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0 PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rodrigo dos Santos Força, Armas, Leis e Milícia em I Primi Scritti Politici, de Maquiavel MESTRADO EM FILOSOFIA SÃO PAULO 2015

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rodrigo dos Santos

Força, Armas, Leis e Milícia

em I Primi Scritti Politici, de Maquiavel

MESTRADO EM FILOSOFIA

SÃO PAULO

2015

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rodrigo dos Santos

Força, Armas, Leis e Milícia

em I Primi Scritti Politici, de Maquiavel

MESTRADO EM FILOSOFIA

Dissertação de Mestrado com o título: Força, Armas

Leis e Milícia em I Primi Scritti Politici, de

Maquiavel apresentada a Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como

exigência para obtenção do título de MESTRE em

FILOSOFIA sob a Orientação do Prof. Dr. Antonio

José Romera Valverde.

SÃO PAULO

2015

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________

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DEDICATÓRIA

Lembrando-me do Livro dos Provérbios, penso: "o coração prudente

possuirá a ciência" (v.15). Por isso é que dedico esta Dissertação de

um modo todo especial, a minha esposa, Josiane Alves Barbosa dos

Santos. Agradeço-lhe pela sua companhia, pelo seu apoio, pelo

incentivo me dado à volta aos estudos de uma maneira mais

aprofundada em 2007 e pela compreensão que sempre demonstrou

neste tempo de formação acadêmica, na pós-graduação, que não foi

nada fácil. Dedico de igual modo a minha nova razão de viver - minha

segunda filhinha: Camila Aparecida Alves Barbosa dos Santos, por

quem, com todo afeto, me impus um ritmo para findar esta empreitada

intelectual.

Diante do recorte da história em que estou, penso em quem não está

mais. Neste sentido, lembro-me do Prefácio da Missa pelos "Fiéis

defuntos", onde se encontra um referencial que me conforta em

relação aos que desta vida já partiram. No rito se lê: "Senhor, para

aqueles que acreditam em vós, a vida não é tirada, mas transformada

[...] e transformado nosso corpo de miséria, nos é dado, nos céus, um

corpo de glória". É assim, em solene esperança do "ainda não da

minha história", que dedico este trabalho e pesquisa in memoriam de

algumas pessoas muito significativas na minha vida. Os meus pais –

Dorival Camilo dos Santos e Benedita Santos e a minha filhinha

primogênita, Ana Clara dos Santos Barbosa.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus e a Natureza pela virtù!

Agradeço ao CNPQ que me contemplou com Bolsa de Estudo na efetivação desta

pesquisa e dissertação. Foi, de fato, uma oportunidade impar, que sem a qual a meu trabalho

ficaria muito mais oneroso.

Especial agradecimento ao Prof. Dr. Antonio José Romera Valverde, meu

orientador. Pela partilha, pelas aulas, pelo bom humor, pela sinceridade, por seu espírito

animado em ensinar, pelo seu “prazer pedagógico” em cada encontro, enfim, por ter-me

aceito como seu orientando e ajudado na efetivação e realização desta pesquisa e dissertação.

Agradeço ao Prof. Dr. Marcelo Perine por suas sugestões ao tempo da

qualificação e pelo apoio nos estudos durante a empreitada nesta Instituição.

Agradeço a exigente e pertinente reflexão que me causou o parecer do Prof. Dr.

Kurt Eberhart Von Mettenheim ao tempo da qualificação. Obrigado por ter aceito participar

de minha Banca, de ler meu trabalho e de me oferecer riquíssimas sugestões.

Agradeço aos Professores: Dr. Anor Sganzerla (PUC-PR); Dr. Sidnei Francisco

do Nascimento (UFMA) e Dr. Mario Ariel Gonzáles Porta (PUC-SP) por aceitarem fazer

parte da Banca de Exame Final.

Agradeço ainda aos Professores: Dr. Edelcio Gonçalves de Souza (USP), pela sua

atitude de compreensão e colaboração para a especificidade de minha situação acadêmica e ao

Dr. Maurílio José Camello (UFMG, UNITAU-SP), um grande amigo e incentivador ao estudo

contínuo.

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"Penso que a maior honra que podem ter os homens é aquela que

voluntariamente lhes è dada por sua pátria. Acredito que o maior bem que

se possa fazer, e o mais grato a Deus, seja aquele que se faz pela pátria.

Além disso, nenhum homem é tão exaltado em uma ação, quanto são aqueles

que, com leis e instituições, reformam as repúblicas e os reinos. Depois

daqueles que foram deuses, estes são os mais louvados. E como foram

poucos os que tiveram ocasião de fazê-lo, e pouquíssimos aqueles que

souberam fazê-lo, são raros os que o fizeram. E essa glória tem sido tão

estimada pelos homens que eles nunca visaram outra, e quando não

puderam instituir uma república em ato, fizeram por escrito, como

Aristóteles, Platão e muitos outros, que quiseram mostrar ao mundo que se

não conseguiram fundar uma república, como Sólon e Licurgo, não foi por

ignorância, mas pela impossibilidade de concretizar seus planos".

Maquiavel,

Política e Gestão Florentina,

(2010)

"A certa altura de minhas leituras, deparei-me naturalmente com as

principais obras de Maquiavel. Elas provocaram em mim uma impressão

profunda e douradora, acabando por abalar minha antiga crença. Delas

não aprendi os ensinamentos mais óbvios, ou seja, como chegar ao poder

político e conservá-lo [...] ou ainda, a que força ou astúcia devem recorrer

os governantes se desejam regenerar ou proteger suas sociedades ou a si

próprios ou a seus Estados de inimizade interna ou externa. Aprendi algo

diverso. Mudei minha noção de virtude. Há pouco tempo pensava sobre a

prudência, mas nem todos os valores supremos buscados pela humanidade

agora e no passado são necessariamente compatíveis entre si. Aprendi um

pouco da política e do político".

Isaiah Berlin,

Limites da utopia: capítulo das histórias das ideias

(1991)

“A grandeza de Maquiavel reside no fato de ter reconhecido, no limiar da

nova sociedade, a possibilidade de uma ciência da política, equivalente nos

seus princípios à física e à psicologia modernas e de ter enunciado os seus

traços gerais de um modo simples e rigoroso. Não se trata aqui de analisar

quão consciente Maquiavel estava desta analogia, ou quais as motivações

que sofreu, vindas da leitura de obras de escritores clássicos ou

investigadores seus contemporâneos: a sua intenção está à vista”.

Max Horkheimer,

Origens da filosofia burguesa da história (1929)

“Não são textos menores. Apresentam um Maquiavel republicano, servidor

público, antropófago e mestre em ilustrar o momento político, seja para a

política exterior florentina republicana, seja depois de seu afastamento na

procura de males menores no meio de forças monárquicas, estrangeiras e

papais”

Kurt Mettenheim

Prefácio – Política e Gestão Florentina

(2010)

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RESUMO

SANTOS, Rodrigo. Força, Armas, Leis e Milícia em I Primi Scritti Politici, de Maquiavel.

Dissertação de Mestrado em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015,

204f.

A presente dissertação, a partir dos I Primi Scritti Politici, de Nicolau Maquiavel, apresenta a

denominada "teoria da força", intitulada desta forma por Claude Lefort, fundada na qualidade

de base para formação do exército florentino, tendo como instrumental, as boas armas, bem

manuseadas, com homens disciplinados e patriotas. No que se refere à constituição da teoria

da força, e tendo em vista todos os malefícios em que se incorre ao confiar em estruturas

arcaicas, tal como o modelo medieval de Providência ou da ação política fundada no amor,

Maquiavel desenvolve uma estratégia, aferida em sua prática, que desvincula a utilização de

soldados mercenários ou exércitos mistos, portanto, de homens não patriotas, porque estes são

por demais traidores e dados ao dinheiro. Maquiavel propõe a escolha perante o disjuntivo do

– amor ou força, o pretérito do uso da força para conquista, reconquista e conservação do

Estado. É por isso que a Itália de seu tempo sofria as agruras de uma nação espoliada,

externamente, porque era fraca do ponto de vista de defesa e ataque. O “sonho de Maquiavel”

é unificá-la, e a República de Florença há de ser a pioneira na estratégia de organizadamente –

a partir da teoria da força, e de uma lógica que seja própria, partir para uma práxis de

liberdade. A lógica da força é binária, pois tem uma direção teórica e estratégica, da qual

Maquiavel se torna expert e outra prática, de onde a necessidade das armas, principalmente as

de fogo, são indícios de fato do poder. O manuseio virtuoso das boas armas, vinculadas a boas

leis, dosado de violência quando necessária, leva o Estado a manter-se no poder e defender

sua condição de liberdade. A prova disso é que a história se incumbiu de demonstrar aos

homens que faziam a plena harmonização do mezzo uomo e mezzo bestia, situação essencial

para a fixação no poder. E tal era a situação de César Bórgia e Castruccio Castracani.

Palavra Chaves – Força, Boas armas, Exército próprio, Boas leis, Violência.

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ABSTRACT

SANTOS, Rodrigo. Force, Weapons and Army on I Primi Scritti Politici, of Machiavel.

Dissertation for a Master in Philosophy. Pontifical Catholic University of São Paulo, 2015,

204f.

This dissertation, from I Primi Scritti Politici of Niccolo Machiavelli, presents the so-called

"theory of force", called this way by Claude Lefort, founded on the basis of quality training

for the Florentine army, whose instrumental force of efficient weapons, well handled, with

disciplined men to form an appropriate army for the City of Florence. Regarding the

establishment of the theory of force, and in view of all the harm that is incurred to rely on

mercenaries in armies mixed in men unpatriotic because they are real betrayers due to the

money, Machiavelli proposes the choice before the disjunctive – love or force, the use of

force for conquest again and preservation of the state. That's why the Italy of his time

suffered the hardships of a nation plundered externally, because it was weak in terms of

defense and attack. The “dream of Machiavelli” is to regroup it and the Republic of Florence

is to be a pioneer in an organized strategy – from the theory of force and a logic that is

appropriate, heading to a praxis of freedom. The logic of force is binary, it has a “theoretical

and strategic way from” which Machiavel is becoming clever, and another “practical” where

the weapons, especially the fire ones are indications of real power. The virtuous handling of

efficient weapons linked to good laws, mixed with violence when useful, it takes the state to

remain in power and defend its condition of freedom. The proof in the dissertation is that the

history is instructed to show men that achieve the full harmonization of “mezzo uomo e mezzo

bestia”, essential situation be fixed in the power in the place. And such was the situation of

Cesare Borgia and Castruccio Castracani.

Word Keys - Strength, good arms, good laws own army.

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SUMÁRIO

Dedicatória ............................................................................................................................. 03

Agradecimentos ..................................................................................................................... 04

Resumo ................................................................................................................................... 06

Abstract .................................................................................................................................. 07

Relatórios dos I Primi Scritti Politici .................................................................................... 10

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 11

CAPÍTULO I – A LÓGICA DA FORÇA E A CONQUISTA DA LIBERDADE EM I

PRIMI SCRITTI POLITICI, DE MAQUIAVEL ................................................................ 22

1.1. O Humanismo Cívico e a ideia de vida ativa: a lógica da Força versus a lógica da

Providência .............................................................................................................................. 24

1.2. “O Maquiavel antes de Maquiavel”: O Secretário observador dos I Primi Scritti Politici

.................................................................................................................................................. 42

1.3. A lógica da força e seus disjuntivos em I Primi Scritti Politici ....................................... 60

1.4. A lógica da força nos escritos posteriores a 1513 ............................................................ 70

CAPÍTULO II – AS ARMAS, AS BOAS LEIS E A MILÍCIA PRÓPRIA COMO

INSTRUMENTO E FORÇA DA AÇÃO POLÍTICA ..................................................... 107

2.1. A necessidade das armas, das leis e do Exército como base manutenção do poder político

e da competitividade do Estado ............................................................................................ 112

2.2. As armas e o Exército próprio: Análise interna dos I Primi Scritti Politici e do Príncipe

................................................................................................................................................ 122

2.3. O povo e a sua virtú: Força e armas desembocam na manutenção do poder ................. 132

2.4. A formação do Exercito próprio de Florença: "As provisões da República de Florença o

Magistrado dos Nove Oficiais da ordenança e Milícia florentina" ....................................... 142

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2.4.1. A escolha, formação e aptidão militar ......................................................... 144

2.4.2. Os nove oficiais da ordenança: autoridade, função e administração ........... 146

2.4.3. A garantia da ordem através dos condestáveis e do modelo francês ........... 148

2.4.4. A organização interna dos homens inscritos no exército: Estruturação,

Dispensa e Manutenção sob denúncia ................................................................... 151

2.4.5. Os homens e as armas: “Homens armados na confiança e na força” ........... 152

2.4.6. A relação interna e de obediência aos conscritos – “O capitão da guarda” e as

primeiras conclusões da provisão, por parte de Maquiavel ................................... 153

2.4.7. Infantaria e Cavalaria para uma melhor proteção de Florença – Efetivação da

Cavalaria, regulamentos e ponderações sobre a mesma ........................................ 154

2.5. A força e a formação do exército no Príncipe: como avaliar a força dos Estados ........ 157

2.5.1. Interdependência entre "Príncipe, Poder e armas" ....................................... 159

2.5.2. “O Príncipe – Cap. XIII-XIV: Forças auxiliares, mistas e próprias” .......... 161

2.5.3. César Bórgia e Carlos VII – visão de um exército próprio e o fundamento da

prudência, lealdade e vitória genuína ..................................................................... 162

2.6. A prudência que fortalece a vida dos homens de virtù .................................................. 166

2.7. A palavra que governa o Estado forte ............................................................................ 178

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 183

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 189

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RELATÓRIOS DOS I PRIMI SCRITTI POLITICI1

I Política Exterior Florentina

1 Discurso Proferido ao Magistrado dos Dez Sobre a Situação de Pisa

2 Providências para a Reconquista de Pisa

3 Notícias das Medidas Adotadas pela República Florentina para Pacificar as Facções de

Pistóia

4 Sobre a Situação de Pistóia

5 Descrição do Modo Adotado pelo Duque Valentino para Matar Vitellozzo Vitegli,

Oliverotto Pagolo e o Duque de Gravina Orsini

6 Do Modo de Tratar os Povos Rebelados do Valdichiana

II Armas

7 Palavras que Devem ser Ditas sobre a Provisão do Dinheiro com um Pouco de Proêmio e de

Desculpas

8 Discurso sobre a Ordenação do Estado de Florença para as Armas

9 Provisões da República de Florença para Instituir o Magistrado dos Nove Oficiais da

Ordenança e Milícia Florentina

10 Parecer para a Eleição do Capitão das Infantarias da Ordenança Florentina

11 Escrito sobre o Modo de Reconstruir a Ordenança

III França e Alemanha

12 Sobre a Natureza dos Gauleses

13 Nótula para Alguém que será Embaixador em França

14 Retrato das Coisas de França

15 Discurso sobre as Coisas da Alemanha e sobre o Imperador

16 Discurso sobre as Coisas da Alemanha e sobre o Imperador

17 Retrato das Coisas da Alemanha

IV Florença Pós-República

18 Aos Palleschi: Atentem bem para este Escrito

19 Alocação Feita a um Magistrado

20 Sumário do Governo da Cidade de Lucca

21 Discursus Florentinarum Rerum Post Mortemiunioris Laruentii Médicis

22 Memorial a Raffaello Girolami, Quando no dia 23 de Outubro Partiu para Espanha [como

Embaixador junto do] Imperador

V A Defesa de Florença

23 Relação de uma Visita Feita para Fortificar Florença

24 Provisão para a Instituição do Cargo dos Cinco Provedores dos Muros da Cidade de

Florença

1 MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt

Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração,

FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010, pp. 03. pp. 18.

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INTRODUÇÃO

“O essencial na política não são as virtudes, objeto da filosofia moral, mas a

realidade política tal como revelada nas e pelas coisas do mundo – o conhecimento

político está condenado a uma relativa incerteza e depende da capacidade de

transformar a percepção dos acontecimentos singulares em um saber e em uma ação

eficaz. Creio que é certo dizer que nem em termos morais, nem em termos das

exigências do conhecimento, o príncipe de Maquiavel é comparável ao de Botero,

por exemplo, que prevê um amplo e definido conjunto de saberes e virtudes que

visam fundar, conservar e ampliar o domínio sobre os povos” (pp. 31-32)

Patrícia Fontoura Aranovich

Notas sobre a relação entre fins e meios em Maquiavel

(2014)

Os homens estão envolvidos pela política, e por consequência, são submetidos aos

anseios que remetem à posse, à manutenção do poder e à condução de sua liberdade

individual, não obstante, coletiva também. Envolvidos os homens estão por esta dimensão

cultural e social, antes de tudo, inerente a natureza humana, segundo a concepção aristotélica

(ou na releitura medieval-tomista – do homem como animal social e político), mas também,

envolvidos pela necessidade de lidar, mudar e zelar pelas coisas ditas públicas, acima das

coisas particulares. A arte política é tão necessária à vida humana quanto à ordem do sistema

respiratório, pois a vida em si depende do bom funcionamento de ambos. Neste sentido, para

Maquiavel, o "Secretário de Florença", o envolvimento político se dá no lidar com as coisas

em sua natureza mais profunda, sem mediações ilusórias ou utópicas (Cf. Príncipe, Cap. XV),

ou seja, “em Maquiavel a avaliação se desloca do homem para o resultado de suas ações”

(ARANOVICH apud SALATINI, 2014, pp. 30)2.

No célebre texto "Sonho de Cipião"3 narrado por Cícero em sua obra República,

Maquiavel percebe que não é no céu que está a grandeza dos homens que lutam pela vida

2 SALATINI, R. & DEL ROIO, M. (Org.). Reflexões sobre Maquiavel. Marília: Oficina Universitária. São

Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 3 Sobre o 'Sonho de Cipião' se lê que "na sua narrativa, o próprio Cícero, retoma todos os motivos do diálogo e

dos preâmbulos assim como Platão costuma ilustrar a sua dialética socrática com os mitos. [...] O sonho de

Cipião e o "mito de Er", por exemplo, possuem uma mesma estrutura narrativa, de característica protréptica, ou

seja, exortativo-impulsiva, postos no final da obra, revelando a recompensa da alma dos justos no além e

propondo uma visão do universo. Porém a narrativa de um sonho não é exatamente fazer um mito, ou seja, as

relações entre o pensamento debatido na busca de um conceito e a narrativa que ilustra esse pensamento não são

semelhantes, pois a resultante mítica na obra de Platão, apresenta uma verossimilhança conceitual com o debate,

isto é, não traça um paralelo entre as personagens do debate – Sócrates, Trasímaco, Adimanto etc – e as da

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política. O céu, nesta acepção, tem rumores e a envergadura da ideia agostiniana, quase

milenar, de "Cidade de Deus", portanto de uma utopia que deu certo no projeto da condução

temporal e espiritual do Cristianismo e da Igreja. A política nesta concepção é o movimento

de contemplação para esta "Cidade", a qual os homens peregrinam e marcham na penumbra

da fé e nas inconstâncias da vida.

Lendo Maquiavel, sobretudo no Capítulo XV do Príncipe, encontra-se a ideia de

uma política diversa do contexto Medieval, uma política "em atividade", o que supõe uma

política baseada na ação. Assim sendo, o primeiro aporte a ser refeito é o da contemplação,

que deixa de ser o caminho da política, e que de Maquiavel em diante passa a ser o caminho

do "factual". Ou seja, ao satirizar o "Sonho de Cipião", VIROLI comenta e interpreta

Maquiavel, e afirma, que para o Florentino "o inferno é mais atraente e interessante do que o

paraíso, pois é lá que se encontram os grandes homens da política" (2002, pp. 18). Isso se dá

porque constantemente nos recriamos o inferno (entendido, sobretudo como local de conflito

e aflição). Pode-se também afirmar que o “dito céu cristão” é um local de “idiotas” (no

sentido de apolítico), e que, portanto, Maquiavel funda a política dos fatos e da ação. E a

política de tal modo é redefinida como um aspecto da própria ação cuja outra face é entendida

como administração (BOBBIO, 2000, pp. 48). Ainda no Príncipe, o Florentino afirma a

necessidade da busca política sem mediações imaginárias, utópicas, mas na total efetividade

das ações. É o que se denomina no ordenamento das ideias de Maquiavel como "verità

effettuale della cosa". E é neste sentido, que se apercebe a técnica política do contexto

humanístico, e nele, se reformula com Maquiavel, os fundamentos dos conceitos de política,

ao ponto de Gatti comentar que

[...] la ragione calcolante, in Machiavelli, opera secondo la logica del "se… allora":

se si ammette, come l‟esperienza conferma, che la ricerca del potere è il dato

dominante della vita politica, allora il punto diventa strettamente e rigorosamente

tecnico (l‟"arte" nell‟accezione umanistico-rinascimentale del termine). Si tratta cioè

di individuare le strategie più idonee per raggiungere l‟obiettivo. Questa e non altra

è la "verità effettuale". E la "necessità" spinge a usare tutti i mezzi utili al fine,

relegando l‟idealismo politico, in ogni sua forma, nel dominio dell‟immaginazione.

La tecnica politica, per la sua stessa natura, può essere messa a disposizione di

narrativa mítica de Er; estas reportam-se a todos os homens em todas as épocas, como um apólogo, aquelas estão

inseridas num contexto histórico, o que determina que apenas se delimitem conceitos filosóficos. No sonho de

Cipião, as personagens principais do debate estão presentes; e a narrativa reforça não só o que fora estabelecido

nos três dias de debate, mas também o caráter e a formação da figura central da obra – Cipião Emiliano. De fato,

a lembrança daquele sonho de vinte anos atrás terá modificado sua vida política, de modo a redirecioná-la de

acordo com as principais ideias de comportamento moral estabelecidas no debate. Podem-se fazer ainda

referências políticas que ligam a narrativa do sonho aos fatos gravíssimos que preocupam tanto Cipião como as

outras personagens na Roma de seu tempo, que se assemelham muito à situação política da Roma de Cícero,

enquanto ele escrevia o De Republica". Cf. MAIA Jr. J. A. "O Sonho de Cipião no De Re Pública, de Cícero".

In: Scientia Traductionis, n.10, 2011, pp. 242.

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chiunque; si presenta come un insieme di accorgimenti neutri, atti a servire ogni

regime e ogni soggetto politico (GATTI, 2013, pp. 305)4.

O homem, desde suas raízes existenciais, está marcado pela tensão em relação a

posse e a vivência do poder, que é uma questão eminentemente política. A vivência da

política está entranhada na vida humana como uma espécie de qualidade, de extensão das

coisas importantes. Faz parte da própria condição humana, interessar-se pelo bem próprio,

pelo bem da cidade e do lidar e colocar-se na convivência social. Pode ser que alguém do tipo

teórico hobbesiano não concorde com esta ideia, mas deva admitir que a relação entre os

homens é um factum. Não há para o político, dirá Maquiavel, a possibilidade de ação fora da

vida terrena: ele não pode praticar o bem porque não está mais na "Cidade de Deus".

Retomando o pensamento clássico de Aristóteles, pode-se dizer que a ação política, em seu

sentido de excelência, não visa tanto o produzir ou o fabricar, mas a perfeição de uma

atividade, que é ao mesmo tempo, da esfera ética e política, que visa o bem - denominada por

eupraxia5 (BARRETO, 2010, pp. 18-19). Ocorre no Renascimento e no pensamento de

Maquiavel e em outras teorias políticas - a humanização da política.

Essa humanização das ações e dos seus significados se dá pela naturalização daquilo

que se designa por política. Não há recurso possível ao sobrenatural. Não há transcendência

que resolva os problemas da política, da vida nas cidades. A duplicidade reside agora na

natureza humana: e nela está na condição a ação política, que deve ser compreendida, a

"passos largos" como – lei e força, homem e animal (KRITSCH, 2001, pp. 04). Por um lado,

somos meio homem (mezzo uomo), porquanto somos racionais, conscientes do que fazemos e

de como o fazemos. Possuidores de virtù, em graus provenientes da natureza ou na

aprendizagem social dos que a possuem, ela é o senso de oportunidade e otimização das ações

a serem realizadas com maestria. Não obstante, somos meio "bestas" (mezzo bestia),

porquanto somos instintivos e animalescos. Agimos muitas vezes irracionalmente, só que em

se tratando de vida pública, erros não são toleráveis, quase nunca. A integridade de nossa

personalidade é a junção equilibrada entre o que se denomina bestialidade e racionalidade em

nossas ações, entre o que somos realmente: “mezzo uomo e mezzo bestia”.

Para Maquiavel há a necessidade das duas vertentes. Isso porque um homem somente

racional não conseguiria se manter no poder, porque não recorreria a força, elemento central

4 GATTI, R. "Natura umana e artificio politico da Machiavelli a noi" In: Lo Sguardo - Rivista di filosofia - Gli

strumenti del potere. Dal principe all‟archeologo, N. 13, 2013 (III), pp. 303-317. 5 Eupraxia é a denominação de "boa coordenação dos movimentos para um determinado fim".

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na atividade política moderna6. Encontra-se no Príncipe a orientação da necessidade da

crueldade para manter-se à frente do Estado. Esta é da índole da bestialidade, do estágio sob a

proposição do mais forte sobre o mais fraco, daquele que conquista pelo "muque". Mezzo

Uomo, Mezzo Bestia, é assim a natureza do "homem maquiaveliano", repleto de incerteza e de

expectativa em relação a oportunidade na história. É mezzo bestia na medida em que aplica a

teoria da força em suas ações políticas. Com isso percebe-se o conflito diante da necessidade

e vicissitudes das leis. É preciso, de algum modo ser temido, antes de sê-lo amado. Por outro

lado, é mezzo uomo na medida em que, tendo a força como elemento subjacente, pode

controlar seu Estado com as leis [boas e fortes]. É uma tentativa de harmonização. As leis, as

armas e o exército próprio são manifestações do encontro das duas dimensões construídas por

uma observação ponderada da virtù. O equilíbrio apontado por Maquiavel neste estudo se dá

no uso da razão com uma “dose” de bestialidade, assim o homem age politicamente correto,

ou melhor dizendo, completo. Farenetti acrescenta a esta ideia:

questa parte è suta (1) insegnata alli principi copertamente (2) da li antichi scrittori,

e‟ quali scrivono come Achille e molti altri di quelli principi antichi furno dati a

nutrire (3) a Chirone centauro (4), che sotto la sua disciplina li custo dissi. Il che

non vuole dire altro, avere per precettore uno mezzo bestia e mezzo uomo, se non

che bisogna a uno principe sapere usare l‟una e l‟altra natura: e l‟una sanza l‟altra

non è durabile7.

Deste modo, sabe-se que o pensamento de Maquiavel tem muitas vertentes temáticas

que se desdobram em pesquisas das mais variadas naturezas. É autor muito visitado quando se

trata dos rumos da vida pública, da gestão do poder, etc. O que se interessa em pesquisa, é a

avaliação que o Florentino faz do momento exato que se deve usar a força como técnica

política para se manter a liberdade. Kurt Mettenhein afirma que

Maquiavel se afasta do consenso entre cristãos e pensadores da antiguidade, como

Cícero, que mantinha uma visão de virtude humanista abrangente se não única. [...]

A virtude apresenta três faces na obra de Maquiavel; ora uma virtude para príncipes,

analisada no Príncipe, ora uma virtude cívica tratada nos Discursos e, finalmente,

uma virtude militar, apresentada na Arte da Guerra (MAQUIAVEL, 2010, pp. 06)8.

6 Ao menos no início da política moderna, a força deve ser entendida, sobretudo, como uso imediato e não

comedido da violência. Newton Bignotto denomina-a neste contexto como “terror”. Trata-se de uma violência

que consegue a anuência do Estado para fazer valer a ordem, quando a lei não foi cumprida. Se leis e Instituições

fazem o Estado forte, quando esta finalidade não é alcançada, é necessário, inevitavelmente, o uso da força. 7 (1) È stata. (2) In maniera velata, cioè attraverso la mitologia. (3) In allevamento. (4) Personaggio della itologia

greca, il centauro Chirone è metà uomo e metà cavallo. Viene presentato come un esperto educatore, maestro, tra

gli altri, di Giasone, Enea, Achille. In: DE LUISE, F. Lezioni di storia della filosofia. Lettura 10 – © Zanichelli,

editore 2010. Cf. também MARCHAND, J. J. Niccolò Machiavelli. I Primi Scritti Politici. Editora Antenore,

Padova, 1975, pp. 98-119. 8 METTENHEIM, K. "Servidor Republicano: política nos "textos menores" de Maquiavel". In: Revista

Brasileira de Ciência Política, n° 12. Brasília. Setembro-dezembro de 2013, pp. 101.

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Ver-se-á que um dos choques técnicos e teóricos sobre o uso da força como um ato

inevitável, tratando-se de conquista e manutenção do poder, é a adequação desta escolha com

a fundamentação legal. A força é uma dimensão da virtù, e como se viu, esta habilidade dos

atores políticos deve ser analisada na vida na cidade e na formação e coordenação militar. Um

dos entraves dos escritos [Scritti] de Maquiavel é exatamente a conciliação entre o uso da

força e o império das leis.

Comemoramos há pouco tempo os 500 anos da publicação de seu “livrinho” – O

Príncipe, que contém a base fundante da maneira de se pensar e de se fazer a política

moderna. Berlin comentando a obra, diz ter ela mudado o rumo de sua vida. Deste modo,

diante de tal literatura emblemática, do ponto de vista histórico e político, tem grande parte de

seus fundamentos na obra que pesquisamos do mesmo autor nesta dissertação, denominado

por J.J. Marchand de – I Primi Scritti Politici – termo ao qual nos referiremos à obra de

Maquiavel no decorrer do trabalho.

Há, contudo, na bibliografia sobre o Florentino, uma espécie de linha tênue,

obviamente não tão clara, que une em seus escritos, os cenários, os atores, as instituições e a

observação que ele faz dos líderes políticos sobre o “fazer político” moderno, que na verdade

é relativa primeiramente à Itália de seu tempo, tal como prevista, enquanto um “microcosmo

da Europa”, mas especificamente de sua cidade – Florença, e se estende para todos os lugares

do mundo após a publicação dos I Primi Scritti Politici, e obviamente, do Príncipe e de outras

obras, e chega até nós com todo o seu ímpeto.

Nos I Primi Scritti Politici, sobretudo quando se apresenta um detalhamento “Do

modo de tratar os povos rebelados do Valdichiana” (1502); (MARCHAND, 1975, pp. 98-

119), encontra-se expresso a intenção de nossa leitura, ou seja, verificar a teoria da força, das

boas leis e das boas armas na configuração de um exército próprio para Florença. Os I Primi

Scritti Politici são, basicamente, os relatórios escritos ao tempo que Maquiavel trabalhou

como Segundo Secretário da República de Florença, entre 1499 e 1512. Trata-se de relatórios

de participações em legazioni e commissarie9 políticas junto aos mais destacados atores

9 Afirma Valverde que "a altura do cargo de Segundo Secretário da Chancelaria permitia somente descrever os

fatos observados nas legazionni e commissarie, mesmo porque seu status social não permitia analisar e discutir

política junto ao Conselho ou com a Signoria. Porém, Maquiavel a la Capitu machadiana, levanta a cabeça ao

propor de maneira antitética soluções e possibilidades de movimentação do jogo político, quase sempre com uma

duplicidade de alternativas pelos movimentos, sob a capa de análises e rápidas reflexões. [...]Todos os relatórios

de Política e Gestão Florentina foram escritos ao longo de anos em legazioni e commissarie políticas, por regiões

da Itália, da França e da Alemanha, dentre outras. Para cumpri-las Maquiavel viajava sempre a cavalo, sob os

rigores ou não do inverno, atravessava, invariavelmente, a cordilheira dos Apeninos, ano após ano. Hoje, sabe-se

mais de política lendo Maquiavel e acompanhando os atores políticos estudados por ele, em ação, do que

perseguindo as últimas quantificações da politologia norte-americana. A experiência pode ser realizada pelo

leitor atento". VALVERDE, A. J. R. "Maquiavel a cavalo: os primeiros escritos políticos", In: MAQUIAVEL,

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políticos da época, combinados à fina observação do desenrolar da ação encarnada pelo papa

Alexandre VI e alguns de seus sucessores [no conjunto da obra maquiaveliana], o rei

Francisco I, da França, o Imperador Maximiliano I, do Sacro Império e César Bórgia, que é

demonstrado como modelo de príncipe pendular entre fortuna e virtù, e anterior ao último

modelo, Castruccio Castracani, pleníssimo de virtù, e outros nomes e autores e atores de

menor expressividade (MAQUIAVEL, 2010, pp. 21).

Lauro Escorel, ao apresentar o modo de pensar maquiaveliano, ou seja, a leitura de

Maquiavel no Brasil, faz uma ressalva interessante ao quantitativo de abordagens que o autor

recebeu ao longo dos séculos (ESCOREL, 1979, pp. IX-XVI), principalmente no que se refere

a sua personalidade, ainda que meio “sombria”. No dizer de outro intérprete, Edson Nunes, há

uma espécie de “política a meia luz” na doutrina de Maquiavel, que aos poucos vai tomando

claridade, nudez. E ainda sobre sua personalidade, não se tem grande interesse pelo indivíduo

Maquiavel, a pessoa histórica, ainda mais quanto a uma imagem de um sujeito que, como

Chanceler de Florença, ainda não famoso no campo do fazer político, era um Secretário, um

notário de fatos da República Florentina. Abordar Maquiavel Secretário é uma oportunidade

de se chegar num “Maquiavel antes do Maquiavel famoso pelo Príncipe”. Com isso não se

pretende negar que há uma ética no labor “ideológico” de Maquiavel. Inclusive, os textos dos

I Primi Scritti Politici são, no fundo, relatórios que ele fazia para o Conselho dos X de

Florença, e é a partir deles que se dá os primeiros passos e a sustentação de nossas ideias.

Em tese, “O criminoso Maquiavel”, tal qual Shakespeare o chamava, nunca deixou

de ser objeto de (interesse), ódio para moralistas de todas as tendências, tanto revolucionários

quanto conservadores (SKINNER, 1988, pp. 11), pois, de fato, ele se tornou um referencial do

fazer político. Em verdade esta atividade que se está a debruçar trata-se exatamente de uma

“inquirição especulativa sobre as premissas das atividades políticas” (CRESPIGNY &

MINOGUE, 1979, pp. 13).

Jean Ladriére evidencia bem a oposição – político e política como algo “estranho”,

pois afirma o autor que a língua francesa admita a utilização do termo político, como

substantivo, tanto no masculino como no feminino, e não simplesmente porque esta dualidade

de gêneros suscita uma perplexidade semântica, mas porque ela é o sintoma de uma incerteza

profunda à própria coisa. A expressão „a política‟ tem uma referência aparentemente clara,

trata-se deste campo das atividades humanas que de forma, direta ou indireta, prevê a

existência do Estado e o exercício do poder "no e pelo" Estado. A expressão „o político‟ pode

2010, pp. 25, pp. 27. Cf. também: MACHIAVELLI , N. Legazioni, commissarie, scritti di governo. Tomo I.

Legazione a Caterina Sforza (1498-1500). Roma: Salerno Editrice, 2002.

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ser utilizada para designar, de maneira indeterminada (e, portanto obliquamente universal), de

um indivíduo (qualquer) implicado na política, seja para designar o que está em causa nas

atividades visadas pelo termo „a política‟. Mas enquanto estas atividades tenham um estatuto

concreto, porque elas consistem em condutas analisáveis nos gestos e nas palavras

observáveis, localizadas, atribuíveis a indivíduos eventualmente identificáveis, o que é causa

nestas condutas, é uma espécie de essência insondável, reificável abusivamente em uma

simples ficção gramatical (BERTEN, 2004, pp. 23).

Diante desta apresentação conceitual, afirmamos que não se faz filosofia política

sem estas duas fundamentações: o interesse pela coisa pública e a disposição pelo

relacionamento coletivo. Ambas as pressuposições desembocam nas mediações do poder nas

mãos humanas e da constituição do Estado como um regulador de vida dos homens. Deste

modo, esta ciência é um convite ao engajamento social, ao compromisso com a coisa pública

e eleva um questionamento quanto em relação aos demais indivíduos no mundo. As cinco

principais qualidades de caráter aconselhadas ao soberano, por exemplo, no ideário

maquiaveliano dizem respeito ao seu espírito no que se refere a: ser piedoso, fiel, humano,

íntegro e religioso.

A dissertação está disposta desta maneira: no primeiro capítulo, a reflexão será sobre

a lógica da força a partir dos I Primi Scritti Politici. O que determina se uma atitude é ética é a

sua finalidade política. Neste sentido, os valores morais só podem ser compreendidos a partir

da vida social. A política para Maquiavel não é definida substancialmente como o fez

Aristóteles, mas de acordo com as possibilidades reais do “dever ser” e do “poder ser”.

Assim, sublinha Maquiavel, existem virtudes que podem arruinar o Estado e vícios que,

inversamente, podem salvá-lo. Por isso que nenhum valor pode ser considerado absoluto. O

que do ponto de vista da moral tradicional é plenamente condenável, na ética política

maquiaveliana é perfeitamente aceitável. Para tanto é preciso da posse e do uso reconhecido

da virtù. Por isso também, e como primeiro dado importante, é a descoberta do sentido em

que Maquiavel aplicou a ideia de que o uso da força era necessário.

Dovete adunque sapere come sono dua generazioni di combattere: l‟uno, con le

leggi; l‟altro, con la forza [...] Quel primo è proprio dello uomo; quel secondo, delle

bestie. Ma perché el primo molte volte non basta, conviene ricorrere al secondo:

pertanto a uno principe è necessario sapere bene usare la bestia e lo uomo (DE

LUISE, F. Lesione de La história de la filosofia, pp. 55).

O Florentino via na história a necessidade de preparar-se para o conflito. Os homens,

segundo uma antropologia negativa da ótica maquiaveliana são inconstantes, maleáveis, até

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mesmo incoerentes. Maquiavel vai até a Roma Antiga para estudar a lógica da força física que

os romanos exploravam, e o conceito base de procedimento da Milícia, quando

posteriormente se citar-se-á a obra A Arte da Guerra.

O capítulo primeiro também se incumbe de fundamentar teoricamente o que seria a

lógica da força. Passo seguinte e fundamental é conhecer o autor, Maquiavel, sobretudo o

Segundo Secretário e Chanceler de Florença entre os anos de 1498-1512. O que a história tem

a nos dizer sobre este chanceler, historiador e fidalgo pensador das coisas políticas? A

principal preocupação histórica está voltada para os anos de 1498 a 1512, onde o Florentino

exercera o cargo de Secretário da Chancelaria de Florença. Mas o ideal máximo é encontrar-

se com o “Maquiavel antes do famoso Maquiavel do Príncipe”.

Admitindo Maquiavel como um grande observador político, reconhece-se a

necessidade de compreensão, um tanto quanto global, da esfera sócio-econômica-política e

religiosa em que ele estava inserido. Sua obra reverbera as moções de seu tempo. O espírito

de mundo renascentista influenciou certamente a produção do Florentino. Acima de tudo, os

escritos da Chancelaria já são marcados expressivamente pela mudança de paradigma do

mundo medieval para o mundo humanista. É necessário ver o homem renascentista tal qual

ele se apresenta nas cadeias do humanismo e de toda a moldura em que o séc. XVI está

imerso.

A compreensão de alguns textos dos I Primi Scritti Politici, onde Maquiavel realiza,

a partir da escolha pelo uso da força e não por outro molde, o restabelecimento estratégico de

reconquista de Pisa, é fundamental para perceber as características do que seja tal teoria e

porque Florença fez tal opção. Seguidamente, analisar-se-á os anos posteriores a 1513, com a

publicação do Príncipe e dos Discorsi e mais tarde da Arte da Guerra em relação ao mesmo

tema, percebendo os locais e personalidades em que a força se manifesta, bem como sua

antítese.

A fraqueza é manifestada, sobretudo nas ideias de um arcabouço cultural num teor

"machista", e obviamente, o conceito de feminino é reconhecido como a antítese da força.

Uma ideia muito comum do tempo humanista e do nosso tempo, a história de sexo frágil

ainda o é estereótipo das mulheres10

. A reflexão sobre a força nos escritos posteriores a 1513

10

Segundo Pitkin (2013, pp. 219-220) "o feminino constitui 'o outro' de Maquiavel, em oposição à

masculinidade e à autonomia em todos os sentidos: às condições de homem, de adulto, de humano, bem como à

política [...]As mulheres são burras, medrosas, fracas, indecisas e dependentes. Elas são infantilmente ingênuas e

facilmente manipuláveis. Como afirma o sacerdote em A mandrágora, “todas as mulheres carecem de cérebros”;

se por acaso uma delas for, como exceção, inteligente o bastante “para dizer duas palavras”, isso já é suficiente

para “torná-la famosa, pois em terra de cego quem tem um olho é rei”. Ou no dizer do próprio Maquiavel: As

mulheres já produziram muita destruição, grandes prejuízos já causaram àqueles que governam as cidades, e

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termina com a apresentação das ideias de equilíbrio entre a dimensão instintiva e racional do

ser humano: mezzo uomo, mezzo bestia, onde o primeiro capítulo é concluído com a reflexão

sobre a prudência e a força em relação à fortuna.

No segundo capítulo se estudara a necessidade das armas como instrumento e força

da ação política. As boas leis, as boas armas e a formação do exército são a espinha dorsal dos

I Primi Scritti Politici. São as leis que produzem uma política orgânica, rizzomática. Adjunto

às armas, ocorre a garantia da efetivação da força, se necessário, ou em outras palavras, é pela

necessidade das armas que se materializa e se concretiza a força nas relações conflituosas.

O Florentino não está preocupado com a exterioridade da política, mas com a sua

essência. Por isso que as ideias de boas leis e boas armas para a manutenção do poder estatal

serão logo de inicio, no capítulo, refletidas. As leis são indicadores de conduta, e porquanto o

são, colaboram para o domínio ainda não violento dos homens. Numa sequencia teórica, a

virtù tem como qualidade a força que por sua vez, unida a prudência leva os homens, os

soldados e os Estados à conquista e a conservação. Assim como se lê em Claude Lefort sobre

a Lógica da força, quando os meios de coerção não resolvem sem força, é necessário utilizá-la

para coibir ataques e manifestações contrárias ao status quo. Lefort fala em força violenta,

porém tal ideia reforça o que se denomina no contexto humanista de Realpolitik e não tanto a

força misturada com prudência e leis.

Um grande problema das cidades italianas e das cidades renascentistas era o

recrutamento de homens para o exército. Por isso que na obra A Arte da Guerra, Maquiavel

elogia muito a conduta de recrutamento romano que priorizava a força física e a capacidade

de lutar segundo o critério de idade. Nos Scritti Politici os elogios são recorrentes ao exército

francês, que no fundo do relatório - é o modelo a ser seguido. A formação do exercito próprio

florentino seria uma ação política para terminar com as indesejáveis situações de traição que

em inúmeros casos ocorriam. Exércitos mistos e principalmente mercenários são movidos não

pelo patriotismo ou pela causa da guerra, mas pelo quantitativo de florins e benefícios que

lhes ofereciam, e por isso, estes tipos de recrutamento traziam o insucesso dos conflitos e da

guerra.

O interesse secundário, não menos importante do capítulo, é demonstrar a partir das

Provisões de Infantaria, que posteriormente será teorizada no Príncipe, a necessidade do

Exército próprio florentino. O exército deveria ser montado como um instrumental de

ataque/defesa, de conquista e reconquista de Florença para acabar com todo tipo de problema

ocasionaram muitas divisões entre eles. [...] Digo, então, que os príncipes absolutos e governadores de repúblicas

devem levar muito em conta essa questão” (MACHIAVELLI, 1965, pp. 488-489).

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que outras tipologias de recrutamento causavam. Por isso abordar-se-á o Discurso sobre a

ordenação do Estado de Florença para as armas (os motivos da ordenança, onde encontrá-la

e o que é necessário fazer), de 1506. Se efetiva no interin dos textos a ideia de que

"necessário é o uso da força, e necessário é o uso das armas". Por isso a força e as armas

desembocam na manutenção do poder. Assim o sendo, a formação do Exercito próprio de

Florença será disposta a partir das provisões da República de Florença para instituir o

Magistrado dos Nove Oficiais da ordenança e milícia florentina, onde se encontra a Primeira

provisão, para as infantarias, em 06 de Dezembro de 1506.

Maquiavel descreve como se constitui o Magistrado dos Nove Oficiais da ordenança

da Milícia Florentina. Neste aspecto se desdobram mais disjuntivos: "quem e como devem ser

os que formaram o exército de Florença?" Esta questão evidencia o modo de se montar um

exército eficaz ao ver do estrategista Florentino. Apesar de se postar um novo olhar sob a

religião, as primeiras tropas são recrutadas a partir da primeira provisão sob a “proteção” de

São João Batista, que a República Florentina, através do Conselho Maior, escolhe e elege os

aptos para o oficio.

Os Nove oficiais da ordenança e milícia florentina tem como função e administração

a vida dos outros, principalmente a vida militar. Por isso, nos territórios, empunhavam

bandeiras como marca territorial da predominância de Florença e de sua autoridade. A

garantia da ordem é prevista através dos condestáveis e do modelo alemão de ser. O exército

alemão é para Maquiavel o mais disciplinado e organizado. É digno de imitação, como já se

afirmou.

Os condestáveis são eleitos com maior rigor pelos Nove em comunhão com os

demais Conselheiros na base do voto pelas favas e no consenso de quorum mínimo. Os

condestáveis ainda são os inspecionadores de todos os homens conscritos, e devem os

exercitar no modelo alemão. A organização interna dos homens inscritos no exército se dá

pela: "Estruturação, Dispensa e Manutenção sob denúncia". Ainda no segundo capítulo

encontra-se a apresentação e a reflexão sobre a: "Infantaria e Cavalaria para uma melhor

proteção de Florença; Efetivação da Cavalaria, os regulamentos e ponderações" sobre a

mesma. Tem-se ainda a Provisão para a Instituição do Cargo dos cinco provedores dos Muros

da Cidade de Florença.

Enfim, a força e a formação do exército ainda são analisadas em alguns capítulos do

Príncipe. Aqui, avaliar-se-á como Maquiavel observa as forças dos Estados; a

interdependência entre príncipes, o poder e armas efetivamente. Temos impressão que os

inimigos estão sob a mira – sob a condição de benefícios ou não na condução do povo. Na

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obra O Príncipe – se fará a leitura do Cap. XII – onde se reflete sob os diferentes tipos de

milícias e de tropas mercenárias, sobre as tipologias de exército. Os Exércitos mercenários são

– sinal de traição e derrota, pois visando o prestígio pessoal leva ao descrédito a infantaria e o

príncipe em pessoa no comando. No Cap. XIII se observa as Forças auxiliares, mistas e

nacionais. Se analisa também o resultado de fracasso de um exército auxiliar ou misto. A

pessoa de César Bórgia e Carlos VII – visão de um exército próprio, fundamento da

prudência, lealdade e vitória genuína. No Cap. XIV – se observa os deveres do príncipe para

com as Milícias. A tríade objetivação dos Príncipes: a guerra, suas leis e sua disciplina são

temas correlatos no fim do capítulo. Enfim, em tempos de paz é preciso preparar-se para a

guerra, por isso prepara-se o príncipe quando exercita seus soldados e estuda a história da

humanidade. Por fim, o capítulo se encerra, mantendo a reflexão entre os conceitos de força,

armas e leis, homens disciplinados e exército, verificando-se, dentro do horizonte

maquiaveliano, exemplos de homens de virtú e fortuna, homens de força, que fizeram das

próprias vidas, estratégias de política. É o caso de César Bórgia, o Duque Valentino, e de

Castruccio Castracani, o denominado "pleníssimo de virtú". Enquanto tais são modelos de

homens fortes e armados – segundo Maquiavel11

.

11

"César Bórgia tornou-se modelo para o livro O Príncipe, de Maquiavel. Calculista e violento, tentou, com o

apoio do pai, constituir um principado na Romanha em 1501. Castruccio Castracani foi expulso de Lucca em

1300 ao lado dos negros, liderada por Bonturo dados". STIVAL, M. C. E. E.; BERGAMO, E. A. "Reflexões

sobre a relação entre violência e poder: Uma alternativa possível da prática educativa na perspectiva da Escola

unitária". In: IX Congresso Nacional de Educação - EDUCERE. III Encontro Sul Brasileiro de

Psicopedagogia, de 26 a 29 de Outubro de 2009, PUC-PR, pp. 8293.

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CAPÍTULO I

A LÓGICA DA FORÇA E A CONQUISTA DA LIBERDADE

EM I PRIMI SCRITTI POLITICI, DE MAQUIAVEL

“O exercício da arte diplomática, o reconhecimento da importância prática da

retórica é a ocasião para Maquiavel de compreender que ela só existe junto como as

determinações da força. A solução de um desacordo banal sobre os termos de um

contrato só é possível num contexto no qual é preciso levar em conta todos os

termos do problema. De um lado, é essencial não ofender seus interlocutores.

Florença deve manter as aparências até o fim, pois depende de Caterina Sforza, até

para conservar sua imagem de cidade fiel a seus aliados. De outro lado, a situação

italiana faz com que a cidade não possa se assumir inteiramente nem como uma

entidade autônoma, nem como fiel da balança” (pp. 45).

Newton Bignotto

Maquiavel e a experiência da Diplomacia: As primeiras missões

(2014)

O capítulo, num primeiro momento, de modo indispensável, tece um olhar

panorâmico sobre o Humanismo Cívico, sobre o cenário político entre os anos de 1469-1540,

onde se discute fortemente a questão da unificação da Itália, e de onde emergem os vários

conceitos políticos da política moderna, sobretudo, sob o ordenamento textual das obras e do

pensamento de Maquiavel (JACOBELLI, 1998, pp. 17). Em certo sentido, abrange-se

também o Renascimento de um modo geral, pois é neste contexto que nasce uma nova ordem

política, a dos fatos e da ação, que doravante serão denominados como "realismo político"

(Realpolitik12

), e de onde Maquiavel e, posteriormente a sua obra, seus seguidores e

opositores de ideias, tiveram papeis preponderantes. Observa-se também a mudança de

paradigma e de lógica, ou seja, da desenvoltura da ação política por meio da vida ativa em

detrimento ao antigo modelo de vida contemplativa. Sobre esta troca de modelos, Maquiavel

reanalisa a função da religião no seio do Estado, e nos escritos posteriores aos relatórios da

Chancelaria de Florença, como é o caso de alguns livros e capítulos dos Discorsi.

12

"Esses textos menores de Maquiavel [denominados na dissertação, segundo a interpretação de J. J. Marchand

(1975) de I Primi Scritti Politici] ajudam a evitar a conclusão de que a ciência política de Maquiavel é uma

apologia irrestrita à Realpolitik" (Meinecke, 1957 [*] grifo nosso). Citado por METTENHEIM, K. "Servidor

Republicano: Política nos 'textos menores' de Maquiavel", pp. 100, In: Revista Brasileira de Ciência Política,

nº12. Brasília, setembro - dezembro de 2013, pp. 99-126.

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O segundo momento do capítulo se dá na apresentação do próprio Maquiavel como

o Secretário da Segunda Chancelaria de Florença entre os anos de 1498-1512, onde estão

concentrados grande parte dos relatórios que por ora é examinado. Examinar é uma qualidade

do Florentino, que no esteio de Aristóteles, adentra aos mais profundos porquês do cenário

italiano, e que de antemão, nos revela a sua profundidade de pesquisa e capacidade

intelectual. Neste contexto percebe-se também Maquiavel como um ator político e observador

dos homens de excelência, tais como César Bórgia (1475-1507) e Castruccio Castracani

(1281-1328), bem como, enquanto um desenvolto aprendiz de outros homens de virtù do

passado.

Como terceiro momento do capítulo, apresenta-se a ideia da lógica da força, tal qual

fundamentada no pensamento de Claude Lefort. O autor francês é de certa forma, criador e

propagador deste conceito, e assim o sendo, dispõe-se a principal intenção desta reflexão no

capítulo. Na obra de Lefort, dá-se o devido destaque a teoria da força subjacente nos capítulos

do Príncipe, mas que, na atual reflexão tem suas origens teóricas nos relatórios produzidos

pelo então Segundo Secretário de Florença. Tais subsídios ou relatórios, denominados por

Scritti Minori ou, na interpretação de Marchand, de I Primi Scritti Politici, depara-se com o

próprio Maquiavel que afirma que sem o uso da força não há conquista, nem manutenção do

poder efetivado em vista da liberdade política, civil e social. No disjuntivo político, não há

outro caminho que não a força para realçar os novos rumos do Estado forte. Para tanto, o

Florentino propõe a troca da vida oracional, contemplativa e da espera casual à ação

premeditada, numa política beatífica divina, a ideia de vida política calculada a partir da

opção pela força, num ordenamento de exército próprio, com armas bem manuseadas e com

leis fortes. No fundo, Lefort e posteriormente Mettenheim, indicam a política como um

espaço orgânico, ou seja, local onde a ação interligada pela ideia de força, liberdade e justiça,

são, necessariamente adjuntas, unidas e misturadas com a noção de prudência e o imperativo

das leis.

Encerra-se a reflexão deste primeiro capítulo com a demonstração, não tão

aprofundada da lógica da força nas obras posteriores aos I Primi Scritti Politici, tais como: o

Príncipe13

(escrito por Maquiavel em 1513 e publicado em 1532; o qual é fundamento do

13

"Maquiavel, pois, procurou conceber sua obra mestre servindo-se do gênero literário, espelhos dos príncipes, o

qual continuava a ser usado no início do século XVI. Em sua carta a Lourenço, filho de Piero de Medici,

Maquiavel declara que está escrevendo um manual de conselhos para os príncipes, em especial, para o novo

príncipe de Florença, da família Medici, com o intuito de auxiliá-lo a manter o poder e o controle no seu Estado"

(RUBIM, 2009, pp. 2178).

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24

artigo de Lefort para o tema da "lógica da força"), os Discorsi14

, que tem em suas matrizes

referenciais de exércitos antigos, fundados sob a ordenação de homens de virtù. Lembrando

que Maquiavel escreveu os Discorsi em 1517 e o publicou em 1531. Não obstante, verificar-

se-á também respaldos da lógica da força na obra: Arte da Guerra15

. Nesta obra, encontra-se

um pensador mais maduro, que se refere as técnicas militar, aos comandos do exército e do

manuseio de armas em vista de um procedimento padronizado. A obra, escrita e publicada

entre os anos de 1519-1520 se torna um último momento de reflexão sobre o tema da força,

que denota um Maquiavel aludindo a realidade da política necessariamente vinculada aos

novos moldes dos tratos de combates desenvolvidos no princípio da modernidade.

1.1. O Humanismo Cívico e a ideia de vida ativa: a lógica da Força versus a

lógica da Providência

A proposta que se desenvolve inicialmente tem como ponto de partida alguns dos

"relatórios"16

escritos por Maquiavel (1469-1527) no tempo em que serviu como Segundo

Secretário em Florença. Estes textos estão dispostos e ordenados num contraste disjuntivo,

segundo MARCHAND, e pressupõe em suas linhas de relato, as escolhas e as decisões de

políticas assertivas, bem como da cadencia laborativa do próprio Maquiavel. Pode-se dizer

que os relatórios denotam um Maquiavel trabalhando. Dentro deste contexto, pressupõe-se a

tensão que se pode constatar entre o modelo da Providência que regia e ordenava a vida no

mundo, na cidade e no campo, sob o ímpeto teocêntrico do poder temporal e espiritual da

Igreja, sobretudo do Papado, como também dos Reis e dos “Grandes do Povo” em

contraposição disjuntiva a novidade da política humanista, em especial a de Maquiavel,

14

Pocock, em The Machiavellian Moment defende que os Discorsi "são uma obra fundamental para traçar o

marco do republicanismo moderno. Nesse sentido, as artes de governar (entendida para o autor como as virtudes

militares) são os valores que teriam condições de impedir a corrupção das instituições, pois aquele que é um bom

cidadão também é um bom soldado" (1975, pp. 201). 15

A obra Arte da Guerra é um tratado de estratégia militar que se apresenta como um diálogo entre homens

experientes e cultivados, desfrutando as comodidades do jardim da casa/ou/palácio dos Rucellai em Florença. Na

perspectiva metodológica, pode-se afirmar que a sua tese principal é pensar a problemática militar dos modernos

à luz das lições dos antigos, notadamente com substancial olhar para com os romanos, os quais, como ninguém,

foram capazes de organizar-se militarmente. É a busca de virtù militar (ADVERSE, 2006, pp. VII-XXXVII, In:

MAQUIAVEL, N. A arte da Guerra). 16

Os textos/e ou/relatórios que foram abordados, são em suma, segundo Mettenhein, "uma temática desde a

diplomacia florentina e problemas administrativos, fiscais e políticos relacionados à mobilização de forças

armadas, até relatos sobre a França e a Alemanha, memoriais, como também análises de instituições e

conjunturas políticas. São textos curtos, mas seus significados e importância não são menores. Cf.

MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt

Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração,

FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010, pp. 05.

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fundada sobre a lógica da força que, segundo ele próprio, em seu primeiro relatório como

Chanceler, afirmou: “[...] necessário é o uso da força, me parece que deve ser considerado se

seria bom usá-la neste momento ou não” (MAQUIAVEL, 2010, pp. 31).

Esta contextualização é importante fundamento para a compreensão dos conceitos

de “força, armas, leis e formação do exército próprio” para a cidade de Florença. Tais

conceitos serão os temas de análise desta pesquisa, sob a ótica dos relatórios denominados por

Marchand de I Primi Scritti Politici17

, sob um recorte específico, onde o Florentino serviu

como Segundo Secretário da Chancelaria de Florença, entre os anos de 1498 a 1512. Tais

contrastes: "Providência x força, contemplação x ação", são tidos como uma reviravolta de

paradigma, onde se anseia por um ramo autônomo da política, e momento em que se substitui

uma lógica de cunho religioso-metafísico, denominada de Providência18

, por uma mais

prática, de cunho empirista, onde a realidade não é interpretada a partir da revelação e da

dogmática, mas sim, na veracidade dos fatos. Zeppi afirma que os Scritti Minori fornece uma

definição muito precisa e orgânica do novo modelo de política, onde se soma, no conjunto de

informações, “la forza, la prudenza e la armi” (2001, pp. 91), e que de certo modo, a conduta

humana se fundamenta numa nova moralidade, uma nova potência, unindo a palavra e as

ações em vista da liberdade efetiva. Não se deve interpretar o pensamento de Maquiavel

somente sob o prisma do realismo, apesar de ele tornar visível a situação política. Segundo

Zeppi (2001), Mettenheim (2013), a política denotada nos Scritti Politici indica também uma

organicidade das ações do ator político, o que significa dizer, que se há prudência, há respeito

e a força, mesmo que necessária, deve ser vista a partir da ocasião19

.

17

Utilizar-se-á este titulo no decorrer da dissertação, seguindo a sugestão do intérprete da obra, Jean Jacques

Marchand. Aliás, esta obra, estes relatórios de Maquiavel, são um conjunto agrupado de escritos, dos quais

germinaram as primeiras concepções sobre o “Estado e a Milícia”. Pode-se dizer sobre ela, isto no ensejo teórico

do Prof. Dr. Antonio José Romera Valverde (PUC/SP), que nela está em germe a origem política dos conceitos

políticos do pensamento de Maquiavel e da filosofia política moderna. "E o que chama a atenção é o largo

interesse que se depara com a res publica, e isso se dá em um paradoxo, pois apesar dos escritos serem

heterogênios do ponto de vista cronológico, são homogênios a partir da perspectiva da coisa pública".

(MAQUIAVELO, 1991, pp. XX-XXI). 18

Para Tomás de Aquino (1224/5-1274/5) os conceitos de providência, previdência e prudência são correlatos

em sua filosofia e teologia. Ao tratar do mundo regido pela Providência, o Aquinate enfatiza que “por ela Deus,

pela qual as coisas são governadas, pode se pensar de modo semelhante à providência pela qual o pai de família

governa a casa, e o rei a cidade ou o reino”. Em relação aos atos humanos, afirma que eles “caem debaixo da

Divina Providência de modo que são eles próprios os provisores de seus atos, e seus defeitos possuem uma

ordenação para com si próprios”. (Cf. Suma Teológica I-II, q.2 a.8; Suma contra gentios III, 111 n. 2.855; Suma

Teológica I, q.93 a.2). 19

Ocasione segundo Maquiavel é a antecipação dos eventos, é a previsibilidade. É a demonstração de que todos

os que escreveram sobre política, bem como os numerosos exemplos históricos, foram necessários no sentido de

que quem estabelece a forma de um Estado, e promulga suas leis, de certo modo antevê uma antropologia

negativa, isso disporia uma situcionalidade de agir com perversidade sempre que haja ocasião e necessidade.

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A política orgânica é a política diligenciada pela autonomia. Em relação a isto, por

exemplo, Athanasios Moulakis (citado por Zeppi) acrescenta a este cenário de transição a

ideia de que:

pode-se dizer que o desenvolvimento de um ramo autônomo da política [...] visa a

prevenir a contaminação da lógica da política por ilusórias mistificações

ideológicas” (2001, pp. 4).

Maquiavel, no relatório proferido ao Magistrado dos Dez de Florença está

convencido de que “não se deve de jeito nenhum acreditar que por si mesmos que [os pisanos]

venham voluntariamente para o jugo de Florença” (MAQUIAVEL, 2010, pp. 31). Portanto,

seu interesse nos primeiros relatórios produzidos, é convencer Florença, seus lideres (os

grandi)20

e o povo (popoli)21

, de uma maneira geral, de que é uma necessidade formar um

exército próprio e se utilizar da força, se possível, da força das armas para a reconquista. É

inevitável a guerra, o confronto, pois o Florentino mesmo, tempos depois participou e

comandou, mesmo com insucesso, do exército florentino, participando dos combates em

Luca, Piombino e Cascina (MAQUIAVELO, 1991, pp. XXV).

As origens do Renascimento22

, especialmente na Itália, e de modo particular em

Florença, sobretudo entre os anos 1498-1512, têm como uma das questões centrais, a reflexão

20

Para Maquiavel, os grandi desejam comandar e oprimir o povo. Grandi e popoli são humores na sociedade.

Existem na sociedade, portanto, esses dois apetites,que são diversos, e nascem nas cidade fazendo valer como

consequência - o principado, a liberdade ou a licença. Cf. MAQUIAVEL, N. Il principe. In Tutte le opere. Org.

por M. Martelli. Florença: Sansoni, 1993. Citado por ADVERSE, N. "Maquiavel: A República e o desejo de

liberdade". In: Trans/Form/Ação. São Paulo, 30(2): pp. 33-52, 2007. 21

Bignotto afirma que: “o „povo‟ e os „grandes‟ não são conceitos sociológicos, que designam univocamente

grupos ou classes sociais. Esses dois conceitos se referem a dois elementos irredutíveis da vida política, que não

podem ser subsumidos por nenhum acordo, ou contrato, que restauraria a unidade do todo. Não há unidade a ser

restaurada. Os dois polos só existem em seu confronto, eles se determinam mutuamente, mesmo se os elementos

que os constituem se mostrem inconciliáveis”. Cf. LEFORT, C. Le travail de l‘oeuvre Machiavel. pp. 382-389.

Cf. também BIGNOTTO, N. Maquiavel Republicano. São Paulo, Loyola; 1991). 22

O Renascimento é marcado por autores do chamado humanismo cívico, tais como Petrarca (1304-1374),

Salutatti (1331-1406), Bocaccio (1313-1375), entre outros, e por ideias – dentre os quais: a tensão entre a vida

contemplativa e a vida ativa, o retorno ao pensamento clássico, especialmente ao romano, de Cícero, de um

modo geral aos gregos e, entre inúmeras situações, ainda é marcado, não tanto como na era medieval, pela força

da Igreja Católica. A força da Igreja era notada pelo ordenamento espiritual, onde a oração e a contemplação,

bem como a subserviência a Providência Divina, detinham o predomínio em relação à lógica meramente racional

das coisas. (BIGNOTTO, 2008, pp. 77). O Renascimento e o ideal de liberdade flexionam a concepção de que os

homens, os artistas, os novos modelos sociais, poderiam expressar-se livremente sem as amarras institucionais e

espirituais da Igreja. Várias “liberdades” foram sendo conquistadas, dentre elas, a de expressão intelectual, livre

do Índex, e por fim a religiosa, com a Reforma Protestante. Hans Baron, analisando a anatomia do humanismo,

afirma que se desenvolve no seio deste movimento um novo momento e um sentimento de liberdade para com a

cidade. "Sem liberdade, Florença não poderá sobreviver" (BARON, 1988, pp. 15). Uma segunda ideia

importante do Humanismo se dá, quando Baron, lendo Buonaccorso de Montemagno afirma que "o espírito

humano aumenta em sua excelência quando se põe em contato com a vida do estado" (De nobilitate tractatus, p.

74, 1718 apud BARON, 1988, pp. 21). Uma terceira e importante ideia, que vem ressaltar nossa tese inicial, é a

de que Baron destaca a convicção que a personalidade do homem só pode alcançar a perfeição por meio da vida

política ativa (BARON, 1988, pp. 25).

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27

sobre o ideal de liberdade, aliás, um tema de cunho extremamente político, que se tornou

discutido pelos humanistas e artistas do novo ordenamento cultural e intelectual do período

chamado Quinhentista. Este período do "realismo político"23

, onde os fatos são o ponto chave

de compreensão da ação social, é visto como uma política centrada na ideia de liberdade24

.

Fatos políticos, ou seja, a política tal qual se apresenta, sem as mediações ilusórias, adjunto a

ideia de liberdade é que são refletidos nos relatórios dos I Primi Scritti Politici25

de

Maquiavel. Observa-se também a mudança de paradigma e de lógica, ou seja, da desenvoltura

da ação política por meio da vida ativa em detrimento ao antigo modelo de vida

contemplativa. Sobre esta troca de modelos, Maquiavel reanalisa a função da religião no seio

do Estado nos escritos posteriores aos relatórios, como é o caso de alguns livros e capítulos

dos Discorsi26

.

Francesco Petrarca (1304-1374) afirma no bojo de seus escritos que a vida ativa

(subentendida como negócios, comércios e política e voltada ao regime da república, portanto,

uma proposta de fim da monarquia) se instaura com uma nova lógica diferenciada da

23

"Sem dúvida, Maquiavel é um dos grandes mestres do realismo político. Certamente que não fundou esta

tradição. Bem antes dele o historiador grego Tucídides expôs este pensamento quando relata na História da

Guerra do Peloponeso as origens, motivações e dinâmicas da conflituosa relação entre Esparta e Atenas. Assim

como, há registros acerca das posições antagônicas entre idealistas e realistas, desde a Atenas clássica, nos

debates entre e Sócrates e os sofistas Trasímaco e Cállicles expostos por Platão em seus Diálogos Górgias e

República. Porém, é a partir de Maquiavel, com “la verità effettuale della cose” que o realismo ganha maior

dimensão. Maquiavel faz uma contundente crítica àqueles que “conceberam repúblicas e monarquias jamais

vistas e que nunca existiram na realidade” (O Príncipe, Cap. XV). Esta sua crítica é embasada em sua

antropologia negativa e é a expressão de sua incredulidade quanto a bondade humana" (GUIMARÃES, 2010, pp.

39). 24

Para Maquiavel, a ideia fundamental é a da especificidade da política e, de certo modo, a política deve ser uma

procura da estabilidade da sociedade, opondo-se à história que é um fluxo perpétuo, submetido aos caprichos da

fortuna, como defendiam Políbio e os escritores da Antiguidade. Para Maquiavel, os homens deviam dar-se

conta da "impossibilidade de basear uma ordem social permanente, que respeite a vontade de Deus, e em que a

justiça seja distribuída de modo a responder a todas as exigências humanas". Por conseguinte, "Maquiavel

agarra-se firmemente à ideia de que a política tinha as suas leis próprias, logo, era ou deveria ser uma ciência; o

seu objeto era apreender em vida a sociedade no perpétuo fluir da história". A consequência desta concepção era

"o reconhecimento da necessidade da coesão política e a tese da autonomia da política, desenvolvendo em

separado o conceito de Estado". (Cf. MACHIAVELI I AND GUICCIARDINI. Politics and History in

Sixteenth-Century Florence. Princeton University Press, Princeton, N. J, 1965 apud LE GOFF, J. História e

memória. Tradução Bernardo Leitão... [et al.]. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990). 25

Kurt Mettenhein afirma que: "os I Primi Scritti Politici [Política e Gestão Florentina] são 'um conjunto de

vinte e quatro textos, que de certo modo cobrem uma temática desde a diplomacia florentina e problemas

administrativos, fiscais e políticos relacionados à mobilização de forças armadas, até relatos sobre a França e a

Alemanha, memoriais, como também análises de instituições e conjunturas políticas. São textos curtos, mas seus

significados e importância não são menores. Ilustram um Maquiavel trabalhando.[...] Eles tratam de problemas

de gestão e políticas públicas florentinas justamente enquanto sua república nova se encontra no meio de forças

políticas novas, de Estados territoriais modernos emergentes como a França, a Espanha e a República Sagrada

Romana, o Estado Papal, e cidades e Estados vizinhos, procurando reconciliar novas capacidades comerciais e

industriais com incerteza política, ou seja, o início do século XVI renascentista'" (MAQUIAVEL, 2010, pp. 5). 26

Maquiavel, nos Discorsi afirma sobre o paradoxo: "ação x contemplação" e sobre a natureza humana a

seguinte ideia: “nós, italianos, uma primeira dívida temos para com a Igreja e os padres: a de termos perdido

todo o sentimento religioso e de nos ter tornado maus. Mas, nós lhes devemos outra coisa, ainda mais

importante, e que é a segunda das causas de nossa ruína: terem mantido e manterem sempre o nosso país

dividido”. (MAQUIAVEL, Discorsi, I, 12).

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providencial mantida nas fases da Idade Média, desde os fundamentos clássicos de Cícero

(106 a.C – 43 a.C), Santo Agostinho (354-430) e Tomás de Aquino (1224/5-1274/5). Sobre a

temática da atividade política, o pensamento moderno ofereceu inúmeros autores, tais como

Giambatista Vico (1668-1744)27

. A Providência divina é questionada pelo novo ator político,

e de certo modo, faz frente ao conceito de fortuna do próprio Maquiavel, pois para os

renascentistas, em especial à Maquiavel, a política é um edifício a ser construído. Neste

sentido há uma devoção não tanto pela Cidade de Deus, mas pelas coisas da terra, pelas coisas

civis, públicas, em suma pela pátria.

A devoção pela pátria não é tema exclusivo de Petrarca, entretanto, é com ele que o

seu significado muda completamente, associando-se não mais às determinações da

Igreja, mas ao estudo da condição humana neste mundo. Petrarca se interessava pela

cidade terrestre, o que pode ser conferido em Bignotto, “por suas misérias e pelo

fato de que ela – a cidade terrestre - é obra do gênio humano, busca o „sentido

humano‟ das coisas, [...] de uma vida ativa feliz, e não mais de universais abstratos

que informam o sábio contemplativo em torno da perfeição espiritual”

(BIGNOTTO, 1991. pp. 11).

Salutati (1331-1406), outro importante humanista, escreveu em 1372 a obra: De Vita

Sociabili et Operativa refletindo sobre a opção medieval em relação a adesão ao modelo da

vida contemplativa. A paz monástica imperava na resolução dos problemas relativos à vida

social. Salutati inicia a tensão que Maquiavel vai também contrastar ao seu tempo num

momento posterior, no sentido de que o homem não é somente alguém esperando a beatitude

eterna, mas deve cercar-se das atividades consideradas mundanas. A política é uma espécie de

"encharcamento" das coisas da terra. O homem deve se meter com os assuntos relativos a

comunidade humana, e de tal modo deve preocupar-se em resolvê-los com ações eficazes

(BARON, 1988, pp. 119-122).

Neste sentido, o primeiro passo que se dá ao se reinventar a institucionalização da

política, é a mudança de foco, não sendo mais o da contemplatividade, mas da atividade28

. O

ator político pensa, reflete, coordena, colabora, instrui, lidera a construção de uma nova

sociedade. Esta demanda de ação política culmina nas deliberações sociais da família Patrizi

(mais ou menos por volta de 1461), que segundo Baron, pensando a Instituição da República

27

GONÇALVES, C. E. M. A vertente Vico. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 2011. 28

Nossa religião dá mais crédito às virtudes humildes e contemplativas do que à virtudes ativas. Nossa religião

coloca a felicidade suprema na humildade, na abnegação, no desprezo das coisas humanas; a outra, ao contrário,

considerava como bem soberano a grandeza da alma, a força corporal e todas as qualidades que tornam os

homens temidos. Se a nossa exige alguma força de alma é para dispor-nos a sofrer, mais do que para que

façamos alguma ação vigorosa (MAQUIAVEL, Discorsi, II, 2 apud BIGNOTTO, 1991, pp.6).

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Florentina, dedicando-a ao povo (popolo29

) no Senado, reflete sobre as necessidades

psicológicas do homem de ação como alguém que deve possuir sentimentos mundanos, tais

como a própria ira (BARON, 1988, pp. 133-134).

O segundo momento no capítulo se dá na apresentação do próprio Maquiavel como

o Secretário da Segunda Chancelaria de Florença entre os anos de 1498-1512, onde estão

concentrados grande parte dos relatórios que por ora examinamos. Examinar é uma qualidade

do florentino, que no esteio de Aristóteles, adentra aos mais profundos porquês do cenário

italiano e florentino, que de antemão nos revela a sua profundidade de pesquisa e capacidade

intelectual30

. Neste contexto percebe-se também Maquiavel como um ator político e

observador dos homens de excelência, tais como César Bórgia (1475-1507) e Castruccio

Castracani (1281-1328), bem como, um desenvolto aprendiz de outros homens de virtù31

do

passado.

