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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Anselmo Matias Limberger Sentidos da experiência do trabalho voluntário em uma instituição religiosa DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA SÃO PAULO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Anselmo Matias Limberger

Sentidos da experiência do trabalho voluntário em uma instituição religiosa

DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

SÃO PAULO

2011

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Anselmo Matias Limberger

Sentidos da experiência do trabalho voluntário em uma instituição religiosa

DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Clínica, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, sob orientação da Profª Drª Marília Ancona-Lopez.

SÃO PAULO

2011

3

Banca Examinadora

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

4

Agradecimentos

Chegou o momento de trazer à memória a gratidão a pessoas e

instituições que contribuíram para essa realização.

Para conquistar a meta planejada, precisei acreditar em mim mesmo,

acreditar nos que estudaram e trabalharam comigo, acreditar nos familiares,

nos amigos, nos colegas, nos professores, nas instituições, nos padres, nos

bispos e acima de tudo acreditar em Deus.

Neste empreendimento, o estudo é compreendido como um meio de

aperfeiçoamento. Compreendo que ele reúne vantagens, diminui

necessidades, consola nas perdas, distrai nas penas, adoça os sofrimentos e

multiplica os prazeres. Tenho a consciência de que pelo estudo se prepara a

viagem para a velhice, a fim de minimizar o enfado que costuma acompanhá-

la.

Saber viver com os homens é uma arte tão difícil que muita gente morre

sem tê-la aprendido. A vida é um caminho cheio de surpresas, de encantos, de

belezas, dificuldades e riscos. E nós mesmos construímos o caminho a

percorrer. Não é fácil construir o caminho da vida. Não é fácil construir o

próprio caminho.

Muito mais simples é andar de carona. Muito mais simples é andar pelo

caminho que os outros já construíram. Muito mais simples é ignorar as árvores,

5

os cipós, as pedras, as rochas, os vales, os morros e passar por cima, por

baixo, pelos lados e por onde der, deixando aos outros o trabalho de derrubar e

de construir.

É preciso coragem para ser. Coragem para assumir o risco de ser

homem, o risco de viver, o risco de construir o caminho, o risco de ser.

O percurso feito leva-me a manifestar gratidão a todos que colaboraram

para que eu pudesse alcançar a meta planejada.

Manifesto minha gratidão aos meus pais, Nelson Limberger (em

memória) e Gerti Schneider Limberger; aos meus irmãos; Olegário, Olemira,

Oldemar, Ademar, Tere, Salete, Ninha, Val e Sandra; aos meus cunhados/as

João, Aloísio, Sinésio, Rudi, Ricardo, Vilmar, Dulce, Lourdes e Maria e a todos

os meus 23 sobrinhos e sobrinhas.

Gratidão aos amigos Padres Marcelo Mendonça Rossi, Amaro Avelino,

Osvaldo José, Mauro Pasinato, Devanir, Adilvo, Franco Alberti e Frei Ivan.

Gratidão a todos os Padres da Diocese de Toledo, da Diocese de Santo

Amaro e aos Frades Menores Missionários.

Reverencia e gratidão aos amigos Bispos Dom Fernando Antônio

Figueiredo, Dom Francisco Carlos Bach, Dom Irineu Roque Sherer, Dom Lúcio

Ignácio Baumgaertner, Dom Anuar Batisti, Dom João de Avis e Dom Odilo

Pedro Cardeal Sherer.

A todos os Professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Clínica da PUCSP, em especial à Professora Maria Lúcia Vieira Violante e à

Professora Ivete Gohara Yeia.

Aos colegas de Pós-Graduação, que nossa amizade não se transforme

somente em saudade, mas que perdure ao longo dos anos. Gratidão a Ivone,

6

Tereza, Telma, Patricia, Guilherme, Rubia, Pastor Merlington, Beatriz, Marília,

Padre João, Frei Gerson, Simone, Padre Vandro, Aline, Marta, Ana Lúcia,

Irene, Maria Cristina, Padre Vanildo, Carine, Rafaela, Lénia, Analu, João e

Leidelene.

À banca examinadora da qualificação: gratidão pelas sugestões e

contribuições das professoras Marlise Aparecida Bassani, Maria Betânia

Norgen, Maria Elizabeth Montagna e Marília Ancona-Lopez.

À secretaria da PUCSP pela atenção dispensada, Deus lhes pague.

À biblioteca da PUCSP pelo atendimento recebido.

À CAPES, pelo apoio financeiro.

À minha orientadora Marília Ancona-Lopez, gratidão pela forma como

conduziu o processo da orientação desta pesquisa; senti-me acolhido e

sustentado.

7

Epígrafe

Conta-se que, quando da descoberta de Nínive, um soberano árabe,

estupefato ao visitar as escavações e visualizar as ruínas de antigos palácios,

dirigiu, a um dos arqueólogos da equipe, as seguintes palavras:

Meu pai e o pai de meu pai assentaram aqui as suas

tendas antes de mim (...) há doze séculos que os

verdadeiros crentes (...) vivem nestas terras e nenhum

deles ouviu falar de um palácio subterrâneo. E olhai!

Chega um estrangeiro, de um país que está a muitos dias

de caminho e vai diretamente ao seu objetivo, pega numa

vara e traça uma linha aqui outra acolá. Aqui, diz, estava

o palácio e além a porta. E mostra o que toda a vida

jazera sob os nossos pés e desconhecíamos. Maravilha

das maravilhas! Aprendeste isto pelos livros, pela magia

ou pelos teus profetas? (PIJOAN, 1978).

Assim como os arqueólogos chegaram a descobertas estudando

cuidadosamente a história de civilizações, o psicólogo pelo método da

psicologia fenomenológica chega a identificar os sentidos que as pessoas

atribuem às suas experiências.

8

Dedicatória

Ao Padre Marcelo Mendonça Rossi e aos colaboradores voluntários do

Santuário Theotókos.

9

1- Sumário

Agradecimentos iv

Epígrafe vii

Dedicatória viii

Resumo 12

Abstract 13

Résumé 14

Introdução

1. Aproximação ao tema da tese 15

2. Problematização 22

Capítulo I- O Voluntariado na Igreja Católica

1. Fundamentos bíblicos para o servir 25

2. Alguns elementos do voluntariado na Igreja Católica 29

Capítulo II- O voluntariado no Santuário Theotókos

1. A Igreja Católica e o Padre Marcelo M. Rossi 36

2. Origem do voluntariado no Santuário Theotókos 44

3. Ingresso no voluntariado 46

10

4. Objetivo do voluntariado no Santuário Theotókos 48

5. A postura solicitada ao voluntário 49

Capítulo III- O caminho da pesquisa

1. A psicologia fenomenológica 51

2. Objetivo 58

3. Percurso realizado 58

3.1 - A entrevista semi-dirigida 62

3.2 - A escolha do colaborador 63

3.3 - Cuidados éticos 66

3.4 – Procedimentos para análise da entrevista 66

Capítulo IV- A entrevista com Doroty

1. Realização da entrevista com Doroty 70

2. Síntese da entrevista com Doroty 71

Capítulo V - Análise e Discussão da entrevista com Doroty

1. Primeiro momento da análise 76

2. Segundo momento da análise 77

3. Análise e Discussão da entrevista com Doroty 79

3.1 - A crise 79

3.2 - O acolhimento 82

3.3- O Viver autêntico 86

Capítulo VI – Conclusão 90

11

Capítulo VII – Considerações Finais 95

Capítulo VIII – Referência Bibliográfica 99

Anexo I - Transcrição da entrevista com Doroty 107

Anexo II - Termo de consentimento livre e esclarecido 116

Anexo III – Aceite da Comissão de Ética da PUC-SP 118

12

LIMBERGER, Anselmo Matias. Sentidos da experiência do trabalho

voluntário em uma instituição religiosa. Tese de doutorado. Programa de

Pós-Graduação em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, SP, Brasil, 118p.

RESUMO

Em uma perspectiva fenomenológica, o objetivo nessa tese é

buscar compreender os sentidos da experiência do trabalho dos

voluntários em uma instituição religiosa, para quem os executa.

Para atingi-lo, identifica-se o modo de compreender o servir na

perspectiva católica e o modo como o trabalho voluntário é

organizado no Santuário Theotókos. Foi realizado o estudo

aprofundado de uma colaboradora que trabalha no Santuário

Theotókos há catorze anos. A entrevista foi gravada, transcrita,

sintetizada, analisada e discutida na abordagem da psicologia

fenomenológica. A análise do caso permitiu reconhecer os

sentidos da experiência de acolhimento, da pertença, de re-visão

da própria vida, de disponibilidade para servir, de sustentação e

fortalecimento da identidade, entre outros. A compreensão do

caso estudado permitiu propor a realização de grupos de

crescimento, para facilitar aos que realizam serviço voluntário no

Santuário Theotókos, refletir sobre o sentido de suas experiências

ao realizarem esse trabalho, visando seu crescimento, a

organização do voluntariado e o seu acompanhamento.

Palavras Chave: Psicologia fenomenológica: Psicologia e Religião,

Trabalho Voluntário.

13

LIMBERGER, Matias Anselmo. The meanings of volunteering experience in

a religious institution. PhD thesis. Post-graduation Program in Clinical

Psychology. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brazil, 118p.

ABSTRACT

From a phenomenological perspective, the goal in this thesis is to

comprehend the meanings of the volunteering experience in a

religious institution according to the volunteers. To achieve that

goal, the Catholic perspective on volunteerism was outlined, as

well as how the volunteering is organized in the Santuário

Theotókos. A thorough study over a collaborator who works in the

Santuário Theotókos for fourteen years was conducted. The

interview was taped, transcribed, synthesized, analyzed and

discussed from the phenomenological-psychology approach. The

case analysis allowed recognizing the meanings of acceptance

experience, belonging, life review, willingness to serve, support,

strengthening of identity, among others. The understanding of the

case study permitted the creation of growth groups in order to

facilitate the volunteering at the Santuário Theotókos and to reflect

on the meaning of their own experiences while performing

volunteer work focusing on their growth, on the volunteering

organization and on its monitoring.

Keywords: Phenomenological psychology: Psychology end Religion,

Experiences Volunteering.

14

LIMBERGER, Anselmo Matias. Sens des expériences du travail volontaire

dans une Institution Religieuse. Thèse de Doctorat. Programme de Post-

Graduation en Psychologie Clinique. Université Pontificie Catholique de São

Paulo, SP. Brésil. 118 p.

RÉSUMÉ

Dans une perspective phénoménologique, l’objectif de cette thèse

est de chercher à comprendre les sens de l´expérience des

volontaires qui font un travail d’écoute dans une institution

religieuse. Afin de l´atteindre, on identifie le mode de comprendre

le servir dans la perspective catholique et le mode dont le travail

benévole est organisé dans le Sanctuaire Theotókos. Une étude

approfondie a été réalisée avec une collaboratrice qui travaille

dans le Sanctuaire Theotókos il y´a quatorze ans. L´entrevue a

été enregistrée, transcrite, synthétisée, analysée et discutée dans

l´abordage de la Psychologie Phénoménologique. L´analyse du

cas a permis de reconnaître les sens de l´expérience de la

réception, de l´appartenance, de révision de la vie elle même, de

la disponibilité pour servir, du maintien et consolidation de

l’identié, entre autres. La compréhension du cas étudié a permis

de proposer la réalisation des groupes de dévoloppement, afin de

faciliter à ceux qui réalisent ce travail benévole dans le Sanctuaire

Theotókos, la réflection sur les sens de leurs expériences en

faisant le travail volontaire, visant leur croissance, l´organisation

du benévolat et son accompagnement.

Mots-Clés: Psychologie Phénoménologique: Psychologie et Religion, Travail Volontaire.

15

Introdução

1. Aproximação ao tema da tese

Terminei o curso de Filosofia1 em 1983 e o curso de Teologia em 1987,

ordenando-me presbítero no mesmo ano. Completei o mestrado em Filosofia,

em 19902, na Pontifícia Studiorum Universitas A S. Thoma Aq. In Urbe, em

Roma, na Itália e ao voltar para o Brasil, os meus diplomas não me davam o

direito de lecionar, no entanto, por meio de uma licença especial do Ministério

de Educação e Cultura - MEC, fui autorizado a dar aulas de Filosofia em

diferentes cursos de graduação. A partir do contato com os alunos na União

das Faculdades do Oeste do Estado do Paraná - UNIOESTE, assim como no

trabalho pastoral, desenvolvido na Diocese de Toledo, no mesmo Estado, senti

a necessidade de legalizar definitivamente a minha situação profissional no

país. A ela, somou-se o desejo de fazer o curso de Psicologia, o qual poderia

ajudar na minha formação pessoal, levando em conta os questionamentos que

surgiam na atividade pastoral nas Paróquias onde trabalhei, bem como

questionamentos que surgiam no meio acadêmico.

Para fazer o curso de Psicologia, encontrei apoio em documentos da

Igreja Católica Apostólica Romana, bem como da parte de meus superiores. O

1 Filosofia e Teologia. Cursos seminarísticos, portanto sem o reconhecimento do Ministério de Educação

e Cultura – MEC, cursados no Instituto Superior São Francisco, em Ponta Grossa - PR. 2 Dissertação de Mestrado: “Friederich Wilhelm Nietzsche: Pensamento ou Doutrina”.

16

Concílio Vaticano II, na Constituição Gaudium et Spes3, Sobre a Igreja no

Mundo de Hoje, nº 62, destaca que:

Na pastoral sejam suficientemente conhecidos e usados não

somente os princípios teológicos, mas também as descobertas

das ciências profanas, sobretudo da psicologia e da sociologia

de tal modo que também os fiéis sejam encaminhados a uma

vida de fé mais pura e amadurecida (...) aqueles que se dedicam

às disciplinas teológicas nos Seminários e Universidades

procurem colaborar com os homens que sobressaem nas outras

ciências, colocando em comum suas energias e opiniões. A

pesquisa teológica, ao mesmo tempo que aprofunda o

conhecimento da verdade revelada, não negligencie o contato

com o próprio tempo, para que possa fornecer um conhecimento

mais completo da fé aos homens preparados nos diversos ramos

do saber (p. 214).

Existe na Diocese de Toledo-PR a prática de, a cada dois anos, enviar

dois padres para estudarem no curso e local que escolherem. Eu me informei

sobre as diferentes possibilidades e, em 1997, cheguei em São Paulo para

fazer o Curso de Psicologia na Universidade São Marcos. Ao mesmo tempo,

através de Dom Fernando Antônio Figueiredo, fui convidado para os trabalhos

pastorais da Diocese de Santo Amaro. Já tinha participado de dois retiros

conduzidos por expoentes internacionais da Renovação Carismática, os

Teólogos Cantalamessa4 e DeGrandis5 e me senti atraído para esta

espiritualidade, que propõe uma renovação espiritual. As colocações dos

teólogos me satisfaziam, aumentando as motivações para continuar minha

missão. Fiquei, portanto, satisfeito com o convite de Dom Fernando, o que

3 CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA GAUDIUM ET SPES, nº 62.

4 Raniero CANTALAMESSA, Retiro de uma semana realizado em São Paulo em 1994.

5 Robert DEGRANDIS, Retiro de uma semana realizado na Catedral Diocesana de São José dos Campos

– SP em 1996.

17

possibilitou a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento e crescimento

do trabalho realizado pelo Padre Marcelo Mendonça Rossi, que eu já conhecia

pela programação da Rede Vida de Televisão.

Mais tarde, como seu colaborador, auxiliei-o no atendimento aos fiéis,

primeiro no Santuário Terço Bizantino e depois na Paróquia Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro e Santa Rosalia, na zona sul de São Paulo. Padre Marcelo

era Pároco dessa Paróquia e reitor do Santuário Terço Bizantino e, tendo muito

trabalho, solicitou-me que celebrasse duas missas por semana na sua

Paróquia, para que ele pudesse ter todo o tempo disponível para o Santuário

Terço Bizantino. Essa colaboração se estendeu de 1998 a 2002, depois disso,

centralizei meus trabalhos pastorais na Paróquia São Galvão e Santo Antônio,

confiada a meus cuidados e também voltei a dar aulas de Filosofia no Instituto

Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura e de Psicologia no

Centro Universitário Assunção - UNIFAI. Ao mesmo tempo, continuei a

frequentar e a colaborar com o Santuário Terço Bizantino por ocasião de

solenidades e retiros.

Na Revista do Santuário intitulada “Revista Terço Bizantino6”, na edição

que corresponde aos meses de fevereiro e março de 2005 o Padre Marcelo

registra mudança do nome do Santuário que passou a se chamar de Santuário

Theotókos, ou seja, Maria Mãe de Deus. Registra, também mudança do

endereço do Santuário que tem novo prédio, ainda em construção, que terá a

capacidade para acolher cem mil pessoas e é propriedade da Diocese de

Santo Amaro.

6 Padre Marcelo Mendonça ROSSI. Notícias: o Novo Santuário. Revista Terço Bizantino, p. 26.

18

Ao mesmo tempo em que trabalhava na Diocese de Santo Amaro, fazia

o Curso de Psicologia. Estava atento a todas as disciplinas e me empenhei

muito para absorver as teorias e aprender as técnicas do trabalho psicológico.

Notava, durante o curso de psicologia, que o assunto “religião” não era

abordado em nenhuma disciplina. Notava, também, no estudo das teorias

psicológicas, que as religiões não eram mencionadas, e pensava que isso

talvez ocorresse, por falta de conhecimento dos professores sobre o assunto.

Ao concluir o Curso de Psicologia comecei a atender pacientes em meu

consultório. Para aprofundar o meu conhecimento teórico e aprimorar a prática,

fui em busca de mais informações e formação. Fiz um curso de especialização

em Psicoterapia Breve Psicodinâmica, orientando-me por essa proposta no

atendimento aos pacientes.

Continuei a minha formação e participei, também, de três cursos sobre

Winnicott, dois na Escola Paulista de Psicologia e um na PUC de São Paulo. A

participação nestes cursos visou o aprofundamento de estudos que já havia

feito na graduação para alcançar maior conhecimento dessa proposta visando

sua utilização na clínica.

Estudando a teoria psicanalítica e a técnica da psicoterapia breve

psicodinâmica, desde o seu surgimento até os dias atuais, notei que o assunto

religião e tudo que a envolve, não foi abordado.

Através das aulas desenvolvidas por Coelho Filho7 no curso de

especialização do IPPESP8, retomei a possibilidade de pensar nas teorias

psicológicas a partir dos paradigmas psicanalítico, behaviorista, cognitivo e

7 Prof. Dr.Joaquim Gonçalves COELHO FILHO, Diretor Presidente da Escola de Psicologia de São Paulo

e Prof. da Universidade São Marcos. 8 INSTITUTO PAULISTA DE PSICOLOGIA, ESTUDOS SOCIAIS E PESQUISA. Rua Luis Góis, 1185

– Vila Mariana, São Paulo.

19

humanista, diferenciando as concepções de homem, de personalidade,

desenvolvimento subjacentes, assim como as diferentes práticas resultantes

desses paradigmas. O que me chamou a atenção foi o lugar que o conceito de

liberdade ocupa nesses paradigmas. Enquanto que para a psicanálise, o

comportamento humano é, em grande parte, regido pelo inconsciente e, para

as abordagens decorrentes do behaviorismo, é determinado pelo ambiente, a

perspectiva fenomenológica e humanista salienta a liberdade do ser humano.

O humanismo diferencia-se dos paradigmas da psicanálise e do

behaviorismo, por apoiar-se em uma visão de homem que enfatiza sua

liberdade criativa, tendo propensão inata à auto-realização, capacidade de

atualizar seus potenciais, tomar decisões e fazer escolhas.

Em síntese, os paradigmas da psicologia se fundamentam em

pressupostos teóricos e metodológicos, de base filosófica e científica. Na área

da psicologia encontram-se posições oriundas do empirismo, do positivismo, do

iluminismo, do materialismo histórico, da biologia e da neurociência, entre

outras. Em comum, essas posições fundamentam o caráter científico da

Psicologia em oposição, aos paradigmas teológicos que fundamentam as

religiões. Em suma, a Psicologia é multi-paradigmática, busca um estatuto

científico; enquanto que as religiões se fundamentam em outros paradigmas,

que reconhecem a existência de um princípio superior ao homem do qual ele e

o mundo decorrem. As religiões tem os seus ritos e valorizam a dimensão

espiritual e os seus líderes exercem atividades de orientação para os seus

membros. No entanto, no atendimento às pessoas que os procuram,

defrontam-se com questões de várias ordens, não apenas de ordem espiritual.

