apenas como uma proteção endereçada aos particulares em face do Estado, sem ter também este como destinatário. Essa insinuação vem não só da topologia da garantia, situada no capítulo dos direitos e garantias individuais e coletivos, mas também de sua própria redação. Os precedentes jurisprudenciais que se formaram a esse respeito, todavia, apoiam-se, ainda que não tão explicitamente, em uma visão bipolar da garantia expressa pelo inc. XXIV do art. 5º constitucional. Nessa perspectiva, o preço justo figura como uma garantia com que ao mesmo tempo a Constituição Federal quer proteger a efetividade do direito de propriedade e também resguardar o Estado contra excessos indenizatórios. Nem haveria como entender de modo diferente o emprego do adjetivo justo, dado que a própria justiça é em si mesma um conceito bilateral, não se concebendo que algo seja “justo” para um sujeito sem sê-lo para outro. Não se faz “justiça” à custa de uma injustiça.

411

“Justo preço é o preço adequado na técnica e terminologia do direito vigente e não do excesso individualista da corrente proprietarista; a preponderância do interesse público é norma a obedecer com rigor”. (RDA, vol. I, fasc. I, pág. 277)

412 “O que se busca é o justo valor do bem, e não qualquer valor oferecido ou contraposto, tabelado

ou meramente indexado. Nem seria, de outra parte, coerente com o princípio da legalidade da Administração Pública admitir como aceitável um preço superior ao justo, exigível pela coisa expropriada”. (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação.) São Paulo: RT, 1978, p.

413 Cf. UELZE, Hugo Barrozo. Desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 851, setembro de

2006, p. 697-735

414 “A indenização deve ser justa e compreensiva do direito de todos os prejudicados, não sendo lícito

ampliá-la de modo a sobrecarregar o desapropriante. A desapropriação não é meio de enriquecimento ilícito, como também não deve ser causa de forçado empobrecimento”. (WHITAKER, F. Desapropriação. São Paulo: Atlas, 3ª edição, 1946, p. 30)

415 FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 27

416 DINAMARCO. Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2009, 3ª

edição, p. 249

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No mesmo sentido, Cacilda Lopes dos Santos417:

Na justa indenização o que se busca é recompor o patrimônio daquele que foi expropriado. Assim, da mesma forma que não é justa a indenização irrisória, aquela incapaz de trazer a recomposição do patrimônio do expropriado, é também profundamente injusta a indenização excessiva, aquela extraordinariamente exorbitante, capaz de permitir enriquecimento ilícito à custa do erário, principalmente quando se trata de propriedades que nada produzem.

A indenização paga na desapropriação não pode representar um ganho

patrimonial indevido, quer para a Administração, quer para o particular. Conforme

lição de Pontes de Miranda418, “a indenização destina-se a evitar a diferença de nível

entre o patrimônio do desapropriado antes da desapropriação e após a

desapropriação”. Também é a lição de Clóvis Beznos419:

É evidente que o comando constitucional da justa indenização fica prejudicado, comprometendo a higidez da sentença judicial, que ao fixar a indenização em valor menor ou maior do devido afronta o preceito da justa indenização, sendo, pois, vulneradora da Constituição Federal.

417

SANTOS, Cacilda Lopes dos. Justo valor e sua indenização nos processos judiciais de desapropriação. Biblioteca Digital Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 9, n. 51, maio/jun. 2010. Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=67452. Acesso em: 6 julho 2010.

418 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São

Paulo: RT, 1968, p. 478

419 BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 85

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Caso a expropriante acabe pagando por um bem expropriado mais que o

valor estritamente necessário para repor o patrimônio do particular, há

enriquecimento sem causa deste. Da mesma forma, se o expropriado receber um

valor que não lhe permita sair do processo expropriatório com o patrimônio

incólume, há enriquecimento sem causa do Estado. Nesse sentido decidiu o STJ420:

Não se deverá atribuir ao desapropriado nem mais nem menos do que se lhe subtraiu, porque a expropriação não deve ser instrumento de enriquecimento nem de empobrecimento do expropriante ou do expropriado. A indenização deve, portanto, ser exata, no sentido de que ao expropriado há de se dar precisamente o equivalente ao que lhe foi tomado pelo expropriante.

O postulado da vedação ao enriquecimento sem causa é hoje um meio

exegético e prático para evitar a agressão ao direito de propriedade e prestigiar a

moralidade administrativa421. O valor da propriedade deve ter um critério objetivo e

atual. Deve-se avaliar o imóvel objetivamente, de acordo com a utilização e estado

dele no momento da declaração da utilidade pública.

Mesmo que haja acordo entre o expropriante e expropriado, pode e deve o

Poder Judiciário negar a homologação de tal acordo se o valor do imóvel não

corresponder ao valor de mercado, ocorrendo ofensa ao princípio da justa

indenização e houver o enriquecimento sem causa de uma das partes. Nesse

sentido decidiu com acerto o STJ422:

A ação de desapropriação dispensa a elaboração da prova pericial, quando houver acordo entre as partes, sendo certo que esta prescindibilidade deve

420

STJ - REsp 510.438/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/02/2005, DJ 09/05/2005, p. 331

421 Cf. UELZE, Hugo Barrozo. Desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 851, setembro de

2006, p. 697-735

422 STJ - REsp 886672/RO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/09/2007, DJ

22/11/2007, p. 199

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ser analisada cum granu salis, porquanto a indenização deve buscar sempre o princípio constitucional da justa indenização (CF, art. 5º, XXIV)... Malfere o princípio da justa indenização quando a oferta encontra-se prima facie evidente superior ao valor do imóvel, cabendo ao juiz, de ofício, requerer a produção da prova pericial, buscando uma prestação jurisdicional mais justa e equânime, máxime quando visa a tutela daquele mandamento constitucional. Inteligência dos arts. 129, 130 e 131, da lei adjetiva civil. Precedente: (Resp.780542/MT, DJ. 28.08.2006) . In casu, restou consignado no acórdão hostilizado a informação de que fora instaurado inquérito policial e Comissão de Procedimento Administrativo Disciplinar para apurar possível supervalorização da propriedade materializada no mencionado laudo administrativo... Ademais, a fixação do valor indenizatório em montante inferior à oferta inicial não constitui julgamento extra petita. Precedentes: (Resp. 886258/DF, DJ. 02.04.2007; Resp. 780542/MT, 28.08.2006.)

Mesmo nas desapropriações amigáveis, deve haver o controle por meio dos

Tribunais de Contas para verificação da compatibilidade entre os valores pagos e os

valores de mercado423.

Não é admissível indenizar o que nunca existiu por mera presunção de que

seria possível existir. Não é lógico e nem razoável pagar um preço por um imóvel

considerando o seu potencial de aproveitamento que depende de circunstâncias

imprevistas e imprevisíveis. É totalmente injusto pagar pela desapropriação de um

terreno vazio o preço equivalente a um loteamento imobiliário porque seria possível,

em tese, realizar um loteamento no mesmo, que dependeria, dentre outros critérios

aleatórios e que nunca poderiam acontecer, do interesse do mercado em fazer um

empreendimento no local. O STJ424 adotou tal entendimento:

A fixação do preço justo não pode embasar-se em mera hipótese de aproveitamento do imóvel, jamais cogitada pelos expropriados antes do procedimento expropriatório. Vale dizer, não se pode levar em conta a possibilidade de implantação de loteamento em um imóvel que, antes da intervenção do Poder Público, sempre foi utilizado para a atividade

423

Cf. CORTEZ, Luiz Francisco Aguilar. Desapropriações: avaliações e acordos. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (coordenadores). Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Quartier

Latin, 2011, p. 843/853 *

424 STJ - 1ª T., REsp 986.471, Min. Denise Arruda, j. 13.5.08, DJU 30.6.08. In: NEGRÃO, Theotonio.

Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 41ª edição, 2009, p.

1425/1426

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agropecuária. O interesse auferido pelo proprietário do imóvel expropriado, mencionado no art. 27 do Dec. Lei 3.365/41, refere-se às eventuais atividades praticadas no momento da declaração de utilidade pública.

Não pode haver o pagamento de áreas cuja propriedade não foi comprovada,

sob pena de se pagar por uma propriedade não existente, em manifesto

enriquecimento ilícito do particular425.

Deve-se pagar o valor da área efetivamente desapropriada, apurada mediante

perícia e não a que consta da descrição do título imobiliário, que pode ser maior ou

menor426.

Benfeitorias ilegais, por não terem valor de mercado e ofenderem a ordem

jurídica, não podem ser indenizadas427.

Não pode ser incluída no valor da indenização a valorização decorrente da

atividade do Poder Público após a imissão na posse, por ser decorrente

425

"O pagamento de área não registrada conduz o Poder Público a indenizar aquele que não detém a propriedade da área expropriada e, consequentemente, ao enriquecimento sem causa do particular. Precedentes: (STJ: Resp 703427/SP, DJ. 24.10.2005; Resp. 837962/PB, DJ. 16.11.2006; Resp. 786714/CE, DJ. 28.08.2006). (REsp 841.001/BA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/11/2007, DJ 12/12/2007, p. 392)

426 "É consentâneo ao princípio da justa indenização que os valores correspondam à exata dimensão

da propriedade. Assim, não faz sentido vincular-se, de maneira indissociável, o valor da indenização à área registrada, pois, como já consignado, tal procedimento poderia acarretar, em certos casos, o enriquecimento sem causa de uma ou de outra parte, caso a área constante do registro seja superior. Assim, para fins indenizatórios, o alcance do justo preço recomenda que se adote a área efetivamente expropriada, evitando-se prejuízo a qualquer das partes.(STJ - REsp 1115875/MT, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011)

427 Indenização por benfeitoria ilegal (campo de pouso): o Poder Judiciário não pode prestigiar a

indenização de obra edificada à margem da legislação, respaldada pela clandestinidade (ausência de registro no Departamento de Aviação Civil - DAC). Nas ações expropriatórias, o dever de justiça e probidade deve nortear a ação do magistrado ao fixar a justa indenização e coibir o enriquecimento ilícito. Além de afrontar o princípio da legalidade, por violação direta do disposto no art. 12 da Lei 8.629/93, infringiu-se particularmente o princípio da moralidade. Nada justifica a ofensa deste dogma, por mais iminente que seja a necessidade de entrega da prestação administrativa. A simples existência da coisa no plano material não conduz à obrigação de ser indenizada, a contrario sensu do pensamento abraçado pelas instâncias ordinárias, que se expressaram pela possibilidade ante a ostentação do caráter de benfeitoria do campo de pouso, olvidando de ter sido erigido ilegalmente. (STJ - REsp 840.928/BA, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJ 10/05/2007, p. 350)

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exclusivamente de benfeitorias que não foram causadas pelo expropriado que,

assim, não pode se aproveitar delas428.

Deve-se, também, levar em conta que o preço da propriedade imobiliária

urbana não só agrega investimentos do proprietário, como um direito individual, mas

é objeto de investimentos comunitários, e, portanto, abriga direitos e economias

coletivas; assim, caso o valor do imóvel tenha se valorizado excessivamente em

virtude de uma obra pública e não tenha ainda havido a cobrança da contribuição de

melhoria (art. 145 III da Constituição Federal), deve-se abater do valor da

indenização a valorização decorrente da obra publica, sob pena de ofensa ao

princípio da isonomia, em decorrência do fato de que a sociedade contribuiu para a

valorização do imóvel e somente o expropriado seria beneficiado pela

desapropriação, em manifesto enriquecimento sem causa429; assim, nem sempre a

justa indenização corresponderá ao valor de mercado430. Mesmo lançado o tributo,

como a contribuição de melhoria tem como limite máximo o custo total da obra

pública, a valorização pode ainda ser superior ao custo da contribuição de melhoria,

o que autorizaria o abatimento da valorização decorrente da obra publica431.

428

Em casos tais, a regra do art. 26 do Decreto-Lei 3.365/41 não pode ser aplicada cega e impositivamente, sob pena de se comprometer o preceito constitucional da justa indenização. No interregno, geralmente longo, entre a data da ocupação do bem pelo Estado e a sua avaliação no âmbito da ação de desapropriação indireta, é possível que ocorram mudanças substantivas no bem, que podem levar ou à sua valorização ou, ao contrário, à sua depreciação. Não será justo, em nome do art. 26, reconhecer ao proprietário o direito de ser indenizado pela valorização decorrente de ato estatal superveniente à perda da posse. É indispensável, sempre, levar em consideração o preceito constitucional que impõe o justo preço.' 3. Recurso especial não provido. (STJ - REsp 912.778/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, Rel. p/ Acórdão Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2007, DJ 31/05/2007, p. 403)

429 “…admitir, nesse caso, a indenização, que, a rigor, por ser, em última análise, imputável ao erário

publico, decorre de contribuição de todos os cidadãos, em favor de alguém que já se viu excepcionalmente beneficiado com a realização da obra publica representa evidente ofensa ao principio da isonomia”. (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 29). Em sentido contrário: “Tendo as Constituições posteriores estabelecido a contribuição de melhoria, pela qual o Poder Público se ressarce do custo obras que valorizem especialmente determinados imóveis, não mais vigora o texto supra, na parte em que autoriza o juiz a compensar a indenização da desapropriação com a mais-valia que o melhoramento público acarreta ao expropriado”. (RTJ 80/271). In: NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 41ª edição, 2009, p. 1429

430 Cf. RABELLO, Sonia. Justa indenização nas expropriações imobiliárias urbanas: justiça social e

enriquecimento sem causa. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o

instituto da desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 203-220.

431 Cf. FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 26/27

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Se o valor da justa indenização é o valor de mercado do imóvel, caso o imóvel

não tenha valor de mercado, não existe indenização alguma a ser paga. Imóveis

ocupados por favelas, onde já existe uma situação consolidada que não tem como

se desfazer, que o mercado, de modo algum, pagaria um centavo sequer por eles,

pelo risco de aquisição por usucapião pelos ocupantes, não podem ser indenizados

como se fossem imóveis aptos a serem comercializados432, sob pena de

enriquecimento ilícito do proprietário que conseguiria na desapropriação o que não

conseguiria no mercado imobiliário433. Nesse sentido é a lição da doutrina434:

Ainda uma outra questão relacionada, e que necessita ser urgentemente enfrentada, diz respeito à necessidade de se estabelecer como dominante o entendimento de que áreas de valor ocupadas por assentamentos informais consolidados, e que devam ser desapropriadas para implementação das políticas publicas ambientais ou de regularização fundiária, não há nem sequer que se falar de “valor de mercado”, já que nesses casos não há mercado como tal...dadas as implicações jurídicas dos gravames e dispositivos legais que reconhecem direitos de moradia outros direitos sociais ambientais, não se pode tratar situações de fato como se tratassem de áreas vazias e livremente inseridas no mercado imobiliário. Trata-se de uma falácia que beneficia apenas os proprietários, que, alem de não terem

432

O Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu no sentido de desvalorizar imóvel ocupado por favela: “Ementa: DESAPROPRIAÇÃO - Pretensão de reduzir o valor da indenização – Inadmissibilidade - Prevalência do trabalho técnico realizado e que apresenta valores compatíveis com o mercado imobiliário - Redução do valor do imóvel em razão da existência de área "non aedificandi" e da existência de favela - Depreciação considerada pelo perito oficial - Juros moratórios em 6% com o termo inicial de acordo com o artigo 15-B do Decreto-Lei n" 3.365/41, alterado pela Medida Provisória n° 2.183-56, de 24 de agosto de 2001, por estar em vigor no momento da propositura da ação - Recurso voluntário da Municipalidade desprovido e reexame necessário parcialmente provido.” (TJ/SP, proc. 0371701-36.2009.8.26.0000, Apelação / Desapropriação, Relator: Samuel Júnior, Comarca: São Bernardo do Campo, Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 19/10/2010, Data de registro: 13/12/2010)

433 “De mais a mais, é comum nas desapropriações de imóveis ocupados pela população de baixa

renda, quando da elaboração dos laudos de avaliação, desconsiderar-se a ocupação existente, enquadrando-se o imóvel em sua forma paradigma como livre e desembaraçado de ônus de qualquer natureza. Esse procedimento ocorre sob a alegação da inexistência de amostra significativa de imóveis em situação semelhante que represente uma estatística segura para que se proceda à depreciação, sem que com isso corra o risco de haver inserção no laudo de elementos da subjetividade do perito, influenciando assim na formação do preço do imóvel”. (LIMA, Adriana Nogueira Vieira; MACEDO FILHO, Edson. Desapropriação em áreas urbanas de assentamentos informais: limites e alternativas a sua aplicação. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o instituto da desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 220/238

434 FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. Revisitando o instituto da desapropriação: uma

agenda de temas para reflexão. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o instituto da desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 21-37.

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atendido ao dever constitucional de garantir a função social da propriedade, ainda serão generosamente premiados com uma indenização fixada em valores fictícios para seus terrenos.

Assim, não pode a desapropriação ocasionar um enriquecimento sem causa

nem do expropriante e nem do expropriado, sob pena de violação do preceito

constitucional que assegura a justa indenização.

4 – A indenização do fundo de comércio

Ocorre, muitas vezes, que, exercendo o Estado o direito de desapropriar

imóveis, vem a atingir com seu ato os estabelecimentos comerciais ou industriais

instalados nesses imóveis. Quer seja o titular do estabelecimento o proprietário do

imóvel, locatário ou comodatário, é quase certo o prejuízo que a mudança imposta

pela desapropriação acarreta.

Compreende o fundo de comércio todos os bens e valores necessários ou

inerentes à exploração econômica, tanto a clientela como a insígnia, o nome

comercial, o direito ao arrendamento do prédio, o material, os utensílios, as

mercadorias, as patentes de invenção, as marcas da fábrica, os desenhos e

modelos, os direitos de propriedade literária e artística435.

Muitos dos elementos componentes do estabelecimento comercial são

suscetíveis de remoção para local diferente, sem prejuízo algum. Entretanto, com a

mudança, pode haver a perda de valores incorpóreos, cuja existência e coordenação

integram a universalidade característica de estabelecimento, como o ponto, o

435

Cf. BARRETO FILHO, Oscar. O fundo de comércio nas desapropriações. São Paulo: Serviço de

publicações da Federação e Centro das Indústrias, 1959, p. 11/12

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aviamento e, o mais importante, a clientela que pode existir somente em decorrência

da localização do comércio. Nesse sentido se manifestou Oscar Barreto Filho436:

O que é certo, porém, é que, em maior ou menor escala, todo estabelecimento mercantil sofre uma alteração para mais ou para menos, no seu valor, em virtude da mudança para outro local. Essa variação é decorrente do aumento, diminuição ou perda dos elementos incorpóreos ligados ao local e insuscetíveis de remoção. No caso de mudança forcada e rápida, como a imposta pela expropriação do imóvel em que funciona o estabelecimento, em regra essa alteração é para menos, importando muitas vezes em substancial desvalorização ou mesmo anulação do fundo de comércio.

Deve haver o ressarcimento dos prejuízos do titular do fundo de comércio

pela mudança forçada do ponto comercial437. Entretanto, a dúvida que surge é como

calcular o valor que se deve ressarcir ao titular do fundo de comercio.

Segundo Eurico Sodré438, “na prática, não são de indenizar, na

deslocação de estabelecimentos comerciais, senão as despesas reais da mudança

e a cessação dos lucros durante o tempo estritamente necessário para a realizar”.

A opinião de Oscar Barreto Filho439 é a seguinte:

436

Cf. BARRETO FILHO, Oscar. O fundo de comércio nas desapropriações. São Paulo: Serviço de publicações da Federação e Centro das Indústrias, 1959, p. 14

437 “Assiste, pois, ao titular do fundo de comércio, um direito absoluto, que entrou em seu patrimônio

como plus criado pela exploração do local, direito real como o que tem o autor da obra literária, artística ou cientifica. Esse direito real, que constitui a propriedade comercial, que não é menos propriedade que a imobiliária, não pode ser expropriado sem prévia indenização, como prescreve a Constituição”. (Cf. BARRETO FILHO, Oscar. O fundo de comércio nas desapropriações. São Paulo:

Serviço de publicações da Federação e Centro das Indústrias, 1959, p. 20/21)

438 SODRÉ, Eurico. A desapropriação. São Paulo: Saraiva, 1945, 3ª edição, p. 157

439 BARRETO FILHO, Oscar. O fundo de comércio nas desapropriações. São Paulo: Serviço de

publicações da Federação e Centro das Indústrias, 1959, p. 34/35

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A verba dos relativa aos lucros cessantes deverá abranger, tão somente, o espaço de tempo indispensável para a mudança e reinstalação, inclusive desmonte e nova montagem das máquinas, no caso de estabelecimento fabril, durante o qual se impõe a paralisação da atividade comercial ou industrial.

Para que haja completa recomposição econômica do patrimônio lesado, faz-se mister sejam ressarcidos os prejuízos derivados, imediatamente, do ato expropriativo, como a interrupção da atividade comercial, durante a reinstalação da indústria em outro local.

A única restrição que se há de formular é que tais prejuízos, emergentes do ato expropriatório, sejam efetivos e cabalmente apurados no próprio processo expropriatório, com a maior precisão possível.

