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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Teresinha Maria Mocellin O mal-estar no ensino religioso: localização, contextualização e interpretação. DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Teresinha Maria Mocellin

O mal-estar no ensino religioso: localização, contextualização e interpretação.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

SÃO PAULO 2008

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Teresinha Maria Mocellin

O mal-estar no ensino religioso: localização, contextualização e interpretação.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora

como exigência parcial para obtenção do

título de Doutor em Ciências da Religião

pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, sob a orientação do Prof.

Doutor José J. Queiroz.

SÃO PAULO 2008

2

BANCA EXAMINADORA ___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

____________________________________________

3

A transformação é de longo curso mas é preciso

acreditar e sonhar que ela é possível*. C.N. Coutinho,2003

4

AGRADECIMENTOS

Muitos interlocutores, amigos, pesquisadores,

colegas, construíram comigo o caminho da pesquisa e da

argumentação, o que permitiu dar a esta tese o rigor que

une ciência e vida. O meu agradecimento a todos embora

deva citar, de modo especial.

Ao Prof. Dr. José J. Queiroz que na dedicação dos

grandes orientadores percorreu comigo os meandros do

ensino religioso, e dele aprendi que a sabedoria é dom que

emerge da generosidade e amizade que dão sustentação ao

processo de aprendizagem.

Ás irmãs Catequistas Franciscanas da Província “Imaculado Coração de Maria” pelo carinho e amizade que nos une.

Ao Prof. Dr. Enio José da Costa Brito, interlocutor

atento às minhas construções e dúvidas, oferecendo

sugestões, indicando leituras para a melhoria do trabalho.

Ao Prof. Dr. João Décio Passos por compartilhar

seus conhecimentos observações e sugestões, que

contribuíram com a articulação e gestão desta Tese.

Aos pais de alunos, diretores de escola, alunos e

professores pelas valiosas contribuições na pesquisa de

campo, fornecendo os dados estatísticos necessários ao

embasamento teórico dessa pesquisa.

5

Aos professores Doutores do Programa de Estudos

Pós-Graduados em Ciências da Religião da PUC/SP, que

abriram caminhos e estabeleceram desafios.

Ao ADVENIAT pelas condições oferecidas para

viabilizar a realização desta pesquisa.

Agradeço especialmente ao Dr. Fabiano Mocellin

pelo apoio incondicional.

Ao Prof. Sergio Luiz A. Ijaille pelo incentivo e

ajuda no processo de gestar e tornar realidade a pesquisa

de campo.

Aos colegas Antonio Francisco da Silva e Teodoro

Hanicz que me incentivaram a prosseguir confiante.

Aos meus queridos familiares pelo carinho e

constante incentivo que sempre fui agraciada.

Aos membros da Banca Examinadora por

compartilhar seus conhecimentos com sugestões e

observações.

Ao Grupo de Pesquisa “Pós-Religare” partícipes de

minha trajetória em busca de conhecimento.

Á secretária Andréia de Souza pela disponibilidade

e gentileza no atendimento.

Á Karoline e Igor pelo carinho, ternura e

empréstimo do nome.

Ao Deus da vida, fonte e origem de toda inspiração.

6

RESUMO

Esta tese pretende analisar o ensino religioso nas escolas públicas, na

atualidade brasileira. Parte do pressuposto de que haja um mal-estar relativo a

essa disciplina. Essa metáfora, oriunda da área da saúde, aparece, em muitos

discursos, como algo difuso no ensino religioso. Fazer uma radiografia para

localizá-lo foi o objetivo principal do trabalho. Como preâmbulo, apontam-se as

raízes históricas desse mal- estar. A raiz remota, na catequese dos índios e

negros escravos e os conflitos que gerou nos evangelizadores e nos

evangelizados. A raiz próxima, no advento da República, a separação entre Igreja

e Estado e os conflitos decorrentes. O laicismo da era republicana, a principio,

alijou a disciplina do espaço público. Depois, graças à pressão da Igreja Católica,

ela foi readmitida, sempre, porém, em caráter facultativo para o aluno. A pesquisa

localizou vários focos de mal-estar. Eles se concentram, especialmente, na

legislação e sua aplicação, devido à sua imprecisão e ambigüidade. Depois, a

formação dos docentes para a disciplina é a outra maior incidência do mal-estar.

Estas duas situações foram analisadas no último capítulo da tese. O suporte

teórico das analises é a filosofia da práxis de Gramsci.

PALAVRAS CHAVES: ensino religioso, pós-modernidade, lei, formação

dos professores, filosofia da práxis.

7

ABSTRACT

This thesis aims to analyze the religious teaching in the contemporary

Brazilian public schools. The point of departure is the diffused feeling of malaise in

this teaching. Malaise is a metaphor from health area that appears as something

diffused in many speeches. The main purpose of the theses is to make a

radiography in order to localize this feeling of malaise. As a preamble, some

historical roots were indicated. The remote root was the catechism of Indians and

Negroes and the conflict it rose in the Gospel preachers and in the receivers of the

Christian message. The proximate root was the coming of the republican regime

and the separation between the Church and the State. The republican laicization

put the religious teaching out of public schools. Afterwards, by the pressure of the

Church, it was readmitted but always as optional for the students. The research

localized many focus of malaise. They are concentrated mainly in the law and his

application because of its permanent ambiguity. The teachers´ formation was

pointed out as the second cause of malaise. Analyses were made on these two

situations. The theoretical bases of the analyses was the Gramsci`s philosophy of

praxis.

KEYWORDS: Religious teaching, post-modernity, law, teachers´ formation,

philosophy of praxis

8

ABREVIATURAS E SIGLAS

ABE Associação Brasileira de Educação

ACR Acadêmicos Ciências da Religião

AEC Associação de Educação Católica

ANDE Associação Nacional de Educação

ANDES Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior

CBE Conferência Brasileira de Educação

CDC Código de Direito Canônico

CELAM Conferência Episcopal Latino-americano

CF Constituição Federal

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNE Conselho Nacional de Educação

CONER Conselho Nacional de Ensino Religioso

CONERE Congresso Nacional de Ensino Religioso

CONIC Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil

CORER Conselho Regional de Ensino Religioso

CP Conselho Pleno

CR Ciências da Religião

CRN Conferência dos Religiosos do Brasil

D.O.E. Diário Oficial do Estado

D.O.U. Diário Oficial da União

DNC Diretrizes Nacionais Curriculares

ER Ensino Religioso

ERE Educação Religiosa Escolar

FONAPER Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso

LDB Lei de Diretrizes e Bases da educação

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases Educação Nacional

LEC Liga Eleitoral Católica

9

MEC Ministério da Educação e Cultura.

OFM Ordem dos Frades Menores

PCNER Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso

PPP Plano Político Pedagógico

PUC Pontifícia Universidade Católica

PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

REB Revista Eclesiástica Brasileira

SEE Secretaria de Estado da Educação

SC Santa Catarina

UCRE Unidade de Coordenação Regional de Educação

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UNC Universidade do Contestado

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

a Cultura.

10

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O ensino religioso na escola ................................................................................ 96

Figura 2 – A influência do ensino religioso na família ........................................................... 97

Figura 3 – Aspectos positivos e negativos do ensino religioso na escola ............................. 98

Figura 4 – Conteúdos discutidos nas salas de ensino religioso ........................................99

Figura 5 – O ensino religioso na vida dos alunos................................................................ 100

Figura 6 – O ensino religioso na vida da comunidade......................................................... 101

Figura 7 – Influência do ensino religioso na família............................................................. 102

Figura 8 – Quem mais influenciou a formação do aluno para a vida .................................. 103

Figura 9 – Aspectos positivos e negativos do ER discutidos em sala de aula .................... 104

Figura 10 – O ensino religioso na vida do estudante .......................................................... 105

Figura 11 – Mapa do Brasil: Estados onde obtivemos dados sobre o ER .......................... 110

Figura 12 – Conteúdo programático do ensino religioso ..................................................... 111

Figura 13 – Aceitação na grade curricular........................................................................... 112

Figura 14 – Recursos pedagógicos disponíveis .................................................................. 113

Figura 15 – A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos................................... 114

Figura 16 – Realização profissional..................................................................................... 115

Figura 17 – Problemas no ensino religioso ......................................................................... 116

Figura 18 – Percepção do mal – estar no ensino religioso.................................................. 117

Figura 19 – Cumprimento da lei .......................................................................................... 118

Figura 20 – Pontos que indicam crises no ensino religioso................................................. 119

11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................16

CAPÍTULO I – O ENSINO RELIGIOSO NO BLOCO HISTÓRICO COLONIAL, IMPERIAL E REPUBLICANO: a gêneses de uma crise histórica .....................34

1.1 - O pacto entre Igreja e Estado, no Bloco Histórico Colonial e Imperial......39

1.2 – As conseqüências da aliança. Os Jesuítas, a Catequese, o Índio e o

Negro: primeiro cenário de mal-estar .....................................................42

1.2.1 – A invasão e a missão .................................................................45

1.2.2 – A cultura nativa nos parâmetros eurocêntricos ..........................46

1.2.3 – A violação da cultura indígena ...................................................49

1.2.4 – O mal-estar do evangelizador ....................................................56

1.2.5 – O estigma e a ressurreição do índio...........................................62

1.3 – A catequese do negro e os conflitos ........................................................65

1.3.1 – Os conflitos na vida dos negros no Brasil ..................................65

1.3.2 – A catequese das crianças negras ..............................................67

1.3.3. – O código religioso......................................................................68

1.3.4 – Nem tudo se perdeu. A cultura afro-brasileira e a revanche do

oprimido ................................................................................................71

1.4 – O Bloco Histórico Republicano e as raízes do mal-estar do ensino

religioso na atualidade ...........................................................................73

1.4.1 – Passagem do domínio senhorial para a burguesia agrária .......73

1.4.2 – A cultura, a filosofia e a política..................................................74