20

A consideração dos diferentes paradigmas subjacentes às teorias

psicológicas levou-me a pensar na possibilidade de fazer uma pesquisa na

interface da Psicologia e da Religião. No meio acadêmico por onde andei as

questões espirituais não eram abordadas. Ao estudar Psicologia, muitas vezes

sentia-me interpelado como padre pelas visões de homem presentes nas

diferentes abordagens assim como nas várias correntes da filosofia que lhes

dão sustentação teórica. Enfrentei esses momentos, colocando entre

parênteses o meu conhecimento filosófico e o conhecimento teológico para

melhor compreender o que era proposto em Psicologia. Ao conhecer melhor a

abordagem fenomenológica, reconheci que minha atitude e meu modo de

pensar coincidiam com a proposta desta abordagem. É próprio da atitude

fenomenológica, colocar entre parênteses, e suspender o julgamento. Eu me

empenhava em suspender meus pressupostos para melhor apreender o objeto

de estudo, o método, a técnica e o objetivo de cada abordagem psicológica

estudada.

Foi ficando claro para mim que os temas que envolviam o assunto

religião não tinham lugar nos estudos acadêmicos dos cursos de psicologia. O

desejo de aproximar minha ação como padre de minha ação como psicólogo, e

de refletir sobre questões que se reportam à religião e à psicologia, no entanto,

se fazia cada vez mais presente. Percebia, também, que o pressuposto

filosófico e a visão de homem presentes nas abordagens fenomenológicas

eram condizentes com o meu modo de trabalhar em psicologia e de

desenvolver pesquisas. Notadamente, a visão de homem subjacente à

psicologia fenomenológica, que enfatiza a liberdade humana para fazer

escolhas e sua tendência para o desenvolvimento mostrou-se próximo e

21

coerente com a visão cristã do ser humano. Posso dizer que pelos estudos

realizados e pela leitura de autores da psicologia fenomenológica fui dando

expressão à visão de homem, de mundo e de conhecimento com as quais eu

concordava, como padre e psicólogo.

Assim, quando, durante a especialização em Psicoterapia Breve

Psicodinâmica, Coelho Filho9 comentou sobre os trabalhos desenvolvidos pela

Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP,

e disse que Ancona-Lopez10 desenvolvia um trabalho de orientação de

pesquisa em nível de mestrado e doutorado sobre questões que abrangiam a

psicologia e a religião na PUC de São Paulo, eu me vi diante do caminho que

buscava há muito tempo, ou seja, a possibilidade real de fazer uma pesquisa

sobre questões situadas na interface entre a psicologia e a religião.

Busquei informações na secretaria de Pós-Graduação da PUC de São

Paulo com o objetivo de conhecer a dinâmica do Programa de Estudos Pós-

Graduados em Psicologia Clínica para desenvolver um projeto de pesquisa em

nível de Doutorado. Foi assim que me inscrevi no referido programa, para

trabalhar minha tese no tema Psicologia e Religião. Os estudos neste

programa me proporcionaram o aprofundamento da abordagem da psicologia

fenomenológica que possibilitou rever o percurso realizado e formular o tema, o

problema e o objetivo que expressam a minha busca.

Simultaneamente, continuei a prática pastoral, trabalhei na Diocese de

Santo Amaro em minha Paróquia, dei aulas de filosofia e de psicologia, no

Santuário atendi como padre, as pessoas que me procuravam e no consultório

psicológico continuei a atender os meus clientes.

9 Prof. Dr. Joaquim Gonçalves COELHO FILHO, Diretor Presidente da Escola de Psicologia de São

Paulo e Professor da Universidade São Marcos. 10

Profª. Drª. Marília ANCONA-LOPEZ, PUC-SP e UNIP.

22

2. Problematização

Neste tempo todo em que acompanho os trabalhos desenvolvidos pelo

Padre Marcelo Rossi, os colaboradores voluntários do Santuário Theotókos

despertaram minha atenção. São pessoas de todas as idades, de todas as

profissões, de condições financeiras diversas e com diferentes histórias de

vida.

Pude observar que o serviço voluntário muitas vezes é vivido como dom

gracioso em favor da pessoa do próximo, outras vezes é vivido numa atitude de

sacrifício na qual o trabalhador tem constantemente presente a figura de Jesus

com sua cruz, e outras, ainda, é vivido na busca não de servir, mas, de ser

servido. Nestes últimos casos, o voluntário busca, por meio de seu trabalho,

vantagens de ordem social, profissional e afetiva, entre outras. Informalmente,

observei esses sentidos no comportamento dos voluntários do Santuário e

interessei-me para conhecer, de modo sistemático, os sentidos que eles

atribuem ao trabalho voluntário.

Fui, assim, formulando uma questão indagadora. Como compreender os

diferentes sentidos da experiência do trabalho voluntário para quem realiza

esse trabalho no Santuário Theotókos?

A compreensão dos possíveis sentidos desse trabalho voluntário mostra-

se importante, pois pode auxiliar os psicólogos que atendem pessoas que

trabalham voluntariamente e pode, ainda, auxiliar na organização e

acompanhamento do trabalho, beneficiando a instituição, os próprios

voluntários.

23

Minhas reflexões iniciais sobre esta questão conduziram-me a

considerar o conceito de “servir” como referencial inicial para as reflexões

sobre o trabalho voluntário.

Aurélio (2004)11 apresenta o termo serviço como substantivo próprio e

indica vários significados, entre os quais a noção de “celebração de atos

religiosos” e “desempenho de qualquer trabalho”. Referente ao termo “servir”, o

autor diz que se trata de um verbo intransitivo, o que significa que a ação, a

força, está no próprio verbo. O dicionário indica os empregos que o verbo

permite, entre os quais destaco “prestar serviços de qualquer natureza, ser

prestável, útil a, ajudar, auxiliar; gostar de servir os pobres”. Referente ao termo

“servido” Aurélio afirma que se trata do particípio do verbo servir. Pelas regras

gramaticais, “servido” indica aquele sujeito que recebe a ação do servir.

Tomando o verbo “servir” e o seu particípio “servido”, focalizo minha tese

no serviço voluntário a partir da pessoa que realiza a ação.

A fim de atingir o objetivo de buscar compreender os sentidos da

experiência do trabalho dos voluntários em uma instituição religiosa, para quem

os executa, em uma perspectiva fenomenológica, iniciei o trabalho expondo o

trajeto pessoal que levantou em mim o interesse pelo tema. Apresento,

também, as reflexões que possibilitaram a formulação desse objetivo.

Seguindo na mesma perspectiva, apresento, no capítulo I, alguns

pressupostos do serviço voluntário para a Igreja Católica Apostólica Romana, à

qual pertence o Santuário Theotókos.

Apresento, em seguida, o Santuário, o modo como o Padre Marcelo

serve e a história do voluntariado nesta instituição. Para obter estes dados vali-

11

Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA, Novo Dicionário Aurélio de língua Portuguesa, p. 1837.

24

me de informações da mídia, documentos do Santuário, do relato do próprio

Padre Marcelo Rossi, assim como de outros responsáveis pelo voluntariado,

além de minhas próprias observações e experiências no local. Para esclarecer

o funcionamento do voluntariado no Santuário Theotókos, entrevistei uma das

responsáveis pelo mesmo desde o seu início, a Sra. Ana12.

Entrei em contato com a Sra. Ana, expus meu interesse e o tema do

meu doutorado e solicitei sua colaboração, através de um contato pessoal. Ao

encontrá-la obtive o termo de consentimento conforme as normas éticas13.

A Sra. Ana dispôs-se a colaborar comigo dando-me as informações

sobre o voluntariado no Santuário Theotókos. Eu a entrevistei em um ambiente

tranqüilo e ela foi falando sobre o voluntariado de forma espontânea. O

trabalho de transcrição e as repetidas escutas, as minhas experiências no local

e os documentos e informações que obtive, permitiram apresentar

descritivamente como o Padre Marcelo serve no Santuário Theotókos, o que

faço no capítulo II.

O Padre Marcelo, por sua vez, consentiu com a divulgação das

informações sobre o Santuário Theotókos e sobre o seu serviço, considerando

que, neste caso, o sigilo era desnecessário.

Após a apresentação do Santuário Theotókos e dos voluntários, iniciei a

pesquisa propriamente dita. O caminho percorrido está descrito no capítulo III,

seguido pelo relato da entrevista, análise, discussão e pelas conclusões a que

foi possível chegar.

12

Nome fictício. 13

Conforme anexo II.

1

Capítulo I

O Voluntariado na Igreja Católica

1. Fundamentos bíblicos para o servir

Na pessoa de Jesus Cristo existe um equilíbrio maravilhoso entre o que

Ele é e o que Ele faz. Os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, bem

como as cartas apostólicas e o Apocalipse, evidenciam essa harmonia e, na

medida em que os leio, posso observar seu Ser e seu Ministério. Das muitas

qualidades relacionadas nos livros sagrados, destaca-se a atitude de serviço

de Jesus para com todos os que entram em contato com Ele. Verifico que

Jesus deu importância aos mínimos detalhes, bem como à totalidade das

qualidades envolvidas no seu relacionamento com as pessoas.

O serviço de Jesus Cristo nasce de quem Ele é. “Vós chamais-me

Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se eu, pois, Senhor e Mestre, vos

lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Porque eu dei-

vos o exemplo, para que, como eu vos fiz, assim façais vós também. Em

2

verdade, em verdade vos digo: O servo não é maior do seu senhor, nem o

enviado é maior do que aquele que o enviou”1.

Identifico o modo como Jesus serve e como com sua prática e doutrina

enfatizou o binômio do servir e do ser servido. A temática do Evangelho escrito

por Mateus é o Reino de Deus. O Reino que Jesus pregava “manifesta-se

claramente aos homens nas palavras, nas obras e na pessoa de Cristo”2.

Tomando como referência o “Sermão da Montanha, as Bem-aventuranças”

percebo como Jesus em sua pregação apresentou os critérios do Reino, que

parecem paradoxais com as máximas do mundo. Jesus disse: “Bem-

aventurados os pobres de espírito, os mansos, os que choram, os que tem

fome, os misericordiosos, os pacíficos, os que sofrem”. Concluindo cada bem-

aventurança, Jesus refere-se a uma realização: “porque deles é o reino dos

céus, possuirão a terra, serão consolados, serão saciados, alcançarão

misericórdia, serão chamados filhos de Deus, deles é o reino dos céus”3.

O fundamento do serviço voluntário na Igreja Católica Apostólica

Romana remete à vida e ensinamentos de Jesus e dos apóstolos e sobretudo a

uma visão de homem e de mundo. O homem é corpo, alma e espírito. Quanto

ao corpo e alma o homem vive a dimensão da vida temporal e terrena. Quanto

à dimensão espiritual, o homem abre-se para o sobrenatural e eterno. Contudo,

corpo, alma e espírito são compreendidos como formando uma unidade que é

o homem, criado à imagem e semelhança de Deus.

A noção de servir e ser servido aparece no episódio em que a mãe dos

filhos de Zebedeu se dirige a Jesus e pede que um sente-se à sua direita e

1 BÍBLIA, N. T. João. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos Soares. 4. Ed. São

Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 13, vers. 13-16. 2 CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LÚMEN GENTIUM, n. 5. e 6.

3 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos Soares. 4. Ed.

São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 5, vers. 3-10.

3

outro à sua esquerda no seu Reino. Jesus percebendo o descontentamento

dos demais apóstolos disse: “vós sabeis que os príncipes das nações as

subjugam e que os grandes as governam com autoridade. Não será assim

entre vós, mas todo o que quiser ser entre vós o maior, seja vosso servo; e o

que quiser ser entre vós o primeiro, seja vosso escravo; assim como o Filho do

homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para a

redenção de muitos”4.

Jesus também deixa o exemplo de serviço na Última Ceia. As

características do serviço não são destacadas como exercício de poder, de

fama, de sucesso, de resultados, de dons, de milagres a serem almejados, mas

como uma doação generosa e gratuita, expressa na atitude do divino mestre. O

lava-pés representa uma das disposições de quem se põe a servir imitando a

atitude de Jesus.

O serviço de Jesus é identificado pelo seu amor, “ama-os até o fim” a

ponto de entregar a si mesmo, a própria vida. Porque fruto do amor, o serviço

de Jesus foi incondicional e sem discriminação.

Jesus dá o exemplo perfeito de serviço. Ele lembra “O Filho do homem

não veio para ser servido, mas para servir e para dar a sua vida para redenção

de muitos”5.

O registro de Mateus6 sobre o juízo final ilustra a identificação de Jesus

com as pessoas em diferentes situações existenciais e destaca: “... tive fome e

me destes de comer; tive sede, e destes-me de beber; era peregrino, e

4BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos Soares. 4. Ed.

São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 20, vers. 24-28. 5 BÍBLIA, N. T. Marcos. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos Soares. 4. Ed.

São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 10, ver. 45. 6 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos Soares. 4. Ed.

São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 25, vers. 31-46.

4

recolhestes-me; nu, e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e

fostes me visitar...”, Jesus explica “tudo que fizestes a um desses irmãos, foi a

mim que o fizestes”. Nesta tônica o servir ao próximo significa servir a Jesus.

O evangelista Lucas7 registra como Jesus serve anunciando a Palavra

no episódio em que Jesus é hospedado por Marta. Maria se põe a ouvir Jesus,

enquanto Marta se ocupa em servi-lo. O serviço de Marta impede-a de estar

com Jesus. Este exemplo apresenta o relacionamento com Jesus como o

centro e fundamento do desejo de servir os outros. O episódio de Jesus em

Betania na casa de Marta, aponta para diferenças na atitude de serviço, há

quem serve estando em sintonia com Jesus, e há aqueles que trabalham

apenas executando tarefas. Marta, agitada e preocupada com Jesus, perde-se

no meio das tarefas e esquece-se de ouvir as suas palavras.

Jesus instituiu a igreja e enviou os apóstolos para pregar o Reino de

Deus. Os que são chamados a trabalhar pelo Reino são incentivados pela

igreja a imitar a Jesus, servindo.

Os serviços na igreja são especificados por São Paulo quando escreve

aos Coríntios8 “assim a alguns constitui Deus na igreja: em primeiro lugar,

apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, doutores; depois, os

que tem o poder de operar milagres; depois, os que tem o dom de curar, de

assistir, de governar, de falar diversas línguas, de interpretar as línguas”.

Na carta aos Romanos9, o apóstolo Paulo enfatiza os serviços através

da metáfora do corpo e afirma: “assim como num só corpo temos muitos

7 BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos Soares. 4. Ed.

São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 10, vers. 38-42. 8 BÍBLIA, N. T. 1 Carta aos Coríntios. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos

Soares. 4. Ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 12, ver. 29. 9 BÍBLIA, N. T. Carta aos Romanos. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos

Soares. 4. Ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 12, vers. 4-8.

5

membros, e nem todos os membros tem a mesma função, assim ainda que

muitos, somos um só corpo em Cristo, e cada um de nós membros uns dos

outros. Mas temos dons diferentes, segundo a graça que nos foi dada; quem

tem o dom da profecia, use-o segundo a regra da fé; quem tem o ministério,

exerça o ministério; quem tem o dom de ensinar, ensine; quem tem o de

exortar, exorte; o que reparte, faça-o com simplicidade; o que preside, seja

solícito; o que faz obras de misericórdia, faça-as com alegria”.

Nesta mesma carta10, Paulo apresenta os efeitos do batismo e diz que

nos “incorpora na igreja, nos torna filhos de Deus, irmãos em Jesus Cristo,

herdeiros da vida eterna”. O magistério da Igreja nos afirma que do batismo

nasce a missão de anunciar o Evangelho, de testemunhar Jesus Cristo, de

dialogar com as religiões e com as culturas e de servir a Jesus no irmão.

De acordo com Atos dos Apóstolos11 os cristãos das primeiras

comunidades “perseveravam na doutrina dos apóstolos, nas reuniões comuns,

na fração do pão e nas orações”.

Dois milênios de história mudaram diversas vezes o mundo em sua

organização política, econômica, tecnológica e social. Essas mudanças

influenciaram os cristãos católicos presentes em quase todos os países do

mundo. No entanto, eles sempre valorizam a comunidade simbolizada pela

Eucaristia e a proposta cristã continua a ser a de doar-se de diferentes formas,

entre elas a do serviço voluntário.

2. Alguns elementos do voluntariado na Igreja Católica

10

BÍBLIA, N. T. Carta aos Romanos. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos

Soares. 4. Ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 8, vers. 15-17. 11

BÍBLIA, N. T. Livro de Atos dos Apóstolos. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe.

Matos Soares. 4. Ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 2, ver. 42.

6

A igreja como instituição social se organiza em dioceses, paróquias e

comunidades. Cada diocese é presidida por pelo menos um bispo. A diocese

compreende numerosas paróquias, cada qual com um pároco e padres

auxiliares quando necessário. A paróquia pode ou não ter comunidades, que

são chamadas de capelas. Elas são atendidas pastoralmente pelo pároco.

Muitos trabalhos nas dioceses, paróquias e comunidades em diferentes níveis,

são realizados por pessoas voluntárias.

O voluntariado na Igreja Católica fundamenta-se no ensino e na prática

de Jesus e dos apóstolos que percorre toda a história da Igreja assumindo

diferentes papéis e importância ao longo dos séculos, e que, foi a partir do

Concílio Vaticano II, que assumiu os contornos atuais e a forma como se

apresenta no Brasil.

O Concílio Vaticano II teve início no dia 11 de outubro de 1962 e foi

concluído no dia 7 de dezembro de 1965. A finalidade pastoral do Concílio foi

proclamada pelo seu idealizador, o Papa João XXIII, no discurso inaugural. O

Papa assegurou que a doutrina já era de conhecimento dos padres conciliares

e que eles deveriam achar uma forma de traduzi-la em linguagem acessível a

todos os cristãos. Por outro lado, “todos os cristãos em virtude do múnus

ministerial que brota do batismo são convocados a colocar-se a serviço do

Evangelho” (LG, n. 11)12.

Mais adiante destaca:

“os leigos são congregados no Povo de Deus e constituídos num

só Corpo de Cristo sob uma só cabeça. Quem quer que seja,

todos são chamados a empregar todas as forças recebidas por

bondade do Criador e graça do Redentor, como membros vivos,

12

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM, n. 11.

7

para o incremento e perene santificação da Igreja. O apostolado

dos leigos é participação na própria missão salvífica da Igreja. A

este apostolado todos são destinados pelo próprio Senhor

através do batismo e da confirmação” (L.G. n. 33)13.

Durante os intervalos das sessões do Concílio Vaticano II, em 1963, os

bispos do Brasil que estavam hospedados em uma mesma casa, em Roma,

traçaram um primeiro Plano de Pastoral Conjunto - PPC a ser implementado na

igreja em nosso país. A elaboração do PPC, resultou do esforço comum da

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB que foi criada e

regulamentada em 1952, no Rio de Janeiro14. Para viabilizar a aplicação do

PPC, os bispos utilizaram a experiência da Campanha da Fraternidade – CF.

Ela teve início em 1961 e visava arrecadar dinheiro para tornar autônoma a

Caritas Brasileira, fundada em 1957 para atender às necessidades da igreja no

Brasil. Inicialmente, o resultado econômico da CF foi pequeno, contudo, o

resultado pastoral foi muito bom, pois unificou as dioceses em torno de um

mesmo objetivo. Esse fato contribuiu para os bispos adotarem a CF como

momento para divulgar a mensagem da Igreja. Para a realização da CF, a cada

ano, os bispos oferecem um documento base e outros subsídios ao redor de

um tema. Na primeira fase da CF foi tratado o tema “da renovação da igreja e

da renovação do cristão”, na segunda fase, “a igreja preocupou-se com a

realidade social do povo, denunciando o pecado social e promovendo a justiça”

e na terceira fase “a igreja volta-se para situações existenciais do povo

brasileiro”15.

13

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM, n. 33. 14

História da CNBB. Disponível em: <http://www.arquidiocesecampinas.org.br/cnbb_história.htm>

Acesso em: 29 jun. 2010. 15

Campanha da Fraternidade. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Campanha_da_Fraternidade>

Acesso em: 30 mar. 2009.

