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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Teresinha Maria Mocellin
O mal-estar no ensino religioso: localização, contextualização e interpretação.
DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
SÃO PAULO 2008
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP
Teresinha Maria Mocellin
O mal-estar no ensino religioso: localização, contextualização e interpretação.
DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Tese apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do
título de Doutor em Ciências da Religião
pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, sob a orientação do Prof.
Doutor José J. Queiroz.
SÃO PAULO 2008
2
BANCA EXAMINADORA ___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
____________________________________________
3
A transformação é de longo curso mas é preciso
acreditar e sonhar que ela é possível*. C.N. Coutinho,2003
4
AGRADECIMENTOS
Muitos interlocutores, amigos, pesquisadores,
colegas, construíram comigo o caminho da pesquisa e da
argumentação, o que permitiu dar a esta tese o rigor que
une ciência e vida. O meu agradecimento a todos embora
deva citar, de modo especial.
Ao Prof. Dr. José J. Queiroz que na dedicação dos
grandes orientadores percorreu comigo os meandros do
ensino religioso, e dele aprendi que a sabedoria é dom que
emerge da generosidade e amizade que dão sustentação ao
processo de aprendizagem.
Ás irmãs Catequistas Franciscanas da Província “Imaculado Coração de Maria” pelo carinho e amizade que nos une.
Ao Prof. Dr. Enio José da Costa Brito, interlocutor
atento às minhas construções e dúvidas, oferecendo
sugestões, indicando leituras para a melhoria do trabalho.
Ao Prof. Dr. João Décio Passos por compartilhar
seus conhecimentos observações e sugestões, que
contribuíram com a articulação e gestão desta Tese.
Aos pais de alunos, diretores de escola, alunos e
professores pelas valiosas contribuições na pesquisa de
campo, fornecendo os dados estatísticos necessários ao
embasamento teórico dessa pesquisa.
5
Aos professores Doutores do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Ciências da Religião da PUC/SP, que
abriram caminhos e estabeleceram desafios.
Ao ADVENIAT pelas condições oferecidas para
viabilizar a realização desta pesquisa.
Agradeço especialmente ao Dr. Fabiano Mocellin
pelo apoio incondicional.
Ao Prof. Sergio Luiz A. Ijaille pelo incentivo e
ajuda no processo de gestar e tornar realidade a pesquisa
de campo.
Aos colegas Antonio Francisco da Silva e Teodoro
Hanicz que me incentivaram a prosseguir confiante.
Aos meus queridos familiares pelo carinho e
constante incentivo que sempre fui agraciada.
Aos membros da Banca Examinadora por
compartilhar seus conhecimentos com sugestões e
observações.
Ao Grupo de Pesquisa “Pós-Religare” partícipes de
minha trajetória em busca de conhecimento.
Á secretária Andréia de Souza pela disponibilidade
e gentileza no atendimento.
Á Karoline e Igor pelo carinho, ternura e
empréstimo do nome.
Ao Deus da vida, fonte e origem de toda inspiração.
6
RESUMO
Esta tese pretende analisar o ensino religioso nas escolas públicas, na
atualidade brasileira. Parte do pressuposto de que haja um mal-estar relativo a
essa disciplina. Essa metáfora, oriunda da área da saúde, aparece, em muitos
discursos, como algo difuso no ensino religioso. Fazer uma radiografia para
localizá-lo foi o objetivo principal do trabalho. Como preâmbulo, apontam-se as
raízes históricas desse mal- estar. A raiz remota, na catequese dos índios e
negros escravos e os conflitos que gerou nos evangelizadores e nos
evangelizados. A raiz próxima, no advento da República, a separação entre Igreja
e Estado e os conflitos decorrentes. O laicismo da era republicana, a principio,
alijou a disciplina do espaço público. Depois, graças à pressão da Igreja Católica,
ela foi readmitida, sempre, porém, em caráter facultativo para o aluno. A pesquisa
localizou vários focos de mal-estar. Eles se concentram, especialmente, na
legislação e sua aplicação, devido à sua imprecisão e ambigüidade. Depois, a
formação dos docentes para a disciplina é a outra maior incidência do mal-estar.
Estas duas situações foram analisadas no último capítulo da tese. O suporte
teórico das analises é a filosofia da práxis de Gramsci.
PALAVRAS CHAVES: ensino religioso, pós-modernidade, lei, formação
dos professores, filosofia da práxis.
7
ABSTRACT
This thesis aims to analyze the religious teaching in the contemporary
Brazilian public schools. The point of departure is the diffused feeling of malaise in
this teaching. Malaise is a metaphor from health area that appears as something
diffused in many speeches. The main purpose of the theses is to make a
radiography in order to localize this feeling of malaise. As a preamble, some
historical roots were indicated. The remote root was the catechism of Indians and
Negroes and the conflict it rose in the Gospel preachers and in the receivers of the
Christian message. The proximate root was the coming of the republican regime
and the separation between the Church and the State. The republican laicization
put the religious teaching out of public schools. Afterwards, by the pressure of the
Church, it was readmitted but always as optional for the students. The research
localized many focus of malaise. They are concentrated mainly in the law and his
application because of its permanent ambiguity. The teachers´ formation was
pointed out as the second cause of malaise. Analyses were made on these two
situations. The theoretical bases of the analyses was the Gramsci`s philosophy of
praxis.
KEYWORDS: Religious teaching, post-modernity, law, teachers´ formation,
philosophy of praxis
8
ABREVIATURAS E SIGLAS
ABE Associação Brasileira de Educação
ACR Acadêmicos Ciências da Religião
AEC Associação de Educação Católica
ANDE Associação Nacional de Educação
ANDES Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior
CBE Conferência Brasileira de Educação
CDC Código de Direito Canônico
CELAM Conferência Episcopal Latino-americano
CF Constituição Federal
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educação
CONER Conselho Nacional de Ensino Religioso
CONERE Congresso Nacional de Ensino Religioso
CONIC Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
CORER Conselho Regional de Ensino Religioso
CP Conselho Pleno
CR Ciências da Religião
CRN Conferência dos Religiosos do Brasil
D.O.E. Diário Oficial do Estado
D.O.U. Diário Oficial da União
DNC Diretrizes Nacionais Curriculares
ER Ensino Religioso
ERE Educação Religiosa Escolar
FONAPER Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso
LDB Lei de Diretrizes e Bases da educação
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases Educação Nacional
LEC Liga Eleitoral Católica
9
MEC Ministério da Educação e Cultura.
OFM Ordem dos Frades Menores
PCNER Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso
PPP Plano Político Pedagógico
PUC Pontifícia Universidade Católica
PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
REB Revista Eclesiástica Brasileira
SEE Secretaria de Estado da Educação
SC Santa Catarina
UCRE Unidade de Coordenação Regional de Educação
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UNC Universidade do Contestado
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
a Cultura.
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – O ensino religioso na escola ................................................................................ 96
Figura 2 – A influência do ensino religioso na família ........................................................... 97
Figura 3 – Aspectos positivos e negativos do ensino religioso na escola ............................. 98
Figura 4 – Conteúdos discutidos nas salas de ensino religioso ........................................99
Figura 5 – O ensino religioso na vida dos alunos................................................................ 100
Figura 6 – O ensino religioso na vida da comunidade......................................................... 101
Figura 7 – Influência do ensino religioso na família............................................................. 102
Figura 8 – Quem mais influenciou a formação do aluno para a vida .................................. 103
Figura 9 – Aspectos positivos e negativos do ER discutidos em sala de aula .................... 104
Figura 10 – O ensino religioso na vida do estudante .......................................................... 105
Figura 11 – Mapa do Brasil: Estados onde obtivemos dados sobre o ER .......................... 110
Figura 12 – Conteúdo programático do ensino religioso ..................................................... 111
Figura 13 – Aceitação na grade curricular........................................................................... 112
Figura 14 – Recursos pedagógicos disponíveis .................................................................. 113
Figura 15 – A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos................................... 114
Figura 16 – Realização profissional..................................................................................... 115
Figura 17 – Problemas no ensino religioso ......................................................................... 116
Figura 18 – Percepção do mal – estar no ensino religioso.................................................. 117
Figura 19 – Cumprimento da lei .......................................................................................... 118
Figura 20 – Pontos que indicam crises no ensino religioso................................................. 119
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................16
CAPÍTULO I – O ENSINO RELIGIOSO NO BLOCO HISTÓRICO COLONIAL, IMPERIAL E REPUBLICANO: a gêneses de uma crise histórica .....................34
1.1 - O pacto entre Igreja e Estado, no Bloco Histórico Colonial e Imperial......39
1.2 – As conseqüências da aliança. Os Jesuítas, a Catequese, o Índio e o
Negro: primeiro cenário de mal-estar .....................................................42
1.2.1 – A invasão e a missão .................................................................45
1.2.2 – A cultura nativa nos parâmetros eurocêntricos ..........................46
1.2.3 – A violação da cultura indígena ...................................................49
1.2.4 – O mal-estar do evangelizador ....................................................56
1.2.5 – O estigma e a ressurreição do índio...........................................62
1.3 – A catequese do negro e os conflitos ........................................................65
1.3.1 – Os conflitos na vida dos negros no Brasil ..................................65
1.3.2 – A catequese das crianças negras ..............................................67
1.3.3. – O código religioso......................................................................68
1.3.4 – Nem tudo se perdeu. A cultura afro-brasileira e a revanche do
oprimido ................................................................................................71
1.4 – O Bloco Histórico Republicano e as raízes do mal-estar do ensino
religioso na atualidade ...........................................................................73
1.4.1 – Passagem do domínio senhorial para a burguesia agrária .......73
1.4.2 – A cultura, a filosofia e a política..................................................74
1.4.3 – O conflito entre Igreja Católica e o Estado Imperial e seu
desfecho no Bloco Histórico Republicano..............................................77
12
CAPÍTULO II – O ENSINO RELIGIOSO NA ATUALIDADE: o desconforto e o mal-estar revelados nos dados da pesquisa .....................................................81
2.1 – A entrevista semi-estruturada ..................................................................82
2.2 – Questionário Fechado: Descrição dos dados, os números e os gráficos.96
2.2.1 – Questionário: Pais de alunos do ensino fundamental ..................96
2.2.2 – Questionário: Diretores de escolas estaduais do Ensino
Fundamental .............................................................................................98
2.2.3 – Questionário: Estudantes do ensino fundamental ......................102
2.2.4 – Interpretação dos dados do questionário fechado ......................106
2.3 – Questionário Misto: Descrição dos dados, os números e os gráficos....110
2.3.1 – Estados onde obtivemos dados sobre o ensino religioso ...........110
2.3.2 – Ensino religioso...........................................................................111
2.3.3 – Aceitação na grade curricular .....................................................112
2.3.4 – Recursos pedagógicos disponíveis.............................................113
2.3.5 – A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos..............114
2.3.6 – Realização profissional ...............................................................115
2.3.7 – Mal-estar no ensino religioso ......................................................116
2.3.8 – Pontos que merecem atenção especial .....................................117
2.3.9 – Legislação aplicável ...................................................................118
2.3.9.1 – Pontos que indicam crises no ensino religioso ................119
2.3.10 – Interpretação dos dados do questionário misto ................120
2.4 – Questionário aberto: interpretação dos dados .......................................122
2.5 – Pontos de maior convergência...............................................................123
2.5.1 – As explicações da Nova LDB ao ensino religioso .......................124
2.5.2 – A formação docente....................................................................126
13
CAPÍTULO III – A LEGISLAÇÃO SOBRE O ENSINO RELIGIOSO E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: dois tópicos de maior incidência do mal-estar.....................................................................................................................129
3.1 – A legislação brasileira: fonte da história do ensino religioso e do seu mal-
estar ....................................................................................................129
3.1.1 – O ensino religioso no sistema legal do Bloco Histórico Colonial e
Imperial: 1500-1889 .............................................................................135
3.1.2 – O ensino religioso e a estrutura legal do Bloco Histórico
Republicano (1889-1988).....................................................................140
3.1.2.1 – A laicidade do Estado ......................................................142
3.1.2.2 – O ensino religioso na Constituição de 1967.....................147
3.1.3 – O ensino religioso na estrutura legal após o retorno do Estado
de Direito: de 1888 até nossos dias .....................................................150
3.1.3.1 – Os indicativos da Carta Magna para a democratização da
Educação........................................................................................152
3.1.3.2 – A Carta Magna e o ordenamento do ensino religioso ......152
3.1.3.3 – A trajetória da atual LDB..................................................154
3.1.3.4 – Luzes e Sombras da Nova Lei sobre o ensino religioso ..158
3.1.3.4.1 - Luzes ..........................................................................159
3.1.3.4.2 - Sombras......................................................................162
3.2 – A formação do professor de ensino religioso: uma ausência e uma
exigência repetidas vezes apontadas na pesquisa ..............................169
3.2.1 – A epistemologia e a formação do professor: mapeando
concepções ..........................................................................................171
3.2.2 – A formação contínua do professor em seu trabalho.................174
3.2.3 – As reformas educacionais e as implicações na formação do
professor de ensino religioso ...............................................................176
3.2.4 – Fatores de pressão da mudança social sobre a formação
docente ................................................................................................178
14
3.2.5 – A reavaliação da formação docente perante as mudanças
sociais ..................................................................................................179
3.2.5.1 – A formação docente e a ética ..........................................182
3.2.6 – A formação e os saberes do professor em seu trabalho ..........184
3.2.6.1 – Competência profissional.................................................187
3.2.7 – A práxis pedagógica e a formação docente .............................191
CONCLUSÃO ......................................................................................................196
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................206
ANEXOS ..............................................................................................................221
ANEXO 1- Entrevista semi-estruturada sobre o ensino religioso .........................222
ANEXO 2 – Questionário para pais de estudantes do ensino fundamental .........223
ANEXO 3 – Questionário para diretores de escolas estaduais do ensino
fundamental..........................................................................................................224
ANEXO 4 – Questionário para estudantes do ensino fundamental......................225
ANEXO 5 – Questionário misto para professores de ensino religioso em nível
nacional ................................................................................................................226
ANEXO 6 – Questionário de perguntas abertas...................................................230
ANEXO 7 – Carta de princípios: FONA PER........................................................231
ANEXO 8 – DECRETO Nº 19.941 – de 30 de abril de 1931 ................................233
ANEXO 9 – PARECER Nº 97/99..........................................................................235
ANEXO 10 – Diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental..........241
15
INTRODUÇÃO.
Existe o passado para compreender O amanhã que se organiza hoje E o futuro como projeto
Nóvoa, 1998.
O meu particular interesse para pesquisar e sistematizar o mal-estar no
ensino religioso não partiu de um momento único e significativo. Foi no percurso
da minha própria trajetória de vida, acadêmica e profissional atuando no campo
da educação que pude vivenciar muito de perto momentos de amplos debates
nos quais o ensino religioso foi tema de grandes polêmicas que retratam sua
crise.
No trabalho de direção de colégio realizado na década de 80, tive
oportunidade de ouvir não só professores de educação religiosa escolar1, mas
também, professores das outras áreas de ensino e constatar de perto a
necessidade de mergulhar mais profundamente no sentido de estudar, analisar,
alterar conceitos, para atender aos desafios da então educação religiosa escolar
que se apresentava, com roupagens diversas, aos apelos histórico-culturais.
Designada para coordenar o ensino religioso na 13ª Unidade de
Coordenação Regional de Itajaí SC, em escolas de treze municípios do Estado,
vivenciei momentos chaves da vida do ensino religioso, tomando contato com a
situação de pluralismo religioso que requeria um passo além do trabalho
ecumênico. Nesse sentido, desenvolvi uma pesquisa sobre Ecumenismo e
Pluralismo na educação religiosa escolar em Santa Catarina. Essa pesquisa foi
realizada no Programa de Mestrado em Ciências da Religião da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, nos meados da década de 90.
Naquele curso, participei de intensas discussões de teorias e posições
filosóficas e ideológicas sobre meu tema de pesquisa, com ênfase no direito à
diferença no desenvolvimento da capacidade de respeito e de construção das
1 Refiro-me a educação religiosa assim chamada na época hoje com nomenclatura de ensino religioso. Para DEMO, educação admite a expectativa de qualidade, já que ensino, mais próximo de treinamento e de instrução, indica um horizonte tipicamente quantitativo, do tipo, anos de estudo, horas aula, dias letivos, etc. Pedro DEMO. Nova LDB: Ranços e Avanços, p. 33.
16
identidades dos sujeitos do ensino religioso. Defendi a dissertação de Mestrado
em 1995.
Em seguida, fui convidada pela Secretaria de Estado da Educação Ciência
e Tecnologia do Estado de Santa Catarina, para integrar o grupo de elaboração
da proposta curricular de Ensino Religioso no Estado de Santa Catarina. Naquela
ocasião fui desafiada a me defrontar mais profundamente com a questão do
múltiplo, do plural, do diverso, do diferente, das discriminações, dos preconceitos.
Pude vivenciar, muito de perto, momentos chave da vida do ensino religioso no
Estado, o que foi para mim experiência e ocasião de colocar em prática os
conhecimentos adquiridos no Mestrado.
As questões que foram surgindo na minha trajetória, prenderam minha
atenção como pesquisadora e educadora. Não via claro como e o que, mas meu
desejo era produzir novos conhecimentos, mergulhar mais profundamente no
estudo, no sentido de proceder a uma análise pormenorizada da localização,
contextualização e interpretação desse desconforto.
Os debates em torno de questões pertinentes ao ensino religioso
realizadas em várias instâncias como fórum, encontros, simpósios, congressos,
cursos, e nas acessorias à educadores e aulas que eu ministrava aos alunos de
Ciências da Religião em nível Estadual, tornaram-se importantes para fazer
aflorar a pluralidade de concepções e posições referentes à disciplina.
As discussões referentes ao ensino religioso envolvem não só professores
e alunos, mas, também, outros segmentos da sociedade civil, diretores de escola,
pais de alunos, e diferentes Igrejas. Em todas as discussões e debates sempre
surge uma questão: algo não vai bem no ensino religioso, mas não se sabe definir
o que não funciona e o por quê.
As reuniões do CORER2 e CONER3, das quais participo, são espaços onde
esta problemática se faz sentir, embora também seja recorrente em outras
instâncias, como encontros, cursos, congressos, simpósios, nos quais pude
constatar que o ensino religioso se torna objeto de críticas em debates de
diferentes naturezas e diversas procedências.
2 CORER- Conselho Regional de Ensino Religioso. 3 CONER Conselho Estadual de Ensino Religioso.
17
Em leituras preliminares, fui percebendo que o ensino religioso percorreu
um longo e sinuoso caminho, cujo primeiro passo foi dado com o trabalho de
catequese e “evangelização dos gentios”, e em seguida dos negros, à época da
colonização do Brasil. Mais tarde, o ensino religioso passou a ser contemplado
em sucessivas legislações brasileiras.
Um dos fatores que parece ser o gerador das situações de desconforto
estaria na Lei que implementa o ensino religioso no currículo do ensino
fundamental nas escolas públicas.
Assim reza o Artigo 33, com a redação dada pela Lei Federal nº 9.475/97:
“o ensino religioso de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”
* § 1º - “os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores” * § 2º - “os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso”
A implantação dessa Lei e suas exigências, não puseram fim ao mal-estar.
Aliás se agravou. As lamentações sobre o ensino religioso afloram. Assim por
exemplo no Congresso Manifestações Religiosas no Mundo Contemporâneo:
Interfaces com a Educação realizado em São Leopoldo RS, no período de 11-
13/09/02; aparecem inúmeras criticas referentes ao ensino religioso a partir dos
temas abordados nas conferências.
O mesmo aconteceu no III Congresso Nacional de Ensino Religioso –
CONERE; Identidade pedagógica do Ensino Religioso: memória e perspectivas”
realizado em Florianópolis SC, nos dias 03-05 de novembro de 2005. Ao tentar
ressignificar o ensino religioso a uma proposta relacionada à política religiosa
escolar e ao sistematizar a reflexão da caminhada do ensino religioso
empreendida até os dias atuais, os debates revelaram que a situação de
desassossego referente ao ensino religioso persiste em nível nacional.
18
No III Fórum Social Mundial: Um outro mundo é possível, realizado entre os
dias 23 e 28 de janeiro de 2003, em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do
Sul, foi revelada uma certa inquietação referente ao ensino religioso.
Também no IX Seminário de Capacitação Docente para Ensino Religioso:
Ciências da Religião e Ensino Religioso em diálogo, realizado na PUC/SP, nos
dias 03 e 04 de outubro de 2006, afloraram inúmeras queixas sobre a atual
situação do ensino religioso, a partir dos dispositivos da Nova Lei.
Do mesmo modo, no I Encontro do GT Nacional de História das Religiões e
das Religiosidades/ANPU, Maringá Paraná, nos dias 07-10 de maio de 2007, no
simpósio temático Pós-Modernidade e Religião. Os Limites e as Possibilidades da
linguagem no campo religioso, que teve como proponente o professor José J.
Queiroz e o Grupo Pós-Religare-Modernidade e Religião-PUC/SP, houve painéis
em que afloraram inúmeras queixas sobre a atual situação do ensino religioso.
Os debates freqüentes em nível nacional nos mostram que a problemática
não é exclusiva de um Município ou de um Estado. Trata-se de uma crise ampla e
por isso não é fácil delimitar seu espaço para análise. São lamentações
generalizadas que miram os mais variados aspectos da disciplina, a falta de
clareza sobre a sua natureza, o seu conteúdo, os seus resultados, queixas
freqüentes e esparsas revelando mais incertezas que firmeza nessa área.
Percebi, pois, tratar-se de um desconforto geral, e isso vem me intrigando
de longa data. Por isso, com uma boa dose de coragem, após consultar colegas,
coordenadores de disciplina, professores e o orientador, resolvi entrar nesse tema
e transformá-lo em objeto de pesquisa.
Que título daria a esse tema?
No Grupo de Pesquisa Pós-Religare/Pós-Modernidade e Religião, uma das
leituras que me chamou atenção, quando buscava entender a condição atual em
que estamos inseridos como pessoas, e como professores, caracterizada por
Jean-François Lyotard como Condição Pós-moderna4, foi a obra de Zygmunt
4 Jean-François, LYOTARD. O Pós-Moderno, 1993.
19
Bauman, O mal-estar da Pós-Modernidade5. Daí a inspiração do título genérico do
meu trabalho: O mal-estar6 no ensino religioso.
Após descobrir o título genérico - “O mal-estar no ensino religioso” -, passei
a me perguntar se haveria estudos e pesquisas que me auxiliassem, pelo menos
como ponto de partida, na tarefa de investigar o mal-estar nessa disciplina.
Um ligeiro levantamento bibliográfico mostrou-me que, embora o assunto
seja debatido por vários segmentos da sociedade, há uma ausência de pesquisas
específicas sobre o tema. O que há são estudos que tratam do ensino religioso
sob outros enfoques, como sua caracterização, especificidade e natureza.
Wolfgang Gruen, no resumo técnico de seu livro, revela que o assunto vem
sendo debatido por educadores, políticos e autoridades religiosas; nem sempre,
porém, com a devida clareza no que se refere às premissas do debate. Muitos
ainda argumentam a partir de um modelo superado de ensino religioso7.
Para o autor, à escola cabe proporcionar sistematicamente ao educando
vivências, informações e reflexões que o ajudem a cultivar uma atitude dinâmica
de abertura ao que constitui o sentido de sua existência em comunidade e a
encaminhar, deste modo, a organização responsável do seu projeto de vida. Visa-
se, portanto, ajudar o aluno a formular existencialmente e em profundidade o
questionamento religioso e a dar sua resposta devidamente informada,
responsável, engajada8.
João Décio Passos, no texto Ensino religioso: mediações epistemológicas
e finalidades pedagógicas, tece considerações sobre os desafios mútuos entre
Ciências da Religião e Ensino Religioso. O autor discute a identidade pedagógica
do ensino religioso, descarta os modelos catequéticos e teológicos e, nesse
embate, defende a relevância das Ciências da Religião e da singularidade de
aproximação dos estudos científicos sobre a religião. Ele situa no ensino religioso
5 A obra Zygmunt BAUMAN, O mal-estar da Pós-Modernidade, estabelece nexos diretos com O mal-estar da civilização de Sigmund FREUD, no qual o autor faz uma rigorosa reflexão sobre as ansiedades modernas. 6 O sentido literal de mal-estar encontra-se no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, que o define como “um estado de inquietação, de aflição mal definida, ansiedade, insatisfação, situação embaraçosa, constrangimento”. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p. 1820. 7 Cf. Wolfgang GRUEN. O Ensino religioso na escola, resumo técnico. 8 Cf. Ibid., p. 75-86.
20
a raiz da problemática epistemológica e reconhece o valor teórico, social e
pedagógico do estudo da religião para a formação do cidadão9.
Anísia de Paulo Figueiredo discorre, em sua Dissertação, sobre a
problemática dessa disciplina que dá origem a determinadas situações conflitivas,
as quais reforçam as tendências de sua exclusão. Segundo os argumentos da
pesquisadora, não se constata, na prática, que o ensino religioso seja disciplina
do sistema público de ensino assumido pelo mesmo sistema, ainda que tenha
sido excluída a expressão “sem ônus para os cofres públicos”. Com raras
exceções, o Estado tem assumido o ônus da formação continuada dos
profissionais para o exercício dessa disciplina. Em geral, transfere essa
responsabilidade às entidades religiosas interessadas que, por sua vez, detêm o
controle da situação, mas não dispõem de recursos humanos e financeiros para
isso10.
Lilian Blanck de Oliveira, no texto Curso de formação de professores,
levanta uma interrogação perturbadora quanto aos profissionais da área da
Teologia, que reivindicam para si a tarefa de formar os profissionais para atuarem
no ensino religioso. Identificam-se aqui algumas limitações: por mais científicos
que sejam os estudos, pesquisas e sistematizações teológicas, eles serão
confessionais e/ou elaborados a partir de um olhar e de uma abordagem
confessional; nesse caso, não atendem na sua totalidade às perspectivas e
conteúdos que a legislação nacional requer para a docência dessa disciplina do
currículo escolar brasileiro11.
As obras abordadas legitimam o objeto da análise em questão, uma vez
que apontam para situações de desconforto e remetem para um estudo geral e
sistemático que apresente uma radiografia desse descontentamento difuso,
mediante um levantamento amplo e metodologicamente consistente dos fatores
que provocam essa crise generalizada.
9 Cf. João Décio PASSOS. Ensino religioso: mediações epistemológicas e finalidades pedagógicas. In.Luzia SENA (org) Ensino Religioso e formação docente, p.21-44. 10 Cf. Anísia de Paulo FIGUEIREDO. Realidade, poder, ilusão: um estudo sobre a legalização do ensino religioso nas escolas e suas relações conflitivas como disciplina ‘sui generis’, no interior do sistema público de ensino, 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) PUC. São Paulo, p. 80. 11 Lílian Blanck de OLIVEIRA, et al. Curso de formação de professores, In: Luzia SENA (Org.), Ensino religioso e formação docente, p. 91-101.
21
A amplidão da problemática não permite contemplar todos os desafios. Por
isso, fiz um recorte ao título genérico, com o acréscimo de um título específico
para perceber quais os dados suficientes para se chegar à compreensão do
objeto como um todo. Neste sentido, como delimitação desta pesquisa - conforme
se depreende do próprio título e subtítulo: O mal-estar do ensino religioso:
localização, contextualização e interpretação -, expresso a intenção de localizar o
mal-estar mediante uma ampla pesquisa de campo. Nesse contexto, devido à
polissemia do conceito, uso a metáfora “mal-estar” para agrupar a generalizada
crise que vem de longa data.
Para estabelecer a dimensão da crise, recorro a essa metáfora da “área
clínica”, que indica o trabalho do médico, quando um paciente se queixa de vários
distúrbios. Ele prescreve uma tomografia geral para captar os vários pontos onde
se localizam os mal-estares, depois individualiza os pontos mais graves que
precisam ser tratados e sobre eles procede o trabalho de contextualizá-los e
diagnosticá-los mediante o histórico geral do paciente. Também este trabalho
pretende seguir por caminho semelhante.
O uso dessa metáfora ilustra os caminhos do objeto: situar o mal-estar do
ensino religioso e circunscrever os vários aspectos, buscando pontos de maior
evidência que, pela radiografia geral, se apresentam como os mais graves e,
sobre eles, elaborar um trabalho de contextualização e interpretação.
Entretanto, a metáfora do doente e dos procedimentos clínicos vale apenas
em parte para o objeto de estudo.
Primeiro, porque o levantamento a ser feito pretende revelar não só a
doença ou o mal-estar. Embora seja esta a intenção principal, a localização do
mal-estar implica descobrir, também, aspectos saudáveis da disciplina e de sua
prática.
Em segundo lugar, também não é totalmente válida a metáfora, pois não se
pretende oferecer receitas ou tratamentos para os vários sintomas de desconforto
que aparecem ao longo da pesquisa.
Seguindo a metodologia adotada, em um primeiro momento farei o
levantamento geral dos sintomas e, ao lado deles, da parte saudável, ou dos
pontos positivos. No final, o panorama geral será afunilado para apontar apenas
aqueles pontos onde há maior incidência de queixas e conflitos. Apenas sobre
22
estes, aliás sobre dois deles, proceder-se-á a uma contextualização e
interpretação.
Definido o objeto e seus limites, várias indagações despontam:
Qual seria o elemento, ou elementos que acarretam essa crise
generalizada? Em que situações da prática do ensino religioso é possível localizar
indícios de mal-estar? Quais as situações em que ele aparece com maior
incidência? Quais seriam as causas e o sentido destas situações que polarizam
as contradições e as queixas quando se trata do ensino religioso?
Ao tentar responder aos problemas levantados pelo tema escolhido como
objeto de estudo, a primeira hipótese converge para a existência de um mal-estar
generalizado. Porem, além dos aspectos negativos, acredita-se que seria possível
encontrar pontos saudáveis.
A segunda hipótese é a de que haveria situações no ensino religioso que
apresentam uma incidência maior de problemas e contradições. Esses pontos de
agravamento seriam decorrências da situação mais ampla da conjuntura histórica,
social e cultural dialética ou conflitiva da sociedade brasileira, na qual se insere o
ensino religioso e a legislação que o rege.
Tais hipóteses realmente acenam para a existência de problemas que
cercam o ensino religioso. A regulamentação constitucional provocou uma
celeuma entre duas correntes antagônicas: a que admite o ensino religioso como
elemento integrante do sistema escolar, e a que lhe recusa tal condição. Em
ambas existem ambigüidades
O olhar contextual e analítico deste trabalho passa pelo caminho teórico da
concepção dialética da história, da sociedade e das instituições.
Segundo a visão gramsciana, expressa principalmente nos Cadernos do
Cárcere, a humanidade progride por sucessões de blocos históricos12, iniciando
12 Para Gramsci, O bloco histórico é formado pela união de duas superestruturas: a sociedade civil e a sociedade política. A estrutura e a superestrutura formam um “bloco histórico”, isto é, um conjunto complexo e contraditório, onde a superestrutura é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção. Porém, é preciso observar que a relação entre superestrutura e infra-estrutura não se dá abstratamente, ela acontece de maneira concreta, histórica e essa ligação teria de ser feita organicamente, necessariamente, e ao intelectual caberia mais essa função (além da que lhe cabe na classe social), a de realizar a vinculação dentro do bloco histórico. Donaldo Bello de SOUZA, A Superação do Determinismo Econômico nas Análises sobre as Inovações: Possíveis Contribuições do Aporte Gramsciano, http://www.senac.br/informativo/bts/htm, Acesso 12/3/08
23
por aqueles que, no Ocidente, constituíram as sociedades anteriores à civilização
greco-romana. Em seguida, houve a dominação econômica, política e cultural do
sistema greco-helenístico, sucedido pelo bloco histórico romano, que perdurou até
a Idade Média.
A Idade Média foi suplantada pelo bloco burguês ou capitalista, que
predomina até hoje. Dentro deste último, surgiram rebeliões e contestações que
chegaram até a erigir alternativas constituídas pelas sociedades comunistas.
No âmbito desses grandes blocos surgem blocos regionais com suas
peculiaridades sem, entretanto, romper a hegemonia do poder dominante. Por
exemplo, no seu tempo, Gramsci apontava, na Itália, a existência de dois grandes
blocos, o Meridional, pobre e subdesenvolvido, e o Setentrional, rico e
desenvolvido. Nesse bloco, exerce o poder a classe que domina a estrutura
econômica.
Atualmente, após a queda do comunismo, o Ocidente está sob o poder
econômico, político e cultural do capitalismo neo-liberal, de caráter nitidamente
mercadológico e globalizado.
O bloco histórico burguês capitalista é constituído, segundo Gramsci, pela
sociedade civil e pela sociedade política. No campo civil estão as instituições
econômicas governamentais e culturais. O campo político é constituído pelo poder
coercitivo, que garante a unidade do bloco histórico. O cimento da sociedade civil
é a ideologia ou a visão de mundo burguesa ou capitalista, sustentada pelas
instituições culturais, cujos órgãos principais são os meios de comunicação, as
instituições escolares e a Igreja ou o poder religioso.
Todas essas instituições têm a função de abrigar, consolidar, conservar e
transmitir a visão de mundo ou a ideologia que garante o consenso e a submissão
das classes subalternas. Enquanto perdura a consensualidade, a classe
dominante mantém a hegemonia econômica, cultural e política.
Entretanto, no quadro consensual, há constantes, reiterados e duros
conflitos entre dominantes e subalternos. O conflito penetra também o âmago da
classe dominante. Muitas vezes são os intelectuais que ameaçam romper. Outras
vezes é o poder religioso que busca contestar o poder do Estado burguês e luta
por independência e até pela supremacia, como ocorreu na Idade Média.
Para evitar as rupturas, o poder dominante burguês recorre a alianças,
pactos e privilégios. Em troca da sua submissão, o intelectual e o cientista
24
adquirem um status privilegiado e, o poder religioso, por meio de alianças e
concordatas, é contemplado com isenções, subsídios ou favorecimentos. Assim
se mantém a estrutura de poder.
No entanto, sob a superfície consensual persistem conflitos e mal-estares
nem sempre resolvidos, em razão de que o subalterno não é mero objeto de
consenso e submissão. Ele tem sua cultura e seus meios de ação que lhe são
peculiares. Não é simples negatividade. Ele chega muitas vezes a interagir e até a
contagiar aquele que exerce o poder hegemônico. Acordados com essa reflexão,
nos apoiamos na concepção gramsciana da história e da sociedade como
referencial para analisar o ensino religioso no Brasil13.
No primeiro capítulo da presente tese, ele aparece integrando uma das
atividades essenciais da Igreja Católica, a catequese ou evangelização do índio e
do negro, conseqüência da aliança entre o catolicismo e o governo português.
Apesar de integrada no poder colonial, a catequese reflete um dos
aspectos da dialética da colonização, assinalada por Alfredo Bosi em Dialética da
Colonização. A ação catequética encerra um agudo conflito entre o missionário e
o colonizador, caracterizado pelo desconforto e o mal-estar que a evangelização
provoca em ambos os envolvidos nesse processo: missionário e evangelizado.
No bloco histórico do Império, que sucede ao Colonial, o conflito e o mal-
estar persistem, pois a religião pactua com a negação da cultura do índio e do
negro. Este último assume, então, formas de resistência, criando a religiosidade
afro-brasileira.
O catolicismo romanizado cria obstáculos à cultura religiosa popular e
busca implantar os modelos de cultos vindos da Europa. Esses conflitos são
analisados com muita propriedade por Pedro A. Ribeiro de Oliveira, em Religião e
dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no
Brasil.
O ensino religioso, sob a forma de catequese e evangelização, no âmbito
do Bloco Histórico Imperial, vai criando impasses e desconfortos que são os
preâmbulos dos impasses da atualidade.
13 Como fonte para esta síntese do pensamento gramsciano usamos as obras de Gramsci: Quaderni del Cárcere, Os intelectuais e a Organização da Cultura e as interpretações de Portelli sobre o trabalho do pensador registradas na obra Gramsci e a Questão Religiosa.
25
Findo o Império e proclamada a República, o Estado se declara laico. No
Bloco Histórico Republicano rompe-se o pacto com a Igreja Católica. O ensino
religioso, nessa nova conjuntura, passa por várias vicissitudes e crises, que
desembocam nas insatisfações com repercussões no momento presente.
As crises do ensino religioso no Bloco Colonial e Imperial serão apontadas
no capítulo primeiro.
O amplo panorama de mal-estar na atualidade e sua localização é objeto
do segundo capítulo.
Já o capítulo terceiro lançará um olhar analítico sobre dois pontos de
desassossego que incidem sobre o ensino religioso.
A análise da crise generalizada que aflige o ensino religioso na atualidade
exige um conjunto de recortes em razão de sua complexidade, polemicidade,
amplidão e importância. Neste sentido, na pesquisa de campo foram usados
quatro procedimentos metodológicos, a saber: entrevista semi-estruturada,
questionário fechado, questionário misto e questionário aberto, aplicados em seis
momentos. Essa dinâmica serviu de recorte à realidade empírica a ser estudada.
A entrevista semi-estruturada14, (Anexo Nº 01) foi utilizada como primeiro
procedimento no trabalho de campo. O fato de ter sido realizada uma entrevista
individual com perguntas abertas nos permitiu levantar dados, referente ao
desassossego do ensino religioso na atualidade. No decorrer da entrevista, buscamos identificar pontos chaves do ensino
religioso que interessam ao nosso tema. As entrevistas foram gravadas e
posteriormente transcritas.
Sua forma de realização foi individual, todavia, nela podemos encontrar o
reflexo da dimensão coletiva. Os informantes abordaram livremente o tema
proposto, guiados por perguntas previamente formuladas para servir como ponto
14 De acordo com Triviños a entrevista é uma das mais importantes fontes de informação para a coleta de dados. Em seus estudos ele afirma que a entrevista semi-estruturada é aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, Interessam à pesquisa e em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, junto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que recebem as respostas do informante. Desta maneira o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. Cf. Augusto N. S. TRIVIÑOS Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. p. 61.
26
de apoio e roteiro. Assim, partimos de um questionário previamente formulado15,
com perguntas que permitissem ao entrevistado responder livremente sobre o
tema proposto. Os respondentes foram informados antecipadamente da finalidade
da pesquisa e das possíveis repercussões do processo investigativo. As
informações que procuramos obter estão inseridas num jogo progressivo, em que
cada momento é uma conquista pela possibilidade de extrapolar ao que foi
perguntado.
O envolvimento compreensivo permitiu criar laços de amizade, bem como
compromisso de retorno dos resultados alcançados, e a possibilidade de novos
diálogos. Essa forma de articulação propiciou amplo campo de dados e de
informações.
No início da entrevista, o informante foi comunicado da temática da
pesquisa e do dispositivo legal que orienta o ensino religioso, mediante
apresentação da Lei Nº 9.394/96, com a nova redação do art. 33 (LDB nº
9.475/97).
A pesquisa em forma de entrevista foi realizada com três professores que
exercem, no cotidiano, a dinâmica de interação com a disciplina de ensino
religioso, portanto, profissionais da área de ensino religioso que atuam no ensino
fundamental de escolas públicas.
A limitação em apenas três informantes se deu não só pela extensão dos
depoimentos mas, sobretudo, pelo trabalho dos entrevistados, profissionais que
15 Estamos nos referindo ao questionário como segue: 1– Como você vê o ensino religioso, em relação à legislação: a– Conhecimento, da Legislação; b- Adequação de suas orientações (Lei 9.475/97 art. 33); c- Pontos positivos e pontos negativos da legislação; 2- Importância do ensino religioso na grade curricular; 3- Satisfação do professor de ensino religioso no que concerne a: valorização profissional respeito dos colegas, da direção, e dos alunos, salário, possibilidade de crescimento profissional, formação específica, aprimoramento constante, carga horária, carga horária desejável e função na grade, existência de conteúdos específicos; 4- Existência, disponibilidade e adequação de material didático – pedagógico específico ao ensino religioso; 5- Existência de um plano político – pedagógico na escola que contemple o ensino religioso, com objetivos claros e que responda à diversidade religiosa do mundo atual; 6- Disponibilidade de professores com formação na área de Ciências da Religião; 7- Concessão de aulas à professores não qualificados para o ensino religioso; 8- Interferência política e ou administrativa na orientação dos conteúdos; 9- Participação efetiva do professor de ensino religioso na elaboração dos conteúdos programáticos da disciplina; 10- Posicionamento das instituições de ensino frente às orientações da Lei (respeito às denominações religiosas, ausência de proselitismo); 11- Na sua opinião, resumidamente, onde estaria o mal-estar do ensino religioso e o que sugere para enfrentá-lo?
27
atuam em situações específicas, o que nos permitiu obter informações das
diversas realidades.
Um dos participantes é profissional habilitado, efetivado na função com
carga horária de 30 horas aula, residente numa cidade de médio porte, com
possibilidade de aprimoramento profissional.
O segundo, é professor com formação voltada para o ensino religioso
(Ciências da Religião) e pós-graduação nessa área. É efetivo no Estado e atua
em três escolas de diferentes realidades.
O último participante, um profissional não habilitado, atua como contratado
em duas escolas de pequeno porte.
Os entrevistados exigiram o anonimato, por isso, os nomes citados no
corpo desta tese são pseudônimos.
As entrevistas foram realizadas nas próprias residências dos informantes,
fazendo com que eles, em seu ambiente doméstico, tivessem a tranqüilidade para
expressar suas idéias, menos preocupados com o tempo e mais disponíveis para
o diálogo. Elas giraram em torno de uma questão geral: “Como você vê o Ensino
Religioso?”. Essa questão foi desdobrada em onze perguntas específicas, no
intuito de focalizar um conjunto de campos significativos de mal-estares que
permeiam o ensino religioso na atualidade.
Realizadas em outubro de 2004, as entrevistas forneceram dados que
serviram para aprofundar, posteriormente, os pontos levantados através de outras
técnicas de coleta, como questionário fechado, questionário misto e questionário
aberto. Foi utilizada a técnica de gravação que, ao meu entender, captaria de
forma mais fiel o andamento das entrevistas, adentrando não só no universo da
experiência do ensino religioso no cotidiano, mas em emoções e ressentimentos.
As entrevistas se revestiram de características especiais, pois trabalhar
com ensino religioso significa trabalhar com algo relativo a seres humanos e com
eles mesmos em seu próprio processo de trabalho e de vida.
As entrevistas foram transcritas e registradas em fichário, com perguntas
numeradas de um a onze, com páginas seqüenciadas, sendo que a cada um dos
entrevistados foi destinado um fichário particular.
Dada a complexidade do tema, foi necessário o uso de outros instrumentos
de pesquisa para localizar a polêmica crise do ensino religioso. Buscamos obter
28
mais informações através do questionário fechado16, aplicado em vários
momentos à pessoas de diferentes segmentos da sociedade, todas vinculadas à
área de ensino religioso: pais, diretores de escola e alunos do curso fundamental.
A garimpagem para detectar esse mal-estar exigiu uma abordagem em sua
multidimensionalidade que englobou a legislação, o posicionamento das
instituições de ensino frente às orientações legais, os conteúdos programáticos, a
grade curricular, os recursos pedagógicos, a valorização do docente, o salário, a
formação específica, a carga horária, o material de suporte pedagógico
específico, o plano político-pedagógico, os objetivos que respondem à diversidade
do ensino religioso e a disponibilidade de professores com formação específica
em Ciências da Religião.
Como encaminhamentos práticos, foram elaborados três questionários
específicos, sendo um para os pais de alunos com duas questões (Anexo Nº 02),
um questionário para diretores de escolas estaduais com quatro questões (Anexo
Nº 03) e um questionário para estudantes do ensino fundamental com quatro
questões (Anexo Nº 04).
Com esses instrumentos, buscamos ampliar nossa percepção na
localização dos problemas que provocam crise no ensino religioso, tendo
presentes as informações obtidas nas entrevistas. A metodologia adotada para a
coleta de dados nesse novo procedimento é a quantitativa. Trata-se,
evidentemente, de uma quantificação imperfeita17, uma amostragem parcial, em
um segmento constituído por vinte e três (23) pais de alunos do curso
fundamental, trinta (30) diretores de escolas estaduais e cinqüenta e dois (52)
alunos do curso fundamental das escolas estaduais, estes com idade entre 11 e
13 anos.
Essa forma de investigar teve por objetivo ampliar os dados, suscitando
novas questões e novas informações. Essa dinâmica investigativa foi realizada na
primeira quinzena de dezembro de 2004.
16 O questionário fechado possibilita obter respostas padronizadas. São apresentadas ao entrevistado um conjunto de alternativas para que o mesmo escolha o que melhor representa a sua situação ou ponto de vista. Emília P CUNHA, et al. Metodologias de investigação em educação, http:// www.jcpaiva.net/getfile. Acesso em 11/03/08. 17Maria C. de Souza MINAYO. Ciência, técnica e arte: O desafío da pesquisa social. In: Maria C. D Souza MINAYO. (Org.) Pesquisa Social, p. 21.
29
Constatamos que os dados obtidos nos instrumentos de sondagem
anteriores não eram suficientes para estabelecermos conclusões e, em
decorrência disso, a complexidade do tema exigiu melhor aprofundamento do
objeto de pesquisa.
Retornamos, pois, à fase de coleta de dados para adicionar mais
informações. O referido questionário, no entanto, não foi suficiente para detectar o
desassossego no ensino religioso.
Para obter mais informações, aplicamos um questionário misto18 (Anexo Nº
05) com respostas abertas e fechadas, a professores de ensino religioso de
quinze Estados do Brasil, por ocasião do 3º Congresso Nacional de Ensino
Religioso – CONERE; 13ª Sessão do Fórum Nacional Permanente de Ensino
Religioso – FONAPER; 3º Seminário Catarinense de Ensino Religioso, e 1º
Seminário de Ensino Religioso das Escolas Confessionais de Santa Catarina. O
referido questionário foi aplicado durante os citados eventos, realizados em
Florianópolis, Santa Catarina, no período de 03 a 05 de novembro de 2005.
As entrevistas referidas acima foram realizadas com cinqüenta e seis (56)
professores de diversas regiões brasileiras, mais especificamente dos Estados do
Rio Grande do Sul, Amapá, Pará, Maranhão, Paraná, Paraíba, Ceará, São Paulo,
Santa Catarina, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro
e Espírito Santo.
Para justificar o número de cinqüenta e seis (56) professores, nos
apoiamos em Ijaille19 e Pinheiros20, que entendem ser este um número ideal para
se obter uma amostragem confiável.
18 O questionário misto se apresentou ao entrevistado com questões do tipo resposta aberta e resposta fechada. Emília P CUNHA, et al Metodologias de investigação em educação, http:// www.jcpaiva.net/getfile. Acesso em 11/03/08. 19 Sergio Luiz Alessi IJAILLE é pós graduado em Engenharia Econômica e Mestre em Desenvolvimento Organizacional. 20 José C. R. PINHEIROS. Avaliação dos efeitos de redução da avaliação da fração de amostragem no censo demográfico. Os autores argumentam que, para justificar o número dos 56 professores a serem pesquisados, é importante partir da estimativa de que no Brasil haja aproximadamente 3.500 professores de ER na rede pública. Segundo IJAILLE e José C. R. PINHEIROS, a amostra obtida pelo emprego da formulação abaixo, utilizou como fator de correção o tamanho populacional, estimado, na ocasião da pesquisa, em 3.500 professores atuantes no ensino religioso, em nível nacional. 1) (1)Z².N. p. (1- p)n= _E².(N -1) + Z².p.(1-p), onde, (2) n = tamanho da amostra; estatisticamente dimensionado; Z = intervalo de confiança, aceito para 90% (Z =1,64) conforme tabelas específicas; N = tamanho populacional estimado, igual a 3,500 professores atuando no ER. a nível nacional; p = proporção previamente identificada na amostra piloto ( p = 0,30 ); E = erro tolerável de amostragem igual a 10% (E = 0,10). Disponível em: <http://www.ence.ibge.gov.br/publicacoes/relatorios. Acesso em: 22/06/07.
30
O instrumento de pesquisa, questionário misto, com questões objetivas e
uma subjetiva, foi aplicado a professores de ensino religioso em âmbito nacional,
por entendermos que o atual mal-estar do ensino religioso é uma problemática de
raiz e, portanto, envolve toda a Nação.
Após olhar atentamente para os dados obtidos nos cinco momentos da
pesquisa, julgamos conveniente buscar maior certeza quanto aos resultados
coletados anteriormente.
Devido às dissensões apresentadas nas respostas dos vários instrumentos
de pesquisa, buscamos em um questionário aberto21, (Anexo Nº 0 6) um
complemento ao nosso trabalho exploratório, com uma sondagem com sete (7)
profissionais especializados em Ciências da Religião, docentes efetivos na área
de ensino religioso da rede estadual de Santa Catarina. Essa pesquisa foi
realizada no mês de maio de 2006.
O referido instrumento de pesquisa, mesmo que em pequenos lampejos,
permitiu detectar uma gama de situações que provocam desassossego no ensino
religioso no cotidiano da sala de aula e da disciplina.
A compreensão desse espaço de pesquisa não se resolve apenas por meio
de um domínio técnico. É indispensável uma base teórica para podermos olhar os
dados dentro de um quadro de referência que nos permita ir além do que nos está
sendo mostrado.
Portanto, outra forma investigativa adotada para a nossa pesquisa básica
foi a bibliográfica, que nos permitiu articular conceitos e nos colocar em contato
com autores envolvidos em seus horizontes de interesse. Nessa perspectiva, para
compor o quadro teórico, isto é, a visão dialética da história e da sociedade, foram
usados como fonte bibliográfica primária os textos de Gramsci, publicados nos
Cadernos do Cárcere, e os trabalhos de estudiosos do pensamento gramsciano,
como Hugues Portelli, em Gramsci e o Bloco Histórico e Gramsci e a Questão
Religiosa.
Na análise dos conflitos e do mal-estar que envolveu o Ensino Religioso no
Bloco Histórico Colonial, Imperial e Republicano, foram utilizadas obras de
21 No questionário aberto são apresentadas ao entrevistado perguntas para que o mesmo possa escrever sua resposta sem qualquer restrição. Emília P CUNHA, et al Metodologias de investigação em educação, http:// www.jcpaiva.net/getfile .Acesso em 11/03/08.
31
autores que têm uma visão dialética da história. Nossa ênfase maior foi para os
textos de Bosi (1994); Azzi (1987 e 1977); Pedro A. Ribeiro de Oliveira (1985);
Sérgio Buarque de Holanda (1972); Thomas E. Skidmore (1998); Enio J. Costa
Brito (2007); Mary Del Priore (2004); Florestan Fernandes (1960); Maria Helena
Capelato (1980); Pedro Calmon (1937); Vera M. Peroni (2003) e Antonio Joaquim
Severino (1986).
As análises do mal-estar referentes à legislação sobre o Ensino Religioso
tiveram como norte as obras de autores que focalizam a nossa legislação em
geral e a que regula o Ensino Religioso sob o prisma dialético, a exemplo de
Carlos Jamil Cury (2000); Francisco Cordão (2006); Pedro Demo (2004);
Dermerval Saviani (2004); Anísia de Paula Figueiredo (1999), entre outros.
A análise do mal-estar referente à formação do professor de ensino
Religioso recorreu a autores que interpretam a educação também sob o prisma
dialético, tais como: Paulo Freire (1996); José J. Queiroz (2006a); Wolfgang
Gruen (1995); João Décio Passos (2006); MauriceTardif (2002); Enio José da
Costa Brito (2005); José M Esteve (1999); Francisco Ibernon (2000) e Moacir
Gadotti (2001). Também nos reportamos ao referencial da complexidade de
Edgar Morin, em seu trabalho. Educação e a complexidade do ser e do saber
(2002).