1.4.3 – O conflito entre Igreja Católica e o Estado Imperial e seu

desfecho no Bloco Histórico Republicano..............................................77

12

CAPÍTULO II – O ENSINO RELIGIOSO NA ATUALIDADE: o desconforto e o mal-estar revelados nos dados da pesquisa .....................................................81

2.1 – A entrevista semi-estruturada ..................................................................82

2.2 – Questionário Fechado: Descrição dos dados, os números e os gráficos.96

2.2.1 – Questionário: Pais de alunos do ensino fundamental ..................96

2.2.2 – Questionário: Diretores de escolas estaduais do Ensino

Fundamental .............................................................................................98

2.2.3 – Questionário: Estudantes do ensino fundamental ......................102

2.2.4 – Interpretação dos dados do questionário fechado ......................106

2.3 – Questionário Misto: Descrição dos dados, os números e os gráficos....110

2.3.1 – Estados onde obtivemos dados sobre o ensino religioso ...........110

2.3.2 – Ensino religioso...........................................................................111

2.3.3 – Aceitação na grade curricular .....................................................112

2.3.4 – Recursos pedagógicos disponíveis.............................................113

2.3.5 – A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos..............114

2.3.6 – Realização profissional ...............................................................115

2.3.7 – Mal-estar no ensino religioso ......................................................116

2.3.8 – Pontos que merecem atenção especial .....................................117

2.3.9 – Legislação aplicável ...................................................................118

2.3.9.1 – Pontos que indicam crises no ensino religioso ................119

2.3.10 – Interpretação dos dados do questionário misto ................120

2.4 – Questionário aberto: interpretação dos dados .......................................122

2.5 – Pontos de maior convergência...............................................................123

2.5.1 – As explicações da Nova LDB ao ensino religioso .......................124

2.5.2 – A formação docente....................................................................126

13

CAPÍTULO III – A LEGISLAÇÃO SOBRE O ENSINO RELIGIOSO E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: dois tópicos de maior incidência do mal-estar.....................................................................................................................129

3.1 – A legislação brasileira: fonte da história do ensino religioso e do seu mal-

estar ....................................................................................................129

3.1.1 – O ensino religioso no sistema legal do Bloco Histórico Colonial e

Imperial: 1500-1889 .............................................................................135

3.1.2 – O ensino religioso e a estrutura legal do Bloco Histórico

Republicano (1889-1988).....................................................................140

3.1.2.1 – A laicidade do Estado ......................................................142

3.1.2.2 – O ensino religioso na Constituição de 1967.....................147

3.1.3 – O ensino religioso na estrutura legal após o retorno do Estado

de Direito: de 1888 até nossos dias .....................................................150

3.1.3.1 – Os indicativos da Carta Magna para a democratização da

Educação........................................................................................152

3.1.3.2 – A Carta Magna e o ordenamento do ensino religioso ......152

3.1.3.3 – A trajetória da atual LDB..................................................154

3.1.3.4 – Luzes e Sombras da Nova Lei sobre o ensino religioso ..158

3.1.3.4.1 - Luzes ..........................................................................159

3.1.3.4.2 - Sombras......................................................................162

3.2 – A formação do professor de ensino religioso: uma ausência e uma

exigência repetidas vezes apontadas na pesquisa ..............................169

3.2.1 – A epistemologia e a formação do professor: mapeando

concepções ..........................................................................................171

3.2.2 – A formação contínua do professor em seu trabalho.................174

3.2.3 – As reformas educacionais e as implicações na formação do

professor de ensino religioso ...............................................................176

3.2.4 – Fatores de pressão da mudança social sobre a formação

docente ................................................................................................178

14

3.2.5 – A reavaliação da formação docente perante as mudanças

sociais ..................................................................................................179

3.2.5.1 – A formação docente e a ética ..........................................182

3.2.6 – A formação e os saberes do professor em seu trabalho ..........184

3.2.6.1 – Competência profissional.................................................187

3.2.7 – A práxis pedagógica e a formação docente .............................191

CONCLUSÃO ......................................................................................................196

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................206

ANEXOS ..............................................................................................................221

ANEXO 1- Entrevista semi-estruturada sobre o ensino religioso .........................222

ANEXO 2 – Questionário para pais de estudantes do ensino fundamental .........223

ANEXO 3 – Questionário para diretores de escolas estaduais do ensino

fundamental..........................................................................................................224

ANEXO 4 – Questionário para estudantes do ensino fundamental......................225

ANEXO 5 – Questionário misto para professores de ensino religioso em nível

nacional ................................................................................................................226

ANEXO 6 – Questionário de perguntas abertas...................................................230

ANEXO 7 – Carta de princípios: FONA PER........................................................231

ANEXO 8 – DECRETO Nº 19.941 – de 30 de abril de 1931 ................................233

ANEXO 9 – PARECER Nº 97/99..........................................................................235

ANEXO 10 – Diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental..........241

15

INTRODUÇÃO.

Existe o passado para compreender O amanhã que se organiza hoje E o futuro como projeto

Nóvoa, 1998.

O meu particular interesse para pesquisar e sistematizar o mal-estar no

ensino religioso não partiu de um momento único e significativo. Foi no percurso

da minha própria trajetória de vida, acadêmica e profissional atuando no campo

da educação que pude vivenciar muito de perto momentos de amplos debates

nos quais o ensino religioso foi tema de grandes polêmicas que retratam sua

crise.

No trabalho de direção de colégio realizado na década de 80, tive

oportunidade de ouvir não só professores de educação religiosa escolar1, mas

também, professores das outras áreas de ensino e constatar de perto a

necessidade de mergulhar mais profundamente no sentido de estudar, analisar,

alterar conceitos, para atender aos desafios da então educação religiosa escolar

que se apresentava, com roupagens diversas, aos apelos histórico-culturais.

Designada para coordenar o ensino religioso na 13ª Unidade de

Coordenação Regional de Itajaí SC, em escolas de treze municípios do Estado,

vivenciei momentos chaves da vida do ensino religioso, tomando contato com a

situação de pluralismo religioso que requeria um passo além do trabalho

ecumênico. Nesse sentido, desenvolvi uma pesquisa sobre Ecumenismo e

Pluralismo na educação religiosa escolar em Santa Catarina. Essa pesquisa foi

realizada no Programa de Mestrado em Ciências da Religião da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, nos meados da década de 90.

Naquele curso, participei de intensas discussões de teorias e posições

filosóficas e ideológicas sobre meu tema de pesquisa, com ênfase no direito à

diferença no desenvolvimento da capacidade de respeito e de construção das

1 Refiro-me a educação religiosa assim chamada na época hoje com nomenclatura de ensino religioso. Para DEMO, educação admite a expectativa de qualidade, já que ensino, mais próximo de treinamento e de instrução, indica um horizonte tipicamente quantitativo, do tipo, anos de estudo, horas aula, dias letivos, etc. Pedro DEMO. Nova LDB: Ranços e Avanços, p. 33.

16

identidades dos sujeitos do ensino religioso. Defendi a dissertação de Mestrado

em 1995.

Em seguida, fui convidada pela Secretaria de Estado da Educação Ciência

e Tecnologia do Estado de Santa Catarina, para integrar o grupo de elaboração

da proposta curricular de Ensino Religioso no Estado de Santa Catarina. Naquela

ocasião fui desafiada a me defrontar mais profundamente com a questão do

múltiplo, do plural, do diverso, do diferente, das discriminações, dos preconceitos.

Pude vivenciar, muito de perto, momentos chave da vida do ensino religioso no

Estado, o que foi para mim experiência e ocasião de colocar em prática os

conhecimentos adquiridos no Mestrado.

As questões que foram surgindo na minha trajetória, prenderam minha

atenção como pesquisadora e educadora. Não via claro como e o que, mas meu

desejo era produzir novos conhecimentos, mergulhar mais profundamente no

estudo, no sentido de proceder a uma análise pormenorizada da localização,

contextualização e interpretação desse desconforto.

Os debates em torno de questões pertinentes ao ensino religioso

realizadas em várias instâncias como fórum, encontros, simpósios, congressos,

cursos, e nas acessorias à educadores e aulas que eu ministrava aos alunos de

Ciências da Religião em nível Estadual, tornaram-se importantes para fazer

aflorar a pluralidade de concepções e posições referentes à disciplina.

As discussões referentes ao ensino religioso envolvem não só professores

e alunos, mas, também, outros segmentos da sociedade civil, diretores de escola,

pais de alunos, e diferentes Igrejas. Em todas as discussões e debates sempre

surge uma questão: algo não vai bem no ensino religioso, mas não se sabe definir

o que não funciona e o por quê.

As reuniões do CORER2 e CONER3, das quais participo, são espaços onde

esta problemática se faz sentir, embora também seja recorrente em outras

instâncias, como encontros, cursos, congressos, simpósios, nos quais pude

constatar que o ensino religioso se torna objeto de críticas em debates de

diferentes naturezas e diversas procedências.

2 CORER- Conselho Regional de Ensino Religioso. 3 CONER Conselho Estadual de Ensino Religioso.

17

Em leituras preliminares, fui percebendo que o ensino religioso percorreu

um longo e sinuoso caminho, cujo primeiro passo foi dado com o trabalho de

catequese e “evangelização dos gentios”, e em seguida dos negros, à época da

colonização do Brasil. Mais tarde, o ensino religioso passou a ser contemplado

em sucessivas legislações brasileiras.

Um dos fatores que parece ser o gerador das situações de desconforto

estaria na Lei que implementa o ensino religioso no currículo do ensino

fundamental nas escolas públicas.

Assim reza o Artigo 33, com a redação dada pela Lei Federal nº 9.475/97:

“o ensino religioso de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”

* § 1º - “os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores” * § 2º - “os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso”

A implantação dessa Lei e suas exigências, não puseram fim ao mal-estar.