Como terceiro momento no capítulo, apresenta-se a ideia da lógica da força, tal qual

fundamentada no pensamento de Claude Lefort. O autor francês é de certa forma, criador e

propagador deste conceito, e assim o sendo, dispõe-se a principal intenção desta reflexão

neste capítulo. Na obra de Lefort, dá-se o devido destaque a teoria da força subjacente nos

capítulos do Príncipe, mas que encontra subsídios nos relatórios dos Scritti Minori, onde o

próprio Maquiavel afirma que sem o uso da força não há conquista, nem manutenção do

poder efetivado em vista da liberdade política, civil e social. O florentino propõe a troca da

29

"O popolo florentino tradicional englobava, em princípio, todos os habitantes da cidade; mas, na prática,

referia-se aos mais ilustres e capazes, aqueles que participavam na direção dos assuntos públicos. Em Maquiavel

esta noção do povo foi invertida. O verdadeiro estrato dirigente (aquilo que até então tinha sido designado por

„povo‟) era agora incluído na categoria dos „ilustres‟, em vez de ser na do povo, e dentro dela os nobres e os

burgueses constituíam ainda dois grupos separados; o povo era agora o estrato social inferior, os pobres e

desfavorecidos" (HELLER, apud SANTOS, 2011, pp.18). 30

Marchand (2006, p. 186-187) nos ajuda a ver como eram sofisticados os procedimentos seguidos pelo segundo

Secretário. Na carta do dia 17 de julho ele apresenta as posições de Florença, escuta Caterina Sforza e finalmente

apresenta sua réplica. Ao reportar suas ações à Signoria, segundo o intérprete, Maquiavel situa sua intervenção

exclusivamente no plano lógico-argumentativo, pois não cabia nenhum tipo de manifestação de afeto ou mesmo

de simpatia. In: BIGNOTTO, 2014, pp. 43. Cf. SALATINI, R. & DEL ROIO, M. (Org.). Reflexões sobre

Maquiavel. Marília: Oficina Universitária ; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 31

"Virtù" é um termo que via de regra não deve ser traduzido, porém Skinner afirma que "é o nome dado àquele

conjunto de qualidades que permitem a um príncipe aliar-se com a „fortuna‟ e conseguir honra, glória e fama.

Mas afasta o sentido do termo de toda e qualquer conexão necessária com as virtudes cardeais e principescas.

Argumenta, ao contrário, que a característica que define um príncipe verdadeiramente virtuoso consistirá em

uma disposição de fazer tudo aquilo que for ditado pela necessidade - independente do fato de ser a ação

eventualmente iníqua ou virtuosa - para alcançar seus mais altos objetivos. Deste modo, virtù passa a denotar

precisamente a qualidade da flexibilidade moral que se requer de um príncipe: 'ele deve ter a mente pronta a se

voltar em qualquer direção, conforme os ventos da „fortuna‟ e a variabilidade dos negócios que assim os exijam"

(SKINNER, 1988, pp. 65). Assim sendo: “o modo como o termo virtù é usado tanto por Maquiavel quanto por

seus contemporâneos é informal e pouco técnico; grande parte das palavras usadas por Maquiavel são cotidianas

e ele raramente define ou explica de forma cuidadosa os termos que usa. Isso torna o estudo de palavras como

virtù não somente necessário, mas, também muito complicado”. Cf. PRICE, The senses of Virtù in Machiavelli.

1973, pp. 315.

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vida oracional, contemplativa e da espera casual à ação premeditada, calculada a partir da

opção pela força. Encerra-se a reflexão deste capítulo com a demonstração, não tão

aprofundada da lógica da força nas obras posteriores aos I Primi Scritti Politici, tais como: no

Príncipe (escrito em 1513; publicado em 1532), nos Discorsi (escrito em 1517, publicado em

1531) e na Arte da Guerra (1519/20)32

.

No movimento humanista33

, como já enunciado, tem-se como marca principal o

abandono do paradigma da contemplação e o interesse proeminente em relação às questões da

vida pública na cidade (BIGNOTTO, 2001, pp. 16). Percebe-se também, ao interno do

movimento, uma inversão teórica e técnica do laborar político, principalmente no que diz

respeito à transição de época34

, sobretudo pela escolha da ação em relação à contemplação, e

do disjuntivo da força como a nova "ordem do dia em política", como nos afirma J. J.

Marchand.

Em relação à Maquiavel, mesmo se o considerarmos como um dos últimos dos

medievais, afirma Bignotto, se perceberá que há um desgaste da lógica meramente

providencial, e por isso

como exemplo deste desgaste da lógica da Providência e da contemplação pode-se

citar a atitude do papa Gregório XI (1329-/31-1378), que provocou uma verdadeira

catástrofe na Itália ao trazer para lutar a seu lado tropas mercenárias constituídas por

ingleses e bretões (BIGNOTTO, 2001, pp. 83)35

.

É a partir deste desgaste percebido pelo florentino, sobretudo na armação das tropas

militares, que se verifica o novo ordenamento da política e da sociedade pós-medieval. Ver-

se-á que Maquiavel propõe um novo estilo de recrutamento, e por isso, os antigos moldes de

infantarias e cavalarias mistas ou mercenárias não funcionam mais com a ideia do uso da

32

A atividade política ocupa neste movimento de troca de paradigmas o lugar da contemplatividade, da

passividade. A diplomacia exige, sobretudo dos humanistas e do novo ordenamento das cidades, um espírito

crítico e nobre, valores éticos distintos das antigas virtudes cardeais, o que de fato Maquiavel faz com o conceito

de virtú, ou seja, a ética está embasada na atividade militar e no heroísmo, portanto na ação política. Não se

subjuga a atividade intelectual, porque continua superior a atividade de um soldado, por exemplo, mas ela estará

a serviço das ações nacionais e estatais (BARON, 1988, pp. 126-127). 33

Baron comenta sobre o Humanismo, embasado no aporte do rompimento dos paradigmas da Idade Média,

sobretudo pela produção artística de Donatello, Brunelleschi e Masaccio (1988, pp. 32), e destaca também a

novidade do movimento sobre os destaques da literatura, política e economia (1988, pp. 34). Continua Baron no

sentido de que a humanidade foi ressaltada, elevada e vangloriada. Há um forte destaque no que se refere as

paixões humanas (1988, pp. 33). Enfim, Baron destaca a elevação de uma vida puramente republicana, da vida

ativa (1988, pp. 35). 34

BIGNOTTO, N. Origens do Republicanismo Moderno. Belo Horizonte, UFMG, 2001, pp. 32-82. Destaca-

se sobre esta transição de época, de modo particular o capítulo II, onde Bignoto trata da transição da Idade Média

para o Humanismo. 35

No Capítulo III, da obra citada, Newton Bignotto trata da temática: "Vida ativa e Vida contemplativa", que

neste tópico da dissertação é uma amarração pertinente.

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força militar e civil, pois esta deve ser agregada ao principio do patriotismo e a uma nova

forma de educação, pois “a virtude cívica está intrinsecamente vinculada à educação”.

A educação é o condicionamento psicológico e moral que determina a vida humana

individual e coletiva. É o conjunto de pressupostos teóricos, de juízos e convicções

de toda ordem que regulam a vida dos cidadãos. Ela "forma" o cidadão ao inculcar

nele a virtù cívica: o amor à pátria, a dedicação ao bem público, a subordinação do

bem privado ao bem público. Está explícita aqui uma moralidade: Maquiavel

condena como vício o ócio, a inveja, a ingratidão, o egoísmo e tudo aquilo que

impede o homem de engajar-se na defesa da liberdade como bem coletivo.

Importante frisar que estas qualidades são importantes porque contribuem para a

estabilidade e permanência da república e não porque são atributos bons por

expressarem a perfeição moral de um indivíduo (AMES, 2008, pp. 151).

Há também que se notar a nova antropologia dos humanistas, especialmente a visão

que Maquiavel formula do homem enquanto um postulado diferenciado da tradição

agostiniana e tomista do período medieval, enfim, do contexto total da cristandade católica. O

homem para Maquiavel está livre das condicionantes atitudes e virtudes cristãs, dos esquemas

metafísicos, da inércia da contemplatividade, e por isso, é que se diz do florentino, "há nele

uma antropologia negativa"36

.

Maquiavel, fugindo da tradição, que considera a tendência do homem para a vida em

sociedade e o bem viver como naturais, sublinha que, ao contrário, os homens tendem sempre

à divisão e à desunião (WINTER, 2006, pp. 118). Isso se dá porque – nenhum homem

consegue construir uma habitação douradora neste vale de lágrimas. Aqui, não passamos de

peregrinos, buscando alcançar um reino que não é deste mundo (BERLIN, 1991, pp. 31).

Nem falta quem, como Maquiavel, chegue a aceitar, sem ilusões, o mundo como é,

imaginando uma ordem civil edificada sobre esse material imprestável que são os

homens, de sorte que a velha ruindade venha a sujeitar-se a novas leis que a

neutralizem, num verdadeiro equilíbrio de egoísmos, e que do próprio mal possa

brotar o bem, com o soldar-se dos indivíduos corruptos no Estado forte

(HOLANDA, 1977, pp. 174)37

.

Esta tendência de desunião entre os homens na história e o certo enfoque que se

destaca desta visão, privilegia a questão psicológica, onde o homem se auto-eleva. Maquiavel

recebe forte influência de Leonardo Bruni (1369-1444), onde se destaca a ideia e a

consciência de que todos os homens são mortais e se encontram num perpétuo movimento, ou

36

Refere-se ao texto de Bignotto que trata da antropologia negativa no pensamento de Maquiavel. No horizonte

da antropologia do Renascimento, Maquiavel foi herdeiro de duas grandes viradas teóricas. Bignotto descreve

tais viradas, destacando primeiramente a tensão principal que se dá na evolução da política, ou seja, a inversão e

a redescoberta da ação em detrimento da contemplação. Num segundo momento, diante de um conjunto de uma

nova literatura, os renascentistas abordam a natureza humana de um modo privilegiado. Cf. BIGNOTTO, N. "A

antropologia negativa de Maquiavel". In: Revista Analytica. Rio de Janeiro, vol. 12, nº 2, 2008, pp. 77-100. 37

Citado por: SOUZA, R. L. de. "Maquiavelismo: a teoria e o adjetivo". In: Fênix – Revista de História e

Estudos Culturais. Outubro/ Novembro/ Dezembro de 2007, Vol. 4, Ano IV, nº 4, pp. 02.

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seja, estão numa condição de instabilidade, o que faz Maquiavel declarar nos Discorsi que

"devem todos nascer e morrer" (MAQUIAVEL, 2007, Discorsi I, 6, Prefácio). Segundo

Bignotto, Maquiavel não pensava em revoluções sociais, mas sua antropologia reflete sobre a

ocupação do poder da qual falavam os revolucionários do passado e do seu tempo. Uma nova

formulação do homem. Daí ele afirmar que os homens "são ingratos, volúveis, simuladores,

covardes ante os perigos e ávidos ao lucro" (O Príncipe, cap. XVII).

Neste encalço da realidade, a mediação da força, como novidade, como foco é

concorrida pelo armamento e este é materializado com a escolha e confecção de um bom

exército, impreterivelmente descrito nos relatórios, como patriota. Inclusive nos Discorsi, o

florentino afirma que, antes ter um bom comandante do que um bom exército, porque homens

bons, em termos de disciplina para a vida militar, necessitam de bom comando

(MAQUIAVEL, 2007, pp. 366-368). Nestes termos, Maquiavel faz a avaliação entre a força e

a fraqueza. Força é toda habilidade que a virtù dispõe nos homens, nos soldados e nos líderes

políticos para se conquistar e manter o poder e a liberdade. Não obstante, a fraqueza é toda e

qualquer abertura deste compromisso de viver a vida de modo ativo38

.

Sobre o relatório citado há pouco, ao Conselho dos Dez de Pisa, Maquiavel afirma

contundentemente a necessidade do uso da força. Escrito em 1499, aproximadamente um ano

antes da sua missão diplomática. O discurso sobre a manutenção da liberdade capta a nova

situação dramática da geopolítica para a república florentina. A nova janela da ação política

deve ser formulada por uma opção pelas armas. Em 1494, afirma Mettenhein, quando as

tropas de Carlos VIII, o rei da França, entraram na Itália e conquistaram o reinado de Nápoles,

o uso da força foi essencial no projeto de ação política do rei francês. A chegada de Carlos

VIII leva o povo de Pisa (o porto comercial mais próximo) a rebelar-se contra o controle de

Florença. Em seguida ocorre a saída de Piero de Médici de Florença, o que muda a política

interna da cidade, inaugurando um período republicano sob constante assalto e manobras do

Estado Papal, de uma Veneza expansionista e das disputas entre França, Espanha e a Sagrada

República Romana39

. O passado e seus atores políticos tornam-se uma escola onde Maquiavel

38

Maquiavel levanta uma antítese a duas colunas fundamentais medievais, isso relacionado-as aos humanistas

anteriores, e especialmente a Dante Alighieri (1265-1321), onde se afirmava a necessidade de um só príncipe e

de um só estado, mas, de modo contrário, o florentino reconhece a necessidade da multiplicidade de estados, e

estes autônomos, e leva-nos a pensar na mediação e no uso da força (BARON, 1988, pp. 39-40). 39

Segundo Kurt Mettenhein o resumo deste primeiro relatório é baseado, principalmente, em três fontes: J. J.

Marchand. Nicollò Machiavelli: I Primi Scritti Politici (1499-1512), Padua: Antenore, 1976; A. Montevecchi,

―Nota Storica‖ em Machiavelli, Istorie Fiorentine e altre opere storiche e politiche (Opere). Turino: UTET,

2007, pp. 33-50; F. Gilbert. Machiavelli and Guicciardini, Politics and History in Sixteenth Century

Florence. New York: Norton, 1965. É citado também o nome de Giorgio Falco, La Santa Romana Repubblica

(Milão, Riccardo Ricciardi, 1954) para enfatizar a continuidade republicana nas instituições políticas, como

também na vida e obra de Maquiavel (In: MAQUIAVEL, 2010, pp. 8).

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constantemente aprende. A Itália deve também aprender com as culturas do passado, e por

isso

os florentinos podem aprender com os romanos, interrogando-se, simultaneamente,

sobre o presente e o passado, é que a arte da política exige que se saiba identificar os

inimigos, escolher um campo, utilizar-se oportunamente da astúcia e da força; em

suma, diz respeito à arte da guerra, embora não se reduza a isso (LEFORT, 1999, pp.

155)

Mettenheim, ao prefaciar os I Primi Scritti Politici, afirma que a política, mesmo

sendo uma desgraça, “é necessária para manter a liberdade entre os homens”. O fazer político

ativamente é um modo de tentar a eficácia no estabelecimento da liberdade na vida social40

.

Um dos disjuntivos de escolha da liberdade proposto por Marchand em sua leitura desta obra

maquiaveliana é o discernimento entre o uso ou não da força, da violência. A liberdade é vista

como uma conquista. E esta escolha se procede no que diz respeito às coisas da política.

"A mensagem de seus escritos" – continua Mettenheim, os que são ditos “menores

ou primeiros” – é a avaliação do uso da força, das armas e da formação de um exército

próprio para Florença. Assim sendo, para manter a liberdade, todos os cidadãos e todos os

Estados enfrentam os disjuntivos de decisão política e as realidades da gestão pública, ou seja,

as escolhas entre os paradoxos que a política [naturalmente] encarrega-se de criar. Isso se “...

quisermos manter a liberdade41

...” (MAQUIAVEL, 2010, pp. 5).

[...] se quisermos manter a liberdade, não me parece que eu possa demonstrá-lo a

vós com outras razões que não aquelas que por vós mesmos já sabeis [...] é

necessário o uso da força (MAQUIAVEL, 2010, pp. 31).

Posteriormente na obra O Príncipe e, mais tarde, nos Comentários sobre a primeira

década de Tito Lívio, Maquiavel demonstra que a liberdade política, nada mais é do que o

direito de opor-se pacificamente a quem está no poder, em um contexto de Estados nacionais,

e depende, de um primeiro momento de não-liberdade. Como na realidade humana a disputa

pelo poder é inevitável, para que uma comunidade seja livre é necessário que ela crie uma

40

Inclusive, Hans Baron afirma do autor romano que há uma rememorização, uma espécie de anamnese do

"espírito cívico" e da chamada vita civilis desenvolvida por Cícero na Roma Antiga (BARON, 1988, pp. 86-

118). 41

A liberdade individual é tema recorrente no trabalho de Maquiavel. "Deus não quer fazer tudo, para não tolher

o livre arbítrio e parte da gloria que nos cabe". Berlin, por exemplo, afirma que o individuo e a liberdade estão na

base da fundamentação de todo principio democrático. A civilização moderna caminha ainda sobre a rodagem

rumo a liberdade. Deste modo "qualquer coisa que tenha sido, não há duvida que Maquiavel foi um patriota

apaixonado, um democrata, um entusiasta da liberdade e o Príncipe deve ter tido por finalidade, como Spinoza o

explica com muita clareza, acautelar os homens contra o que os tiranos podem fazer', afim de ajuda-los a resistir

a eles". Cf. BERLIN, I. O problema de Maquiavel. Brasília, UNB, 1978.

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soberania territorial em face das demais, uma vez que o domínio de uma força estrangeira

significa a obediência a desígnios heterônomos (SINGER, 2006, pp. 352-353).

Maquiavel aparece como um observador atento da peregrinação dos atores políticos

neste mundo inacabado. A peregrinação se dá pelas “bem-aventuranças” políticas

(macarismos em grego), ou seja, pela “marcha”, com “pés firmes” frente às utopias históricas,

que se fazem à luz da nudez social e da destruição da hipocrisia que mascara o que realmente

é o mundo, os homens e a sociedade. Maquiavel de fato funda a política factual. Agregado a

esta ideia, Maquiavel também há de lidar com a força como opção primária, e num segundo

momento, com a confluência desta escolha com a irremediável relação para com as leis que se

formam nos principados. Assim sendo, a política se faz, para o Secretário Florentino de modo

"nu e cru". Há, portanto o nascimento de uma nova lógica, suscitada por força da história, em

que se retirasse de cena a Providência e levantasse uma reflexão sobre a ação em torno da

força e da violência42

.

O cenário é específico, a política se abre em escolhas e Maquiavel se questiona:

"sendo, portanto, necessária a força, me parece que deve ser considerado se seria bom usá-la

neste momento ou não" (MAQUIAVEL, 2010, pp. 31). A escolha pela força é a fortiori

deduzida, porém o momento, a ocasião de usá-la é que está sempre em questão. O realismo

político, por um lado, e por outro, a política orgânica, devem ser guias de atuação, sendo a

última especificamente o postulado da atividade e não a Providência Divina. Segundo

Bignotto não se trata de um anti-cristianismo, ou anti-catolicismo, mas simplesmente de um

novo postulado, de uma nova reflexão, onde a ordem do dia, a política dos fatos se baseiam

no domínio do ser temido antes de o ser amado que mais tarde o Florentino haverá de discutir

no Príncipe. O fato de ser temido está num primeiro plano referenciado ao respeito as leis. Ao

respeito ao próprio ator político, que com virtù exerce com excelência sua organicidade. Ser

temido é também ser visto como o que exerce a violência, mas esta decisão também depende

da ocasião.

Os contemporâneos [do Renascimento como um todo] viveram este choque [que a

nova ordem política era derivada do uso da força das armas] com a passagem súbita

42

"A violência fundadora da ordem política não é estranha à violência que funda a lei, no sentido de que ambas

(violência fundadora e violência da lei) se constituem para abolir a violência originária, que existe previamente

(não no sentido de anterioridade temporal e, sim, lógica), isto é, à margem de todo ordenamento político-legal.

Por isso, a necessidade de um mito ou crime fundador para simbolizar e justificar a passagem de uma violência

“prévia” tão destruidora que é preciso destruí-la: a violência construtora e ordenada da existência política e legal,

quer dizer, o crime fratricida de Rômulo (Discursos I,9). A violência fundadora do Estado e da ordem política é

exatamente a mesma violência fundadora da lei, no sentido de que tanto o Estado quanto a lei se constituem para

abolir a violência originária que existe “antes” ou “à margem” de todo ordenamento estatal, político e legal da

sociedade; em outras palavras, fora do Estado, da política e da lei não existe mais do que violência" (AMES,

2011, pp. 39).

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de um mundo ordenado, regido pela Providência, a um mundo de violência,

atravessado por forças aleatórias e ameaçadoras (SENELLART, 2006, pp. 239).

O pensamento anterior ao Renascimento e a obra de Maquiavel se fundamentam em

duas colunas fortemente divulgadas na longa tradição medieval, e são elas: a Patrística,

principalmente com Agostinho de Hipona (354-430), sobretudo nas obras: Cidade de Deus e

Doutrina Cristã e a Escolástica, com o pensamento de Tomás de Aquino (1225-1274)43

. No

séc. IV, Agostinho na obra A Cidade de Deus implementa a ideia de Providência Divina,

derivada da leitura do romano Cícero, como soberana no governo da história. Instaura-se o

teocentrismo que influenciará diretamente o modus vivendi da sociedade medieval, sobretudo

nas condutas de políticas sociais. Baseado no cap. XVI do Evangelho de Mateus, Agostinho

tem na passagem de “Pedro, tu és pedra... tudo que ligares será ligado e tudo que desligares,

será desligado”, a vida na sociedade é regida pela supremacia da Igreja. Portanto, a vida

política fica submetida aos desígnios do “amor de Deus Criador em vista do bem comum”, o

que acarreta uma desnaturalização da política. A regência da história está submetida à vontade

divina, que por sua vez, se aplica na prática pelos desígnios da Igreja Católica44

(BIGNOTTO,

1991, pp. 54).

A gloriosíssima cidade de Deus, tanto no curso dos tempos, enquanto peregrina

entre os ímpios vivendo da fé, como na estabilidade da morada eterna, que agora

espera com paciência, „até que a justiça se converta em juízo‟, e que depois será

alcançada pela excelência na vitória final e paz perfeita, é a cidade que eu, na feitura

desta obra, dívida de promessa que te fiz, caríssimo filho Marcelino, encarreguei-me

de defender contra aqueles que preferem seus deuses ao Fundador dela: grande e

árdua tarefa, mas „Deus é nosso auxílio‟ (AUGUSTINUS. De Civitate Dei,

praefatio)45

.

Não obstante, na outra coluna medieval, a Escolástica, no século XIII, se confirmou

na obra de Tomas de Aquino tal pensamento político. O Aquinate, no de Regno, Sobre o rei

43

"A filosofia cristã, legada pela Idade Média ao Renascimento, concebia o homem como um ser temporal, de

vocação social, dotado, porém, de uma destinação extraterrena, isto é, como um ser que vive naturalmente em

sociedade, subordinado à lei positiva, mais que deve, antes de mais nada, obedecer à lei natural, colocada acima

da própria autoridade do Estado, e que este não deve contrariar, pois ela emana da própria lei eterna". Cf.

ESCOREL, L. Introdução ao Pensamento Político de Maquiavel. Brasília, Editora Universidade de Brasília,

1979, pp. 93. 44

Maquiavel, seguindo os passos que Marsílio Ficcino dera dois séculos antes, mostra que o exercício do poder

temporal pela Igreja corrompe sua missão espiritual. A religião cumpre uma função essencial na estrutura social.

É dela que provém a coesão interna do povo e o devotamento à pátria como a um mandamento religioso. A fé

religiosa inspira o amor cívico e cultiva a virtù coletiva sem a qual nenhum Estado sobrevive. Os chefes da

Igreja, quando se imiscuem na vida do Estado, destroem o sentido espiritual identitário que funde o povo numa

nação. O poder exercido pela autoridade religiosa, devido ao seu caráter divisionista, leva o povo a descrer

(AMES, 2006, pp. 70). 45

Assim, logo no prólogo da obra, A Cidade de Deus, Agostinho explicita que a concepção de política é

ambivalente, ou seja, a política adquire positividade ou negatividade conforme a identidade ou a contradição de

uma civitas ou res publica consigo mesma (Cf. FILHO, 2012, pp. 12).

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do Chipre, flexionou as suas poucas definições e concepções de política a sua extensa

reflexão moral. Por certo que a política deve estar no encalço da moral, não obstante,

Tomás de Aquino ocupa um lugar de relevo na história da Filosofia Política. Creio

não estar errado ao afirmar que ele, juntamente com Aristóteles, são os nomes mais

importantes do pensamento clássico anterior a Maquiavel e Hobbes. [...] Tomás de

Aquino foi inovador não somente em Metafísica ou em Ética. Seus escritos sobre a

Política, incorporando o pensamento aristotélico, permitem colocá-lo como o

primeiro politólogo medieval (LIMA, 2005, pp. 28)46

.

Assim a lógica da Providência e da contemplação tem seus fundamentos ao longo

dos séculos a partir da produção da tradição medieval e cristã. A lógica que se instaura no

Renascimento e no realismo político, na organicidade da reflexão sobre a vida citadina,

sobretudo com os textos dos I Primi Scritti Politici, se fundamentam na força e na ação. Deste

modo, com um novo enfoque lógico, os humanistas voltaram-se para o mundo concreto dos

homens e passaram a valorizar a divindade presente em cada homem e a liberdade individual.

Mas nem todos puderam pensar livremente, alguns autores humanistas e renascentistas ou

artistas foram perseguidos, tanto pelo poder temporal como pelo espiritual. De qualquer

forma, o antropocentrismo foi a forma típica de manifestação do ideal de liberdade individual

entre os intelectuais do período. Vejamos o que de fato mudou com a reviravolta dos

postulados e da nova lógica instaurada.

Para BURCKHARDT, o Renascimento se constitui por algumas ideias principais. A

primeira e mais importante é a de vê-lo como um período predominantemente cultural, que

tanto a política como a religião são influenciadas pela cultura, diferente de outras épocas,

onde uma destas duas esferas é que se sobrepunha às demais. É importante chamar a atenção

para o fato de que no século XIX, o que Burckhardt entende por cultura é algo bastante

amplo, indo desde as artes (plásticas, literárias e musicais), o vestuário, a língua, a etiqueta, os

costumes, as festividades e o pensamento da época (BURCKHARDT, 1991, pp. 8-9).

BURCKHARDT também reflete sobre o juízo dos florentinos a respeito de tiranias

desde o séc. XIV. A visão pressupõe uma postura de tiranicídio e inferno. E há uma forte

tendência surgida entre os humanistas de observarem a realidade não como uma cidade

utópica, do ainda por fazer, das fantasias e do idealismo, mas – como afirmará Maquiavel no

Príncipe, sob o enfoque da verdade efetiva e da crueza das coisas como são. Francesco Sforza

46

O autor LIMA fundamenta sua tese de doutorado, “Da política à ética: um itinerário de Santo Tomás de

Aquino”, na citação acima sobre o enfoque das obras de: DE BONI. De Abelardo a Lutero. Porto Alegre:

Edipucrs, 2003, e SARANYANA. "La ciência política de Tomás de Aquino". In: DE BONI. Idade Média:

Ética e Política. 2a. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 1996. pp. 233.

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(1401-1466) e a família Sforza são ícones desta mudança de mentalidade (BURCKHARDT,

1991, pp. 33-47).

Pode-se observar também no Renascimento, um crescente interesse pela literatura

clássica, uma espécie de releitura do passado. Este processo ocorre, tanto no aporte geral,

como em situações específicas, tais como um novo olhar para o modo de fazer política. As

ruínas da Antiga Roma poderiam reconstruir a nova Itália. Há um relato interessante quanto

ao interesse pelos escritos da antiguidade: Niccollò Niccoli (1364-1437), florentino e membro

ilustrado que se reunia em torno do já idoso Cosme de Médici (1389-1464), aplicou toda a sua

fortuna na aquisição de livros. Outro italiano de igual importância foi o cardeal grego

Bessarion (1403-1472) que compilou, com enorme sacrifício, seiscentos manuscritos, tanto de

conteúdo pagão como cristão, procurando a seguir um local seguro para abrigo. Merece

também destaque, neste ínterim cultural, a construção da biblioteca dos Médici

(BURCKHARDT, 1991, pp. 150-151)47

.

Os principados e os estados devem se valer da força do príncipe, do líder político,

para conquistar cada espaço de terra, enquanto um ponto de partida da dominação geográfica,

para caminhar para a dominação das ideias, invocando um certo comportamento da

subserviência, de modo a dominar cada citadino. Maquiavel acena várias vezes, isto ao estilo

aristotélico, que a ordem do dia é a inversão da providência pela ação, da passividade

oracional confiante à força, e que esta não ocorre pura e simplesmente pelo acaso ou muito

menos pela vontade divina. Contudo não há também nos relatórios uma pura e simples ordem

para as armas e para a força. Esta adesão é necessária, porém ela é antecipada por uma

conduta frente as boas leis, ao respeito, a organicidade das ações que promovam a aceitação

do ator político, e, acima de tudo, que a arte da guerra seja uma preocupação constante,

mesmo em tempo de paz.

A arte da guerra deve ser assim uma preocupação constante do príncipe. Mas em que

sentido se pode dizer que esta é a única arte que se espera dele? Num sentido

especial, que pode ser afirmado sem contradizer os capítulos seguintes do livrinho

do florentino: quando a política é entendida como a continuação da guerra por

outros meios. O que significa dizer que a possibilidade do uso da violência está

ligada à possibilidade do governo. No capítulo XVII do Príncipe, quando trata do

binômio crueldade/piedade, Maquiavel insiste no fato de que a piedade não consiste

na renúncia à violência ou à crueldade pelo príncipe. Para o homem político a

piedade consiste no uso da violência que seja mais conveniente aos súditos. Pois a

47

Maquiavel não se interessa, por exemplo, pelo problema da criação do mundo e nem mesmo pelo de sua

eternidade enquanto problema metafísico ou ontológico. Ele se interessa sim, na medida em que esta concepção

de mundo implica numa visão do tempo e da história que, em primeira instância, se revela destruidora para a arte

política. Cf. COLONNA d‟ISTRIA, G.; FRAPET, R. L‘Art Politique chez Machiavel. Paris: J. Vrin, 1980, pp.

164.

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violência bem utilizada – e isto importa reter – gera ordem e segurança. O oposto da

ordem, raciocina Maquiavel, é a violência indiscriminada (KRITSCH, 2001, pp. 3).

Maquiavel neste universo do conhecimento também apostou pela reflexão política a

partir da história48

. Para ele não existe um fundamento anterior e exterior à política. A política

resulta da ação humana em uma situação de conflito49

. Assim sendo, a política se demonstra

como o campo de práticas sem pré-conceitos ou ideais; o que conta é a conquista e

conservação do poder tendo em vista a sua legitimidade; e quem o faz possui virtú.

A noção que subjaz nesta ideia não é a virtude cristã, pois esta tinha sobre si

enxertada a negação da vida como forma prática de usura (BARON, 1993, pp. 198-199). Mas,

seguindo intérpretes renomados e recentes, tais como Genaro Sasso, pode-se desconsiderar a

antiga ideia de separação de ética e política no Renascimento, especialmente na obra de

Maquiavel. O que se tem de fato é uma ética distinta da medieval, distinta da demarcação

agostiniana do arbítrio humano ou das virtudes ponderadamente frisadas do tomismo. E

mesmo se, considerando Maquiavel como um dos últimos medievais, como um intelectual

atrelado a Igreja, a sua maneira de ver a res civitas (a coisa pública) é distinta de tudo o que a

Idade Média produziu.

Hans Baron, dentro da perspectiva da anatomia do humanismo cívico, apresenta uma

antropologia fina em relação as verdadeiras necessidades e convicções humanas. Leonardo

Bruni (1369-1444), com as descobertas de Aristóteles e as leituras e abordagens que desta

descoberta decorrem, eleva a reflexão antropológica renascentista a um grau mais excelso de

perspectivas. O próprio Bruni cita a Ética a Nicômaco para afirmar que o homem necessita da

prosperidade material, porque é simplesmente humano. Para ele a condição prévia de

liberdade é o dinheiro. Assim sendo, para lograr com justiça e fineza a vida, são necessárias

propriedades, e para se ter valor é necessário a força.

Ao nos referirmos a uma antropologia, no seio dos escritos maquiavelianos, não

estamos supondo que possamos encontrar algo como uma antecipação dos conceitos

e métodos, que irão constituir essa disciplina no seio das ciências sociais na

48

VIROLI, (2002, pp. 89), comentador de Maquiavel, afirma que a "história ensina a quem quer aprender", ou

seja, nas palavras do florentino “... a história é mestra de nossos atos e máximas dos príncipes; e o mundo

sempre foi, de certa forma, habitado por homens que sempre têm paixões iguais; e sempre houve quem serve e

quem ordena, e quem serve de má vontade e quem serve de boa vontade, e quem se rebela e se rende”. Não

obstante, na História de Florença, Maquiavel em relação a história afirmou: "evito bem, em qualquer momento,

os vocábulos odiosos e pouco necessários à dignidade e à verdade da história" (MAQUIAVEL, 1998, pp. 30). 49

Deste modo, a atitude do Renascimento perante os clássicos adequou alguns impulsos característicos da Idade

Média, além do que propôs uma maneira diferente no modo de abordá-los, pois, ao continuarem ou retomarem o

estudo dos autores latinos, os homens do Renascimento buscaram não apenas o entendimento dos mesmos, pois:

não eram anticristãos, mas enquanto laicos não subordinavam o desenvolvimento da cultura secular à

possibilidade de a amalgamar com a doutrina religiosa ou teológica. Além disso, introduziram o estudo da língua

grega e, para lá da ciência e da filosofia aristotélica, de toda sua literatura (KRISTELLER, 1995, pp. 15).

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contemporaneidade. [...] Antes de mais nada, cabe recuperar o sentido dessa

disciplina, que se dedica, segundo Lima Vaz a “elaboração de uma ideia do homem

que leve em conta, de um lado, os problemas e temas presentes ao longo da tradição

filosófica e, de outro, as contribuições e perspectivas abertas pelas recentes ciências

do homem” (BIGNOTO, 2008, pp. 78 apud LIMA VAZ)50

.

O que se observa é que o Renascimento passa pela reformulação estamental, ou seja,

da visão classista em distintas ordens: nobreza, clero e servos, a uma ideia mais uniforme dos

que convivem socialmente. A sensibilidade não foi rejeitada, pois por ela é que se tem o

primeiro acesso ao mundo material. A natureza inanimada pode, sem dúvida nenhuma, ser

dominada por intermédio da racionalidade. E questões que não somente as da fé cristã,

poderiam fazer parte do afã de importância do cotidiano renascentista, pois como disse o

próprio Galileu (1554-1642): “o livro da natureza está inscrito em caracteres matemáticos”

(BIANCHI, 1988, pp. 47-48) e não teológicos, metafísicos. Isso ocorre de tal modo que

Maquiavel irá subordinar a moralidade à necessidade (SENELLART, 2006, pp. 227). É, de

fato GARIN tinha razão: „magnun miraculum est homo”(GARIN, 1988, pp. 10). Chegou-se

ao tempo de se pensar no homem e nos seus problemas internos e externos de sociabilidade.

MOUSNIER declara, por sua vez, que o Renascimento é o período da “renovação

das estruturas mentais” (1973, pp. 50)51

. E diz isto principalmente em relação aos progressos

do Estado e da política positiva. No absolutismo monárquico, a obediência à autoridade é

forma de servidão voluntária, e foi dando espaço, mesmo que pequeno, as indagações que

levaram a pensar um sistema de monarquia moderada. Pode-se falar também de novas

estruturas econômicas. O surto do grande comércio, como primazia do atual sistema

capitalista. Ocorre também o surto demográfico. O câmbio da época sustentado no crédito, na

especulação e na circulação das mercadorias, bem como o fluxo monetário (1973, pp. 99-

115).

Do ponto de vista artístico, a intimidade e o despojamento são levados em

consideração não mais na perspectiva cristã, mas da criatividade. O homem não é somente

imago Dei, mas um ser divino, “um herói destinado a todas as glórias”. O homem é também

tratado como um microcosmo, uma substância. Uma nova visão de mundo veio de baixo para

cima. Não mais sob o aporte eclesiástico, mas da astrologia e de outras reflexões ainda não

50

VAZ, H. C. L. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Loyola, 1991, pp. 10. 51

Ao falarmos em estruturas mentais, incorremos em um campo de estudos relativamente novo na reconstrução

da história, abrindo novas possibilidades para a chamada historiografia. Podemos afirmar que o estudo das

mentalidades começou a se popularizar com a chamada Escola dos Annales. O campo das mentalidades nos

sugere na verdade o estudo de uma psico-história, pois, de fato, trabalha-se com imagens, sonhos, visões,

crenças, mitos etc., recorrendo-se a simbologias que se tornam corriqueiras e "verdadeiras", "imprescindíveis"

para um determinado grupo social. Tal "necessidade" simbólica é a concretização de crenças que são aceitas de

forma quase unânime pelo inconsciente coletivo de uma sociedade (PRADO, 2000, pp. 117).

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científicas surgidas entre os humanistas, tais como o manejo com a cabala, com a feitiçaria e

com a magia, o matematismo e com a nova visão de política instaurada por Maquiavel

(MOUSNIER, 1973, pp. 39-47).

Um último aspecto da Renascença a ser apresentado é a moralidade e a

religiosidade. Diz-se isto, porém o que mais se percebe no período renascentista é o caráter

“mundano”, dessacralizado. Há uma afirmação dos propósitos e pensamentos relativos à

natureza e a humanidade. Digna de atenção é, antes de tudo, a moral das novelas. A maior

parte delas trata das mulheres casadas, e, portanto do tema do adultério. O indivíduo vai

conquistando deveres e obrigações para a noção, ainda obscura de consciência, que vai ser

formada posteriormente com as ideias do cogito cartesiano.

A ética maquiaveliana é racional e secular e considerações podem ser feitas quanto a

ambos os aspectos. Quanto ao primeiro, Nisbet compara Maquiavel, em termos

morais, a um artista renascentista: “Maquiavel estava simplesmente submetendo a

política, guerra e moralidade à mesma ótica desapaixonada a que muitos artistas

submetiam seus óleos ou seus mármores”. E ainda quanto ao primeiro aspecto,

segundo Koyré, “o imoralismo de Maquiavel é pura lógica. Do ponto de vista em

que se coloca, a religião e a moral são apenas condicionantes sociais. É preciso saber

lidar com fatos com os quais se possa contar. Isso é tudo” (SOUZA, 2007, pp. 8

apud KOIRÉ, 1982)52

.

Em relação a Maquiavel e a questão da religião53

seria um tema específico para outro

trabalho, mas que se faz necessário como tema de passagem a esta pesquisa. Ettiene Gilson

afirma que a evolução da cidade de Deus - como a Igreja assim pautou por um milênio, a

cultura e a política medieval, destacava-se como – o poder espiritual estando acima do poder

temporal. A religião para Maquiavel se atenua como “cimento social”. A religião,

compreendida como instrumentum regni, requer do príncipe a capacidade de servir-se de

modo sagaz da fé do povo para levá-lo à obediência da lei civil (AMES, 2006, pp. 53).

Continua AMES, “a fé religiosa, compreendida como a vida profunda do povo expressa nos

bons costumes e na educação moral e cívica, constitui-se na razão de ser da virtú política dos

membros e no fundamento interno do Estado”54

. Assim sendo

52

KOYRÉ, A. Estudos de História do pensamento científico. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,

1982, pp. 20. 53

“Maquiavel não hesita em dizer que o homem moderno, isto é, o cristão, não sabe mais ser cruel. Ele é cruel

[...] mas sua crueldade é uma “crueldade santa”, ou seja, um fanatismo religioso louco, que justifica as piores

atrocidades. Ao contrário, onde é preciso saber resolver pela espada e ganhar a glória, o homem moderno torna-

se incapaz” (COLONNA d‟ISTRIA, 1980, pp. 164). 54

"Maquiavel, na tentativa de comprovar mais uma vez a culpa da Igreja pela fragmentação e fraqueza da Itália,

sugere a transferência da corte romana para um local ainda intacto em relação à corrupção". BENEVENUTO, F.

R. de S. ‗Virtù‘ e valores no pensamento de Maquiavel. Dissertação de Mestrado. Departamento de Filosofia

da UFMG, Belo Horizonte, 2003, pp. 17.

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o fundamento da religião para Maquiavel é, pois, o medo de um Deus que, ainda que

seja apresentado como algo que tem certa feição humana, considerado em si mesmo

não constitui razão de obrigação política e de vínculo social. Contudo, ainda que o

medo de um Deus não tenha nada que o faça critério e fundamento de

comportamentos políticos e sociais por si mesmo, pode tornar-se tal graças à

intervenção prudente de um legislador que saiba alimentar, orientar e, sobretudo,

organizar em instituições estáveis esse sentimento humano, tornando-o, assim, apto

a suscitar coesão política e obediência civil (AMES, 2006, pp. 55).

Como valor instrumental, a religião é, portanto, um elemento de grande eficácia

política. Usada com a devida prudência, constitui uma alternativa ao emprego da força bruta

para assegurar a ordem e a paz interna (AMES, 2006, pp. 56). Os dirigentes políticos são

sabedores de sua obrigação em relação à coletividade. Eles devem manter o povo unido e

obediente ao Estado, pois somente sob esta condição garantem a continuidade da ordem e da

paz, que asseguram a vida e a segurança de todos. Segundo Gérard Namer, o príncipe conhece

a verdade da religião de maneira racional, ao passo que o povo, quando muito, concede-lhe a

falsidade quanto a intenção de embuste do mediador que lhe é descoberta55

.

Um primeiro aspecto disciplinador da religião é que o povo, “amedrontado pela

religião”, faz o que lhe foi pedido. Um segundo aspecto, no ambiente militar, Maquiavel

oferece um exemplo do modo “como os capitães dos exércitos se valiam da religião para tê-

los [os soldados] dispostos a um empreendimento” (Discorsi I, 13). E por fim, são citados os

juramentos56

, dos quais Maquiavel mais vezes recorda o uso, especialmente pelos romanos

(AMES, 2006, pp. 59-60). Num embate entre a religião dos romanos e o Cristianismo,

Maquiavel, segundo Ames afirma que

o critério de distinção entre a virtude dos romanos e a corrupção geral dos modernos

reside unicamente na diferente educação e, portanto, nas diferentes religiões

existentes entre os antigos e os modernos. A fraqueza dos modernos e a

exemplaridade dos antigos têm seu fundamento na diversidade radical de suas

religiões e do conteúdo delas. Significa dizer que o mundo moderno tornou-se

politicamente impotente por causa de sua religião assim como o mundo antigo havia

55

A religião tem um papel muito importante no pensamento de Maquiavel no sentido em que apela ao

compromisso social pela fé e pela crença. Tem uma função instrumental, uma função agregadora e uma função

cívico-educativa que estabelece e desenvolve uma função normativa, educadora e garante das hierarquias

(MANGERONA, 2012, pp. 139-143). De tal modo que pode-se ler: "onde há religião, facilmente se podem

introduzir as armas; e, onde houver armas, mas não houver religião, esta com dificuldade poderá ser introduzida

(MAQUIAVEL, 2007, pp. 50), e de que [...] nunca houve ordenador de leis extraordinárias, em povo nenhum,

que não recorresse a Deus (MAQUIAVEL, 2007, pp.50). A veracidade da religião não é, para este pensador

florentino, um elemento relevante. Para Maquiavel não interessa se a religião é verdadeira ou falsa; o que

importa é o resultado da interpretação da vontade divina. Ou seja, a prática que obriga a um certo

comportamento individual e coletivo [...]. Saber utilizar a religião exige prudência para que o objetivo seja

cumprido: alcançar o ânimo para o exército e para o povo de forma a manter a união e a independência

(MANGERONA, 2012, pp. 139-143). 56

“A dinâmica na qual se produz o juramento torna evidente que aquelas manifestações da religião que vêm em

auxílio da política não têm uma origem autônoma, não são um movimento espontâneo e imediato do espírito do

povo. Pelo contrário, estas manifestações da religião são o produto de uma vontade política bem determinada”

Cf. LARIVAILLE, 1982, pp. 127.

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fundado sua exemplaridade sobre as qualidades específicas da religião própria

(AMES, 2006, pp. 65).

Maquiavel extrai dessa origem histórica das religiões duas consequências que

evidenciam sua compreensão da finalidade da religião. Primeiro, que é vã a oposição entre

religião revelada (cristã) e não revelada (pagã). Segundo, que é absurda a ideia de uma

Providência divina reguladora das coisas mundanas. A primeira consequência permite-lhe

sustentar a função política da religião (Discorsi II, 2). A segunda consequência possibilita-lhe

evidenciar a sua tese da determinação humana (ainda que não de modo absoluto) dos

acontecimentos históricos: contra as interpretações fatalistas, que querem atribuir as

calamidades e as adversidades em geral à fortuna ou a Deus. Maquiavel afirma o papel

decisivo da virtù denunciando a fé numa Providência reguladora como fuga, desleixo e

incapacidade política (AMES, 2006, pp. 71-72). O próprio tomismo no humanismo precisaria

de uma redefinição. O conceito de civitas57

de Tomás de Aquino, fundado no bem comum

passa a ser interpretado pelos humanistas como o bem da cidade, o bem civil. Para tanto, o

novo olhar é do ator político, não mais do teólogo. Crê-se que Maquiavel segretario58

desempenha com maestria esta função. É o que se aborda no próximo item.

1.2. ―O Maquiavel antes de Maquiavel‖59

: O secretário observador dos I

Primi Scritti Politici

Ter-se-ia no personagem histórico de Maquiavel e na sua obra várias interpretações

tais com há no Marxismo, por exemplo? Será possível e pertinente conceber o paradoxo:

"Maquiavel, Maquiáveis" disposto por Sadek no tocante a fases do pensador Florentino? A

intenção deste tópico é abranger a figura de Maquiavel, sobretudo como diplomata e 57

“A civitas é, para Santo Tomás, uma criação coletiva dos homens”. Na Civitas, todos e cada um, trabalham,

cada qual dentro de funções determinadas, em prol do bem comum, que nada mais é do que a realização da

natureza humana. Homens vivendo em sociedade com o fim de alcançar o bem específico da sua natureza, eis a

Civitas. Cf. STORK, A. C. "O Indivíduo e a Origem Política na Dimensão da Civitas". In: DE BONI (Org.)

Idade Media: Ética e Política. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. pp. 326-328. 58

"Em I Primi Scritti Politici, Maquiavel expõe fatos marcantes da política, das guerras, dos personagens e dos

desafios que Florença enfrentava no início do século XVI, e inaugura um novo discurso estratégico-militar e

político que ultrapassa o simples relato das negociações" (DA SILVA, 2013, pp. 31). 59

“Quale Machiavelli” abordare? A intenção deste item é prender-se em Maquiavel, perceber sua

originalidade, sua postura frente ao passado, observá-lo como Secretário e como Chanceler do Conselho da

Guerra de Florença. Vê-lo aos 29 anos, no ano de 1498 no seu inicio como Secretário do Conselho dos Dez e

estender esta análise até 1512, quando deixa o cargo a pedido dos Médici. Cf. SCAGLIA, G. B. Machiavelli:

passioni e rischio de la política. Edizioni Studium, Roma, 1990, pp. 9. A ideia que se estabelece neste item

pode ser também consultada no artigo de Walter F. L. da Silva, que tem como título: “Maquiavel segretario

(1498-1512), guerra e política em I primi scritti politici”. In: Revista Integração, ano XIX, nº. 65, pp. 28-35,

2013.

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secretário de Florença (SKINNER, 1988, DA SILVA, 2013) que tem especificamente uma

missão desmistificadora anti-utopista e anti-ilusionista, que na visão de LEFORT é

en primer lugar, la ilusion de que los dirigentes gozarian de un dominio de la ciencia

politica -el muestra que son unos pobres calculadores-; en segundo lugar, la ilusion

de que la ciudad se beneficiaria de la proteccion especial de la providencia y, en

tercer lugar, que seria la depositaria de la herencia de Roma y de la sabiduria antigua

(LEFORT, 2007, pp. 243).

Walter Silva dispõe sobre a função de Maquiavel em Florença a seguinte ideia

vinculada aos relatórios

em I primi scritti politici, aprofunda-se a reflexão sobre a visão de Maquiavel a

respeito da necessidade de Florença se aprimorar política, social e militarmente, de

forma a desenvolver capacidade de solução de seus problemas internos; e isto,

previamente, à busca por soluções para as tensões externas nas quais a República

encontrava-se envolvida. No scritto Sommario de‟ Pistolesi 1502, Maquiavel

argumenta a respeito das maneiras de exercício do poder e da necessidade de deter

pleno controle sobre uma cidade então dominada. Também destaca o argumento da

intervenção de Florença de forma a eliminar da cidade dominada todo e qualquer

foco de resistência, mas sem dominá-la por completo. Assim feito, através do

destacamento de um comissário florentino e o concomitante envio de tropas pagas,

dar-se-ia o estabelecimento de força militar na cidade, buscando o restabelecimento

da ordem, com o fim dos tumultos sociais, da delinquência e a erradicação de todas

as outras artilharias, armas públicas e bastiões (DA SILVA, 2013, pp. 31).

Para a filosofia política e para a contemporaneidade, a figura de Maquiavel não se

trata apenas de um ator de grande porte histórico, que produziu teoria e prática dos conceitos

políticos que se vivenciam hodiernamente, RIDOLFI (apud TEIXEIRA) afirma que

Maquiavel “gostaria de ver os antigos valores e as antigas ordenações ressuscitadas”60

. Não se

trata também de vasculhar neste campo de pesquisa do contexto Humanístico-renascentista,

mas de asseverar, como arcabouço teórico e substrato morfológico, a compreensão dos

esquemas que modulam a prática política em nossas culturas atuais. Já não se pensa hoje,

realmente, como escreviam as "penas" de Maquiavel, como pensariam Hume ou Bonald, que

há no tempo "uma coisa, pelo menos, que é imutável: o homem". Aprendemos que também o

homem mudou muito: no seu espírito e, provavelmente, até nos mais delicados mecanismos

do corpo. Como poderia ser de outro modo? questiona-se Bloch. Há em nossos tempos, o séc.

XXI uma nova atmosfera mental e também um novo modelo de higiene, de alimentação.

Convimos, todavia, em que existe na natureza humana e nas sociedades humanas um fundo

60

TEIXEIRA, F. C. “A História em Maquiavel”. In: Ciclos visões da História. Conferência proferida em 22 de

setembro de 2012. (http://www.academia.org.br/abl/media/RevistaBrasileiraCICLOVISOESDAHISTORIA.pdf)

Acesso em 15 de Dezembro de 2015.

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permanente. Se assim não fosse, os próprios vocábulos de "homem" e de "sociedade" não

significariam coisa nenhuma (BLOCH, 1965, pp. 42).

Para Maquiavel, somente alguns homens são políticos, e eles governam em qualquer

regime, não importa como seja chamado. O povo não deseja governar e quando

parece governa está sendo manipulados por seus líderes. Ele é matéria sem forma,

corpo sem cabeça. Uma vez que não pode governar, o regime é sempre do governo

de um príncipe ou de príncipes. (MANSFIELD, 1996, pp. 237)

Sendo assim, a figura de Maquiavel61

como historiador, ator político, poeta,

teatrólogo, diplomata, enfim, como um humanista que formula um novo conceito de natureza

humana, vê-se por assim dizer a necessidade de debruçar-se sobre o personagem histórico,

Maquiavel, sobretudo, sobre a sua função enquanto Secretário de Florença, onde obteve

inúmeras experiências que marcaram os seus relatórios anteriores ao "livrinho". Pesquisar

sobre Maquiavel, portanto, é um modo de perceber como ele apreendeu o espírito político de

seu tempo, sobretudo pelo cargo que ocupara. Maquiavel é tido como alguém astutamente

relacionado a compreender o Estado. Diz ele mesmo que esta é sua missão, pois

[...] o destino determinou que eu não saiba discutir sobre a seda, nem sobre a lã;

tampouco sobre questões de lucro ou de perda. Minha missão é falar sobre o Estado.

Será preciso submeter-me à promessa de emudecer, ou terei que falar sobre ele.

(Carta a F. Vettori,de 13/03/1513.)

A política nasce da observação, de um planejamento e, sobretudo, de uma

qualificada ação. Maquiavel reconhece que nos conflitos sociais estão toda a fonte da

liberdade. Desses conflitos podem surgir duas soluções: uma aristocracia ou um regime

popular. Estes três momentos (observação, planejamento e ação) estão intimamente

conectados em sua forma de fazer política, pois da observação à ação, Maquiavel disse do

serviço prestado nos quinze anos de trabalho na Chancelaria, que ele "não passou nem

dormindo, nem brincando". O modo com que reflete sobre o Estado, sobre as relações, sobre a

efetiva realidade das coisas, faz de Maquiavel, um ator prudente. RIDOLFI afirma ter ele

mantido "um espírito de deliberação administrativa" (2003, pp. 34). No Príncipe, cap. XXI,

ele assim define esta virtude: a prudência62

como aquela que "consiste em saber examinar

61

“O resgate do pensamento de Maquiavel mostrou que a atuação dos agentes políticos no contexto

contemporâneo pode ser reinterpretada à luz de suas ideias. Exemplo disso é a noção da ética da

responsabilidade, concebida por Max Weber, que apresenta muitos pontos em comum com o que Maquiavel

denominava ação virtuosa. Para Weber, a ética da responsabilidade representa o conjunto de normas e valores

que orientam a decisão do político a partir de sua posição como governante ou legislador". Cf. LAURENTIS;

DIAS DA SILVA. "Nicolau Maquiavel: realismo e humanismo na teoria política. Revista Brasileira de

Estudos Políticos. Belo Horizonte. n. 102. pp. 291-303, jan./jun. 2011, pp. 301. 62

[…] os homens trilham quase sempre estradas já percorridas. Um homem prudente deve assim escolher os

caminhos já percorridos pelos grandes homens e imitá-los; assim, mesmo que não seja possível seguir fielmente

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bem a natureza dos inconvenientes, e aceitar como bom o menos mau". Se há outros modos

de ler Maquiavel, até de percebê-lo, então: quem e qual Maquiavel estamos nos reportando?

Gramsci aponta um dado histórico, no séc. XIX, e afirma

criou-se o hábito de considerar Maquiavel, de modo excessivo, como o “político em

geral”, como o “cientista da política”, atual em todos os tempos. É necessário

considerar Maquiavel, em grau maior, como expressão necessária de seu tempo e

como estreitamente ligado às condições e às exigências de sua época (...)

(GRAMSCI, 2000, pp. 29).

Maquiavel ensina que a política é um espaço de reconhecimento e de tensão que

surge da vida coletiva, na qual toda possibilidade de poder estável se produz a partir do

reconhecimento dessas tensões e de seu manejo, por meio da sedução, do engano e da força,

mas também por meio da atenção à situação comunitária, considerando sua participação

(LARISON, 2009, pp. 82).

O "martelo de Nietzsche"63

, por exemplo, apontou no séc. XIX para o procedimento

de Maquiavel, que ao seu tempo, analisou as relações e os valores sociais e culturais que

assinalamos e que são contundentes para que haja realmente vivência política. Disse

Nietzsche

nenhum povo poderia viver, se antes não analisasse o que é bom e o que é mau; mas

se quer conservar-se, não deve fazê-lo da maneira de seu vizinho. Muitas coisas que

um povo considerava boas, considerava, outro, como escárnio e opróbrio: foi o que

achei. Muitas coisas achei, aqui, chamadas mal e, acolá, ornadas de purpúreas

honrarias. [...] Uma tábua de tudo o que é bom está suspensa por cima de cada povo

(NIETZSCHE, 2005, pp. 94).

Esta tábua Maquiavel tornou-a visível. Isto significa referendar que as palavras

tornaram-se secundárias, pois os fatos tornaram-se primários. Se bem que, conforme

RIDOLFI, "os florentinos sempre gostaram mais das palavras, do que dos fatos" (2003, pp.

44). E fatos são a dura consciência da realidade, sobretudo no que se refere a empreita de

arranjar dinheiro, que é a comissão da empresa de reorganização estatal (RIDOLFI, 2003, pp.

48).

A Itália do tempo de Maquiavel era a Itália das vésperas da excomunhão de

Martinho Lutero, que, por sua vez, seria excomungado por um Médici, o Papa Leão X –

esse caminho, nem pela imitação alcançar totalmente as virtudes dos grandes, sempre se aproveita muita coisa.

(MAQUIAVEL, 1996, pp. 24). 63

Na obra Além do bem e do mal, Nietzsche afirma: "Mas como poderia a língua alemã, mesmo na prosa de um

Lessing, imitar o tempo de Maquiavel, que no seu Príncipe nos faz respirar o ar fino e seco de Florença, e só

consegue expor o assunto mais sério num indomável allegrissimo – talvez com maliciosa percepção artística do

contraste que ousa: os pensamentos, difíceis, prolongados, duros, perigosos, e um tempo de galope e bom humor

mais caprichoso (NIETZSCHE, 2005, pp. 33).

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Giovanni de Médici. É por demais conhecido o contexto de corrupção, disputas políticas e

simonia no qual estava inserida a Igreja na época da Reforma Protestante. decorre por outro

tom, o lado bem irônico de Maquiavel, isto em relação a sua concepção de natureza humana e

relacionamentos em meio ao tempo de paz e aos conflitos

Messer Nícia64

– "Não é isso. Ela era a pessoa mais doce e mais dócil deste mundo,

mas como ouviu de uma vizinha que se ela assistisse à primeira missa por quarenta

manhãs, na igreja dos Servos, ela emprenharia, lá foi ela, talvez por uns vinte dias.

Ocorreu porém que um daqueles fradalhões começou a rondá-la, de modo que ela

não quis mais voltar lá. É bem ruim que justamente aqueles que deveriam nos dar o

bom exemplo ajam deste modo. Não é verdade?" (MAQUIAVEL, 2004, pp. 54).

Um importante dado recorrente da vida de observador em Maquiavel é a sua

percepção de que a política não deveria ser vivida aos moldes da era contemplativa, como já

disse, e muito menos, ser do tipo cristã [moralmente falando]. Manuais e alguns autores de

um modo mais superficial afirmam não ter ética em Maquiavel, porém, há, só que não a

cristã. Edison Nunes classifica em sua obra, esses leitores, como "ingênuos". A fecundidade e

a novidade de Maquiavel se dão nos fundamentos imperativos de sua ação política, pois está

sempre presente na ação humana a difícil deliberação do que se fazer. Nunes indica como

exemplo o relatório de Maquiavel sobre "O modo de tratar os povos rebelados de

Valdichiana" (NUNES, 2008, pp. 31). A condição humana, percebeu o Florentino, está

disposta nas questões que permeiam a ciência política, sobretudo a sua visão sobre esta

ciência, a política em si e a retórica (NUNES, 2008, pp. 33). Zeppi acrescentaria a questão

moral/ética o seguinte dado: se pergunta se a atividade do homem, já ao interno do

humanismo, se asseverasse no substrato de um valor moral? (2001, pp. 95)... que tipo de

moral seria esta? Que tipo de ética? Diz-se que para conhecer a obra deve-se conhecer o

artista, portanto, vamos a ele, dedicar-se há alguns dados mais pertinentes do que Berlin

chama em Maquiavel de "originalidade".

Da sua formação humanista decorre a habilidade e a sua disposição de subordinar

interesses privados aos bens públicos, o desejo de lutar contra a tirania e a contra a corrupção

(SKINNER, 1988, pp. 15). No bojo de seu pensamento, Maquiavel discute primeiramente as

64

“A Mandrágora é a síntese perfeita do que Maquiavel acreditava que deveria ser o teatro cômico. Resultado de

uma longa maturação formal e temática, ela acabou realizando no terreno cômico uma mudança tão importante

quanto aquela produzida por nosso autor no campo da reflexão política. Na verdade, o texto nada tem de um

improviso. As pistas para compreender esse caráter inovador e consciente do esforço do autor se encontram em

um escrito em prosa no qual ele expõe sua concepção do que deveria ser uma comédia [...]A Mandrágora

ilumina a condição privada do homem citadino italiano e com isso abre as portas para a compreensão de uma

época que apontava para novos caminhos. Longe do elogio do homem presente em tantos textos do período,

Maquiavel opta por apontar suas limitações e sua pequenez”. Cf. BIGNOTTO, N. “Política e vida privada na

Mandrágora de Maquiavel”. In: Cadernos de Ética e Filosofia Política. N. 24, Universidade de São Paulo,

2014, pp. 12. 18.

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relações de força e poder entre as cidades – repúblicas e o Império, bem como entre as

repúblicas e a sinuosa política do papado (MAQUIAVEL, 1998, pp. 63).

Destaque se dará a questão da força, pois se trata de uma qualidade da virtù, só que

derivar confiança somente da virtù ou da generosidade da fortuna não é um dado seguro na

reformulação do contexto político em questão. Não se tem mais o auxílio de Deus. O homem

não é uma imago Dei. Por isso mesmo que Maquiavel criticou alguns aspectos do movimento

humanista, pois seu pensamento estando sob o mesmo aporte65

, não compartilhava de todas as

colocações de seus contemporâneos ou antecessores, ou seja, está convicto de que a ideia de

liberdade da república e do comportamento do príncipe, deve estar acoplando a uma espécie

de revisão conceitual, sobretudo os de: força, armamento e exército próprio.

Maquiavel procurou colocar em prática este ensinamento, buscando analisar nos

exemplos que pode observar enquanto exercia suas funções políticas, o fator que fez com que

cada governante fosse destituído do poder ou nele se mantivesse.

O cenário em que tudo se passa é a cidade de Florença e o conturbado contexto

político da Itália quinhentista, carecendo de um Estado unificado, como o francês,

vez que dividida em reinos, principados, repúblicas, tiranias66

.

O enfoque dado recai especialmente no fator político, no entanto, com consciência

de relação a outros fatores, como por exemplo, o econômico. E mesmo sem eleger aspecto

algum como o preponderante (pois se colocam como essenciais outros, tais como o

sociológico e o geográfico), evidencia-se que muitas vezes os fatores políticos e econômicos

são mais visíveis na observação de determinada sociedade, inclusive no contexto de mudanças

no convívio social, sobretudo no que se refere ao compromisso de conquista e manutenção da

liberdade (ARNAUT & BERNARDO, 2002, pp. 91-102). Os fatores que mensuram a

sociedade nos reportam a indicadores de igualdade e desigualdade, de conflito de interesses.

Por isso, a ordem e a vida civil são pensados por Maquiavel no contraste com os exemplos

tirânicos já vistos na história.

[...] a liberdade é princípio constitucional da república, mas também conteúdo e

objetivo do desenvolvimento republicano, a igualdade é sua condição de

possibilidade: sem ela, não é possível fundar uma república. Mais radicalmente

ainda, Maquiavel afirma que a aristocracia feudal não somente impede o

nascimento de um regime republicano, mas impossibilita qualquer tipo de

65

Skinner indica uma reflexão sui generis em relação à contribuição de Maquiavel no repensar o movimento

humanista. Cf. SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno, pp. 25-209. 66

Conforme Antonio J. R. VALVERDE, na Introdução: “Maquiavel a cavalo: Os Primeiros Escritos Políticos”,

pp. 21, In: MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt

Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração,

FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010.

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organização estatal que não seja tyrannica: ao contrário da vita libera republicana,

aquela representa a corrupção, a destruição das ordini e da vita civile. Numa

palavra: desigualdade identifica-se com a ausência de vivere político pura e

simplesmente (AMES, 2011, pp. 30)67

.

O Secretário Florentino obteve destaque no campo da política, sobretudo por sua

desenvoltura de observador. Nas missões diplomáticas, observou que Florença era

absurdamente vacilante e fraca (SKINNER, 1988, pp. 20). Ao lado de muitos personagens na

trama da política renascentista, dentre os quais, o Duque Valentino, vai percebendo, que de

deslize em deslize, o duque ia caminhando aos poucos para a sepultura (SKINNER, 1988, pp.

26). Para chegar à proposição de que "bons exércitos são até mesmo mais importantes do que

boas leis, e que, portanto, deve haver sempre boas armas" (SKINNER, 1988, pp. 53). A

capacidade do condottiere (comandante militar) de lidar com aliados e adversários não

deixava dúvidas de que estava sempre pronto para a conquista militar, ao mesmo tempo em

que exercia habilidosamente a arte política. Maquiavel teve que valer-se de sua formação

histórica, e é nela que de agora em diante damos ênfase. Nesta mesma cadência temática

afirma Bignotto

O exercício da arte diplomática, o reconhecimento da importância prática da retórica

é a ocasião para Maquiavel de compreender que ela só existe junto como as

determinações da força. A solução de um desacordo banal sobre os termos de um

contrato só é possível num contexto no qual é preciso levar em conta todos os

termos do problema (BIGNOTTO, 2014, pp. 45)68

.

Descrevendo o famoso "biotipo/caricatural" de Maquiavel, Ridolfi afirma

pessoalmente, era bem proporcionado, de estatura média, magro de corpo, ereto na

postura, semblante audacioso. Tinha os cabelos pretos, a tez branca, mas tendendo

ao oliváceo, a cabeça pequena, o rosto ossudo e a testa larga. Os olhos muito vivos

e a boca fina, fechada, pareciam sempre zombetear. Há muitos retratos bem feitos69

,

mas só Leonardo, com quem chegou a tratar em seus prósperos dias, com o

desenho e as cores teria podido traduzir-lhe as ideias e aquele fino e ambíguo

sorriso (RIDOLFI, 1999, pp. 30).

67

No texto de Ames, as citações que seguem são: em primeiro plano, da igualdade política de todos os cidadãos

perante a lei, civile equalità, como Maquiavel já afirmara, em Discursos I,2, que não exclui a existência de dois

humores diferentes, do povo e dos grandes, os quais se contrapõem, como plebe e nobres, na antiga república

romana, num quadro institucional. Contudo, a exigência da supressão ou ausência da aristocracia feudal

(constituída de gentis-homens e senhores), para a fundação de uma república, leva a pressupor de que se trata

também de uma igualdade social (disustanze) e não tão somente política (di grado). Como podemos identificar

nesta passagem: devido à desigualdade “[...] nessas províncias [Nápoles, Roma, Romanha e Lombardia] jamais

surgiu nenhuma república, nem qualquer vivere político” (Discursos I,55). 68

Cf. SALATINI, R. & DEL ROIO, M. (Org.). Reflexões sobre Maquiavel. Marília: Oficina Universitária; São

Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 69

Cf. F. ROSSI trata da iconografia, “I ritrati di Machiavelli”, In Illustrazione Toscana, V (1927), fasc. 4, pp.

17ss. Cf. também A. LENSI. "La donazione Loeser", In Palácio Vechio. Florença, 1934, pp. 41; MANSIFILD,

“Di um retrato inédito di N. M”, In: Rivista d‘ Arte, vol. XI, pp. 129, pp. 361ss. Cf. ainda RIDOLFI, R.

Biografia de Nicolau Maquiavel. Tradução de Nelson Canabarro, São Paulo: Editora Musa, 1999, pp. 316-319.

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"As aparências enganam, aos que fingem e aos que amam", porém, a aparência de

Maquiavel indica um pensador irônico, pioneiro de seu tempo e um novo baluarte da reflexão

sobre as tramas das veias políticas dos séc. XV-XVI. Fiori, tratando da aparência e da

essência em um texto reflexivo sobre Maquiavel, afirma que o florentino entende que política

é uma arte e não uma missão. E, por este motivo, o sorriso de Maquiavel demonstra alguém

instigado por política, ao ponto de se tiver que ir para o inferno, que antes preceda um

momento em que possa debater com os grandes pensadores políticos da Antiguidade.

O rosto de Maquiavel apresentado por Ridolfi, ainda indica algumas qualidades que

estão também no seu "sonho de Cipião" narrado por Viroli. São elas: "zombeteiro, irreverente,

dotado de uma inteligência aguçada, pouco interessado nas questões da alma, na vida eterna

ou no pecado" (VIROLI, 2002, pp. 18). Assim, por política enquanto arte, como se definiu a

pouco, Maquiavel entende que o jogo do poder é independente da moral e da religião. Logo, é

preciso dessacralizar e secularizar a política. Trazemos marcados no rosto nossas inclinações,

talvez fruto da esteriotipação, ou mais ainda das coisas que falam de nós, creio que seja este o

caso da interpretação do rosto e da máscara do Florentino.

Maquiavel nasceu em Florença em 3 de maio de 1469 e morreu, na mesma cidade no

dia 22 de junho de 1527. Sua mãe foi Bartolomea de‟ Nelli, a quem um panegirista de sua

cepa atribuiu capitoli [poesia jocosa em terceira rima] e louvações sacras a que não temos

acesso porque se perderam. De seu pai, Bernardo, recebeu o apreço pelos estudos, e de sua

mãe a aptidão para a vida poética. Tendo habilidade em muitas coisas, pode-se também

chamar Maquiavel de “profeta”, pois jamais lhe faltou inspiração e expressões ousadas, e

profetas vivem de ousadia (RIDOLFI, 1999, pp. 30).

Fiori, Ridolfi e Viroli satanizam Maquiavel? Quanto a este aspecto muitos autores

comentam que há algo de diabólico no pensamento de Maquiavel. Ele seria quase o

“embaixador do mal”, por pregar a “arte do engano”. Chamado de "The Old Nick", Maquiavel

é tido como encarregado do diabo. De fato, pode-se dizer que ele é um divisor, mas não do

mal, mas de uma transição de modelos. Esse quadro se reverteu. A esse período de excessiva

repulsa se seguiria um período de intensa admiração por Maquiavel. No século XVII, Francis

Bacon, por exemplo, chama a atenção para as contribuições filosóficas de Maquiavel,

destacando que o autor havia se desvencilhado dos métodos escolásticos tradicionais e tentado

estudar a política através de métodos empíricos. Espinosa, por sua vez, foi aquele que mais

trabalhou para retirar o nome do florentino da escuridão à qual havia sido lançado. Ele destaca

a sinceridade e a honestidade de Maquiavel, apontando que, através de sua correspondência

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pessoal e familiar, percebemos um homem justo e reto. Diz ainda que seu pensamento em si

não traz qualquer tipo de dissimulação ou ambigüidade (MANDANARO, pp. 16-39)70

.

Dos pais, certa vez Maquiavel disse: “nasci pobre e primeiro conheci dificuldades

em vez de amenidades” (RIDOLFI, 1999, pp. 20). Com sete anos, em 1476, teve contato com

a obra de Donatello e também com os primeiros elementos da língua latina. Já em 1480, com

onze anos, ele e seu irmão Totto, de cinco, vão à escola, e Maquiavel inicia seus estudos com

o ábaco (RIDOLFI, 1999, pp. 19). Com estes primeiros passos de formação, e posteriormente

verificando seu pensamento político, Ridolfi afirma que Maquiavel fez valer uma proposição:

“não só a bondade das leis valiam, mas também as virtudes dos dirigentes” (RIDOLFI, 1999,

pp. 20). O que se faz pensar que

la verdadera, la profunda intencion del escritor - que es diferente de su intencion

general (broad intention)- no es convertir la politica en una tecnica, ni concierne

siquiera en primer lugar a la politica. El blanco al que apunta es la enseiianza de la

Biblia y de la f:tlosona clasica y, mas alia del primero, a este ultimo de manera

esencial. Maquiavelo qui ere ser el fundador de una ciencia segura que procure la

inteligibilidad de la sociedad y de las cosas del mundo; pretende desarraigar la idea

de que habria una virtud en S1, una justicia en si, que, aunque fueran inaccesibles de

hecho, constituirian una norma para la conducta human a y la organizacion social;

pretende destruir que trata como un prejuicio, la creencia en una jerarquia en el seno

del alma y de la ciudad en correspondencia con la jerarqu1a de los seres en el seno

del cosmos; la creencia, pues, en una distincion entre alto y bajo que no seria ere ada

por el hombre, sino constitutiva de su naturaleza (LEFORT, 2007, pp. 252)71

.

Em 28 de maio de 1498, Maquiavel é designado como Segundo Chanceler da

República de Florença, apenas cinco dias após a morte de Savonarola72

(MARZI, 1910, pp.

288)73

. Mesmo não tendo uma ligação de certeza que o martírio do “profeta desarmado” tenha

a ver com sua ascensão, alguns biógrafos afirmam que tal fato lhe abrira o caminho

burocrático, mas o que se tem de certo é que Maquiavel competiu conforme a lei com o

messer Francesco Gaddi74

(1441-1495), que era um professor de eloquência na universidade

pública (MARZI, 1910, pp. 265). Como Secretário florentino, BRUSCAGLI enfatiza que, a

70

Cf. MANDANARO, L. A. Segredos do Príncipe ou Jerônimo Osório e de como reagiu o mundo católico

da Ibéria às ideias de Nicolau Maquiavel (Séculos XVI e XVII). Dissertação de Mestrado em História, Juiz de

Fora, 2008. 71

Pode-se conferir: LEFORT, C. Le temps présent. Écrits 1945-2005. Paris: Belin, 2007. 72

Savonarola impôs uma nova ordem política na república, de acordo com WEINSTEIN, R. Savonarole et

Florence, Calmann-Lévy, 1973, pois possuía uma autoridade moral para com a cidade de Florença

(BIGNOTTO, 1991, pp. 60). Mas, conforme a história, Savonarola perdeu-se em seu sonho milenarista, pois não

foi capaz de compreender que ocupava o mesmo lugar de Moisés (BIGNOTTO, 1991, pp. 129). Cf. também

VIROLI, M. O sorriso de Nicolau. São Paulo, Estação Liberdade, 2002, pp. 33-35. 73

Carta de Bartolomeu da Dicomano, 29 de maio de 1498. 74

D. MARZI, La Cancelleria della Repubblica fiorentina, Rocca San Casciano 1910, ad indicem; L. Sozzi,

Lettere ined. del Commynes a F. G., in Studi di bibliografia e di storia in on. di T. De Marinis, IV, Verona 1964,

pp. 205-262.

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missão de Maquiavel estava reportada sob o ordenamento da política e da escritura sob as

insignes da: "lettere, legazione e commissaire" (2008, pp. 17)75

.