Tais procedimentos elucidaram, na questão analisada, pontos críticos do
ensino religioso, dois dos quais constituíram a temática do capitulo terceiro desta
tese. Permanecem como incógnita outros pontos críticos revelados na pesquisa
de campo e que entram em cena também no período analisado, o que constitui
elementos de análise para estudos posteriores.
O presente estudo se articula em três capítulos. No Capítulo I – O Ensino
Religioso no Bloco Histórico Colonial, Imperial e Republicano: a gênese de uma
crise histórica, nossa pretensão foi a de elaborar uma retrospectiva histórica da
ação evangelizadora e catequética do período Colonial e do regime Imperial que
nos permitisse buscar o início do fio condutor da problemática de hoje.
Esse capítulo tem por objetivo fazer uma retrospectiva histórica das
situações que desencadearam o mal-estar do Ensino Religioso como disciplina
curricular das escolas públicas de ensino fundamental no Brasil.
O Capítulo II – O Ensino Religioso na atualidade: o desconforto e o mal-
estar revelados nos dados da pesquisa, tem por objetivo localizar o grande
32
panorama dos pontos de conflito e desconforto que cercam o Ensino Religioso na
atualidade. Ao final do capítulo há uma aglutinação dos pontos nevrálgicos que
constituem o mal-estar no ensino religioso.
Como o objeto desta pesquisa é indicar os pontos de conflito que incidem
sobre o ensino religioso, não fixamos nosso olhar nos dados positivos. Para efeito
de análise e discussão, selecionamos dois pontos de mal-estar que apareceram
com mais freqüência nas entrevistas e nos questionários, pois essa incidência, ao
nosso ver, indica que eles constituem os pontos mais graves que afetam a saúde
da referida disciplina.
No Capítulo III – A legislação sobre o ensino religioso e a formação dos
professores: dois tópicos nevrálgicos que constituem o mal-estar, começamos
assinalando o percurso do ensino religioso nas sucessivas leis brasileiras e a
forma como esses regulamentos jurídicos possibilitaram sua configuração como
disciplina curricular a ser seguida pela totalidade da Nação. Em seguida
focalizamos as luzes e as sombras que envolvem a atual legislação federal sobre
o ensino religioso. Finalizamos o capítulo com a análise da formação do professor
indicada na pesquisa como causa das insatisfações que permeiam o ensino
religioso.
33
CAPÍTULO I - O ENSINO RELIGIOSO NO BLOCO HISTÓRICO COLONIAL, IMPERIAL E REPUBLICANO: a gênese de uma crise histórica.
Antes de indicarmos, no segundo capítulo, o grande panorama dos pontos
de conflito e desconforto que cercam o ensino religioso na atualidade,
pretendemos elaborar uma retrospectiva histórica, que permita buscar o início do
fio condutor da problemática atual, na ação evangelizadora e catequética do
período Colonial e do regime Imperial.
O presente capítulo tem por objetivo detectar os primórdios históricos que
desencadearam a crise do mal-estar do ensino religioso como disciplina curricular
das escolas públicas de ensino fundamental no Brasil.
No contexto atual, é sabido e patente que o ensino religioso é uma questão
de profundo teor polêmico, que o próprio senso comum dos envolvidos nessa
área constata por diferentes ângulos. Essa pluralidade conflitiva repercute no
cotidiano da escola, no professor da disciplina e nos alunos, inviabilizando um
bom desempenho do ensino religioso em instituições educacionais.
Antes de iniciarmos nosso trabalho, cabe lembrar alguns fatos que o
procederam. Ao pensarmos no plano geral da pesquisa, nos deparamos com
duas possibilidades. A primeira, era começar pela situação de desconforto do
ensino religioso na atualidade para, em um segundo momento, perguntarmos
pelas matrizes históricas do diagnóstico. A segunda, iniciar com o histórico que
gerou a situação de mal-estar atual, quando se trata do ensino religioso nas
escolas.
Optamos por iniciar pelas raízes históricas consoante à nossa posição
teórica pela qual as manifestações do conhecimento, da cultura, das relações
educacionais têm seu fundamento no ser social e este é radicalmente histórico.
É a história do social que envolve as relações entre Igreja e Estado no
Brasil e constitui a base para se compreender as relações educacionais conflitivas
que envolvem o ensino religioso na atualidade.
Iniciar pelas raízes históricas é uma decorrência de nossa posição
preliminar de analisar os fatos pela categoria gramsciana de “blocos históricos”22.
22 A noção gramsciana de “bloco histórico” foi explicitada na Introdução.
34
Analisaremos essa retrospectiva lançando um olhar para a Colônia, o Império e a
República, compreendidos como três grandes Blocos Históricos nos quais Estado
e Igreja ora são parceiros ora entram em conflito na trama constituída pela luta
ideológica e pelos embates em busca da hegemonia.
Neste sentido, veremos, sob a ótica gramsciana, que os jesuítas, no
processo da colonização brasileira, detentores do conhecimento e da educação,
atuavam como intelectuais orgânicos do Estado, não obstante alguns conflitos e
contradições. De certa forma, ministrando o monopólio ideológico23, a religião,
agia como força social e política e asseguravam a hegemonia do poder colonial.
Encaminhar a reflexão a partir de uma retrospectiva histórica é, sem
dúvida, relevante para se entender a radiografia da complexa realidade atual do
ensino religioso, pois ela se apresenta em um imaginário prático constituído
desde a Colônia e que foi assumindo perspectivas diferentes ao longo da história,
mas mantendo as mesmas correlações de força atuantes em suas origens.
Na memória histórica da catequese jesuítica do período colonial do Brasil,
buscamos a matéria-prima do processo ideológico que nos serve de indicativo
dos principais elementos que nos permitem aproximar da problemática pela qual
passa o ensino religioso nos dias atuais.
Ao longo da história, este ensino recebeu atenção especial de pensadores
renomados em razão da complexidade24 que o cerca, característica das
incertezas em torno de sua identidade conceitual e epistemológica.
Essa realidade complexa já se reflete na dialética25 e, ao mesmo tempo, na
dialogia26 entre os subalternos (índios e negros) da Colônia e do Império e o poder
dominante mediado pela prática evangelizadora e catequética da Igreja Católica.
23Gramsci concebe a ideologia enquanto "uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, nas atividades econômicas e em todas as manifestações da vida intelectual e coletiva". Antonio GRAMSCI. A concepção dialética da História, p. 16. 24 O termo complexidade aqui não é usado no sentido comum de “complicado”. O complexo, em oposição ao linear significa que as realidades devem ser encaradas não mais como portadoras de certezas absolutas, pois não mais se definem pelo pensamento disjuntivo. Não são isto ou aquilo, mas congregam em si o todo nas partes e as partes no todo, o que implica uma dialética (os conflitos) e ao mesmo tempo uma dialogia (acordos, pactos e ações comuns) Cf. Cleide ALMEIDA e Izabel PETRAGLIA (org), Estudos de complexidade, p.16. 25 Por dialética aqui entendemos a concepção que a este conceito atribui Gramsci, como já foi estabelecido na introdução, no item relativo ao suporte teórico da pesquisa. 26 Para Morin, professor e aluno devem vivenciar essa "dialogia" do pensamento, ou seja, devem vislumbrar que o conhecimento de ambos é antagônico e complementar, o professor está sempre aprendendo com o aluno através do movimento interminável das relações dialógicas. Cf. Isabel
35
As partes envolvidas nessa trama refletem tanto o confronto quanto o
encontro de culturas diferentes que constituíram uma das experiências mais
marcantes da humanidade, a descoberta e a colonização do Novo Mundo. Tanto
o europeu quanto os nativos, os negros e a Igreja saíram profundamente
modificados desses encontros e desencontros.
O mundo europeu trazia às terras brasileiras um desejo de busca, de
conquista e colonização. Frente à cultura do nativo e, mais tarde, do negro, o
velho mundo atuou segundo as concepções da própria cultura. Isto produziu a
ambivalência da realidade sincrética que se desenvolveu no novo solo,
surpreendentemente diferente da cultura européia.
Ser índio, negro, branco, ou de qualquer outra raça, determinava as
oportunidades sociais no país. Esta constelação étnico-cultural se configurava,
muitas vezes, como fronteira de dominação e exclusão. Mas a supremacia do
branco, do estado burguês e da elite racista, que se perpetuava no poder desde a
invasão colonial, nunca foi total e absoluta, pois, nos três blocos históricos, o
dominado sempre conquistou espaços e fez valer sua cultura27.
É interessante observar que as produções sobre as fontes do século XVI,
sobretudo quando tratam de analisar as relações entre índios e brancos,
expressam-se, na maioria das vezes, de modo a enfatizar o "espanto" dos
europeus com os índios, buscando acentuar e construir uma dualidade radical
entre estes povos, como se fosse este valor que inaugurasse estas relações.
A "animalização" e a "demonização” dos índios pelos portugueses foi uma
tentativa de afirmar o ego europeu, isto é, hierarquizar as diferenças, impondo sua
cultura e ideologia.
Podemos afirmar que as fronteiras étnicas-culturais não são naturais nem
fatais, mas historicamente construídas a partir de interesses econômicos, culturais
e ideológicos. Nesse contexto, o índio28 e o negro eram colocados no papel de
destinatários, ou seja, manipulados, para acreditarem nas crenças e assumirem PETRAGLIA, Sete idéias norteadoras da relação educação e complexidade. In: ALMEIDA e ETRAGLIA ( Org.) Estudos da complexidade. p. 29. 27 Cf. Raimundo CAMPOS, História do Brasil, p. 36. 28 O termo índio nasceu de um engano histórico: ao desembarcar na América, o navegador Cristóvão Colombo chamou seus habitantes de índios, pois pensava ter chegado às Índias. Outras designações para o habitante da América pré-colombiana: aborígine, ameríndio, autóctone, brasilíndio, gentio, íncola, “negro da terra”, nativo, bugre, silvícola, etc. O termo índio designa quem habitava e ainda habita as terras que receberiam o nome de América.
. Acesso 22/10/06. http://www.brasilescola.com/historiab/cabralino.htm
36
os “valores” impostos pelos colonizadores, pela força das armas e pela catequese
realizada pelos religiosos, estes últimos, com a missão de divulgar a verdade
absoluta, e portanto, não aceitavam coexistir com outras verdades.
A fé significava a aceitação da ordem instituída por Deus. Isso permite
pensar que a catequese foi muito importante para a dominação dos índios e para
a ocupação das terras pelos portugueses. Essa complexidade, ao mesmo tempo
que condena o índio “sem rosto” à exploração e dominação, exige realizar uma
crítica à cultura hegemônica.
Nessa perspectiva, consideramos um dos autores que forneceu elementos
mais adequados para a compreensão deste desassossego, Antonio Gramsci. Ele
nos possibilita compreender como se teciam as tramas dessas relações sociais,
tendo em vista a catequese preponderantemente hegemônica dos jesuítas.
Dentro dessa realidade, Gramsci distingue a função repressiva inerente a
toda organização e a função ideológica que consiste na visão de mundo dos
dominantes e dos dominados. Referindo-se à Igreja como aparelho ideológico,
Gramsci argumenta que ela detém um poder político no próprio interior da
organização civil que, em certas épocas, alcança um verdadeiro monopólio
ideológico.29. Assim aconteceu na Idade Média cristã e no Bloco Colonial
brasileiro. Já no Bloco Imperial e Republicano, entra em crise o monopólio
ideológico da Igreja pela irrupção da ideologia liberal e laica.
Na análise gramsciana, a Igreja (os influentes religiosos) figura como
agente no processo hegemônico. Seus conceitos são chaves de compreensão da
trajetória da Igreja, no que diz respeito a sua inserção social e também suas lutas
pela hegemonia. Gramsci realizou valiosos estudos sobre essa questão,
especialmente sobre o papel e a função orgânica dos Jesuítas. Suas elaborações
teóricas são importantes instrumentos para compreender o processo hegemônico
colonial, no qual a religião assumiu o papel de identidade social.
Nessa análise, os estudos de Raimundo Campos, referentes ao período
colonial, acrescentam uma visão contextualizada. Segundo o autor:
29 Deve-se ressaltar que o interesse de Gramsci está sintonizado com a constituição de uma nova sociedade sem exploradores nem explorados e, portanto, com a possibilidade de existirem seres humanos integrais e não seres humanos alienados, fragmentados, unilaterais. Cf. Antônio Tavares de JESUS, O pensamento e a prática escolar de Gramsci, p. 3.
37
Nessa época, viver fora do contexto de uma religião parecia impossível, pois a religião era uma forma de identidade, de inserção num grupo social, numa irmandade ou confraria, ou até mesmo no mundo. Por isso, a colonização dos povos indígenas não se deu apenas porque o nativo era força de trabalho a ser explorada, mas também, os índios, segundo parecer do colonizador, “não tinham conhecimento algum de seu Criador, nem das coisas do Céu”30.
Esta mentalidade foi essencial para caracterizar a presença da Igreja como
ideologia religiosa. Não foi retórica a afirmação de D. João III, ao escrever a Mem
de Sá: “A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que se convertesse a
nossa fé católica”31. Esta postura trouxe sérios mal-estares para os nativos
obrigados a se submeterem à imposição colonizadora.
Esse conjunto de situações apresenta justificativas de ordem histórica,
cultural e ideológica que perduram na atualidade, como constata-se também na
pesquisa de Campos, embora com conotações diferentes, conforme a mudança
dos conflitos. As implicâncias dessa ideologia repercutem como se tivessem
criado um certo “inconsciente coletivo”.
O Segundo Capítulo deste estudo desenha a realidade no ensino religioso
atualmente. Essa realidade nos faz acreditar que as crises do ensino religioso
contemporâneo não são naturais nem factuais; são historicamente construídas já
na catequese dos Jesuítas, que não significou apenas uma questão de autoridade
religiosa, mas um exercício de poder ideológico, o poder hegemônico da ideologia
católica.
Embora, na atualidade, o poder hegemônico da ideologia católica não mais
se impunha, o ensino religioso, como veremos, ainda é um palco que reflete o
embate entre a hegemonia religiosa da Igreja e a “heresia” introduzida pelo
laicismo.
A cultura colonizadora, autodefinida como superior, longe de assimilar a
contribuição dos indígenas e dos africanos escravizados, não só os espoliou do
potencial de sabedoria, como em parte, relegou sua cultura. Conhecer essa
história pode nos ajudar a encontrar o fio condutor do emaranhado desassossego
do ensino religioso na atualidade. 30 Raimundo CAMPOS, História do Brasil, p. 43. 31 Raimundo CAMPOS, História do Brasil, p. 44.
38
1.1 - O pacto entre Igreja e Estado, no Bloco Histórico Colonial e Imperial.
No período do descobrimento do Brasil vigorava em Portugal uma estreita
união entre Igreja e Estado, caracterizada pelo regime de padroado32. Essa
ligação rendeu ao Estado português uma série de concessões e licenças que
acabaram por fortalecê-lo e moldar a mentalidade através da qual se fez a
catequese no Brasil.
Pedro A. R. de Oliveira, em seus estudos sobre o Catolicismo no Estado
senhorial, argumenta que a união entre Igreja e Estado permite que o aparelho
eclesiástico exerça o papel de órgão público na organização da sociedade civil,
conferindo aos indivíduos o reconhecimento social de seu estado civil mediante o
batismo, o matrimônio e o funeral religioso. Nesse contexto, entende-se que a
religião atravessa toda a existência social do indivíduo33. Estes postulados foram
polemizados no Bloco Histórico Republicano, como lembra Oscar Lustosa, em
seus estudos sobre a Igreja católica nesse período34.
32 Para MOURA, o padroado é a outorga, pela Igreja de Roma, de certo grau de controle sobre a Igreja local, ou nacional, a um administrador civil, em apreço por seu zelo, dedicação e esforços para difundir a religião, e como estímulo para futuras “boas obras”. Laércio Dias de MOURA, Educação católica no Brasil, p.57. Segundo Hugo FRAGOSO a palavra padroado, geralmente, significa direito de protetor, adquirido por quem fundou ou dotou uma igreja. Direito de conferir benefícios eclesiásticos. Nos textos historiográficos, o termo Padroado se refere aos direitos concedidos à Coroa Portuguesa pela Igreja Católica nos territórios de domínio Lusitano. Esse direito do Padroado consistiu na delegação de poderes ao Rei de Portugal, concedida pelos papas, em forma de diversas bulas papais, uma das quais uniu perpetuamente a Coroa Portuguesa à Ordem de Cristo, em 30 de dezembro de 1551. A partir de então, no Reino Português, o Rei passou a ser também o patrono e protetor da Igreja, com as seguintes obrigações e deveres: a) Zelar pelas Leis da Igreja; b) Enviar missionários evangelizadores para as terras descobertas; c) Sustentar a Igreja nestas terras. O Rei tinha também direitos do Padroado, que eram: a) Arrecadar dízimos (poder econômico); b) Apresentar os candidatos aos postos eclesiásticos, sobretudos bispos, o que lhe dava um poder político muito grande, pois, nesse caso, os bispos ficavam submetidos a ele. Hugo FRAGOSO, A Igreja na formação do Estado liberal. In: José Oscar BEOZZO, (org.). História da Igreja no Brasil, Tomo 2, p. 185. 33 Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, A Religião e Dominação de classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, passim. 34 Oscar LUSTOSA. Separação da igreja e do Estado no Brasil (1890): uma passagem para a libertação. REB, v. 35, nº 139, p. 632-638, 1975.
39
Na esteira de Azzi, podemos afirmar que a catequese no Brasil foi
realizada na aliança, fundada em interesses comuns do Estado e da Igreja e sob
uma doutrina católica recém-reformada pelo Concílio Tridentino (1545-1563)35.
O que caracterizava a atuação da Igreja nos primeiros tempos da
colonização era sua dependência do projeto colonial português. Por força do
padroado, era o rei quem comandava os destinos da Igreja no Brasil, colônia que
se constituía numa cristandade dependente de Portugal, onde os interesses
políticos e religiosos estavam unidos abaixo da soberania real, e os missionários
deviam colaborar com as autoridades civis.36
Com uma formação de Estado fortemente unificado e centralizador, o
monarca português viu-se autorizado a invadir, em muitos pontos, o setor
eclesiástico. Portugal foi um dos países que aceitou as decisões do Concílio de
Trento, “sem reservas nem restrições”37. Embora essa relação seja encontrada
também em outras nações da cristandade38, em Portugal, ela acentua-se ainda
mais pela completa submissão religiosa ao poder de Roma.
A imediata preocupação de Caminha com a cristianização dos índios
explica-se por esta estreita ligação da Igreja com o Estado português na defesa
de interesses comuns: religiosos, políticos e econômicos.
Por concessão do Papa, os monarcas portugueses exerciam o governo
religioso e moral no reino e nas colônias. Na condição de grão-mestres, além do
poder político detinham, agora, também o poder espiritual sobre seus súditos e
deles podiam exigir doações e taxas para a Igreja.
Em muitas questões, o rei invadia a área da Igreja. Por exemplo,
administrava a cobrança do dízimo, taxa de contribuição regular dos fiéis para a
Igreja, controlando sua distribuição entre paróquias e dioceses. Também escolhia
bispos, protegia ordens religiosas e perseguia outras, construía conventos e
pagava os vencimentos da burocracia eclesiástica, como os capelães, vigários e
bispos-funcionários da Coroa. 35 Portugal foi dos raros países a aceitar incondicionalmente as decisões do Concílio de Trento, realizado entre 1545 à 1564, para reafirmar os princípios dogmáticos da Igreja Católica diante da Reforma Protestante em acelerada expansão na Europa. Riolando AZZI, A Instituição Eclesiástica durante a primeira época colonial, In: Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil, p. 80. 36Ibid., p. 81. 37 Sergio Buarque HOLANDA, Época Colonial, p. 50. 38 Entendemos por Cristandade, a unidade dos povos e países cristãos em torno de interesses religiosos e políticos comuns, sob hegemonia da Igreja Católica. Cf. Riolando AZZI, A cristandade colonial: um projeto autoritário, passim.
40
Portugal buscava preservar um modelo de Igreja denominado “cristandade”
cujo lema era “onde quer que se encontrassem seres humanos, um administrador
cristão deveria estar presente para a conversão dos gentios”. Estado e Igreja
viviam uma relação simbiótica, sacramentada pelo instrumento do padroado39,
com imbricações tão profundas entre si, que muitas vezes geravam grandes
conflitos institucionais. Castelaño observa que:
Na aliança entre Estado Português e Igreja Católica, os governantes tornavam-se sujeitos dos direitos de indicar à Santa Sé os candidatos ao episcopado, nomear os vigários ou párocos até mesmo de dar o seu “placet” à divulgação dos documentos pontifícios. Em compensação, a Igreja Católica tornava-se a religião oficial da Nação, devendo ser protegida preferencialmente pelas autoridades40.
Esta simbiose Igreja e Estado se apresenta com sintoma de mal–estar e
pode ser classificada sob duas concepções divergentes e até contraditórias:
perigosa e vantajosa.
Perigosa, porque os colonizados vivem sem direitos e sem bens.
Vantajosa, porque ambos, Igreja e Estado, se beneficiavam de direitos
recíprocos.
Referindo-se ao aparelho eclesiástico, Oliveira argumenta que, embora o
Rei e depois o Imperador não tivessem atribuições propriamente religiosas, o seu
poder hegemônico sobre a administração eclesiástica era muito amplo. Diz ele:
Era o rei e depois o imperador, quem decidia sobre a criação de dioceses e paróquias, a instalação de ordens religiosas e fundação de conventos, a nomeação para postos eclesiáticos, inclusive sobre documentos pontifícios. Ele não tinha um poder propriamente religioso pois era leigo, mas sim um poder de governo sobre a Igreja existente em seus domínios. Este poder tornava o aparelho eclesiático um aparelho do Estado, sendo seus agentes submetidos à autoridade do rei ou imperador, e, ao menos territorialmente, sustentado pelo Tesouro Real.41
39 O padroado contituía uma base legal para o Estado ingerir-se em assuntos que concerniam á Igreja. Por concessão do papa, os monarcas portugueses exerciam o governo religioso e moral no reino e nas colônias.Cf. Riolando AZZI, A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial. In:, Eduardo Hoornaert, História Geral da Igreja no Brasil, p 57). 40 Amauri CASTELAÑO, Presença da Igreja no Brasil, p. 39. 41 Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 143.
41
Desta forma, o padroado constituía uma base legal para o Estado ingerir-se
em assuntos que pertenciam à Igreja, como um ”aparelho” submisso ao Estado
que assume o mister da educação civil e religiosa do povo42. Aliada ao governo
português, a Igreja católica lançou-se à tarefa de colonização do Brasil com tanta
eficácia que se transformou numa das mais sólidas e rígidas instituições de poder
no país. Desta forma, a atividade missionária da Igreja no Brasil não está aliada
somente à descoberta e à colonização, mas também à instalação de uma
sociedade cristã, por meio da catequese dos índios e dos negros.
1.2 - As conseqüências da aliança. Os Jesuítas, a Catequese, o Índio e o Negro: primeiro cenário de mal-estar.
A catequese religiosa e a expansão ultramarina constituíram uma relação
circular, o que em seu conjunto se situava na confluência de interesses da Igreja
e do Estado. Tal vínculo não poderia deixar de acarretar um mal-estar profundo
nas áreas coloniais, cuja complexidade perdurou por séculos, sendo o regime de
padroado uma manifestação daquilo que, com o decorrer do tempo, se
configuraria em uma tendência a mesclar a religião e o poder. Do mesmo modo, a
atuação dos jesuítas representava uma expansão específica de conjugação de
objetivos que se tornava incômoda e cada vez mais desconfortável, tanto para a
Igreja quanto para o Estado.
A ascendência papal sobre Portugal e Espanha fez com que a expansão
ultramarina fosse acompanhada da catequese. Assim, no Brasil, com a chegada
dos responsáveis pela administração pública, chegaram também os jesuítas
responsáveis pela catequese e estes em estreita ligação com interesses comuns
da Igreja e do Estado. Nestas circunstâncias se desenvolve a catequese nos
moldes descritos por Bruneau:
A premissa chave do modelo de cristandade é a integração da Igreja e Estado. O Estado precisa ajudar a Igreja para que todas as pessoas, em todas as áreas, sejam influenciadas através de todas as estruturas.(...) Junto à espada ia a cruz e, de fato, a colônia foi originalmente
42 Laércio Dias de MOURA, A Educação Católica no Brasil: Passado, presente e futuro, p. 57.
42
chamada terra de “Vera Cruz”. Nesse período, a expansão dos poderes ibéricos tinha uma combinação de motivos econômicos, políticos e religiosos43.
Ou seja, o rei português assumia fortemente seu duplo papel de chefe
político e religioso. Assim, identificavam-se, na prática, a colonização e a
cristianização.
Bruneau confirma este dado quando afirma:
Os colonizadores partilhavam da mentalidade de seus reis. Todo o a-católico era considerado inimigo, infiel, aliado ao demônio, um perigo para a unidade religiosa44.
Com essa ideologia, os portugueses instalaram no Brasil uma
sociedade cristã. Para o padre José de Anchieta e todos os outros padres que
vinham evangelizar o novo mundo, os índios eram pagãos a serem convertidos.
O papa Paulo III havia promulgado, em 1537, a bula “Sublimis
Deus”, que considerava todas as raças iguais em face da Redenção. No entanto,
os evangelizadores acreditavam não haver salvação fora da Igreja, e até
imaginavam antes de vir para a América, que qualquer pessoa só poderia ser
católica se vivesse de acordo com a civilização européia.
As conseqüências da aliança na catequese do índio se
verificam nos aspectos histórico, narrativo e cultural da construção do
relacionamento dos missionários com os indígenas.
Nos textos de Brito, evidencia-se que missionários e
indígenas, de acordo com seus horizontes culturais, disputam o poder simbólico,
levando em conta a alteridade, ou seja:
Missionários e indígenas no interior de seus horizontes simbólicos buscam compreender a alteridade religiosa. As santidades indígenas se apropriam de seus signos exteriores e da fala dos padres e os inacianos, da cultura nativa como linguagem. Disputa-se o poder simbólico45.
43 Thomas BRUNEAU. O catolicismo brasileiro em época de transição, Trad. Margarida Oliva, p. 30. 44 Ibid, p. 89. 45 Enio José da Costa BRITO, A identidade indígena: Estratégias políticas e culturais (século XVI e XVII), REVER – Revista de Estudos da religião. http://www.pucsp.br/rever/relatori/notago05.htm. Acesso 19 de Junho de 2007.
43
Essa abordagem de Brito indica o caminho de se construir o sentido do
outro, o indígena, reconhecendo-o como livre. Assim fazendo, também o
missionário abriria a possibilidade de ser reconhecido como diverso e livre,
porem, esta não foi à realidade inscrita na história.
Os antropólogos, hoje, julgam que o ideal seria ter deixado os índios com
sua própria maneira de viver46. Este pensamento contemporâneo se justifica
porque, se tivesse de fato acontecido à liberdade dos nativos, estes teriam
permanecido na sua cultura e nos seus ritos. Entretanto, é muito difícil
compreender como os jesuítas, no contexto histórico daquele período, poderiam
se abster totalmente de influenciar com sua atividade, na cultura e na religião
indígenas. Essa intromissão, ligada ao espírito da colonização, lançou o mal-estar
no evangelizador.
Retrocedendo no tempo e observando a atuação dos primeiros
missionários, não há como duvidar do esforço meritório despendido em seu
apostolado, do espírito pioneiro de busca de convivência, enfrentando obstáculos,
principalmente na maneira de ver e julgar o mundo recém descoberto. Sua
postura reflete a ambivalência da realidade conflitual em que atuavam e viviam.
A dualidade de procedimentos se dava pelo zelo de extirpar as idolatrias e
heresias, levando os jesuítas a pregar a palavra de Deus, evangelizando,
catequizando e impondo suas idéias aos povos indígenas, alterando, assim, as
sociedades com as quais entravam em contato.
Os jesuítas, como profundos humanistas, prezavam o estudo e o domínio
das letras, da palavra e da pregação. Para executarem a tarefa missionária, era
preciso saber convencer, para tanto, era necessário dominar a retórica. Para eles,
falar é convencer; convencer para converter. Seu lema de trabalho missionário:
Palavra e Fé.
Nelson Piletti e Claudino Piletti confirmam esse processo quando dizem:
A intenção principal dos jesuítas era converter os índios ao cristianismo e assegurar o domínio da Igreja Católica nas novas terras descobertas. O rei deu total apoio aos padres, pois sabia que a melhor maneira de dominar os índios seria destruir suas crenças e seus costumes, sua língua, sua
46 Sérgio Buarque de HOLANDA, História Geral da Civilização Brasileira: A Época Colonial, vol. 1 p.112.
44
religião, sua maneira de viver fazendo-os obedecer. Assim, os indígenas deixaram de obedecer as leis de sua tribo e de seguir as ordens de seus chefes; as tribos se desorganizavam os índios se desuniam. Com isso era mais fácil dominá-los e tomar suas terras.47
Glória Kok relata a mudança de perspectiva que se operou na imagem do
índio mediante a catequese jesuítica. Ela chama a atenção para o processo de
ruptura na vida coletiva que se deu pelas imposições cristãs da individualização.
Civilizar os índios era a principal meta da política dos aldeamentos48. A pedagogia
cristã convocou a uma trajetória solitária, seguindo os passos de Cristo. A cultura
cristã criou o espaço dos aldeamentos.
O tempo passou a ser marcado pelo ritmo das orações, dos ensinamentos
e do trabalho envolto em rígida disciplina. No terreiro onde tinha lugar o sacrifício
ritual, plantou-se uma cruz. Sua intenção principal era convencer os índios ao
cristianismo e assegurar o domínio da Igreja Católica nas novas terras
descobertas. A base da conversão ao cristianismo era a catequese realizada pelo
ensino mnemônico (fácil de memorização), totalmente submetida ao crivo dos
jesuítas que julgavam-na favorável ou desfavorável à conversão. A catequese
caminhava junto com a sujeição imposta pelos castigos: os índios escravizados
eram a prova dos frutos colhidos pelo cristianismo 49.
Depreende-se, assim, a necessidade de analisar a infiltração da doutrina
cristã entre os índios e, depois, entre os escravos.
1.2.1 - A invasão e a missão.
Quando os portugueses chegaram, o Brasil era habitado por milhões de
índios. Os europeus, ao se depararem com estes nativos, por pensarem estar
chegando às Índias, deram-lhes o nome de índios. Portanto, não era uma terra
sem dono. Era habitada e sua posse distribuída entre numerosos grupos de
nativos que a ocupavam. A idéia de posse e propriedade, quando referida aos
indígenas, não tem o mesmo sentido que tinha para os portugueses, e que tem
47 Nelson PILETTI e Claudino PILETTI, História e Vida: Brasil da Pré-História à Independencia, p. 108. 48Cf. Maria da Gloria KOK, Os vivos e mortos na América portuguesa: da antoprofagia à água do batismo, p. 120. 49 Cf. Ibid., p. 118-123.
45
ainda para nós, o de propriedade privada. O território brasileiro pertencia aos
índios.
Em 1548, ao assumir o cargo de governador, Tomé de Souza recebeu de
Dom João III um documento com diretrizes políticas, jurídicas e administrativas
para o funcionamento do Governo Geral do Brasil. Neste documento, o rei
afirmava que estaria povoando as terras do Brasil para converter os nativos à fé
cristã. Dizia também que os portugueses deveriam incentivar a catequese sem
oprimir ou desagradar os nativos.
O rei português assumia fortemente seu duplo papel de chefe político e
religioso com o apoio de Roma. Isso fez com que a cultura nativa fosse submetida
a uma profunda invasão50.
Naturalmente, essa forma de pensar levou o governo luso a aceitar o
cativeiro indígena no caso da guerra santa, se estes se recusassem à catequese,
cometessem latrocínio em terra ou em mar e se negassem a pagar tributos, a
defender o rei ou a trabalhar para ele. Os índios eram levados do sertão para o
litoral a fim de serem catequizados nas escolas e muitos eram agrupados em
aldeias onde recebiam instruções e educação religiosa. Assim fazendo, o
missionário perseguia o grande objetivo de estabelecer a religião cristã. Embora a
missão dos jesuítas fosse a catequese dos habitantes das novas terras, a obra
que realizaram foi muito extensa, assentando as bases de uma nova nação,
conforme entende Serafim Leite, citado por Laércio Dias de Moura:
A contribuição dos jesuítas à educação no Brasil por meio das instruções dos índios teve uma considerável expansão e assumiu novas expectativas com a iniciativa da fundação de aldeias. O Aldeamento dos índios obedeceu a um pensamento de catequese: facilitar a garantia, o bom êxito dela, tudo bem estabelecido para fixar caçadores e pescadores andarilhos.51
A relevância da obra missionária dos jesuítas no Brasil se deve a uma
conjugação providencial de favores, entre os quais avulta a visão de Portugal com
relação à terra descoberta. Aqui podemos observar que a religião foi uma
estratégia para delimitar o território conquistado.
50 Mary DEL PRIORE, Religião e religiosidade no Brasil colonial, p. 9 -11. 51 Laércio DIAS DE MOURA, A educação católica no Brasil: presente passado e futuro, p. 34.
46
As igrejas recém-construídas, as ermidas e os oratórios levantados, bem
como as cruzes fincadas marcavam o território português e o domínio sobre
essas almas que tinham de ser conduzidas/levadas (ainda que à força) para
Deus. Nos deparamos, portanto, com a gênese do mal-estar da catequese, pois a
ação missionária dos jesuítas se desenvolvia em uma dualidade conflituosa:
servia aos interesses da política colonizadora do rei de Portugal e procurava
alimentar seus próprios ideais de evangelizadores. Queriam transformar os
“selvagens” em “civilizados”, “salvá-los”, fazendo com que conhecessem a
verdadeira fé52. É aí que se coloca o problema sociológico da relação entre
religião e invasão cultural do índio. Pedro A. de Oliveira observa que:
A conquista colonial portuguesa, mais do que um processo de apropriação de terras dos indíos para a instalação de colônias é, ao mesmo tempo, um processo de desestruturação das comunidades indígenas.53
Esse processo de invasão e de submissão do indígena ao domínio colonial
marcou fortemente a vida dos nativos. Consideramos importante apontar como a
política colonial, secundada pelo trabalho catequético, aprisiona o universo
cultural do índio e do negro nas balizas do mundo europeu católico.
1.2.2 - A cultura nativa nos parâmetros eurocêntricos.
Nessa realidade dicotômica, a saber, colonizar e evangelizar, não havia
preocupação em entender o contexto cultural do nativo, nos termos definidos de
sua vida tribal. Ao contrário, a missão julgava a cultura nativa segundo
parâmetros eurocêntricos54.
O relato de Manoel da Nóbrega, aqui resumido, é suficiente para
demonstrar que, na época da chegada dos colonizadores, os índios tupi-guaranis
já haviam desenvolvido uma forma complexa de cultura. Eles haviam construído
uma cosmologia, uma explicação de seu mundo e de seu destino:
52 Laima MESGRAVIS e Carla Bassanezi PINSKY, O Brasil que os europeus encontraram, p. 66. 53 Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 30. 54 Na visão de Pedro DEMO, Éticas multiculturais sobre convivências humanas possíveis. A cultura eurocêntrica tem dificuldade notória de se conceber apenas diversa. Tem-se superior, tendo encontrado na ciência modernista um baluarte notável com suas compreensões universalistas. p. 23.
47
A Terra sem Mal era também morada de Nandeverusu, criador do mundo. Seus costumes se baseavam numa tradição riquíssima, cuja coerência e continuidade eram sustentadas por rituais religiosos e culturais solidamente estruturados.55
Ao evangelizador engajado no projeto colonizador, condicionado por uma
tradição cultural etnocêntrica, messiânica, faltou uma dimensão antropológica na
sua maneira de ver o evangelizado.
Nos discursos de Nóbrega fica evidente que a matriz da educação básica
da população no Brasil foi essencialmente ideológica – religiosa, transmitida pelas
congregações ou ordens masculinas, que vieram atender às necessidades
espirituais dos colonos e efetuar a catequização dos indígenas.
Embora várias ordens religiosas tenham contribuído com a evangelização
no Brasil colonial, far-se-á um recorte que leva em conta apenas a ação
missionária dos jesuítas, cuja presença foi preponderante na ação religiosa no
Brasil, pois, como missionários “oficiais” da Coroa, exerceram um papel
representativo na formação do sistema educacional da nossa história.
Os jesuítas, com seu espírito pioneiro de busca de convivência com os
índios e com o esforço despendido no seu apostolado, com sua maneira de
pensar e ver o mundo e os métodos preconizados no processo de evangelização
refletem, em sua ação missionária, a ambivalência da realidade conflitual em que
viveram.
A ação jesuítica pode ser considerada de grande importância para a
história dos indígenas no Brasil, por ter provocado uma série de deslocamentos,
não só do ponto de vista religioso, mas também no confronto entre culturas
diferentes. E, ainda, por interrogar sobre a identidade do outro e de si mesmo,
embora essa indagação seja feita numa perspectiva etnocêntrica.
Todavia, não podemos perder de vista que o contato entre culturas
radicalmente distintas sempre foi algo difícil e, em geral, ao longo da história, o
“diferente’’ torna-se sinônimo de “inimigo” que deve ser destruído ou colonizado.
Esta mentalidade influenciou a ação catequética, porque embora fazendo
concessões aos elementos da cultura aborígine, estrategicamente o movimento 55 Manoel da NOBREGA, S. J. Diálogo sobre a Conversão do Gentio. In: Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. Preliminares, anotações históricas, criticas de Serafim Leite, S. J, vol. II, p. 325.
48
evangelizador não foi em direção ao outro, para o outro, mas contra o outro. A
pesquisa das relações entre os protagonistas da catequese e o nativo permite
desencadear um incipiente processo de busca da gênese do primeiro cenário de
mal-estar.
1.2.3 - A violação da cultura indígena.
A violação da cultura indígena no período colonial, ou seja, no início da
colonização do Brasil, pode ser referência e matriz fundante que serve para
entender, em parte, a complexidade do ensino religioso na atualidade.
A questão do processo religioso referente aos índios do Brasil, nas áreas
de colonização, nos primeiros tempos, (a catequese56 a cargo dos jesuítas57)
constituiu um atentado e uma violação da cultura, um real crime de genocídio
cultural.
Com o governador geral chegaram os padres jesuítas, encarregados de
atender os portugueses que aqui se encontravam e da conversão dos índios ao
catolicismo. Este fato não só marca o início da educação no Brasil, mas inaugura
a mais longa e a mais importante fase do país, dada suas conseqüências e
resultados para nossa cultura e civilização.
Oliveira lança um olhar para o início do processo de submissão dos
indígenas e comenta que “submeter os indígenas ao domínio colonial é a primeira
condição para a colonização efetiva do Brasil”58. Nesse processo, o papel da
religião é chave. A catequese não significou apenas um caso de autoridade
56 O termo catequese, neste contexto, estará vinculado, (na narrativa do missionário) à necessidade da imposição da ordem, de discutir o medo com relação ao índio: “catequese no Brasil é Evangelho mas também energia para se lidar com feras [...] os tigres pelo medo que se tem em respeito”. Frei Jacinto de PALAZZOLO, Nas selvas dos vales do Mucuri e do Rio Doce, p. 36. 57 Outros missionários, de diversas congregações e também os padres diocesanos, realizaram importante trabalho junto aos indígenas. Os franciscanos, que constituem a maioria entre 1500 a l549, chegam à nova terra em 22 de abril de 1500. Entre eles está Frei Henrique de Coimbra – OFM- responsável pela celebração da 1ª missa com a presença de nativos em terras brasileiras no dia 26 de abril de 1500. Este ato é significativo por vários motivos, entre eles a curiosidade dos índios perante o desconhecido ritual (religioso) e por ser a marca inicial de “dois mundos”, ainda que, por força do poder, a cultura do agente cristão tenha-se afigurado com o traço hegemônico em meio aos grandes desafios da conquista e da submissão que se deu especialmente com a ação jesuítica Cf. Frei Jacinto de PALAZZOLO, Nas selvas dos vales do Mucuri e do Rio Doce, 39. 58 Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 32.
49
religiosa59 sobre o colonizado, mas traduziu uma questão bem mais complexa de
exercício do poder ideológico dos colonizadores na vida dos povos conquistados
ou seja, fez parte do programa político da empresa colonial.
Os jesuítas60 que chegaram ao Brasil eram produto de seu tempo e de sua
posição na sociedade em que viviam, o orbs christianus, fundamentado na visão
cristã medieval do mundo, cujo princípio era a verdade absoluta, identificada na
figura de um Deus único e representada, na Terra, pela Igreja Católica. No desejo
de legitimar sua fé cristã e de combater os costumes incompatíveis com a fé
católica, os jesuítas objetivavam impor a cultura portuguesa61 e fixar os nativos
em aldeias onde viveriam numa sociedade estável. Dessa forma, por intermédio
da Catequese, seriam libertados do canibalismo, das superstições e seriam
instruídos na fé e nos ideais cristãos. Perseguiam este projeto porque sua visão
de mundo não lhes permitia enxergar outras verdades nem conviver com elas, o
que, conseqüentemente, levava-os à intolerância com o universo indígena.
Portanto, o contato entre a cultura européia e a indígena resultou na opressão
desta mesma cultura.
O índio, e depois o negro, constituíram os subalternos do bloco histórico.
Na análise gramsciana, o subalterno é definido como um segmento social
subjugado e submisso à hegemonia62 das classes dominantes, mesmo quando se
rebelam. Qualquer vestígio de iniciativa autônoma do subalterno é de inegável
valor63
59 Sabe-se que o papel chave da religião é várias vezes enfatizado por Gramsci nos Quaderni. Diz ele: “Uma ideologia nascida em um país desenvolvido difundem-se em um país menos desenvolvido, incidindo no jogo local das combinações [de forças]. A religião sempre foi uma fonte destas combinações ideológico - políticas nacionais e internacionais e, com a religião, as outras formações internacionais, entre elas os intelectuais em geral, cuja função principal, em escala internacional, foi de medir os extremos, de encontrar compromissos intermediários entre as forças externas” GRAMSCI; Quaderni del carcere. Vol, I p. 458, (tradução nossa). 60 Os jesuítas sempre foram considerados por Gramsci como expoentes da intelectualidade da Igreja Católica 61 Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 29-33. 62 Para Gramsci, a hegemonia se constrói a partir da sociedade civil e de suas diversas instituições e do Estado. Assim, a hegemonia sempre terá um certo grau de instabilidade, pois pressupõe a existência de forças contrárias, que de algum modo resistem a esta hegemonia, podendo propor projetos alternativos. Por outro lado, a hegemonia é especialmente tensionada, instável e precária em formações sociais com grandes contradições sociais como a brasileira.Arquivo-Gramsci e o Brasil.http:/ www.artnet.com.br/gramsci/arquiv.htm. Acesso 30/02/08 63 Antonio GRAMSCI, Quaderni del carcere, Vol. I, 1975, p. 300.
50
Analisando as formas de sujeição utilizadas pelo branco, Florestan
Fernandes argumenta que estas contribuíram para destruir as bases de
autonomia das sociedades tribais e reduzir as povoações nativas à dominação do
branco64.
Convém salientar que a tentativa de imposição de novos valores rumo à
transformação não implicou em uma submissão total ao colonizador. A cultura é
expressão humana relativa e está sempre relacionada com uma realidade
específica de cada povo. Oliveira constata que,
Dentro dos parâmetros culturais do colonizador desatento, os mundos dos indígenas são difusos, atrasados e demoníacos. O projeto colonizador é de reduzir o índio a fé cristã. Reduzir os bárbaros à fé é o trabalho próprio do missionário. O índio selvagem, aos olhos do colonizador, é reduzido à condição de civilizado, deixando de ser “índio bravo” para ser “índio manso”. Nesse ponto, o missionário e o colonizador têm o mesmo interesse. Porém, o missionário se opõe ao colonizador na medida em que se opõe à escravização do índio. Tal posição decorre não somente da doutrina católica mas também do interesse próprio do missionário, que é o de preservar o índio da opressão e dos maus costumes dos portugueses. O projeto colonizador, ao contrário, é de transformar o índio em força de trabalho escravo65.
O confronto entre padres jesuítas e colonos em relação aos índios não
muda a posição subalterna destes, porque os primeiros querem o índio como
sujeito a ser doutrinado, os segundos, os querem como escravos.
Esta postura era uma forma de aprisionar o universo indígena nos
contornos do mundo católico. Os rituais indígenas provocaram medo, e esse
medo e horror aos espíritos malignos indicam que padres e colonos não
entendiam o contexto cultural dos nativos, nos termos definidos pela própria tribo.
Ao contrário, tratava-se de julgá-los pelos valores cristãos, isto é, julgavam a
cultura nativa segundo os parâmetros eurocêntricos.
A mentalidade de conquista e da cristandade colonial, assim
compreendida, fez com que os rituais específicos dos nativos não fossem
64 Florestan FERNANDES, Antecedentes indígenas: Organização social das Tribos Tupis. In: Sergio Buarque de HOLLANDA (org), História Geral da Civilização Brasileira, Vol. 1, p. 72. 65Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 37 - 38.
51
respeitados. A justificativa que legitimava a escravidão do índio, a saber, o
objetivo de convertê-los à fé, constituía, sem dúvida, uma violação da cultura
indígena e um cenário de mal–estar.
A postura etnocêntrica impediu uma compreensão do cerne cultural da
comunidade indígena, portanto, que a aculturação simbólica se fizesse livre, lisa e
horizontalmente sem desníveis e fraturas de sentido e valor. O índio era
considerado um ser inferiorizado.
Azzi observa:
Levados por uma interpretação simplista da realidade indígena como um agrupamento humano carente e imbuídos de um sentimento de comiseração por seu atraso cultural e pelas trevas do paganismo em que estavam envolvidos, os jesuítas se lançaram à grande missão de conquistar esses gentios ao redil de Cristo e de imprimir-lhes uma nova cultura.66
Isto vem confirmar que os gestos e os ritmos dos indígenas, que cantavam
e dançavam, já não significavam gestos próprios de fiéis cumprindo sua ação
coletiva e sacral, mas denotavam para o branco poderes violentos. Na medida em
que os missionários mergulham no conhecimento da vida indígena, e percebem a
ausência de rituais consagrados a Tupã ou a Sumé, decidem que devem buscar
em outro lócus simbólico o cerne da religiosidade tupi, isto é, no culto dos mortos,
no conjunto dos bons e maus espíritos67
Em inúmeras ocasiões, os evangelizadores, para atingir o cerne do
significado cultural de cada um dos protagonistas da história, usaram métodos
catequéticos para revelar uma tentativa de busca do “outro”. Todavia, sempre
oscilaram, na pedagogia, entre amor e temor.
Pedro A. Ribeiro de Oliveira considera que o impacto religioso causado
pelo encontro dos índios com os missionários jesuítas revela essa mescla de
amor e temor. Segundo o estudioso,
Num primeiro momento essa tarefa parece ser fácil, pois os índios se mostraram atentos à pregação e pareciam acolher docilmente a fé católica. Poucos anos depois tal otimismo acaba. Os missionários percebem que se os índios acolhem
66 Riolando AZZI, A instituição eclesiástica durante a Primeira Época Colonial, p. 211. 67 Alfredo BOSI, A dialética da Colonização, p. 69.
52
facilmente a fé católica, também facilmente a abandonam. Um missionário compara-os a areia das praias: escreve-se nela o que se quer, mas basta que suba a maré para que tudo se apague e se retorne ao estado anterior. O índio que se fazia passar no mito do bom selvagem, puro mas ignorante, passa a ser visto como bruto que só pela força das armas pode ser submetido à fé católica68.
Neste aspecto, a catequese se transformou em mediação para o opressor
impor sua cultura, que penetra nas massas e destrói as bases da cultura nativa,
impõe suas tradições e seus modos de vida, propaga o mito de sua superioridade
e legitima a dominação que exerce. Aliada ao colonizador, a evangelização nega
as qualidades dos nativos, desumaniza o colonizado, mutíla-o psicologicamente,
fazendo-o aceitar como naturais as condições de exploração.
Isso constitui uma violação do nativo em seu contexto cultural, sua
religiosidade, seus gestos, danças, maneira de lidar com o corpo, costumes,
valores, feminilidade, potencialidades como ser humano. A política colonial de
conversão ao cristianismo por meio da catequese criou um choque entre um
mundo europeizado e a alma do índio adulto, pois lhe era impossível aderir aos
preceitos religiosos, sem renunciar aos próprios princípios.
A história mostra que a reação do nativo foi tão marcante, que se tornou
uma ameaça perigosa para certas capitanias, como Espírito Santo e Maranhão.
Além da luta armada, os indígenas reagiram de outras maneiras, fugindo, se
alcoolizando, cometendo homicídios como forma de reação à violência
estabelecida pelo escravismo colonial. Todas essas formas de reação
dificultavam a organização da economia colonial, podendo, assim, comprometer
os interesses mercantilistas da metrópole, voltados para a acumulação de capital.
Além de todos esses obstáculos, o indígena é amplamente escravizado,
permanecendo como mão-de-obra básica na economia extrativista do Brasil,
mesmo após o término do período colonial.
Nesse processo “civilizatório” pela invasão dos costumes por práticas
sociais impostas, a espontaneidade indígena é sufocada. O importante para os
missionários é obter a “conversão“ dos povos indígenas. Considerados gentílicos,
68 Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 32.
53
incivilizados, pagãos, inimigos da fé, amorais, idólatras e até mesmo dominados
pelo demônio, eles precisavam ser instruídos na fé dos ideais cristãos.
Para ser cristão, o indígena devia, forçosamente, se transformar em
português. Gilberto Freire assim descreve o esvaziamento da cultura indígena:
Os cantos indígenas, de um grande sabor, substituíram-nos os jesuítas por outros, compostos por eles secos e mecânicos; cantos devotos sem falar de amor, apenas em Nossa Senhora e nos santos. Entre os caboclos ao alcance de sua catequese acabaram com as danças e os festivais. Procuraram destruir, ou pelo menos castrar, tudo o que fosse expressão viril de cultura artística ou religiosa em desacordo com a moral católica e com as convenções européias; separaram a arte da vida.69
Isso mostra que, ao transpor a cultura indígena para o mundo da
linguagem dos valores europeus, os jesuítas, condicionados por uma tradição
cultural etnocêntrica, conscientes da superioridade de sua cultura religiosa
integrada numa política de expansão ultramarina, criaram, no trabalho
catequético, uma cisão no conjunto das expressões simbólicas dos índios.
Colheram e retiveram das narrativas recorrentes só aquelas passagens míticas
nas quais apareciam entidades cósmicas (Tupã), ou heróis civilizadores (Sumé),
capazes de se identificarem, em algum aspecto, com as figuras bíblicas de um
Deus Criador ou de Jesus Salvador.
Como os tupis não prestavam culto organizado a deuses e heróis, foi
relativamente fácil substituir a cultura nativa com as “certezas do catolicismo”.