Aliás se agravou. As lamentações sobre o ensino religioso afloram. Assim por

exemplo no Congresso Manifestações Religiosas no Mundo Contemporâneo:

Interfaces com a Educação realizado em São Leopoldo RS, no período de 11-

13/09/02; aparecem inúmeras criticas referentes ao ensino religioso a partir dos

temas abordados nas conferências.

O mesmo aconteceu no III Congresso Nacional de Ensino Religioso –

CONERE; Identidade pedagógica do Ensino Religioso: memória e perspectivas”

realizado em Florianópolis SC, nos dias 03-05 de novembro de 2005. Ao tentar

ressignificar o ensino religioso a uma proposta relacionada à política religiosa

escolar e ao sistematizar a reflexão da caminhada do ensino religioso

empreendida até os dias atuais, os debates revelaram que a situação de

desassossego referente ao ensino religioso persiste em nível nacional.

18

No III Fórum Social Mundial: Um outro mundo é possível, realizado entre os

dias 23 e 28 de janeiro de 2003, em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do

Sul, foi revelada uma certa inquietação referente ao ensino religioso.

Também no IX Seminário de Capacitação Docente para Ensino Religioso:

Ciências da Religião e Ensino Religioso em diálogo, realizado na PUC/SP, nos

dias 03 e 04 de outubro de 2006, afloraram inúmeras queixas sobre a atual

situação do ensino religioso, a partir dos dispositivos da Nova Lei.

Do mesmo modo, no I Encontro do GT Nacional de História das Religiões e

das Religiosidades/ANPU, Maringá Paraná, nos dias 07-10 de maio de 2007, no

simpósio temático Pós-Modernidade e Religião. Os Limites e as Possibilidades da

linguagem no campo religioso, que teve como proponente o professor José J.

Queiroz e o Grupo Pós-Religare-Modernidade e Religião-PUC/SP, houve painéis

em que afloraram inúmeras queixas sobre a atual situação do ensino religioso.

Os debates freqüentes em nível nacional nos mostram que a problemática

não é exclusiva de um Município ou de um Estado. Trata-se de uma crise ampla e

por isso não é fácil delimitar seu espaço para análise. São lamentações

generalizadas que miram os mais variados aspectos da disciplina, a falta de

clareza sobre a sua natureza, o seu conteúdo, os seus resultados, queixas

freqüentes e esparsas revelando mais incertezas que firmeza nessa área.

Percebi, pois, tratar-se de um desconforto geral, e isso vem me intrigando

de longa data. Por isso, com uma boa dose de coragem, após consultar colegas,

coordenadores de disciplina, professores e o orientador, resolvi entrar nesse tema

e transformá-lo em objeto de pesquisa.

Que título daria a esse tema?

No Grupo de Pesquisa Pós-Religare/Pós-Modernidade e Religião, uma das

leituras que me chamou atenção, quando buscava entender a condição atual em

que estamos inseridos como pessoas, e como professores, caracterizada por

Jean-François Lyotard como Condição Pós-moderna4, foi a obra de Zygmunt

4 Jean-François, LYOTARD. O Pós-Moderno, 1993.

19

Bauman, O mal-estar da Pós-Modernidade5. Daí a inspiração do título genérico do

meu trabalho: O mal-estar6 no ensino religioso.

Após descobrir o título genérico - “O mal-estar no ensino religioso” -, passei

a me perguntar se haveria estudos e pesquisas que me auxiliassem, pelo menos

como ponto de partida, na tarefa de investigar o mal-estar nessa disciplina.

Um ligeiro levantamento bibliográfico mostrou-me que, embora o assunto

seja debatido por vários segmentos da sociedade, há uma ausência de pesquisas

específicas sobre o tema. O que há são estudos que tratam do ensino religioso

sob outros enfoques, como sua caracterização, especificidade e natureza.

Wolfgang Gruen, no resumo técnico de seu livro, revela que o assunto vem

sendo debatido por educadores, políticos e autoridades religiosas; nem sempre,

porém, com a devida clareza no que se refere às premissas do debate. Muitos

ainda argumentam a partir de um modelo superado de ensino religioso7.

Para o autor, à escola cabe proporcionar sistematicamente ao educando

vivências, informações e reflexões que o ajudem a cultivar uma atitude dinâmica

de abertura ao que constitui o sentido de sua existência em comunidade e a

encaminhar, deste modo, a organização responsável do seu projeto de vida. Visa-

se, portanto, ajudar o aluno a formular existencialmente e em profundidade o

questionamento religioso e a dar sua resposta devidamente informada,

responsável, engajada8.

João Décio Passos, no texto Ensino religioso: mediações epistemológicas

e finalidades pedagógicas, tece considerações sobre os desafios mútuos entre

Ciências da Religião e Ensino Religioso. O autor discute a identidade pedagógica

do ensino religioso, descarta os modelos catequéticos e teológicos e, nesse

embate, defende a relevância das Ciências da Religião e da singularidade de

aproximação dos estudos científicos sobre a religião. Ele situa no ensino religioso

5 A obra Zygmunt BAUMAN, O mal-estar da Pós-Modernidade, estabelece nexos diretos com O mal-estar da civilização de Sigmund FREUD, no qual o autor faz uma rigorosa reflexão sobre as ansiedades modernas. 6 O sentido literal de mal-estar encontra-se no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, que o define como “um estado de inquietação, de aflição mal definida, ansiedade, insatisfação, situação embaraçosa, constrangimento”. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p. 1820. 7 Cf. Wolfgang GRUEN. O Ensino religioso na escola, resumo técnico. 8 Cf. Ibid., p. 75-86.

20

a raiz da problemática epistemológica e reconhece o valor teórico, social e

pedagógico do estudo da religião para a formação do cidadão9.

Anísia de Paulo Figueiredo discorre, em sua Dissertação, sobre a

problemática dessa disciplina que dá origem a determinadas situações conflitivas,

as quais reforçam as tendências de sua exclusão. Segundo os argumentos da

pesquisadora, não se constata, na prática, que o ensino religioso seja disciplina

do sistema público de ensino assumido pelo mesmo sistema, ainda que tenha

sido excluída a expressão “sem ônus para os cofres públicos”. Com raras

exceções, o Estado tem assumido o ônus da formação continuada dos

profissionais para o exercício dessa disciplina. Em geral, transfere essa

responsabilidade às entidades religiosas interessadas que, por sua vez, detêm o

controle da situação, mas não dispõem de recursos humanos e financeiros para

isso10.

Lilian Blanck de Oliveira, no texto Curso de formação de professores,

levanta uma interrogação perturbadora quanto aos profissionais da área da

Teologia, que reivindicam para si a tarefa de formar os profissionais para atuarem

no ensino religioso. Identificam-se aqui algumas limitações: por mais científicos

que sejam os estudos, pesquisas e sistematizações teológicas, eles serão

confessionais e/ou elaborados a partir de um olhar e de uma abordagem

confessional; nesse caso, não atendem na sua totalidade às perspectivas e

conteúdos que a legislação nacional requer para a docência dessa disciplina do

currículo escolar brasileiro11.

As obras abordadas legitimam o objeto da análise em questão, uma vez

que apontam para situações de desconforto e remetem para um estudo geral e

sistemático que apresente uma radiografia desse descontentamento difuso,

mediante um levantamento amplo e metodologicamente consistente dos fatores

que provocam essa crise generalizada.

9 Cf. João Décio PASSOS. Ensino religioso: mediações epistemológicas e finalidades pedagógicas. In.Luzia SENA (org) Ensino Religioso e formação docente, p.21-44. 10 Cf. Anísia de Paulo FIGUEIREDO. Realidade, poder, ilusão: um estudo sobre a legalização do ensino religioso nas escolas e suas relações conflitivas como disciplina ‘sui generis’, no interior do sistema público de ensino, 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) PUC. São Paulo, p. 80. 11 Lílian Blanck de OLIVEIRA, et al. Curso de formação de professores, In: Luzia SENA (Org.), Ensino religioso e formação docente, p. 91-101.

21

A amplidão da problemática não permite contemplar todos os desafios. Por

isso, fiz um recorte ao título genérico, com o acréscimo de um título específico

para perceber quais os dados suficientes para se chegar à compreensão do

objeto como um todo. Neste sentido, como delimitação desta pesquisa - conforme

se depreende do próprio título e subtítulo: O mal-estar do ensino religioso:

localização, contextualização e interpretação -, expresso a intenção de localizar o

mal-estar mediante uma ampla pesquisa de campo. Nesse contexto, devido à

polissemia do conceito, uso a metáfora “mal-estar” para agrupar a generalizada

crise que vem de longa data.

Para estabelecer a dimensão da crise, recorro a essa metáfora da “área

clínica”, que indica o trabalho do médico, quando um paciente se queixa de vários

distúrbios. Ele prescreve uma tomografia geral para captar os vários pontos onde

se localizam os mal-estares, depois individualiza os pontos mais graves que

precisam ser tratados e sobre eles procede o trabalho de contextualizá-los e

diagnosticá-los mediante o histórico geral do paciente. Também este trabalho

pretende seguir por caminho semelhante.

O uso dessa metáfora ilustra os caminhos do objeto: situar o mal-estar do

ensino religioso e circunscrever os vários aspectos, buscando pontos de maior

evidência que, pela radiografia geral, se apresentam como os mais graves e,

sobre eles, elaborar um trabalho de contextualização e interpretação.

Entretanto, a metáfora do doente e dos procedimentos clínicos vale apenas

em parte para o objeto de estudo.

Primeiro, porque o levantamento a ser feito pretende revelar não só a

doença ou o mal-estar. Embora seja esta a intenção principal, a localização do

mal-estar implica descobrir, também, aspectos saudáveis da disciplina e de sua

prática.

Em segundo lugar, também não é totalmente válida a metáfora, pois não se

pretende oferecer receitas ou tratamentos para os vários sintomas de desconforto

que aparecem ao longo da pesquisa.