Entendemos correta a opinião dos autores acima. Devem ser indenizados

todos os prejuízos resultantes da transferência coativa do local de exercício da

atividade comercial decorrente da desapropriação. Entretanto, deve os prejuízos ser

efetivamente comprovados, sob pena de enriquecimento ilícito do titular do fundo de

comercio. Se não houve prejuízos com a mudança, nada é indenizável, conforme

decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Fundo de comércio. Conceituação. O fundo de comércio é o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos que possibilitam o exercício do comércio, em especial a clientela. No caso, a autora adquiriu o estoque de mercadorias e as instalações e tudo retirou; e não demonstrou que tivesse formado clientela em período anterior á desapropriação. Nada há a indenizar...nenhum prejuízo teve a autora, pois pôde retirar o que era seu e não foi impedida de prosseguir no comércio em outro local

440

Também, deve-se ressaltar que se o titular do fundo de comercio não for

o proprietário, deve buscar a indenização em feito autônomo, fora da ação de

desapropriação, por não ter legitimidade nesta. Nesse sentido Sergio Ferraz441:

440

TJSP – Apelação 274.815.5/2-00, 10ª Câmara de Direito Público, voto nº AC-0559/06, Desembargador Torres de Carvalho, 12.03.2007

441 FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 34

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Na realidade, parece-nos que só poderá ser possível pleitear o valor do fundo de comércio, na própria ação expropriatória, quando se trate de atividade exercida pelo próprio expropriado. Fora daí, nem por isso se poderá pensar em indenizabilidade do aludido fundo, tão apenas, contudo, deverá ele ser pleiteado pelo seu titular através de ação própria, na qual demonstrará seu prejuízo e sua efetiva dimensão.

Por fim, a ordem jurídica não garante ao locatário a inalterabilidade da sua

situação fática. O contrato por prazo indeterminado, conforme preceito dos artigos

56 e 57 da Lei 8.245/91, não tem direito à renovação compulsória, não havendo,

assim, proteção integral ao fundo de comércio lá existente. Não havendo o direito à

renovação, o contrato de locação pode ser rescindido. (art. 56 da Lei 82.45/91). O

locatário pode ser obrigado a se mudar a qualquer tempo, sem qualquer

indenização, pelo proprietário do imóvel, e, consequentemente, não pode requerer

indenização pela mudança de ponto em decorrência da desapropriação do imóvel.

O proprietário não seria obrigado a indenizar o fundo de comércio para que fosse

desalojado o locatário; o expropriante, do mesmo modo, não deve ser condenado

por isso; decorre do princípio da igualdade e da vedação do enriquecimento sem

causa; estes não permitem que, somente porque é o Estado que está causando a

mudança do requerente, haja o deferimento de um direito que não existia

anteriormente. Assim, como o proprietário, a única obrigação do expropriante é

conceder um prazo para a desocupação de 30 dias, conforme preceitua o art. 57 da

Lei 8.245/91442.

442

“Tenho entendido que locação por prazo indeterminado não dá direito à indenização do fundo de comércio, isto porque, reafirmando a jurisprudência anterior, o locatário não tem direito à permanência no imóvel e está sujeito à retomada por parte do proprietário - seja ele o locador, seja ele o adquirente, seja ele o expropriante, sem direito a qualquer indenização”. (TJSP – Apelação 274.815.5/2-00, 10ª Câmara de Direito Público, voto nº AC-0559/06, 12.03.2007)

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5- A indenização prévia

A Constituição Federal exige a indenização prévia. Porém fica a pergunta:

prévia a que? Ponte de Miranda443 responde:

A indenização há de ser prévia. Prévia a que? Não à sentença que fixe a quantia da indenização: não se sabe de quanto é. Se há recurso, não cabe exigir-se ou pagar-se, ou o depositar-se. Portanto, a previedade é em relação à transcrição do título, que é a sentença (somente a transcrição opera a perda da propriedade, tratando-se de bens registrados) e em relação ao mandado de imissão, que o juiz não deve expedir antes de efetuado o pagamento ou depositada a quantia. No direito brasileiro, a indenização tem que ser prévia. De maneira que não se pode dizer que seja efeito da desapropriação; é meio para se obter a desapropriação. Ainda para a posse provisória, é preciso que se deposite o valor dela. A indenização há de ser justa.

O patrimônio do indivíduo forçado a sofrer uma desapropriação é

segurado com o antecipado pagamento. Evitam-se, destarte, os transtornos que à

economia individual poderiam acarretar as delongas da Administração no

pagamento do preço444. A prévia indenização445 resulta da necessidade de repor o

patrimônio do expropriado antes da perda definitiva da propriedade, como forma de

443

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda n. 1 de 1969. São Paulo: RT, 2ª edição, 1971, p. 486

444 Cf. FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de

Janeiro: Forense, 2010, 8ª edição, p. 408/409

445 “Para cercar da maior eficácia a proteção do patrimônio particular, em face desse excepcional

direito do Estado, a Constituição condicionou o expropriamento à PRÉVIA INDENIZAÇÃO. O patrimônio do indivíduo, forçado a sofrer uma desincorporação de valor em atenção ao interesse público antes que ela se efetive, é segurado do ônus que lhe vai pesar com o pagamento, em dinheiro, de valor correspondente”. (FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro.

Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 24)

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evitar que o cidadão fique por algum lapso temporal privado da propriedade e da

indenização446.

A previalidade coloca a indenização como um pressuposto da

desapropriação447. Conforme lição de Cretella Junior448, “trata-se de um prius ou

pressuposto necessário”. E, continua o autor, concluindo que “não se desapropria

para depois indenizar. Indeniza-se para desapropriar”. Segundo lição de Pontes de

Miranda449, “indeniza-se antes de se desapropriar, para que, ao acontecer a perda,

já esteja no patrimônio do desapropriando, fundado em causa futura, o quanto

indenizatório”.

A prévia indenização é pela perda que se vai dar. Não se presta a

indenização porque se tirou de alguém o bem e sim porque se lhe vai tirar. Para que

incida a norma constitucional que permite a desapropriação, deve haver uma

indenização já paga e incorporada ao patrimônio do expropriado no momento em

que ocorre a transferência coativa da propriedade450.

Assim, a previedade é em relação à transcrição do título e em relação ao

mandado de imissão, provisória ou definitiva, que o juiz não deve expedir antes de

efetivado o pagamento ou depositada a quantia.

446

“Indenização prévia significa que deve ser ultimada antes da consumação da transferência do bem. Todavia o advérbio antes tem o sentido de uma verdadeira fração de segundo. Na prática, o pagamento da indenização e a transferência do bem se dão, como vimos, no mesmo momento. Só por mera questão de causa e efeito se pode dizer que aquele se operou antes desta. De qualquer forma, deve entender-se o requisito como significando que não se poderá considerar transferida a propriedade antes de ser paga a indenização.” (CARVALHO SANTOS, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro” Lumen Juris, 22ª edição, 2009, p. 808)

447 “Uma das condições da desapropriação é causar o mínimo de prejuízo ao desapropriado; é evitar

que, mesmo transitoriamente, seja o proprietário privado do que lhe pertence”. (PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p. 110)

448 CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980, vol.

2, p. 121

449 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São

Paulo: RT, 1968, p. 436

450 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V.

São Paulo: RT, 1968, p. 440

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5.1 – A previedade da indenização e o pagamento por meio de precatório

5.1.1 – Precatórios

O termo “precatório” deriva da palavra precata, que significa requisitar alguma

coisa de alguém. O precatório é uma carta, expedida pelo juiz da execução ao

Presidente do Tribunal, a fim de que, por seu intermédio, se autorizem e se expeçam

as respectivas ordens de pagamento às repartições pagadoras.

Trata-se de um sistema que garante os pagamentos decorrentes de sentença

judiciária, de modo a evitar protecionismo. Mesmo assim, a partir das grandes

desapropriações para obras públicas durante o processo inflacionário, acumularam-

se muitas dívidas que as Fazendas Públicas não satisfizeram, deixando de pagar os

precatórios451. O Estado brasileiro, em decorrência de governos irresponsáveis452

que desapropriavam sem ter valores nos orçamentos, oferecendo preços ínfimos

para a imissão na posse, possui hoje dívidas impagáveis. 451

Cf. SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007, 4ª

edição, p. 521.

452 “Acresce que o Poder Público frequentemente nem ao menos obedece a esta exigência

constitucional. Deixa ultrapassar os prazos sem lhes dar atendimento. É claro que seria caso de intervenção federal nos Estados, estadual nos Municípios (a teor dos arts. 34, V, “a”, ou 35, I), ou impeachment do Presidente da República (art. 85, VII). Só que nada disto acontece. Há centenas de pedidos de intervenção federal em Estados e Municípios, sem que sejam atendidos. Com isto, a responsabilidade do Estado no âmbito de inúmeros Estados e Municípios possui um induvidoso caráter de “ficção”. Ou seja: sua existência em muitas partes do País tem uma realidade próxima àquela que se supõe seja a de um saci, de uma iara, de um gnomo ou de uma fada. Sem embargo, as pessoas do mundo jurídico escrevem sobre o tema – como eu mesmo venho fazendo – tal como se estivessem perante uma realidade. Se alguém duvida desta assertiva, basta verificar a documentação existente na Comissão de Precatórios da OAB de São Paulo, ou da Bahia, ou de Santa Catarina, ou do Rio Grande do Sul, para tomar apenas alguns exemplos. Precatórios trabalhistas do Ceará não são pagos há 20 anos”. (CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 22ª edição, 2007, p. 1004, nota de rodapé nº 40)

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Os entes federativos tornaram-se devedores de quantias vultosas decorrentes

de juros compensatórios resultantes da diferença apurada entre o valor oferecido e o

fixado na sentença. Conforme observação de Araken de Assis, “o grande volume de

precatórios formou-se com o preço das desapropriações453”. O total pendente de

pagamento a preços de junho de 2004 é de 61 bilhões, dos quais 73% se referem a

débitos dos Estados que apresentam uma média de comprometimento da receita

corrente líquida de 85% (pessoal, saúde, educação e pagamentos de dívidas), ou

seja, do total de recursos dos estados restam apenas 15% para outros gastos e

investimentos454.

O STF firmou o entendimento de que o não pagamento de precatórios,

quando não configurado o inadimplemento doloso e deliberado, não dá ensejo à

intervenção Federal455:

EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios judiciais. 3. Não configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de São Paulo com finalidade de não pagamento. 4. Estado sujeito a quadro de múltiplas obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir eficácia a outras normas constitucionais, como, por exemplo, a continuidade de prestação de serviços públicos. 5. A intervenção, como medida extrema, deve atender à máxima da proporcionalidade. 6. Adoção da chamada relação de precedência condicionada entre princípios constitucionais concorrentes. 7. Pedido de intervenção indeferido.

Tal entendimento tem sido objeto de críticas pela doutrina, conforme Araken

de Assis456:

453

ASSIS, Araken. Manual da execução. São Paulo: RT, 2007, 11ª edição, p. 954

454 Estima-se que, em 2011, ultrapassa em 100 bilhões os valores de precatórios pendentes de

pagamento, conforme informação na Revista do Advogado nº 111, de abril de 2011, da Associação dos Advogados de São Paulo.

455 STF - IF 1317, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES,

Tribunal Pleno, julgado em 26/03/2003, DJ 01-08-2003 PP-00113 EMENT VOL-02117-20 PP-04147

456 ASSIS, Araken. Manual da execução. São Paulo: RT, 2007, 11ª edição, p. 954

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É flagrante a má vontade do Estado de solver suas dívidas, ultrapassando os limites do bem comum. De um lado, a dívida, ultrapassando os limites do bem comum. De um lado, a dívida da União, de alguns Estados e de vários Municípios é colossal; de outro, interessa mais aos administradores saldar as despesas correntes e realizar investimentos, de olhar fito nos eventos eleitorais, do que saldar dívidas contraídas por seus antecessores. Neste ponto, calha observar que os demais serviços públicos não neutralizam a exigibilidade das dividas da Administração, vez que, de ordinário, são contraídas para realizá-los.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, foram previstos

parcelamentos que pretendiam normalizar o pagamento dos precatórios.

Primeiramente, a Constituição previu o parcelamento de todos os precatórios em 8

parcelas, conforme redação do art. 33 do ADCT. Terminado tal parcelamento, os

Estados continuaram endividados e, por meio da Emenda Constitucional 30, foi

instituída a segunda moratória, desta vez em 10 parcelas, conforme art. 78 do

ADCT. Entretanto, o art. 78 do ADCT, em sede de medida cautelar, foi considerado

inconstitucional pelo STF457:

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 30, DE 13 DE SETEMBRO DE 2000, QUE ACRESCENTOU O ART. 78 AO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. PARCELAMENTO DA LIQUIDAÇÃO DE PRECATÓRIOS PELA FAZENDA PÚBLICA. 1. O precatório de que trata o artigo 100 da Constituição consiste em prerrogativa processual do Poder Público. Possibilidade de pagar os seus débitos não à vista, mas num prazo que se estende até dezoito meses. Prerrogativa compensada, no entanto, pelo rigor dispensado aos responsáveis pelo cumprimento das ordens judiciais, cujo desrespeito constitui, primeiro, pressuposto de intervenção federal (inciso VI do art. 34 e inciso V do art. 35, da CF) e, segundo, crime de responsabilidade (inciso VII do art. 85 da CF). 2. O sistema de precatórios é garantia constitucional do cumprimento de decisão judicial contra a Fazenda Pública, que se define

457

STF - ADI 2356 MC, Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Relator p/ Acórdão: Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 25/11/2010, DJe-094 DIVULG 18-05-2011 PUBLIC 19-05-2011 EMENT VOL-02525-01 PP-00054

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em regras de natureza processual conducentes à efetividade da sentença condenatória trânsita em julgado por quantia certa contra entidades de direito público. Além de homenagear o direito de propriedade (inciso XXII do art. 5º da CF), prestigia o acesso à jurisdição e a coisa julgada (incisos XXXV e XXXVI do art. 5º da CF). 3. A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas. 4. O art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescentado pelo art. 2º da Emenda Constitucional nº 30/2000, ao admitir a liquidação “em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos” dos “precatórios pendentes na data de promulgação” da emenda, violou o direito adquirido do beneficiário do precatório, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Atentou ainda contra a independência do Poder Judiciário, cuja autoridade é insuscetível de ser negada, máxime no concernente ao exercício do poder de julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas as suas decisões, inclusive contra a Fazenda Pública, na forma prevista na Constituição e na lei. Pelo que a alteração constitucional pretendida encontra óbice nos incisos III e IV do § 4º do art. 60 da Constituição, pois afronta “a separação dos Poderes” e “os direitos e garantias individuais”. 5. Quanto aos precatórios “que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999”, sua liquidação parcelada não se compatibiliza com o caput do art. 5º da Constituição Federal. Não respeita o princípio da igualdade a admissão de que um certo número de precatórios, oriundos de ações ajuizadas até 31.12.1999, fique sujeito ao regime especial do art. 78 do ADCT, com o pagamento a ser efetuado em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, enquanto os demais créditos sejam beneficiados com o tratamento mais favorável do § 1º do art. 100 da Constituição. 6. Medida cautelar deferida para suspender a eficácia do art. 2º da Emenda Constitucional nº 30/2000, que introduziu o art. 78 no ADCT da Constituição de 1988.

Entretanto, os Estados continuaram endividados, o que gerou a promulgação

da Emenda 62/2009. Esta parcelou os precatórios pendentes de pagamento pelo

prazo de 15 anos ou, por prazo indeterminado, caso a Fazenda decida por optar

pelo depósito da porcentagem prevista no novo art. 97 do ADCT. Tal Emenda,

possivelmente, será também declarada inconstitucional. Resta pendente de

julgamento no STF quatro ações diretas de inconstitucionalidade458; nestas, o

relator, Ministro Ayres Britto declarou a inconstitucionalidade de toda a Emenda

458

ADI 4357/DF, ADI 4372/DF, ADI 4400/DF, ADI 4425/DF

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62/2009459. Assim, possivelmente, os pagamentos dos precatórios continuarão a ser

regidos pela disciplina do art. 100 da Constituição, sem quaisquer parcelamentos ou

moratórias.

5.1.2 - A diferença de valor entre a oferta e o fixado na sentença deve ser pago

diretamente, fora da sistemática dos precatórios, quando houver imissão na

posse

Uma questão que merece atenção é a compatibilização da justa e prévia

indenização com a sistemática de pagamento de indenização por meio de

precatório, nos casos em que há imissão na posse do imóvel e existe valor a ser

pago resultante da diferença entre a oferta e o preço fixado na sentença. Quando

não há imissão provisória na posse, perfeitamente possível o pagamento por meio

de precatório, visto que a propriedade e a posse somente seriam transferidas após a

regular liquidação do requisitório. Entretanto, havendo imissão e apurada diferença,

a questão merece ser solucionada no sentido de não se admitir o pagamento por

meio de precatório.

A atual sistemática de pagamento por precatórios ocasiona a demora por

anos (às vezes, por décadas) do pagamento das indenizações das desapropriações.

Clóvis Beznos advoga que o valor da indenização na desapropriação deveria ser

depositado espontaneamente460. Argumenta que a desapropriação não confere um

459

“O relator entendeu adequada a referência à EC 62/2009 como a “emenda do calote”. Mencionou que esse calote feriria o princípio da moralidade administrativa, haja vista o não adimplemento, por parte do Estado, de suas próprias dívidas”. (Informativo do STF nº 643).

460 “Ao termo do processo de desapropriação, estabelecido o valor da indenização em caráter

definitivo, o desejável seria que o Poder Público espontaneamente efetuasse o pagamento da indenização, para que em seguida, sendo imóvel o objeto da ação expropriatória, fosse expedido mandado judicial ao Registro Imobiliário para a efetivação da matrícula em nome do expropriante”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 137)

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título condenatório461 ao expropriado462. Haveria uma sentença declaratória463,

decorrente da desapropriação, visto que a indenização é condição464 para a mesma.

Não existindo título condenatório, não haveria execução, não se aplicando a

necessidade de prévia citação da Fazenda na forma do art. 730 do Código de

Processo Civil465 para posterior expedição de precatório na forma do art. 100 da

Constituição Federal466.

No mesmo sentido é o entendimento de Ernane Fidélis dos Santos467 acerca

da natureza declaratória da sentença da desapropriação:

461

“Vê-se que não se aloca a indenização na desapropriação no conceito de pagamento devido pela Fazenda Pública em virtude de sentença judiciária, mesmo porque, como acima foi referido, não se constitui a indenização na ação expropriatória em direito autônomo do réu, exequível como um provimento condenatório”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação.

Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 142

462 “É obvio, aliás, que na ação expropriatória a sentença não confere ao expropriado um título

condenatório, até porque tal não poderia ocorrer sem pedido condenatório formulado pelo réu, que como se viu, nesse tipo de ação não pode ocorrer, com exceção, é lógico, dos ônus da sucumbência que podem ser impostos ao autor, comportando em relação a eles, e exclusivamente quanto aos mesmos, a execução em favor do réu”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 139)

463“Tenha-se presente que a indenização fixada na sentença do feito expropriatório não é

condenatória, mas meramente declaratória, não constituindo ipso facto um título judicial em favor do desapropriado”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo

Horizonte: Fórum, 2006, p. 139)

464 “Como se vê, não existe na ação expropriatória provimento condenatório, contra o autor da

desapropriação, eis que a indenização fixada pelo decisum é simplesmente declaratória, constituindo-se em simples condição, para a efetivação da desapropriação”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 141)

465 “O que aparta essa situação judicial das condenações da Fazenda Pública, sujeitas aos tramites

preconizados nos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil, com base no artigo 100 da Constituição Federal, é que a sentença declaratória na desapropriação, ao contrário das sentenças condenatórias, não faz surgir o título determinante de uma execução, mas tem por objetivo tão somente, com seu transito em julgado, fixar o valor devido, para a concretização da desapropriação”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 142)

466 “Desse modo só se pode concluir que é absolutamente equivocada a prática da execução da

indenização pelos expropriados, com fundamento no artigo 100 da Constituição Federal e nos termos dos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil”. (BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 142)

467 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 11 ª edição,

2008, p. 201

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A desapropriação é ato unilateral do Poder Público, autorizado administrativamente pelo decreto de utilidade pública. Ela se torna perfeita e acabada com o pagamento do preço, recebido diretamente pelo desapropriado, ou depositado por força de decisão judicial, em caráter definitivo. Não é, pois, a sentença que desapropria, mas todo o complexo de atos que vão do decreto de desapropriação até o pagamento definitivo do preço. A sentença simplesmente declara o valor do preço, sendo, portanto, de natureza declaratória...

Entretanto, o entendimento dominante é no sentido de que a indenização da

desapropriação deve ser paga por meio de precatório, mediante prévia citação468 na

forma do art. 730 do CPC469, tendo o STF consolidado posição nesse sentido,

somente admitindo o pagamento fora do regime dos precatórios do valor destinado à

imissão provisória.