Maquiavel foi Chanceler e depois Secretário das relações exteriores da República de

Florença entre 1498-1512. VIROLI o denomina como “Secretário muito particular” (2002,

pp. 49-57)76

. Trata-se de perceber as primícias da reflexão política de Maquiavel ao tempo em

que era Secretário da República, portanto antes do famoso Maquiavel conhecido e divulgado

pela obra do Príncipe.

Dos relatórios, Maquiavel saltara da empiria dos fatos da vida política de seu

tempo, parte dos quais esteve presente como Secretário político, para lançar os

fundamentos basilares da filosofia política moderna77

.

Na Segunda Chancelaria, Maquiavel substituiu Adriani78

, e como Secretário do

Conselho dos Dez da Guerra, serviu a instituição que na Signoria tratava da guerra e da

diplomacia. Sobre os diplomatas escreveu relatórios críticos em relação a tradição. Via um

novo modelo de mundo surgindo. Maquiavel ia aprendendo com a história79

. BRUSCAGLI

desenvolve esta tese em seu texto sobre a reflexão de Maquiavel em relação as coisas da

Romagna (2008, pp. 20-26). Tornou-se um conhecedor profundo dos mecanismos políticos e

viajou incessantemente participando em vinte e três embaixadas das cortes italianas e

européias, conhecendo vários dirigentes políticos, como Luís XII de França (1462-1515), o

Papa Júlio II (1443-1513), o Imperador Maximiliano I (1459-1519) e César Bórgia (1475-

1507). Em sua obra, História de Florença, chega a ser mencionado como interpretação de seu

olhar para o papado, o termo “sinuoso” para tal política do Vaticano em relação ao seu

modelo e lógica (JACOBELLI, 1998, pp. 17-24).

75

Cf. C. Bec, La biblioteca di un alto borghese fiorentino: F. G., In Cultura e società a Firenze nell'età della

Rinascenza, Roma 1981, pp. 197-205; A. Verde, Lo Studio fiorentino, IV, 2, Firenze 1985, p. 557; V. Arrighi -

F. Klein, Dentro il palazzo: cancellieri, ufficiali, segretari, In: Consorterie politiche e mutamenti istituz. In età

laurenziana, Firenze 1992, pp. 91-93. 76

Em relação ao Maquiavel Secretário pode-se ler também – WERTHEIMER, O. V. Maquiavel. Trad. Herbert

Caro, Porto Alegre: Edição da Livraria Globo, 1942, pp. 37-67. 77

Conforme Antonio J. R. VALVERDE, na Introdução: “Maquiavel a cavalo: Os Primeiros Escritos Políticos”,

pp. 24, In: MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt

Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração,

FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010. 78

Ridolfi descreve Marcello Virgilio Adriani como uma espécie de referencial para Maquiavel. Na Biografia de

Maquiavel, Ridolfi parece dispor o paradoxo: seriam Maquiavel e Adriani uma espécie de amigos ou discípulo –

mestre? Giovo propõe esta relação, mas nem todos os biógrafos concordam. E este paradoxo tem haver com a

escolha de Maquiavel para o cargo de segundo secretário. Entre eles, afirma Ridolfi, (1999, pp. 35): “acontece

que entre eles, um amava as coisas, o outro as palavras”. 79

Bruscagli afirma que da história e dos atores Maquiavel foi aprendendo a perceber e a escrever sobre a técnica

política (2008, pp. 26).

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Walter Silva, refletindo sobre o secretariado de Maquiavel em Florença, tendo como

foco a questão da guerra, e citando Guidi (2009)80

afirma

[que no breve escrito do citado] L‟esperienza cancelleresca nella formazione

politica di Niccolò Machiavelli, destaca-se a importância de enxergar os textos de

governo em I primi scritti politici, de Maquiavel, do período compreendido entre

1499 e 1512 – e, portanto, restritos ao seu período como Segretario na Chancelaria -

não apenas como simples fonte de informações sobre aquele raro momento

histórico, ou como parte da emergência de um novo pensamento político ou modelo

literário, mas principalmente, como bancada de testes e laboratório experimental de

sua crescente intelectualidade (DA SILVA, 2013, pp. 30).

Como se sugeriu há pouco, nem tanto o céu, nem tanto a terra, mas com Maquiavel,

as coisas da vida civil tinham totalmente prioridade. Maquiavel opera na escrita um retorno ao

mundo temporal, pois a própria identidade do ser humano é temporal e correlativa a uma

sociedade, da qual é simultaneamente produto e produtor, também é: senhor de si mesmo

(investido e sacramentado; Cf. NUNES, 2008, pp. 43. 47). Como há pouco se apresentou na

abertura deste item, a política está no centro, mas a ética, mesmo "a meia luz" não pode ser

apagada. Uma premissa importante é que para Maquiavel o mundo deve ser aceito como ele é.

Quem quiser viver neste mundo, mundo de atividades, mundo dos negócios, mundo das

habilidades (virtù), é preciso estar no mundo ativamente (NUNES, 2008, pp. 51). Mandarano

escreve

uma das coisas que pretendi foi mostrar que Maquiavel não era um moralista cristão,

mas que isso não significava ser ele imoral, já que havia outras formas de moralismo

disponíveis no século XVI italiano para uma pessoa educada na tradição da filosofia

moral romana (MANDARANO, 2008, pp. 08)81

.

Nestas experiências, o aceite do mundo nada tem que ver com passividade, mas o

contrário, deve ser entendido a partir de uma nova lógica, a da força, que começa a fazer

sentido, pois ela se centrava numa relação política onde a determinação teleológica, ou era em

forma acordos, ou na efetividade do uso das armas (RIDOLFI, 1999, pp. 41). Uma

constatação do florentino foi a de que não recorrendo à força, a República fica a mercê da

fortuna. Isso é muito perigoso nos "tempos atuais" (pensando ao tempo de Maquiavel). O uso

da força está direcionado ao domínio instintivo humano, onde as relações são menos racionais

e mais brutais. "Mezzo uomo, mezzo bestia". Como exemplo efetivo da lógica da força,

percebe-se no relatório de 1515, intitulado Descrição da maneira empregada pelo Duque

Valentino para matar Vitellozzo Vitelli, Oliverotto da Fermo, Signor Pagolo e o Duque de

80

GUIDI, A. Un Segretario Militante. Politica, diplomacia e armi nel Cancelliere Machiavelli. Bologna.

Italia: Società Editrice Il Mulino, 2009. 81

BURKE, M. L. P. As muitas faces da História. São Paulo, UNESP, 2000, pp. 325.

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Gravina, Orsini, no qual descreveu com uma precisão cirúrgica os assassinatos políticos

impetrados por César Bórgia, filho do Papa Alexandre VI.

Estas experiências promovem uma reflexão do aprendizado de Maquiavel no tocante

a questões de ordem prática aprendidas na Chancelaria. Adverse aponta que já nos primórdios

de sua incumbência aristocrática, o florentino propositou que o ethos político da liberdade não

pode ser compreendido apenas negativamente porque envolve um principio de ação (2007,

pp. 37). Deve haver um comprometimento com a civiltá, ou seja, o engajamento em prol da

(re) conquista da liberdade e de sua manutenção ultrapassa o limiar dos bens estabelecidos

pessoais (ADVERSE, 2007, pp. 37). Portanto, estas experiências implicavam em estabelecer

para cada habitante, patriota, uma missão referente a ser guardião da liberdade, uma certa

representatividade, mesmo com aspectos da monarquia nos moldes antigo. Este

reconhecimento, ressalta Adverse "satisfaz, no âmbito institucional, o desejo de participação

na vida pública" (ADVERSE, 2007, pp. 41).

Ridolfi exprime o estilo de Maquiavel ao afirmar que “só depois de uma longa

experiência e contínua leitura” é que o florentino se dispunha a escrever algo sobre um fato

(RIDOLFI, 1999, pp. 33). Não sendo “nem doutor, nem escrivão” (RIDOLFI, 1999, pp. 32)

pode-se dizer que logo em seus primeiros anos sob a frente da Signoria e adjunto a César

Bórgia, Maquiavel concebeu a necessidade política do uso da força.

Quando assumiu a Chancelaria, Maquiavel tinha 29 anos e não possuía nenhuma

experiência administrativa anterior. A sua preparação foi realizada por recrutamento formal

denominado studia humanitatis82

, onde provavelmente, estudando especialmente o romano

Cícero, ele foi desenvolvendo sua formação e ideias. Essa educação, verdadeiramente

humana, sublinha SKINNER, passaria pelo aprendizado e aprimoramento do estudo de latim,

da retórica e da leitura cuidadosa da história antiga e da filosofia moral (1988, pp. 15).

Como diplomata e atrelado ao tema da teoria da força, Maquiavel teve, logo de

inicio em sua carreira o serviço dos Dez da Guerra. A priori sua função era pacificadora,

basicamente de informante sobre os negócios de Florença no estrangeiro. No ano de 1500,

diante da rebeldia de Pisa, como descreve o primeiro texto dos I Primi Scritti Politici, os

franceses concordaram em ajudar os florentinos na tentativa de reconquista. Por isso enviaram

tropas para "sitiamento". Maquiavel aprende, logo de início, que a força das armas é mais útil

82

"Outros animais têm inerente a sua natureza certos poderes: o cavalo o poder de correr, as aves de voar; mas

ao homem foi dado o desejo de conhecer, e é daí que os studia humanitatis retiram seu nome. Pois aquilo que os

gregos chamam de paidéia nós chamamos de erudição e educação nas artes liberais” (ADVERSE, 2011, pp. 10).

Cf. também GUARANIO, B. "Ad Maffeum Gambaram brixianum adulescentem generosum discipulum suum,

de ordine docendi et studendi". In: C. Kallendorf. Humanist educational treatises. Cambridge: Harvard

University Press, 2002, (Coleção I Tatti Renaissance Library), pp. 306.

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do que a força das palavras, porém mesmo com esta desproporção de utilidade, ele não desiste

do discurso. Seu antecessor em Florença, o Frade Savonarola, perdeu-se nas palavras,

Maquiavel não poderia titubear. Tal alçada de estratégia não teve bom retorno, ou seja, não

obteve sucesso o florentino, pois o ataque teve de ser cancelado. Teve um grande aprendizado

em tudo isso, “Florença parece absurdamente vacilante e fraca” (SKINNER, 1988, pp. 19-20).

Por ter sido gonfaloneiro83

da República florentina, é visto com desconfiança pelo

governo dos Médici, até ser demitido em sete de Novembro de 1512, preso e torturado em

1513, sendo depois exilado à propriedade que herdara da família, em São Casciano. No retiro

forçado, tenta ardorosamente voltar às graças da família que ocupa o poder, sendo deste

período as mais importantes obras, como: Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio

e O Príncipe (BELOZZO, s/d, pp. 3-4).

Foi na ocasião que redigia O Príncipe que escreveu a um amigo:

À tardinha volto pra casa e vou pra minha biblioteca; deixo à porta as roupas

poeirentas que usei durante o dia, visto-me decentemente antes de penetrar no

recinto dos homens do passado. Eles me acolhem com bondade, e com eles eu me

nutro do alimento que me é próprio e para o qual eu fui feito. Tenho a ousadia de

dirigir-me a eles e perguntar-lhes as razões por que agiram desta ou daquela forma.

Eles são boas almas, e em regra, respondem. Assim, por muitas horas estou livre de

aborrecimentos, esqueço todas as minhas dificuldades, domino o medo da pobreza

e o horror da morte. Deixo-me absorver inteiramente por eles (Carta de Nicolau

Maquiavel à Francesco Vettori de 10 de Dezembro de 1513, In: SFORZA, 1951,

pp.192-193).

Sobre a situação de Maquiavel após a perda do cargo de Segundo Secretário dos

Dez, comentou Charles BENOIST que: “tudo estava perdido, mas nós ganhamos Maquiavel”.

A vivência cotidiana durante anos de importantes acontecimentos políticos possibilitou ao ex-

secretário de Florença refletir sobre a fragilidade da península Itálica diante de países com

governo centralizado. Seu ideal era a unificação da Itália, e não considerava isto uma utopia.

Porém, este trâmite só seria possível com a construção de degraus e de escolhas nos

disjuntivos da ação política. Maquiavel assimilara o que postula ser a essência da política: a

combinação entre o uso da força e da astúcia como chaves da conquista e da manutenção do

poder.

Junto ao Duque Valentino, em 1502 na Romagna, surge e se forma com clareza em

sua mente, o pensamento que logo devia ocupar, de forma central, o resto de sua vida: a

possibilidade da construção de uma ciência do estado, separada e independente de toda

83

Gonfalonieri era uma função muito prestigiada nas comunas da Itália renascentista e medieval, principalmente

em Florença. O termo deriva da palavra “gonfalone”, bandeira ou estandarte das cidades-Estado, no caso de

Soderine, era o cargo mais importante ocupado em Florença.

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consideração moral (prevista e entendida, como já se mostrou, enquanto cristã). Em tal

consideração, começou a ver o único meio para concebê-la claramente e fundá-la sobre uma

nova base. Sucintamente podemos dizer que assim como as premissas de Galileu Galilei

(1564-1642) tornaram-se a base da Ciência Natural, as premissas de Maquiavel tornaram-se a

base de uma nova modalidade de pensar os acontecimentos políticos. Rompendo com a

tradição medieval que partia da verdade revelada para deduzir o real, Maquiavel propõe um

método que contava com as explicações transcendentais e éticas (medievais) dos fenômenos

políticos (CHABOD, 1964, pp. 279-297). E mesmo sendo mal interpretado, como há pouco

líamos em Sadek, Maquiavel não é "maquiavélico"84

. Maquiavel não era o vilão que as

pessoas pensam. Ele não era nem malvado. O termo maquiavélico tem sido constantemente

mal interpretado.

[...] “maquiavélico”, é utilizado pejorativamente para classificar o governante

totalitário, corrupto, dentre outros adjetivos, é derivado de uma compreensão

errônea da obra deste pensador. Muitos teóricos e estudiosos da política – mesmo

assumindo a importância do legado de Maquiavel, considerando-o fundador da

ciência política – têm atribuído-lhe uma noção de política anti-ética, de ações

voltadas exclusivamente para seus fins. De modo que, recai sobre o autor a culpa por

ter construído os alicerces de uma política moderna ilegítima e violenta (SANTOS,

2007, pp. 186).

Maquiavel nunca chegou a escrever a sua mais famosa frase: “que os fins justificam

os meios”. Precisa-se refazer esta tradução. O certo é que tenha dito que precisa "buscar fins".

Falou-se de makários no primeiro tópico, ou seja, o caminhante que não deve desistir.

Makários é aquele que deve perseguir os fins. lutar pelos fins. Aqui tem-se um outro fator

importante de sua personalidade, que marca sua obra, seus intérpretes, a recorrência ao

passado como principio e fundamento da aprendizagem política.

[...] o centro de interesse de Maquiavel fixa-se então na Antiguidade, o que ordenará

toda a sua análise, isto é, que impulsionará todas as questões que sejam levantadas.

Esse centro é Roma, um Estado que dura. O centro de Roma e seu começo. [...]

Aqui, voltamos a encontrar, no coração da reflexão e do discurso de Maquiavel, o

mesmo ir e vir entre o passado e o presente, entre a teoria geral e o problema

concreto [...]” (Althusser 4, p. 99). Mas, complementa Althusser, “o tratamento da

Antiguidade por parte de Maquiavel é interessante por outra razão, a de ter

permitido-nos captar a originalidade de nosso autor” (Althusser 4, pp. 99).

84

Se maquiavelismo significa engano ou hipocrisia para alguns intérpretes históricos ou alguns "aventureiros" do

pensamento de Maquiavel, pode-se afirmar que: "Maquiavel não era maquiavélico". O Florentino nunca foi um

hipócrita. Cassirer afirma que se trata, na história das ideias políticas de um grande mestre, possuidor de manejos

políticos e de uma noção prudencial das traições próprias do cenário social. Maquiavel é tido, segundo Cassirer

com um dos escritores políticos mais sinceros de todos os tempos.

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O busto histórico de Maquiavel (RIDOLFI, 1999, pp. 274), de barro cozido,

apresenta sob o cansaço e a amargura, uma fisionomia arguta e astuta, algo que é ali o que há

de mais genuíno. Enfim, com sua morte não se tem respaldo em sua memória de textos

panegíricos. Maquiavel ficou mais famoso por seus escritos contra-humanistas e taxados de

maquiavélicos do que por outro motivo contundente. O que ocorreu foi que, com a morte, que

há muitos costuma dar justa fama e paz, à Maquiavel trouxe, sobretudo, guerra e paz

(RIDOLFI, 1999, pp. 285). Mas não se pode negar que a obra de Maquiavel revela em grande

escala um homem sagaz, observador, articulador e até mesmo genial.

É diante desta sua postura que será analisado a escolha que se propõe pelo uso da

força, das forças armadas, num exército próprio, não como uma fuga, ou algo aleatório, mas

decorrente de um estudo do tempo, do contexto histórico. Pode-se perceber também que no

fato ocorrido em 1494, com Pisa rebelando-se contra Florença, e toda a reflexão e ação que

Maquiavel arquiteta e lidera na reconquista de Pisa, percebe-se os fundamentos da nova

moldura social, a lógica da força (PANCERA, 2010, pp. 102).

Uma antiga regra dos florentinos era manter Pisa sob seu domínio com as

fortalezas, ou seja, com a força, e Pistóia com os partidos85

. Mas já tinha chegado

ao ponto em que a força não bastava para manter Pisa, e os partidos chegados ao

ponto de perder Pistóia (RIDOLFI, 1999, pp. 61).

Maquiavel também esteve a lidar com a índole dos florentinos, marcada por muitos

vícios que denigrem o ideal de virtù, sobretudo o luxo, o jogo, a luxúria e a sodomia. Lidava-

se com uma índole de aparência agradável, porém continha um fundo amargo e áspero, talvez

um lampejo de crueldade sob a cívica bonomia, e não são todas jocosas e boazinhas, mas

aguçadas em ironia. Nem a palavra de Cristo, enquanto “arma do amor”, sob o eco de Roma

conseguiria aplacar tal situação dos florentinos. Quem sabe não fosse por este contexto

religioso fortemente apático que ele não tenha “caído do cavalo” tipologicamente de mode a

Paulo de Tarso. Mas, a situação chegou a tal ponto que após a morte do profeta desarmado,

Savonarola, um dos senhores publicamente pode afirmar: “Louvado seja Deus, agora

podemos sodomizar” (RIDOLFI, 1999, pp. 25-28)86

. Maquiavel precisou realçar o valor e a

função das leis. Pergunta um anônimo

85

Sobre o binômio - força e partidos - indica-se a leitura de KRITSCH, R. "Maquiavel e a construção da

política". In: Lua Nova [online]. São Paulo, nº 53, 2001, pp. 181-190. 86

Cf. RIDOLFI, R. Vita di G. Savonarola. Florença, Sabsoni Editore, 1974, pp. 427, pp. 668. No capítulo VI

sobre a biografia de Maquiavel, o autor, Ridolfi, afirma (1999, pp. 71) que “Florença sempre supriu os defeitos

das leis com a virtude dos cidadãos”. Isso denota, se por um lado a morte da interdição religiosa dá espaço para a

vida sexualmente “depravada” do ponto de vista cristão, a virtude que o povo florentino gozava era de outra

natureza, quem sabe até mesmo estóica.

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qual lei? A do reino ou a de Maquiavel? Ainda há memórias desse cão! Vá-se

presidir no inferno. Sabeis vós quem é esse perro? É o mais mau herege que

vomitaram neste mundo as Fúrias da Babilônia. (A Arte de Furtar, Século XVII).

Desta obra, de autor anônimo, recai-se sobre a personalidade e a história deste

Florentino, com um pesar de culpa que não deveria se sustentar. Diz-se isso devido ao fato de

ter em Maquiavel uma abordagem nova, um esboço de nova mentalidade, enfim, uma

originalidade. BERLIN, ao refletir sobre esta originalidade de Maquiavel87

destaca a

ambiguidade que sua obra e sua postura política denota através dos séculos. Diz que não há

consensos sobre os livros dos Discorsi e nem mesmo sobre o Príncipe. Encerra-se este ítem

comentando alguns dados interpretativos da pessoa de Maquiavel.

De fato, são tantas interpretações que nos distanciamos de um Maquiavel, antes

destas obras: Príncipe e Discorsi. Porém, segundo Alberico Gentili88

e Garret Mattingly89

Maquiavel escreveu no Príncipe uma sátira, pois ele não poderia ter querido dizer o que disse

(BERLIN, 2002, p. 301). Os autores não acreditam que o Príncipe seja uma obra política, mas

um meio de Maquiavel conjecturar em modo de comédia com seu tempo e com seus autores.

Félix Gilbert, já pensa o contrário, acha mesmo que o Príncipe é uma obra própria

da Renascença, do estilo em que os humanistas tinham que aprender. Benedetto Croce90

interpreta Maquiavel como um humanista angustiado, já Von Muralt91

afirma que Maquiavel

era um humanista amante da paz. Maquiavel seria alguém sinceramente buscando o prazer da

87

BERLIN, I. “A originalidade de Maquiavel”, In: Estudos sobre a humanidade: uma antologia de ensaios,

Tradução de Rosaura Eichenberg, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, pp. 311. A apresentação de Berlin

não é histórica, mas de acordo com as aproximações teóricas dos diversos autores que se encontram em espaço e

tempo distanciado. Gentili e Mattingly, por exemplo, estão um, no séc. XVI, contemporâneo de Maquiavel, o

outro, no séc. XX, mas ambos concordam numa típica interpretação do pensamento e das obras mais famosas do

florentino. Nesta mesma linha, Ridolfi denomina Maquiavel como historiador, corógrafo e escritor trágico, In:

Biografia de Nicolau Maquiavel, Tradução de Nelson Canabarro, São Paulo: Editora Musa, 1999, pp. 237ss.

251ss. 88

Alberico Gentili (1522-1608), notável pensador do Direito Internacional testemunhou e foi parte ativa do

grande movimento de reação contra o predomínio econômico e espiritual do Papado que se estendeu do princípio

do século XVI até as guerras religiosas que culminaram com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), fenômeno

que ficou conhecido como Reforma Protestante. 89

Garrett Mattingly (1900-1962). Tinha sua preocupação voltada para o histórico da diplomacia. Tendo ganhado

o prêmio Pulitzer por um best-seller sobre a Armada Espanhola, entre 1918-1919, como um sargento do Exército

dos EUA, aprendeu muito sobre as forças armadas. 90

Benedetto Croce (1866 – 1952) foi um historiador, escritor, filósofo e político italiano. Os seus escritos giram

em torno de um largo espectro temático, sobretudo estética e teoria/filosofia da história. É considerado uma das

personalidades mais importantes do liberalismo italiano no século XX. Na política, foi nomeado senador em

1910. Entre 1920-21 foi ministro da educação. Croce opôs-se ao governo fascista de Benito Mussolini, embora

inicialmente o tivesse apoiado. 91

Segundo Leonard von Muralt, Maquiavel é o adversário mais declarado do maquiavelismo. Segundo ele, não

apenas seria um equívoco chamar Maquiavel de pai da mentira, como o florentino desaconselharia abertamente a

mentir, porque não ignoraria que a honestidade é a melhor diplomacia. Maquiavel de forma alguma poderia ser

tido como defensor da tirania, pois acolheria como forma de governo ideal a república fundada sobre a justiça,

defendida por um exército constituído pelos próprios cidadãos e regida pela lei. Cf. MURALT, L. von.

Machiavellis Staatsgedanke. Basel: Benno Schwabe, 1945, pp. 67-81.

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vida segundo o modelo antigo e clássico dos estóicos? Justus Lipsius92

o interpreta assim,

pois admite Maquiavel como um patriota apaixonado. Outros intérpretes viam em Maquiavel

um técnico frio, sem compromisso ético ou político93

. Maquiavel é de fato, um “homem

sensível aos traços característicos de seu tempo” na visão de Genaro Sasso. Para o idealismo

alemão, sob a interpretação de Fichte, Maquiavel é um homem de intuição profunda sobre as

forças históricas. Na mesma linha, o pai do movimento, Hegel afirmou que:

Ele é o homem de gênio que percebia a necessidade de unir um grupo caótico de

pequenos principados fracos num conjunto coerente; suas panacéias específicas

talvez despertem repulsa, mas são acidentes devidos às condições de seu próprio

tempo... (BERLIN, 2002, pp. 303)

Köning94

tem uma opinião contrária, pois avalia as ideias do florentino não como

um realista, mas como um esteta que vive no mundo caótico e sórdido da Itália Renascentista.

Renzo SERENO (1959, pp. 159-167) afirma que Maquiavel é alguém profundamente

frustrado, que nas penas de seus escritos encontra ecos de súplica desesperada. Karl Marx e

Friedrich Engels interpretam a obra de Maquiavel, principalmente a História de Florença,

como uma obra gigantesca que tem como ícone a imagem de Maquiavel enquanto um grande

iluminista. David Hume e Karl Popper interpretam o florentino como um antimetafisico e

propagador de premissas anti-teológicas (BERLIN, 2002, pp. 303-304).

Segundo Hannah Arendt, Maquiavel “viu que toda a história e a mentalidade

romanas dependiam da experiência da fundação e acreditou ser possível repetir essa

experiência por meio de uma Itália unificada, que deveria constituir para o

organismo político “eterno” da nação italiana a mesma pedra angular sagrada que

fora a fundação da Cidade Eterna para o povo latino” (ARENDT, 5, pp. 183).

Pode-se dizer que Maquiavel é um intelectual que faz uma ruptura dramática com o

passado. Quanto à religião, ela não é para Maquiavel algo de importante. Não crê, mesmo

havendo controvérsias entre os biógrafos, que haja pressuposição séria da existência de Deus

e da lei divina. Também não é devoto para com a autoridade, evidentemente religiosa, o que

em alguns casos específicos torna-se contradição (BERLIN, 2002, pp. 307). Por isso que

segundo Berlin, os jesuítas o consideravam “o parceiro do diabo no crime”, “um escritor

desonrado e ateu”. Bertrand Russel vê o Príncipe como um compêndio para gângsteres, uma 92

Justus Lipsius (1547-1606) foi um filólogo e humanista flamengo. É considerado um dos eruditos mais

famosos do século XVI. Estudou com os jesuítas em Colônia, que lhe corroboraram a sua extraordinária paixão

pela literatura clássica latina e grega. 93

Essa visão pode ser creditada ao autor – Ernest Cassirer. Ele (nasceu 28 de julho de 1874, Breslau – 13 de

abril de 1945, Nova York) filósofo de origem alemã. Sua obra mais famosa foi Filosofia das formas simbólicas. 94

René König (1906-1992) reflete como Maquiavel lida com o poder e em sua obra afirma ser o florentino:

"Feiticeiro do poder, esteta da violência". Cf. KÖNIG, R. Niccolò Machiavelli: zur Krisenanalyse einer

Zeitenwende. München: Carl Hanser, 1979, pp. 338.

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espécie de vademecum para quem deseja tiranizar os outros (BERLIN, 2002, pp. 305). O texto

que nos serve de guia, a “Note sur Machiavel”, é o único que Merleau-Ponty dedica

inteiramente a esse autor.

O problema que Merleau-Ponty busca pensar por meio do pensador florentino é o da

instituição ou reinstituição de um poder político que não produza a anulação do

conflito que é inerente a sua origem e, em última análise, à vida em comum; ou, dito

de outro modo, o que Merleau-Ponty busca ao encontro de Maquiavel e de encontro

com o marxismo hegeliano é um meio de pensar uma revolução que não dê lugar a

uma restauração ou a um totalitarismo95

.

E assim procede a análise de um autor que viveu intensamente seu tempo.

Maquiavel secretário é um notário atento aos movimentos da política. Política é toda e

qualquer ação que envolve os sentimentos e as relações humanas. Maquiavel secretário traz

em seus escritos de 1498-1512 a novidade da lógica da força que doravante, chegando até

nossos dias, século XXI, é o ordenamento da vida política concreta.

Neste instante, o texto se endereçará aos disjuntivos da ação política presente nos

relatórios dos I Primi Scritti Politici. Neles, Marchand demonstra como Maquiavel lida com a

necessidade da abordagem da lógica da força, apresentada como uma opção adversa a

passividade política do contexto medieval, portanto centrada na ação. E posteriormente se

demonstra como esta teoria se relaciona, enquanto uma intransigência, a ideia relacional desta

mesma teoria com a necessidade das leis que mantém o bom funcionamento do estado e do

governo. Comparato assinala a finalização deste item dizendo que

o alto burocrata florentino foi o primeiro a sustentar, cruamente e sem eufemismo,

que a vida pública é regida por uma ética especial, cujos valores supremos são a

estabilidade interna e a independência externa da sociedade política. O direito deve

servir a essa finalidade maior, e o cumprimento dos preceitos de moral privada e dos

mandamentos religiosos há de submeter-se às exigências básicas de respeito à ordem

e manutenção da segurança. (2006, pp. 155).

Assim sendo, conclui-se, desta forma, com Walter Alves que

Maquiavel soube utilizar sua posição e experiência como Segretario da República,

bem como de sua influência sobre Piero Soderini, para encabeçar uma campanha a

fim de que Florença voltasse a utilizar uma milícia cívica. Durante o grande assédio

a Pisa, com a rebelião de 1505 dos soldados mercenários acampados ao longo de

suas muralhas, que acabou por levar à suspensão do cerco à cidade inimiga, fica

clara a necessidade do abandono da prática de contratação e pagamento de soldados

estrangeiros e a urgência em se estabelecer uma milícia própria florentina. Foi,

portanto, nesse contexto histórico, que combinava “traição e incompetência”, e com

base em seus pensamentos e convicções, que Maquiavel propõe um plano detalhado

para a cidade abandonar a prática de uso de forças mercenárias (DA SILVA, 2013,

pp. 32).

95

MERLEAU-PONTY, M. “Note sur Machiavel”. In Signes, Paris, Gallimard, 1960.

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1.3. A Lógica da força e seus disjuntivos96

em I Primi Scritti Politici

A novidade da política ativa no pensamento de Maquiavel se apresenta num novo

modus: a partir da percepção da verittà efetuale della cosa, da factualidade a concepção de

uma política de cunho orgânico e determinada pela tríade: força, liberdade e justiça. Esta

novidade é uma proposta e uma nova interpretação política e de reformulação do contexto

socioeconômico e obviamente político no qual Florença e as demais cidades italianas estão

submetidas. É necessário uma renovação de estrutura social e do ideário que sustenta tal

estrutura. Tanto é que, Lefort ao interpretar este contexto afirma que a legitimação do poder

ocorre na ideia de governo que conserva, conquista e reconquista ao interno da dinâmica dos

humores (LEFORT, 1972, pp. 346). Por isso é que pode haver uma pressuposição, ou ainda

uma percepção de que em Maquiavel, há a ideia de que “o sonho republicano de restauração

das liberdades em Florença” só será possível, na medida em que se reflita sobre a composição

do Estado fundado na força e na recomposição da guerra (LEFORT, 1999, pp. 143)97

.

A força produz, portanto, um duplo efeito no campo da política. Ela é o fator

objetivo que divide os atores e faz pender a balança para um lado ou para o outro do

campo de disputas que é a cena internacional. Nesse sentido, sua posse é um bem

desejável e um elemento essencial para o pensador que se ocupa com a política. Sua

dimensão objetiva faz, no entanto, com que ela interfira não somente no terreno das

guerras, mas também naquele da produção da imagem e do juízo. Os franceses

estavam conscientes de que eram mais fortes que os florentinos e dessa constatação

passavam para um plano diferente de julgamento quando forjavam uma ideia global

não apenas daqueles com que discutiam e dos quais tentavam obter vantagens, mas

de si próprios. O fato objetivo das armas era também a mola dos juízos a respeito

dos outros e o ponto de partida de constituição da autoimagem. Nessa passagem para

o plano do imaginário, a força pode se converter numa fonte de ilusões que, longe de

reforçar o poder dos que a detém pode contribuir para destruir seu poder. Nas

semanas seguintes, Maquiavel se dedicou a procurar entender o comportamento dos

franceses e a maneira como pensavam o mundo que os circundava e maneira como

isso afetava Florençam (BIGNOTTO, 2014, pp. 52).

Sobre a tríade enunciada [força, liberdade e justiça], Lefort indica que no Príncipe

Maquiavel demonstra a ideia de força atrelada ao conceito de necessidade. Quando se, por

exemplo, se um ator político deve aprender a não ser bom, isso não deve ser entendido como

se Maquiavel estivesse querendo dizer que o príncipe devesse ser sempre mal, mas a se valer

96

A ideia deste conceito surge na leitura da obra de Marchand (1975) sobre os I Primi Scritti Politici, pp. 5-23,

na medida em que o autor utiliza o termo "dilema" para referir-se a situação de Pisa em 1499. Preferiu-se aqui a

utilização do conceito "disjuntivo", exatamente por se compreender que o termo dilema é algo que indica não

resolução. Portanto, pela ideia de disjuntivo é que a força se faz um conceito frente ao seu revés, o amor (pp. 22). 97

A ideia básica desta concepção/conceito, fundamenta-se na obra do pesquisador e interprete de Maquiavel,

Claude Lefort, que a partir do Príncipe, elaborou uma tese que define que a virtú é sustentada por sua qualidade -

a força, ou seja, Lefort afirma que o regimento e a ordenação mais eficiente da ordem social é o uso da força,

como recurso eminentemente necessário da ação política. Cf. LEFORT, C. Le Travail de l‘Oeuvre Machiavel.

Ed. Gallimard, 1972, pp. 346-368.

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ou não desse recurso conforme a necessidade. Nesse sentido, o que ele refere é que quem

quiser ser sempre bom em tudo o que vier a fazer, vai se arruinar em meio a tantos que não

são bons, logo, o príncipe deve aprender a usar a "maldade e a ferir quando for preciso". É por

essa razão que, a força se configura, portanto, como um elemento necessário na vida política,

especialmente, porque é por meio dela que se pode assegurar a paz, o progresso e a

permanência do príncipe no poder. Não obstante, a liberdade, tema forte do Discorsi, está

atrelada a ideia de força na medida em que os guardiães desta dignidade humana e social é o

povo. Maquiavel demonstra nos Discorsi sua preferência pela civilização romana neste

sentido. Este espírito de liberdade vinha, em grande medida, devido a determinadas

características da época. Poderíamos dizer que uma delas teria sido “o desenvolvimento de

uma consciência cívica” (BIGNOTTO, 1991, pp. 16). O povo é o guardião da liberdade, e

enquanto isso não for uma realidade, a força se faz necessária na tensão dos humores. Justiça

é a equidade. A virtù é a genetriz de todas estas ideias, pois é dela que, com prudência se usa a

força, e a medida em que se deve usá-la, e por ela que se conquista e mantém a liberdade e é

em sua frieza e calculismo, enquanto autoconstrução que se efetiva a justiça. Assim

Maquiavel estuda o ato da conquista a partir de alguns casos de conquistadores

particulares (BIGNOTTO, 1991, pp. 125); e observa que o ato da conquista é, na

verdade, um ato político e não meramente um ato de força (COSTA, 2015, pp. 93).

A "lógica da força", como um esboço de teoria política, é uma novidade que se

propõe ao se ler os relatórios dos I Primi Scritti Politici de Maquiavel. Em verdade, Claude

Lefort98

, numa leitura da obra do florentino, sobretudo, fundamentado no Príncipe, percebeu

fragmentos dos relatórios anteriores, reunidos numa proposta disjuntiva, já disposto

anteriormente por outro intérprete, desta vez dos relatórios, J. J. Marchand, e que tem como

esboço e fundamentação teórica a ideia de avanço em torno da conquista e reconquista.

No ato político da conquista, a força, como um ato de violência, está

inevitavelmente presente. Maquiavel, entretanto, parece se interessar no Príncipe

não pela força como violência, mas pela força como atividade política. No Príncipe,

a força como atividade política justificaria o agir político, amparado na ideia de que

a força seria um elemento complexo, com diferentes possibilidades de uso político, e

que seria, sobretudo, um elemento mediador entre a política e a pura violência99

.

98

Lefort retém insistentemente uma observação do florentino acerca de “duas tendências diversas” que se

encontram em todas as Cidades no sentido de polis: “o povo não deseja ser governado nem oprimido pelos

grandes, e estes desejam governar e oprimir o povo.” Com isso, observa nosso autor, “o filósofo florentino havia,

bem antes de Marx, percebido a divisão de classes em todas as sociedades históricas”. Na sua obra: Le Travail

de l‘Oeuvre Machiavel (1972), Lefort introduz a lógica da força como ideia matriz do novo ordenamento da

política renascentista. Para o Lefort não se conquista e nem se mantém no poder sem o uso matemático da força. 99

COSTA, P.H.S. "Política, força e virtù em Maquiavel", pp. 94. In: Griot – Revista de Filosofia, Amargosa,

Bahia – Brasil, v.11, n.1, junho/2015/www.ufrb.edu.br/griot - acesso em 11 de Dezembro de 2015.

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Resaltam Lefort e Marchand que a lógica da força está vinculada ao homem de virtù,

e que investindo em exércitos de cunho patriota podem utilizar-se da força como uma escolha

calculada de investidura política de ação. Primeiro porque, segundo Lefort, o pressuposto é

que os homens “antigos e modernos são feitos com a mesma argila” (LEFORT, 1999, p. 146)

e que, portanto, a nova arte política, as novas configurações de ação política ocorrem na

medida em que tal arte

[...] exige que se saiba identificar os inimigos, escolher um campo, utilizar-se

oportunamente da astúcia e da força; em suma, diz respeito à arte da guerra, embora

não se reduza a isso” (LEFORT, 1999, pp. 155).

Lefort também percebeu que na representação política, por mais débil que se

apresente, delineando-se em certos casos, o que se faz aparecer é inevitavelmente os conflitos.

Num texto contemporâneo de André Berten, (2004), o autor propõe uma espécie de retorno à

Maquiavel para pensar exatamente os conflitos. Berten afirma que as tensões que se formaram

a partir de uma política de conflitos provocou uma extensa e progressiva esfera de situações

denominadas "dolorosas e remanescentes" (2004, pp. 147), pois se asseguram na ordem pela

desordem da força. Este modelo de força, como um substrato de teoria política ativa, os

autores que leem Maquiavel e constatam que há uma oposição entre a força e as boas leis se

distanciam do ideal primário de Lefort, que analisa a força como coadjutora das "boas leis e

das boas armas". Lefort chega a afirmar que a força é uma operação empírica e visa

estabelecer condições de equilíbrio social (LEFORT, 1972, pp. 357.352).

Como se apresentou, o problema da efetivação do ordenamento da ação política é

que a providência divina, por exemplo, promovia grande desinteresse pelo agir político, ou

seja, já que todas as coisas estão previamente determinadas por um ser superior, perfeito,

todo-poderoso e transcendente, não haveria um por quê para a ação política (LEFORT. 1972,

pp. 349). O Cristianismo „glorificou os humildes e contemplativos‟, „instituiu como maior dos

bens a humildade, a capacidade de se rebaixar e o desprezo pelas coisas humanas‟, não deu

valor „à grandeza do espírito e à força do corpo‟, nem a qualquer outro atributo da cidadania

virtuosa. Ele tornou o mundo fraco, entregando-o como presa à rapina de homens perversos‟.

Foi preciso reverter este cenário. Tanto é que, no capítulo VIII d'O príncipe,

Maquiavel avalia o papel da "crueldade e da violência"100

, mais uma vez rompendo com a

100

"Não há, desde o Estado, para Maquiavel", afirma Ames, "instituições nem ordenamentos ou leis que não se

fundem e se estabeleçam sem um grau de maior ou menor violência, proporcional à violência que visam a

suprimir". Cf. AMES, 2011, pp. 33. In: "Lei ou violência: a legitimação política em Maquiavel". In:

Trans/Form/Ação, Marília; v.34, n.1, 2011, pp. 21-42. Não obstante o uso legitimado da força deve ser bem

aferido pelo líder político. COSTA escreve que "o príncipe pode 'fazê-los crer à força' de diferentes modos, isto

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tradição ao recusar todo critério moral-cristão na análise destes itens. No capítulo XVIII,

Maquiavel descreve a questão da "dissimulação". Cruel, violento e dissimulado, esta é nova

face do político ativo quando assim, "o deve ser", sem antes fazer valer a força da política

como atividade convencimento via legislação. Lefort comentando estas passagens aponta o

rompimento decisivo do secretário florentino com o humanismo clássico, pois Maquiavel se

recusa a fazer a distinção entre a razão e a paixão, entre o homem e a besta. A força é um

ímpeto que regula junto a virtù o homem em sua totalidade101

.

Por isso, Maquiavel, segundo Bignotto: Combate os jovens de seu tempo, que viam

na força o único elemento motriz da política, mostrando que nem mesmo uma

conquista levada a cabo pela força das armas se esgota no momento da invasão. [...]

Devemos, pois, distinguir a conquista – momento da pura negatividade – da

fundação – momento de criação social (1991, p. 127)

Tendo como base o pensamento de Cícero, para quem as fontes da injustiça, como

ele mesmo afirma em seu De officis, estariam exatamente na força e na simulação, uma

própria do leão, a outra própria da raposa (LEFORT, 1972, pp. 410), Maquiavel inaugura um

novo cenário, uma nova dinâmica de observação da sociedade. Enfim, o marco inicial desta

abordagem da teoria da força, da sua logicidade no esquema da política moderna se dá num

primeiro plano, como já apontado, no exame dos conflitos. Todos os conflitos cujos interesses

afetam a sociedade em seu conjunto estão atrelados a forças de mediação em torno do poder,

da conquista e da subalternação102

. Não se pode perder de vista os "dois humores"103

- dos

grandi e do popoli104

. É por isso que Maquiavel

é, pode, no ato da fundação, se utilizar de diferentes formas do uso da força para assegurar a conservação do

novo regime. Dentre essas formas, pode o príncipe fazer com que creiam (na nova instituição e em sua

autoridade, por exemplo) não apenas pelo uso prático da força, mas também pelo seu uso simbólico. Sobre o uso

simbólico da força, Maquiavel, no Capítulo XVII, diz, por exemplo, que é melhor ser temido do que amado e é

melhor ser piedoso do que considerado cruel (1991, p. 80); e, reitera que: “[...] o príncipe fazer-se temer de modo

que, se não conquistar o amor, pelo menos evitará o ódio; pois é perfeitamente possível ser temido e não ser

odiado ao mesmo tempo” (1991, pp.80-81). In: COSTA, P.H.S. "Política, força e virtù em Maquiavel", pp. 94.

In: Griot – Revista de Filosofia, Amargosa, Bahia – Brasil, v.11, n.1, junho/2015/www.ufrb.edu.br/griot -

acesso em 11 de Dezembro de 2015. 101

Lefort reflete que a virtù em Maquiavel deixa de ter um sentido inteiramente positivo e passa a conceitualizar-

se como a „qualidade da flexibilidade moral‟ que um príncipe precisa ter. Nas palavras de Lefort, “o príncipe

aparece, então, como um ator cuja conduta é determinada pelas exigências da situação e, consequentemente, cuja

potência é indissociável da inteligência que adquire quanto à relação de potência: é ou não capaz de reconhecer

essa ordem e se o conseguir será sob a condição de dominar a confusão dos acontecimentos, de resistir à tentação

de utilizar meios que, por serem eficazes a curto prazo, estão destinados a se voltar contra ele” (LEFORT, 1972,

pp. 36). 102

Maquiavel se coloca um desafio e um problema a resolver: defendendo o conflito, e não o negando, procura

demonstrar não somente a sua necessidade, mas também que ele é condição fundamental para a possibilidade da

liberdade política. 103

Sobre a relação entre humores na obra de Maquiavel pode-se recorrer a dicotomia dos amores na Cidade de

Deus de Agostinho. Para o autor cristão do primeiro milênio, há os desejos da terra, envoltos nas paixões e nas

concupsciências, que resulta no pecado humano e do mundo e há também as virtudes que podem evidenciar a

graça especial que nos remetem a cidade de Deus, à lógica do amor de Deus e de seu Reino. Os humores na obra

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“vivendo numa República, [...] passou pela experiência de conflitos a que se

entregam múltiplos atores, que também são, de uma maneira ou de outra, ativados

pelos conflitos, e encontrou na República Romana uma espécie de laboratório que

lhe permitiu desvendar - sempre sob o exame de situações particulares - uma ampla

variedade de esquemas de ação” (LEFORT, 1999, pp. 174.)

É precisamente devido a esta exibição dos conflitos, que a sociedade ganha o duplo

sentimento de unidade e de diferença. Mais aprofundado, pode-se dizer em mandatários e

comandados. Esta diferença e não divisões, no plural, é necessária para fazer entender que a

sociedade não é, nem homogênea, nem fragmentária. Isto é o mais fecundo da representação

política (LEFORT, 1999, pp. 142). Deste modo surge um novo conceito para a guerra, o de

estética105

:

a importância que Maquiavel atribuía à guerra era mais de proteção do seu Estado

do que propriamente de ataque. A guerra é uma forma de poder de um Estado e está

intrinsecamente ligada à política. As oportunidades de conquista aparecem e a

guerra era uma forma de se autoafirmar, aumentando seu território de ação. Mas, o

melhor ataque é a defesa, isso é o que Maquiavel prega. O exército bem formado é

uma certeza de vitória. Como ele observa, “quem na guerra observar com maior

vigilância as intenções do inimigo, e melhor exercitar seu exército, correrá menos

perigos, e sua probabilidade de vitória será maior. Dificilmente será vencido quem

souber avaliar suas forças e as do inimigo” (MAQUIAVEL, 1982, pp. 37).

Segundo o filósofo contemporâneo, J. Derrida, que examina em inúmeros textos o

problema que envolve o universo político desde suas matrizes modernas. Para ele houve

desde o Humanismo uma descentralização de estruturas, sobretudo, Igreja e Estado. E, nos

textos, ele considera inseparável os personagens, as motivações e os fundamentos teóricos que

fundaram o novo modelo estrutural. Derrida afirma que “o modo dos príncipes é essencial

numa perspectiva totalizadora, isto porque eles devem manter a palavra dada” ou “eles devem

de Maquiavel pode-se dizer que, a partir da obra do Príncipe, capítulo IX, o Florentino afirma: “[...] que em toda

cidade existem estes dois humores diversos que nascem do povo que deseja não ser comandado nem oprimido

pelos grandes, e dos grandes, que desejam comandar e oprimir o povo”. Nos Discursos I,4 se lê: “Sem dúvida, se

considerarmos o objetivo dos nobres e dos plebeus [nobili e degli ignobili], veremos naqueles grandes o desejo

de dominar e nestes somente o desejo de não ser dominados e, por conseguinte, maior vontade de viver livres

[...]”. Finalmente, na História de Florença III,1, encontra-se a passagem “as graves e naturais inimizades que há

entre os homens do povo e os nobres, são causadas pela vontade que estes têm de comandar e aqueles de não

obedecer [...]”. Cf. AMES, 2011, pp. 22. 104

De acordo com Bock, Maquiavel, expressando-se em uma fusão da filosofia política com a linguagem da

tradição, pôde reconhecer primeiramente o embate estrutural, gerado pela inevitabilidade do conflito entre

desiguais (povo e aristocratas), que deve ser superado institucionalmente pelas leis que garantem liberdade, e um

conflito disruptivo que acontece entre iguais: as divisões entre o povo (popolo e plebe) e entre as diversas

facções (parte, sétte) dos endinheirados e dos grandi (BOCK, 1990, pp. 201, In: MAGALHÃES, 2011, pp.58). 105

Todo estudo da guerra exige a compreensão da política interior e vice-versa. É por isso que podemos dizer

que a política e a guerra são gêmeas, sem apagar a diferença evidente entre conflitos interiores e conflitos

exteriores. Essas observações nos permitem compreender por que Maquiavel, discutindo os problemas da guerra,

retorna à questão da lentidão de certos Estados em tomar decisões. Isso deriva de que o modo de preparação da

guerra não é diferente do modo de organização da vida política interna (BIGNOTTO, 1991, pp. 158).

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ser fiéis aos seus juramentos” (DERRIDA, 2008, pp. 21)106

. Isto ocorre à medida que, se se

interpreta Maquiavel por este viés, constata-se dois gêneros de combates: um com as leis e

outro com a força. Na verdade, a proposta é aferir e conquistar o poder não meramente pelo

medo, mas, sobretudo pelo respeito às leis. Esta oposição é mais atual do que renascentista,

pois a força nasce como uma ramificação da virtù e logo faz frente junto as boas leis, boas

armas e competente milícia107

.

Na mesma linha da subalternação do medo ao respeito, escreve Lefort, dizendo que

o ator político, o cidadão decidido a defender o bem comum, ou o conquistador, ou

mesmo o príncipe capaz de se lançar em empreitadas desmedidas a fim de criar um

regime completamente novo, não pode deixar de seguir a veritá effetuale se deseja

obter êxito (LEFORT. 1999, pp. 175).

Também neste ensejo sobre os conflitos vai I. Berlin, sobretudo quando reflete na

questão do bom discernimento em política. A competência e a genialidade do político se

expande na dimensão de suas qualidades. Maquiavel diria - na posse de virtù. O que chama

atenção no texto de Berlin é a lógica dos fatos. A política inaugurada por Maquiavel há mais

de 500 anos ainda é suporte de análise da ação dos políticos contemporâneos, pois Berlin se

fundamenta na capacidade prática, visionária, histórica, e sobretudo pelo sonho do fabuloso

que se possa construir para mensurar o sentido da realidade (BERLIN, 1999, pp. 67).

Numa análise mais profunda, a partir dos Primeiros Escritos, o tema recorrente

sobre a força é a relação de Florença com algumas cidades italianas que faziam parte de seu

domínio, mas que se rebelaram e, por isso, exigiam uma resposta por parte de Florença108

.

E como não podem existir boas leis onde não há armas boas, e onde há boas armas

convém que existam boas leis. É necessário o uso constante das armas [...] As

forças com que um príncipe mantém seu Estado são próprias ou mercenárias,

auxiliares ou mistas (MAQUIAVEL, 2000, pp. 53). Por isso: “Não se vê como

Pisa, sem o uso da força, possa ser reconquistada” [...] Sendo, portanto, necessária a

força, me parece que deve ser considerado se seria bom usá-la neste momento ou

não (MAQUIAVEL, 2010, pp. 31).

106

DERRIDA, J. “O Maquiavel esquecido”. Filosofia. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, ano 2, n. 14,

setembro/2008. 107

“Onde e como se produz esse descentramento como pensamento da estruturalidade da estrutura? Para

designar esta produção, seria algum tanto ingênuo referirmo-nos a um acontecimento, a uma doutrina ou ao

nome de um autor. Esta produção pertence certamente à totalidade de uma época, que é a nossa, mas ela já

começou há muito a anunciar-se e a trabalhar” Cf. DERRIDA, J. A escritura e a diferença. Tradução Maria

Beatriz M. N. da Silva. 3.ª ed., São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002. pp. 232. 108

“Sobre o uso simbólico da força, Maquiavel, no Capítulo XVII, diz, por exemplo, que é melhor ser temido do

que amado e é melhor ser piedoso do que considerado cruel; e, reitera que o príncipe fazer-se temer de modo

que, se não conquistar o amor, pelo menos evitará o ódio; pois é perfeitamente possível ser temido e não ser

odiado ao mesmo tempo”. Cf. COSTA, P.H.S. "Política, força e virtù em Maquiavel". In: Griot – Revista de

Filosofia, Amargosa, Bahia – Brasil, v.11, n.1, junho/2015/www.ufrb.edu.br/griot - acesso em 11 de Dezembro

de 2015, pp. 96-97.

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O caráter disjuntivo dos textos maquiavelianos, segundo MARCHAND, é o modo

de como proceder a resposta sobre a técnica de reconquista, ou seja, por uso de força ou

através de espera fortuita, da crença no acaso, enfim, de um tipo de atitude que se deveria

tomar frente aos desafios políticos e factuais do conflito (AMES, 2011, pp. 23). É a questão já

superada entre a antiga norma, a contemplação e o novo postulado, a ação. A lógica da força é

a nova ação política moderna. SENELLART vai atrelar a ideia da teoria da força a ideia de

cálculo matemático (2006, pp. 225-246).

Ao interno desses “Escritos”, destes relatórios, tendo como exemplo o “Discurso

proferido ao Magistrado dos Dez sobre situação de Pisa de 1499”, Maquiavel afirma que

para se manter a liberdade é necessário o uso da força. E parece necessário também averiguar

o momento oportuno de agir de acordo com a lógica da força (MAQUIAVEL, 2010, pp. 31).

Há uma profunda ligação nos I Primi Scritti Politici entre o uso da força e o momento

oportuno do uso (cálculo matemático). Estrategicamente Maquiavel está sempre a questionar-

se sobre a consideração do momento oportuno do uso da força (MAQUIAVEL, 2010, pp. 31).

Por isso, crê-se que se eleva uma reflexão sobre a natureza humana, tão discutida, porém não

tão clara em Maquiavel, sobretudo, porque nos parece que o florentino tenha uma visão

pessimista da natureza inconstante dos homens, e mais, vê-se também como inconstante a

própria realidade social onde os mesmos estão inseridos (BIGNOTTO, 2000, pp. 77-79).

Assim sendo, o uso depende do senso de oportunidade, ou seja, o uso da força depende da

virtù do príncipe, do líder político e das circunstâncias situacionais, ou seja, da fortuna.

Segue o texto dos I Primi Scritti Politici onde se constata a lógica da força

[1] DISCURSO PROFERIDO AO MAGISTRADO DOS DEZ SOBRE A

SITUAÇÃO DE PISA (1499)109

Visto que ninguém duvida que a retomada de Pisa é necessário, se quisermos manter

a liberdade, não me parece que eu possa demonstrá-lo a vós com outras razões que

não aquelas que por vós mesmos já sabeis. Examinarei então somente os meios que

conduzem, ou possam conduzir a essa retomada, os quais me parecem ser ou pela

força ou o pela vontade dos pisanos, isto é: ou reconquistá-la pelo assédio, ou que

ela voluntariamente caia em nossas mãos. E porque este último modo seria o mais

seguro e, portanto, o mais desejável, nós examinaremos se ele é viável, e tomemo-lo

em consideração da seguinte maneira. E se Pisa, sem que recorrêssemos às armas,

caísse em nossas mãos, isso se daria ou pelos próprios pisanos, que se colocariam

em nossos braços, ou por alguém outro que sendo o seu senhor vos dê como

presente. O quanto se pode acreditar que os pisanos, por si mesmos, possam voltar

para a vossa proteção, o demonstram os tempos presentes, nos quais, privados de

todo apoio, sós e fraquíssimos, não acolhidos por Milano, expulsos pelos genoveses,

nem bem vistos pelo Pontífice e maltratados pelos seneses, continuam pertinazes,

esperando nas vãs esperanças de outros e na vossa fraqueza e desunião, nem

aceitaram, nunca, tamanha é a sua perfídia, um mínimo sinal vosso de aproximação.

109

MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt

Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração,

FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010, pp. 31.

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Assim, se em tão calamitoso presente eles não flectiram o ânimo, não se pode, nem

se deve, de jeito nenhum acreditar que por si mesmos venham voluntariamente para

o vosso jugo. Quanto à possibilidade que Pisa nos seja concedida por quem a

possua, devemos considerar que quem vier a possuí-la ou terá entrado na cidade

chamado pelos pisanos ou pela força. Se ele aí tiver entrado pela força, não há

nenhuma razão para que a conceda a nós, pois se ele foi capaz de ocupá-la pela

força, será ainda mais capaz de mantê-la para si e preservá-la, pois quem quer que

seja senhor de Pisa, não a deixará a outros com prazer. Se quem a possuir a tiver

nela entrado pela vontade e chamado dos pisanos, baseando-me no recente exemplo

dos venezianos, não me parece crível que houvesse alguém que traísse a confiança

deles e, sob o pretexto de querer defendê-los, os atraiçoasse e lhes desse a servidão.

E ainda que esse seu senhor quisesse que a cidade voltasse para sob o vosso

domínio, a abandonaria e a deixaria a vós como presa como recentemente fizeram os

venezianos. Assim, por essas razões, não se vê como Pisa, sem o usa da força, possa

ser reconquistada. Sendo, portanto, necessária a força, me parece que deve ser

considerado se seria bom usá-la neste momento ou não (MAQUIAVEL, 2010, pp.

31).

MARCHAND acrescenta a ideia de cálculo matemático na lógica da força uma

espécie de fluxograma onde apresenta o disjuntivo de reconquista sob as nomenclaturas: amor

ou força110

. Por amor, que, segundo Maquiavel, não é a escolha mais devida, a reconquista

procederia por espontaneidade ou por doação de alguém que a reconquistasse por primeiro,

isso em relação a alguém ou outro Estado, que não Florença. Mas, se for pela força, e de

modo não calculado, tem-se a ideia de incompletude desta atuação política. (MARCHAND,

1975, pp. 22). Eis um primeiro disjuntivo que se abre na narrativa de Maquiavel.

A força só deve ser usada para garantir a instituição e a manutenção da vida

associada, e a figura do príncipe é importante porque só ele pode utilizá-la

legalmente, impedindo que a sociedade mergulhe na pura violência (GOMES, 1993,

pp. 80)

O uso da força, monopólio estatal imprescindível à conservação e à expansão do

Estado, recebe de Maquiavel atenção proporcional à sua importância à razão de Estado.

Imerso num cenário político composto pela incessante ameaça de invasão externa, Maquiavel

(1976, pp. 85) alerta: Deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo nem outro pensamento,

nem tomar qualquer outra coisa por fazer, senão a guerra e a sua organização e disciplina,

pois que é essa a única arte que compete a quem comanda111

.

110

“O caráter prático dos primeiros escritos políticos de Maquiavel, práticos entendidos como aqueles nos quais

o autor analisava determinados eventos da cena política florentina com vistas a uma solução imediata, oferecem-

nos um material privilegiado para a delimitação do universo de problemas com os quais irá se defrontar mais

adiante nas suas obras maiores. não só por isso são relevantes, pois, na medida em que os problemas se

apresentavam, ele mobilizava um aparato conceitual que mais tarde seria integrado num corpo teórico-filosófico.

Tais elementos, por sua vez, colocam em destaque aspectos constitutivos de um novo modo de compreender a

nova formação estatal em questão”. Cf. PANCERA, 2010, pp. 99. 111

Nesse sentido, como já se apontou, BENEVENUTO demonstra que Maquiavel ao indicar o modo de proceder

adequado ao governante nos mostra “que existem duas formas de se combater, uma pelas leis, outra, pela força.

A primeira é própria do homem, a segunda, dos animais”. Mas, logo após classificar o uso da força como digno

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A política é uma forma de guerra (LEFORT, 1972, pp. 353). Lefort apresenta a

lógica da força como uma novidade política, uma nova opção ao novo governante para viver

a guerra. E interpreta a ideia de força no ideário de Maquiavel como uma “operação empírica”

(LEFORT, 1972, pp. 357). Tendo como principio o paradoxo entre o novo príncipe e o antigo

modelo de príncipe, Lefort apresenta a finalidade do Estado que é a legitimação das armas

para a conquista de poder. Por isso a lógica da força está subentendida como governo,

conservação, conquista ou reconquista pelos lideres políticos.

Na abertura dos I Primi Scritti Politici112

, Maquiavel – enquanto um filósofo da ação

registra aos Magistrados dos Dez de Florença a situação de Pisa (JACOBELLI, 1998, pp. 17-

24). Sabe-se que Pisa e Florença estão em guerra, e tendo a política como o assunto do dia,

entra em cena a necessidade de um exército. No Príncipe, o florentino vai discutir a validade

e as tipologias de recrutamento de exércitos, e como sua cidade não contava com um exército,

e já conhecendo a pertinência de se ter um ou no arriscar do contratar um, Maquiavel, com 29

anos de idade, em seu primeiro ano na Chancelaria se arrisca em convocar um exército para

Florença. Conclusão desta história – fiasco total (MARCHAND, 1975, pp. 5. 16-17).

Um segundo disjuntivo proposto na obra de MARCHAND, ocorre quando

Maquiavel não tem boa aventura na prática política. Seria ele então apenas um teórico?113

de animais, sugere ao governante que, a ele, “torna-se necessário saber empregar convenientemente o animal e o

homem". (Príncipe, 2010, Cap. XVIII). Cf. BENEVENUTO, F. R. de S. ‗Virtù‘ e valores no pensamento de

Maquiavel. Dissertação de Mestrado. Departamento de Filosofia da UFMG, Belo Horizonte, 2003, pp. 107. 112

"Olhamos brevemente os textos de um Maquiavel assumidamente republicano e da política como necessidade

para manter a liberdade. Maquiavel chegou à segunda chancelaria da cidade para servir como secretário do

Comitê dos Dez, responsável pela defesa militar. Em 1505-6 é responsável pelo alistamento militar e tenta

implementar uma alternativa à contratação de mercenários (aversão já adquirida durante sua missão e observação

da desordem causada pelas tropas suíças e Guascones usadas por Florença para reprimir revoltas em Pisa em

1500). Ainda a serviço da sua cidade, participa de missões diplomáticas na França, no Vaticano e na Alemanha.

Depois da retirada da França da Itália em 1512 e de cair Gonfaloniero Piero Soderini, Lorenzo de Médici e um

Comitê de 70 acabam com o governo republicano e despedem Maquiavel. Assim, ao contrário das preocupações

em debates que perduram até hoje sobre a composição, o propósito e o conteúdo do Príncipe, os textos de

Maquiavel aqui publicados registram seu serviço ao governo republicano florentino". Cf. METTENHEIM, K.,

In: MAQUIAVEL, 2010, pp. 7. 113

Maquiavel, conforme Asor Rosa, era um “puro político” (ASOR ROSA, 2009, pp. 546), um homem de ação,

que não queria ficar como mero expectador da crise italiana, mas sim fazer parte da vida pública de Florença. Cf.

ASOR ROSA, A. Storia europea della letteratura italiana. Torino: Einaudi. 2009. Sobre a questão da força

ainda pode ser dito que o "essencial na política não são as virtudes, objeto da filosofia moral, mas a realidade

política tal como revelada nas e pelas coisas do mundo – o conhecimento político está condenado a uma relativa

incerteza e depende da capacidade de transformar a percepção dos acontecimentos singulares em um saber e em

uma ação eficaz. Creio que é certo dizer que: “sucede então que a moderação, seja o conhecimento da

oportunidade dos momentos certos para agir. A mesma definição pode ser aplicada à prudência [tratada por nós

posteriormente], tal como em relação a moderação, temperança e virtude semelhantes”. (Dos deveres, I, 142-

143). “Dessas duas qualidades [prudência e justiça], então, a justiça é a que tem mais poder para suscitar a fé,

pois, embora ela, sem a prudência, tenha bastante autoridade, a prudência, sem a justiça, é impotente para gerar a

fé. De fato, quanto mais a pessoa é solerte e ardilosa [versutior et callidior], mais detestada é quando lhe falta a

reputação de probidade”. (Dos deveres, II, 33). Cf. ARANOVICH, 2014, pp. 31-32.

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Sendo adunque necessária La forza, mi pare de considerare, se gli é bene usarla in

questo tempo o no. Ad ultimare l‟imprensa di Pisa bisogna averla o per assedio o

per fame, o per espurgazione (corsivo mio) (BRUSCAGLI, 2008, pp. 17). Pois a

força e a perfídia devem ser enfrentadas com força e perfídia (BERLIN, 2002, pp.

320).

Neste sentido, que tipo de qualidade a nova forma de política requer do príncipe, do

governante? Maquiavel observa na história a importância da conduta em todos os momentos,

em tempo de guerra e em tempo de paz. Assim, a questão que subjaz é o modo pelo qual o

líder, o príncipe, aquele que está à frente, sem legitimação hereditária, mas de conquista,

mantêm o poder de homem sobre homens (LEFORT, 1972, pp. 346-348). É a dinâmica da

virtú que impõe neste caso o regimento da força. Por assim ser, Maquiavel faz sua leitura em

relação aos homens no sentido de que os mesmos não têm predisposição para acordos114

. O

Frade Savonarola é sempre comentado como alguém que se conduziu numa espécie de

política sob a conduta de um profetismo desarmado, fato que o fez perder e morrer. Os

profetas desarmados acreditam na Providência, na Regência de Deus sobre a história, e como

pacificador, Savonarola tinha sua arma no pai nosso, mas somente com pai nosso não se

sustenta uma república, dirá Maquiavel mais tarde nos Discorsi. Assim, o novo ordenamento

político são as armas e a guerra. Deve haver o reconhecimento por parte do príncipe da

necessidade da força (LEFORT, 1972, pp. 366-367)115

.

114

“arrebatado pela paixão da verita effetuale, encantado por produzir ao mesmo denominador as ações dos

homens, abandonava toda preocupação com o dever-ser. [Assim,] somente fazia o elogio das virtudes dos

romanos na medida em que se combinavam com a arte da ação política, e o conhecimento dessa arte induzia-o a

passar em silêncio sobre suas convicções, levava-o a transgredir toda norma moral” (LEFORT, 1999, pp. 143). 115

“Se em O Príncipe Maquiavel preceitua o uso da força, ou, em seus próprios termos, o emprego da crueldade

(que define propriamente o principado novo em oposição ao principado hereditário), em oposição ao emprego da

bondade (que poderia definir o principado eclesiástico em oposição aos principados laicos), não se trata de

qualquer forma de emprego da crueldade, uma vez que a crueldade pode ser empregada, segundo Maquiavel, de

duas maneiras: “bem empregada” ou “mal empregada”. No primeiro caso, a crueldade é empregada quando

necessário e porque necessário; no segundo, é empregada ao bel-prazer do príncipe. No caso da crueldade bem

empregada (o mal que traz o bem), trata-se de um uso por necessidade, em que o príncipe usa da violência

porque precisa; no caso da crueldade mal empregada (o mal que traz o mal), trata-se de um uso por desejo, em

que o príncipe usa da crueldade porque quer. Em outras palavras, crueldade bem empregada é aquela que o

príncipe usa para fundar ou manter seu Estado; crueldade mal empregada é aquela que o príncipe usa para

expropriar ou assassinar seus súditos. Quando bem empregada, a violência evita a perda o Estado; quando mal

empregada, o príncipe enfraquece sua própria autoridade, o que levará por fim à perda do Estado. No primeiro

caso, a violência é maior no começo, quando a conquista ou a saúde do Estado está em questão, e segue

diminuindo; no segundo, é menor no começo, quando o príncipe ensaia seus crimes, e segue aumentando. Entre

uma coisa e outra a diferença não é de quantidade (ou intensidade), mas de qualidade (ou natureza): a crueldade

bem empregada consiste num uso político da violência; a crueldade mal empregada, num uso corrupto (segundo

o critério que os pensadores políticos antigos utilizavam para distinguir o monarca do tirano, mencionado

também por Maquiavel no capítulo 10 do livro I dos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio). Em

resumo, o primeiro é um príncipe de virtù (caso de César Bórgia), por mais cruentos que sejam seus métodos; o

segundo, um príncipe que só pode contar com a fortuna, e que não conseguirá por fim manter seu Estado”

(SALATINI; DEL ROYO, 2014, pp. 80-81).

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1.4. A lógica da força nos escritos posteriores a 1513

“Os homens podem ser mudados, mas não num grau fantástico” (BERLIN, 2002,

pp. 315)

Tem-se como objetivo deste tópico a análise da ideia de Lefort, relativa à lógica ou

teoria da força nos escritos posteriores aos Scritti de Maquiavel, sobretudo no Príncipe, obra

que serviu de suporte teórico para o texto de Lefort, bem como, ao interesse desta pesquisa.

As outras obras a serem analisadas são Discorsi e Arte da Guerra. A ideia de força, como

uma qualidade da virtú é analisada como a materialização das possibilidades da ação política,

tendo como práxis as boas leis, as boas armas, o exército próprio, a prudência, a retórica, e,

sobretudo, a escolha disjuntiva da força enquanto tal. Por isso, como se apontou acima, a ação

política é um processo de amadurecimento onde se tem premissa de que os homens mudam

aos poucos, como adverte BERLIN, mas se adéquam rapidamente, pois este é o novíssimo da

política humanista, a permanência no cenário, portanto, a capacidade de adaptação ou de

readaptação.

Segundo ESCOREL, a capacidade adaptativa maqueaveliana se dá através

da atividade política, que por sua dinâmica, impõe aos que a praticam uma

maleabilidade adequada aos imperativos da realidade histórica, uma capacidade de

adaptação e improvisação proporcional às variações frequentes da situação de fato a

enfrentar (ESCOREL, 1979, pp. 104).

Num primeiro momento a reflexão e a definição possível que se dá ao conceito de

virtú e de fortuna, pois ambos subsidiam a teoria da força construída na reflexão de Lefort.

Num segundo momento, aborda-se a ideia de força em seus aspectos preponderantes nos

livros subsequentes aos I Primi Scritti Politici. No Príncipe, matriz de onde Claude Lefort

apontou esta leitura, seus capítulos e citações em que a ideia de força aparece ou se apresenta

como um dado relevante ao interesse da pesquisa. O mesmo ocorre nos Livros dos Discorsi e

da Arte da Guerra116

.

Assim sendo, após o período em que esteve à frente da Segunda Chancelaria de

Florença (1498-1512), Maquiavel tornou-se, na opinião de vários intérpretes, especialmente

de Lefort, um expert na observação da vida política. "A verdade efetiva das coisas" e os fatos

116

Deve ficar claro para o leitor que este tópico da dissertação se equivaleria a um outro tipo de pesquisa muito

densa. Mas não é nosso intuito fazê-la. Ao mesmo tempo, produzimos uma reflexão pertinente às ideias de força

e fraqueza nas obras referidas, mesmo não tendo a pretensão de esgotar a temática ou a exegese necessária para

tal pesquisa. A quem nos lê, isso deve estar claro, pois não haveria tempo hábil e pertinência estudar um tema,

que não faz parte dos conceitos ordinários de Maquiavel, de modo exaustivo nas obras em questão.

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políticos, como ordenamento do dia, passaram a ser os norteadores da análise de um

principado, de um estado e mais tarde da República.

Tanto é verdade que Maquiavel é um observador, que, em 1513, ele escreve o que

primariamente chamou de "O Livrinho", e que se tornou, como se viu na análise de Berlin,

uma obra muita controversa em interpretações, pois abriu, a partir de seu conteúdo, um novo

leque de abordagem políticas no Renascimento, até mesmo do conceito de política. Esta

novidade é sustentada por uma ética sustentada pelas ideias dos humanistas, sobretudo para

Maquiavel117

, tanto quanto por um novo conceito de homem e de natureza, bem como, por um

novo conceito de sociedade.

Saindo paulatinamente da ideia de bem comum medieval e de sua lógica

providencial, entra em cena o bem civil, fundado na lógica do bem público, da civiltá,

portanto, requerendo de seus líderes e atores a virtú cívica118

. Segundo Cortina, comentando

Maquiavel, pode-se dizer que

se percebe na teoria da força e em seu primaz escrito, O Príncipe, que Maquiavel irá

defender que todo sujeito que pretende manter-se no poder deve ter uma visão mais

clara das condições históricas que condicionam suas atitudes, suas decisões.

Segundo o florentino, nem sempre as mesmas ações surtem os mesmos efeitos em

diferentes situações. É preciso que o príncipe tenha capacidade de perceber as

condições do lugar e do momento em que desempenhará determinada ação

(CORTINA, 1994, pp. 92).

A vida ativa, desta maneira, delineou um novo modo de ser na sociedade e da

conduta dos príncipes e dos atores políticos, porquanto inverteu o fundamento basilar do fazer

político, ou seja, deve-se ater as condições para o laborar político e o desempenho é definido

fundamentalmente pela atividade. Bom político é aquele que calcula e prevê as condições

para a boa administração, que sabe manter-se e adaptar-se ao cenário social. É preciso ter

virtú e prudência retórica para tal evento. Segundo Skinner119

117

"Em síntese, a concepção moral maquiaveliana não admite a existência de um Bem ou um Mal preexistentes a

definir os atos humanos, mas admite a existência de atos bons ou maus conforme observem ou não o bem da

coletividade. Portanto, a Moral em Maquiavel perde sua autonomia e sua transcendência e é integralmente

absorvida pela Política". Cf. AMARAL, M. Maquiavel e as relações entre ética e política. In: Ensaios

Filosóficos, Volume VI - Outubro/2012, pp. 34. 118

AMES afirma que "para o florentino, fundar um Estado é tarefa para um homem que tenha virtude suficiente

para instituir, no lugar do caos produzido pela incapacidade de associação natural dos homens, uma sociedade

política, único lugar em que impera a ordem e a harmonia cívica" (AMES, L. J. Lei e estado no Pensamento de

Niccolò Maquiavelli. In: PERES, D. O. (org). Ensaios de Ética e Política. Cascavel: Edunioeste. 2002). Afirma

Maquiavel nos Discorsi (Livro I, capítulo I) que é preciso legislar no estado para mantê-lo ordenado. Em suma, é

necessário que uma república, sob o influxo da força, das armas, das leis e da ordenação se baseie

substancialmente na ideia de "muita virtù" na base (MAQUIAVEL, 2007, pp. 7). 119

SKINNER, Q. Maquiavel. pp. 65.

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“'virtù' é o nome dado àquele conjunto de qualidades que permitem a um príncipe

aliar-se com a „fortuna‟ e conseguir honra, glória e fama. Mas afasta o sentido do

termo de toda e qualquer conexão necessária com as virtudes cardeais e

principescas. Argumenta, ao contrário, que a característica que define um príncipe

verdadeiramente virtuoso consistirá em uma disposição de fazer tudo aquilo que for

ditado pela necessidade - independente do fato de ser a ação eventualmente iníqua

ou virtuosa - para alcançar seus mais altos objetivos. Deste modo, 'virtù' passa a

denotar precisamente a qualidade da flexibilidade moral que se requer de um

príncipe: 'ele deve ter a mente pronta a se voltar em qualquer direção, conforme os

ventos da „fortuna‟ e a variabilidade dos negócios assim os exijam”.