Seguindo a metodologia adotada, em um primeiro momento farei o

levantamento geral dos sintomas e, ao lado deles, da parte saudável, ou dos

pontos positivos. No final, o panorama geral será afunilado para apontar apenas

aqueles pontos onde há maior incidência de queixas e conflitos. Apenas sobre

22

estes, aliás sobre dois deles, proceder-se-á a uma contextualização e

interpretação.

Definido o objeto e seus limites, várias indagações despontam:

Qual seria o elemento, ou elementos que acarretam essa crise

generalizada? Em que situações da prática do ensino religioso é possível localizar

indícios de mal-estar? Quais as situações em que ele aparece com maior

incidência? Quais seriam as causas e o sentido destas situações que polarizam

as contradições e as queixas quando se trata do ensino religioso?

Ao tentar responder aos problemas levantados pelo tema escolhido como

objeto de estudo, a primeira hipótese converge para a existência de um mal-estar

generalizado. Porem, além dos aspectos negativos, acredita-se que seria possível

encontrar pontos saudáveis.

A segunda hipótese é a de que haveria situações no ensino religioso que

apresentam uma incidência maior de problemas e contradições. Esses pontos de

agravamento seriam decorrências da situação mais ampla da conjuntura histórica,

social e cultural dialética ou conflitiva da sociedade brasileira, na qual se insere o

ensino religioso e a legislação que o rege.

Tais hipóteses realmente acenam para a existência de problemas que

cercam o ensino religioso. A regulamentação constitucional provocou uma

celeuma entre duas correntes antagônicas: a que admite o ensino religioso como

elemento integrante do sistema escolar, e a que lhe recusa tal condição. Em

ambas existem ambigüidades

O olhar contextual e analítico deste trabalho passa pelo caminho teórico da

concepção dialética da história, da sociedade e das instituições.

Segundo a visão gramsciana, expressa principalmente nos Cadernos do

Cárcere, a humanidade progride por sucessões de blocos históricos12, iniciando

12 Para Gramsci, O bloco histórico é formado pela união de duas superestruturas: a sociedade civil e a sociedade política. A estrutura e a superestrutura formam um “bloco histórico”, isto é, um conjunto complexo e contraditório, onde a superestrutura é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção. Porém, é preciso observar que a relação entre superestrutura e infra-estrutura não se dá abstratamente, ela acontece de maneira concreta, histórica e essa ligação teria de ser feita organicamente, necessariamente, e ao intelectual caberia mais essa função (além da que lhe cabe na classe social), a de realizar a vinculação dentro do bloco histórico. Donaldo Bello de SOUZA, A Superação do Determinismo Econômico nas Análises sobre as Inovações: Possíveis Contribuições do Aporte Gramsciano, http://www.senac.br/informativo/bts/htm, Acesso 12/3/08

23

por aqueles que, no Ocidente, constituíram as sociedades anteriores à civilização

greco-romana. Em seguida, houve a dominação econômica, política e cultural do

sistema greco-helenístico, sucedido pelo bloco histórico romano, que perdurou até

a Idade Média.

A Idade Média foi suplantada pelo bloco burguês ou capitalista, que

predomina até hoje. Dentro deste último, surgiram rebeliões e contestações que

chegaram até a erigir alternativas constituídas pelas sociedades comunistas.

No âmbito desses grandes blocos surgem blocos regionais com suas

peculiaridades sem, entretanto, romper a hegemonia do poder dominante. Por

exemplo, no seu tempo, Gramsci apontava, na Itália, a existência de dois grandes

blocos, o Meridional, pobre e subdesenvolvido, e o Setentrional, rico e

desenvolvido. Nesse bloco, exerce o poder a classe que domina a estrutura

econômica.

Atualmente, após a queda do comunismo, o Ocidente está sob o poder

econômico, político e cultural do capitalismo neo-liberal, de caráter nitidamente

mercadológico e globalizado.

O bloco histórico burguês capitalista é constituído, segundo Gramsci, pela

sociedade civil e pela sociedade política. No campo civil estão as instituições

econômicas governamentais e culturais. O campo político é constituído pelo poder

coercitivo, que garante a unidade do bloco histórico. O cimento da sociedade civil

é a ideologia ou a visão de mundo burguesa ou capitalista, sustentada pelas

instituições culturais, cujos órgãos principais são os meios de comunicação, as

instituições escolares e a Igreja ou o poder religioso.

Todas essas instituições têm a função de abrigar, consolidar, conservar e

transmitir a visão de mundo ou a ideologia que garante o consenso e a submissão

das classes subalternas. Enquanto perdura a consensualidade, a classe

dominante mantém a hegemonia econômica, cultural e política.

Entretanto, no quadro consensual, há constantes, reiterados e duros

conflitos entre dominantes e subalternos. O conflito penetra também o âmago da

classe dominante. Muitas vezes são os intelectuais que ameaçam romper. Outras

vezes é o poder religioso que busca contestar o poder do Estado burguês e luta

por independência e até pela supremacia, como ocorreu na Idade Média.

Para evitar as rupturas, o poder dominante burguês recorre a alianças,

pactos e privilégios. Em troca da sua submissão, o intelectual e o cientista

24

adquirem um status privilegiado e, o poder religioso, por meio de alianças e

concordatas, é contemplado com isenções, subsídios ou favorecimentos. Assim

se mantém a estrutura de poder.

No entanto, sob a superfície consensual persistem conflitos e mal-estares

nem sempre resolvidos, em razão de que o subalterno não é mero objeto de

consenso e submissão. Ele tem sua cultura e seus meios de ação que lhe são

peculiares. Não é simples negatividade. Ele chega muitas vezes a interagir e até a

contagiar aquele que exerce o poder hegemônico. Acordados com essa reflexão,

nos apoiamos na concepção gramsciana da história e da sociedade como

referencial para analisar o ensino religioso no Brasil13.

No primeiro capítulo da presente tese, ele aparece integrando uma das

atividades essenciais da Igreja Católica, a catequese ou evangelização do índio e

do negro, conseqüência da aliança entre o catolicismo e o governo português.

Apesar de integrada no poder colonial, a catequese reflete um dos

aspectos da dialética da colonização, assinalada por Alfredo Bosi em Dialética da

Colonização. A ação catequética encerra um agudo conflito entre o missionário e

o colonizador, caracterizado pelo desconforto e o mal-estar que a evangelização

provoca em ambos os envolvidos nesse processo: missionário e evangelizado.

No bloco histórico do Império, que sucede ao Colonial, o conflito e o mal-

estar persistem, pois a religião pactua com a negação da cultura do índio e do

negro. Este último assume, então, formas de resistência, criando a religiosidade

afro-brasileira.

O catolicismo romanizado cria obstáculos à cultura religiosa popular e

busca implantar os modelos de cultos vindos da Europa. Esses conflitos são

analisados com muita propriedade por Pedro A. Ribeiro de Oliveira, em Religião e

dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no

Brasil.

O ensino religioso, sob a forma de catequese e evangelização, no âmbito

do Bloco Histórico Imperial, vai criando impasses e desconfortos que são os

preâmbulos dos impasses da atualidade.

13 Como fonte para esta síntese do pensamento gramsciano usamos as obras de Gramsci: Quaderni del Cárcere, Os intelectuais e a Organização da Cultura e as interpretações de Portelli sobre o trabalho do pensador registradas na obra Gramsci e a Questão Religiosa.

25

Findo o Império e proclamada a República, o Estado se declara laico. No

Bloco Histórico Republicano rompe-se o pacto com a Igreja Católica. O ensino

religioso, nessa nova conjuntura, passa por várias vicissitudes e crises, que

desembocam nas insatisfações com repercussões no momento presente.

As crises do ensino religioso no Bloco Colonial e Imperial serão apontadas

no capítulo primeiro.

O amplo panorama de mal-estar na atualidade e sua localização é objeto

do segundo capítulo.

Já o capítulo terceiro lançará um olhar analítico sobre dois pontos de

desassossego que incidem sobre o ensino religioso.

A análise da crise generalizada que aflige o ensino religioso na atualidade

exige um conjunto de recortes em razão de sua complexidade, polemicidade,

amplidão e importância. Neste sentido, na pesquisa de campo foram usados

quatro procedimentos metodológicos, a saber: entrevista semi-estruturada,

questionário fechado, questionário misto e questionário aberto, aplicados em seis

momentos. Essa dinâmica serviu de recorte à realidade empírica a ser estudada.

A entrevista semi-estruturada14, (Anexo Nº 01) foi utilizada como primeiro

procedimento no trabalho de campo. O fato de ter sido realizada uma entrevista

individual com perguntas abertas nos permitiu levantar dados, referente ao

desassossego do ensino religioso na atualidade. No decorrer da entrevista, buscamos identificar pontos chaves do ensino

religioso que interessam ao nosso tema. As entrevistas foram gravadas e

posteriormente transcritas.

Sua forma de realização foi individual, todavia, nela podemos encontrar o

reflexo da dimensão coletiva. Os informantes abordaram livremente o tema

proposto, guiados por perguntas previamente formuladas para servir como ponto

14 De acordo com Triviños a entrevista é uma das mais importantes fontes de informação para a coleta de dados. Em seus estudos ele afirma que a entrevista semi-estruturada é aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, Interessam à pesquisa e em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, junto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que recebem as respostas do informante. Desta maneira o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. Cf. Augusto N. S. TRIVIÑOS Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. p. 61.

26

de apoio e roteiro. Assim, partimos de um questionário previamente formulado15,

com perguntas que permitissem ao entrevistado responder livremente sobre o

tema proposto. Os respondentes foram informados antecipadamente da finalidade

da pesquisa e das possíveis repercussões do processo investigativo. As

informações que procuramos obter estão inseridas num jogo progressivo, em que

cada momento é uma conquista pela possibilidade de extrapolar ao que foi

perguntado.

O envolvimento compreensivo permitiu criar laços de amizade, bem como

compromisso de retorno dos resultados alcançados, e a possibilidade de novos

diálogos. Essa forma de articulação propiciou amplo campo de dados e de

informações.