Verificada a insuficiência do depósito prévio na desapropriação por utilidade pública, a diferença do valor depositado para imissão na posse deve ser feito por meio de precatório, na forma do art. 100 da CB/1988

470

Também o STJ se firmou nesse entendimento471:

468

Admitindo o pagamento por meio de precatório, mas sem prévia citação: “Em que pese o art. 19 do Decreto-lei n. 3.365/41 prever que a causa seguirá o rito ordinário, a execução contra a Fazenda Pública obedece a cânones especiais, não se lhe aplicando a regra do caput do art. 730 do Código de Processo Civil, o qual prevê o oferecimento de embargos à execução. Assim, o expropriante será citado não para opor embargos, mas sobre a expedição do precatório”. (VELOSO, Mário Roberto N. Desapropriação: aspectos civis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 146)

469 “O quantum indenizatório normalmente se compõe de duas parcelas: uma, a que já foi objeto de

depósito judicial, quando o expropriante foi imitido na provisoriamente na posse do bem; outra, a parcela complementar, que corresponde à diferença entre o valor que a sentença fixou, com os devidos acréscimos, e a parcela depositada. A primeira poderá ser paga ao expropriado por alvará judicial, mas a segunda o expropriado só poderá receber depois de proposta a ação de execução, na forma do art. 730 do CPC, e observando o sistema de precatórios judiciais previsto no art. 100 da CF. É também cabível, após a sentença, o levantamento pelo expropriado de até 80% do valor depositado, aplicando-se aqui as mesmas regras adotadas para o levantamento no caso de imissão provisória na posse...”. (CARVALHO SANTOS, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio

de Janeiro” Lumen Juris, 22 edição, 2009, p. 809)

470 STF - RE 598.678-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 1º-12-2009, Segunda Turma, DJE de

18-12-2009.

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A sentença proferida em ação de desapropriação tem carga condenatória no que se refere ao montante da indenização; consequentemente, sua execução, que diz respeito à quantia certa, segue o rito previsto no artigo 730 e seguintes do Código de Processo Civil. Recurso especial conhecido e provido.

Independentemente da posição pacífica dos Tribunais Superiores, cabe

analisar se o pagamento da indenização, melhor dizendo, da diferença entre o valor

depositado para a imissão e o valor fixado pela sentença na desapropriação deve

ser feito por precatório.

A sentença da desapropriação não é meramente declaratória. Na verdade, ela

tem carga plural, conforme ensinamento da doutrina processual civil472

Se a contestação se limitou a questionar o preço ofertado, ainda que tal defesa seja acolhida, a sentença é de procedência, sendo ao mesmo tempo constitutiva, porque atributiva da propriedade ao autor, condenatória com força executiva própria para entrega da coisa (ou executiva lato sensu para quem admite essa terminologia) em favor do autor e condenatória em favor do réu para pagar a quantia fixada a título de indenização ou mandamental, a depender das circunstâncias.

Diz o art. 27 do Decreto-lei 3.365/41:

471

STJ - REsp 127702/SP, Rel. Ministro ADHEMAR MACIEL, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/1998, DJ 09/08/1999, p. 157

472 SOUZA, Wilson Alves de. Procedimentos expropriatórios. In: FARIAS, Cristiano Chaves de;

DIDIER JR, Fredie. Procedimentos especiais cíveis. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 780/781

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Art. 27. O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu.

§ 1o A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao

preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4

o do art. 20 do Código de Processo

Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais). (Redação dada Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001) (Vide ADIN nº 2.332-2)

§ 2º A transmissão da propriedade, decorrente de desapropriação amigável ou judicial, não ficará sujeita ao imposto de lucro imobiliário. (Incluído pela Lei nº 2.786, de 1956)

§ 3º O disposto no § 1o deste artigo se aplica: (Incluído pela Medida

Provisória nº 2.183-56, de 2001)

I - ao procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

II - às ações de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

§ 4º O valor a que se refere o § 1o será atualizado, a partir de maio de 2000,

no dia 1o de janeiro de cada ano, com base na variação acumulada do

Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA do respectivo período. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

Conforme se nota do dispositivo legal, a sentença fixa o valor da indenização.

Essa fixação do valor da indenização tem natureza condenatória. Não se trata de

sentença meramente declaratória. Conforme a doutrina processual ensina, “o efeito

principal na sentença declaratória ou declarativa é reconhecer a existência ou

inexistência de relação jurídica473”. A sentença da desapropriação não reconhece

relação jurídica alguma; esta já existe e não necessita de declaração de certeza. Ao

fixar um preço que era controvertido pelas partes, a sentença condenou uma das

partes a realizar um pagamento e a outra a aceitar aquele valor fixado pelo juiz. Se o

poder expropriante depositou “x” e na sentença foi determinado que o preço pelo

bem expropriado era “y”, maior do que “x”, houve a condenação ao pagamento

473

SLAIB FILHO, Nagib. Sentença cível: fundamentos e técnica. Rio de Janeiro: Forense, 7ª edição,

2010, p. 247

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representado por “y-x”. Por fim, tem natureza condenatória também em relação às

custas e honorários.

Entretanto, entendemos que, mesmo condenatória em relação ao preço, pode

e deve ser paga a diferença da oferta e o valor fixado na sentença fora da

sistemática dos precatórios. A Constituição Federal tem a seguinte redação:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal,

Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-

ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e

à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de

pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para

este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

A Constituição apenas dispensa expressamente o pagamento por meio de

precatórios nos casos de débito de pequeno valor474, o que nos levaria a concluir, a

priori, que todos os demais casos devem ser pagos na forma do art. 100 caput475. A

questão é se o fato de o Constituinte originário ter inserido a exigência de uma

prévia indenização, teria aberto mais uma exceção à regra que impôs o pagamento

exclusivamente por meio de precatórios.

Qualquer argumento baseado na demora no pagamento dos precatórios deve

ser afastado. O fato de o Estado brasileiro não cumprir ou estar impossibilitado

faticamente de cumprir, tempestivamente, a regra do art. 100 da Constituição

Federal não é razão suficiente para excluir qualquer tipo de pagamento que se

sujeitasse à sua incidência porque o descumprimento de uma norma não é causa

474

Art. 100 § 3º: “O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009)”.

475 Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e

Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

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para a sua não aplicação. Ademais, tal argumento permitiria que qualquer credor se

sentisse legitimado a postular a sua exclusão do regime dos precatórios, o que

implicaria em sérios prejuízos ao interesse público que justifica a existência de tal

regime de pagamento.

Atende o princípio da justa e prévia indenização o pagamento fora da

sistemática dos precatórios. Um precatório representa, sempre, um pagamento a

posteriori e a desapropriação pressupõe pagamento prévio. Considerando-se a

forma normal como um precatório seria pago, nota-se que o pagamento é sempre a

posteriori, dentro do prazo de um ano e meio a ano e onze meses (se apresentado

até 1º de julho), ou num prazo ainda maior, caso apresentado após 1º de julho476.

Ora, pelo procedimento normal dos precatórios, o pagamento nunca seria

prévio. Se a Constituição fez a exigência de pagamento prévio, por meio de uma

interpretação sistemática, conclui-se que a indenização da desapropriação não se

submete ao sistema de pagamentos por meio de precatórios, nos casos em que há

imissão na posse. Assim, o pagamento por meio de precatório é contrário ao texto

expresso da Constituição que exige que a indenização seja prévia477. Nesse sentido

decidiu o STJ:

Em se tratando de desapropriação, a indenização, além de justa, há que ser prévia. A rigor, os pagamentos de indenização em ações de desapropriação não estão sequer sujeitos a precatório porque a indenização deve ser paga ao expropriado antes da transferência do domínio e incorporação da propriedade à Fazenda Pública. Se o pagamento dos precatórios

476

Art. 100 § 5º: É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

477 “Não se resolve contra a letra expressa da Constituição, baseado no elemento histórico ou no

chamado Direito natural. Cumpre-se o que ressalta dos termos da norma suprema, salvo o caso de forte presunção em contrário: às vezes o próprio contexto oferece fundamento para o restringir, distender ou, simplesmente, determinar”. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 9ª edição, 1984, p. 309/310)

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suplementares tem que ser prévio, a fixação do prazo de 90 dias para que isto se dê não viola nenhuma norma legal

478.

EMENTA Desapropriação – citação – Fazenda Pública – Embargos. A regra do art. 730 do CPC não se aplica à execução no processo de desapropriação direta, que é especial e não comporta embargos à execução. A apuração da indenização e o pagamento são prévios

479.

No mesmo sentido é a doutrina480:

De outro lado, não menos intuitivo é que a execução da sentença no que se refere ao pagamento da diferença em dinheiro não se dá, quando o expropriante for pessoa jurídica de direito público, mediante precatório, mas sim por mandado do juiz, quando a imissão na posse tornou-se irreversível.

O fim visado pelo Constituinte ao exigir a indenização prévia revela que tal

indenização não segue a sistemática normal dos débitos da Fazenda, que são

pagos a posteriori pelo precatório. A regra geral de pagamentos dos débitos da

Fazenda por meio de precatórios não pode causar a ineficácia de uma norma

expressa da Constituição que exige o pagamento prévio. A finalidade do constituinte

foi clara no sentido de não permitir a perda da propriedade (e a posse) sem o prévio

pagamento da indenização. A interpretação que manda pagar por meio de

precatórios qualquer débito da Fazenda, sem considerar a particularidade da

exigência da prévia indenização é uma interpretação que obsta a um fim claramente

visado pela Carta Magna. Conforme lição de Carlos Maximiliano481, “não se admite

478

STJ - EREsp 114.558/SP, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/08/2000, DJ 27/08/2001, p. 219

479 STJ - Recurso Especial 160.573 –SP, Rel. Ministro Garcia Vieira, j. 17.04.1998.

480 SOUZA, Wilson Alves de. Procedimentos expropriatórios. In: FARIAS, Cristiano Chaves de;

DIDIER JR, Fredie. Procedimentos especiais cíveis. São Paulo: Saraiva, 2003, p.785.

481 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 9ª edição,

1984, p. 313/314

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interpretação estrita que entrave a realização plena do escopo visado pelo texto”. E

continua dizendo que “dentro da letra rigorosa dele, procure-se o objetivo da norma

suprema; seja este atingido, e será perfeita a exegese”.

Não se pode considerar que a palavra prévia existente na Constituição não

tenha qualquer força normativa. Não consta de outros dispositivos constitucionais a

exigência de prévia indenização. Tal fato é, por si só, capaz de levar à conclusão de

que o pagamento da indenização na desapropriação não pode ser pago a posteriori,

como decorre da sistemática dos precatórios. A Constituição não tem palavras

inúteis482 (verba cum effectu, sunt accipienda). Não se pode admitir uma

interpretação que transforme uma palavra expressa da regra constitucional em algo

inútil e sem força imperativa (interpretatio in quacumque dispositione ne sic facienda,

ut verba non sint superflua, et sine virtude operandi). Nesse sentido483:

A distorcida prática judicial, aceita sem maior discussão pela doutrina, de que o pagamento da diferença, frequentemente muito alta, só pode ocorrer mediante ajuizamento de ação de execução de sentença contra a Fazenda Pública, ou seja, por meio da via tormentosa do precatório é o mesmo que admitir desapropriação sem prévia indenização. Dir-se-á, como se tem afirmado repetidamente, que determinar o pagamento mediante outro meia que não seja o procedimento do precatório é negar vigência ao art. 100 da Constituição. Se assim é, ao dar aplicabilidade ao art. 100 o juiz estará negando vigência ao art. 5, XXIV, da mesma Carta Constitucional. Há aparente (e falso) conflito entre normas no mesmo estatuto normativo, que, à evidência, se resolve aplicando-se o dispositivo que consagra o princípio da prévia e justa indenização. Deste modo, estamos diante de mais um caso excepcional (os demais são os créditos de natureza alimentícia e os definidos em lei como de pequeno valor, que obviamente não se referem às sentenças prolatadas em processo de desapropriação) de não aplicação do art. 100 da Constituição.

482

“Pode uma palavra ter mais de um sentido e ser apurado o adaptável á espécie, por meio do exame do contexto ou por outro processo; porém, a verdade é que sempre se deve atribuir a cada uma a sua razão de ser, o seu papel, o seu significado, a sua contribuição para precisar o alcance da regra positiva”. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro:

Forense, 9ª edição, 1984, p. 250)

483 SOUZA, Wilson Alves de. Procedimentos expropriatórios. In: FARIAS, Cristiano Chaves de;

DIDIER JR, Fredie. Procedimentos especiais cíveis. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 786.

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Assim, ao lado da inexigibilidade de pagamento por meio de precatórios dos

créditos de pequeno valor, também configura exceção o pagamento da indenização

da diferença entre o valor depositado para a imissão provisória e o fixado na

sentença na desapropriação, como única forma de dar efetividade ao comando

constitucional que exige o pagamento de indenização prévia.

A indenização prévia preserva os direitos da Fazenda Pública e do

expropriado. O procedimento de pagamento de indenizações de desapropriações

por meio de precatórios foi a principal responsável pelo endividamento monstruoso

das entidades federativas. A imissão prévia na posse com pagamento de valor

inferior ao apurado, gerando juros compensatórios, cumulados com os juros

moratórios resultantes da demora no pagamento dos precatórios ocasiona um

crescimento formidável da indenização, conforme alerta de Aliende Ribeiro484:

O dano se verifica, por, de forma dúplice. A falta de prévio pagamento da indenização não somente lesa o cidadão proprietário que perde a disponibilidade de seu imóvel sem receber o necessário para a pronta recomposição de seu patrimônio, mas também a própria Administração, que por ter obtido a posse sem o pagamento do valor integral do bem (ou de valor próximo do valor de mercado) passa a ser onerada, nos exercícios (e governos) seguintes, com o pagamento de juros, moratórios e compensatórios, calculados sobre a diferença entre a oferta e a indenização ao final fixada, além de encargos relativos a honorários advocatícios também calculados sobre essa diferença.

Quem pode o mais, pode o menos (in eo quod plus est semper inest et

minus); se para a imissão provisória, onde o valor ainda não é definitivo, podendo

ser maior ou menor do que o justo valor, é possível o pagamento direto, com mais

razão seria possível o pagamento para a imissão definitiva, com o valor já

definitivamente apurado, mediante o amplo e pleno contraditório. Ademais, é certo

que não poderia haver a disciplina do pagamento da indenização em parte de uma

forma e em parte de outra, ou seja, para a imissão poder-se-ia depositar sem

484

RIBEIRO, Luis Paulo Aliende. Para uma desapropriação de garantia do cidadão e da Administração. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício. Intervenções do Estado. São

Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 170.

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precatório e para a diferença somente por meio de precatório. Mostra-se totalmente

incongruente exigir um pagamento prévio e em dinheiro, portanto fora da sistemática

dos precatórios, para a perda da posse e exigi-lo para complementar esse mesmo

valor.

E, finalizando, o próprio direito infraconstitucional vigente apoia o nosso

entendimento. Em relação aos imóveis urbanos, de acordo com a Lei de

Responsabilidade fiscal (Lei complementar 101/2000), no art. 16, § 4ª, II, constituem

condição prévia de sua desapropriação a estimativa do impacto orçamentário-

financeiro e a declaração do ordenador da despesa que o aumento tem adequação

orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o

plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. Ademais, conforme o art. 46

da mesma lei, é nula de pleno direito a desapropriação de imóvel urbano sem o

pagamento prévio ou deposito judicial do valor da indenização.

Não se compatibiliza a regra do precatório com as disposições em comento,

visto que o valor constante do orçamento deve servir para o pagamento da

indenização; o valor destinado ao pagamento de precatórios já consta de outra

conta; caso o valor da indenização seja pago por precatório, o valor que deveria se

destinar ao pagamento das indenizações na desapropriação não seria usado para a

finalidade legal.

Assim concluímos que somente é possível se cogitar do pagamento de

indenizações das desapropriações por meio de precatório nos casos em que não há

imissão na posse. Havendo imissão, tanto a oferta inicial, como a diferença apurada,

devem ser pagas por meio de deposito judicial, sob pena de ofensa à Constituição

que exige a prévia indenização.

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6- A justa indenização na desistência da desapropriação

Pode o Estado expropriante desistir da desapropriação. Não se trata de uma

mera conveniência de desistir. Trata-se de um dever. Dever de desistência. Quando

o bem expropriado não atender ao objetivo visado, não servindo para qualquer

finalidade pública, deve o Estado desistir da desapropriação485.

A desistência pode se dar a qualquer momento, desde que ainda não pago ao

expropriado o preço da indenização486. Antes do pagamento desta, ainda não houve

a consumação da desapropriação, tendo em vista a garantia da justa e prévia

indenização, sendo perfeitamente possível a desistência. Mesmo tendo havido o

trânsito em julgado da sentença487, possível a desistência. Entendemos que,

mesmo pago integralmente o preço, não tendo ainda ocorrido a transcrição da

sentença, ainda é possível a desistência. Nesse sentido, Uyeda488:

A viabilidade da desistência expropriatória fica, entretanto, condicionada aos seguintes fatores: que o preço da indenização não tenha sido pago e não se tenha transcrito no Registro Imobiliário a sentença final expropriatória e, também, que o bem expropriando, cuja desistência é pretendida não tenha perdido suas características essenciais.

485

“Mais do que simplesmente poder o Estado desfazer a expropriação, é dever da Administração Pública quando se leva em conta que o imóvel não tem como atender ao objetivo inicialmente planejado, não havendo nada que justifique integrar o patrimônio publico bem oneroso e ocioso, dependendo de vultosa indenização ao expropriado”. (PICININ, Juliana de Almeida. Possibilidade de revogação parcial do decreto expropriatório. In: Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito

Público – FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 60, fev. 2006.)

486 “Não se perca de vista, também, que, paga a indenização pelo expropriante, não mais será

possível a desistência da ação”. (SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da Jurisprudência. São Paulo: RT, 5 edição, 2006, p. 687)

487 “Então, enquanto não ocorrer o pagamento do preço, poderá haver a desistência da ação de

desapropriação, mesmo que já tenha se operado o transito em julgado da sentença desapropriatória”. (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2010, 8 edição, p. 661/661.)

488 UYEDA, Massami. Da Desistência da Desapropriação. – 1ª edição – Gráfica Editora Aquarela

S.A, 1988 – pg. 79 a 81 (grifos nossos).

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166

Não há necessidade de concordância do expropriado para a desistência da

desapropriação pelo expropriante. Aquele não tem direito subjetivo a ser

expropriado489. A possibilidade unilateral de desistência decorre do princípio da

supremacia do interesse público sobre o privado. Nesse sentido, Uyeda490:

A possibilidade que tem a Administração Pública de desistir da ação expropriatória, mesmo que o expropriado não concorde com o pedido de desistência da ação representa a consagração do princípio da prevalência do interesse público sobre o interesse do particular e demonstra tratar-se a desapropriação de complexo procedimento de direito público.

A desistência, entretanto, não pode causar prejuízos ao expropriado491.

Melhor dizendo, o começo da desapropriação e seu termino prematuro não podem

ser causa de prejuízo patrimonial ao particular. Este deve sair da tentativa de

desapropriação com o patrimônio incólume. Se houve imissão, deve o imóvel ser

devolvido. Também, deve o imóvel ser devolvido no mesmo estado em que se

encontrava antes da imissão. Caso tenha havido modificação substancial no

imóvel492, não se torna possível a desistência493.

489

“Some-se a isso que não tem o expropriado como se insurgir contra essa desistência, exatamente porque ato discricionário da Administração, podendo, quando muito, discutir em ação própria os danos que entender sofridos. Mas, de maneira alguma, poder-se-ia dizer ter o expropriado direito subjetivo à desapropriação”. (PICININ, Juliana de Almeida. Possibilidade de revogação parcial do decreto expropriatório. In: Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo

Horizonte, ano 6, n. 60, fev. 2006.)

490 UYEDA, Massami. Da Desistência da Desapropriação. – 1ª edição – Gráfica Editora Aquarela

S.A, 1988 – pg. 79 a 81.

491 “Com a desistência do feito expropriatório, as partes devem ser reconduzidas à situação em que

se encontravam anteriormente à propositura da ação”. (SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da Jurisprudência. São Paulo: RT, 5 edição, 2006, p. 684)

492 ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. DESISTÊNCIA.RESTITUTIO IN INTEGRUM.

IMPOSSIBILIDADE. 1. Tendo havido alterações substanciais no imóvel objeto da ação de desapropriação, é inadmissível que o Poder Público expropriante dela desista, ante a impossibilidade

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167

Tendo havido a imissão provisória, deve haver a devolução da oferta

levantada494.

Os prejuízos causados pela desapropriação não terminada devem ser

ressarcidos pelo expropriante. Há quem entenda que os prejuízos podem ser

apurados no próprio feito expropriatório495. Entretanto, a posição mais acertada é a

que entende que os danos devem ser buscados em ação própria de perdas e

danos496. O processo expropriatório tem uma única finalidade: apurar o preço justo

a ser pago pelo expropriante na desapropriação. Se esta não vai se consumar, o

feito expropriatório deve ser encerrado. Os eventuais prejuízos devem ser objeto de

ação própria497, visto que devem ser objeto de rigorosa apuração, para que não se

indenize, nem a menos, nem a mais, os prejuízos causados ao expropriado. O

próprio artigo 20 da Lei das desapropriações corrobora esse entendimento, ao vedar

no processo de desapropriação qualquer discussão que não diga respeito ao preço

de que o bem seja restituído ao expropriado no estado em que se encontrava antes da intervenção. (STJ - REsp 129.440/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2004, DJ 21/03/2005,p. 299)

493 “Consequência da desistência da ação expropriatória é que o imóvel deverá voltar ao patrimônio

do expropriado, se tiver havido imissão provisória na posse. Mais do que isso: o imóvel deverá retornar ao patrimônio do particular em seu estado primitivo, porquanto, se houver sido destruído ou substancialmente modificado pela execução de obra ou serviço, impossível será a desistência”. (SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da Jurisprudência. São

Paulo: RT, 5 edição, 2006, p. 684)

494 “Por isso, o bem é devolvido ao expropriado e este deve restituir ao expropriante os 80% da oferta

que, porventura, tenha levantado, nos termos do parágrafo 2 do art. 3 do Decreto-lei 3.365/41”. (SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da Jurisprudência. São

Paulo: RT, 5 edição, 2006, p. 684)

495 “Entretanto, nada impede que o acertamento de determinadas verbas – tais como os juros

compensatórios, despesas processuais e honorários advocatícios – se concretize nos próprios autos da ação expropriatória, de que se desistiu”. (SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da Jurisprudência. São Paulo: RT, 5 edição, 2006, p. 685)

496 “Se entender o expropriado que do fato algum prejuízo adveio, somente poderá discuti-lo em ação

própria, não podendo o fato ser objeto de analise na própria ação de desapropriação”. (PICININ, Juliana de Almeida. Possibilidade de revogação parcial do decreto expropriatório. In: Biblioteca Digital

Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 60, fev. 2006.)