Não conseguindo integrar-se na civilização branca, o índio ficou desamparado,
sem o apoio cultural próprio. Essa forma de vetar a cultura nativa ocasionou uma
situação estranha para os indígenas. O catecúmeno era visto (e se via) como um
ser possuído por forças estranhas das quais o viria salvar um deus ex-machina
pregado pelo abarê, o padre, e distribuído pelos sacramentos com a ajuda de
entes sobrenaturais, como os anjos e as almas dos santos.70
Enfrentando os feiticeiros (pagés), os missionários, acusavam - nos de ter parte com satã. Nas informações sobre as crenças e ritos tupis, tanto missionários como
69 Gilberto FREYRE, Casa grande e senzala, p. 146. 70 Alfredo BOSI, Dialética da Colonização, p. 68
54
cronistas têm o mesmo discurso: negam a existência da religião entre os tupis; referem o medo aos trovões como manifestação de uma divindade, Tupã; narram casos de perseguição e morte dos índios por espíritos maus, Anhangá e Juripari, identificados com demônios; reportam a influência dos pagés e dos caraíbas.71
Nessa mesma corrente de pensamento se insere Brito, que amplia essa
análise e diz:
Portadores de um código religioso, que via no Demônio o principal inimigo da implantação do Reino de Deus na terra, os missionários acreditam estarem as almas indígenas subjugadas ao demônio, através dos seus intermediários, os xamãs, ou pajés ou caraíbas. Daí, a insistência, ao longo da evangelização, na afirmação da falsidade das obras dos feiticeiros (falsos profetas) e na verdade das obras dos padres (verdadeiros profetas).72
A reconstrução deste processo de encontro, que sabemos ter sido
opressor, assimétrico, violento e genocida, passa necessariamente pela
construção do sentido do outro. Isto leva a evidenciar que a alteridade constitui
um elemento indispensável no interior dos horizontes simbólicos, tanto para os
missionários quanto para os evangelizados.
No trabalho de destruição da cultura indígena e imposição da cultura
portuguesa, os missionários se opõem ferozmente aos pagés, guardiães das
tradições indígenas, qualificando-os como feiticeiros a serviço do demônio e
contra os quais devem lutar.
O olho do colonizador não perdoou, ou mal tolerou, a constituição do
diferente e a sua sobrevivência. A rigidez ortodoxa selada pelo Concílio de Trento
(1545-1563) abominava as danças e os cantos afro-brasileiros. Mais tarde, o
gosto acadêmico de molde francês desprezaria a maneira arcaico-popular, ainda
sobrevivente na arquitetura religiosa do século XIX. Sempre uma cultura (ou um
culto) vale-se de sua posição dominante para julgar a cultura ou o culto do outro.
A colonização retarda também a democratização73.
71 Alfredo BOSI, Dialética da Colonização, p. 69. 72 Enio José da Costa BRITO, A identidade indígena. Estratégias políticas e culturais (século XVI e XVII) http://www.pucsp.br/rever/relatori/notago05.htm, Acesso 16/10/2006. 73Cf. Alfredo BOSI, Dialética da Colonização, p. 61.
55
Apesar da violência da catequese e da colonização, o índio foi um
elemento importante para a formação da Colônia e mais tarde, também o negro.
Ambos foram a mão-de-obra considerada a principal base sobre a qual se
desenvolveu a sociedade colonial brasileira e contribuíram profundamente para a
nossa cultura. A evangelização do negro e suas conseqüências serão vistas mais
adiante.
1.2.4 - O mal-estar do evangelizador.
Os jesuítas permaneceram no Brasil como mentores da educação escolar
num período de 210 anos74. Estruturados como uma organização moderna para o
seu tempo, conquistaram efetivação na catequese e na educação no período
colonial. A eles cabia a tarefa de ensinar e catequizar, o que faziam com particular
zelo apostólico e também atendiam às necessidades temporais. Sua estratégia
católica representava uma autêntica teologia missionária. Conforme Brito, ao
sinalizar esta questão:
Nas missões no Brasil, os jesuítas elaboraram uma autêntica “teologia missionária”, seja no âmbito institucional como no teológico. Mostram-se ágeis na adaptação de normas, regras, e tolerantes com “violações“ que não ofendessem a Deus75.
Os jesuítas, verdadeiros estrategistas, se empenharam na organização dos
aldeamentos, ação educativa e missionária ao longo do processo colonizador. A
respeito deste aspecto da ação missionária, Priore relata que até 1580 os jesuítas
tiveram exclusividade na ação religiosa no Brasil, como missionários “oficiais da
Coroa”76”. Esta condição serviu para abrir caminhos e solidificar a colonização,
voltada para a criação de uma grande nação indígena cristã.
74 Os jesuítas exerceram essa função até 1759, quando foram expulsos de todas as colônias portuguesas por decisão de Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777. No momento da expulsão, os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, além de seminários menores e escolas de primeiras letras instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já implantado e consolidado como modelo educacional. Cf. Alfredo BOSI, Dialética da Colonização, passim. 75 Enio José da Costa BRITO. A identidade indígena: estratégias políticas e culturais (século XVI e XVII), http://www.pucsp.br/rever/notago05.htm. Acesso 20 de setembro de 2006. 76 Mary Del PRIORE. Religião e Religiosidade no Brasil Colonial, p. 10.
56
Os missionários viviam numa ambivalência: eram sujeitos da Igreja e
funcionários do Estado; colonizadores e evangelizadores, viviam divididos entre
os interesses religiosos e os interesses do poder. Esta condição provocava
desassossego no evangelizador.
Em matéria de educação escolar, souberam construir sua hegemonia e
conquistaram uma organização escolar eficiente com uma ampla rede
educacional. A prática pedagógica adotada remetia à escolástica medieval,
configurando-se como Pedagogia Tradicional que, na sua vertente religiosa,
tornava a educação sinônimo de catequese e evangelização. Gramsci considera o jesuitismo77, com seu culto pela organização de um
império absoluto espiritual, como a fase mais recente do cristianismo católico.78
Segundo Gramsci,
A Companhia de Jesus é a última grande ordem religiosa, de origem reacionária e autoritária, em carater repressivo e “diplomático”. Sinalizou, com o seu nascimento, o endurecimento do organismo católico. As várias ordens religiosas que surgiram depois têm um sentido “religioso” muito escasso e um grande sentido “disciplinar” sobre a massa dos fiéis. São ou se tornaram simplificações da Companhia de Jesus, instrumentos de “resistência” para conservar posições políticas conquistadas e não forças renovadoras de desenvolvimento. O catolicismo se tornou “jesuítico”79.
Continua Gramsci
Os jesuítas foram indubitavelmente os maiores artífices deste equilíbrio e, para conservá-lo, eles imprimiram na Igreja um movimento progressivo que tende a dar certas satisfações às exigências da ciência e da filosofia, mas com ritmo tão lento e metódico que as mudanças não são percebidas pela massa dos simples, embora elas apareçam “revolucionárias” e demagógicas aos “integralistas”. (Por “integralistas”, Gramsci se referia à ala mais conservadora da Igreja)80.
77 Gramsci em várias passagens dos Quaderni (Cf. por exemplo, VoI. II, p. 98) refere-se ao “jesuitismo” como um entrave à modernização e um baluarte na defesa do catolicismo tradicional. 78 Cf. Quaderni, Vol. III, p. 2233, (tradução nossa). 79 GRAMSCI, Quaderni, Vol. II, p.1384, (tradução nossa). 80 GRAMSCI, Quaderni, Vol. II, p. 1386, (tradução nossa).
57
Como atestam os documentos, esses religiosos enfrentaram, desde o
início, dificuldades de toda sorte e se depararam com uma gama significativa de
desafios que dizem respeito às condições culturais, físicas e sociais, aliadas às
exigências da nascente sociedade, a partir da contribuição do elemento
colonizador, o português (conquistador), o índio (dominado) e, pouco depois, o
negro, trazido compulsoriamente da África, na condição de escravo.
As dificuldades enfrentadas pelos jesuítas eram grandes: privações de
ordem material, resistência dos índios à conversão, a ação anticatequética dos
mestiços e colonos e as dificuldades do trabalho de aculturação lingüística.
Holanda argumenta que os padres não poupavam esforços para aprender, com a
maior rapidez, a língua do “gentio”81.
Entretanto, o conflito e a distância entre as duas culturas obrigam o
evangelizador a níveis de flexibilidade e tolerância, em relação aos costumes
indígenas, pouco compatíveis, ao que parece, com a ortodoxia católica. A nova
representação do sagrado, assim produzida, já não era nem a teologia cristã nem
a crença tupi, mas uma terceira esfera simbólica, uma espécie de mitologia
paralela que só a situação colonial tornara possível82.
Nesta perspectiva, Brito lembra que a tradução de conceitos teológico-
filosóficos para códigos culturais nativos comportava riscos, podendo
comprometer a ortodoxia da doutrina. A língua geral, criada pelos jesuítas, era
uma língua híbrida, colonial, útil para a comunicação, que utilizava palavras
indígenas e estrutura sintática latina. A conquista lingüística constituiu-se num
encontro de horizontes simbólicos83.
Para Anchieta, adentrar no imaginário do outro, transpondo palavras de
uma esfera simbólica para outra, acarretava sérias dificuldades e por vezes,
empecilhos, isto é, um conflito teológico no próprio evangelizador, que não
encontrava meios concretos para passar ao evangelizado as mensagens da
doutrina cristã. Para isso, inventam um imaginário estranho sincrético, nem só
católico, nem puramente tupi-guarani, quando forjam figuras míticas chamadas
81 Sergio Buarque de HOLANDA, História Geral da civilização Brasileira: A época colonial, V.1, p 58. 82 Alfredo BOSI, Dialética da colonização, p. 65. 83 Enio José da Costa BRITO, A identidade indígena: estratégias políticas e culturais (século XVI e XVII), REVER- Revista de Estudos da religião. http://www.pucsp.br/rever/notago05.htm. Acesso 20 de setembro de 2006.
58
karaibebé, nas quais o nativo identificava, talvez, os anunciadores da Terra sem
Mal, e os cristãos reconheciam os anjos mensageiros alados da Bíblia. Ou
Tupansy, mãe de Tupã, para expressar um atributo de Nossa Senhora.
Cabe ressaltar que o ingresso dos índios numa missão religiosa tinha,
evidentemente, significados diversos para eles e para os missionários: os índios
iam à busca do mal menor, procurando sobreviver da forma que lhes era possível,
recriando estratégias e culturas próprias na nova situação colonial; já para os
padres, a missão era o espaço da evangelização, no qual procuravam cumprir
seu ideal cristão, avançando e recuando, conforme as condições que se lhes
apresentavam84.
Anchieta, neste e outros casos extremos, prefere enxertar o vocábulo
português no novo tronco do idioma nativo. O mais comum é a busca de alguma
semelhança entre as duas línguas, com resultado de valor desigual. Essas
inovações muitas vezes criaram dissabores ao missionário, pois nem sempre os
jesuítas foram compreendidos e bem recebidos pela hierarquia.
A concepção simplista da realidade indígena, como um agrupamento
humano carente e atrasado culturalmente, envolvido em trevas do paganismo,
levava o evangelizador a um sentimento de comiseração diante desse “atraso
cultual” e a lançar-se à missão de conquistar estes gentios ao redil de Cristo,85
recorrendo até mesmo a uma ressignificação da cultura e da própria doutrina
cristã. Os dramas de consciência e os escrúpulos teológicos advindos dessa
postura, é possível imaginá-los. Alfredo Bosi ressalta a contradição que se criava
na catequese entre o zelo “civilizatório“ e a submissão cultural do indígena
afirmando que
Os jesuítas, conscientes de seu papel de civilizadores do mundo bárbaro, se puseram em campo, (...), procurando submeter os índios aos seus padrões culturais. Começaram a afastar as crianças de seu ambiente natural. Catequizadas, passavam a rejeitar não só os valores culturais tradicionais, mas também os próprios pais, substituindo-os pelos padres.86.
84 Sobre esse tema cf. os estudos de Maxime HAUBERT. Índios e jesuítas no tempo das missões. Séculos XVII e XVIII. Trad. Marina APPENZELLER, p. 47-110. 85 Cf. Riolando AZZI, A instituição Eclesiástica durante a Primeira Época Colonial: História da Igreja no Brasil, Coleção História Geral da Igreja na América Latina, tomo II. p. 210. 86 Alfredo BOSI, Dialética da colonização, p. 66.
59
Outro aspecto a considerar é que a cultura brasileira dominante era a
cultura que hegemonicamente determinava todas as relações sociais da
sociedade brasileira e que tinha seus valores atrelados à cultura ocidental branca,
portanto, cristã e capitalista.
Aplicando a visão gramsciana de hegemonia a essa realidade, podemos
dizer que a sociedade brasileira, embora pluriétnica, isto é, formada por diferentes
povos e, portanto, culturas, tem, historicamente - através da classe hegemônica,
que domina cultural, política e economicamente as demais culturas-, as mais
diversas formas de dominação e exclusão social.
Segundo Gramsci, por cultura dominante ou cultura hegemônica
compreende-se a cultura que reforça e mantém excluídos os dominados,
desconsiderando-os quando comprometem os interesses do dominador. Assim, a
integração dos projetos de colonização significou a marginalização da cultura
indígena e a submissão à cultura dominante87.
Na ação de ensinar e catequizar, pedagogia e religião se confundiam.
Dada essa confusão, verifica-se que o trabalho pedagógico permitia ver o “outro”
na sua dinâmica social, invadindo e desrespeitando a sua cultura, e contribuindo
para a sua destribalização.
É possível afirmar ter havido uma interação que poderá ser resumida numa
frase, que descreve o perfil assumido pelo evangelizador na colonização: “a
conquista transformou-se em missão, a missão em colonização”88.
A mescla de educação e catequese, invasão cultural e ação missionária,
Estado e Igreja evocam uma versão de ensino religioso, como contempla Saviani:
O ensino jesuíta, então implantado, já que contava com incentivo e subsídio da coroa portuguesa, constitui nossa versão de educação pública religiosa89.
Agravam o mal-estar as condições extremamente difíceis que circundavam
a vida do missionário na época do Brasil Colônia. Apesar da existência do
padroado e da ajuda que poderia ser esperada do rei, os jesuítas encontraram
dificuldades em manter as “primeiras escolas de ler e contar”. Os primeiros 87Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 177-201. 88Cf. Alfredo BOSI, Dialética da colonização, p. 69. 89 Dermeval SAVIANI, A Nova Lei da educação, p. 4.
60
colégios e aulas de ensinar e contar criados pelos jesuítas em várias localidades
do país, a começar pela cidade de Salvador, eram mantidos com sacrifício
mediante esmolas e donativos especiais e pela mão-de-obra nas construções,
que incluía esforço físico dos próprios religiosos, ajudados por índios e alguns
colonos mais prestativos.
As crises também se revelaram na fragilidade da saúde. Enfrentavam, no
cotidiano, doenças que grassavam pela Colônia. Não só deviam evitar as picadas
de insetos e cobras, mas também as febres, a malária, a opilação (falta de ferro
no organismo) e o purupuru (doença dermatológica). Bexigas, tabardilho (febre
eruptiva) câmara de sangue, tosse, fustigavam os evangelizadores90 .”O
impaludismo era a praga nacional mais mortífera, mas a varíola foi especialmente
violenta”91. Desnecessário lembrar que a anestesia não existia. O estudo da
medicina em Portugal era sofrível e a preferência então por feitiços e rezas pode
ser explicada pela falta de bons profissionais médicos.
As comunicações eram muito precárias. Não existiam caminhos e os
deslocamentos eram feitos ao longo do litoral em embarcações improvisadas.
Ocorre aqui mencionar o jesuíta Gabriel Malagrida92, perseguido até pelo bispo
pelo zelo dedicado aos índios. Fez de sua vida uma doação total. Viveu três anos
num cárcere frio e úmido. Foi condenado pela inquisição como herético
escandaloso. Ao lado dessa história de vida, se seguiram tantas outras com uma
extrema dedicação e desprendimento93.
Na visão gramsciana expressa nos Quaderni, os jesuítas foram “a última
grande ordem religiosa, porém repressiva e diplomática, que deu início ao
endurecimento do organismo eclesiástico”94. Na Colônia, a ação evangelizadora
que os jesuítas exerceram ao longo do período colonial é um fato histórico. Eles
implantaram novos padrões culturais, inteiramente distintos dos povos que
habitavam o Brasil naquele período. Portanto, colaboraram para a hegemonia
90 Cf. Laércio Dias de MOURA, Educação católica do Brasil, p. 40. 91 Cf. Laércio Dias de MOURA, Educação católica do Brasil, p.29. 92 Gabriel Malagrida nasceu na Itália em 1711. Entrou para o seminário com 11 anos. Foi a partir de uma apresentação teatral, que decidiu dedicar-se aos pobres. Sacerdote de grande reflexão teológica e filosófica, aos 31 anos veio se estabelecer no Maranhão, em São Luiz, onde permaneceu durante 30 anos, Laércio Dias de MOURA, Educação católica do Brasil, Ibid., p. 32. 93 Cf. Joseph S. J. ANCHIETA, Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre José de Anchieta (Notas: Antonio de Cantar Machado), p. 372. 94Cf. Quaderni, Vol. II, p. 1080, (tradução nossa).
61
cultural do poder colonial, visto que tornaram seus valores aceitos e incorporados
pelos habitantes que povoavam o país.
Os jesuítas forneceram um suporte ideológico religioso necessário para a
dominação política dos colonizadores, o que caracteriza um processo
eminentemente cultural, mas com claras vinculações políticas, embora, como já
vimos, isso lhes tinha custado dissabores e crises doutrinais e existenciais.
1.2.5 – O estigma e a ressurreição do índio.
Reportando-se às opressões cometidas no período colonial, Oscar
Figueiredo Lustosa diz:
Os colonialistas não se contentavam em impor sua lei ao subjugado, esvaziavam-lhe o cérebro de tudo que consideram inadequado para a situação de domínio ao povo oprimido, desfiguram-no aniquilando-o.95
Os europeus descreviam o nativo com os mais fantasiosos traços:
resistentes, saudáveis, inocentes, suaves amantes da paz, bestiais, arrogantes,
ferozes,etc.
O rei Manuel de Portugal escreveu a seu colega, monarca da Espanha:
“meu capitão alcançou uma terra (...) onde encontrou humanos como se
estivessem em sua primeira inocência, suaves e amantes da paz”96.
Todavia, a identidade indígena foi invadida. Seus costumes, suas práticas
sociais e, notadamente, sua maneira de vivenciar sua religião, seus rituais
culturais foram considerados impróprios para um civilizado.
O contato entre o colonizador e o índio mostra que todos os seus hábitos,
como beber, fumar, desejar ser nômade, dançar, enfeitar-se, guerrear, honrar os
ancestrais, reverenciar os deuses e a natureza, pintar o corpo, entre outros, foram
condenados em nome dos valores da civilização.
Do exposto, verifica-se que os colonizadores mostram os indígenas
brasileiros como carentes de qualidades mínimas e imbuídos de maldades que os
tornam uma raça inferior em relação ao europeu. Em seu estudo referente ao
95 Oscar Figueiredo LUSTOSA, A presença da Igreja no Brasil, p. 104. 96 Thomas E. SKIDMORE, Uma História do Brasil, p.31.
62
índio, Skidmore traça, nesse particular, uma clara alusão à negação da alteridade
por parte dos colonos em relação aos índios. Diz:
Os colonos que viviam realmente no Brasil tinham uma atitude menos fantasiosa e mais arrogante em relação aos índios, pois coexistiam, coabitavam e entravam em choque com eles. Sua arrogância é exemplificada pelas palavras de um cronista que escreveu em 1.570 sobre a língua de todos os índios litorâneos: “não acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei: e desta maneira vivem sem justiça e desordenadamente.97
O mesmo comportamento dos índios e dos europeus é avaliado
diferentemente: o português considerava-se cristão por direito e por nascimento; o
indígena era visto como pagão e infiel. Os costumes do primeiro eram civilizados
e cristãos; os dos nativos, selvagens e bestiais. Os nomes portugueses eram
cristãos, os nomes dos indígenas, pagãos. O estereótipo que se lançou à
sociedade tribal era de um estado caótico, carente de ordenação espiritual, moral
e social. Imaginando livrá-lo deste estado de caos e de carência, na sua atuação,
o que fizeram, na verdade, foi justamente colaborar para conduzir o índio à
situação de sua base cultural.
Desde o início, os colonizadores portugueses, com seus hábitos culturais,
começaram por “minar” a cultura nativa, impondo seus costumes. Viram os índios
como uma fonte indispensável de mão de obra. Entretanto, os povos indígenas
eram essencialmente caçadores e coletores. A respeito desse tipo de
ajustamento, Skidmore diz:
Os índios que habitavam o Brasil não formavam exército e não estavam inclinados a resistir e lutar. Tampouco formavam uma hierarquia social ao estilo dos nahuas ou incas que os portugueses pudessem assumir para impor o trabalho disciplinado.98
Sob o domínio do colonizador, o índio subjugado tinha sua cultura
constantemente violentada. Skidmore conclui em sua leitura, que
97 Thomas E. SKIDMORE, Uma História do Brasil, p. 32 98 Ibid., p. 30.
63
Doenças e tratamentos brutais tiveram pesados efeitos também sobre os povos indígenas, mas os que sobreviveram foram, com freqüência capturados com relativa facilidade e organizados em força de trabalho. Os índios que sobreviveram retiraram-se para a floresta tropical ou para o interior temperado, onde portugueses tinham dificuldades para perseguí-los. Espalhavam-se em mais de uma centena de grupos lingüísticos distintos, quase todos ininteligíveis um para o outro99.
Muito tardiamente, na Conferência Episcopal Latino-americana de Puebla,
a Igreja Católica reconheceu oficialmente o valor da religião indígena:
A mentalidade que os portugueses instalaram no Brasil foi de uma fé cristã. Todavia, antes mesmo de ter recebido, da cristandade européia, a fé cristã, os nativos reconheciam, ao seu modo, a presença de Deus criador na natureza, na vida e o cultuavam100.
Mas esse reconhecimento não se deu no trabalho dos missionários na
época da colônia. Por isso, para o indígena, a evangelização representou uma
opressão que lhe causou um triplo mal-estar: na cultura, na língua e na imposição
de um modo de vida diferente.
Os missionários chegaram ao Brasil preparados teologicamente mas não
preparados suficientemente para o reconhecimento da diversidade cultural não só
do índio. O negro também foi aprisionado no contexto da desigualdade e da
exclusão. É o que estudaremos no item 1.3.
Entretanto, na catequese do índio nem tudo se perdeu. Não se pode falar
em aniquilamento da sua cultura. O índio sobrevive em nossa cultura na língua,
na religiosidade popular e na arte em geral. Economicamente, por longos anos,
ele foi o esteio da produção no Brasil, mesmo com o advento da escravidão
negra.
Trabalhos recentes na área antropológica mostram o papel e a
sobrevivência do índio em nosso meio, fato esse relevante a ser considerado no
ensino religioso na atualidade.
99 Thomas E. SKIDMORE, Uma História do Brasil, p. 33. 100 CONFERÊNCIA EPISCOPAL LATINO AMERICANA, Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina. Conclusões da Conferência de Puebla, p. 105 – 106.
64
1.3 - A catequese do negro e os conflitos.
Muitos mitos foram criados em torno do processo escravista brasileiro, e
muitos preconceitos foram gerados a partir dos argumentos que tentavam
legitimar a escravidão. O mundo, regido por políticas de verdades e de
preconceitos, que manipulam as regras de um jogo de dominação. Portugal era
pleno de conceitos como ″sangue limpo″, ″pureza de sangue″ e ″raças
infectadas″.
Pedro A. de Oliveira, ao analisar o capital comercial e a grande lavoura,
chama a atenção ao fato da importância da mão de obra 101 dos negros
africanos102, cuja aptidão para o trabalho agrícola já era bem conhecida103, o que
resultou em forte presença de africanos no Brasil.
1.3.1 - Os conflitos na vida dos negros no Brasil.
Os negros africanos não chegaram ao Brasil de livre e espontânea
vontade, mas foram trazidos à força, vendidos, humilhados, coagidos. À
semelhança de prisioneiros num campo de concentração, eram severamente
punidos pelos seus deslizes. O mais freqüente dos crimes era a fuga: sozinhos ou
em grupos, fugiam para buscar sua liberdade refugiando-se nas matas,
constituindo, assim, os quilombos, sendo o mais célebre o de Palmares, no
Nordeste.
O negro, construído como um sujeito inferior, supostamente irracional e
selvagem, passa do processo de dominação ao processo de exterminação e
subjugação. Era preciso impor a visão européia civilizada de mundo às
populações submetidas ao poder colonial. 101 A escravidão negra no Brasil durou cerca de trezentos anos. Os negros e negras vindos da África, segundo as diversas teses sobre a escravidão no Brasil, foram trazidos com o objetivo de constituir a mão-de-obra do colonizador português, que não aceitava fazer o trabalho braçal em nome de uma nobreza muitas vezes auto-outorgada. 102 Antes mesmo do descobrimento do Brasil os portugueses já traficavam escravos da África. Não existe uma documentação precisa dessas diversas importações, a não ser vagas notícias de paradas de navios negreiros, nesse ou naquele porto do continente negro. A informação mais precisa vem de Azurara, em que o autor da Crônica do Descobrimento da Guiné faz um relato de como Antão Gonçalves, em 1441, capturou e trouxe para o Infante D. Henrique os primeiros escravos africanos, bem como a transação com Afonso Goterres, para aprisionar os negros do Rio do Ouro. http://www.maemartadeoba.com.br/ Acesso:17/11/07 103 Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 42.
65
Aos negros escravizados negou-se o direito à vida. Havia o uso de
ameaças, de violência pelo senhor e/ou autoridades do Estado, e freqüentemente
valia-se da coerção, incluindo brutalidade, para mantê-los em subserviência.
A coerção é exercida pelos mais diversos meios desde os mais suaves aos
mais cruéis e violentos. Oliveira lembra que eram marcados com ferro em brasa;
eles deviam viver agrupados nas senzalas; obrigados a conviver com escravos de
grupos étnicos diferentes, que podiam ser vendidos à peça, sem consideração por
laço familiar. Os castigos corporais eram freqüentes, e não raro chegavam à pena
de morte e torturas104.
O estigma que a sociedade imprime ao negro é que ele é escravo do
branco e, por conseguinte, propriedade sua. De acordo com Pedro A. R. de
Oliveira, ao se reportar a essa forma de dominação,
O que define o escravo é o fato de ser ele propriedade de alguém. Esse atributo essencial do escravo o coloca em condição similar à de animal, pois sobre um e outro o dono pode dispor como bem entender.105
As relações entre senhor e escravo eram de proprietário e propriedade,
como se o escravo fosse animal ou coisa. Elemento essencial na exploração
mercantil e colonial, o escravo foi incluído no capital como coisa. Isso os levou a
construir uma cultura de enfrentamento, por meio da instauração de terreiros e
cultos para poderem manter viva a tradição africana.
Os senhores ordenavam punições públicas para aterrorizar a população
escrava, porém, a elite colonial brasileira estava sempre consciente da
possibilidade de morte ou violência nas mãos de seus próprios escravos. Se
aprofundarmos essas proposições, percebemos que o que está em jogo é a
alteridade. A catequese desqualificou a diversidade religiosa como desvio e
pactuou com a escravidão.
A aversão ao pluralismo religioso nunca foi totalmente superada, assim
como ao sincretismo. Na sociedade atual ainda persiste o racismo, ora explícito,
ora disfarçado, e uma nova forma de racismo, que exclui, faz desaparecer e torna
invisível uma realidade concreta. 104Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 82. 105 Ibid., p. 42.
66
Quando os negros reagem a seu modo, como o caso do caboclo-pardo106,
do Contestado107, e por isso, acabam se tornando visíveis, reivindicando sua
participação no processo histórico, são perseguidos, mal entendidos, odiados,
desqualificados na sua cultura e na sua fé.
Os negros e negras vindos da África, segundo as diversas teses sobre a
escravidão no Brasil, foram trazidos com o objetivo de construir a mão-de-obra do
colonizador português. Todavia, o tráfico negreiro era uma atividade altamente
lucrativa tanto para os traficantes, quanto para a coroa portuguesa. Não podemos
ignorar que estes desdobramentos relativos aos escravos acarretaram
conseqüências às crianças negras filhas de escravos desafricanizados.
1.3.2 - A catequese das crianças negras.
A catequese das crianças negras no Brasil Colonial foi um fenômeno
residual. Os colégios das primeiras letras ocupavam um espaço físico central nas
fazendas da Companhia de Jesus. Estas escolas eram importantes na realização
da catequese.
Glória Kok evidencia metas de trabalho dos missionários que consistiam
em procurar proveito das almas, na vida e doutrina cristã, pregar à fé pela
evangelização e ministério da palavra de Deus, pelos exercícios espirituais, e
normalmente ensinar aos meninos rudes as verdades do cristianismo108. Portanto,
em função da conversão ao cristianismo, os filhos das famílias dos escravos
também foram submetidos à escolarização. Eram crianças negras, filhas de
106Caboclo pardo: Habitante majoritário da Região do Contestado é conhecido como “caboclo pardo”, pelas suas raízes étnico-culturais luso-brasileira e mescla destas com a índia, a negra e seus descendentes. Tropeiro, peão, ervateiro, lavrador ou agregado, residente no território desde meados do Século XIX, que, à época da Guerra do Contestado, participou ativamente do conflito, enfrentando as forças militares estaduais do Exército Brasileiro e as forças civis por esses contratadas para combatê-lo. Seu território é toda a ampla área geográfica no tempo presente integrante das regiões do Sul e Sudoeste do Estado do Paraná, e do Norte e Oeste do Estado de Santa Catarina, que foi objeto da “Questão de Limites entre Paraná e Santa Catarina”, tendo por limites: ao Norte, os rios Negros e Iguaçu; ao Sul, os rios Canoas e Uruguai; a Leste, ora a Serra Geral, ora o Rio Canoinhas, o Rio Timbó, o Rio do Peixe ou o Rio Marombas; e a Oeste, a fronteira do Brasil com a Argentina. 107 “Contestado” termo polissêmico. Importante para compreender a complexidade do termo em seus significados temporal e espacial em visão histórica, geográfica e antropológica, veja-se Nilson, TOMÉ. Contestado: Significados & Conceitos. http://www.pg.cdr.unc.br/RevistaVirtual/NumeroUm/Artigo5.htm. Acesso 04 de julho de 2007.. 108Cf. Gloria KOK, Os vivos e os mortos na América portuguesa: da antropofagia à água do batismo, p.124-128.
67
escravos desafricanizados, que nasciam nas fazendas e propriedades da
Companhia de Jesus.
Todavia, as crianças negras sofriam dois tipos de violências: nasciam
marcadas pela maldição social da escravidão e estavam submetidas a um
processo brutal de aculturação gerada pela visão cristã de mundo.
Serafim Leite, referindo-se a esta realidade, observa que, “quando
começaram a preponderar os negros nas fazendas principais, como a da Santa
Cruz, ao pé do Rio de Janeiro, a escola de rudimentos e de catequese era para o
filho dos escravos”109.
A conseqüência mais nefasta desta metodologia de ensino-aprendizagem
foi o sadismo pedagógico perpretado contra os alunos que se manifestavam
principalmente através de castigos corporais.
Os filhos dos escravos desafricanizados sofreram o processo de conversão
ao cristianismo católico através da catequese e também sentiram na pele a
prática do sadismo pedagógico inerente ao projeto educacional desenvolvido
pelos jesuítas. Em outras palavras: as circunstâncias sociais dos negros eram
piores, pois as condições dos escravos eram mais severas que a dos índios. Não
tiveram, como aqueles, os ‘protetores’ jesuítas, e até o Império continuaram
simplesmente equiparados às ‘bestas’ das Ordenações Manuelinas110.
Isto nos leva perceber que em diversos domínios sociais havia violência
contra os negros escravos. Eles não eram apenas submetidos a proibições, mas,
sob o domínio do “colonizador”, sua cultura era desprezada e até condenada111.
1.3.3 - O código religioso.
Aos negros, a religião muitas vezes constituiu um meio de se conformarem
com a situação em que se encontravam. O escravo negro foi tratado com
indiferença pelo seu paganismo e submetido à escravatura total. Duzentos anos
depois, já no fim do mercantilismo, é que vieram as bulas para excluir
taxativamente o negro das relações de mercadoria, propondo-o destarte como
sujeito da catequese, ao reconhecer-lhe a existência da alma.
109 Cf. Serafim LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 144-145. 110 Cf. Caio PRADO JUNIOR, Evolução política do Brasil, p. 27. 111 Ibid., p. 106.
68
Desta forma, a oposição entre senhor e escravo não podia ser resolvida
pela intensificação da coerção e proliferação dos quilombos. Os senhores de
escravos tinham que ganhar o consentimento dos escravos para a condição
social de propriedade por meio do “paternalismo”, isto é, tinham que ajustar as
relações entre ambos por um relacionamento mais afetivo, de tipo familiar, sendo
o senhor uma espécie de pai ao qual o escravo era submetido como filho. Esse
reconhecimento se faz usando o código religioso:
Sendo o escravo um ser humano, e portanto dotado de alma, é preciso cuidar de sua salvação eterna. Os escravos deviam ser batizados, pois o batismo é a primeira condição para a salvação eterna. Sendo batizado o escravo tinha o direito de ser tratado como pessoa humana 112.
Uma vez batizado, o problema seguinte era fazer o escravo deixar a crença
negra, considerada inferior e demoníaca, e adotar a crença do colonizador,
branca, cristã, tida por superior e divina. Para isso, os jesuítas se valeram do
sincretismo religioso e da catequese músico-teatral (autos e congo), de forma
similar às práticas religiosas indígenas. Em seus estudos, Gilberto Freyre busca
analisar esta realidade e afirma:
As histórias do contato das raças chamadas superiores com as consideradas inferiores é sempre a mesma. Extermínio ou degradação porque o vencedor entende que pode impor ao povo submetido sua cultura moral inteira, maciça, sem transigência.113.
Os escravos, por imposição dos senhores, participavam a contra-gosto dos
cultos católicos, imposição gerando obediência. Todavia, tal obediência era
externa, sem crença. Na intimidade das senzalas, às ocultas, os escravos
extravasavam sua fé. E, ali, os rituais trazidos da África, antigo e singelo exercício
espiritual que perpetuavam as crenças da terra mãe eram praticados aliviando-
lhes a cruel realidade, a escravidão.
A preocupação e o cuidado de não revelar ao colonizador os segredos de
sua crença obrigavam o escravo a revestir sua fé com ritos e símbolos do
opressor. “Pouco a pouco, os ritos e os símbolos do catolicismo, os sacramentos, 112 Gilberto FREYRE, Casa grande e senzala, p. 84. 113Ibid., p.17.
69
o sinal da cruz, o uso da água, imagens, altares etc., foram sendo agregados
pelas roupagens africanas”114.
Aproximando o relato da vida do negro e do índio no Brasil e as influências
acarretadas pela catequese à problemática atual de exclusão, percebemos que
esta é um vício de raiz, é um resquício do domínio colonial, que subjugou o índio
e posteriormente o negro, marginalizando suas culturas.
Essa atitude de exclusão persistiu no período pós-colonial, que privilegiou
as verdades prontas e acabadas do Iluminismo, cujos discursos afirmavam a
hegemonia e a superioridade das elites e da sua cultura, inferiorizando a cultura
popular e suas manifestações religiosas, enaltecendo a liberdade de crença e de
culto, assim como a liberdade de consciência e de opinião115 A questão do
modernismo e suas relações com a religião e os jesuítas, segundo Gramsci, será
abordada no item 1.4.
Esse cenário histórico de exclusão nos convoca a detectar as causas dos
conflitos do ensino religioso que se desenrola na atualidade. Uma das
preocupações é a da consolidação de princípios democráticos e a reafirmação de
princípios éticos, valorização da diversidade humana, da pluralidade cultural,
sublinhada na abertura da Conferência de Santo Domingo. O Papa João Paulo II
procurou enfatizar a sua visão positiva da evangelização, ressaltou o papel da
Igreja na promoção humana e na proteção da cultura nativa. Enfatizou os
primeiros passos da evangelização. O Papa busca enaltecer a posição da Igreja e
afirma:
A Igreja Católica, movida pela fidelidade ao Espírito de Cristo, foi defensora infatigável dos índios, protetora dos valores que havia em suas culturas, promotora de humanidade diante dos abusos dos colonizadores, às vezes sem escrúpulos116.
Em 1967, o Papa Paulo VI em seu documento Africae Terrarum, lançava
um apelo oficial, valorizando a religião africana e colocando-a lado a lado com
114 Eurípedes KÜHL, O homem e a religião, http://www.panoramaespirita.com.br/modules/eNoticias/ Acesso em 19 de Junho de 2007. 115 Thomas E. SKIDMORE, Uma História do Brasil. p. 106. 116 JOÃO PAULO II, “Mensagem do Santo Padre aos Afro-americanos”. In: Documento de Conclusão da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Santo Domingo, Celam, p. 28
70
outras religiões universalmente conhecidas. Irônica ou intencionalmente, esse
documento não foi suficientemente divulgado e amadurecido pelas comunidades
cristãs, o que teria, sem dúvida, diminuído muitos dos preconceitos e
dogmatismos das igrejas locais117.
O mais importante é o fato de o Papa reconhecer a religião africana como
positiva e não mais como uma religião não-cristã. Essa mudança de ótica legitima
e estimula o reconhecimento da diferença como condição fundamental para um
diálogo inter-religioso.
Com base no pensamento de Gramsci, no caso da colonização brasileira,
não resta dúvida de que a Igreja atuou como instância ideológica e agiu na
formação das mentalidades. Era preciso dominar o negro e integrá-lo como força
produtiva da sociedade em formação, por intermédio de práticas políticas
disciplinares.
A Igreja exerceu, pela ação dos jesuítas, um papel importante no
desenvolvimento dessas práticas disciplinares, e assim contribuiu para
transformar o “nativo rebelde” em um “homo docilis”, produtivo para a empresa
colonial. Não podemos esquecer que as realidades sociais e culturais presentes
são parecidas com as das crises do período Colonial, que atravessaram o período
Republicano e chegaram à atualidade, embora com roupagens diferentes.
1.3.4 - Nem tudo se perdeu. A cultura afro-brasileira e a revanche do oprimido.
A contribuição africana na cultura brasileira é importantíssima. Conhecendo
os elementos que a compõem, respeitaremos a riqueza cultural do Brasil e as
diferentes formas de interagir com o meio. A riqueza da humanidade está
exatamente nas muitas formas de ver o mundo. Neste aspecto, respeitar a
diversidade inclui o respeito a si próprio.
O negro não apenas povoou o Brasil e deu-lhe prosperidade econômica
através do seu trabalho. Trouxe, também, as suas culturas que contribuíram para
o ethos próprio da cultura brasileira. Vindos de várias partes da África, os negros
escravos trouxeram as suas diversas matrizes culturais. Aqui sobreviveram e
117 Paulo BOTAS, Uma religião sem mistérios e a serviço do povo,. http://translenza.com.br. Acesso: 28/12/07.
71
serviram como patamares de resistência social ao regime que os oprimia e queria
transformá-los apenas em máquina de trabalho. Após a escravidão, os grupos
negros que se organizaram como específicos, na sociedade de capitalismo
dependente, também aproveitaram os valores culturais afro-brasileiros como
instrumentos de resistência.
Isto não quer dizer que se conservassem puros, pois sofreram e sofrem a
influência aculturadora (isto é, embranquecedora) do aparelho ideológico
dominante. Não se pode afirmar a idéia de uma cultura afro-brasileira única, pura.
O que existe é um processo dinâmico de construção. É uma luta ideológico-
cultural que se trava em todos os níveis, ainda diante dos nossos olhos.
Não existe identidade nacional sem as culturas africana e afro-brasileira.
Por extensão, não existiria arte brasileira sem as artes africana e afro-brasileira.
Ao olhar para os brasileiros, o rosto negro do país deve aparecer.
Os cultos afro-brasileiros são sistemas de crenças herdadas dos africanos,
trazidos como escravos para o Brasil a partir do século XVI. A maior parte desses
negros era proveniente da costa oeste da África, onde predominavam dois
grandes grupos: os Sudaneses e os Bantos.
O sincretismo é uma das marcas da cultura do Brasil. Uma cultura forjada
com contribuições das mais diversas etnias africanas, trazidas no período da
escravidão; das nações indígenas que habitavam este território antes da chegada
dos portugueses; dos demais europeus que migraram para este país; de
japoneses, chineses, árabes, uma cultura, enfim, que é síntese das contribuições
dos muitos povos que foram excluídos ou que escolheram este território para
viver. Estar atento a esta riqueza é fundamental para se entender o papel do
ensino religioso em nossos dias.
72
1.4 – O Bloco Histórico Republicano e as raízes do mal-estar do ensino religioso na atualidade.
A passagem do Bloco Histórico Imperial para o Republicano (laico, liberal,
a-religioso) provoca uma crise também na Igreja e no ensino religioso.
A história do ensino religioso é a história do pluralismo e da alteridade
negada e ao mesmo tempo conquistada, em parte, às custas de muito sacrifício e
luta desde o período colonial concebido como uma molécula e embrião de toda a
estrutura do ensino religioso na atualidade.
Parte-se, portanto, do princípio de que a realidade atual sofre implicações
dos acontecimentos do tempo histórico, permeados por interferências políticas
econômicas e sociais desse decurso. As idéias e pensamentos da cultura
medieval foram trazidas para a educação brasileira, fundamentada na ação
pedagógica dos jesuítas. Ela é uma espécie de chave de leitura para conhecer a
educação nacional e as implicâncias ao ensino religioso.
Ao arrolarmos a temática das relações entre catequese e ensino religioso,
tema de estudo histórico-antropológico, na tentativa de consolidar o incipiente
processo de compreensão do mal-estar do ensino religioso na atualidade, a volta
ao passado revelou sintomas de desassossego que se prolongam na atualidade,
como veremos nos capítulos seguintes.
Essa realidade demarca o mal-estar do ensino religioso, colocando na
mesma arena questões que persistem no interior das buscas e das saídas para
as suas crises. Desta forma, as questões de natureza ideológica, política e
mesmo teórica se mesclam nos acenos históricos que revelam as causas das
crises dessa disciplina na atualidade. Elas revelam a necessidade de adentrar no
período Republicano, pois é nele que se gesta um novo aspecto da crise que
persiste até hoje.
No Bloco Histórico Republicano, ao nosso ver, está a raiz mais próxima da
problemática do ensino religioso da atualidade. Daí desponta a necessidade de
detectar nas entranhas desse bloco, o contexto e as causas visíveis e invisíveis
geradoras do mal-estar que a pesquisa de campo vai desvendar em toda sua
amplidão.
73
1.4.1 Passagem do domínio senhorial para a burguesia agrária.
Ainda no Bloco Histórico Imperial dá-se a passagem do domínio senhorial
(senhores de engenhos) para a burguesia agrária. Esta mudança é provocada
pelas relações sociais de produção capitalistas, introduzidas na grande lavoura
cafeeira a partir de meados do século XIX. Essas novas relações estruturais
produzem mudanças profundas na estruturas econômica, social e política do
Brasil118.
O capitalismo agrário se introduz no Brasil como desfecho da condição
econômica e da formação social e senhorial gerada pela colonização portuguesa
para alimentar o comércio mundial. O sistema senhorial torna-se incapaz de
acompanhar a expansão do Brasil; o escravismo já não propiciava uma produção
de baixo custo e não acompanhava a demanda crescente do mercado mundial.
Esta situação obriga a recorrer a novas práticas econômicas e sociais que não
podem efetivar-se sem implicar no desaparecimento de outras práticas
econômicas e sociais tornadas ultrapassadas como o escravismo, a cultura de
subsistência de pequena lavoura entre outras .
A mudança política, através dos meios legais, implanta o conjunto social de
transformações econômicas e sociais operadas pelo capitalismo agrário, ou seja,a
classe social que dirige o processo de produção no centro dinâmico da economia.
A burguesia agrária torna-se a classe dominante e dirigente e toma o lugar até
então ocupado pela classe senhorial.
A burguesia detém a propriedade dos meios de produção e dirige o
processo produtivo da grande lavoura e, na indústria, faz surgir novas classes
dominadas: os assalariados rurais e os operários que participam do processo
produtivo como vendedores de força de trabalho.
Pedro A. R. de Oliveira mostra a distinção entre hegemonia e ideologia:
118 As mudanças mais visíveis são sem dúvida o crescimento da produção, a abolição da escravatura e a Proclamação da República. Tais mudanças representam a modernidade do País, isto é, a adoção de traços característicos de países mais adiantados. A introdução das relações capitalistas de produção na grande lavoura transforma o conjunto social em sua globalidade, em suas estruturas e seu funcionamento. No bojo dessas transformações está a romanização. Pedro A.Ribeiro de OLIVEIRA. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 169.
74
A hegemonia é a direção intelectual e moral do conjunto social, enquanto a ideologia é a justificação e explicação das relações sociais de produção.119
A religião não desempenha a função de ideologia do modo de produção
capitalista. Todavia, as representações religiosas podem ser úteis ao sistema
dominante, atribuindo, por exemplo, um caráter sagrado à propriedade privada, ou
afirmando que todo o poder emana de Deus e que as autoridades devem ser
respeitadas. Todavia, essa visão ideológica já é dispensável para o
funcionamento do aparelho estatal burguês, porque este, agora, está amparado
por ideologias seculares.
As representações religiosas exercem ainda uma função de apoio da
hegemonia burguesa, porque o clero continua tendo a direção da vontade da
grande massa, exercendo sobre ela uma direção intelectual e moral120.
Indo além da conhecida noção de ideologia de Marx, exposta na Ideologia
Alemã, Gramsci considera-a não apenas como uma visão invertida da realidade,
mas também lhe atribui um sentido mais alto de concepção de mundo que se
manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica e em todas
as manifestações da vida, individuais e coletivas121.
Devido a essa visão ampla da ideologia, nasce o problema de conservar,
em todo o bloco social, a unidade ideológica da classe122.
1.4.2 A cultura, a filosofia e a política.
A filosofia iluminista e positivista e o modernismo constituem os
fundamentos culturais e ideológicos da burguesia liberal no Bloco Histórico
Republicano123.
119 Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 319. 120 Ibid., p 319-320. 121 Quaderni, Vol. II, p. 1380. 122 Ibid., p. 1380. 123 A ideologia liberal-burguesa repousa fundamentalmente sobre a noção de progresso: progresso econômico decorrente do desenvolvimento das forças produtivas liberadas e impulsionadas pelo modo de produção capitalista; progresso político, decorrente da democracia burguesa; progresso social, decorrente do reconhecimento dos direitos civis e da igualdade de todos diante da lei; progresso cultural, decorrente do desenvolvimento das forças produtivas intelectuais, no campo da técnica e da ciência, liberando o homem das crenças sem fundamentação racional. O progresso é o penhor da ideologia liberal. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 318.
75
A partir de 1750, a Colônia é alvo de transformações administrativas,
implantadas pelo Marquês de Pombal, quando é estabelecido uma espécie de
estado totalitário influenciado pelo Iluminismo124.
Na segunda metade do século XVIII, intensifica-se a crise do sistema
colonial, diante de outros três acontecimentos: a revolução industrial, a revolução
americana e a revolução francesa; ao lado da revolução industrial, dá-se a
revolução intelectual. São fortalecidos os ideais de liberdade, inspirados pelo
iluminismo, dos quais decorrem as manifestações nativistas, libertárias e
abolicionistas em vários pontos do país.
A independência dos Estados Unidos, em 1776, fortalece os sentimentos
de liberdade em todo o continente americano. É nesse clima que, pela primeira
vez, se proclama em lei a garantia da liberdade religiosa através da declaração de
Virgínia, cuja divulgação acontece em plena Revolução Americana125. Esta
declaração constitui um elemento importante para a garantia do direito à liberdade
religiosa; por outro lado, a revolução francesa marca época pelo seu caráter
universal e conseqüências sócio-políticas que influenciaram todo o mundo
ocidental. Ela proclama a declaração dos direitos do homem que também
assegura o princípio de liberdade religiosa como direito do cidadão e estabelece a
igualdade civil126.
A educação religiosa e o ensino religioso são afetados por este novo
cenário que vai culminar com a separação entre Igreja e Estado, e o fim da
hegemonia educacional do catolicismo.
124 Colocando em destaque os valores da burguesia, o Iluminismo favoreceu ao aumento dessa camada social. Procurava uma explicação através da razão (ciência) para todas as coisas, rompendo com todas as formas de pensar até então consagradas pela tradição. Rejeitava a submissão cega à autoridade e a crença na visão medieval teocêntrica. O Iluminismo expressou o aumento da burguesia e de sua ideologia. Foi a culminância de um processo que começou no Renascimento, quando se usou a razão para se descobrir o mundo, e que ganhou aspecto essencialmente crítico no século XVIII, quando os homens passaram a usar a razão (ciência) para entenderem a si mesmos no contexto da sociedade. Tal espírito generalizou-se nos clubes, cafés e salões literários. A filosofia considerava a razão indispensável ao estudo de fenômenos naturais e sociais. Até a crença devia ser racionalizada. Os iluministas eram deístas, isto é, acreditavam que Deus está presente na natureza, portanto no próprio homem, que pode descobrí-lo através da razão. Para encontrar Deus, bastaria levar vida piedosa e virtuosa; a Igreja tornava-se dispensável. Os iluministas criticavam-na por sua intolerância, ambição política e inutilidade das ordens monásticas. http://www. mundoeducacao.com.br/historiageral/iluminismo. Acesso 09/01/08. 125 Cf. José J. A. de ARRUDA. A história moderna e contemporânea, 11ª edição, p. 151-152. 126 Ibid., p. 168-171.
76
1.4.3 O conflito entre a Igreja Católica e o Estado Imperial e seu desfecho no Bloco Histórico Republicano.
A igreja entra em choque com o Império contra o padroado e o regalismo
tendo como suporte a posição “ultramontana” da Igreja de Roma. Thomas
Bruneau, em sua análise do colonialismo brasileiro, fala dos vários fatores que
provocaram a crise entre Igreja e Estado no Bloco Histórico Imperial e
Republicano. Diz ele:
O que provocou o conflito foi a combinação de fatores lógicos que se catalisaram produzindo uma explosão. Os principais fatores foram: o desenvolvimento do ultramontanismo em Roma; suas reverberações entre alguns membros da hierarquia no Brasil; e as reações excessivas do governo imperial. Dessa combinação resultou a Questão Religiosa de 1874 e a separação final entre a Igreja e o Estado.127
Detalhes deste embate, cujo resultado é a separação Igreja e Estado,
serão trabalhados no capítulo terceiro
A separação entre Igreja e Estado foi recebida pelo episcopado brasileiro
de forma ambígua. Primeiro, houve uma reação violenta contra o Decreto de
Separação e a sua inserção na Constituição de 1891, como se pode ver na Carta
de Dom Macedo Costa, líder do episcopado brasileiro. Em seus comentários ao
Decreto de Separação ele afirma o seguinte: “não desejo a separação, não dou
um passo, não faço um aceno para que se decrete no nosso Brasil o divórcio
entre o Estado e a Igreja”128.
Na primeira carta pastoral após a separação, os Bispos reafirmam a
posição contrária, apoiados no princípio dogmático da Igreja Católica, única e
universal, cujo poder, recebido de Cristo, é superior a todos os outros poderes
que a ela devem ser submissos.
Por outro lado, na mesma carta, se regozijam pela libertação que lhes
trouxe o fim do padroado, que sacudiu o jugo que atrelava e submetia a Igreja ao
poder temporal.
127 Thomas BRUNEAU, O catolicismo brasileiro em época de transição, p. 57. 128 Cf. Pedro Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 269.
77
Ainda nesta mesma carta, oferecem colaboração ao Estado, desde que
este respeite os seus direitos129. Por isso, contraditoriamente, a Igreja quer voltar
ao cenário de influência e de privilégios que mantinha no Bloco Histórico Colonial
e Imperial, perdido com o advento da era Republicana. Depois de longo período
de reforma e fortalecimento interno, a Igreja volta a recuperar sua influência e
parte dos privilégios, através da hábil liderança de Dom Leme (durante o governo
de Vargas), que promulgou, em 1934, a segunda Constituição republicana. Nesta,
a Igreja Católica é contemplada com vários favores, entre eles a volta do ensino
religioso na escola pública. Mas, desde então, ele reaparece de maneira
ambígua: obrigatório para a instituição escolar e facultativo para o aluno.