A virtù "se expressa, segundo outra autora, Benevenuto, como „capacidade de

flexibilidade moral‟, ou seja, é a ideia de que o governante não deve se prender a uma

moralidade que coloque suas ações em estado de inércia. A política não pode e não deve

"ficar parada". E Maquiavel entendeu bem isso, e mais, demonstrou por uma análise

minuciosa da história que reinados, principados e repúblicas inertes são fracas, suscetíveis a

derrota e a escravidão. Por conseguinte, são condenadas a serem presas da não liberdade

cívica.

Estados mais estáticos, portanto, são mais fracos. Estados fortes são aqueles que

estão constantemente preparados para a guerra. Por isso não se recorre ao antigo molde da

moral cristã, que de per si é do bem, ou mesmo uma suposta moral do mal. A paz não é o

télos da vida política, nem o melhor estado nas condições da política. A moral de Maquiavel é

naturalista, e nela a 'virtù‟ atua como uma qualidade de antecipação das diversas situações.

Benevenuto continua afirmando que, de um modo geral, virtù é um conjunto de ações

apropriadas para que se possa conquistar e governar da melhor maneira possível (cf. p. 63-

65)120

.

E o próprio Maquiavel, nos Discorsi afirma sobre a necessidade da guerra que se

trata de uma falha crucial e capital de um rei e príncipe não estar preparado para guerra. O

tempo de paz não propicia a fortaleza de um reino. Um reino forte é aquele que está, mesmo

no tempo da paz, preparado para as ordenações da guerra (MAQUIAVEL, 2007, pp. 80).

Maquiavel começa este capítulo 21 do Livro I dos Discorsi afirmando que "'é uma vergonha,

príncipes atuais e repúblicas modernas que não tenham soldados próprios" (MAQUIAVEL,

2007, pp.79), pois onde há homens deve haver soldados. E ainda exemplifica que em 1513, o

rei da Inglaterra atacou o reino da França, e o fez com soldados de sua pátria. A França estava

desacostumada à guerra, afirma Maquiavel, isso porque já faziam mais de trinta anos que eles

120

BENEVENUTO, F. R. S. ‘Virtù’ e valores no pensamento de Maquiavel. Dissertação de Mestrado.

Departamento de Filosofia da UFMG, Belo Horizonte, 2003.

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não tinham soldados e nem comandantes que tivessem combatido em guerras

(MAQUIAVEL, 2007, pp. 80). Enfim, é preciso estar acostumado às armas e à guerra.

A força é uma qualidade da virtú121

. Lefort já apontou que o novo modo de fazer

política é pressupor ao menos a possibilidade da força como mediação da política. Marchand

dispôs no tópico 2, que é necessário ter a consciência de que a força é uma possibilidade no

horizonte disjuntivo da política.

Em resumo, a „virtù‟, oscilante entre o bem e o mal, só se torna uma condição

necessária para a obtenção e manutenção do Estado porque os homens são maus. É a

maldade inerente à condição humana que torna a „virtù‟ tão crucial para que o

governante tenha êxito (BENEVENUTO, 2003, pp. 67).

Assim sendo, após ao tempo dos relatórios, como já descrito, Maquiavel se viu

forçado, por condições históricas e políticas, a retornar a viver em suas propriedades

familiares. Isso ocorreu no momento em que os Médici retomam o poder do papado.

Maquiavel se exila em propriedades familiares. É neste tempo que desenvolve suas principais

obras. Como já citamos: O Príncipe, os Discorsi, inclusive, segundo Martins, a partir de 1515,

Maquiavel, passando a frequentar os encontros (denominados de Orti Rucellai) com jovens

aristocráticos nos jardins dos Rucellai, em Florença, produziu a maior parte dos Discorsi. Ele

parou de escrever os Discorsi para escrever brevemente o Príncipe, que é um novo gênero

literário. Em 1520, a pedido do papa Leão X (Giuliano de Médici), recebe o encargo de

escrever uma história da Cidade de Florença (MARTINS, pp. 12 apud MAQUIAVEL, 2010).

E escreveu também sobre a "Arte da guerra" entre 1519-1520.

Como aprofundou Lefort (1972), Maquiavel desenvolveu em sua observação do

cenário político, prevendo [previdência/prudência] que a virtù vence a fortuna, e atentamente

identificando nas ações de um histórico e renomado italiano, chamado Castruccio Castracani

(1281-1328) a quem Maquiavel denomina como "pleníssimo de virtù", e no seu tempo, séc.

XVI, os elogios à conduta virtuosa e as habilidades de César Bórgia (1475-1507), o filho de

Alexandre VI (1431-1503), porque política é desenvoltura para conquistar e manter-se no

poder e com liberdade, com capacidade de adaptar-se.

Nas palavras de Lefort

o príncipe aparece, então, como um ator cuja conduta é determinada pelas

exigências da situação e, consequentemente, cuja potência é indissociável da

121

Nesse sentido, a „virtù‟ maquiaveliana, não implica, então, em praticar essencialmente o bem e sim em agir de

acordo com as circunstâncias e fazer o que for preciso para alcançar a glória cívica e a grandeza, não

importando, se para isso, são as ações do príncipe boas ou más. De fato, a „virtù‟ em Maquiavel deixa de ter um

sentido inteiramente positivo e passa a conceitualizar-se como a „qualidade da flexibilidade moral‟ que um

príncipe precisa ter (BENEVENUTO, 2003, pp. 68).

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inteligência que adquire quanto à relação de potência: é ou não capaz de reconhecer

essa ordem e se o conseguir será sob a condição de dominar a confusão dos

acontecimentos, de resistir à tentação de utilizar meios que, por serem eficazes a

curto prazo, estão destinados a se voltar contra ele (1972, pp. 365-366).

Nos Scritti, sobretudo a partir do primeiro escrito, sobre a "Reconquista de Pisa", em

sua disposição gramatical, fundamentalmente disjuntiva, no que se pode referir-se a uma

espécie de marca das penas de Maquiavel, através dos prefixos "ou...ou", o florentino afirma

que a retomada de Pisa será ou pela força ou pela livre vontade dos pisanos. Há uma escolha

neste tópico: o uso da força122

. É neste sentido, e com este intuito, que se fará a abordagem

das obras posteriores já mencionadas.

Aprofundando a ideia de força, pode-se citar a definição de STOPPINO. Ele refere-

se a ideia de força como sinônimo de violência. LEFORT, por sua vez, ao criar e revisar a

lógica da força tem como ponto de destaque a utilização da violência como forma

instrumental de dominação humana e de demarcação geográfica. Maquiavel no conjunto de

sua obra apresenta o fato de que é pela força, por sua mediação, que ocorre o paradoxo "a

dominação dos grandi sobre o popolo". Nas relações sociais, há sempre aqueles que querem

mandar e aqueles que deverão obedecer.

Se se olha para os escritos de Maquiavel e seus panegíricos a Cesar Bórgia, por

exemplo, vê-se que pode nos parecer uma exaltação da violência e da crueldade, o que lhe

rendeu muitos maus entendidos. Mas não se trata disso. Maquiavel, quando reconhece a virtú

[sobretudo a romana] dos antepassados e dos seus contemporâneos, demonstra como um

verdadeiro príncipe deve atuar. E para atuar, não há outra maneira que a escolha da lógica

baseada na força. Esta é uma possibilidade que não se pode de forma alguma ser descartada. É

o novo ordenamento da política. É o fim dos reis e dos príncipes bonachões. Isso é tão

verdade que SOREL afirma, por sua vez, que se exalta a violência no sentido de que por ela

temos um instrumento da libertação da maioria da dominação de poucos (popolo versus

grandi).

STOPPINO ainda faz uma observação pontual quando delega ao cientista político,

ao sociólogo e ao filósofo a missão de avaliar quando uma intervenção física é legítima ou

não. Tem sentido olhar a ação dos florentinos e do discurso político de Maquiavel em relação

ao uso da força? O ponto chave de avaliação é o contexto social que sucede o ano de 1513, 122

Segundo Heller apud Martins (1995, pp. 92), Maquiavel foi grande observador das questões de seu tempo,

pois conseguiu perceber o confronto que se estabelecia entre o comportamento ético cristão e a nova ética

burguesa que se formava. Ao invés, porém, de bradar contra essa nova ética (a procura do dinheiro a qualquer

custo), o autor florentino propôs um programa em forma de alternativas: ou se voltava à velha noção de polis da

Antigüidade e à sua ética comunitária ou se rejeitava tudo isso, aceitando a ideia da monarquia absoluta

unificada na Itália e a situação ética que o capitalismo contemporâneo trouxera.

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com a publicação do Príncipe123

. Pois é o contexto social que define o que ocorre durante o

uso da força – se assassinatos ou execução capitais. STOPPINO menciona também que a

força e a violência podem ser tratadas e interpretadas de diferentes modos pelo Estado, tais

como a ideia de força vigente, ou por revolucionários, que divergem da força vigente. A

compreensão que cada qual vai ter diante de uma morte, via uso extremado ou não de força

física, fica à mercê de uma interpretação. Nos Estados modernos a força é mediatizada e até

mesmo "controlada" pelos contratos legais dos Códigos e Constituições. Retomando a ideia

de força, MARCHAND dispõe o porquê Maquiavel escolheu a força e não o amor para a

retomada de Pisa. Diz o relatório primeiro

examinarei então somente os meios que conduzem, ou possam conduzir a essa

retomada [está se referindo a Pisa], os quais me parecem ser ou pela força ou pela

vontade dos pisanos, isto é: ou reconquistá-la pelo assédio, ou que ela

voluntariamente caia em nossas mãos (MAQUIAVEL, 2010, pp. 31).

BURCKHARDT sobre este contexto disposto no relatório e na obra de Marchand,

expõe a ideia de que os florentinos não tinham muita tolerância com o sistema tirânico. Isso se

dava pelo fato de que Florença via-se em meio ao mais rico desenvolvimento das

individualidades, ao passo que os déspotas não reconheciam, nem admitiam qualquer outra

individualidade que não a deles próprios (BURCKHARDT, 1991, pp. 26-27). Assim, o

resultado deste cenário de virtú, fortuna e força é a visão de Maquiavel essencialmente

estratégica, pois visa definir o objetivo, enxergar a realidade como ela é, e a partir daí, como

possibilidade chegar à situação desejada, rever o caminho e, por fim, pensar nas táticas que

podem ajudar a concretizar o objetivo através de metas realistas e concretas. A "verità

efetuale dela cose" é o ponto de partida da reflexão da força no Príncipe. Afirma Maquiavel

vai tanta diferença entre como se vive e como se deveria viver, que quem se

preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína

própria, do que o modo de se preservar; e um homem que quiser fazer profissão de

bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus (MAQUIAVEL,

2010[2]. cap. XV).

No escrito La cagione dell´ordinanza, dove la si truovi e quel che bisogni fare,

composto entre junho e novembro de 1506124

, a questão da força ganha uma formulação que

123

STOPPINO, M. Verbete – Força, In: Cf. BOBBIO, N. & MATTEUCCI, N. & PASQUINO, G. Dicionário

de Política, Tradução Carmem C. Varrielle et alli, Brasília: Editora Universidade de Brasília: São Paulo:

Imprensa Oficial do Estado, 2000, pp. 503-504. No Príncipe encontra-se no capítulo Dos Principados

hereditários a ideia de força extraordinária, São Paulo: Hedra, 2010, pp. 33. 124

A explicação de Mettenheim do texto, “Discurso sobre a Ordenação do Estado de Florença para as Armas”,

de 1506, volta à questão militar com mais um apelo aos cidadãos para não confiar em alianças nem na

contratação de mercenários para defender a cidade, mas sim financiar uma força militar própria. Montevecchi

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incorpora um elemento novo, isto é, a justiça. O vínculo entre força e justiça sobrepõe à ideia

de preservação do estado e tal preservação se submete a ideia de necessidade de armas, ou

seja, neste ponto, parece estar mais ou menos estabelecido conceitualmente a relação e a

aceitação da instituição de uma milícia, no caso específico de Maquiavel, a intervenção é mais

incisiva porque a justiça se dá pela força, ainda mais, pela força das armas.

Assim se lê:

E me lembro ter ouvido do Cardeal Francesco Soderini125

que, entre outros elogios

que se poderia fazer ao papa e ao duque, havia este: que são conhecedores da

ocasião e que sabem usá-la muito bem. Opinião que é comprovada pela experiência

das empresas conduzidas por eles conforme a oportunidade126

.

Este texto de 1502, Maquiavel termina abruptamente, sinal que poderia, quem sabe,

ser um escrito um pouco maior, com maiores detalhes. Porém, na lógica do raciocínio de

cunho aristotélico, Maquiavel indica que ambos, os atores políticos, “o pai e o filho” (Papa

Alexandre e o Duque Valentino) são artífices do uso da força, quando não da percepção direta

de vantagem por parte do Duque. A ocasião é o “lócus”, onde o ator político mede a força. E a

medida deve ser pensada no que se refere a dispensa de força como arma política.

Tal força, como se verá, não se trata apenas de um conjunto de ideias, pode até o ser

num primeiro momento, mas ela se materializa na força das boas armas, das espadas e das

armas de fogo [que é uma novidade para Maquiavel e para o séc. XVI], quiça de um bom

exército, que Florença sempre lutou para ter e não depender mais de exércitos mercenários ou

mistos.

Maquiavel quis ver os homens integrados no Estado puramente temporal, dando

espaço para o juízo sobre as prioridades do senso real das pessoas. Ridolfi, como já se

argumenta que o texto foi escrito para ajudar o Gonfaloniero Piero Soderini a convencer os florentinos a aprovar

um novo tributo sobre imóveis eclesiásticos. 125

Francesco Soderini (1453–1524) foi um diplomata e cardeal italiano. Foi nomeado embaixador de Florença

ante o Papa Alexandre VI em outubro de 1500. Neste momento o papa queria Cesar Bórgia, seu filho, como rei

da Romagna e restabelecer Piero de Medici em Florença. Em junho de 1502, deixou Florença, acompanhado

de Niccolò Machiavelli, como embaixador de Florença junto a Cesar Bórgia. Soderini morreu em maio de 1524.

Participou dos Conclaves: 1503 – eleição de Julio III, 1513 – eleição de Leão X, 1521-1522 – eleição de

Adriano VI e em 1523 – eleição de Clemente VII. Cf. CHACÓN, A. Vitae et res gestae Pontificum romanorum

et S.R..E. Cardinalium: ab initio nascentis Ecclesiae vsque ad Clementem IX, P.O.M. Roma: Tomus

Tertius, 1677. Cf. também CARDELLA, L. Memorie storiche de' cardinali della Santa Romana Chiesa.

Roma: Stamperia Pagliarini, 1793. 126

Nesta situação Maquiavel está se referindo ao senso de oportunidade. Tal senso estabelece uma disposição e

discernimento em relação ao puro acaso. A fortuna, a sorte, quando apreciada por este senso, é reconhecida por

Maquiavel no sentido em que, na citação que se segue, o papa Alexandre VI e seu filho, o Duque Valentino,

César Bórgia, agiam juntos. Força e armas eram projetos oportunos utilizados por estes atores políticos. É o

tempo em que se supera a mera crença na Providência Divina, pois política se faz com as mãos, de modo “nu e

cru”. A ação política tinha uma qualidade de senso oportuno da ocasião. Isso levava a ações de menor teor de

erro político. Cf. MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio

Kurt Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da

Administração, FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010, pp.

30. Cf. também MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo: Hedra, 2010, pp. 37.

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enfatizou, o chama de “observador”. Em 1557, o papa Paulo IV condena o livro do Príncipe e

coloca-o sobre o Índex (COSTA, 1999, pp. 189-195). Sem bens ou categorias absolutas,

Maquiavel abre caminho para uma nova ciência. Ele é o Galileu da política127

.

Estes Scritti que examinamos antecipam, de certo modo, o vínculo que vai se

estabelecer depois nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio entre boa educação,

boas ordenações e a potência (PANCERA, 2010, pp. 105-106). Daí analisar os locais de

manifestação da força nos escritos posteriores a 1513, sobretudo no Príncipe, nos Discorsi e

na Arte da Guerra. Tal analise se caracterizará no que de fato se tornou ideia de força no

pensamento maquiaveliano.

Deveis, portanto, saber que são dois os gêneros de combate: um com as leis, outro

com a força (cf. cap. XII). O primeiro é próprio do homem, o segundo é próprio dos

animais. Mas porque o primeiro muitas vezes não basta, convém recorrer ao

segundo, portanto ao príncipe é necessário saber usar o animal e o homem

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 177).

Há dois pontos centrais em que o afastamento de Maquiavel da tradição humanista

fica mais evidente no que se refere à inflexão entre justiça e força e a moldura posterior da

concepção de republicanismo128

. Na visão de Cícero, seguida fielmente pelos humanistas

cívicos, as virtudes cardinais necessárias à realização do bem comum são a prudência, a

coragem, a temperança e a justiça129

. Conforme esclarece SKINNER, “a análise de Maquiavel

difere da de Cícero num ponto imensamente importante. Ele apaga da justiça, a qualidade que

Cícero, em seu De officiis, descrevera como o esplendor triunfal da virtude” (1996, pp. 207).

Essa alteração aparece de modo mais explícito no Príncipe, embora também seja

perceptível nos Discorsi. Na análise de Cícero, a justiça consiste em evitar a fraude e a

crueldade. Maquiavel não discorda dessa análise no que diz respeito ao conteúdo do conceito

127

O Renascimento foi um período de intensa renovação em muitos sentidos. Caracterizou-se por um movimento

intelectual baseado na recuperação dos valores e modelos da Antigüidade greco-romana, contrapondo-os à

tradição medieval ou adaptando-os a ela. O Renascimento referiu-se não apenas às artes plásticas, a arquitetura e

as letras, mas também à organização política e econômica da sociedade. 128

A busca da dignidade da pessoa humana é o fim da Justiça e, como muito bem afirmou Hegel, “a Justiça não

é um dom gratuito da natureza humana, ela precisa ser conquistada sempre porque ela é uma eterna procura”.

[...] Cícero, por sua vez, publicou em "De natura deorum, III, 15 que "justitia suum cuique distribuit" ("a Justiça

distribui a cada um o seu"). Na obra "Republica I, VI, 331", Platão cita Simonide de Céos, do Século V a.C.: "a

justiça é dar a cada um o que lhe é devido". Nas "Institutiones, livro I, titulo I de Justiniano, está assim

codificada a definição de justiça: "justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi" ("justiça

é a constante e permanente vontade de atribuir a cada um seu direito"). 129

Sobre as virtudes cardeais, pode-se ler em Cícero, que o “homem eloquente deve cultivar uma gama de

virtudes morais sem as quais sua oratória é vazia; em contrapartida, suas qualidades morais não têm utilidade

para a cidade se não forem acompanhadas de eloquência”. O par simulação/dissimulação é um dos atributos

constitutivos do príncipe retratado em Maquiavel. A arte da aparência, crucial no domínio da política, associa o

éthos do príncipe à persuasão dos demais integrantes do Estado, ou seja, o exercício do poder não é

unidirecional, mas fruto de uma relação que implica subordinação e convencimento (ADVERSE, 2009, pp. 126).

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de justiça. O que ele nega é que o uso de expedientes fraudulentos ou cruéis seja sempre

incompatível com a realização do bem comum. Pelo contrário, há determinadas ocasiões130

em que tais expedientes são deveras eficazes para a defesa da cidade. Entrecruzam neste

momento, para contraste teórico, sobretudo na novidade humanista, a justiça, o bem comum e

a crueldade. Na guerra, por exemplo, a fraude é um método corriqueiro de combate, e em

situações que a liberdade da cidade se encontra ameaçada ou a estabilidade do Estado esteja

em risco, a crueldade não pode ser descartada como método de ação (SILVA, 2010, pp. 45-

46)131

. Maquiavel guia seus escritos primordialmente em vista da necessidade. É através dela

que deve-se delimitar as ações do príncipe.

Outro ponto – ainda mais importante do que o apresentado – é a demarcação do

distanciamento de Maquiavel e da tradição do republicanismo clássico referente ao papel dos

conflitos sociais na ordem republicana. Tanto os clássicos romanos quanto os humanistas

tendiam a considerar os “tumultos”132

e os conflitos internos à cidade como graves ameaças à

liberdade e à ordem pública. Ainda que esses autores considerassem muitas vezes a

necessidade da guerra para proteger a cidade de ameaças externas, a manutenção da paz

interna era vista como condição, ao mesmo tempo favorável e desfavorável para a

manutenção da liberdade e da persecução do bem comum. Porém, como revela claramente a

análise maquiaveliana das causas da liberdade desfrutada pela República romana, não 130

Por ocasião, Maquiavel entende que o príncipe deve agir. Para o Florentino, não há uma conduta a priori boa

ou a priori má. Ao encarar a política como uma técnica, o julgamento das ações do governante só pode se dar a

posteriori, em função de sua eficácia na prática, naquilo que se designa ocazione, ou seja, a conduta de

conquistar o poder, conservar o poder ou promover o bem coletivo deve ser um fato de atenção permanente para

quem governa. Assim sendo, não existem fins que justifiquem meios. Existem fins que devem ser perseguidos. A

leitura de mundo, a percepção da ocasião é o sinal virtù para ser o príncipe virtuoso. Nos Discorsi o tema da

ocasião aparece no Livro I, capítulos 9 [De como é preciso estar só para se ordenar uma república nova ou para

reformá-la inteiramente com ordenações diferentes das antigas] e 42 [Da facilidade de se corromperem os

homens], (MAQUIAVEL, 2007, pp. 40-43; 131). 131

"Entender de guerra é necessário ao príncipe para ter o respeito dos seus soldados e poder confiar neles. E ao

se relacionar com outros governos sem armas, apresenta-se então como submisso. Sendo assim é

desproporcional a diferença de poder entre os que governam com armas e os que governam sem elas. A guerra

deve ser cultivada mesmo em tempos de paz e com maior exercício que em tempos de guerra, tanto com ações

como com a mente. Com isso os soldados se manterão sempre em forma e prontos a combater; nunca ficarão

ociosos" (VIDAL, 2010, pp. 110). 132

Os conflitos e os tumultos para Maquiavel são tidos numa concepção de inevitabilidade. Diz-se isto porque

assim afirma AMES: “o conflito não está limitado à oposição interna à questão dos “humores” de grandes e

povo. Este é o ponto, talvez, mais visível, mas seria um equívoco reduzir tudo a esse confronto. Com efeito, além

da oposição dos “partidos” no interior do Estado, o conflito das paixões está igualmente na base da rivalidade

entre os indivíduos singulares, assim como da guerra entre os Estados. Assim sendo, é preciso ter presentes

alguns pontos importantes. Por um lado, o conflito permanece irresolvido, o que significa dizer que, em vez de a

política ser a neutralização dele, o máximo que ela consegue é ser sua regulação. Por outro lado, uma vez que o

conflito não se esgota intramuros, mas se manifesta também na expansão dos Estados, há uma ligação íntima

entre política e guerra. Por fim, do conflito (em quaisquer de suas três formas – como rivalidade de paixões entre

singulares; como oposição dos humores de partidos e como guerra) não é possível determinar a priori sua

natureza – construtiva ou destrutiva –, mas apenas a partir das circunstâncias concretas nas quais se manifesta”.

Cf. AMES, J. L. "Lei ou violência: a legitimação política em Maquiavel". In: Trans/Form/Ação, Marília, v.34,

n.1, p.21-42, 2011, pp. 23.

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somente os conflitos sociais internos não causaram prejuízos à ordem republicana, como

consistiram na principal causa do aperfeiçoamento de suas instituições (SILVA, 2010, pp. 45-

46).

É com essa convicção que Maquiavel vai “contra a opinião de muitos de que Roma

foi uma república tumultuária e tão cheia de confusão que, se a boa fortuna e a virtù militar

não tivessem suprido a seus defeitos, ela teria sido inferior a qualquer outra república”

(SKINNER, 2010, pp. 210-215). Segue-se então a surpreendente tese segundo a qual quem

condena os tumultos entre os nobres e a plebe parece censurar as coisas que foram a causa

primeira da liberdade de Roma. Para Maquiavel, não apenas em Roma, mas em toda república

há dois humores diferentes, o do povo, e o dos grandes, e todas as leis que se fazem em favor

da liberdade nascem da desunião deles (SILVA, 2010, pp. 45-46).

Segue a análise do tema da força na obra do Príncipe. A primeira ideia ligada à força

que surge no Príncipe133

encontra-se no capítulo I, sobre os vários tipos de Principados, de

Estados, e Maquiavel vincula a ideia, o conceito de força ao Estado. Define-o como estado

forte, o francês (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 31). Diz que a conquista, para além da

hereditariedade, se dá com virtú, um pouco de fortuna, e, sobretudo, com armas próprias, ou

seja, com a escolha da força. Assim diante da fundação e conservação do Estado é preciso

manifestar a força (MAQUIAVEL, 2010[2], p. 30-31).

O segundo tema do Príncipe é pensar a política em duas versões: a da técnica e da

guerra. A política não é invenção, ela deve saber fazer a leitura do tempo. Maquiavel

estabelece o fim do ator político que empurra as coisas com a “barriga, o príncipe bonachão”.

Política se faz com a necessidade da força, da violência, como se viu na leitura de Lefort. A

política não é mera idealização, ela é realista. Por isso no capítulo II, Maquiavel chama

atenção para o cuidado em relação às forças excepcionais, extraordinárias e excessivas. Há

uma ambivalência, por conta da fortuna, da lógica da força, porque ora ela pode estar ao

133

De um modo geral, os vários autores destacam uma leitura global e uma preocupação de Maquiavel no

decorrer da obra. Por exemplo, dos capítulos I a XI temos a questão da organização militar do Estado. Aqui o

tema da força surge amplamente, pois a materialização desta lógica se dá no uso das boas armas e do bom

exército. Maquiavel desde os relatórios indica um exército patriota, e o fim das contratações de exércitos mistos

ou mercenários. Dos capítulos XII ao XIV trata-se da conduta do príncipe. Há várias recomendações e exemplos

que o florentino apresenta ao leitor. Sem forçar encontramos a lógica que apresentamos como tema principal nas

várias indicações de Maquiavel nestes capítulos. Um pouco mais adiante, entre os capítulos XV a XLX,

Maquiavel trata de assuntos de especial interesse para o príncipe. E por fim, nos capítulos XX a XXV,

Maquiavel retoma a sua principal preocupação - a unificação da Itália, por isso desenvolve um panorama italiano

de seu tempo. No fim da obra, capítulo XXVI, ele faz uma exortação para tomar a Itália das mãos dos bárbaros.

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nosso favor e ora em oposição. Assim, no que se refere aos principados hereditários, ele

ressalta a adversidade da fortuna134

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 33-34).

No Cap. III, pode-se encontrar uma explícita demonstração da imposição da força.

Maquiavel relata a organização da força, da força presente, do medir a força com outros. A

força produz medo, e o aumento deste é ascensão daquela. Ressalta muito a ideia de armas, de

gente armada, de exército bem formado com bons soldados e de evitar a guerra devido a

desvantagem, mas não a nega contudo, se, necessária. Isso, porque, como se demonstrou a

pouco, a guerra movimenta a lógica da política num estado forte. Cabe ainda neste capítulo a

menção da expressão: "aproveitando-se da ocasião da rebelião" cria-se fortes elos e

fundamentos (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 34-55). Especificamente sobre a forca se lê:

Há somente que tomar cuidado para que eles [outras Províncias, inimigos] não

ganhem muita força e muita autoridade, pois facilmente pode, com sua força e com

o favor deles, diminuir os que são poderosos, para manter o controle social daquela

província, e quem não governa bem esta parte, perderá rapidamente aquilo que

conquistou, e enquanto a manter, sofrerá infinitas dificuldades e aborrecimentos

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 43).

Em resumo, o texto do capítulo III, pode se ter o seguinte esquema: o poder é criado

com astúcia ou com força. A astúcia no poder é moderada pela oportunidade e pela qualidade

da virtù e da boa fortuna. Não obstante, se pensarmos na perspectiva da força, ela se firma

com violência e com dominação. Não se conquista e nem se mantém o poder sem astúcia ou

sem força, ou com a mistura dos disjuntivos. São estas condições que Maquiavel, encerrando

o capítulo ressalta como situações basilares de manutenção ou ruína de um principado ou

estado (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 55).

No Cap. IV, Maquiavel estabelece que a força é real, não se tratando apenas de um

suposto ideário. Estabelece-se com a força uma ordem social e de seguimento. Maquiavel

aconselha os Príncipes que é "preciso confiar mais na própria força do que na desordem"

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 59). Isto porque é a força que faz a glória do Estado e do

individuo se manifestar claramente. A força, como já se disse, é uma qualidade da virtù. Ela

se manifesta particularmente na habilidade do ator político, mas também na conduta de um

povo (é a chamada virtù civil). Por isso, que no cap. XII, Maquiavel afirma que tanto a

crueldade como a clemência são manifestações da força. A crueldade vem manifestada na

134

BENEVENUTO afirma que no capítulo vigésimo nono do Livro II dos Discorsi, Maquiavel parece dar

sequencia àquilo que já havia afirmado no capítulo XXV de sua obra O Príncipe: “os homens podem

perfeitamente acompanhar a „fortuna‟, mas não se podem opor a ela, que lhes permite urdir uma trama sem

romper um só fio”. Cf. BENEVENUTO, F. R. S. ‗Virtù‘ e valores no pensamento de Maquiavel. –

Dissertação de mestrado. Departamento de Filosofia da UFMG, Belo Horizonte, 2003, pp.70ss.

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violência que educa para a obediência e servilismo, enquanto que a clemência demonstra

quanto o conquistador é piedoso ao deixar viver por motivos políticos alguns conquistados em

certa guerra. Ainda no IV capitulo, Maquiavel enfatiza a duração da força. Portanto a

principal referência que o Príncipe nos dá em relação à doutrina da força é o equilíbrio e a

necessidade da conservação das duas naturezas, humana e animal (mezzo uomo e mezzo bestia

– Cf. MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 56-63).

No Capítulo V, Maquiavel une a força à amizade. No cap. XV, segundo Ménissier, o

príncipe que chegar a frente do Estado precisa governar os seus súditos tendo alguns amigos.

O poder gera muitos inimigos, por isso que amigos na condução do principado e do poder

efetivo se torna muito importante. Ménissier diz que "fazer política é, portanto, fazer

inimigos. O inimigo é o produto natural da política entendida como conquista" (2012, p. 9).

Quanto às amizades, recomenda Maquiavel, o discernimento à qualidade da amizade. O poder

é um grande hálibe de sedução. No capitulo XXI do Príncipe, Maquiavel diz que o príncipe

deve estar pronto para discernir entre o verdadeiro amigo e o verdadeiro inimigo. Em suma,

enquanto Aristóteles subordinava a ideia de philia à utilidade mútua que visa o uso das

virtudes, Maquiavel atribui à arte política a tarefa fundamental de consolidar as relações entre

os homens, cujos desejos e interesses levam naturalmente ao antagonismo (MÉNISSIER,

2012, p. 10; MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 65-67).

No Capítulo VI, Maquiavel une a ideia de força a ideia de ocasião. A ocasião nasce

das coisas novas, ou seja, elas são provenientes de uma firme experiência (MAQUIAVEL,

2010[2], pp. 70-73). Há um novo disjuntivo neste capitulo: rezar ou forçar? Maquiavel está

pensando no frei Jerônimo Savonarola, que se arruinou existencialmente, não foi ouvido. É o

profeta desarmado. O pressuposto é a ideia de que "todos os profetas armados venceram suas

batalhas, pois se apoiaram na força efetiva, e não na eloquência das palavras. Não obstante, os

profetas desarmados, tais como Savonarola, foram arruinados (MAQUIAVEL, 2010[2], p.

75), pois não tiveram nenhuma chance nesta moldagem da política sob o tumulto. Nos

Discorsi, Maquiavel, ao tratar de modelos de príncipes, de governantes, sobretudo da religião

como “cimento de coesão social”, dirá que os cabeças e ordenadores de religião, os

fundadores de repúblicas ou reinos, os comandantes de exército e os homens de letra devem

ser louvados (MAQUIAVEL, 2007, pp. 44).

Maquiavel ao se deparar com a obra de Tito Lívio, cita Rômulo, que foi um rei feroz

e belicoso; Numa Pompílio, rei tranquilo e religioso e Túlio Hostílio, pouco mais semelhante

a Rômulo, só que mais amante da guerra do que da paz (MAQUIAVEL, 2007, p.77). Nos

primórdios de Roma, para se efetuar a ordenação da vida civil, foi necessário um rei como

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Rômulo. E de tempos em tempos, o modo de Rômulo, a ferocidade e a belicosidade deveriam

ressurgir para não tornar Roma uma cidade frágil, efeminada e presa fácil (MAQUIAVEL,

2007, pp. 77). Elogia Rômulo como um governante de "grande virtú" (MAQUIAVEL, 2007,

pp. 78). Quem se assemelha, por exemplo, a Numa pode manter ou não o estado, é

indeterminado, é fortuna, porém, aquele que se assemelha a Rômulo manterá o estado de

qualquer modo, pois está investido de "prudência e de armas", e pode ser surpreendido

somente com algum tipo de "força extraordinária"135

(MAQUIAVEL, 2007, pp. 78).

Voltando ao Príncipe, no capítulo VII, Maquiavel demonstra as conquistas pelas

armas, ou seja, pela força. Ressalta-se no capítulo a figura de César Bórgia, que tendo

conquistado tanta força e tanta reputação136

que por si mesmo ter-se-ia mantido e não mais

seria dependente da fortuna dos outros e da força dos outros, mas de sua potência e de sua

virtú (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 91). Há também neste capítulo algumas reflexões

disjuntivas que merecem destaque, tais como: se vence ou pela força ou pela fraude. Na ideia

de amigos e inimigos, ocorre também o disjuntivo do ser amado e ser temido pelo povo,

seguido e reverenciado pelos soldados, tendo como ponto culminante a ideia de ser severo ou

ingrato, magnânimo ou liberal dependendo da cautela e das condutas que beneficiem o

resultado da política efetiva (MAQUIAVEL, 2010[2], p. 94-95)137

.

No Capítulo VIII se destaca a ideia de que não se pode atribuir à fortuna ou à virtù

aquilo que se consegue sem uma ou sem outra. Maquiavel está enfatizando a questão do

planejamento dentro do jogo da política (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 99-101). No capítulo

IX se enfatiza os dois humores: mandar ou obedecer, bem como os três efeitos que decorrem

dos humores: o principado, a liberdade e a licença (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 109). Neste

capitulo, Maquiavel destaca superficialmente a ideia de favorecimentos aos ordenamentos

sociais. Esta é uma política nova, que fundamenta o bom andamento da hierarquização social

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 116-118). Já no capítulo X, Maquiavel trata do modo de

conceber as forças dos principados. Surge num primeiro instante as ideias de abundância de

homens, de dinheiro em vista da formação de um exército efetivo. Outra ideia é a questão da

135

O termo extraordinário para Maquiavel tem relevância porque designa o que se opõe à finalidade normal da

política, bem como a gravidade extrema da situcionalidade. Refere-se ainda ao recurso e aos meios que fogem ao

que é comum (aos "modos ordinários". Tais meios devem ser compreendidos como os que são da ordem da

violência, e que costumam ser proscritos pela política porque sua finalidade é fazer o Estado durar

(MAQUIAVEL, 2007, Livro I, 34, pp. 106-109). Cf. MÉNISSIER, T. Vocabulário de Maquiavel. Tradução de

Cláudia Berliner, Rev. Técnica de Patrícia Fontoura Aranovich, São Paulo, 2012, pp.22. 136

Como Maquiavel dispõe em italiano: "acquistava tante forze e tanta reputazione che per sé stesso si sarebbe

retto e non sare' piú dependuto dalla fortuna e forza di altri, ma dalla potenza e virtú sua" (2010[2], pp. 90). 137

Para Lefort (1972, pp. 453), o Príncipe nos coloca questões como “o que é o poder, a divisão do Estado e da

sociedade, a divisão de classes e os desejos das classes”. Para responder tais questões, devemos observar a obra

que se segue ao Príncipe, os Discorsi, que trata, entre outras coisas, dos temas da República e da liberdade.

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plebe que deve estar sempre bem alimentada. Isso causa um contentamento no povo. Povo

contente, povo solidário. Povo menos crítico, pois a cidade estando forte, não cria espaço para

críticas internas, tumultos ad intra (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 119-123).

No Capítulo XI, Maquiavel trata dos "principados eclesiásticos". Segundo o

florentino, estes estados podem ser conquistados por mérito ou pela fortuna (nos dois

sentidos: sorte e dinheiro), porém, nem uma nem a outra são necessárias para conservá-las.

Isto porque são sustentados por antigos costumes religiosos (e a religião é cimento de coesão

social). Há, portanto, o anúncio da força da Igreja, sobretudo da força da religião, como

cimento de coesão social. Maquiavel ainda relata sobre a importância do Papa Alexandre VI,

que “dentre todos os que sentaram no trono de Pedro, melhor demonstrou o quanto um papa

pode dominar pelo dinheiro e pela força". Nem mesmo o papa Júlio II, o cavaleiro e

guerreiro, pode o subjugar em fama de tramas políticas e ordenações para a guerra.

No Capítulo XII, a base principal de todos os Estados, sejam novos, antigos ou

mistos, são boas leis e bons exércitos138

. E como não pode haver boas leis onde não haja bons

soldados, Maquiavel reconhece a necessidade das forças armadas. As tropas com que um

príncipe defende seus domínios podem ser próprias, mercenárias, auxiliares ou mistas. As

mercenárias e auxiliares são prejudiciais e perigosas. O príncipe que defende seus domínios

com o apoio de mercenários nunca terá uma posição firme ou segura, pois são soldados

desunidos, ambiciosos, sem disciplina e infiéis, ousados entre amigos, covardes perante os

inimigos; não temem a Deus e nem são leais aos homens. O motivo único e a afeição que os

faz lutar é um salário modesto, que não é suficiente para fazê-los morrer pelo soberano. Uma

138

No Príncipe, capítulo XII, que trata de "Quantos são os gêneros de milícias e das milícias mercenárias",

Maquiavel descreve que os bons fundamentos, tal qual as boas leis e as boas armas, que o príncipe deve ter e

manter, para que não se arruíne a si próprio e ao seu estado (XIII, 2-3) está na sua prudência de provir "armas e

exército próprios" (XII, 11-12). As armas apresentadas no capítulo são variadas. São elas: as próprias, as

mercenárias e as auxiliares ou mistas. De todas elas o aceno mais virtuoso está nas armas próprias (XII,4). A

Itália por longos anos ficou a mercê das armas mercenárias, até mesmo quando os padres estiveram no comando,

deram aos forasteiros encargo de proteção, e isso foi devastador. Nas mãos de homens sem virtú suficiente a

Itália foi "devastada por Carlos, saqueada por Luís, subjugada por Fernando e vituperada pelos suíços" (Cf. XII,

24-31). As armas mercenárias e auxiliares são inúteis, e em última instância não dão segurança ao Estado. Tais

armamentos são fundados, tão somente, no "soldo", no dinheiro (XII, 5-7), que nos Discorsi pode se ler: "o

dinheiro não é o nervo da guerra" (MAQUIAVEL, Livro II, 10, 2007, pp. 213). E Maquiavel faz ainda um

comentário - "é por isso que a Itália está em ruína" (XII, 8-9), por confiar em tropas mercenárias. Maquiavel fala

também do capitão mercenário, que tendo ou não virtù pode se arruinar e arruinar aos que o contrataram (XII,

10). Fica claro até aqui que a primeira coisa que um "príncipe virtuoso" deve pensar é a guerra. Nos Discorsi, ao

pensar e refletir sobre a religião romana, Maquiavel afirma que depois dos "fundadores de religião", os

comandantes de exército tem seu mérito nas articulações do estado. Eles também devem possuir virtù para

comandar o exército e o povo, ao ponto que o próprio Maquiavel prefere teoricamente um grupo de soldados

mais enfraquecidos do que um comandante sem virtù, um comandante fraco (MAQUIAVEL, 2007, pp. 44. Livro

III, 13). Relendo a histórias das repúblicas e dos homens armados, Maquiavel chama a atenção para o

empreendimento da guerra com armas próprias, tendo nos gentis homens e na plebe armada, de maneira muito

virtuosa, a sagacidade com que estes dispuseram ações políticas na Itália Renascentista (XII, 13-23).

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república que não tenha exército próprio se submeterá mais facilmente ao domínio de um dos

seus cidadãos do que uma república com armas mercenárias (MAQUIAVEL 2010[2], pp.

131-141).

No Capítulo XIII, Maquiavel trabalha com a ideia de forças auxiliares, pedidas a um

vizinho poderoso como ajuda para a defesa do Estado. Como se demonstrou anteriormente,

forças auxiliares são tão inúteis quanto às mercenárias. Tropas auxiliares podem ser em si

mesmas eficazes, mas são sempre perigosas, pois podem sair vencedoras ou aprisionadas nas

batalhas ou de a àqueles que as utilizam. Um príncipe prudente, por conseguinte, evitará

sempre tais milícias, recorrendo a seus próprios soldados; preferirá ser derrotado c/ suas

próprias tropas a vencer c/ tropas alheias. Em suma, as armas alheias nos sobrecarregam e

limitam, quando ñ falham (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 143-151).

No Capítulo XIV, Maquiavel ele trabalha a ideia de que os príncipes, por

conseguinte, ñ deveriam ter outro objetivo ou pensamento além da guerra, suas leis e sua

disciplina, nem estudar qualquer outro assunto; pois esta é a única arte q se espera de quem

comanda. Os príncipes quando se interessam mais pelas coisas amenas do q pelas armas,

perdem seus domínios. Entre outros males, estar desarmado significa perder a consideração.

No Capítulo XV temos a seguinte ideia, os homens e os príncipes em primazia, são

louvados devido à pratica constante da bondade. A bondade e a leitura de tempo desta ou

daquela necessidade se esquiva a ideia de necessariedade. Contudo, não deverá tais homens se

importarem com a prática escandalosa daqueles vícios sem os quais seria difícil salvar o

Estado. Certas qualidade que parecem virtudes levam à ruína, e outras que parecem vícios

trazem como resultado o aumento da segurança e do bem-estar. Maquiavel aponta para uma

valoração das coisas e das atitudes dependendo do contexto. É a ideia que sempre se ouve do

Prof. Valverde sobre Maquiavel, ou seja, na perspectiva maquiaveliana [ipsis literis] "o bem

se faz a conta gotas... o mal de uma só vez".

No Capítulo XVI, Maquiavel define que o príncipe, para ser prudente, não deve se

incomodar que o chamem de miserável. De fato, a liberalidade é muito necessária para o

príncipe que marcha à frente, com pés firmes (Makários - bem-aventurado) do seu exército e

vive do espírito da guerra, do roubo e de resgates, pilhando a riqueza alheia, sem a qual

deixaria de ser seguido pelas tropas. Ora, dentre as coisas que o príncipe precisa evitar, o mais

importante é o ser desprezado ou odiado; e a liberalidade conduzirá a uma ou outra dessas

condições.

No Capítulo XVII, Maquiavel propõe a reflexão aos príncipes se é preferível ser

amado ou temido? Está ele na questão analisando o perfil e o modelo do novo príncipe. Crê

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que todos os príncipes devem preferir ser considerados clementes, e não cruéis. O príncipe,

não deve se incomodar com a sua de líder cruel, isso se seu propósito é manter o povo unido e

leal a si. Apesar de o tumulto ser preferido a paz, o ideal é a demonstração de benevolência,

mesmo que em certas situações, como fizera César Bórgia e seu pai, o Papa Alexandre,

fossem impiedosos e cruéis com quem lhes foram intransigentes. Porém, o ideal é o príncipe

ser amado e temido. A opção mais engenhosa é ser temido, e fazer-se temido, e mesmo que

não ganhe o amor dos súditos, pelo menos evite seu ódio ou sua intempestividade

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 169-175).

No Capítulo XVIII, Maquiavel nos apresenta a diferenciação de dois modos de se

lutar em vista de algo, o modo dos homens e o dos animais. Segundo o autor, o primeiro se

caracterizaria pela atenção às leis, criações humanas regulatórias, enquanto o segundo, pelo

uso da força. No texto se afirma “como o primeiro modo [de ação, as leis] muitas vezes não é

suficiente, convém recorrer ao segundo [o uso da força]”. Daí decorre a alusão do autor à

figura do leão e à da raposa: deve o governante, quando não atingir sucesso através do uso

leal da força (como o faz o nobre leão), se usar do ardil e da astúcia, como o faz a raposa para

contornar sua carência do atributo físico. Possuidor das virtudes dos dois animais, deve o

príncipe saber conciliar as duas naturezas, em vista do contexto e do caso que a situação

exigir139

.

No longo Capítulo XIX, (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 185-207), ele delineia como o

príncipe deve fazer para evitar o desprezo e o ódio de seus súditos e citadinos. A força por

estar atrelada as qualidades do ator político, a priori não tende a levar os que estão em volta a

odiá-lo. Porém, como no caso do Duque César Bórgia, que envolveu assassinatos, e na

história dos textos e da interpretação de Maquiavel, do seu olhar sobre a ação política, houve

muitas críticas e argumentos distorcidos sobre o desprezo e até mesmo o ódio. Mas para

Maquiavel, sobretudo no capítulo, o que mais contribuirá para fazer um príncipe odiado é sua

conduta, ou seja, a questão de usurpação dos bens e das mulheres dos súditos. Os príncipes

precisam se acautelar contra duas coisas: uma interna – seus súditos -; a outra externa – as

potências estrangeiras. Os bens privados e as mulheres adquiriram “sacramentalidade” no

ordenamento político. Portanto, se um príncipe possui a estima do povo é impossível que

alguém cometa a temeridade de conspirar contra ele, mas isso dependerá de seu

procedimento, de suas condutas, de sua liderança, porque não de sua virtù acumulada. Já no

139

CORTINA, A. Leitura como processo de compreensão e de interpretação. "O Príncipe" e seus leitores.

Tese de Doutorado em Letras - Área de Semiótica e Lingüística Geral. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, Universidade de São Paulo, 1994.

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capítulo XXI, Maquiavel se debruça a demonstrar os motivadores para que um príncipe seja,

de fato, estimado. Diz o florentino que nada faz com que um príncipe seja mais estimado do

que os grandes empreendimentos e os exemplos que possa dar, sobretudo algum exemplo

notável da sua grandeza no campo da admiração interna, como o que se conta a respeito de

messer Barnabé de Milão. Acima de tudo, um príncipe deve procurar em todas as suas ações

conquistar fama de grandeza e excelência, assim como agir enquanto verdadeiro amigo ou

inimigo declarado. O príncipe deve sempre estar posicionado, a política deve fugir sempre da

neutralidade, ela é o pior dos defeitos de um ator político (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 221-

229).

A força é meditada no Capítulo XX do Príncipe no sentido de que Maquiavel

propõe a reflexão sobre a utilidade da construção de fortalezas e de outras medidas de

prudência no governo do principado ou estado. Nos relatórios ficou claro a importância dos

“bastiões”, e nos Discorsi, Maquiavel vai elogiar os príncipes que se utilizam dos

desfiladeiros como local de defesa do exército. Jamais aconteceu de um príncipe que

conquistasse o poder, desarmasse seus súditos. Ao contrário, estando eles desarmados, o

príncipe sempre lhes dá armas. Boas leis e boas armas140

são o conjunto adjacente da teoria da

força. Os braços armados pertencerão ao monarca, os suspeitos se tornarão leais e os que já

eram fiéis manterão sua fidelidade, e de simples súditos passarão a ser partidários do soberano

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 208-219).

No Capítulo XXII, Maquiavel fala dos ministros que cercam o príncipe. Afirma que

quando estes são eficientes e fiéis, pode-se sempre considerar o príncipe sábio, pois foi capaz

de reconhecer a capacidade e de manter a fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se

sempre fazer dele mau juízo, porque seu erro fundamental terá sido cometido ao escolher os

assessores. Quanto a estes há três tipos: (a) os que compreendem as coisas por si só, (b) os

que compreendem as coisas demonstradas por outros e os (c) que nada consegue discernir,

nem só nem com a ajuda dos outros. Os ministros devem pensar no príncipe e no principado.

Já o príncipe por outro lado, para assegurar a fidelidade do ministro, deve pensar nele,

honrando-o (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 231-233). Em ato contínuo na obra, Maquiavel, no

capítulo XXIII demonstra o modo de como escapar dos aduladores. Diz que não há outra

forma de se defender contra adulações do que fazer as pessoas compreenderem que não há

140

As boas leis indicam a contenção dos homens no pensamento maquiaveliano. Trata-se de um indicativo de

respeito. O seguimento consciente das leis sugerem uma sociedade em harmonia. A partir do momento em que

se institui as boas leis, na visão de Maquiavel, o príncipe evita que os homens, ao procurarem satisfazer seus

desejos individuais, prejudiquem a ordem interna do principado [trata-se da questão dos humores],

(MAQUIAVEL, Livro I, capítulo 3, pp. 20). Não há política sem leis, tanto que, complementa Maquiavel: “[...] a

fome e a pobreza tornam os homens industriosos, mas as leis os tornam bons” (MAQUIAVEL, 2007, pp.20).

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ofensa em falar a verdade; pois quando todos podem falar a verdade a alguém, perdem-lhe o

respeito. O príncipe prudente adotará um meio termo, pois escolherá como conselheiros

homens sábios, e dando-lhes inteira liberdade para falar a verdade, mas só quando forem

interrogados e requisitados. É a liberdade e obediência, porém, somente com diálogo

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 234-239).

No Capítulo XXIV, Maquiavel assevera, segundo o subtexto de Lefort, a

importância da teoria da força. Ou seja, ele evoca as razões pelas quais os príncipes da Itália

perderam seus domínios. O defeito comum encontrado por Maquiavel é o desarmamento. Ou

ainda pior, o uso constante de milícias externas, mistas ou mercenárias, que levaram a Itália à

ruína. A teoria da força supõe, como encontramos nos relatórios, a ideia de um exército

patriota (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 241-243).

No Capítulo XXV, Maquiavel trata da fortuna, sobretudo quando ela demonstra seu

poder quando a virtù não é ordenada para resisti-la (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 245). Contra

a impetuosidade da má fortuna, Maquiavel chama a atenção para a prudência, como um

contrassenso da fortuna (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 249). Sobre a prudência pode-se

acrescentar

sempre atento à verità effetualle della cosa, Maquiavel – difere a prudência do “agir

conforme a verdade das coisas” de Tomás de Aquino, enquanto uma verdade

inflexível, evidente e natural, porque associada à sinderesis141

. A verità effetualle

maquiaveliana é provisória, circunscrita e retórica. Como nota Eugene Garver, “agir

de acordo com princípios garante a retidão das ações numa ética dos princípios;

alcançar resultados bem sucedidos justifica a retidão numa ética das

consequências”142

.

No último Capítulo, XXVI, Maquiavel sonha com uma Itália unificada, livre dos

bárbaros e para tanto diz que devemos fazer "a nossa parte". Parte de um pressuposto

agostiniano, onde se encontra a ideia de que "Deus não deseja fazer tudo, para não tirar nosso

livre arbítrio e a parte daquela glória que nos cabe" (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 255). O

141

A ideia de sinderesi ilumina a razão e a vontade e se relaciona com os hábitos dos atos inatos. Pode-se dizer

ainda que “la sindéresis, también llamada por Tomás de Aquino razón natural, es cognoscitiva: un hábito innato

por medio del cual la persona humana conoce y regula su naturaleza humana, y en especial, su razón (tanto

teórica como práctica) y su voluntad, y está abierta a éstas facultades, tanto en su estado nativo como activadas.

La sindéresis se conoce por medio del hábito de sabiduría, y ambos dependen del intelecto agente. [...] Para

Tomás de Aquino la sindéresis es, sin duda, un hábito: “synderesis est habitus”. Y un hábito, como se ha

indicado, cognoscitivo, pues lo propio de él es juzgar". De modo que no es un acto, una operación inmanente de

la razón. Pero tampoco es una potencia: “la sindéresis se distingue de las demás potencias, pero no como diversa

por la sustancia de la potencia, sino por el hábito”. Tampoco, claro está, es una virtud. La siguiente cuestión es

saber de qué tipo de hábito se trata. La respuesta tomista tampoco deja lugar a dudas: es un hábito innato: “la

sindéresis... es en cierto modo innato a nuestra mente”. Cf. CROWE, M.B. “The term synderesis and the

scholastics”, en Irish Theological Quarterly, 1956, pp. 151-164. 142

GARVER, E. Machiavelli and the History of Prudence. Madison: University of Wisconsin Press, 1987,

pp.16.

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teorética se encaminha para a prática efetiva. Ele vê a Itália mais escrava do que os hebreus,

mais serva do que os persas, mais dispersa dos que os atenienses, enfim, está sem chefe, sem

ordem, abatida, espoliada, dilacerada e invadida (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 253). O texto

do Príncipe é concluído com um verso de Petrarca, e assim o fazemos também

"Virtù contra furor. Tomará as armas, e que seja breve o combate, que o antigo valor

nos corações italianos não está morto"143

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 261).

Passemos à análise do conceito de força no livro dos Discorsi. Nesta obra, com

várias entradas temáticas, sobretudo a que se fará na tentativa da amarração da ideia de força

com a de liberdade, que é mais notada na obra, encontra-se Maquiavel defendendo a liberdade

cívica e o republicanismo aos moldes da antiga Roma. É preciso reordenar sempre os

acontecimentos da cidade, a política nos Discorsi não pode ficar estática, sobretudo porque é

na dinamicidade dos tumultos e da guerra que se faz a reordenação efetiva da lógica da força e

do bem estar das coisas públicas.

Os Discorsi estão divididos em três livros. No Primeiro Livro encontramos um

estudo detalhado dos diversos modos utilizados para se fundar os estados, as diversas

modalidades de governo e a organização dos mesmos. No Segundo Livro, Maquiavel analisa

como se engrandecem os estados e como se conquistam novos estados. No Terceiro Livro,

Maquiavel reflete sobre como acontece à decadência dos estados. Neste sentido a ideia de

força está atrelada, num âmbito mais amplo, no seio da obra ao que se refere a fundação, os

modelos, o engrandecimento, a conquista, a manutenção e a decadência dos estados e das

repúblicas. Entretanto, afirma Escorel, não devemos crer que esses temas estejam assim

didaticamente expostos nos Discorsi, ao contrário, “seria mesmo difícil determinar com rigor

o tema central da obra, escrita evidentemente ao sabor das leituras e das preocupações de

momento do autor, que esteve longe de ser um pensador temático” (1984, pp. 25).

De qualquer forma, por mais que Maquiavel faça grandes digressões, jamais perde

de vista o seu foco: a fonte da sabedoria se encontra na República romana. Lefort ao comentar

a obra, afirma que “a audácia das fórmulas sugere [...] que os Discorsi são aos olhos do seu

autor a obra da fundação, da qual o Príncipe foi apenas uma primeira tentativa de descoberta”

(1972, pp. 455).

Assim sendo, logo de entrada, no livro I, encontra-se a ideia de locais de

manifestação da força144

. Estes locais são postulados institucionais que produzem a coesão

143

Petrarca dixe: "Virtù contra a furore... prenderá l'armi, e fia combatter corto, che l'antico valore nelli italici

cor non è ancor morto".

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dos homens em prol da república, da unidade estatal. São eles para Maquiavel: a religião, o

exército e a unidade social dos homens em si, (sobretudo no capítulo 57, do Livro I). De

modo que unido o povo é forte, e isolados, os indivíduos são fracos145

. A unidade física e de

ideias do povo é um elemento chave na compreensão da força nos Discorsi. A força, portanto,

é sinal de deliberação da comunidade. Quando a deliberação é ambígua, é lenta, então é fraca

e prejudicial. Na questão individual, a força se manifesta em homens de virtú – homens de

caráter forte, que anteveem os problemas e fazem o cálculo político (Livro III, cap. 31). No

próprio Livro III, o grande inimigo de qualquer tipo de manifestação de força, é segundo

Maquiavel, são as "conspirações" (Livro III, cap. 6, onde se afirma delongadamente que isto

derruba homens e a comunidade).

Maquiavel relata na abertura do Discorsi a sua intenção de escrever baseando-se na

longa prática de aprendizado, bem como nas contínuas lições tiradas das coisas do mundo

(MAQUIAVEL, 2007, pp. 3). Na abertura do Livro I, Maquiavel delibera sobre a natureza

humana, já referida neste capítulo, sob o aporte do artigo de Newton Bignotto, com a ideia de

antropologia negativa, ou seja, natureza invejosa/egoísta dos homens. A força que

pesquisamos é uma qualidade da antiga virtù romana denominada de cívica, pois enquadra os

homens numa vivencia comum em vista de um bem para todos. Por isso que se disse há pouco

que os homens unidos são fortes. E nas entrelinhas do texto que corre nos capítulos iniciais do

Livro I, e nas variações disjuntivas de caráter aristotélico que Maquiavel escreve, percebe-se a

ideia de que senão houver a virtù acumulada a fortuna destrói as amarrações e ordenações

sociais (MAQUIAVEL, 2007, pp. 9).

A questão da liberdade, um tema saliente dos Discorsi, sobrepõem-se as questões

práticas, de modo que Maquiavel analisa as relações de poder ao interno da sociedade, ou

seja, afirma que os homens não se contentam em viver com o que é seu e querem sempre

mandar nos outros homens (MAQUIAVEL, 2007, pp. 10).

No Livro II, capítulo 3 dos Discorsi reaparece o discurso da força relativo ao

relatório da Reconquista de Pisa -1499146

, onde Maquiavel trata de Roma como uma cidade

144

MAQUIAVEL, N. Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. São Paulo, Martins Fontes, 2007. 145

A plebe, unida, é forte, dispersa, é fraca (MAQUIAVEL, I, 57, pp. 165). Ideia recorrente da obra de TITO

LIVIO, V, 50, VI, 4. E acrescenta Maquiavel que a multidão é mais sábia e constante que um príncipe (op. cit ,

pp. 166). 146

Maquiavel faz referência ao contexto do "Relatório da Reconquista de Pisa" também no Livro I, 39, em que

se lê: "a cidade de Florença, perdendo parte de seu império depois de 1494 (época da invasão de Carlos VIII da

França), com as cidades de Pisa e outras, precisou travar guerra contra aqueles que a ocupavam. E com quem as

ocupava era forte, grandes eram os gastos com a guerra, sem nenhum retorno, dos grandes gastos resultavam

grandes impostos, dos impostos, infinitos lamentos do povo, e como aquela guerra era administrada pela

magistratura de dez cidadãos, que se chamavam os Dez da Guerra, o povo [l'universale] começou a sentir-lhe

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que arruína as cidades circunvizinhas, admitindo estrangeiros em suas honras. Evitando a

ruína, Roma e as novas repúblicas ensinam a forma de conquistar. A força da cidade está no

quantitativo de citadinos, de habitantes. Povo forte é povo unido. Novamente reaparece o

disjuntivo – amor ou força, entendendo por amor que os estrangeiros desejam morar na

cidade, e por força se eles forem destruídos. Maquiavel ainda ressalta a importância de se

portar “armas” (MAQUIAVEL, Livro III, cap. 3, 2007, pp. 193). Diz o Florentino: “sem um

grande número de homens bem armados, nunca república alguma poderá ampliar-se, e, caso

se amplie, não poderá manter-se” (MAQUIAVEL, 2007, pp. 30).

A força também se faz na escolha de terra para o molduramento e efetivação das

cidades. Deve-se escolher sempre, pois isto é prudente, o lugar mais fértil para os princípios

do lugarejo (MAQUIAVEL, 2007, pp. 11). Nas cidades, acomodadas, Maquiavel enfatiza a

importância das leggi e ordini (Leis e Ordenações, Discorsi I, 18)147

como cautela frente as

possibilidades de rebeliões. A importância da legislação Maquiavel herda de Tito Lívio, na

História de Roma, porém não se deve elencar e fabricar muitas leis, pois isso revela de certo

modo a decadência moral dos homens em comunidade. A força das leis está em sua

observância (MAQUIAVEL, 2007, pp. 13). Tanto que, na formação da base de todas as

cidades está a ideia de que se tornaram repúblicas onde, num primeiro momento esteve o

sujeito forte, que “com o muque” decidiu dirigir e engendrar as coisas (MAQUIAVEL, 2007,

pp. 14-15). E comentando sobre os regimes possíveis numa república, a sua legitimidade,

efetivação e desgaste, Maquiavel cita a questão da força enquanto vivência sob a ordenação

do estado, dentro dos liames dos humores e interesses, dos conflitos, que são interceccionados

por leis, ordenações e instituições (MAQUIAVEL, 2007, pp. 19-21).

Ideia importantíssima da lógica da força presente nos Discorsi é a que encontra-se

no Livro I, 9, onde Maquiavel afirma a necessidade de se “estar só para pensar a nova

republica”. Ordenar a reformar as antigas ordenações é o ato fundante da reformulação do

estado. E para tanto, é preciso usar a força – até mesmo a crueldade, como já exposto há

pouco no Príncipe, para fundar ou reformular a sociedade, para mediar os conflitos, dar

encaminhamentos (MAQUIAVEL, 2007, pp. 40-43). Isso impede o que mais tarde, nos textos

dos Discorsi, Maquiavel irá denominar como consciência do povo, que não deve ser enganado

ódio, como se ela fosse a razão da guerra e de seus gastos [...] acabaram com a magistratura [...] delegando suas

obrigações a Signoria" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 121). 147

Por várias vezes se falou da importância das leis para Maquiavel. Isso se faz necessário porque, as leis é o

pressuposto substancial da governabilidade e da força de um indivíduo e de um estado. No Livro I, 45,

Maquiavel diz ser injurioso aquele que não observa a lei, muito mais se o mesmo for o autor. A ideia popular de

"faça o que eu digo, mas não façam i que eu faço" não tem funcionamento na política. É danoso para quem

governa, é governado, a não observação das leis (MAQUIAVEL, 2007, pp. 134).

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por falsas aparências, falsas esperanças ou audazes promessas, porque isto historicamente

comove o povo muito facilmente, e o corrompe. Para tanto é preciso que o "cabeça" da

república, que pensa no processo da constituição da liberdade cívica, num segundo momento

leve todo povo a fazer a experiência que ele mesmo encabeçou, sobretudo no que se refere a

corrupção dos valores e costumes (MAQUIAVEL, 2007, pp. 152ss. 158).

A ideia de religião é apresentada como força em Maquiavel, no sentido de ordenar a

convivência dos povos (Livro I, capítulos 10 a 15)148

. A religião é um substrato de autoridade

e de conjunção dos homens. Na religião está alguém que é intermediário do divino com o

humano, o que convencionalmente se refere como "cabeça de religião". Maquiavel, no Livro

I, 44, afirma que: "uma multidão sem cabeça é inútil", e que portanto, a autoridade deve ser

conquistada, antes de ser realizada por ameaça, que deve ser a última expectativa do líder

político (MAQUIAVEL, 2007, pp. 133). No livro II, 2, acrescenta que a religião romana

antiga beatificava homens de ação, que no séc. XV-XVI é o novo ordenamento do

Humanismo-renascentista, porém, a "nossa religião" diz Maquiavel, (em referência aos

cristãos), "só tem glorificado homens mais humildes e contemplativos do que os ativos"

(MAQUIAVEL, 2007, pp. 189-190). É preciso repensar a funcionalidade da religião, apesar

de que Maquiavel somente observou as estruturas da Instituição - Igreja Católica.

Maquiavel analisa a religião dos romanos, e de como é importante a conservação da

religião como forma de organização e obediência dos homens. Já havia feito isso nos Scritti,

quando tratou da formação e postura dos homens de armas do exército sob a proteção de São

João Batista. A força refere-se primeiramente a ideia de domínio sobre o outro, e quando

necessário para além do campo das ideias, do recurso das armas. Por muito tempo os homens

foram “domesticados” por força da palavra. Tanto que nos capítulos 16 à 18 do Livro I,

Maquiavel chama atenção para a corrupção dos costumes do povo, porque isso facilmente

quebra, desalinha e enfraquece o estado forte (MAQUIAVEL, 2007, pp. 64-75).

A força de uma cidade e de um poder instituído está entre outras coisas, entranhada

na manutenção da religião. E Maquiavel demonstra por que a Itália foi padecendo

internamente, porque não conservou a religiosidade tradicional. A força na religião tem dois

movimentos: primeiro para organizar, no caso a República, segundo, para reprimir desordens.

Maquiavel ainda vincula a noção de prudência à observância da religião. O que se percebe

nesta leitura é um binômio – força versus punição nas entrelinhas da relação do poder e de sua

efetivação.

148

MAQUIAVEL, N. Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. São Paulo, Martins Fontes, 2007, pp.

44-64.

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Os Capítulos 19 à 27 (Livro I), onde se desenvolve e se amplia o esteriótipo de

“espelho de príncipe”, Maquiavel aponta o modo de ser daquele que deve governar, daquele

que deve estar à frente do Principado ou da República, e que é denominado pelo conceito de

"Príncipe Virtuoso". Três são os assuntos mais recorrentes na configuração destes capítulos:

(a) a teoria da virtú e da boa fortuna como pressuposto da governabilidade eficaz; (b) a

necessidade do armamento e da disposição para o conflito e para guerra e (c) o modus

operandis de investimento na formação de bons homens manuseadores de boas armas.

Nestes Capítulos (19 à 27) dá-se destaque à importância das armas próprias. A

virtude cívica leva o líder político a armar-se, pois, no novo cenário da ação, as armas se

tornaram o instrumental mais eficiente de conquista e manutenção do poder e da liberdade.

SANTOS estudando o conceito de populo afirma que "o problema militar foi uma das grandes

preocupações de Maquiavel desde 1500 na cidade de Florença quando participando dos

combates para a retomada de Pisa durante o governo republicano de Soderini"149

percebeu

que tropas externas não eram eficientes. Foi neste entrave de conflitos que Maquiavel

constatou uma grande indisciplina em decorrência do uso de tropas mercenárias. Dessa

indisciplina resultaram derrotas humilhantes, inclusive quando ele próprio esteve à frente de

tropas militares. Em tese, pode-se acrescentar a ideia de Bignotto que acentua muito bem a

necessidade do armamento em vista da preparação continente para a guerra e para o conflito,

pois

o processo de fundação e conservação de uma república não é independente da

escolha de sua estratégia de defesa. A estabilidade de um regime espelha a

capacidade de preparar a guerra. Sua legitimidade não decorre, portanto, somente da

representatividade e constância de suas instituições, mas também do fato que ele é

capaz de resolver o conflito de classes de maneira a tornar possível a conquista e a

resistência (BIGNOTTO, 1991, pp. 156)150

.

No Capítulo 19, que tem como título: "Depois de um príncipe excelente pode-se

manter um príncipe fraco; mas, depois de um fraco, não se pode manter reino algum com

outro príncipe fraco" há uma distinção primária, ou seja, a ideia de que Maquiavel, em

primeiro plano, afirma que o príncipe forte é aquele que possui virtù151

e boa fortuna152

, ou

149

SANTOS, L. M. A virtù do povo na Filosofia de Maquiavel. Dissertação de Mestrado. Universidade de São

Paulo. São Paulo, 2011, pp. 84. 150

BIGNOTTO, N. Maquiavel Republicano. São Paulo: Edições Loyola, 1991. 151

Segundo Price, “há diferentes tipos de 'virtù': a moral, a política e a militar (além da combinação entre 'virtù'

política e militar)” além de outras que ele trata de forma menos especificada. Cf. PRICE, R. The senses of

'Virtù' in Machiavelli, pp.321-322.344. In: BENEVENUTO, F. R. de S. ‘Virtù’ e valores no pensamento de

Maquiavel. Dissertação de Mestrado. Departamento de Filosofia da UFMG, Belo Horizonte, 2003, pp. 61-62. 152

Os termos: virtù e boa fortuna marcam deliberadamente a obra de Maquiavel. Para o florentino, estes

conceitos subsidiam a base fundamental da conquista e manutenção do poder, bem como, da articulação e dos

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seja, é aquele que sabe fazer o cálculo político e sabe também armazená-la para momentos

oportunos, pois se não há virtù acumulada, pode a "roda" da fortuna colocar tudo a perder.

Para tanto é necessário que o príncipe tenha a habilidade e o manejo político de um líder que

antecipa as situações, tanto que, "assim como os homens agem por necessidade ou por

escolha", os príncipes devem, em primeiro lugar, criar as boas leis e estipular a ordem onde

regem (MAQUIAVEL, 2007, pp. 9-10).

Num segundo plano do Capítulo 19, Maquiavel define a oposição do príncipe

virtuoso, ou seja, o príncipe fraco. Este é aquele que, não possuindo as mesmas qualidades de

seus antepassados, não pode manter por si só no reinado, à frente de um estado. Disso

decorre, nas entrelinhas do texto que o "tempo de guerra" e a aptidão para ela, bem como a

prudência e a virtù são mais eficientes do que o "tempos de paz"153

. Em outras palavras, o

bom governo e o bom governante são mais excelentes e bem alinhados quando são postos à

prova, no que se denomina "tempo de guerra" ou necessidade do conflito. Quem não está

acostumado à guerra tende a ser mais frágil nas relações de poder, portanto, mais suscetíveis à

derrota em combates e submetidos a perda da liberdade.

Nos Capítulos 20 à 25154

, Maquiavel defende as seguintes ideias relacionadas a força

do líder político. Maquiavel, no capítulo 20, quer estabelecer a seguinte ideia: propõe que uma

república que deve ter em seu ordenamento "infinitos príncipes virtuosíssimos", ou seja,

homens que sejam de comprovada capacidade de cálculo e de leitura dos tempos frente as

ocasiões. Como já disposto no capítulo 19, a virtù é o mensurador da capacidade de conquista

e manutenção do poder e da liberdade de um príncipe. E isto se faz de tal modo que, assim

como ocorreu entre Felipe da Macedônia e Alexandre, o Grande, como conquistadores do

mundo. Pode também ocorrer com Roma, de acordo com a eleição, sucessão e ordenação dos

critérios que são essenciais naquele que estará à frente de um principado, estado e república. BENEVENUTO

afirma que “no capítulo vigésimo nono do Livro II dos Discorsi, Maquiavel parece dar sequencia àquilo que já

havia afirmado no capítulo XXV de sua obra O Príncipe: “os homens podem perfeitamente acompanhar a

„fortuna‟, mas não se podem opor a ela, que lhes permite urdir uma trama sem romper um só fio”. Cf.

BENEVENUTO, F. R. S. ‘Virtù’ e valores no pensamento de Maquiavel. Dissertação de Mestrado.

Departamento de Filosofia da UFMG, Belo Horizonte, 2003, pp.70ss. 153

Os ditos, longos períodos de ozio (paz) são descritos por Maquiavel. A paz e a liberdade devem ser

compreendidas como resultados concretos e dinâmicos da convivência em comum. Segundo AMES (2008, pp.

142), "o ócio aparece em Maquiavel em três acepções distintas: como inércia (ou preguiça) que se opõe à energia

(ou virtù); como licenciosidade decorrente da ausência de controle por oposição à força disciplinadora da

necessidade; como a situação que oferece um excesso de possibilidades de escolha: o ócio torna os homens mais

lentos em lhes oferecer uma quantidade de alternativas. A concepção maquiaveliana do ócio revela a influência

que exerceu sobre ele o humanismo renascentista, que atribui um lugar secundário à contemplação (otium) e

subordinado ao ideal da vida ativa (negotium). Na avaliação de Maquiavel, o ócio degenera os costumes e

corrompe a vida política: “as razões da desunião das repúblicas, na maioria das vezes, são o ócio e a paz”

(Discursos II,25)". 154

MAQUIAVEL, N. Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. São Paulo, Martins Fontes, 2007, pp.

79-83.

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líderes. Depois da expulsão dos reis fracos e maus, daqueles que expunham Roma ao perigo,

que não tinham condições de governo forte, e não imitavam seus antecessores próximos ou

um pouco mais distantes, o estado deve se "armar" personificadamente, militarmente e

economicamente. Os Cônsules que tomaram o poder, não pela via da herança, da fraude ou da

ambição violenta, mas por sufrágio livre, eram homens excelentes, de comprovada virtú e de

boa fortuna (MAQUIAVEL, 2007, pp. 79). Assim sendo, a virtù produz efeitos benéficos

para o principado ou república, na medida em que as sucessões e as políticas de expansão se

fizerem prioridade dos seus líderes.

Segundo Maquiavel, que lê a obra "História de Roma" de Tito Lívio, afirma que

Tulo, rei de Roma, tinha mais virtù do que o rei Mécio de Alba, ao ponto que, no confronto

dos três Curiácios, de Alba, com os três Horácios de Roma, os primeiros foram derrotados.

Mécio e os albanos ficaram sujeitos aos romanos. Horácio ao voltar para casa matou também

sua irmã que chorava a morte de um dos Curiácios, seu marido. Este Horácio foi julgado e

libertado por este erro, de matar sua irmã, graças aos rogos de seu pai (MAQUIAVEL, 2007,

pp. 81-82).

Três situações notáveis destaca Maquiavel nesta passagem: primeiramente “é que

nunca se deve arriscar toda a fortuna como parte das forças, uma segunda, as culpas nunca são

compensadas pelos méritos, como demonstrou no caso do Horácio que matou a irmã e o

cunhado, e por fim, nunca são sábias as decisões, quando se deve ou se pode desconfiar de

sua inobservância (MAQUIAVEL, 2007, pp. 82). Deste cenário de confronto, Mécio e seu

povo ficam submissos ao povo romano. Maquiavel ressalta a importância da "denúncia

pública", pois isso deixa a Instituição forte. A denúncia evita a calúnia, e deve ser realizada

em praça pública com provas contra o acusado. Este é um mecanismo forte onde se tem mais

controle das variações humanas155

. A calúnia é o inferno social. E com a instituição da

denúncia, se faz frente ao inferno que pode ocorrer entre os convivas sociais156

.

Assim sendo, a servidão não é uma situação fácil, porém, como se anunciou, Mécio

tentou enganar Tulo através de uma obediência enganosa, mas sem tomar a devida percepção

que deve se fazer nestes eventos, o que denomina-se temeridade (MAQUIAVEL, 2007, pp.