497 ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DESAPROPRIAÇÃO- DESISTÊNCIA -

CONSEQÜÊNCIAS. 1. Com a desistência da ação de desapropriação,as partes voltam ao status quo ante, devolvendo o poder público o bem expropriado,e o particular o que porventura tenha recebido. 2. Não se conhece de desistência condicional,mantendo-se em depósito judicial os valores pagos pelo poder público para ressarcimento de possíveis prejuízos. 3. Existindo prejuízos a serem apurados em ação autônoma, serão pagos pelas vias normais do precatório. 4. Recurso especial provido. (STJ - REsp 449.690/PR, Rel. Ministra ELIANACALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/05/2004, DJ 13/09/2004, p. 199

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da indenização; e, como é óbvio, perdas e danos não se confunde com o preço da

indenização498. Somente a condenação em honorários e custas podem se dar no

feito expropriatório; outros prejuízos devem ser pleiteados em ação distinta. Nesse

sentido é a lição da doutrina de UYEDA499:

Em ocorrendo a desistência da desapropriação na fase judicial do procedimento expropriatório, ao autor da ação expropriatória, serão carreados o pagamento das custas e despesas processuais e, também, os honorários advocatícios do expropriado. Outros eventuais danos e prejuízos decorrentes da desapropriação deverão ser pleiteados em ação distinta.

Decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo500 que, no caso de

desistência, eventual prejuízo do expropriado deve ser buscado em ação própria,

com prova de tais prejuízos:

Ementa: Visto. Desapropriação - Desistência - Possibilidade se ainda não ocorreu pagamento integral do preço e se o imóvel puder ser restituído nas mesmas condições ao proprietário - Eventuais prejuízos que deverão ser reclamados em ação própria, cabendo ao interessado prová-los - Sentença homologatória mantida - Apelo improvido.

O valor a ser indenizado deve ser apurado objetivamente e de acordo com o

caso concreto. Não faz sentido pagar juros compensatórios501. Estes servem para

498

“Em suma, somente através de „ação própria‟, „ação direta‟, „ação autônoma‟, e nunca, no próprio bojo do processo expropriatório, o expropriado poderá pleitear o ressarcimento pelos pretensos danos sofridos, mesmo porque, a impugnação da desistência, quase sempre mero pretexto para ingressar novamente em juízo, por via oblíqua, para obter o pagamento de juros compensatórios, não tem fundamento.” (CRETELLA JUNIOR, José – Parecer: “Desapropriação – Desistência – „Restitutio em Integrum‟ – 1985. RDA 285/163) 499

UYEDA, Massami. Da Desistência da Desapropriação. – 1ª edição – Gráfica Editora Aquarela

S.A, 1988 – pg. 79 a 81

500 TJ/SP, proc. n. 9150497-34.2004.8.26.0000 Apelação Com Revisão / Desapropriação Relator:

Corrêa Vianna Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Público Data de registro: 05/12/2005

501 “A lei expropriatória é omissa, no que diz respeito aos juros compensatórios, mas a construção

pretoriana foi-se orientando, no sentido de compensar a perda definitiva da posse, não se aplicando às hipóteses de desistência, mesmo tendo ocorrido imissão provisória, porque posse precária é perda temporária da posse.” (CRETELLA JUNIOR, José – Parecer: “Desapropriação – Desistência – „Restitutio em Integrum‟ – 1985. RDA 285/163)

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compensar a perda antecipada da posse antes do termino do processo e perda

definitiva da posse. Quando há desistência, não haverá nunca a perda definitiva da

posse, sendo esta devolvida ao expropriado. Não há, assim, o pressuposto do

pagamento dos juros compensatórios502.

Ademais, somente serão devidos as perdas e danos caso realmente tenha

havido qualquer prejuízo ao proprietário. Este deverá provar efetivamente que a

desapropriação não consumada lhe acarretou alguma perda patrimonial. Caso não

tenha a desapropriação causado qualquer prejuízo ao expropriado503, mesmo tendo

havido imissão na posse, nada há a ser indenizado504. Nesse sentido decidiu

acertadamente decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo505:

Ementa: DESAPROPRIAÇÃO - Desistência da ação antes da sentença - Homologação do pedido - Pretensão recursal dos expropriados à condenação da expropriante ao pagamento de indenização e da verba honorária - Indenização indevida - Imóvel que nunca foi explorado pelos expropriados - Não ocorrência de prejuízo - Expropriante, contudo, que deve suportar a verba honorária do Patrono da parte adversa - Art 26 do

502

“Os juros compensatórios são devidos pelo expropriante ao expropriado, a titulo de compensação pela perda antecipada da posse que este haja sofrido e são contados desde o momento da perda efetiva da posse ate a data do pagamento da indenização. Portanto, é evidente que só são devidos se realmente há perda do imóvel com a transferência da propriedade para o Estado, retroagindo os juros à data da imissão na posse. Se não há transferência, não há o que compensar ao proprietário”. (PICININ, Juliana de Almeida. Possibilidade de revogação parcial do decreto expropriatório. In:

Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 60, fev. 2006.)

503 O STJ já decidiu que, não havendo prejuízo, não há condenação em juros compensatórios na

desistência: “É possível a condenação do Poder Público ao pagamento de juros compensatórios, mesmo sem ter havido formal imissão provisória na posse do imóvel, desde que se comprove que a perda da posse decorreu da atuação estatal. No caso, todavia, as instâncias ordinárias concluíram, mediante análise da perícia judicial realizada, que parte do imóvel já estava ocupada por terceiros antes da edição do decreto expropriatório, e que o Município de São Paulo, em momento algum, ocupou ou incentivou a ocupação da área. (STJ - REsp 991.517/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/06/2009, DJe 01/07/2009)

504 Movendo o reintegrado-proprietário ação própria para obter indenização, suas alegações trarão o

ônus de as provar, nos termos do art. 330, inc. I do CPC, sob pena de, não tendo o autor produzido qualquer prova da existência de danos emergentes e nem eventuais lucros cessantes, ou prejuízos ao patrimônio presente e futuro do mesmo, falece-lhe o direito à percepção de qualquer indenização”. (PICININ, Juliana de Almeida. Possibilidade de revogação parcial do decreto expropriatório. In:

Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 60, fev. 2006.)

505 TJ/SP - 0102587-33.2005.8.26.0000 Apelação Com Revisão / Desapropriação Relator(a):

Reinaldo Miluzzi Comarca: Guarulhos Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público Data do julgamento: 14/04/2008 Data de registro: 18/04/2008

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CPC - Arbitramento por equidade - Artigo 20, § 4o, do CPC - Recurso parcialmente provido

Não é admissível o entendimento de que deve haver o pagamento de juros

compensatórios sempre que houver a desistência de uma desapropriação, quando

houver a imissão, independentemente de provas de prejuízos, por ser inerente à

perda da posse a obrigação de indenizar506. Somente no caso concreto pode ser

apurado se houve reais prejuízos. Sem a prova da existência de prejuízos concretos,

não se pode pagar juros compensatórios na desistência da desapropriação, sob

pena de enriquecimento ilícito do expropriado que receberá o seu bem de volta

acrescido de juros compensatórios que podem representar um valor maior que o do

próprio bem. Nesse sentido, Juliana de Almeida Picinin507:

Pagar juros compensatórios nessa hipótese consubstanciaria em enriquecimento ilícito por parte do expropriado, já que acabará por receber o imóvel de volta nas mesmas condições e a indenização que pode superar o próprio preço do imóvel.

Assim, a justa indenização na desistência da desapropriação abrange

somente os prejuízos efetivos sofridos pelo expropriado, não cabendo o pagamento

em juros compensatórios.

506

“O acerto dessa conclusão é irrespondível: a privação da posse traz prejuízos ao expropriado, estivesse ele usando ou não o bem quando foi desapossado, pois mesmo sem uso, com a posse poderia haver alguma destinação, e essa potencialidade – ainda que hipotética – retirada do particular merece composição pecuniária, por ser corolário do direito de propriedade o uso e gozo do bem, como melhor lhe aprouver. Dentre as alternativas do proprietário está a de nada fazer com o bem, e pela privação dessa faculdade receberá os compensatórios. O dano é inerente ao desapossamento do bem”. (VELLOSO, Mário Roberto N. Desapropriação: aspectos civis. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2000, p. 123)

507 PICININ, Juliana de Almeida. Possibilidade de revogação parcial do decreto expropriatório. In:

Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 60, fev. 2006.

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CAPÍTULO IV – A IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE E A JUSTA INDENIZAÇAO

1- Conceito de posse

Segundo o Código Civil:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Adotou-se a teoria de Jhering que se opõe à teoria de Savigny. Segundo este,

a posse se estrutura em dois princípios basilares: o corpus, que é o controle físico

da coisa e o exercício de se fazer com ela o que se pretenda, com a exclusão de

ingerências estranhas e; o animus possidendi, caracterizado como a intenção de

exercer o direito de propriedade. Jhering sustenta a suficiência do corpus para

definir a posse; entende que o corpus não é a simples coisa em si, mas como o

poder físico sobre a coisa e o interesse de utilizá-la economicamente em seu

proveito; para Jhering, para alguém ser considerado possuidor, é necessário tão

somente que exerça, ou pratique, ou usufrua, de fato, ou efetivamente, de algum dos

poderes inerentes ao domínio ou propriedade508.

Tendo-se adotado a teoria de Jhering no nosso direito positivo, podemos

afirmar que a posse é um direito e não um estado de fato. De acordo com a doutrina

de Savigny, a posse é um estado de fato, trazendo efeitos e consequências no

508

Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 5º edição, 2011, p. 17.

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mundo jurídico; ela se estabelece em decorrência de um simples poder de fato sobre

a coisa, sem assentar em regras jurídicas ou sem um direito preexistente; assim, é

possível que ela nasça de uma mera ocupação de um imóvel, ou da apresentação

de uma coisa, ou da própria violência, com o emprego da força e da intimidação,

como sucede nas invasões. Jhering, por sua vez, tem a posse como um direito; para

ele conceitua-se esse direito como um interesse juridicamente protegido; por

consequência, a posse estará sempre ao amparo da lei; se a posse se contrapõe à

propriedade, ou se se reveste de vícios, enquanto não se perfaz o direito à

prescrição aquisitiva, ou não escoimada das imperfeições, não é possível tê-la como

um direito509.

Protege-se a posse porque esta é um indício de propriedade. Com a proteção

da posse, protegem-se, também, possuidores que não são proprietários, mas

somente provisoriamente. A maioria dos possuidores são proprietários. Se não se

protegesse a posse, as pessoas teriam que provar o seu direito de propriedade; ora,

provar a propriedade é uma tarefa difícil, pois exige a prova de todas as cadeias de

sucessões pelas quais passou a propriedade, sendo uma prova diabólica. Protege-

se o possuidor porque, na maioria das vezes, este é também o proprietário510.

Assim, concluímos que a posse é um direito e consiste no exercício de algum

dos poderes inerentes ao domínio. A posse do proprietário pode ser perdida

mediante a imissão provisória na posse pelo expropriante, uma antecipação dos

efeitos da tutela jurisdicional da ação da desapropriação.

509

Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 5º edição, 2011, p. 27/28

510 Cf. GONÇALVEZ, Marcus Vinicius Rios. Aspectos relevantes da posse de bens imóveis no Código

Civil. In: GUERRA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (coordenadores). Direito Imobiliário Brasileiro.

São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 120/127.

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2 – A imissão provisória na posse

Imitir é “fazer entrar, arremessar-se no meio de, introduzir-se”. É mais que

penetrar. É penetrar e ficar. Imitir-se na posse é o fato físico e material de apreensão

da coisa. A imissão é provisória ou definitiva. Nos processos expropriatórios, a

imissão de posse definitiva no imóvel seria a regra, ao passo que a imissão de

posse provisória deveria ser a exceção, mas não é, visto que, na prática, todos os

decretos de utilidade pública autorizam a alegação de urgência e a imissão ocorre

na quase totalidade dos casos de desapropriação511.

Não há com a imissão a transferência da propriedade do imóvel, que ainda

pertence ao expropriado. Há, na verdade, uma antecipação dos efeitos da tutela

requerida no processo expropriatório. Satisfeitos os requisitos legais, o juiz defere ao

Poder expropriante algo que ele somente teria após o término do feito expropriatório.

Se a Fazenda necessita do imóvel com urgência para a prática de uma série

de operações dependentes da posse cuja utilização tem de ser imediata, a imissão a

título provisório é plenamente justificada, pois, do contrário, ficariam prejudicados

serviços e obras de tal modo urgentes que o retardamento da imissão, num

processo normal, seguindo todas as fases do processo expropriatório, traria

prejuízos ao interesse público. A urgência da medida justifica, pois, a imissão

provisória na posse dos bens.512

511

Cf. CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980,

vol. 2, p. 43

512 Cf. CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980,

vol. 2, p. 43/44

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3 – O controle judicial da declaração de urgência

Há entendimentos no sentido de que, em relação à alegação de urgência513,

não haveria, em tese, a possibilidade de o Judiciário analisar se realmente a mesma

existe514, por ser tal matéria de mérito do ato administrativo, que não poderia ser

objeto de controle pelo juiz515, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos

Poderes516. Nesse sentido é a lição de Seabra Fagundes517:

Ademais, a URGÊNCIA no ato administrativo é um elemento de mérito (e não de legalidade) dependente, por sua natureza, do critério livre da Administração Pública. Só esta, com os meios de informação técnica de que dispõe, como o conhecimento de determinadas necessidades (muitas vezes prementes), que lhe incumbe satisfazer, com a visão de conjunto dos problemas administrativos, de todos se havendo de desincumbir oportunamente, e sentindo a prevalência de uns sobre outros, pode aferir da pressa que haja em dispor de certo bem privado para a execução de alguma obra publica, para utilização com determinado objetivo, etc. Nenhum elemento pode ter o juiz para contraditar a urgência, acaso alegada pelo administrador. Haveria de louvar-se nos próprios dados fornecidos por este nenhuma base tendo para rejeitá-los.

513

“...os fatores administrativos que geram a caracterização da urgência quanto à imissão na posse se configuram como privativos do expropriante, que é, como sabido, o gestor dos interesses públicos. É a ele, exclusivamente, que compete essa avaliação”. (CARVALHO SANTOS, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro” Lumen Juris, 22 edição, 2009, p. 802)

514 “Pelo princípio da presunção da verdade, a alegação de urgência não precisa ser demonstrada.

Quem alega é a Administração, é o poder público, bastando isso para que seja indubitável tal declaração”. (CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense,

1980, vol. 2, p. 39)

515 “A urgência, para o poder público, será conveniente hoje, inconveniente amanha; será oportuna

hoje, inoportuna amanha. No entanto, alegada hoje, continua a vigorar até que o poder público decida o contrário, revogando o ato. É essa relatividade do conceito, ligado a fatos que ocorrem num lugar e numa época, que o colocam na esfera de apreciação do administrador, legitimando-lhe a simples alegação imotivada, incontrastável pelo Poder Judiciário”. (CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980, vol. 2, p. 39)

516 “Entendemos que a Administração é o único árbitro da urgência de que se revista determinada

obra ou serviço, que deva executar”. (SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. São Paulo: RT, 2006, 5ª edição, pág. 349)

517 FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1949, p. 215

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Entretanto, a alegação de urgência deve ser apreciada pelo Poder Judiciário.

Conforme lição de Sylvio Pereira518, “se negarmos ao Judiciário competência para

apreciar se prevalece ou não urgência, estaremos oferecendo ao Executivo arma

demasiadamente perigosa para novos golpes contra o direito de propriedade”.

A mera alegação que existe urgência não faz surgir esta que,

independentemente da declaração, pode, no caso concreto, não existir. Conforme

lição de Pontes de Miranda519, “urgência é circunstância que se alega e se prova”.

Se o expropriado puder demonstrar de modo objetivo que a alegação de urgência é

inverídica, o juiz deverá negá-la, conforme lição de Celso Antonio Bandeira de

Mello520:

Se o expropriado, entretanto, puder demonstrar de modo objetivo e indisputável que a alegação de urgência é inverídica, o juiz deverá negá-la, pois, evidentemente, urgência é um requisito legal para a imissão provisória, e não uma palavra mágica, que, pronunciada, altera a natureza das coisas e produz efeito por si mesma.

518

PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p. 106.

519 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a

emenda n. 1 de 1969. São Paulo: RT, 2ª edição, 1971, p. 520

520 CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,

22ª edição, 2007, p. 847/848 – grifos nossos

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4- A posse também é protegida pela garantia da justa e prévia indenização

Apesar de não causar a perda da propriedade, a imissão traz sérios prejuízos

ao expropriado. Nesse sentido é a lição de Carvalho Santos521:

A despeito de a imissão na posse não representar ainda a transferência de domínio do bem sujeito à desapropriação, é inegável que, mesmo sendo provisória, seus efeitos são perversos para com o proprietário. Na prática, a imissão na posse provoca o total impedimento para que o proprietário volte a usufruir a propriedade...o que há realmente é a perda da propriedade.

Como não há ainda o pagamento integral da indenização, com pleno

contraditório e ampla defesa, questionou-se se a imissão provisória seria compatível

com o princípio da justa e prévia indenização522. Entretanto, a imissão na posse é

necessária e constitucional, desde que haja o pagamento prévio pela perda da

posse. A solução a ser dada é a que possibilite ao proprietário, na concessão da

imissão, receber um valor que lhe permita adquirir outro bem igual ao anterior.

Entretanto, conforme lição de Arruda Alvim523,

521

CARVALHO SANTOS, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro” Lumen

Juris, 22 edição, 2009, p. 801/802

522 “Rigorosamente, até se poderia cogitar da inconstitucionalidade da figura da imissão provisória na

posse. Afinal, a Constituição estabelece que a transferência do domínio depende do pagamento de indenização prévia e justa, em dinheiro. Logo, surge uma clara incompatibilidade entre a disciplina constitucional e a disciplina contida no art. 15, §1º, do Decreto-lei n.3.365. Esse dispositivo legal estabelece que a incorporação fática do bem na posse do Poder Público gera a aquisição de seu domínio. A decorrência seria a irreversibilidade da imissão provisória na posse. Portanto, a lei estaria assegurando algo que a Constituição vedou. Como decorrência lógica, o referido dispositivo legal deve ser reputado como não tendo sido recepcionado pela Constituição”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 6ª edição, 2010, p. 636)

523 ALVIM, Arruda. Desapropriação e valor no direito e na jurisprudência. In: Revista de Direito

Administrativo nº 102, outubro/dezembro 1970, p. 42-70.

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...parece que é praticamente impossível obter-se uma tradução prática dessa posição e, por isso, ela permanece puramente ideal. O que incumbe é conseguir-se uma disciplina que, o mais possível, dela se aproxime, eliminando o quanto possível a situação em que permanece o expropriado antes de ser indenizado afinal.

Há o entendimento de que a garantia da justa e prévia indenização somente

protege a propriedade e não a posse. Nesse sentido, Harada524:

Na verdade, pagamento prévio só é exigível para a efetiva consumação da desapropriação, que se dá com a transferência do domínio para o Poder Público. É , pois, a imissão definitiva na posse, regulada pelo art. 29 da lei de desapropriação, que deve ser precedida do pagamento do justo preço, fixado por sentença. O requisito da previedade não tem aplicação para a chamada imissão provisória, incapaz por si só de operar a transferência do domínio que pode deixar de ocorrer, em havendo, por exemplo, desistência da ação expropriatória.

O STF também entende que posse não é protegida pela justa e prévia

indenização, conforme decisões abaixo:

Subsiste, no regime da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XXIV) a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal sob a égide das Cartas anteriores, ao assentar que só a perda da propriedade, no final da ação de desapropriação – e não a imissão provisória na posse do imóvel –

está compreendida na garantia da justa e prévia indenização525.