No início da entrevista, o informante foi comunicado da temática da

pesquisa e do dispositivo legal que orienta o ensino religioso, mediante

apresentação da Lei Nº 9.394/96, com a nova redação do art. 33 (LDB nº

9.475/97).

A pesquisa em forma de entrevista foi realizada com três professores que

exercem, no cotidiano, a dinâmica de interação com a disciplina de ensino

religioso, portanto, profissionais da área de ensino religioso que atuam no ensino

fundamental de escolas públicas.

A limitação em apenas três informantes se deu não só pela extensão dos

depoimentos mas, sobretudo, pelo trabalho dos entrevistados, profissionais que

15 Estamos nos referindo ao questionário como segue: 1– Como você vê o ensino religioso, em relação à legislação: a– Conhecimento, da Legislação; b- Adequação de suas orientações (Lei 9.475/97 art. 33); c- Pontos positivos e pontos negativos da legislação; 2- Importância do ensino religioso na grade curricular; 3- Satisfação do professor de ensino religioso no que concerne a: valorização profissional respeito dos colegas, da direção, e dos alunos, salário, possibilidade de crescimento profissional, formação específica, aprimoramento constante, carga horária, carga horária desejável e função na grade, existência de conteúdos específicos; 4- Existência, disponibilidade e adequação de material didático – pedagógico específico ao ensino religioso; 5- Existência de um plano político – pedagógico na escola que contemple o ensino religioso, com objetivos claros e que responda à diversidade religiosa do mundo atual; 6- Disponibilidade de professores com formação na área de Ciências da Religião; 7- Concessão de aulas à professores não qualificados para o ensino religioso; 8- Interferência política e ou administrativa na orientação dos conteúdos; 9- Participação efetiva do professor de ensino religioso na elaboração dos conteúdos programáticos da disciplina; 10- Posicionamento das instituições de ensino frente às orientações da Lei (respeito às denominações religiosas, ausência de proselitismo); 11- Na sua opinião, resumidamente, onde estaria o mal-estar do ensino religioso e o que sugere para enfrentá-lo?

27

atuam em situações específicas, o que nos permitiu obter informações das

diversas realidades.

Um dos participantes é profissional habilitado, efetivado na função com

carga horária de 30 horas aula, residente numa cidade de médio porte, com

possibilidade de aprimoramento profissional.

O segundo, é professor com formação voltada para o ensino religioso

(Ciências da Religião) e pós-graduação nessa área. É efetivo no Estado e atua

em três escolas de diferentes realidades.

O último participante, um profissional não habilitado, atua como contratado

em duas escolas de pequeno porte.

Os entrevistados exigiram o anonimato, por isso, os nomes citados no

corpo desta tese são pseudônimos.

As entrevistas foram realizadas nas próprias residências dos informantes,

fazendo com que eles, em seu ambiente doméstico, tivessem a tranqüilidade para

expressar suas idéias, menos preocupados com o tempo e mais disponíveis para

o diálogo. Elas giraram em torno de uma questão geral: “Como você vê o Ensino

Religioso?”. Essa questão foi desdobrada em onze perguntas específicas, no

intuito de focalizar um conjunto de campos significativos de mal-estares que

permeiam o ensino religioso na atualidade.

Realizadas em outubro de 2004, as entrevistas forneceram dados que

serviram para aprofundar, posteriormente, os pontos levantados através de outras

técnicas de coleta, como questionário fechado, questionário misto e questionário

aberto. Foi utilizada a técnica de gravação que, ao meu entender, captaria de

forma mais fiel o andamento das entrevistas, adentrando não só no universo da

experiência do ensino religioso no cotidiano, mas em emoções e ressentimentos.

As entrevistas se revestiram de características especiais, pois trabalhar

com ensino religioso significa trabalhar com algo relativo a seres humanos e com

eles mesmos em seu próprio processo de trabalho e de vida.

As entrevistas foram transcritas e registradas em fichário, com perguntas

numeradas de um a onze, com páginas seqüenciadas, sendo que a cada um dos

entrevistados foi destinado um fichário particular.

Dada a complexidade do tema, foi necessário o uso de outros instrumentos

de pesquisa para localizar a polêmica crise do ensino religioso. Buscamos obter

28

mais informações através do questionário fechado16, aplicado em vários

momentos à pessoas de diferentes segmentos da sociedade, todas vinculadas à

área de ensino religioso: pais, diretores de escola e alunos do curso fundamental.

A garimpagem para detectar esse mal-estar exigiu uma abordagem em sua

multidimensionalidade que englobou a legislação, o posicionamento das

instituições de ensino frente às orientações legais, os conteúdos programáticos, a

grade curricular, os recursos pedagógicos, a valorização do docente, o salário, a

formação específica, a carga horária, o material de suporte pedagógico

específico, o plano político-pedagógico, os objetivos que respondem à diversidade

do ensino religioso e a disponibilidade de professores com formação específica

em Ciências da Religião.

Como encaminhamentos práticos, foram elaborados três questionários

específicos, sendo um para os pais de alunos com duas questões (Anexo Nº 02),

um questionário para diretores de escolas estaduais com quatro questões (Anexo

Nº 03) e um questionário para estudantes do ensino fundamental com quatro

questões (Anexo Nº 04).

Com esses instrumentos, buscamos ampliar nossa percepção na

localização dos problemas que provocam crise no ensino religioso, tendo

presentes as informações obtidas nas entrevistas. A metodologia adotada para a

coleta de dados nesse novo procedimento é a quantitativa. Trata-se,

evidentemente, de uma quantificação imperfeita17, uma amostragem parcial, em

um segmento constituído por vinte e três (23) pais de alunos do curso

fundamental, trinta (30) diretores de escolas estaduais e cinqüenta e dois (52)

alunos do curso fundamental das escolas estaduais, estes com idade entre 11 e

13 anos.

Essa forma de investigar teve por objetivo ampliar os dados, suscitando

novas questões e novas informações. Essa dinâmica investigativa foi realizada na

primeira quinzena de dezembro de 2004.

16 O questionário fechado possibilita obter respostas padronizadas. São apresentadas ao entrevistado um conjunto de alternativas para que o mesmo escolha o que melhor representa a sua situação ou ponto de vista. Emília P CUNHA, et al. Metodologias de investigação em educação, http:// www.jcpaiva.net/getfile. Acesso em 11/03/08. 17Maria C. de Souza MINAYO. Ciência, técnica e arte: O desafío da pesquisa social. In: Maria C. D Souza MINAYO. (Org.) Pesquisa Social, p. 21.

29

Constatamos que os dados obtidos nos instrumentos de sondagem

anteriores não eram suficientes para estabelecermos conclusões e, em

decorrência disso, a complexidade do tema exigiu melhor aprofundamento do

objeto de pesquisa.

Retornamos, pois, à fase de coleta de dados para adicionar mais

informações. O referido questionário, no entanto, não foi suficiente para detectar o

desassossego no ensino religioso.

Para obter mais informações, aplicamos um questionário misto18 (Anexo Nº

05) com respostas abertas e fechadas, a professores de ensino religioso de

quinze Estados do Brasil, por ocasião do 3º Congresso Nacional de Ensino

Religioso – CONERE; 13ª Sessão do Fórum Nacional Permanente de Ensino

Religioso – FONAPER; 3º Seminário Catarinense de Ensino Religioso, e 1º

Seminário de Ensino Religioso das Escolas Confessionais de Santa Catarina. O

referido questionário foi aplicado durante os citados eventos, realizados em

Florianópolis, Santa Catarina, no período de 03 a 05 de novembro de 2005.

As entrevistas referidas acima foram realizadas com cinqüenta e seis (56)

professores de diversas regiões brasileiras, mais especificamente dos Estados do

Rio Grande do Sul, Amapá, Pará, Maranhão, Paraná, Paraíba, Ceará, São Paulo,

Santa Catarina, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro

e Espírito Santo.

Para justificar o número de cinqüenta e seis (56) professores, nos

apoiamos em Ijaille19 e Pinheiros20, que entendem ser este um número ideal para

se obter uma amostragem confiável.

18 O questionário misto se apresentou ao entrevistado com questões do tipo resposta aberta e resposta fechada. Emília P CUNHA, et al Metodologias de investigação em educação, http:// www.jcpaiva.net/getfile. Acesso em 11/03/08. 19 Sergio Luiz Alessi IJAILLE é pós graduado em Engenharia Econômica e Mestre em Desenvolvimento Organizacional. 20 José C. R. PINHEIROS. Avaliação dos efeitos de redução da avaliação da fração de amostragem no censo demográfico. Os autores argumentam que, para justificar o número dos 56 professores a serem pesquisados, é importante partir da estimativa de que no Brasil haja aproximadamente 3.500 professores de ER na rede pública. Segundo IJAILLE e José C. R. PINHEIROS, a amostra obtida pelo emprego da formulação abaixo, utilizou como fator de correção o tamanho populacional, estimado, na ocasião da pesquisa, em 3.500 professores atuantes no ensino religioso, em nível nacional. 1) (1)Z².N. p. (1- p)n= _E².(N -1) + Z².p.(1-p), onde, (2) n = tamanho da amostra; estatisticamente dimensionado; Z = intervalo de confiança, aceito para 90% (Z =1,64) conforme tabelas específicas; N = tamanho populacional estimado, igual a 3,500 professores atuando no ER. a nível nacional; p = proporção previamente identificada na amostra piloto ( p = 0,30 ); E = erro tolerável de amostragem igual a 10% (E = 0,10). Disponível em: <http://www.ence.ibge.gov.br/publicacoes/relatorios. Acesso em: 22/06/07.

30

O instrumento de pesquisa, questionário misto, com questões objetivas e

uma subjetiva, foi aplicado a professores de ensino religioso em âmbito nacional,

por entendermos que o atual mal-estar do ensino religioso é uma problemática de

raiz e, portanto, envolve toda a Nação.

Após olhar atentamente para os dados obtidos nos cinco momentos da

pesquisa, julgamos conveniente buscar maior certeza quanto aos resultados

coletados anteriormente.