8

A elaboração do PPC e da CF levou os bispos do Brasil a se reunirem

para estudarem os temas escolhidos e a forma de executar as propostas

assumidas em conjunto. Dessas reuniões, em consonância com os

documentos do Concílio Vaticano II, nasceram as Diretrizes de Pastoral para a

Igreja no Brasil, hoje conhecidas como Diretrizes da Ação Evangelizadora da

Igreja no Brasil, que dão continuidade ao PPC. As Diretrizes são revisadas,

renovadas e transformadas a cada quatro anos. Nas Diretrizes, encontram-se a

tradução das orientações conciliares e do magistério da igreja para iluminar a

sua prática pastoral e doutrinal. Em todos os documentos oficiais da CNBB o

trabalho dos leigos, ou seja, o protagonismo dos leigos na igreja, é tema

central.

Além das Diretrizes advindas da Igreja, que orientam o voluntariado, é

importante lembrar que no Brasil, ele obedece, também às leis civis.

O Estado regulamentou o voluntariado visando proteger as instituições

públicas e privadas de encargos tributários e da retribuição salarial. Em 18 de

fevereiro de 1998 foi aprovada Lei Federal nº 9.60816, que dispõe sobre o

serviço voluntário.

Art. 1º- Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a

atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade

pública de qualquer natureza, ou a Instituição privada de fins não

lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais,

científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive

mutualidade. Parágrafo único. O serviço voluntário não gera

vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista,

previdenciária ou afim. Art. 2º- O serviço voluntário será exercido

16

BRASIL. Lei n. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre o serviço voluntário e dá outras

providências. Brasília, 18 de fevereiro de 1998; 177º da Independência e 110º da República. Fernando

Henrique Cardoso – Presidente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/LEIS/L9608.htm>.

Acesso em 12 abr. 2006.

9

mediante a celebração de Termo de Adesão entre a entidade,

pública ou privada, e o prestador de serviço voluntário, dele

devendo constar o objeto e as condições de seu exercício. Art.

3º- O prestador de serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas

despesas que comprovadamente realizar no desempenho das

atividades voluntárias. Parágrafo único. As despesas a serem

ressarcidas deverão estar expressamente autorizadas pela

entidade a que for prestado o serviço voluntário.

A Lei n. 9.608 favorece as iniciativas do terceiro setor que é formado por

instituições públicas de qualquer natureza e instituições privadas, sem fim

lucrativo, que prestam diversos tipos de serviços, executados por pessoas

voluntárias.

O primeiro setor é o público, ocupado pelo Estado e pelo Governo; o

segundo é o setor privado, ocupado pelo mercado com suas empresas. O

terceiro setor é ocupado por organizações públicas ou privadas, sem fim

lucrativo e ocupa o espaço entre o primeiro e segundo setor como forma de

redistribuir e aplicar as riquezas. É ocupado por fundações, associações,

institutos e entidades que mediante recursos próprios ou em parceria com o

Estado prestam serviços de natureza diversa.

A consciência da responsabilidade social e da cidadania contribuíram

para que as Organizações não Governamentais se desenvolvessem

amplamente no Brasil e contribuíssem para consolidar sua função. Apesar das

grandes diferenças existentes entre estas instituições, nelas, as motivações

para exercer o voluntariado situam-se, comumente no exercício da cidadania

em uma visão antropológica.

10

Entre as motivações para o voluntariado, de acordo com Corullón

(2010)17 destacam-se a consciência fundamentada em valores éticos que

mobilizam as pessoas a realizarem ações socialmente úteis, como forma de

retribuir os conhecimentos e experiências adquiridos.

Conforme Martins (2010)18 os voluntários tem o direito de conhecer a

finalidade das ações a serem executadas, bem como o estatuto que rege a

instituição; de receber formação específica e apoio para atividade que irão

exercer; conhecer as habilidades e competências necessárias para o

voluntariado. Eles devem aceitar os estatutos e as normas que regem a

associação; cumprir os compromissos assumidos; ser atentos, responsáveis e

solidários; ter disposição para trabalhar em equipe e quando a função o exigir,

guardar sigilo. A autora supracitada conclui afirmando que toda a ação

voluntária fundamenta-se no comprometimento e na responsabilidade.

Já o serviço voluntário prestado por instituições religiosas, no caso a

Igreja Católica, como já dito, encontra seu fundamento em Jesus Cristo, em

sua pessoa e ensinamento, bem como no ensinamento dos apóstolos e do

magistério da igreja, sem deixar de respeitar os ditames da lei civil.

Para diferenciar o serviço voluntário das instituições religiosas e civis, há

na língua alemã dois conceitos que permitem vislumbrar o fundamento último

que as motiva. Gemeinschaft (comunidade) significa que o fundamento da ação

voluntária é a caridade, que remete a essa virtude teologal. Gesellschaft

(sociedade) significa que o fundamento da ação voluntária é a filantropia.

17

Mônica CORULLÓN, O Trabalho Voluntário. Manual elaborado para o Programa de Promoção do

Voluntariado do Conselho Comunidade Solidária, p. 2. 18

Renata de Freitas MARTINS (Advogada Ambientalista). Cidadania, Voluntariado e Ética: bases para o

terceiro setor e seu necessário desenvolvimento, p. 2-3.

11

Em síntese, o serviço prestado por Jesus que fundamenta o voluntariado

nas instituições cristãs caracteriza-se pelo exercício da humildade, doação de

si, gratuidade, amor incondicional, não discriminação e servir a Deus servindo

ao próximo. O Magistério da Igreja sobre os serviços fundamenta-se nessas

qualidades e assume que a diversidade de serviços corresponde a diferentes

características de cada pessoa, contribui com seus dons. Quando colocados

em comum, espera-se que os voluntários formem uma unidade da qual Cristo é

a cabeça e os demais são seus membros.

12

Capítulo II

O voluntariado no Santuário Theotókos

1. A Igreja Católica e o Padre Marcelo M. Rossi

A Igreja Católica enquanto instituição social tem sua forma própria de se

organizar. A criação de uma diocese e a nomeação do bispo é feita pelo Papa.

O Papa João Paulo II, em 1989, criou a Diocese de Santo Amaro e

nomeou como bispo Dom Fernando Antônio Figueiredo19, que tomou posse no

mesmo ano. Na época, a Diocese contava com 64 padres, distribuídos em 37

paróquias. Preocupado com a formação de novos padres, Dom Fernando criou

o Seminário São Boaventura - Instituto Superior de Filosofia e Ciências

Religiosas com a função de oferecer um curso de Filosofia e um de Teologia.

Em 22 anos de existência da Diocese, Dom Fernando ordenou 173

novos padres, convidou 10 padres para trabalharem na Diocese e criou 71

novas paróquias. Em 2011, a Diocese conta com 247 padres e 108 paróquias.

A população de católicos na Diocese é estimada em 3.208.439 habitantes20. Na

Diocese de Santo Amaro, nota-se que há em média 29.707 pessoas para cada

padre atender.

19

Anuário Católico do Brasil. Rio de Janeiro: CERIS, 2009/2010. Disponível em

<www.guiacatolico.com>. Acesso em: 1 jul. 2010. 20

Cúria Diocesana de Santo Amaro. Disponível em: <www.diocesedesantoamaro.com.br>. Acesso em: 1

jul. 2010.

13

No Decreto do Concílio Vaticano II, Apostolicam Actuositatem sobre o

Apostolado dos Leigos21 a Igreja reconhece a impossibilidade para o clero dar

conta do atendimento a todos os fiéis católicos e apresenta a proposta do

Apostolado dos Leigos. Refere que “o Santo Concílio, desejando tornar mais

intensa a atividade apostólica do Povo de Deus, volta-se de maneira solícita

aos cristãos leigos. Pois, o apostolado dos leigos, decorrente de sua vocação

cristã, nunca pode faltar na Igreja”. Mais adiante informa que “o aumento

constante da população, o progresso da ciência e da técnica, as relações

humanas mais estreitas, aumentam o campo de ação do apostolado”. A Igreja

tem consciência de que a vocação cristã é por sua natureza vocação ao

apostolado, e reconhece que no seu interior há “diversidade de serviços, mas

unidade de missão” (n. 2). O objetivo comum para o clero e para os leigos é

testemunhar e anunciar a Boa Nova do Evangelho.

O Papa João Paulo II em 1988, com a Exortação Apostólica

Christifideles Laici22, sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no

mundo, também reconhece a insuficiência do clero para atender a demanda da

evangelização e do atendimento às pessoas que procuram a igreja e convoca

os leigos a assumirem a sua vocação e missão e repete para eles as palavras

de Jesus: “Ide vós também para a minha vinha”23.

Em 1994, Dom Fernando ordenou para o sacerdócio o Padre Marcelo

Mendonça Rossi que começou seus trabalhos pastorais na Paróquia Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro e Santa Rosalia.

21

APOSTOLICAM ACTUOSITATEM. Decreto do Concílio Vaticano II, p. 529-564. 22

JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Christifideles Laici, n. 119. 23

BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Popular. Trad. de: Pe. Matos Soares. 4. Ed.

São Paulo: Edições Paulinas, 1977. Cap. 20, vers. 3-4.

14

Quando o Padre Marcelo assumiu a Paróquia, esta estava em

construção, o que levou as celebrações para o auditório da Cúria Diocesana. O

trabalho foi iniciado com celebrações de missas, novenas, atendimento aos

fiéis e programas de rádio. Todo ele foi desenvolvido dentro da espiritualidade

da Renovação Carismática, à qual o Padre Marcelo aderiu desde a sua

formação como seminarista.

A origem da Renovação Carismática Católica24 remete ao Congresso

Nacional de Cursilhos de Cristandade realizado em 1966, e ao retiro espiritual,

realizado em 1967, no mesmo local, na Universidade de Duquesne, em

Pittsburgh, Pensilvânia, nos Estados Unidos da América. Esse Movimento

Carismático apresenta uma raiz ecumênica na sua origem e espalhou-se

rapidamente nas igrejas católica e protestantes da América.

Informações disponíveis nos registros do Monge Beneditino Dom

Cipriano Chagas25 relatam que em 1970 a Renovação Carismática Católica no

Brasil, começou em Telêmaco Borba, no Paraná, com o Padre Daniel

Kiakarski, que a conheceu nos Estados Unidos em 1969. Contudo, foi em

Campinas, São Paulo, em 1972, que os padres jesuítas americanos Haroldo

Joseph Rahm e Eduardo Dougherty deram vários retiros e formaram grupos de

oração que contribuíram para a divulgação dessa forma de viver a

espiritualidade no país. Em vista da extensão que a Renovação tomou no

Brasil desde 1973, anualmente, realizam-se Congressos e Retiros de

Espiritualidade nacionais e locais.

24

História da Renovação Carismática Católica. Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Renov%C3%A7%C3%A3o_Carism%C3%A1tica_Cat%C3%B3lica>.

Acesso em 6 jul. 2010. 25

Idem.

15

O Padre Marcelo dá alento à forma de viver a espiritualidade da

Renovação Carismática desenvolvendo a alegria, o louvor, a confiança em

Deus e enfatizando os dons do Espírito Santo. Suas missas são chamadas de

missa de louvor, missa de cura, missa de libertação. Com o lema: “quem canta

bem, reza duas vezes”26, o Padre Marcelo motiva os fiéis a tomarem parte ativa

nas celebrações, rezando, cantando, dançando e fazendo coreografias. Um

grupo formado por músicos e cantores fornece a sustentação dos cânticos.

Para o povo participar, o Padre Marcelo canta e antecipa em voz alta, ou

projeta a letra do canto para as pessoas cantarem junto com ele. Essa prática é

comum nos grupos da Renovação Carismática Católica.

O Padre Marcelo motiva o povo para cantar e rezar, fazendo gestos,

batendo palmas, aclamando a Palavra de Deus, acolhendo os fiéis,

homenageando aniversariantes, rezando pelos doentes ou pelos que tem

outras necessidades. No desenvolvimento dos dons do Espírito Santo, ele

instrui os fiéis, reza em línguas, faz orações de cura e busca desenvolver o

dom da profecia e da ciência, entre outros.

Inicialmente em programas de rádio e mais tarde também na televisão, o

Padre Marcelo desenvolveu a oração do Terço Bizantino, que remete à

espiritualidade dos primeiros séculos da Igreja. A cada dezena do Terço

Bizantino, repete-se uma breve oração que se inicia sempre com Jesus. A cada

dez repetições, a oração muda. Na primeira dezena do Terço Bizantino diz-se

“Jesus”, na outra “Jesus eu te amo”, na outra “Jesus perdão”, na outra “Jesus

cura-me”, e na última “obrigado Jesus”. Os ouvintes são capturados pela forma

26

MISSAL ROMANO; p. 34. Faz referência a Santo Agostinho. Sermão 336, 1: PL 38, 1472.

16

que vêem como nova e diferente de rezar, embora seja muito antiga na história

da Igreja.

Na oração o Padre Marcelo e a comunidade invocam o Espírito Santo

para que exercite os seus dons: sabedoria, inteligência, conselho, fortaleza,

ciência, piedade e temor de Deus27 e, além desses, os dons de orar em

línguas, realizar curas, discernir espíritos, falar com sabedoria, profetizar e

interpretar, entre outros. Essa invocação orienta-se pela afirmação de que “o

Espírito Santo distribui seus dons aos fiéis, de tal forma que ninguém possui

todos eles, como ninguém está totalmente privado deles”28. Os Bispos do Brasil

no Documento referente às Orientações Pastorais sobre a Renovação

Carismática Católica29 recomendam que na formação dos agentes haja

prudente discernimento quanto aos dons do Espírito Santo.

O Padre Marcelo ora e suplica o dom da profecia e em programa de

rádio declarou que Deus lhe revela situações nas quais os ouvintes se

encontram descrevendo seus problemas e ele intercede por essas pessoas.

São freqüentes os testemunhos de fiéis que declaram que a revelação foi feita

para eles, pois se identificam com a situação descrita. No desenvolvimento do

dom de cura, pelo rádio e no santuário, o Padre Marcelo faz a oração com a

comunidade, canta, reza em línguas e intercede pela cura dos fiéis. A seguir,

relata, muitas vezes com precisão, a cura realizada por Deus. Os fiéis, quando

percebem que o Padre Marcelo descreve seus sentimentos e reconhecem a

cura, ficam muito emocionados e confirmam com seu testemunho o que o

Padre falou.

27

CATECISMO da Igreja Católica, p. 429. 28

ORIENTAÇÕES Pastorais sobre a Renovação Carismática Católica. Documento 53. São Paulo:

Paulinas, 1994: 13. 29

ORIENTAÇÕES Pastorais sobre a Renovação Carismática Católica. Documento 53. São Paulo:

Paulinas, 1994, p, 18.

17

No início dos trabalhos de evangelização promovidos pelo Padre

Marcelo, ele contava com um pequeno grupo de colaboradores. O aumento do

número de fiéis levou-o a convidar voluntários para auxiliá-lo nas orações,

cânticos, acolhida e orientação dos fiéis, na sua acomodação no auditório,

depois na igreja, no Ginásio de Esportes Gonzagão e mais tarde no Santuário.

O grande número de fiéis que participavam das celebrações do Padre

Marcelo chamou a atenção da televisão. O primeiro aparecimento do Padre

Marcelo foi em 1999, ao vivo, em programa da Rede Globo de Televisão. Na

seqüência, esteve em programas do Sistema Brasileiro de Televisão – SBT, na

TV Bandeirantes, na TV Gazeta e na Rede Vida. Em 1999, o Padre Marcelo

aceitou o convite da PolyGram e gravou o primeiro CD, o que o levou a receber

mais convites para programas de televisão, para divulgar o CD e também para

falar da espiritualidade desenvolvida por ele. Seu lema foi “evangelizar por

todos os meios”. O programa Momento de Fé, iniciou-se em 1997 na Rádio

América e a partir de 2001, teve seqüência na Rádio Globo. Hoje, ele é

transmitido em cadeia de 146 Rádios para todo o território nacional,

diariamente. Além do programa veiculado pelo rádio, atualmente em 2011, o

Padre Marcelo faz três aparições diárias na Rede Vida de Televisão para a

reza do Terço Bizantino. Uma das suas missas é transmitida pela Rede Vida de

Televisão aos sábados e outra transmitida pela Rede Globo, aos domingos.

Elas também são transmitidas on-line pela internet.

Na sua forma de servir, o Padre Marcelo deu novo alento à

espiritualidade da Renovação Carismática Católica no Brasil, investiu nos

modos de comunicação com os fiéis, e, enfim, incentivou a alegria do ser

cristão. A fé pautada na esperança gera alegria, serenidade, força e

18

entusiasmo para viver a vida, a despeito dos problemas, sofrimentos, doenças

e morte, que fazem parte da nossa existência.

Parte da população que procura o Padre Marcelo o faz por acreditar na

possibilidade de resolver seus problemas através de milagres. De fato,

acontecem curas na família de alguns fiéis que freqüentam o Santuário

Theotókos, e eles atribuem o milagre ao Padre Marcelo. Isso fez com que a

sua fama crescesse muito.

Simas Filho, na revista “Isto É” em (1997)30, informou que o Padre

Marcelo liderava a Renovação Carismática e somava, na ocasião, oito milhões

de fiéis em todo território nacional. Utilizando dos meios de comunicação para

divulgar o seu trabalho, ele atraia cada vez mais fiéis.

Na reportagem “Igreja Católica que faz Milagres”, o jornalista diz que os

carismáticos curam doenças e lotam missas usando a mesma técnica dos

evangélicos e chama a atenção dos leitores para este fenômeno na Igreja

Católica. Simas Filho perguntou ao Padre Marcelo se ele era milagreiro. Ele

respondeu: “Não sou milagreiro. Sou apenas a placa sinalizadora de um

caminho”. Simas Filho comentou: “Mas as pessoas o procuram em busca de

milagres”. O Padre Marcelo respondeu: “Sempre faço questão de enfatizar que

curas não são milagres. O homem é composto pelo físico, pelo psíquico e pelo

espiritual. A fé traz harmonia entre esses elementos e isso é capaz de acelerar

processos naturais de cura. Não é milagre. Mesmo assim, essa harmonia só é

possível pela força de Deus” (1997)31. Mesmo assim, a fama de milagreiro do

Padre Marcelo é um dos fatores que contribuiu para o aumento considerável de

pessoas que procuram as celebrações.

30

ISTOÉ. São Paulo: Empresa de Comunicação Três Ltda. Nº 1473. De 24/12/1997. 31

Idem.

19

Em 1997, o Padre Marcelo juntamente com Dom Fernando alugou o

pavilhão de uma antiga fábrica metalúrgica desativada na zona sul de São

Paulo, onde passou a celebrar as Missas de Libertação. Um ano depois,

Junqueira, na revista VEJA (1998)32, disse que o Padre Marcelo atraia 500 mil

fiéis por mês em suas celebrações.

Arruda, em 199933, no jornal o “Estado de São Paulo” com o título “A

Renovação Conservadora” destaca que, com idéias tradicionais e formas de

comunicação inovadoras, licenciado em Educação Física, o ex-professor que

resolveu se dedicar ao sacerdócio, já vendeu quase 3 milhões de CDs com

músicas religiosas, que fazem sucesso no rádio e atraem milhares de fiéis às

suas missas, marcadas por rituais da religiosidade popular.

Estas e outras notícias, veiculadas pela imprensa geraram um grande

número de opiniões, nem sempre unânimes, sobre o Padre Marcelo, sobre a

forma como ele serve e sobre os procedimentos por ele utilizados.

Carranza (2005)34 em sua tese “Movimentos do catolicismo brasileiro:

cultura, mídia e instituição” retoma a história do movimento do Padre Marcelo,

e mostra que o número de fiéis continuou a crescer. Consequentemente,

cresceu também a necessidade de colaboradores voluntários.

Junqueira, na revista VEJA (1998)35, destacou que 940 pessoas

trabalhavam como voluntários na equipe do Santuário em serviços de

acolhimento das pessoas, encaminhamento para confissões, grupos de oração,

32

VEJA. JUNQUEIRA, Eduardo. São Paulo: Editora Abril, 1998: 115. 33

Roldão ARRUDA, Jornal O Estado de São Paulo. Caderno 2. Especial de Domingo. 24/01/1999. 34

Brenda CARRANZA. Movimentos do catolicismo brasileiro: cultura, mídia e instituição. Tese,

Defendida junto ao programa de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Campinas: Agosto, 2005. 35

VEJA. JUNQUEIRA, Eduardo. São Paulo: Editora Abril, 1998: 115.

20

atendimento médico, psicológico e outros, todos prestados no local. Hoje em

2011, calcula-se que 1200 pessoas são cadastradas como voluntárias.