82). O Capítulo 20, portanto, envolve o comedido investimento na guerra, bem como questões

de meritocracia e heteronomia das leis e relações sociais.

155

Nos Discorsi, Maquiavel, no Livro I, capítulo 37, afirma: "tudo que é humano varia". 156

Vale a menção do que dizia, segundo Antonio Valverde, Mauricio Tratenberg: "cidade pequena, inferno

grande", referente à vida do povo em pequenos vilarejos ou em cidades de porte médio, onde todos sabem da

vida de todos, ou pelo menos acham que sabem. Deste saber, que é muito questionável, nascem as calúnias e as

injúrias.

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Maquiavel nestes Capítulos (21-25) faz uma dupla constatação: em primeiro lugar, a

crítica a Tulo, mesmo que este tenha saído vencedor do confronto contra os Albaneses, e a

Mécio, o próprio rei de Alba. Em segundo lugar, refere-se a pouquíssimos comandantes que

escolhem lugares mais adequados para o confronto e para o embate. Diz o florentino que "são

raros os comandantes que guardam os desfiladeiros" (MAQUIAVEL, 2007, p. 84). Maquiavel

parte de um pressuposto que nunca foi contrariado, ou seja, a decisão de pôr em risco toda

fortuna e todas as forças numa situação que envolva a história e o bem de todos numa

república. Tulo e Mécio confiaram toda a fortuna e virtù da pátria à três homens como

representantes e com isso tornaram vão todo o trabalho de seus antecessores. Mesmo os

Horácios romanos que saíram vencedores, como há pouco se relatou, não conseguem em si

mesmos darem conta de toda a virtù que possa existir em Roma. Muito menos os Curiácios,

que no micro cenário da disputa perderam, não tiveram virtù suficiente (MAQUIAVEL, 2007,

pp. 82-83).

A crítica de Maquiavel se estende a ideia de que é errôneo e danoso o investimento

de não guardar os desfiladeiros como ponto estratégico de combate, ou em locais onde se

prevê maior dificuldade de manter as forças ordenadas a acomodadas. É danoso, insiste

Maquiavel, esperar o inimigo (potente) em local "acolhedor e não montanhoso", pois o

inimigo está em avanço e ataca em momento oportuno, enquanto o exército que está em

espera, precisa além da observância do combate, tomar cuidado com outras situações, tais

como o zelo pelo acampamento. O fato de escolher locais não adequados para a batalha

acarreta um desfavorecimento, não só relativo ao quantificador, mas também às condições

efetivas de embate, como o terror de ser posto à prova e o arriscar a boa fortuna

(MAQUIAVEL, 2007, pp. 83-84). Citando novamente a obra de Tito Lívio157

, Maquiavel

narra as dificuldades de Aníbal no que se refere ao transpor as montanhas entre a Lombardia,

a França e a Toscana, bem como a vitória dos romanos antes de Ticino, depois da planície de

Arezzo. Aníbal foi esperado e seu exército dizimado pelos romanos num lugar que havia a

possibilidade de vitória, e não antes, já destruído pela, segundo Maquiavel, "aspereza do

lugar" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 84). Maquiavel cita um último exemplo ao narrar que, em

1515, o rei Francisco da França, que pretendia adentrar à Itália, venceu os suíços, porque se

utilizou de um caminho desconhecido, de tal forma que os surpreendeu, deixando-os

apavorados em Milão (MAQUIAVEL, 2007, pp. 85). O capitulo aponta portanto, além da

preparação efetiva do exército, da virtù militar, das condições do comandante, a questão

157

TITO LIVIO, XXI, 32-37 e 58; In: História de Roma. Introdução, Tradução e notas de Paulo Matos Peixoto,

São Paulo: Editora Paumape S.A, 1989.

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geográfica, o melhor lugar, "menos áspero" para se enfrentar com maior incidência para

vitória os inimigos.

As repúblicas bem-ordenadas instituem prêmios e penas para seus cidadãos, e nunca

compensam estas com aqueles. Os Horácios venceram os Curiáceos com virtù, e um deles foi

aclamado e tido como herói, porém matou a irmã e foi levado a julgamento. Diz Maquiavel:

"nenhuma república bem ordenada jamais usou méritos de seus cidadãos para anular

deméritos". Estas ordenações quando bem observadas garantirão a civiltà, sem prejuízo da

república. É importante aplicar as penas pelas más ações, e premiar aqueles por seus méritos.

Mesmo que a república seja pobre é importante honrar com prêmios seus cidadãos destacados

(MAQUIAVEL, 2007, pp. 85-87).

Quem quiser reformar um estado antigo, transformando-o em cidade livre, deverá

manter pelo menos algum vestígio dos antigos modos. Aquele que quiser reformar o estado de

uma cidade, deverá manter antigos modos, pois o povo se sensibiliza mais pelo que parece, do

que pelo que efetivamente é. Preservar nomes de cargos e símbolos, preserva o antigo, e

mesmo que o conteúdo seja totalmente diferente, haverá respeito e equilíbrio no novo

governo. Isto é demonstração de força no governo e no estado, república (MAQUIAVEL,

2007, pp. 87-88).

Um príncipe novo, em cidade ou província por ele tomada, deve renovar tudo.

Aquele que tiver bases fracas deverá construir novo governo com nova denominação. Criar

novas cidades, demolir as já existentes, transferir habitantes sem deixar nada intacto da antiga

província. Deve fazer com que toda nova ordem, cargo ou riqueza sejam atribuídos a

causalidade do novo príncipe. Como exemplo histórico temos Filipe da Macedônia, que

projetou-se de pequeno rei para ser o grande príncipe da Grécia.

Raríssimas vezes os homens sabem ser de todo maus ou de todo bons. O Papa Julio

II (1505) tinha por objetivos: (a) expulsar de Bolonha a casa dos Bentivogli; e (b) expulsar de

Perúgia o tirano Giovampagolo Baglioni. O papa Julio II entrou na cidade desarmado,

conseguiu a rendição de Giovampagolo, deixando em seu lugar um governador de sua

confiança. Portanto, Giovampagolo apesar de incestuoso e parricida, acovardou-se frente ao

papa, mostrando-se fraco e temente, ao não ousar contra o papa e sua comitiva, perdeu a

oportunidade de glorificar-se como alguém audacioso e destemido em seu reino, sendo

portanto submetido por sua própria fraqueza e covardia. Maquiavel acrescentará a esta cena

de fraqueza do tirano Giovampagolo, a ingratidão que ocorre para com o príncipe, se o povo

perceber que ele não vai pessoalmente as expedições (MAQUIAVEL, 2007, pp. 89-96).

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Maquiavel contrapõe a força à fraqueza dos príncipes158

, e denota que a força de

liderar é vista em alguns homens, sem virtù e sem fortuna, como uma desqualificação. Eles

não vão muito longe. Por isso sempre se recorre à necessidade de um exército próprio.

Recorre, de igual modo, à necessidade de se utilizar de toda a força na manutenção do poder e

do governo. E afirma que a sorte e a força na condução de alguma labuta política, não deve

terminar num desfiladeiro, mesmo sendo este um local adequado para batalhas e para guerra.

Ainda no Livro I, no capítulo 32, Maquiavel aconselha que é prudente e sinal de força da

república, o povo ter a consciência de que recebe os benefícios do seu líder político e não dos

adversários (MAQUIAVEL, 2007, pp. 101). Isso reforça a coesão social. E quando ocorrer

inconvenientes ao interno da república, sobretudo porque não se detém toda a condução frente

a natureza das coisas, e nem sempre a fortuna roda ao favor de um mesmo líder, é preciso,

segundo Maquiavel, para não expandir o medo e o caos, temporizar o evento e não tentar de

toda sorte extingui-lo (MAQUIAVEL, 2007, pp. 103). Cita que a conjuração fizeram contra

Roma, nada mais nada menos levou-os a serem "mais unidos, mais fortes, [...] a pensar em

novos modos de, em tempo mais curto, ampliar seu poderio" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 105).

E diante do disjuntivo: autoridade e liberdade, Maquiavel, não vê na República Romana um

mal em sua efetivação histórica. E afirma deste modo porque "os ferimentos e quaisquer

outros males que os homens impõe-se a si mesmo, espontaneamente ou por livre escolha

doem muitíssimo menos do que os provocados por outra pessoa" (MAQUIAVEL, 2007, pp.

108-109).

Uma questão importante a teoria da força está relacionada a ideia de natureza

humana, que é recorrente na obra e na pesquisa. Para que a inimizade não se engrandeça é

necessário a partir das conquistas que haja o cumprimento da lei da "partilha" de terras.

Primeiro que nenhum cidadão poderia ter mais terra que outro. A terra, a propriedade é um

sinal evidente de força social. É força política. E, quando Roma dizimasse qualquer nação ou

povo deveria repartir os campos conquistados entre seus habitantes, não só entre seus

conquistadores (MAQUIAVEL, 2007, pp. 114), isso porque, assinala Maquiavel: "vê-se

também por ai que os homens estimam mais o patrimônio do que as honras" (MAQUIAVEL,

2007, pp. 116).

158

O florentino analisa a diferença entre o que é idealizado e o real. Ao colocar o problema do conflito, aborda

acerca das qualidades para o exercício do poder. É necessário agir de acordo com a conjuntura, a realidade tal

qual se apresenta, levando em consideração a natureza humana e afastando-se de uma política idealizada, num

mundo de boa vontade. [...] Nesta perspectiva, a lógica a conduzir as ações políticas ou dos Estados, já não fica

submetida a julgamentos morais, ou sobre noções do bem ou do mal. Mais adequado é dizer no realismo que a

ação política é julgada pelos resultados que pode produzir (GUIMARÃES, 2010, pp. 63-64).

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Maquiavel afirma que repúblicas fracas, onde o povo é mais desunido, são

irresolutas em suas constituições, e sobretudo, não sabem deliberar. A deliberação é um

evento central da prudência e da virtù. Deliberar é a postura de quem é forte enquanto

indivíduo e enquanto comunidade política. E acrescenta Maquiavel, se estas repúblicas tomam

alguma decisão é mais por "necessidade do que por escolha apropriada"159

(MAQUIAVEL,

2007, pp. 117).

Há uma passagem interessante no capítulo 40, quando Maquiavel descreve como os

romanos tiveram a consciência de que estavam enfraquecidos diante dos sabinos e dos

volscos, tanto que foi necessário a deliberação prudencial em torno da formação de exércitos

porquanto na efetividade das relações sociais, mas sobretudo as de poder, há uma facilidade

extremada da corrupção dos homens (MAQUIAVEL, 2007, pp. 126-127.131). Maquiavel

indica ainda como se deve utilizar ou não utilizar a força, no caso específico de "necessidade"

– no capítulo 41160

, onde tem a realidade dos soldados que combatem pela própria glória, e

portanto, são bravos e leais (Cap. 43); (MAQUIAVEL, 2007, pp. 132). Encerraria a leitura do

Livro I, em seu vinculo com a ideia de força na obra de Maquiavel, analisando a postura e a

envergadura política dos denominados "gentis-homens" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 161).

Maquiavel abre o Livro II dos Discorsi ressaltando a questão da variação em todas

as situações, ou seja, refere-se às coisas que estão em contínuas modificações, e mesmo o

mundo permaneça o mesmo, os costumes e os valores variam. As variações ocorrem nos

homens, em seus apetites. Assim, de certo modo pode-se interligar esta ideia com a de

fortuna, pois mesmo que se faça a leitura do mundo e dos costumes e dos valores, o ator

político não tem, nem mesmo com virtù acumulada, um critério de fixidez no cenário em que

se está (MAQUIAVEL, 2007, pp. 178-179)161

.

Na sequencia da obra, Maquiavel exalta novamente a virtù romana, afirmando que

ela foi mais eficaz do que a fortuna quanto as conquistas de impérios por parte dos romanos.

Muitos povos foram combatidos no decorrer histórico, porém, o realce dado pelo florentino se

encontra em conexão com a proposta dos relatórios outrora escritos, ou seja, a manutenção da

liberdade (MAQUIAVEL, 2007, pp. 182-187). A liberdade é a razão de ser da lógica da força.

De tal modo, que um povo subordinado em sua liberdade é muito vingativo. Maquiavel

159

TITO LIVIO, III,6. 160

Russel Price, ao se debruçar sobre essa questão, nos diz que “o modo como o termo „virtù‟ é usado tanto por

Maquiavel quanto por seus contemporâneos é informal e pouco técnico; grande parte das palavras usadas por

Maquiavel são cotidianas e ele raramente define ou explica de forma cuidadosa os termos que usa. Isso torna o

estudo de palavras como „virtù‟ não somente necessário mas também muito complicado. Cf. PRICE. The senses

of 'Virtù' in Machiavelli, pp. 315. 161

MAQUIAVEL, N. Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. São Paulo, Martins Fontes, 2007, pp.

178-303.

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quanto a isso diz: "é de admirar que os povos se vinguem de maneira extraordinária dos povos

que privaram sua liberdade" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 188).

A lógica da força aplicada a atuação das repúblicas tende-se a ampliar por três

condições: (a) a imposição da autoridade constituída sem questionamentos; (ou) (b) fazer

aliados (este foi o modo romano) (ou); (c) criar súditos, como fizeram os espartanos e os

atenienses (MAQUIAVEL, 2007, pp. 195-196). A constituição de legitimidade cria o vínculo

necessário para a manutenção da conquista. E o cerne do modelo, também proveniente dos

romanos, é a ideia de procedimento nas guerras. Os romanos faziam guerras curtas e grossas,

devastavam as terras inimigas, e, segundo Maquiavel, "iam aos poucos conquistando

reputação entre os inimigos e força entre o seu próprio povo" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 204).

No Livro II, Cap. 11, Maquiavel relata a força real. Diz não ser prudente fazer

aliança com um príncipe que tenha mais prestigio que força. E pouco antes na obra, ressalta

que "o dinheiro não é o nervo da guerra" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 213). Isso é um

indicativo que para a moldura política de Maquiavel a força ocupa um lugar de destaque, ou

seja, um líder político vale pelo quanto de intimidação e força demonstra socialmente. No cap.

13 – Maquiavel sobrepõe a força com a ideia de engano, dizendo que este é mais importante

para proteger alguém de uma posição modesta as mais altas honrarias. No cap. 18 –

Maquiavel diz que a força da infantaria, que trataremos no próximo capítulo, é um modelo

efetivo de conquista social. No cap. 30 – A reputação da força é mais fecundo em adquirir

amizades aos príncipes e às repúblicas do que o uso do dinheiro (MAQUIAVEL, 2007, p.

177-303).

No Livro III, Cap. 13, Maquiavel afirma que “exército forte” é aquele que é bem

comandado. No cap. 20, reflete sobre a força das armas romanas. Maquiavel atenta para

exemplos de conduta humanitária. No cap. 26 – A mulher é vista como protótipo de fraqueza

– ela pode arruinar um Estado. No cap. 36 – Maquiavel compara as mulheres aos gauleses e

afirma que estes são os mais fracos no prosseguimento da luta, da batalha. Não basta apenas

ter a coragem do passo da luta, é preciso ter prosseguimento. No cap. 33 – A confiança na

força, no caso do exército e do comandante – princípio de assegurar a vitória. No cap. 42 –

Não se devem cumprir as promessas extraídas pela força. Parece indicar uma contradição pelo

que já se apontou quando Maquiavel afirma no cap. 44, Livro III, que com audácia e violência

se consegue muito mais coisas do que com meios ordinários. No cap. 45 – A força deve atacar

impetuosamente ou cautelosamente esperar o choque? Já no cap. 48 – Uma estratégia que

deve ser pensada é que a força pode ser manifestada por um grande erro, como estratégia de

contra-ataque (MAQUIAVEL, 2007, pp. 305-456).

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A terceira obra, de cunho militar, onde se pode observar a lógica da força, é a que

Maquiavel intitulou: A Arte da Guerra162

. Maquiavel, nesta pesquisa faz menção da

necessidade da instituição militar na vida civil, e onde também demonstra uma comparação

entre seu contexto histórico e a República Romana, no sentido de que esta instituição foi

fortemente efetiva na sua dinâmica histórica quanto ao uso da força, das armas e dos

exércitos. Um detalhe é que Maquiavel diz pensar e se dedicar a escrever sobre a arte da

guerra em um momento de ócio163

.

A obra em si apresenta, entre outros pormenores, o conceito de formação de tropas e

conferiu à disciplina a importância fundamental para o êxito do combate. Esta preocupação

com a arte militar e com o comportamento disciplinado dos combatentes está intrinsecamente

relacionada à teoria da força e com o restante da obra maquiaveliana. Isso porque a técnica

militar ultrapassa na obra, a experiência prática do florentino (MAQUIAVEL, 2006, pp. XI)

que deve ser compreendida, sobretudo, através do último capítulo do Príncipe, onde o lugar

da força, que aqui é representada abstratamente e universalmente, se emerge, com inusitada

paixão, do sentimento patriótico de Maquiavel e de sua esperança de que a Itália possa ser

palco de um segundo renascimento, do renascimento de si mesma como unidade e potência

política164

. Enfim, na obra, como primeiro passo, Maquiavel elogia Cosme Rucellai, enquanto

homem de estremada grandeza em relação à arte militar (MAQUIAVEL, 2006, pp. 3). Cosme

discute com Fabrício de Colona as questões históricas da disposição para guerra, bem como

os ordenamentos disciplinares e técnicos da vida militar e da formação do exército virtuoso.

Maquiavel tem consciência que não lhe é própria esta reflexão, ou seja, não faz parte de seus

ofícios, mas os erros de muitos o fizeram pensar na necessidade de balancear os erros e os

acertos históricos da Itália e de Florença em particular.

Nos dois primeiros livros da Arte da Guerra, Maquiavel reproduz, como se

enunciou, o diálogo de Cosme Rucellai e Fabrício Colona da Lombardia, um guerreiro

glorioso em nome de Fernando, Rei da Espanha. Os dois debatem a habilidade dos antigos na

guerra e no uso da força. Há uma crítica de Fabrício quando este se remete a homens que se

utilizam da arte militar para beneficio próprio. Chega a afirmar: “tendes um provérbio que dá

força as minhas razões: a guerra faz os ladrões, a paz os enforca”. Cosme, por sua vez, supõe

que a arte militar valha pouco, pois a manutenção dela pode conduzir aos roubos [obviamente

162

MAQUIAVEL, N. A Arte da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 163

Foi alguém de inatividade fecunda. Cf. BARINCOU, E. Maquiavel por ele mesmo. Tradução de Alberto de

Los Santos, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, pp. 61. Ridolfi, na Biografia de Maquiavel

descreve outros “ócios literários”, o Asno e Belfagor (pp. 191). 164

LARIVAILLE, P. A Itália no Tempo de Maquiavel. Tradução de Jonatas Batista Neto. São Paulo:

Companhia das Letras: Círculo do Livro, 1988.

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não se referia a exército próprio]. Quanto a este tema discutem as atitudes dos romanos:

Pompeu, César, Cipião, Marco Aurélio e Régulo Atílio que entre eles, após um tempo de

batalha, quiseram voltar para casa e para suas antigas profissões (MAQUIAVEL, 2006, pp. 8-

14).

Fabrício da Lombardia fala da técnica militar romana e da concepção de força física,

pois adestravam homens para serem soldados na flor da idade, ou seja, entre os dezoito aos

trinta e cinco anos, por isso, a força teoricamente romana é a força física e a possibilidade de

melhores treinamentos dos homens. Eis uma tática válida. Neste tempo há boa coordenação

da força. Fabrício acrescenta: [neste tempo] “não esperavam que lhes diminuísse a força,

crescendo a malícia, como se passou a fazer nos tempos da corrupção” (MAQUIAVEL, 2006,

pp. 16-25).

Para Maquiavel, o homem é determinado, fundamentalmente, pelo dinamismo da

necessidade natural do desejo que o impulsiona incansavelmente e sem qualquer controle

interno. A característica essencial do desejo humano é sua imoderação e desmedida. O

homem é insaciável, seu desejo se dirige a tudo e sem qualquer controle interno. A natureza

humana e os humores novamente em questão na obra do florentino165.

Deste modo, tomar a figura e o pensamento de Maquiavel a respeito da força de

modo imoral pode ser considerado um equívoco, pois, a questão de fundo foi uma análise a

fim de saber se o governante pode agir sempre em conformidade com os princípios éticos

aceitos em seu tempo e esperar atingir seus objetivos, ou se deve aprender a seguir outros

caminhos quando confrontado com situações difíceis. Maquiavel não aconselha aos

governantes a desrespeitar as regras morais aceitas pelo mero prazer de fazê-lo. Ao contrário,

enfatiza que os homens devem se comportar de acordo com elas sempre que possível. É o que

se apresentou ao longo deste capítulo como "antevisão do tempo", ou como "calculo de ação",

em tese é exatamente a medida de virtù do líder político166

.

Posto de outra forma, o grande objetivo de Maquiavel foi saber se a ética é

suficiente para mostrar como agir na política em todas as situações. Ética pensada e aplicada

de outra maneira que não aos moldes medievais, ou seja, a prudência e as demais virtudes,

morais ou cardeais, e até mesmo as teologais, são relidas neste contexto. Os demais livros da

Arte da Guerra, especificamente do terceiro ao sexto, que tratam de como preparar o exército

165

A natureza criou os homens de maneira que podem desejar qualquer coisa, mas não podem conseguir

qualquer coisa; desse modo, sendo sempre maior o desejo do que a potência de conquistar resulta disso o

descontentamento do que se possui e a insatisfação em relação a isso. Disso nasce a variação de suas fortunas

(Discursos I, 37). Cf. AMES, J. L. “Maquiavel e a Educação: a formação do bom cidadão”, In:

Trans/Form/Ação, São Paulo, 31 (2): 137-152, 2008, pp. 142. 166

COLONNA d‟ISTRIA, G. et FRAPET, R. L‘Art Politique chez Machiavel. Paris: J. Vrin, 1980.

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para a luta e a ordem da batalha e o combate, bem como a artilharia serão refletidos mais

especificamente com os norteamentos dos relatórios dos I Primi Scritti Politici no segundo

capítulo desta dissertação.

Os livros subseqüentes da Arte da Guerra, que tratam das regras gerais, denotam a

observação de Maquiavel em forma de “aforismas” ao interno do diálogo de Fabrício de

Colona e Cosme Rucellai. Tais proposições reforçam o que já foi até então construído sobre a

ideia de força, e acrescenta a importância do senso de oportunidade no anteceder e decorrer da

guerra. Afirma Maquiavel: “dificilmente será vencido quem souber avaliar as suas forças e as

do inimigo”, pois o primeiro trato da teoria da força nesta parte da obra é a ideia de que o que

“favorece o inimigo, me prejudica, e o inverso é verdadeiro”. Na guerra, segundo Maquiavel

vale mais o exercício do exército e a vigilância que provem da prudência em relação às

intenções dos inimigos. A lógica da força prevê o ânimo e a disciplina aos soldados que irão

para a batalha, pois na guerra a disciplina pode mais que o ímpeto. Assim sendo, “é melhor

vencer o inimigo com a fome do que com o ferro, pois na vitória com este vale mais a sorte do

que o valor” (MAQUIAVEL, 2006, pp. 27-30)167

.

Fabrício é homenageado de todas as maneiras na obra por seus feitos, especialmente

quando se enfatiza o tempo e o local em que as elaborações militares foram providas. Desta

situação, acrescenta Maquiavel, "terminados os festejos, tiradas as mesas, depois dos prazeres

do convívio festivo" – que para homens de qualidade, inclinados a pensamentos mais nobres,

se esgotam rapidamente –, julgou o florentino que Cosme tinha por objetivo levar o grupo de

ouvintes para a parte mais protegida e sombreada do jardim, escapando assim ao calor do dia.

Estando todos ali sentados sobre a relva fresquíssima ou em cadeiras à sombra de árvores

muito altas, Fabrício elogiou o lugar, que era extremamente agradável, examinando as

árvores, ficou surpreso por não reconhecer algumas delas. Ao perceber isso, Cosme disse: "É

possível que não conheças parte destas árvores, o que não te deve surpreender, porque são

mais antigas do que as que hoje cultivamos" (MAQUIAVEL, 2006, pp. 30-40). Cultivar as

raízes antigas, em outras palavras, Fabrício e Cosme estão se remontando ao passado glorioso

de Roma, especialmente ao seu tipo de ordenança, de militares e de dispositivos efetivos para

o tempo de guerra.

167

Eles examinaram também se é acreditável que o assédio baste sem a força, e são do parecer que não baste,

porque acreditam que os pisanos têm com o que viver até a próxima colheita, e pelas notícias que se tem de

quem vem de Pisa, pelos sinais da escassa qualidade do pão que lá se vende, e pelo ânimo obstinado dos pisanos,

estão dispostos a suportar muito, e não se vê porque devam suportar somente uma parte do que podem, por isso

pensam os sábios nesses assuntos que vós sereis obrigados a usar a força (MAQUIAVEL, 2010, pp. 34).

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O que seria essencial no diálogo de Cosme e Fabrício ao interesse de Maquiavel

relativo à teoria da força?

Fabrício. A explicação é magnífica, e certamente verdadeira. Mas não me referia

tanto a esses hábitos espartanos, e sim a outros que, mais humanos, se ajustam

melhor à vida de hoje. Não creio que fosse difícil para um príncipe introduzi-los.

Não me afastarei nunca do exemplo dos meus romanos. Se se considerasse sua vida,

e a organização da república que instituíram, encontrar-se-iam muitas coisas a ser

introduzidas em uma comunidade onde houvesse ainda algo de bom.

Cosme. Que coisas, na tua opinião, seriam essas, semelhantes às antigas?

Fabrício. Honrar e premiar a coragem; não desprezar a pobreza; amar os hábitos e

instituições da disciplina militar; induzir os cidadãos a se amarem mutuamente, a

viver sem avidez, a buscar menos o interesse privado e mais o interesse público; e

outras coisas semelhantes que facilmente se poderiam ajustar aos tempos atuais. O

que não é difícil de aceitar, quando se reflete bem, e quando se usam meios

apropriados, os quais põem em evidência a verdade de modo que qualquer

inteligência mediana possa percebê-la. Quem age assim planta árvores sob cuja

sombra se vive mais feliz e satisfeito.

Cosme. Não quero retrucar as tuas palavras; que as julguem os amigos, que podem

fazê-lo sem dificuldade. A ti, acusador dos que não imitam os antigos nas ações

graves e grandes, dirigirei uma pergunta por acreditar que assim satisfarei melhor

meu propósito. Gostaria de saber por que razão, de um lado, criticas os que não se

assemelham aos antigos no agir e, de outro, não se vê que tenhas utilizado na guerra

a tua profissão, na qual tens excelente prestígio, qualquer coisa antiga, ou que

lembre a Antiguidade168

.

Fabrício afirma que na guerra, sua profissão, não tinha usado nenhuma coisa antiga.

A esse respeito afirma também que a profissão militar não assegura a nenhum homem uma

remuneração que seja honesta e permanente, pelo que só pode ser praticada a serviço das

repúblicas e dos reinos; estes, quando bem organizados, jamais consentem a seus cidadãos ou

súditos praticá-la por conta própria; e nunca ela foi exercitada por um homem reto de modo

particular. De fato, não se qualificará de reto quem se dedique a profissão que, para ter

utilidade permanente, conduz à rapacidade, à fraude e à violência, valorizando muitas

qualidades que obrigam a ser mau. Nem podem ser diferentes os homens, poderosos ou

humildes, que praticam tal arte, que não os sustenta em tempos de paz (MAQUIAVEL, 2006,

Livro III, pp. 85-115).

Nenhuma dessas duas ideias é compatível com a bondade humana, o poder manter-se

com a arte da guerra todo o tempo conduz aos roubos, violências, aos assassínios que os

soldados cometem contra amigos e inimigos; o não desejar a paz provoca os enganos que os

chefes militares praticam contra aqueles a quem deviam servir, para prolongar a guerra. Se

168

Trechos da obra Arte da Guerra, Livro II, pp. 41-84.

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vem a paz, acontece muitas vezes que, privados de seus estipêndios e da vida licenciosa que

levavam, os guerreiros se fazem aventureiros e saqueiam sem piedade. Recorda Maquiavel:

não vos lembrais de que, havendo na Itália um grande número de soldados

desocupados, terminada a guerra, se reuniram em bandos para saquear o país, sem

que isso pudesse ser evitado? Não sabeis que, depois da primeira Guerra Púnica, os

soldados cartagineses, chefiados por Mato e Spêndio, moveram contra Cartago uma

guerra mais perigosa do que as hostilidades contra os romanos? (MAQUIAVEL,

2006, Livro IV, pp. 117-137).

Todo Estado bem ordenado deseja que a arte da guerra seja, em tempos de paz,

empregada apenas como exercício; e que, havendo hostilidades, seja usada para atender à

necessidade, pela sua glória, ficando os poderes públicos dela incumbidos como

exclusividade, como em Roma. O cidadão que a usa para qualquer outro fim não age

retamente; e qualquer Estado que adote outro sistema não estará bem organizado. Não aceita

como exemplo, acrescenta Fabrício de Colona , nenhum reino atual, pois não são Estados bem

organizados. Estes últimos só reconhecem a autoridade absoluta dos monarcas, no que se

refere aos exércitos, porque só neles é necessário que haja decisões imediatas, e por isso

mesmo uma única autoridade. Em tudo o mais, o soberano nada pode fazer sem conselho; e os

conselheiros temem sempre que haja alguém a seu lado que em tempo de paz deseje a guerra,

por não poder prescindir dela para viver (MAQUIAVEL, 2006, pp. 138-142)169

.

O comandante de um exército, tema dos Discorsi e desta obra, é aquele que se

prepara para a luta e não pode fazer pior do que dispô-lo em uma única linha, de modo que a

sorte da batalha seja decidida no primeiro assalto. Nos Discorsi, Maquiavel destaca que estes

também são possuidores de virtú, pois do contrário, a ruína é certa, a derrota é companheira. E

Maquiavel adverte que "só fará isso quem tiver perdido o antigo conhecimento da disposição

das forças em linha sucessivas, uma à frente da outra, que permite o recuo ordenado de cada

uma". Sem tal dispositivo, não é possível socorrer os que estão na frente de combate, defendê-

los ou substituí-los – o que os romanos sabiam fazer muito bem (MAQUIAVEL, 2006, Livro

V, pp. 143-160).

Quem na guerra observar com maior vigilância as intenções do inimigo e mais

exercitar seu exército, correrá menos perigos, e terá maior probabilidade de vitória. Não

devemos jamais conduzir os soldados à batalha se antes não nos certificamos de que seu

ânimo é disciplinado, e isento de medo. Não se deve combater senão quando se vê que

esperam a vitória. É melhor vencer o inimigo com a fome do que com o ferro, pois na vitória

obtida com este vale muito mais a sorte do que o valor. Nenhum método é melhor do que

169

MAQUIAVEL, N. A Arte da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006, pp. 85-142.

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aquele que o inimigo não percebe até o adotarmos. Na guerra, reconhecer a oportunidade e

aproveitá-la vale mais do que qualquer outra coisa (MAQUIAVEL, 2006, pp. 161-192).

Na guerra, a disciplina pode mais que o ímpeto. Quanto acolhemos alguns inimigos,

que se incorporam ao nosso exército, isso representará sempre uma grande aquisição, desde

que sejam leais. Com efeito, as forças do adversário diminuem mais com a perda dos que

fogem do que com as baixas em combate, embora a qualificação de “desertores” seja suspeita

a seus novos companheiros, e odiosa aos antigos. Mais vale a coragem dos soldados do que a

multidão; e algumas vezes mais vale a situação do que o valor (MAQUIAVEL, 2006, pp.

193-205).

Pode-se acolher inúmeros conselhos de Maquiavel durante a obra e no diálogo de

Fabrício e Cosme. Exemplo: "as coisas novas e súbitas espantam os exércitos; o que é

costumeiro e lento é pouco estimado pelos soldados; deve-se obrigar o exército a

experimentar e avaliar, com combates limitados, um inimigo novo, antes que se engaje em

batalha contra ele. Quem persegue em desordem o inimigo, depois de vencê-lo, quer passar de

vitorioso a derrotado. Quem não prepara os alimentos necessários para subsistir é vencido

sem o emprego de armas. Quem confia mais nos cavaleiros do que nos infantes, ou mais nos

infantes do que nos cavaleiros, que se acomode com a situação. Quando se quer ver de dia se

há algum espião no campo, que todos se recolham a seus alojamentos. Muda de decisão

quando perceberes que o inimigo a descobriu"170

. Convém ainda o aconselhamento com

muitos a respeito das coisas que devem ser feitas, depois, deve-se confiar a poucos aquilo que

se quer fazer. Deste modo, os bons comandantes nunca se empenham em uma batalha se a

necessidade não os impele, ou a oportunidade não os chama171

.

Os homens, o ferro, o dinheiro e o pão constituem os pontos nevrálgicos da guerra,

destes, os mais necessários são os dois primeiros, porque os homens e o ferro produzem pão e

dinheiro, mas pão e dinheiro não fazem os homens e o ferro. O rico desarmado é o prêmio do

soldado pobre. Habitua os soldados a desprezar a vida delicada e as vestimentas luxuosas.

É o que me ocorre recordar-vos, de um modo geral. Sei que seria possível dizer muitas outras

coisas nesta minha exposição, como, por exemplo, como e em quantas formas os antigos

dispunham as colunas de soldados, como estes se vestiam e como se conduziam sob muitos

outros aspectos (MAQUIAVEL, 2006, pp. 216-217).

170

MAQUIAVEL, N. A Arte da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006, pp. 206-208. 171

Entre eles, Maquiavel cita: Pelópidas e Epaminondas, Tulo Hostílio, Felipe da Macedônia (pai de Alexandre),

Ciro, rei dos persas, e o romano Graco. Todos tiveram primeiro de criar um exército, para depois comandá-lo.

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"Como é hora de terminar esta exposição", afirma Maquiavel, "quero voltar ao

assunto principal, escapando assim à pena que nesta cidade se costuma aplicar aos que

divagam". Maquiavel, admirador da Antiguidade, crítico dos que não a imitam nas coisas

sérias, e não a imitava na arte militar à qual ele se dedicou. "Vós, que me ouvistes por tanto

tempo falar sobre o assunto, deveis julgar se saberia ou não ordenar um exército segundo o

modelo antigo". Se a instituição militar florentina não tem a ordenação "nem pratica os

exercícios que descrevi, sois os culpados por haverdes instituído um sistema abortivo, e não

perfeito". Para tanto

não basta, portanto, na Itália, saber comandar um exército; é necessário, em primeiro

lugar, saber criá-lo e depois saber conduzi-lo. Para isso, são precisos príncipes que

disponham de Estados de extensão suficiente e súditos numerosos. O que desde logo

me exclui, pois só comandei e só posso comandar exércitos estrangeiros, compostos

de soldados leais a outrem. Sabereis discernir se é ou não possível introduzir em

exércitos desse tipo as ideias que expus aqui (MAQUIAVEL, 2006, pp. 221-222).

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CAPÍTULO II

A NECESSIDADE DAS LEIS, DAS ARMAS E DO EXÉRCITO

ENQUANTO INSTRUMENTOS E FORÇA DA AÇÃO POLÍTICA

“A violência fundadora da ordem política não é estranha à violência que funda a lei,

no sentido de que ambas (violência fundadora e violência da lei) existem em função

da necessidade de abolir a violência originária, que existe previamente (não no

sentido de anterioridade temporal e, sim, lógica), isto é, à margem de todo

ordenamento político-legal. Por isso, a necessidade de um mito ou crime fundador

para simbolizar e justificar a passagem de uma violência “prévia” tão destruidora

que é preciso destruí-la: a violência construtora e ordenada da existência política e

legal, quer dizer, o crime fratricida de Rômulo (Discursos I,9). A violência

fundadora do Estado e da ordem política é exatamente a mesma violência fundadora

da lei, no sentido de que tanto o Estado quanto a lei se constituem para abolir a

violência originária que existe „antes‟ ou „à margem‟ de todo ordenamento estatal,

político e legal da sociedade; em outras palavras, fora do Estado, da política e da lei

não existe mais do que violência” (pp. 103)

José Luís Ames

Metáforas da ação política e figuras de príncipe: Uma tentativa de

aproximação conceitual à noção de ação política em Maquiavel

(2014)

Neste segundo capítulo, será embasado na ideia de Kritsch “como não pode haver

boas leis onde não há boas armas, Maquiavel concentra sua atenção inicialmente no estudo da

força. A decisão de discutir apenas as boas armas deve-se ao fato de que Maquiavel raciocina

aqui pela condição limite: as armas são a condição primeira de qualquer lei, pois lhe garantem

a eficácia”172

. |Por isso estudar-se-á a necessidade das boas leis, das armas e da formação de

um exército próprio, uma milícia, nos I Primi Scritti Politici de Maquiavel, sobretudo a partir

da interpretação dos relatórios e dos comentários de Marchand173

, tendo como marco

referencial e pressuposto fundamental a ideia de manutenção do poder político – o que revela,

numa perspectiva transversal, a própria competitividade do Estado moderno nascente. Não

172

KRITSCH, R. “Maquiavel e a construção da política”. In: Lua Nova - Revista de Cultura e Política, (53),

pp. 181-190. 173

"Segundo Marchand (2003), ao relatar suas experiências como Segretario da República Florentina em sua

correspondência e em I Primi Scritti Politici, entre 1499 e 1512, Maquiavel inaugura um pensamento político

que incorporava, entre outras, a problemática representada pelas forças mercenárias, os conflitos sociais entre

Senhores e súditos, além das questões entre as facções políticas" (DA SILVA, 2013, pp. 31). In: MARCHAND,

J., MELERA-MORETTINI, M. Introduzione. In: Nicollò Machiavelli. Legazioni. Commissarie.Scritti di

Governo. Tomo III (1503-1504). Roma: Salerno Editrice, 2003.

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obstante, há a recorrência, como já se fez, as demais obras do Florentino, por se constatar

através de seus intérpretes uma amarração teórica em seu olhar para as res pública, para o

funcionamento do Estado. Neste sentido

ao invés de simplesmente privilegiar um dos escritos, para assim se contrapor as

outras leituras, demonstrou existir um mesmo conjunto de pressupostos teórico-

conceituais na base do pensamento maquiaveliano, o que lhe permitiu dissolver as

aparentes inconsistências que tanto embaraçam seus leitores (PANCERA, 2010. p.

34)174

.

Esta ideia de competitividade fará uma revolução nas Instituições públicas. Até

mesmo o "cimento de coesão social", a religião, que passará no séc. XVI por uma grande

"Reforma". Em outras palavras, houve uma reorganização socio-política-econômica em torno

de Florença e nas demais cidades da Itália, mas sobretudo, havia um ideal de reeducação, de

reorganização dos princípios. Sobre isso, Walter Silva afirma que

[...] nos scritti sull‟ ordinanza [há] uma evocação dessas ideias através da criação

das milícias, com objetivo puramente militar (reconquista de Pisa) e, em seguida,

com um objetivo administrativo e cívico (a redução dos problemas da

insubordinação e da deserção observados no início da constituição das milícias),

(DA SILVA, 2013, pp. 31).

Denominar-se-á ainda neste capítulo uma nova interpretação do Florentino a partir da

ideia de McCormick no sentido de pensar a obra de Maquiavel não somente como

tradicionalmente o é feito, como anti-popolo, mas também enquanto "dicas" de controle da

elite.

Maquiavel é notório por aconselhar sobre como manipular o povo. De fato, muitos

consideram esse o aspecto principal de sua obra mais famosa, O príncipe. Mas as

evidências sugerem que ele considerava algo bastante diferente como sendo o seu

conselho mais importante e mais original: como controlar as elites (McCORMICK,

2013, pp. 253).

Percebe-se na teoria da força em Maquiavel a necessidade e a urgência do uso de

boas armas. Para o Florentino, força e armas desembocam na manutenção do poder. É por

isso que SALAZAR ao comentar os ditos "escritos políticos breves" anuncia como primeiro

aspecto a importância dos textos que fazem referência às campanhas militares na Toscana

(1991, pp. VII) e outras situações similares. São os conceitos de força e armas que tornam

efetivamente o Estado forte. Esta unidade adjunto as boas leis, com uma “boa dose de

astúcia”, afirmam o poder do Estado não tanto pela via do terror, que é uma realidade

primária, até mesmo em Maquiavel, mas pelo viés do respeito, de uma dita política 174

PANCERA. C. G. K. Maquiavel entre Repúblicas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

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orgânica175

. Tal forma política indica a experiência de Maquiavel em relação a história,

sobretudo na experiência prática do Florentino que afirma

Ouvi dizer que a história é mestra das nossas ações e, sobretudo, das ações dos

príncipes, e o mundo foi sempre habitado por homens que sempre tiveram as

mesmas paixões; e sempre houve quem serve e quem manda; quem serve de má

vontade e quem serve de boa vontade, e quem se rebela e é reprimido. Se alguém

não acredita nisso, basta olhar para Arezzo no ano passado e para toda a região de

Valdichiana, que agem de um modo muito semelhante àquele dos povos latinos: lá

se vê a rebelião e depois a reconquista, como aqui; e ainda que no modo de se

rebelar e de reconquistar haja muitas diferenças, também a rebelião e a reconquista

são semelhantes (MAQUIAVEL, 2010, pp. 46).

Não obstante, a via do realismo é um ponto marcante nos relatórios, e até mesmo no

Príncipe mais tarde. De modo a ler-se que

[...] ao anoitecer, com os tumultos sobre controle, pareceu ao duque que era a hora

de mandar matar Vitellozo e Liverotto, e tendo-os conduzido juntos a um lugar,

mandou estrangulá-los. Lá nenhum deles pronunciou palavras dignas de suas vidas.

Vitellozo pediu que se suplicasse ao papa para que este lhe concedesse a indulgência

plena de seus pecados. Liverotto, chorando, imputava toda a culpa das injúrias

sofridas pelo duque a Vitellozo. Pagolo e o duque de Gravina foram mantidos vivos

até quando o duque soube que o papa tinha prendido o Cardeal Orsini, o Arcebispo

de Florença e Messer Iacopo de Santa Crocie. Depois que teve conhecimento dessa

notícia, no dia 18 de janeiro, em Castel della Pieve, foram também eles igualmente

estrangulados (MAQUIAVEL, 2004, pp. 44)176

.

175

“Devemos convir que a lei e a força são consubstanciais às relações do homem com o homem. A força,

porém, só é eficaz quando ligada à astúcia. Dito de outro modo, ela não pode exercer-se a nu, sem que seja

colorida de modo a tornar-se aceitável. É certo que estamos diante de um atributo bestial, uma paixão da qual a

raposa é o símbolo. Trata-se, diz Maquiavel, da arte de escapar das armadilhas dos adversários, a qual, por sua

própria natureza, exige um desdobramento que permita assumir o ponto de vista do outro, de modo a conhecer

suas intenções e a driblar os possíveis efeitos destas. Segundo o seu sentido geral assim esboçado, a astúcia

permeia a todos: todo homem é duplo – simulador e dissimulador – e, por isso, age como raposa, sob o império

da paixão. Contudo, a teoria da astúcia tem de dar um passo adiante e considerar que o príncipe eleva a outro

nível essa duplicidade – ele é gran simulatore e dissimulatore –, quer dizer, ele sabe disfarçar a força em lei e

governar tanto pela força quanto pela lei, de modo a dar à besta a figura humana e a reprimir, quando necessário,

a besta no homem. A astúcia, por um lado, se enraíza na animalidade e, de fato, é movida pela paixão mais viva,

a do poder. Por outro lado, ela transcende essa paixão, pois só pode triunfar sobre as astúcias dos outros. Isso

significa que há vários graus de astúcia. Há uma astúcia simples, quer dizer, a disposição para trair sob o efeito

de uma necessidade imediata, movimento passional que torna o vulgo instável, sempre tentado a passar de uma

posição a outra na medida em que, guardando apenas a aparência do sentimento que era há pouco o seu, ele

doravante age por um sentimento contrário. Isso faz com que o vulgo seja comandado por certa volubilidade

natural, de forma que sua visão abraça o espetáculo da variação das coisas, une o vício à virtude, para dar a um e

a outro sua expressão conveniente segundo o evento”. Cf. RAMOS, S. de S. “Maquiavel e a política do desejo”.

In: Cadernos de Ética e Filosofia Política. n. 20, Universidade São Paulo, 2014, pp. 51-52. 176

Kurt Mettenheim (2010, pp. 10: MAQUIAVEL, op. cit) descreve no relatório: “Descrição do Modo Adotado

pelo Duque Valentino para Matar Vitellozzo Vitegli, Oliverotto Pagolo e o Duque de Gravina Orsini,” de 1515-6

os eventos de outubro de 1502 a janeiro de 1503 e coloca em destaque o brilho estratégico de César Bórgia, o

Duque Valentino. Trata-se da descrição, afirma Metenheim, de modo detalhado, do uso tático de tropas para

culminar num ato amoral. Registra ainda a combinação cruel de perversidade e inteligência em Maquiavel. Mais

ainda, pela sua admiração por César Bórgia, líder político e militar da cadeia de reação que derrotou a república

Florentina".

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A tensão entre realismo e política orgânica ocorre de tal modo que, a formação do

Exército próprio em Florença será disposto através de provisões da sua República ao

Magistrado dos Nove Oficiais da ordenança e da própria milícia florentina. Seguindo a

narrativa de interpretação de SALAZAR, Maquiavel organiza este cenário de modo técnico e,

através de sua experiência diplomática (1991, pp. VII), como se viu até o momento, se

efetivará uma estratégia do pensar político.

Na ótica documental, Maquiavel apresenta as Provisões para as infantarias e para as

montarias à cavalo. Uma questão fica disposta no capítulo é a seguinte: "quem e como devem

ser os que formarão o exército de Florença?" A resposta a esta proposição demonstra em

Maquiavel, um elam temático ainda atrelado aos recalques medievais, pois se verifica nos

relatórios, a ideia do padroado, ou seja, a milícia será formada sob a “proteção” de São João

Batista, que é, pela Igreja, patrono da Infantaria, e a República Florentina, através do

Conselho Maior, escolherá e elegerá os aptos para o ofício. Salazar neste sentido reúne os

textos em que Maquiavel afirma na perspectiva política e burocrática a necessidade de um

exército em Florença. Neste caso, os documentos de Florença apontam que "os Nove oficiais

da ordenança e milícia florentina tinham como função a administração de outras pessoas, de

outras funções e de vários ofícios”177

.

Os Nove oficiais e sua autoridade eram manifestadas nas bandeiras, enquanto marca

territorial e, na predominância e garantia da ordem através dos condestáveis ao modo do

modelo alemão. O formato do exército, da milícia será aos moldes da França. A segurança

pública terá esquemas como torres e bastiões178

, que serão construídos ao entorno da civiltà

para promover a ordem e garantir a administração dos territórios conquistados. É o que

Salazar denomina de "la justiça y la organizacion del Estado" (1991, pp. VIII). Todo este

esquema é garantido através da organização interna dos homens inscritos no exército, sob a

égide da estruturação, dispensa e manutenção, sob a regulamentação da denúncia179

dos

177

"Todo Estado (en original, città) que en un momento determinado, aunque sólo fuera durante un breve

período de tiempo, haya sido gobernado por un principe absoluto, por la oligarquia o por el pueblo, como se

govierna éste. ha contado como base de su defesa con la fuerza unida a prudencia, porque ésta aislada no basta, y

aquella o no lega a resolver os assuntos, o, si los resuelve, no consegue hecerlos perdurables" (SALAZAR, In:

MAQUIAVELLO, 1991, pp. 77). Força e prudência como se verá adiante são reunidas no exército através de

homens que tenham amor a pátria, que sejam bem treinados, que tenham virtù militar, e que sejam, sobretudo,

comandados por um homem de palavra, forte e também de virtù. Sobre a unidade de força e prudência pode-se

consultar Gabriel Pancera que afirma: “força e prudência se constituem, assim, num novo par maquiaveliano,

mas desta vez num par complementar, que já mereceu alguns comentários de nossa parte quando da apresentação

do Del modo de trattare. Parole é um escrito que precede de alguns meses este último e já estabelece, de modo

claro, o princípio sobre o qual um estado deve se constituir” (PANCERA, 2010, pp. 105). 178

Cf. MAQUIAVELLO, 1991, pp. VIII, sobre "La defesa e fortificacion de Florença" (pp. 169-178). 179

"Maquiavel dedica uma atenção mais específica à instituição das denúncias públicas, presumivelmente

porque era a mais democrática. Qualquer cidadão podia levantar uma acusação contra outro, especialmente

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convocados e servidores. Assim, como se apresentará, o Estado forte é aquele que tem -

homens e armas fortes.

Nesta configuração, a relação interna e de obediência aos conscritos se funda na

função do “capitão da guarda” e das conjunturas da Infantaria e Cavalaria que protegem a

mantém a ordem sob os muros da cidade. Ainda neste capítulo apresentar-se-á a ideia de força

e da formação do exército na obra do Príncipe, onde será apreciado o modo que Maquiavel

demonstra o "como avaliar a força dos Estados", "a interdependência entre Príncipe, Poder e

armas", "os alemães, enquanto modelos de exercito", "o procedimento para com os inimigos

sob a mira – que é condição de benefícios [ou não] na condução do povo". Serão analisados

alguns capítulos específicos do Príncipe, como o Cap. XII: "Os diferentes tipos de milícia e

de tropas mercenárias, que tem por base principal de todos os Estados – as boas leis e bons

exércitos”. Neste sentido, Maquiavel apresenta o príncipe, ou o ator político como aquele que,

no comando – é modelo de exército vitorioso, obviamente com comprovada virtú. Ainda se

observará o Cap. XIII, sobre as "forças auxiliares, mistas e nacionais”. O Cap. XIV, sobre "os

deveres do príncipe para com as Milícias". Neste capítulo se estudará a tríade objetivação dos

Príncipes: a guerra, as suas leis e a sua disciplina. Para tanto é preciso, como repetitivamente

em suas obras Maquiavel recorda: "em tempos de paz é preciso preparar-se para a guerra, por

isso prepara-se o príncipe quando se exercita os soldados e se estuda atentamente a história da

humanidade". Isso revela o suporte teórico da filosofia política de Maquiavel: a prudência,

também distinta do conceito medieval, mas que fortalece a vida de homens de virtú. Concluí-

se o capítulo com as ideias de "palavra que governa o estado forte", ressaltando a importância

da retórica no meio militar, e na apreciação da vida de César Bórgia e Castruccio Castracani –

que para Maquiavel, "são modelos de ação política forte e de virtú, porque são homens

prudentes, um armado e cruel, outro retórico e ocasional" são modelos de vida cívica180

.

contra um magistrado. Mas, por razões que serão discutidas abaixo, esta pode ter sido a instituição popular da

república romana menos atraente para os padrões contemporâneos. Por fim, observarei que o modo pelo qual

Maquiavel interpreta a história romana situa-o em uma posição particularmente desajeitada: ao demonstrar o que

algumas vezes chama como os muitos “pecados” dos nobres, ele frequentemente revela o quão exitosos eram

estes em manipular o mesmo povo cuja virtude e talentos Maquiavel enaltece. Além disso, quando focaliza o

espírito do povo, ele é forçado a evocar o espectro da maneira “popularmente legitimada” pela qual a república

veio a ser destruída [...] O temor à exposição pública constituía uma dissuasão tão significativa quanto o exílio, o

aprisionamento e as multas. Maquiavel admira em especial a maneira pela qual as denúncias reprimiam

instantaneamente e “sem deferência” as ações incivis (MACHIAVELLI, 1997 [1531], I, 7). Dado que a ameaça

de sanção eleitoral tem muito menos força quando a reeleição não é provável, as denúncias são uma maneira

eficiente e relativamente imediata de manter as elites responsáveis. A maior parte da nobreza podia ser atingida

em qualquer momento, e os magistrados, como os cônsules, tinham imunidade por apenas um ano ou menos"

(McCORMICK, 2013, pp. 271. 275) 180

"A vida cívica ativa desfrutada pela Roma de base popular (talvez romantizada por Maquiavel) não é – como

observam os neorrepublicanos e os comunitaristas – um arranjo pacífico, bucólico e tranquilo de interação social.

Embora Maquiavel nunca faça a distinção, a discórdia parece ser boa por duas razões – como maneira preferida

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2.1. A necessidade das armas, das boas leis e do Exército como base de

manutenção do poder político e da competitividade do Estado

“A virtude tomará armas contra o furor e será curto o combate, pois o antigo valor

ainda não está morto nos corações italianos” (PETRARCA apud MAQUIAVEL,

Nicolau, op. cit., 1999, pp.151).

A política renascentista, como se apresentou, faz-se a partir de um novo

ordenamento estratégico - a ação, e de uma nova lógica - a força. As armas, a fortuna e a virtù

são entendidas como ferramentas da qual deve dispor um príncipe para conseguir ou manter o

controle do poder. Ficou, portanto, evidente que o novo sistema de manutenção do Estado

moderno é o conflito que ocorre ao interno da sociedade181

.

O essencial na política não são as virtudes, objeto da filosofia moral, mas a realidade

política tal como revelada nas e pelas coisas do mundo – o conhecimento político

está condenado a uma relativa incerteza e depende da capacidade de transformar a

percepção dos acontecimentos singulares em um saber e em uma ação eficaz

(ARANOVICH, pp. 31 apud SALATINI & DEL ROIO, 2014182

)

Os partidários dos Principados disputariam, na visão de Maquiavel, pela conquista e

manutenção do poder e da liberdade através de conflitos bem determinados. A vida pública e

as coisas próprias da vida na cidade passaram a interessar mais do que o ideal de bem comum

medieval. Duas situações chamam a atenção de antemão no capítulo: "a questão da debilidade

das instituições políticas e a inexistência de um exército bem disciplinado, que coloca-se a

liberdade para Florença" (VIROLI, 2002, pp. 27). Anos mais tarde, na História de Florença,

Maquiavel, a respeito desta detalhada descrição, afirmou que "se alguma lição é útil aos

cidadãos que governam as repúblicas, é precisamente a exposição dos motivos dos ódios e

divisões das cidades" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 31).

Neste capítulo, verifica-se a importância das boas armas, e de modo destacável,

porque atrelado à elas, a questão das boas leis, bem como do exército próprio, como

de conduzir a vida pública e como meio para melhores políticas e sucesso militar" (McCORMICK, 2013, pp.

266). 181

Sobre a inevitabilidade do conflito, Winter pensando a relação "liberdade e conflito", sobretudo, entre o povo

e os grandes aristocratas afirma que "tal conflito não é apenas salutar, mas é também condição necessária para a

liberdade. No entanto, não regulá-lo suscita os ódios e as inimizades, os partidos e as facções que dilaceram o

corpo político. Deste modo, o conflito desemboca não em liberdade, mas em anarquia ou em tirania. Para

Maquiavel, a verdadeira política é guiada pela liberdade e pela busca da igualdade, mas ela somente pode existir

se conduzida no interior de instituições sólidas, capazes de transformar o desejo de liberdade e de não-opressão

em desejo de participação na vida pública e respeito por seus mecanismos legais de regulação dos conflitos"

(WINTER, 2011, pp. 45). Vai ficar latente a ideia e o vinculo entre as boas leis e o conflito. Sobre isso pode-se

dizer que "uma vez que apenas ordena o conflito, a lei está sujeita ao processo histórico, ou seja, está

continuamente exposta ao risco e à possibilidade de corrupção" (MORAES, 2013, pp. 774). 182

SALATINI, R. & DEL ROIO, M (Org.). Reflexões sobre Maquiavel. Marília: Ofícina Universitária; São

Paulo: Cultura Acadêmica, 2014.

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desdobramento da lógica enunciada no capítulo anterior. Boas armas, adjunto a boas leis

conservam e mantém o estado unido. Armas bem manuseadas por homens disciplinados. O

exército se torna na teoria maquiaveliana uma obra central a ser construída com

minuciosidade. De certo modo, o exército coroa a estética da guerra como um pilar

fundamental da expressão da força do estado, enquanto instituição política, e, ao mesmo

tempo, como principio e fundamento da conquista, manutenção e conservação do poder.

A força está na origem da conquista do poder ou da fundação do Estado, diz

Maquiavel. Tal afirmação afronta a crença dominante, fundada na distinção entre

poder legítimo e poder ilegítimo. Para o pensador florentino, todos os domínios que

existiram e que existem foram fundados por meio do uso da violência. Dessa forma,

a distinção entre Principados novos ou recém-conquistados e Principados

hereditários ou mais antigos não está na origem. Em todos eles, em seu nascimento,

a força esteve presente. O que separa os principados novos dos antigos não é, pois,

como se dizia, a legitimidade; mas, sim, a permanência no tempo. Um principado

hereditário, no passado, foi um principado novo. Em decorrência, é questionada a

qualificação tradicional imputada aos usurpadores, de governantes ilegítimos

(SADEK, 2014, pp. 39).

A liberdade, que era descrita em um cenário sob o ritmo de um novo espírito de

tempo e cultura, passou a ser mantida sob a ordenança militar. As coisas da cidade eram a

razão de ser da ação política do novo modelo de Estado. Não obstante, o recrutamento

militar183

tornou-se a primordial ação do líder político, que doravante fará da guerra uma arte,

uma situação eminentemente estética da política moderna. A guerra para Maquiavel é a

resposta mais eficaz para se manter a vida livre. Tal situação enuncia a objetividade da força

política do Estado, bem como é prenuncio de sua competitividade.

A necessidade a que a guerra externa expõe o povo é a ameaça da perda da

liberdade. Desperta nele, portanto, o medo originário do retorno a uma situação de

absoluta insegurança em que a vida está exposta ao arbítrio do mais forte, cujo

resultado pode ser a morte ou a escravidão. Isto nos remete à análise, ainda que

breve, da relação da lei com a violência originária (AMES, 2009, pp. 12)

Nesta nova visão política, onde a guerra se tornou um pilar fundamental da

conquista e conservação do poder e da liberdade, depara-se com a visão que Maquiavel eleva

sobre as armas. As armas para Maquiavel são princípio e fundamento da conservação do

Estado, sobretudo quando no Príncipe, elas aparecem, ao lado das leis e da religião, como um

183

Todas as repúblicas, afirma Maquiavel nos I Primi Scritti Politici, procedem desta forma a respeito da boa

conjunção: leis e armas. Elas tem certo que, nos tempos passados se mantiveram e cresceram, e tiveram sempre

como seu principal fundamento duas coisas, isto é, justiça e armas para poder refrear e governar os súditos e para

poder defender-se dos inimigos. Continua Maquiavel, "tendo considerado que a vossa república é de boas e

santas leis bem instituídas e ordenadas em relação à administração da justiça, e que lhe falta apenas prover-se

bem de armas" (MAQUIAVEL, 2010, pp. 59).

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dos mais eficazes meios para a realização da ação política e para a manutenção do poder184

.

Maquiavel afirma em suas obras que é extremamente necessário que um príncipe crie bons

alicerces para seu poder, pois caso contrário seguramente se arruinará, pois “é a experiência

que demonstra que só os príncipes e as repúblicas armadas obtêm grandes progressos”. É

deste modo, que neste trecho do Príncipe, Maquiavel trata dos sistemas de defesa e de ataques

que são inerentes aos tipos de Estado por ele mesmo enumerados ao longo da obra185

.

Para o Florentino, duas coisas são os sustentáculos que garantem estabilidade e

segurança a um governo soberano: boas leis e boas armas. A concepção é de que é

impossível existir boas leis se antes destas não existirem as boas armas. É nesta

perspectiva que iremos maturar as considerações de Maquiavel acerca das forças

armadas, do exército permanente nascido no período absolutista da história186

.

O Estado forte e livre, tal como o francês no Príncipe, ou o alemão nos I Primi

Scritti Politici187

, ainda que se tratando de armamento e exército, tem anexado a ideia de força

das armas e a virtù (MAQUIAVEL, 2000, pp. 31). Isso demonstra que o florentino não está

preocupado somente em refletir sobre as forças armadas, mas reconhece o elo que une este

tema com a ideia de boas leis (MANSFIELD, 1996, pp. 14-15). A virtù, as leis e as armas são

o sustentáculo do sucesso estatal, de um governo soberano e de um estado competitivo188

.

Para Maquiavel, a atribuição de “boas” para qualificar as leis não se faz a partir de

preceitos ou valorações abstratas. As leis não são boas ou más em si. “Boas”

significam leis adequadas, condizentes com as situações concretas, com os objetivos

da ordem política que se deseja construir. As leis têm a faculdade de modelar o

homem e a sociedade (SADEK, 2014, pp. 14).

184

BERBEL, M. A. F. As armas como instrumento de ação política em Maquiavel: Uma análise de O

Príncipe. Dissertação de Mestrado apresentada a Universidade de São Paulo (USP), 2009, pp. 101-107. 185

A princípio os tipos de Estados abordados no Príncipe são – Os Principados e as Repúblicas (Cap. I), mas no

(Cap. IX) Maquiavel aponta outro tipo – o qual intitula: Governo Civil – que basicamente é entendido no sentido

de que um cidadão se torna soberano. Portanto o governo é instituído pelo povo ou pela Aristocracia, conforme

haja oportunidade para um ou para a outra. O conflito do novo cenário político renascentista reside exatamente

nesta busca e conquista de oportunidade. 186

Cf. AZEVEDO Jr, M. “A força das armas na política de Maquiavel”, pp. 26, In: WEBER, I. H. O Príncipe &

Maquiavel sem ideologias. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. 187

"O poder da Alemanha, é sabido, reside muito mais nas comunidades do que entre os príncipes. Porque os

príncipes são de dois tipos: ou temporais ou Espirituais. Os temporais estão quase reduzidos a uma grande

debilidade, em parte por eles mesmos (uma vez que cada principado é dividido por igual por vários príncipes,

pelo princípio hereditário que eles observam), em parte porque o imperador os subjugou com o apoio das

comunas, de forma que eles são amigos inúteis e inimigos pouco temíveis" (MAQUIAVEL, 2010, pp. 98). 188

Como exemplo nos I Primi Scritti Politici, Maquiavel descreve a importância da obediência: Existe outra

razão do grande poder do rei da França. No passado a França não era unida, por causa dos poderosos barões

(Barão aqui significa “homem poderoso e notável pelo valor, pela posição e/ou pela riqueza,” que pode ser um

Duque ou um conde, não barão como um determinado grau na hierarquia nobiliárquica feudal) que ousavam e

tinham coragem suficiente para lançar-se em todo tipo de empresa contra o rei, como era o caso do Duque de

Guienne, de Bourbon, etc. Hoje são todos obedientíssimos ao rei, e por isso o reino é ainda mais forte

(MAQUIAVEL, 2010, pp. 85).

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A lei é uma forma contundente de controle, assim como a força e o dinheiro. Leis,

armas e dinheiro tornam o Estado competitivo (MAQUIAVEL, 2000, pp. 33). Assim sendo,

tanto nos I Primi Scritti Politici como no Príncipe sobressaem estas ideias, ou seja, que

existem duas formas de se controlar: uma, pelas leis, outra, pela força. A primeira é própria do

homem; da racionalidade e da inteligência, a segunda é própria dos animais, do instinto e da

impetuosidade. Por isso a ideia de mezzo uomo e mezzo bestia como garantia de equilíbrio no

controle do Estado e das diretrizes que se averiguam no que tange a liberdade política

(MARCHAND, 1975, pp. 69-75).

Claude Lefort percebe outra faceta, agora política, do conceito de liberdade proposto

por Maquiavel: “A liberdade política se entende por seu contrário; é a afirmação de

um modo de existência, em certas fronteiras, de tal sorte que ninguém tem

autoridade para decidir assuntos que dizem respeito a todos, isto é, para ocultar o

lugar do poder”. As boas leis, para Maquiavel, portanto, não dizem respeito aos

direitos individuais e, sim, às obrigações cívicas e seus benefícios para o cidadão.

Traduzem-se em termos de segurança pessoal (SOUZA, 2007, pp. 13-14)189

.

Com a obra maquiaveliana, tem-se a virada do mundo invisível e visível ao mundo

previsível (SENELLART, 2006, pp. 225). Não se faz guerra ao relento, de qualquer forma e

modo. É preciso um longo exercício de previsibilidade para se ater as coisas essenciais do

conflito. A guerra também é feita com virtù, aliás com muita reflexão e cálculo sobre a

dimensão da oportunidade. Isto traz como consequência natural, a ação política, junto com as

leis e a diplomacia, que passaram a ser governadas pela força. É pela força das armas, que

doravante, convinha avaliar todo poder humano, temporal e estatal190

.

Tendo apresentado e propositalmente superado o discurso metafísico e religioso da

manutenção absolutista e medieval, Maquiavel desde 1498 – atuando como Secretário e

vendo no uso da força o caminho eficaz da política, acrescenta que a força não é somente um

sistema de ideias, mas algo real, instrumental, materializado. É o caso das armas. A princípio

as boas armas são as espadas e o modelo de cavalaria e infantaria do antigo regime medieval,

não obstante entra em cena também a arma de fogo que a priori não teve boa aceitação do

florentino, mas se tornou adiante na história, e o é até os dias atuais, a mais eficaz das armas

de combate e de guerra.

189

LEFORT, C. Desafios da escrita política. São Paulo: Discurso Editorial, 1999, pp. 170. 190

A técnica de Maquiavel com o tema da força pode-se relacionar com a ideia de “profeta desarmado” e com a

pessoa do Frei Savonarola. SENELLART. As artes de governar. Trad. de Paulo Neves, São Paulo: Ed. 34,

2006, pp. 225.

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Assim sendo, se torna necessário saber dosar os humores191

. A racionalidade

humana é que permite a feitura da lei impedindo assim que os homens caiam no estado de

natureza completamente hobbesiano192

. Maquiavel reconhece que só o homem é capaz de

legislar, ir além do instinto animal, mas não prescindindo dele. Dosar os humores significa ser

suficientemente humano para usar a lei até o extremo, até seu limite que é o uso da força para

o seu cumprimento. É a parte inteligente do esquema da guerra. Porém, usar exacerbadamente

a força, desrespeitando as leis da natureza e a divina, leis de boa convivência, seria inaugurar

um reinado de força que sucumbiria ao primeiro valente e corajoso que se lhe pusesse à

frente, inclusive do povo. Dosar os humores é sinal de virtú (MANSFIELD, 1996, pp. 8). Tal

é o alicerce que fundamenta a ligação terminológica entre a força das armas em comunhão

com as boas leis. Perceba-se que virtú não é o descarte da violência. Virtú é o uso comedido e

oportuno da violência quando necessária.

O meu dever foi agir de modo que seja vosso o arbítrio, e isso foi feito. A vós agora

cabe decidir sobre o que será conveniente e útil à república (MAQUIAVEL, 2010,

pp. 45).

Há momentos numa determinada República, que é inevitável o uso da força. Assim

sendo, Maquiavel indica no relato da provisão de dezembro de 1506 nos I Primi Scritti

Politici, que, observando a história das grandes e eficazes Repúblicas, destacam-se dois

referências que são norteadoras e fundamentos para a manutenção da magnificência da

mesma, e futuramente, em relação à Florença. Os pilares referenciais são: as leis que

manuseiam a ordem na justiça e a necessidade das armas, tendo como base a escolha pelo uso

da força193

. Ambas, justiça e armas colaboram para que os súditos sejam, quando necessário,

refreados e os inimigos combatidos (SANCHEZ-PARGA, 2005, pp. 73).

191

"A partir da teoria dos humores Maquiavel enuncia sua tese geral: os homens são dotados de desejos e

buscam saciá-los ao infinito. Buscando na concepção médico-galena as bases de seu pensamento político, os

desejos dos homens, para o autor, são compreendidos na dinâmica dos humores. Os humores, como líquidos, ou

fluídos, no corpo, são as pulsões viscerais que o mantém em movimento. Os desejos, para Maquiavel, são como

os humores do corpo, uma espécie de energia que impulsiona o indivíduo em busca de algo que o satisfaça. Estes

desejos são infinitos e insaciáveis. Compreender a dinâmica destes desejos e dar-lhes vazão adequada é

necessário se quiser manter uma determinada ordem e evitar a derrocada do Estado, ensina Maquiavel. Como,

para o florentino, há dois distintos humores desejosos em todo corpo político – os grandes e o povo , o conflito

civil encontra aí seu fundamento" (WINTER, 2011, pp. 50-51) 192

Mesmo que se tenha como pano de fundo uma antropologia negativa em Maquiavel, não se pode afirmar que

suas obras denotem uma natureza voltada exclusivamente para a luta do todos contra todos. Maquiavel admitiu

que o cidadão não era somente imago Dei, ele trouxe a cena da política as contradições próprias do mezzo bestia. 193

O exercício do poder é sempre conflituoso e se constitui em oposição a outros poderes. Um príncipe, para

Maquiavel, “não deve ter outro objetivo nem outro pensamento, nem ter qualquer outra coisa como prática a não

ser a guerra, o seu regulamento e sua disciplina, porque essa é a única arte que se espera de quem comanda”

(cap. XII, Príncipe). Essa ideia ganharia no século seguinte uma formulação que faria fama. Como escreve

Hobbes, na ausência de qualquer outra instituição, um poder torna soberano aquele que o possui o comando da

milícia. Por isso. seja quem for o general de um exército, quem possui o poder soberano é sempre o

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Os romanos pensaram outrora que os povos rebelados devem ser beneficiados ou

mortos, e qualquer outro caminho seria perigosíssimo (MAQUIAVEL, 2010, pp.

46).

A ideia de boas leis e boas armas surge em relação a necessidade de repensar a

natureza do exército, e Maquiavel parte para a reflexão através da tripartição possível – ou

seja, a ideia de um exército próprio, ou mercenário ou auxiliar/misto. Os dois últimos tipos

são perigosos, porque os soldados mesmos não são de confiança, são desunidos, ambiciosos,

indisciplinados, ousados para com os amigos e covardes perante os inimigos, e mais, não

temem a Deus. Tais homens não possuem lealdade aos outros homens e, alguns deles – os

mercenários – só lutam pelo salário que recebem, nem mesmo estão dispostos a morrer pelo

seu soberano, são fiéis em tempo de paz, mas quando chega o tempo de guerra, eles

abandonam a função. Maquiavel deixa claro em “suas penas” a necessidade de um exército

patriota, fiel ao território e ao príncipe (MAQUIAVEL, 2010, pp. 37-40).

Sobre as "boas leis" pode-se entender que

Na verdade, o pensador florentino desposa a tese segundo a qual as boas leis nascem

dos conflitos sociais, segundo o exemplo romano da oposição entre patrícios e

plebeus. Os conflitos são capazes de produzir ordem por conterem a força e coerção

necessárias à atividade de governar. A lei tem a função de ordenar o conflito, e não

naturalizá-lo ou extingui-lo (MORAES, 2013, pp. 774)194

.

Neste sentido é preciso formar um Exército para Florença. Maquiavel afirma que

todas as deliberações que se verificarem, devem ser tomadas na presença dos magníficos e

eminentes Senhores, sob a tutela do escrivão, e diante deste norteamento se delineia os ofícios

e a montagem do Exército Florentino (MAQUIAVEL, 2010, pp. 39-40). Mas, como manter a

estabilidade política de um Estado numa sociedade contraditória, como o conflito entre os

grandes e o povo? Evidentemente, a existência da política pressupõe unidade, concórdia.

Entretanto, esta unidade política, necessária para a existência do Estado, nunca pressupõe

aniquilação do conflito social. O Estado só se mantém quando consegue dar vazão ao conflito

de desejos. Reduzi-lo à unidade, à concórdia, o enfraquece e o torna inseguro, sublinha

Maquiavel (WINTER, 2006, pp. 126). E mais

generalíssimo. Cf. KRONENBERGER, T. S. & MALTA, M. Considerações sobre a concepção de Estado em

Maquiavel e em Hobbes, pp. 68. 194

Há uma conexão entre a ideia de boas leis e conflitos no pensamento de Maquiavel. Quanto a isto pode-se

consultar MORAES, 2013, pp. 775. "Na hipótese da lei nascendo do conflito, está posta a oposição irredutível

dos dois “humores” (ou “desejos”, em um linguajar atual) existentes na sociedade [...] “Boas leis” e “boas

armas” precisam estar bem articuladas para o bom resultado do estadista. Como pode ser necessário “saber usar

bem a natureza animal”, o príncipe deve escolher a raposa e o leão, “porque o leão não tem defesa contra os

laços, nem a raposa contra os lobos”, necessitando “ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os

lobos” (op. cit. pp. 774).

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A questão da lei se prende, portanto, à lógica da necessidade, resultando ela própria

da impossibilidade dos homens coexistirem em uma comunidade política sem

alguma forma de coerção (ADVERSE, 2007, pp. 49).

Ora, se os homens fossem seres naturalmente inclinados para a vida em sociedade,

não seria necessário existir um Estado (FORNEZIERI, 2006, pp. 34-40)195

. Pode-se

compreender, a partir das teses maquiavelianas sobre o conflito entre os homens, a tão famosa

ruptura, operada pelo pensador florentino, entre a ética e a política. Mas até que ponto,

realmente, existe uma ruptura entre ética e política, na esteira do pensamento de Maquiavel?

Pois, sendo os homens naturalmente maus e estando sempre dispostos a dar vazão a suas

maldades, mesmo sob o poder do Estado, o príncipe não tem como se pautar por regras

morais (medievais) na esperança de que elas o orientem na condução dos negócios do Estado.

Assim, em que medida os fins justificam os meios? Maquiavel, sobre a ideia de ética e fins,

elabora uma política fundada na habilidade do seu líder, conquanto este prossiga firmemente,

perseguindo fins. Não é que valha tudo para se efetivar o poder, mas é necessário

fortuitamente perseguir e calcular matematicamente os fins que se quer alcançar. Há nos

relatórios uma tese sobre as boas armas, de modo a Maquiavel deixar a questão sobre a

necessidade das forças militares

E de novo vos replico que sem força as cidades não sem mantêm, mas chegam a seu

fim. E o fim ou é pelo seu abandono por parte de sua população, ou pela servidão.