Devido às dissensões apresentadas nas respostas dos vários instrumentos

de pesquisa, buscamos em um questionário aberto21, (Anexo Nº 0 6) um

complemento ao nosso trabalho exploratório, com uma sondagem com sete (7)

profissionais especializados em Ciências da Religião, docentes efetivos na área

de ensino religioso da rede estadual de Santa Catarina. Essa pesquisa foi

realizada no mês de maio de 2006.

O referido instrumento de pesquisa, mesmo que em pequenos lampejos,

permitiu detectar uma gama de situações que provocam desassossego no ensino

religioso no cotidiano da sala de aula e da disciplina.

A compreensão desse espaço de pesquisa não se resolve apenas por meio

de um domínio técnico. É indispensável uma base teórica para podermos olhar os

dados dentro de um quadro de referência que nos permita ir além do que nos está

sendo mostrado.

Portanto, outra forma investigativa adotada para a nossa pesquisa básica

foi a bibliográfica, que nos permitiu articular conceitos e nos colocar em contato

com autores envolvidos em seus horizontes de interesse. Nessa perspectiva, para

compor o quadro teórico, isto é, a visão dialética da história e da sociedade, foram

usados como fonte bibliográfica primária os textos de Gramsci, publicados nos

Cadernos do Cárcere, e os trabalhos de estudiosos do pensamento gramsciano,

como Hugues Portelli, em Gramsci e o Bloco Histórico e Gramsci e a Questão

Religiosa.

Na análise dos conflitos e do mal-estar que envolveu o Ensino Religioso no

Bloco Histórico Colonial, Imperial e Republicano, foram utilizadas obras de

21 No questionário aberto são apresentadas ao entrevistado perguntas para que o mesmo possa escrever sua resposta sem qualquer restrição. Emília P CUNHA, et al Metodologias de investigação em educação, http:// www.jcpaiva.net/getfile .Acesso em 11/03/08.

31

autores que têm uma visão dialética da história. Nossa ênfase maior foi para os

textos de Bosi (1994); Azzi (1987 e 1977); Pedro A. Ribeiro de Oliveira (1985);

Sérgio Buarque de Holanda (1972); Thomas E. Skidmore (1998); Enio J. Costa

Brito (2007); Mary Del Priore (2004); Florestan Fernandes (1960); Maria Helena

Capelato (1980); Pedro Calmon (1937); Vera M. Peroni (2003) e Antonio Joaquim

Severino (1986).

As análises do mal-estar referentes à legislação sobre o Ensino Religioso

tiveram como norte as obras de autores que focalizam a nossa legislação em

geral e a que regula o Ensino Religioso sob o prisma dialético, a exemplo de

Carlos Jamil Cury (2000); Francisco Cordão (2006); Pedro Demo (2004);

Dermerval Saviani (2004); Anísia de Paula Figueiredo (1999), entre outros.

A análise do mal-estar referente à formação do professor de ensino

Religioso recorreu a autores que interpretam a educação também sob o prisma

dialético, tais como: Paulo Freire (1996); José J. Queiroz (2006a); Wolfgang

Gruen (1995); João Décio Passos (2006); MauriceTardif (2002); Enio José da

Costa Brito (2005); José M Esteve (1999); Francisco Ibernon (2000) e Moacir

Gadotti (2001). Também nos reportamos ao referencial da complexidade de

Edgar Morin, em seu trabalho. Educação e a complexidade do ser e do saber

(2002).

Tais procedimentos elucidaram, na questão analisada, pontos críticos do

ensino religioso, dois dos quais constituíram a temática do capitulo terceiro desta

tese. Permanecem como incógnita outros pontos críticos revelados na pesquisa

de campo e que entram em cena também no período analisado, o que constitui

elementos de análise para estudos posteriores.

O presente estudo se articula em três capítulos. No Capítulo I – O Ensino

Religioso no Bloco Histórico Colonial, Imperial e Republicano: a gênese de uma

crise histórica, nossa pretensão foi a de elaborar uma retrospectiva histórica da

ação evangelizadora e catequética do período Colonial e do regime Imperial que

nos permitisse buscar o início do fio condutor da problemática de hoje.

Esse capítulo tem por objetivo fazer uma retrospectiva histórica das

situações que desencadearam o mal-estar do Ensino Religioso como disciplina

curricular das escolas públicas de ensino fundamental no Brasil.

O Capítulo II – O Ensino Religioso na atualidade: o desconforto e o mal-

estar revelados nos dados da pesquisa, tem por objetivo localizar o grande

32

panorama dos pontos de conflito e desconforto que cercam o Ensino Religioso na

atualidade. Ao final do capítulo há uma aglutinação dos pontos nevrálgicos que

constituem o mal-estar no ensino religioso.

Como o objeto desta pesquisa é indicar os pontos de conflito que incidem

sobre o ensino religioso, não fixamos nosso olhar nos dados positivos. Para efeito

de análise e discussão, selecionamos dois pontos de mal-estar que apareceram

com mais freqüência nas entrevistas e nos questionários, pois essa incidência, ao

nosso ver, indica que eles constituem os pontos mais graves que afetam a saúde

da referida disciplina.

No Capítulo III – A legislação sobre o ensino religioso e a formação dos

professores: dois tópicos nevrálgicos que constituem o mal-estar, começamos

assinalando o percurso do ensino religioso nas sucessivas leis brasileiras e a

forma como esses regulamentos jurídicos possibilitaram sua configuração como

disciplina curricular a ser seguida pela totalidade da Nação. Em seguida

focalizamos as luzes e as sombras que envolvem a atual legislação federal sobre

o ensino religioso. Finalizamos o capítulo com a análise da formação do professor

indicada na pesquisa como causa das insatisfações que permeiam o ensino

religioso.

33

CAPÍTULO I - O ENSINO RELIGIOSO NO BLOCO HISTÓRICO COLONIAL, IMPERIAL E REPUBLICANO: a gênese de uma crise histórica.

Antes de indicarmos, no segundo capítulo, o grande panorama dos pontos

de conflito e desconforto que cercam o ensino religioso na atualidade,

pretendemos elaborar uma retrospectiva histórica, que permita buscar o início do

fio condutor da problemática atual, na ação evangelizadora e catequética do

período Colonial e do regime Imperial.

O presente capítulo tem por objetivo detectar os primórdios históricos que

desencadearam a crise do mal-estar do ensino religioso como disciplina curricular

das escolas públicas de ensino fundamental no Brasil.

No contexto atual, é sabido e patente que o ensino religioso é uma questão

de profundo teor polêmico, que o próprio senso comum dos envolvidos nessa

área constata por diferentes ângulos. Essa pluralidade conflitiva repercute no

cotidiano da escola, no professor da disciplina e nos alunos, inviabilizando um

bom desempenho do ensino religioso em instituições educacionais.

Antes de iniciarmos nosso trabalho, cabe lembrar alguns fatos que o

procederam. Ao pensarmos no plano geral da pesquisa, nos deparamos com

duas possibilidades. A primeira, era começar pela situação de desconforto do

ensino religioso na atualidade para, em um segundo momento, perguntarmos

pelas matrizes históricas do diagnóstico. A segunda, iniciar com o histórico que

gerou a situação de mal-estar atual, quando se trata do ensino religioso nas

escolas.

Optamos por iniciar pelas raízes históricas consoante à nossa posição

teórica pela qual as manifestações do conhecimento, da cultura, das relações

educacionais têm seu fundamento no ser social e este é radicalmente histórico.

É a história do social que envolve as relações entre Igreja e Estado no

Brasil e constitui a base para se compreender as relações educacionais conflitivas

que envolvem o ensino religioso na atualidade.

Iniciar pelas raízes históricas é uma decorrência de nossa posição

preliminar de analisar os fatos pela categoria gramsciana de “blocos históricos”22.

22 A noção gramsciana de “bloco histórico” foi explicitada na Introdução.

34

Analisaremos essa retrospectiva lançando um olhar para a Colônia, o Império e a

República, compreendidos como três grandes Blocos Históricos nos quais Estado

e Igreja ora são parceiros ora entram em conflito na trama constituída pela luta

ideológica e pelos embates em busca da hegemonia.

Neste sentido, veremos, sob a ótica gramsciana, que os jesuítas, no

processo da colonização brasileira, detentores do conhecimento e da educação,

atuavam como intelectuais orgânicos do Estado, não obstante alguns conflitos e

contradições. De certa forma, ministrando o monopólio ideológico23, a religião,

agia como força social e política e asseguravam a hegemonia do poder colonial.

Encaminhar a reflexão a partir de uma retrospectiva histórica é, sem

dúvida, relevante para se entender a radiografia da complexa realidade atual do

ensino religioso, pois ela se apresenta em um imaginário prático constituído

desde a Colônia e que foi assumindo perspectivas diferentes ao longo da história,

mas mantendo as mesmas correlações de força atuantes em suas origens.

Na memória histórica da catequese jesuítica do período colonial do Brasil,

buscamos a matéria-prima do processo ideológico que nos serve de indicativo

dos principais elementos que nos permitem aproximar da problemática pela qual

passa o ensino religioso nos dias atuais.

Ao longo da história, este ensino recebeu atenção especial de pensadores

renomados em razão da complexidade24 que o cerca, característica das

incertezas em torno de sua identidade conceitual e epistemológica.

Essa realidade complexa já se reflete na dialética25 e, ao mesmo tempo, na

dialogia26 entre os subalternos (índios e negros) da Colônia e do Império e o poder

dominante mediado pela prática evangelizadora e catequética da Igreja Católica.