A razão dessa ambigüidade será analisada no capítulo terceiro. Mas desde
já se percebe que as crises e o mal-estar acompanham o ensino religioso desde a
Colônia, passando para o Império, até a República e ainda rebatem nos dias
atuais.
Antes de encerrar este capítulo, recorremos a Gramsci, para explicar duas
coisas. Primeiro, porque a igreja católica, no Bloco Histórico Republicano, entra
em crise, mas consegue dar a volta por cima.
A explicação que ele dá está no espírito de luta e organização da Igreja.
Diz ele:
Esta luta não ocorreu sem graves inconvenientes para a própria Igreja, mas esses inconvenientes se conectam com o processo histórico que transforma toda a sociedade civil e que contém, em bloco, uma crítica corrosiva das religiões; esta luta faz ressaltar a capacidade organizativa na esfera da cultura do clero e a relação abstratamente racional que, no seu entorno, a Igreja soube estabelecer entre os “intelectuais” e os “simples”130.
A força das religiões e da Igreja Católica, de onde vem e o que mira? Eis a
resposta de Gramsci:
A força das religiões especialmente a Igreja Católica constitui e consiste em que elas sentem energicamente a necessidade de união doutrinal de toda a massa “religiosa”
129 Cf. Trechos dessa carta em Pedro Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 270. 130 Gramsci, Quaderni del-carcere, Vol. II, p. 1381,
78
e lutam para que os estratos intelectualmente superiores não se separem dos inferiores. A Igreja romana sempre foi a mais tenaz na luta para impedir que “oficialmente” se formem duas religiões a dos intelectuais” e a das “almas simples”131.
A segunda questão que requer uma explicação à luz de Gramsci é a
seguinte: porque o estado laico passa a admitir o ensino religioso no espaço
público da escola?
Gramsci vê com muita argúcia a raiz dessa contradição. Em um texto dos
Quaderni ele critica o filósofo italiano Benedetto Croce que, como ministro do
governo italiano, entra em contradição com seus princípios liberais e anti-
religiosos e introduz na escola de primeiro grau (ensino fundamental), “o ensino
de religião confessional”. E diz que isso acontece porque a ideologia liberal “não
consegue se transformar em um elemento pedagógico nas escolas elementares”.
Esta ideologia não tem capacidade de se expandir nas grandes massas, tem um
caráter restrito às elites132.
E continua fazendo uma crítica às filosofias imanentes (Positivismo,
idealismo, liberalismo, iluminismo, laicismo), por não ter capacidade de penetrar
nas massas populares. Diz ele:
Uma das maiores fraquezas das filosofias imanentes em geral consiste justamente em não terem sabido criar uma unidade ideológica entre os segmentos inferiores e superiores, entre os “simples” e os intelectuais. Na história da civilização ocidental, este fato verificou-se no âmbito europeu com o fracasso imediato do Renascimento e, em parte, também da reforma, em confronto com a Igreja romana. Esta fraqueza se manifesta na questão escolar porquanto as filosofias imanentistas nem sequer tentaram construir uma concepção que pudesse substituir a religião na educação infantil; daí surgiu o sofisma pseudo-historicista pelo qual os pedagogos a - religiosos (a - confessionais) e, na realidade, os ateus, fazem concessão ao ensino da religião, alegando que a religião é a filosofia da infância da humanidade, que se renova em toda infância não metafórica133.
131 Ibid., p.1380-1381, (tradução nossa). 132 Cf. Quaderni, Vol. II, p. 1231-1232, (tradução nossa). 133 Cf. Ibid., p. 1381, (tradução nossa).
79
No Bloco Histórico Republicano, após a laicização do Estado e a sua
desvinculação da Igreja Católica, teria desaparecido o legado da negação da
alteridade que caracterizou a catequese do período colonial?
As várias vicissitudes que marcaram o ensino religioso desde o início do
período Republicano até nossos dias, em que ele surge como uma disciplina
obrigatória na grade curricular do Ensino Fundamental Público, já teriam
produzido um ensino religioso satisfatório na atualidade ou as contradições que
marcaram esse ensino na Colônia, no Império e na República continuam coibindo
a caminhada em busca de uma concepção dessa disciplina que responda às
exigências da atualidade? Esta questão será objeto dos capítulos segundo e
terceiro.
80
CAPÍTULO II - O ENSINO RELIGIOSO NA ATUALIDADE: o desconforto e o mal- estar revelados nos dados da pesquisa.
O capítulo primeiro permitiu construir uma narrativa histórico-evolutiva
como esforço de buscar as raízes da problemática do ensino religioso na
atualidade, ou seja, a simbiose Estado e Igreja através do regime de padroado,
uma aliança que rendeu ao governo português uma série de concessões e
licenças, responsáveis por seu fortalecimento e pela moldagem da mentalidade
sob a qual se implantou a catequese no Brasil.
A catequese religiosa e a expansão ultramarina constituíram uma relação
circular que, em seu conjunto, se situava na confluência de interesses do Estado
e da Igreja, cuja complexidade perdurou por séculos, sendo o regime de padroado
uma manifestação daquilo que, no decorrer do tempo, se configuraria como elo
entre o laico e o religioso.
Este segundo capítulo apresenta a pesquisa de campo realizada com o
objetivo de localizar os pontos responsáveis pela crise generalizada que aflige o
ensino religioso na atualidade. Para essa localização do mal-estar no ensino
religioso, a pesquisa de campo foi convalidada em seis momentos, por meio de
quatro procedimentos metodológicos de investigação: entrevista semi-estruturada,
questionário fechado, questionário misto e o questionário aberto.
A pesquisa de campo foi realizada no período de dezembro 2004 a março
de 2006. O critério de escolha dos informantes deveu-se à vinculação mais
significativa que têm com o problema investigado: pais, diretores de escolas,
professores e alunos. Os informantes autorizaram o uso dos dados sob a
condição de permanecerem no anonimato. Por esta razão, criamos pseudônimos
para identificá-los.
Em todas as etapas da pesquisa, procuramos fazer emergir diretamente
dos procedimentos adotados às informações que nos permitissem localizar os
principais pontos em torno dos quais aparecem elementos indicadores do mal-
estar no ensino religioso. Neste sentido, entendemos que a entrevista apresentou-
se como a técnica mais adequada ao início de nossa pesquisa de campo e que
nos possibilitaria um olhar mais cuidadoso e vasculhador sobre nosso objeto de
estudo.
81
2.1 - A entrevista semi-estruturada134.
Ao iniciar a busca dos dados sobre o mal-estar do ensino religioso, a
entrevista se constituiu um canal eficaz para nos situar e dar continuidade ao
processo investigativo das informações relativas aos sintomas de mal-estar do
ensino religioso.
Partimos de um questionário previamente formulado com perguntas
abertas que permitiram detectar informações contidas na fala dos professores
entrevistados, os sujeitos da pesquisa que vivenciam a realidade que está sob
investigação. Sua forma de realização foi de natureza individual, com perguntas
numeradas de 1 a 11 (Anexo nº 01), para que os entrevistados pudessem
responder livremente sobre o tema proposto.
Para esclarecer os dados da entrevista referentes às crises do ensino
religioso, nos apoiamos em Gomes quando este fala sobre a interpretação dos
dados, entendendo que análise e interpretação estão contidas no mesmo
movimento: o de olhar atentamente para os dados da pesquisa135.
Essa dinâmica, que envolve a coleta de dados referente ao ensino religioso
no Brasil, captou relevantes pontos que permitiram compreender as tendências de
origem que permanecem no ensino religioso na atualidade. Os pontos de maior
incidência e ênfase foram colhidos de três entrevistados que apontaram o caráter
complexo do “conhecimento, adequação e efetividade da legislação”. Os profissionais entrevistados, todos engajados no ensino religioso,
reconheceram a importância de se trabalhar, em sala de aula, a perspectiva
pedagógica articulada a partir da nova LDB. Todavia, levantaram
questionamentos sobre as formas de se conceber a legislação em vigor, sobre
suas orientações, exigências, aplicabilidade, conquistas e perdas educacionais.
Até mesmo a ambigüidade da Lei foi questionada.
As entrevistas geraram reflexões vinculadas à temática do Art. 33 da Nova
LDB quanto à sua inadequação à prática escolar, pois estabelece uma postura 134 Segundo Otávio CRUZ NETO, torna-se possível trabalhar com as entrevistas abertas ou não-estruturadas, situação na qual o informante aborda livremente o tema proposto, bem como as estruturadas, que pressupõem perguntas, previamente formuladas. Há formas, no entanto, que articulam essas duas modalidades, caracterizando-se como entrevistas ‘semi-estruturadas’. 135 Remeu GOMES, A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: Maria Cecília de Souza MINAYO (org), Pesquisa social: teoria, método e criatividade, p. 68.
82
dual: obrigatória para a escola e facultativa para o aluno136. Essa realidade nos
leva a afirmar que a temática da Nova LDB impõe problemas ao ensino religioso,
que transcendem a realidade da escola. Talvez por isso, recorrentes opiniões
acompanharam a temática em questão e enfatizaram a necessidade de se
compreender a natureza e os objetivos da mesma, que se apresentam como uma
reflexão pouco aprofundada para a consecução dos objetivos propostos. Um dos
entrevistados concebe que:
O ensino religioso passa por transformações profundas. A Nova LDB em seus dispositivos contempla o ensino religioso em seu art. 33, todavia, não há interesse para um estudo e a comunidade escolar não conhece a lei. Suas orientações não foram discutidas, logo, suas exigências não foram colocadas em prática137.
A crise acima assinala a dificuldade de se adequar a lei à prática, pois,
mesmo sob regulamentação legal, no efetivo exercício as condições reais acabam
condicionando o professor da disciplina de ensino religioso a fazer ao contrário do
que a lei prevê e orienta. Por conseqüência, nos deparamos com a dificuldade de
se implantar o ensino religioso tal como ele precisa ser trabalhado. Seja pela
carência de professores especializados na área, seja pela falta de conhecimento
da lei, a escola acaba adequando a legislação conforme a própria capacidade de
resolver o problema, o que nem sempre é satisfatório, pois acaba prejudicando o
aluno e o próprio professor da disciplina de ensino religioso138.
Tal incoerência leva a afirmar que há outro ponto responsável pelo mal-
estar do ensino religioso, ou seja, a comunidade não conhece a lei139. Portanto, há
necessidade de estudar a lei em questão, pois suas orientações não foram
discutidas, logo, suas exigências não foram colocadas em prática.
O desconhecimento do que preconiza a lei brasileira para o ensino religioso
nas escolas, foi sublinhado pelos entrevistados com o seguinte alerta: nem todos
os professores conhecem bem a lei, em especial o artigo 33 da Nova LDB que
trata do ensino religioso140. Essa carência de conhecimento decorre da “falta de
136Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 04. 137 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 29. 138Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 29. 139Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 5. 140 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 29.
83
adequação das exigências da lei à prática do ensino religioso”. Tal problemática
foi observada por um dos entrevistados no seguinte comentário:
Suas orientações não foram interpretadas, logo suas exigências não foram colocadas em prática. O ensino religioso cria certa confusão no sentido de adotar duas posturas. A maneira como o ensino religioso é preconizado em lei quando diz que é obrigatório para a escola e facultativo para o aluno. É difícil adequar a lei à prática. No momento em que a lei afirma que o ensino religioso é obrigatório para a escola e facultativo para o aluno, compromete toda uma estrutura de trabalho.141
Na coleta de informações sobre o conflito entre a obrigatoriedade do ensino
religioso para a escola e seu caráter facultativo para o aluno, em suas
argumentações, os entrevistados julgaram a aplicação da lei na prática tão
confusa a ponto de não ajudar no bom desempenho da disciplina.
Os três entrevistados confirmaram o desassossego no ensino religioso, ao
opinar sobre a Nova LDB. Mani argumenta:
Na minha opinião o mal-estar do ensino religioso está justamente nessa lei que torna a interpretação difícil: como pode ser facultativa para o aluno e obrigatória para a escola? Ela influencia em toda a estrutura de trabalho do professor e no próprio andamento da escola. E acrescenta: As orientações contidas no art. 33 da Nova LDB no que diz respeito ao ensino religioso, a meu ver, são confusas e não ajudam ao bom desempenho na escola. Quando diz que o ensino religioso é obrigatório para a escola e facultativo para o aluno, está criando margem para sérios transtornos na vida escolar, para o professor e sobretudo para o aluno.142
Outro entrevistado revelou mais um ponto de desassossego no ensino
religioso quando se referiu às implicâncias da lei que interferem no conhecimento
da programação da disciplina por parte do aluno. Ele questiona e argumenta o
seguinte:
Como pode o aluno fazer escolha para participar ou não das aulas de ensino religioso se não conhece a programação? Como pode o professor de ensino religioso
141 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 02, p, 17. 142 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 02, p 24.
84
apresentar a programação bimestral ou anual, se nunca fez um curso e muito menos tem formação específica para esta área? A meu ver é urgente uma boa formação para o professor que administra esta disciplina tão importante para a vida da pessoa humana.143
As formas de conceber, interpretar e aplicar os dispositivos da lei que
regulamenta o ensino religioso, segundo a concepção dos entrevistados, pode
provocar resultados inesperados, com conseqüências negativas, quanto à
proliferação de pontos negativos. Eles entendem que a maneira como o ensino
religioso é contemplado na Nova LDB provoca uma cascata de pontos negativos
na vida do educando e na instituição escolar, em razão do modo pelo qual é
conduzida a disciplina, ou seja, obrigatória para a escola e facultativa para o
aluno144.
A questão da nomenclatura é outro sintoma de inquietação do ensino
religioso. Constatou-se na fala dos entrevistados que o nome “ensino religioso”
causa conflito. Sua interpretação parece estar longe do que preconiza a lei
“Ensino”- Como ensinar religião?145.
Este nome, segundo Igor Mani, passa uma visão de “ensinar religião” Isto
pode lembrar ensino de uma religião146. Os entrevistados se mostram, portanto,
incomodados em relação à nomenclatura porque sua interpretação pode conduzir
à escolha de temas e abordagens específicas de um determinado segmento
religioso, situação bem diversa do que se pretende com o ensino religioso na
escola.
É interessante considerar que essa nomenclatura vem acompanhando a
história do ensino religioso no Brasil, conforme cada um dos desdobramentos
específicos de cada período histórico.
Ao discorrer sobre a Lei que regulamenta o ensino religioso nas escolas,
houve ênfase negativa em relação à mesma. Todavia, ouvindo a argumentação
de outro entrevistado, encontramos aspectos também positivos. De acordo com
Karoline Mok,
143 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 03, p. 29. 144 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 6. 145 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 02, p. 18. 146 Ibid., p. 25.
85
O ensino religioso é indispensável para a formação humana. Ele faz o resgate de valores e é através desta disciplina que buscamos nossas raízes culturais. Eu percebo que estas questões, bem trabalhadas, levam a respeitar a diversidade religiosa nos alunos. Desta forma, os educandos só teriam a ganhar. O ensino religioso permite fazer o resgate da fé e da esperança no humano147.
É importante perceber, nos relatos, que as opiniões dos entrevistados se
repetem, possibilitando-nos, assim, uma melhor compreensão dos pontos de
estrangulamento, responsáveis pelas crises e dos pontos positivos que circundam
o ensino religioso. Karoline Mok entende que:
O ensino religioso é a disciplina que leva o educando a cultivar o respeito com os que praticam outras religiões, conhecer melhor a sua própria religião e também perceber pontos importantes que convergem nas religiões. Ao meu ver, os conteúdos do ensino religioso ajudam a promover a paz na sociedade, constróem esperança no educando, e lhe dá sentido e respeito à vida148.
Os resultados das entrevistas confirmaram nossa escolha por esta técnica
de pesquisa, pois através delas obtivemos informações relevantes sobre a
importância do ensino religioso nesse novo paradigma, que o prevê como
disciplina curricular das escolas de ensino fundamental. Em suas falas os
entrevistados afirmaram que:
O ensino religioso passa por transformações profundas. Não surpreendem, por isso, as dificuldades encontradas quando se procura estudar a legislação. Suas orientações não foram discutidas, logo suas exigências não foram colocadas em prática. Há necessidade de se esclarecer suas orientações, que permitem ao ensino religioso ser visto sob outro prisma. Através do ensino religioso buscamos nossas raízes culturais, que nos levam a perceber e a respeitar a pluralidade, própria da sociedade brasileira. Ele proporciona conhecimento do fenômeno religioso, zelar pelos valores, dar sentido à vida e conduzir tanto a vida pessoal como a vida da sociedade para valores perenes149.
147 Karoline MOK, Entrvista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 6. 148 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 30. 149 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº.2, p. 20.
86
Conforme os entrevistados, há uma inadequação da Lei em relação à
prática escolar150; bem como há necessidade também de se esclarecer o papel do
ensino religioso na escola como disciplina regular. Sobressai nos relatos um
alerta para o risco de se colocar o ensino religioso na grade curricular, preterindo
sua especialidade.
De acordo com Karoline Mok o mal-estar está em se transformar o ensino
religioso em uma matéria como outra qualquer, fria, calculista”151. Esta forma de
pensar tem influência na valorização do professor de ensino religioso como
profissional, o que pode interferir nas condições psicológicas e sociais em que se
exerce a docência.
Ao indagar sobre possíveis fatores que contribuem para detectar a auto-
imagem do profissional, aspecto que poderia configurar a presença de mal-estar
no ensino religioso, obtivemos o seguinte depoimento:
Sinto que não existe valorização do profissional do ensino religioso. Não há consideração pela disciplina. O ensino religioso não tem apoio, gerando uma insegurança e uma desvalorização do mesmo. O professor perde o estímulo quando percebe que apesar de sua boa vontade os alunos não apreciam as aulas de ensino religioso.152
Este ressentimento velado, abafado, que vai se produzindo no ambiente
escolar, provoca inquietação nos profissionais da área, quando professores de
outras áreas assumem a disciplina de ensino religioso, sem preparo específico
para o mesmo, comprometendo, neste caso, a imagem da referida disciplina. Esta
situação ficou evidente no discurso de Igor Mani:
Pessoas sem conhecimento da área aceitam assumir a disciplina, não por amor à causa, mas para aumentar a carga horária. Os conteúdos específicos de ensino religioso não são trabalhados. Isto desgasta a imagem do ensino religioso e faz supor proselitismo. Quando trabalhado por professores de outras disciplinas, que não têm o conhecimento dos conteúdos específicos em ciências da religião, é um repasse de conteúdos catequéticos. Isto prejudica os alunos e causa mal-estar aos próprios
150 Karoline MOK, Entrvista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 4. 151 Karoline MOK, Entrvista semi-estruturada, fichário nº, p.14. 152 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada; fichário nº.2, p. 21.
87
professores da área de ensino religioso. Impedem o professor da área de progredir profissionalmente.153
As entrevistas acenaram também para as dificuldades salariais enfrentadas
no exercício da profissão, e revelam uma crítica à interpretação dada por pessoas
despreparadas, que entendem a profissão do professor de ensino religioso como
“missão”, descaracterizando-o, assim, do caráter da relação de trabalho. Assim
desabafa um dos entrevistados: “A gente não consegue se sustentar
economicamente com uma carga horária tão baixa”154.
Sendo assim, podemos inferir que o reconhecimento da identidade do
profissional é mais amplo que o próprio trabalho, pois está intimamente associado
a outros espaços de legitimação de saberes e de competências nos sistemas de
ação.
Constatou-se nas entrevistas um segundo leque de mal-estares
perceptíveis no espaço escolar, quando os informantes questionaram a
dificuldade de implantar a disciplina de ensino religioso, conseqüente da escassez
de professores com formação específica em Ciências da Religião155.
Enfatizaram ainda os entrevistados que a disciplina exige muito
conhecimento religioso e uma cultura geral. Neste contexto, os saberes que a
Ciência da Religião veicula em nosso país, representam um dos frutos mais
recentes na árvore do conhecimento, ao oportunizar um novo olhar sobre as
religiões, o que requer um diálogo com diferentes saberes para que se possa
compreender o próprio universo.
Outro aspecto de mal-estar no ensino religioso, revelado pelos
entrevistados, também nos chamou a atenção. Os participantes da pesquisa se
ressentem do número reduzido de aulas de ensino religioso e, às vezes, as
passam para profissionais de outras áreas, como complemento da carga
horária156. São estes profissionais, pela própria inexperiência, os responsáveis
pelo ensino proselitista157.
Sobre este assunto, assim se expressa Ivoni Sá:
153 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº.2, p. 23. 154 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 32. 155 Questionário de perguntas abertas, passim. 156 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 23.. 157 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 13.
88
A gente não consegue se sustentar economicamente com uma carga horária tão baixa. Estes problemas geram insegurança. Esta é, decorrente também da falta de conhecimento que automaticamente gera a desvalorização, o pouco respeito como profissional e não conseguimos motivar o aluno158.
As observações dos entrevistados direcionaram-se também para a
carência de material com linguagem apropriada e conteúdo específico159,
destacam ausência de planos de trabalho político-pedagógicos160 e deixam claro
que, além das dificuldades salariais, há interferência política quanto à indicação
de coordenadores regionais e do Estado. A esse respeito, o que causa
desassossego é o fato de os coordenadores indicados não possuírem os
conhecimentos específicos da área161.
Foi possível perceber que a imagem formada pelo professor sobre sua
profissão está condicionada pela exigência de posturas requeridas pela
sociedade. Ela está, portanto, aquém do ideal da função do professor, requerido
pela comunidade escolar, pela família e por ele próprio. Isto remete a um nível de
tensão que ocasiona estresse elevado, comprometendo, assim, a eficiência do
docente e prejudicando sua eficácia no trabalho.
A profissão de trabalhar com o ensino religioso às vezes é confundida não como profissão, mas estado de vida. É lógico que daí surgem dificuldades que repercutem no salário em primeiro lugar. A carga horária reduzida, uma aula por série por semana, dificulta muito o aprendizado do aluno, traz conseqüências para o professor não só no aspecto econômico, mas também no aspecto pedagógico, bem como tem dificuldade de animar os alunos e avançar no ensino162.
O conhecimento e a necessidade de formação específica do professor de
ensino religioso estão contemplados na Nova LDB, e os próprios entrevistados
afirmam que a Nova Lei requer uma formação adequada para os professores.
Todavia, o docente se diz carente de melhor qualificação, ao afirmar que:
158 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 32. 159 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 14. 160 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p 34. 161 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 13. 162 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº.2, p. 26.
89
A Nova LDB cria necessidade de zelar pela formação do professor. Ensinar ou aprender religião é diferente de aprender o que é específico de uma confissão religiosa. Então, como o conhecimento, hoje, é muito informativo, objetivo, sinto necessidade de entender e trabalhar com um conhecimento mais amplo como requer o ensino religioso163
A a carência de material com linguagem apropriada e conteúdo específico
constituiu uma das principais fontes de preocupação do professor de ensino
religioso, visto que o tema foi constante, conforme se pode depreender das falas
dos entrevistados que afirmam:
É muito difícil exercer a profissão de professor de ensino religioso pela falta de formação que sinto. Se o professor não tem conhecimento dos conteúdos específicos, ele segue a formação de berço dentro dos conhecimentos de sua religião e vai prejudicar a formação dos alunos, uma vez que este profissional não possui a formação específica para trabalhar o ensino religioso. Confundem o ensino religioso com ensino de uma religião e, com isso, se limitam a trabalhar o que eles sabem.164
Os professores também revelaram os desafios encontrados no exercício da
profissão. Além das instâncias atingidas pelo dispositivo legal, que exigem uma
radical transformação na maneira de compreender e administrar a disciplina, eles
se defrontam ainda com dificuldades relativas ao conceitual epistemológico e com
os limites ideológicos de nossa cultura, profundamente influenciada pelo
Cristianismo, fator que muitas vezes impede uma visão pluralista da realidade
social, estabelecendo, assim, uma tendência de volta à catequese.
Nos relatos, um dos entrevistados discorreu sobre a formação do professor
de ensino religioso e expressou a seguinte opinião: Percebo que é muito importante a formação específica para o professor de ensino religioso. O professor que não tem formação específica em Ciências da Religião, se limita a transmitir e a trabalhar o que ele sabe. Daí porque trabalha catequese como ele recebeu. Este professor não tem o conhecimento do que realmente deve trabalhar, desta forma, ele não trabalha com ensino religioso, mas com catequese, voltada assim para uma confissão religiosa. Quando o professor de ensino religioso não tem o conhecimento dos conteúdos, o aluno não é motivado,
163 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 6. 164 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 36.
90
acaba não gostando das aulas. Mais do que qualquer outra disciplina, o ensino religioso exige muito conhecimento não só religioso, mas de cultura geral.165
Observa-se, nas manifestações dos professores, que as exigências da
nova LDB provocaram a necessidade de estudos e aperfeiçoamento na área,
oportunizando um novo olhar sobre a disciplina no contexto do atual pluralismo
religioso.
A falta de conhecimento da área traz insegurança. Isto vem confirmar que a LDB supõe um novo paradigma, provoca novo olhar ao ensino religioso. Ela evidencia que agora é indispensável contemplar as diferentes culturas, em sala de aula, onde a diversidade se faz presente e a pluralidade cultural muitas vezes tem sido ignorada, silenciada, ocorrendo manifestações discriminatórias entre os alunos e até entre os professores.166
As entrevistas apontaram para a importância do conhecimento dos
conteúdos do ensino religioso e afirmaram que a carência deste cria
“estereótipos” ao perfil do professor, quando há falta de valorização profissional.
O ensino religioso é uma disciplina que exige muito conhecimento. A falta de conhecimento da área traz uma insegurança, isto vem confirmar que a LDB supõe um novo paradigma, provoca novo olhar ao ensino religioso. Portanto o novo contexto de ensino religioso exige uma formação contínua. Nesse aperfeiçoamento continuum emerge minha segurança..167
Percebeu-se, na repetição das falas, que a transposição didática dos
conteúdos das Ciências da Religião para o ensino religioso constitui um desafio168.
Assim, as investigações revelaram impasses e dilemas vivenciados pelos
professores de ensino religioso, diante das formas plurais de uma cultura, às
quais esta disciplina não consegue se adequar, por manter, ainda, a herança e o
mito da homogeneidade.
165 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 7. 166 Ibid., p. 8. 167 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 01, p. 8. 168 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 37.
91
Alguns docentes são sensíveis aos enfrentamentos inerentes à mudança
que exige “um ouvido diferente e um olhar profundo”. No clima das incertezas que
permeiam nossos dias, um dos entrevistados afirmou:
Existe um mal-estar presente no ensino religioso. É uma crise ideológica de identidade que a modernidade nos legou onde não sabemos mais para que lado andar. Há uma mentalidade de salvação, mas também de destruição. Nesta incerteza do dia-a-dia, a vida agitada, o acúmulo de informações provoca angústia, acaba fazendo com que não se dê ouvidos nem olhos para ver o que o ensino religioso pode provocar no educando. O professor de ensino religioso necessita um ouvido diferente e atento, um olhar profundo, um sentimento muito humano para cultivar a própria religiosidade e contemplar a do outro. Com o ouvido atento e coração compassivo é evidente a necessidade de um método diferente para se trabalhar o ensino religioso.169
Os entrevistados ressaltaram a carência de material didático pedagógico
específico à área de ensino religioso, fator que compromete o alcance das metas
propostas para esta disciplina:
Há carência de material que contemple as diversas tradições religiosas com uma linguagem que responda às exigências do mundo atual. A inexistência de material pedagógico impede o educando de interagir nas diferentes realidades do meio em que vive. A existência do mesmo, além de auxiliar o aluno na sua aprendizagem, auxilia o professor na autoconfiança como educador. Se o professor não tem a formação específica, mas se tem material à disposição, pode haver certo equilíbrio no rendimento da aprendizagem que supre a falta de conhecimento específico da matéria.170
Conforme se pode depreender destas observações, faz-se urgente a
produção de material apropriado com linguagem acessível e que aborde
conteúdos capazes de auxiliar na elaboração do planejamento do ensino religioso
com objetivos claros. A entrevista revelou a dificuldade dos professores em
elaborar o planejamento de forma clara e com uma seqüência lógica que facilitem
a prática docente no cotidiano da sala de aula171. Este requisito, se cumprido, faz
com que o professor de ensino religioso encontre a satisfação de ensinar.
169 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 14. 170 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 20. 171 Ibid., p. 26.
92
Essa afirmação e a que segue convergem para a necessidade de
atualização constante de material didático.
Uma das dificuldades que encontro nas aulas é a falta de material didático. Não se encontra conteúdo de ensino religioso que venha ao encontro das necessidades desta pluralidade religiosa. Daí porque se cai nos conteúdos bem mais direcionados para uma determinada religião.172
Ao longo das entrevistas foi possível notar que o Plano político-pedagógico
se caracteriza como um dispositivo burocrático perante a administração escolar, e
que nem todos os professores participaram de sua elaboração: “Onde eu trabalho
existe um plano político-pedagógico, onde o ensino religioso é citado brevemente,
mas não aparece como parte complementar do projeto pedagógico”173.
Dessa afirmativa emergiu outra argumentação:
Não há participação efetiva dos professores na elaboração do plano político-pedagógico da escola e na elaboração dos conteúdos. O ensino religioso exige um conhecimento amplo e formação humana e religiosa174.
Na opinião a seguir, percebe-se um conjunto de argumentações
reveladoras de exigências para o bom desempenho no processo didático-
pedagógico, situação diretamente relacionada com a qualidade do material
didático:
Há carência de material com conteúdos de ensino religioso que venha ao encontro das necessidades desta pluralidade religiosa. Daí, porque, se cai nos conteúdos bem mais direcionados para uma determinada religião175.
Na medida em que o ensino religioso configura um processo não
concluído, compreender a lógica, as contradições e a dinâmica de implementação
das reformas significa adentrar num caminho sinuoso. A respeito desta questão,
os entrevistados revelaram também o impasse quanto às interferências políticas
172 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 32 173 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº.2, p. 22. 174 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 33. 175 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 32.
93
que atrapalham, e até impossibilitam trilhar esse percurso de busca por reformas
que oportunizem a afirmação do ensino religioso como disciplina necessária à
formação do educando:
Existem situações em que a interferência política aparece visível também no ensino religioso quanto à indicação de coordenações, na maioria das vezes pessoas despreparadas, tanto nos conteúdos como na falta de conhecimento da lei e, o que é mais prejudicial ainda, quando apelam pela própria formação religiosa, num sentido mais fundamentalista e até proselitista176.
Mediante as colocações dos entrevistados, somos levados a deduzir que
não é fácil traçar uma diretiva para o ensino religioso, que seja capaz de superar
o proselitismo, conforme requer a laicidade do Estado brasileiro. Essa visão está
expressa no pensamento de Karoline Mok:
Na história sabemos da experiência de Deus feita de diferentes maneiras por diferentes pessoas como é o caso de Catarina de Sena, São Francisco, Santo Antônio e outros. Todos com a mesma experiência do transcendente, mas cada um dentro de sua especificidade, levaram a uma única transcendência. Copos diferentes, mas a água era a mesma. Então, quem pode ensinar religião são aquelas que têm o desejo de contacto com o Transcendente, e não conhecimento meramente racional177,
Essa visão é indicativa da existência de um paradigma relativamente
recente, porém ainda carente de dinamização no espaço escolar, no qual aflora o
papel da escola como agente formador. No campo da política educacional, as
propostas e ideologias, por parte da escola, têm um peso significativo e por vezes
estranho, conforme se pode observar também na fala de Karoline Mok.
Há instituições de ensino que não dominam o conhecimento dos conteúdos e da exigência da Lei e acabam favorecendo um proselitismo, isto é, acabam exigindo conteúdos de sua própria tradição religiosa. Faz do ensino religioso uma doutrinação178.
176 Ibid., nº 3, p. 34. 177 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p, 12. 178 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 35
94
Tal depoimento evidenciou que, embora ocorram algumas discussões
teóricas sobre as formas de se conhecer a perspectiva pedagógica, articulada a
partir da nova LDB que orienta o ensino religioso, essa prática é bastante
acanhada. Vale ressaltar que, em suas falas, mais de uma vez os entrevistados
acenaram para a necessidade de profissionalização: “Quando trabalhado por
professores de outras disciplinas, que não têm o conhecimento dos conteúdos
específicos em Ciências da Religião, é um repasse de conteúdos catequéticos”179.
Ficou claro nas entrelinhas que há dificuldade para se modificar a estrutura
do modelo normativo, já cristalizado. Conclui-se então, segundo os entrevistados
que a disciplina de ensino religioso não se solidificou no espaço escolar180.
179 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p, 11. 180 Ibid., passim
95
2.2 - Questionário Fechado: Descrição dos dados, os números e os gráficos.
2.2.1 - Questionário: Pais de alunos do ensino fundamental.
1. Em sua opinião quanto à eficácia do ensino religioso que seu filho recebe na escola:
Sim % Não %
a) Oferece pistas para enfrentar os problemas da vida?
9 39 14 61
b) Leva a respeitar a religião do outro? 16 70 7 30
c) Ajuda a amar a própria religião? 11 48 12 52
d) O ensino religioso, como ministrado, é bom? 21 91 2 87
Total das respostas: 57 62 35 57
Demonstração Gráfica:
A eficácia do ER. na escola
57
35
0
20
40
60
80
Sim Não
Número de
respostas
Figura 1 – O ensino religioso na escola.
96
2. Quanto à influência na sua família, o ensino religioso:
Sim % Não %
a) Provoca interesse em conhecer mais a Religião? 15 65 8 35
b) Favorece o diálogo na Família e na Comunidade? 13 57 10 43
c) Permite consolidar a prática da própria religião? 19 83 4 17
Total das Respostas: 47 68 22 32
Demonstração Gráfica:
A influência E.R. na família
47
22
0
20
40
60
Sim Não
Número de respostas
Figura 2 – A influência do ensino religioso na família.
97
2.2.2 - Questionário: Diretores de escolas estaduais do Ensino Fundamental.
Assinale com "Sim" ou "Não" as questões abaixo.
1ª.: O ensino religioso em sua escola:
Sim % Não %
a) Favorece a harmonia entre os alunos? 21 70 9 30
b) Ajuda no plano político-pedagógico da escola? 15 50 15 50
c) Provoca atitude de respeito e diálogo? 24 80 6 20
Total de respostas: 60 67 30 33
Demonstração Gráfica:
O ER. na escola
Sim67%
Não33%
Sim
Não
Figura 3 – Aspectos positivos e negativos do ensino religioso
na escola.
98
2a.: Os conteúdos de ensino religioso discutidos nas aulas são:
Sim % Não %
a) Temas atrativos? 13 43 16 53b) Correspondem às expectativas dos estudantes 16 53 14 47
c) Provocam interesse pela Religião? 10 33 20 67
Total de respostas: 39 43 51 55
Demonstração Gráfica:
Conteúdos discutidos nas aulas de E.R.
39
51
0
20
40
60
Sim Não
Número de respostas
Figura 4 – Conteúdos discutidos nas aulas de ensino religioso.
99
3ª.: O ensino religioso na vida dos alunos:
Sim % Não %
a) Desperta o desejo de aprofundar a própria religião e conhecer as outras?
18 60 12 40
b) Desencadeia certo interesse frente à própria religião?
17 56 12 40
c) É desejado e se torna necessário? 22 73 8 27
Total das Respostas: 57 63 32 36
Demonstração Gráfica:
O ER. na vida dos alunos
57
32
0
20
40
60
80
Sim Não
Número de respostas
Figura 5 – O ensino religioso na vida dos alunos.
100
4ª.: O ensino religioso na vida da Comunidade:
Sim % Não %
a) Tem sua nova proposta curricular, conhecida? 8 27 22 73
b) A comunidade questiona essa nova proposta? 6 20 24 80
c) A comunidade está satisfeita com o ER. 21 70 9 30
Total das Respostas: 35 39 55 61
Demonstração Gráfica:
O ER. na vida da comunidade
35
55
0
20
40
60
Sim Não
Número de respostas
Figura 6 – O ensino religioso na vida da comunidade.
101
2.2.3 - Questionário: Estudantes do ensino fundamental
1ª: Seu relacionamento com os pais é:
Ótimo: 31 59,6 Bom: 14 26,9 Regular: 5 9,6 Difícil: 2 3,3 Total da Respostas: 52 100
Demonstração Gráfica:
Influência do ER. com os pais
Ótimo59%
Regular10%
Difícil4%
Bom27%
Ótimo Bom Regular Difícil
Figura 7 – Influência do ensino religioso na família
102
2a.: Quem mais colaborou até agora para a formação de sua vida?
%
1 Os pais 30 57,7 2 Os professores de ensino religioso 8 15,6 3 Os amigos 10 19,2 4 A Igreja 4 7,5 Total da Respostas: 52 100
Demonstração Gráfica:
O ER. na vida do aluno
30
810
4
0
10
20
30
40
1 2 3 4
Número de respostas 1
2
3
4
Figura 8 – Quem mais influenciou a formação do aluno para a vida.
103
3ª.: Quanto aos conteúdos de ensino religioso discutidos na aula:
Sim % Não %
a) Ajudam a entender melhor sua religião? 35 67 17 33
b) Há temas cansativos? 36 69 16 31c) Suscitam desinteresse em seguir sua religião? 30 58 22 42
Total das Respostas: 101 65 55 35
Demonstração Gráfica:
O ER. na sala de aula
35 3630
17 1622
0
20
40
a b c
Número de respostas
Positivo Negativo
Figura 9 – Aspectos positivos e negativos do ensino religioso
discutido em sala de aula.
104
4a.: O ensino religioso em sua vida:
Sim: % Não %
a) Despertou para o diálogo e respeito consigo e com os outros?
40 77 12 23
b) Melhorou o diálogo com os pais?
28 54 24 46
c) Despertou para o sentido da vida?
34 65 18 35
Total das Respostas: 102 65 54 35
Demonstração Gráfica:
O ER. na vida do aluno
40
28
34
12
24
18
0
10
20
30
40
50
a b c
Número de respostas
Sim
Não
Figura 10 – O ensino religioso na vida do estudante.
105
2.2.4 - Interpretação dos dados do questionário fechado.
O questionário fechado, realizado com pais de alunos do ensino
fundamental, diretores de escola e alunos teve por finalidade dar prosseguimento
à identificação de pontos que ocasionaram desassossego no ensino religioso.
Na leitura dos dados do questionário realizado com os pais de alunos, no
que concerne à 1ª. Questão, "Eficácia do ensino religioso", os aspectos positivos
montaram 57 das respostas.
Portanto, entende-se que os pais confirmam a eficácia do mesmo no
respeito pela religião do outro e no amor à própria religião, sendo este resultado
considerado bom. As 35 respostas negativas que colocam em xeque a eficácia do
ensino religioso, evidenciam que a eficiência desta disciplina vem sendo atingida
em termos razoáveis.
A segunda questão no que tange à influência do ensino religioso na família,
o subitem C, demonstrou que a maioria dos respondentes acreditam que o ensino
religioso permite consolidar a prática da própria religião. Isto evidencia que,
apesar da ambigüidade da legislação, item também apontado nas entrevistas, o
ensino religioso vem alcançando seus objetivos de maneira satisfatória.
Com os diretores das escolas de ensino fundamental buscamos identificar
dados que revelassem as causas do desassossego no ensino religioso. Na 1ª
questão, “ensino religioso em sua escola”, ficou visível nos três quesitos
pesquisados um aspecto positivo de 67%, enquanto o aspecto negativo foi de
apenas 33%.
Quanto à questão "Os conteúdos de ensino religioso discutidos nas aulas”
(2ª. questão), os aspectos positivos se revelaram em 39 respostas e, os negativos
em 51 respostas.
É preciso destacar, porém, que 55% dos entrevistados “não acham os
temas atrativos”, e que 67% do total de respondentes, acreditam que os
conteúdos ministrados em sala de aula ”não provocam interesse pela religião”.
Pode-se aferir, então, que os conteúdos carecem de melhor direcionamento,
considerando-se que 51% das respostas obtidas apontaram para falhas no ensino
religioso, no que diz respeito à influência deste na vida dos alunos, em
contraponto às apenas 39 respostas positivas, ou seja, que consideram os temas
106
atrativos, portanto, adequados à disciplina e suas metas no processo de ensino
aprendizagem.
No tangente à 3ª. Questão, "O ensino religioso na vida dos alunos",
observou-se uma relevância indiscutível da disciplina na vida dos alunos, uma vez
que os aspectos positivos representaram 57 das respostas positivas, enquanto
que as negativas somaram apenas 32. Evidencia-se nesta questão, o quesito C, o
"ensino religioso é desejado e se torna necessário", que alcança 73% de
confirmação positiva.
Todavia, outro dado a ser considerado é que “O ensino religioso na vida da
comunidade" apresenta 55 respostas negativas, número muito superior aos
positivos, que obtiveram apenas 35 respostas. Há de se observar que o "vilão"
dessa questão foram os itens (a) e (b), desconhecimento da nova proposta
curricular, introduzida pelo Artigo 33", da LDB em sua nova versão, que
apresentou uma nova dinâmica no ensino religioso.
Os dados apontam que, para os diretores, aos diretores a comunidade
aprova e está satisfeita com o ensino religioso na escola (70%), no entanto, as
respostas a esta mesma questão deixam transparecer que os mesmos se sentem
incomodados, porque a comunidade nem conhece e nem questiona a nova
proposta.
As respostas obtidas do questionário dos estudantes evidenciaram
resultados importantes quanto ao "Relacionamento com os pais", pois 86% dos
respondentes classificam esse relacionamento entre ótimo e bom.
Na questão sobre ”Quem mais colaborou na formação em sua vida” 58%
dos alunos entrevistados atribuíram esse aporte aos pais, 19% aos amigos e 16%
aos professores. A Igreja apareceu com 7,5% de influência na formação destes
educandos.
Em relação aos “Conteúdos do ensino religioso” (3ª Questão), os pesquisados
afirmaram que, apesar de os conteúdos trabalhados em sala de aula serem um
tanto ou quanto cansativos, eles ajudam a entender melhor a própria religião.
Cabe ressaltar na questão três, subitem C, o equilíbrio numérico das
respostas, porém, com visões bem diferentes, ou seja 58% dos alunos afirmaram
que os conteúdos suscitam desinteresse no seguimento da própria religião,
enquanto que, no questionário aplicado aos pais, 83% deles responderam na (2ª
107
questão) não haver desinteresse dos filhos. Aliás, segundo os genitores, o ensino
religioso permite consolidar a prática da própria religião.
Causaram-nos surpresa as respostas da questão 4, "A Influência do ensino
religioso na vida do aluno", pois, 77% dos entrevistados acreditam que o ensino
religioso despertou para o respeito consigo próprio e aos outros.
Pode-se afirmar, a partir da interpretação dessas respostas, que o ensino
religioso tem contribuído de forma especial na formação do caráter dos
estudantes e no que concerne ao seu relacionamento com as outras pessoas, ao
respeito a si e ao próximo. Também influencia no diálogo com os pais e desperta
os alunos para o sentido da vida.
Emergiu dos questionários dos pais, diretores e alunos, uma dissensão a
respeito dos diferentes aspectos visados pela pesquisa de campo. As respostas
contidas nesses instrumentos de sondagem permitiram coletar dados referentes
aos mal-estares do ensino religioso.
Ao interpretarmos as informações e confrontá-las com os resultados dos
demais instrumentos de pesquisa, notamos que em determinadas situações elas
se apresentam aparentemente contraditórias.
Na opinião dos pais, os conteúdos do ensino religioso, tais como são
ministrados na escola são bons181. Contudo, as respostas dos estudantes revelam
que os conteúdos do ensino religioso não despertam interesse pela disciplina nem
em seguir a própria religião182. Os diretores, quando questionados sobre o mesmo
tema, afirmaram que os conteúdos não correspondem às expectativas dos
estudantes183 e 67% dos mesmos, afirmam que os conteúdos de ensino religioso
não provocam interesse pela religião184.
As respostas dos três instrumentos de pesquisa levam a acreditar que,
apesar das referências desfavoráveis em relação aos conteúdos, o ensino
religioso enseja valiosas contribuições especificamente no que concerne ao
relacionamento dos educandos com os pais e amigos e, também, com a
comunidade.
181 Questionários aplicado aos pais, 1ª questão, item d. 182 Questionários aplicado aos estudantes, 3ª questão, item c. 183 Questionários aplicado aos diretores, 2ª questão, item b. 184 Ibid., item c.
108
Os questionários fechados apontaram para a necessidade de produção de
conhecimento através de pesquisas e estudos que desvelem as informações
sobre as causas dos mal-estares do ensino religioso. Um conhecimento que
avance no modo de apreensão das formas de pensar, sentir e agir dos
professores de ensino religioso. Faz-se, então, necessário explicitar esses mal-
estares, fato que remeteu à aplicação do questionário misto.
109
2.3 - Questionário Misto: Descrição dos dados, os números e os
gráficos.
2.3.1 – Estados onde obtivemos dados sobre o ensino religioso
LEGENDA
11. RJ 12. RO 13. RS 14. SC 15. SP
6. MG7. MS 8. PA 9. PB 10. PR
1. AP 2. BA 3. CE 4. GO 5. MA
Figura 11 - No mapa, a relação e localização dos Estados onde obtivemos dados
sobre o ensino religioso mediante os informantes da pesquisa que responderam
ao questionário misto.
110
2.3.2 - Ensino Religioso.
1a: Como você vê o E.R. quanto á:
Ótimo % Bom % Regular % Ruim %
a) clareza: 9 16 29 52 17 30 1 2 b) abrangência: 9 16 31 55 14 25 2 4 c) eficácia: 7 13 31 55 17 30 1 2 Total das Respostas: 25 15 91 54 48 29 4 2
Demonstração Gráfica:
Ótimo15%Regular
29%
Ruim2%
Bom54%
Ótimo
Bom
Regular
Ruim
Conteúdo programático
Figura 12 – Conteúdo programático do ensino religioso.
111
2.3.3 - Aceitação na grade curricular.
2a Questão:
Sim % Com reserva
% Não %
a) A disciplina é aceita na unidade escolar? 40 71 16 29 0 0
b) A Disciplina é aceita pelos alunos? 45 80 10 28 1 2
Total das respostas: 85 76 26 28 1 1
Demonstração Gráfica:
O ER. na grade curricular
85
26
10
20
40
60
80
100
Sim Com ressalva Não
Número de respostas
Figura 13 – Aceitação na grade curricular.
112
2.3.4 - Recursos pedagógicos disponíveis.
3a Questão:
Sim % Não % Ás
vezes % Nunca %
a) Existem recursos adequados?
19 34 29 52 5 9 3 5
b) Há interesse na aquisição dos mesmos pela escola?
18 32 11 20 14 25 13 23
c) E pelo Estado? 19 34 4 7 20 36 13 23 Total das Respostas: 56 33 44 26 39 23 29 17
Demonstração gráfica:
Recursos pedagógicos disponíveis
Não26%
Nunca17%
Às vezes23%
Sim34% Sim
Não
Às vezes
Nunca
Figura 14 – Recursos pedagógicos disponíveis.
113
2.3.5 - A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos.
4aQuestão:
Sim % Não % Ás vezes %
a) Os alunos são receptivos à Disciplina? 18 32 35 63 3 5
b) A Disciplina tem contribuído para o aprimoramento dos valores humanos?
31 55 20 36 5 9
c) A Disciplina tem propiciado o respeito à alteridade e a boa convivência?
29 52 22 39 5 9
Total das Respostas: 8 46 77 46 13 8
Demonstração gráfica:
Receptividade do ER.
78 77
13
0
20
40
60
80
100
Sim Não Às vezes
Número de respostas
Figura 15 – A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos.
114
2.3.6 - Realização profissional.
5a: Como você se sente, como professor(a) de E.R, no que concerne à:
Ótimo % Bom % Regular
% Ruim
%
a) Satisfação pessoal: 34 61 18 32 4 7 0 0 b) Valorização como profissional perante os demais professores:
16 29 17 30 22 39 1 2
c) Capacitação pessoal para o exercício da função:
20 36 31 55 5 9 0 0
d) Disponibilidade de oportunidades para o aperfeiçoamento profissional:
14 25 27 48 9 16 6 1
Total das Respostas: 84 38 93 41 10 18 2 3
Demonstração gráfica:
Realização profissional
Ótimo38%
Regul.18%
Ruim3%
Bom41%
Ótimo Bom Regul. Ruim
Figura 16 – Realização profissional.
115
2.3.7 - Mal-estar no ensino religioso.
6a: Assinale no rol das questões abaixo, quais os principais problemas que você detecta no ER.
No.
respostas %
1) Falta de valorização da disciplina, pela instituição de ensino. 22 6
2) Pouca valorização do professor, como profissional da educação. 30 9
3) Falta de conhecimento da legislação aplicável. 47 13
4) Ausência de uma programação efetiva de aprimoramento profissional por parte da Instituição de ensino. 35 10
5) Proposta curricular Estadual confusa. 29 8
6) Carência de material didático específico para a disciplina. 39 11
7) Insuficiência diretiva da legislação. 37 11
8) Remuneração não condizente com o esforço: 29 8
9) Falta de incentivo familiar na formação religiosa dos filhos: 25 7
10) Concessão de aulas de ER. a profissionais não qualificados: 38 11
11) Interferência politico-administrativa na coordenação da Disciplina: 19 5
Total de Respostas: 350 100
Demonstração gráfica:
Problemas no Ensino Religioso
22
30
47
3529
39 37
2925
38
19
0
10
20
30
40
50
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Número de respostas
Figura 17 – Problemas no ensino religioso.
116
2.3.8 - Pontos que merecem atenção especial.
7a Questão: Você percebe um mal estar em ensino religioso? Caso afirmativo, em quais situações?
Nº
Respostas %
1- A importância da disciplina na grade curricular.: 32 13 2- Obtenção de recursos didáticos: 26 11 3- Formação específica do professor de ER 41 17 4- Ausência de interesse dos pais: 18 7 5- Desconhecimento da Lei: 47 19 6- Clareza do papel das instituições no que diz respeito, à legislação aplicável ao ER. 34 14
7- Na competição entre as religiões: 22 9 8- No desrespeito quanto à liberdade religiosa: 26 11
Total das Respostas: 246 100
Demonstração gráfica:
Percepção do mal-estar no E. R.
3226
41
18
47
34
2226
0
10
20
30
40
50
1 2 3 4 5 6 7 8
Número de respostas
Figura 18 – Percepção do mal-estar no ensino religioso.
117
2.3.9 - Legislação aplicável.
8ª.:As exigências consideradas na Lei 9.475, de 22/07/1997, seu Artigo 33, estão sendo cumpridas?
Sim % Não % Em parte %
Total das Respostas: 10 17,8 18 32,1 28
50,1
Demonstração gráfica:
Cumprimento da Nova L.D.B.
Não 32%
Em parte50%
Sim18%
Sim Não Em parte
Figura 19 – Cumprimento da LDB.
118
2.3.9.1 - Pontos que indicam crises no ensino religioso.
8ь - Total de Respostas:
1- Clareza do papel das instituições. 5
2- Maior conhecimento da Lei 14
3-.Valorização do professor. 10
4-. Material específico para o ER. 6
5- Participação do CORER e CONER 1
6-. Mudança de nomenclatura 5
7- Formação dos professores 15
Demonstração gráfica
Pontos de "mal-estar"
5
14
10
6
1
5
15
0
4
8
12
16
20
1 2 3 4 5 6 7
Número de respostas
Figura 20 – Pontos que indicam crises no ER.