EMENTA: Recurso extraordinário. Desapropriação. Imissão prévia na posse. 2. Discute-se se a imissão provisória na posse do imóvel expropriado, initio litis, fica sujeita ao depósito integral do valor estabelecido em laudo do perito avaliador, se impugnada a oferta pelo expropriado, ou

524

HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 2007, 7ª edição, pág. 95

525 RTJ 159/1.054, 165/313

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se, por força dos parágrafos do art. 15 do Decreto-lei nº 3365/1941 e do art. 3º do Decreto-lei nº 1075/1970, é possível, aos efeitos indicados, o depósito pelo expropriante da metade do valor arbitrado. 3. O depósito prévio não importa o pagamento definitivo e justo conforme art. 5º, XXIV, da Constituição. Não incidência do art. 182, § 4º, III, da Lei Maior de 1988. 4. A imissão provisória na posse pressupõe a urgência do ato administrativo em apreço. 5. Inexistência de incompatibilidade, do art. 3º do Decreto-lei nº 1075/1970 e do art. 15 e seus parágrafos, Decreto-lei nº 3365/1941, com os dispositivos constitucionais aludidos (incisos XXII, XXIII e XXIV do art. 5º e 182, § 3º, da Constituição). 5. Recurso extraordinário conhecido e provido

526.

EMENTA: - 1. Preliminar de prejudicialidade rejeitada, ante a diversidade dos procedimentos respectivos e da modalidade de execução, entre a imissão provisória na posse (a que se refere o mandado de segurança ora em grau de recurso extraordinário) e o julgamento definitivo da ação expropriatória. 2. Subsiste, no regime da Constituição Federal de 1988 (art. 5., XXIV), a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal sob a égide das Cartas anteriores, ao assentar que só a perda da propriedade, no final da ação de desapropriação - e não a imissão provisória na posse do imóvel - esta compreendida na garantia da justa e prévia indenização

527.

O argumento de que a princípio da justa e prévia indenização somente

protege a propriedade e não a posse não é aceitável. A perda da posse, sem

possibilidade de retorno, com perda do uso, fruição e da disponibilidade do imóvel,

deve-se equiparar à perda da propriedade, para a aplicação do direito fundamental à

justa e prévia indenização. Segundo lição de Pontes de Miranda528, “desapropria-se

mesmo se se deixa a propriedade ao titular do direito, como, por exemplo, se só se

lhe tira o uso”. Também, no mesmo sentido é a lição de Clóvis Beznos:

Todavia, à luz de nosso ordenamento, do comando constitucional incidente quanto à desapropriação, não nos parece que se possa fazer tal distinção, entre os direitos de posse e de propriedade, para afastar a integral

526

STF - RE 184069, Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em 05/02/2002, DJ 08-03-2002 PP-00067 EMENT VOL-02060-02 PP-00413

527 STF - RE 195586, Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 12/03/1996, DJ

26-04-1996 PP-13144 EMENT VOL-01825-09 PP-01859 RTJ VOL-00159-03 PP-01054

528 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, tomo V. São

Paulo: RT, 1968, p. 372

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recomposição patrimonial em hipótese de ablação de um ou de outro direito

529.

Ao se considerar a posse como mera expressão do direito de propriedade, não se pode ter duvida de que sua retirada significa a verdadeira exaustão desse direito e que, portanto, enseja o pagamento da prévia e justa indenização, ainda que apurada de forma provisória, em razão da urgência que lhe é determinante

530.

Assim, tal como a propriedade, a perda da posse também deve ser justa e

previamente indenizada. Entretanto, fica a questão de como podemos compatibilizar

o interesse público que necessita, em certos casos, com urgência de imóveis para a

satisfação do interesse público e a garantia da justa e prévia indenização.

5- O valor a ser depositado para a imissão provisória na posse

Existem, pela atual legislação, duas disciplinas legais que determinam o valor

a ser depositado para a concessão da imissão na posse: a dos imóveis residenciais

e a dos não residenciais.

Assim, vamos tratá-las separadamente.

529

BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 46

530 BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 48

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5.1- A imissão provisória na posse dos imóveis residenciais

Para os imóveis residenciais, habitado pelo proprietário ou compromissário

comprador, cuja promessa esteja inscrita no Registro de Imóveis, há disciplina

normativa específica, qual seja, o Decreto 1075/70 que disciplina a imissão

provisória nos seguintes termos:

Art. 1º Na desapropriação por utilidade pública de prédio urbano residencial, o expropriante, baseado urgência, poderá imitir-se provisoriamente na posse do bem, mediante o depósito do preço oferecido, se este não for impugnado pelo expropriado em cinco dias da intimação da oferta.

Art. 2º Impugnada a oferta pelo expropriado, o juiz, servindo-se, caso necessário, de perito avaliador, fixará em quarenta e oito horas o valor provisório do imóvel.

Parágrafo único. O perito, quando designado, deverá apresentar o laudo no prazo máximo de cinco dias.

Art. 3º Quando o valor arbitrado for superior à oferta, o juiz só autorizará a imissão provisória na posse do imóvel, se o expropriante complementar o depósito para que este atinja a metade do valor arbitrado.

Art. 4º No caso do artigo anterior, fica, porém, fixado em 2.300 (dois mil e trezentos) salários-mínimos vigentes na região, o máximo do depósito a que será obrigado o expropriante.

Art. 5º O expropriado observadas as cautelas previstas no artigo 34 do Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, poderá levantar toda a importância depositada e complementada nos termos do artigo 3º.

Parágrafo único. Quando o valor arbitrado for inferior ou igual ao dobro do preço oferecido, é lícito ao expropriado optar entre o levantamento de 80% (oitenta por cento) do preço oferecido ou da metade do valor arbitrado.

Art. 6º O disposto neste Decreto-lei só se aplica à desapropriação de prédio residencial urbano, habitado pelo proprietário ou compromissário comprador, cuja promessa de compra esteja devidamente inscrita no Registro de Imóveis.

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Para os imóveis residenciais, segundo a previsão legal, para imissão, se não

houver concordância, haverá uma avaliação provisória. Entretanto, somente parte do

valor apurado pode ser levantado pelo expropriado. A promulgação do Decreto-lei

1075/70 visou proporcionar mais garantias aos expropriados dos imóveis

residenciais. Procurava-se evitar que, ao expropriado que usava seu imóvel para

residência, fosse deferida a imissão somente com base no valor venal do IPTU que,

na maioria dos casos, não refletia o valor de mercado.

Primeiramente, justifica-se a disciplina legal apartada dos imóveis

residenciais. O imóvel residencial serve de instrumento para outro direito

constitucionalmente assegurado, qual seja, o direito à moradia (art. 6º), bem como,

inequivocamente, cumpre a sua função social. Assim, deve-se proporcionar uma

proteção maior ao expropriado que perde a sua moradia para o Estado. A previsão

de avaliação prévia assegura, ao menos, que o valor a ser depositado não seja

estipulado unilateralmente pelo Poder Expropriante.

Entretanto, as inconstitucionalidades do Decreto-lei 1075/70 aparecem nas

previsões de deposito e levantamento de somente metade do valor apurado531 e no

estabelecimento de um valor máximo de depósito para imissão532. Quanto a este,

nítida a inconstitucionalidade, visto que a justa indenização é o valor que permita ao

expropriado adquirir um bem de mesma qualidade e/quantidade que o expropriado;

assim, o único limite à indenização é o valor do bem, sendo inconstitucionais

quaisquer limites legais para a indenizabilidade533.

O STF entende que o depósito do valor de 50% da avaliação provisória é

suficiente para a imissão provisória, não ofendendo o direito à justa e prévia

indenização:

531

Art. 3º e art. 5º, parágrafo único do Decreto-lei 1075/70.

532 Art. 4º do Decreto-lei 1075/70.

533 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - DESAPROPRIAÇÃO - IMOVEL URBANO

RESIDENCIAL - IMISSÃO DE POSSE - INDENIZAÇÃO PRÉVIA E JUSTA - DECRETO-LEI N. 1.075/70 (ARTS. 3. E 4.) - PRECEDENTES STJ. - OS ARTIGOS 3. E 4. DO DECRETO-LEI N. 1.075/70, QUE REGE A EXPROPRIAÇÃO DE IMOVEIS RESIDENCIAIS URBANOS, NÃO FORAM RECEPCIONADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTS. 5., XXIV E 182, PAR.3.). (STJ - REsp 33.425/SP, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/06/1994, DJ 20/02/1995, p. 3171)

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EMENTA Desapropriação. Depósito prévio. Imissão na posse. Precedentes da Corte. 1. Já assentou a Corte que o "depósito prévio não importa o pagamento definitivo e justo conforme o artigo 5º, XXIV, da Lei Maior de 1988", com o que não existe "incompatibilidade do art. 3º do Decreto-Lei nº 1075/1970 e do art. 15 e seus parágrafos, Decreto-Lei nº 3365/1941, com os dispositivos constitucionais aludidos (incisos XXII, XXIII e XXIV do art. 5º e 182, § 3º, da Constituição)" (RE nº 184.069/SP, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 8/3/02). Também a Primeira Turma decidiu que a "norma do artigo 3º do Decreto-Lei n. 1.075/70, que permite ao desapropriante o pagamento de metade do valor arbitrado, para imitir-se provisoriamente na posse de imóvel urbano, já não era incompatível com a Carta precedente (RE 89.033 - RTJ 88/345 e RE 91.611 - RTJ 101/717) e nem o é com a atual" (RE nº 141.795/SP, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 29/9/95). 2. Recurso extraordinário conhecido e provido

534.

DESAPROPRIAÇÃO - Imóvel urbano - Imissão provisória na posse initio litis - Depósito prévio, pelo Poder Público, de metade do valor arbitrado - Admissibilidade - Inexistência de conflito com o princípio da justa e prévia indenização - Pagamento definitivo e justo que somente será estabelecido na decisão final, após procedimento previsto em lei, com a definição do valor justo, inclusive com base em perícia judicial, assegurados o contraditório, o devido processo legal e a ampla defesa - Inteligência dos arts. 5º, XXIV, da CF e 3º do Dec.-lei 1.075/70 (STF) - RT 798/185

DESAPROPRIAÇÃO – IMÓVEL URBANO – IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. DEPÓSITO PRÉVIO – JUSTA INDENIZAÇÃO (CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ART. 5º, INC. XXIV) – ART. 15 DA LEI Nº 3.365/41. ART. 3º DO DECRETO-LEI Nº 1.075/70 – 1. Na vigência da Constituição Federal anterior, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que o princípio constitucional da prévia e justa indenização, em ação de desapropriação, é de ser observado com o pagamento do valor definitivo da expropriação, ou seja, quando ocorre a transferência do domínio. Não, desde logo, na oportunidade do depósito prévio para fins de imissão provisória na posse do imóvel. 2. Sempre entendeu, portanto, que, o art. 15 e seus parágrafos da Lei nº 3.365/41 não eram inconstitucionais, enquanto vigoraram as Constituições anteriores, que também exigiam prévia e justa indenização nas desapropriações. 3. Já sob a vigência da atual Constituição, a 1ª. Turma manteve essa orientação, no julgamento do R.E. nº 141.795 (DJU 29.09.95, p. 31.907), ocasião em que também se afirmou a constitucionalidade do art. 3º do Decreto-lei nº 1.075/70, que permite ao expropriante o pagamento da metade do valor arbitrado para imitir-se provisoriamente na posse do imóvel urbano residencial

535.

534

STF - RE 191078 / SP - SÃO PAULO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator Min. MENEZES DIREITO Julgamento: 15/04/2008 Órgão Julgador: Primeira Turma DJe-112 DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENT VOL-02324-04 PP-00719

535 STF – RE 172.815 – 1ª T. – Rel. Min. Sydney Sanches – DJU 05.12.97

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No mesmo sentido do STF, o STJ:

Os valores para fins de imissão prévia na posse e o valor final estabelecido são inconfundíveis. Tanto isso é certo que a imissão na posse, que na espécie não ocorreu, satisfaz-se com o depósito da metade do valor provisoriamente e de plano estimado pelo vistor. Esse valor, bem é de ver, nada tem haver com o valor final, apurado depois da amplitude do contraditório pata refletir o justo preço de que trata o artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição da República

536.

Por fim, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

DESAPROPRIAÇÃO – Imissão na posse. Depósito prévio. Valor superior a 50% do quantum estimado na avaliação provisória. Imissão determinada. Interpretação dos arts. 5º, XXIV, e 182, § 3º, da CF

537.

DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - Imissão provisória na posse - Condicionada ao depósito complementar do valor estabelecido no laudo pericial preliminar - Valor elevado e não plenamente justificado - Prevalecente a redução desse valor pela metade - Recurso provido

538.

DESAPROPRIAÇÃO - Imissão na posse - Área considerada de expansão urbana - Depósito de metade do valor apurado em avaliação prévia - Provimento parcial ao recurso

539.

536

STJ - REsp 239.237/SP, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09.05.2000, DJ 19.06.2000 p. 136

537 TJSP – AI 146.556-2 – 15ª C – Rel. Des. Ruy Camilo – J. 23.08.89) (RJTJESP 122/286.

538 TJ/SP - Agravo de Instrumento n. 96.720-5 - São Paulo - 3ª Câmara de Direito Público - Relator:

Ribeiro Machado - 06.04.99 - V.U.

539 TJ/SP - Agravo de Instrumento n. 49.427-5 - Pedregulho - 2ª Câmara de Direito Público - Relator:

Corrêa Vianna - 25.11.97 - V.U

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IMISSÃO DE POSSE - Desapropriação - Condição - Depósito integral da avaliação provisória - Hipótese, contudo, em que se permite o depósito de 50% do valor prévio, com fundamento no Decreto-lei 1.075/70 - Recurso parcialmente provido

540.

DESAPROPRIAÇÃO - Imissão provisória na posse do imóvel condicionada ao depósito integral do valor encontrado na avaliação provisória realizada pelo perito judicial - Inadmissibilidade - Suficiência do depósito da metade do valor arbitrado - Artigo 3º do Decreto-lei 1075/70 - Inexigibilidade de indenização justa, desde logo, mas somente prévia, eis que a imissão é provisória e apenas diz respeito à posse, não transferindo o domínio - Recurso provido para deferir a imissão

541.

DESAPROPRIAÇÃO - Imóvel residencial urbano - Imissão provisória na posse - Determinação, após a avaliação provisória, de depósito da importância, com base no art. 5º, XXIV, CR/88 - Inadmissibilidade - Art. 5º, do DL 1075/70 que há de ser complementado até atingir a metade do valor arbitrado - Recurso provido

542.

DESAPROPRIAÇÃO - Imissão prévia - Condicionamento a integralização da metade do valor da avaliação provisória - Juízo, ademais, que não está adstrito ao valor cadastral do imóvel - Recurso parcialmente provido

543.

DESAPROPRIAÇÃO - Imissão provisória na posse do imóvel condicionada ao depósito integral do valor encontrado na avaliação provisória realizada pelo perito judicial - Inadmissibilidade - Suficiência do depósito da metade do valor arbitrado - Artigo 3º do Decreto-lei 1075/70 - Inexigibilidade de indenização justa, desde logo, mas somente prévia, eis que a imissão é provisória e apenas diz respeito à posse, não transferindo o domínio - Recurso provido para deferir a imissão

544.

DESAPROPRIAÇÃO - Terreno sem benfeitorias destinado à construção de Centro de Detenção Provisória - Imissão provisória na posse mediante o depósito de 50% do valor ofertado - Admissibilidade - Hipótese peculiar, em que avulta o interesse público, e que não viola a justa e prévia indenização, diante da extrema urgência do pleito - Valor depositado pouco inferior ao valor venal - Restante a ser depositado em doze parcelas iguais e

540

TJSP - Relator: Albano Nogueira - Agravo de Instrumento 208.539-2 - São Paulo - 21.12.92

541 TJ/SP - Relator: Dias Tatti - Agravo de Instrumento 172.215-2 - São Paulo - 06.06.91

542 TJ/SP - Relator: Marcus Vinicius - Agravo de Instrumento 168.232-2 - São Paulo - 05.02.91

543 TJ/SP - Relator: Ruy Camilo - Agravo de Instrumento 186.350-2 - Guarulhos - 19.11.91

544 TJ/SP - Relator: Dias Tatti - Agravo de Instrumento 172.215-2 - São Paulo - 06.06.91

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sucessivas, corrigidas monetariamente - Decisão mantida - Agravo de instrumento improvido, com observação

545.

Discordamos das decisões judiciais acima porque todas partem do

pressuposto errôneo de que o principio da justa e prévia indenização somente

protege a propriedade e não a posse. Conforme já demonstramos, o princípio da

justa e prévia indenização protege não somente a propriedade, como também a

posse. Assim, o valor a ser levantado tem que ser integral e não parcial. Nesse

sentido, Clóvis Beznos546:

De outra parte, parecem-nos de flagrante inconstitucionalidade todos os dispositivos legais que prescrevem o levantamento pelo expropriado de apenas parte do valor depositado, quando da retirada antecipada da posse na desapropriação, eis que igualmente nessa circunstância se dá a vulneração do preceito constitucional da prévia e justa indenização.

Assim, a atual disciplina legal da desapropriação dos imóveis residenciais,

com exceção das previsões de levantamento e deposito parcial dos valores

depositados, bem como pela limitação do valor do deposito, atende ao principio da

justa e prévia indenização, pois possibilitam que o Judiciário, por meio de perícia,

apure o valor da justa indenização a ser paga pela perda antecipada da posse.

545

TJ/SP - Agravo de Instrumento 286.738-5/3-00, Relator Milton Gordo, julg. 16.09.2002, voto nº 10.482, acórdão 516700, Diadema.

546 BEZNOS, Clóvis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum,

2006, p. 50

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5.2– A imissão provisória dos imóveis não residenciais

Prevê o artigo 15 do Decreto-lei nº 3.365/41:

Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens;

§ 1º A imissão provisória poderá ser feita, independente da citação do réu, mediante o depósito: (Incluído pela Lei nº 2.786, de 1956)

a) do preço oferecido, se este for superior a 20 (vinte) vezes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao imposto predial; (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

b) da quantia correspondente a 20 (vinte) vezes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao imposto predial e sendo menor o preço oferecido; (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

c) do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do imposto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior; (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

d) não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originalmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel. (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

Para os imóveis não residenciais, o critério que se generalizou foi o

deferimento da imissão com o deposito do valor venal para fins de IPTU, com o

levantamento de 80% deste valor, na forma da alínea “c” da disposição legal acima.

Parte da doutrina entende que é inconstitucional tal previsão547. Também há

defensores da imissão com o depósito do valor para fins de IPTU, como Harada:

547

“Veja-se que a garantia constitucional do art. 5, LIV e LV, tornou inviável a Administração Pública promover avaliação unilateral dos bens. O valor proposto em juízo deverá resultar de um processo administrativo, para o qual o particular deve ter sido convidado a participar. A estimativa unilateral da Administração é inoponível ao particular, motivo pelo qual não está mais em vigência o art. 15,

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Efetivamente, não sendo cabível apurar-se previamente o que seria o justo preço, o legislador ordinário procurou regular os interesses antagônicos do expropriante e expropriado, assegurando a este último, sem prejuízo da celeridade reclamada pelo primeiro, o depósito de um valor encontrável segundo critério objetivamente fixado na legislação tributária do ente público competente para a instituição do imposto imobiliário – IPTU. Por isso, condiciona a imissão ao depósito do valor cadastral do imóvel expropriando, isto é, do valor venal que serve de base para o lançamento do imposto. Com isso, a lei afastou a possibilidade de o poder expropriante formular oferta ridícula, segundo um critério subjetivo ou até mesmo sem critério, ao sabor dos interesses do momento. A oferta para fins de desapossamento prévio do imóvel há de ser aquela resultante da apuração segundo procedimento administrativo, previsto no art. 142 do CTN para lançamento tributário, isto é, deve corresponder ao valor venal sobre o qual incide o

imposto imobiliário548

.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo firmou o entendimento de que

se deveria proceder a uma avaliação prévia, negando a possibilidade de imissão

com o depósito do valor cadastral do IPTU549. Entretanto, o STF sumulou a

constitucionalidade de tal previsão:

SÚMULA 652 DO STF: “Não contraria a Constituição o art. 15, § 1º, do

Dec.-lei 3.365/1941 (Lei da Desapropriação por utilidade pública)”.

parágrafo 1º, do Decreto-lei 3.365, nessa passagem.”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 6ª edição, 2010, p. 636)

548 HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 2007, 7ª edição, págs.

95/96

549Enunciado nº 6 do TJ/SP: Cabível sempre avaliação judicial prévia para imissão na posse nas

desapropriações

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188

Pelo atual panorama legislativo e jurisprudencial, dever-se-ia usar o valor do

cadastro imobiliário para fins de IPTU no depósito para a imissão provisória na

posse, visto que se trata do critério legal, recepcionado pela atual Constituição

Federal, segundo o STF. Aliás, o STJ, também, firmou a orientação de que não cabe

avaliação prévia para a concessão de imissão provisória na posse, aplicando o art.

15 § 1º, alínea “c” do decreto-lei 3.365/41:

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. AVALIAÇÃO PROVISÓRIA. DESNECESSIDADE. DECRETO-LEI N. 3.365/41, ART.15, § 1º. PRECEDENTES. A jurisprudência mais recente desta Corte aponta no sentido de que a interpretação do § 1º do art. 15 do Decreto-Lei n. 3.365/41 é a de que, dada a urgência da desapropriação, a imissão provisória na posse do imóvel dispensa a citação do réu, bem como a avaliação judicial prévia e o pagamento integral. Agravo regimental improvido

550.

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. URGÊNCIA. AVALIAÇÃO PROVISÓRIA. DESNECESSIDADE. DECRETO-LEI Nº 3.365/41, ART. 15, § 1º. 1. As razões do recurso especial, no que tange à violação ao art. 15, § 1º, "c", do DL 3.365/41, revelam-se procedentes, porquanto é assente no âmbito desta Egrégia Corte que a imissão provisória na posse do imóvel objeto de desapropriação, caracterizada pela urgência, prescinde de citação do réu, tampouco de avaliação prévia ou de pagamento integral. 2. Recurso especial provido

551.