2. Origem do voluntariado no Santuário Theotókos

O voluntariado no Santuário Theotókos tem aproximadamente 16 anos,

o que remete sua origem para a primeira Missa de Libertação, celebrada no

auditório da Cúria Diocesana de Santo Amaro, em março de 1995. Apresento a

sua história e modo de funcionamento como foram relatados pela Sra. Ana36,

que cuida do voluntariado no Santuário Theotókos desde o seu início.

Segundo a encarregada do voluntariado, para atender ao grande

número de fiéis que compareciam às suas celebrações, o Padre Marcelo

aumentou o número de missas rezadas no mesmo dia. Pensava dividir o povo

em várias celebrações para resolver o problema do grande fluxo de pessoas.

Várias pessoas foram convidadas e aceitas como voluntárias para

compor equipes que ajudariam nos ministérios da música, da palavra, da

Eucaristia e da acolhida. O início do trabalho voluntário dessas pessoas

ocorreu em um ritmo acelerado de forma que não houve tempo suficiente para

preparar e treinar esses colaboradores. Contudo, o Padre Marcelo exorta-os a

servirem com as mesmas disposições com as quais Jesus servia. Antes de

iniciar cada celebração o Padre Marcelo se reúne rapidamente com os

cantores para escolherem as músicas. Para os colaboradores do ministério da

Palavra, explicou os Tempos Litúrgicos solicitando que tomassem o cuidado de

preparar com antecedência a leitura a ser anunciada, seguindo o Lecionário

36

Nome fictício.

21

Litúrgico. Para auxiliar na distribuição da Eucaristia, escolheu colaboradores

que informaram não ter impedimentos referentes às normas sacramentais.

O Padre Marcelo organizou, também, uma equipe de acolhida para

receber os fiéis na porta do auditório, com a função de informar as pessoas

quanto ao horário das celebrações e acompanhá-las até um lugar onde

possam se sentar.

Além disso, o aumento das celebrações no mesmo dia exigiu outra

equipe de voluntários para limpeza e organização do espaço para a celebração

seguinte.

O Padre Marcelo serve a comunidade celebrando a missa com orações

de cura e libertação, fazia diversas novenas e dava a benção individual para os

fiéis com imposição das mãos. Escutava os fiéis nas suas necessidades e

intercedia por eles. Sensibilizava-os para confiarem em Deus para quem tudo é

possível. O ambiente das celebrações começou a ficar tomado por tal número

de pessoas que a falta de ventilação em dias de calor contribuía para que

muitas delas passassem mal ou desmaiassem. Assim, surgiu a necessidade de

uma equipe de voluntários para acudir essas pessoas e compareceram, para

ajudar, auxiliares de enfermagem, enfermeiros e médicos. Muitas pessoas

eram medicadas, e os casos mais graves eram encaminhados para um

hospital. Com o tempo, foi montado um pronto atendimento, e uma ambulância

passou a ficar de plantão no local.

Em pouco tempo os pedidos de oração se tornaram tantos que o Padre

Marcelo não pôde mais atender as pessoas individualmente, como estava

habituado a fazer. Daí ampliou a forma de servir contando com o serviço

voluntário de colaboradores com os quais formou uma equipe, para

22

intercessão. Ela foi formada pelo Padre Marcelo, convidando pessoas da

comunidade que já haviam freqüentado retiros espirituais da renovação

carismática. A equipe de intercessão acolhe as pessoas com desejo de oração

pessoal em uma sala, preparada para tal. Nela, realizam-se as intercessões

com imposição das mãos e orações, incluindo oração em línguas, oração de

cura, oração pela libertação e outras.

Muitos doentes e pessoas idosas solicitam o sacramento da unção dos

enfermos. Para esse serviço, com o objetivo de prepará-los para esse

momento, surgiu outra equipe de voluntários. Informam que este sacramento

perdoa os pecados da vida toda, fortalece espiritualmente o enfermo e muitas

vezes Deus cura a pessoa que o recebe com fé. A unção dos enfermos sempre

é conferida pelo Padre Marcelo ou por um dos seus padres colaboradores.

Um grande número de pessoas que vem ao Santuário Theotókos é

proveniente de outras cidades ou Estados. Dado o afluxo de gente, muitos

começaram a vender objetos sagrados, como terços, Bíblias, imagens,

escapulários, bebidas e alimentos. A Vigilância Sanitária passou a controlar o

manejo de alimentos e bebidas e responsabilizou o Padre Marcelo pela falta de

assepsia. Para atender às exigências da Vigilância Sanitária, o Padre Marcelo

criou um espaço próprio para venda de alimentos e de bebidas e treinou uma

equipe de cozinha e atendimento para atender aos fiéis em suas necessidades.

Destinou, também, uma equipe de voluntários e um espaço próprio para venda

de objetos sagrados.

3. Ingresso no voluntariado

23

Segundo a encarregada pelo voluntariado, “a pessoa que deseja ser

voluntária se aproxima do primeiro voluntário atuante e manifesta seu desejo”.

Os voluntários já existentes estão instruídos para acolher o pedido e

encaminhar o candidato para uma equipe que foi devidamente preparada para

recebê-los, a “equipe do social”. Ela foi formada e capacitada pelo Padre

Marcelo e faz a triagem dos candidatos.

Ana informa que “o fato de receber pessoas bem intencionadas e com o

desejo de trabalhar voluntariamente, embora seja bem vinda, assusta, pelo

desconforto que a gente sente de não ter a certeza de aproveitá-las bem,

porque muitas vezes, você pode estar fazendo um dês-serviço à pessoa bem

intencionada”.

A triagem dos candidatos que aspiram o voluntariado segue alguns

critérios. A equipe verifica “sobre os sacramentos daquela pessoa, se ela é

efetivamente católica, se ela freqüenta a missa, com que freqüência se

confessa, se ela faz oração, se ela lê a Bíblia, se ela tem aquele algo mais na

fé”. Ana destaca, ainda, que “a pessoa casada deve estar acompanhada do

cônjuge. O voluntariado querido por apenas um dos cônjuges pode representar

a desagregação familiar, pode representar fuga”. Refere-se a outra situação

que considera “negativa”, aquela na qual o candidato busca o voluntariado

apenas por não ter como passar o tempo. “Ele quer passar o tempo no „clube‟,

então vem para o clube, não serve”, ou seja, há pessoas “que vem não para

servir e sim para serem servidos” (sic).

Após a triagem o candidato ao voluntariado que é aprovado, “passa a

apreender sua função na prática, recebe jaleco de cor diferente e vai

24

participando de diferentes atividades até chegar a uma com a qual se

identifique, para nela prestar serviços” (sic).

4. Objetivo do voluntariado no Santuário Theotókos

O objetivo do voluntariado é evangelizar, é colocar-se a serviço do outro

de forma gratuita e generosa. Dado que milhares de pessoas vão ao Santuário

e que a Igreja tem a função social de evangelizá-las, o Padre Marcelo busca

abrir o coração dos voluntários para este serviço.

Ana destaca que “a nossa equipe é realmente de muita entrega,

realmente trabalha, eu acho que ainda pode melhorar. E acendendo no

coração de cada um nesta família dos voluntários a tônica do serviço, quer

dizer, a gente tem que entender que se você acabou o que você estava se

propondo fazer, vai e pega o primeiro fiel que passa e dá um sorriso e um

abraço, dali vão sair grandes coisas, entendeu! Este tipo de bem! (sic)”.

Nos dias de celebração no Santuário Theotókos, os voluntários ficam

muito envolvidos com os seus trabalhos e não tem tempo para participarem da

celebração. Por esse motivo o Padre Marcelo faz uma celebração especial

todas as semanas só para eles.

Segundo Ana, “uma dificuldade que a gente sinta na pele, venha servir e

não venha para ser servido, não espere nada em troca, entendeu? Ah, eu

queria aquilo, eu queria ficar aqui, queria estar ali. Não! Você vem para

trabalhar. O voluntário ele tem que entender que ele vai trabalhar, é num

momento que ele está se propondo independente do que está acontecendo na

vida dele, é uma responsabilidade que ele assumiu que acho que tem que ser

uma doação verdadeira e total” (sic).

25

Sintetizando suas colocações, Ana diz “se eu tivesse que lhe dizer mais

alguma coisa, eu voltaria à mesma coisa, eu acho, que a gente sempre divide

esta experiência. A gente encontra voluntários maravilhosos, quase

indispensáveis, apesar de que ninguém é dono do cargo, nem de lugar, nem

nada, todo mundo é substituível. Mas, a gente ainda toma muito cuidado com o

voluntário que vem para ser servido ou tirar alguma vantagem do fato de estar

teoricamente se entregando a um trabalho voluntário em uma instituição

religiosa, eu acho isso coisa muito delicada” (sic).

5. A postura solicitada ao voluntário

A postura que se solicita ao voluntário, no Santuário Theotókos, une a

polaridade das concepções da instituição religiosa e do contexto social no qual

está inserido.

Espera-se que o voluntariado seja entendido como exercício de

cidadania, fundamentado na solidariedade e visto como cidadania ativa. Neste

sentido, o voluntariado é concebido como um ato cívico e uma forma de

preservar a democracia. Espera-se que quem desenvolveu talentos coloque a

serviço dos concidadãos.

Durante o tempo em que se dispõe a servir, entende-se que o voluntário

manterá os valores da instituição, fundamentados no exemplo de servir deixado

por Jesus. Espera-se que algumas qualidades apareçam na sua atitude: amor

incondicional, aceitação de diferentes funções e disposição para exercê-las,

disponibilidade incondicional ao serviço, não discriminação de pessoas ou de

funções e entrega abnegada ao trabalho.

26

Sugere-se ao voluntário que experimente várias formas de serviço. Ao

servir, recomenda-se que esteja atento aos seus sentimentos e pensamentos.

Espera-se que, ao servir em uma atividade para a qual Deus o chamou, ele

experimente liberdade e alegria. Por isso, muitas vezes, no trabalho voluntário,

o colaborador passa por diferentes funções até encontrar o seu lugar. Para

facilitar o processo de adaptação a uma atividade específica, recomenda-se ao

candidato que aceite o conselho de pessoas que já passaram pelo processo,

considerando que, Deus costuma usar as pessoas para auxiliá-lo e confirmá-lo

no seu serviço e para sugerir formas apropriadas aos dons de cada um.

O Padre Marcelo destaca que cada um deve se fazer a pergunta: De

que modos Deus está me chamando a servir? O Padre Marcelo convida as

pessoas para se colocarem a serviço do Evangelho e aos que aceitam o

convite, sugere que examinem as formas de serviço mencionadas no Novo

Testamento e as que são praticadas no Santuário.

Padre Marcelo coloca que quando servimos os outros em nome de

Jesus, estamos seguindo o exemplo deixado por Ele e pelos Apóstolos.

Estamos dando testemunho da presença transformadora de Jesus em nossas

vidas.

27

Capítulo III

O Caminho da Pesquisa

1. A psicologia fenomenológica

Desenvolvo meu trabalho, desde o início, na perspectiva da psicologia

fenomenológica com a qual identifico meu processo vocacional, acadêmico e

profissional. Esta abordagem informa o meu envolvimento com a pesquisa, e

nessa perspectiva, meu objetivo nessa tese é buscar compreender os sentidos

da experiência do trabalho dos voluntários em uma instituição religiosa, para

quem os executa.

Referindo-se à psicologia fenomenológica Goto (2008)37 destaca que “a

idéia de uma psicologia fenomenológica tem crescido constantemente no meio

acadêmico, principalmente brasileiro, tanto na área das indagações filosóficas

quanto da prática psicológica, à medida que se mostra promissora como uma

concepção eficiente no campo da filosofia, das ciências psicológicas e sociais”.

O autor supracitado enfatiza que “na prática o conceito de psicologia

fenomenológica ainda não foi bem definido ou delimitado pelos pesquisadores

37

Tommy Akira GOTO, Introdução à Psicologia Fenomenológica, a nova psicologia de Edmund Husserl,

p. 13.

28

brasileiros, nem a maneira como eles compreendem a relação entre a

psicologia e a fenomenologia” (GOTO, 2008: 19).

Forghieri (2002)38 compartilha dessa posição informando que o “enfoque

fenomenológico em Psicologia surgiu no campo da Filosofia, no início do

século XX, mas só tomou impulso e se desenvolveu a partir da década de 50;

até os dias atuais, entretanto, não chegou a constituir um conjunto de princípios

articulados, unanimemente aceito pelos psicólogos que o adotam”.

Continuando, ela diz que “a falta de uma abordagem fenomenológica

pormenorizada da personalidade, elaborada em linguagem psicológica que

reúna os aspectos mais importantes da vivência humana, tem dificultado

sobremaneira a compreensão e explicitação dos fundamentos fenomenológicos

que norteiam a prática profissional no campo da psicoterapia, do ensino e da

pesquisa” (p. 11).

Mas, ela lembra que contam que Husserl, nos instantes que

antecederam à sua morte, referindo-se à sua obra, disse à enfermeira que o

assistia: „Eu precisaria começar tudo de novo‟. Essa informação levou Forghieri

a refletir sobre “o inacabamento da Fenomenologia, reconhecido pelo seu

próprio iniciador”. Mais adiante, diz que a “Fenomenologia não deve ser

considerada como acabada naquilo que já pôde dizer de verdadeiro. O seu

inacabamento e o contínuo prosseguimento de sua marcha são inevitáveis,

pois ela pretende desvendar a razão e o mundo e estes não são um problema,

mas constituem um mistério”. Ainda, em suas considerações sobre Husserl,

Forghieri enfatiza que ele considerou a Fenomenologia e a Psicologia como

38

Yolanda Cintrão FORGHIERI, Psicologia Fenomenológica. Fundamentos, método e pesquisas, p. 10.

29

ciências distintas, contudo, a Psicologia poderia encaminhar-se pela

Fenomenologia.

Para Goto (2008)39, Forghieri “é pioneira nos estudos da abordagem da

psicologia fenomenológica no Brasil”.

Entre os autores que tratam com especificidade da perspectiva da

psicologia fenomenológica, identifiquei em Forghieri alguns conceitos e

formulações que atendem às necessidades da presente tese para o seu

desenvolvimento.

Forghieri (2002)40 ao apresentar a psicologia fenomenológica lembra

como tudo começou para ela, com estudos de Rogers, Buber, Boss,

Binswanger, van den Berg, Minkowski, Kierkegaard, Nietzsche, Husserl,

Merleau-Ponty, Sartre e Heidegger. Cita as obras dos psiquiatras Boss (1963)41

e Binswanger (1963)42, com os quais iniciou “conscientemente, o enfoque

fenomenológico em psicologia, ao qual se dedica até hoje”. Diz que foram

esses os autores que estudou para refletir sobre a satisfação, o amor, a

bondade, a solidariedade, o sofrimento, a angústia e a solidão humanas.

Gradativamente, diz a autora, foi compreendendo o enfoque fenomenológico

como aquele que abarca o existir humano em sua totalidade.

As leituras de Merleau-Ponty facilitaram, para Forghieri, o

estabelecimento de relações entre a reflexão filosófica e a reflexão sobre a

vivência, encorajando-a a chegar ao seu próprio modo de compreender a

psicologia fenomenológica. É esse o modo no qual me baseio nesta tese,

seguindo a autora e pensadores que compartilham essa posição.

39

Tommy Akira GOTO, Introdução à Psicologia Fenomenológica, a nova psicologia de Edmund Husserl,

p. 17. 40

Yolanda Cintrão FORGHIERI, Psicologia Fenomenológica. Fundamentos, método e pesquisas, p. 7-9. 41

M. BOSS, Psychoanalysis and Daseinsanalysis, 1963. 42

L. BINSWANGER, Being-in-the-World, 1963.

30

Para delimitar a psicologia fenomenológica, Forghieri (2002)43 fala de

conceitos e formulações desenvolvidos no âmbito filosófico, transpostos para a

província da psiquiatria inicialmente e, depois, da psicologia.

Alguns dos primeiros conceitos da fenomenologia visitados pela autora

contemplam a intencionalidade e o retorno às coisas mesmas, Forghieri

(2002)44 lembra que Husserl:

Afirma querer voltar às „coisas mesmas‟, considerando-as como

o ponto de partida do conhecimento. Entretanto, a „coisa mesma‟

é entendida por ele não como realidade existindo em si, mas

como fenômeno, e o considera como única coisa à qual temos

acesso imediato e intuição originária; o fenômeno integra a

consciência e o objeto, unidos no próprio ato de significação. A

consciência é sempre intencional, está constantemente voltada

para um objeto, enquanto este é sempre objeto para uma

consciência; há entre ambos uma correlação essencial, que só

se dá na intuição originária da vivência. A intencionalidade é,

essencialmente, o ato de atribuir um sentido; é ela que unifica a

consciência e o objeto, o sujeito e o mundo. Com a

intencionalidade há o reconhecimento de que o mundo não é

pura exterioridade e o sujeito não é pura interioridade, mas a

saída de si para um mundo que tem uma significação para ele.

Ales Bello (2004)45 refere-se à intencionalidade e assevera que “a

fenomenologia não distingue de modo radical entre o sujeito e o objeto: o que

conta é a ligação intencional entre os dois. Pois Husserl não queria falar de um

sujeito que se contrapõe a um objeto, mas de um sujeito que, em certa medida,

contém já em si os objetos, está em relação com os objetos”.

43

Yolanda Cintrão FORGHIERI, Psicologia Fenomenológica. Fundamentos, método e pesquisas, p. 18. 44

Idem. 45

Ângela ALES BELLO, Fenomenologia e ciências humanas, p. 97.

31

Outro conceito visitado por Forghieri (2002)46 e transposto para a

psicologia fenomenológica é o da redução; em seu primeiro movimento.

Conforme a mesma autora explica:

Na vida cotidiana temos uma atitude natural diante de tudo o que

nos rodeia, acreditando que o mundo existe por si mesmo,

independentemente de nossa presença. A atitude natural, não

refletida, ignora a existência da consciência, como doadora de

sentido de tudo o que a nós se apresenta no mundo. Por isso é

necessário refletir sobre nossa vida cotidiana, para que se revele

a existência de nossa consciência. Desse modo, suspendemos,

ou colocamos fora de ação, a nossa fé na existência no mundo

em si e todos os preconceitos e teorias das ciências da natureza

dela decorrentes. Deixamos fora de ação, também, a

consciência, considerada independente do mundo, e as teorias

das ciências do homem, como a Psicologia, elaboradas a partir

desse preconceito. A redução não é uma abstração

relativamente ao mundo e ao sujeito, mas uma mudança de

atitude – da natural para a fenomenológica – que nos permite

visualizá-los como fenômeno, ou como constituintes de uma

totalidade, no seio da qual o mundo e o sujeito revelam-se, como

significações.

Referindo-se à formulação de Husserl47 de que “as reflexões, por sua

vez, também são vivências e podem, enquanto tal, tornar-se substrato de

novas reflexões, e assim „ad infinitum‟; e a vivência originária, em sentido

fenomenológico tem em sua concreção apenas uma fase absolutamente

originária, embora em fluxo contínuo, que é o momento do agora vivido”,

46

Yolanda Cintrão FORGHIERI, Psicologia Fenomenológica. Fundamentos, método e pesquisas, p. 15-

16. 47

Edmund HUSSERL, A idéia da Fenomenologia, p. 173 e 177.

32

Forghieri (2002)48 comenta que embora possa refletir sobre a vivência reflexiva,

esta, em última análise, remonta ao mundo da vida, ou à vivência imediata,

pré-reflexiva. E referindo-se ao agora vivo, infere que “esse agora vivo perene

é o ponto de partida de todas as nossas reflexões. Porém, é apenas refletindo

sobre minha vivência reflexiva que chego a compreender a minha vivência

originária como uma totalidade, ou um fluxo contínuo de retenções e

protensões, unificado nesse agora vivo, que é o mundo da vida”. Para a autora

“a reflexão fenomenológica vai em direção ao mundo da vida, ao mundo da

vivência cotidiana, no qual todos nós vivemos, temos aspirações e agimos,

sentindo-nos ora satisfeitos e ora contrariados”.

A psicologia fenomenológica, conforme proposta por Forghieri (2002)49

em seus conceitos e em suas formulações, é uma abordagem que se volta

sempre à experiência, incluindo a pessoa humana em sua totalidade.

Ramadam (2002)50 apresenta a obra de “Psicologia Fenomenológica:

fundamentos, método e pesquisa” de Forghieri, e destaca que a “psicologia

fenomenológica é um conjunto de proposições para um método de pensar,

apreender e investigar o mundo, tão rigorosamente quanto possível”.