[...] Eu vos advirto, não digais depois: “Isso não me foi dito!” E se replicardes: “Que

necessidade há de forças militares? (MAQUIAVEL, 2010, pp. 51).

A preocupação de Maquiavel sobre a formação das tropas militares daquela época

partiu de uma ótica centrada na Itália que possuía uma prática militar de recrutamento

mercenário. No sonho de ver a Itália como a França, Maquiavel até se arrisca como “cabeça”

do recrutamento de homens, mas ele não é homem de ação. Como já citado, seu recrutamento

foi um fiasco. No entanto, não devemos passar por essa questão sem antes notarmos que o

século XVI estaria vivendo uma ascensão urbana, uma espécie de “evolução” daquelas

cidades que se reorganizavam de uma Idade Média que transitava do rural para o urbano,

onde a “contratação” de trabalhadores livres se fazia necessária (tanto para o trabalhador

como para o „empregador‟). É neste sentido que pode-se enxergar esse recrutamento

assalariado de soldados mercenários em muitas partes da Europa ocidental, inclusive na Itália,

grande pólo de cidades comerciais daquela época; basta notar que o salário seria algo

essencial e vital demais para um mundo que iniciara o processo de compra e venda de mão- 195

FORNEZIERI, A. Maquiavel e o Bom governo. Tese de Doutorado apresentada a Universidade de São

Paulo (USP). Departamento de Ciência Política. São Paulo, 2006.

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de-obra (tratando-se em termos monetários), e uma destas profissionalizações (talvez a mais

importante) se deu na figura do soldado (RUBSTEIN, 1972, pp. 22).

A novidade que Maquiavel acrescenta ao raciocínio de Políbio surge no quarto

capítulo do primeiro livro: a noção de que a liberdade e a força da república romana

teriam nascido da desunião entre a plebe e o senado. Aqui, o pensador florentino

introduz, uma vez mais contra a tradição, a ideia do conflito como condição de

estabilidade e/ou firmeza da república (e, portanto, das instituições). “Todas as leis

para proteger a liberdade nascem da desunião [entre o povo e os poderosos, entre a

plebe e o Senado]”, escreve o autor196

.

Todas as cidades que por algum tempo foram governadas por um príncipe absoluto,

pelos optimates ou pelo povo, empregaram na sua defesa as suas forças misturadas com a

prudência, porque esta sozinha não bastava, e aquelas ou não levam a termo a ação política

ou, se a levam, não mantêm os resultados obtidos.

São, portanto, essas duas coisas o nervo de todas as Senhorias que já existiram ou

ainda existirão no mundo. E quem observou as mudanças dos reinos, as ruínas das

províncias e das cidades, não as viu terem como causa outra coisa senão a falta de

armas ou de prudência. E dado que as vossas excelências me concedem que isso seja

verdade, como o é, necessariamente se segue que vós quereis que na vossa cidade

haja uma e outra dessas duas coisas, e que vós procurais bem, se elas existirem,

conservá-las; e se não existirem, providenciá-las. E eu, de fato, há dois meses tive

boas esperanças que vós tenderíeis a esse fim; mas, tendo visto depois tanta

obstinação vossa, fiquei aturdido. E vendo que podeis ouvir e ver, mas que não

ouvis nem vedes o que, e somente isso, tanto surpreende vossos inimigos, me

persuado de que Deus não nos castigou à sua maneira e que nos reserva para um

flagelo maior (MAQUIAVEL, 2010, pp. 51)

Com relação à política de defesa, onde há pessoas e não um exército é notado uma

clara incompetência por parte do soberano, pois é de sua exclusiva competência formar um

exército próprio para a defesa da nação. É, também, de extrema importância saber-se a hora

própria para instituir-se a ditadura, que, em ocasiões excepcionais, é necessária a fim de

tomarem-se decisões rápidas, a dispensar, assim, consultar as tradicionais instituições do

Estado. Contudo, ela deve-se instituir por período limitado, de modo a não se corromper e

deve existir até quando o motivo o qual a fez precisar-se for eliminado (RUBSTEIN, 1972,

pp. 26).

Assim como os analistas políticos de hoje encontram problemas e tentam provocar

uma reflexão para solucionar, mesmo que teoricamente, as intempéries sociais, Maquiavel (o

primeiro a realizar esta tarefa) enxerga em sua época algo que surgiu com os novos rumos que

a sociedade tomava quanto a constituição de forças armadas: a constituição de tropas

mercenárias (MAQUIAVEL, 2010, pp. 51-53). O soberano de valor próprio, o príncipe

196

Cf. POLÍBIOS. História. Brasília: UnB, 1985, pp. 31.

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prudente deve sempre evitar constituir tropas com soldados que não sejam os seus, com forças

que não sejam genuinamente suas. Formar um exército mercenário significa colocar em risco

a integridade do governo e a força da nação, pois o “salário modesto” oferecido não seria o

suficiente para que neste tipo de soldado florescesse o sentimento patriota, o desejo de vitória

acima de qualquer outro princípio. Em suma, o mercenário não morreria pelo soberano, pelo

Estado197

. Além do que, o risco que o príncipe corria de aprisionar o seu domínio a um outro,

era grandioso, pois se “um exército mercenário perde, será apenas uma derrota; se este vence,

a vitória aprisionará o soberano que utilizou destas forças” porque não mais conseguirá sair da

dependência de homens que não são seus, tornando os seus legítimos covardes e inseguros

que irão lutar apenas com a ajuda de outros. Portanto, as tropas mercenárias são exércitos

erguidos de forma errada para Maquiavel, algo que pode levar o Estado soberano às ruínas do

fracasso (SANCHEZ-PARGA, 2005, pp. 19).

Daí a serventia da lei. As leis têm como função primordial controlar as armas198

.

Boas armas e boas leis são parte de um todo necessário para fortalecimento do príncipe. Boas

leis que regulamentem o recrutamento militar. A base de um exército e o modo com o qual os

homens desde pequenos são tratados. Maquiavel dá um realce a necessidade da disciplina. E

de tal modo que, no instante de instituição da República deve o povo “assegurar­se, mediante

leis, contra o capitão, para que não exorbite ele das suas funções”. Desta forma, Maquiavel

mais uma vez condiciona, numa República, as armas às leis, criando assim uma hierarquia

entre ambas. Claro que para o florentino a soberania está no povo que institui a lei, devendo o

mesmo ter força suficiente para repelir todo aquele que através de armas queira deixa­lo fora,

tornando­se a lei a defesa do homem livre, do cidadão perante todo aquele que, através de

armas, queira aboli-la. As armas são, então, a garantia da liberdade e apesar de serem

primárias na confecção estatal, não sobrevivem sem a primeira, ou seja, as boas leis

(RUBSTEIN, 1972, pp. 69).

197

Norberto Bobbio afirma que "o fato de que Maquiavel retorna com freqüência a essa distinção, utilizando-a

para compreender a realidade do seu tempo, prova que ela não é livresca, ou meramente cômoda. Limito-me

aqui a citar um trecho de escritor menor, a Exposição sobre a Reforma do Estado de Florença a Instâncias do

Papa Leão, que começa com estas palavras: 'A razão por que Florença sempre variou nos seus governos reside

no fato de que nunca houve ali república ou principado com as qualidades devidas. Não se pode dizer que é

estável um principado onde tudo se faz conforme deseja um só, e se delibera mediante o consenso de muitos;

nem se pode crer que seja duradoura a república onde não se satisfaz aqueles requisitos que a arruinam, quando

não satisfeitos" (BOBBIO, 1981, pp. 85). 198

Thomas Berns (1997, pp. 39 apud AMES), resume essa relação nos termos seguintes: Indeterminação das

boas leis primeiramente, por causa de sua relação necessariamente circular com a história; indeterminação a

fortiori de seu momento originário que se determina unicamente como momento que faz vir junto um futuro

sempre indeterminado que escusa um necessário engajamento presente que somente pode acusar na medida em

que faz violência à história. Eis o que exprime a famosa frase: “conviene bene che, accusandolo il fato, lo effetto

lo scusi”. A conveniência (conviene, cum venire, vir junto) que deve haver entre o que não é ainda legal e o que

o será (AMES, 2011, pp. 34).

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As leis encontram, como podemos notar, um limite intransponível na corrupção

política da sociedade e de suas instituições: “[...] não há leis nem ordens que bastem

para frear a corrupção generalizada” (Discursos I,18). Quando o tecido social (a

“matéria” de que é constituída a coletividade política) e as instituições políticas (as

ordini) se corrompem, não há condições para a produção da legalidade. A lei deixa

de gerar e reproduzir vínculos; em lugar de ampliar e reforçar o público, debilita-o e

o submete ao privado (AMES, 2011, pp. 35)

Analisa Maquiavel a necessidade de um amparo militar – pois política se faz com

força armada. A força é a garantia da unidade política. Da posse de armas próprias depende

outro fator (MAQUIAVEL, 2010, pp. 55-58). Trata-se da conservação de um estado diante

das contínuas ameaças e dos constantes confrontos a que estava sujeita a Itália. Neste caso, os

pactos não são suficientes, pois eles somente são garantidos pela força. A regra de que lança

mão para concluir o argumento lembra-nos Hobbes199

descrevendo a situação de guerra:

“porque toda cidade, todo estado, deve considerar inimigos todos aqueles que pensem ser

possível ocupar o seu [estado] e de quem vocês não se podem defender” (MACHIAVELLI,

1997, pp. 13). Assim, a respeitabilidade e subsistência de um estado somente são obtidas com

a força e esta depende, na ordem das razões maquiavelianas, da possessão de exércitos

próprios. Daí que Florença, cujo nascimento foi livre, para conservar sua liberdade, isto é, a

soberania de seu estado, deva levar em consideração este fato (PANCERA, 2010, p. 105).

Maquiavel contrasta nos I Primi Scritti Politici os exércitos da França e da

Alemanha:

As infantarias francesas não podem ser muito boas, porque há muito tempo que não

enfrentam uma guerra e por isso não têm experiência nenhuma. Além disso,

naquelas terras todos são ignóbeis e trabalhadores, e estão tão submissos aos nobres

e são tão reprimidos em toda iniciativa que acabam sendo covardes. E por isso que

não se vê o rei utilizá-los nas guerras, porque dão bons resultados, apesar dos

gascões, que o rei utiliza por serem um pouco melhores do que os outros, isso

porque estão próximos da fronteira com a Espanha e têm algo dos espanhóis

(MAQUIAVEL, 2010, pp. 86). [...] As infantarias alemãs são muito boas e seus

homens de boa estatura, ao contrário dos suíços, que são pequenos e sujos e nem são

belos; mas não se armam ou se armam pouco, somente com a lança e a espada, para

serem mais desembaraçados, expeditos e leves. E costumam dizer que assim fazem

por não terem outro inimigo senão a artilharia, contra a qual a armadura, a couraça

ou o gorjal não os podem defender (MAQUIAVEL, 2010, pp. 99-100).

Entre a milícia francesa e alemã, Maquiavel indica a primeira como modelo de

exército forte. Nos Discorsi III, 31, (2007, pp. 416), Maquiavel afirma ser o exército "o 199

"O Estado hobsseniano é aquele Estado erigido a partir do conchavo dos cidadãos que o faz existente, que o

compõe a fim de estabelecer o ordenamento mais racional da, e para, o grupo dos pactuantes, isto é, a sociedade.

Vale também lembrar que o Estado está isento de qualquer condicionamento ético e moral. O Estado é titular de

todos os poderes e age tendo em vista a garantia da paz e dos direitos básicos dos cidadãos, sem levar em

consideração qualquer base ética e moral. Hobbes observa que o contrato social é a solução para a superação

tanto da violência como da insegurança coletiva existentes no Estado de Natureza e, assim, o Estado é a solução

à sobrevivência do homem em Sociedade" (LOPES, 2012, pp. 179).

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fundamento de todos os estados, e que onde não há milícia não pode haver boas leis nem

coisa alguma que seja boa". Ele também indica, a partir do modelo romano, observado

também em seu tempo na milícia francesa, a questão da "disciplina, ordenação, moderação,

competência para a guerra", sobretudo entendendo a guerra como estética e exercício, ou seja,

"durante a guerra deve prescrevê-la como um objeto de necessidade e uma oportunidade de

conquistar a glória, mas competindo unicamente ao governo, como o fez o de Roma, exercê-la

como um ofício" (MAQUIAVEL, 2006, pp. 65). Fica evidente que seguindo o roteiro de

Maquiavel, a ordenação para as armas é uma necessidade do Estado. Esta organização é um

fato para se pensar, seja na cidade ou no campo, pois é preciso "armar-se", pois é esta a

garantia da competitividade do Estado forte e da exímia formação de uma Milícia.

VALVERDE aponta a política não somente como uma técnica da articulação ideológica e do

controle das forças em movimento, mas também uma espécie de técnica teatral. Uma técnica

lúdica de forçar a imaginação nas possibilidades de bem representar, como no teatro. Para

tanto, é mister vasculhar, antecipadamente, os bastidores, as coxias, os interiores, e devassá-

los, mas fazendo-os permanecer como que inviolados e invioláveis (1998, pp. 45)200

.

2.2. As armas e o exército próprio: Análise interna dos I Primi Scritti Politici

e do Príncipe

Ausência das armas em Maquiavel representa um dos fatores determinantes para o

fracasso político201

.

A fortuna é o imprevisível, e pode também ser considerada como princípio de

alcance entre a glória ou a ruína de uma República e da vida do ator político. Maquiavel

reconhece que palavras sem armas não são indicativo de um plano de governo seguro e de

sucesso, pois a glória ou a ruína têm como pontos uniformes o uso bem feito das armas e do

exército ou a sua negligência. Confiar à fortuna o rumo do Estado é muito perigoso, e o

insucesso é quase certo, por outro lado, a virtú é o saber como atuar de acordo com a

necessidade oportuna, é a “vontade-força”, qualidade fundamental do príncipe que define,

200

Prof. Valverde complementa a ideia de técnica ao afirmar que "a técnica política se complexifica pelo fato de

Maquiavel não definir nenhum dos conceitos sobre os quais discorre: fundação, corrupção, liberdade, força,

virtude, glória, grandezza, fortuna, etc. Por certo qualquer tentativa de definição fossilizaria a abordagem da

realidade caleidoscópica do objeto em pauta" (VALVERDE, 1998, pp. 44). 201

Quentin Skinner defende que o papel político da força é um dos pontos de desacordo entre Maquiavel e os

escritores de sua época, dedicados a escrever espelhos de príncipe, gênero literário que procurava determinar as

ações virtuosas que um príncipe deveria realizar para obter sucesso político. Cf. SKINNER, Q. As fundações do

pensamento político moderno, pp. 150-151.

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segundo suas qualidades específicas, o destino da sua ação política. Quando virtú e fortuna

caminham juntas, o resultado é a vitória, a glória – como pode-se observar nos exemplos

históricos relatados pelo florentino ao decorrer dos I Primi Scritti Politici e do Príncipe – caso

contrário, a derrota, a ruína é sempre prevista, é possibilidade.

Uma República fundada em palavras terá provavelmente como resultado a situação

do Frei Savonarola, ou seja, a derrota e a morte. A política fundada na eloquência e na

oratória não garantem nada. Maquiavel reconhece que é de bom grado que o príncipe tenha

um espírito preparado para se adaptar às variações das circunstâncias e da fortuna e, a manter-

se, tanto quanto possível, no caminho do bem, antenado pelas suas qualidades, pronto

igualmente a enveredar-se por uma outra via, as vezes denominada de

"maldade/maquiavélica", quando necessário. A ocasião desfavorável não solicita outra coisa

que o uso das armas. As armas, como já se apresentou, são um valor necessário para a

conquista e manutenção do poder (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 143)

A força de um príncipe ou Estado avança como instrumental histórico e real para as

armas. São elas que fazem um principado ou uma República forte. A história humana, como

afirma um dos fundadores da Nova História, Marc Bloch (1997, p. 55), é o estudo do homem

em uma análise do seu tempo. Mas a fonte de poder é criada com dois movimentos que se

desencadeiam em tom de afastamento ou de complementaridade. São eles: a astúcia ou a

força. Nesta já se viu, trata-se do uso da violência que tem como finalidade a dominação e a

legitimação de ações político-sociais. Dominar não é nada mais nada menos que aplicar a

teoria da força em sua tríplice comunhão: força, armas e exército. Não obstante, a astúcia tem

seu fundamento na oportunidade e seu manuseio é a virtú e o bom andamento consciente da

fortuna (BARROS, 2006, pp. 13).

Por essa razão, vale recuperar uma pergunta central do Príncipe: como medir as

forças de todos os Estados202

? Questão válida para refletir o valor de um exército nacional na

proteção dos governos modernos. E, para incitar a discussão, pode-se ler o cap. III do

Príncipe, onde Maquiavel falando das Monarquias Mistas discorre sobre a demonstração da

imposição da força. Imposição significa avançar com homens armados e de modo organizado

conquistando espaços. Este fato, certamente causará medo (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 35-

55). O medo é o sentimento causado pela força aplicada violentamente num local específico.

202

"O conceito de razão de Estado parte do pressuposto político da impossibilidade de organização humana sem

uma firma égide centralizadora; sem o pulso de um Estado forte, seria inevitável o eterno retorno à anarquia

generalizada. Dessa forma, a necessidade de manutenção do bem da estrutura estatal, inclusive com o controle

absoluto dos monopólios estatais (força física, impostos e leis), justificaria a repressão de interesses particulares

e demais medidas adotadas em prol dos interesses do Estado" (GONÇALVES, 2010, pp. 9)

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A força gera o medo. O medo gera inconsistência e esta atitude cria a vulnerabilidade do

local. Estando vulnerável, o exército pode atacar. O exército deve ser formado por homens

disciplinados e não mercenários ou mistos, mas amantes da pátria. Devem atacar armados, e

se necessário violentamente. Tal situação reserva o sucesso da ação política.

Assim, entre “uma narrativa e outra” – o que se percebe é Maquiavel descrevendo

nos I Primi Scritti Politici como se constitui o Magistrado dos Nove Oficiais da ordenança da

milícia florentina, suas funções próprias e todas as respectivas informações sobre os

subalternos de tal Magistrado. Como primeiro aspecto textual, amparado no conhecimento

histórico sobre a temática, Maquiavel afirma que sobressai a ideia de que as leis protegendo a

justiça e a força das armas são pressupostos da proteção de uma cidade. Nos Discorsi ele

mesmo prorroga a afirmação, dizendo que “se não houver nem leis e nem instituições que

possam reprimir” e continua SGANZERLA comentando “somente um governo de medidas

extraordinárias, utilizando-se da violência, das armas e da força, poderá produzir algum

resultado benéfico à sociedade”203

.

Eles examinaram também se é acreditável que o assédio baste sem a força, e são do

parecer que não baste, porque acreditam que os pisanos têm com o que viver até a

próxima colheita, e pelas notícias que se tem de quem vem de Pisa, pelos sinais da

escassa qualidade do pão que lá se vende, e pelo ânimo obstinado dos pisanos, estão

dispostos a suportar muito, e não se vê porque devam suportar somente uma parte do

que podem, por isso pensam os sábios nesses assuntos que vós sereis obrigados a

usar a força. Eles pensam que seria impossível que os pisanos resistam dias, se vós

os mantiverdes assediados durante quarenta ou cinqüenta dias, e durante esse tempo

tirar da cidade todos os mercenários que puderem, e não só tirar de lá quem quiser

sair, mas premiar quem não o quiser para que saia. Depois, passado o dito tempo,

reunir quantos infantes de puder reunir, disparar duas vezes as baterias, e quando

eles estiverem para assaltar as muralhas, então dar a permissão de sair para quem

quiser sair da cidade: mulheres, crianças, todos, porque todos estão aptos a defendê-

la, e assim se acharão os pisanos sem defensores e sem dinheiro, atacados por dois

lados, com três ou quatro assaltos seria impossível que resistissem, se não for por

milagre, conforme os mais sábios nessas matérias afirmam (MAQUIAVEL, 2010,

pp. 34).

Assim, Florença deve repousar sua confiança nos dados da história – sob o

regimento das boas leis e sob a força dos bons soldados, bem como das boas armas. Depois,

numa vertente construtiva, Maquiavel demonstra quem é e como deve ser formado o Exército

de Florença. Nos I Primi Scritti Politici é descrita a hierarquia desde o Magistrado dos Dez,

passando pelo Conselho dos Nove, chegando aos eleitos deste oficio na cidade de Florença

sob a proteção de São João Batista. Os eleitos devem exercer com virtú a sua função na

milícia florentina. Na seqüência, Maquiavel evidencia os Nove oficiais da ordenança e milícia

203

Cf. MAQUIAVEL, N. Discorsi, pp. 75-76, In: SGANZERLA, A. Maquiavel: A religião como instrumento

da política. Dissertação de Mestrado, São Paulo: PUC – SP, 2004, pp. 49.

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florentina, destacando as suas funções e a credibilidade administrativa em relação aos outros

membros da cidade (MAQUIAVEL, 2010, pp. 59-69).

No modo de tratar os povos do vale do Chiana rebelados, Maquiavel lança mão de

um procedimento que será a marca de suas obras teóricas posteriores: o uso da história

como guia para suas reflexões sobre o presente. No primeiro capítulo ficou evidente a

importância deste olhar distanciado, mas ao mesmo tempo, próximo do comportamento de

atores e repúblicas que souberam conquistar a manter o poder e a liberdade. Do exemplo

romano, Maquiavel deduz que existem duas vias básicas para tratar povos conquistados: ou

destruí-los completamente, de tal forma que não possam mais fazer mal ao conquistador; ou

incorporá-los à nova pátria, tratando-os com suavidade e amizade. Ao abordar o caso das

populações do vale do Chiana e aquele de Arezzo, Maquiavel parte de um pressuposto: os

homens repetem suas paixões e sua forma de agir ao longo dos tempos e, por isso, podem se

servir da história para tomar decisões no presente (MAQUIAVEL, 2010, pp. 45-47).

Por onde começar então o armamento e o sitiamento da corporação militar?204

Nem parece aconselhável começar pelo distrito, mesmo que nele se possa introduzir

a milícia a pé, porque não seria uma medida segura para a vossa cidade,

principalmente naqueles lugares do distrito nos quais há cidades ou aldeias com

fortalezas nas quais uma província possa resistir. Porque os humores da Toscana são

tais que assim que alguém soubesse que pode governar-se sozinho, não iria mais

querer um senhor, sobretudo se ele se vê armado e o senhor desarmado

(MAQUIAVEL, 2010, pp. 55-56)

O esteio de tal procedimento (recorrer ao passado) era a confiança de que a natureza

humana é repetitiva e, portanto, pode ser analisada em qualquer tempo com as mesmas

ferramentas teóricas. Vendo Cesar Bórgia, começou a pensar as coisas da política de um ponto

de vista bastante diferente daquele de seus contemporâneos. Ao elogiar, por exemplo, a

habilidade com a qual César Bórgia havia se livrado de seus inimigos, pelo texto de 1515 dos

I Primi Scritti Politici e sua repetição no cap. VII do Príncipe, ele incorria no perigo de se

transformar em um defensor da prática de crueldades, que, inclusive, ameaçavam se voltar

contra Florença. Isso marca na história interpretativa de seu pensamento o que se denomina

maquiavelismo. O fato que ele percebia, no entanto, era não que a crueldade fosse boa em si

mesma, mas que a simples condenação dos atos dos governantes não ajudava nem a

204

Retomamos a ideia de Maquiavel Secretário, e de acordo com DA SILVA, "a Segunda Chancelaria era a alta

magistratura militar e diplomática de Florença. Maquiavel tornava-se portanto o responsável por apresentar

instruções e ordens a serem executadas e cumpridas nos territórios florentinos. E mais, como Secretário dos Dez

da Liberdade, era de competência de Maquiavel a questão da fortificação e defesa da cidade de Florença, os

assuntos referentes às suas alianças militares e demais assuntos referentes à guerra e paz nos seus territórios"

(2013, pp. 34).

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compreendê-los, nem a evitar seus efeitos (MAQUIAVEL, 2010, pp. 41-44). Esta situação

traz a tona uma cena épica, onde Maquiavel define um lado diverso da virtú, quando

reconhece que Cesar Bórgia agiu plenamente com virtú ao derrotar e decapitar seus inimigos.

Quando Maquiavel trata do Discurso sobre a ordenação do Estado de Florença para as

armas (Os motivos da ordenança, onde encontrá-la e o que é necessário fazer) de 1506205

,

afirma que é preciso dizer sempre justiça e armas no que diz respeito a conservação da cidade.

Declara: “Vós, de justiça tendes pouca e de armas nada, e o modo para reaver uma e outra é

um só: organizar-se para as armas por deliberação pública, ordenadamente, e manter essa

ordem” (MAQUIAVEL, 2010, pp. 55).

E supondo que se armar seja coisa julgada, se quisermos ordenar o Estado de

Florença para as armas, será necessário examinar como se deveria aí implantar essa

milícia. E considerando o vosso Estado ele se acha dividido em cidade, campo e

distrito, de maneira que é preciso começar a organizar a milícia a partir de um

desses lugares, ou de dois, ou a partir de todos eles de uma vez. E como coisas

grandes devem ser conduzidas devagar, não se poderia de modo nenhum começar a

organizá-la em dois, nem em todos os lugares supracitados, sem causar uma grande

confusão e um grande perigo com sua implantação. É necessário, portanto, escolher

um deles (MAQUIAVEL, 2010, pp. 55).

Por onde começar a se armar?206

O projeto deve começar pelo recrutamento no

campo. Primeiramente, a escolha do campo não é aleatória, é algo premeditado nos escritos

políticos. É preferível a realidade campezina, porque escolher a cidade para o recrutamento do

exército já é, ainda que de maneira genérica, compô-lo por homens que comandam e homens

que obedecem, por homens que combatem a pé e homens que militam a cavalo e, tendo de

introduzir o exército em uma província desacostumada às armas, é necessário, como em todas

as outras disciplinas, começar pela parte mais fácil, no caso, o campo e os homens que ali

residem (MAQUIAVEL, 2010, pp. 55). Maquiavel também – ainda para defender a ideia do

inicio no campo, afirma que

não seja aconselhável começar pelo distrito, mesmo que nele se possa introduzir a

milícia a pé, porque não seria uma medida segura para a vossa cidade,

principalmente naqueles lugares do distrito nos quais há cidades ou aldeias com

fortalezas e nas quais também uma província possa resistir" (MAQUIAVEL, 2010,

pp. 56)

205

O texto, “Discurso sobre a Ordenação do Estado de Florença para as Armas”, de 1506, volta à questão

militar com mais um apelo aos cidadãos para não confiar em alianças nem na contratação de mercenários para

defender a cidade, mas sim financiar uma força militar própria (METTENHEIN, pp. 11, In MAQUIAVEL,

2010). 206

“A virtude tomará armas contra o furor e será breve o combate, pois o antigo valor ainda não está morto nos

corações italianos” (MAQUIAVEL, 1973, pp. 116).

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Acrescenta o florentino que "não se devem se armar naqueles lugares fortificados

como, Arezzo, San Sepolcro, Cortona, Volterra, Pistóia, Colle, San Gimignano"

(MAQUIAVEL, 2010, pp. 56). Os outros lugares onde não há mais castelos semelhantes,

como a Romanha, Lunigiana, etc, não importam muito, pois não reconhecem outro senhor que

não seja Florença, nem têm nenhum homem acima deles, como acontece no vosso campo

(MAQUIAVEL, 2010, pp. 56).

Por esses motivos é que se indica a introdução da ordenança no campo onde, se

quiser ordená-la, é preciso dar-lhe ordem e modo, isto é, insígnias sob os quais eles militem,

armas com as quais devem se armar, determinar quem deve combater sob qual insígnia e dar-

lhes comandantes que as exercitem. Quanto às armas, aquelas que lhes são dadas devem ser

controladas. Quanto às insígnias, é bom que sejam bandeiras, todas com o mesmo símbolo,

para que todos os homens se afeiçoem de uma mesma coisa, e tenham por objetivo somente

este emblema público e assim se tornem seus defensores (MAQUIAVEL, 2010, pp. 56).

Nada impede, além disso, de manter organizados nas cidades muitos homens,

obrigando-os a fazer não mais do que doze ou dezesseis exercícios militares por

ano, e dando-lhes a permissão de ir onde queiram para cuidar de seus afazeres.

Porém, mantê-los muito preparados é muito prudente, com a intenção de não ter

que, mais tarde, tirar de casa quem tem honestos motivos para aí ficar, ou quem se

sabe ser incapaz. Assim, para a reputação serve um grande número, mas para a ação

um número menor e bem preparado, porque sempre se poderá fazer novo

alistamento e é melhor ter visto esses homens várias vezes do que não tê-los vistos

nunca (MAQUIAVEL, 2010, pp. 56)207

.

A organização procederá sob o ícone das bandeiras e do comando de homens

divididos organizadamente (MAQUIAVEL, 2010, pp. 57)208

. O comando que se lhes deve dar

é fazer uma lei de que deles disponham e um magistrado que a observe. Para mantê-los em

ordem é necessário, segundo Maquiavel que esse magistrado tenha autoridade para puni-los e

faculdade para fazê-lo, e que a lei lhe possibilite fazer tudo aquilo que for necessário, e caso

isso foi negligenciado, o dano seria certo. Por isso é necessário obrigá-los a se manter

207

Sobre a atividade campezina, Maquiavel afirma nos I Primi Scritti Politici: "Essa organização bem ordenada

no campo é preciso que entre, pouco a pouco, na cidade. Será facilíssimo introduzi-la e vós vereis ainda em

nossos dias que diferença há entre ter vossos cidadãos soldados escolhidos livremente e não os homens mais

inadequados e corruptos como tendes no presente. Pois se alguém não quer obedecer ao pai, criando-se pelos

bordéis, tornar-se-á soldado; mas, saindo das boas escolas e de uma boa educação, poderão honrar a si mesmos e

à pátria. E tudo depende de começar a infundir respeito nesse exército, o que convém que necessariamente se

faça, firmando bem essas ordenanças no campo em que começaram" (MAQUIAVEL, 2010, pp. 58). 208

"Quanto ao modo de organizá-los para que não possam causar danos, deve-se considerar que podem fazê-lo

de dois modos: ou entre eles ou contra a cidade. Entre eles podem ferir-se uns aos outros ou reunir-se para

cometerem abusos, como costumam fazer [os soldados]. No primeiro caso se pode duplicar a pena, sobretudo

para aqueles que ferissem outros durante os exercícios; mas para os que ferissem em outra situação se poderiam

observar as leis já existentes. No caso de eles reunirem-se [para cometer abusos], seria necessário agir com todo

rigor contra o chefe dessas reuniões; e um exemplo permanece por um bom tempo na memória dos homens"

(MAQUIAVEL, 2010, pp. 57).

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armados ao menos um numero de homens suficiente para manter as bandeiras, e aos

condestáveis obrigá-los a providenciar as armas, treinar os homens e alimentá-los, rever a

cada ano seu número e desmobilizá-los, em certos dias e por certo tempo, e reuni-los e incutir

neles alguma coisa de religião, para torná-los mais obedientes (MAQUIAVEL, 2010, pp. 57).

Devem manter sempre inscritos, armados e ordenados sob as bandeiras e sob o

comando dos condestáveis que as exercitem e a distribuam entre o campo e o distrito

de Florença, pelo menos dez mil homens, e quantos mais acreditem poder manter

armados, conforme a disponibilidade de homens (MAQUIAVEL, 2010, pp. 61).

A obra de Maquiavel não se dirige somente aos homens do séc. XVI, na verdade, ela

continua a interpelar os homens de outros tempos. E não poderia ser diferente, pois conforme

SGANZERLA “a análise da sociedade, da política e do homem, proposta por Maquiavel

exige que o governante se utilize das leis, das armas e da religião para governar”

(SGANZERLA, 2004, pp. 11)209

.

Deste modo, a análise dos textos dos I Primi Scritti Politici parte das provisões da

República de Florença para instituição do Magistrado dos Nove Oficiais da ordenança e da

milícia florentina. Abordando as duas provisões respectivas da narrativa de Maquiavel – a

primeira para as infantarias, de 06 de Dezembro de 1506 e a segunda – para as milícias a

cavalo, de 30 de março de 1512 pode-se perceber a estrutura do exército que vai sendo

montado ao molde alemão e as configurações e funções que são de modo arquétipos

enumeradas nas “penas de Maquiavel”.

Nenhum soberano permaneceu no poder por muito tempo sem o auxílio das armas.

Encontramos exemplos de príncipes que chegaram ao poder pelo que Maquiavel chamaria de

“sorte”, de oportunidade, mas faltando-lhes a “astúcia afortunada” ou o valor próprio, estes

não se mantiveram no trono com facilidade, pois não foram dignos dele, pela ausência de

valores que são inerentes ao príncipe. Na compreensão destes valores podemos entender a

natureza militar que um soberano deve possuir para garantir o seu domínio, bem como

conquistar novos horizontes. Não foi assim com Dario, Alexandre e tantos outros? Todavia,

apesar da era absolutista necessitar por questões de sobrevivência em um momento de

209

Quanto ao tema da religião coube a consulta em Chabod (1994) e Sasso (1980). Para o primeiro a importância

da religião em Maquiavel não está nos seus sentimentos e nem no sentido de remédio para as inquietudes

naturais dos homens, mas no seu caráter prático, por constituir um freio para a corrupção e um elemento para a

vida coletiva de modo ordenado. Em tese a religião perde o caráter intimista e despoja-se do místico – restando-

lhe unicamente os motivos políticos. Cf. CHABOD, F. Escritos sobre Maquiavelo. Tradução de Rodrigo Ruza.

México: Fondo de Cultura Econômica, 1994, pp. 90. Quanto à Sasso – a religião em Maquiavel é avaliada pelo

seu resultado, e não mais como um instrumento de domínio. Formula-se um forte vinculo com o Estado, não

mais ideologizada enquanto opressora, mas assumindo um sentido positivo. Cf. SASSO, Gennaro. Machiavelli e

gli antichi e altri saggi, pp. 553-554. In: SGANZERLA, A. Maquiavel: A religião como instrumento da

política. Dissertação de Mestrado, São Paulo: PUC – SP, 2004, pp. 95.

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descoberta de novas fronteiras, de um “Novo Mundo”, do caráter belicoso para não definhar

diante dos ousados e fortes inimigos, é necessária a análise com quais tipos de forças armadas

um líder de Estado deve contar (AZEVEDO Jr, 2007, pp. 28).

Ao começar a leitura da Introdução dos Discorsi, ainda no quarto parágrafo, nos

deparamos com o contraste teórico que caracterizou o pensamento dos humanistas - qual seja,

a conjugação do conhecimento dos antigos com a compreensão dos fenômenos modernos –

por trás do sugestivo e, por vezes, enganoso estilo maquiaveliano210

.

Maquiavel afirma que a prudência levará o príncipe a constituir sempre exércitos

nacionais, e a contar com as suas próprias forças justamente pelo risco de fracassar com as

insuficientes tropas mercenárias, que podiam ter habilidade de guerrear (ou não), mas não

teriam o desejo de vitória acima de qualquer preço, de qualquer “soldo”. Para manter a

estabilidade do seu reino, o soberano deveria ter a percepção aguçada (acima dos homens

comuns) de desviar-se desta enfermidade que poderia arruiná-lo e também destruir ao seu

povo. Um exército nacional próprio necessitava, para Maquiavel, não somente de leis

militares, como também de um “habitus” novo, ou seja, um código de honra, um sentimento

de nacionalidade, uma total fidelidade ao Estado. A análise de Maquiavel sobre o papel dos

exércitos, suas motivações para a guerra em defesa de um Estado, o uso privado das armas

(institucionalizadas ou não), serve-nos, além de tudo, para entender a belicosa natureza

humana, confirmando a necessidade do controle sobre os impulsos racionais ou emocionais

dos homens, especialmente, quando eles não mais têm o sentimento de honra, respeito e amor

pela sua pátria (ERCOLE, 1917, pp. 35-38).

O foco sobre o qual aborda-se alguns textos de Maquiavel em relação – a força das

armas e do exército em vista da manutenção do governo se ancora, como se apresentou, na

crença do conflito, sobretudo entre o povo e os grandes. Aqui esta a possibilidade de findar-se

a paz interna e externa dos indivíduos, mas, sobretudo no vórtice da comunidade humana – da

reinvenção de Florença e do reerguimento da Itália. Por conta disso se olha, por exemplo, para

o primeiro aforisma kantiano na obra A Paz Perpétua (de 1792) (KANT, 2010, pp. 14)211

entender-se-á a relação de intenção de "guerra e paz" presentes nos relatórios e no Príncipe de

Maquiavel. Kant, por exemplo, trabalha a ideia de que, tendo em vista a própria paz, a sua

210

Como observa BIGNOTTO, N. “Maquiavel Historiador”. Seção Livros, n. 29, pp. 186-187, mar.-mai./1996.

Maquiavel muitas vezes se serve de uma estrutura clássica ou de uma fórmula tradicional, como no Príncipe e

nas Histórias de Florença, para seduzir o leitor e mostrar-lhe as conquistas teóricas que empreendeu, as quais, na

maioria das vezes e não obstante a semelhança estrutural, são radicalmente diferentes daquelas dos seus

antecessores. 211

O aforisma da obra O Tratado da Paz diz o seguinte: “Nenhum tratado de paz deve ser tomado como tal se

tiver sido feito com matéria secreta para uma guerra futura” (KANT, pp.5).

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efetivação, deve-se ficar, como ponto substancial, a ausência de uma intentio em relação à

guerra. Este fato é essencial para se configurar um tratado de paz. Em relação a Maquiavel

não se encontra em suas “penas políticas” tal ideia. Seria a lógica do vale tudo? Certamente

não. Mas trata-se do espírito do momento, ou seja, do senso de oportunidade e do calculo

matemático, ou mais estritamente a ocasião.

lá esperaram para assegurar as garantias das famílias e estabelecer a

segurança e a paz como determinavam os termos do acordo de paz. Ocorreu

que, querendo os nossos excelsos Senhores concluir a paz e repatriar os

Panciatichi, mandou um novo comissário [Niccolò Valori acompanhado por

Maquiavel] com forças militares, e no dia 20 de outubro passado, como já se

disse, repatriaram os Panciatichi, tendo depois disposta a guarda que se

julgou necessária para mantê-los seguros, a situação permaneceu estável até o

dia 23 de fevereiro próximo passado. Os motivos dos tumultos que se

seguiram foram relatados de diversas maneiras, mas o fato é este: tendo

avisado aqueles governantes de Pistóia os nossos excelsos Senhores que

certos tumultos ocorridos e como era necessário que lá se mandasse um

comissário, esses Senhores imediatamente nomearam Tommaso Tosinghi,

que partiu no dia 23 de fevereiro e não chegou a tempo, pois lá ele encontrou

os Panciatichi expulsos de Pistóia, alguns deles feridos, dois dos Senhores

[Giovanni di Tommaso Franchi e Giuliano di Jacopo Crimi] e o capitão da

infantaria, todos os três eram da parte dos Panciatichi, algumas casas

queimadas de saqueadas. Os comissários tomaram as medidas que puderam

para que aqueles tumultos não fossem adiante (MAQUIAVEL, 2010, pp.

36)212

.

O que se vê é a descrição do modo adotado pelo Duque Valentino – para matar

Vitellozzo, Vitegli, Oliveroto Pagolo e o Duque de Gravina Orsini a partir de um “tratado de

paz” [textualmente: “[...] e tanto se empenhou nesta política (César Bórgia) que firmou com

eles um tratado de paz” que teve como finalidade a degola dos inimigos (MAQUIAVEL,

2010, pp. 41-44). É a total oposição de intenção em relação ao início de uma nova ótica

política moderna com a ótica do séc. XVIII – no auge da racionalidade e dos contratos entre

os homens.

Bem, assim sendo, é deste modo que se eleva esta parte do trabalho sobre a

“formação de um exército florentino” nas descrições de Maquiavel nos Primeiros Escritos e

em alguns capítulos selecionados do Príncipe, sobretudo os que repercutem enfaticamente

reflexões quanto às armas e ao exército. Recorre-se neste instante também a interpretação

novamente da lógica da força, relembrando o inicio do Príncipe, onde Maquiavel afirma que

o poderio de todos os Estados ou senhorias – do poder efetivo sobre os homens – ou foram

respaldados pelas repúblicas ou pelos principados e foram de fato anexados com a “força das

armas” (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 31).

212

Relatório sobre "Notícias das medidas adotadas pela república Florentina para pacificar as Facções de Pistóia

(1502)".

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A reflexão posterior de Maquiavel repousa na ideia não só da conquista, mas come

questi principati se possino governare e mantenere213

, assim os adversários do grande

empreendimento resultante da conquista devem ser tratados em vista de ações que são

determinadas pelo estado de guerra e a política não pode ser senão uma estratégia análoga a

de um capitão que, tendo ocupado sobre o campo a posição cobiçada, aplica-se a desmanchar

as iniciativas de inimigos decididos a tirá-la dele (LEFORT, 1972, pp. 252).

Maquiavel propõe então a ideia de fortificação a partir do campo. A pouco falou-se

do inicio no campo, agora se enfatiza a fortificação no campo. A retomada seria composta

numa organização triangular aderindo estrategicamente a várias regiões. Com esses campos,

Pisa estaria assediada nesse triângulo. Os campos estariam seguros fortificando-se como

fossos. Maquiavel tem claro a estratégia, sobretudo pelo conhecimento de que em San Pietro

in Grado o ar é ruim, e se aí fosse necessário manter um campo este certamente adoeceria, e

porque poderia ser muito penoso manter os três ditos campos, se poderia manter o campo em

San Pietro in Grado somente enquanto não se construísse um bastião grande, capaz de abrigar

300 ou 400 homens em guarda. A estratégia se define com a construção de um bastião, onde

se poderia levantar o acampamento e deixar no seu lugar o bastião com a guarda e manter os

outros dois campos (MAQUIAVEL, 2010, pp. 55-56).

Quando se esboçou ordenar este Estado para as armas, e instruir os homens para

combater a pé, se julgou ser conveniente dividi-lo por bandeiras, e determinar cada

bandeira conforme limites territoriais e não pelo número de homens. Por isso se

decidiu colocar no domínio de cada podestade uma bandeira e sob ela alistar

aqueles homens, poucos ou muitos, conforme o número que deles se encontrasse

em tal domínio (MAQUIAVEL, 2010, pp. 73).

Todas as cidades que por algum tempo foram governadas por um príncipe absoluto,

pelos optimates214

ou pelo povo215

, como Pisa é governada, empregaram na sua defesa as suas

forças misturadas com a prudência, porque esta sozinha não bastava, e aquelas ou não levam a

termo a ação política ou, se a levam, não mantêm os resultados obtidos (MAQUIAVEL, 2010,

pp. 51). A prudência política adianta o remédio que se faz necessário em tempo de guerra.

E se vós dissésseis: “Nós recorreremos ao rei!,” parece-me que vos disse também

isso: que o rei não está disposto a defender-vos, porque as circunstâncias não são

mais as mesmas; e se nem sempre se pode lançar mão à espada de outrem, no

entanto é bom ter uma [própria] espada ao lado cingi-la quando o inimigo estiver

213

MACHIAVEL, N. Le Travail in l‘oeuvre. Galimmard, 1972, pp. 246-368. 214

Na antiga república romana optimate era o membro da aristocracia, e por extensão de sentido passou a

significar qualquer indivíduo poderoso, muito rico e influente, de qualquer nação. 215

Estão representadas aqui as três formas de governo que aparecem em Aristóteles e também em Políbio: a

monarquia, a aristocracia e a democracia.

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distante, pois que de outra maneira não se terá tempo e nem se achará remédio

(MAQUIAVEL, 2010, pp. 52).

No cerne desta postura encontra-se uma forma de conceber a lei que podemos

caracterizá-la como fortemente influenciadora do modelo atual, no qual a lei é tida como um

instrumento de poder, usada na intenção de imperar coercitivamente uma determinada

conduta. O Papa Alexandre VI e seu filho, o Duque Valentino assim procediam. Dessa forma

a lei é exercida como representação da vontade do príncipe, instaurando dois mundos: a saber,

o mundo da moral e o mundo do direito, da justiça. O primeiro pertence ao estado do dever

ser, já mencionado, do abstrato. Já o segundo está relacionado ao externo, ao público, sendo o

espaço do ser (VIDAL, 2010, pp. 113).

Maquiavel, deste modo, mantendo firme no propósito de resgatar as ordenações e a

formação militar [especificamente sob o vértice do modelo romano], bem como de

demonstrar que em seu tempo ou se esquecera ou não se aprendera o tratamento oportuno

para com o povo, provavelmente por negligência com os exemplos dos antigos, relata ele

sobre a ordenação dos romanos a seguinte premissa

digo, portanto, que do texto de Lívio se percebe que o exército romano tinha três

divisões principais, que em toscano diríamos fileiras [schiere]; à primeira davam o

nome de hastados; à segunda, de príncipes; à terceira, de triários; cada uma delas

tinham seus cavaleiros. (Discursos, II, 16, p. 232-233).

Ou em tese, a importância do povo, e do reconhecimento de uma virtude própria

pode ser admitida entre os comentadores de Maquiavel, ao menos é o que se previu no

entendimento de Ames no sentido de que a (2005, pp. 2),

[...] criação de uma “milícia cidadã” que é onde, segundo Maquiavel, melhor se

constata a importância do povo na criação de um Estado forte. É na defesa da pátria

que o povo participa de modo mais elevado dos negócios públicos de modo que o

cidadão maquiavelano é, fundamentalmente, um cidadão soldado: o exercício da

cidadania implica o serviço militar.

2.3. O povo e sua virtù216

: força e armas desembocam na manutenção do

poder e da liberdade

A guerra tem a ver com os homens, com o dinheiro, com o governo e com a sorte; e

quem tem mais dessas coisas, deve-se crer, vencerá a guerra (MAQUIAVEL, 2010,

pp. 95). Lê-se ainda no capítulo IX de O Príncipe: "Pois, em todas as cidades,

existem esses dois humores diversos que nascem da seguinte razão: o povo não

216

Em relação a análise do “povo em Maquiavel” pode-se consultar: Cf. SANTOS, L. M. A virtù do povo na

filosofia de Maquiavel. In: Dissertação de Mestrado apresentada a Universidade de São Paulo (USP), 2011, pp.

10-61.

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quer ser comandado nem oprimido pelos grandes, enquanto os grandes desejam

comandar e oprimir o povo; desses dois apetites diferentes nascem nas cidades um

destes três efeitos: principado, liberdade ou licença" (MAQUIAVEL, 2010 [2], pp.

109-118).

A liberdade, enquanto teleologia da política é resultado do confronto - popolo versus

grandi. Neste interregno se dá a efetivação do controle social. Maquiavel observa e escreve

atentamente sobre a relação existente entre estes dois humores sociais, pois os primeiros não

querem ser oprimidos, já os segundos vivem da opressão aos primeiros. É esta relação que se

faz importante analisar, pois dela, é que nascem os exércitos, ou seja, é do popolo que se

recrutam homens, sobre a proteção de Deus e de São João Batista para servir, com disciplina e

patriotismo a cidade de Florença, "pois ao povo importa a estabilidade política, que só pode

ser dada pelo príncipe virtuoso, independentemente dos meios que ele utilize" (WINTER,

2006, pp. 127).

O exercício da guerra deveria ser uma tarefa dirigida pelo Estado, ao invés de ser

comandada por homens que a fizessem como profissão, como os mercenários.

Segundo Maquiavel, nenhum homem bom pode exercer a arte da guerra como sua

arte particular, pois não pode ser julgado como bom aquele que exerce algo que para

lhe ser útil o obrigue a ser rapace, fraudulento, violento e outras qualidades que o

tornem não bom. (MAQUIAVEL, 2006, pp. 11)

Como perceber, neste sentido, a prontidão de um cidadão em entregar-se pela pátria?

Como mensurar a virtù de alguém do povo ou seu vicio no tocante a sua disposição para a

vida militar? "Para Maquiavel são considerados como vícios tudo aquilo que impede o

homem de engajar-se na defesa da liberdade como bem coletivo: o ócio, a inveja, a ingratidão,

o egoísmo" (AMES, 2008, pp. 6).

A política, enquanto “arte e técnica” – foi “manuseada como ninguém” por

Maquiavel217

. Na verdade o florentino tornou-se um sujeito de ação política na medida em

que observou o seu tempo com "pluridimensionalidade". Isso porque registrou cada momento

de sua análise as diversas relações e os significados dos contextos históricos que se passavam.

Portanto, formou uma base empírica de análise muito antes da proposta baconiana da teoria

dos idola e da própria exigência do empirismo moderno. Acrescentaríamos ainda a sua

capacidade mediadora de analisar os fatos, não sendo “neutra” em sua proposta de fazer

política. Isto porque, de forma alguma, o discurso político pode ser neutro. Maquiavel propôs

uma ação política emancipatória, pois ele, e posteriormente os que o interpretaram, tiveram

217

Cf. VALVERDE, A. J. R. "Maquiavel: A política como técnica". In: Hypnos. n. 4. São Paulo: Educ: Palas

Athena, 1998, pp. 37-46. Sobre Maquiavel "intérprete", conferir LEFORT, C. As formas da História: ensaios

de antropologia política. São Paulo, Brasiliense, 1979, pp. 159ss.

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que travar um luta “ideológica” tanto no interior dos aparelhos institucionais renascentistas,

quanto fora deles, onde se constituiu uma realidade para a “efetiva verdade das coisas”218

.

Neste cenário: popolo versus os grandi destaca-se a qualidade humana vista por

Maquiavel, uma habilidade que ele define como virtù

Falar em virtù do povo na obra O Príncipe pode causar um certo estranhamento.

Mas a nossa tese é de que mesmo não havendo a expressão “virtù do povo” no

Príncipe, o povo aparece nesta obra também como agente político e, portanto, com

capacidade de ação, de influência nas ações do príncipe e nos destinos do

principado. Tendo em conta o atributo essencial da virtù – a ação positiva, criativa,

de transformação - parece-nos que mesmo no contexto político do Príncipe o povo

exerce a virtù (SANTOS, 2011, pp. 63).

De um jeito quase despretensioso do ponto de vista filosófico, sem rebrusqueios na

escrita, o florentino adquiriu um interessante marco para a política moderna, sobretudo,

porque no Príncipe, ele se propõe a fazer política de um modo inovador – partindo da “nudez”

e crueza dos fatos, sem mediação do cenário medieval e das virtudes cristãs, como assim se

fazia durante alguns séculos sem tanta preocupação de demarcar o que era laico e o que era

religioso. Tratar da virtù do povo é uma novidade que traz importantes consequências para o

cenário político renascentista e democrático atual. Há também, como se acenou algumas

vezes no texto, um sacrifício entre ética e a política, um desvincular, que no dizer de Benedito

Croce era necessário para que o ideal político se tornasse uma espécie de areópago

(ESCOREL, 1956, pp. XIII).

Outra questão de mediação entre popolo e os grandi dá-se na força institucional da

religião. Está na religião uma intrépida força de interesse e de manutenção dos homens pelas

empresas (MAQUIAVEL, 2007, pp. 57), isso demonstra para o Florentino o "quanto se pode

ganhar usando bem a religião" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 64). Religião também é boa ocasião

para os governantes219

.

218

"Para Maquiavel, um príncipe não deve medir esforços nem hesitar, mesmo que diante da crueldade ou da

trapaça, se o que estiver em jogo for o bem do seu povo" (WINTER, 2006, pp. 120). 219

"[...] Para Maquiavel a religião é parte do jogo do poder político e participa dos altos e baixos dos processos

históricos. A religião equipara-se a outros fatores não religiosos, e está situada no nível da imanência – é, como

na tradição romana, de Cícero ou Varro, a 'religião civil'. [...] É puramente a parte e a face “exterior” da religião

que têm de funcionar, independentemente de qualquer questão de “verdade”. É a efetividade social que conta: a

constância dos procedimentos rituais, a estabilidade das hierarquias, o trabalho das forças vinculantes

provenientes do interior, etc. [...]a religião é forte em termos de estabilidade social e fraca em termos de política,

mas a política é forte onde é capaz de “usar” a religião para seus propósitos (fins). Mas, para ser usada, uma

religião tem de ser diferente da religião dos “cristãos”, qual se orienta para o outro mundo". Cf. LEINKAUF, T.

"O conceito de religião no início da filosofia moderna, três exemplos: Maquiavel, Cardano e Bruno". In:

Conjectura: Filos. Educ., Traduzido do alemão por Luiz Carlos Bombassaro. Caxias do Sul, v. 19, n. 3, p. 14-

35, set./dez. 2014, pp. 24-26.

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Há muita reflexão sobre o pensamento de Maquiavel sobre o definição, o local, a

função, enfim, sobre a importância da religião na efetivação do Estado moderno, da política

dos fatos. Retomando o conceito de força, pode-se dizer que a religião é um espaço excêntrico

de força social, sobretudo porque nela se encontra a "crença nos milagres" (MAQUIAVEL,

2007, pp. 53). Nos Discorsi220

, no Livro I, entre os Capítulos 10-16, Maquiavel desenvolve a

ideia de que entre os fundadores de república, destacam-se "os cabeças e ordenadores de

religião" (MAQUIAVEL, 2007, pp. 44). O conceito mais contundente utilizado por

Maquiavel é o de instrumento, ou seja, a religião é um instrumento de manutenção do poder e

da liberdade, ela, de fato, "facilita a política".

Maquiavel se refere à religião como um instrumento que pode facilitar a criação e a

conservação do Estado. O governante, seja quem for, pode valer-se do temor do

castigo divino para induzir os súditos ou cidadãos a respeitar as leis civis tanto

quanto os mandamentos de Deus (SANTOS, 2011, pp. 79).

A religião se torna um aspecto social agregado à disciplina do povo, porquanto não

careça de ser ao mesmo tempo uma forma de legitimação do poder. Em outras palavras, a

religião condiciona a virtù221

.

Maquiavel sublinha que nenhum Estado sobrevive sem a religião. Não porque se

sustente pela fé ou pela crença em Deus. A sua razão está na finalidade que lhe é

externa, qual seja, um devotamento dos súditos à pátria e às causas cívicas. Desta

maneira, o temor a Deus pode ser um importante meio do qual o monarca pode se

utilizar para tornar o povo mais aderido ao Estado, o que, em última análise, facilita

a sua administração (WINTER, 2006, pp. 124).

A religião é uma caminho de "adestramento" para a vida do Estado. Leinkauf

escreve que Maquiavel vê "uma reciprocidade direta entre uma religião viva e suas atividades

ritualísticas específicas – il culto divino – e o funcionamento da sociedade" (2014, pp. 22).

Refletindo sobre a religião dos romanos, Maquiavel elogia a sabedoria de Numa Pompílio que

percebeu que não bastava somente o juramento civil, havia a necessidade do juramento

religioso (MAQUIAVEL, 2007, pp. 48-49). Isso porque

onde religião, facilmente podem introduzir armas; e, onde houver armas, mas não

religião, esta com dificuldade poderá ser introduzida [...] concluo que a religião

introduzida pelo romano Numa Pompílio foi uma das principais razões da felicidade

daquela cidade, pois ensejou boas ordenações; as boas ordenações trazem/atraem

220

MAQUIAVEL, N. Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. Tradução MF, São Paulo: Martins

Fontes, 2007. 221

A religião é um espaço de legitimação de poder. O Estado investe através da religião como força sutil de

doutrinação, ao ponto de não ser de utilidade à liberdade individual. Neste sentido, "Maquiavel acreditou que o

cristianismo era boa religião para escravos e bem entendidos” conforme: LOPES, M. A. "Tempo e História em

Maquiavel". Revista Locus, Juiz de Fora, v. 9, n. 2, 2003, pp. 64.

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boa fortuna, e da boa fortuna nasceram o bom êxito das empresas (MAQUIAVEL,

2007, pp. 50-51)

Assim sendo, para entender e ampliar o significado de virtú do povo é necessário

antes decifrar o significado e a ideia de povo nas obras de Maquiavel. O povo é o fundamento

de onde se cria as resistências do poder. É pelo povo e para o povo que se faz política. É a

partir do conceito de povo que se vislumbra a amarração dos termos – liberdade222

, força,

armas e exército, que até então foram esboçados.

Numa passagem de Le Travail de l‟oeuvre Machiavel, Lefort deixa claro, pela sua

interpretação da filosofia maquiaveliana, que o povo e os grandi, enquanto pólos em

conflito, são elementos permanentes da vida política e não podem ser subsumidos

por nenhum acordo ou contrato que restauraria a unidade do todo. Não há unidade a

ser restaurada. Os dois pólos só existem em confronto determinando-se mutuamente

(SANTOS, 2011, pp. 30)

Pode-se compreender o povo e sua virtù em quatro momentos no pensamento de

Maquiavel: primeiro em relação a república popular, em segundo lugar em relação ao modo

de governo, em terceiro, no que diz respeito ao serviço militar e por fim, no que concerne a

religiosidade. Tendo como pano de fundo que o contraste entre os grandi e o povo não é

solucionável, pois eles só existem no conflito, e é neste que a sociedade se mantém, portanto,

a unidade é uma utopia, sendo o que nos resta é a compreensão de quem são os pactuadores

destes dois pólos sociais.

Segundo McCormick

Maquiavel também usa o termo "povo" de modo intercambiável com “popolani”,

plebe, “ignobili”, a multidão e a universalidade; ele geralmente o entende como o

conjunto dos cidadãos mais pobres de uma república que não são membros do

patriciado ou classe rica223

.

Ou ainda

o povo é, em última instância, o árbitro da liberdade no regime. Segundo Maquiavel,

ele merece essa posição simplesmente porque é mais confiável do que a nobreza ou

os notáveis. De acordo com a distinção mencionada acima, entre os apetites das

elites e os apetites populares, o povo não usará tal poder para dominar, mas apenas

para se defender contra a dominação (Machiavelli, 1997 [1531], I, 5; I, 46).

O termo povo pode ser entendido sob dois significados, um geral e outro específico:

civitas ou segmento social. A pesquisa de SANTOS sobre três obras de Maquiavel –

222

Neste aspecto, a liberdade para Maquiavel estava vinculada ao conflito que se traduzia em leis e instituições

políticas que garantiam o compartilhamento do poder político entre os grandi e o povo (SANTOS, 2011, pp. 37). 223

Cf. McCORMICK, J. P. Machiavellian Democracy. University of Chicago, 15/09/2009. Disponível em:

<http://ptw.uchicago.edu/McCormick09.pdf>. Acesso em 20 de maio de 2013.

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Discursos, O Príncipe e a História de Florença – revelou em relação a este tema que os dois

significados estão presentes no pensamento deste filósofo, mas há mais ocorrências224

do

segundo significado que do primeiro (SANTOS, 2011, pp. 10-61).

ESPINOSA, em relação ao humor do povo, disse de Maquiavel

talvez Maquiavel tenha querido, também, mostrar quanto a população se deve

defender de entregar o seu bem-estar a um único homem que não seja apto e capaz

para julgar e agradar a todos, que tenha o dever de constantemente recear qualquer

conspiração e, por isso, vê-se obrigado a preocupar-se consigo próprio, e, assim, a

enganar a população, em vez de a salvaguardar. E estou tanto mais disposto a julgar

assim acerca da habilidade deste autor quanto mais se concorda em considerá-lo um

partidário constante da liberdade e quanto, sobre a maneira necessária a conservar,

ele deu opiniões muito salutares (ESPINOSA, 1973, pp. 329)225

.

Neste texto pode-se observar uma ideia muito forte da modernidade e de nossos

tempos. O povo não deve entregar sua liberdade, suas vidas nas mãos de um único homem.

Porém, há um detalhe no texto espinosiano, onde se lê: "há não ser que seja apto e capaz de

agradar a todos", ou seja, aquele que tenha a lucidez política de não deixar torpes

conspirações malograr a finalidade de suas ações. O grande detalhe do realismo político é que

ele ainda denuncia a aparência do ator político. Espinosa denomina este aspecto de engano a

população, que por usa vez não a salvaguarda, ao contrário, a engana. O que deve o povo, de

fato fazer? Maquiavel, nas penas do relatório afirma que

“pais Conscritos, o que no Lácio devia ser feito pela guerra e pelas armas, tudo pela

bondade dos deuses e pela virtude dos nossos soldados, foi levado a termo. Os

exércitos inimigos tiveram o seu fim em Pedo e Ástura; todas as terras e as cidades

latinas e Âncio, cidade dos Volscos, tomadas pela força ou pelos pactos, estão nas

vossas mãos. Resta-nos agora decidir – porque se rebelando com freqüência elas nos

colocam em perigo – como nós devemos no assegurar em relação a elas no futuro,

ou tornando-nos cruéis com eles, ou perdoando-os livremente. Os deuses vos

fizeram onipotentes para poder deliberar se deve manter o Lácio ou não, e para

poder perpetuamente mantê-lo com segurança” (MAQUIAVEL, 2010, pp. 45)226

.

Na obra O príncipe predomina o significado de povo como segmento social. Não se

encontrou nenhuma ocorrência com o sentido de civitas. O termo com o significado de

segmento social encontra-se nos seguintes capítulos: cap. 8, cap. 19, cap. 24. Na História de

Florença encontramos mais de 200 ocorrências do termo povo, predominando também o

significado de segmento social. Maquiavel tem claro a importância do conceito de povo para a

realização de um grande projeto político. O grande problema é como manter os conflitos, as

224

Nos Discorsi, segundo SANTOS, encontramos o seguinte resultado: ocorrem 72 vezes o significado de

civitas e 130 vezes o significado de segmento social. 225

Cf. ESPINOSA, B. Tratado político. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 329. 226

Conforme a obra citada, o que se segue é a tradução da tradução que Maquiavel fez do texto de Tito Lívio.

Sobre o relatório - "Do Modo de Tratar os Povos Rebelados do Valdichiana (1503)".

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inimizades, sem destruir a sociedade, sem a supremacia de um segmento social sobre outro.

Maquiavel dá uma resposta ao afirmar que os conflitos, as disputas em Roma, por exemplo,

diferentemente do que acontecia em Florença, evitavam a participação exclusiva de um

segmento social através de leis que possibilitavam o compartilhamento do poder político

(SANTOS, 2011, pp. 10-11).

Mas, como manter a estabilidade política de um Estado numa sociedade

contraditória, como o conflito entre os grandes e o povo? Evidentemente, a

existência da política pressupõe unidade, concórdia. Entretanto, esta unidade

política, necessária para a existência do Estado, nunca pressupõe aniquilação do

conflito social. O Estado só se mantém quando consegue dar vazão ao conflito de

desejos. Reduzi-lo à unidade, à concórdia, o enfraquece e o torna inseguro, sublinha

Maquiavel (WINTER, 2006, pp. 126).

Nos Discorsi estariam evidentes as relações entre a virtude cívica e a virtude

militar227

. É nesta obra que Maquiavel deixa claro a importância do povo na defesa e

manutenção da cidade. É aqui que se desenrola o principal foco de nosso interesse, ou seja,

como encontrar e disciplinar homens para a vivência militar? E disso decorre que o ponto

central da análise maquiaveliana, de acordo com POCOCK, reside na ideia de que a virtude

militar seria o veículo para se passar da massa popular a uma comunidade de cidadãos ativos,

alimentando o sentimento cívico necessário ao florescimento da liberdade e da grandeza da

república (POCOCK, 1975, pp. 132).

Força, armas, leis e exército não são pontos desconexos, precisam do patriotismo

como elo de ligação suprema entre eles. Somente patriotas manuseiam bem armas por amor à

pátria. De igual modo, patriotas respeitam as leis promulgadas por seu soberano. Somente

patriotas defendem com a “alma” a sua pátria. Portanto, a teoria da força é mais ampla,

porque se trata de um disjuntivo de escolha para ação de uma República. As armas esperam

quem as manuseiam. Mas o exército deve ser galgado por homens locais, com amor a Pátria.

Deste modo, a teoria do exército próprio esta na base das ações urgentes de Maquiavel

Secretário de Florença.

E de novo vos replico que sem força as cidades não sem mantêm, mas chegam a seu

fim. E o fim ou é pelo seu abandono por parte de sua população, ou pela servidão.

Neste ano vós estivestes perto de um e de outro, e neles incorreram de novo se não

mudardes de opinião. Eu vos advirto, não digais depois: “Isso não me foi dito!” E se

replicardes: “Que necessidade há de forças militares? Estamos sob a proteção do rei

[O rei da França ao qual Maquiavel se refere aqui é Luís XII; Op. cit, pp. 51], e

227

"Malefijt menciona, entre as principais características do ser humano mencionadas por Maquiavel, a ambição

e a credulidade. É a partir delas, pelo menos, que o príncipe deve estabelecer regras de conduta, tomando como

base seu conhecimento da natureza humana e das motivações do homem" (SOUZA, 2007, pp. 2-3). Cf.

MALEFIJT, A. de W. Imágenes del hombre: historia del pensamiento antropológico. Buenos Aires:

Amorrortu, 1983, pp. 52.

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139

nossos inimigos estão liquidados! O Duque Valentino não tem motivo para nos

atacar!” Poder-se-ia dizer-vos que tal opinião não poderia ser mais temerária. Porque

todo Estado, toda cidade deve reputar inimigo todos aqueles que podem ter

esperanças em poder ocupar o que é seu, e de quem eles não podem se defender.

Nem houve jamais nem senhor, nem república sábios que quisessem manter seus

Estados à discrição de outros, ou que assim mantendo-o lhes parecesse tê-los em

segurança. Não nos enganemos sozinhos, examinemos melhor a nossa situação e

comecemos a observá-la seriamente. Vós vos vereis desarmados, vereis vossos

súditos sem confiança e disso, há poucos meses, já experimentastes. E é razoável

que assim seja, porque os homens não podem, e nem devem, ser servos fiéis daquele

senhor pelo qual eles não podem ser nem protegidos nem governados. Como vós

pudestes ou podeis governar o sabem Pistóia, a Romanha e Barga, lugares que se

tornaram ninhos e receptáculos de todo tipo de abuso e furto. Como vós pudestes

defendê-los o sabem todos aqueles lugares que foram assaltados. E não havendo

agora nesses lugares mais ordem do que havia antes, deveis crer que eles não

mudaram nem de opinião nem de ânimo. Nem vos podeis chamá-los vossos chamá-

los vossos súditos, mas sim daqueles que estarão entre os primeiros a vos atacar

(MAQUIAVEL, 2010, pp. 51-52).

É nesta chave do “patriotismo” que POCOCK interpreta a célebre declaração de

Maquiavel de que em uma república expansiva deve-se confiar ao povo a “guarda da

liberdade”. Maquiavel teria em mente a disposição do povo para lutar em exércitos pela

defesa da pátria. A guerra em defesa da pátria seria a arena privilegiada de realização do tipo

de virtude que a república demandaria do cidadão comum (POCOCK, 1975, pp. 133).

Em todo o caso, a participação na república de caráter popular dá mais qualidade à

virtù popular que se revela mais apta que a do governante para a conservação deste

tipo de regime. Pode-se afirmar que há uma acepção republicana do tema virtù

presente principalmente nos Discursos. Por isso afirma-se que a “virtù é a

capacidade, tanto dos governantes como dos cidadãos, de referir sua ação a valores

republicanos, que são universais no campo da política. Mas esses valores só se

realizam no enfrentamento dos desafios específicos de cada situação” (SANTOS,

2011, pp. 22)228

.

Nos Discorsi Maquiavel argumenta entre os capítulos quarto e sexto, que são

eminentemente a base de sua concepção militar, que o conflito entre o povo e os nobres fez

emergir a força e a solidez da república romana. Na desunião entre a plebe e o senado fez

surgir em Roma as boas leis e Maquiavel acrescentou que toda forma de tumulto e não

concordância discursiva na civitas levava a mesma à ruína229

. Os tumultos em Roma sempre

tiveram como resultado a geração de leis para controlar os humores.

O conflito é insistentemente afirmado nesta pesquisa como positivo na obra

maqueveliana, pois segundo Martins, ele representa uma espécie de remédio para manter a

vitalidade e a saúde do corpo político (MARTINS, 1998, pp. 91). Mas a valorização do

228

Cf. ANDRADE, R. de C. “O indivíduo e o cidadão na história das ideias”. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 64452002000200003#tx93>. Acessado em 20

de janeiro de 2014. 229

SASSO, G. Niccolò Machiavelli, storia del suo pensiero politico, 1980, pp. 518.

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coletivo não desemboca em nenhum tipo de tirania. A convivência dos dois coletivos sociais

numa relação perpassada pelos conflitos sem supremacias é, para Maquiavel, essencial para a

preservação da liberdade republicana.

A virtù popular cresce em qualidade quando mediada pelas leis. Como afirma

Nunes230

, “a virtù popular é fruto também das instituições políticas em sua

capacidade atualizada de ordenar a multidão em povo”. Se houver uma boa

ordenação o povo terá maior capacidade de agir com “alto grau de acerto e

adequação em suas escolhas (SANTOS, 2011, pp. 48).

No centro da relação conflituosa está na base, o servilismo, ou seja, os que oprimem

e os que são oprimidos, e principalmente os que aceitam ser oprimidos. Nem sempre a história

fez com que a opressividade sobressaísse e por isso que o povo é importante neste tópico que

antecede a formação do exército, pois os humores do povo são essenciais para a vida política,

e eles quando conjugados com os humores dos grandes ratificam e constroem uma grande

república (MAQUIAVEL, 2007, pp. 22).

Outra manifestação da virtù no comportamento coletivo aparece ainda nos Discorsi:

aquela que implica a realização dos sacrifícios necessários para a defesa da pátria, da

liberdade e das instituições republicanas. Qual a virtù a se esperar do povo? Apenas

estas citadas, pois o povo deseja somente não ser oprimido. A virtù se manifesta no

povo, portanto, como a fidelidade às instituições livres e republicanas. Não há aqui

uma dimensão ética explícita: ela está “embutida” na identificação que Maquiavel

faz entre liberdade, grandeza do Estado e prosperidade unidas num mesmo povo

(KRITSCH, 2010, pp. 36).

No que se refere à cultura e educação, por exemplo, Najemy afirma que a

capacidade de ler e escrever foi universal nas corporações de ofício e se estendeu a grandes

números de artesãos não participantes de corporações, a mulheres e funcionários. Os

membros do popolo (lojistas, artesãos, notários, etc...) encontraram nas corporações uma

identidade cultural. Digno de nota é o fato de as corporações favorecerem a experiência

republicana em pequena escala. Escreve Najemy

Cada corporação tinha realmente uma estrutura republicana em escala modesta na

qual a autoridade exercida por cônsules e conselhos era autorizada pelos próprios

membros da corporação. Uma estrutura tão autônoma foi, na língua de juristas

medievais, uma universitas, uma associação legalmente reconhecida levada a cabo

pelas promessas mútuas e os juramentos dos seus membros (NAJEMY, 2006, pp. 130-

132).

O que Maquiavel pretendia acentuar era a divisão do corpo político. Pois, como

escreve LEFORT (1979, pp. 144), “a sorte da divisão social se decide em função do modo de

230

NUNES, E. A política à meia luz – Ética, retórica e ação no pensamento de Maquiavel. São Paulo: Educ,

2008, pp. 85.

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divisão do poder e da sociedade civil...”. Ou seja, a questão da participação no poder, e

portanto a questão política se colocava para Maquiavel como fundamental na relação entre os

dois pólos. O que Najemy afirma sobre o popolo na época de Maquiavel nos auxilia para um

melhor entendimento deste termo na filosofia maquiaveliana: tanto lá como em qualquer

contexto histórico, o status político é elemento determinante para entender o significado de

popolo231

.

Segundo Adverse232

talvez o desinteresse que Maquiavel parece atribuir ao povo em

determinadas passagens de suas obras não seja atribuível a ele, como autor, mas ao

povo florentino. E os dirigentes florentinos não seriam os responsáveis por esta

situação já que a qualidade de um povo se mede pelas instituições políticas? O povo,

pois, tem interesse já que é a sua vida que está em jogo. Está atento às ações do

príncipe/governante no que se refere à realização do seu desejo (SANTOS, 2011, pp.

73).

Numa passagem de Le Travail de l‟oeuvre Machiavel233

, LEFORT, (1927, pp. 381-

382) deixa claro, pela sua interpretação da filosofia maquiaveliana, que o povo e os grandi,

enquanto pólos em conflito, são elementos permanentes da vida política e não podem ser

subsumidos por nenhum acordo ou contrato que restauraria a unidade do todo. Não há

unidade a ser restaurada. Os dois pólos, como se viu, só existem em confronto determinando-

se mutuamente em forma de tentativa de compreensão dos atos institucionais, tais como o

próprio governo e o stato234

.

Os outros costumam tornarem-se sábios com os perigos dos vizinhos, vós nem com

os vossos. Não confiais em vós mesmos, não sabeis o tempo que vós perdeis e que

vós perdestes, pelo qual vós ainda haveis de chorar em vão, se não mudardes de

opinião. Pois vos digo que a fortuna não muda de sentença se não se muda o critério;

nem os céus querem, ou podem, sustentar algo que quer, de qualquer maneira,

arruinar-se. Eu não posso crer que seja assim, vendo-vos florentinos livres, e estando

em vossas mãos a vossa liberdade, pela qual creio que vós tereis aquele respeito que

sempre teve quem nasceu livre e deseja viver livre (MAQUIAVEL, 2010, pp. 53-

54)235

.

231

"Partindo do princípio de que natural é somente a mudança e não a permanência das coisas e que, portanto, a

ação política é sempre movida pela transitoriedade, pela mutabilidade, Maquiavel retém as formas legítimas e

ilegítimas de poder da tradição, mas elimina o princípio de poder natural dos poderes hereditários". Cf.