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. PRÉVIA AVALIAÇÃO. ART. 15, § 1º, "C", DO DECRETO 3.365/1941. DESNECESSIDADE. DECRETO 1.075/1970. IMÓVEL COMERCIAL URBANO. INAPLICABILIDADE. 1. In casu, o Tribunal a quo, não obstante a alegação de urgência do ente expropriante e o depósito do valor venal do imóvel para fins de lançamento do IPTU, vedou-lhe a imissão provisória na posse, fundamentando-se no entendimento de que "a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social se dá mediante justa e prévia indenização. Para fins de imissão provisória na posse do imóvel expropriado, a justa e prévia indenização deverá, necessariamente, ser apurada mediante avaliação provisória" (fl.101). 2. Dessume-se do art. 15, § 1º, "c", do Decreto 3.365/1941 que, alegada a urgência na desapropriação e depositado o valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do IPTU ou do ITR, a imissão provisória na posse pode ser realizada, independentemente da citação do

550

STJ - AgRg no Ag 1371208/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 04/04/2011

551 STJ - REsp 1185073/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,

julgado em 21/10/2010, DJe 05/11/2010

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réu e, por óbvio, em momento anterior à avaliação, visto que esta ocorre na instrução processual. Precedentes do STJ. 3. O Supremo Tribunal Federal firmou, pela Súmula 652, a compreensão de que o art. 15, § 1º, do Decreto-Lei 3.365/1941 não afronta o princípio da justa e prévia indenização, preconizado no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal. 4. Como obiter dictum, cabe salientar que o disposto no Decreto-Lei 1.075/1970 - necessidade de avaliação provisória do imóvel antes da imissão na posse - só se aplica à desapropriação de prédio residencial urbano, habitado pelo proprietário ou compromissário comprador, conforme prevê o art. 6º da citada norma: "O disposto neste Decreto-lei só se aplica à desapropriação de prédio residencial urbano, habitado pelo proprietário ou compromissário comprador, cuja promessa de compra esteja devidamente inscrita no Registro de Imóveis". 5. Tal hipótese não se vislumbra no presente caso, em que o imóvel sub judice é comercial, conforme se dessume do seguinte excerto da petição inicial da ação desapropriatória: "Trata-se de ação de desapropriação de imóvel comercial urbano, localizado na Praça Júlio Prestes, 29/137, onde funciona um centro de compras denominado Fashion Center Luz, para construção do Teatro de Dança e da Companhia Estadual de Dança" (fl. 4). 6. Recurso Especial provido

552.

O valor cadastral para fins de IPTU seria, em regra, adequado, visto que se

trata de um valor objetivo, fixado por ato administrativo presumivelmente verdadeiro

e que o próprio expropriado concordou com ele, visto que se não concordasse,

poderia impugnar o valor lançado553. Entretanto, sabemos que as municipalidades

não atualizam os valores cadastrais dos imóveis que, assim, não refletem a

realidade de mercado. Usar a desapropriação como forma de punir o proprietário

que se aproveitou da inércia da Administração para pagar menos imposto é um

manifesto desvio de finalidade.

552

STJ - REsp 1202448/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2010, DJe 02/02/2011

553 Na verdade, o que normalmente ocorre é que o proprietário não se insurge contra o valor abaixo

de marcado lançado pela municipalidade para pagar menos imposto. Nesse sentido: “Ainda no que diz respeito a essa discussão acerca do cálculo do preço justo da indenização, de imediato um problema tradicional diz respeito ao fato de que os valores dos imóveis utilizados pelas administrações municipais para cálculo do IPTU e outros tributos (como o ITBI) tendem a ser mais baixos em relação aos valores venais de mercado, já que os cadastros e plantas de valores municipais são geralmente desatualizados, quando não são manipulados por razoes políticas, pelas administrações municipais. Contudo, ainda que os proprietários não tenham problemas com o fato de pagarem impostos sobre valores mais baixos que os de mercado, e mesmo no caso de proprietários isentos de pagamento dos impostos por qualquer razão, quando se trata de desapropriação de seus imóveis todos têm a expectativa – estranhamente reconhecida por decisões judiciais – de que o cálculo do preço justo da indenização seja feito com base em valores praticados pelo mercado imobiliário”. (FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. Revisitando o instituto da desapropriação: uma agenda de temas para reflexão. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o instituto da desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 21-37.)

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Por fim, deve-se atentar à posição de Arruda Alvim554 que defende a extensão

da regulação atinente aos imóveis residenciais para todas as desapropriações.

Argumenta ser inconstitucional a existência de dois regimes diferenciados de

deposito de valor para a concessão da imissão na posse555. Assim, para todos os

casos, seria aplicável a exigência da perícia prévia exigida para os imóveis

residenciais556. Trata-se de solução que atenderia ao grande problema de se

encontrar o justo valor da indenização pela perda da posse, equiparando o regime

de todas as propriedades ao regime atual da imissão dos imóveis residenciais. Tal

disciplina dever ser aplicável, entretanto, somente ao imóvel não residencial que

cumpra a sua função social; para os imóveis que não cumprem a função social,

possível é a aplicação do art. 15 e parágrafos do Decreto-lei 3.365/41, sem qualquer

ofensa à Constituição, como abaixo demonstraremos.

Assim, para os imóveis não residenciais que cumprem a sua função social,

deve-se estender a disciplina legal dos imóveis residenciais, como única forma de

garantir a justa e prévia indenização na imissão na posse.

554

ALVIM, Arruda. Desapropriação, indenização e valor corrigido. In: Revista de Direito Público n. 14,

outubro/dezembro de 1970, p. 135-154

555 “Nesta censura, afigura-nos, incide o decreto-lei n. 1.075, de 22.1.1970, em seu art. 6º. Dispõe-se

aí que a forma preliminar de indenização (especialmente através de peritagem, conforme art. 2º do mesmo decreto-lei), aplica-se exclusivamente, à “desapropriação de prédio residencial urbano, habitado pelo proprietário ou compromissário comprador...”. Assim, quem não estiver nessa situação, ficará, “ipso facto”, submetido a um regime jurídico menos favorável”. (ALVIM, Arruda. Desapropriação, indenização e valor corrigido. In: Revista de Direito Público n. 14, outubro/dezembro de 1970, p. 135-154)

556 “Assim, se o sistema do art. 2º ajusta-se mais perfeitamente ao conceito de indenização prévia,

porque por ele o expropriado recebe, liminarmente, mais do que receberia pelo outro sistema, não se justifica a existência deste sistema mais desfavorável, quando o texto constitucional é indistinto”. (ALVIM, Arruda. Desapropriação, indenização e valor corrigido. In: Revista de Direito Público n. 14,

outubro/dezembro de 1970, p. 135-154)

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191

6 – A necessidade de ponderação de princípios, no caso concreto, para a

concessão de imissão provisória

Um critério a ser usado para a concessão da imissão provisória é a aplicação

do postulado da proporcionalidade, com suas três sub-regras. No caso concreto,

deveria o juiz analisar se a concessão da imissão provisória na posse é adequada,

necessária e, por fim, ponderar os valores em contraposição (proporcionalidade em

sentido estrito) e, dependendo do resultado, negar ou conceder a imissão provisória

na posse.

Com a expedição do decreto de utilidade pública, onde é declarada a

finalidade para a qual se processará a desapropriação, pode-se colher argumentos

valiosos para a análise da imissão provisória na posse.

A concessão da imissão é, em tese, adequada ao interesse do expropriante,

visto que permite o inicio da obra pública sem o desfecho processual. Se a obra ou

serviço a ser efetuado realmente for urgente, podemos dizer que a concessão da

imissão é necessária; apesar de não ser fácil, no caso concreto, analisar a

necessidade, é evidente que uma desapropriação destinada à construção de uma

escola ou posto de saúde em região onde não existe o número necessário de tais

serviços é mais urgente do que outra para servir de Gabinete para um Secretário de

Estado, já estando este alocado em outro imóvel; nesse último caso, não é

descabido defender a impossibilidade de imissão, se o mesmo atingir uma

propriedade que esteja cumprindo a sua função social.

Por fim, existindo necessidade e adequação, torna-se necessário ponderar os

interesses conflitantes, por meio da aplicação da postulado da proporcionalidade em

sentido estrito, que é o sopesamento dos valores em conflito. Imagine-se num caso

concreto em que se pretenda a construção de uma escola, onde existe a

necessidade premente de tal estabelecimento de ensino e o imóvel a ser imitido na

posse para inicio das obras é um terreno baldio onde nunca foi cumprida a função

social por anos; o valor que deve ser preterido, no caso, é a posse do proprietário,

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devendo ser deferida, de plano e sem laudo prévio, a imissão com o depósito do

valor venal do imóvel para fins de IPTU; por outro lado, caso se pretenda, por

exemplo, construir-se uma repartição pública e no imóvel a ser desalojado exista um

fundo de comércio regularmente funcionando, cumprindo, assim, a função social da

propriedade e da empresa, em tal caso, somente com pagamento integral do valor

encontrado em laudo prévio se deve conceder a imissão na posse do imóvel; por

fim, caso a desapropriação se destine a uma finalidade manifestamente não urgente

e de utilidade pública questionável (por exemplo, a construção de uma “escola de

artes” numa região carente de escolas para o ensino fundamental) e o imóvel a ser

expropriado cumpra uma função social relevante (moradia de famílias carentes, por

exemplo) não deve ser concedida a imissão. Percebe-se, assim, pelos exemplos

dados que a solução para situações diferentes não pode ser a mesma, sob pena de

flagrantes injustiças.

Casos diferentes não podem ser tratados da mesma forma, sob pena de

ofensa ao principio da igualdade; não se pode comparar a garantia que deve ser

dada ao expropriado que reside no imóvel da garantia que deve ser dada ao

proprietário que somente usa do imóvel para especulação, não cumprindo a função

social exigida pela Constituição Federal557. Nesse sentido já se manifestou a

doutrina:

Sendo assim, afastando-se do enfoque abstrato e formal dado pela doutrina tradicional ao instituto da desapropriação...faz sentido dizer que os seus elementos conceituais devem, a rigor, ser interpretados à luz das normas constitucionais e infraconstitucionais que tutelam interesses coletivos, como o atendimento à função social da propriedade e da cidade, a recuperação dos investimentos públicos de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos e a justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização, sendo legitima, portanto, a consideração de estabelecerem-se tratamentos distintos a situações que envolvem diferentes categorias de

557

Nesse sentido é a lição de José Afonso da Silva: “Nossas Constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade, como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em consideração as distinções de grupos. A compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim estreita. O intérprete há de aferi-lo com outras normas constitucionais, conforme apontado supra, e especialmente com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social”. (SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007, 4ª edição, p. 72)

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proprietários, para aferição do montante a ser pago a titulo de uma justa

indenização pela perda do bem558

.

Assim, deve ser feita uma ponderação concreta para se medir a extensão da

garantia do direito à justa e prévia indenização em face das características e uso do

imóvel, bem como pela finalidade da desapropriação.

6.1 – A possibilidade de ponderação entre regras e princípios

Não é possível afirmar, peremptoriamente, que o art. 15 do Decreto-lei

3.365/41 não foi recepcionado pela Constituição. Trata-se de norma que data dos

anos 40, sempre considerada constitucional pelo STF559, sob a égide das

Constituições anteriores e sob a atual, o que gera uma presunção de

constitucionalidade que recomenda a sua aplicação, sob pena de ofensa ao princípio

da legalidade560. Assim, a lei das desapropriações, em seu dispositivo que regula a

558

LIMA, Adriana Nogueira Vieira; MACEDO FILHO, Edson. Desapropriação em áreas urbanas de assentamentos informais: limites e alternativas a sua aplicação. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o instituto da desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 220/238

559 “A norma do art. 3º do Decreto-Lei 1.075/1970, que permite ao desapropriante o pagamento de

metade do valor arbitrado, para imitir-se provisoriamente na posse de imóvel urbano, já não era incompatível com a Carta precedente (RE 89.033 – RTJ 88/345 e RE 91.611 – RTJ 101/717) e nem o é com a atual‟ (RE 141.795/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 29-9-1995).

560 “...a presunção de constitucionalidade que acompanha um ato do Congresso é aumentada quando

a interpretação legislativa tem sido frequentemente manifesta no sentido, durante considerável número de anos – (when legislative interpretation hás been frequently exercised during a considerable nember of years) – ou quando date de período praticamente contemporâneo à adoção da Constituição ou quando, pela confiança depositada em sua eficácia, muitos direitos públicos e privados se constituíram sob seu império”. (BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 120).

“Forte é a presunção da constitucionalidade de um ato ou de uma interpretação, quando datam de grande número de anos, sobretudo se foram contemporâneas da época em que a lei fundamental foi votada. Minime sunt mutanda, quoe interpretationem certam semper habuerunt”. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 9ª edição, 1984, p. 307)

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imissão provisória (art. 15 e parágrafos) não é de inconstitucional, melhor dizendo,

foi recepcionada pela atual Constituição Federal. Sua aplicação, em vários casos,

não apresentará qualquer inconstitucionalidade. Entretanto, em outros, ela deve ser

afastada pelo procedimento de ponderação. Este pode ser usada para se afastar a

incidência de uma regra, no caso, a lei.

A lei é a ponderação feita pelo legislador entre princípios colidentes e

representa, ela mesma, um princípio formal, qual seja, o princípio democrático o qual

informa que devemos respeitar o que o Legislador determina. Nos sopesamentos,

devem ser levados em consideração não apenas princípios substanciais, mas

também os princípios formais, em especial, o principio formal de respeito da decisão

tomada por parte do legislador democraticamente eleito. O principio formal que

manda respeitar a competência decisória do legislador é o fundamento de uma

competência legislativa constitutiva para a imposição de restrições, mesmo que essa

competência seja limitada por princípios constitucionais561. Porém, como as demais

liberdades ou princípios, em sua aplicação concreta, também o princípio majoritário

ou democrático deve se conjugar com os demais e, assim, poderá ceder quando não

for capaz de superar um juízo de racionalidade derivado da aplicação da

ponderação562.

A ponderação pode levar a uma não aplicação de uma lei. Pode haver um

reconhecimento de que, apesar de constitucional e pertinente ao caso, uma lei deva

ser desprezada em um determinado caso concreto. Por trás de toda regra há um

princípio que a fundamenta e pode haver a colidência deste com outro princípio. A

racionalidade e a proporcionalidade constituem requisitos exigidos na produção das

leis. Estas, se manifestarem uma escolha que não seja aprovada pela aplicação da

regra da ponderação, pode ser afastada em nome dos princípios constitucionais

aplicáveis ao caso563.

561

Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, tradução de

Virgílio Afonso da Silva, p. 294/295

562 Cf. PIETRO SANCHIS, Luis. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J.

Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p.

249

563 Cf. PIETRO SANCHIS, Luis. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J.

Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p.

250/251

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A lei, assim, pode estabelecer que em circunstância X deve prevalecer um

princípio sobre outro, delimitando assim o pressuposto de fato ou, se preferível,

convertendo em incondicional o que era um dever condicional, e em tal caso

caberia, em tese, decidir que a ponderação haja sido realizada pelo legislador, de

modo que ao juiz não restaria nada mais do que a tarefa de subsumir o caso dentro

do preceito legal, sem ulterior deliberação. Porém, isso somente é certo na medida

em que não concorram outras circunstancias relevantes não tomadas em

consideração pelo legislador e que, assim, permitam que o princípio postergado

recobre sua aplicação no caso concreto564.

Não pode o legislador eliminar o conflito entre princípios mediante uma norma

geral, decidindo que sempre triunfará um deles, pois eliminar a colisão com esse

caráter de generalidade requereria postergar em abstrato um princípio em benefício

de outro e, com isso, estabelecer por via legislativa uma hierarquia de preceitos

constitucionais que somente poderia fazer o poder constituinte565. Sobre o assunto,

Ricardo Marcondes Martins566:

O legislador, ao editar uma lei, concretiza um princípio constitucional, ou seja, estabelece um peso em abstrato ao referido princípio. Trata-se de ponderação realizada em abstrato, efetuada diante de circunstâncias concretas, mas consistente numa antecipação do caso em que a lei será aplicada. Como o legislador jamais pode antecipar todas as peculiaridades do efetivo caso concreto, sua ponderação nunca poderá ser tomada como absoluta. Diante disso, ao aplicar a lei, a Administração sempre terá que efetuar uma nova ponderação e apurar qual princípio, diante das circunstâncias, apresenta maior peso: o concretizado pela lei ou o que se opõe a ela.

564

Cf. PIETRO SANCHIS, Luis. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J. Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p.

238

565 Cf. PIETRO SANCHIS, Luis. El juicio de ponderación constitucional. In: LAPORTA, Francisco J.

Constitución: problemas filosóficos. Madrid: 2003, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, p.

237

566 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros,

2008, p. 89

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196

Assim, sempre resta possível deixar de aplicar uma determinada lei a um

caso concreto, ponderando-se os princípios constitucionais incidentes no caso,

afastando-se o princípio eleito pelo Legislador como predominante e,

consequentemente, a regra jurídica que positivou tal princípio.

6.2 – A não aplicação do art. 15 do Decreto-lei 3.365/41 em decorrência da

ponderação deste com princípios garantidos pela Constituição Federal.

Considerando a regra do art. 15 do Decreto-lei 3.365/41 como uma

ponderação legislativa no sentido de prevalecer o interesse público sobre o direito à

justa e prévia indenização (princípio democrático), analisaremos sua ponderação

diante de outros interesses também previstos e protegidos pela Constituição.

No caso concreto, deve-se analisar a situação fática da propriedade e do

proprietário para se concluir pela aplicação ou não da regra do art. 15 do Decreto-lei

3.365/41.

A favor da imissão estão presentes os seguintes princípios: o da supremacia

do interesse público sobre o privado (P1) e o princípio democrático – de observância

às determinações legislativas (P2). Estes devem ser ponderados com outros

princípios que podem militar contra a concessão da imissão provisória, com o

depósito somente do valor venal do imóvel para fins de IPTU, critério positivado.

Quando o imóvel expropriado for residencial, além do princípio da justa e

prévia indenização (P3) incide ainda o princípio da efetividade dos direitos sociais –

direito à moradia (P4) e da função social da propriedade (P5), visto que a

propriedade cumpre a sua função social. Assim, ponderando-se P1 e P2 de um lado

e, do outro P3, P4 e P5, concluímos que não deve ser concedida a imissão

provisória na posse sem o pagamento integral da justa e prévia indenização.

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Porém, quando se tratar de imóvel não residencial, que não cumpra a função

social567, existe somente o princípio P3 (direito à justa e prévia indenização) que

milita contra a concessão da imissão, e a favor da imissão, os princípios P1 e P2, o

que nos leva a concluir pela possibilidade de concessão da imissão provisória,

mediante o pagamento do valor venal para fins de IPTU.

Por fim, quando se tratar de imóvel que cumpra a função social (P5), servindo

de veiculo para o exercício de atividade econômica, que fomenta o princípio da livre

iniciativa na forma do art. 170 da Constituição Federal (P6), sob o qual ainda recai o

direito à justa e prévia indenização (P3), estes princípios militam contra a imissão,

colidindo com os princípios P1 e P2, o que nos leva a concluir pela não aplicação da

regra do art. 15 do Decreto-lei 3.365/41 e pela possibilidade de imissão somente

mediante a prévia e justa indenização em dinheiro, mediante o depósito do valor

total encontrado em avaliação prévia.

Assim, pelos exemplos acima, percebemos que a concessão da imissão não

é resolvida somente pela suposta inconstitucionalidade (não recepção) do art. 15 do

Decreto-lei 3.365/41, visto que sua aplicação, em alguns casos, pode ser

constitucional.

567

Por exemplo, um terreno não edificado.

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CAPÍTULO V – OS JUROS NAS DESAPROPRIAÇÕES

1 – Os juros moratórios

Os juros moratórios destinam-se a compensar a mora, ou seja, o atraso no

recebimento da indenização pelo expropriado. Diz a súmula 70 do STJ: “os juros

moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em

julgado da sentença”.

Reza a Lei de Desapropriações (Decreto-lei 3.365/41):

Art. 15-B Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1

o de janeiro do exercício

seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

Resulta do dispositivo legal que a fluência dos juros moratórios se dá a partir

de 1º de janeiro do ano seguinte àquele em que o precatório deveria ser pago e não

do transito em julgado da sentença. Trata-se de aplicação do art. 100 da

Constituição Federal:

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199

Art. 100. à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de

2000)

Assim, em virtude do advento da medida provisória citada, bem como da

Constituição Federal, conforme lição da doutrina, está “revogada a Súmula nº 70 do

STJ, que previa o cálculo a partir do trânsito em julgado da sentença568”.

De fato, não cabe falar em juros antes do prazo previsto no art. 15-B da Lei de

Desapropriações. A Fazenda, conforme art. 100 da Constituição Federal, tem um

prazo para o pagamento de seus débitos. Somente se pode falar em mora, se

houver atraso no pagamento. Se é cumprido o prazo previsto pela Constituição

Federal, não há mora e não se pode cogitar do pagamento de juros moratórios.