23Gramsci concebe a ideologia enquanto "uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, nas atividades econômicas e em todas as manifestações da vida intelectual e coletiva". Antonio GRAMSCI. A concepção dialética da História, p. 16. 24 O termo complexidade aqui não é usado no sentido comum de “complicado”. O complexo, em oposição ao linear significa que as realidades devem ser encaradas não mais como portadoras de certezas absolutas, pois não mais se definem pelo pensamento disjuntivo. Não são isto ou aquilo, mas congregam em si o todo nas partes e as partes no todo, o que implica uma dialética (os conflitos) e ao mesmo tempo uma dialogia (acordos, pactos e ações comuns) Cf. Cleide ALMEIDA e Izabel PETRAGLIA (org), Estudos de complexidade, p.16. 25 Por dialética aqui entendemos a concepção que a este conceito atribui Gramsci, como já foi estabelecido na introdução, no item relativo ao suporte teórico da pesquisa. 26 Para Morin, professor e aluno devem vivenciar essa "dialogia" do pensamento, ou seja, devem vislumbrar que o conhecimento de ambos é antagônico e complementar, o professor está sempre aprendendo com o aluno através do movimento interminável das relações dialógicas. Cf. Isabel

35

As partes envolvidas nessa trama refletem tanto o confronto quanto o

encontro de culturas diferentes que constituíram uma das experiências mais

marcantes da humanidade, a descoberta e a colonização do Novo Mundo. Tanto

o europeu quanto os nativos, os negros e a Igreja saíram profundamente

modificados desses encontros e desencontros.

O mundo europeu trazia às terras brasileiras um desejo de busca, de

conquista e colonização. Frente à cultura do nativo e, mais tarde, do negro, o

velho mundo atuou segundo as concepções da própria cultura. Isto produziu a

ambivalência da realidade sincrética que se desenvolveu no novo solo,

surpreendentemente diferente da cultura européia.

Ser índio, negro, branco, ou de qualquer outra raça, determinava as

oportunidades sociais no país. Esta constelação étnico-cultural se configurava,

muitas vezes, como fronteira de dominação e exclusão. Mas a supremacia do

branco, do estado burguês e da elite racista, que se perpetuava no poder desde a

invasão colonial, nunca foi total e absoluta, pois, nos três blocos históricos, o

dominado sempre conquistou espaços e fez valer sua cultura27.

É interessante observar que as produções sobre as fontes do século XVI,

sobretudo quando tratam de analisar as relações entre índios e brancos,

expressam-se, na maioria das vezes, de modo a enfatizar o "espanto" dos

europeus com os índios, buscando acentuar e construir uma dualidade radical

entre estes povos, como se fosse este valor que inaugurasse estas relações.

A "animalização" e a "demonização” dos índios pelos portugueses foi uma

tentativa de afirmar o ego europeu, isto é, hierarquizar as diferenças, impondo sua

cultura e ideologia.

Podemos afirmar que as fronteiras étnicas-culturais não são naturais nem

fatais, mas historicamente construídas a partir de interesses econômicos, culturais

e ideológicos. Nesse contexto, o índio28 e o negro eram colocados no papel de

destinatários, ou seja, manipulados, para acreditarem nas crenças e assumirem PETRAGLIA, Sete idéias norteadoras da relação educação e complexidade. In: ALMEIDA e ETRAGLIA ( Org.) Estudos da complexidade. p. 29. 27 Cf. Raimundo CAMPOS, História do Brasil, p. 36. 28 O termo índio nasceu de um engano histórico: ao desembarcar na América, o navegador Cristóvão Colombo chamou seus habitantes de índios, pois pensava ter chegado às Índias. Outras designações para o habitante da América pré-colombiana: aborígine, ameríndio, autóctone, brasilíndio, gentio, íncola, “negro da terra”, nativo, bugre, silvícola, etc. O termo índio designa quem habitava e ainda habita as terras que receberiam o nome de América.

. Acesso 22/10/06. http://www.brasilescola.com/historiab/cabralino.htm

36

os “valores” impostos pelos colonizadores, pela força das armas e pela catequese

realizada pelos religiosos, estes últimos, com a missão de divulgar a verdade

absoluta, e portanto, não aceitavam coexistir com outras verdades.

A fé significava a aceitação da ordem instituída por Deus. Isso permite

pensar que a catequese foi muito importante para a dominação dos índios e para

a ocupação das terras pelos portugueses. Essa complexidade, ao mesmo tempo

que condena o índio “sem rosto” à exploração e dominação, exige realizar uma

crítica à cultura hegemônica.

Nessa perspectiva, consideramos um dos autores que forneceu elementos

mais adequados para a compreensão deste desassossego, Antonio Gramsci. Ele

nos possibilita compreender como se teciam as tramas dessas relações sociais,

tendo em vista a catequese preponderantemente hegemônica dos jesuítas.

Dentro dessa realidade, Gramsci distingue a função repressiva inerente a

toda organização e a função ideológica que consiste na visão de mundo dos

dominantes e dos dominados. Referindo-se à Igreja como aparelho ideológico,

Gramsci argumenta que ela detém um poder político no próprio interior da

organização civil que, em certas épocas, alcança um verdadeiro monopólio

ideológico.29. Assim aconteceu na Idade Média cristã e no Bloco Colonial

brasileiro. Já no Bloco Imperial e Republicano, entra em crise o monopólio

ideológico da Igreja pela irrupção da ideologia liberal e laica.

Na análise gramsciana, a Igreja (os influentes religiosos) figura como

agente no processo hegemônico. Seus conceitos são chaves de compreensão da

trajetória da Igreja, no que diz respeito a sua inserção social e também suas lutas

pela hegemonia. Gramsci realizou valiosos estudos sobre essa questão,

especialmente sobre o papel e a função orgânica dos Jesuítas. Suas elaborações

teóricas são importantes instrumentos para compreender o processo hegemônico

colonial, no qual a religião assumiu o papel de identidade social.

Nessa análise, os estudos de Raimundo Campos, referentes ao período

colonial, acrescentam uma visão contextualizada. Segundo o autor:

29 Deve-se ressaltar que o interesse de Gramsci está sintonizado com a constituição de uma nova sociedade sem exploradores nem explorados e, portanto, com a possibilidade de existirem seres humanos integrais e não seres humanos alienados, fragmentados, unilaterais. Cf. Antônio Tavares de JESUS, O pensamento e a prática escolar de Gramsci, p. 3.

37

Nessa época, viver fora do contexto de uma religião parecia impossível, pois a religião era uma forma de identidade, de inserção num grupo social, numa irmandade ou confraria, ou até mesmo no mundo. Por isso, a colonização dos povos indígenas não se deu apenas porque o nativo era força de trabalho a ser explorada, mas também, os índios, segundo parecer do colonizador, “não tinham conhecimento algum de seu Criador, nem das coisas do Céu”30.

Esta mentalidade foi essencial para caracterizar a presença da Igreja como

ideologia religiosa. Não foi retórica a afirmação de D. João III, ao escrever a Mem

de Sá: “A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que se convertesse a

nossa fé católica”31. Esta postura trouxe sérios mal-estares para os nativos

obrigados a se submeterem à imposição colonizadora.

Esse conjunto de situações apresenta justificativas de ordem histórica,

cultural e ideológica que perduram na atualidade, como constata-se também na

pesquisa de Campos, embora com conotações diferentes, conforme a mudança

dos conflitos. As implicâncias dessa ideologia repercutem como se tivessem

criado um certo “inconsciente coletivo”.

O Segundo Capítulo deste estudo desenha a realidade no ensino religioso

atualmente. Essa realidade nos faz acreditar que as crises do ensino religioso

contemporâneo não são naturais nem factuais; são historicamente construídas já

na catequese dos Jesuítas, que não significou apenas uma questão de autoridade

religiosa, mas um exercício de poder ideológico, o poder hegemônico da ideologia

católica.

Embora, na atualidade, o poder hegemônico da ideologia católica não mais

se impunha, o ensino religioso, como veremos, ainda é um palco que reflete o

embate entre a hegemonia religiosa da Igreja e a “heresia” introduzida pelo

laicismo.

A cultura colonizadora, autodefinida como superior, longe de assimilar a

contribuição dos indígenas e dos africanos escravizados, não só os espoliou do

potencial de sabedoria, como em parte, relegou sua cultura. Conhecer essa

história pode nos ajudar a encontrar o fio condutor do emaranhado desassossego

do ensino religioso na atualidade. 30 Raimundo CAMPOS, História do Brasil, p. 43. 31 Raimundo CAMPOS, História do Brasil, p. 44.

38

1.1 - O pacto entre Igreja e Estado, no Bloco Histórico Colonial e Imperial.

No período do descobrimento do Brasil vigorava em Portugal uma estreita

união entre Igreja e Estado, caracterizada pelo regime de padroado32. Essa

ligação rendeu ao Estado português uma série de concessões e licenças que

acabaram por fortalecê-lo e moldar a mentalidade através da qual se fez a

catequese no Brasil.

Pedro A. R. de Oliveira, em seus estudos sobre o Catolicismo no Estado

senhorial, argumenta que a união entre Igreja e Estado permite que o aparelho

eclesiástico exerça o papel de órgão público na organização da sociedade civil,

conferindo aos indivíduos o reconhecimento social de seu estado civil mediante o

batismo, o matrimônio e o funeral religioso. Nesse contexto, entende-se que a

religião atravessa toda a existência social do indivíduo33. Estes postulados foram

polemizados no Bloco Histórico Republicano, como lembra Oscar Lustosa, em

seus estudos sobre a Igreja católica nesse período34.