Para Forghieri (2002)51 os seres humanos, em sua vivência cotidiana,

“embora tenham suas peculiaridades, existem todos no mundo, constituindo-o

e constituindo-se, simultaneamente. Possuímos, de certo modo, uma

comunalidade, pois todos nós vivemos no mundo e existimos uns com os

outros, com a capacidade de nos aproximarmos e de compreendermos

48

Yolanda Cintrão FORGHIERI, Psicologia Fenomenológica. Fundamentos, método e pesquisas, p. 18. 49

Idem, p. 9. 50

Zacaria Borge Ali Ramadam. Apresentação da obra: Psicologia Fenomenológica. Fundamentos,

método e pesquisas. De Yolanda Cintrão Forghieri. São Paulo: Pioneira Thomson Leaming, 2002: XI. 51

Yolanda Cintrão FORGHIERI, Psicologia Fenomenológica. Fundamentos, método e pesquisas, p. 18.

33

mutuamente as nossas vivências”. A autora cita Dartigues52 “a partir da

intersubjetividade constituída em mim, constitui-se um mundo objetivo comum

a todos”. E comenta, “assim sendo, o mundo recebe o seu sentido, não apenas

a partir das constituições de um sujeito solitário, mas do intercâmbio entre a

pluralidade de constituições dos vários sujeitos existentes no mundo, realizado

através do encontro que se estabelece entre eles” (FORGHIERI, 2002: 19).

Ales Bello (2004)53 considera que a “psicologia fenomenológica se

caracteriza pela insistência na dimensão espiritual”. E destaca com “relação a

todas as outras posições filosóficas e psicológicas, a novidade da perspectiva

fenomenológica que é a modalidade de alcançar os níveis do corpo, da psique

e do espírito através das vivencias”. A autora diz que “embora sejam

encontrados resultados semelhantes em outras posições, a maneira da

fenomenologia justificar a existência do corpo, psique e espírito é original”.

A colocação de Ales Bello, acentuando a característica da abordagem

total do homem, incluindo sua dimensão espiritual, apóia a importância da

psicologia fenomenológica para os estudos da psicologia da religião e dos

temas a ela correlatos.

Forghieri (2002)54 apresenta o modo como compreende o método de

pesquisa em psicologia fenomenológica. Para ela, o método desenvolve-se por

meio do envolvimento existencial e do distanciamento reflexivo e tem como

ponto de partida a vivência do próprio psicólogo. Para que o psicólogo possa

compreender a vivência de outra pessoa, o envolvimento existencial e o

distanciamento reflexivo devem estar voltados para a experiência do outro. A

52

André DARTIGUES, O que é a Fenomenologia? p. 19. 53

Ângela ALES BELLO, Fenomenologia e ciências humanas, p. 111. 54

Yolanda Cintrão FORGHIERI, Psicologia Fenomenológica. Fundamentos, método e pesquisas, p. 61.

34

autora refere que o envolvimento existencial e o distanciamento reflexivo, na

prática são interrelacionados, não chegando a haver completa separação entre

eles, mas, apenas, predominância, ora de um, ora de outro. Enfim, ela

considera que o movimento inicial é o do envolvimento existencial, seguido

pelo distanciamento reflexivo, quando o pesquisador se afasta para refletir

sobre a vivência, detendo-se nesta reflexão para analisá-la e enunciar

descritivamente os significados, ou os sentidos, que nela captou,

intuitivamente, durante o envolvimento. Na pesquisa fenomenológica em

psicologia, esse processo repete-se até que o pesquisador constitua uma

compreensão do fenômeno. Em si, o processo não teria fim, pois, novas

compreensões podem se constituir continuamente.

2. Objetivo

Em uma perspectiva fenomenológica, meu objetivo nessa tese é buscar

compreender os sentidos da experiência do trabalho dos voluntários em uma

instituição religiosa, para quem os executa.

3. Percurso realizado

Revendo o percurso realizado no desenvolvimento desta tese, observo

que a leitura de diferentes autores, bem como a partilha com os colegas e as

orientações recebidas, possibilitaram que eu traçasse o meu próprio caminho

na busca de atingir meu objetivo.

35

Ancona-Lopez (2009)55 refere-se à pesquisa qualitativa na perspectiva

fenomenológica e destaca que, “nela constroem-se os caminhos perseguindo

os objetivos, o que significa que cada pesquisador fará o seu caminho de

pesquisa”.

A maleabilidade da pesquisa qualitativa permite diferentes caminhos

para chegar à compreensão do fenômeno que se quer estudar. Ancona-Lopez

(2009)56 comentando a pesquisa fenomenológica diz que “a essência do

fenômeno é sempre a mesma, mas as possibilidades, os sentidos do fenômeno

são ilimitados. Em Psicologia Clínica não se busca a essência como é proposto

para as pesquisas fenomenológicas em Filosofia, mas, os sentidos. Há

sentidos e, portanto, infinitas possibilidades de compreensão”.

Giorgi (1995)57 lembra que a pesquisa fenomenológica é descritiva e

qualitativa. Ela inicia-se com a descrição do fenômeno, a descrição das

vivências. A partir dessa descrição, procura compreender que sentidos a

vivência adquire para a pessoa, como é compreendida, como é elaborada pelo

próprio sujeito.

Ancona-Lopez (2009)58 explicitando o método fenomenológico assevera

que toda pesquisa origina-se em um conhecimento pré-reflexivo. Assim, a

possível compreensão final da pesquisa já está, de certa forma, incluída no

início da mesma, no conhecimento intuitivo original que permite a formulação

do problema, porém não apreendida reflexivamente. Por isso, dois momentos

são importantes na pesquisa fenomenológica: a redução e o diálogo. Através

de sucessivas reduções e do diálogo, o filósofo busca a essência do fenômeno.

55

Comunicação pessoal da autora (aula dia 14 de abril de 2009). 56

Idem. 57

A. GIORGI, A. Phenomenological Psychology, p. 23. 58

Comunicação pessoal da autora (aula dia 02 de junho de 2009).

36

O psicólogo clínico, porém, não busca a essência, mas, sim, uma forma

possível de compreensão dos sentidos atribuídos pelos sujeitos às suas

vivências, naquele momento e naquele contexto de sua vida.

Bochenski (1962)59 refere-se à redução hursseliana e informa que esta

no método fenomenológico consiste em “colocar entre parênteses”. Colocar

entre parênteses o conhecimento prévio e suspender o julgamento para dirigir-

se ao objeto como se fosse a primeira vez que o pesquisador dele se

aproximasse. Para a psicologia fenomenológica esse é o modo de “voltar às

coisas mesmas”, de aproximar-se do experienciado do outro.

Colocando-me sempre em uma perspectiva fenomenológica, meu

objetivo nessa tese é buscar compreender os sentidos da experiência do

trabalho dos voluntários em uma instituição religiosa, para quem os executa,

apoiei-me, entre outros autores, em Delefosse, Rouan et Coll. (2001)60, para

desenvolver minha pesquisa.

Os autores citados compreendem a pesquisa fenomenológica como

ancorada em dois eixos fundamentais: na pesquisa empírica e na utilização de

procedimentos qualitativos.

Para Delefosse, Rouan et Coll. (2001)61 é função do pesquisador em

fenomenologia conhecer a maneira como os sujeitos significam os seus atos.

Para tanto, é preciso colocar o conhecimento pré-existente em suspensão e

buscar, para além da atitude natural, os sentidos vividos pelas pessoas.

59

I. M. BOCHENSKI, A Filosofia Contemporânea Ocidental, p. 137. 60

Marie Santiago DELEFOSSE, Georges ROUAN et Coll, Lês médodes qualitatives em psychologie, p.

47. 61

Idem.

37

Giorgi (1995)62, por sua vez, referindo-se ao método fenomenológico em

psicologia, destacou que:

A análise psicológica-fenomenológica, interessa-se aos modos

do objeto apresentar-se à consciência, acessíveis por ato de

reflexão. É por isso que, no coração das interrogações dos

pesquisadores encontra-se a primasia do sentido vivido. Isso,

porque o sentido vivido está diretamente ligado aos modos de

elaboração do objeto fenomenológico. Distinguem-se então os

referentes, objetos em direção aos quais a consciência se dirige

e os sentidos, ou seja, os objetos tais como são compreendidos

pelo ato. A psicologia-fenomenológica se interessa pelos

sentidos que os sujeitos conferem aos referentes através dos

seus atos de consciência. Mas, este campo ainda é muito amplo

e por isso ele deve se limitar aos aspectos individuais, aos

aspectos de construção de sentidos que dependem dos

sujeitos em situações cotidianas concretas. A metodologia

fenomenológica permite compreender os sentidos das relações

concretas implícitas, através da descrição original da

experiência, de uma situação particular vivida.

É importante lembrar, no entanto que, de acordo com Delefosse, Rouan

et Coll. (2001)63 “as múltiplas apreensões perceptivas possíveis de um mesmo

objeto não cobrem nunca as possibilidades de experiência desse mesmo

objeto”.

Retomando o objetivo da presente tese, em uma perspectiva

fenomenológica, meu objetivo é buscar compreender os sentidos da

experiência do trabalho dos voluntários em uma instituição religiosa, para quem

os executa.

62

A. GIORGI, Phenomenological Psychology, p. 24-42. 63

Marie Santiago DELEFOSSE, Georges ROUAN et Coll, Lês médodes qualitatives em psychologie,

159.

38

4. A entrevista semi-dirigida

Para conhecer a experiência vivida pelo colaborador no trabalho como

voluntário em uma instituição religiosa, vali-me da entrevista semi-dirigida, que

focaliza o vivido em situação, os atos e a implicação subjetiva que lhes dá

sentido. “Na pesquisa em psicologia fenomenológica o método implicará a

consideração da interação que auxilia a explicitação do vivido, trata-se,

portanto, de um trabalho interativo que visa, de um lado, favorecer a atividade

de construção do sentido do mundo vivido através de uma situação dialógica

reflexiva e de outro lado, produzir conhecimentos psicológicos a partir desse

material (DELEFOSSE, ROUAN ET COLL. 2001)64.

Para Delefosse, Rouan et Coll. (2001)65 a entrevista constitui-se em um

momento de retorno ao vivido e através da “introspecção aparece como a

lembrança espontânea e não organizada da experiência anteriormente vivida,

enquanto que a descoberta de sentido de um processo vivido funda-se na

reflexividade ligada a uma metodologia fenomenológica; a reflexividade

fenomenológica é um esforço para colher o sentido da experiência vivida”.

A escolha pela modalidade de entrevista semi-dirigida favorece a

narrativa livre do colaborador participante. Gil (1999)66 observa que a

entrevista semi-dirigida é livre, contudo, aborda um tema específico; permite ao

entrevistado falar livremente sobre o assunto e quando esse se desvia muito do

tema original o entrevistador busca reconduzi-lo. Conforme o mesmo autor, a

entrevista funda-se na atitude do entrevistador que deve ser aberta e receptiva.

64

Marie Santiago DELEFOSSE, Georges ROUAN et Coll, Lês médodes qualitatives em psychologie, p.

150. 65

Idem, p. 160. 66

Antônio Carlos GIL, Como Elaborar Projetos de Pesquisa, p. 117.

39

Amatuzzi (2001)67 lembra a importância de estar aberto ao outro em uma

atitude de aceitação e compreensão, pois na pesquisa fenomenológica o

pesquisador atua como facilitador do acesso ao vivido. Ele lembra que, muitas

vezes, as pessoas não tiveram a oportunidade efetiva de relatarem a sua

experiência. Ao fazê-lo pela primeira vez, frequentemente surpreendem-se com

o que dizem. “A pesquisa fenomenológica é a pesquisa do vivido, e ele pode

não ter sido acessado antes. O vivido não é necessariamente sabido de

antemão. É no ato da relação pessoal, quando surge a oportunidade de dizê-lo,

que ele é acessado. Diríamos que o vivido é surpreendido na relação, pela

própria pessoa, que então o comunica, facilitada pelo pesquisador”.

5. A escolha do colaborador

De acordo com o método escolhido, decidi entrevistar possíveis

colaboradores, para a escolha do relato que se adequasse ao objetivo desta

tese. Ao basear a tese em um único caso, referi-me a Merleau-Ponty

(1945/1999)68 que refere que o homem é lançado no mundo em uma

intersubjetividade. Neste sentido, a pesquisa que aprofunda uma experiência

oferece uma compreensão possível a outras semelhantes. Em outras palavras,

oferece aos outros um modo de compreensão do fenômeno estudado que é

possível e que poderá auxiliar na compreensão de casos similares. Como cada

fenômeno é passível de inúmeras compreensões, a busca de sentidos nunca

se esgota. Por essa razão a pesquisa fenomenológica não visa chegar a um

67

Mauro Martins AMATUZZI, Pesquisa Fenomenológica em Psicologia: Reflexões e Perspectivas. In:

Maria Alves de Toledo BRUNS & Adriano Furtado Holanda (Org.), p. 19. 68

Maurice MERLEAU-PONTY, Fenomenologia da Percepção, p. 483.

40

conhecimento absoluto e universalmente válido. Mas, ela desvela sentidos

possíveis, enriquecendo os modos de compreensão dos fenômenos.

Ao escolher os colaboradores para entrevista, considerei que o fato de

ser padre há mais de vinte anos e ter colaborado com o Padre Marcelo no seu

Santuário, de 1998 a 2002, fez com que eu seja conhecido por muitos

voluntários. Por essa razão, procurei escolher como colaboradores voluntários

os que não me conheciam, para que o fato de eu ser padre e atuar no

Santuário não influísse em suas colocações.

Para a escolha dos colaboradores, obtive autorização do Padre Marcelo

para acessar o banco de dados em que os voluntários estão cadastrados. Há

mil e duzentos colaboradores voluntários cadastrados e o cadastro contem

uma fotografia e informações como: estado civil, formação, profissão,

endereço, telefone. Aleatoriamente, tendo por critério a exclusão de pessoas

conhecidas, procedi à escolha dez voluntários.

Para verificar a disponibilidade do voluntário do santuário em colaborar

com a presente pesquisa, iniciei o contato com colaboradores selecionados ao

acaso, por meio do telefone celular. Tomei esse cuidado, pois a identificação

do telefone fixo poderia revelar que sou padre. Ligava para os voluntários e

dizia que obtive autorização para pegar o seu telefone e nome no banco de

dados do Santuário Theotókos, que estava fazendo uma pesquisa e gostaria

de entrevistá-lo sobre as experiências vividas no voluntariado do santuário. A

cada ligação, fiz anotações sobre o que ocorria.

Na primeira ligação que fiz, a voluntária não atendeu ao chamado,

deixou esgotar as chamadas, ao término, a ligação caiu. Em seguida me ligou

questionando o motivo da minha ligação. Respondi, e ela se desculpou e disse

41

que não gostaria de participar da minha pesquisa. Agradeci a atenção de ter

retornado a ligação e finalizamos o contato.

Na segunda ligação, a mãe do voluntário atendeu o telefone, disse que

ele não se encontrava em casa e solicitou que eu voltasse a ligar no dia

seguinte. Ela quis saber o motivo da ligação, eu expliquei. Agradeci ter-me

atendido e prometi ligar no dia seguinte. Chegada a hora combinada, liguei e o

voluntário atendeu. Disse que a mãe dele já havia explicado o motivo do meu

contato e que ele não estava disponível para colaborar com a pesquisa.

Agradeci e finalizamos a ligação.

Na terceira ligação, a voluntária atendeu, disse que estava viajando,

perguntou quem eu era e qual o motivo da ligação. Respondi e ela disse que

não gostaria de participar da pesquisa dando entrevistas. Agradeci e

finalizamos a ligação.

Na quarta ligação a colaboradora voluntária atendeu e mostrou-se

interessada em conversar comigo. Falei da possibilidade de realizarmos a

entrevista em meu consultório e ela sugeriu que o fizéssemos no Santuário, o

que seria mais confortável para ela. Agendamos dia e o horário e combinamos

nos encontrar na sala de recepção dos voluntários, nos fundos do Santuário.

Refletindo, a posteriori, sobre a rejeição de três colaboradores em

participar da pesquisa, lembro que os voluntários do Santuário comentam

informalmente, que recebem inúmeras ligações telefônicas para fins variados

como publicidade, vendas e pesquisas, e que os telefonemas incomodam.

Penso que esta pode ter sido uma das razões pela qual os três colaboradores

procurados recusaram, a priori, a colaboração.

42

6. Cuidados éticos

No desenvolver de toda a pesquisa e principalmente na entrevista fiquei

atento aos procedimentos éticos. Ao encontrar a colaboradora para a

entrevista, agradeci o fato dela participar da pesquisa e esclareci novamente

quais os seus objetivos. Solicitei permissão para o uso do gravador e informei

que o seu nome e identidade seriam preservados. Convidei-a a assinar um

termo de consentimento no qual declarou que se sentia livre e esclarecida para

participar da investigação, podendo deixá-la a qualquer momento. Autorizou,

também, a análise dos seus depoimentos. Posteriormente, no exame de

qualificação, uma das examinadoras observou que no termo de consentimento,

constava o fato de eu ser padre e psicólogo. Contudo, é possível afirmar que

essa informação não afetou os depoimentos da colaboradora. A entrevista

ocorreu em um clima agradável, a colaboradora entrevistada estava à vontade

e relatou suas experiências de forma espontânea, aberta, sem mostrar

resistências ou bloqueios.

Os cuidados éticos relativos às instituições e pessoas envolvidas nesta

tese seguiram o projeto de pesquisa que foi apresentado ao Comitê de Ética

em Pesquisa da PUC-SP, que recebeu parecer favorável (Protocolo de

Pesquisa n. 240/2009).

7. Procedimentos para análise da entrevista

Após a entrevista, ouvia a gravação e observei que expressa de forma

bastante rica a experiência que me propus a compreender, e que, por essa

razão, não seria necessário realizar novas entrevistas ou buscar outros

colaboradores. Iniciei no mesmo dia o trabalho de transcrição, considerando

43

que o contato com a Doroty estava vivamente presente em minha memória.

Imprimi a entrevista e a levei para o grupo de orientação.

A orientadora leu-a para o grupo de colegas pesquisadores, fez

comentários e me orientou a refletir sobre ela, tendo presente o objetivo da

tese.

Para iniciar a análise escutei novamente a entrevista e fiz repetidas

leituras da transcrição. Fiz um primeiro esboço da análise e a orientadora

observou que eu tinha feito uma leitura apenas religiosa da entrevista e me

orientou a complementar a análise a partir da perspectiva da psicologia

fenomenológica, lembrando sempre do objetivo da tese. Lembrei-me da

proposta fenomenológica, que Delefosse, Rouan et Coll. (2001)69 expressam

como “dar um passo atrás, olhar o fenômeno e dar um passo atrás, isto pode

ser feito a nível técnico, teórico ou paradigmático”.

Ancona-Lopez (2009)70 refere que no método da psicologia

fenomenológica, para que o pesquisador possa interpretar a entrevista, ele

deve ler e reler, mergulhar e imergir.

Busquei colocar-me diante da entrevista e olhar para ela deixando de

lado referências teóricas e pessoais anteriores. Retomei a fita e escutei

novamente a entrevista acompanhando a leitura no computador. Repetidas

leituras da transcrição aliadas à escuta da fita permitiram que emergissem

sentidos na vivencia da colaboradora voluntária e fui me apropriando desses

significados que brotavam à luz da atitude fenomenológica de suspensão.

Ao escrever a síntese da entrevista, inspirei-me em Amatuzzi (2001)71

para quem: “trata-se de dizer, de forma organizada e clara, o que já foi dito no

69

Marie Santiago DELEFOSSE, Georges ROUAN et Coll, Lês médodes qualitatives em psychologie, p.

164. 70

Comunicação pessoal da autora (aula dia 15 de setembro de 2009).

44

fluxo desordenado do encontro”. Para o mesmo autor, o passo seguinte é o de

“sistematizar os diversos depoimentos, buscando invariantes e variantes, para

se chegar a uma síntese de todos”.

Em um primeiro momento da análise, organizei as experiências vividas

pela colaboradora em unidades de sentido. Identifiquei trinta e cinco unidades

de sentido. Levei esse material para o grupo de estudo e na discussão com a

orientadora e colegas surgiram contribuições que me levaram a revê-las. Exclui

as que se repetiam e o seu número ficou reduzido a vinte e três unidades (p.