119
2.3.10 - Interpretação dos dados do questionário misto.
O questionário misto prosseguiu no mesmo objetivo da entrevista e do
questionário aberto: detectar os mal-estares do ensino religioso. Ficou
evidenciado que esse questionário foi aplicado com o propósito de captar, ampliar
e aprofundar a gama de informações já obtidas com os instrumentos anteriores. A
partir da leitura daqueles dados percebemos dissensões em alguns aspectos que
exigem mais esclarecimento.
Fez–se, portanto, necessário buscar um meio que nos remetesse a um
processo de aglutinação de indicadores, pela sua similaridade e
complementaridade ou contraposição, de modo a nos levar a uma melhor
indicação, que nos permitisse individualizar e localizar os principais mal-estares
no ensino religioso.
As pesquisas anteriores, em seu processo de aglutinação, revelaram dados
com informações aparentemente discordantes, e não obstante apresentaram uma
visão geral do ensino religioso, com resultados surpreendentes.
No questionário misto, foi possível observar que em relação ao Conteúdo
programático, o ensino religioso mostrou-se eficiente em todos os aspectos
pesquisados, com 69% de respostas obtidas entre ótimo e bom. As respostas
regular e ruim apresentaram quase um terço das freqüências, o que representou
menor efetividade, pois revela uma porcentagem relativa de respostas a serem
consideradas.
A questão, “aceitação na grade curricular”, demonstrou que o ensino
religioso está integrado, com 85 respostas positivas. As ressalvas ou
insatisfações somam 27 respostas.
Quanto aos “recursos pedagógicos disponíveis” (3ª questão), a pesquisa
revelou deficiência na disponibilidade dos recursos e no interesse na aquisição
dos mesmos, o que significa que aí está uma das fontes de mal-estar. Nessa
questão, quanto aos resultados esperados, a pesquisa revela um alto índice de
resultados negativos ou duvidosos.
Na receptividade do ensino religioso na vida dos alunos, a pesquisa
evidenciou que os alunos, em sua maioria, não são receptivos à disciplina de
ensino religioso; 35 deles assinalaram “não” contra 18 “sim”. Todavia, esse dado
parece contraditório, pois 55% afirmam, na mesma questão, que a disciplina tem
120
contribuído para o aprimoramento dos valores humanos, com 31 respostas “sim”
e 20 “não”; acrescenta-se, a esse número, as duvidosas, com 13 respostas.
Em termos de realização profissional, as respostas positivas (ótimo e bom)
indicam 79%. As respostas insatisfatórias (regular e ruim), entretanto, não são
desprezíveis, pois indicam insatisfação e mal-estar em 21% dos respondentes.
Na questão referente ao mal-estar no ensino religioso (6ª questão), a
demonstração gráfica evidenciou que todas as questões consideradas são, de
forma geral, igualmente importantes, haja vista a freqüência das respostas.
Os pontos de conflito referem-se aos subitens (3), falta de conhecimento da
legislação aplicável; ao item (6), carência de material didático específico para a
disciplina de ensino religioso; item (10), concessão de aulas a profissionais não
qualificados e (7), insuficiência diretiva da legislação. Os itens (3) e (7) permitem
localizar outro sintoma de mal-estar decorrente do desconhecimento da legislação
aplicável e insuficiência diretiva da legislação.
Novamente a pesquisa, quanto aos aspectos de desassossego, apresenta
pontos que merecem especial atenção (7ª questão), principalmente o item (5),
desconhecimento da lei, que se apresentou como o vilão do quesito (7), seguido
pelo (3), formação específica para o professor de ensino religioso, que obteve um
índice elevado de respostas. A surpresa fica por conta do subitem (4), ausência
de interesse dos pais, que indica, pela freqüência das respostas, o menor índice
de importância do quesito. Este último dado parece entrar em conflito com os
dados do item 1, da questão 2, do questionário aplicado aos pais, no qual os
genitores aparecem como os que mais influenciam na vida dos filhos.
A legislação aplicável (8ª Questão), com apenas 18% das respostas
favoráveis e 82% das respostas desfavoráveis “não” e “em parte”, além de
confirmar os dois itens anteriores (questão 6, item 3) e (questão 7, item 5) coloca
em relevo o mal-estar específico no que concerne à legislação aplicável ao ensino
religioso.
Finalmente, a justificativa às respostas "sim" ou "em parte", no enunciado
da questão 8ь185, na parte b da questão, as justificativas das respostas indicaram
185 Considerando o enunciado da questão 8ª que diz: Lei Nº 9.475 de 22 de julho de 1997, no ‘Art 33 – O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
121
pontos186 que possibilitaram detectar pontos que indicam sintomas de mal-estares.
As respostas apontaram para a complexidade da legislação em vigor, mais
especificamente para a necessidade de maior conhecimento da Nova LDB, no
aspecto que orienta o ensino religioso em sua aplicabilidade. As questões
compiladas evidenciaram também desassossego no que se refere à formação
específica do professor de ensino religioso.
Com o objetivo de fazer emergir novas leituras, obtendo maior clareza e/ou
confirmação das questões já reveladas nos instrumentos de pesquisa, aplicou-se
um questionário aberto a profissionais com formação específica em Ciências da
Religião.
2.4 - Questionário aberto: Interpretação dos dados.
O questionário aberto (Anexo Nº 06) aplicado a profissionais com formação
específica em Ciências da Religião, constituiu-se importante ferramenta para
convalidar, aprofundar e ampliar o processo investigado inerente ao
desassossego do ensino religioso. O questionário com perguntas abertas pode
ajudar-nos a reformular, em termos mais seguros, as questões referentes aos
mal-estares do ensino religioso, uma vez que nos conduziu à detecção das
causas que provocam essas crises, já confirmadas nos instrumentos de pesquisa,
que precederam a esse questionário aberto.
As informações ventilaram questões presentes nos questionários
anteriores, aludindo para a clareza e objetividade da legislação187, o conhecimento
específico para o ensino religioso188, a linguagem no ensino religioso como
mediação para comunicar, compreender e vivenciar a diversidade cultural, a
§ 1º- Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. 8ªa) Você acha que estas exigências estão sendo cumpridas? (Sim) ou (Em Parte) 8ªb) Se você respondeu Sim ou em parte, faça uma pequena justificativa dos pontos que interferem no bom andamento do ensino religioso. 186 Na questão 8ª (b) a fim de melhor esclarecer as respostas do item oitavo, sobre cumprimento da lei, as justificativas apresentaram os seguintes pontos: Clareza dos papéis das instituições. Maior conhecimento da Lei, Valorização do professor. Material específico para o ensino religioso. Participação CONER e CORER. Mudança de nomenclatura. Formação dos professores. 187 Questionário diretivo aberto, questão 6ª, item 6. 188 Ibid., questão 2.4.4. item a.
122
alteridade e a solidariedade; número reduzido de aulas; formação de professores
de ensino religioso com formação em Ciências da Religião189.
Os pontos de maior incidência nas respostas referiram-se ao conhecimento
precário do profissional de ensino religioso190 relativo à temática do artigo 33 da
Nova LDB, à inadequação da lei à prática escolar.
A pesquisa revela vários outros pontos de desassossego, dentre os quais,
a falta de material didático que contemple questões ligadas às várias religiões,
com linguagem não centrada em uma determinada denominação religiosa, que
obteve alto índice de respostas191. Vale lembrar que a temática, “formação do
professor de ensino religioso”, não se apresentou como questão nova, pois
também detectou-se como ponto sintomático nos demais instrumentos utilizados
na pesquisa.
Portanto, as respostas contidas no questionário aberto confirmam
situações já reveladas nos instrumentos de pesquisa aplicados anteriormente. Na
medida em que as perguntas vão sendo feitas diversas vezes, é que se torna
possível avaliar criticamente a investigação com garantia de confiabilidade e
legitimidade de resultados.
2.5 - Pontos de maior convergência.
A pesquisa de campo chamou a atenção para pontos que se repetiram nas
opiniões dos informantes, nos seis instrumentos utilizados.
O tema é complexo, porque aborda uma série de variantes que constituem
desafios ao ensino da disciplina, no tocante à sua identidade, falta de
conhecimento e de clareza da legislação aplicável, desconhecimento da
legislação aplicável, proposta curricular confusa, insuficiência diretiva da
legislação, concessão de aulas de ensino religioso a profissionais não
qualificados, clareza no papel das instituições, bem como a falta de uma
programação específica capaz de estabelecer novos paradigmas de ação e de
práticas pedagógicas que levem o ensino religioso a responder às necessidades e
aos anseios da sociedade atual.
189 Questionário diretivo aberto, questão 2.4.6. item a. 190 Ibid., questão 2.4.10, item b. 191 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 05.
123
Essas variantes, garimpadas na pesquisa de campo, objetivaram visualizar,
com maior segurança, a complexidade das causas que provocam os pontos
críticos que se constituem em mal-estares no ensino religioso. Alguns pontos de
maior relevância constituir-se-ão objetos de análise do III Capítulo.
A pesquisa foi convalidada através de seis instrumentos diferenciados, a
saber: entrevista semi-diretiva, questionários diretivos fechados, questionário
misto e questionário diretivo aberto que, invariavelmente, demonstraram
semelhantes resultados.
A identificação dos mal-estares na pesquisa não resulta de itens
determinados ou aleatoriamente escolhidos, mas da articulação dos instrumentos
que permitem identificar pontos convergentes.
Consideramos altamente positivo o uso desses vários instrumentos na
pesquisa, por nos permitirem a síntese, visando sua apropriação. Ao convergirem
para os mesmos pontos, proporcionaram segurança para identificar alguns fatores
que revelaram com maior incidência os desassossegos no ensino religioso.
Diante da variedade de situações identificadas na pesquisa de campo, fez-
se necessário um recorte que possibilitou aglutinar questões pela similaridade e
complementaridade.
Nessa ação, identificaram-se dois núcleos significativos, como pontos
importantes, que se apresentaram com maior incidência nos instrumentos de
pesquisa, constituindo-se, em prévia avaliação, como fatores preponderantes dos
mal-estares no ensino religioso: a) As implicações da Nova LDB ao ensino
religioso; b) A formação docente.
2.5.1 - As implicações da Nova LDB ao ensino religioso.
A pesquisa revelou que o disposto do Artigo 33 da Nova LDB, modificado
pela Lei 9 475/97, suscita inquietações referentes à situação do ensino religioso
na atualidade.
Os informantes reconheceram que a referida Lei passa por transformações
profundas quanto à sua aplicação, compreensão e adequação192. Sobre esse
192 Entrevista semi-estruturada, passim.
124
aspecto, os respondentes deixaram claro seu desassossego em virtude das
conseqüências geradas pelas orientações do artigo 33, quando este estabelece
uma postura dual: facultativa para o aluno e de obrigatoriedade para a escola193.
Recorrentes opiniões enfatizaram a necessidade de conhecimento da
legislação194, o que significa um descaso na observância da lei. Também deixaram
clara a necessidade de estudo e compreensão da lei195.
As opiniões que apareceram no questionário misto evidenciaram o não
cumprimento da Nova LDB, como ponto de conflito196.
Essa afirmação também se confirmou no questionário aberto que
apresentou, como ponto de mal-estar relevante, a falta de clareza da legislação
que rege o ensino religioso e o desconhecimento da Nova LDB197.
Além da falta de conhecimento da legislação, o questionário enfatizou
também, a inadequação da Lei198 com relação à prática escolar, o que a torna sem
efetividade concreta. Assim, a demonstração gráfica permitiu identificar o não
cumprimento como ponto de conflito199.
As críticas ao Artigo 33 em sua nova formulação alertaram para sua
ambigüidade: facultativo para o aluno e obrigatório para a escola. A pesquisa
revelou que a Nova LDB, no referido Artigo, influencia negativamente na estrutura
do trabalho do professor, na medida em que, tornando o ensino religioso
facultativo aos alunos, compromete objetivos já estabelecidos como: o ensino
religioso como parte integrante da formação básica do cidadão; escola como
espaço socializador do conhecimento; a escola com responsabilidade de fornecer
informações e responder aos aspectos principais do fenômeno religioso, presente
em todas as culturas e em todas as épocas.
Por outro lado, a observância do citado Artigo obriga a escola a manter
profissionais disponíveis para atender os alunos que não freqüentam a disciplina
e, por conseqüência, determina o aumento do espaço físico escolar e do seu
193 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 02. 193 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 02, p. 19. 194 Ibid., fichário nº 02, p.17. 195 Questionário aberto, questão 2.4.10. 196 Questionário misto, questão 7ª item 5. 197 Questionário de questões abertas, capítulo II, subitem 2.4.8. 198 Questionário misto, questão 6ª item 7. 199 Ibid., gráfico 16.
125
corpo docente. Isto conduz à necessidade de readequação ou mais
especificidade quanto aos procedimentos decorrentes dessa legislação.
Há necessidade inegável, portanto, de reconhecer o papel específico do
ensino religioso200 como disciplina, com currículo próprio, da escola pública.
A pesquisa revelou, ainda, que existe conflito entre as condições
idealizadas para a implementação do ensino religioso, e as condições reais
encontradas nas instituições por força da própria legislação. Nota-se que esse
conflito constitui-se em elemento paralisador da atividade docente.201
Identificou-se, através da pesquisa, que há conflitos inerentes ao ensino
religioso que vão desde a incompreensão dos fundamentos da Nova Lei de
Diretrizes e Bases e dos Parâmetros Curriculares do Ensino Religioso até os
problemas com a formação adequada dos professores e disponibilidade de
material didático-pedagógico apropriado.
Apesar disso, os engajados profissionais da área reconhecem a
importância de se trabalhar em sala de aula a perspectiva pedagógica articulada a
partir da Nova LDB, que tem como pontos positivos202, “assegurar a diversidade
cultural e o respeito à diversidade religiosa do Brasil”.
2.5.2 - A formação docente.
Com o artigo 33 da Nova LDB com a nova redação que lhe foi dada pela
Lei nº 9.475 criou-se a necessidade de formação de um profissional com perfil
específico, que domine não só as metodologias de trabalho, mas também a
episteme dessa área de conhecimento, capaz de responder às exigências de uma
sociedade pluralista, inter-racial e multiconfessional203.
Professores se revelaram preocupados com a formação específica para o
ensino religioso, o que implica discutir a autonomia epistemológica, as estratégias
pedagógicas, currículo e temas de vida cidadã, dentre outros.
Os docentes concluíram que a maneira superficial como essa disciplina se
apresenta não contribui para a formação do aluno (nem para a realização
profissional e pessoal) Torna-se, portanto, imprescindível uma reforma e uma 200 Questionário de perguntas abertas, item 1.5.10. 201 Ibid., questão 1.5.4. 202 Ibid., questão 2.4.2. 203 Questionário misto, passim.
126
acurada programação pedagógica dos futuros profissionais da área204. A
identidade pedagógica do ensino religioso seria, então, função das seguintes
variáveis:
Legislação clara, objetiva e adequada à realidade;
Formação ampla em todas as áreas interdisciplinares com o ensino
religioso para o necessário desempenho profissional;
Participação efetiva dos profissionais da área na elaboração de plano
político-pedagógico (PPP) adequado à realidade e às necessidades culturais,
regionais e de linguagem;
Desenvolvimento, aplicação e permanente avaliação de material didático
compatível com os resultados esperados.
Cabe lembrar que o questionário de perguntas abertas também revelou a
necessidade de formação específica para o professor de ensino religioso.
Outro aspecto sinalizado pela pesquisa diz respeito à necessidade de um
processo de capacitação e reflexão coletivo, na continuidade das atividades de
formação e na reestruturação do saber direcionado ao perfil do professor de ensino
religioso205.
No contexto atual, os professores de ensino religioso são afetados pela
falta de atualização de conhecimentos e competências, isto é, do “saber” e do
“saber fazer” das novas concepções sobre as práticas pedagógicas, que vêm
exigindo desses profissionais novos conhecimentos e novas formas de se
estabelecer e compreender o mundo.
No que concerne à formação dos professores, a pesquisa, em sua
extensão, evidenciou que o professor de ensino religioso se sente incapaz de
reagir com devida rapidez às demandas sociais, e que requer uma formação de
clara orientação política, cultural e social.
Isso parece revelar que a formação do professor de ensino religioso é uma
das necessidades principais para se lidar com as distintas realidades que estão
gerando o grande mal-estar nessa área.
Como se pode concluir, a pesquisa de campo utilizada detectou pontos
positivos e negativos. Todavia, a incidência maior, revelada nos vários
204 Questionário de perguntas abertas, questão 1.5.6. 205 Pesquisa de campo passim.
127
instrumentos recaiu sobre dois pontos principais que constituem objeto de análise
do capítulo terceiro.
128
CAPÍTULO III - A LEGISLAÇÃO SOBRE O ENSINO RELIGIOSO E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: dois tópicos de maior incidência do mal-
estar.
O presente capítulo tem por finalidade analisar dois dos itens do mal-estar
do ensino religioso que despontam dos dados colhidos na pesquisa de campo,
constantes no segundo capítulo.
Ao final daquele capítulo, fizemos um trabalho de aglutinar pontos
nevrálgicos que constituem o mal-estar. Tais pontos revelam as inquietações que
afetam esse componente curricular.
A nossa radiografia revelou um vasto panorama de queixas, insatisfações e
críticas, ao lado, também, de avaliações positivas.
Como o objeto desta pesquisa é apontar os pontos de conflito que incidem
sobre essa disciplina, não fixamos, neste momento, nosso olhar nos dados
positivos. Para efeito de análise, discussão e interpretação, selecionamos dois
pontos de mal-estar que apareceram com mais frequência nas entrevistas e nos
questionários. Essa incidência, a nosso ver, caracterizam e constituem os pontos
mais graves que afetam a saúde da referida disciplina.
3.1 - A legislação brasileira: fonte da história do ensino religioso e do seu mal-estar
A legislação brasileira, na opinião dos entrevistados, constitui uma fonte de
inquietação. A explicação desse dado requer uma retrospectiva da realidade
histórico-educacional brasileira, objetivando localizar o desassossego provocado
pela lei, no que diz respeito ao ensino religioso no âmago da conjuntura política e
histórica do Brasil, inserido na periodicidade que convencionamos chamar de
Blocos Históricos.
A legislação transporta para o ensino religioso uma herança estrutural
significativa, ampla, complexa, tecida pelos acontecimentos relacionados com os
interesses políticos, econômicos e culturais, decorrentes de diferentes
concepções, presentes na matéria constitucional. São diferentes visões, por
vezes contraditórias, inseridas na mesma disposição legal. A lei contribui
129
significativamente no processo do conhecimento da história do ensino religioso no
país e possibilita aprofundar a compreensão da política educacional que permeia
o ensino religioso.
A pluralidade de concepções pede um procedimento prudente por parte do
pesquisador que pretende analisar o contexto em que foi elaborada a legislação.
É o que alerta Milton C. P. Amador, ao afirmar que “a legislação não se auto-
explica e o texto da lei não é de modo imprescindível revelador de seus reais
propósitos”206. Seguindo essa linha de pensamento, Amador analisa a legislação,
tendo presente os contextos ideológico, econômico e político que deram
sustentação às políticas públicas, e lembra:
A educação brasileira e sua legislação são compostas de ideologias que estão presentes em todos os seus aspectos e representam, de forma incisiva, os interesses políticos e econômicos das elites nos momentos em que foram produzidos207.
Dentro dessa questão, Severino chama a atenção para o enunciado da
matéria constitucional e recorda que sua interpretação deve levar em conta o
“espírito da lei” ao qual ela está atrelada. Argumenta que a lei é um vínculo
adequado para fazer com que os processos educacionais concretizem os valores
da ideologia que se quer transmitir.208
A Conferência dos Bispos do Brasil, em seus estudos, afirma a importância
do papel da lei na sociedade e a necessidade de conhecê-la no sentido de
orientar as relações da humanidade.
Geralmente as leis orientam as relações dos homens a partir dos valores e dos costumes da sociedade. Conhecer a história significa conhecer os fatos e as leis de cada época no contexto de seus valores209.
A legislação brasileira dá a conhecer o caminho que o ensino religioso
percorreu “legalmente”, ao longo das décadas, e a forma como esses
206 Milton C. P. AMADOR, Ideologia e legislação educacional no Brasil (1946-1996), p. 15. 207 Ibid., p .56, 208 Cf. Antonio Joaquim SEVERINO, Educação ideologia e contra–ideologia, p. 56. 209 CNBB, O ensino religioso nas Constituições do Brasil nas legislações de ensino e nas orientações da Igreja - Estudos da CNBB, nº 49, p. 9.
130
regulamentos jurídicos possibilitaram a sua configuração como disciplina
curricular, para ser seguido pela totalidade da nação.
As diferentes concepções e visões subjacentes a esse processo geraram
sérios paradoxos de âmbito nacional. A própria legislação que inclui o ensino
religioso como disciplina no currículo escolar, o exclui ao mesmo tempo do
sistema de ensino, ao torná-lo facultativo para o aluno e obrigatório para a escola,
o que revela uma ambigüidade de ordem jurídica, com conseqüências
administrativas e pedagógicas.
Esse desfecho, na legislação atual, reflete um mal-estar que perpassa o
ensino religioso desde o ‘bloco histórico’ Colonial, passando pelo Imperial até
chegar ao Republicano, com características específicas de cada época.
Ao longo da história da educação no Brasil, o ensino religioso esteve
sempre na pauta das discussões e debates. Esta questão atravessa de ponta a
ponta a história da educação brasileira210. Por trás do ensino religioso se oculta
um conflito entre a secularização211 ou a laicidade e a hegemonia religiosa nos
sucessivos contextos históricos e culturais.
Na atualidade, o grande desafio é a consolidação de uma proposta
consistente e de uma política que ultrapasse a clássica questão da separação
Igreja e Estado. As saídas adotadas para a implantação do ensino religioso não
estão refletindo essa política e, portanto, a disciplina sustentada pelo Estado
assume um aspecto marginal. Muitas vezes ela sobrevive amparada pelas Igrejas
e volta a ser confessional; ora ela se torna um expediente para completar a carga
horária de professores.
A legislação mantém refém o ensino religioso, como um componente
curricular onde coexistem atitudes antigas e necessidades novas. No percurso de
sua implementação, atuam diferentes atores, que se incompatibilizam pelas
concepções divergentes sobre a natureza e função da disciplina e sua
estabilidade no currículo escolar, ou seja, a sua inclusão na escola pública.
210 Dermeval SAVIANI, Da nova LDB ao Novo plano nacional de educação: por uma outra política educacional, p. 67. 211 Segundo Carlos Roberto Jamil CURY, secularização é um processo social em que os indivíduos ou grupos sociais vão se distanciando de normas religiosas quanto ao ciclo do tempo, quanto à regras e costumes e mesmo com relação à definição última de valores. Um Estado pode ser laico e, ao mesmo tempo, presidir a uma sociedade mais ou menos secular, mais ou menos religiosa. Ensino religioso na escola pública: o retorno de uma polêmica recorrente. http://www.scielo. br/pdf/rbedu/nº 27. Acesso em: 25/01/07.
131
De um lado, permanecem os que toleram o ensino religioso já assegurado
no currículo escolar pela Lei Maior, desde que “sem ônus para os cofres
públicos”; pois o dinheiro público só pode ser destinado a coisas públicas.
Professar religião e ensiná-la é algo da esfera privada.
Outro aspecto a destacar é que o ensino religioso é amparado por uma
legislação especial, ou seja, é implantado a partir de instrumentos legais. Todavia,
ele não se efetiva na prática, por conseqüência, não ocupa um espaço nos
estabelecimentos de ensino com a mesma normalidade das demais disciplinas.
A falta de clareza mantém, no transcurso das décadas, uma atitude
ambígua diante do ensino religioso, uma disciplina incluída e excluída. Incluída
por um estatuto jurídico de grande porte, a Carta Magna do país, e a legislação
complementar (LDB) e imediatamente excluída na organização curricular, pela
presença atuante das idéias laicas, e da laicidade do Estado.
Engolfado no conflito entre escola pública de natureza laica e sua condição
de elemento dependente das instituições religiosas, a disciplina vive desde sua
implementação em uma crise histórica feita de lutas e negociações, que muitas
vezes emperram os avanços nos espaços assegurados pela lei.
Do outro lado, há os que mantém uma posição a favor do suporte público
do ensino religioso, pois se trata de uma disciplina, cuja matéria, a religião, é
elemento integrante da formação do cidadão que freqüenta a escola e exerce seu
direito de opção por esse ensino fundamentado em princípios decorrentes da
Declaração Universal dos Direitos Humanos que, no artigo 18, estabelece:
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou de convicção, como a liberdade de manifestar a religião ou sozinho, ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.212
Ao se pronunciar sobre tais questões, a Igreja Católica diz que a laicidade
do Estado pretende ser a expressão de uma sociedade verdadeiramente
democrática em que todos os grupos e instituições, inclusive as religiosas,
possam participar em condições de igualdade213. E afirma que o Estado deve ser
212 Declaração Universal dos Direitos Humanos. http://www.mj.gov.br/sedh/ct. Acesso 02/01/08 213 CNBB, Evangelização e missão profética da Igreja: Novos desafios, n°. 80, p. 16
132
laico e não laicista. Todavia, esse conflito não resolvido entre o Estado laico e o
poder religioso repercute no cotidiano das aulas de ensino religioso provocando
desacertos e idéias opostas em torno da disciplina.
Com a proclamação do Estado laico no regime Republicano a disciplina
passou, gradativamente, por várias etapas, persistindo em todas um conflito e um
mal-estar não resolvido que deságua no desconforto expresso pelos dados da
pesquisa de campo reveladores dos percalços que cercam essa área do
conhecimento. Podemos resumir tais conflitos nos seguintes pontos, que se
referem à lei e ao seu conhecimento e aplicação, e foram expressos pelos
entrevistados:
1. Ela é desconhecida ou pouco conhecida: Conheço pouco da Lei que diz respeito ao ensino religioso. Percebo dificuldade de se implantar o ensino religioso na escola. (...) as próprias direções de escola, coordenadores locais e da Secretaria da Educação não têm conhecimento da Lei. (...) a escola acaba adequando a Lei à sua capacidade de resolver o problema que nem sempre é satisfatório mas acaba sendo prejudicial para o aluno e o próprio professor de ensino religioso. (...) Confundem ensino religioso com ensino confessional. Com isso, eles acabam introduzindo o ensino de uma religião que é o que eles sabem e estão convictos que é assim. Isso porque desconhecem a Lei214.
2. Ela é ambígua e contraditória.
Em minha opinião, o mal estar do ensino religioso está justamente na Lei que é dúbia “facultativa para o aluno e obrigatória para a escola”. Esta ambigüidade acaba influenciando em toda a estrutura da escola, no trabalho do professor de ensino religioso e na própria aprendizagem do aluno. O trabalho do professor diante do que manda a Lei do ensino religioso não encontra uma estrutura na escola que possa auxiliá-lo no desempenho favorável da disciplina215.
3. A sua aplicação é enviesada e, na prática, contrariada.
Na verdade existe uma Lei, mas na prática as condições reais acabam empurrando a gente a fazer completamente diferente daquilo que a Lei prevê. Na falta de conhecimento,
214 Karoline MOK, Entrevista - semi-estruturada,:fichário nº 01, p. 03. 215 Igor MANI, Entrevista - semi-estruturada, fichário nº 02, p. 25.
133
a escola acaba adequando a Lei à sua capacidade de resolver o problema, nem sempre satisfatório, pois acaba prejudicando o aluno e o próprio professor de ensino religioso216.
4. É necessário conhecê-la e discutir sua aplicabilidade na construção do
projeto político-pedagógico do ensino religioso.
Há necessidade de um melhor conhecimento da Lei, sua aplicabilidade, com um projeto claro de educação e formação humana e de clareza no projeto político-pedagógico217.
Os relatos acima indicam que os entrevistados estão postulando uma séria
discussão sobre o Estatuto Legal do Ensino Religioso e deixam transparecer
impasses referentes à disciplina. Esse direcionamento leva a considerar que o
ensino religioso, desde o seu nascedouro, não se apresenta como um
componente curricular pronto e acabado. O processo de reflexão continua e dele
vão surgindo novas sínteses. Importa considerar que a apreciação desse quadro
requer o entendimento de que as transformações humanas não são produzidas
só por processos individuais, mas também pelos coletivos.
Assim, para o entendimento do ensino religioso em seus conflitos e na
diversidade de seus comportamentos, ele necessita de ser estudado no contexto
das necessidades do seu tempo. Isto requer a compreensão de um ensino
religioso a partir da dinâmica da sociedade, como produto histórico e mediante
necessidades diferenciadas, em momentos também diferenciados.
Nessa perspectiva, partimos do principio de que toda a produção ideológica
deve ser entendida dentro de determinadas condições históricas. Por isso, é
extremamente significativo marcar os blocos históricos que assinalaram a ‘’vida’’
do ensino religioso no Brasil. Assim, para melhor compreensão de seu significado,
de suas crises, suas significações ideológicas, sua presença e participação no
contexto educacional brasileiro, optamos por dividir a história do ensino religioso
em três blocos históricos nos quais se insere sua caminhada, com diferentes
configurações.
216 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 27. 217 Questionário misto - Questão 8ª (b).
134
À guisa de colaboração para essa discussão, passamos a fazer uma
retrospectiva sobre essa matéria e apontar o ponto nevrálgico da questão, que é o
conflito entre o ensino religioso e o caráter leigo do Estado instaurado a partir da
República. Esta perspectiva abrangente é importante para os objetivos que nos
propomos perseguir, ou seja, detectar o desassossego no ensino religioso.
Para perceber as diferentes significações ideológicas218 que envolveram a
participação do ensino religioso no contexto educacional brasileiro, é importante
olhar sua caminhada em três grandes etapas: a primeira vai de 1500 a 1889 e
inclui o Bloco Histórico Colonial e Imperial; a segunda, é o Bloco Histórico
Republicano que vai de 1899 até hoje; entretanto, devido ao retorno do Estado de
Direito, com a Constituição de 1988, trabalhamos um terceiro período de 1988 até
hoje.
3.1.1 - O ensino religioso no sistema legal do Bloco Histórico Colonial e Imperial: 1500-1889.
Foram muitas as batalhas ideológicas que marcaram a historia do ensino
religioso no Brasil desde 1500 até os nossos dias. As idéias se mesclaram numa
multiplicidade de acontecimentos políticos, sociais, econômicos e religiosos
significativos, e marcaram as transformações que influenciaram debates em nível
nacional. Ao longo do Bloco Colonial e Imperial, a ênfase foi a integração escola,
igreja, sociedade política e economia. O governo não interfere diretamente como
primeiro interessado, nem impõe uma filosofia educacional. Ele a delega à Igreja
Católica, como religião oficial. O ensino da doutrina católica era parte integrante
dos programas educacionais.
Naquele período, não havia ainda alusão explícita do Estado ao ensino
religioso. Só a partir da Lei Imperial de 1827, é que acontece essa explicitação,
como afirma Cury:
218 Para Gramsci, o cimento da sociedade civil é a ideologia ou a visão de mundo burguesa ou capitalista, sustentada pelas instituições culturais, cujos órgãos principais são os meios de comunicação, as instituições escolares, a Igreja ou o poder religioso. Todas essas instituições têm a função de abrigar, consolidar, conservar e transmitir a visão de mundo ou a ideologia que garante o consenso e a submissão das classes subalternas. Enquanto perdura esse consenso, a classe dominante mantém a sua hegemonia econômica, cultural e política. .
135
A Lei Imperial de 1827 determinava que os professores das escolas além de outras disciplinas deveriam ensinar os princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica.219
Presenciamos, neste bloco histórico, que o Estado e a Igreja se
apresentam solidários no horizonte ideológico. Hugues Portelli confirma esta
posição e diz:
Se a Igreja se apresenta ao mesmo tempo como uma casta intelectual autônoma e como o equivalente, ao nível ideológico, do aparelho do Estado em nível repressivo, é porque ela constitui, afirma Gramsci, uma das engrenagens essenciais do verdadeiro Estado220
Desta forma, entende-se que o Estado não se conduz apenas como
aparato coercitivo, mas é constituído pelo conjunto de redes de relações e de
hegemonia221. O Estado, em um sentido amplo, é constituído pelo conjunto da
sociedade civil e da sociedade política. Severino, assumindo a posição
gramsciana, observa:
Isto pressupõe a percepção de meios e de direção no conjunto da sociedade pela forma como se estabelece relativa hegemonia em relação ao Estado. A sociedade civil é como que o campo do consenso da adesão, enquanto que a sociedade política é o campo da força, expressa pela coesão estatal.222
Portanto, na visão gramsciana, a hegemonia223 não é exclusividade de
classes dominantes, pois ela é partilhada com outros setores não dominantes.224
219 Carlos Jamil CURY, A relação-sociedade-Estado pela mediação jurídico-constitucional. In: Osmar FAVERO (org), A educação nas constituintes brasileiras 1823-1988, p. 8. 220 Hugues PORTELLI, Gramsci e a questão religiosa, p.35. 221 Antonio GRAMSCI, Os intelectuais e a organização da cultura, p. 11. 222 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p.43. 223 O conceito de hegemonia no pensamento gramsciano é concebido enquanto direção e domínio, isto é, como conquista, através da persuasão e do consenso, não atuando apenas no âmbito econômico e político da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer. A hegemonia é a capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social, não se restringindo ao aspecto político, mas compreendendo um fato cultural, moral, de concepção do mundo. Há profunda conexão dos conceitos de sociedade civil, organização e regulamentação. Antonio GRAMSCI. Os intelectuais e a organização da cultura, passim. Etimologicamente, hegemonia deriva do grego eghestai, que significa "conduzir", "ser guia", "ser chefe", e do verbo eghemoneuo, que quer dizer "conduzir", e por derivação "ser chefe", "comandar", "dominar". Eghemonia, no grego antigo, era a designação para o comando supremo
136
É possível constatar essa afirmação gramsciana em Os intelectuais e a
organização da cultura.
Ao tratar do embate ideológico sobre o ensino religioso no âmbito das
polêmicas realizadas antes, durante e depois do bloco histórico colonial e
imperial, é possível constatar que diferentes grupos conceituaram a educação e
por conseguinte o ensino religioso de diferentes formas, atribuindo ao mesmo
objetivos diversos em função de seus interesses de classe.
Gramsci debruçou-se com lucidez sobre os fenômenos religiosos,
percebendo sua importância para a compreensão da sociedade contemporânea e
lembra que dentro de um determinado contexto histórico cada grupo cria para si
próprio camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência de
sua própria função.
O Estado brasileiro, no primeiro período, de 1500 até 1889, serviu-se da
ideologia religiosa contida na doutrina católica que se implantou como religião
oficial. Seus valores impregnaram profundamente a vida social e cultural da
Colônia à época do Império. Severino confirma esta realidade quando diz:
Para a organização institucional da educação e na implementação de sua política educacional, o Estado brasileiro contou com as instituições eclesiásticas e conviveu em íntima colaboração com a Igreja. Os interesses da classe dominante, representados pelo Estado, coincidem com os interesses da Igreja.225
O ensino religioso, neste período, está ligado à presença e à atuação da
Igreja católica, aliada ao Estado Português, com o propósito de desenvolver um
trabalho de evangelização. O ensino religioso, ministrado sob a forma de
catequese, foi um instrumento estratégico na manutenção da ordem, embora
tivesse posturas diferentes em função de seus projetos de Igreja, que ora se
das Forças Armadas. Trata-se, portanto, de uma terminologia com conotação militar. O eghemon era o condottiere, o guia e também o comandante do exército. 224 Quando Gramsci fala da hegemonia como "direção intelectual e moral", afirma que essa direção também se exerce no campo das idéias e da cultura, manifestando a capacidade de conquistar o consenso e de formar uma base social, pois hegemonia "é algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica, a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e sobre os modos de conhecer" Carlos Nelson COUTINHO, e Andréia de Paula TEIXEIRA, (org.) Ler Gramsci e entender a realidade passim. 225 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 62.
137
ligavam ora discrepavam, direta ou indiretamente, da dimensão colonial. Referindo-
se a esse contexto, Severino argumenta:
Dentro desse processo ideológico da política educacional desenvolvida pelo Estado brasileiro, é característica a utilização do ideário católico como concepção de mundo exercendo a função ideológica para a sustentação e reprodução desse modelo de sociedade. A cosmovisão católica serviu de ideologia adequada para a promoção e a defesa dos interesses da classe dominante. 226
O fato da descoberta e colonização do Brasil serem efetuadas sob os
interesses do Estado Português e da Igreja Católica, confere ao ensino religioso
uma singularidade especial, pois ao Estado português interessava solidificar as
conquistas e assegurar a expansão territorial através da catequese e da ação
missionária.
No bloco histórico colonial e imperial, o que se desenvolveu como ensino
religioso foi a religião oficial, como evangelização dos gentios e catequese dos
índios e dos negros conforme acordos entre o Sumo Pontífice e o Monarca de
Portugal, em função do projeto colonizador. As relações entre Igreja e Estado
foram regidas, a princípio, pelo pacto colonial que vinculava os dois poderes e
transformava o missionário e o clero em agentes do poder estatal. A mesma
situação persistiu no bloco histórico imperial, cujas constituições declaravam a
aliança entre a Igreja e o Estado.
A Constituição Política do Império do Brasil, no período de 1824, silencia
no que se refere especificamente ao ensino religioso. Mas, já é clara a ligação
entre Estado e Igreja, no Preâmbulo da Constituição, no artigo 5º e no item V do
artigo 179:
Art. 5 º - A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras serão permitidas com seu culto doméstico ou particular em casa para isso destinada, sem forma alguma exterior de Templo; Art. 179 º item V - Ninguém pode ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Pública227
226 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 70. 227 CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL de 25 de março de 1824. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui. Acesso 19/10/2007.
138
Nessa Constituição de 1824, o ensino religioso usufruiu do esquema de
protecionismo da Metrópole, em decorrência do regime regalista oficial,
implantado nesse período, pois a Carta Magna mantém a Religião Católica
Apostólica Romana como religião oficial do Império (Artigo 5º).
Por isso, a religião passa a ser um dos principais aparelhos ideológicos do
Estado, e cresce a dependência ao poder político por parte da Igreja. Desta
forma, a instituição eclesial é o principal sustentáculo do poder estabelecido, e o
que acontece na escola é automaticamente o ensino da Religião Católica
Apostólica Romana.
Com efeito, nesse período, a formação cristã foi prioridade nas escolas
com práticas religiosas obrigatórias, na intenção de impregnar seus ‘valores’ na
vida social e cultural da Colônia, chegando a ser a religião oficial do país à época
do Império, com o pacto entre Igreja e Estado. A catequese e os padres exercem
função hegemônica, isto é, de direção intelectual e moral da colônia, mas não
teriam exercido a função ideológica, isto é, de legitimação das relações sociais de
produção (escravização) e de domínio dos colonizadores e dos capitalistas
agrários sobre os subalternos. Essa legitimação era exercida pela ideologia
burguesa.
Antonio Joaquim Severino argumenta que “no primeiro período, o conflito
ideológico entre Igreja Católica e Estado não existia. Ao contrário, a ideologia
católica serviu adequadamente aos objetivos do Estado Colonial e Imperial.”228
Exerceu a função de ideologia auxiliar, aliada à visão de mundo burguesa.
Pedro A. Ribeiro de Oliveira,229 referindo-se à utilização ideológica dos
valores cristãos pela classe dominante e pelos governantes, alerta que isso não
significa dizer que o catolicismo recebesse uma adesão fiel aos valores cristãos,
pois o cidadão muitas vezes aderia a outros credos e ideais antagônicos como a
maçonaria, ou às posições filosóficas liberais, positivistas, materialistas e
iluministas, o que provocou a questão religiosa de 1874 entre as duas instâncias.
Mesmo ocorrendo um conflito ideológico, a Igreja, em razão do pacto
imperial, continuava dando suporte politico à hegemonia dominante. Isso
228 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 66. 229 Em sua pesquisa se atém à função social de hegemonia (direção intelectual e moral) e não à função social de ideologia (explicação e justificação das relações sociais de produção).Cf. Pedro A. Ribeiro de Oliveira. Religião e dominação de classe: Gênese,estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p .19.
139
diferencia a posição da Igreja com relação ao papel que exercia na Idade Média,
pois, como afirma Portelli, naquele período, ela era, ao mesmo tempo, aparelho
religioso e aparelho político, na medida em que ela detinha o monopólio
ideológico e político230.
Como se fazem presentes no Bloco Histórico Republicano a religião
católica e sua doutrinação é o tema do próximo item.
O liberalismo e o positivismo231 fortaleciam, cada vez mais, as tendências
republicanas, até o desfecho da mudança do regime. Entre as providências para a
efetivação do novo regime, estava a separação entre a Igreja e o Estado.
3.1.2 - O ensino religioso e a estrutura legal do Bloco Histórico Republicano (1889- 1988)
O período de 1889 a 1988 se caracteriza pelo abandono da ideologia
católica, por parte da política educacional do Estado, e pelo progressivo
predomínio da ideologia liberal, própria de uma burguesia leiga232. Este processo
de superação da ideologia católica e a afirmação da ideologia liberal - uma grande
mudança social e cultural - lançou a Igreja numa nova situação. A burguesia
nacional, sentindo-se suficientemente forte e em condições de prescindir do apoio
da Igreja, desenvolveu sua própria ideologia laica, passando a se apoiar na
ideologia liberal. Ao final do regime imperial, as relações de conflito entre a
ideologia católica e a ideologia liberal tornaram-se cada vez mais agudas.
O liberalismo e o positivismo233 fortaleciam, cada vez mais, as tendências
republicanas, até o desfecho da mudança do regime. Entre as providências para a
efetivação do novo regime, estava a separação entre a Igreja e o Estado.
Com o decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890234, configura-se uma nova
ordem política brasileira, em que impera o princípio de laicidade do Estado, e o
230 Hugues PORTELLI, Gramsci e a questão religiosa, p. 41. 231 Do ponto de vista do ideário, a República nasceu sob a influência e inspiração do positivismo, que marca sobretudo sua visão educacional. Com isso, opunha-se explicitamente ao ideário católico, propondo a liberdade e a laicidade da educação. Antonio Joaquim SEVERINO. Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 76. 232 Cf. Antonio Joaquim SEVERINO, Educação ideologia e contra-ideologia, p. 75. 233 Do ponto de vista do ideário, a República nasceu sob a influência e inspiração do positivismo, que marca sobretudo sua visão educacional. Com isso, opunha-se explicitamente ao ideário católico, propondo a liberdade e a laicidade da educação. Antonio Joaquim SEVERINO. Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 76.
140
governo republicano consumava a separação entre Igreja e Estado. Tem início
uma nova ordem social e um novo Bloco Histórico.
Nesse contexto, o ensino religioso entra no foco de debates. A Igreja
católica e grupos aliados tomam posição em defesa do direito do cidadão, tendo
como base o mesmo princípio da liberdade. Está armado o impasse, e se
estabelece o conflito, desencadeando uma grande polêmica em torno do ensino
religioso nas escolas da rede pública.
Nesse período, o ensino religioso é entendido por todos os setores
envolvidos, tanto os favoráveis como os contrários, como ensino da religião na
escola, isto é, como catequese, pela força de uma tradição de quatro séculos de
regime de padroado.
Dentro dessa realidade, o ensino da religião, segundo os defensores do
Estado laico, deveria ser mantido pela Igreja e não pelos cofres públicos. Este
fato vem à tona em todos os debates constituintes e pós-constituintes dos
regimes liberais, e chega até os dias atuais.
Considerando este aspecto polêmico, Lustosa, referindo-se ao citado
decreto, assim se expressa: “Fundamentalmente, o decreto instituía o Estado
leigo, separando a Igreja do Estado, promulgando a liberdade de cultos,
colocando todos em pé de igualdade”235.
234 O decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, figurou como documento chave para a mudança imediata da vida política brasileira, com os seguintes dispositivos legais: Art.1º É proibida à autoridade federal, assim à dos Estados Federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões filosóficas ou religiosas. Art. 2º A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos atos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto. Art.3º A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos individuais, senão também a igrejas, associações e instituições em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder público. Art.4º Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerrogativas. Art.5º A todas as Igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto. Art.6º O Governo Federal continua a prover à côngrua sustentação dos atuais serventuários do culto católico e subvencionará por um ano as cadeiras dos seminários ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos precedentes Oscar de Figueiredo LUSTOSA. Separação da Igreja e do Estado no Brasil 1890: Uma passagem para a libertação. Revista Eclesiástica Brasileira, vol.35, fasc. 139.Set. 1975, p. 631. O referido decreto é atribuído a Rui Barbosa, que em discurso apresenta o novo projeto, unanimemente aprovado. Oscar de Figueiredo LUSTOSA, Separação da Igreja e do Estado no Brasil, REB, v.35, p. 630-631. 235 Oscar de Figueiredo LUSTOSA, Separação da Igreja e do Estado no Brasil, REB, v.35, p. 630,
141
A polêmica referente ao ensino religioso continua nas discussões do
projeto de lei da Constituição de 1891. Ruy Barbosa propunha no seu artigo 1º,
terceiro parágrafo, que nas escolas mantidas pelo Estado não deveria ser imposta
uma crença236. Na verdade, o respeito à diversidade religiosa representa apenas
uma faceta do conflito das polêmicas que estariam emergindo paulatina e
sistematicamente no país.
A ideologia burguesa já não considerava mais o ensino religioso como
reforço para a hegemonia e para a manutenção das condições econômicas e
sociais que adentram no período republicano.
3.1.2.1 - A laicidade do Estado
A questão da laicidade e suas conseqüências para o ensino religioso na
escola pública têm uma longa história, por vezes conturbada, dependendo do
contexto sócio-religioso político de cada época. As discussões extrapolam o bloco
histórico do período Colonial e Imperial e adentram no século XX e XXI como um
marco divisor de opiniões, conceitos e princípios filosóficos e ideológicos.
A laicidade, ao conviver com a liberdade de expressão, de consciência e de
culto, não pode conviver com um Estado portador de uma confissão. Ao respeitar
todos os cultos, não adota nenhum.
Nas sociedades ocidentais, mais especificamente, a partir da modernidade,
a religião deixou de ser o componente da origem do poder terreno (deslocado
para a figura do indivíduo) e, lentamente, foi cedendo espaço para que o Estado
se distancie dos cultos, sem assumir um deles especificamente como religião
oficial237.
Oliveira aponta a dimensão da crise de hegemonia instaurada no regime de
padroado que se resolve com a proclamação da República e a instituição do
estado laico. A separação entre a Igreja e o Estado parte da iniciativa do próprio
governo e provoca reação na Igreja, que se opõe em nome de um princípio
dogmático.
236 Cf.Gil S.F. FILHO e Sergio R. JUNQUEIRA, Um espaço para compreender história: Questões e Debates, p. 106. 237 Cf. Carlos Roberto Jamil CURY, Ensino religioso na escola pública: retorno de uma polêmica recorrente, p. 2.
142
O episcopado brasileiro se ressente com a separação da Igreja e do
Estado e a liberdade de culto, pois considerava uma afronta à Igreja Católica ser
colocada em pé de igualdade com outras confissões religiosas238. Desde a
primeira República (1889-1930), a liderança católica se coloca em intensa
atividade na defesa de suas posições.
Na fase de laicidade, não há mais pacto, mas separação e autonomia entre
os dois poderes, o civil e o eclesiástico. A Igreja passou a ver o ensino escolar
laico e a exclusão do ensino religioso como uma grande violência imposta à
consciência católica. Alegava que a laicidade conflitava com a maioria dos alunos
que professavam a fé cristã católica239.
No predomínio da ideologia leiga, rejeita-se o monopólio da Igreja na área
do ensino religioso; a educação foi laicizada, sendo a religião eliminada do
currículo240. O conflito entre a ideologia burguesa e a ideologia religiosa acaba
descartando o papel da religião católica e da sua catequese como suporte do
sistema dominante.
É importante observar que a exclusão legal da ideologia católica e a
afirmação da ideologia liberal não constituíram um consenso, nem eliminaram os
conflitos.
Entre os que advogavam um ensino laico e os grupos religiosos
representantes da Igreja católica, que defendiam o ensino religioso nas escolas
públicas, travaram-se sérias discussões. A sociedade se dividiu em grupos
favoráveis e contrários ao ensino religioso nas escolas públicas e ao estado
leigo241.
Antônio Joaquim Severino elucida este fato e argumenta:
238 Pedro A Ribeiro de OLIVEIRA. A religião e a dominação de classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado, p. 269. 239 Laércio Dias de MOURA, A educação católica no Brasil: passado, presente e futuro, p. 97. 240 Thomas BRUNEAU, O catolicismo brasileiro em época de transição, p. 65. 241 A favor do ensino religioso: Cruzada Feminina Deus e Pátria; Conclamação aos membros do Apostolado da Oração e das Congregações Marianas; União de Moços Católicos (1931 contava com mais ou menos 20.000 membros no país); acadêmicos e professores de instituições de Ensino Superior do Rio de Janeiro; Liga Eleitoral Católica; Congresso Católico de Pelotas; Deputados Gaúchos Assis Brasil e Adroaldo M. da Costa na Constituinte de 1933. Estes assinaram emendas favoráveis ao ensino religioso. Contra o ensino religioso: Frente única formada por maçons, metodistas, batistas, adventistas, sete lojas maçônicas, nove sociedades espíritas; Comitê pró-liberdade de consciência organizado pelos metodistas. A favor do Estado Leigo: Coligação nacional pró-Estado Leigo; igrejas protestantes; lojas maçônicas; associações espíritas e 158 associações diversas apresentaram uma mensagem de protesto contra o ensino religioso; sessão cívica contra o ensino religioso e outras.
143
Este processo de superação da ideologia católica e de afirmação da ideologia liberal se deu mediante uma longa e lenta luta, característica de um real confronto entre as novas camadas dominantes e a Igreja242.
As duas forças das quais o próprio Estado dependia eram a Igreja e a
burguesia liberal. A Igreja identificava-se mais com a burguesia agrária e buscava
recuperar a concepção religiosa de vida com uma concepção ético-teológica. Os
liberais identificavam-se mais com a burguesia industrial e buscavam reconstruir a
sociedade com base em ideais puramente laicos de convivência e de
solidariedade.
Nesses acontecimentos, é decisiva a reorganização da Igreja243 no século
XIX. Seu enfraquecimento não lhe permitia resistir, sem risco de desaparecimento
puro e simples.244 Neste período, o bloco católico assumiu uma posição
tradicionalista, conservadora, restauradora, pois só nessa restauração via
condições para uma nova reordenação social. A Igreja vai assumindo novas
posturas: contrapõe-se aos erros da época, reorganiza a disciplina eclesiástica
promove a unidade245 e a solidez da sua doutrina.
A Década de 30 inaugura um quadro de novas exigências na educação,
após a extinção do padroado e a conseqüente separação entre Estado e Igreja.