WINTER, 2006, pp. 123. 232

ADVERSE, H. Maquiavel: Política e Retórica. São Paulo: Humanitas, 2009, pp. 53. 233

LEFORT, C. Le Travail de l‘oeuvre Machiavel. Paris: Gallimard, 1972, pp. 381-382. 234

Para Chabod (1990, pp. 556), Maquiavel utiliza o termo stato da mesma forma como nós o utilizamos. Com

a distinção entre governo e stato, dá para perceber que, além de distinguir os dois termos, Maquiavel ainda

utiliza stato de forma mais ampla, um uso correspondente à acepção moderna. Por outro lado, diferentemente de

Aristóteles, para Maquiavel, o Estado não tem como função principal assegurar a felicidade e a virtude. Ao

contrário do pensamento medieval, este Estado não é mais a preparação dos homens para o reino de Deus. O

Estado passa a ter a sua própria dinâmica, faz política, segue sua técnica e faz suas leis. 235

Confirma "Discurso sobre a ordenação do Estado de Florença para as armas (Os motivos da Ordenança, onde

encontrá-la e o que é necessário fazer) 1506".

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Maquiavel parece seguir a tradição humanista quando apresenta nos dois primeiros

capítulos do Livro I dos Discursos a definição de liberdade. No Capítulo 1 escreve que são

livres os homens que não dependem de outros. No Capítulo 2 completa a definição de

liberdade afirmando que agir livremente é governar-se “por seu próprio arbítrio” (SANTOS,

2011, pp. 27). No entanto, segundo BIGNOTTO

A definição da liberdade serve muito mais para responder a certas exigências de uma

história tradicional das ideias do que para compreender o sentido da obra. Parece-nos

que devemos tomar as primeiras afirmações do texto muito mais como um convite à

exploração de seus mistérios, do que como uma exposição sistemática de seus

principais conceitos236

.

Assim sendo, os que farão parte do exército próprio de Florença saem do povo, são

tirados do povo, tem a sede primordial de liberdade, lutam por ela para si e para os seus. A

seguir, veremos como o florentino enfatiza a eleição e a convocação dos que serviriam o

exercito próprio florentino. Entra em cena a questão do soldo.

A população, privadamente é rica porque vivem como pobres, pois não constroem

nem se vestem [com riqueza], nem as conservam em casa. Para eles basta que haja

fartura de pão e carne, e ter uma estufa para afugentar o frio; e quem não tem outras

coisas vive sem elas e não as procura. Gastam para se vestir dois florins em dez

anos, cada um vive proporcionalmente às suas condições, e ninguém fica contando o

que lhe falta, mas aquilo de que necessita; e suas necessidades são bem menores do

que as nossas. É por isso que não sai dinheiro de seu país, pois se contentam como o

que ele produz. E no seu país sempre entra dinheiro de quem deseja comprar suas

mercadorias, trabalhadas manualmente, com as quais abastecem quase toda a Itália.

E o seu ganho é maior na medida em que, em grande parte, provém das suas

manufaturas ou de trabalhos manuais, com pouco gasto com outros materiais. E

assim gozam dessa sua vida rude e livre [...] (MAQUIAVEL, 2010, pp. 97).

2.4. A formação do Exército próprio de Florença: As provisões da

República de Florença para instituir o Magistrado dos Nove Oficiais da

ordenança e milícia florentina237

Maquiavel descreve, de modo mais enfático, nos I Primi Scritti Politici e no

Príncipe, a constituição do exército modelo para Florença e para a Itália. Tem dois grandes

modelos em verificação: o alemão e principalmente o francês. Já é certo que a insistência de

exércitos mistos ou mercenários trouxe sempre grandes malefícios para quem os contratou.

236

BIGNOTTO, N. Maquiavel Republicano, pp. 80 apud SANTOS, 2011, pp. 27. 237

"Provisões da República de Florença para instituir o Magistrado dos Nove Oficiais da Ordenança e Milícia

Florentina". In: MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio

Kurt Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da

Administração, FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010, pp.

59-69.

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Maquiavel, enquanto observador, relata que a disciplina e a ordem são características destes

modelos de exércitos que servem à suas pátrias.

Coragem e obstinação” não são presentes dos céus. São frutos de uma educação para

a cidadania que cultiva nos homens as virtudes imprescindíveis para a vida política.

Estas qualidades não são boas em si ou porque podem ser instrumentos para o

aperfeiçoamento moral dos indivíduos, mas porque fazem com que os homens sejam

capazes de assumir a vida política como tarefa sua (AMES, 2008, pp. 150).

Nos Scritti Politici desenvolve o relatório de como se constitui o Magistrado dos

Nove Oficiais da ordenança da Milícia Florentina. Torna-se importante esta descrição,

primeiro porque o florentino frisa o esquema e a habilitação dos que servirão aos interesses do

Estado. Homens dispostos a disciplina e ao patriotismo, tais quais os alemães e franceses,

sobretudo estes segundos. Portanto, o que se vê a seguir é a "Primeira Provisão238

para as

infantarias em Florença, de 6 de Dezembro de 1506, denominada de Militie Florentine

Ordinatio".

Os Nove poderão, para alistar os homens, como se disse acima, e para inspecionar

os exercícios e as paradas militares na maneira como se dirá adiante, eleger e enviar

para fora da podestade ou da capitania seus comissários, com o salário não maior do

que um ducado de ouro por dia, que será pago da maneira e por quem paga os

comissários que são eleitos no Conselho dos Oitenta .

Sobre esta visão unívoca nas obras de Maquiavel, sobre o conceito de exército e de

homens para as milícias, pode-se dizer que

As obras de Maquiavel não trazem uma contradição em si, mas uma

complementaridade para a realização do projeto político da Itália, com o propósito

de tornar a nação forte e soberana (SGANZERLA, 2004, pp. 54).

O objetivo de Maquiavel, tanto como Secretário, como Observador, e como teórico

político é a unificação da Itália. Seus escritos tem esta finalidade. Mas, sobre esta questão da

coerência teórica nas obras de Maquiavel, Helton Adverse comenta na sua apresentação da

obra maquiaveliana em A arte da Guerra e diz que “Vida militar e vida política são

identificadas no pensamento maquiaveliano, e para provar essa afirmação, bastaria lembrar

que com frequência nos escritos de Maquiavel, especialmente nos Discursos, o cidadão mais

virtuoso é também o melhor guerreiro..." (ADVERSE, 2006, pp. 43, In MAQUIAVEL, A

Arte da Guerra). A cidadania passa pelo humor e pela virtù da coragem. Ocorre o controle

dos desejos insanos, da desordem que a natureza humana sofre estando a mercê do convívio

238

Bignotto ressalva a força das provisões quando afirma a reesignificação da retórica em tom e uso político

agregado ao uso da força pelas armas e pelo bom exército (BIGNOTTO, 2000, pp. 49-57).

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social. Neste sentido, o bom cidadão é o bom militar, isto porque em ambos se encontram o

amor pela pátria enquanto resultado de uma fina educação para a civilidade.

A educação é pensada por Maquiavel como uma força destinada a controlar a

desordem inerente ao movimento tanto do desejo quanto da natureza.

Evidentemente, a educação não é capaz de conter o movimento. Afinal de contas,

tanto o desejo quanto a natureza são propulsores de um movimento "necessário",

quer dizer, inerente às coisas. Graças à educação, o homem é capaz de conhecer a

"natureza das coisas", isto é, saber o que as coisas são "desde sempre" (AMES,

2008, pp. 142).

"Saber o que as coisas são desde sempre" é uma novidade no pensamento político de

Maquiavel. A educação do bom cidadão e do bom militar desemboca na habilidade que este

vai ter para com o poder das armas239

. O que explica esse poder das armas é o fato de elas

constituírem a possibilidade privilegiada de participação na vida pública para os cidadãos.

Não é difícil ver que Maquiavel está criticando os dirigentes florentinos por suas posições

aristocráticas. Embora o medo que eles tinham de armar os cidadãos pudesse ter um matiz

patriótica (alguém poderia se servir da milícia para tornar-se tirano), esse mesmo medo

afastava da vida pública os cidadãos, os quais raramente encontram melhor oportunidade para

exercer sua cidadania do que a guerra. Mas por que a guerra? Porque nela está em jogo a

conservação do corpo político e, por isso, guerrear é uma maneira de refazer o laço político,

repetindo o gesto inaugural da fundação240

. Sendo assim

a insistência de Maquiavel na formação de um exército próprio decorre de sua

concepção política: nenhum Estado alcança a grandeza sem um exército forte

constituído a partir de seus cidadãos. (AMES, 2008, pp.10).

2.4.1. A escolha, formação e a aptidão da Milícia Florentina241

Esta tema evidencia o modo de se montar um exército eficaz ao ver do estrategista

Maquiavel. Ele percebe dois tipos de movimentos ao selecionar a infantaria na escolha dos

soldados. Devem-se convocar dentro do próprio domínio os bons homens, qualificados e

muni-los de boas armas. Neste primeiro movimento, está subtendido no adjetivo “bom” para

ambos os pontos, pois bons homens manuseiam boas armas (MAQUIAVEL, 2010, pp. 59-

69).

239

"Percebemos, portanto, que para Maquiavel o amor à pátria, o uso da violência pela sua causa, constituía-se

como elementos necessários à virtù do legítimo cidadão. Esse estadista conclui, declarando sobre a importância

de um príncipe ter uma milícia constituída por cidadãos, pois caso contrário, estará à mercê da fortuna, em

momentos difíceis não haverá virtù que mantenha o Estado seguro" (RUBIM, 2009, pp. 2184). 240

MAQUIAVEL, N. Arte da Guerra. Edição Martins Fontes, 2006, pp. XIV. 241

Cf. Ibidem. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt Mettenheim.

Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração, FGV-EAESP:

FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010, pp. 59-69.

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Cabe a menção, que não é textual, mas que enriquece – Maquiavel não está

pensando na arma de fogo, mas nas espadas. Os que são desta estirpe são mais facilmente

dominados, premiados ou castigados quando se fizer necessário. Outra grande vantagem,

enquanto explanação do segundo movimento citado, por serem de Florença, os soldados

estarão em casa caso ocorra um ataque repentino e por isso não serão surpreendidos como

outrora (no tempo de exércitos mistos ou mercenários). Do contrário, como nos atesta a longa

experiência a este assunto no que se sabe; os soldados estrangeiros ou mercenários não são

dignos de depositar confiança, pois se são numerosos e estimados, tanto quanto se

demonstram insuportáveis e suspeitos, ou se são poucos e não estimados não tem utilidade.

Não tendo domicilio em Florença, a cidade fica em grande parte desprovida de segurança –

tema específico e função primária de um bom exército (MAQUIAVEL, 2010, pp. 59)242

.

Sobre esta questão, afirma Maquiavel

julgai ser um bem se armar de armas próprias e com seus próprios homens, dos

quais vossos domínios são copiosos, de maneira que facilmente se poderá ter o

número de homens bem qualificados que se quererá. Esses homens, sendo do vosso

domínio, serão mais obedientes e, quando errarem, eles poderão ser mais facilmente

castigados, e, se merecerem, poderiam ser premiados mais facilmente. E

permanecendo em suas casas, armados, manterão sempre o vosso domínio a salvo de

qualquer ataque repentino, nem poderá este ser tão facilmente devastado e saqueado

pelos inimigos (MAQUIAVEL, 2010, pp. 59).

Sob a “proteção” de São João Batista, o Conselho Maior, escolhe e elege os aptos

para o oficio. A sequência que encontramos neste texto de Maquiavel sobre as Provisões é

esta: (a) O Conselho Maior escolhe nove cidadãos (b) Eles serão divididos desta forma: sete

para as Artes maiores e dois para as Artes menores (c) Depois para cada um dos eleitos pelo

Conselho se elegerá dez cidadãos; assim haverá 70 para as Artes Maiores e 20 para as Artes

menores (d) Subseqüentemente esses eleitores nomearam entre si cada um o seu membro em

relação a toda a cidade (e) Os membros eleitos serão postos a aprovação do Conselho Maior

através da contagem das favas negras (f) Os sorteados sejam eleitos de fato para o “infracitado

oficio”. Maquiavel faz uma ressalva – estão proibidos de participar os Senhores, os

Colegiados e o Magistrado dos Dez (MAQUIAVEL, 2010, pp. 59).

242

Em relação a este aspecto da segurança e da liberdade, Skinner escreve que os cidadãos incorriam a uma

grande ameaça a suas liberdades, pois não se sentiam mais preparados a lutar pela liberdade, pela defesa de

Florença em vista das agressões tirânicas, e por isso, como já destacado na provisão por Maquiavel, entregavam

suas vidas a defesa de homens – absolutamente não confiáveis – de tropas pagãs e/ou mercenárias. Cf.

SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno. Tradução Renato Janine Ribeiro e Laura

Teixeira Motta, São Paulo: Cia das Letras, 1996, pp. 96.

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Os Nove oficiais da ordenança e milícia florentina,” e tenham por símbolo e seu

sigilo a imagem de São João Batista, com as letras talhadas em volta, que indicarão

de qual oficial seja o dito sigilo (MAQUIAVEL, 2010, pp. 60).

2.4.2. ―Os Nove oficiais da ordenança e milícia florentina: autoridade,

função e administração"243

A função dos Nove deve seguir por oito meses subseqüentes, salvo algumas

exceções que serão apresentadas a seguir. Dentro dos primeiros quatro meses pode-se fazer

um sorteio em duas bolsas, pelo intermédio de um dos frades do sigilo – onde serão sorteados

três nomes da bolsa das Artes maiores e um das Artes menores. Os sorteados podem deixar

imediatamente o oficio, não precisando cumprir os oito meses regimentais e no que resta a

fazer devem os cargos ser preenchidos num período de quinze dias após a saída dos eleitos

que foram sorteados. E assim proceda-se sucessivamente neste sistema de renovação

magistral. Em caso de vacância deve-se sortear automaticamente da bolsa um novo nome, se

caso não houver disponibilidade de elegíveis na bolsa que se faça através de uma nova eleição

conforme já foi descrito anteriormente. Os nomeados devem receber um florin de ouro, ouvir

a missa do Santo Espírito244

e aceitar o cargo através de um juramento ao modo dos Dez da

liberdade e paz, dos quais protocolarmente são – na escala hierárquica os posteriores. Que

após este ato cívico sejam imbuídos e informados de um código sigiloso para comunicação

interna. Que sejam ainda recebidos em audiência no Palácio da Senhoria e dos Eminentes

Senhores. Que os oficiais não tenham nenhum tipo de salário, mas que agreguem a si um

secretário que seja remunerado, bem como outros nove auxiliares que a tempo também sejam

remunerados de acordo com o justo. São eles: o camareiro, um escrivão e um superintendente

e, sobretudo em relação a este há alguns pormenores como o deixar o cargo e o tempo em que

não poderá voltar por determinação regulada de três anos (MAQUIAVEL, 2010, pp. 60-62).

243

Afirma Mettenheim: “O texto, “Provisões da República de Florença para Instituir o Magistrado dos Nove

Oficiais da Ordenança e Milícia Florentina” apresenta a reforma das forças armadas de Florença como projeto de

lei encaminhado oficialmente em 30 de novembro de 1506 e aprovado pelo Conselho Maior em 6 de dezembro,

com 841 votos a favor, 317 contra. É a maior vitória política de Maquiavel e significa a aceitação de sua teoria

sobre a importância do serviço militar. A organização da forças armadas é uma questão de sociologia política,

não técnica. A “conjugação orgânica” (Montevecchi, “Nota Storica,”, pp. 38) da questão de justiça com a

questão de armas por Maquiavel é uma revolução sobre visões antigas das comunas medievais, como também as

soluções das oligarquias antigas e da nova burguesia, ou seja, de simplesmente contratar mercenários. Maquiavel

inova em argüir que a organização de forças armadas adequadas é fundamental para a liberdade republicana” (In

MAQUIAVEL, 2010, pp. 11-12), 244

Interessante é que alguns autores, como Croce e Berlin, afirmam que Maquiavel descobriu a necessidade e a

autonomia da política em detrimento da religião. Afirmava uma política para além do bem e do mal, que não

pode ser exorcizada e banida do mundo com água benta. Por certo que tal enunciado rotula uma crítica a

religiosidade, especialmente à religião oficial; o Cristianismo católico. Porém, percebemos como marca da

formação do exército o exercício da religiosidade e a prática da crença vinculada a proteção e porque não ao

próprio exercício da política de defesa de Florença. Cf. BERLIN, I. A originalidade de Maquiavel. Tradução de

Bárbara Heliodora, São Paulo: Ediouro, 2002.

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Que os Nove oficiais não tenham salário algum, mas somente tenham uma

gratificação [...] Que tenham para as suas necessidades e as de seu ofício nove

auxiliares. [...] Que os Nove oficiais tenham plena autoridade e poder de colocar

bandeiras nas terras e nos lugares do campo e do distrito de Florença e sob elas

alistar homens para combater a pé, a qualquer momento [...] e de punir os conscritos

por seus crimes não somente nos bens e nas pessoas destes, mas também com a pena

de morte, como a eles livremente aprouver, exceto nos casos citados. [...] Os Nove

oficiais, assim que tiverem aceitado e jurado seu cargos, deverão rever os cadernos e

as listas das bandeiras até a data fixada pelos magníficos Dez, e ordenar que seu

secretário copie esses cadernos e listas em um livro ou mais, distinguindo bandeira

por bandeira e anotando os condestáveis que as comandam [...] Devem manter

sempre inscritos, armados e ordenados sob as bandeiras e sob o comando dos

condestáveis que as exercitem e a distribuam entre o campo e o distrito de Florença,

pelo menos dez mil homens, e quantos mais acreditem poder manter armados,

conforme a disponibilidade de homens (MAQUIAVEL, 2010, pp. 61-62).

Aos Nove oficiais são conferidas funções que remetem os súditos a sua obediência e

submissão da autoridade. A bandeira representa um ícone do poder dos Nove e, onde é posta,

o poder e a autoridade deles se efetivam. Em cada bandeira deve se pintar um leão em cor

natural – não podendo pintar nenhuma outra fera, nem outras armas ou símbolos a não ser o

dito leão245

. Na bandeira ainda deve constar o número que corresponde a sua criação. O ato e

o poder de colocar as bandeiras em locais determinados indicam de modo evidente este poder

deliberativo. Os registros em cadernos do procedimento em relação à disposição das

bandeiras, bem como a substituição dos que as comandam ficam sempre ao critério do

responsável por este oficio particularizado. Entre as bandeiras deve – pelo menos haver dez

mil homens e quanto mais acreditarem, manter armados. Devem ser aceitos somente homens

nativos de onde a bandeira foi elevada e devem os Nove sempre manter o cumprimento da

aceitação e juramento ao cargo assumido. Na pessoa dos Nove poderão ainda agir os

comissários respectivamente eleitos no Conselho dos Oitenta e inseridos no poder por

participação, com salário garantido e com funções e compromissos deveras firmados entre os

Nove e o Conselho maior (MAQUIAVEL, 2010, pp. 62-64).

[...] E devem os Nove ter arregimentado os dez mil homens no prazo de seis meses a

contar do dia em que aceitaram e juraram o seu ofício. [...] Os Nove devem, em cada

245

Sua imagem é normalmente associada ao poder, à justiça e à força, mas também ao orgulho e à autoconfiança.

É um símbolo solar. No livro das revelações, o Leão de Judá é o Messias: “Todavia, um dos anciãos me disse:

Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos”.

(Apocalipse 5, 4-6). O leão também aparece no estandarte da tribo de Judá. Como símbolo do safári africano,

pertence ao grupo de animais selvagens chamado de big five, correspondente aos 5 animais mais difíceis de

serem caçados: leão, leopardo, elefante, búfalo e rinoceronte. No Brasil, devido à veiculação, em 1979, de uma

campanha publicitária sobre a ação fiscalizadora da Receita Federal nas declarações de Imposto de Renda, em

que aparecia o animal, tornou-se uma metáfora frequentemente usada pelos meios de comunicação para

simbolizar aquela autarquia (“prestar contas com o Leão”, “Leão do Imposto de Renda”). Ainda é conhecido

como o Rei dos Animais, e assim é retratado em muitas histórias infantis na atualidade. Cf. Simpson DP.

Cassell's Latin Dictionary. 5th edition ed. London: Cassell Ltd., 1979. pp. 883. Cf. Também Liddell, Henry

George and Robert Scott. A Greek-English Lexicon (Abridged Edition). United Kingdom: Oxford University

Press, 1980.

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bandeira que forma, mandar pintar somente um leão, e em cor natural, da maneira

que atualmente está nas bandeiras escolhidas e feitas por ordem dos Dez. [...]

Devem, porém, variar os fundos das bandeiras para que os homens que combatem

sob elas possam reconhecê-las, e devem mandar inscrever em cada bandeira o

número correspondente à sua criação como acontece nas bandeiras criadas até aqui.

[...] Os Nove poderão, para alistar os homens para inspecionar os exercícios e as

paradas militares na maneira como se dirá adiante, eleger e enviar para fora da

podestade ou da capitania seus comissários, [...] Os Nove devem manter

condestáveis que inspecionem todos os homens conscritos e que os exercitem

conforme o modelo alemão; e devem dar a cada condestável o comando daquelas

bandeiras que lhe parecerá conveniente (MAQUIAVEL, 2010, pp. 61-62).

2.4.3. A garantia da ordem através dos condestáveis e do modelo francês246

METTENHEIM escreve que “como Secretário da Chancelaria, Maquiavel

acompanhou as operações aliadas francesas e visitou a cidade de Arezzo três vezes junto ao

Capitão Langres, líder das tropas francesas” (2010, pp. 10, In: MAQUIAVEL, Política e

Gestão Florentina247

). Os textos que se referem à França foram redigidos pelo Florentino

durante as quatro missões diplomáticas que ele fizera. O texto “Da Natureza dos Gauleses”,

por exemplo, foi escrito durante a primeira viagem de Maquiavel, em 1500, e ampliado no

ano seguinte. A “Notula para alguém que será Embaixador em França” foi escrito em 1504,

na missão de levar novas instruções para o Embaixador de Florença, Valori, em Paris. Porém,

ressalta Mettenheim que o relatório “Retrato das Coisas de França”248

provavelmente foi

escrito em 1510 e aumentado em 1511, depois da terceira missão diplomática. Isso ocorreu

entre junho e outubro daquele ano, tendo como fundamento último a proposta de mediação da

parte de Florença para se efetivar um acordo de paz entre os reis das duas potências, Louis

XII, da França e Julio II, da Espanha (METTENHEIM, pp. 12, op. cit).

Os franceses são, por natureza, mais orgulhosos do que fortes do que hábeis, e quem

pode resistir à ferocidade de seu primeiro ataque os verá perder toda a coragem e se

246

Sobre o modelo francês, afirma Maquiavel que “o exército francês era forte na cavalaria pesada, e o espanhol

nas infantarias, por isso não houve tanto massacre. Assim quem quiser vencer os franceses deve guardar-se do

primeiro ímpeto de suas tropas, pois resistindo a eles, pelas razões ditas acima, vencerá. Por isso César disse que

os franceses no começo da batalha são mais que homens, e no fim menos do que mulheres. [...] A natureza dos

franceses é ávida dos bens alheios, com os quais, juntamente com os seus, é depois pródiga. Por isso um francês

roubaria sorrateiramente para gastar, usufruir e consumir o que roubou juntamente com aquele de quem roubou.

Natureza contrária a dos espanhóis, pois daquilo que te roubam nunca mais vê nada”. Cf. MAQUIAVEL, N.

Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt Mettenheim. Série Ciências

Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração, FGV-EAESP: FSJ. Circulação

Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010, pp. 88. 89-90. 247

Pode-se conferir também MARCHAND, J. J. Niccolò Machiavelli: I Primi Scritti Politici. Editora

Antenore, Padova, 1975, pp. 100. 248

“Maquiavel explica a estrutura deste novo Estado Francês citando causas institucionais e políticas com as

regras de herança, a transformação dos vizinhos em súditos e a primogenitura combinada com a tradição dos

outros filhos de monarcas conquistarem territórios para estender domínios” afirma METTENHEIM, K, 2010, pp.

12. In: Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt Mettenheim. Série

Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração, FGV-EAESP: FSJ.

Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010.

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tornarem quase como mulheres, E também não suportam os incômodos e com o

tempo se tornam negligentes a um ponto que é fácil, ao encontrá-los desorganizados,

vencê-los (pp. 87). [...] A França, por sua grande e por sua grande população é rica e

opulenta. Lá os gêneros alimentares e o trabalho manual valem pouco ou nada por

causa da falta de dinheiro que grassa entre o povo, que com muita dificuldade pode

ajuntar o necessário para pagar os impostos de passagem, ainda que baixíssimos, a

seus senhores (MAQUIAVEL, 2010, pp. 86-89)

Assim, Maquiavel abre os relatórios sobre a França distinguindo-a da Alemanha e

dos demais países da Europa. Vê-se que Maquiavel se firma na descrição e no exame das

coisas do dia. Alemanha e Suíça, quiça a Espanha são modelos militares que podem ser

sondados. No caso, o modelo francês é o preterido.

[...] No passado a França não era unida, por causa dos poderosos barões que

ousavam e tinham coragem suficiente para lançar-se em todo tipo de empresa contra

o rei, como era o caso do Duque de Guienne, de Bourbon, etc. [...] Há outra razão

para tal. Antes, todos os príncipes vizinhos da França tinham coragem de atacar o

reino [por variados motivos] hoje são súditos obedientes da França, aos príncipes

estrangeiros não só veio a faltar o apoio desses domínios, como hoje lhe são

inimigos; e o rei, por tê-los, é mais poderoso e seus inimigos vizinhos mais fracos.

Ainda outra razão há: hoje os mais ricos e os mais poderosos barões da França são

de sangue real e descendência dinástica. Assim, se não houver ninguém superior ou

anterior a eles na linhagem, a Coroa pode vir a ser de algum deles (pp. 86). [...] As

infantarias francesas não podem ser muito boas, porque há muito tempo que não

enfrentam uma guerra e por isso não têm experiência nenhuma. Além disso,

naquelas terras todos são ignóbeis e trabalhadores, e estão tão submissos aos nobres

e são tão reprimidos em toda iniciativa que acabam sendo covardes. E por isso que

não se vê o rei utilizá-los nas guerras, porque dão bons resultados, apesar dos

gascões, que o rei utiliza por serem um pouco melhores do que os outros. [...] Os

franceses provaram ser mais ladrões do que homens valentes; no entanto, são de

muito valor para defender e atacar castelos e cidades fortificadas, mas em batalhas

campais não, ao contrário dos alemães e suíços, que para batalhas campais são bons,

mas não servem para defender e atacar castelos e cidades fortificadas. E creio que

isso acontece porque nesses dois casos não podem manter a ordenação da milícia

que mantêm em seus campos. É por isso que o rei da França utiliza ou suíços ou

alemães, porque sua cavalaria pesada francesa, onde quer que encontre um inimigo,

não confia nos gascões. Porque se suas infantarias tivessem a mesma eficiência da

cavalaria pesada francesa, não restaria dúvida que teriam coragem para defenderem-

se de todos os principados (MAQUIAVEL, 2010, pp. 85-93).

Os condestáveis são eleitos com maior rigor pelos Nove do Conselho em comunhão

com os demais na base do voto pelas favas e no consenso de quorum mínimo. Ele deve ter um

secretário para controlar os homens inscritos. Os condestáveis serão os inspecionadores de

todos os homens conscritos, e devem os exercitar no modelo alemão. Esses também teriam

seu próprio salário, teriam não menos que trezentos homens a sua inspeção no regimento dos

36 dias do mês militar (MAQUIAVEL, 2010, pp. 62). Em suas funções mais exímias estão a

incumbência de – uma vez por mês – entre março a setembro, reunir todos os homens de seu

comando, e no ano todo três vezes entre os meses de outubro a fevereiro, além de datas

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comemorativas e nestas datas serão realizados exercícios militares obrigatoriamente. Cabe aos

contestáveis ainda informar as ausências aos Nove para que sejam punidos.

Todo e qualquer conscrito que não comparecer aos desfiles convocados, como dito

acima, será, por cada vez que não comparecer sem motivo legítimo, condenado a

multa de vinte soldos. E aquele que faltar em seis desfiles durante um ano, a contar a

partir de primeiro de novembro, sua falta se tornará crime, e ele será castigado na

sua pessoa na maneira que decidir os Nove oficiais, além de ter que pagar tudo o

que, conforme o disposto acima, deve pagar por suas ausências às paradas. Os

motivos legítimos para tais ausências são ou doença ou licença concedida pelos

Nove. E os recursos provenientes de todas as condenações mencionadas acima

podem ser aplicados pelos Nove na sua magistratura, para o pagamento das despesas

ordinárias (MAQUIAVEL, 2010, pp. 66)

É recomendável ainda, afirma Maquiavel, que o condestável não seja eleito num

lugar de origem ou onde possua algum tipo de propriedade. Em relação às obrigações do

Conselho dos Nove no tocante aos condestáveis, cabe àqueles permutarem estes de ano em

ano, de modo a um condestável não poder exercer sua função na bandeira, se já estiver

exercendo outro cargo. Se por acaso, algum dele for cassado, a partir da data da cassação o

condestável por três anos não poderá assumir nenhum posto na República Florentina. Noutro

momento dos seus escritos Maquiavel afirma a necessidade de um comandante para eventuais

situações, e enfatiza que durante eventos cívicos ou durante a própria ação de guerra não se

deverá barganhar conscritos. Eles também não poderão ser retirados de suas casas para

qualquer tipo de ação, mesmo se referindo a guerra sem a devida aprovação do Conselho.

Serão punidos caso abandonem as bandeiras em vista de qualquer finalidade. Do mesmo

modo deve se punir quem faltar aos desfiles sem justa causa. Estas podem ser: doença ou

licença concedida pelos Nove. Ainda deve se punir os conscritos por algum tipo de reunião

privativa entre eles que tenha motivação última à infidelidade. Deverão ser punidos de acordo

com as regras concordadas – na alma desta provisão (MAQUIAVEL, 2010, pp. 64-66).

Segue o texto, recortado, em que Maquiavel evidencia algumas razões que em sua

visão justifica o poder da França sobre os países circunvizinhos, sobretudo no que se refere a

sua organização militar.

A França teme muito os ingleses, por causa das grandes incursões e danos que

antigamente impingiram ao reino, e entre o povo a palavra „inglês‟ é temida, visto

que eles não percebem que a França está hoje em outra situação, diferente da

situação de antigamente, porque está armada, provada e unida, e domina aquelas

domínios sobre os quais os ingleses se apoiavam como dos ducados da Bretanha e

de Borgonha. Os franceses não temem os flamengos, e isso porque os flamengos não

colhem, por causa da natureza fria de sua região, o suficiente para viver, sobretudo

trigo e vinho, os quais é preciso trazer da Borgonha e da Picardia e de outras regiões

francesas. Os franceses temem muito os suíços pela proximidade e pelos ataques

repentinos eu eles podem fazer, contras os quais, por sua presteza, não é possível

prevenir-se a tempo. E fazem os suíços, sobretudo, depredações e incursões, pois

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não tendo artilharia nem cavalaria, e como as terras francesas que lhes são

confinantes bem guarnecidas, não fazem grande grandes progressos. E também a

natureza dos suíços é mais apta à batalha campal do que ao assaltar ou defender

regiões, e os franceses, por sua vez, relutam em entrar em conflito com eles, pois

como não têm boas infantarias, não podem enfrentar os suíços, e a cavalaria sem

infantaria vale pouco. [...] Dos lados da Itália nada temem em relação aos Alpes e às

grandes extensões de terra que têm ao pé dessas montanhas. Toda vez que alguém

quisesse atacar por aí a França, deveria atravessar por cima dos Alpes e teria atrás de

si uma região tão estéril que ou padeceria a fome, ou deveria atravessá-las direto (o

que seria loucura), ou que se pusesse a conquistá-las. Assim, da parte da Itália, não

temem, tanto pelas razões ditas acima como pelo fato de não haver na Itália um

príncipe capaz de atacá-los, e por não estar Itália unida como era nos tempos dos

Romanos. [...] A população da França é humilde e muito obediente, tem grande

veneração por seu rei, vivem com pouquíssimos gastos pela grande abundância de

gêneros alimentícios e todos têm algum imóvel para si. Vestem-se grosseiramente e

com panos baratos, e não usam seda de nenhuma espécie, nem os homens nem as

mulheres, pois seriam vistos como nobres. [...] A guarda de infantaria é composta

de alemães, são cem soldados que recebem doze francos ao mês, e se costumava

manter até trezentos deles com um salário de dez francos ou mais, mais dois

uniformes por ano a todos eles, um de verão e outro de inverno, com o gibão e as

meias com as insígnias do rei; e esses cem do corpo de infantaria tinham um gibão

de seda na época de Carlos VIII. Em cada paróquia da França há um homem pago

com um bom salário que se chama franco arqueiro. Ele é obrigado a manter um bom

cavalo e a ter uma armadura para atender a qualquer chamado do rei. Quando o rei

se encontrar fora do reino, em guerra ou por outro motivo, são obrigados a cavalgar

até aquela província em que o reino foi atacado, ou onde há a ameaça de um ataque.

Conforme o número de paróquias eles são um milhão e setecentos mil (pp. 93)249

.

2.4.4. A organização interna dos homens inscritos no exército:

Estruturação, Dispensa e Manutenção sob denúncia250

É interessante como se dá o processo de alistamento, ou ainda, como os Nove

Oficiais chegam ao conhecimento dos nomes que serão candidatos ao cargo do exército.

Primeiramente cabe aos líderes e governantes, prefeitos dos povoados apresentarem a lista

com os nomes mais indicados para a função do exército. Caso isso não ocorra, escreve

Maquiavel que os regentes dos povoados devem ser penalizados com a pena mínima de duas

chibatadas caso omitam algum nome por qualquer motivo (MAQUIAVEL, 2010, pp. 63).

Assim sendo os novos soldados serão avaliados segundo um critério de aptidão.

Maquiavel não o descreve, somente o cita, mas pelo que já foi dito, deve ser um bom homem,

cidadão de Florença, possuir a virtù na obediência às leis e no manuseio das armas. Como já

se afirmou, "bom cidadão, bom militar". Os Nove devem rever o procedimento de todos os

homens inscritos, dispensar alguns por inaptidão e conforme já dito recrutar outros. Onde

formar novas bandeiras, que cuidem os responsáveis para que lá também se angariem bons

homens com boas armas. Ao interno da companhia devem ser eleitos também comandantes de

249

MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt

Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração,

FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010, pp. 85-93. 250

"Provisões da República de Florença para instituir o Magistrado dos Nove Oficiais da Ordenança e Milícia

Florentina", pp. 59-69. In: Ibidem, pp. 59-69.

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pelotão. Os eleitos devem ser os de melhor qualidade e devem ter sob sua regência não mais

do que cem homens. Caso algum nome seja burlado, omitido, narra Maquiavel que a Igreja

participe deste ato civil dos homens para fomentar a verdade dos fatos. Em cada paróquia ou

igreja deve haver um tambor para que ali sejam realizadas as denúncias. A cada dois meses,

um dos Nove Oficiais abre este tambor e recolhe os nomes dos denunciados para as devidas

providências (MAQUIAVEL, 2010, pp. 63-64). Quanto aos que requererem a dispensa,

Maquiavel afirma que não se pode forçar – a não ser por necessidade – os que passarem dos

cinqüenta ou sessenta anos, e que demonstrarem algum tipo de situação desfavorável a

permanência na infantaria. Cada caso será julgado, mas prevalecendo a necessidade da

Infantaria. Textualmente afirma Maquiavel “[...] os casos de necessidade serão julgados pelos

eminentes senhores e seus veneráveis colégios ou por dois terços deles” (MAQUIAVEL,

2010, pp. 63-64).

2.4.5. Os homens e as armas: ―Homens armados na confiança e na força‖251

Dessa maneira, o cidadão, servindo a pátria com sua própria vida, não está sendo

apenas um soldado, está exercendo um dos mais elevados graus da liberdade, a

cidadania, motivado não por interesses particulares, mas pelo bem de todos. Aqui

virtù militar e virtù política tendem para o mesmo fim, uma vez que a república é o

bem comum e o cidadão, encaminhando todas as suas ações para esse bem comum

dedica a vida à república. Quem luta pela pátria oferece em sacrifício sua existência,

e desse modo cidadania e milícia coincidem ao aperfeiçoar a natureza humana

entregando seus bens particulares para um fim universal (POCOCK, 2008, pp. 289,

ZORZO, 2010, pp. 2-3).

Detalhadamente – Maquiavel descreve num momento o armar-se dos homens da

guarda e distingue dois momentos específicos em relação ao porte de armas no comando dos

Nove e dos encarregados destes juntos as milícias e as bandeiras. Maquiavel afirma que as

armas são necessárias para a defesa e para o ataque dos homens da milícia florentina. Em

relação à defesa – uma couraça de ferro, quanto ao ataque – a cada cem infantes, sententa

lanças e dez escopetas. Aos restantes, podem se manter com – bestas, escudos de madeira ou

couro e espadas. Cabe aos nove ainda reunir duas vezes ao ano, fevereiro e setembro, os

homens em respectivas bandeiras e for organizar um desfile. No lugar do desfile deve o

encarregado, seja ele quem for, mandar celebrar uma missa do Santo Espírito. Ao

251

“Provisões da República de Florença para instituir o Magistrado dos Nove Oficiais da Ordenança e Milícia

Florentina”, pp. 59-69. In: MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato

Ambrosio. Prefácio Kurt Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e

Jurídicos da Administração, FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de

Impressão, 2010.

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encarregado, neste momento, cabe o discurso solene seguido do toque de mãos em honra ao

Santo Evangelho.

Após este ato de juramento, com todas as suas incidências – diante das palavras

obrigatórias, de corpo e alma estejam conscientes da incumbência lhes transmitida e

assumida, e possam então voltar à suas casas. Maquiavel ainda salienta duas situações

importantes na manutenção da milícia florentina – a primeira referente ao soldo que deve ser

pago aos conscritos na primazia de suas funções, e que todos, inclusive os próprios conscritos,

saibam que não tem o direito, ou privilégio de poder portar armas dentro da cinta das

muralhas da cidade de Florença (MAQUIAVEL, 2010, pp. 64-65).

É o que vários autores, dentre os quais AMES insiste em frisar no pensamento de

Maquiavel, a questão do bom cidadão e da boa educação.

Um "bom cidadão", para Maquiavel, é alguém com hábitos de vida simples,

coragem, patriotismo, disposição ao sacrifício pelo bem comum, etc. Um "homem

bom", por sua vez, é aquele que possui um conjunto de qualidades morais em grau

de excelência, tais como honestidade, senso de justiça, retidão de caráter, piedade,

etc. Não há relação necessária entre as duas "bondades": é possível ser honesto,

íntegro, justo, fiel e, no entanto, ser incapaz de sacrificar-se pelo bem público, de

assumir os encargos públicos como tarefa sua. Se Maquiavel se interessa pelo "bom

cidadão" e não pelo "homem bom" não é porque considera irrelevante o último, e

sim porque, como pensador político e não teórico da moral, se preocupa com as

condições de possibilidade para o estabelecimento de uma república estável e

duradoura. (AMES, 2008, pp. 150).

2.4.6. A relação interna e de obediência aos conscritos – ―O capitão da

guarda‖ e as primeiras conclusões da provisão por parte de Maquiavel Primeiramente quem é o capitão da guarda? È o responsável pela organização e

manutenção do exército florentino. Cabe ao capitão manter a ordem ao interno do exército.

Como nos outros cargos, terá alguns homens ao seu comando mais próximo, e alguns destes

terão um soldo vitalício – o que é interessante no sentido de um vinculo mais profícuo e uma

garantia maior de fidelidade252

. Por um lado, os capitães nas diversas bandeiras devem

obedecer à hierarquia já citada, por outro, quanto à identidade, ou melhor, quanto ao local de

origem deste capitão, diz Maquiavel, que não se poderá ser da cidade, do campo ou do distrito

de Florença, nem de região de quarenta milhas do território florentino. Esta primeira provisão

é concluída relembrando ao Conselho dos Nove a sua função de manter a ordem e de

obediência as leis dispostas nesta provisão sob a ordenação do Conselho de Leis. É presumida

multa a quem não cumpri-las, e caso haja alguém que alegue ignorância em algum momento,

252

Maquiavel afirma que “[...] os povos, como diz Túlio, mesmo sendo ignorantes, são capazes de entender a

verdade e facilmente cedem, quando a verdade lhes é dita por homem digno de fé” (MAQUIAVEL, Discorsi,

Liv. I, Cap. IV).

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foi proposto que se resuma todas as leis e se sejam dispostas num livreto para fácil consulta

pelos determinados responsáveis (MAQUIAVEL, 2010, pp. 65). Neste sentido, o capitão deve

ser criteriado a este modo

Nada pode desorganizar ou denegrir as infantarias ou a vossa ordenança do que

serem comandadas sem critério; e nada pode fazer-vos correr mais perigo do que a

pouca ordem em vosso campo. Para querer evitar uma e outra dessas desordens,

creio não haver outro meio, nem mais cômodo, do que nomear o senhor Iacopo

Savelli capitão das vossas infantarias: porque qualquer outro que se escolha, ou será

tardo ou muito perigoso. E para discorrer sobre a primeira parte, sobre as desordens

das infantarias, como se nós devêssemos pensar em formar um exército

imediatamente, dir-se-ia que estes comandantes atuais não servem. E toda vez que

ou que vós escolherdes novos comandantes, ou propuserdes a eles homens de baixa

extração ou desconhecidos, vós, no primeiro caso, tornareis os infantes inúteis, no

segundo caso indignareis os ditos comandantes, de modo que não poderão fazer

nada bem (MAQUIAVEL, 2010, pp. 71)

2.4.7. Infantaria e Cavalaria para uma melhor proteção de Florença –

Efetivação da Cavalaria, regulamentos e ponderações sobre a mesma253

Citando a primeira provisão, que acabamos de apresentar, Maquiavel afirma na

segunda, sobre "as milícias a cavalo, de 30 de Março de 1512254

sob o texto latino: Pro

discrebendis equis in militia florentina, que para enriquecer e ampliar a segurança de

Florença, desencorajando inimigos, aumentando a confiança dos súditos e garantindo uma

maior segurança e firmeza do Estado, os mesmos argumentos iniciais da primeira provisão em

relação às leis e as armas.

Neste determinado momento faz-se necessário – no modelo burocrático já esmiuçado

– diz Maquiavel – alistar homens para uma milícia a cavalo. Novamente reforçando as

funções próprias do Conselho dos Nove, Maquiavel relata que, sob o mesmo esquema das

bandeiras, dos desfiles, da obediência e civilidade, do sistema de pagamento e taxas, mas,

sobretudo na prontidão para a guerra – devem ser selecionados quinhentos cavaleiros, e estes

devem ser reembolsados conforme tabela própria e agregados aos conscritos tendo entre os

253

“Provisão para a Instituição do cargo dos cinco provedores dos muros da cidade de Florença”. pp. 116-117.

In: MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio Kurt

Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da Administração,

FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010. A disciplina militar

se soma às duas qualidades referidas, por modelar corpo e alma e construir tanto o desapego às paixões

perecíveis quanto o amor à pátria e valorização do bem comum: “em qualquer lugar”, afirma Maquiavel em A

arte da Guerra, “com exercícios, fazem-se bons soldados; pois onde falha, a natureza é suprida pela indústria,

que nesse caso vale mais que a natureza”. Cf. também MAQUIAVEL, N. A arte da Guerra, I, pp. 22. 254

“Provisões da República de Florença para instituir o Magistrado dos Nove Oficiais da Ordenança e Milícia

Florentina”, pp. 66. In: MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio.

Prefácio Kurt Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da

Administração, FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010.

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seus alistados dez por cento portando lanças. Cabe aos Nove enviar um representante para

averiguar os efetivados da cavalaria255

.

Este comandante é chamado de condottiere que pode ao menos comandar uma

bandeira e cinqüenta cavaleiros, levando em conta o tempo previsto para o comando e a

transmigração própria do sistema de mudança e rotatividade, como se prevê nos cargos

anteriormente citados. Na avaliação da cavalaria haverá em um mesmo dia – uma revista aos

cavaleiros feita sob a tutela dos Nove onde todos os homens da cavalaria deverão ser

identificados e receber o que lhes for devido. As faltas devem ser justificadas – ou com a

autorização dos Nove ou por motivos de doença que deve ser atestada em papel pelo padre da

paróquia e o cavaleiro doente deve enviar alguém em seu lugar no seu cavalo para atestar e

justificar sua ausência. Não se poderá apresentar-se com outro cavalo senão com aquele em

que se está inscrito. O cavaleiro tem liberdade e responsabilidade sobre o seu cavalo, portanto

pode vendê-lo quando bem quiser, mas terá 10 dias para apresentar o novo cavalo ao seu

responsável e pagar a devida taxa respeitante àquele ato. Ao interno deve ser tudo registrado

como caixa de entrada e saída de arrecadações e sempre que necessário ser prestado contas

por parte dos responsáveis pela cavalaria. Para tanto – se ocorrer de algum cavaleiro estar em

débito com Florença – no tempo de guerra a dívida será perdoada. Ao voltarem da guerra

inicia-se o processo de divida até uma possível nova guerra. O que ainda pode ser dito neste

assunto é que os Nove não podem dispensar nenhum conscrito sem que este restitua antes aos

ditos oficiais tudo aquilo que é devedor, a não ser que numa reunião em um número suficiente

dos Nove, os Senhores e o Colegiado possam cancelar, total ou parcialmente, os débitos de

algum conscrito. A dívida pode ser esquecida se o conscrito morrer em batalha de guerra, ou

for banido ou preso por qualquer circunstância, mas se morrer em outro local – que não em

batalha – seus herdeiros ou sucessores devem assumir a dívida e restituir ao debitante a partir

dos bens que o devedor deixar. O mesmo pode ser assinalado à posse do cavalo. Se o animal

vier a morrer em campo de batalha, o conscrito deverá receber dois terços do valor do animal

da parte dos Nove. Se o animal morrer fora da esfera da guerra – os alistados sob a bandeira

devem doar parte de seu soldo até o limite de dez florins de ouro afim de que as companhias 255

"Registrarão seus cavalos pela cor do pelo e marcas, anotando ainda o valor de cada cavalo”. Muito se pode

dizer a respeito do sentido militar da cavalaria. Jacques Le Goff & Jean-Claude Schmitt no – Dicionário

Temático do Ocidente Medieval, Vol. 1, no texto de Jean Flori, traduzido por Lênia Márcia Mongelli. Flori nos

afirma que essencialmente trata-se de um grupo profissional, os dos guerreiros da elite, atacando

impetuosamente, de lança ou espada em punho, em todos os campos de batalha. [...] Este aspecto militar atrela-

se a um segundo – fazer cavalaria – militiam facere – que significa tanto atacar quanto realizar grandes feitos de

armas, proezas ... cavaleirescas. Flori é incisivo – na cavalaria não entra quem quer, pois [...] deve-se controlar o

acesso, filtrar a admissão. Cf. FLORI, J., Cavalaria (verbete), pp. 185s, Tradução de Lênia M. Mongelli. In:

Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Vol. 1, coordenador de tradução Hilário Franco Jr., Bauru, SP,

Edusc, 2006.

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mantenham sempre seus cavalos sem custos para a comuna de Florença (MAQUIAVEL,

2010, pp. 66-69).

Entro nas antigas cortes dos antigos homens, onde, amavelmente recebido por eles,

nutro-me daquele alimento único para mim e para o qual nasci, onde não me

envergonho de falar com eles e lhes pergunto a razão de suas ações, e eles, com sua

urbanidade, me respondem; e por quatro horas não sinto nenhum aborrecimento,

esqueço todas as preocupações, não temo a pobreza, e a morte não me perturba:

transporto-me totalmente para eles (Maquiavel, Lettere)256

Esta provisão tem no auge de sua redação, num primeiro momento, a intenção de

constituir os “Cinco procuradores das Muralhas da Cidade” sob a invocação do patronato de

São João Batista e sob a proteção de Deus e da Gloriosa Virgem Maria. Num parágrafo

extenso, Maquiavel, por mais de cinco vezes, na tradução que temos, fala em prudência do

príncipe, do líder político. E ao falar da prudência – o faz em referência a quem não a teve

historicamente, e como conseqüência efetiva foram arruinados e saqueados. Na busca e na

evidenciação da Verità effetualle, a prudência é redefinida nos escritos de Maquiavel. A

ênfase nas tópicas da honestidade, da utilidade, da segurança e da necessidade. Trata-se da

arte do estado e da verdade efetiva, bem como na retórica da pratica. Os componentes da

prudência são: a experiência e a leitura das histórias (discrezione e ragione).

Ser prudente257

, em síntese, é garantir a segurança da cidade de Florença fortificando

cada vez mais o modelo já descrito na égide dos homens armados e dos cavaleiros. A respeito

da prudência – outrora afirmou Cícero:

256

Cf. NETO, M. de A. O Tempo nos Discorsi de Maquiavel. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Área de

concentração: Filosofia Social e Política. Colaboração de Newton Bignotto, Belo Horizonte; Departamento de

Filosofia da UFMG, 1999, pp. 87. 257

Maquiavel altera o significado de prudência, da razão prática dos humanistas, alicerçada por considerações

morais, para a faculdade de julgamento calculativa, potencialmente amoral, apropriada ao homem de virtù. Cf.

KAHN, Victoria. Machiavellian Rhetoric, pp. 21. “At the same time, he alters the meaning of prudence from

the humanists‟ practical reason, informed by moral considerations to the calculating, potentially amoral faculty

of judgment appropriate to the man of virtù”. Trata-se de uma concepção calcada na premissa de uma

subjetividade forte que atua como desenraizadora consciente da tradição humanista. A redefinição da prudência

em Maquiavel [...] obedeça a movimentos mais sutis, isto porque, para ele, a prudência não deixa em absoluto de

ser concebida como recta ratio agibilium; é precisamente a noção de “razão reta” que se transforma,

distanciando-se da idéia de que modelos universais possam ser intuídos e realizados em ações particulares, e

aproximando-se de um entendimento mais pragmático calcado na valorização dos efeitos das ações dos agentes

envolvidos e na antevisão das possibilidades em jogo no tabuleiro da política. A ênfase analítica é em grande

medida direcionada aos meios e fins primeiros, os quais não deixam de remeter, ainda que muitas vezes de forma

opaca, a fins últimos tomados como honestos. De modo que não se pode afirmar que a idéia aristotélica de

desejo correto seja questionada por Maquiavel; porém, o caráter normativo deste desejo correto se dissolve de tal

forma que o princípio de correção passa a ser, ele próprio, contingente e passível de deliberação. In: A prudência

em Maquiavel e Guicciardini. S/N – Texto vinculado a PUC-RJ. Tradicionalmente, como se disse na introdução,

há vários leitores e várias óticas em relação aos escritos de Maquiavel. Não se pode rejeitar a ética de suas penas

históricas. Cf. NUNES, E. A Política à meia luz: ética, retórica e ação no pensamento de Maquiavel. São

Paulo: EDUC, 2008, pp. 103-137.

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Prudência é a destreza que pode, com certo método, discernir o bem e o mal.

Também se denomina prudência o conhecimento de alguma arte, e ainda a memória

de muitas coisas e o trato de um grande número de negócios258

.

Maquiavel fala da organização destes cinco provedores dos muros da cidade de

Florença no sentido de que devem eles ter mais de trinta e cinco anos, não portarem dívidas

para com a Comuna e prestarem o juramento já referido outrora. Serão oficiais com poder de

decisão e primordialmente no que concerne a fortificações da cidade. O posto devido é

posterior aos Conservadores da Lei. Que eles possuam um secretário e possam eleger um

chanceler, e outros ministros no modo e com o salário que lhes aprouver. Que tenham eles – a

autoridade devida e o respeito do povo de Florença259

.

2.5. A força e a formação do exército no Príncipe: como avaliar a força dos

Estados

O Príncipe de Maquiavel pode ser dividido em duas grandes partes, sendo que na

primeira delas, referente aos cap. I-XIV, tem-se como objeto principal da reflexão, a questão

dos principados. Em tais capítulos reflete-se sobre a natureza, o como são formados e como

devem ser mantidos os principados. Destaca-se nesta parte também, sobretudo ao nosso

interesse, as propostas que Maquiavel faz a respeito dos ordenamentos militares, ou seja, das

forças militares que auxiliam o governo260

, ou ainda, a questão propriamente das armas. O que

se enseja compreender na averiguação dos textos do Príncipe é a funcionalidade do

principado. Portanto, neste tópico conclusivo do segundo capítulo, analisaremos, entre outras

coisas, os capítulos XII, XIII e XIV do Príncipe de Maquiavel.

Para Sasso, o critério que qualifica a política e o príncipe, em Maquiavel, não é

necessariamente a sua excelência ética, mas sua funcionalidade e necessidade

prática261

.

258

Cf. CICERO, M. T. Retórica a Herênio, III, 3, pp.153. In: A prudência em Maquiavel e Guicciardini. S/N –

Texto vinculado a PUC-RJ. 259

“Provisão para a Instituição do cargo dos cinco provedores dos muros da cidade de Florença”, pp. 116-117;

pp. 66-69, In: MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio

Kurt Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da

Administração, FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010. 260

MAQUIAVEL, N. O Príncipe, cap. XII - XIV, Trad. José Antônio Martins, São Paulo: Ed. Hedra, pp. 19-20,

2010. 261

SASSO, G. Machiavelli e gli antichi. Napoli: Morano. 1967, pp. 465. Cf. SGANZERLA, A. Maquiavel: A

religião como instrumento da política. Dissertação de Mestrado, São Paulo: PUC – SP, 2004, pp. 65.

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Um aspecto central ao adentrar o Príncipe é definir o que Maquiavel entende por

política. Para o florentino política não é um conceito meramente, é mais do que isso. Trata-se

de ações necessárias para alcançar e manter o monopólio do poder estatal e com ele a sua

autonomia (VINDAS, 2009, pp. 64)262

. No capítulo VI do Príncipe, Maquiavel afirma que a

política se efetiva na verdade das coisas, ou seja, quando as coisas veem nascidas de uma

firme experiência (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 73). E complementa que é preciso crer na

política, ou seja, é preciso crer pela força (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 75).

Quanto aos gêneros e os modos de adquirir os principados, Maquiavel, abre o

Príncipe, no capítulo I, descrevendo o hábito de se ter e obedecer um príncipe. Traz implícito

a questão da vida livre, mas enfatiza o uso de armas e a habilidade da virtú (MAQUIAVEL,

2010[2], pp. 31). Quanto aos principados hereditários, Maquiavel confirma a lógica da força

descrita outrora nos relatórios dos I Primi Scritti Politici, sobretudo quando fala em "força

extraordinária" para a conservação do território (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 33). É preciso

pegar em armas, ter em sua jurisdição, gente armada para manter o poder e a liberdade.

Aproveitar-se da ocasião para precaver-se dos pontos de fraqueza (MAQUIAVEL, 2010[2],

pp. 37). É no capítulo III que o florentino denota que para se combater os inimigos e os que se

injuriam é necessário "que se tenha um fortíssimo exército próprio, pois sempre é necessária a

ajuda dos provinciais para entrar [e manter - acréscimo nosso] uma província conquistada

com muita gente armada e muitos soldados (MAQUIAVEL, 2010[2], p. 35. pp. 40-41).

Maquiavel tem consciência de que "o tempo traz todas as coisas, e pode conduzir

consigo o bem como o mal, e o mal como bem" (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 47). Foi por

este motivo, obviamente ao espírito da fortuna, que a França, que é bem organizada, pode

assaltar Nápoles e com as suas forças tomá-la. O Rei Luis XII (1498-1515)263

da França pode

eliminar os menores poderosos da Itália (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 51).

A força dos Estados se manifestam num esquema específico delineado por

Maquiavel. Primeiramente pelo fato de que o poder é criado com força e com astucia. Pela

força, sobretudo no que diz respeito a violência e a dominação. Já, no que se refere a astucia,

nas oportunidades, tendo em vista a virtú subestimando a fortuna. (MAQUIAVEL, 2010[2],

pp. 55; 65). A lógica da força é reiterada por Maquiavel quando o florentino afirma: "convém

confiar mais na própria força do que na desordem dos outros" (MAQUIAVEL, 2010[2], pp.

262

CASSIRER, E. "La nueva ciencia politica de Maquiavelo: gloria, poder y usos del mal", In: El mito del

Estado, México. Fundo de Cultura Económica, 1968, pp. 138-193. 263

MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Trad. José Antônio Martins, São Paulo: Ed. Hedra, 2010, pp. 265.

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59). A força cria a potência no Estado, por isso a importância do planejamento político

(MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 91. 101).

Entre os capítulos XII e XIV, Chabod os interpreta, afirmando que a questão que se

apresenta à investigação de Maquiavel se dá sobre a organização das forças armadas. Nestes

capítulos, Maquiavel se mantém sob o foco dos problemas político-militares, e isso resulta ao

tipo de milícia que se deve montar, não obstante, trata-se também do ponto de organização, no

caso a virtude do príncipe, e os requisitos pessoais indispensáveis ao governo (CHABOD,

1987, pp. 158-159).

No processo de formação do “soldado cidadão”, insiste Maquiavel que, além das

aptidões físicas serem importantes e necessárias para torná-lo ágil e vigoroso, se

deve considerar também como basilar a formação de seu caráter, uma vez que ser

possuidor das condições físicas é fundamental, contudo estas não podem ser as

únicas, pois há outras qualidades que lhes são fundamentais. Desse modo,

estabelece: " É necessário que ele seja honesto e dotado de pudor, caso contrário se

converte num instrumento instaurador de desordens e um foco de corrupção. De

fato, não é possível jamais esperar qualquer comportamento íntegro, não é possível

esperar uma conduta virtuosa de um homem privado da mais ínfima educação e

embrutecido pelo vício (Da Arte da Guerra, 2002, pp. 79)" (In: POYER, 2013, pp.

73-74).

2.5.1. Interdependência entre "Príncipe, Poder e armas"

Maquiavel abre o capítulo XII do Príncipe com pressuposto de que o regente

político não depende somente de si para manter o poder e a ordem sobre sua jurisdição –

sobre o Estado. E pensa a ordem no sentido de um enfrentamento ao modo de guerra. Por isso

no final deste capítulo ele mesmo afirma que a prudência do príncipe é que fará valer o

desfecho de sua liderança, pois o que tiver prudência – virtù – não terá dificuldades em

manter o ânimo de seus súditos. E, além disso, percebe e salienta Maquiavel que o regente

político necessita de um auxílio alheio que deve ser – em miúdos – compreendido como um

bom exército.

Num primeiro argumento referido a este assunto, Maquiavel trava a reflexão sobre o

ter suficiente dinheiro e homens para a defesa da cidade. Num segundo aporte, e é o que ele

vai melhor desdobrar, trata-se dos que permanecem refugiados, escondidos. A tese é a

seguinte: o líder político deve fortificar bem sua cidade, de modo a não ser fácil alguém

atacar, pois está bem defendida. A idéia de fundo são os empreendimentos. O príncipe deve

ser um artífice de “grandes empreendimentos” para conquistar o povo (Cap. XXI). E neste

conjunto há um detalhe importante que é preciso citar, segundo Maquiavel não ser o regente

político odiado pelo povo (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 131-142).

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No “O Príncipe – Cap. XII: Os diferentes tipos de milícia e de tropas mercenárias: A

base principal de todos os Estados – boas leis e bons exércitos”264

. Os Exércitos mercenários

são – sinal de traição e derrota, pois visando o prestígio pessoal leva ao descrédito a

infantaria. Maquiavel vê a derrocada da Itália pelo fato de ela ter sempre insistido em

exércitos mercenários. Os mercenários, ao exato momento, demonstram a falsidade e a traição

– e como exemplo, cita que o rei Carlos da França pode tomar a Itália a partir desta situação

descrita. No caso foi atribuído um sentido religioso vinculado ao pecado na derrocada italiana.

Pecado? Pensa Maquiavel, foi o que fizeram aos punidos, o erro e o motivo está na má eleição

da guarda da Itália – exércitos mercenários. Ao fundo mesmo em relação às forças

mercenárias – “elas só sabem causar danos” e como danosa consequência “[...] conduziram a

Itália à degradação e a servidão” (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 139).

Quase ao fim do capítulo XII, Maquiavel descreve as conseqüências dos exércitos

mercenários na Itália, dizendo que: “[...] a Itália foi vencida por Carlos VIII, depredada por

Luis XII, violentada por Fernando de Aragão e insultada pelos suíços” e com isso descreve

uma tese de oposição ao que já apresentou a partir do enunciado de que um príncipe em

pessoa no comando angariaria novas posturas e conclusões totalmente contrárias “ad intra” e

“fortunadamente ad extra” em relação aos procedimentos dos exércitos mercenários no

tocante a postura de guerra.

Neste intuito, Maquiavel elenca vários exemplos italianos e cita vários nomes e

situações históricas que demonstram de sua parte dois movimentos – o conhecimento bem

elaborado da história de até então, e uma leitura precisa – no vórtice político – desta mesma

história, dando certo destaque ao comandante Paulo Vitelli, homem de prudência, em sua

postura em relação à conquista de Pisa. Por certo que Vitelli não se deu bem nesta empreitada

em relação a Pisa, e no que concerne aos venezianos, mesmo tendo em vista sua condição de

cidadão de bravura. Maquiavel dispõe um comentário sobre o poder temporal da Igreja em

ascensão exatamente por mancomunações políticas realizadas pelo papa em detrimento a

subdivisões de estados e a pessoas que passaram a governar – o que resulta – segundo

Maquiavel que a “Itália caiu quase inteiramente em poder da Igreja” (MAQUIAVEL,

2010[2], pp. 131-141).

264

A ideia de força apresentada no 1° Capítulo é vista como uma técnica da política e um recurso importante;

porém, já de principio neste 2° Capítulo afirmou-se a importância das leis, que de certo modo, organicamente é o

fator de limite do emprego da força. O recurso à força estrangeira, como ocorreu em Florença, na descrição do

primeiro relatório de Reconquista, constitui a prova mais cabal da ineficiência institucional do Estado. No fundo

da questão da competitividade do Estado estão os bons empreendimentos. Eles são até citados como um fator de

boa liderança e de boa propagação de si mesmo, como ator político, no Capítulo XXI do Príncipe.

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2.5.2. ―O Príncipe – Cap. XIII-XIV: Forças auxiliares, mistas e próprias‖ A causa principal da perda dos Estados é o negligenciar a arte da guerra; e a

maneira de conquistá-los é ser nela bem versado. [...] Em outras palavras [...] é

preciso ter cuidado em se armar, pois [...] estar desarmado significa perder a

consideração – desgraça que um príncipe deve evitar, pois [...] de fato não podemos

comparar um homem armado e um homem desarmado (MAQUIAVEL, 2010[2],

pp. 153-158).

Maquiavel analisa outros tipos de forças militares que podem ser consideradas, num

primeiro plano, como auxiliares. Em relação a este tipo de exército, afirma Maquiavel que é

da eficiência deles que resulta o maior perigo, porque vencendo podem se rebelar. Já os

mercenários são covardes e preguiçosos em relação à luta265

. De certo modo ele já disse que

ter um exército militar auxiliar ou misto é o mesmo que ser abandonado em plena guerra.

Neste capítulo XIII do Príncipe ele não trata de um exército próprio, mas de um auxílio que

venha de outro país/ou cidade. A conclusão deste auxílio pode descambar em duas posturas –

na primeira se eles são derrotados, somos também, mas se eles ganham, pode ocorrer,

assegura Maquiavel, que queiram aprisionar quem os contratou. Como exemplo, cita os

florentinos e seu exército francês no ataque a Pisa, cita também o Imperador de

Constantinopla que contratou turcos para atacar a Grécia, mas, sobretudo destaca o papa Júlio

II que – imprudentemente em sua má política – querendo tomar Ferrara confiou inteiramente

em forças estrangeiras (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 143-145).

No “Príncipe – Cap. XIV: Os deveres do príncipe para com as Milícias” há uma

proposição essencial no dever do príncipe – é o fato de que “[...] não podemos comparar um

homem armado a um homem desarmado”. Por isso é próprio de quem comanda, afirma

Maquiavel, o não negligenciar a arte da guerra, pois é por ela que se exerce a maneira de ser

um bom líder, porquanto o ator político é bem versado em tal arte. De GRAZIA, ao pensar o

binômio – guerra e paz – afirma que “sem exércitos as cidades não se mantém, mas chegam

ao seu fim. O fim se dá ou pela devastação ou pela servidão” (DE GRAZIA, 1993, pp. 174). E

é neste sentido que existem homens que transitam da consideração para desconsideração – foi

o caso dos filhos de Francisco Sforza – que, entre outras coisas de menor significância, não

imitando seu pai, compreenderam que “[...] estar desarmado significa perder a consideração”.

Por isso que o príncipe não pode ignorar os assuntos militares – senão, não será estimado

pelos seus soldados (MAQUIAVEL, 2010, pp. 73).

265

"A sobrevivência é a única justificação válida. Na verdade, não existe ética na natureza. A vida natural na sua

dinâmica cotidiana não está voltada para nenhum fim moral. A lei básica da natureza é a mutação competitiva,

onde tudo se transforma o tempo inteiro e nada se define por ser melhor ou pior. Na natureza, sobreviver é a

glória, não importa de que modo ela é alcançada. Porque, além do mais, existir é como uma vitória que precisa

ser obtida e renovada a cada instante" (NIVALDO JÚNIOR, 1999, pp. 31).

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Em tempos de paz é preciso preparar-se para a guerra, por isso prepara-se o príncipe

quando exercita seus soldados e estuda a história da humanidade. Os príncipes devem se

manter preocupados em relação aos exercícios bélicos – prevendo em seu modo de pensar a

estratégia na paz antes que ocorra a guerra. A estratégia deve ser regida pela ação física e

pelos estudos. A exemplo desta arte, cita Maquiavel o príncipe dos aqueus – Filopêmene –

que ao caminhar em tempo de paz em todo o vale de sua região pensava e questionava seus

oficiais e amigos quanto a uma possível ação inimiga inesperada por aquele local. Portanto

conhecer o local é essencial para levar vantagem na guerra perante o inimigo (MAQUIAVEL,

2010[2], pp. 155-157). Quanto à ação física, ela fortalece o espírito do homem, prepara o seu

corpo para as agruras que são próprias da batalha e ensina na arte da caça a natureza das

regiões da melhor maneira em conhecê-la e em defendê-la. Não obstante o conhecimento, o

mapeamento da região, como já se afirmou, dá ao príncipe uma vantagem nas querelas contra

os inimigos. Por familiaridade, se conhece, através de sua região, as demais. Isto é essencial

ao príncipe – o método de pensar, que em tempo de paz é preciso pensar na guerra. O príncipe

não deve se manter ocioso em tempo de paz, sua prudência está além do que já foi referido

quanto ao preparar-se ativamente, ele e seu exercito. Maquiavel insere a ideia de que o

príncipe deve estudar a história e as ações dos grandes homens, ver como se conduziam na

guerra, examinar as razões de suas vitórias e derrotas, afim de imitar as primeiras e evitar as

segundas (MAQUIAVEL, 2010, pp. 31.34). Se espera do governante uma esmerada

virtude266

. Segundo De Grazia, é preciso concentrar exclusivamente em atos de força, pois

eles fundamentam e mantém o desejo e a possibilidade da conquista e manutenção, no

conflito, da posse do poder e do controle da situação.

Como o poder se funda exclusivamente em atos de força, é previsível e natural que

pela força seja deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião nem a tradição,

nem a vontade popular legitimaram e ele tem de contar exclusivamente com sua

energia criadora (DE GRAZIA, 1993, pp. 168).

2.5.3. César Bórgia e Carlos VII: visão de um exército próprio e

fundamento da prudência, lealdade e vitória genuína Quem é a figura de César Bórgia

267 no relatório e na obra posterior de Maquiavel,

senão a ideia de um homem capaz de comprovar a força de sua virtù na ação e na resistência à

266

“A guerra é um assunto da política e está relacionada a escolhas dos homens. Guerras e revoluções têm em

comum entre si o fato de serem símbolos da força. Porém as guerras e revoluções não possuem um valor nem

uma legitimidade em si. Suas ações são julgadas pelo êxito, pelo reconhecimento público e de acordo com as

circunstâncias históricas. Ela é a arte, segundo Maquiavel, daqueles que comandam” (COELHO; MENEZES. “A

política da guerra em Maquiavel”. Rev. Bras. Ciênc. Polít. n.12 Brasília Set./Dec. 2013, pp. 3). 267

“O duque Valentino nasceu em 1475 ou 1476. No ano em que Cesare completou 17 anos, seu pai Alexandre

VI tornou-se papa. Antes disso, aos sete anos tornou-se Prebenda da Catedral de Valência, e um ano depois

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fortuna. É como se César Bórgia, o Duque Valentino, agisse para construir a própria história.

Se antecipa aos dados políticos frente ao “tempo propício de ação”; antevê as necessidades, as

carências, as oportunidades e ocasiões. Pode o homem desconsiderar o determinismo da

fortuna? Para Maquiavel, César Bórgia deve ser visto e compreendido como a encarnação de

dois tipos de políticos: (1) aquele modelo típico – condotieri italiano – que chega ao poder

rejeitando todos os princípios éticos [entendido como ética cristã] e por outro, (2) o modelo de

estadista reformador. César Bórgia possui virtù com excelência, é politicamente armado e

sabe aproveitar a ocasião, pois antecipa-se em ações, no que denomina-se nesta pesquisa

como previsibilidade268

.

No ano seguinte Maquiavel se dedicou quase inteiramente ao conflito envolvendo

Florença e Pisa. Embora ambos os autores afirmem que a cidade foi perdida graças à

interferência de Carlos VIII e suas tropas, White (2007, p. 61) coloca que tal fato se

deu no governo de Savanarola, enquanto Viroli (2002, p. 59) versa ter sido perdida

quando Piero de Médici mantinha-se no poder. Independentemente disso, a perda de

Pisa desencadeou uma série de confrontos envolvendo as duas cidades. Inicialmente,

sob o comando de Paolo Vitelli e com um exército mercenário, Florença acabou

sendo derrotada após estar muito próxima de recuperar a cidade (MORO, 2009, pp.

41)269

.

A pertinência deste celerado homem e personagem de Maquiavel em face aos

demais homens, tidos por “frágeis”, se torna um forte indicativo e indício de política

substanciada em virtù. Ao ser posto à prova em outras ocasiões, César Bórgia iludiu-se quanto

ao seu poder para decifrar os desígnios erráticos da fortuna. Mesmo que tenha lutado, seu

esforço foi em vão, pois “a fortuna lhe arrebatou aquilo que lhe dera, apesar de seus esforços

para transformar a contingência do começo em necessidade histórica” (ALTHUSSER, 1, pp.

243)270

.

Althusser dá como certo que a habilidade humana para realizar ações variadas é o

que produz maior segurança a quem deseja se manter no poder. Ele se vale da já

muito discutida avaliação de Maquiavel sobre a relação entre a boa e a má fortuna

com o modo segundo o qual os homens procedem no tempo (BARROS, 2011, pp.

57).

Protonotário Apostólico da cidade. Aos nove anos recebeu o título de Reitor de Gandia e Preboste de Albar e

Jativa. Em seu décimo aniversário tornou-se tesoureiro de Categena. O filho de Rodrigo Bórgia estudou teologia

na Universidade de Pisa e aos 18 anos tornou-se cardeal. Dentro de uma lista de inúmeros crimes, destaca-se a

suspeita do assassinato do irmão Giovanni. Alguns historiadores defendem que a causa do assassinato tenha sido

por ciúmes do poder que o irmão vinha ganhando, enquanto outra ideia refere-se a ciúmes sexuais relacionados à

sua irmã Lucrécia, de 13 anos” (WHITE, 2007, p. 97-98). 268

BARROS, F. D. “Um Maquiavel de Althusser – Acerca do fundamento da Filosofia Política

Contemporânea”. In: Cadernos Espinosanos XXV, Universidade de São Paulo, 2011, pp. 55-66. 269

MORO, E. J. “Duque Valentino: O Príncipe ou um príncipe de Maquiavel?”. In: Revista ALPHA. Patos de

Minas: UNIPAM, (10): pp. 38-48, dez. 2009. 270

Citado por BARROS, F. D. “Um Maquiavel de Althusser – Acerca do fundamento da Filosofia Política

Contemporânea”. In: Cadernos Espinosanos XXV, Universidade de São Paulo, 2011, pp. 55.

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SABATINE descreve a vida de Cesar Bórgia exatamente sob a ótica da força-virtù e

das armas-ocasionais. O “exemplo” de Cesar Bórgia no capítulo VII do Príncipe é complexo.

Já citado noutro momento, as ações específicas do Duque Valentino, que tinha gerado sua

reputação como um homem totalmente sem escrúpulos, violento, não estão em causa para

Maquiavel. Ao contrário, é neste capítulo que Maquiavel o aclama como modelo de político

moderno, que se sustenta na ideia de força e armas. É o espírito e a coragem de usar a força

como um dos meios para criar um novo regime de ordem política que faz com que Maquiavel

identifique César Bórgia aos fundadores louváveis de Estados e Principados descritos no

capítulo VI da mesma obra.

Embora, neste sentido, as ações de César ilustrem um tipo exógeno de “virtude

política”, que deve ser entendido como ausência do correlato objetivo de estabelecer "boas

leis". Ele ilustra o problema de tratar a ideia de fortuna diverso ao procedimento de César

Bórgia, ou seja, a retrata como uma mulher, com requintes de fragilidade. Se César Bórgia

pereceu em face dela [fortuna] a quem quis opor-se e construir uma história sem

determinismo, como um sujeito comum poderá desta forma, dominá-la? Todos portamos

alguma virtù, alguma força para agir, mas, por si mesma, esta é simples ausência de conteúdo

positivo. Como nem todos são capazes de introduzir uma ordenação na indeterminação, então,

nem todos provamos nossa virtù na ação. Por isso, a virtù é comprovada, em si mesma,

quando ela é posta em prova na ação. Ela “nada mais é do que fenômeno da fortuna – e não o

seu contrário; é a necessidade, não é produto da virtù, mas a virtù é produto da necessidade”

(ALTHUSSER, 1, pp. 244)271

.