76-77). Novas reflexões e contribuições da orientadora e dos colegas

pesquisadores me levaram a imergir novamente no material. Após, um longo

tempo, no qual pensava na entrevista, absorvido nela e ruminando as

experiências relatadas e as unidades de sentido organizadas no segundo

momento da análise, surgiram em meu pensamento três categorias

aglutinadoras, a saber: a crise, o acolhimento e o viver autêntico. Reagrupei as

unidades de sentido em torno dessas categorias preparando o material para o

passo seguinte, isto é, a análise e discussão dos resultados. As categorias

foram os eixos de apoio para a análise e discussão.

Neste momento, o percurso reflexivo que eu estava fazendo ficou mais

claro para mim, e, guiado por Amatuzzi (2001)72 fiz a análise e discussão dos

resultados no qual se “coloca o material todo em diálogo com outros

pesquisadores e teóricos”. Neste caminho, retomei entre outros, a leitura dos

psicólogos humanistas, como Rogers, Amatuzzi, Forghieri, Fowler e dos

71

Mauro Martins AMATUZZI. Pesquisa Fenomenológica em Psicologia. In: Maria Alves de Toledo

BRUNS & Adriano Furtado HOLANDA (Org.), Psicologia e Pesquisa Fenomenológica: Reflexões e

Perspectivas, p. 21. 72

Idem.

45

colegas Pisaneschi (2009)73 e Pereira (2009)74, que também desenvolveram

no Programa de Estudos Pós-Graduados de Psicologia Clínica da PUC-SP

suas dissertações na área da Psicologia e Religião e na perspectiva da

psicologia fenomenológica.

73

Vandro PISANESCHI, Contribuições do aconselhamento psicológico para a prática de direção

espiritual, p. 84. 74

Leidilene Cristina PEREIRA, A interface entre o aconselhamento psicológico e o aconselhamento

espiritual, p. 17.

46

Capítulo IV

A entrevista com Doroty

1. Realização da entrevista com Doroty

Fui para o Santuário no horário combinado. Cheguei lá e a recepcionista

indicou quem era Doroty. Vi uma senhora de bela aparência, da classe média,

que devia ter mais ou menos 65 anos de idade, trajava camiseta branca, um

casaco azul que combinava com o azul da calça e sapatos escuros. Ela estava

com os cabelos bem arrumados e fixos com um prendedor de cabelos e era

perceptível uma leve maquiagem, com os lábios pintados com baton claro,

usava uma corrente dourada com uma imagem de Nossa Senhora das Graças

e um par de brincos dourados pequenos. Ela estava ali me esperando com ar

tranquilo. Aproximei-me de Doroty, cumprimentei-a e disse que eu tinha falado

com ela sobre a possibilidade de realizar uma entrevista. Pela sua atitude, ficou

claro que não me conhecia, e eu, também, nunca a tinha visto. Dirigimo-nos a

uma sala do Santuário que é destinada para atendimento personalizado.

Conversamos sobre o objetivo da entrevista e contando com a sua disposição

em colaborar, apresentei o formulário de consentimento e, obtida a autorização

conforme solicitado, tirei o gravador da sacola, liguei-o e o coloquei sobre uma

mesa que ali estava. A colaboradora falou de suas experiências vividas no

47

voluntariado de forma tranqüila. Foi objetiva em seus relatos. Quando

considerava que tinha exposto o que desejava, olhava-me nos olhos e

esperava que eu fizesse outra colocação. Eu pedia para ela que falasse mais

de suas experiências. Finalizamos a entrevista, desliguei o gravador, o guardei

na sacola. Estando aí para sair da sala onde nos encontrávamos ela falou de

fatos que considerei que poderiam ser importantes para o meu tema, pedi

autorização e peguei um caderno para fazer algumas anotações sobre o que

ela estava relatando, dizendo que o que ela dizia era importante para mim.

Enquanto anotava o que havia relatado, ela acrescentou novas informações e

enquanto eu escrevia ela observava e narrava outros fatos no ritmo da minha

escrita. Essas anotações estão anexas à transcrição da entrevista. Agradeci a

sua colaboração e nos despedimos.

2. Síntese da entrevista com Doroty

Natural do Estado de Minas Gerais, Doroty, 71 anos de idade, veio

morar em São Paulo Capital, em 1970. Estudou em colégio católico e

considera que teve boa formação cultural e religiosa. Doroty completou o

magistério, casou-se e teve três filhos. Depois de vinte e cinco anos de casada,

divorciou-se. Seu marido faleceu alguns anos depois.

Doroty diz que é católica conservadora e conta que, por isso, aceitou as

dificuldades do casamento, pois o relacionamento com o seu marido foi muito

difícil. Diz que se anulava, era serviçal e doméstica e fazia tudo isto para salvar

a família. Conta que o seu marido não colaborava, era dominador, não permitia

que ela opinasse nas decisões da vida familiar. Ele bebia constantemente e

brigavam com freqüência. Doroty diz que percebeu que perdia a sua identidade

48

e então, “passou a abrir os olhos para o mundo”. Foi buscar ajuda na sua

paróquia, que freqüentava aos domingos quando ia à missa com os seus filhos.

Aconselhou-se com o padre de lá e conta que as conversas com ele fizeram

com que se sentisse fortalecida para continuar as suas buscas. Passou, então,

a participar de um grupo da Renovação Carismática Católica. Nesse grupo,

conheceu o Padre Marcelo, que era, ainda, seminarista, assim como pessoas

de sua família e outras com as quais fez amizade. Juntos, eles participaram de

retiros, encontros e eventos de formação. Depois da ordenação do Padre

Marcelo, freqüentou as suas missas e ele a convidou para ingressar no

voluntariado. Conta que a partir das experiências vividas no voluntariado tomou

decisões que implicaram na reorganização de toda a sua vida. Separou-se do

marido e o fim do casamento significou para ela, a sua libertação. Diz que

“cresceu junto com os filhos”. Superaram os problemas, contudo, sofreram

muito, porque “pai é pai e as conseqüências das brigas entre os pais são

grandes para os filhos”. Comenta que às vezes não consegue se expressar

muito, pois não estava acostumada a falar com outras pessoas. Doroty

continuou no voluntariado do Santuário Theotókos e também foi trabalhar como

recepcionista em uma empresa.

Doroty atua no voluntariado aproximadamente há dez anos. Relata que

essa atividade preenche a sua vida, o seu coração, diz que “Jesus lhe mostra

que o caminho é Ele e é a Ele que deve servir”. Compreende o voluntariado

como algo que não faz para si, para preencher a sua vida, mas, para servir a

Jesus e por essa razão vivencia o voluntariado com muito amor e com muito

empenho. Diz que o voluntariado para ela é trabalhar, servir, servir sempre e

49

no que for preciso. Sente prazer no trabalho voluntário e conta que não escolhe

tarefa, dispõe-se a servir em tudo que for preciso.

Doroty diz que no voluntariado encontra-se com pessoas que já

conhecem a Jesus, com outras que vem procurá-lo e, ainda, com outras que

vão à igreja em busca de apoio, auxílio econômico, cuidado à saúde, entre

outros.

Doroty relata que muitas pessoas vão ao Santuário em busca de socorro

financeiro e acabam, por meio do trabalho voluntário, descobrindo que o

caminho não é o dinheiro, mas Jesus. Conta, como exemplo, que atendeu por

telefone ao pedido de socorro de uma pessoa e a encaminhou para a sua

paróquia para confessar e assistir a missa. A pessoa foi e hoje é “uma católica

de verdade, a situação financeira não mudou, mas encontrou Jesus na vida

dela”. As pessoas chegam em busca de solução para seus problemas e lá são

evangelizadas, amadurecem na fé e dão um novo rumo às suas vidas.

Doroty estabelece uma diferença entre conhecer Jesus e encontrar-se

com Ele. Diz que conhecia Jesus através de livros e do catecismo pois estudou

em um colégio católico. Disse que recebeu um bom ensinamento sobre religião

e que o seguiu, mas, nunca tinha sentido Jesus na sua vida. Conta que ela

perguntava a si mesma porque não ocorriam milagres se Jesus continua

presente na Eucaristia. Esta questão “ficava muito em sua cabeça” e diz que,

de tanto procurar, um dia abriu seu coração para Ele e encontrou Jesus

presente em sua vida, agindo. Fala que antes, por conta de seus estudos,

conhecia Jesus, mas não tinha o contato, a experiência. Comenta que é

diferente conhecer e encontrar, e diz que é como conhecer alguns

personagens da história, mas nunca ter-se encontrado com eles. Assim,

50

comenta que, conhecia Jesus, mas apenas muito tempo depois encontrou-se

com Ele. Compreende o seu trabalho voluntário como fruto de seu encontro

com Jesus que lhe mostra que o caminho é Ele. Diz que é a Ele que deve

servir, servindo as pessoas que vão ao santuário. Fala que o voluntariado é

muito importante, pois as pessoas que procuram a igreja são muitas e os

padres não conseguem atender a todos. Os voluntários que se dispõe a ajudar

no atendimento também são poucos e por isso há muito trabalho a ser feito.

A relação de Doroty com os outros voluntários é boa. Diz que tem uma

boa convivência com todos, procura viver bem com eles. Ela observa que cada

um tem o seu jeito, tem os seus problemas, que os voluntários não são todos

iguais e comenta que aprendeu a conviver bem com todos. Ela também

observa que alguns colaboradores tem dificuldades para compreender e aceitar

o trabalho voluntário. Fala que há voluntários que logo entendem o que se diz,

há outros que não compreendem ou entendem errado o que é dito e que isto

causa desconforto na convivência do grupo e comenta que, por isso “é preciso

ter cuidado com o que se fala”. Para Doroty, conviver com as pessoas implica

em entender os problemas de cada um, e ela acha isto muito difícil. Fala que

cada um trás seus problemas e a solução depende da abertura e do

entendimento individual. Comenta que uns aceitam mais facilmente o que é

dito, e outros demoram a entender. Neste contexto, o voluntariado é um

exercício de amor para ela. Por meio do trabalho voluntário aprendeu a amar,

um amor concreto no qual faz algo pelo outro. Diz que isto torna o voluntariado

muito gratificante e os voluntários “aprendem mais do que ensinam”, porque

cada um conhece “um mundo novo e diferente”.

51

Doroty vive o seu dia-a-dia para servir, está sempre disponível para

servir e procura fazê-lo a cada momento. Diz que “vive a vida comum a todas

as pessoas”, sempre norteada pelo sentido que Jesus colocou em sua vida.

Está sempre disponível para servir, aberta ao outro, e procura enxergar e amar

o outro como Jesus enxergava e amava. O que a leva a agir assim é o amor,

amando as pessoas faz tudo sempre com muito amor.

Doroty conta que quando sente dificuldades na experiência prática,

encontra forças na oração e na entrega. Diz que a oração é “arma da batalha”

e que a entrega, para ela, é estar a disposição para o serviço. Fala que a

oração fortalece e a entrega é a disposição de fazer o que o outro precisa e

não aquilo que ela quer.

Doroty dispõe-se a continuar a servir enquanto puder, para fazer o

máximo que puder e dar o máximo de si.

52

Capítulo V

Análise e Discussão da entrevista com

Doroty

1. Primeiro Momento da Análise

A leitura atenta da entrevista e a imersão no relato de Doroty permitem

identificar as seguintes unidades de sentido que expressam a experiência de

trabalho voluntário para Doroty.

1- Reconhecer que se deixa dominar pelo marido.

2- Reconhecer que perdia a identidade.

3- Conversar com o padre de sua paróquia.

4- Romper o casamento.

5- Assumir a responsabilidade pelo sustento seu e de seus filhos indo

trabalhar como recepcionista.

6- Buscar apoio nas práticas religiosas.

7- Participar em um grupo da renovação carismática católica.

8- Ser convidada a ingressar no voluntariado.

9- Viver uma experiência de encontro e entrega a Jesus.

53

10- Buscar compreender suas experiências a partir de uma perspectiva

cristã.

11- Vivenciar amorosamente seus relacionamentos e tarefas.

12- Vivenciar o voluntariado com amor e empenho.

13- Servir sempre sem escolher as tarefas.

14- Desenvolver-se e aprender por meio do trabalho voluntário.

15- Encontrar-se com pessoas diferentes e reconhecer as suas

demandas de ordem material, afetiva e espiritual.

16- Encontrar-se agindo a partir do outro.

17- Resolver problemas em um modo coletivo.

18- Sentir que desempenha uma função efetivamente necessária no

Santuário colaborando com os padres.

19- Encontrar-se preenchida pelo seu atual modo de viver e assumi-lo

como bom para o futuro.

20- Aprender a se expressar, a se relacionar e a falar com as pessoas.

21- Orientar a inclusão das pessoas no universo católico.

22- Abrir a possibilidade das pessoas re-significarem as suas vidas por

meio da religião.

23- Relacionar-se com o grupo de voluntários, observando as

características de cada um e encontrando diferentes formas de convivência.

2. Segundo Momento da análise

As constantes leituras da entrevista e a reflexão sobre as unidades de

sentido possibilitaram reuni-las em três categorias aglutinadoras: a crise, o

acolhimento, e o viver autêntico.

54

1. A crise

Reconhecer que se deixava dominar pelo marido.

Reconhecer que perdia a identidade.

Romper o casamento.

Encontrar-se agindo a partir do outro.

2. O acolhimento

Conversar com o padre de sua paróquia.

Buscar apoio nas práticas religiosas.

Ser convidada a ingressar no voluntariado.

Viver uma experiência de encontro e entrega a Jesus.

Participar em um grupo da Renovação Carismática Católica.

3. O viver autêntico

Assumir a responsabilidade pelo seu sustento e de seus filhos indo

trabalhar como recepcionista.

Buscar compreender suas experiências a partir de uma perspectiva

cristã.

Desenvolver-se e aprender por meio do trabalho voluntário.

Resolver problemas em um modo coletivo.

Relacionar-se com o grupo de voluntários, observando as características

de cada um e encontrando diferentes formas de convivência.

Aprender a se expressar, a se relacionar e a falar com as pessoas.

Vivenciar o voluntariado com amor e empenho.

Servir sempre sem escolher as tarefas.

55

Vivenciar amorosamente seus relacionamentos e tarefas.

Orientar a inclusão das pessoas no universo católico.

Encontrar-se com pessoas diferentes e reconhecer as suas demandas

de ordem material, afetiva e espiritual.

Abrir a possibilidade das pessoas re-significarem as suas vidas por meio

da religião.

Sentir que desempenha uma função efetivamente necessária no

Santuário, colaborando com os padres.

Encontrar-se preenchida pelo seu atual modo de viver e assumi-lo como

bom para o futuro.

3. Análise e Discussão da entrevista com Doroty

3.1 - A Crise

A análise da entrevista de Doroty mostra que ela viveu uma profunda

crise existencial por volta dos 50 anos de idade. Embora, segundo Moffatt

(1982)75, crises evolutivas sejam freqüentes na passagem da vida adulta para a

maturidade, a crise vivida por Doroty apresentou-se em proporções maiores do

que as previstas na maturidade.

O sentimento de paralização, descrito por Moffatt como experiência de

parada da continuidade da vida, atingiu todas as dimensões de sua existência,

modificando-a significativamente.

Oriunda de uma família católica, Doroty, estudou em um colégio católico

e teve formação religiosa. Declarou, na entrevista, que era uma “católica

conservadora”, e descreveu seu modo de viver a religião como submissão a

75

Alfredo MOFFATT, Terapia de Crise, teoria temporal do psiquismo, p. 13.

56

um conjunto de regras e normas às quais deveria sujeitar-se. Seu modo de

viver a fé equiparava-se ao que Fowler (1992)76 identifica como uma fé mítico-

literal, na qual a pessoa se guia por uma interpretação literal e fundamentalista

dos preceitos da sua religião.

Nesta perspectiva religiosa, Doroty considerava que deveria submeter-

se ao seu marido e suportar uma vida insatisfatória, pois, separar-se, seria ir

contra as regras da religião que pautava a sua vida. Nesse caminho, Doroty

conta que “se deixava dominar pelo marido”. Para Doroty, as normas e as

regras católicas ordenavam que devia “anular-se e submeter-se” e ela investia

profundamente em uma vida conforme à regra, tomando a obediência à

religião, como a entendia, como uma garantia de sua integridade.

Ao redor dos 50 anos de idade, Doroty começou a rever

retrospectivamente o seu passado e a reconhecer-se apenas como “doméstica

e serviçal”, sem voz nas decisões da vida familiar, privada da possibilidade de

emitir opiniões. Nessa tomada de consciência da situação em que vivia, Doroty,

como diz Pereira (2009)77, viu negados os seus recursos e as suas

potencialidades e bloqueado o seu futuro. Em suas palavras, “reconheceu que

perdia a sua identidade”.

Em crise, Doroty questiona o seu modo de vida, vê a sua relação com o

marido como patológica e se defronta com a necessidade de romper o seu

casamento. Reconhece que se encontra paralisada, pois, esse modo de vida é

desistir do próprio eu e da própria voz mas, por outro lado, separar-se do

76

James W. FOWLER, Estágios da Fé. A psicologia do Desenvolvimento Humano e a Busca de Sentido,

p. 130-147. 77

Leidilene Cristina PEREIRA, A interface entre o aconselhamento psicológico e o aconselhamento

espiritual, p. 17.

57

marido é romper com os valores religiosos que até o momento regeram a sua

vida.

Diante do conflito, Doroty decide conversar com o padre de sua

paróquia.

Forghieri (2007)78 lembra que por mais doente que o indivíduo esteja

sempre apresenta indícios de saúde existencial.

Neste sentido, o movimento de Doroty, de buscar ajuda, apresenta-se

como um movimento saudável que rompe a paralização característica da crise.

Doroty afirma em sua entrevista “foi então que abri os olhos para o mundo e fui

buscar ajuda”. A crise que ameaçou a integridade de Doroty e colocou à prova

os seus recursos levou-a a procurar novas maneiras para lidar com as

situações que vivia.

A escolha de buscar direção na igreja e “pedir conselhos ao Padre

Tomé79”, mostra, um enfrentamento religioso positivo, como estratégia utilizada

para lidar com a crise. Neste enfrentamento, segundo Pargament e cols.

(198880, 199781, 1998ª82, 200083), Doroty recorre aos seus recursos internos

disponíveis e se volta para Deus, representado pelo padre, para uma

redefinição de sua vida. De fato, Doroty busca resolver seus problemas sem

romper com os seus valores.

Escutada pelo Padre Tomé, Doroty ampliou sua percepção e descobriu

um caminho que antes não via e não conhecia, ou seja, “podia romper o

78

Yolanda Cintrão FORGHIERI, Aconselhamento Terapêutico: origens, fundamentos e prática, p. 44. 79

Nome fictício. 80

K. I. PARGAMENT & Cols. Religion and the problem-solving process: three styles of coping, p. 94-

104. 81

K. I. PARGAMENT. The psychology of religion and coping: theory, research, practice, 548p. 82

K. I. PARGAMENT; B. W. SMITH; H. G. KOENING; L. M. PEREZ, Patterns of positive and

negative religious coping with major life stressors, p. 710-724. 83

K. I. PARGAMENT & Cols. The many methods of religious coping: development and initial validation

of the RCOPE, p. 519-543.

58

casamento” e continuar na igreja e ela se deu por satisfeita, naquele momento

específico, para continuar seu percurso existencial, (PEREIRA, 2009)84.

Poder falar e ser ouvida, e sentir-se acolhida pelo Padre Tomé, iniciou

um processo de transformação. Pode-se dizer, com Bellak e Small

(1978/1980)85 que um pequeno input tem o potencial para efetuar uma

mudança, desproporcionalmente maior que ele próprio. Ou seja, neste

processo, as potencialidades mobilizadas de Doroty foram intensificadas pela

escuta e pelo acolhimento que facilitaram o encaminhamento da resolução da

crise.

3.2 - O acolhimento

Ser escutada pelo Padre de sua igreja proporcionou para Doroty uma

experiência de acolhimento que deu início a um processo de mudanças no seu

modo de ser e de se relacionar com as pessoas. A escuta, já dizia Rogers

(1997)86, proporciona uma “expressão e uma utilização mais funcional dos

recursos internos latentes”. Doroty não estava acostumada a falar, “não podia

ter opinião nas decisões da vida familiar”, conseguir falar com alguém que a

escutou permitiu começar a apropriar-se da sua existência.

A escuta do Padre Tomé desencadeou um fluxo de expressividade por

meio do qual ela retomou a atualização do seu ser.