O ensino religioso é contemplado pelo Decreto nº 19.941, de 30 de abril de
1931246 cujo teor introduziu, pela primeira vez, o ensino religioso nas escolas da
rede oficial de ensino no regime Republicano. Esse decreto teve como mentor
242 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 75. 243 Um dos acontecimentos mais significativos do período é a do 20º Concílio Ecumênico, o Vaticano I (1869-1970). 244 Gramsci observa o aparecimento de três tendências que surgiram no final do século XIX: jesuítas, integralistas e modernistas, com significados mais amplos do que aqueles estritamente religiosos. São partidos dentro da Igreja romana. Lutam pelo controle da Igreja e representam camadas sociais. Hugues PORTELLI, Gramsci e a questão religiosa, p.152-153. 245 Embora se manifeste de maneira aguda na conjuntura contemporânea, o pluralismo cultural ético e religioso não é assunto novo para a Igreja. Ao longo do processo histórico em que a cultura vai ganhando mais e mais autonomia frente à ordem moral e teológica, a Igreja teve, a cada momento, que redefinir suas relações com a escola pública, com a ciência, com o nacionalismo, com as artes, com os meios de comunicação, ou mais simplesmente com o que se convencionou chamar o advento da modernidade. Como se sabe, porém, até recentemente essa relação definiu-se pela condenação sumária dos "erros modernos". Foi apenas a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965) que a Igreja Católica foi capaz de se reconciliar com a modernidade. Gaudium et spes, constituição pastoral editada pelo concílio em 1965, inaugura para a Igreja uma nova visão do homem e uma nova atitude diante da cultura. 246 O texto do Decreto de 30 de abril de 1931, ver Anexo nº 8.
144
Francisco Campos247, contudo, foi o Pe. Leonel Franca248 que apresentou, com
base filosófico-jurídica, as razões do Decreto de 30 de abril de 1931, por meio do
qual admitiu-se o ensino religioso nas escolas oficiais. Sobre o produto final do
Decreto, Leonel Franca tece os seguintes comentários:
O decreto, digámo-lo com toda a lisura da nossa sinceridade – não inferiu coherentemente todas as consequencias das premissas estabelecidas na exposição de motivos. Aqui e alli se lhe podem notar senões; entre a magnitude da reforma introduzida e a ausencia indispensavel de maior estabilidade juridica observa-se uma disproporção incontestavel. São defeitos que ressaltam a vista e mostram que a obra, de primeiro jacto, não foi levada a sua perfeição definitiva. O proprio Governo, com a sinceridade de seus propositos e a clarividencia de seus intuitos, encarregar-se-á com o tempo, de preencher-lhe as lacunas e adicionar-lhe o complemento que as circunstancias do momento actual não permittiriam fossem incorporados na primeira redacção.249
Franca continua dizendo que:
Do ensino religioso, repetimos que depende apenas do mais elementar respeito à liberdade espiritual das familias, e se impõe, sem distincção, a todos os governos livres, monarchicos ou republicanos, aristocráticos ou democráticos, unidos à Igreja ou dela separados. Ensina-se religião catholica aos filhos de familias catholicas na Allemanha e na Inglaterra, na Hollanda e na Rumenia. E quem se lembrou por lá de combater essa disposição legislativa em nome da separação official entre o governo e o catolicismo250.
Na moldura das metamorfoses pelas quais o Brasil passava, a Constituição
de 1934 consolida o monopólio do Estado sobre a Educação, e dedica um
capítulo inteiro, com dez artigos, para a educação e cultura. A novidade ficou por
247 Francisco Campos, mentor do decreto de 1931, reintroduz o ensino religioso nas escolas públicas. 248 O padre Jesuita Leonel Franca foi responsável, a pedido do ministro, por redigir a exposição de motivos e a fórmula do Decreto. No entanto, houve uma modificação no Decreto, pois a fórmula do Padre Leonel Franca estabelecia o ensino religioso obrigatório dentro do horário escolar, enquanto o decreto 131 estabelecia o ensino religioso facultativo fora do horário escolar. Leonel FRANCA, Ensino religioso e Ensino Leigo, p. 92. 249 Leonel FRANCA, Ensino Religioso e Ensino Leigo, p. 132. 250 Ibid., p. 148.
145
conta do ensino religioso que, pela primeira vez na história do Brasil, é tratado de
forma explícita como disciplina escolar.
A Assembléia Nacional Constituinte dos Estados Unidos do Brasil de1934
dedica um artigo específico ao ensino religioso.
Art 153 - O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais.251’
A Constituição de 1934, portanto, marcou a trajetória do ensino religioso no
Brasil, por determinar sua admissão em caráter facultativo para o aluno, desde
1934 até nossos dias.
De acordo com as observações de Cury,
Data desta Constituição a assinalação, até hoje permanente, do ensino religioso como disciplina obrigatória dos currículos das escolas públicas, ainda que de matrícula facultativa.252
Com exceção da Primeira Carta Magna Republicana, de 24 de fevereiro de
1891, as demais Constituições Brasileiras posteriores à de 1934, mantiveram o
ensino religioso garantido como disciplina do currículo escolar, salvaguardando os
princípios da laicidade e da liberdade religiosa característicos de um Estado
Republicano. Pela primeira vez na história do Brasil, a Constituição de 1934 trata
de forma explícita o ensino religioso na escola pública, mesmo que de matrícula
facultativa. Com o mesmo teor, ele aparece na Constituição de 1937.
Seguindo a tendência laicista, a referida Constituição, em seu artigo 176,
determina: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos
horários das escolas de grau primário e médio”. Portanto, (pela primeira vez), a
Constituição Nacional se refere ao ensino religioso nas escolas públicas sem
determinar, no entanto, que seja ministrado de acordo com a confissão religiosa
do aluno e o amplia para abranger o ensino fundamental e médio.
251 BRASIL Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituica. Acesso 20/10/07. 252 Carlos Roberto Jamil CURY, A relação educação-sociedade-estado pela mediação jurídico-constitucional. In: Osmar FAVERO. A educação nas constituintes brasileiras, p. 14-15.
146
Na Constituição Federativa do Brasil de 1934, o artigo 5º, inciso XIV,
apresenta como competência da União, “traçar as diretrizes da educação
nacional”.
Na Constituição do Estado em 1937, Getúlio Vargas dá início ao Estado
Novo. Ocorre uma grande mudança em relação ao ensino religioso. Se na
Constituição anterior ele era matéria regular das escolas públicas, mesmo que de
matrícula facultativa, passa a ser opcional também para a instituição escolar.
Quanto ao ensino religioso, o Artigo 133 da citada Constituição afirma:
Art 133 - O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos.253
Depreende-se, assim, que a nova norma introduzida pela Constituição de
1937 aponta para uma desvalorização do ensino religioso.
No contexto nacional, alguns anos depois, o país entrava em guerra
(1944). Nessa época, o Decreto-Lei 6.535 criou o Serviço de Assistência
Religiosa das Forças Armadas. Estes acontecimentos antecederam a
Constituição de 1946, em cujo artigo 5º 254, o ensino religioso é contemplado
como dever do Estado.
Nesse período, assiste-se a um conjunto de reformas, as chamadas “Leis
Orgânicas de Ensino“, promulgadas entre 1942 e 1946, por Gustavo Capanema,
Ministro da Educação no Estado Novo. O momento é estimulado pela
necessidade de traçar as diretrizes da Educação Nacional. Dois anos depois, o
ensino religioso é contemplado no Art. 168, alínea V 255, da Constituição de 1946.
Esse artigo retoma o estatuto da Constituição de 1934. que regia essa área de
conhecimento como disciplina escolar, oferecida regularmente e com matrícula
facultativa. 253 CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao. Acesso 17/11/07 254 CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 18 DE SETEMBRO DE 1946. : http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/22/1946.htm. Acesso 17/11/07. 255 O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável, CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 18 DE SETEMBRO DE 1946. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao Acesso 17/11/07
147
3.1.2.2 - O ensino religioso na Constituição de 1967 A Constituição de 1967 foi promulgada na ressonância do regime ditatorial
instaurado pelo governo militar.
O Estado brasileiro encontra-se num estágio de mudanças, passando do
populismo para um regime autoritário. O governo militar pretende repensar o
problema do estado educador em termos liberais, em função da política
desenvolvimentista, num modelo capitalista avançado e com base no princípio da
unidade nacional.
O país assiste a uma modernização da própria ideologia burguesa de um
capitalismo avançado. Dentro desse aspecto, o que ocorria em um novo contexto
político econômico, era sua progressiva inserção no bloco do capitalismo
ocidental (Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão) e uma profunda
reorientação ideológica anti-comunista. A classe dominante e o Estado querem
agora uma ideologia em que prevaleça a laicização, modernizada e
pretensamente fundada na ciência.
Essa orientação ideológica imposta pelo capitalismo provocou
consideráveis mudanças na educação, como bem assinala Severino:
A mudança do regime político administrativo do país, em 1964, significou, também, momento de reorientação ideológica na política educacional do Estado brasileiro256.
Essa reorganização do regime político-administrativo do país significou,
também, momento de reorientação ideológica na política do ensino religioso.
A Constituição de 1967 omite o aspecto confessional, presente na
Constituição de 1934 e 1946. O Art. 168, alínea IV estabelece: “O ensino
religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das
escolas oficiais de grau primário e médio”257.
Nesse período, o Estado passa também a exercer um severo controle
político-ideológico sobre a educação, principalmente no nível universitário, em
256 Antonio Joaquim, SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 89. 257 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui. Acesso: 17/11/07
148
que grupos ligados ao novo regime buscavam vincular o ensino superior ao
mercado e ao projeto político de modernização de acordo com as exigências do
capitalismo internacional.
Desta forma, o desenvolvimento era considerado meta principal para a
condição de progresso do país, e é assim que a educação passa a desempenhar
um importante papel. Para gerir e promover o sucesso do projeto político de
desenvolvimento, a educação passa a exercer a função de “aparelho ideológico
do Estado”, através da formação de mentalidades e de recursos humanos (a mão-
de-obra).
Nos diversos níveis da educação, podemos perceber a ideologia
desenvolvimentista presente, objetivando a formação de trabalhadores capazes
de produzir mais a um custo menor. Investe-se no desenvolvimento das
inovações tecnológicas e adota-se uma perspectiva economicista em relação à
educação, colocando o planejamento desta nas mãos de economistas.
A educação precisou se ajustar à ruptura política ocorrida com o Golpe e,
assim, durante o governo militar, ela teve como atribuição a função de formar o
“capital humano”, estando vinculada ao mercado de trabalho e moldada pela
ideologia desenvolvimentista e de segurança nacional.
Durante esse período, as políticas públicas para a educação eram
associadas aos discursos de “construção social” e à proposta de fortalecimento
do Estado, que, por sua vez, foi reorganizado, visando a atender os interesses
econômicos vigentes. E se o Estado foi reorganizado, a educação também
precisava se reorganizar, e foi desta forma que se procurou adaptar o sistema
educacional aos imperativos de uma concepção econômica de desenvolvimento,
transformando educador e educando em mercadorias que, se bem investidas e
moldadas, dariam grandes lucros.
Nesse sentido, o país vive uma serie de contradições entre a ideologia
política e o modelo econômico. Se por um lado existe busca de identidade e de
independência, por outro, tende à internacionalização, submetendo-se ao controle
estrangeiro.
Esta concepção, que atende aos interesses da nova burguesia urbano
industrial, surgida na metade do século XX, exige a modernização de todos os
149
setores da vida social brasileira258. Havia, nessa época, portanto, um clima
ideológico político e social propício para a implantação do neoliberalismo.
Importa considerar que as mudanças ocorrem mais no plano internacional
que nacional. O capitalismo impõe ao país uma nova orientação ideológica de
inspiração tecnocrática259. O desenvolvimento, até então caracterizado pelo
nacionalismo, começa a entrar em contradição com o processo de
internacionalização da economia, por ocasião da instalação das multinacionais.
Antônio Joaquim Severino argumenta:
Ao regime não mais interessava a ideologia católica, porque a essa altura não mais precisa dela. A postura básica do novo regime é ideologicamente laica, além de modernizadora, dispensando qualquer contribuição da ideologia católica, a não ser quando, na sua feição mais conservadora tradicional, colabora para a manutenção da atitude fatalista e resignada da população frente à política do Estado.260
Vários fatores merecem ser levados em conta para se compreender a
significativa história da Igreja e do Estado na vida do país, nesse período.
Entretanto, isso nos levaria para longe do nosso objeto. É conhecida a posição da
Igreja Católica frente ao regime militar logo após o golpe de 1964. A hierarquia se
mostrou condescendente e vários bispos até se declararam partidários do regime.
Porém, diante das violações dos direitos humanos, da tortura, do autoritarismo
exacerbado e da negligência dos militares em promover a justiça social, a CNBB,
a partir de manifestações regionais, passou a enfrentar decididamente o sistema
ditatorial e a aliar-se à luta da sociedade pela volta do Estado de Direito.
Com o governo do General Figueiredo, o país começa a recuperar o
caminho da democracia, que se consolida com a Assembléia Geral Constituinte e
a nova Constituição de 1988, que restaura os direitos civis e a cidadania no país.
258 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p.85 259 No Brasil, a tendência tecnicista foi introduzida no período da ditadura militar (décadas de 60 e 70) e prejudicou sobretudo as escolas públicas. Uma de sua conseqüências é a excessiva burocratização do ensino: para o controle das atividades, são inúmeras as exigências de procedimentos e papéis. Evidentemente, essa tendência ignora que o processo pedagógico tem sua própria especificidade e jamais poderá haver rígida separação entre concepção e execução do trabalho. 260 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 91.
150
3.1.3 - O ensino religioso na estrutura legal após o retorno do Estado de Direito: de 1988 até nossos dias
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, marcou o início
de uma nova etapa da cidadania brasileira. Ao longo do período de ditadura
militar, a Nação foi se unindo na luta pela independência nacional, pela justiça
social e pela autodeterminação, ideais que esbarravam no cruel realismo das
elites em salvaguardar seus privilégios. As políticas de ajustamento da balança de
pagamento impostas pelo FMI - (Fundo Monetário Internacional) provocaram uma
queda sem precedentes nos salários reais, determinaram as condições gerais de
vida e lançaram no desemprego milhões de trabalhadores.
A sociedade brasileira, nesse período, engajou-se na luta pela
democratização, contra as conseqüências nefastas da ditadura militar em todos
os setores da sociedade, crises em parte já herdadas do período anterior, com
repercussão na educação261, que foi atingida na estrutura escolar, tais como:
encerramento de experiências escolares criativas, professores são cassados, os
períodos escolares são encurtados, o currículo é esvaziado em seu conteúdo
através da eliminação de matérias e imposição de novas, extraordinária redução
salarial dos professores.
O preâmbulo da Nova Constituição expressa o Estado democrático
sonhado de um Novo Brasil262. Nas Constituições anteriores263, a votação correu
por meio de representantes populares com delegação constituinte. A atual
Constituição (de 1988), contou com a participação da comunidade nacional,
mediante a mobilização de amplos segmentos da sociedade civil.
Os Blocos Históricos anteriores revelaram que o ensino religioso fora
usado pelo poder dominante como aliado ideológico, mesmo após a separação 261 Aquela situação caótica era, na verdade, o resultado de mudanças que ocorriam no país, visando sua independência. Eram as reformas de base que provocaram turbulência decorrentes de um modelo econômico. É importante lembrar que a sociedade brasileira foi preparada para produzir para o mercado externo, expandir a indústria multinacional e dedicar-se, ao mercado interno, ao consumo das classes médias e altas. Em conseqüência, era preciso eliminar os segmentos críticos, que lutavam pela libertação do país. 262 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” 263 As oito Constituições do Brasil:1824,1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e a atual de 1988.
151
entre o Estado e a Igreja. A nova Constituição aponta para o objetivo de se criar
uma sociedade mais democrática, conjugada com a alteridade264, evitando as
discriminações de toda a espécie, inclusive a religiosa.
Aqui está a razão da nossa motivação para a escolha da data, 1988, como
marco do início de um segmento especial do Bloco Histórico Republicano, para
nele analisarmos nosso objeto de estudo.
3.1.3.1 – Os indicativos da Carta Magna para a democratização da Educação
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de
dezembro de 1988, dedica uma seção inteira à educação, o que demonstra a
importância da mesma. A nova Constituição destaca os princípios fundamentais e
os objetivos da educação, bem como a organização do sistema educacional.
Estes princípios (fundamentais) de Direito Social estão contemplados no art. 6º265
da atual constituição.
No artigo 205266, estão previstos objetivos básicos da educação: o pleno
desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania, e a
qualificação da pessoa para o trabalho. Como se pode observar, integram-se,
nestes objetivos, valores antropológico-culturais, políticos e profissionais.
3.1.3.2 - A Carta Magna e o ordenamento do ensino religioso
Nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil presenciou uma tentativa de
redemocratização da vida social, que se refletiu na área da educação. Essa
tentativa de redemocratização atingiu o ensino religioso; a disciplina parte em
busca de sua identidade e de sua redefinição no âmbito dos currículos escolares. 264 “Respeitar o outro como alteridade significa entendê-lo como diverso, como outro e, portanto, reconhecê-lo como livre. O reconhecimento da alteridade do outro abre a possibilidade de também ser reconhecido como diverso e livre. Assim, há uma correspondência mútua entre reconhecer a alteridade do outro e ter sua alteridade reconhecida.” Severo HRYNIEWICZ, Introdução e História da Filosofia, p. 109. 265 "Art. 6º. “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” “266 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
152
As dificuldades de compreensão da identidade da disciplina como elemento
integrante da grade curricular sempre geraram discussões que refletiam a
herança do regime anterior autoritário e a crise cultural e educacional que se
instaurou em todos os setores da sociedade.
Podemos perguntar se o ensino religioso, na nova conjuntura, poderia
integrar o processo de redemocratização contribuindo significativamente para a
prática transformadora.
Na Carta Magna, argumentos e propostas são recuperados em vista da
permanência do ensino religioso no currículo, como disciplina. Com isso,
buscava-se permitir ao educando ter, na escola, a oportunidade de compreender
sua dimensão religiosa, oportunizando-lhe encontrar respostas aos seus
questionamentos existenciais, descobrindo e redescobrindo o sentido da sua
busca, na convivência com as diferenças.
No projeto democrático com vistas à pluralidade na alteridade, as escolas
deixam de ser um espaço unitário e coerente de grupos privilegiados. Com a
maior universalização do ensino, a escola tornou-se um espaço de toda a
sociedade, onde as diversas forças sociais e profissionais se articulam para
assumir responsavelmente novas modalidades de funcionamento e de ação
diante da realidade sociocultural do Brasil, cada vez mais plural e diversificada. A
escola democrática abre um espaço que permite avançar em um ensino religioso
aberto à diversidade pluricultural do Brasil.
Nesse sentido, o ensino religioso na escola pode oferecer elementos que,
pedagogicamente, contribuam para que várias visões de mundo possam dialogar.
É verdade que a educação, na modernidade, integra processos de avanços,
porém, também é verdade que a comunidade educativa, sob a formação
econômica capitalista, tem como sustentação e centro gerador de todas as
relações sociais o capital/trabalho.
Gramsci elucida esta afirmação quando diz que “nenhuma reforma
intelectual e moral pode estar desligada da reforma econômica”267.
A educação no Brasil, embora continue atrelada aos interesses dos setores
hegemônicos e privilegiados da sociedade, provoca também mudanças
qualitativas nos segmentos menos favorecidos, em virtude dos espaços que a
267 Antonio GRAMSCI, Os intelectuais e a organização da cultura, 121.
153
classe dominante foi forçada a abrir para as camadas médias e segmentos
subalternos, ampliando os espaços culturais e políticos268.
O ensino religioso no Brasil, como todo o processo educacional, participa
dessa conjuntura educacional de reprodução das condições econômico-sociais
capitalistas da sociedade classista brasileira e da ideologia dominante mas
também inclui um potencial de aliança com os setores educacionais que se
empenham em uma educação democrática a serviço de todos.
Para entender o ensino religioso em seu ordenamento e mal-estar, é
necessário entender a crise da educação nesse processo mais amplo, inserida na
crise do capitalismo de âmbito internacional com repercussões na realidade
nacional.
3.1.3.3 - A trajetória da atual LDB
Em 1961 é publicada a LDB que regulamenta o sistema educacional.
A Lei nº 4.024/61, - a primeira LDB elaborada no Brasil - não se preocupou
muito com o ensino básico. Vale lembrar também que, antes dela, não havia no
Brasil uma lei específica para a educação.
No que concerne ao ensino religioso nas escolas públicas de ensino
fundamental, houve grandes debates antes e depois do período de sua
elaboração, entre o os defensores269 da inclusão do ensino religioso na LDB e os
adeptos da escola pública laica270, seguidores do manifesto dos pioneiros271.
É possível deduzir que os dois grupos de intelectuais conceituaram o
ensino religioso de diferentes formas e atribuíram a ele objetivos diversos em
função dos seus interesses.
Os aspectos ideológicos em jogo eram os mesmos de antes: a conquista
de hegemonia das lideranças conservadoras da igreja contra a ação do Estado,
que se separou da Igreja com a proclamação da República.
268 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p 96. 269 Os defensores, grupo liderado pela Igreja católica por meio da AEC, CRN, CNBB. 270 ABE, que seguia os princípios do manifesto dos pioneiros da educação. 271 Documento assinado por 26 educadores brasileiros e redigido por Fernando de Azevedo no ano de 1932 que recebeu o nome de “A reconstrução educacional do Brasil, ao povo e ao governo”O manifesto tinha como objetivo estabelecer uma nova educação laica.
154
Apesar da abertura para a colaboração recíproca entre Igreja e Estado, a
situação do ensino religioso ainda prevalece de maneira restrita no sistema
escolar brasileiro.
O ensino religioso foi contemplado na LDB, no artigo 97 da Lei nº 4.024/61,
com a seguinte redação:
Art. 97. O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1º A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo de alunos. § 2º O registro dos professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa272.
Em 1971, sob o regime militar, promulga-se nova LDB sob a Lei nº
5692/71, que fixava Diretrizes e Bases do ensino de 1º e 2º graus e trazia
alterações no sentido de conter os aspectos liberais constantes na lei anterior,
estabelecendo um ensino tecnicista para atender ao regime vigente voltado para
a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista.
A referida Lei (nº 5692/71) permaneceu em vigor até 1996, quando da
aprovação da nova LDB, conhecida como Lei da Profissionalização do Ensino.
Publicada pelo então presidente Emilio Garrastazu Médici, voltou a
explicitar o caráter obrigatório da oferta do ensino religioso no curriculo dos
estabelecimentos oficiais, mantendo a matrícula facultativa, no artigo 7° §
único:“O ensino religioso de matrícula facultativa constituirá disciplina dos horários
normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus”.
Ela difere da LDB de 1961, pois exclui a expressão sem ônus para os
cofres públicos, não estabelece que o ensino religioso deve ser ministrado de
acordo com a confissão religiosa do aluno e estende o ensino religioso às escolas
públicas de 2º grau.
A LDB nº 5692/71 garantiu a formulação anterior, que previa a autorização
do professor de ensino religioso pela respectiva autoridade religiosa, revogou o
Art. 97 da lei 4024/61, que desincumbia o Estado ao ônus relativo aos professores
de ensino religioso. 272 O acesso pode ser feito através do site: http://www.mec.gov.br
155
Com a promulgação da Constituição do Brasil de 1988, as LDBs anteriores
foram consideradas obsoletas.
A Assembléia Constituinte de 1988 manteve o ensino religioso como
disciplina facultativa, não extensiva ao Ensino Médio273.
A atual LDB Lei Nº 9.394/96, foi sancionada em 20 de dezembro de 1996,
trazendo um dispositivo cujo teor avivou a polêmica sobre o ensino religioso,
porque isentava o Estado de encargos com o pagamento do professor de ensino
religioso, o que contrariava o princípio do direito universal da educação para
todos. Ela contempla o ensino religioso na sessão III (do Ensino Fundamental), no
capítulo II (da Educação Básica), no título V (dos níveis das modalidades de
Educação e Ensino), no Artigo 33274.
As ambiguidades e polêmicas que envolveram o ensino religioso no âmbito
desta Lei voltaram à Assembléia Legislativa. A solução proposta foi a de dar uma
nova redação ao Artigo 33. Essa redação foi dada pela Lei nº 9.475/97, publicada
no Diário oficial da União em 23/07/1997.
O Caput do novo Artigo 33 apresenta a situação objetiva do ensino
religioso para o ensino fundamental: “será de matrícula facultativa; será parte
integrante da formação básica do cidadão, deverá constituir-se em disciplina dos
horários normais das escolas públicas; deverá assegurar o respeito à diversidade
cultural e religiosa do Brasil, e estão vedadas quaisquer formas de proselitismo”
Determina que os sistemas de ensino a que estão vinculados os
estabelecimentos de ensino fundamental: “regulamentarão os procedimentos para
a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para
habilitação e a admissão dos docentes” ( parágrafo primeiro).
273 O texto recebeu a seguinte redação:”O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental“. 274 Este artigo tem a seguinte redação: “Art. 33 - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:
I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou
II – interconfessional, resultante de acordo entre diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa”.
156
O § 2º do mesmo Artigo 33 prevê, ainda, que “os sistemas de ensino
ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para
a definição dos conteúdos do ensino religioso”.
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) com
nova redação de 1997 buscou propiciar uma identidade ao ensino religioso
tentando, assim, superar a lei anterior (Lei 5692/71) que se dispersava em
inúmeras leis menores incluindo Pareceres, Resoluções Federais, Leis Estaduais
de diversas categorias e Leis Municipais, que a regulamentavam.
Todavia, apesar de a nova LDB abrir caminhos ao ensino religioso nos
seus mais diversos recortes teóricos e metodológicos, antropológicos, persistem
problemas não solucionados, o que significa que as medidas propostas pela
referida legislação não compuseram uma proposta consistente.
Francisco Aparecido Cordão275 argumenta que a atual Lei de Diretrizes e
Bases é suficientemente clara ao vetar que a disciplina ensino religioso se preste
à prática de “quaisquer formas de proselitismo”. O ensino religioso deve
assegurar o “respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil”.276
O mesmo autor salienta, também, que
Essa diversidade e pluralidade cultural e religiosa não é um fenômeno genuinamente brasileiro. Ele é praticamente universal. Poderíamos dizer que é uma chama acesa no coração de cada ser humano e que isto, por si só, já é razão suficiente para que uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional contemple a temática ensino religioso.277.
Cordão, ao referir-se aos trabalhos da Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação - cujos estudos sobre o ensino religioso e sua
prática escolar até hoje não foram concluídos, nem foram aprovados os
Parâmetros elaborados pelo FONAPER278, vê como fator de “alta indagação e
275 Francisco Aparecido CORDÃO, é Conselheiro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação – Diretor Presidente da Consultoria Educacional PEABIRU Ltda – Consultores Associados em Educação. 276 Francisco Aparecido CORDÃO, A formação do educador de ER: perspectivas de uma história, In: Sérgio R. A. JUNQUEIRA e Lilian B. de OLIVEIRA (org.) Ensino Religioso: Memória e perspectiva, p. 120. 277 Ibid., p.121. 278 O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER) é um organismo que trata de questões pertinentes ao ensino religioso, formado por educadores, organismos e entidades envolvidas com o ensino religioso,como espaço aberto para refletir e propor encaminhar, deliberar
157
complexidade” a polaridade entre a laicidade do Estado e da educação e a
inclusão obrigatória de uma disciplina de religião no currículo escolar279. O mesmo
autor acrescenta:
Cada vez que esse tema compareceu à cena dos projetos educacionais, veio sempre carregado de uma discussão intensa em torno de sua presença e factibilidade, em um país laico e multicultural.280
Este estado de crise no ensino religioso revela que a sociedade globalizada
e multicultural requer um “novo” ensino religioso, com um novo jeito de ser
implementado, pensado e afirmado no âmbito do espaço escolar.
Persistem os mal-estares, e a nova Lei tem suas luzes e sombras.
3.1.3.4 - Luzes e Sombras da Nova Lei sobre o ensino religioso
O ensino religioso na atualidade vem passando por transformações e
tensões e essa questão é complexa, porque envolve processos históricos de
laicidade do Estado e, ao mesmo tempo, nos leva a questionamentos relativos ao
próprio nome da disciplina “ensino religioso”, que evoca ensino da religião num
Estado laico.
Observe-se que esta denominação pode acarretar problemas, no sentido
de estabelecer um ensino religioso numa escola multicultural.
Entretanto, a nova Lei trouxe novas luzes, pontos positivos. Um amplo
olhar para o panorama da prática do ensino religioso atual nos mostra uma
realidade rica e complexa, com luzes e sombras, desafios e conquistas.
O ensino religioso nasceu subjugado ao regime político e ideológico. É uma
história de buscas, de reflexão, de redefinição, configuração, compreensão,
encaminhamentos referentes ao ER, sem descriminação de qualquer natureza, “espaço pedagógico centrado no atendimento ao direito do educando. de ter garantida a educação da sua busca do Transcendente”. Carta de Princípios do FONAPER. Carta aberta da Primeira Sessão. Florianópolis SC, 26 de setembro de 1955. (Anexo. 7). 279 Francisco Aparecido CORDÃO, Formação do educador de ensino religioso: Perspectivas de uma história, In. Sérgio Rogério Azevedo JUNQUEIRA; Lílian Blanck de OLIVEIRA (orgs.), Ensino religioso: Memória e Perspectivas, p.120. 280 Ibid., p.122.
158
operacionalização e legalização, deixando claro que ele se orientou em sentidos
diversos, de acordo com as diferentes Constituições.
Na atualidade, é um componente curricular, que tem status de disciplina,
conforme preconiza a Lei nº 9495/97, que modificou o artigo 33 da atual LDB da
Educação Nacional (9394/96), e é nessa proposta legal que aparecem luzes e
sombras.
3.1.3.4.1 – Luzes
Partimos da convicção de que a Nova Lei traz luzes que propiciam uma
identidade ao ensino religioso, uma vez que impulsiona a buscar um consenso
construído por profissionais e especialistas em especial da área de Ciências da
Religião, para definir as suas bases teóricas e metodológicas capazes de superar
abordagens e práticas de recorte catequético e confessional.
Efetivamente há avanços, pois situa o ensino religioso em um processo
educativo amplo, numa sociedade pluralista, e constitui, na escola, um espaço
importante para discussão e reflexão no processo de aprendizagem, da
convivência humana respeitosa e solidária, aberta ao outro, ao diferente, na qual
educadores e educandos procuram resgatar os valores fundamentais da vida e
dar sentido mais profundo e transcendente à existência humana, a partir da
própria religiosidade.
Os dispositivos da nova Lei contêm flexibilidades que permitem avançar em
um ensino religioso aberto à diversidade cultural e religiosa do Brasil.
Considerando-se esse aspecto, ele pode oferecer elementos que,
pedagogicamente, contribuam para que várias visões de mundo possam dialogar.
O ensino religioso, na sua complexidade, busca sua identidade no conjunto
curricular como disciplina, ampliada como área de conhecimento, aberto à
diversidade cultural religiosa, disposto ao diálogo e à prática da
transdisciplinaridade, construindo e transmitindo conhecimento nos seus diversos
recortes teóricos e metodológicos, a partir da necessidade e dos interesses dos
educandos.
Se o ensino religioso escolar como disciplina pode oferecer elementos que,
pedagogicamente, contribuam para que várias visões de mundo conversem entre
159
si, ele tem condições de assumir uma prática pedagógica que se solidifica no
conhecimento efetivo e afetivo das várias expressões religiosas.
A Nova Lei mudou o foco, o pilar de leitura e o tratamento do ensino
religioso, no que diz respeito à seleção de conteúdos, à prática pedagógica e à
formação de professores. Apontou, portanto, o ensino religioso como parte
integrante na construção dos currículos das escolas do ensino fundamental,
capaz de articular-se com a vida cidadã281. Em seu ordenamento específico,
orientou posicionamentos sobre a superação do proselitismo, discriminação e
intolerância no espaço escolar. Assegurou ao ensino religioso uma autonomia que
lhe permite centrar-se nos valores humanos e no direito do cidadão, garantindo a
este a liberdade de religião e pensamento.
A Lei 9495/97 propicia ao ensino religioso um caminho para sua
implementação e consolidação como área do conhecimento no contexto escolar,
com uma identidade definida em termos formais e reconhecido como disciplina
nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Sua leitura não
é mais qualificada nas modalidades de ensino religioso confessional, ecumênico,
inter-confessional e inter-religioso; ele é parte integrante da formação básica do
cidadão282.
A nova Lei, em seu parágrafo primeiro, determina responsabilidade aos
sistemas de ensino que regulamentam os procedimentos para a definição dos
conteúdos do ensino religioso e a habilitação dos professores. Nesse sentido, a
referência feita por Soares aos fatores que incidem sobre a ação do ensino
religioso constitui-se efetivamente, em luzes oriundas da atual LDB em sua
aplicação. Dessa forma, Afonso Maria Ligorio Soares entende que o ensino
religioso Pode ser capaz de proporcionar aos docentes o conhecimento dos elementos básicos do fenômeno religioso a partir da experiência dos alunos: expor e analisar o papel das tradições religiosas na sociedade e nas
281 O FÓRUM, NACIONAL PERMANETE DE ENSINO RELIGIOSO, atribui o seguinte significado à vida cidadã: é o do exercício de direitos e deveres de pessoas, grupos e instituições na sociedade, que, em sinergia, em movimento cheio de energias que se trocam e se articulam, influam sobre múltiplos aspectos possibilitando, assim, o viver bem e as transformações da convivência para melhor. FÓRUM, NACIONAL PERMANETE DE ENSINO RELIGIOSO, Caderno Temático nº 01, p.11. 282 FONAPER. Ensino religioso Capacitação para o novo milênio. Ensino religioso é disciplina integrante da formação do cidadão, p. 14.
160
culturas. Contribuir para a compreensão das diferenças e semelhanças entre as tradições religiosas: refletir sobre as relações dos valores éticos e práticas morais com as matrizes religiosas presentes na sociedade e na cultura: apresentar a religião como referência de sentido para a existência dos educandos e como um fator de condicionamento para a sua postura social e política, elucidar a problemática metodológica, curricular e legal do ER: e explicitar os processos de constituição, identificação e interação das denominações religiosas em seus diferentes contextos.283
O autor observa que a aprendizagem parte da experiência dos alunos e
que o ensino religioso tem, portanto, uma função integradora para o grupo, entre
seus membros, já que a vida é construída pelas relações de uns com os outros.
Na pesquisa de campo, apresentada e descrita no segundo capítulo, os
entrevistados compartilham pontos positivos referentes à LDB, dizendo:
A Nova LDB cria necessidade de zelar na formação do professor. Isto é muito importante pois percebo a necessidade de um melhor conhecimento. Entendo que ensino religioso não é ensinar o que é específico de uma denominada confissão religiosa 284.
Assim, uma das características marcantes da Lei de Diretrizes e Bases
evidenciada pelos entrevistados é a possibilidade de trabalhar o o ensino religioso
em uma direção valorativa do indivíduo e da sociedade. Esse é o teor do seguinte
depoimento: Através do ensino religioso buscamos nossas raízes culturais, que nos levam a perceber e a respeitar a pluralidade, da sociedade brasileira. Ele propicia conhecimento do fenômeno religioso, zela pelos valores, dá sentido à vida e conduz tanto a vida pessoal como a vida da sociedade para valores perenes. É a disciplina que leva o educando a cultivar um melhor conhecimento de sua religião e respeitar os que praticam outras religiões. 285
Confirma-se, portanto, por parte dos entrevistados, a existência de
concepções positivas referentes à nova Lei que orienta o ensino religioso.
283 Afonso Maria Ligorio SOARES, Apresentação da coleção. In. João Décio PASSOS, Ensino religioso: Construção de uma proposta, p.8. 284 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 6. 285 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 20.
161
A pesquisa, como podemos observar, apresenta a relevância da religião
para a vida social e individual, seguindo uma perspectiva disciplinar científica, que
permite avançar para o estudo da religião como caminho para a formação de um
cidadão mais crítico e responsável.
A nova Lei apresenta também características básicas de flexibilidade, de
abertura e de inovações. É possível perceber que a Lei indica horizontes na
busca de soluções para a problemática do ensino religioso no Brasil, capazes de
dinamizá-lo como disciplina.
Mas faz emergir também desafios a superar. Esses pontos negativos não
passaram desapercebidos nas entrevistas e nos questionários e carecem de
análise mais acurada.
3.1.3.4.2 - Sombras No processo de análise dos pontos obscuros que sobressaem da
legislação específica do ensino religioso, buscamos nas palavras de Aparecido
Francisco Cordão a luz para melhor entender essa situação. Em um de seus
trabalhos, Cordão ressalta a complexidade asseverada pela Câmara de Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação no caso específico do ensino
religioso:
A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, em estudos não concluídos sobre o “ensino religioso e sua prática escolar”, assevera que o ensino religioso, como parte integrante do currículo, quando legalmente aceito e não só, mas constitucionalmente prescrito para os currículos das escolas do ensino fundamental, na medida em que envolve a questão da laicidade do Estado, a realidade sócio-cultural dos múltiplos credos e a face existencial de cada indivíduo, torna-se uma questão de alta indagação e complexidade, em termos de encaminhamento adequado, frente aos princípios que orientam a convivência democrática da humanidade contemporânea286.
286Francisco Aparecido CORDÃO, A formação do educador de ensino religioso: perspectivas de uma história. In: Sérgio R.A.JUNQUEIRA e Lilian B. de OLIVEIRA (org), Ensino religioso:memória e perspectivas, p.121.
162
O ensino religioso, no panorama atual, reflete a problemática do passado
histórico e se apresenta como uma disciplina difícil de ser situada no contexto
escolar. Não há clareza quanto à sua identidade e seus conteúdos específicos.
Cury explicita esta situação difícil quando diz:
Nos dias atuais, talvez a comparação mais perfeita para a situação neste quadro seja “ver-se em evidência embaraçosa”. A força dessa indução leva a buscar alternativas de pensamento e ação, para sair da crise287.
As expressões utilizadas por Cordão ‘’Uma alta questão de indagação e
complexidade”- e por Cury - “evidência embaraçosa”- indicam que, na área do
ensino religioso, há um desafio provocador, que deve levar a sérias pesquisas, a
freqüentes diálogos, apropriando-se da hermenêutica288 para discutir a fundo as
questões afetas à disciplina e suas significativas mudanças, para conviver com a
alteridade em suas mais variadas manifestações, a partir da ética e dos Direitos
Humanos, entre os quais está o direito de se ter uma opção religiosa.
Esta compreensão desafia as formas tradicionais que ainda persistem em
utilizar a disciplina como meio de doutrinação.
Essa atitude não traz nenhuma contribuição para afirmar essa disciplina
que ainda está em uma fase incipiente de busca de sua identidade,
especificidade, finalidade, conteúdos, metodologia e de profissionais
competentes, como requer a boa pedagogia.
É importante considerar que o debate sobre o ensino religioso vem
acompanhando toda a história de nossa educação e que os pronunciamentos
sobre a matéria estiveram sempre presentes.
Conforme entende Figueiredo, a complexidade que envolve o ensino
religioso, em sua ”raiz”, está implícita no conflito existente na sociedade brasileira,
assumido pelos legisladores, ou seja, Em todo o período permaneceram as tendências de raiz, ou seja, a presença tanto dos defensores do “ensino leigo” – entendido como não religioso, ou a isenção dos encargos de sua manutenção pelos cofres públicos – como dos
287 Carlos Roberto Jamil CURY, Ensino religioso e escola pública: o curso histórico de uma polêmica entre Igreja e Estado no Brasil. Educação em Revista, Faculdade de Educação/ UFMG), Ano VIII- nº 17- junho de 1993, col. 1, p. 26. 288 Como teoria geral, a hermenêutica no ensino religioso é a arte de captar o sentido, tem seu grande valor na interpretação de textos religiosos ou filosóficos.
163
defensores do ensino religioso nas escolas públicas, como direito do cidadão e dever do Estado em garanti-lo, porém com subsídio financeiro.289
João Décio Passos, ao abordar o tema referente a Igreja e o Estado aponta
outra crise:
O centro da questão residia na relação entre ensino público e liberdade religiosa, ou, em termos políticos entre a religião e a laicidade290 inerente ao Estado moderno, resultado entre a separação entre Igreja e Estado291 .
Esta é uma questão central que ainda permanece não resolvida. Ao referir-
se à Constituição de 1934 Cury observa que ela apresenta um marco para o
debate sobre o ensino religioso, pois,
Data desta Constituição a assinalação, até hoje permanente, do ensino religioso como disciplina obrigatória dos currículos das escolas públicas, ainda que de matrícula facultativa. De outro lado, dela data também a exclusão do termo laicidade das constituições federais brasileiras292.
É importante perceber que a luta do laicismo pela exclusão do ensino
religioso presente na Constituição de 1934 tem reflexo até os dias atuais, e
constitui um aspecto sombrio que leva a indagar: teria sido totalmente superado o
laicismo no que tange ao ensino religioso?
Com relação a essa dúvida Queiroz, em texto ainda inédito, traz algumas
importantes reflexões. Ele argumenta que o ensino religioso não aparece na
Constituição da República de 1891 e só se faz presente depois de longos 43
anos, na Constituição do primeiro governo de Vargas, em 1934. Por que essa
ausência?
289 Anísia de P. FIGUEIREDO, Realidade, poder, ilusão: um estudo sobre a legalização do ensino religioso nas escolas e suas relações conflitavas como disciplina “sui generis” no interior do sistema público de ensino, p.34. 290 A corrente laicista assim argumenta: a laicidade permite que se assuma, defenda e promova, sem tibieza ou tergiversações, os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, sem que a liberdade religiosa seja posta em causa ou os crentes beliscados nos seus direitos.Disponível em http://www.geocities.com/.Acesso:01/09/07 291 João Décio PASSOS, Ensino Religioso: Mediações Epistemológicas e Finalidades Pedagógicas, In. Luzia Sena ( org.), Ensino Religioso e formação docente, p.21. 292 Carlos Roberto Jamil CURY, A relação educação-sociedade-Estado pela mediação jurídico-constitucional. In: Osmar FAVERO, A educação nas constituintes brasileiras, p. 14-15.
164
Para responder a essa indagação, ele recorre à pesquisa de Viviane
Cândido, que, na dissertação sobre o ensino religioso em suas fontes,293 trabalha
uma corrente visceralmente contrária ao ensino religioso, a que ela denomina o
“Grupo do Não”, constituído por ateus, liberais, laicistas, luministas,
agnósticos, socialistas etc. Este grupo, desde o fim do Império e a instauração da
República, tem tido presença atuante no cenário cultural e político brasileiro.
Segundo Queiroz, esse grupo foi em parte vencido, mas não extinguido,
pela ação política do lobby católico instituído pelo Cardeal Leme junto ao governo
Vargas. Esse lobby, por meio da LEC ( Liga Eleitoral Católica), conseguiu maioria
católica entre os Constituintes de 1934 e, por conseqüência, a aprovação de
vários privilégios e reivindicações da Igreja, entre elas o retorno do ensino
religioso, que voltou a ser obrigatório nas escolas públicas, porém, desde então
até hoje, como disciplina facultativa para o aluno.
Como se vê, o “grupo do não” perdeu, mas não totalmente, porque
consegue imprimir o caráter facultativo a esse ensino. Tem início, então, o
aspecto contraditório e ambíguo do ensino religioso, que perdura até hoje: é
obrigatório e ao mesmo tempo facultativo. É e não é!
Em 1997, é aprovado o projeto de Lei do deputado petista Roque
Zimmerman que dá nova redação ao art. 33 da LDB. O ensino religioso conquista
o status de disciplina dos horários das escolas públicas do ensino fundamental e
deixa de ser exclusivamente confessional. Aliás, a nova Lei proíbe qualquer forma
de proselitismo e lhe confere a característica de ensino pluriconfessional, pois o
seu conteúdo deve ser definido por entidade civil constituída por diferentes
denominações religiosas.
Queiroz volta sua atenção para a ambigüidade que se agrava por obra
dessa mesma Lei, pois o âmbito federal “lava as mãos” e “joga” para os sistemas
de ensino (estaduais e municipais) a tarefa de definir os conteúdos da disciplina e
as normas para a habilitação e admissão de professores.
O mesmo autor constata que foi por essa razão que os Parâmetros
Curriculares para o ensino religioso, elaborados pelo FONAPER e apresentados
ao MEC em 1998, até hoje não tiveram aprovação oficial, embora a Câmara de
293 Viviane Cristina CÂNDIDO, O ensino religioso em suas fontes: uma contribuição para a epistemologia do ensino religioso, Dissertação (Mestrado em Educação), São Paulo: UNINOVE, 2004.
165
Ensino Básico, naquele mesmo ano, tivesse reconhecido a Educação Religiosa
como uma das áreas de conhecimento.
Essa “liberação” do ensino religioso para os sistemas de ensino parece ser
um dos fatores que vem facilitando o retrocesso do ensino religioso do status de
disciplina e área de conhecimento para a condição de ensino confessional,
catequético, fechado ao diálogo e à dimensão plurirreligiosa.
A inclusão da disciplina do ensino religioso no currículo das escolas
públicas do ensino fundamental, tal como é praticado atualmente, evoca uma
problemática do período Republicano, em meio a amarras e ao peso de um
contexto sócio-político-econômico-cultural.
Observa-se que não há um direcionamento maior dos conteúdos
curriculares do ensino religioso por parte da União, o que vem provocando uma
multiplicidade de pareceres e decretos, como é o caso do Parecer Nº 97/99
(Anexo 09), do Conselho Nacional de Educação-UF:DF, adotado como
embasamento para nossa reflexão.
O Parecer trata da autorização e reconhecimento de cursos de licenciatura
em ensino religioso. O referido documento apresenta o seguinte:
A Lei nº 9.475 não se refere especificamente a esta questão, o problema precisa ser resolvido à luz da legislação maior, da própria Constituição Federal, dentro das limitações estabelecidas pela lei acima referida e pela própria Lei 9394, nos artigos e parágrafos não alterados pela legislação posterior294.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), no mesmo documento, levanta
várias considerações e justifica a disposição da lei que delega aos sistemas de
ensino, não só definir os conteúdos, mas também as normas para habilitação e
admissão de professores, dada a impossibilidade de uma diretriz curricular única
e uma licenciatura em ensino religioso com um consenso entre as partes que
organizam as propostas curriculares sobre o conteúdo e uso de metodologias
apropriadas à referida disciplina.
O citado parecer finaliza com a seguinte afirmação:
294 O acesso pode ser feito através do site www.mec.gov.br
166
Não cabe à União determinar, direta ou indiretamente, conteúdos curriculares que orientam a formação religiosa dos professores, o que interferiria tanto na liberdade de crença como nas decisões de Estados e municípios referentes a organização dos cursos em seus sistemas de ensino. Não lhe compete autorizar, nem reconhecer, nem avaliar cursos de licenciatura em ensino religioso, cujos diplomas tenham validade nacional, competindo aos Estados e municípios organizarem e definirem os conteúdos do ensino religioso nos seus sistemas de ensino e as normas para a habilitação e admissão dos professores.295.
Tais posicionamentos nos levam a crer que há uma notável discriminação
do ensino religioso em relação às demais disciplinas, que têm amparo legal e
estão reguladas pela própria União quanto às exigências de curso superior de
licenciatura para o efetivo exercício no magistério e as normas curriculares. Nesse
aspecto, o ensino religioso e seus conteúdos curriculares acabaram sendo refém
de uma tríplice força: as igrejas, as entidades civis e as instâncias legislativas
estaduais e municipais.
Acrescente-se que, atualmente, o acelerado processo de construção de
conhecimento, as novas tecnologias e as leis de mercado exigem dos
profissionais novas habilidades, e isso rebate no professor de ensino religioso
O ensino religioso, um filho gerado e deserdado pela União, não oferece ao
seu profissional o amparo necessário para se atualizar perante as necessidades
dos novos tempos. Esse cenário compromete a educação de qualidade, porque
afeta o cotidiano do profissional em sala de aula, no ato de aprender e de ensinar,
e impede uma educação que, segundo a CNBB,
Deve estar a serviço desse aprender que se radicaliza na liberdade, passa pela libertação da pessoa e culmina na abertura a uma ordem social humanizadora296.
Nessa perspectiva, é importante encontrar caminhos para que o ensino
religioso possa fazer parte do conjunto de saberes, avançar nas discussões e
estudos quanto à sua identidade e à definição de sua episteme, bem como com
relação às necessidade de se implantar uma política específica dessa disciplina.
João Décio Passos afirma:
295 PARECER Nº: CP 097/99 (anexo 9). 296 CONFERÊNCIA DOS BISPOS DO BRASIL, Educação Igreja e Sociedade, p. 40.
167
Desde a nova LDB o Ministério da Educação não conseguiu implantar uma politica do ER que superasse a clássica questão da separação Igreja-Estado, o que significou não conseguir sustentar uma proposta consistente desse ensino: do ponto de vista antropológico, como uma dimensão humana a ser educada; do ponto de vista epistemológico, como uma tarefa de conhecimento com estatuto próprio, conforme indica a Resolucão n 2/98, da Câmara de Educação Básica; e, do ponto de vista político, como uma tarefa primordialmente dos sistemas de ensino e não das confissões religiosas 297.
A democratização do ensino religioso está subordinada ao processo geral
de democratização da educação e da sociedade nacional. Ela exige como
condição para sua realização, o enfrentamento dos mecanismos de exclusão que,
enfeixados no ensino religioso, cerceiam os caminhos para que a educação possa
atuar decisivamente no processo de construção da cidadania, tendo como meta o
ideal de uma crescente igualdade de direitos.
Portanto, a qualificação e habilitação de professores para o exercício pleno
da função constitui um dos grandes desafios, ou sombra, presente no sistema
educacional brasileiro, a ser superado.
Convém destacar que o ensino religioso, por ser mais que um saber sobre
religiões, uma reflexão diversificada sobre a vida humana em todas as culturas,
comporta educadores com formação específica para trabalhar os valores da
religiosidade básica, de raiz, ou seja, anterior e subjacente, em toda pessoa
humana, a qualquer temática e estrutura religiosa.
A ausência de cursos de formação a nível de licenciatura e graduação
plena, de conformidade com as novas exigências do ensino religioso para os dias
atuais, dificultam aos professores aprofundar as informações que receberam em
sua formação geral e interpretá-las em chave de leitura pedagógica, científica e
religiosa. Com dificuldade, trabalham as concepções próprias da religiosidade.
Poucos conseguem chegar a um clima de liberdade e juízo crítico com relação às
mais variadas manifestações religiosas, a partir da ética e dos Direitos Humanos,
entre os quais está o direito de se ter uma opção religiosa.
A nova Constituição, as Leis e Pareceres chamam a atenção para a
urgência de debate sério e profundo sobre a problemática Educacional Brasileira 297 João Décio PASSOS, Ensino religioso: construção de uma proposta, p. 14.
168
e nela o ensino religioso. É necessário uma discussão ampla, envolvendo toda a
sociedade brasileira e não somente os chamados profissionais da educação. Este
aspecto pode constituir objeto de análises posteriores.
O ensino religioso requer uma discussão em âmbito mais amplo capaz de
alimentar a consciência de que, na construção de uma nação, a educação é
responsável pela estruturação de valores, pela visão de pessoa e de sociedade,
pelo uso dos bens públicos, pelo tipo de participação popular, pela construção do
bem comum, enfim, pelo perfil de pessoas e de sociedade que queremos. E esse
cenário toca diretamente a formação do professor de ensino religioso.
3.2 – A formação do professor de ensino religioso: uma ausência e uma exigência repetidas vezes apontadas na pesquisa.
Após situar e analisar o ensino religioso na legislação brasileira, nos
sucessivos Blocos Históricos que marcaram a periodicidade da história da
educação no Brasil, importa agora voltarmo-nos para as inquietações relativas à
formação dos professores, questão que se apresentou como outro agente
provocador de mal-estar. Sobre este indicativo, pretende-se realizar uma análise
tendo como referência a sua grande incidência na pesquisa de campo.