Não por outro motivo, Althusser insiste em mostrar que a análise desse termo não

poder estar descolada da experiência histórica, da matéria disforme. Esta ideia reflete com

exatidão a situação política de Maquiavel, ou seja, a impossibilidade em que ele está de

mostrar o vínculo entre a necessidade que anuncia o novo Príncipe e a contingência radical de

seu surgimento. Aquele que deve fundar a ordem, fazer da história um rio pacífico a correr

entre seus diques, é ao mesmo tempo requisitado pela situação, por uma necessidade surda,

mas cega da história (ALTHUSSER, 1, p.244-5)272

.

Há quem afirme que a figura de César Bórgia representa a fortuna negativa, ele

encarnaria nessa acepção a má sorte na ação política. Por que atribuir seu fracasso à

indeterminação e não àquilo que nele falhou quando este deveria impor resistência à fortuna?

271

Citado por BARROS, F. D. “Um Maquiavel de Althusser – Acerca do fundamento da Filosofia Política

Contemporânea”. In: Cadernos Espinosanos XXV, Universidade de São Paulo, 2011, pp. 55. 272

Cf. Ibidem, pp. 56.

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Para Haney (2005) o Duque Valentino era um homem, cuja sofisticação e selvageria viviam

em iguais proporções. Estas eram qualidades as quais Maquiavel admirava e considerava

indispensáveis para um governante Tal personagem condensa sobre si o exemplo do erro, de

uma impotência radical que não diz respeito ao quantum da força, mas à qualitas da

compreensão sobre como agir na matéria histórica.

A fortuna (negativa) nada mais é que a incompreensão humana da necessidade dos

tempos, aqui estamos numa necessidade de direito inteligível ao homem. Toda a

(má) fortuna humana é a incompreensão e a cegueira humana para as

transformações dos tempos, ou seja, para o fenômeno de crescimento e de devir da

sociedades. E a fortuna positiva é a capacidade dos homens de adaptar-se às

situações existentes e à evolução delas (ALTHUSSER, 1, pp.245-6)273

.

Na História de Florença Maquiavel se propôs a escrever a história da cidade desde

sua fundação até a morte de Lourenço de Médici, o magnífico, em 1492. No relato detalhado

de Florença, fica clara a posição do autor em marcar o poder das famílias na constituição

desta cidade. A cidade é tratada com sendo uma família, ou seja, um amontoado de pessoas

unidas por traços comuns. Nesta família – o poder esta sempre em disputa. Maquiavel trata

essa disputa por divisões partidárias, entre pró-papas ou pró-império. Mas acima dessa disputa

a construção de sua história se faz pela reconstrução dos bastidores da ação política, onde ele

procurou demonstrar a ação desses príncipes, de como agiam, de como tramavam suas

conquistas e de como a mantinham/ou não, enfim, de como estabeleciam seu jogo político.

Nessa disputa de poder os conceitos de fortuna e virtú são colocados como inerentes

ao homem. O homem que dispõe de virtù consegue desviar-se da fortuna, ou até mesmo

manobrá-la, mas o desprovido desta fica a mercê da sorte. Nesse ficar a margem da ação, do

vir virtutis, Maquiavel coloca a presença da igreja como sendo um poder em ascensão entre

seus contemporâneos. A tônica é o modo de agir dentro de seu contexto, concordando com

Febvre (citado por MATOS) quando diz que:

o conhecimento do passado consistirá, então, em sua interpretação e organização a

partir de problemas e através de conceitos. O resultado final é um passado que o

presente tem necessidade de conhecer. O tempo reconstruído está, e isto é

explicitado, a serviço do presente (MATOS, 2006, pp. 35. 174).

Assim, concordando com a citação, entende-se que Maquiavel quando da escrita de

suas obras, colocando suas questões contemporâneas, como sua fonte de questionamento para

273

Cf. BARROS, F. D. “Um Maquiavel de Althusser – Acerca do fundamento da Filosofia Política

Contemporânea”. In: Cadernos Espinosanos XXV, Universidade de São Paulo, 2011, pp. 56.

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as problemáticas do seu tempo, pode-se entender a seguinte premissa “o oficio do historiador

contemporâneo é, antes de tudo, saber ocupar os espaços”.

Na verdade uma vitória genuína se faz com exército próprio, e não com outros tipos

de milícia. Isso faz com que um príncipe seja efetivamente prudente. Fazendo referência a

César Bórgia, único senhor de suas forças, Maquiavel o descreve como um líder prudente, que

de exército mercenário passou ao auxiliar e ao fim das contas passou a contar consigo mesmo

e seus próprios soldados. Outro nome referendado é o de Hierão de Siracusa que percebendo a

inutilidade das tropas mercenárias mandou chacinar os soldados, e passou a guerrear com suas

próprias tropas. Maquiavel enriquece a descrição quando afirma que: “armas alheias

sobrecarregam e limitam, quando não falham”. Posterior a estes dois exemplos, o florentino

cita um de exército misto. É o caso da união da França com soldados suíços. Carlos VII

investiu numa infantaria francesa, porém seu filho, Luis XI preferiu recrutar soldados suíços.

A conclusão foi o desânimo dos soldados próprios e o erro fatal foi a França ter perdido a

oportunidade de ter se tornado invencível se tivesse insistido no modelo de Carlos VII.

Assim, conclui Maquiavel, que são poucos os príncipes que logo de inicio são

verdadeiramente sábios. E o príncipe sábio274

– ao contrário de inúmeras situações históricas

de imprudência e falta de sabedoria, repousa seu governo na ideia de que “nada é tão fraco e

instável quanto a fama de uma potência que não se apóia na própria força”, e a força própria

de um príncipe, são seus súditos, cidadãos ou servos, ademais são todos mercenários

(MAQUIAVEL, 2010, pp. 5). César Bórgia possuía virtù, ele é qualificado como homem da

política e não como tirano, isto porque

os tiranos são criticados não pelo uso da força, mas pela mediocridade do uso que

fazem dos meios extraordinários [...] pois a compreensão do comportamento político

dos homens é a compreensão do comportamento medíocre dos homens

(BIGNOTTO, 1991, p. 103).

2.6. A prudência que fortalece a vida de homens de virtù

A lógica força é uma necessidade teórica e prática frente aos novos desafios internos

da conquista e manutenção do poder estatal, e realizando a demonstração das habilidades dos

274

Um príncipe sábio será guiado acima de tudo pelos ditames da necessidade: “para manter sua posição” ele

“deve adquirir o poder de não ser bom (...), e entender quando usá-lo e quando não o utilizar” segundo exigirem

as circunstâncias. (...) Um príncipe sábio “mantém-se fiel ao que é bom quando pode”, mas “sabe fazer o que é

mau quando isto for preciso”. Além disso, deve reconciliar-se com o fato de que, se quiser “manter seu

governo”, “com frequência precisará” agir de modo “contrário à verdade, contrário à caridade, contrário à

humanidade, contrário à religião”. Cf. SKINNER, Q. Maquiavel – pensamento político. Brasiliense, 1988, pp.

63.

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jogos políticos e de seus atores bem sucedidos, salienta-se neste tópico que, se deve dar

atenção também aos variados conflitos existentes externamente no cenário Renascentista e na

pré-modernidade, isso porque Maquiavel baseia sua reflexão sob o ordenamento da ação em

vista da guerra, alicerçando o uso da força sob os conceitos de virtù, prudência e retórica

(considerando esta última em seu uso coordenado, e por vezes coercitivo).

A força garante a paz, a esperança e a liberdade. Garante a paz no sentido de

demonstrar o mandante locatário, o regente local, o ordinário caracterizado, garante a

esperança, enquanto esta é conquista e possibilidade efetivada, e garante a liberdade, no

sentido de dependência da lógica pressuposta275

. A força, como se viu, é uma eficaz

possibilidade de ação efetiva. A força é uma extensão prática e técnica da virtù276

.

Na configuração do estado moderno, a escolha primaz da dominação e do controle

estatal é subsidiada não pelo amor providencial, como se vê na obra de Marchand em relação

aos disjuntivos prescritos nos Scritti de Maquiavel, mas pela força violenta, de tal modo que o

próprio Florentino aponta em certas passagens de seus relatórios, e de modo especial, neste

tópico, um segundo momento determinante da manutenção dos valores e das conquistas da

política: a retórica e a prudência, ou como TEIXEIRA nos apresenta - a retórica prudencial.

Partindo dos I Primi Scritti Politici e do Príncipe, a prudência e o uso da palavra

aparecem como itens coligados à excelência da virtú e podem ser consideradas como extensão

da força e, enquanto tais, são decisivas na conservação e manutenção do poder efetivado277

.

Ao lado das boas armas e das boas leis, a excelência humana é prevista como boa educação

(entendida enquanto processo contínuo de formação) a ser imitada (POYER, 2013, pp. 30).

Estas habilidades dos atores políticos fazem com que alguns se destaquem socialmente, e por

isso são ícones nas obras de Maquiavel. É o caso do Duque Valentino, César Bórgia e de

Castruccio Castracani. A boa educação é ponto chave para compreender a fortuna e o cálculo

matemático da oportunidade, sobretudo baseados na ideia de retórica prudencial.

275

Nos I Primi Scritti Politici tal termo - virtù - é preenchido com conteúdos de natureza política, procurando

apreender o fato que tinha diante de si, que era a existência de estados territoriais. Termos como cidade,

principado ou república, carregados dos usos medievais, parecem insuficientes para dar conta deste novo

fenômeno. Esta inadequação conceitual parece reveladora do descompasso existente entre as antigas estruturas

institucionais de origem comunal e as novas exigências do então recente fenômeno que eram os estados

territoriais (PANCERA, 2010, pp. 99). 276

A força explica o fundamento do poder, porém é a posse de virtù a chave por excelência do sucesso do

príncipe. Sucesso este que tem uma medida política: a manutenção da conquista. O governante tem que se

mostrar capaz de resistir aos inimigos e aos golpes da sorte, “construindo diques para que o rio não inunde

planície, arrasando tudo o que encontra em seu caminho”. O homem de virtù deve atrair os favores da

cornucópia, conseguindo, assim, a fama, a honra e a glória para si e a segurança para seus governados. 277

O político é pensado aqui não em oposição à retórica, mas como um campo por ela impregnado; e Maquiavel

é considerado o autor que explorou de maneira mais aguda, quase à exaustão – e não necessariamente por meio

de reflexões teóricas –, as diversas possibilidades que se abrem no entrelaçamento entre retórica e política. Cf.

TEIXEIRA, 2010, pp. 333. In: Revista Topoi, v. 11, n. 21, jul.-dez. 2010, pp. 332-334.

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O que se chama de retórica prudencial nada mais é do que o pleno e bom uso da ação

em justa medida e das palavras que convencem. As palavras se verificam, sobretudo nas leis

do Estado, e são indispensáveis para o controle da vida citadina. A prudência, por sua vez, na

longa tradição desde Aristóteles, passando por Cícero e Tomás de Aquino, se constituiu por

muitos séculos um aspecto decisivo da reflexão ético-retórica e filosófica até a chegada do

Renascimento italiano e no mundo ibérico do século XVII278

. Sobre a retórica, por exemplo, o

romano Cícero afirmou que

o orador deve mirar o conveniente não só nas ideias, mas também nas palavras. É

que as pessoas em diferentes circunstâncias, de classes distintas, com prestígio

pessoal diferente, de diferentes idades, e os diferentes lugares, momentos e ouvintes

não devem ser tratados com o mesmo tipo de palavras ou ideias. Há que se ter em

conta todas as partes do discurso, da mesma forma que na vida, o que é conveniente:

e o conveniente depende do tema que se trate e das pessoas, tanto as que falam como

as que escutam (CICERO, 2004, I, 71 apud TEIXEIRA, 2010, pp. 134-135).

Contextualizando os conceitos, pode-se dizer que a virtù vem acompanhada de

conhecimento, e tem um caráter teleológico de ação, pois é impulsionada pelas coisas que são

imediatas (POYER, 2013, pp. 23). E Maquiavel, categoricamente distingue a virtù das antigas

hierarquias e esquemas tipológicos de virtudes, pois não se imita a virtù, ela se conquista, pois

ela é força e potência, é antecipação e sigilo (POYER, 2013, pp. 24). O que possui virtù deve

ser ao mesmo tempo - obstinado, flexível e prudente e não pura e simplesmente mimético.

Interessa neste capítulo também o que Maquiavel, e mais tarde, Francesco

Guicciardini, afirmaram sobre a questão da prudência e seu vinculo com a retórica, com o uso

adequado da palavra. Ao seu tempo, na Renascença, Maquiavel encontra o seguinte cenário:

os domínios da prudência, em uma República como Florença entre 1494 e 1512,

[tempo de nosso recorte dissertativo] associavam-se à prática de aconselhamento nos

foros de discussão (como pratiche da República florentina) ou de deliberação (como

no Consiglio Maggiore) e também à ação no exercício das diversas magistraturas

(como na Signoria). Já num principado, ou num regime stretto, a ação se

concentrava nas mãos do príncipe, dos condottieri e seus homens de confiança;

neste caso, cabia aos conselheiros orientar a ação principesca segundo o bom juízo.

Em todas as instâncias referidas a mera atinência ao critério calculativo da prudência

não basta, isto porque o princípio do reconhecimento público da prudência orienta o

(presumível) prudente no sentido da busca de efeitos esperados e desejados, por isso

mesmo regrados. Ainda mais importante: não existe um cálculo prudencial anterior à

elaboração discursiva; o discurso não é o meio transparente que dá vazão a ideias, e

sim o produto de uma complexa operação onde os elementos convencionais

mobilizados na argumentação – a disposição, o emprego de lugares-comuns,

entendidos como “argumentos-padrão” ou “pequenos-discursos” (LECHNER, 1962,

pp. 72-73), as técnicas de amplificações, etc. – estruturam a urdidura dos juízos

prudenciais. Pela mesma razão, prudência e decoro letrado são indissociáveis

(KAHN, 1985, pp.39). O prudente, além de se mostrar habilitado a deliberar, sem

timidez e com bom juízo, sobre as melhores ações a seguir ou evitar num

278

SANTI, V. A. La ―Gloria‖ nel Pensiero di Machiavelli. Italy: Longo Editore – Ravenna, sd, pp. 19, 21.

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determinado momento, deverá, da mesma forma, saber como se portar, o que dizer

ou escrever segundo a ocasião – diante de iguais, de superiores ou de inferiores, de

acordo com as hierarquias sociais (TEIXEIRA, 2010, pp. 134)279

.

Dentre os desafios oferecidos e propostos por Maquiavel, um deles é o de indicar que a

virtù dos grandes atores é o verdadeiro segredo da grandeza dos principados e das repúblicas do

passado e que é nela que se devem inspirar os que querem imitar seus modelos. O prudente

delibera bem. Calcula o que se deve falar e o quando se deve calar. Segundo Teixeira, pode-se

falar que: "prudência e decoro letrado são indissociáveis". Portanto, a busca por caminhos para a

realização no presente da antiga virtù e conquista da glória é proposta singular à lógica da ação

política maquiaveliana. Em suas obras, Maquiavel apresenta o conceito de glória com

interpretações diferenciadas, ora como adjetivo que se refere à ação tanto individual como

coletiva, ora como substantivo, no qual ele enfatiza o aspecto dinâmico da “glória” de conquista

(POYER, 2013, pp. 27).

De fato, a glória de conquista, de convencimento, de uso oportuno, seja das palavras

ou das ações, é determinado pela reta razão de agir (prudência). A glória é a superação de

obstáculos que impedem a caminhada bem sucedida do ator político ou da instituição estatal.

Por isso, a redifinição do conceito de prudência, não só como previdência ou cautela, que foi

realizado pelos humanistas, ais como Leonardo Bruni, Giovanni Pontano, Poggio Bracciolini

é muito importante para a análise que Maquiavel faz em seu conjunto de obras, pois

transparece como fato moral, como ação determinante ética, pois a prudência é a destreza que

pode, com certo método, discernir o bem e o mal, é a reta razão do agir280

.

Ainda sobre o discurso da prudência, Maquiavel afirma que

resta discorrer agora qual regime político surgiu depois de 1512, e quais são seus

pontos fracos e fortes [...] É verdade que tendo nascido como nasceu, pela morte do

Duque de Urbino [Lorenzo de‟ Medici], e como se deve tratar aqui de novos modos

de governo, me parece, para mostrar minha boa fé para com a Vossa Santidade, que

não poderei errar ao dizer o que penso, e primeiramente falarei da opinião de muitos

outros, conforme me pareceu que pensassem, depois acrescentarei a minha opinião,

279

Por ser virtuoso, o príncipe deve ser o guardião da justiça na terra, já que os homens comuns, imperfeitos pelo

pecado, esquecem da caridade divina que deveria reger o mundo, sendo sua função atuar como ministro da

razão. O príncipe faz justiça entre ele e seus súditos e entre os súditos entre si. Quanto à primeira, o povo é

obrigado a dar todo o apoio possível ao príncipe par que ele possa manter a paz interna e, portanto, a justiça.

Quanto à segunda, deve conceder bons magistrados para resolver as contendas, sempre atento para não colocar

na cadeira de magistrado pessoas que buscam somente benefício próprio, ou ainda que sejam contra o príncipe,

pois aí estará instaurado o reino da discórdia, o rancor da nobreza e os rumores entre o povo (BOTERO, G. Della

ragion di stato. A cura di Chiara Continisio. Roma: Donzelli Editore, 1997, p. 22-23.27 apud NUNES, 2008,

pp. 140). 280

Cesare VASOLI afirma: "Ma il valla sapure, e lo afferma senza esitazioni, che la storia offre all`uommo un

sapere `civile` e un insignamento de prudentia assai suepriori di quello recato de la filosofia" (pp. 230).

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da qual, se estiver errada, peço que Vossa Santidade me desculpe, considerando-me

mais afeiçoado do que prudente281

.

Fica até então claro que os conceitos de virtù e prudência são muito importantes,

enquanto temas complementares à lógica da força no pensamento de Maquiavel. São

conceitos chave da liderança política moderna. De tal modo evidenciam a virtú

destacadamente em homens de excelência. Pois, se por um lado, a força é um braço da virtú,

por outro, a prudência é a capacidade de agir retamente, portanto complementar a lógica

renascentista282

.

No capítulo VI do Príncipe, referindo-se a Moisés, Ciro, Rômulo e Teseu, enquanto

homens de excelência, Maquiavel fala em nuovi ordini i modi, ou seja, introdução de novas

instituições e de ações acima da fortuna. Ações exceletissimamente prudenciais (POYER,

2013, pp. 31). Num período denominado como calamitá (TEIXEIRA, 2010, pp. 114), a

prudência torna-se uma intervenção primordial nas questões e nos papéis relevantes da ação

política. A glória, enunciada como resultado da boa política, da ação baseada em fatos, é fruto

da boa tríade entre força-virtù-prudência/retórica.

Assim, para entendermos a prudência partimos de sua etimologia

[do lat. Prudentia.] S. f. 1. Qualidade de quem age com moderação, comedimento,

buscando evitar tudo o que acredita ser fonte de erro ou de dano. 2. Cautela,

precaução. 3. Circunspeção, ponderação, cordura, sensatez: Leu os autos com toda a

prudência283

. Ser prudente, para MAQUIAVEL, e mais tarde para seu leitor

GUICCIARDINI (1993, p. 115), é olhar para as “coisas do mundo” de forma

penetrante, com occhi che penetri drento, separar o substancial do acidental,

mergulhar nas motivações dos homens procurando antever com alguma margem de

281

Discurso sobre a situação dos florentinos depois da morte de Lorenzo de‟ Medici, o jovem. Lorenzo di Piero

de' Medici, (Florença 1492 – 1519) foi governante de Florença e Duque de Urbino, era filho de Piero Lorenzo

de‟ Medici e Alfonsina Orsini. Este discurso, provavelmente, foi escrito para o papa Leão X (Giovanni di

Lorenzo de Medici) em 1520, atendendo ao pedido do Cardeal Giulio de‟ Medici, futuro papa Clemente VII. 282

Maurizio Ricciardi afirma em seu texto – “A República antes do Estado: Nicolau Maquiavel no limiar do

discurso político moderno” – que dando destaque a fantasia, às atitudes e à natureza humana, Maquiavel

transforma o conceito clássico de virtude de uma maneira que ele alcance tanto a capacidade de planejamento

quanto o desejo, elementos que devem produzir a capacidade e as formas de adequar-se aos tempos. Segundo o

autor, quanto a fortuna – par antitético da virtù, ela permite estabelecer a verdadeira natureza dos tempos e, em

consequência, ela representa aquele “bem, que o rigor da época e da sorte não lhe permite trilhar”, mas deve ser

ensinado “na esperança de que, dentre todos os que puderem compreende-lo, haja um, favorecido dos céus, que

siga este caminho”. Maquiavel afirmou estas ideias nos Discorsi II, 25, tradução portuguesa p. 191. In: DUSO,

G. (org.) O Poder: História da Filosofia Política Moderna. Tradução Andrea Ciacchi, Lísia da Cruz e Silva e

Giuseppe Tosi, Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. Cf. Também NUNES, E. A Política à meia luz: ética, retórica e

ação no pensamento de Maquiavel, pp. 49-55, São Paulo: EDUC, 2008. Neste estudo sobre a virtú, Maquiavel

volta aos clássicos e se afasta do consenso entre cristãos e pensadores da antiguidade, como Cícero, que

mantinha uma visão de virtude humanista abrangente se não, única. Neste sentido, a virtude apresenta três faces

na obra de Maquiavel; ora uma virtude para príncipes, analisada no Príncipe, ora uma virtude cívica tratada nos

Discursos e, finalmente, uma virtude militar, apresentada na Arte da Guerra. 283

FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário Aurélio, pp.1.651.

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segurança – nunca, porém, com certeza absoluta –, as motivações, ações e condutas

dos agentes políticos284

.

O ambiente humanista, como se viu, teve sua parcela de contribuição na

desenvoltura do que se denomina filosofia política moderna, da análise com "certa

segurança", pois, em primeiro lugar, as suas origens estão vinculadas diretamente aos esforços

da aristocracia florentina, e nesta destaca-se os homens de excelência de virtú. É sobre esta

situação que o prudente vai depositar seu olhar penetrante, por dentro das razões. Os vários

escritores e autores deste período eram de famílias nobres que gozavam de situação social

excepcional. Um aspecto muito importante deste cenário se molda entre o fim do Trecento e o

inicio do Quattrocento, onde os principais personagens são os que manifestam posições

interessantes às classes republicanas. As conversas políticas “nos corredores da aristocracia”,

bem como os escritos da nova moldagem da cidade são assuntos do dia em política. Este

cenário revela uma ambiência de virtú na visão das obras de Maquiavel. O humanismo é um

período da renovação e da exaltação da prudência, pois

a prudência é o conhecimento do que é bom e daquilo que é mau, e do que não é

nenhum dos dois. Suas partes são a memória, a inteligência e a previsão

[providentia]. A memória é o que permite à mente revocar o passado; a inteligência,

o que faz compreender o presente; a previsão, o que permite conhecer a realização

de uma coisa antes que aconteça (CICERO, 1997, II, 160).

Se há conexões disjuntivas, por exemplo, entre a ação e a contemplação, entre a

força e o amor, entre o exército próprio e os mercenários/mistos, há também uma teorética

entre a palavra e a neutralidade, entre a virtú e a falta de habilidade e de senso para com a

oportunidade, enfim, entre a prudência e a imprevidência. É neste sentido que o fazer político

moderno, enquanto laboração da comunidade humana se torna um ato específico que foi

tomando forma de corpo, sobretudo na modernidade, com algumas obras e reflexões famosas,

tais como o próprio Príncipe e O Leviatã de Thomas Hobbes, entre outras obras, e moldaram

um cenário laico de se pensar a coisa publica e as relações sociais, porque não contratuais,

entre os convivas de uma cidade, região, etc. Se com o "muque se conquistou, agora [...] com

a palavra se governará e se manterá o status quo" vai afirmar Maquiavel nos Discorsi.

Russel Price, ao se debruçar sobre essa questão, nos diz que

o modo como o termo „virtù‟ é usado tanto por Maquiavel quanto por seus

contemporâneos é informal e pouco técnico; grande parte das palavras usadas por

Maquiavel são cotidianas e ele raramente define ou explica de forma cuidadosa os

284

GUICCIARDINI, F. "Oratio Consolatoria”. In: Consolatoria, acusatoria, defensoria. Autodifesa di un

politico. Bari, Laterza, 1993.

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termos que usa. Isso torna o estudo de palavras como „virtú‟ não somente necessário

mas também muito complicado285

A virtù, embora seja um fator subjetivo, ou seja, que é inerente ou não à figura do

governante, só tem razão de existir, como já foi dito, em função de uma organização social. A

virtù, assim, requer que o governante aja de acordo com a necessidade. O governante precisa

ser virtuoso inicialmente para obter o poder e posteriormente para mantê-lo. Mas suas ações,

virtuosas ou não, não são ações isoladas enquanto praticadas como governante. Dizem

respeito ao Estado e, em última instância, ao povo. Nesse sentido as ações do governante

sempre dizem respeito à sociedade. E, mesmo que ele possua esse caráter subjetivo que, por

sua vez, o torne dotado de virtù, precisa agir necessariamente em relação ao Estado, ao povo e

enfim, em relação a homens (SOUZA, 2003, pp. 65). Ora, é justamente nos homens que se

encontra o eixo do nosso problema. São eles que constituem uma das causas segundo a qual a

virtù não pode ser constante e estável, permanecendo integralmente boa. Em resumo, a virtú,

oscilante entre o bem e o mal, só se torna uma condição necessária para a obtenção e

manutenção do Estado porque os homens são maus (assim como citamos na antropologia

negativa de Maquiavel, na obra de BIGNOTTO). É a "maldade" inerente à condição humana

que torna a virtù tão crucial para que o governante tenha êxito.

A „virtù‟, ou seja, „capacidade de flexibilidade moral‟, indica, como o próprio

conceito expressa, que o governante não deve se prender a uma moralidade que

coloque suas ações em estado de inércia. Por isso, não se pode imaginar que uma

moral do bem (como a cristã) ou mesmo uma suposta moral do mal, possa se

configurar como „virtù‟. Por atuarem nos extremos não constituiriam, pelo menos de

um modo em geral, um conjunto de ações apropriadas para que se possa conquistar e

governar da melhor maneira possível (SOUZA, 2003, pp. 68).

O homem de virtù não se produz ao mero acaso, mas apresenta uma conduta

significativa e significante em suas ações (POYER, 2013, pp. 26). AMES assinala o termo

utilizado por Maquiavel em relação a atitude de homens de palavras, tais como o já citado

Frade Savonarola, porque as preces não estabelecem, nem fortalecem e mantém os

principados (2002, p. 185 apud POYER, 2013, pp. 34). Homem de virtù é um homem

prudente. A palavra prudence deriva da palavra latina prudentia. O termo foi delongadamente

estudado e valorizado pelos medievais, sobretudo por Tomás de Aquino, o qual tem em sua

Suma de Teologia um estudo aprofundado sobre esta virtude, no séc. XIII. Existe uma

avaliação na aplicabilidade, sobretudo no que se refere ao caráter intelectual da prudência

285

PRICE, R. “The Senses of virtù Machiavelli”. In: European Studies Review, 1973, 3, (pp. 315). Citado por:

SOUZA, F. R. B. Virtù e valores no pensamento de Maquiavel. Dissertação de Mestrado. Departamento de

Filosofia da UFMG, Belo Horizonte, 2003, pp. 58.

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(reta ratio agibilus). O adjetivo prudens é atestado por diversos autores, e conforme a

etimologia, a prudência vem de outro termo – providência286

.

Pois o homem que queira professar o bem por toda parte é natural que se arruíne

entre tantos que não são bons. Para um príncipe é necessário, querendo se manter,

aprender a poder não ser bom e usar isso, conforme precisar287

.

De grande relevância para a compreensão da política é a sua relação com a ética, que

a partir de uma análise baseada no realismo ganhou uma nova perspectiva. O r1ealismo

político expressado por Maquiavel e posteriormente pelo pensador alemão Max Weber, vai

impactar a noção de uma política idealizada que possa produzir o bem somente pelos

caminhos do bem. Para Maquiavel o bem supremo a ser preservado é o Estado, para este

desiderato não é possível ser guiado por condutas éticas que limitem a luta em defesa da razão

de Estado. Weber, quatro séculos depois, abrigará este pensamento defendendo que existe a

ética da convicção e a ética da responsabilidade. A primeira é estabelecida a priori, a segunda

é aquela que será julgada pelos resultados produzidos pelas ações, próprias do campo político

(BONAVIDES, 2003, pp. 36).

adquirir virtù naqueles que tu imitas, deve um homem prudente seguir sempre

pelas estradas percorridas por grandes homens, e imitar aqueles que foram

excelentíssimos, afim de que, se a sua virtù não os alcançar, ao menos recebe deles

algum aroma (MAQUIAVEL, 2010[2], pp. 69).

Outro polo da concepção maquiaveliana da ação política é a ideia de fortuna.

Herdada dos romanos, a deusa da roda se apresenta como aquela que retira dos homens tudo

aquilo que conquistaram, quando decide mudar o curso das coisas sem aviso prévio. A

fortuna é a antítese do juízo prudencial. Pois a fortuna aparece sempre como uma força que

não pode ser inteiramente dominada pelos homens, portanto, fora da ética da

responsabilidade. A fortuna representa o elemento de imponderabilidade das coisas

humanas. Embora a natureza humana seja repetitiva e que valha a pena recorrer à história

para aprender com seus exemplos, não sabemos nunca como uma determinada situação

286

SAINT THOMAS D‟AQUIN. Summe Théologique – La Prudence, pp. 375, Traduction francese par TH.

Deman, O. P, Editions de La Revue des Jeunes, Paris, Tournai, Rome, 1949. Sobre o mesmo tema, Cícero afirma

na obra República VI, I: "Totam igitur expectas prudentiam hujus rectoris, quae ipsum nomem hoc nacta est es

providendo". 287

Cf. MAQUIAVEL[2], 2010, pp. 159. Cf. também AUBENQUE, Pierre (2003, pp. 154) afirma que “os latinos

não estavam pouco inspirados quando traduziram por prudentia, o termo que Cícero lembra que se trata de uma

contração de providentia cristã e phronesis de Aristóteles, ou da proveniente da tradição popular”.

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particular vai evoluir. Bignotto afirma que a fortuna seja árbitra de metade de nossas ações,

mas que, ainda assim, ela nos deixe governar quase outra metade288

.

Na análise de Skinner, o conceito de virtú indica a qualidade indispensável que

capacita um príncipe a vencer a fortuna, e a aspirar assim a obtenção da honra, glória e fama.

Isso, segundo o autor, se evidencia de forma clara em dois capítulos na obra O Príncipe: “Por

que os príncipes de Itália perderam os seus Estados” e no último capítulo do livro “Exortação

ao príncipe para livrar a cidade dos bárbaros”. No Livro II dos Discorsi

Maquiavel retoma a seguinte discussão: “a expressão do Império Romano se deveu

mais à „fortuna‟ ou à „virtù‟?” Dos que atribuem tal empreendimento à „fortuna‟,

Maquiavel cita Plutarco e o próprio Tito Lívio, mas, em seguida, se contrapõe a eles.

De acordo com ele “se nunca existiu outra república que tivesse feito conquistas

iguais às de Roma, isto se deve a que nenhuma outra teve, desde o início,

instituições tão apropriadas a este fim. Foi à „virtù‟ de seus exércitos que fez com

que Roma conquistasse o Império; mas foi ao seu modo de proceder e ao seu caráter

especial que lhe imprimiu seu fundador que deveu a conservação dessas conquistas”

(SOUZA, 2003, pp. 82).

Ao compor Príncipe, Maquiavel expressa nitidamente os seus sentimentos de desejo

de ver uma Itália poderosa e unificada. Expressa também a necessidade (não só dele, mas de

todo o povo Italiano) de um monarca com pulso firme, determinado, que fosse um legítimo

rei e que defendesse seu povo sem escrúpulos e nem medir esforços.

Para Maquiavel, uma das facetas da virtù é exatamente a força, da qual devem lançar

mão os príncipes quando a necessidade se impuser. Por esta forma lógica, Maquiavel introduz

o conceito de virtù. Os homens de virtù são aqueles que sabem agir diante da situação que se

lhes oferece e imprimir sua vontade no curso das coisas (fortuna). Agir com virtú, assim, é

agir ora com humanidade ou bondade, ora com crueldade ou maldade, de acordo com a

necessidade da ocasião. Por detrás da noção de virtù está o princípio moral da ação como

justificativa para o bem coletivo (WINTER, 2006, pp. 121). Assim sendo

força e prudência se constituem, assim, num novo par maquiaveliano, mas desta

vez num par complementar, que já mereceu alguns comentários de nossa parte

quando da apresentação do Del modo de trattare. Parole é um escrito que precede

de alguns meses este último e já estabelece, de modo claro, o princípio sobre o qual

um estado deve se constituir. Do binômio acima, Maquiavel diz ser o cerne de

todas as senhorias que existiram, existem ou existirão. A falta de um deles é causa

de alterações ou variações de reinos e ruínas de cidades. Por isso mesmo, aqui

dirigimos os comentários apenas à problemática da força. É necessário precisar que,

quando Maquiavel utiliza a expressão força, normalmente, está a referir-se a

exércitos próprios289

.

288

BIGNOTTO, N. Maquiavel. pp. 24-29, Zahar, 2003. 289

PANCERA, C. G. K. “Ragionare dello stato: A representação do estado no vocabulário maquiaveliano dos

Primeiros Escritos Políticos”. In: O que nos faz pensar, nº. 27, maio de 2010, pp. 105.

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Para Guicciardini, leitor de Maquiavel, a universalidade de valor se define em

referência ao período de ascendência das grandes famílias florentinas, em associação aos

valores ciceronianos do bom governo – modelo otimatti que teve nas décadas de predomínio

de Maso degli‟Albizzi, entre 1393 e 1420, seu período de glória (TEIXERA, 2010, pp. 122).

Pode até ser que a natureza do regime político (monarquia ou república) e os objetivos do

exercício do poder (centralização, unificação, bem comum) atenuem o governo de um

príncipe virtuoso ou afortunado (melhor se for os dois). Caso contrário, governar torna-se um

pesadelo, senão um inferno290

.

No que diz respeito a prudência, pode-se dizer que esta virtude é redimensionada em

sua etimologia e aplicabilidade, pois é apresentada, em várias passagens, como remédio eficaz

contra a fortuna. Não se trata de um remédio de fácil aplicação, ou infalível, e sim um

paliativo capaz de orientar a ação no mundo com alguma segurança e de permitir a navegação

“num mar agitado pelos ventos”. Maquiavel (2007, III, 5, pp. 168-169), embora tenha se

notabilizado pelo modo peculiar de expor a oposição entre fortuna e virtú, também via na

prudência um paliativo contra os caprichos da deusa: “a maldade da fortuna”, diz ele nas

Istorie, “pode ser vencida com a prudência, pondo-se freio à ambição desses homens,

anulando-se as ordenações que alimentaram as facções e prendendo aqueles que não estão em

conformidade com a verdadeira vida livre e civil”. O prudente, nesse sentido, é aquele que

sabe fazer uso adequado do livre-arbítrio, mantendo-se, na medida do possível, pouco

vulnerável aos caprichos da fortuna; tal liberdade revela-se ainda uma forma de manter aceso

o amor à res publica, e de vislumbrar, em horizonte turvo, as possibilidades, ainda que

parciais e limitadas pelas “condições dos tempos”, de consolidação efetiva de honestos fins

últimos.

A prudência não busca na realidade o que já se sabe de antemão, ou não se projeta

nela o que se espera saber. Ao contrário: parte-se da diversidade, do que é pouco

visível, do que se esconde em cores e nomes diversos, para, com engenho, agudeza e

celeridade, destrinchar os movimentos sutis das “coisas do mundo”, através da

separação entre diversidades substanciais, aquelas que de alguma forma remetem a

certos padrões estáveis e recorrentes – como ciclos de formas de governo, princípios

associados à natureza humana, máximas e sentenças presentes em diversos povos e

tempos, tudo enfim que transcende as “variações de nomes e cores” responsáveis

pelos enganos recorrentes de analistas desatentos, sejam eles príncipes, conselheiros

ou homens de letras –, e os acidentes, cuja lógica, se é que existe, é inextricável,

remetendo, portanto, aos caprichos da Fortuna, ao acaso e aos desígnios da

Providência (TEIXEIRA, 2010, pp. 129).

290

CHAIA, M. “A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel”. In: Estudos Avançados, 9 (23), 1995, pp.

177.

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O prudente, segundo Maquiavel, deve ater-se primordialmente às conjunturas

circunscritas a um conjunto particular de possibilidades, conforme o parâmetro do que é

possível realizar. “Um homem prudente”, afirma Maquiavel (1999, VI, p. 23) em O Príncipe,

deve sempre seguir os caminhos abertos pelos grandes homens e espelhar-se nos que foram

excelentes. Benedetto Croce foi um dos principais defensores do princípio segundo o qual

Maquiavel teria descoberto a autonomia da política em relação à ética. É também dele a tese

que atribui ao secretário a paternidade da idéia de razão de estado, hipótese retomada por

Meinecke (In: MONTANARI, 2006, pp. 19-20).

julgando muito distantes os alvos que pretendem alcançar e conhecendo bem o grau

de exatidão do seu arco, orientam a mira para bem mais alto que o lugar destinado,

não para atingir tal altura com flecha, mas para poder, por meio de mira tão

elevada, chegar ao objetivo.

A prudência291

, assim, opera a escolha correta segundo as condições dos tempos. Em

outro capítulo, diz o secretário: “A prudência consiste em saber reconhecer a natureza dos

inconvenientes e tomar os menos maus como satisfatórios” (XXI, p. 108). Outra característica

associada à prudência era a celeridade decisória e o desembaraço. Lê-se na Storia d‟Italia de

Guicicardini (1988, III, 4, pp. 284)

não se deve confundir – como poucos observadores das propriedades, do nomes e da

substância das coisas afirmam – a timidez com a prudência; nem se deve reputar

como sábios aqueles que, tomando por certo todos os perigos, agem como se todos

fossem acontecer. Não se pode chamar de sábio ou prudente àqueles que temem ao

futuro mais que se deve.

Victoria Kahn (1994, pp. 21) afirma que “Maquiavel altera o significado de

prudência, da razão prática dos humanistas, alicerçada por considerações morais, para a

faculdade de julgamento calculativa, potencialmente amoral, apropriada ao homem de virtú”.

Também a ênfase no exame atento dos possíveis efeitos das ações se mostra recorrente, como

no Dialogo del Reggimento di Firenze:

a se querer ajuizar entre governo e governo, não devemos considerar tanto de que

espécie são, mas seus efeitos, e dizer que é o melhor governo ou menos daninho

[cattivo] aquele que produz melhores efeitos, ou menos daninhos (GUICCIARDINI,

1994, pp .33).

291

“Maquiavel queria evidenciar o desenvolvimento do Estado, desde seu nascimento até sua morte. Maquiavel

acreditava poder encontrar na história de Roma a resposta para suas questões. Ele via na virtù e na prudência

romana os elementos básicos que contribuiriam para fazer dela um Estado tão poderoso” Cf. SANTANA, F. F.

“Do Príncipe aos Discorsi: Algumas Considerações sobre o Pensamento Político de Maquiavel”. In: Existência e

Arte – Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética da Universidade Federal de São João

Del-Rei – ANO VII – Número VI – Janeiro a Dezembro de 2011, pp. 92-101.

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A prudência não busca na realidade o que já se sabe de antemão, ou não se projeta

nela o que se espera saber. Ao contrário, parte-se da diversidade, do que é pouco visível, do

que se esconde em cores e nomes diversos, para, com engenho, agudeza e celeridade,

destrinchar os movimentos sutis das “coisas do mundo”, através da separação entre

diversidades substanciais, aquelas que de alguma forma remetem a certos padrões estáveis e

recorrentes – como ciclos de formas de governo, princípios a associados à natureza humana,

máximas e sentenças presentes em diversos povos e tempos, tudo enfim que transcende as

“variações de nomes e cores” responsáveis pelos enganos recorrentes de analistas desatentos,

sejam eles príncipes, conselheiros ou homens de letras –, e os acidentes, cuja lógica, se é que

existe, é inextricável, remetendo, portanto, aos caprichos da Fortuna, ao acaso e aos desígnios

da Providência.

Como percebe Isaiah Berlin, Maquiavel não questiona que a virtude seja boa em si,

e que tudo aquilo que a tradição chamou de virtude seja de fato louvável. O

questionamento fundamental do secretário diz respeito à aplicabilidade universal de

tais virtudes, e às desconsiderações de práticas que, em circunstâncias determinadas,

e tendo em vista fins últimos úteis e honrosos, poderiam ser consideradas virtuosas,

não em absoluto, mas segundo condições específicas – a isto Quentin Skinner (1988,

pp.65) denominou “revolução maquiavélica”, ou “qualidade da flexibilidade moral

que se requer de um príncipe” (TEIXEIRA, 2010, pp. 124).

Pode-se dizer, assim, que a prudência em Maquiavel possui necessariamente um

caráter de evento: a validade dos juízos prudenciais nunca é universal, mas provisória, mesmo

quando diz respeito a padrões de recorrência ou tendências de estabilidade. Nesse sentido, as

lições da prudência legadas às gerações futuras por meio de histórias ou tratados só se

revelarão úteis se puderem ser atualizadas performativamente, mostrando-se aptas a produzir,

diante de um público leitor ou ouvinte, bons efeitos contingentes, de validade localizada, e por

isso mesmo bons efeitos sempre mutáveis. Por esse viés, a análise da política, para que seja

efetiva, não pode visar exclusivamente, mesmo preferencialmente, à formulação de sentenças

genéricas de validade indistinta. Não que as sentenças deixem de se fazer presentes:

especialmente nos Discorsi de Maquiavel e nos Ricordi de Guicciardini elas encontram um

campo privilegiado (TEIXEIRA, 2010, pp. 130)292

.

292

SASSO, G. Studi su Machiavelli. Nápoles: Morano, 1967. Neste sentido, é “por isso, [que para Maquiavel]

um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as

causas que o determinaram cessem de existir. Se os homens fossem todos bons, este preceito seria mau. Mas

como são todos pérfidos e que não a observariam a teu respeito, também não és obrigado a cumpri-la com eles”

(MAQUIAVEL, 2010[2], Cap. XVIII).

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2.7. A palavra que governa o estado forte

Maquiavel afirma que a tríade: virtú-prudência-retórica se torna o princípio básico e

unificador de se manter no poder os príncipes que podem ter numerosos homens ou dinheiro e

formar um exército forte. Esta tríade tem por finalidade a conquista da boa fama por parte do

príncipe. Afirma o Florentino “assim um príncipe que tenha uma cidade forte e não se torne

odiado não pode ser atacado” (MAQUIAVEL, 1973, pp. 50). Segundo Maquiavel, o príncipe

necessita estabelecer sólidos fundamentos, pois sem isso é certa a sua ruína. As tropas

mercenárias e auxiliares são caracterizadas por Maquiavel como inúteis e perigosas e não

fornecem segurança ao Estado, porque carecem exatamente da excelência da tríade de

governabilidade, pois as tropas não são unidas aos príncipes, são ambiciosas, indisciplinadas e

infiéis. É neste contexto que se insere a realidade italiana da época: “a atual ruína da Itália não

é causada por outra coisa senão porque durante muitos anos esteve apoiada em armas

mercenárias” (MAQUIAVEL, 1973, pp. 57). Em certo sentido, Maquiavel acrescenta: “essas

tropas dão apenas lentas, tardias e precárias conquistas, mas rápidas e espantosas perdas. [...]

começando nestes últimos tempos o império a ser repelido da Itália, e tendo o papa maior

autoridade do poder temporal, o país foi retalhado em mais Estados” (MAQUIAVEL, 1973,

pp. 58).

Neste tópico cabe ressaltar a interdependência entre a eloquência, conhecimento da

matéria, a prudência e a fluência oratória. No De Oratore, Cícero afirma que "o costume e o

treinamento agudizam a prudência e a aceleram a fluência oratória". A oratória, em nosso

contexto mediato, é a forma mais sublime e eficaz da ação política. A força está subjugada na

sutileza do discurso. Foucault e outros contemporâneos estudam as dinâmicas dos discursos,

há ainda no mundo muita servidão voluntária, muita falta de clareza para com os conceitos de

política, e sobretudo, falta senso interpretativo e compromisso ético com o que se fala e o que

se ouve. Quanto a isso, nos meios instrumentais e técnicos da persuasão, Maquiavel corrobora

o pensamento do romano Cícero quando compartilha da ideia da necessidade de honestidade

no que se refere à retórica (TEIXEIRA, 2010, pp. 126). O retórico, possivelmente prudente, é

aquele para Maquiavel que procura a excelência, faz como arqueiros que procuram a exatidão,

buscam os mais altos objetivos (TEIXEIRA, 2010, pp. 128). Enfim, a retórica, diferentemente

da prudência, é a busca mimética, ou seja, a boa imitação dos antigos, trata-se de uma

releitura do passado.

Numa famosa passagem dos Discorsi, Maquiavel ampara sua defesa da imitação das

ações virtuosas dos antigos com o seguinte argumento: “o céu, o sol, os elementos e os

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homens” não mudaram de “movimento, ordem e poder, distinguindo-se do que eram

antigamente” (MAQUIAVEL, Discorsi, I, pp. 7). Assim, no entender de LEFORT (1972, pp.

348), é na crítica da experiência, no mundo real, no aqui e agora, que Maquiavel descobre que

há em cada situação uma política adequada. A política adequada é aquela que se concilia com

o ser da sociedade, que acolhe os contrários, se enraíza no tempo, se dispõe a costear o

abismo sobre o qual repousa a sociedade, de enfrentar o limite constituído pela

impossibilidade de compor os desejos humanos (LEFORT, 1972, pp. 348).

O pensamento de Maquiavel é marcado pela exposição e análise dos elementos que

determinam a instauração e a conservação da vida civil. Segundo Berlin: “ele não acredita na

irreversibilidade do processo histórico ou no caráter único de cada uma de suas fases”

(BERLIN, 2002, pp. 313). Por isso que corroborando a esta proposição, Skinner o define

como – diplomata, conselheiro dos príncipes, filósofo da liberdade e historiador de Florença

(SKINNER, 1988, p. 14-134). As ações de Maquiavel, como ator político, mesmo que “as

espreitas” devem levar-nos a configuração de sua identidade, de sua formação e de seu

pensamento.

Segundo o modelo do conflito político, ao desejo desmesurado dos grandes pela

apropriação/dominação absoluta, opõe-se um desejo não menos desmesurado e absoluto do

povo de não sê-lo, de não ser dominado nem dominar. A centralidade do conflito não está

limitada, porém, à oposição interna à coletividade política dos “humores” de grandes e povo.

Este é o ponto, talvez, mais visível, mas seria um equívoco reduzir tudo a esse confronto

(AMES, 2011, pp. 23).

Maquiavel diferentemente de Aristóteles não procura a substância do que é a política

nem como os homens são políticos. Villari afirma que a “verità effetuale della cosa” está

reportada na indagação de como a política e de como os homens e ainda, de como a realidade

podem ser293

. Enquanto Aristóteles via uma natura politizada, Maquiavel observa que a

realidade politiza e modifica constantemente o homem, que de per si é inconstante. Assim, o

interesse político em Maquiavel é de primeira ordem.

O papa Leão X, quando assistiu à apresentação da peça A Mandrágora de

Maquiavel, teria aprovado e parabenizado o autor pela perspicácia do enredo. Talvez o papa

não tenha percebido o real alcance e impacto da referida peça para a moralidade e os

costumes. O texto, aclamado por cardeais, reis, príncipes e burgueses, não era, de forma

alguma, inocente. Maquiavel denunciava, de forma meticulosa, porém indireta, todos os

hábitos corruptos, vícios e imoralidades de seu tempo. De alguma maneira, Maquiavel parecia 293

VILLARI, P. Niccolò Machiavelli e i suoi tempi. II vol., Firenze, 1877, pp. 279.

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estar pregando uma peça nos espectadores: o riso era permitido, mas até que ponto não

estariam rindo de si mesmos? A comédia A Mandrágora foi escrita no começo do século XVI

e é considerada a melhor peça do teatro italiano da Renascença. Maquiavel, seu autor,

também escreveu a obra mais importante do pensamento político renascentista: O Príncipe. É

muito comum que se analise as duas obras separadamente, como se não tivessem qualquer

espécie de conexão. O que de fato nos parece acontecer é uma situação singular: Maquiavel

escreve na Mandrágora elementos de seu pensamento político. Em outras palavras,

acreditamos poder enxergar por trás da forma artística da peça de teatro um conteúdo de

cunho político.

O ato de fundação por si só não basta. Além de fundar uma nova ordem, é

necessário mantê-la. Mesmo que o ato inicial se caracterize pela violência, os recursos à força

e às armas não podem ser perpetuados e nem utilizados sem necessidade real. “Em outras

palavras, embora a fundação seja, na sua essência, um gesto solitário, esta ação somente

será eficaz se escapar da pura lógica da força” (AMES, 2002, pp. 15).

Do segundo ao décimo primeiro capítulo de O Príncipe294

, Maquiavel tece seus

comentários sobre as características de diversos tipos de principados, demonstrando quais são

as ações sobre as quais o príncipe deve se pautar para conquistá-los e conservá-los. Segundo o

autor, “[...] os principais fundamentos de todos os stati, tanto dos novos como dos velhos ou

dos mistos, são as boas leis e as boas armas” (O Príncipe, XII). O ato de fundação, que, no

primeiro momento, se caracteriza pela violência, pelo uso da força e das armas, num segundo

momento precisa dar espaço a um recurso que permita conservar o que foi conquistado

(HEXTER, 1957, pp. 113-138).

A filosofia política não está desligada das condições políticas da sua atividade –

como afirma Miguel Morgado (2010, pp. 467). Defende o autor que a defesa política da

filosofia, que é um elemento estruturante da filosofia política, resulta de um confronto entre as

várias formas de existência. O regime político e a sua vitalidade histórica afetam o modo de

relacionamento do filósofo com a cidade. Isso fica claro no cenário em que Maquiavel se

reporta à sua cidade, Florença, e como é repercutida as suas obras após sua morte. É na

cidade, e nas decisões próprias da comunidade, que a filosofia se encontra com a política. É

neste encontro que se verifica a técnica da tríade: virtù-prudência-retórica

294

No capítulo XVIII de O Príncipe, Maquiavel diz, respectivamente, sobre o uso das leis e da força, que “[...] a

primeira é própria dos homens, a segunda é o dos animais, porém, como freqüentemente o primeiro não basta,

convém recorrer ao segundo. É, portanto, necessário ao príncipe saber usar tanto o animal quanto o homem”.

Recorrendo à literatura clássica para explicar sua afirmação, Maquiavel lembra o exemplo de Aquiles, que fora

criado por um centauro e disto conclui que “[...] ter um preceptor meio animal meio homem não quer dizer outra

coisa senão que um príncipe deve saber usar ambas as naturezas e que uma sem a outra não é duradoura”.

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181

Por sua estreita vinculação com a política, a retórica não pode ser considerada um

instrumento neutro de persuasão, tampouco uma simples techné. Esse argumento,

inteiramente adequado, é repetido exaustivamente por Adverse. Mas como articulá-

lo à pressuposição da existência de “níveis retóricos” em Maquiavel? Como esses

níveis podem ser hierarquizados? E se não são hierarquizáveis, como evitar uma

visão instrumentalizante da retórica? Esta é multifacetada, mas não tem níveis: a

coesão da instituição retórica, até o século XVII, baseava-se precisamente numa

representação da estabilidade universal dos valores (TEIXEIRA[2], 2010, pp. 334)

Assim sendo, não basta ao príncipe ser forte para governar. A força pode ajudá-lo a

conquistar o poder, mas não é capaz, sozinha, de fazer com que ele o mantenha. Para manter o

domínio e o respeito dos governados é preciso possuir virtú. O sucesso do príncipe está

atrelado à posse da virtú, o que implica numa medida política: a manutenção da conquista.

Resistindo aos inimigos e aos golpes da sorte, o homem de virtú295

deve atrair, para si, a fama,

a honra e a glória e, ao povo, a segurança. Pois ao povo importa a estabilidade política, que só

pode ser dada pelo príncipe virtuoso, independentemente dos meios que ele utilize (WINTER,

2006, pp. 127).

Um efeito dessa transformação foi que o poder do Estado, e não do governante,

passou a ser considerado a base do governo (ARNAUT & BERNARDO, 2002, pp. 91-102 &

SKINNER, 1996, pp. 10). E o Estado deve ser mantido sob a ótica e a lógica da força das

armas. As forças armadas296

é a garantia da lei e da ordem. Este conjunto de procedimentos

externos são fundamentalmente importantes para o domínio provincial e, de certo modo, são

alicerçados na ideia da tríade: virtù-prudência-retórica297

.

Nesta questão do domínio provincial, a partir dos I Primi Scritti Politici, vê-se que

Maquiavel descreve sobre o apoderar-se bem das cidades. A força, novo ordenamento, é um

disjuntivo de escolha de providência do príncipe, anti-Providência medievo, para que o

governo seja efetivo (MAQUIAVEL, 2010, pp. 36). Oportuno é a indagação de Maquiavel ao

final deste discurso sobre As noticias das medidas adotadas pela República Florentina para

295

Maquiavel utiliza o termo: "eccellentissime uomine" para referendar os homens excelentes que examinam e

governam com magnitude um principado. Nos Discorsi (III, 5: 318), o florentino indica que a imagem dos

grandes e excelentes homens são denegridas quando começam a transgredir a lei, ou seja, a não cuidar da exímia

retórica, bem como a desrespeitar os modos e costumes dos antigos, ou seja, a fechar-se para a prudência

(POYER, 2013, pp. 28-29). 296

O uso de artilharia contra as suas muralhas [...] estratégia de acampamentos para lograr espaços e

proporcionar uma situação de miséria e fome [...] construção de bastiões, enfim... ouvir os entendidos da guerra

– pois, atacados desta forma eles se renderão (MAQUIAVEL, 2010, pp. 34). 297

Não é por acaso que Maquiavel começa o “Príncipe” descrevendo as espécies e os modos pelos quais se

conquistam os Principados. Este é o ponto para o qual chama a atenção. Quando fala, no capítulo II, dos

principados hereditários, ele procura persuadir o leitor para, depois, falar sobre o Estado novo. [...] O Estado

hereditário, por ser mais antigo do que o Estado novo, leva os súditos a esquecerem do uso da força empreendida

pelo príncipe para conquistá-lo. Desse modo, o Estado hereditário é legítimo pelo hábito dos súditos de estarem

submetidos ao poder de um monarca. Eis porque, segundo Maquiavel, é mais fácil administrar e preservar um

Estado hereditário do que um Estado novo (MAQUIAVEL, 2004, pp. 5, In: WINTER, 2006, pp. 124).

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pacificar as facções de Pistóia de 1502, onde se lê: “resta saber agora como se procederá

daqui em diante e, sobretudo, sobre o modo de reformar a cidade...” no que se refere a

habilidade da virtù e sua relação com a fortuna (MAQUIAVEL, 2010, pp. 37)298

.

298

Sobremaneira, com a obra Niccolò Machiavelli – I Primi Scritti Politici, Marchand anuncia a “nascita di um

pensiero e di uno stile”. Dos relatórios, Maquiavel saltara da empiria dos fatos da vida política de seu tempo,

parte dos quais esteve presente como Secretário político, para lançar os fundamentos basilares da filosofia

política moderna. A esclarecer e a fundamentar o conhecimento da verità effetuale delle cose que, como queria o

Florentino, não fora obra do acaso. Cf. VALVERDE, A, “Maquiavel a cavalo: Os primeiros escritos políticos”,

pp. 21-27. In: MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio. Prefácio

Kurt Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e Jurídicos da

Administração, FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de Impressão, 2010, pp.

24.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O aniversário de quinhentos anos da obra O príncipe levou muitos estudiosos a

revisitar a obra, o autor, a problemática nela contida ou tudo isso ao mesmo tempo.

Evidentemente tal honraria não pode ser atribuída à marca do tempo, mesmo porque

o tempo já cuidou de enterrar nas brumas do passado muitos autores cujas obras não

tiveram o mesmo impacto sobre o pensamento político. A que se deve, então, a

honraria? Entre as muitas respostas que esta pergunta admite, gostaria de indicar

aqui o incômodo que Maquiavel provoca, aliás, um aspecto pouco abordado nas

interpretações do autor. [...] Maquiavel postula o início da sociedade não num

contrato, mas nas condições naturais vividas pelos homens, assim como nelas

identifica a origem do primeiro governo (a monarquia) cujas características levam à

sua degeneração (a tirania), da qual se passa a outro tipo de governo (a aristocracia)

que degenera em oligarquia, dando lugar à democracia que degenera em

licenciosidade” (pp. 231. 237).

Jair Pinheiro

O Profeta Desarmado

(2014)

Crê-se que ficam algumas questões ao final deste trabalho. Uma delas, que por sinal

é fortemente emergente na pesquisa, é se a política é a utilização da força sem medida?

O uso simbólico da força nesse contexto de fundação-conservação é um exercício

de virtude. Por isso, nas passagens acima, Maquiavel parece apenas apontar

algumas características da virtù que o príncipe novo deveria seguir e não parece ter

a intenção de fazer uma defesa de ações desmedidas (ou imorais), tal como, a

tradição o interpretou. Na verdade, Maquiavel parece dar uma justificativa prática

das ações dos príncipes, amparada na manutenção e conservação dos principados.

Essas ações visariam um equilíbrio, algo que é próprio da virtù dos grandes

príncipes299

.

Como se constatou, Maquiavel serviu na administração da República de Florença, de

1498 a 1512, na segunda Chancelaria, tendo substituído Adriani, e como secretário do

Conselho dos Dez da Guerra (Dieci di Libertà et Pace), a instituição que na Signoria tratava

da guerra e da diplomacia. Criticam-no alguns teóricos por ele ser muito reflexivo e pouco

ativo. Quando o fez, com força armada não obteve sucesso. O certo é que a história política

deve muito ao seu trabalho inicial. Ele, de fato, tornou-se um conhecedor profundo dos

mecanismos políticos e viajou incessantemente, participando em vinte e três embaixadas das

cortes italianas e européias, conhecendo vários dirigentes políticos, como Luís XII de França, 299

COSTA, P.H.S. "Política, força e virtù em Maquiavel". In: Griot – Revista de Filosofia, Amargosa, Bahia –

Brasil, v.11, n.1, junho/2015/www.ufrb.edu.br/griot - acesso em 11 de Dezembro de 2015, pp. 97.

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o Papa Júlio II, o Imperador Maximiliano I, e um de seus modelos de ator político: César

Bórgia.

Para deliberar sobre o uso da força imoderadamente, ou até mesmo imoralmente,

fez-se o esforço no primeiro capítulo em apontar as novidades que o Humanismo Cívico

trouxe para o cenário europeu, especificamente para a Itália. O trabalho burocrático de

Maquiavel e logo a seguir seu livrinho indicam uma reflexão política de contracultura. Uma

sociedade basilada e substanciada sobre o poder temporal e espiritual de uma Instituição como

a Igreja Católica não era fácil de se enfrentar. Quem sabe este nem fosse o seu ideal,

porquanto em várias passagens de suas obras refere-se à importância da religião para a vida

política. O combate a passividade contemplativa, tipo eremita, do “deixa tudo nas mãos de

Deus”, passou a um modelo de comportamento ativo. O que no Humanismo ficou conhecido

por “encharcamento das coisas terrenas”. A instabilidade política encontra nos relatórios e

depois nas obras, a verdade dos fatos, ou em outras palavras, a necessidade de se pensar num

mundo possível e real. No entanto, apesar de em inúmeros comentadores e obras

apresentarem o realismo político com a chave única de interpretação, realismo fundando no

terror e na crueldade, Maquiavel pode ser reconhecido também na via do respeito, da

organização, da conjunção e da ocasião para assim utilizar a “força como necessidade”. Isto

posto, pode-se colocar como peça chave para a constituição da ação política a noção de

“verdade efetiva das coisas”, que trata de uma indagação radical e de uma nova articulação

sobre o pensar e o fazer política, que põe fim à ideia de uma ordem natural e eterna300

.

Este é o núcleo fundamental do pensamento de um “Maquiavel entre tantos

Maquiavelismos e Maquiavélicos”. Pelo que se viu desta sua experiência burocrática, este

trabalho versou e apresentou através das provisões dos I Primi Scritti Politici uma estratégia

de garantia da ordem e da defesa da população. Inclusive afirmou-se no segundo capítulo que

dentre os humores centrais, na tensão realista entre popolo e grandi, os primeiros possuem

uma virtù própria, e nela que Maquiavel acredita ser a fonte da formação de um espírito

patriota onde todos lutem pela nação e protejam seus convivas. A lógica da força predisposta

na obra de Claude Lefort nos incentivou a pensar este ideal, ou seja, a Itália, pois é ela que

está em questão, deve ser regida pelas leis, boas leis, leis que convençam o espírito humano,

que leve a obediência, que tenha em vista a boa convivência, não contudo se esquecer das

boas armas, de modo que esta junção, como se demonstrou no segundo capítulo, é a garantia

da segurança interna e externa nos domínios de Florença e de atores políticos que fizerem esta

leitura e esta aposta de política ativa. 300

Cf. WEFFORT, F. Os clássicos da política. São Paulo: Editora Ática, 2006, pp. 16-23.

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Para Maquiavel, todas as épocas, no aspecto político, têm a mesma estrutura. A

história é o grande livro, repleto de exemplos pelos quais o príncipe poderia se

pautar adequadamente. Entretanto, no âmbito da história, a regularidade dos

fenômenos não é assim tão segura. Não há na política o determinismo universal301

.

Os textos/relatórios que inspiram novas reflexões sobre a obra de Maquiavel são

importantes para o desenvolvimento posterior de temas que o próprio Florentino desenvolve

no Príncipe, nos Discorsi e noutros escritos. L´arte dello stato por exemplo, é diferente

quando serve para manter a liberdade de cidadãos conquistada num governo republicano no

meio de monarquias e cidades medievais atreladas ao Papa. Pode-se perdoar sua metáfora

sexista de Fortuna em outros textos para reconhecer a habilidade de Maquiavel em captar

como o processo causal permanece aberto aos fenômenos políticos e, portanto, prestes à

determinação pela ação humana e escolha pública302

.

A força também foi averiguada em outras obras de Maquiavel. Segui um roteiro e

uma interpretação guiada por Lefort. Como o tema não faz parte de um interesse imediato dos

comentadores, não se encontrou um verbete nos dicionários de Política e do próprio

Maquiavel que foram consultados (Cf. MÉNISSIER, 2012). E se CHEVALLIER aponta na

sua interpretação de Maquiavel que “ [...] a força é justa quando necessária" é preciso

averiguar sempre quando a necessidade se faz. Nos Discorsi, por exemplo, tratando do tema

da necessidade estritamente ligada a ideia de força e natureza, Maquiavel afirma: “uma cidade

que vive livre tem dois objetivos: conquistar-se e manter-se livre” (D, I, 29; II, 5 e 8)303

.

Portanto, o capítulo primeiro teve como vértice de estudo a própria ideia de Maquiavel

recordada nos Primeiros Escritos por Kurt ao indicar que a política tem de ser feita se se quer

manter a liberdade. O termo necessidade acaba sendo o recurso técnico da avaliação da

justificação do uso da força. Se os desejos humanos sempre foram os conflitos que regularam

e ainda regulam os tempos de paz e de guerra, é necessário utilizar-se deste artifício para

legitimar ou não o “recurso a espoliação violenta”, pois conforme MÉNISSIER, “o único

critério para julgar a ação é, então, aquele constituído por seu sucesso ou fracasso. É possível

dizer que para Maquiavel o primeiro passo na direção da virtude consiste na adesão

consciente da necessidade” (2012, pp. 42).

301

DE OLIVEIRA, J. A. “Virtù e Fortuna: racionalismo e agir político na obra O Príncipe de Maquiavel”.

Revista Prisma Jurídico, vol. 11, n. 1, janeiro-junho, 2012, pp. 101-124. 302

KURT, M. Prefácio, pp. 07. In: MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato

Ambrosio. Prefácio Kurt Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais e

Jurídicos da Administração, FGV-EAESP: FSJ. Circulação Restrita. São Paulo: Multhiplic Serviços de

Impressão, 2010. 303

MÉNISSIER, T. Vocabulário de Maquiavel. Tradução de Cláudia Berliner, Rev. Técnica de Patrícia

Fontoura Aranovich, São Paulo, 2012, pp. 40.

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Deste modo, partindo da ideia do conflito-necessidade-uso da força, sugestionando

uma suposta natureza humana egoísta “ala” Hobbes, e tendo claro com isso a natureza do

homem para Maquiavel, que livremente se adéqua as situações da vida, as provisões

averiguadas no segundo capítulo, no seu ordenamento funcional do regimento interno – tinha

por indulto primário conhecer e descrever e examinar as instituições: Milícia, armas e leis.

Nesta tríade, pode se observar a política dita orgânica, ou seja, aquela que mede os disjuntivos

– amor e força e recorre antes da legitimação da segunda à interiorização das leis. Este

movimento vai da escolha à obediência, passando por todo processo de confecção de bons

homens manuseadores de boas armas, demonstrando a ideia de que Maquiavel – pioneiro do

processo da nova ordem política – participa de situações históricas em que o tratado de paz

está convencionado ao interesse estratégico do líder político para beneficio próprio e de seu

Principado ou República.

Olhando e estudando para um dos modelos de virtù, o pleníssimo Castruccio

Castracani, pode-se ler

“veremos, todavia viste, vês e verás a força mais que romana e a constância do povo

florentino na defesa da dulcíssima liberdade, que, como foi dito, é um bem celeste

que supera toda riqueza do mundo. Todos os florentinos têm no ânimo o firme

propósito de defendê-la como à própria vida, mais ainda do que com a vida, com as

riquezas e com a espada, para deixar aos filhos essa ótima herança que recebemos de

nossos pais, para deixá-la com a ajuda de Deus, saudável e incontaminada”

(SALUTATI, Inventiva Contra Antonio Loshi de Vicenza In: BIGNOTTO, 2003)

Das formas políticas existentes, apenas as repúblicas, concluirá Maquiavel

posteriormente, podem se beneficiar inteiramente da “força e da potência” que resultam dos

desejos populares, sendo o povo o melhor aliado, o Republicanismo, então, seria a melhor

forma de governo aos olhos de Maquiavel, iniciando com o patriotismo em Florença. No

Príncipe, na análise sintética que fizemos, pudemos também observar que a formação destes

homens – no geral – não nos remeteria a contratações de mercenários e estrangeiros, pois a

Itália já havia dado conta de sua destruição devido a esta escolha e este tipo de gente. Os

fatores que, a nosso ver, marcam a formação do exército forte são supostos em dois aspectos.

No primeiro refere-se ao material humano, na grande quantidade de homens que facilitaria o

recrutamento e sua utilização estratégica militar – passando pelo treinamento e

disciplinamento efetivo. O segundo aspecto, não tanto explorado em nosso texto, porém

presente, diz respeito ao dinheiro, que é uma condição inerente, não somente à formação do

exército, mas à disposição de recursos para que a cidade ou o Estado possam investir na

transformação e em melhorias. Pagar o soldo e equipar adequadamente os soldados foram as

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bases de uma nova formulação de defesa de Florença. A ideia de República como ideal, que

se forma e se delineia nos Discorsi passa a ser um tema pertinente de reflexão na obra do

Florentino. Um outro elemento primordial que foi percebido – é o amor pela cidade. Assim

sendo, os Primeiros Escritos de Política e o Príncipe evocam uma nova tipologia de

selecionamento dos homens, que de certo modo, afastando-se da ideologia cristã medieval,

não aparta totalmente algumas práticas relativas à disciplina que um conscrito ou cavaleiro

deva sempre manter. Em vista de um registro final, foi-nos muito proveitoso estudar a

formação do exército florentino, porquanto ficou também claro que o dizer de Maquiavel –

sintetizou o que esforçadamente e delongadamente descrevemos em nossas “duras penas

modernas”, ou seja, a ideia de que “o Estado não se conserva rezando o pai nosso”304

.

Cabrini (2004, pp. 333) mesmo não desertou intelectualmente da possibilidade de

mesclar a força e a prudência na obra de Maquiavel, ao ponto de demonstrar tal realidade na

excentricidade da retórica, da força da palavra. Aponta-se uma política pragmática e

pedagógica, um tanto quanto “obstinada pelo povo” (2004, pp. 337) o que supõe uma nova

interpretação de Maquiavel. Ou seja, não é o Florentino obstinadamente a favor do “pão e

circo”, dos grandes empreendimentos ou da política feita à “meia luz”. É preciso compreendê-

lo como um transeunte do saber, que toda tarde volta para à companhia de grandes homens

feitos de carne e osso, e de memória.

De manhã, eu acordo com o sol e vou para o bosque fazer lenha; ali permaneço por

duas horas verificando o trabalho do dia anterior e ocupo meu tempo com os

lenhadores. [...] Deixando o bosque, vou à fonte e de lá para a caça. Trago um livro

comigo, ou Dante, ou Petrarca, ou um destes poetas menores, como Tibulo, Ovídio

ou outros: leio suas paixões, seus amores e recordo-me dos meus, delicio-me neste

pensamento. Depois, vou à hospedaria, na estrada, converso com os que passam,

indago sobre as notícias de seus países, ouço uma porção de coisas e observo a

variedade de gostos e de características humanas. Enquanto isso, aproxima-se a

hora do almoço. Finda a refeição, retorno à hospedaria, lá me entretenho jogando

cartas ou tric-trac. Chegando a noite, volto à minha casa e entro no meu gabinete de

trabalho. Tiro as minhas roupas cobertas de sujeira e pó e visto as minhas vestes

dignas das cortes reais e pontifícias. Assim, convenientemente trajado, sou

afetuosamente recebido por eles e me nutro do único alimento a mim apropriado e

para o qual nasci. Não me acanho ao falar-Ihes e pergunto das razões de suas ações;

e eles, com toda sua humanidade, me respondem. (Carta a F. Vettori, de

10/12/1513)305

.

Isso ilustra bem a necessidade que os homens têm de viver sob as leis da Justiça,

mostrando que os homens, todavia, se mantiveram justos, mesmo depois que se tornaram

cheios de vícios. Mas com o tempo, faltando a justiça, faltou também a paz, e daí nasceram as

304

MAQUIAVEL, História de Florença, VII, 6. 305

Maquiavel, N. “Carta de Maquiavel a Francesco Vettori”. In Maquiavel. Tradução Livio Xavier. São Paulo:

Abril, Janeiro 1973.

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ruínas dos reinos e das repúblicas. Essa Justiça que se foi para o céu nunca mais voltou a

morar entre todos os homens, mas sim somente em algumas cidades em particular, às quais,

enquanto foi bem recebida, as fez grandes e poderosas. Foi ela que elevou as cidades Gregas e

a própria Roma, e que tornou muitas repúblicas e reinos felizes, foi ela ainda que habitou

algumas vezes a nossa pátria engrandecendo e mantendo-a, e ainda agora a mantém e a

engrandece. A organização estatal, que visa à hegemonia da Justiça é o requisito mínimo para

a ordem, a lei, o dever, a gloria e o castigo (Discorsi, II, 23). Creem os intérpretes que aderem

a temática de uma política antiterror em Maquiavel, que a ordem posta nos Discorsi deve ser

respeitada. A Justiça gera nos Estados e nos reinos a união, a união gera a potência e a

manutenção deles. Ela defende os pobres e os fracos, reprime os ricos e poderosos, humilha

os soberbos e os audaciosos, freia os rapaces e os avaros, castiga os insolentes, e dispersa os

violentos. A justiça gera nos Estados aquela equidade que, se quisermos mantê-la, torna um

Estado desejável. Esta é a única virtude, entre todas as outras, que agrada a Deus, e disso

houve sinais especiais, como demonstrou na pessoa de Trajano o qual, ainda que pagão, foi

recebido, por intercessão de São Gregório no número dos eleitos de Deus, e não por outros

méritos senão por ter, sem nenhuma reserva, administrado a justiça (MAQUIAVEL, 2010, pp.

111). A força depende da necessidade e da ocasião. Quando se faz necessário deve-se usar a

força com legitimidade. A ocasião é o indicativo do cálculo sobre o usar ou não. Quem faz

isso tem virtù. As boas leis é o regime educacional da cidadania, o que vale mencionar

também que não existe um Principado, República ou Estado que se conserve sem leis. O ser

humano não está pronto para viver o projeto da autonomia moderna, ou seja, “ser senhor de

si”, pois tal tese significa numa postura primaz a compreensão das leis que regem a natureza

de um modo geral. Em outras palavras, não existe autonomia sem a lei no horizonte da ação.

Por várias vezes se disse na Dissertação – viva no tempo de paz sem se esquecer da guerra. Os

conflitos que movimentam os povos, ora ou outra criam situações de guerra. Estas são as

virulências das virtùs humanas. Este é o dado mais genuíno da tensão dos humores sociais. As

boas armas devem ser manuseadas por bons soldados. E estes por um comandante de

estimada e comprovada virtù. Que os soldados aprendam com o modelo francês a disciplina e

a coragem. Que sejam arautos da pátria. Assim formaram a Milícia, seja em combate à cavalo

ou não. As Infantarias que não mudam de lado no decorrer da guerra. Homens que recebem

duplamente: os florins e o reconhecimento de seus concidadãos. Portanto, a conquista e a

manutenção do Estado, da sua competitividade dependem de uma boa harmonia destes temas.

Só assim a liberdade será uma realidade efetiva, não somente das coisas, mas dos homens e

dos povos...

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MAQUIAVEL, N. Política e Gestão Florentina. Tradução e notas, Renato Ambrosio.

Prefácio Kurt Mettenheim. Série Ciências Sociais na Administração, Departamento de Sociais

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