84

Leidilene Cristina PEREIRA, A interface entre o aconselhamento psicológico e o aconselhamento

espiritual, p. 17. 85

Leopold BELLAK & Leonard SMALL, Psicoterapia de Emergência & Psicoterapia Breve, p. 44. 86

Carl R. ROGERS, Psicologia e Consulta Psicológica, p. 46.

59

Amatuzzi (1989)87 lembra que ouvir sem esquemas seletivos, dar o

tempo necessário e não interromper a fala nem mudar de assunto requer

também que se fale para que o outro saiba que está sendo ouvido e

compreendido no que diz.

Pisaneschi (2009)88 relata que a escuta do padre deve possibilitar à

pessoa que está sendo ouvida o reconhecimento de ser amada, o que pode

provocar mudanças em sua vida.

Doroty diz que “no casamento perdia a sua identidade”, não era ouvida,

assim, ao ser escutada, começou um movimento para recuperar a sua

identidade. Ao ver compreendidas as experiências que lhe eram importantes,

ela se abriu a um processo de mudanças, (ROGERS, 2007)89.

O apoio do Padre Tomé proporcionou uma modificação no seu modo de

ser religiosa. Doroty compreendeu que, em sua religião, quando o casamento

fica insustentável pode divorciar-se e que isso não implica no rompimento na

sua relação com Deus e com a Igreja.

Foi a partir das conversas com o Padre Tomé, que Doroty “começou a

frequentar na sua paróquia um grupo de Renovação Carismática Católica”. Ela

começou a sentir-se parte integrante de um grupo que aderia ao mesmo

sistema de crenças seu e que, portanto, mantinha um elevado nível de coesão

(GALANTER, M. 1978)90.

Para Doroty, sentir-se acolhida em seu sofrimento e na intenção de

separar-se do marido, possibilitou revisitar elementos doloridos da sua história,

87

Mauro Martins AMATUZZI, O Resgate da Fala Autêntica, Filosofia de Psicoterapia e da Educação, p.

172. 88

Vandro PISANESCHI, Contribuições do aconselhamento psicológico para a prática de direção

espiritual, p. 84. 89

Carl R. ROGERS, Um Jeito de Ser, p. 6. 90

M. GALANTER, The “relief effect”: A sosiobiological model for neurotic distress and large-group

therapy, p. 588-591.

60

reconhecer suas dificuldades e redefinir a sua vida, estabelecendo outros

objetivos e escolhas dentro de suas possibilidades, (FORGHIERI, 2007)91.

Conforme Amatuzzi (1999)92, retomar estágios vividos anteriormente, ser

acolhida e poder confiar em alguém que escute e acolha, permite retomar a

atualização e o desenvolvimento de potenciais.

Doroty se identifica com o grupo que escolhe. Conforme Amatuzzi

(1999)93, o sentido para vida expresso pela fé e pela confiança se manifesta

nesse outro que é o grupo escolhido que permite fazer experiências

significativas.

A partir da escuta e do acolhimento do Padre Tomé, Doroty reviu o modo

como entendia a sua religião. Ela pôde re-significar sua compreensão das

regras e normas às quais se sujeitava, e iniciou a retomada do equilíbrio

emocional abalado pela situação de stress na qual vivia.

O fato de Doroty frequentar regularmente o Santuário, e encontrar

sempre o mesmo espaço, os mesmos lugares, as mesmas pessoas, os

encontros e conversas freqüentes com o Padre Marcelo, criou uma situação de

sustentação, de holding. Em uma perspectiva winnicottiana, Barreto diz que a

“função do holding é tudo que no ambiente, fornecerá a uma pessoa a

experiência de uma continuidade, de uma constância tanto física, quanto

psíquica” (BARRETTO, 1998)94.

Doroty vinculou-se ao grupo de colaboradores voluntários no Santuário e

a estruturação do lugar e do trabalho contribuíram para que ela se reinserisse

91

Yolanda Cintrão FORGHIERI, Aconselhamento Terapêutico: origens, fundamentos e práticas, p. 44. 92

Mauro Martins AMATUZZI, Desenvolvimento Psicológico e Desenvolvimento Religioso: uma

hipótese descritiva. In: Marina MASSINI & Miguel MAHFOUD (Org.), Diante do Mistério: Psicologia e

Senso Religioso, p. 133. 93

Idem, p. 134. 94

Kleber Duarte BARRETTO, Ética e Técnica no acompanhamento terapêutico. Andanças com Dom

Quixote e Sancho Pança, p. 60.

61

socialmente. Conforme Moffatt (1982)95 no relacionamento com outros

voluntários e no relacionamento com o sagrado no qual re-significou a sua vida,

ela encontrou um espaço para compartilhar suas vivências. O grupo ofereceu

uma série de estímulos organizados que a sustentaram na re-organização de

sua vida.

A crise vivida finaliza à medida em que ela encontra um novo sentido

para sua vida, recupera o sentido de continuidade da sua existência e pode

projetar algo para o futuro, (MOFFAT, 1982)96. Ela mantêm a sua posição de

servir, porém, agora, o faz em um contexto onde a mutualidade proporciona

reconhecimento e valoriza a sua dedicação.

Pensando no futuro, Doroty, diz que “vai colaborar como voluntária

enquanto tiver condições físicas e saúde, que se sente realizada pelo que faz”.

De fato, ao servir como colaboradora voluntária no grupo, cresceu na sua fé,

saiu do estágio da fé mítico-literal e alcançou o estágio da fé sintético-

convencional no qual a referencia passa a ser o outro, o grupo, e motivada ela

encontra nova vitalidade para continuar crescendo (FOWLER, 1992)97.

O serviço voluntário possibilitou para Doroty, “trabalhar com muito amor,

com muito prazer”. Para Amatuzzi (1989)98, ela passa a ter vivências

operativas, pois percebe o que está fazendo e reafirma as decisões que tomou

para servir como voluntária.

Retomando, que os resultados da escuta e o sistema de sustentação,

favorecido por um ambiente estável, constância rotineira das tarefas,

95

Alfredo MOFFATT, Terapia de Crise, teoria temporal do psiquismo, p. 131. 96

Idem, p. 55. 97

James W. FOWLER, Estágios da Fé. A psicologia do Desenvolvimento Humano e a Busca de Sentido,

p. 20. 98

Mauro Martins AMATUZZI, O Resgate da Fala Autêntica, Filosofia de Psicoterapia e da Educação, p.

185.

62

disponibilidade de outros estarem junto à ela possibilitam que Doroty ultrapasse

a crise na qual estava imersa e retome o seu caminho, transformando a sua

vida.

3.3 - O viver autêntico

Ao participar do serviço voluntário, Doroty serve e é suprida em suas

necessidades de dar e de receber afeto e reconhecimento. Ocorrem

transformações em sua vida que indicam uma mudança no enfrentamento de

seus problemas, sendo que ela passa de uma postura passiva para uma ativa.

Doroty vivencia experiências de autenticidade e ao exercitar a iniciativa,

a confiança e a autonomia, mostra que superou os desafios que se apresentam

nesse momento da sua vida.

As experiências de mutualidade expressas de forma direta e original,

conforme Amatuzzi (1989)99, evidenciam que Doroty vive autenticamente. Ela

pode gerar novos sentidos para seu cotidiano e renovar a estrutura na qual ela

e seus filhos estavam inseridos. Agindo como protagonista da própria historia,

Doroty, entre outras coisas, “assumiu a responsabilidade pelo seu sustento e

de seus filhos indo trabalhar como recepcionista”.

Relacionando-se com as pessoas ao servir como voluntária, Doroty

fortalece os vínculos na relação “do eu com o você”, que segundo Moffatt

(1982)100, se manifestam na ação amorosa entendida como “palavra, gesto,

abraço, e em geral todo o tipo de comportamento (p. 48)”.

99

Mauro Martins AMATUZZI, O Resgate da Fala Autêntica, Filosofia de Psicoterapia e da Educação, p.

182. 100

Alfredo MOFFATT, Terapia de Crise, teoria temporal do psiquismo, p. 18.

63

Na relação eu-você, nesta mutualidade, Doroty, comunica partes

próprias e recebe partes do outro nela, e a autenticidade garante que

mantenha a própria identidade, não misturando e nem confundindo os seus

sentimentos com os demais.

Doroty reconhece-se na experiência de si mesma, torna-se sujeito da

própria vida ao afirmar-se perante si própria e perante o mundo (TRINCA,

2007)101, em outras palavras, é autêntica.

As experiências vivenciadas por Doroty no voluntariado expressam a

riqueza da sua vida interior. Estando em harmonia consigo mesma ela pôde

estabelecer ligações significativas com as pessoas e com o ambiente e através

delas expressar a alegria de viver.

Enfim, pode-se inferir que ao servir, Doroty experimenta a vida como um

bem e o existir como uma alegria. De fato, ela declara que “sente alegria ao

servir” e percebe que ao se relacionar com as pessoas, em seu íntimo está

relacionada consigo mesma e com Jesus que lhe dá sentido.

Os vínculos estabelecidos por Doroty, para além do circulo familiar, na

relação eu-você, encontram eco em Fowler, (1992)102 que ao descrever o

estágio da Fé Sintético-Convencional informa que neste caso, mudanças na

vida da pessoa são possíveis, e a causa que as move está localizada fora dela.

“Reside nos “eles” interpessoalmente disponíveis e também nas pessoas

incumbidas de papéis de liderança em instituições (p. 132)”. A autenticidade

manifesta-se neste caso na capacidade de dialogar, de fazer escolhas e de

assumir compromissos.

101

Walter TRINCA, O Ser Interior na Psicanálise: fundamentos, modelos e processos, p. 23. 102

James W. FOWLER, Estágios da Fé. A psicologia do Desenvolvimento Humano e a Busca de Sentido,

p. 132.

64

Suprida, Doroty começa a contribuir com o grupo e coloca nele a sua

disposição para servir. Seu viver torna-se autêntico e ele se amplia nas

disposições ensinadas por Jesus para servir que, anteriormente, dirigia apenas

a sua família. Ela re-significa a cultura e os valores do catolicismo e passa a

dar seu testemunho, a dialogar e a anunciar os valores do Evangelho.

Fowler (1992)103 informa que, quando o outro significativo é Deus, o

comprometimento com Ele, pode exercer um poderoso efeito ordenador sobre

a identidade. Neste sentido, na relação com o outro, Doroty, “compreende as

suas experiências a partir de uma perspectiva cristã”, expressas na humildade,

doação de si, gratuidade, amor a todos, não discriminação e servir a Deus

servindo ao próximo.

A atitude de servir de Doroty passa a ocorrer na relação eu-mundo,

conforme Moffatt (1982)104, na estrutura que lhe deu sustentação para

“desenvolver-se e aprender por meio do trabalho voluntário”.

Doroty dá-se conta do que faz ao servir e é capaz de falar sobre a sua

experiência no ato mesmo em que a vivência ocorre. Conforme Amatuzzi

(1989)105 a autenticidade alcança seu maior nível de “integração no momento

em que a vivência ocorre no ato do reconhecimento”, o que caracteriza o viver

autêntico.

O gesto significativo para Doroty, ou seja, o ato de servir segue à fala e

dá-se na mesma intenção, tornando-se também palavra e às vezes

substituindo a própria palavra. A atitude externa no serviço voluntário, a

concretização das disposições deixadas por Jesus e a atitude interna de

103

James W. FOWLER, Estágios da Fé. A psicologia do Desenvolvimento Humano e a Busca de Sentido,

p. 132. 104

Alfredo MOFFATT, Terapia de Crise, teoria temporal do psiquismo, p. 48. 105

Mauro Martins AMATUZZI, O Resgate da Fala Autêntica, Filosofia de Psicoterapia e da Educação, p.

187.

65

Doroty, a apropriação dos valores cristãos, se unem e expressam o seu viver

autêntico. Como diz Amatuzzi (1989)106 “sua palavra é ato e o ato é sua

palavra”.

O viver de Doroty é autêntico, e o servir é expressão da sua identificação

com as disposições exercidas no Santuário, na medida em que ela os integra

em sua vida e os coloca em prática.

O viver é autêntico ao recuperar as disposições cristãs que motivam o

serviço voluntário e respondam a elas como um todo (AMATUZZI, 1989)107.

Doroty busca conduzir as vivências das pessoas com que se relaciona

no Santuário, da inautenticidade para a autenticidade.

A proposta de compreender em uma perspectiva fenomenológica os

sentidos da experiência do trabalho dos voluntários em uma instituição

religiosa, para quem os executa, apresentou-se como desafio.

106

Mauro Martins AMATUZZI, O Resgate da Fala Autêntica, Filosofia de Psicoterapia e da Educação, p.

187. 107

Idem, p. 190.

66

Capítulo VI

Conclusão

A análise da entrevista da colaboradora permitiu identificar diferentes

sentidos do serviço voluntário no Santuário Theotókos.

O gesto inicial da colaboradora, que resultou no seu envolvimento no

trabalho voluntário, foi o de decidir-se a conversar sobre os seus problemas

matrimoniais. Para fazê-lo, procurou a instituição religiosa que freqüentava. Ali

viveu a experiência de expor os seus problemas e de ser ouvida por um padre.

Essa experiência foi vivida como aceitação e acolhimento e fortaleceu-a no

enfrentamento de suas dificuldades. É possível, assim, dizer que o fato do

serviço voluntário desenvolver-se no ambiente da religião da pessoa

estabelece já de início um clima favorável e de confiança. Além disso, o contato

com um líder religioso aparece como importante pois a sua função espiritual e

o seu papel institucional autorizam a integração no grupo e garantem a

segurança de que a pessoa encontrará ajuda em suas reflexões e elaborações

pessoais, já que estas serão examinadas à luz do universo religioso.

No caso da colaboradora, o fato de ser ouvida e acolhida por um padre

criou condições para um enfrentamento positivo de suas crenças religiosas. O

enfrentamento religioso positivo deu-se pela revisão do seu modo de viver a

67

religião. De início, a religião era vista, principalmente, como um conjunto de

normas compreendidas de forma literal, às quais ela devia se submeter,

independentemente das condições em que vivia. A conversa com o padre

reorganizou seu modo de ser religiosa, abrindo-a para uma superação desse

modo restrito de viver a religião. A importância das regras foi redimensionada e

suplantada pela possibilidade de viver de forma responsável e amorosa, de

acordo com os princípios cristãos. Esta mudança na hierarquia dos princípios

cristãos, na qual o amor a Cristo e ao outro suplantou a obediência a regras,

permitiu à entrevistada recuperar a esperança de dar conta de suas

dificuldades pessoais e vislumbrar a possibilidade de refazer o seu projeto de

vida. Dessa forma, é possível afirmar que o trabalho voluntário em uma

instituição religiosa apresenta um modo de vida e um universo de significação

que possibilita ao voluntário rever o seu modo de estar no mundo com os

outros.

O trabalho voluntário grupal sedimentou o sentido de acolhimento,

aceitação e de confiança incialmente vivido no contato com o padre. O

pressuposto de que as pessoas ali atuantes compartilhavam as mesmas

crenças e os mesmos valores, garantiu um contexto de segurança e

consolidou, também, a ampliação de sua visão da religião. Para a

colaboradora, a referência principal em sua vida passou a ser a procura de

abrir-se ao amor através do serviço. Pode-se dizer que o trabalho voluntário em

uma instituição religiosa possibilita experimentar um modo de viver a religião no

qual o servir e o amar colocam-se como propostas fundamentais e básicas,

possibilitando uma revisão dos valores religiosos.

68

A recolocação da postura religiosa, ancorada em um contexto confiável

e compartilhado, permitiu à colaboradora lidar com as dificuldades de seu

casamento e redefinir a sua vida, modificando-a sem, contudo, romper com os

seus valores e crenças. A possibilidade de enfrentar a vida e resolver

problemas criou condições para o fortalecimento da sua identidade e para o

desenvolvimento de potenciais reprimidos. Assim, as experiências do serviço

voluntário, que se desenvolve em um ambiente protegido, rotineiro e

organizado garantem sustentação e permitem modificações que ultrapassam o

seu contexto institucional.

A voluntária nutriu-se emocionalmente no grupo e simultaneamente

contribuiu com ele. Pode-se dizer que o contexto seguro e constante do

trabalho voluntário em uma instituição religiosa sustenta a pessoa em suas

transformações, ao mesmo tempo em que lhe dá uma certa garantia de que as

mudanças não contradizem os seus parâmetros de referência. Essa garantia

se dá pelo fato do grupo olhar os fatos da vida sob a mesma ótica cristã,

encontrando significados comuns e compartilhados. Os significados

compartilhados e o amparo do grupo, aliados a um sentimento de pertença dão

maior segurança à pessoa e a apóiam na coragem de tornar-se protagonista da

própria história, tomar iniciativas e assumir o controle de sua vida.

A maior autonomia da voluntária, a coerência das disposições internas e

externas foram acompanhadas de uma experiência de preenchimento que foi

vivida de forma prazerosa. Os momentos de preenchimento e unidade são

vistos como afirmação de sua nova forma de vida e experimentados no

contexto cristão como um encontro com Cristo e uma incorporação de seu

modo de viver.

69

O sentido primordial do grupo de voluntários em uma instituição religiosa

católica, e que o une, o de viver de acordo com os ensinamentos de Jesus, é

um apoio para lidar com as dificuldades inevitáveis no dia a dia, tanto as

externas quanto as internas à instituição. Esse sentido, colocado como meta,

permite à colaboradora esforçar-se para executar o trabalho voluntário e, nesse

esforço, superar dificuldades pessoais e desenvolver potenciais. No caso, a

colaboradora aprendeu a ocupar um lugar institucional, desempenhar funções

em uma coletividade de similares, comunicar-se, reconhecer as suas

qualidades pessoais e as dos outros colaboradores, conhecer os recursos da

instituição religiosa, o caminho do desenvolvimento espiritual e a abrir-se para

um contato genuíno com o outro tendo em vista disponibilizá-lo para uma vida

de acordo com os princípios cristãos. Nesse sentido, o serviço voluntário, na

medida em que permite que a pessoa explore seus potenciais e imprima seu

modo pessoal de realizá-lo, contribui para maior auto conhecimento, melhora

da auto estima e humanização da vida. Ao mesmo tempo, a exigência de uma

vida verdadeiramente cristã, aponta para um processo contínuo de

crescimento, dando um sentido de continuidade pessoal, grupal e institucional

ao trabalho realizado. A interiorização dos valores culturais cristãos e os

vínculos pessoais e institucionais possibilitam organizar uma história que passa

a ter um rumo, uma direção que significa os atos praticados no dia a dia, um

sentido que alcança todo o viver.

Por outro lado, do ponto de vista da psicologia, o ingresso em uma

instituição na qual os valores religiosos são compartilhados, estabelece limites.

Embora em uma atitude de aceitação, os comportamentos e atitudes dos

outros são examinados à luz desses valores, estabelecendo um critério de

70

juízo que avalia o progresso ou não dos demais, o que se opõem à aceitação

incondicional preconizada pela psicologia. Ao mesmo tempo, o trabalho de

integração no grupo leva à ressignificação de atitudes pessoais, sem exame

crítico. Assim, a colaboradora continua em uma posição de quem serve e se

submete. Se antes essa atitude dirigia-se ao marido, agora dirige-se à

instituição e aos ditames religiosos, configurando um modo de estar no mundo

que não é conscientizado nem questionado, o que aconteceria em um trabalho

psicológico. Neste, os sentidos reconhecidos nesta pesquisa seriam trazidos à

tona e a voluntária poderia, ou não, assumi-los de forma consciente para o

incremento do seu modo de viver autêntico.

71

Capítulo VII

Considerações finais

Compreender em uma perspectiva fenomenológica os sentidos da

experiência do trabalho voluntário em uma instituição religiosa, para quem os

executa, a partir de uma entrevista analisada em profundidade possibilita

elaborar a proposta de uma prática de grupo de crescimento para os

voluntários, que ajude a refletir sobre essa experiência.

Conforme Amatuzzi, Echeverria & Col. (1996)108 a prática de reflexão em

grupos de crescimento segue os movimentos fenomenológicos de

“envolvimento existencial” e “distanciamento reflexivo” e poderá culminar em

uma avaliação preparatória para esclarecer caminhos futuros.

Para Amatuzzi e Cambuy (2008)109 o grupo de crescimento tem um

caráter psicoeducativo e visa o desenvolvimento psicossocial dos participantes

através de reflexões e de elaboração de significados.