Também, se houve deposito do valor total, não cabe falar em juros

moratórios. Nesse sentido é a lição da doutrina569:

Impende considerar que os juros moratórios destinam-se a recompor ao expropriado a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada. Mas se houve deposito nos autos de valor que supera a própria condenação, não se há de falar em mora da expropriante a ensejar a incidência daquela remuneração, mormente porque o beneficiário passou a fazer jus aos rendimentos dos valores postos à disposição do Juízo.

568

DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 22ª edição,

2009, p. 174

569 MASCARETTI, Paulo Dimas de Bellis. Contornos gerais, hipóteses e espécies da desapropriação

imobiliária. In: GUEERA, Alexandre; BENACCHIO, Marcelo (coordenadores). Direito imobiliário brasileiro. São Paulo: 2011, Quartier Latin, p. 818/827.

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200

Assim, a data de inicio do computo dos juros moratórios somente poderá ser

a partir de 1º de janeiro ao ano seguinte em que teria que ser pago o precatório, sob

pena de ofensa ao art. 15-B da Lei de Desapropriação e art. 100 §1º da

Constituição, visto que antes do prazo constitucionalmente previsto para o

pagamento não há mora e não pode, assim, haver juros moratórios, conforme

orientação vinculante do STF:

Súmula Vinculante n.º 17 do STF: Durante o período previsto no parágrafo primeiro do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.

Por fim, a partir da Lei 11.960/2009 e da Emenda Constitucional 62/2009, a

taxa dos juros moratórios foi indexada à taxa paga pela caderneta de poupança.

2 – Juros compensatórios

A imissão provisória gera a obrigação de indenizar eventuais prejuízos

existentes pela perda antecipada da posse.

Segundo a doutrina570,

Os chamados “juros compensatórios” consubstanciam criação jurisprudencial que visa a compensar a privação do uso da indenização

570

BAPTISTA. Joaquim de Almeida. Os juros nas ações de desapropriação. Revista dos Tribunais,

volume 546, abril de 1981, p. 23-28

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201

desde o antecipado desapossamento sem o pagamento da prévia e justa indenização em dinheiro, conforme assegura a Constituição Federal.

Os juros compensatórios571 foram uma criação da jurisprudência572 para

indenizar a perda antecipada da posse573 e excluem o pagamento de lucros

cessantes574. Resulta claro que se o expropriado detém a posse do bem até o

pagamento definitivo da indenização, não há fundamento para condenar o

expropriante em juros compensatórios, uma vez que o expropriando não ficou

privado dos frutos que o bem produziu ou poderia ter produzido575.

Houve a tentativa de disciplinar legislativamente a questão por meio da

Medida Provisória 2.183/01 que fixou os juros compensatórios em 6% ao ano, ao

inserir o art. 15-A no Decreto-lei 3.365/41. O STF, na ADIN 2.332-DF, suspendeu

liminarmente tal dispositivo, mas determinou que os juros devessem incidir sobre a

diferença entre 80% do preço ofertado e o valor fixado na sentença. Em virtude do

referido julgamento, os juros compensatórios devem ser fixados em 6% a partir de

11/06/1997 até a data de 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma

571

“O expropriado faz jus à indenização pelo valor dos bens expropriados, o que corresponde ao conceito de “danos emergentes”. Reputou-se que caberia a sua indenização também pelos “lucros cessantes”, calculados por meio de juros compensatórios incidentes sobre o valor da indenização pelos bens desapropriados. Tais juros compensatórios seriam computados a partir da data em que o particular perdeu a posse dos bens e sua incidência ocorreria até a efetiva indenização”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 6ª edição, 2010, p. 642)

572 Súmula 164 do STF: “no processo de desapropriação são devidos juros compensatórios desde a

antecipada imissão de posse, ordenada pelo juiz, por motivo de urgência”; Súmula 618: “na desapropriação, direta ou indireta, a taxa de juros compensatórios é de 12% ao ano”.

573 “Em resumo, os juros compensatórios integram a própria indenização, como um dos seus

componentes, na medida em que visam a compor um dos prejuízos defluentes da iniciativa expropriatória, qual seja, o despojamento do bem expropriado, antes de findo o devido processo.”. (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 71)

574 Cf. VELOSO, Mário Roberto N. Desapropriação: aspectos civis. São Paulo: Juarez de Oliveira,

2000, p. 92. Também: “impossível cumular em ação desapropriatória a condenação de juros compensatórios com lucros cessantes, sob pena de „bis in idem‟, visto que aqueles se destinam a compor o patrimônio do desapropriado, indenizando-o dos lucros que deixou de auferir em razão da expropriação”. (STJ - 1ª T., REsp 35.258-4-RS, rel. Min. Cesar Rocha, j. 23.6.93, DJU 26.8.93, p. 15.973). In: NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São

Paulo: Saraiva, 41ª edição, 2009, p. 1417)

575 Cf. SANTOS, Cacilda Lopes dos. Desapropriação e política urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010,

p. 122.

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202

da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal, conforme orientação da Súmula

408 do STJ.

Os juros compensatórios são os previstos no art. 1.262 do Código Civil de

1916 e são decorrentes de convenção entre as partes para remunerar o uso de

capital emprestado. A criação dos juros compensatórios nas desapropriações

decorreu da vedação do Decreto nº 22.785 que, em seu art. 3º, determinava que a

Fazenda somente pagasse juros após o trânsito em julgado da sentença. Para

corrigir tal injustiça, a Jurisprudência começou a aplicar o art. 1.262 do Código Civil

de 1916 às desapropriações, desde a data da perda da posse. Adveio a Lei nº

4.414/1964 que permitiu a cobrança de juros contra a Fazenda, na forma da lei civil,

ou seja, a partir do ato que causou o dano. Porém, a Jurisprudência continuou a

aplicar os juros compensatórios como fazia em face da legislação anterior.

O maior equívoco do STF ao formular a súmula 618, foi generalizar a decisão

proferida no RE 85.209-RJ; neste é citado que os juros de 12% incidem conforme

precedentes daquela Corte; entretanto, nos precedentes, havia um caso em que

houvera pactuação de juros de 12% ao ano576, em vista de um apossamento

administrativo onde a Fazenda, amigavelmente, acordou a indenização pela perda

da posse em 12% ao ano, qual seja, o dobro da taxa legal de 6% constante do art.

1.063 do Código Civil de 1916577.

576

“Na realidade, o emprego da taxa de 12% a.a. decorreu de equivocada generalização a partir de um caso especifico em que se discutia os juros de 12% pactuados em escritura pública. Como muito bem esclarece o Desembargador Álvaro Lazzarini, o STF concluiu pela possibilidade de elevação da taxa de juros compensatórios a 12% a.a. baseada em precedentes indicados no RE nº 85.209_RJ de que foi Relator o Min. Rodrigues de Alckmim. Um desses precedentes a que alude o RE nº 85.209_RJ referia-se aos juros pactuados de 12% a.a. Como Assinala o insigne Desembargador paulista, a possibilidade aventada pelo STF só pode ocorrer se houver anuência das partes.”. (HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 2007, 7ª edição, pág. 145)

577 “Em matéria de juros compensatórios na desapropriação a jurisprudência da Corte Suprema não

se firmou a partir de habituais argumentos sólidos. Absolutamente justa e correta a sua incidência na vigência do art. 3º do Decreto nº 22.785/33, que proibia a inclusão de juros moratórios contra a Fazenda Pública antes do transito em julgado da decisão judicial. Mantendo-os após a revogação dessa disposição proibitiva, a criação pretoriana que veio a lume para suprir a lacuna da lei e corrigir a injustiça contra os expropriados implicou na perpetuação de injustiça contra o expropriante, agravada com a duplicação de sua taxa legal”. (HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 2007, 7ª edição, pág. 149/150)

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203

.O STJ578 entendeu que os juros compensatórios poderiam ser cumulados

com os juros moratórios579. Entretanto, com o advento da Medida Provisória nº

2.183/01, tais súmulas não têm mais aplicação580. Foi expressamente vedado o

calculo de juros compostos em ação de desapropriação:

Art. 15-A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001).

Tal cumulação gerava uma taxa de juros de 18% ao ano, 6% dos moratórios e

12% dos compensatórios. Tal taxa é manifestamente superior a qualquer taxa de

juros paga pelo mercado financeiro, ocasionando um mercado de compra de imóveis

desapropriados, devido à exorbitante taxa, conforme alerta feito por Kiyoshi

Harada581:

578

Súmula 12 do STJ: “Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios”; Súmula 102 do STJ: “A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”. 579

Defendendo a cumulação, Hely Lopes Meirelles: “Os juros moratórios são devidos desde que haja atraso no pagamento da condenação e não se confundem com os juros compensatórios, que correm desde a data da efetiva ocupação do bem. Por isso mesmo, esses juros são cumuláveis, porque se destinam a indenizações diferentes: os compensatórios cobrem lucros cessantes pela ocupação do bem; os moratórios destinam-se a cobrir a renda do dinheiro não pago no devido tempo”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 35ª edição, 2009, p. 623/624)

580 “não se perca de vista, entretanto, que fato anterior à vigência do Código Civil de 2002, ou seja, a

introdução do art. 15-A no Dec.-lei 3.365/1941 (acrescido pela MP 2.183-56 de 24.08.2001), determinou a vedação do cálculo de juros compostos nas desapropriações (caput do referido artigo), de modo que, segundo entendemos, ficou inválida a Súmula 102 do STJ. Ressalte-se, aliás, que essa parte do dispositivo em apreço não foi atingida pela suspensão, por inconstitucionalidade, determinada pelo STF na ADIN 2.332-Medida Liminar, no tocante à expressão “de até 6% ao ano” constante do caput do art. 15-A, continuando, portanto, em vigor” (SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. São Paulo: RT, 2006, 5ª edição, pág. 590). 581

HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 2007, 7ª edição, pág. 146

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204

Como fruto da equivocada Jurisprudência, os juros pagos nas expropriatórias atingem 18% a.a. superando o teto constitucional de 12% a.a (art. 192, § 3º da CF, propiciando um rendimento inexistente no mercado financeiro, fato que resultou no surgimento, em determinada época, de uma curial profissão, a de comprador de imóveis atingidos pela desapropriação.

A atual realidade econômica, de estabilidade na economia, não dá ensejo à

manutenção dos juros compensatórios em 12% ao ano582.

Na verdade, a Jurisprudência sempre errou ao permitir a cumulação. Como os

juros compensatórios integram a indenização, devem incidir somente até o trânsito

em julgado, quando a indenização é definitivamente fixada. Após, somente devem

incidir juros moratórios pela demora no pagamento. Caso contrário, haveria o “bis in

idem”, visto que não tem sentido o expropriado, o qual não é proprietário, ao mesmo

tempo, da coisa e do dinheiro correspondente à indenização pela desapropriação

dela tenha juros compensatórios pela privação do uso da coisa expropriada e,

concomitantemente, juros moratórios por ainda não haver recebido o valor da

indenização. No patrimônio do expropriado, a indenização substitui a coisa

expropriada, e, assim, não se acrescenta a esta. Portanto, o expropriado somente

pode ser privado do uso de um desses elementos: ou da coisa expropriada ou do

seu substituto que é o valor da indenização. E como os juros são sempre

compensatórios da privação do uso de parte do patrimônio do credor (antes da

mora, eles se denominam compensatórios; depois da mora, eles passam a

chamarem-se moratórios), não pode o expropriado ter direito a receber

compensação pela privação de dois elementos (a coisa expropriada e a

indenização), dos quais apenas um integra o seu patrimônio (a coisa, ou o seu

substituto que é o valor da indenização) 583. Sobre a impossibilidade de cumulação

de juros moratórios e compensatórios, Maria Sylvia Zanella Di Pietro584:

582

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem aplicado a taxa de 6% aos juros compensatórios em virtude da atual realidade econômica: “Ementa: DESAPROPRIAÇÃO DIRETA. Juros moratórios sobre os compensatórios. Inclusão dos juros na base de cálculo dos honorários advocatícios. ADMISSIBILIDADE. Juros compensatórios a partir da imissão, de 6% ao ano, em face da nova realidade econômica. Juros moratórios de igual percentual, a partir do trânsito em julgado. Depósitos complementares considerados no cálculo da indenização, exceto para a verba honorária. Recurso da expropriante parcialmente provido, desprovido o da expropriada. (TJ/SP, proc. 0128302-44.2007.8.26.0053 Apelação / Desapropriação por Utilidade Pública / DL 3.365/1941, Relator Oliveira Santos, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 31/05/2010, Data de registro: 14/06/2010)

583 Cf. voto do Ministro Moreira Alves proferido no RE nº 90.656-SP.

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Com relação aos juros moratórios e compensatórios, a jurisprudência tem entendido que eles são cumuláveis. No entanto, esse entendimento não se justifica, devendo os primeiros incidir a partir da imissão na posse até o momento em que ocorre o trânsito em julgado da sentença que homologa o cálculo da indenização; neste momento, o valor total da indenização já está calculado, com todas as parcelas que o compõem; sobre esse valor incidirão apenas a correção monetária e os juros moratórios devidos pela demora no pagamento.

Sobre a impossibilidade de cumulação de juros compensatórios e moratórios,

assim se manifesta R. Limongi França585:

A questão que para logo se coloca é a de se saber se, stricto jure, cabe cumulação de juros compensatórios e moratórios. A resposta é necessariamente negativa, pelas seguintes razões: Primeira. Porque sendo os juros compensatórios os frutos civis do capital, em virtude do princípio acessorium sequitur principale, tais frutos se devem ao titular do objeto. Segunda. O trânsito em julgado marca o momento da transferência do domínio do objeto do expropriado ao expropriante, sem o que este não faria jus, a partir daí, aos juros moratórios. Terceira. Portanto, não se admite cumulação de juros moratórios com os compensatórios, por isso que, quando os primeiros se começam a dever, deixam de incidir estes últimos, pois não é curial que se abonem acessórios a quem do principal não mais é dono.

O STJ alterou o seu entendimento e hoje não tem mais admitido a cumulação

de juros moratórios e compensatórios586:

os juros compensatórios, em desapropriação, somente incidem até a data da expedição do precatório original. Tal entendimento está agora também confirmado pelo § 12 do art. 100 da CF, com a redação dada pela EC 62/09. Sendo assim, não ocorre, no atual quadro normativo, hipótese de cumulação de juros moratórios e juros compensatórios, eis que se tratam de encargos que incidem em períodos diferentes: os juros compensatórios têm

584

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2009, 22ª edição, pág. 175. 585

FRANÇA, Rubens Limongi. Manual prático das desapropriações. São Paulo: Saraiva, 1976, p.

87/88

586 STJ - AgRg no REsp 1081512/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em

28/09/2010, DJe 08/10/2010

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incidência até a data da expedição de precatório, enquanto que os moratórios somente incidirão se o precatório expedido não for pago no prazo constitucional.

2.1-Inconstitucionalidade dos juros compensatórios por representarem uma

indenização pré-fixada

Os juros compensatórios representam uma indenização pré-tarifada, o que

representa uma inconstitucionalidade em face do princípio da justa e prévia

indenização.

Os juros compensatórios representam o pagamento dos prejuízos

ocasionados pela perda antecipada da posse. Têm, assim, evidente natureza de

indenização por lucros cessantes, pré-fixados587.

Segundo parte da doutrina588, “o fato de o bem estar ou não produzindo renda

é de nenhuma importância”. Alega-se que se remunera o capital que irá substituir o

bem, ou seja, a renda que geraria este capital se, no exato momento em que

ocorreu o desapossamento, tivesse sido o expropriado plenamente ressarcido. O

expropriado sofreria um dano especial, por ser privado do seu bem e da

disponibilidade do capital que deveria substituir esse bem porque a indenização

587

“Ementa: DESAPROPRIAÇÃO - Utilidade Pública - Valor da indenização - Pretensão da autora a que seja aceito para indenização o valor proposto por seu assistente técnico - Inadmissibilidade - Apuração correta pelo vistor judicial do valor unitário do terreno por critério proposto pela CAJÜFA - Normas especialmente elaboradas para desapropriações na Capital - Sentença mantida _- Recurso improvido. Desapropriação - Honorários de advogado Apuração com base na diferença entre a oferta inicial e a indenização ambas corrigidas - Aplicação da Súmula 141, do STJ - O percentual vem definido no art.27, parágrafo 1°, do Decreto-Lei 3.365/41, com a redação dada pela Medida Provisória 2.027-38 de 04/05/00 reeditada sob o n. 2.183 de 24/08/01, em percentuais de 0,5 a 5%. - Recurso provido. DESAPROPRIAÇÃO - Insurgência contra a indenização por lucros cessantes - Juros compensatórios como pré-fixação dos lucros cessantes - Necessidade de se socorrer das vias ordinárias para a pretendida indenização - Sentença mantida - Recurso improvido. (TJ/SP, proc. 0151725-95.2007.8.26.0000 Apelação / Desapropriação , Relator Antonio Carlos Malheiros, Comarca: São Paulo , Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 23/11/2010 , Data de registro: 10/12/2010)

588 BAPTISTA. Joaquim de Almeida. Os juros nas ações de desapropriação. Revista dos Tribunais,

volume 546, abril de 1981, p. 23-28.

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poderia ser aplicada no mercado, produzindo renda para o expropriado desde

logo589.

Entretanto, é totalmente irrazoável pagar lucros cessantes pré-fixados. O

próprio conceito de lucros cessantes impede tal prática. Conforme Orlando

Gomes590, “lucro cessante é frustração da expectativa de ganho.” O Código Civil no

art. 407, ao estipular o dever de pagar lucros cessantes, diz que este é “o que

razoavelmente deixou de lucrar”. Somente é indenizável o dano atual e certo. O

requisito certeza do dano afasta a possibilidade de reparação do dano meramente

hipotético ou eventual, que poderá não se concretizar. Na apuração dos lucros

cessantes não basta a simples possibilidade de realização do lucro. Deve existir

uma probabilidade objetiva que tal lucro resultaria do curso normal da coisa591.

Segundo Venosa592, “o termo razoavelmente posto na lei lembra, mais uma vez, que

a indenização não pode converter-se em um instrumento de lucro”. E, conforme

Tepedino593, “o lucro cessante não se confunde com o lucro imaginário ou

simplesmente hipotético”. Por fim, Maria Helena Diniz594 nos ensina que

Para se apurar o lucro cessante, a mera possibilidade é insuficiente, embora não se exija uma certeza absoluta, de forma que o critério mais acertado estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos, conjugado às circunstâncias do caso concreto.

Os imóveis que cumprem a sua função social, que se destinam à moradia, ao

aluguel, ao desenvolvimento de alguma atividade econômica, industrial, agrícola ou

589

Cf. BAPTISTA. Joaquim de Almeida. Os juros nas ações de desapropriação. Revista dos

Tribunais, volume 546, abril de 1981, p. 23-28.

590 GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 12ª edição, 1999, p. 156.

591 Cf. GONÇALVES. Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 10 ª edição, 2008,

p. 589/590.

592 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 5ª edição, 2005,

p. 43

593 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil

interpretado conforme a Constituição da República - volume I. Rio de Janeiro: Renovar, 2ª edição,

2007, p. 733

594 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 7º volume: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva,

1999, 13ª edição, p. 63.

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pecuária, produzem renda e a perda antecipada da posse deve ser indenizada.

Entretanto, essa perda patrimonial pode ser menor ou maior do que 12% ao ano do

valor apurado na indenização. De outro lado, há imóveis sem qualquer destinação

econômica, em áreas desvalorizadas e degradadas de grandes cidades que não são

comercializáveis, não há quem queira comprar e nem alugar; há também

proprietários que não dão função social alguma às suas propriedades, deixando-as

desocupadas; tais imóveis não dão lucro e a perda antecipada da posse não

acarreta qualquer prejuízo595, razão pela qual não se pode indenizar por juros

compensatórios596 um prejuízo que não existe597. Vantagens hipotéticas não podem

ser indenizadas598. Nesse sentido é a lição de Mário Roberto N. Velloso599:

Todavia, se não há (no presente) essa exploração, não pode o proprietário calcular prejuízos pela impossibilidade de, no futuro, vir a ser explorada. O proprietário fundamenta seu pedido de indenização na eventualidade da exploração futura; pede-se uma indenização concreta tomando-se por base um dano hipotético.

595

“Os juros compensatórios somente são devidos quando restar demonstrado que a exploração econômica foi obstada pelos efeitos da declaração expropriatória”. (RSTJ 132/184). In: NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 41ª

edição, 2009, p. 1417

596 “Outrossim, se os juros compensatórios correspondem ao fruto do capital, por isso mesmo

chamados de correspectivos, deve-se examinar cada caso concreto para dosar a taxa aplicável, pois a desapropriação não pode ser a causa de rendimentos antes inexistentes sequer em potencial”. (HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 2007, 7ª edição, pág. 95)

597 “De outra parte, contudo, se verdade é que a finalidade dos juros compensatórios é aquela

reiteradamente proclamada nesse trabalho, de todo descabe essa cominação quando não tenha havido imissão na posse do bem. Torna-se evidente, às escâncaras, que, nessa hipótese, não há incidência da figura dos lucros cessantes. Igualmente descabem tais juros quando o bem não produzia renda, não tendo havido, pelo desapossamento, prejuízo para o expropriado...nesses casos não há oura e simplesmente que se falar em juros compensatórios, por não haver situação patrimonial a compensar. Quando muito caberá tão apenas a incidência de juros moratórios pelo retardo no pagamento da indenização”. (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 73). Em sentido contrário: “Não importa, pois, que o imóvel não esteja produzindo renda no momento da ocupação pelo expropriante, porque mesmo nessa hipótese o STF já deixou estabelecido que os juros compensatórios serão devidos em virtude de que, desde aquele momento da ocupação, a incidência dos juros compensatórios remunera o capital desembolsado pelo proprietário com a perda da posse”. (SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. São Paulo: RT, 2006, 5ª edição, pág. 379); entretanto, com o devido respeito, argumentar que os juros são devidos porque o STF já deixou estabelecido não é a melhor forma de enfrentar a questão...