Ao localizar os pontos de maior incidência, a pesquisa de campo revela
que a educação, a epistemologia298 e a ética têm uma relação intrínseca com a
formação, situada no centro das preocupações dos entrevistados. Os dados
mostram que há defasagem na formação específica para a área, no sentido de
um preparo melhor para atuar com a complexidade atual no campo do ensino
religioso, pois as mudanças que ocorreram na estrutura social, principalmente no
processo de trabalho de formação do aluno, passam a exigir um profissional mais
flexível, eficiente e polivalente.
As exigências de qualificação do professor de ensino religioso colocam
desafios à formação deste profissional no aspecto qualitativo, em diferentes
saberes acadêmicos, baseados na experiência, rotinas e guias de ação e teorias
implícitas que requerem análise; outros desafios surgem da expansão política e 298 A epistemologia da prática tem sua raiz em Dewey (1859-1952) que fez uma importante distinção entre o ato humano reflexivo e o rotineiro, colocando a reflexão como uma forma especializada de pensar. No entanto, foi com Donald Schön, na década de 80 do século XX, que este conceito se popularizou e se estendeu ao corpo de formação de professor
169
social dos saberes, isto é, conhecimentos, competências e habilidades que os
professores precisam ter diariamente nas salas de aula e nas escolas, a fim de
realizar concretamente suas diversas tarefas.
Para a construção da competência do docente em ensino religioso, as
exigências são múltiplas, como observa Cortella:
A construção da competência do docente de ensino religioso, por ser área profundamente delicada e usualmente polêmica, carece de maior substância e necessita ser feita de forma embasada, consistente, metódica, com recursos e reflexões da Didática e da Pedagogia sobre os processos educativos299.
Por isso, segundo João Décio Passos, é importante recorrer aos
fundamentos das Ciências da Religião com todo aporte que oferece para
investigações do ensino religioso na história e nas sociedades (de antes e de
agora), nos campos simbólicos, nas relações com o poder político, sempre com a
colaboração multidisciplinar dos vários ramos do saber300.
Essa construção de competências vem constituindo, sempre mais, uma
tarefa urgente na formação do professor. Porém, refletir propositivamente requer
uma adequada consideração do cenário que se visualiza no âmbito nacional e
estadual, quando a educação vai se direcionando à lógica de mercado. Sob esta
perspectiva, como diz Mário Sergio Cortella:
Não há como negar que na atualidade um dos grandes desafios para as universidades públicas está na formação dos professores que vão atuar no ensino fundamental das escolas estaduais do país, no que diz respeito a sua formação técnico-científico-cultural301.
Na decorrência de grandes transformações culturais, sociais e tecnológicas
pelas quais tem passado a humanidade, novos paradigmas têm norteado a
concepção de ensino religioso no Brasil. As modificações do mundo
contemporâneo impõem certas preocupações aos professores de ensino
299 Mario Sergio CORTELLA, Educação, ensino religioso e formação docente, In.: Luzia SENA (org.) Ensino religioso e formação docente, p. 20. 300 João Décio PASSOS, Ensino religioso: construção de uma proposta, p. 23. 301 Mario Sergio CORTELLA, Educação, ensino religioso e formação docente, In.: Luzia SENA (Org.) Ensino religioso e formação docente, passim.
170
religioso, no sentido de proporcionar ao educando informações e reflexões que o
ajudem a cultivar sua religiosidade, encaminhar um projeto de vida, vivenciar
práticas transformadoras, remover eventuais resistências e obstáculos à fé,
compreender as diversas expressões religiosas e o ateísmo; valorizar a própria
crença e respeitar a dos outros.
Tais preocupações não podem ficar alheias à revolução das ciências e dos
meios de comunicação de massa que exigem formar profissionais capazes de
superar preconceitos e fazer frente à complexidade social que se descortina. É
necessário que saibam lidar também com o pluralismo dos novos tempos, nos
quais as religiões e seu estudo devem inserir-se pela ação pedagógica e ética.
Em consonância com a preocupação dos professores entrevistados, cujas
afirmações ressaltam que a formação do professor precisa ser concebida como
um continuum302, ou seja, um processo de desenvolvimento ao longo do seu
trabalho como profissional303, deve-se entender essa formação como um voltar-se
para a profissionalização, para um maior comprometimento com o próprio
desenvolvimento e com os grupos de referência.
3.2.1 - A epistemologia e a formação do professor: mapeando concepções.
A questão da epistemologia304 está no centro do debate sobre a formação
do professor contemplada por vários autores que se tornaram referência neste
estudo.
Teresinha Rios destaca o núcleo específico relacionado com a formação do
educador: a questão da qualidade do trabalho educativo e a questão da
competência do educador. Ela enfatiza a importância da indissociabilidade entre
estas duas dimensões e apresenta a dimensão ética como mediadora entre
ambas. Ao falar da formação do educador, com vistas a uma profissionalização
302 Essa idéia de continuum obriga ao estabelecimento de um fio condutor que vá produzindo os sentidos e explicitando os significados ao longo de toda a vida do professor, garantindo ao mesmo tempo, os nexos entre a formação inicial, continuada e as experiências vividas. 303 Karoline MOK, Entrevista diretiva: fichário nº 1, p. 08. 304 Entende-se por epistemologia do ensino religioso, sua fundamentação teórica e metodológica enquanto área específica do conhecimento, que assume a religião como objeto de estudo, produzindo sobre ele resultados compreensivos que normalmente são credenciados como ciência. João Décio PASSOS, Ensino religioso: mediações epistemológicas e finalidades pedagógicas. In: Luzia SENA (Org.) Ensino religioso e formação docente, p. 23.
171
em que haja competência, menciona o duplo caráter dessa competência: sua
dimensão técnica e política. Também confirma a interface entre a ética, a política
e a técnica, e enfatiza a dialeticidade que aí se instaura. A sua reflexão,
entretanto, não estabelece uma interligação somente entre esses três elementos,
mas vai inserindo e articulando, ao mesmo tempo, uma discussão dessas
dimensões com a questão da formação dos professores305.
Outro autor que situa a questão da formação do professor é João Décio
Passos. Em seu livro intitulado Ensino religioso: construção de uma proposta, visa
situar a problemática epistemológica do ensino religioso. Ele defende o modelo
das Ciências da Religião como um excelente caminho de formação para sustentar
a autonomia epistemológica e pedagógica do ensino religioso. Esclarece o fundo
político da problemática e reconhece o valor teórico, social e pedagógico do
estudo da religião para a formação do cidadão. A consolidação da disciplina do
ensino religioso como prática educativa na formação básica do cidadão aguarda a
formação docente dentro de um quadro epistemológico definido e consistente.
Sublinha, ainda, a necessidade de uma diretriz nacional sobre a formação
docente para o ensino religioso306.
Outra abordagem instigante sobre a questão da epistemologia que está no
centro do debate sobre a formação do professor é explicitada por Maurice Tardif
em Saberes docentes e formação do profissional. Em sua análise, aborda
questões alusivas à formação de professores, que se desenvolve, hoje, no
movimento de profissionalização do ensino. Propõe uma definição de
epistemologia307 da prática profissional e as conseqüências dessa definição.
Chama atenção para um fenômeno dos últimos vinte anos: as profissões e a
formação profissional estariam passando por uma crise geral. Essa crise poderia
ser resumida, segundo o autor, em quatro pontos: crise de perícia profissional;
crise de confiança na capacidade da universidade na formação de bons
profissionais; crise do poder profissional e crise ética profissional.
Nesse contexto de crise da profissionalização do trabalho docente e de
profissões, a questão da epistemologia e da prática profissional se encontra no
305 Cf. Teresinha Azeredo RIOS, Ética e competência, p. 69-80 306 Cf. João Décio PASSOS, Ensino religioso:construção de uma proposta, p. 13-23. 307 Tardif, chama de epistemologia da prática profissional o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas.Cf. Maurife TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 255.
172
cerne desse movimento de profissionalização. Pautando-se na ética, Tardif
mostra que os cursos de formação no âmbito da universidade não têm dado conta
da formação profissional, por estarem centrados no saber acadêmico, teórico e
científico e argumenta:
Querer estudar os saberes profissionais sem associá-los a uma situação de ensino, a práticas de ensino e a um querer estudar uma situação real de trabalho, uma situação real de ensino, sem levar em consideração a atividade do professor e os saberes por ele mobilizados. Finalmente, querer estudar os professores sem estudar o trabalho e os saberes deles seria um absurdo maior ainda.308
A definição que Tardif apresenta quando se refere à epistemologia não
propõe palavras ou coisas, mas uma definição de pesquisa, isto é, uma proposta
com o fim de construir e delimitar um objeto de pesquisa, um compromisso em
favor de certas posturas teóricas e metodológicas, assim como um vetor para a
descoberta de realidades concretas309.
O autor sustenta que é preciso estudar o conjunto dos saberes mobilizados
e utilizados pelos professores em suas tarefas, tendo como referência seus
próprios estudos sobre o trabalho docente e em estudos recentes realizados nos
Estados Unidos.
No que tange à formação dos professores,Tardif entende que esta exige
não só uma mudança curricular nos cursos de formação, como também uma
verdadeira reforma universitária, de maneira que a carreira acadêmica conceda
mais importância ao trabalho de investigação dos saberes profissionais e de sua
atualização nos cursos de formação.
Os cursos deveriam trabalhar segundo uma lógica profissional centrada no
estudo das tarefas e realidades dos professores Propõe opções de trabalhos e
tarefas a serem realizadas pelos professores universitários a fim de reconstituir o
campo epistemológico da formação para o magistério310.
As diferentes visões apresentadas pelos pensadores nestas discussões
sobre epistemologia, formação dos professores e ética colocam-nos na
confluência com os desafios da formação contínua do professor em seu trabalho.
308 Maurife TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 257. 309 Ibid., p. 259. 310 Cf. Maurife TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 269-271.
173
3.2.2 - A formação contínua do professor em seu trabalho
De maneira geral, a formação continuada constitui parte integrante de
todas as reformas que estão se processando, tendo sempre como meta maior a
busca de um aperfeiçoamento eficiente para os professores em seu efetivo
exercício. O fato em si, sem uma análise mais aprofundada, não parece trazer
nenhum problema referente à educação. Contudo, quando examinada de forma
política e contextualizada, pode-se observar que, a formação continuada tende a
amoldar-se às exigências de uma sociedade cada vez mais voltada para o
mercado e à idéia de que a educação se assemelha a uma mercadoria, enquanto
que a escola se identifica com uma empresa.
As grandes transformações sociais, tecnológicas e culturais pelas quais
tem passado a humanidade exigem novo modelo a nortear a concepção de
pessoa e o conhecimento da sociedade; e, conseqüentemente, requerem novos
parâmetros na formação dos professores de ensino religioso.
Parecem existir necessidades urgentes para formar o bom professor e
melhorar a qualidade da educação. Este ponto é considerado no Relatório da
UNESCO, que lembra:
Para melhorar a qualidade da educação é preciso, antes de mais nada, melhorar o recrutamento, a formação, o estatuto social e as condições de trabalho dos professores, pois estes só poderão responder ao que deles se espera se possuírem os conhecimentos, as competências, as qualidades pessoais, as possibilidades profissionais e as motivações requeridas311.
Concordamos com a argumentação de Rosa G. K. Meneguetti e João
Décio Passos, ao afirmarem sobre a necessidade de discutir as condições reais
que os sistemas de ensino têm nas diversas instâncias. É necessário uma
discussão de fundo epistemológico, sobre o objeto de estudo do ensino religioso
que, além de fundamental para lançar luzes esclarecedoras, é imprescindível para
aprofundar as reflexões a respeito desse problema.
311 Jacques DELORS, Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, p. 153.
174
Portanto, a essência dessa problemática do ensino religioso reside no
tratamento dado à disciplina como área de conhecimento que requer uma
formação específica e adequada do professor.312
Pedro Demo pretende destacar a importância da formação dos professores
quando afirma que o nosso maior atraso histórico não está na economia, mas na
educação313.
Para Nóvoa, a mudança educacional depende dos professores e de sua
formação, bem como das transformações das práticas pedagógicas na sala de
aula. Segundo ele:
A formação implica mudanças dos professores e das escolas, o que não é possível sem um investimento positivo das experiências inovadoras que já estão no terreno. Caso contrário, desencadeiam-se fenômenos de resistência pessoal e institucional, e provoca–se a passividade de muitos actores educativos.314
A necessidade de enfatizar a formação continuada não passou
despercebida aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino religioso,
quando estes enfatizam a tarefa de buscar os fundamentos para o conhecimento
humano religioso.
De fato, os Parâmetros entendem que a escola é o espaço de construção
de conhecimento e, principalmente, de socialização dos conhecimentos históricos
produzidos e acumulados. Como todo o conhecimento humano é sempre
patrimônio da humanidade, o conhecimento religioso deve estar disponível a
todos os que a ele queiram ter acesso315.
Entende-se que a escola, na medida em que eleva o nível de saberes, cria
possibilidade de trabalhar os conhecimentos humanos sistematizados, produzidos
e acumulados no decorrer da história, e a criar novos conhecimentos.
312 O texto elaborado por João Décio Passos (Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP) e Rosa CK. Meneguetti (Faculdade de Ciências da Religião da Universidade Metodista de Piracicaba SP) representando as referidas instituições, foi enviado ao Conselho Nacional de Educação (CNE), em maio de 2001. João Décio PASSOS e Rosa Gitana K. MENEGUETTI. Educação, ensino religioso e formação docente, In. Luzia SENA (org.), Ensino religioso e formação docente, p. 111. 313 Pedro DEMO, ABC Iniciação à competência reconstrutiva do professor básico, p.95. 314 Antonio NÓVOA, Os professores e a sua formação, Temas de educação, p.30. 315 FORUM NACIONAL PERMANENTE DE ENSINO RELIGIOSO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Religioso, p. 21.
175
Certamente, essa aquisição de saberes não se dá de uma hora para outra.
É um processo de continuidade e rupturas, avaliações, reavaliações e inovações
que dão resultados satisfatórios. Essa realidade afeta os professores do ensino
religioso. Ameaçados, eles denunciam a presença de ambigüidades, apontam
que a Lei se apresenta envolta por polêmicas que desencadeiam
descontentamento e desencantamento no exercício da profissão316.
Essas situações causam stress e exigem táticas do professor para o
enfrentamento das questões levantadas pelos alunos. Essa problemática,
revelada na pesquisa, é um aspecto importante em que se pode captar momentos
de tensão.
A temática “formação docente” constitui uma grande exigência do ponto de
vista epistemológico, por tratar necessariamente de assuntos concernentes ao
conhecimento que resulta do ensino-aprendizagem, quer do ponto de vista da sua
construção, quer da produção de práticas pedagógicas.
As mudanças marcadas por uma complexidade de condições materiais e
culturais influem na formação do profissional da área, na dimensão do
conhecimento necessário, no aprender o jeito de superar as fragmentações de
saberes insuficientes e parcelares. Elas requerem do professor a postura de
ouvinte crítico, reflexivo, criativo, assumindo uma prática pedagógica que se
solidifique na arte e no conhecimento efetivo e afetivo das várias expressões de
fé.
3.2.3 - As reformas educacionais e as implicações na formação do professor de ensino religioso
A virada do milênio vem trazendo expressivas e rápidas transformações
culturais, políticas, econômicas e sociais e as respostas do sistema educacional
com relação à realidade vivida pela sociedade são muito tênues, dada a
velocidade das mudanças.
Constatou-se uma defasagem na formação dos professores, que se
apresenta distante do perfil requerido pelas novas conjunturas. As reformas
educacionais, nas últimas décadas, partem dos mesmos princípios que regem o
316 Questionário de perguntas abertas aplicado aos professores de CR, passim.
176
sistema neo-liberal: as mudanças econômicas impostas pela globalização,
exigindo maior eficiência e produtividade dos trabalhadores a fim de se adaptarem
mais eficientemente às exigências do mercado.
Estas reformas apresentam um objetivo que envolve a estrutura
administrativa e pedagógica da escola, a formação dos professores, os
conteúdos, os aportes teóricos, enfim, tudo o que possa estar relacionado com o
processo de ensino–aprendizagem.
A introdução de novas técnicas provoca no professor, distanciado das
mudanças que se operam no tempo, um sentimento de desencanto, quando este
compara a realidade de uma década passada aos dias atuais. O sentimento de
mal-estar está na origem da descrença e da recusa em relação às mudanças
introduzidas pela reforma educativa.
As rápidas mudanças podem levar os professores a fazer mal o seu
trabalho, tornando-os alvo de críticas generalizadas, considerando-os como os
responsáveis imediatos das falhas do sistema relativas ao ensino religioso,
quando, na realidade, são problemas sociais que requerem soluções políticas.
Tendo presente estas inquietações, é imprescindível o estudo da influência
das mudanças sociais sobre a função docente. Esteve argumenta:
Só a partir do estudo do modo como a mudança social gera o mal-estar docente, é possível traçar linhas de intervenção que superem o domínio das sugestões, situando-se em um plano de ação coerente, com vista à melhoria das condições em que os professores desenvolvem seu trabalho. Para isso, é preciso atuar simultaneamente em várias frentes: formação inicial, formação contínua, material de apoio, responsabilidades, horário de trabalho, salário317.
As conseqüências das rápidas transformações exigem a integração de
novas exigências na dinâmica da relação permanente e na aceitação das
mudanças de desempenho da profissão do professor de ensino religioso. Dentro
dessa dinâmica é indispensável garantir o apoio ao docente tendo como resultado
um ensino de qualidade.
317 José M. ESTEVE, Professores em conflito, Madrid: Narcea, p. 73
177
3.2.4 - Fatores de pressão da mudança social sobre a formação docente
É possível indicar fatores que apontam novos paradigmas na formação do
professor do ensino religioso. A mudança acelerada do contexto social influencia
de forma significativa no desempenho da atividade educacional.
Há um processo histórico que provoca o aumento das exigências do
professor em suas responsabilidades. Sua tarefa vai além do domínio cognitivo e
além do saber a matéria que leciona. A modernidade exige um pedagogo eficaz,
um facilitador da aprendizagem, organizador de trabalho de grupo, com especial
atenção para o aspecto afetivo e psicológico dos alunos. Todavia, a solução
destas exigências parece um horizonte muito distante, pois as agências
formadoras permanecem engolfadas em programas retrógrados, impedindo o
trabalho atualizado e eficaz conforme as necessidades da época.
As conclusões simplistas por parte da sociedade e dos meios de
comunicação social e, por vezes, até de governantes, que apontam os
professores como responsáveis diretos pelas lacunas no ensino, provocam um
desvio na valorização do profissional da educação, refletida nos baixos salários,
situação que provoca desassossego.
O avanço das ciências e a transformação social requerem mudança
profunda dos conteúdos curriculares, sobretudo os que se apresentam obsoletos,
dando lugar aos que aparecem como imprescindíveis à sociedade do futuro. Isto
pede um professor atualizado, reciclado e informado.
A massificação do ensino e o aumento das responsabilidades não se
fizeram acompanhar de uma melhoria efetiva dos recursos materiais e das
condições de trabalho em que se exerce a docência. Há uma generalizada falta
de recursos para a renovação pedagógica, o que trava as práticas inovadoras.
Outro fator de pressão sobre a formação dos professores é a mudança na
relação professor-aluno. A atualidade revela situações constrangedoras, em que o
professor sofre agressões verbais, físicas e psicológicas. A interação professor-
aluno mudou, tornando-se conflituosa e as escolas não souberam encontrar
178
novos meios para superar a violência, portanto, não conseguiram transformar-se
em locais mais justos e parcipativos, de convivência e de disciplina318.
Outra agressão ao professor pode ser registrada na “fragmentação do
trabalho”. Referindo-se a este aspecto, Esteve comenta:
Muitos profissionais fazem mal seu trabalho, menos por incompetência e mais por incapacidade de cumprirem simultaneamente, um enorme leque de funções. Para além das aulas, devem desempenhar tarefas de administração, reservar tempo para programar, avaliar, reciclar-se, orientar os alunos e atender os pais, organizar atividades várias, assistir seminários e reuniões de coordenação de disciplina, vigiar recreios e cantinas319.
As várias incumbências não permitem atender às responsabilidades que se
têm acumulado sobre o professor. Jose M. Esteve afirma estar o professor
sobrecarregado e que a fragmentação de seu trabalho é uma das pressões que
este sofre no sistema de ensino, paradoxalmente, numa época dominada pela
especialização320.
3.2.5 - A reavaliação da formação docente perante as mudanças sociais
Ao reavaliar a formação de ensino religioso é importante ter em mente um
planejamento preventivo para rever os limites e incorporar novos modelos na
formação inicial.
A estrutura de apoio é sem dúvida um modo de ajudar o docente a
encontrar respostas aos seus anseios e assimilar as grandes transformações que
se projetaram no ensino religioso, no contexto social, adaptando-se ao estilo de
ensino e ao papel que vai desempenhar.
318 Estudiosos relacionam o aumento de conflito com a expansão da escolaridade obrigatória; segundo estes autores a violência institucional que se exerce sobre os alunos, obrigando-os a freqüentar uma escola até os 16 ou 18 anos, provoca reações de agressividade que se canalizam contra os professores, enquanto representantes mais próximos da instituição escolar. Revista Brasileira de Psiquiatria, Transtorno da conduta e comportamento anti-social. www.scielo.br. Acesso: 02/01/2008. 319 José M. ESTEVE, O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores, Trad. Durley de CARVALHO CAVICCHIA, p. 105 320 Cf. José M. ESTEVE. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Trad. Durley de CARVALHO CAVICCHIA, p. 76.
179
Na seleção docente é importante estabelecer critérios de personalidade e
de qualificação intelectual, sendo que a área de atuação e a substituição de
abordagens normativas321 por abordagens descritivas, na formação inicial do
professor; visam a adequação dos conteúdos da formação à realidade prática do
ensino.
Os problemas dos professores em início de carreira merecem uma atenção
especial. Vários pensadores se referem à ênfase dada à formação nos aspectos
cognitivos e uma deficiente preparação no plano das relações e da organização.
Dentre estes pensadores, destaca-se Esteve, que diz:
A formação prática incluída no preríodo da formação incial deverá permitir ao futuro professor: identificar-se a si próprio como professor e aos estilos de ensino que é capaz de utilizar estudando o clima da turma e os efeitos que os referidos estilos produzem nos alunos; ser capaz de identificar os problemas de organização do trabalho na sala de aula, com vista a torná-lo produtivo. Os problemas de disciplina e organização da classe são os mais agudos durante os primeiros anos de exercício da profissão; ser capaz de resolver problemas decorrentes das atividades de ensino, procurando tornar acessíveis a aprendizagem a cada um de seus alunos322.
Estes aspectos, quando verificados, permitem ao professor vivenciar
situações de segurança e valorização profissional que constituem elementos-
chave para o desempenho eficiente do seu trabalho, e assim responder às
exigências indispensáveis à consecução de suas atividades, através do
conhecimento específico.
Neste sentido, o curso de Ciências da Religião com habilitação em ensino
religioso oferece a base epistemológica ao futuro profissional. A oferta dessa
licenciatura contribui no sentido de permitir aos profissionais da área melhores
condições para analisar o campo religioso em sua complexidade, a partir de um
olhar interdisciplinar. O profissional de ensino religioso tem uma grande
contribuição a dar, apresentando aos alunos questões que estão no cerne da 321 José M. ESTEVE chama de abordagens normativas aos programas de formação orientados por um modelo de professor “eficaz” ou “bom”. Com base neste modelo, convertido em norma, definem-se as actividades e abordagens da formação de professores, transmitindo ao futuro professor o que deve fazer, o que deve pensar, o que deve evitar para adequar a situação educativa ao modelo proposto. José M. ESTEVE. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Trad. Durley de CARVALHO CAVICCHIA, p. 110. 322 Ibid; p. 118.
180
vida, motivando-os para desenvolver a religiosidade presente em cada um,
orientando-os para a descoberta de critérios éticos, para a ação dialógica e para o
processo de aproximação e de relação com as diferentes expressões religiosas.
Conforme foi dito no item deste capítulo sobre a legislação, o ensino
religioso é obrigatoriamente um componente curricular facultativo, estabelecido no
Brasil desde a Constituição da República, com concepções e práticas
historicamente sedimentadas e politicamente não resolvidas. Assenta-se sobre
incoerências epistemológicas que levam a referida disciplina à margem do
currículo escolar, com ausência de diretrizes nacionais. Décio Passos confirma
essa realidade:
A ausência de uma diretriz nacional explícita sobre a formação docente para o ensino religioso tem impedido o avanço de experiências concretas e cursos superiores nas universidades supervisionadas pelos órgãos gestores do Ministério da Educação323.
Evidentemente, além dessa problemática, a convicção e a valorização do
ensino religioso passam pela questão da laicidade do ensino que exclui os
conteúdos religiosos como ameaça aos princípios fundamentais do Estado
moderno.
A incerteza epistemológica fragiliza o ensino religioso, no que concerne ao
conhecimento. Estas duas questões: a laicidade e a fundamentação
epistemológica requerem um ajuste a ser feito no sentido de reavaliação do
estudo da programação curricular do ensino religioso como área de
conhecimento, com autonomia teórica e metodológica, capaz de subsidiar
práticas de ensino de religião dentro das exigências da sociedade pluricultural,
trazendo em seus objetivos a formação de indivíduos de acordo com a resolução
2/98 (Anexo Nº 10) da Câmara de Educação Básica. Esta Resolução atribui essa
tarefa primordialmente aos sistemas de ensino e não às confissões religiosas324.
Neste sentido, Passos argumenta sobre a necessidade da formação básica
do cidadão, que decorre da formação básica dos docentes de ensino religioso,
323 João Decio PASSOS, Ensino religioso: construção de uma proposta, p. 17. 324 Cf. Ibid., p. 15.
181
para que esta disciplina possa efetivar-se como prática educativa legítima e
eficiente no currículo e na vida dos educandos325.
3.2.5.1 - A formação docente e a ética
Acreditamos que a formação docente tem relação com a ética que se
apresenta como tema transversal. Queiroz, com base em Morin, afirma que todo
olhar sobre a ética deve perceber que o ato moral é um ato individual de
religação; religação com o outro, com a comunidade, com uma sociedade e, no
limite, religação com a espécie humana. Ele vai além, quando lembra o aspecto
da solidariedade, que pertence à fonte individual da ética, impressa no princípio
da inclusão que inscreve o indivíduo na comunidade326.
Queiroz volta a sua atenção para a modernidade ética, lembrando os
grandes deslocamentos que ocorreram no período republicano, com forte
influência no ensino religioso até os nossos dias, quando a laicização retira da
ética a força do imperativo religioso. Ele acredita que houve ganhos nesse
processo de secularização, pois a era planetária, aberta aos tempos modernos,
suscita, a partir do humanismo laico, uma ética metacomunitária em favor de todo
o ser humano, seja qual for a sua identidade étnica, nacional, religiosa ou
política.327
A ênfase em unir a ética e o agir solidário tem conseqüências importantes
para a formação do professor e, em especial, para a formação do docente de
ensino de religioso O relatório da UNESCO lembra que a ética e a formação
moral são ensinadas através de exemplos concretos328.
Considerando que a educação é característica do ser humano e implica o
seu envolvimento com o meio social, com o outro e consigo mesmo a partir da
sua faculdade de memória e da sua competência de fazer, essa constatação
suscita um alerta:
325 Cf João Decio PASSOS, Ensino religioso: construção de uma proposta, p. 23. 326 Cf. José J. QUEIROZ, Educar para a solidariedade: princípios e rumos. In:Cleide ALMEIDA e Isabel PETRAGLIA, Estudos de complexidade, p. 50. 327 Cf. José J. QUEIROZ, Educar para a solidariedade: princípios e rumos, In:Cleide ALMEIDA e Isabel PETRAGLIA, Estudos de complexidade, p. 51. 328 Cf. Jacques DELORS. Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, p.62.
182
Se o espaço escolar permanecer compartimentado no saber e fechado à comunidade e à sociedade, dificilmente poderá promover uma educação responsável e solidária329.
Essa visão ética da convivência humana, que habilita o professor em sua
formação a fazer a leitura do real, abrindo-lhe possibilidade de intervir no seu
contexto cultural e nas relações com as várias dimensões da vida social, é
contrária à crença de que a aprendizagem consiste na reprodução da informação,
sem mudanças, como uma cópia na memória do que se recebe através de
diferentes canais. Nesse sentido, a proposta é que a escola se transforme no
lugar da razão crítica, da argumentação, do diálogo intercultural, da
democratização, da religação, compreensão, consciência, solidariedade e
responsabilidade do saber com a função de propiciar aos professores o
desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, contribuindo, assim, com as
condições cognitivas e afetivas da sua formação.
Uma vez que o ensino religioso tem como fim a educação da alteridade,
isso envolve o respeito à responsabilidade na formação do professor. Este precisa
estabelecer vínculos indissolúveis entre solidariedade, complexidade e liberdade,
aspectos fundamentais para educar. Por isso, a questão ética e seus aspectos
políticos não podem ser negligenciados. Queiroz destaca que a ética política
incita a trabalhar por uma sociedade de alta complexidade, ou seja, de
solidariedade e liberdade330.
No processo de formação, do ponto de vista ético, há uma convergência
entre pensadores, como Queiroz (2006), Heerdt (2005) e Morin (2005), todos
unânimes em afirmar que não se trata de uma ética entendida como um conjunto
de regras e proibições, mas aquela que desenvolve a capacidade de discernir e
vivenciar atitudes e valores de forma subjetiva (individual) e objetiva (no campo
social e comunitário)331.
Levinas deu importância significativa à ética. Segundo ele, a idéia de Ética
nasce na visão do rosto do Outro, que materializa a nossa abertura para a
329 Cf. José J. QUEIROZ, Educar para a solidariedade: princípios e rumos, In:Cleide ALMEIDA e Isabel PETRAGLIA, Estudos de complexidade, p. 52. 330 Ibid., p. 60. 331 Aldo COLOMBO, Como educar hoje? In. Mauri Luiz HEERDT e Paulo de COPPI (Org.), Reflexões e propostas para uma educação integral, p 34.
183
alteridade e a nossa responsabilidade face ao que é, ao mesmo tempo, igual e
diferente de nós, ao que é da nossa espécie e todavia irredutível na sua
singularidade332.
A ética, no aspecto social e histórico, tem grande importância na medida
em que a formação do professor de ensino religioso faz parte essencial da
estrutura e funcionamento da sociedade, que carrega em sua tradição o ethos de
um povo, seus anseios e valores.
Podemos dizer que o ensino religioso exige conhecimento do passado,
para evitar erros já cometidos; exige lucidez em relação ao presente, para poder
dar ao educando condições de entender a vida e saber vivê-la. Exige, também,
abertura ao futuro, porque o futuro está começando agora mesmo333.
3.2.6 A formação e os saberes do professor em seu trabalho.
A questão dos saberes334 dos professores de ensino religioso que
englobam conhecimento, saber e saber fazer, e a questão das novas concepções
sobre as práticas pedagógicas, que servem de base ao trabalho dos professores
no ambiente escolar, indicam que o saber dos professores depende, por um lado,
das condições concretas nas quais o trabalho deles se realiza e, por outro, da
personalidade e da experiência profissional dos próprios professores.
O saber dos professores parece estar assentado em trocas constantes
entre o que eles são (incluindo as emoções, o conhecimento, as expectativas, a
história pessoal deles etc) e o que fazem. O ser e o agir, ou melhor, o que eu sou
e o que eu faço ao ensinar, devem ser vistos, então, não como dois pólos
separados, mas como resultado dinâmico das próprias transações inseridas no
processo do trabalho escolar.335
332 Levinas, apud Jorge SAMPAIO, O Cérebro entre o Bem e o Mal, http://www.oa.pt/Publicacoes/ Boletim/detalhe_artigo.aspx. Acesso: 23.10.07 333 Aldo COLOMBO, Como educar hoje? In. Mauri Luiz HEERDT e Paulo de COPPI (Org.), Reflexões e propostas para uma educação integral, p. 13. 334 Para essa discussão tomamos como interlocução preferencial as idéias de Paulo Freire e de Maurice Tardif. A Obra de Paulo Freire, a partir da Pedagogia da Autonomia, indica os saberes importantes da profissão do professor, vinculando aos saberes mobilizados na pratica. Os estudo de Tardif estabelece correspondência entre a realidade e os saberes mobilizados pelos docentes brasileiros, usando em especial a categoria profissional-professor. 335 Maurice TARDIF. Saberes docentes e formação profissional, passim.
184
Quais são os saberes profissionais dos professores de ensino religioso, isto
é, quais os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e as habilidades que
eles precisam ter efetivamente em seu trabalho diário, para desempenhar suas
tarefas e atingir seus objetivos? São interrogações vitais para que se amplie a
compreensão sobre o quê e o como da formação do docente do ensino religioso.
Vários estudiosos procuraram estabelecer a genealogia dessa questão,
estudando os laços que a ligam ao movimento de profissionalização do ensino, às
recentes reformas escolares ou às transformações do saber que afetam nossas
sociedades modernas avançadas ou pós-modernas. Não se pretende refazer
essa genealogia, percorrer os escritos contemporâneos que mais fortemente vêm
influenciando o campo educacional. Prende-se tão somente situar, ainda que
breve, o saber do professor, estabelecendo nexos com a sua formação, mediante
alguns fios condutores, tal como concebe Tardif.
Os saberes de um professor são uma realidade social materializada
através de uma formação, de programas, de práticas coletivas de disciplinas
escolares, de uma pedagogia institucionalizada, e são também, ao mesmo tempo,
saberes dele.
Este saber do professor deve ser compreendido em íntima relação com o
trabalho dele na escola e na sala de aula, isto é, com as situações,
condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Significa dizer que as
relações mediadas pelo trabalho fornecem princípios para enfrentar e solucionar
situações cotidianas.
Essa idéia evoca duas funções conceituais: primeiro, visa relacionar
organicamente o saber à pessoa do trabalhador, ao seu trabalho e àquilo que ele
é e faz, mas também ao que foi e fez, a fim de evitar desvios em direção a
concepções que não levem em conta sua incorporação num processo de
trabalho, no intuito de dar ênfase à socialização na profissão docente e na
atividade de ensinar.
A segunda função indica que o saber do professor traz em si as marcas de
seu trabalho, aponta que ele não é somente utilizado como meio de trabalho mas
é produzido e modelado pelo trabalho.
Dessa forma, trata-se de um trabalho multidimensional, que incorpora
elementos relativos à identidade pessoal e profissional do professor, à sua
situação sócio-profissional, às suas tarefas diárias na escola e na sala de aula.
185
A diversidade do saber ou o pluralismo do saber docente implica em
conhecimentos e em um saber-fazer pessoais, “curriculares”, isto é, abrange os
programas e os livros didáticos, apóiam-se em conhecimentos disciplinares
relativos às matérias ensinadas, confiam em sua própria experiência e apontam
certos elementos de sua formação profissional.
Em suma, o saber dos professores é plural, caracterizado pela
heterogeneidade, porque envolve, no próprio exercício do trabalho,
conhecimentos e um saber fazer diversos, provenientes de fontes variadas, de
humor diferente.
O saber do professor é plural e também temporal, uma vez que é adquirido
no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional. Dizer que o
saber do professor é temporal significa dizer que ensinar supõe aprender a
ensinar, ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes necessários à
realização do trabalho docente.
Essa diversidade dos saberes traz à tona a questão da hierarquização
efetuada pelos professores que não colocam todos os saberes em pé de
igualdade, mas tendem a classificá-los em função de sua utilidade no ensino.
Quanto menos utilizável no trabalho é um saber, menos valor profissional parece
ter336.
Nesse aspecto, os saberes originários da experiência do trabalho cotidiano
parecem constituir o alicerce da prática e da competência profissionais, pois essa
experiência é, para o professor, a condição para a aquisição e a produção de
seus próprios saberes profissionais.
Os saberes e a formação de professores são posteriores aos saberes que
a humanidade dispõe, todavia, há necessidade de repensar a formação dos
professores de ensino religioso para o exercício de sua profissão, levando em
conta os saberes e as realidades específicas de seu trabalho cotidiano.
A idéia de levar em consideração os saberes dos professores permite
renovar e mudar a concepção não só a respeito da formação docente, mas
também de sua identidade, das suas contribuições e dos seus papéis
profissionais.
336 Cf. Maurice TARDIF. Saberes docentes e formação profissional, p. 21.
186
A grande relevância dessa perspectiva reside no fato de os professores
ocuparem, na escola, uma relação fundamental no conjunto dos agentes
escolares, em seu trabalho cotidiano com os alunos. São eles os principais atores
e mediadores da cultura e dos saberes escolares.
Tardif, em suas discussões, contempla a competência docente e
argumenta que ela integra diferentes saberes, saberes plurais, formados pelos
saberes da formação profissional, com os quais o corpo docente mantém
diferentes relações, ou seja:
Pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares curriculares e experiências337.
Entendemos que, na concepção deste autor, o saber do professor tem
repercussão direta em sua identidade. Nesse contexto, ao focalizar a existência
da pluralidade desses saberes no profissional do ensino religioso, fica evidente a
necessidade de mudar os modelos tradicionais de formação para se ajustar às
novas concepções de práticas pedagógicas e compreensão do mundo ou, melhor
dizendo, ancorar as novas tendências em práticas mais modernas e flexíveis.
3.2.6.1 - Competência profissional
Não é nossa pretensão entrar em discussão a respeito da noção da
competência profissional, dos saberes e experiências fundados no trabalho
cotidiano do professor, que tem como ponto de partida os desafios que encontra
em sua prática pedagógica.
Apenas destacamos alguns trechos da obra de Tardif que se referem à
competência profissional. Ele sustenta que essa competência deve expressar
todos os domínios de saberes:
O saber dos professores não é um conjunto de conteúdos cognitivos definidos de uma vez por todas, mas um processo em construção ao longo de uma carreira profissional na qual o professor aprende progressivamente
337 Maurice TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 36.
187
a dominar seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o interioriza por meio de regras de ação que se tornam parte integrante da sua consciência prática338.
Sobre a competência profissional, os professores entrevistados, em sua
maioria, estão cientes das novas tendências relativas à formação dos
professores. Eles comentam a necessidade de diversos saberes e de diferentes
visões a serem implantados nos espaços da escola e reconhecem a ineficácia do
modelo convencional, que obstaculariza o agir do profissional de ensino religioso.
Nesse aspecto, há que se considerar pertinente a observação de um professor
entrevistado:
O universitário de modo geral, em todas as áreas, vem de uma formação escolar deficitária e há uma cultura de que nas áreas humanas não há necessidade de empenho cognitivo339.
Maurice Tardif faz uma leitura analítica dos contextos formativos e das
práticas dos docentes, trazendo observações de aspectos rotineiros, relativos às
implicações e às práticas da formação dos saberes profissionais. O saber implica
em um processo de aprendizagem e de formação. Quanto mais desenvolvido,
formalizado e sistematizado é um saber, como acontece com as ciências e com
os saberes contemporâneos, mais longo e complexo se torna o processo de
aprendizagem, o qual, por sua vez, exige uma formalização e uma sistematização
adequadas. Nesse contexto, a produção de novos conhecimentos é apenas uma das
dimensões dos saberes e da atividade científica ou da pesquisa. Ela pressupõe
sempre um processo de formação baseada em conhecimentos atuais. E, ainda,
como requer Tardif, o novo surge e pode surgir do antigo exatamente porque o
antigo é retualizado constantemente por meio de processos de aprendizagem.340
Há professores sensíveis à problemática das mudanças atuais. Um deles
comentou:
338 Maurice TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 14 339 Karoline MOK, Entrevista - semi-estruturada: fichário nº 01, p. 03 340 Maurice TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 36.
188
É indispensável contemplar as diferentes culturas, especialmente em sala de aula, onde a diversidade se faz presente, a pluralidade cultural muitas vezes tem sido ignorada, silenciada, ocorrendo manifestações discriminatórias entre os alunos e até entre os professores341.
Os grupos de docentes que realizam efetivamente o processo educativo no
âmbito do sistema de formação em vigor são convocados, de uma ou de outra
forma, a definir sua prática em relação aos saberes que possuem e transmitem.
Essa prática se transforma em interrogação ou mal-estar a partir do momento em
que é preciso “ensinar”. Nesse sentido, Tardif especifica a distinção entre
aprender a ensinar e começar a ensinar. Ele diz:
Aprender a ensinar é um processo que continua ao longo da carreira docente e que, não obstante a qualidade do que fizermos nos nossos programas de formação de professores, na melhor das hipóteses só poderemos preparar os professores para começar a ensinar342.
Embora tal formação seja uma condição necessária, dependendo da
concepção pela qual se paute, ela não é suficiente em si mesma para conseguir
melhores professores, no sentido de prepará-los para a profissão.
Aprender a ensinar é uma aprendizagem que se deve dar por meio de
situações práticas que exija uma prática reflexiva e que, para além de conceitos e
procedimentos, sejam trabalhadas e consideradas também atitudes. Desta forma,
consideramos singular a necessidade de uma melhor ênfase à formação dos
professores de ensino religioso.
Observa-se que a questão dos saberes constitui o desafio de concretizar
um ensino religioso diferente do modelo que conhecemos e vivenciamos. Nesse
contexto, o modelo convencional de formação de professores, seja inicial ou
continuada, vem sendo questionada.
Relevante é, pois, a observação feita por Luiz Alberto de S. Alves:
341 Karoline MOK, Entrevista - semi-estruturada: fichário nº 01, p. 03 342 Maurice TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 34.
189
O professor de ensino religioso se defronta com algumas dificuldades no exercício de sua profissão. Além do político-pedagógico, defronta-se com o conceitual epistemológico343.
Isto vem confirmar o relato de um professor entrevistado:
Mais do que qualquer outra disciplina, o ensino religioso exige muito conhecimento não só religioso, mas de uma cultura geral. Ao meu ver é urgente uma boa formação para o professor que administra esta disciplina tão importante para a vida da pessoa humana. Pois, a falta de formação específica o impede de garantir o respeito às diversidades culturais, étnicas, religiosas e políticas, que atravessam nossa sociedade e estão presentes nas escolas344.
Esse pressuposto coloca em evidência a forma como os profissionais de
ensino religioso reagem, dentro desse contexto, sobre o papel que desempenham
e sobre as novas estratégias que é preciso adotar para responder às mudanças
produzidas pela aceleração das transformações sociais no decurso das últimas
décadas e que tiveram forte impacto, efeitos e reflexos sobre o ensino religioso. A
defasagem na formação dos saberes consta nos escritos e nas análises de vários
estudiosos. Aqui privilegiamos Pimenta, que observa:
Na história da formação dos professores, esse saberes têm sido trabalhados em blocos distintos e desarticulados. Os cursos de graduação, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividades de estágios distanciados da realidade das escolas (...), pouco têm contribuído para gestar uma nova identidade do profissional docente345.
Isto nos leva a dizer que a eficácia do ensino não se reduz a uma função
de transmissão de conhecimentos já estabelecidos. Exige dos professores novas
concepções, novos conhecimentos, novas formas de se compreender o mundo,
em síntese, uma nova formação profissional. Esse aprimoramento de saberes
desafia o processo educativo no âmbito do sistema de formação em vigor e
questiona a sua prática em relação aos saberes que possui e transmite.
343 Luiz A .S. ALVES, O Sagrado como foco do fenômeno religioso. In. Sergio R. Azevedo JUNQUEIRA e Lílian B. de OLIVEIRA (Org.), Ensino religioso: memória e perspectivas, p.71. 344 Igor MANI Entrevista - semi-estruturada: fichário nº 2, p. 06 345 S. G. PIMENTA, Formação de professores: identidade e saberes da docência . In. S. G. Pimenta (org.), Saberes pedagógicos e atividades docente, p. 16.
190
Pesquisadores da formação dos professores e de suas implicâncias no
cotidiano escolar têm contribuído para a discussão do contexto e do significado
em que essa formação está imbricada. Apontam novas práticas, novas relações e
condições de educabilidade dos professores, entre si mesmos e com seus
educandos.
3.2.7 - A práxis pedagógica e a formação docente
A ênfase na prática pedagógica é um componente vinculado à formação do
professor. A justificativa é a de que, à semelhança de outras profissões, o futuro
professor precisa entrar em contato real com o meio em que atua, assumindo,
desde o início, tarefas específicas de acompanhamento direto para melhor
desempenhá-las. Podemos lembrar, também, que os cursos de formação têm
sido muito teóricos e desvinculados do meio escolar.
Formar professores exige dos estabelecimentos que se propuserem tal
ação um olhar global acerca da práxis pedagógica, pois esta precisa ir muito além
do simples associar teorias a práticas.
Francisco Imbernón fala da paixão pelo saber, que permite ao professor
apaixonar-se por ele, ser capaz de conviver com suas dúvidas pessoais e fazer
sempre mais perguntas.
Com essa escolha, é possível ao sujeito aprendente viver as alegrias e o
conflito da eterna busca, com luz própria, capaz de mostrar novos caminhos.
O autor salienta que a fraca relação com o saber pode conduzir a uma
acomodação em caminhar sem rumo ou seguir a trilha que alguém,
eventualmente, indicar. Assim, defende a educação que emancipa, pois entende
que:
O objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social. A obrigação de ensinar tem essa obrigação intrínseca346.
346 Francisco IMBERNÖN, Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza, p. 27.
191
Pode-se afirmar que a formação do professor é um requisito que ajuda a
enfrentar o desafio de animar uma pedagogia da inclusão com respeito à
pluralidade cultural religiosa e ao direito à cidadania.
Desta forma, a nova formação centrada na escola sem ser unicamente
escolar desenvolve, na prática, um paradigma colaborativo entre seus pares,
cultivando o diálogo, objetivando a redefinição de suas funções e papéis, a
redefinição do sistema de ensino religioso e a construção continuada do projeto
político-pedagógico da escola. Como afirma Imbernón, “a formação, mais que
uma estratégia de colaboração, é uma filosofia de trabalho”347.
O saber assume a responsabilidade de ser útil para o ser humano, de tal
forma que seja um instrumento para um melhor diálogo com a realidade e, ao
mesmo tempo, uma forma de estreitar relações com a realidade.
Nossa natureza é ímpar e cheia de oportunidades; o ser humano pode
buscar alternativas depois que se decidiu a isso. Nesse aspecto, o ensino
religioso é chamado a colaborar com a emancipação individual e social,
despertando a consciência dos valores do sentido da vida, da consciência ética e
da espiritualidade, criando assim, novos espaços de conhecimento.
As novas tecnologias possibilitam novos espaços educacionais. Agora,
além da escola, também o espaço da família, da sociedade e do trabalho tornam-
se educativos. A cada dia, mais pessoas estudam fora do espaço sistemático.
Podem, em casa, acessar o ciberespaço da formação e buscar em espaços
alternativos as informações disponíveis nas redes de computadores interligados e
os serviços que respondam às suas demandas por conhecimento.
A instauração de uma nova ordem mundial provoca rápidas transformações
e marca a sociedade atual com uma ampla pluralidade de universos em todos os
sistemas. A velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas, culturais e do
cotidiano traz implicâncias no desempenho do ensino religioso. O seu imbricar
nas rápidas transformações provoca um agudo desconforto, quando o professor
for incapaz de ler adequadamente os avanços e desafios e de fazer opções.
Para caracterizar este estado de crise que interfere na prática pedagógica,
O’Dea usou o termo anomia. Esta palavra caracteriza um estado de
347 Francisco IMBERNON, Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza, p. 81.
192
desorganização social em que ocorre o colapso de formas sociais e culturais
estabelecidas348.
Parafraseando a Crítica da Razão Pura, de Kant, em educação, essa
conjuntura paradoxal deveria tirar-nos do ‘’sono dogmático da razão profissional’’,
mantendo-nos alertas diante dos riscos e perigos que ela comporta para a
educação e formação. Nesse contexto em mutação, uma nova epistemologia da
prática profissional na área do ensino religioso torna-se uma questão
emergencial.
Se admitimos que o movimento da formação do professor é, em grande
parte, uma tentativa de renovar os fundamentos epistemológicos do ofício de
professor, então devemos examinar, seriamente, a natureza destes fundamentos
e extrair daí elementos que nos permitam enfrentar o estado de mal-estar do
professor de ensino religioso mediante um processo reflexivo e crítico sobre as
práticas formadoras.
Cabe a essa disciplina, como importante área educacional, fortalecer o
conhecimento religioso, o relacionamento inter-pessoal e a religação do humano
com o sagrado.
A sociedade globalizada e multicultural requer do ensino religioso uma
nova forma de se pensar e entender a sua implementação no espaço escolar.
Rompendo a unidimencionalidade da sociedade tradicional, a modernidade
possibilita a pluralidade religiosa, provocando o surgimento de cultos, mensagens,
buscas, produções de cultura, experiências variadas, freqüentemente
potencializadas pelos meios de comunicação social, que são os novos púlpitos
para a sua pregação.
A multiplicidade variada de religiões, tão antiga quanto a humanidade,
constitui um fato que, em nossos dias, atinge concretamente a Igreja no Brasil. No
passado, o catolicismo hegemônico, patrocinado pelo Estado, resistia à
proliferação das outras religiões. Atualmente, a veloz multiplicação das
manifestações do religioso provoca uma incômoda situação, que foi caracterizada
como um grande supermercado de ‘’ bens religiosos’’.
Entende-se que a diversidade requer da escola que esta se torne um lugar
de compreensão e de convivência da pluralidade e da alteridade. Vivemos em um
348 Thomas F. Ó DEA, Sociologia da Religião, p. 80
193
mundo diversificado de idéias e práticas religiosas, onde cada uma delas se
manifesta como detentora da liberdade de crenças e cada uma traz a sua leitura
da “verdade”.
Na transição da sociedade colonial à sociedade nacional, o Estado não
rompeu com o passado, pois, na prática, foi e continua sendo um sistema que
mais favorece os segmentos privilegiados, apenas atualizando e superando, pelas
vias democráticas, a herança colonial, caracterizada pelo mandonismo e pela
admissão explícita da dominação social.
A modernidade causou um impacto fortíssimo sobre a religião. Ligada a
uma crise histórica e de estrutura, ela traz, como uma de suas características
principais, pensar-se não mais miticamente, mas historicamente, reger-se não
mais pelos parâmetros religiosos, mas por uma visão de mundo que não pretende
conhecer absolutos, em que há espaços não para a eternidade, mas para a
temporalidade349. Gesta no homem moderno a idéia de progresso compreendido
como caminhar, avançar, conquistar, dominar sempre mais o mundo, pondo-o a
serviço da técnica e da ciência; a doutrina do progresso leva o homem a crer ser
ele mesmo o próprio ser supremo, o detentor do poder, do ter e do saber.
A ideologia antropocêntrica leva o homem a isolar-se não apenas da
natureza, mas dos outros seres humanos. Ele próprio se emancipa. Mas aí se
escraviza, acorrentando-se ao mais terrível opressor, que é ele mesmo, agora
reduzido apenas à sua dimensão ‘’racional’’. Grandes teóricos da modernidade
dizem ser esta uma época caracterizada por um processo de racionalização.
Weber, por exemplo, busca suas raízes no Cristianismo.
Sem admitir concorrentes, a razão vai compartimentando o saber, o
conhecimento e o viver do homem, despedaçando a visão de um mundo como
uma unidade cósmica e integrada. Em seu lugar, aparece a visão segmentada,
diferenciada em subsistemas, cada qual com sua lógica própria e fragmentada.
Caracterizada como pré-científica e pré-moderna, a religião foi ameaçada
de ser varrida para a periferia da história. Na modernidade, desaparece sua
centralidade e sua importância como chave de explicação da realidade. Este
fenômeno complexo, multiforme e racional, provoca grande impacto sobre a
vivência da religião. 349 Cf. José J. QUEIROZ, As religiões e o sagrado nas encruzilhadas da pós-modernidade. In QUEIROZ, José J. (org.) Interfaces do sagrado em véspera de milênio, p. 9-22.