Os autores supracitados referem que a partir de sua prática formularam

características para grupo de crescimento e propuseram um projeto piloto “em

108

Mauro Martins AMATUZZI, Daniela Florencio ECHEVERRIA e Coll. Psicologia na comunidade:

uma experiência, p. 4. 109

Mauro Martins AMATUZZI e Karine CAMBUY. Grupo de reflexão com profissionais do programa

saúde da família, p.614b . IN: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 3, p. 613-618, Jul./Set. 2008.

72

princípio com uns 15 encontros de 2 horas cada um.” (AMATUZZI,

ECHEVERRIA & COL., 1996)110.

No caso do Santuário Theotókos, instituição na qual se desenvolveu

essa pesquisa, penso que os grupos devem ter como objetivo facilitar aos

voluntários uma reflexão pessoal que lhes permita aprofundar a compreensão

da experiência do trabalho voluntário tendo em vista, tanto um crescimento

pessoal, quanto a melhoria da organização e acompanhamento do serviço na

instituição.

A partir desta pesquisa pretendo desenvolver um grupo de crescimento,

piloto, de dez a quinze participantes. O objetivo desse grupo piloto inicial será o

de partilhar os sentidos da experiência do trabalho voluntário na instituição. Ele

deverá ocorrer em um encontro semanal com 2 horas de duração, propondo-se

quinze encontros, seguindo a proposta de Amatuzzi, Echeverria & Col.

(1996)111.

O grupo será divulgado entre os voluntários do Santuário Theotókos

informando-se data, local (salas do Santuário), horário e número de encontros.

Os voluntários poderão retirar fichas de inscrição na secretaria do Santuário e

preenchê-las com dados de identificação: nome, endereço, profissão, grau de

instrução, estado civil, telefone e email.

No primeiro encontro será apresentado o projeto piloto, seu objetivo, os

cuidados éticos de sigilo, liberdade de participar da reflexão em grupo e de

poder deixá-lo a qualquer momento. Será feito o enquadre, confirmando-se as

datas, horários, o local para os encontros, que não terão custo, informando-se

que um certificado de participação será entregue ao final do grupo.

110

Mauro Martins AMATUZZI, Daniela Florencio ECHEVERRIA e Coll. Psicologia na comunidade:

uma experiência, p. 35. 111

Idem.

73

No segundo encontro, retomarei o que foi partilhado na reunião anterior

e apresentarei os sete passos propostos por Amatuzzi, Echeverria & Col.

(1996)112 e também Amatuzzi & Cambuy (2008)113, para grupo de crescimento:

sentar em circulo; partilhar os sentidos das experiências vivenciadas no

voluntariado; consensualmente escolher um dos relatos para que seja

aprofundado; sintonizar com outras vivencias pessoais semelhantes dos

participantes; analisar e aprofundar através de ressonâncias afetivas e de

reflexões o tema no qual o grupo está envolvido; relatar o que pode ser levado

da reunião para agir e, por último, a despedida.

Os encontros terão início com uma questão disparadora: como é para

vocês viverem o trabalho voluntário no Santuário Theotókos? A questão poderá

ser retomada caso o grupo se desvia muito do tema.

Amatuzzi (1993) sugere ao coordenador de grupo de crescimento

registrar os conteúdos e fazer versões de sentido em forma de relatos livres

após cada encontro afirmando que esse material contribui para um

acompanhamento crítico da experiência, além de, possibilitar o acesso à

dinâmica do grupo e contribuir para que o coordenador entre em contato com

seus sentimentos. Para tanto deve escrever, logo após o encontro, de forma

sincera os sentimentos vivenciados114.

Amatuzzi, Echeverria & Col. em 1994 propõem uma avaliação para

acontecer no 14º encontro. Para ela elaboraram um roteiro de perguntas, que

112

Mauro Martins AMATUZZI, Daniela Florencio ECHEVERRIA e Coll. Psicologia na comunidade:

uma experiência, p. 68. 113

Mauro Martins AMATUZZI e Karine CAMBUY. Grupo de reflexão com profissionais do programa

saúde da família, p.614b-615a . IN: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 3, p. 613-618, Jul./Set.

2008. 114

Mauro Martins AMATUZZI, Daniela Florencio ECHEVERRIA e Coll. Psicologia na comunidade:

uma experiência, p. 8.

74

devem ser adequadas às reflexões desenvolvidas no grupo, e solicitaram que

os participantes escrevessem as suas colocações115.

Na proposta de reflexão para grupo de crescimento a ser implantado no

Santuário Theotókos penso adotar a avaliação, como proposta acima, e sugiro

que o coordenador de grupo recolha o material produzido durante os encontros

para avaliação do projeto, sua re-visão, ajustes e novas projeções para o

futuro.

Penso que esse grupo poderá auxiliar tanto os voluntários, quanto a

instituição, no desenvolvimento de um trabalho significativo para as pessoas

que dele participam e para a igreja católica.

115

Mauro Martins AMATUZZI, Daniela Florencio ECHEVERRIA e Coll. Psicologia na comunidade:

uma experiência, p. 18.

75

Capítulo VIII

Referência Bibliográfica

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1

Anexo I

Entrevista com Doroty1

P. Eu gostaria que você me falasse da tua experiência no voluntariado?

R. A minha experiência no trabalho voluntário, são deee, mais ou menos de

dez anos. Eee eu comecei procurando alguma coisa pra mi. Só que eu vi que

não é pra mi, que eu vou fazê, é pra Jesus, não é. Então, aquele trabalho, que

eu vv que eu achei que eu ia fazer para preencher a minha vida, preencheu foi

o meu coração, de Jesus. Aaa mostrar pra mim que o caminho é Ele, e é a Ele

que eu tenho que servir (ficou em silencio me olhando nos olhos).

P. Como você vivencia o voluntariado?

R. Com muito amor, com muuuito empenho, com muito prazer de tá fazendo

aquilo que eu me dispus a fazer, que eeeu tenho, quee, que eu me dispus, não

é bem que eu me dispus, quee eeeuuu, (fica pensativa e não fala) não sei bem

como dizer (continua em silencio).

P. Que experiência, assim, você me contaria do voluntariado, o que você já

experimentou?

1 Nome fictício.

2

R. Olha, nesta caminhaaada eu já sou eu já assisti de tudo um pouco, não é.

Desde pessoas muuuito entrosaaadas no trabaaalho, muitas pessoas queee

conhecem Jesus, muitas pessoas que vem procurar Jesus, muitas pessoas

que vem procuraaar au auxiiilio mesmo de outras coisas que não é da igreja,

mas elas acham que é aqui que eles vão encontrar apoio, desde monetário, de

saúde, de todo tipo de apoio, o povo procura na igreja. Que é algum lugar que

eles encontram pra pedir socorro (ficou em silencio me olhando nos olhos).

P. Você é voluntária, qual é o sentido de você estar aqui?

R. Neste trabalho?

P. Sim.

R. De trabalhar, de servir (silencio), de servir sempre (silencio), no que for

preciso (silencio) somente isto.

P. Você estava me falando que você se coloca a serviço de forma

incondicional?

R. Incondicional (silencio).

P. Você poderia me falar de uma experiência tua vivenciada no trabalho

voluntário?

R. (Silencio). Através deste trabaaalho, é muitas pessoooas que vieram em

busca deee socorro financeiro acabaram descobrindo queee o caminho não

eraaa o dinheiro, mas era Jesus. Eee uma dessa pessoooas, queee hoje

frequentaaa a igreja, que voltou pra igreja na época não fazia nada, procurava

outros caminhos, eee passada uma uma situação financeira muuuito grave,

veio pedir socorro, através do telefone. E pelo telefooone, nós conseguimos

encaminhar pra igreja, da própria paróquia dela , pra confissão e pra missa. E

hoje ela é uma (silencio) uma católica de verdade. Queee achooou através da

3

da orientação por telefone e pessoalmente, ela encontrou o caminho que ela

queria. A situação não melhorou, a situação financeira, mas ela encontrou a

paz e a tranqüilidade pra enfrentar os problemas (silencio) da vida. Encontrou

Jesus na vida dela (silencio).

P. E você fala de encontrar Jesus, que você também, Jesus encheu teu?

R. Encheu a minha vida.

P. Que Jesus deu sentido a tua vida. Como é essa experiência, pra você?

R. Porque toda vida eu conheciii, eu sabia quem era Jesus. Eu não conhecia

Jesus. Éeu éeu conhecia através de livros, através dooo catecismo, eu tive, eu

estudei em colégio catóóólico religioso, então tive um ensinamento muito bom

de religião, euuu eu acompanhava toda a religião, daquilo que eu aprendi, mas

eu nunca tinha sentido a presença de Jesus na minha vida eee indagava,

porque aconteciam milagres, só quando Jesus estava aqui. Se Jesus continua

aqui, através da eucaristia, porque não ocorrem os milagres. Isso ficava muito

na minha cabeça. E de tanto procurar, um dia (risos) eu encontrei Jesus

presente na minha vida, agindo na minha vida, porque eu abri o coração pra

ele. Porque antes eu só conhecia através deee estuuudos, sem éé sem ter o

contaaato, a experiência e sentir que ele estava agindo na minha vida. É

diferente, a gente conhecer do e encontrar (silencio).

P. Eee eeesta?

R. A mesma coisa que saber, eu conheço, ééé a história, algumas

personagens da história, mas nunca encontrei com eles. Assim eu conheciiiia

Jesus através dos livros. Mas encontrar, foi muito depois.

P. E essa experiência te colocou em contato com o voluntariado?

4

R. Essa me exp. me fez caminhar maaaiiis dentro da igreja e dentro da religião,

com maiiis coragem, com mais prazer. Porque eu sentia que euuu, Jesus junto

comigo. Não tava só fazendo o que euuu esc. escutaaava eu estudei, mas o

que euuu euu encontrei.

P. Você poderia falar mais dessa experiência, como ela acontece. Você falou

da eucaristiiia e como você vivencia isto?

R. Então. O que eu falei na eucaristia, é porque Jesus está presente na

eucaristia. E os milagres aconteeecem aiiinda, não é. E eu vivia procurando

iiisso, porque falava, maaa. Jesus, na. feis milagre quando esteve aqui, eee

continua fazendo. E porque ele continua aqui. Principalmente através da

eucaristia. Porque é o sinal vivo dele presente. É a eucaristia.

P. Qual é outra experiência que você considera significante no voluntariado?

R. (Silencio). Olhaaa ooo voluntariaaado é muito importante porqueee, as

pessoas que precisam, são muuuitas eee sóó a igreja, sóóó os paaadres

oooaaa não consegue atender todo mundo. Então se os leigos não estiverem

juuuntos não conseguem fazer o trabalho completo porqueee ééé muuuito

trabalho pra pouca gente.

P. Você poderia contar alguma experiência vivida, neste sentido, no

voluntariado?

R. No momento, não me lembro (falou com voz baixa).

P. No dia-a-dia, como você vive o voluntariado?

R. No dia-a-dia! Ééé como eu falei, é servir e estar disponível sempre servindo

noo todo o momento que eu tenho estou servindo (silencio).

P. E quando você está fora do voluntariado?

5

R. Tenho a minha vida comum a todos, não é. Mas sempre norteada da dentro

desse sentido que Jesus colocou na minha vida, não é. Ééé estar sempre

disponííível, estar sempre aberto ao outro e enxergando o outro como Jesus

enxergava e amando. Que é o que leva a gente a fazer a fazer tudo é o amor,

não é. Amando as pessoooas a gente faz sempre com muito amor. (Silencio) É

o que move tudo (silencio).

P. Por quê você continua no voluntariado?

R. Porque eu vou continuaaar enquanto eu conseguir. Eu vou continuar

fazendo alguma coisa. Pra fazer o máximo que eu puder e dar o máximo que

eu puder de mim (silencio, escuta-se de fundo o barulho de música).

P. Na experiência pratica em que horas você sente dificuldades, assim, no

voluntariado?

R. Aaa em muitos momentos como a gente ainda na vida comum a gente sente

dificuldade de enfrentar os problemas, na vida do voluntariado também,

porqueee tem as pessoas queee são abeeertas e uma palavra basta para que

enteeendam eee seee ééé eee seee encontrem. Outras pessoas não

entendem as as palavras, ao contrário, e a gente tem que ter muito cuidaaado

pra não ser mal interpretaaado e praaa levar o trabalho adiante. Que é uma

coisa que a gente fala pra uma pessoa, outra pode entender de outro jeito, não

é. E o e o sentido é o mesmo sempre. Então conviver com as pessoas tem que

entender os problemas de cada um, isso é muito difícil. (Falava de forma

reflexiva). Cada uma trááás um plano um problema e a solução depende du

dooo da abertura, dooo entendimento de cada um. (Dá pausa) Ééé umas

aceeeitam mais fááácil e outras demoram pra entender. (Silencio) Não é.

(Continua o silencio).

6

P. No relacionamento com outros voluntários como é a tua experiência?

R. A minha experiência peeessoal (dito com ênfase) é boa. Eu sempre tenho

uma boa convivência com todos. Porque eu procuro sempre conviver bem com

com eles. Cada um dentro do, não é. Cada um dentro da suuua (silencio), do

seu probleeema, porque todos nós somos cada um de um jeito, não somos

todos de um jeito só. Entããão a gente aprende a conviver com todos (silencio).

P. E como você vê a experiência dos outros voluntários, aqui?

R. Fica difícil dooos de de avaliaaar cooomo eu vejo aaa experiência dos

outros?

P. Sim.

R. Aí não tem como aaavaliar não, isso eu acho que é muito pessoooal. Isso

pra cada um, não é, avaliaaar, a experiência de cada, do outro, fica difícil.

P. O que mais você me contaria sobre o voluntariado?

R. Eu acho que o volu. voluntariado é um exercício de amor, a gente

apreeende aaa amar o outro dentro desse trabalho eee é um amor concreto,

não é uuum amor que só você aaama e não faz nada, é uuum amor que você

fais alguma coisa pelo outro. Eeee ééé muito gratificante e a gente apreeende

mais do que ensina. Porque cada um é um mundo novo que a gente conhece,

muito diferente (silencio).

P. Então oportunamente eu vou fazer esse trabalho da transcrição desta

entrevista, oportunamente vou procurar você se dispõe a colaborar comigo se

precisar uma outra coisa para aprofundar, nesta entrevista?

R. Tudo bem.

P. Tudo bem.

R. Às ordens.

7

P. Tá bom, te agradeço a atenção, a tua colaboração.

R. Espero ter colaborado para alguma coisa (risos).

P. Muito obrigado.

R. Nada.

Depois da entrevista conversei com a Doroty e ela me informou dados

pessoais da sua vida. Disse-lhe que essas informações são importantes para a

pesquisa e pedi autorização para fazer anotações e ela consentiu. Relatou que

nasceu em Minas Gerais, que tem 71 anos de idade e que veio para São Paulo

em 1970. Que estudou em colégio católico e fez o magistério no ensino médio,

casou-se e tiveram três filhos. Após vinte e cinco anos de casados se divorciou

do seu marido e esse já faleceu. Com a separação, tornou-se responsável pelo

sustento da família.

Disse que foi católica conservadora, que via a religião como conjunto de

regras e normas às quais devia submeter-se e não questionava e por isso fez

de tudo para salvar o seu casamento. Tornou-se doméstica e serviçal, o

marido não permitia que tivesse opinião nas decisões da vida da família.

Mesmo assim submeteu-se e notou que se anulava e que perdia a identidade.

Ele bebia, era dominador e os dois brigavam. Foi então que abriu os olhos para

o mundo e começou a buscar ajuda. Foi à sua paróquia e pediu conselhos ao

Padre Tomé2, disse que o aconselhamento lhe trouxe novo ânimo para retomar

a sua vida e seu futuro em suas mãos e a partir dessas conversas, começou a

freqüentar na paróquia em um grupo de Renovação Carismática Católica e aí

conheceu o Padre Marcelo ainda seminarista, seus pais, seus familiares e

outros amigos, pelos quais sentia-se amada e respeitada e juntos iam nos

2 Nome fictício

8

encontros que eram presididos por Padre De Grandis, Irmã Bridi, Padre

Cantalamessa e Padre Jonas entre outros. Relatou que participaram de muitos

encontros, retiros e cursos de aprofundamento.

Disse que assistiu à ordenação sacerdotal do Padre Marcelo e passou a

freqüentar às suas celebrações. Como cresceu muito o número de fiéis que

freqüentavam às suas missas, o Padre Marcelo precisava de colaboradores

voluntários e a convidou a ingressar no voluntariado. Relatou que no

voluntariado teve experiências que a levaram a reorganizar a sua vida, que se

sente reconhecida e valorizada pelo que faz. Disse a história da minha vida é

grande. Referiu-se aos problemas vividos no casamento, declarou que superou

os traumas e que os filhos também os superaram. Sofreram muito, porque o

“pai é pai” e as conseqüências das brigas entre os pais são grandes para os

filhos. Disse que foi trabalhar como recepcionista e no Santuário colocava-se à

disposição para servir fazendo a cada momento o que era preciso, não

escolhia serviço. No diálogo com os outros colaboradores voluntários partilham

as experiências vividas. Já deu catequese para adultos no Santuário e atua na

formação de novos colaboradores voluntários. Disse que oferecem cursos

sobre liturgia, Bíblia, sacramentos e sobre os carismas e dons do Espírito

Santo.

Questionei se já vivenciou o desanimo e a vontade de largar o trabalho

voluntário? Ela respondeu que já, com certeza, acha normal. Perguntei, onde

encontra forças para continuar? Disse, na oração e na entrega. Compreende

que a oração é a arma de batalha e a entrega é estar a disposição para o

serviço que a oração fortalece, sem fazer escolhas, dizendo eu quero isto ou

aquilo, mas fazer o que precisa ser feito. Entrega é ainda, fazer o que o outro

9

precisa e não o que eu quero. Concluindo disse que vai continuar no

voluntariado enquanto tiver forças para tanto.

Agradeci novamente e finalizamos a conversa.

10

Anexo II

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu ____________________________________________________________,

portador do documento de identidade n. _______________________ concordo

com a utilização das informações fornecidas por mim para a realização da

pesquisa descrita abaixo, de acordo com as condições, também descritas

abaixo.

1. Nome da Pesquisa: Sentidos das experiências dos voluntários em uma

instituição religiosa.

2. Pesquisador Responsável: Anselmo Matias Limberger, RG 3.231.391-

4 SSP/PR, psicólogo inscrito no Conselho Regional de Psicologia, 6ª

Região, CRP 06/72419, Professor de Psicologia da UNIFAI – Centro

Universitário Assunção, desde 2004 e residente à Rua Prof. Waldomiro

Postch, 134, Cidade Domitila, São Paulo.

3. Justificativa: O conhecimento dos sentidos das experiências dos

voluntários que se colocam a serviço de uma instituição religiosa,

permitirá o seu acompanhamento enquanto padre e psicólogo. A

importância do estudo localiza-se na possibilidade de conhecer mais

profundamente os sentidos atribuídos ao colocar-se a serviço, tema

ainda pouco estudado em Psicologia Clínica.

11

4. Objetivo da Pesquisa: Em uma perspectiva fenomenológica, meu

intuito nesta tese é buscar compreender os sentidos da experiência do

trabalho dos voluntários em uma instituição religiosa, para os próprios

sujeitos que o executam.

5. Método e Procedimentos a serem utilizados: Entrevistas semi-

dirigidas analisadas a partir de uma metodologia qualitativa de base

fenomenológica.

6. Desconfortos e riscos: Não se trata de procedimento de intervenção

terapêutica e não será utilizado nenhum procedimento invasivo.

7. Métodos e alternativas existentes: Não há métodos alternativos no

caso.

8. Forma de assistência e responsabilidade: O pesquisador

compromete-se a acompanhar o entrevistado, caso a entrevista traga

algum tipo de desconforto psicológico.

9. Liberdade de Recusa ou retirar o consentimento sem penalização:

O entrevistado é livre para recusar participar das entrevistas ou retirar

seu consentimento em qualquer momento do trabalho sem sofrer

penalização de nenhuma espécie.

10. Garantia de sigilo e privacidade: É garantido ao entrevistado o sigilo

das informações que fornecer ao pesquisador, referentes à sua vida

pessoal, de modo a garantir sua privacidade. Os resultados da pesquisa

somente poderão ser divulgados sob a forma de trabalho científico

preservando sua identidade.

________________________ ________________________

Assinatura do Entrevistado Assinatura do Pesquisador

12

Anexo III