598 “não são computadas as vantagens hipotéticas, mas somente as utilidades certas. Não influem,

outrossim, as valorizações advindas da malícia do proprietário ou do próprio ato de desapropriação”. (WHITAKER, F. Desapropriação. São Paulo: Atlas, 3ª edição, 1946, p. 47)

599 VELOSO, Mário Roberto N. Desapropriação: aspectos civis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000,

p. 174

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Só há sentido em indenizar-se um prejuízo efetivo, consistente na paralisação de uma atividade preexistente. Muitas vezes, até, a não exploração da terra decorre de sua própria condição – por exemplo declividade acentuada, difícil ou impossível acesso etc. – e não é justo transferir esse problema, atrelado à própria condição física e geográfica do terreno – ao Estado.

A doutrina civilista, ao ilustrar como devem ser calculados os lucros

cessantes, dá o exemplo do prejuízo a ser pago num caso de acidente

automobilístico. Deve-se calcular o que o proprietário deixou de receber com os dias

em que não pode utilizá-lo. Se o automóvel pertencia a um taxista, evidente que o

lucro cessante será calculado de forma diversa do que para o proprietário de um

veículo utilizado exclusivamente para o lazer600. O mesmo raciocínio se aplica ao

imóvel expropriado. Indenizar um imóvel que não tem qualquer utilidade econômica

para o proprietário da mesma forma que outro que tem um uso econômico é injusto.

Pela atual disciplina dos juros compensatórios, um terreno baldio e cheio de mato

que não traz qualquer lucro ao proprietário e outro, onde existam moradias, com

pagamento de aluguel, são indenizados com o mesmo percentual de 12% de juros

compensatórios para pagar os prejuízos decorrentes da perda da posse do bem.

São situações extremamente diferentes que, atualmente, tem o mesmo tratamento,

em manifesta ofensa ao princípio da igualdade.

Um imóvel que nunca deu qualquer lucro ao proprietário não pode, ao ser

desapropriado, ser indenizado com qualquer tipo de acréscimo ao valor do imóvel.

Não se pode indenizar um lucro que nunca foi obtido pelo proprietário por meio de

juros compensatórios, sob pena de causar um locuplemento ilícito do proprietário à

custa dos cofres públicos. Nesse sentido decidiu acertadamente o Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo601:

Ementa: DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - JUROS COMPENSATÓRIOS - APROPRIAÇÃO DE TERRENO BALDIO, SEM EXPLORAÇÃO OU UTILIZAÇÃO, NÃO CAUSANDO OUTRO PREJUÍZO AOS PROPRIETÁRIOS ALÉM DA PERDA DA PROPRIEDADE - ÁREA QUE, POR SI SÓ, NÃO GERAVA FRUTO ALGUM, NÃO SENDO POSSÍVEL

600

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 5ª edição, 2005,

p. 43

601 TJ/SP – proc. 0013715-57.2009.8.26.0564, Apelação / Reexame Necessário, Relator João Carlos

Garcia, Comarca: São Bernardo do Campo, Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 16/03/2011, Data de registro: 28/03/2011

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210

COGITAR-SE DE QUALQUER OUTRO INCREMENTO AO VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADA PELA SENTENÇA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - NÃO APLICAÇÃO DO ARTIGO 27, PARÁGRAFO 1o DO DECRETO-LEI 3365/41 - AÇÃO PROPOSTA PELOS EXPROPRIADOS, DECORRENTE DE APOSSAMENTO PRATICADO PELO PODER PÚBLICO SEM PRÉVIA DESAPROPRIAÇÃO OU OFERTA INICIAL - INCIDÊNCIA DA REGRA DO ARTIGO 20, PARÁGRAFO 3o DO CPC - FIXAÇÃO EM PERCENTUAL EXCESSIVO - REDUÇÃO AUTORIZADA - APELO DO PODER PÚBLICO PROVIDO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DOS JUROS COMPENSATÓRIOS E REDUZIR A VERBA HONORÁRIA.

Assim, para se cumprir o princípio da justa e prévia indenização, não se deve

usar da indenização pré-fixada representada pelos juros compensatórios, na forma

estabelecida na Súmula 618 do STF602. Deve-se apurar, em cada caso, o valor dos

prejuízos resultantes da perda antecipada da posse para incluí-los no valor da

indenização. Não havendo prejuízo pela perda antecipada da posse, não há o que

se indenizar, conforme decisão do STJ603:

Inexistência de concreta exploração econômica anterior para ser compensada por juros compensatórios. Não são indenizáveis hipóteses de aproveitamento.

Ademais, se o laudo usa qualquer critério que inclua ganhos que a

propriedade poderia produzir, descabe pagamento de juros compensatórios, sob

pena de dupla indenização pelo mesmo fato. Nesse sentido, Cacilda Lopes dos

Santos604:

602

“De fato, se o bem não vinha tendo (nem teria) pertinência econômica que não fosse a alienação ou o efetivo exercício possessório, não existe por que compensar a privação do capital...a indenização deve ser justa, é dizer, correspondente à privação patrimonial. Nem mais, nem menos. Se, no caso concreto, não há sustentação fática para a incidência de juros compensatórios, não pode o quantum indenizatório incluir a verba”. (PEREIRA, Hélio do Valle. Manual da Fazenda Pública em juízo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, 3ª edição, p. 530)

603 REsp 108896/SP, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em

20/08/1998, DJ 30/11/1998, p. 49. No mesmo sentido: STJ - AgRg no AgRg no REsp 1129727/GO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 21/02/2011 604

SANTOS, Cacilda Lopes dos. Desapropriação e política urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.

134

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Em nosso entendimento, qualquer laudo que trabalhe com hipóteses sobre os ganhos que a propriedade poderia produzir, já incorpora a ideia dos juros compensatórios. Deste modo, ao se considerar, no laudo, os prejuízos do proprietário e a renda que ela deixará de auferir, ilegítima será a incidência de juros compensatórios sobre este montante. Continuar essa prática é permitir indenizar duplamente o proprietário.

Por fim, o direito positivo corrobora nossa afirmação. A lei 10.257 de 10 de

junho de 2001 (Estatuto da Cidade) estabelece que no valor da indenização na

desapropriação sanção de imóveis que não cumprem sua função social não se

computarão expectativas de ganho, lucros cessantes e juros compensatórios,

conforme art. 8º, § 2º, inciso II. Assim, a lei previu que o imóvel que não cumpre sua

função social não pode ser contemplado com o pagamento de juros

compensatórios605. Essa previsão pode e deve ser estendida a todos os imóveis

que não cumprem sua função social e não produzem renda. É uma oportunidade de

a Jurisprudência e a doutrina alterarem seu entendimento e deixarem de legitimar a

prática atual de ganhos ilícitos à custa dos cofres públicos de imóveis que não

produziam nada, não davam lucro, não cumpriam sua função social e, com a

desapropriação, são premiados com uma taxa de juros extremamente alta, para

indenizar um prejuízo pela perda antecipada da posse que na realidade nunca

existiu.

Infelizmente, o panorama de mudança no cenário atual é pouco animador. As

súmulas hoje existentes são aplicadas de modo automático pelos julgadores e

repetidas sem qualquer senso crítico pela doutrina. O raciocínio jurídico, em nosso

país, está sendo substituído pela invocação de precedentes judiciais, conforme já

nos alertou José Carlos Barbosa Moreira606:

Em nosso país, quem examinar os acórdãos proferidos, inclusive pelos tribunais superiores, verificará que, na grande maioria, a fundamentação dá singular realce à existência de decisões anteriores que hajam resolvido as questões de direito atinentes à espécie sub judice. Não raro, a motivação reduz-se à enumeração de precedentes: o tribunal dispensa-se de analisar as regras legais e os princípios jurídicos pertinentes – operação a que

605

“De fato, se o imóvel não estava sendo utilizado ou o uso que lhe era atribuído contrariava o plano diretor, não há como suscitar a existência de renda a ser compensada”. (SANTOS, Cacilda Lopes dos. Desapropriação e política urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 42)

606 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual: nona série. São Paulo: Saraiva,

2007, p. 300.

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estaria obrigado, a bem da verdade, nos termos do art. 458, nº II, do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos nos termos do art. 158 – e substitui o seu próprio raciocínio pela mera invocação de julgados anteriores.

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CONCLUSÕES

A propriedade definida pela Constituição Federal, e protegida pela garantia da

justa e prévia indenização, corresponde a um conceito amplo, maior que o do direito

civil, referindo-se, assim, a todo bem de valor patrimonial, seja móvel, seja imóvel,

corpóreo ou incorpóreo.

A noção moderna de propriedade surgiu na Revolução Francesa, decorrente

da ascensão da burguesia ao Poder, com características liberais e individualistas. A

propriedade era o direito absoluto e perpétuo de usar, gozar, fruir e reivindicar a

coisa. Entretanto, o Estado teve o seu âmbito de atuação ampliado, realizando, para

a busca do bem comum, tarefas antes fora do seu âmbito de competência, o que

resultou na decadência do ideal liberal e na constitucionalização do direito privado,

em especial na exigência de cumprimento da função social pelo proprietário.

A função social da propriedade é fundamento do regime jurídico da

propriedade. Sem o cumprimento da função social, a propriedade não é garantida

plenamente pelo ordenamento jurídico. Entretanto, não houve a transformação do

direito de propriedade em mera função. Existe a função e o direito o qual somente é

legitimo se cumprir a função.

A desapropriação é uma garantia ao direito de propriedade. A Constituição,

ao prever a desapropriação como a única hipótese de exceção à intangibilidade do

direito de propriedade, protegeu este contra quaisquer ingerências do Poder Público

contra o direito do proprietário. O fundamento da desapropriação é o princípio da

supremacia do interesse público sobre o privado e a função social da propriedade.

O direito de propriedade é definido pelo ordenamento jurídico. A Constituição

não assegura um direito de propriedade com conteúdo definido. A garantia

constitucional da propriedade é somente institucional. A lei pode, em função da

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necessidade da convivência da propriedade com outros direitos também protegidos

constitucionalmente, limitar a propriedade.

A limitação ao direito de propriedade não ocasiona o dever de indenizar. A

medida expropriatória impõe a indenização. O que diferencia a medida

expropriatória da medida limitativa é que aquela atinge o núcleo essencial do direito

de propriedade. O núcleo essencial do direito de propriedade é a funcionalidade do

bem. Se o proprietário for impedido de usar o bem, de acordo com sua

funcionalidade, houve expropriação do direito e deve haver indenização.

O direito de propriedade é um direito fundamental. O conceito de direito

fundamental, apesar de controverso, deve partir de uma posição positivista; somente

a positivação dos direitos fundamentais assegura sua efetividade. Direitos

fundamentais são normas jurídicas que positivam valores.

As normas de direitos fundamentais são princípios. O conceito de princípio é

controverso. Conceituamos princípio jurídico como um mandado de otimização, ou

seja, uma norma que determina que algo seja feito, ou uma finalidade cumprida, de

acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas existentes no momento de aplicação

da norma. Os princípios, quando colidentes, devem ser ponderados. A ponderação é

guiada pela proporcionalidade e razoabilidade.

Os direitos fundamentais podem ser restringidos. A restrição a um direito

fundamental é constitucional se proporcional, independentemente da intensidade da

restrição. Mesmo após a restrição, deve haver o respeito ao núcleo essencial do

direito fundamental que é variável, dependendo do caso concreto.

A razoabilidade e a proporcionalidade constituem instrumentos de controle do

abuso dos atos estatais e como ferramentas de proteção aos direitos fundamentais.

A proporcionalidade é mais ampla do que a razoabilidade. Um ato pode ser

desproporcional e não ser desarrazoado. A proporcionalidade é um postulado

normativo. Para uma medida ser proporcional, ela deve ser adequada, ou seja, ser

apta a atingir o fim visado; deve ser exigível, ou seja, deve causar a menor restrição

possível; e, por fim, deve ser proporcional (em sentido estrito), ou seja, devem os

benefícios do ato ser superiores aos prejuízos causados.

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A desapropriação é uma causa de perda da propriedade em beneficio do

interesse coletivo, mediante indenização ao proprietário. É causa originaria de

aquisição de propriedade, de forma que, se figurar no processo pessoa que, na

verdade, não é o verdadeiro proprietário, não há mácula no título do expropriante,

cabendo àquele pleitear indenização contra o este ou contra quem indevidamente

recebeu a indenização.

No processo expropriatório somente se pode discutir o preço. Qualquer outra

questão deve ser debatida em ação própria e não há inconstitucionalidade alguma

nisso. O amplo acesso ao Judiciário, garantido pela Constituição, está assegurado

em outra via; não existe inconstitucionalidade porque não se veda a discussão sobre

a legitimidade da desapropriação em ação própria.

A desapropriação não é um ato discricionário. Mesmo indenizando-se o

proprietário, somente se tem como válida uma desapropriação se presentes a

necessidade pública, utilidade pública, o interesse social, as causas previstas na

legislação ordinária como necessárias ao inicio do processo expropriatório, bem

como a finalidade da desapropriação ser válida. Sem tais requisitos, faltará justa

causa à desapropriação. A garantia da propriedade não compreende somente a

prévia e justa indenização, mas também que estejam presentes os pressupostos

para desapropriar.

A desapropriação também se submete ao postulado da proporcionalidade.

Somente se tem como legitima uma desapropriação se o imóvel for útil à finalidade

pública (adequação), se não existir outra medida menos restritiva para atender à

finalidade pública (necessidade), bem como o afastamento do direito de propriedade

for proporcional ao interesse público que se pretende atender (proporcionalidade em

sentido estrito).

A desapropriação indireta é o esbulho possessório praticado pelo Poder

Público, sem o devido processo legal da desapropriação, bem como toda e qualquer

medida que inviabilize a utilização funcional do bem, atingindo o núcleo essencial do

direito de propriedade. Trata-se de prática inconstitucional que sujeita a

Administração ao pagamento dos prejuízos decorrentes da perda da propriedade,

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bem como de responsabilização do agente estatal. Não enseja, em regra, o

pagamento de danos morais.

O dever de preservar o meio ambiente não pode ser considerado uma

desapropriação indireta. Decorre da função social da propriedade. O direito de

propriedade, tal como estabelecido pela Constituição e pelas leis, contém ínsito o

dever de preservar o meio ambiente; não mais se pode imaginar um direito de

propriedade que permita ao proprietário destruir todos os recursos naturais

existentes em seu imóvel. Assim, o dever de preservar o meio ambiente é apenas

uma limitação ao direito de propriedade e, assim, não gera dever de indenizar o

proprietário.

A indenização é ponto nodal do processo expropriatório. Este, sem

indenização, se transforma em confisco. O dever de indenizar decorre do próprio

direito de propriedade que se transforma de propriedade da coisa à propriedade do

valor correspondente à coisa expropriada, do principio da igualdade que não permite

que um proprietário seja gravado com uma perda patrimonial em beneficio da

coletividade e, por fim, pelo princípio da livre iniciativa econômica que ficaria abalado

se a propriedade das coisas e os outros direitos patrimoniais fossem avaliados

diferentemente, conforme se eles são retirados por meio de coerção no caminho da

desapropriação ou voluntariamente no caminho da venda ao estado ou a outro

cidadão.

A indenização justa é a que permite ao expropriado sair da desapropriação

com o mesmo patrimônio que desfrutava antes, para adquirir, se assim o quiser,

outro bem da mesma qualidade e quantidade do expropriado.

O postulado normativo que prevê a vedação do enriquecimento sem causa é

um critério fundamental para a definição da justa indenização. Esta não pode

representar o enriquecimento quer do expropriante, quer do expropriado. Este não

pode sair com o patrimônio menor ou maior do que possuía antes da

desapropriação. A vedação ao enriquecimento sem causa não permite qualquer

pagamento de dano hipotético ou presumido ao expropriado.

A mudança do estabelecimento comercial deve ser indenizada pelo

expropriante. Este deve indenizar as despesas da mudança e as relativas ao

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prejuízo do período em que houver a interrupção da atividade devido à transferência

de localidade. Devem estes prejuízos ser comprovados, sob pena de enriquecimento

ilícito.

A Constituição exige que o pagamento da indenização seja prévio à perda da

propriedade e/ou da posse. Assim, somente se pode admitir o pagamento da

indenização por meio de precatório, caso não tenha havido imissão na posse. Se

esta ocorreu, deve haver o pagamento imediato da quantia apurada, fora da

sistemática dos precatórios que representa, sempre, um pagamento a posteriori, sob

pena de ofensa à Constituição.

A Administração se, após o inicio do feito expropriatório e antes do

pagamento da indenização e transcrição da sentença no registro de imóveis,

perceber que o bem expropriado não é mais útil ao interesse público, deve desistir

da desapropriação. A desistência não pode ocasionar prejuízos ao expropriado. Este

deve indenizado por todos os prejuízos comprovados. Não cabem juros

compensatórios na desistência da desapropriação.

Adotou-se, no direito positivo brasileiro, a teoria da posse de Jhering. A posse

é o exercício, de fato, de algum dos poderes inerentes ao domínio. A posse é um

direito. Protege-se a posse porque, assim, protege-se o proprietário que não

necessita, sempre que for questionado, fazer a prova diabólica da propriedade. A

posse pode ser perdida na expropriação, antes da perda da propriedade.

A urgência que não pode esperar o término do processo de desapropriação

justifica a imissão na posse. Trata-se de antecipação dos efeitos da tutela no feito

expropriatório. A posse também é garantida pela exigência de prévia e justa

indenização.

Para a imissão na posse dos imóveis residenciais, a lei prevê, caso não haja

concordância do expropriado com a oferta, que seja realizada pericia prévia. Essa

solução atende ao princípio da justa e prévia indenização, pois protege o direito à

moradia, impedindo a imissão com base somente no valor venal para fins de IPTU.

Entretanto, se mostra inconstitucional a previsão de depósito de somente 50% do

valor apurado no laudo.

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Para os imóveis não residenciais que cumprem a sua função social, deve-se

estender a disciplina legal pertinente aos imóveis residenciais, qual seja, somente

deve ser concedida a imissão mediante prévia avaliação e depósito integral do valor

encontrado no laudo.

Deve-se fazer uma ponderação concreta para a concessão da imissão

provisória, bem como para se auferir os critérios para a sua concessão. Imóveis que

não cumprem a função social da propriedade podem ser imitidos na posse, de plano,

sem avaliação prévia, com o depósito do valor venal para fins de IPTU. Caso a

desapropriação busque uma finalidade pública e o imóvel a ser expropriado cumpra

sua função social, somente deve ser deferida a imissão mediante o deposito integral

do valor encontrado em laudo prévio. Por fim, caso a desapropriação não se destine

a uma finalidade pública de alta relevância e premente urgência e o imóvel a ser

expropriado cumprir a sua função social, a imissão sequer deve ser deferida.

A norma do art. 15 do Decreto-lei 3.365/41 não é inconstitucional. Entretanto,

ela deve ser afastada, em determinados casos, em função de outros valores

garantidos pela Constituição Federal.

Possível é o afastamento de uma regra pelo processo da ponderação. A lei é

uma ponderação abstrata feita pelo legislador. O princípio formal da democracia

manda obedecer a lei. Entretanto, o principio formal pode ser objeto de ponderação

com outros princípios acolhidos pela Constituição e ocasionar o afastamento de uma

regra. A ponderação de princípios feita em abstrato pelo legislador não é absoluta.

Os juros moratórios destinam-se a compensar o expropriado pelo atraso no

recebimento da indenização. Os juros começam a fluir a partir de 1º de janeiro ao

ano seguinte ao que deveria ter sido pago o precatório. Somente se pode falar em

juros moratórios a partir da mora e esta somente se dá a partir do prazo concedido

pela Constituição Federal no art. 100.

Os juros compensatórios foram uma criação jurisprudencial para compensar a

perda antecipada da posse do imóvel expropriado, quando há imissão provisória;

têm a função de compensar os lucros cessantes. Não é admissível a cumulação de

juros moratórios com juros compensatórios; estes compõem o valor da indenização

que, se não for paga no prazo, deve ser acrescida de juros moratórios; assim, o

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período de incidência de ambos não pode coincidir: a partir do momento em que é

fixado o valor da indenização, que inclui os juros compensatórios, estes param de

incidir e após, se houver pagamento com atraso, incidem somente os juros

moratórios.

O principio da justa indenização é violado com o pagamento de juros

compensatórios na forma prevista na Súmula 618 do STF (12% ao ano). Como uma

compensação por lucros cessantes, não poderia haver uma prefixação de taxa; o

prejuízo pela perda antecipada da posse pode ser maior ou menor que 12% ao ano

ou até mesmo inexistente. Assim, somente deve ser indenizado eventual prejuízo

decorrente da perda antecipada da posse se provado e no valor exato do prejuízo.

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