194
Entretanto, depois de um período de dormência, como bem o expressa J.J
Queiroz, na pós-modernidade uma imensa constelação do sagrado explode em
todos os recantos da terra. Entre as mudanças profundas e radicais ocorridas em
relação a religião, na pós-modernidade, o pluralismo religioso aparece como um
sintoma por ela gerado350.
Esse pluralismo penetra o sistema escolar e constitui um grande desafio a
exigir uma formação adequada do professor do ensino religioso para que este
saiba lidar com esse fenômeno.
Finalizando este capítulo e lançando um olhar retrospectivo sobre o
caminho percorrido, podemos afirmar que a pesquisa de campo, entre os vários
tópicos de mal-estar do ensino religioso, foi realmente realista ao identificar no
fundamento legal e na formação dos professores, dois temas nevrálgicos e
merecedores de análise e aprofundamento.
Foi o que buscamos fazer neste capítulo. Portanto, se se pretende uma
saída eficaz para a crise histórica que envolve o ensino religioso, é sobre essas
duas teclas que se há de insistir e buscar a superação dos entraves que nossa
análise fez despontar.
Cumpre valorizar o que há de positivo nesta legislação e na atual formação
do professor dessa disciplina e, ao mesmo tempo, envidar esforços para dissolver
as ambiguidades da legislação e da sua aplicação, bem como superar as lacunas
e deficiências que envolvem a preparação do docente em uma matéria tão
relevante e, ao mesmo tempo, tão difícil de ser trabalhada satisfatoriamente.
350 Cf. José J. QUEIROZ, As religiões e o sagrado nas encruzilhadas da pós-modernidade. In QUEIROZ, José J. (org.) Interfaces do sagrado em véspera de milênio, p. 15.
195
CONCLUSÃO.
Ao finalizar nosso trabalho, lançamos um olhar retrospectivo sobre o
caminho percorrido para apontar os resultados alcançados, os percalços, as
limitações e abrir pistas para novas pesquisas.
Como se depara da Introdução, a pesquisa partiu de uma metáfora oriunda
da área da saúde. De maneira epidérmica, percebe-se que o ensino religioso
sofre de um mal-estar, a guisa de um organismo enfermo. Não foi nossa intenção
assumir a expressão mal-estar como categoria analítica. Deixamo-la em seu
sentido metafórico. A questão, a ser pesquisada, é a localização dessa crise
generalizada que aparece insistentemente em reuniões, conversas, congressos e
escritos. Localizá-la de maneira geral, e mais especificamente, nos pontos em
que ela mais incide. Outra indagação é saber de onde vem esse mal-estar, a sua
gênese.
O trabalho iniciou-se pela gênese, pela busca histórica do fio condutor da
crise. Foi uma opção mais teórica do que prática. Se preponderasse o critério
prático, talvez tivesse sido melhor começar pela localização. Fiel ao arcabouço
teórico que adotamos, a concepção de mundo gramsciana, pela qual o cerne do
pensamento dialético é a filosofia da práxis, e esta é “um historicismo absoluto, o
qual, ao contrário da posição hegeliana, se encarna no mundo e na terra”, como
diz o autor nos Quaderni (vol.II, p. 1432), como preâmbulo à nossa pesquisa de
campo, decidimos buscar as raízes históricas do fenômeno em pauta.
Seguindo as pistas do pensamento gramsciano, o primeiro passo foi uma
ida aos primórdios do ensino religioso, no Bloco Histórico Colonial e Imperial, no
qual a hegemonia do poder dominante pactuava com a Igreja Católica, então
atrelada à empreitada da colonização. E a forma principal da colaboração da
Igreja era o serviço da catequese ou evangelização, que visava tirar o índio e
depois o negro do paganismo, torná-los cristãos e bons súditos da coroa, dando-
lhes “uma fé, uma lei e um rei”. O domínio dos subalternos – o índio subjugado e
depois o negro escravizado – se fez pela força das armas e da catequese a cargo
dos religiosos, em especial, dos jesuítas.
196
Por ter aceito sem restrições a Reforma Tridentina, Portugal recebeu do
Papado a dádiva do padroado, que conferia ao poder real o direito de intervir no
setor eclesiástico. Em troca de prover ao sustento do clero, e de outros privilégios,
como o de ser, a católica, a religião oficial da coroa, o monarca, pelo pacto do
Padroado, recebia inúmeros direitos: tinha voz ativa na nomeação de bispos e
padres, na ereção de dioceses e paróquias, no controle das finanças da Igreja e
podia até mesmo consentir ou vetar a divulgação de documentos pontifícios. Era
o chamado poder do “placet”.
No regime de aliança, pelo menos até as últimas décadas do Império, não
havia crise política entre Igreja e Estado, como vai acontecer no fim regime
Imperial e na instauração da República. A crise era de índole administrativa e
pastoral, pois a Igreja, embora agradecendo a posição de privilégio, sempre
sentiu-se amarrada, em sua autonomia jurídica e pastoral, pelo “cesaropapismo”
do padroado.
Entretanto, sob as águas tranqüilas da calmaria política assegurada pelo
pacto, a primeira forma de ensino religioso na Colônia e no Império, a catequese
do índio e do negro, foi um mar agitado que causou inúmeros dissabores a
evangelizadores e evangelizados. O índio foi despojado da sua cultura e da sua
religião.
Na medida do possível, rebelou-se, resistiu, mas teve que ceder à força
maior da evangelização e da cristianização sustentada pelo poder dominante. O
próprio evangelizador também foi vitimado pela sua própria postura de invasor.
Entrou em conflito com o poder eclesiástico quando tentou novas formas de
aculturação da doutrina, que fugia à ortodoxia tridentina; foi forçado a enfrentar o
colonizador quando tentava proteger a liberdade do índio e do escravo e, muitas
vezes, acomodou-se, tornando-se ele mesmo escravocrata. Enquanto índios e
negros viviam na angústia da invasão da sua cultura e da sua religião, o
evangelizador também entrava em crise profunda oriunda de uma consciência
perplexa por não conseguir conciliar a mensagem do evangelho, que liberta, com
a negação da alteridade do evangelizado, ao perceber que culturas estavam
sendo destruídas, e seres humanos, iguais em direito e dignidade, estavam sendo
marginalizados, considerados inferiores, gentios, pagãos, possuídos pelo mal,
objetos a serem resgatados da ignorância e do pecado. Isso, sem contar os
197
inúmeros incômodos materiais, físicos e morais que a missão acarretava ao
missionário.
No Bloco Histórico Republicano, o mal-estar assume novas características.
O Estado laico burguês dispensa o serviço da Igreja como religião oficial. Sente-
se seguro em sua hegemonia sem precisar recorrer aos serviços oficiais da
religião. A Igreja agradece sua autonomia administrativa e pastoral advinda com o
fim do padroado. Mas lamenta os privilégios perdidos e julga seu direito mantê-los
no âmbito da coisa pública, em especial, o direito de educar e ensinar a sua
doutrina.
Daí o conflito Igreja/Estado, que penetrou no ensino religioso e assumiu
várias nuances ao longo da história do regime republicano, que vai desde a
legislação sobre a matéria até a sua prática no cotidiano escolar
Quando dissemos que, na catequese do índio e do negro, no período da
Colônia e do Império, está a gênese do mal-estar do ensino religioso, que penetra
no Bloco Histórico Republicano e chega à atualidade, é óbvio que se trata de uma
aproximação analógica, pela qual se deve salvar as semelhanças mas enfatizar
as diferenças. A semelhança parece residir em um imaginário de crise que teve
suas características próprias na sua gênese, mas assume novas feições quando
penetra no contexto sócio-econômico e político, que se estabelece no cenário
Republicano.
A catequese se desenrola na dialética senhores e escravos. Abolida a
escravidão, já no final do Império, e com o advento da República, não há mais
senhores e escravos e a dialética agora é entre a dominação burguesa e os
subalternos formalmente livres mas subjugados pelo poder econômico nas
relações de trabalho.
A tranqüilidade política do pacto colonial desaparece e surge a ebulição do
conflito político entre a Igreja e o Estado. A figura catequética de missão entre os
gentios desaparece. Todos são batizados e a grande maioria é católica. A
questão agora é “missionar” no espaço do ensino publico escolar, que outrora era
privilegio da Igreja e agora se torna problemático pela laicidade do Estado e pela
separação dos dois poderes. A catequese, pelo menos em tese, passa a ser
exercida em caráter de pastoral no âmbito interno da igreja. Em seu lugar,
aparece agora uma nova figura de evangelização, a estrutura pública de ensino
religioso a ser ministrado nas escolas, não mais a pagãos a serem convertidos,
198
mas a cidadãos que, pelo menos formalmente, pela Constituição burguesa, são
formandos, que já carregam a marca de pessoas livres, detentoras da liberdade
de consciência, e da livre manifestação do pensamento, de optar e praticar suas
religiões ou crenças, ou até de serem descrentes e ateus, integrantes de uma
sociedade plural sob os aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, raciais
e religiosos.
Nesse novo contexto, aquele mal-estar que marcou a catequese na
Colônia e no Império, pela invasão cultural que caracterizou a evangelização
colonizadora, agora tem outros cenários de desassossego, presentes em
inúmeros tópicos que a pesquisa, com seus vários instrumentos de levantamento
de dados, conseguiu mapear. Apesar das diferenças, que caracterizam a
comparação analógica, parece claro que, desde a Colônia, criou-se um imaginário
de crise, que cerca o ensino religioso em toda a sua história, apesar dos aspectos
positivos que sempre estiveram e continuam presentes.
O conhecimento da história pregressa permite ver com mais clareza a
radiografia da complexa realidade do ensino religioso contemporâneo; mostra que
a dialética de outrora tem continuidade e os arranjos e soluções provisórias ainda
persistem suscitando um amplo espectro de inquietações, que vão desde a
identidade conceitual e epistemológica da disciplina até a ambigüidade da sua
figura legal e as seqüela práticas e pedagógicas dela decorrentes, que rebatem
constantemente na formação do professor e no próprio material didático.
Antes de apontarmos a localização tópica dos vários incômodos revelados
no capítulo segundo, é oportuno frisar a crise que se deu com a chegada do Bloco
Histórico Republicano, porque ai está a gênese próxima da situação atual.
Essa crise não incidiu, de início, diretamente sobre ensino religioso. Ela foi
institucional e política, decorrência da proclamação do Estado laico, da ruptura do
pacto entre Igreja e Estado e da separação dos dois poderes. O ensino religioso é
reflexo desse conflito maior, pois foi alijado do espaço escolar público. A Igreja
não se conforma com a nova situação e reivindica seu direito de estar presente no
espaço escolar com a sua doutrina, alegando que a quase totalidade dos
educandos era católica. Instaura-se então uma ampla batalha que opõe duas
grandes correntes: o chamado “grupo do não”, que contesta a volta do ensino
religioso escolar, congregando uma gama de segmentos e interesses
diversificados. Lá estavam liberais, laicistas, materialistas, iluministas, maçons,
199
livre pensadores, ateus e até grupos religiosos, como os espíritas e determinadas
denominações protestantes, que temiam a volta da hegemonia da Igreja Católica
no espaço publico. Pelo sim militavam o clero, os intelectuais católicos, as
associações religiosas e a poderosa liga eleitoral católica (LEC), braço secular da
Igreja na política.
O conflito institucional é superado no governo Vargas com a volta do
ensino religioso no espaço escolar público instaurado pela Constituição de 1934.
Mas surge então uma nova crise, afetando diretamente o ensino religioso. É a
crise que poderia ser chamada de “pendular”. A Constituição de 1934 admite o
ensino religioso como uma saída negociada entre os blocos em conflito e como
uma barganha com o poder e a influência política da Igreja Católica. Mas tanto no
diploma legal de 1932 como em todas as Constituições posteriores, não se
chegou a uma clareza com relação a essa disciplina. Daí as saídas “pendulares”
conforme sopravam mais fortes os ventos dos blocos em conflito. Desde o início,
surgem ambigüidades: a disciplina é admitida no espaço escolar ora como
obrigatória, ora como facultativa para a instituição. Ora merece a subvenção do
Estado, ora o Estado joga seu ônus para as instituições religiosas, o que
implicitamente significa caracterizá-la como catequese, embora esteja excluído
oficialmente o monopólio da Igreja Católica.
A partir da Constituição de 1934, a disciplina assume a figura definitiva de
obrigatória para a Instituição Escolar. E, na atual LDB, com a nova redação do
artigo 33, ela é obrigatória para o poder publico mas facultativa para o aluno.
Porém, desde o início, em todas as Constituições, ela sempre foi facultativa para
o aluno. De um lado, essa medida se justifica porque pretende salvar a liberdade
de crença (e de não crença). Porém, sob o aspecto político, ela é uma forma de
condescendência com o “grupo do não” em suas investidas contra a religião em
geral e contra o ensino religioso. Não tendo força política suficiente para alijá-lo
do espaço público, esse grupo consegue descaracterizar o sentido pleno de
disciplina. Permite seu ingresso pela porta do fundo, como um ensino minorado e
marginalizado, sintoma de um mal-estar político nunca resolvido.
Mas a característica de disciplina facultativa traduz também um incômodo
epistemológico, porque revela não se ter chegado até hoje a uma visão clara da
concepção central deste ensino. Como a ética e as demais transversais, também
essa disciplina deveria participar da formação integral do cidadão porquanto
200
trabalha a dimensão transcendente do humano, presente mesmo em quem não
professa nenhum credo ou até se professa ateu. Não se atinou que a vivência
espiritual é um fenômeno cultural de profunda penetração em todos os povos, a
merecer, por isso, independentemente dos credos e das posições adversas, um
tratamento específico no espaço escolar, na formação de crianças, adolescentes
e jovens.
Além do mal-estar político e da crise pendular, a pesquisa, no capitulo
segundo, apontou incômodos pontuais na atualidade. Conseguiu localizá-los na
epiderme e na sua profundidade. Entre os tantos pontos desafiadores,
sobressaem a falta de conhecimento da legislação, a sua incongruência,
ambigüidade e insuficiência; a formação dos professores precária ou até mesmo
inexistente; a atribuição da disciplina, não raras vezes, a profissionais sem o
mínimo preparo para ministrá-la; a carência de material didático adequado; a
interferência político-administrativa da instituição de ensino na coordenação da
disciplina; o lugar de relativa importância que ocupa na grade curricular e a sua
ausência quase corriqueira no planejamento escolar.
O conteúdo da disciplina foi muito visado. Basta lembrar que 69% dos
entrevistados reclamam de temas cansativos; 31% apontam a falta de clareza e
de eficácia e julgam-nos excessivamente abrangentes.
Voltando à metáfora do mal-estar, a radiografia revelou não se tratar de
uma enfermidade terminal. Há também tópicos que indicam que, em parte, o
paciente é saudável. A disciplina é em geral bem aceita por pais, alunos e direção
escolar; os professores, em sua maioria, sentem-se valorizados e satisfeitos em
ministrá-la; em geral ela responde às exigências do mundo atual; é importante
porque trabalha a dimensão religiosa e dá preciosas indicações para a vida; em
varias manifestações, aparece a palavra esperança, uma esperança que teima
em se manter pelas possibilidades que o ensino religioso encerra em ajudar o ser
humano a ser melhor; apesar da angústia pelos percalços da disciplina, nota-se
uma disposição a trabalhar para enfrentá-los e levá-la a bom termo, embora haja
muito por fazer.
Neste momento, é importante um olhar para os procedimentos de coleta de
dados que adotamos. Nossa intenção foi elaborar uma radiografia a mais ampla
possível dos sintomas que poderiam estar afetando o ensino religioso. Por isso é
que recorremos a vários métodos de coleta, no intuito de abranger todos os
201
atores do ensino religioso: pais, alunos, diretores, professores. Evidente que a
maior e a principal fonte de informação foi colhida entre os professores. Por isso,
eles foram solicitados a dar informações mediante vários procedimentos. Parece-
nos que o resultado foi satisfatório.
Podemos afirmar, a guisa de conclusão, que os tópicos de mal-estar e os
pontos positivos parecem refletir o que acontece no ensino religioso em toda a
sua extensão. Evidente que se trata de um levantamento geral, e não é possível,
pelos limites da pesquisa, afirmar categoricamente que os tópicos sejam os
mesmos em toda parte e com a mesma ênfase que foi colhida nas informações.
Parece-nos também que o método de agrupamento temático conseguiu dar
uma visão organizada dos dados e ao mesmo tempo chegar a perceber onde há
maior incidência da crise.
Pela extensão dos dados revelados, não foi intenção desta pesquisa,
analisar cada dado individualmente. Mas acreditamos termos levantado inúmeras
situações, positivas e negativas, que poderão ser, cada uma, objeto de novas
pesquisas e análises.
Nosso trabalho analítico limitou-se a dois tópicos que recolheram o maior
índice de sintoma de mal-estar: a legislação, seu conhecimento, as ambigüidades
que existem nela mesma e na sua aplicação e a formação do professor e seus
percalços.
O estudo analítico da legislação revelou luzes e sombras. Ela traz pontos
positivos porque, na sua redação final, pela lei que altera o artigo 33 da LDB,
apresenta uma identidade incoativa e embrionária do ensino religioso,
caracterizando-o como disciplina escolar. Neste sentido, ela representa um
incentivo para profissionais e especialistas, em especial os que se dedicam às
ciências da religião, a definirem suas bases teóricas e metodológicas, que
superem as abordagens e práticas de recorte catequético e confessional.
Com certeza, é um avanço situar o ensino religioso no amplo processo
educacional, numa sociedade pluralista, que tem na escola um importante espaço
de discussão e reflexão sobre o processo de aprendizagem; um espaço também
de convivência, que deveria ser solidária e respeitosa, aberta à alteridade, ao
diferente, no qual educadores e educandos deveriam resgatar os valores
fundamentais da vida e buscar o sentido profundo e transcendente da existência
humana.
202
Os dispositivos da nova lei, em que pesem as ambigüidades
remanescentes, contêm flexibilidade para permitir um avanço da disciplina,
abrindo-se à diversidade cultural e religiosa do Brasil, podendo também contribuir
para que diferentes visões de mundo possam dialogar.
As sombras, entretanto, são múltiplas. Algumas já salientamos, como a
falta de clareza. Por isso, a legislação que institui a obrigatoriedade do ensino
religioso no espaço escolar público, torna-se uma “questão de alta indagação e
complexidade”, como diz Cordão, em obra que trata sobre a formação do
educador de ensino religioso, já citada anteriormente. Essa perplexidade
acontece porque a disciplina passa a fazer parte integrante do currículo do ensino
fundamental, por determinação constitucional, o que envolve a questão da
laicidade do Estado, a realidade sócio-cultural dos múltiplos credos, a face
existencial de cada indivíduo, a tendência constante das instituições religiosas a
usarem o espaço concedido pela lei para voltar ao sistema de doutrinação e à
catequese confessional. Situação esta que Cury qualifica de “evidência
embaraçosa”, ao dissertar sobre o Ensino Religioso e a Escola Pública.
Persiste ainda entre os laicistas que militam no campo educacional um
explícito repúdio ao ensino religioso no espaço escolar público, o que indica a
permanência constante do “grupo do não”. Diante desse prolongado impasse, a
União lava as mãos e, após gerar o ensino religioso no espaço público, o
deserda, não reconhecendo suas diretrizes curriculares, deixando seu conteúdo a
cargo das instituições religiosas, o que propicia o retorno do “confessionalismo”, já
em andamento em vários Estados, e relegando a decisão sobre a habilitação de
professores dessa disciplina a cargo das instituições educacionais estaduais e
municipais de ensino.
O Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação nega até mesmo a
sua competência em autorizar, reconhecer e avaliar cursos de licenciatura em
ensino religioso, cujos diplomas tenha validade nacional. Parecer CNE/CP nº
097/1999 (Anexo nº 9)
É preocupante o que afirma João Décio Passos:
Desde a nova LDB, o Ministério da Educação não conseguiu implantar uma política de ER que superasse a clássica questão da separação Igreja-Estado, o que significou não conseguir sustentar uma proposta consistente desse ensino:
203
do ponto de vista antropológico, como uma dimensão humana a ser educada; do ponto de vista epistemológico, como uma área de conhecimento com estatuto próprio, conforme indica a Resolução n. 2/98, da Câmara de Educação Básica; e, do ponto de vista político, como uma tarefa primordialmente dos sistemas de ensino e não da confissões religiosas 351
No que tange à formação do professor de ensino religioso, apontada
muitas vezes na pesquisa de campo como uma ausência e uma exigência,
discorremos sobre a necessidade dessa formação para a criação de um perfil
desse docente que responda às demandas teóricas e praticas às quais deve
responder um docente qualificado e competente. Nesse discurso, seguimos as
orientações de renomados educadores.Trata-se de uma formação que deve
acontecer não só em teoria mas no próprio trabalho do professor, e não apenas
em fragmentos, mas continuada e permanente, mediante um plano coerente, com
material de apoio adequado e amparo legal, além de ser constantemente
reavaliada perante as mudanças sociais. Infelizmente essa formação revela-se
inconsistente e desamparada, sendo que apenas recentemente instauram-se, em
nível de pós-graduação, alguns cursos de ciências da religião voltados
especificamente ao docente de ensino religioso.
Mais uma vez, a questão da formação desse professor também rebate na
questão política, como bem notou João Décio Passos, ao afirmar, em seu
trabalho Ensino religioso: construção de uma política (p.17), que “a ausência de
uma diretriz nacional explícita sobre a formação docente para o ensino religioso
tem impedido o avanço de experiências concretas e cursos superiores nas
universidades supervisionadas pelos órgãos gestores do Ministério da Educação”.
Finalizando, contamos que esse trabalho possa ter lançado algumas luzes
sobre uma disciplina tão necessária e ao mesmo tempo tão polêmica, tendo em
vista especialmente nossos companheiros de magistério, que labutam no dia a dia
para fazer do ensino religioso aquilo que dele se espera, a incumbência de ser
uma orientação “intelectual e moral”, no sentido que essa expressão adquire no
pensamento gramsciano: a formação plena, intelectiva, afetiva e passional de
cidadãos que vivam a transcendência na imanência, isto é, assumindo a religião
não só como sentido pleno para a vida, algo que a ideologia burguesa, assentada 351 João Decio PASSOS. Ensino Religioso: construção de uma proposta, p. 14-15.
204
no iluminismo, não é capaz de oferecer, mas também como um fator de
compromisso social e político, rumo à emancipação do ser humano e da
sociedade.
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218
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Por uma outra política educacional. 5ª. ed. Campinas, São Paulo: Editora Autores
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teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
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introdução. São Paulo: EDUC, 2002.
219
SIQUEIRA, Gisele Prado. Tensão entre duas propostas de ensino religioso:
Estudo do fenômeno religioso e/ou educação da religiosidade, Dissertação
(Mestrado em Ciências da Religião) São Paulo: PUC, 2003.
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Paulo: Paz e Terra, 1998.
SOARES, Afonso Maria Ligorio. Apresentação, In: PASSOS João Décio,
Ensino Religioso: Construção de uma proposta. São Paulo: Edições Paulinas,
2007.
SODRÉ WERNECK, Nelson. Formação histórica do Brasil. Rio de Janeiro:
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Civilização Brasileira,1976.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petropolis:
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TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo. São Paulo : Ática,
1998.
TRIVIÑOS, Augusto. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987
RIOS, Teresinha Azerêdo. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 2006.
WILLEKE, Venâncio. Missões Franciscanas no Brasil-1500/1975.
Petrópolis: Vozes, 1976.
220
ANEXO 1
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA SOBRE O ENSINO RELIGIOSO.
O que se pretende: Pesquisar professores de Ensino Religioso que estão atuando na área, com o
objetivo de conhecer a avaliação que fazem do Ensino Religioso e sua satisfação ou
insatisfação com relação ao mesmo.
1 - Como você vê o Ensino Religioso, em relação à legislação:
a - Conhecimento, da Legislação;
b - Adequação de suas orientações (Lei 9.475/97 art. 33);
c - Pontos positivos e pontos negativos da legislação;
2 - Importância do ensino religioso na grade curricular;
3 - Satisfação do professor de ensino religioso no que concerne a: valorização
profissional respeito dos colegas, da direção, e dos alunos, salário, possibilidade de
crescimento profissional, formação específica, aprimoramento constante, carga horária,
carga horária desejável e função na grade, existência de conteúdos específicos;
4 - Existência, disponibilidade e adequação de material didático – pedagógico
especifico ao ensino religioso;
5 - Existência de um plano político – pedagógico na escola que contemple o
ensino religioso, com objetivos claros e que responda à diversidade religiosa do mundo
atual;
6 - Disponibilidade de professores com formação na área de Ciências da
Religião;
7 - Concessão de aulas à professores não qualificados para o ensino religioso;
8 - Interferência política e ou administrativa na orientação dos conteúdos;
9 - Participação efetiva do professor de ensino religioso na elaboração dos
conteúdos programáticos da disciplina;
10 - Posicionamento das instituições de ensino frente às orientações da Lei
(respeito às denominações religiosas, ausência de proselitismo);
11 – Em sua opinião, resumidamente, onde estaria o mal-estar do ensino
religioso e o que sugere para enfrentá-lo?
222
ANEXO 2
QUESTIONÁRIO PARA PAIS DE ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL.
Estimados pais.
Esta pesquisa tem como objetivo nos fornecer informações necessárias
para uma avaliação do Ensino Religioso. Por isso pedimos a gentileza de nos
responder as questões que seguem. Sua colaboração trará benefícios à toda
sociedade.
Queira marcar (sim) ou (não) nas questões que seguem
1ª. Questão: Em sua opinião, quanto à eficácia do Ensino Religioso que seu filho recebe na escola:
Sim
Não
a) Oferece pistas para enfrentar os problemas da vida?
b) Leva a respeitar a religião do outro?
c) Ajuda a amar a própria religião?
d) O ensino religioso, como ministrado, é bom?
2ª. Questão:Quanto à influência na sua família, o E.R.:
a) Provoca interesse em conhecer mais a Religião?
b) Favorece o diálogo na Família e na Comunidade?
c) Permite consolidar a prática da própria religião?
223
ANEXO 3 QUESTIONÁRIO PARA DIRETORES DE ESCOLAS ESTADUAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL.
Estimado (a) diretor (a)
Esta pesquisa tem como objetivo nos fornecer informações necessárias
para uma avaliação do Ensino Religioso. Por isso pedimos a gentileza de nos
responder as questões que seguem. Sua colaboração trará benefícios à toda
sociedade.
Queira assinalar (sim) ou (Não) nas questões abaixo.
1ª Questão :O Ensino Religioso em sua escola: Sim Não
a) Favorece a harmonia entre os alunos?
b) Ajuda no plano Político-pedagógico da escola?
c) Provoca atitude de respeito e diálogo?
2a. Questão: Os conteúdos discutidos nas aulas de Ensino Religioso, são:
a) Temas atrativos?
b) Correspondem às expectativas dos estudantes
c) Provocam interesse pela Religião?
3ª.Questão:O Ensino Religioso na vida dos alunos:
a) Desperta o desejo de aprofundar a própria religião e
conhecer as outras?
b) Desencadeia certo interesse frente à própria religião?
c) É desejado e se torna necessário?
4ª. Questão: O Ensino Religioso na vida da Comunidade
a) Tem sua nova proposta curricular, conhecida?
b) A comunidade questiona essa nova proposta?
c) A comunidade está satisfeita como o E.R.
224
ANEXO 4
QUESTIONÁRIO PARA ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL. Estimado estudante.
Esta pesquisa tem como objetivo nos fornecer informações necessárias
para uma avaliação do Ensino Religioso. Por isso pedimos a gentileza de nos
responder as questões que seguem, pois sua colaboração trará benefícios a toda
sociedade.
Dados pessoais: a- Sexo M ( ) F ( ) b- Idade ( )
c –Você é estudante do Ensino fundamental da ( ) série.
Queira marcar com (X) a resposta que julgar necessária.
1ª Questão: Seu relacionamento com os pais, é: ( ) Ótimo: ( ) Bom: ( ) Regular ( ) Difícil:
2a. Questão: Quem mais colaborou até agora para a formação de sua vida?
1 Os pais ( )
2 Os professores de ensino religioso ( )
3 Os amigos ( )
4 A Igreja ( )
3ª. Questão: Os conteúdos de Ensino Religioso discutidos na aula: a) Ajudam a entender melhor sua religião? Sim ( ) Não ( )
b) Há temas Cansativos? Sim ( ) Não ( )
Suscitam desinteresse em seguir sua religião? Sim ( ) Não ( )
4a. Questão: O Ensino Religioso em sua vida:
a) Despertou p/ o diálogo e respeito consigo e com os outros? Sim ( )
( ) Não.
b) Melhorou o diálogo com os pais? Sim ( ) Não. ( )
c) Despertou para o sentido da vida? Sim ( ) Não. ( )
225
ANEXO 5
QUESTIONÁRIO MISTO PARA PROFESSORES DE ENSINO
RELIGIOSO EM NÍVEL NACIONAL
O que se pretende:
Pesquisar professores de Ensino Religioso que estão atuando na área
com o objetivo de conhecer a avaliação que fazem do Ensino Religioso e sua
satisfação ou insatisfação com relação ao Ensino Religioso.
Identificação:
Nome:________________________________Telefone:______________
Escola onde
atua______________________________________________
Município______________________________
Estado________________
1 - Como você vê o Ensino Religioso, no que concerne :
1.1. Conteúdo Programático
1- Quanto à clareza: Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( )
2- Quanto à abrangência: Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( )
3- Quanto à eficácia: Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( )
1.2. Aceitação na Grade Curricular
1- A disciplina é aceita na unidade escolar? Sim ( ) Com reservas ( )
Não ( )
2- A disciplina é aceita pelos alunos? Sim ( ) Com reservas ( ) Não ( )
226
1.3. Recursos pedagógicos disponíveis.
1- Existem recursos adequados? Sim ( ) Não ( ) Algumas vezes ( )
Nunca. ( )
2- Há interesse na aquisição dos mesmos pela escola? Sempre ( )
Algumas vezes ( ) Nunca ( )
3- E, pelo Estado? Sim ( .) Algumas vezes ( .) Nunca ( )
1.4. Quanto aos resultados esperados
1-Os alunos são receptivos à disciplina? Sim (. ) Não ( ) às Vezes ( )
Nunca ( )
2- A disciplina tem contribuído para o aprimoramento dos valores
humanos? Sim ( ) Não ( ) Ás Vezes ( ) Nunca ( .)
3- A disciplina tem propiciado o respeito à alteridade e a boa
convivência?
Sim ( ) Não ( ) Ás Vezes ( ) Nunca ( )
1.5. Como você se sente, como professor(a) de Ensino Religioso, no que concerne a:
1-Satisfação pessoal: ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
2- Valorização como profissional perante os demais professores:
Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( )
3-.Capacitação pessoal para o exercício da função: Ótimo ( ) Bom ( )
Regular ( ) Ruim. (. )
4-Disponibilidade de oportunidades para aperfeiçoamento profissional:
ótimo ( ) Bom ( ) Ruim ( ) Regular (..)
1.6 Assinale com um x no rol das questões abaixo os principais problemas que você detecta no Ensino Religioso.
227
1- Falta de valorização da Disciplina pela Instituição; ( )
2- Pouca valorização do professor como profissional da educação ( )
3- Falta de conhecimento da legislação aplicável ( )
4- Ausência de uma programação efetiva de aprimoramento
profissional por parte da instituições de ensino. ( )
5- Proposta curricular confusa. ( )
6- Carência de material didático específico para a disciplina ( )
7- Insuficiência diretiva da legislação aplicável ( );
8- Remuneração não condizente com o esforço ( )
9- Falta de incentivo familiar na formação religiosa dos filhos ( )
10- Concessão de aulas de Ensino Religioso a profissionais não
qualificados( )
11- Interferência político-administrativa na coordenação da disciplina ( )
Pontos que na sua pinião merecem mais atenção. 1.7 - Você percebe um mal estar em ensino religiso ? Caso
afirmativo em quais situações 1. A importância da disciplina na grade curricular.( ):
2. Obtenção de recursos didáticos ( )
3. Formação específica do professor de ensino religioso ( )
4. Ausência de interesse dos pais ( )
5. Desconhecimento da Lei ( )
6. Clareza do papel das instituições no que diz respeito à legislação
aplicável ao ensino religioso ( )
7. Na competição entre as religiões ( )
8. No desrespeito quanto à liberdade religiosa ( )
8a - Considerando o que diz a Lei Nº 9.475 de 22 de julho de 1997, no
‘Art 33 – O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da
228
formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º- Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a
definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a
habilitação e admissão dos professores.
§ 2º -Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino
religioso.
8.a Você acha que estas exigências estão sendo cumpridas? Sim ( )
Não ( ) Em Parte ( )
8 b) Se você respondeu Sim ou em parte, faça uma pequena justificativa:
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
229
ANEXO 6
QUESTIONÁRIO DE PERGUNTAS ABERTAS.
1- Como você vê o ensino religioso?
2- Quais os principais problemas que você detecta no ensino religioso?
3- Como você se sente como professor(a) de ensino religioso?
4-Você percebe o mal-estar em relação ao ensino religioso? Onde e em
que situação você localiza o mal-estar?
5- O ensino religioso responde as expectativas, exigências e a conjuntura
do mundo atual?
6- O que você acha da formação dos professores para o ensino religioso?
7- A instituição responsável pelo ensino religioso tem clareza sobre
ensino religioso?
8- Com relação a lei 9.475/97, Artigo 33, você acha que estas exigências
estão sendo cumpridas?
9- Como as instituições educacionais públicas e privadas estão se
posicionando e aplicando a lei?
10- Quais os principais conflitos que você nota em relação ao Ensino
Religioso e seus conteúdos?
230
ANEXO 7
CARTA DE PRINCÍPIOS - FONAPER
Considerando a memória histórica do Ensino Religioso no Brasil, que une
esforços de autoridades religiosas e educacionais, da família e da sociedade em
geral, para sua efetivação na escola.
Considerando o trabalho das diferentes organizações que acompanham o
Ensino Religioso, em todo território nacional, na garantia de educação para o
Transcendente;
Considerando o contesto sócio-político-cultural e pluralista que aponta
mudanças de paradigmas.
Os signatários, representantes de entidades e organismos envolvidos
com o Ensino religioso no Brasil instalaram, no dia 26 de setembro de 1995, em
Florianópolis – SC – o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso como:
Espaço pedagógico, centrado no atendimento ao direito do educando de
ter garantia à educação de sua busca do Transcendente;
Espaço aberto para refletir e propor encaminhamentos pertinentes ao
Ensino Religioso, sem discriminação de qualquer natureza.
Esta “Carta de Princípios” contém o contrato moral que todo signatário
desse Fórum estabelece consigo mesmo e com seu comprometimento ético com
a Educação, contrato que se projeta para além de compromissos jurídicos e
institucionais:
1 – garantia que a Escola, seja qual for sua natureza , ofereça o Ensino
Religioso ao educando, em todos os níveis de escolaridade, respeitando as
diversidades de pensamento e opção religiosa e cultural do educando;
2 – definição junto ao Estado do conteúdo programático do Ensino
Religioso, integrante e integrado às propostas pedagógicas;
3 – contribuição para que o Ensino Religioso expresse uma vivencia ética
pautada pela dignidade humana,
231
4 – exigência de investimento real na qualificação e capacitação de
profissionais para o Ensino Religioso, preservando e ampliando as conquistas de
todo magistério, bem como garantindo-lhes condições de trabalho e
aperfeiçoamento necessário necessários.
Florianópolis, aos 2 anos do Conselho de Igrejas para Educação
Religiosa
232
ANEXO 8
DECRETO Nº 19.941 - DE 30 DE ABRIL DE 1931.
Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil
decreta:
Art. 1º Fica facultado, nos estabelecimentos de instrução primária,
secundária e normal, o ensino da religião.
Art. 2º Da assistência às aulas de religião haverá dispensa para os alunos
cujos pais ou tutores, no ato da matrícula, a requererem.
Art. 3º Para que o ensino religioso seja ministrado nos estabelecimentos
oficiais de ensino é necessário que um grupo de, pelo menos, vinte alunos se
proponha a recebê-lo.
Art. 4º A organização dos programas do ensino religioso e a escolha dos
livros de texto ficam a cargo dos ministros do respectivo culto, cujas
comunicações, a este respeito, serão transmitidas às autoridades escolares
interessadas.
Art. 5º A inspeção e vigilância do ensino religioso pertencem ao Estado,
no que respeita à disciplina escolar, e às autoridades religiosas, no que se refere
à doutrina e à moral dos professores.
Art. 6º Os professores de instrução religiosa serão designados pelas
autoridades do culto a que se referir o ensino ministrado.
Art. 7º Os horários escolares deverão ser organizados de modo que
permitam aos alunos o cumprimento exato de seus deveres religiosos.
Art. 8º A instrução religiosa deverá ser ministrada de maneira a não
prejudicar o horário das aulas das demais matérias do curso.
233
Art. 9º Não é permitido aos professores de outras disciplinas impugnar
os ensinamentos religiosos ou, de qualquer outro modo, ofender os direitos de
consciência dos alunos que lhes são confiados.
Art. 10. Qualquer dúvida que possa surgir a respeito da interpretação
deste decreto deverá ser resolvida de comum acordo entre as autoridades civís e
religiosas, a fim de dar à consciência da família todas as garantias de
autenticidade e segurança do ensino religioso ministrado nas escolas oficiais.
Art. 11. O Governo poderá, por simples aviso do Ministério da Educação
e Saude Pública, suspender o ensino religioso nos estabelecimentos oficiais de
instrução quando assim o exigirem os interesses da ordem pública e a disciplina
escolar.
Rio de Janeiro, 30 de abril de 1931, 110º da Independência e 43º da
República.
Getúlio Vargas.
Francisco Campos.
234
ANEXO 9
PARECER Nº 97/99 :
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARECER CP 97/99 INTERESSADO: UF - Conselho Nacional de Educação DF
ASSUNTO: Formação de professores para o Ensino Religioso nas escolas públicas de ensino fundamental
RELATOR(A) CONSELHEIRO(A): Eunice R. Durham PROCESSO Nº: 23001.000110/99-06 PARECER Nº CP 97/99: CONSELHO PLENO APROVADO EM: 06/04/99
I – RELATÓRIO
A formação de professores para o ensino religioso se enquadra na questão
mais ampla da oferta de formação religiosa para os alunos dos estabelecimentos
públicos de ensino e está relacionada à separação entre Igreja e Estado, que tem
sido no Brasil, objeto de permanente debate.
De fato, o problema não existiu, nem no Brasil nem em outros países,
enquanto o Estado reconhecia uma religião oficial. Neste contexto, cabia à Igreja
oficial tanto a determinação do conteúdo do ensino religioso, como a formação ou
credenciamento dos professores para ministrarem esta disciplina nos
estabelecimentos públicos. Esta situação ainda persiste, hoje em dia, em muitos
países muçulmanos.
A separação entre Igreja e Estado se generalizou no ocidente durante o
século XIX, tanto nos países republicanos como nas monarquias constitucionais e
esteve associada ao reconhecimento da liberdade e da pluralidade religiosa. A
exceção foi constituída, no século XX, pelos países de regime comunista, que
desencorajaram ou mesmo coibiram as manifestações religiosas.
Nos demais Estados, a questão se colocou de outro modo; orientou-se no
sentido de que o Estado não interferisse nos diferentes cultos e não se
manifestasse sobre a validade desta ou daquela posição religiosa.
235
A questão, no Brasil, tem se revelado particularmente espinhosa no que
tange ao ensino religioso nas escolas públicas e o Estado tem se orientado em
sentidos diversos, de acordo com diferentes constituições.
A constituição Brasileira de 1988 trata a questão geral da separação entre
Igrejas e Estado no artigo 19:
“Art. 19. É vedada à União, aos Estados e aos municípios.
1 – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-
lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público”.
Por sua vez, o artigo 210 estabelece, no seu parágrafo 1º:
“§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos
horários normais das escolas fundamentais”.
A versão original do artigo 33 da LDB, regulamentava a matéria de forma a
evitar qualquer interferência do Estado no conteúdo do ensino religioso, ou na
preparação de professores para esta área, dispondo:
“Art. 33 - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido
sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas
pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:
I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu
responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e
credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou
II – interconfessional, resultante de acordo entre diversas entidades
religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa”.
Como se pode facilmente constatar da leitura do artigo, a orientação do
ensino religioso é de decisão dos alunos ou responsáveis, seu contento depende
das organizações religiosas que foram objeto de opção (Igrejas ou associação de
Igrejas, no caso do ensino interconfessional), organizações estas responsáveis,
inclusive, pela preparação dos professores ou orientadores religiosas.
O Conselho Nacional de Educação, através do Parecer 05/97, baseado
nesta versão original da LDB, assim se manifestou:
“A Constituição apenas reconhece a importância do ensino religioso para a
formação básica comum no período de maturação da criança e do adolescente
236
que coincide com o ensino fundamental e permite uma colaboração entre as
partes, desde que estabelecida em vista do interesse público e respeitando – pela
matrícula facultativa – opções religiosas diferenciadas ou mesmo a dispensa de
tal ensino na escola.
Por ensino religioso se entende o espaço que a escola pública abre para
que estudantes, facultativamente, se iniciem ou se aperfeiçoem numa
determinada religião. Desse ponto de vista, somente as igrejas, individualmente
ou associadas, poderão credenciar seus representantes para ocupar o espaço
como resposta à demanda dos alunos de uma determinada escola. Foi a
interpretação que a nova LDB adotou no já citado art. 33.
A Lei nos parece clara, reafirmando o caráter leigo do Estado e a
necessidade de formação religiosa aos cuidados dos representantes
reconhecidos pelas próprias igrejas. À escola cabem duas obrigações:
1 – garantir a “matrícula facultativa”, o que supõe que a escola, em seu
projeto pedagógico, ofereça com clareza aos alunos e pais quais são opões
disponibilizadas pelas Igrejas, em caráter confessional ou interconfessional;
2 – deixar horário e instalações físicas vagas para que os representantes
das Igrejas os ocupem conforme sua proposta pedagógica, para os estudantes
que demandarem o ensino religioso de sua opção”.
A lei nº 9475, de 22 de julho de 1997 alterou a formulação original do Artigo
33 da Lei nº 9394 e exige uma nova posição do conselho. As alterações cruciais
residem no caput nos parágrafos primeiro e segundo da referida lei, os quais
estabelecem:
“Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da
formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade
cultural, religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
“§ 1º os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a
definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a
habilitação e admissão dos professores.
“§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino
religioso”
237
Nesta formulação, a matéria parece fugir à competência deste
Conselho, pois a questão da fixação de conteúdos e habilitação
e admissão dos professores fica a cargo dos diferentes sistemas
de ensino.
Entretanto, a questão se recoloca para o Conselho e, especialmente, para
esta Câmara, no que diz respeito à formação de professores para o ensino
religioso, em nível superior, no Sistema Federal de Ensino.
Têm chegado ao Conselho solicitações de autorização e reconhecimento
de cursos de licenciatura em ensino religioso.
Como a Lei nº 9.475 não se refere especificamente a esta questão, o
problema precisa ser resolvido à luz da legislação maior, da própria Constituição
Federal, dentro das limitações estabelecidas pela lei acima referida e pela própria
Lei 9394, nos artigos e parágrafos não alterados pela legislação posterior.
Em primeiro lugar, deve-se considerar que, atribuindo a lei aos diferentes
sistemas de ensino, não só a definição dos conteúdos do ensino religioso, mas
também as normas para habilitação e admissão dos professores, é impossível
prever a diversidade das orientações estaduais e municipais e, assim, estabelecer
uma diretriz curricular uniforme para uma licenciatura em ensino religioso que
cubra as diferentes opções.
Em segundo lugar, precisamos reconhecer que a Lei nº 9475 não se refere
à formação de professores, isto é, ao estabelecimento de cursos que habilitem
para esta docência, mas atribui aos sistemas de ensino tão somente o
estabelecimento de normas para habilitação e admissão dos professores. Supõe-
se portanto que esses professores possam ser recrutados em diferentes áreas e
deveriam obedecer a um processo específico de habilitação. Não se contempla,
necessariamente, um curso específico de licenciatura nesta área, nem se impede
que formação possa ser feita por entidades religiosas ou organizações
ecumênicas.
Considerando estas questões é preciso evitar que o Estado interfira na vida
religiosa da população e na autonomia dos sistemas de ensino. Devemos
considerar que, se o Governo Federal determinar o tipo de formação que devem
receber os futuros professores responsáveis pelo ensino religioso, ou estabelecer
diretrizes curriculares para curso específico de licenciatura em ensino religioso,
238
estará determinado, em grande parte, o conteúdo do ensino religioso a ser
ministrado.
Esta parece ser, realmente, a questão crucial: a imperiosa
necessidade, por parte do Estado, de não interferir e portanto
não se manifestar sobre qual o conteúdo ou a validade desta ou
daquela posição religiosa e, muito menos, de decidir sobre o
caráter mais ou menos ecumênico de conteúdos propostos.
Menos ainda deve ser colocado na posição de arbitrar quando,
optando-se por uma posição ecumênica, diferentes seitas ou
igrejas contestem os referidos conteúdos da perspectiva de sua
posição religiosa, ou argumentem que elas não estão
contempladas na programação.
Por estas razões, parece-nos impossível, sem ferir a
necessária independência entre Igreja e Estado, estabelecer
uma orientação nacional uniforme que seria necessária para a
observância dos processos atuais de autorização e
reconhecimento.
II – VOTO DOS RELATORES
Ante o anteriormente exposto e considerando:
- a enorme diversidade das crenças religiosas da população brasileira,
frequentemente contraditórias umas em relação às outras e muitas das quais
não estão organizadas nacionalmente;
- a liberdade dos diferentes sistemas de ensino em definir os conteúdos de
ensino religioso e as normas para a habilitação e admissão dos professores,
da qual resultará uma multiplicidade de organização do conteúdo dos cursos;
- a conseqüente impossibilidade de definir diretrizes curriculares nacionais para
a formação de professores para o ensino religioso e critérios de avaliação dos
cursos que não discriminem, direta ou indiretamente, orientações religiosas de
diferentes segmentos da população e contemplem igualmente a diversidade
de conteúdos propostos pelos diferentes sistemas de ensino,
concluímos que:
Não cabendo-a União, determinar, direta ou indiretamente, conteúdos
curriculares que orientam a formação religiosa dos professores, o que interferiria
239
tanto na liberdade de crença como nas decisões de Estados e municípios
referentes à organização dos cursos em seus sistemas de ensino, não lhe
compete autorizar, nem reconhecer, nem avaliar cursos de licenciatura em ensino
religioso, cujos diplomas tenham validade nacional;
Devendo ser assegurada a pluralidade de orientações, os
estabelecimentos de ensino podem organizar cursos livres ou de extensão
orientados para o ensino religioso, cujo currículo e orientação religiosa serão
estabelecidos pelas próprias instituições, fornecendo aos alunos um certificado
que comprove os estudos realizados e a formação recebida;
Competindo aos Estados e municípios organizarem e definirem os
conteúdos do ensino religioso nos seus sistemas de ensino e as normas para a
habilitação e admissão dos professores, deverão ser respeitadas as
determinações legais para o exercício do magistério, a saber:
- diploma de habilitação para o magistério em nível médio, como condição
mínima para a docência nas séries iniciais do ensino fundamental;
- preparação pedagógica nos termos da Resolução 02/97 do plenário
Conselho Nacional de Educação, para os portadores de diploma de ensino
superior que pretendam ministrar ensino religioso em qualquer das séries do
ensino fundamental; diploma de licenciatura em qualquer área do conhecimento.
Brasília-DF, 06 de abril de 1999.
Eunice R. Durham
Lauro Ribas Zimmer
Jacques Velloso
José Carlos Almeida da Silva
III – DECISÃO DO CONSELHO PLENO
O Conselho Pleno acompanha o voto dos Relatores.Plenário, 06 de abril de 1999.
Conselheiro - Éfrem de Aguiar Maranhão – Presidente.
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ANEXO 10
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL.
Resolução Câmara de Educação Básica, nº 2, de 7 de abril de 1998 institui As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º § 1º, alínea "c" da Lei 9.131, de 25
de novembro de 1995 e o Parecer CEB 4/98, homologado pelo Senhor Ministro
da Educação e do Desporto em 27 de março de 1998,
RESOLVE:
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental, a serem observadas na organização curricular das
unidades escolares integrantes dos de diversos sistemas ensino.
Art. 2º Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definições
doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimento da educação básica,
expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação,
que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino na organização,
articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas.
Art. 3º. São as seguintes as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental: a) As escolas deverão estabelecer como norteadores de suas
ações pedagógicas: os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da
solidariedade e do respeito ao bem comum; b) os princípios dos Direitos e
Deveres da Cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem
democrática;
c) os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de
manifestações artísticas e culturais.
II - Ao definir suas propostas pedagógicas, as escolas deverão explicitar o
reconhecimento da identidade pessoal de alunos, professores e outros
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profissionais e a identidade de cada unidade escolar e de seus respectivos
sistemas de ensino.
III - As escolas deverão reconhecer que as aprendizagens são
constituídas pela interação dos processos de conhecimento com os de linguagem
e os afetivos, em conseqüência das relações entre as distintas identidades dos
vários participantes do contexto escolarizado; as diversas experiências de vida de
alunos, professores e demais participantes do ambiente escolar, expressas
através de múltiplas formas de diálogo, devem contribuir para a constituição de
identidade afirmativas, persistentes e capazes de protagonizar ações autônomas
e solidárias em relação a conhecimentos e valores indispensáveis à vida cidadã.
IV - Em todas as escolas deverá ser garantida a igualdade de acesso
para alunos a uma base nacional comum, de maneira a legitimar a unidade e a
qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional. A base comum nacional e
sua parte diversificada deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, que
vise a estabelecer a relação entre a educação fundamental e:
a) a vida cidadã através da articulação entre vários dos seus aspectos como:
1. A saúde
2. A sexualidade
3. A vida familiar e social
4. O meio ambiente
5. O trabalho
6. A ciência e a tecnologia
7 a cultura
8 as linguagens.
b) as áreas de conhecimento:
1. Língua Portuguesa
2. Língua Materna, para populações indígenas e migrantes
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3. Matemática
4. Ciências 5. Geografia
6. História
7. Língua Estrangeira
8. Educação Artística
9. Educação Física
10. Educação Religiosa, na forma do art. 33 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
V - As escolas deverão explicitar em suas propostas curriculares
processos de ensino voltados para as relações com sua comunidade local,
regional e planetária, visando à interação entre a educação fundamental e a vida
cidadã; os alunos, ao aprenderem os conhecimentos e valores da base nacional
comum e da parte diversificada, estarão também constituindo sua identidade
como cidadãos, capazes de serem protagonistas de ações responsáveis,
solidárias e autônomas em relação a si próprios, às suas famílias e às
comunidades.
VI - As escolas utilizarão a parte diversificada de suas propostas
curriculares para enriquecer e complementar a base nacional comum,
propiciando, de maneira específica, a introdução de projetos e atividades do
interesse de suas comunidades.
II - As escolas devem trabalhar em clima de cooperação entre a direção e
as equipes docentes, para que haja condições favoráveis à adoção, execução,
avaliação e aperfeiçoamento das estratégias educacionais, em conseqüência do
uso adequado do espaço físico, do horário e calendário escolares, na forma da
arte. 12 a 14 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Art. 4º Esta Resolução
entra em vigor na data de sua publicação.
ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET
Presidente da Câmara de Educação Básica
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