32 Para MOURA, o padroado é a outorga, pela Igreja de Roma, de certo grau de controle sobre a Igreja local, ou nacional, a um administrador civil, em apreço por seu zelo, dedicação e esforços para difundir a religião, e como estímulo para futuras “boas obras”. Laércio Dias de MOURA, Educação católica no Brasil, p.57. Segundo Hugo FRAGOSO a palavra padroado, geralmente, significa direito de protetor, adquirido por quem fundou ou dotou uma igreja. Direito de conferir benefícios eclesiásticos. Nos textos historiográficos, o termo Padroado se refere aos direitos concedidos à Coroa Portuguesa pela Igreja Católica nos territórios de domínio Lusitano. Esse direito do Padroado consistiu na delegação de poderes ao Rei de Portugal, concedida pelos papas, em forma de diversas bulas papais, uma das quais uniu perpetuamente a Coroa Portuguesa à Ordem de Cristo, em 30 de dezembro de 1551. A partir de então, no Reino Português, o Rei passou a ser também o patrono e protetor da Igreja, com as seguintes obrigações e deveres: a) Zelar pelas Leis da Igreja; b) Enviar missionários evangelizadores para as terras descobertas; c) Sustentar a Igreja nestas terras. O Rei tinha também direitos do Padroado, que eram: a) Arrecadar dízimos (poder econômico); b) Apresentar os candidatos aos postos eclesiásticos, sobretudos bispos, o que lhe dava um poder político muito grande, pois, nesse caso, os bispos ficavam submetidos a ele. Hugo FRAGOSO, A Igreja na formação do Estado liberal. In: José Oscar BEOZZO, (org.). História da Igreja no Brasil, Tomo 2, p. 185. 33 Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, A Religião e Dominação de classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, passim. 34 Oscar LUSTOSA. Separação da igreja e do Estado no Brasil (1890): uma passagem para a libertação. REB, v. 35, nº 139, p. 632-638, 1975.

39

Na esteira de Azzi, podemos afirmar que a catequese no Brasil foi

realizada na aliança, fundada em interesses comuns do Estado e da Igreja e sob

uma doutrina católica recém-reformada pelo Concílio Tridentino (1545-1563)35.

O que caracterizava a atuação da Igreja nos primeiros tempos da

colonização era sua dependência do projeto colonial português. Por força do

padroado, era o rei quem comandava os destinos da Igreja no Brasil, colônia que

se constituía numa cristandade dependente de Portugal, onde os interesses

políticos e religiosos estavam unidos abaixo da soberania real, e os missionários

deviam colaborar com as autoridades civis.36

Com uma formação de Estado fortemente unificado e centralizador, o

monarca português viu-se autorizado a invadir, em muitos pontos, o setor

eclesiástico. Portugal foi um dos países que aceitou as decisões do Concílio de

Trento, “sem reservas nem restrições”37. Embora essa relação seja encontrada

também em outras nações da cristandade38, em Portugal, ela acentua-se ainda

mais pela completa submissão religiosa ao poder de Roma.

A imediata preocupação de Caminha com a cristianização dos índios

explica-se por esta estreita ligação da Igreja com o Estado português na defesa

de interesses comuns: religiosos, políticos e econômicos.

Por concessão do Papa, os monarcas portugueses exerciam o governo

religioso e moral no reino e nas colônias. Na condição de grão-mestres, além do

poder político detinham, agora, também o poder espiritual sobre seus súditos e

deles podiam exigir doações e taxas para a Igreja.

Em muitas questões, o rei invadia a área da Igreja. Por exemplo,

administrava a cobrança do dízimo, taxa de contribuição regular dos fiéis para a

Igreja, controlando sua distribuição entre paróquias e dioceses. Também escolhia

bispos, protegia ordens religiosas e perseguia outras, construía conventos e

pagava os vencimentos da burocracia eclesiástica, como os capelães, vigários e

bispos-funcionários da Coroa. 35 Portugal foi dos raros países a aceitar incondicionalmente as decisões do Concílio de Trento, realizado entre 1545 à 1564, para reafirmar os princípios dogmáticos da Igreja Católica diante da Reforma Protestante em acelerada expansão na Europa. Riolando AZZI, A Instituição Eclesiástica durante a primeira época colonial, In: Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil, p. 80. 36Ibid., p. 81. 37 Sergio Buarque HOLANDA, Época Colonial, p. 50. 38 Entendemos por Cristandade, a unidade dos povos e países cristãos em torno de interesses religiosos e políticos comuns, sob hegemonia da Igreja Católica. Cf. Riolando AZZI, A cristandade colonial: um projeto autoritário, passim.

40

Portugal buscava preservar um modelo de Igreja denominado “cristandade”

cujo lema era “onde quer que se encontrassem seres humanos, um administrador

cristão deveria estar presente para a conversão dos gentios”. Estado e Igreja

viviam uma relação simbiótica, sacramentada pelo instrumento do padroado39,

com imbricações tão profundas entre si, que muitas vezes geravam grandes

conflitos institucionais. Castelaño observa que:

Na aliança entre Estado Português e Igreja Católica, os governantes tornavam-se sujeitos dos direitos de indicar à Santa Sé os candidatos ao episcopado, nomear os vigários ou párocos até mesmo de dar o seu “placet” à divulgação dos documentos pontifícios. Em compensação, a Igreja Católica tornava-se a religião oficial da Nação, devendo ser protegida preferencialmente pelas autoridades40.

Esta simbiose Igreja e Estado se apresenta com sintoma de mal–estar e

pode ser classificada sob duas concepções divergentes e até contraditórias:

perigosa e vantajosa.

Perigosa, porque os colonizados vivem sem direitos e sem bens.

Vantajosa, porque ambos, Igreja e Estado, se beneficiavam de direitos

recíprocos.

Referindo-se ao aparelho eclesiástico, Oliveira argumenta que, embora o

Rei e depois o Imperador não tivessem atribuições propriamente religiosas, o seu

poder hegemônico sobre a administração eclesiástica era muito amplo. Diz ele:

Era o rei e depois o imperador, quem decidia sobre a criação de dioceses e paróquias, a instalação de ordens religiosas e fundação de conventos, a nomeação para postos eclesiáticos, inclusive sobre documentos pontifícios. Ele não tinha um poder propriamente religioso pois era leigo, mas sim um poder de governo sobre a Igreja existente em seus domínios. Este poder tornava o aparelho eclesiático um aparelho do Estado, sendo seus agentes submetidos à autoridade do rei ou imperador, e, ao menos territorialmente, sustentado pelo Tesouro Real.41

39 O padroado contituía uma base legal para o Estado ingerir-se em assuntos que concerniam á Igreja. Por concessão do papa, os monarcas portugueses exerciam o governo religioso e moral no reino e nas colônias.Cf. Riolando AZZI, A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial. In:, Eduardo Hoornaert, História Geral da Igreja no Brasil, p 57). 40 Amauri CASTELAÑO, Presença da Igreja no Brasil, p. 39. 41 Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 143.

41

Desta forma, o padroado constituía uma base legal para o Estado ingerir-se

em assuntos que pertenciam à Igreja, como um ”aparelho” submisso ao Estado

que assume o mister da educação civil e religiosa do povo42. Aliada ao governo

português, a Igreja católica lançou-se à tarefa de colonização do Brasil com tanta

eficácia que se transformou numa das mais sólidas e rígidas instituições de poder

no país. Desta forma, a atividade missionária da Igreja no Brasil não está aliada

somente à descoberta e à colonização, mas também à instalação de uma

sociedade cristã, por meio da catequese dos índios e dos negros.

1.2 - As conseqüências da aliança. Os Jesuítas, a Catequese, o Índio e o Negro: primeiro cenário de mal-estar.

A catequese religiosa e a expansão ultramarina constituíram uma relação

circular, o que em seu conjunto se situava na confluência de interesses da Igreja

e do Estado. Tal vínculo não poderia deixar de acarretar um mal-estar profundo

nas áreas coloniais, cuja complexidade perdurou por séculos, sendo o regime de

padroado uma manifestação daquilo que, com o decorrer do tempo, se

configuraria em uma tendência a mesclar a religião e o poder. Do mesmo modo, a

atuação dos jesuítas representava uma expansão específica de conjugação de

objetivos que se tornava incômoda e cada vez mais desconfortável, tanto para a

Igreja quanto para o Estado.

A ascendência papal sobre Portugal e Espanha fez com que a expansão

ultramarina fosse acompanhada da catequese. Assim, no Brasil, com a chegada

dos responsáveis pela administração pública, chegaram também os jesuítas

responsáveis pela catequese e estes em estreita ligação com interesses comuns

da Igreja e do Estado. Nestas circunstâncias se desenvolve a catequese nos

moldes descritos por Bruneau:

A premissa chave do modelo de cristandade é a integração da Igreja e Estado. O Estado precisa ajudar a Igreja para que todas as pessoas, em todas as áreas, sejam influenciadas através de todas as estruturas.(...) Junto à espada ia a cruz e, de fato, a colônia foi originalmente

42 Laércio Dias de MOURA, A Educação Católica no Brasil: Passado, presente e futuro, p. 57.

42

chamada terra de “Vera Cruz”. Nesse período, a expansão dos poderes ibéricos tinha uma combinação de motivos econômicos, políticos e religiosos43.

Ou seja, o rei português assumia fortemente seu duplo papel de chefe

político e religioso. Assim, identificavam-se, na prática, a colonização e a

cristianização.

Bruneau confirma este dado quando afirma:

Os colonizadores partilhavam da mentalidade de seus reis. Todo o a-católico era considerado inimigo, infiel, aliado ao demônio, um perigo para a unidade religiosa44.

Com essa ideologia, os portugueses instalaram no Brasil uma

sociedade cristã. Para o padre José de Anchieta e todos os outros padres que

vinham evangelizar o novo mundo, os índios eram pagãos a serem convertidos.

O papa Paulo III havia promulgado, em 1537, a bula “Sublimis

Deus”, que considerava todas as raças iguais em face da Redenção. No entanto,

os evangelizadores acreditavam não haver salvação fora da Igreja, e até

imaginavam antes de vir para a América, que qualquer pessoa só poderia ser

católica se vivesse de acordo com a civilização européia.

As conseqüências da aliança na catequese do índio se

verificam nos aspectos histórico, narrativo e cultural da construção do

relacionamento dos missionários com os indígenas.

Nos textos de Brito, evidencia-se que missionários e

indígenas, de acordo com seus horizontes culturais, disputam o poder simbólico,

levando em conta a alteridade, ou seja:

Missionários e indígenas no interior de seus horizontes simbólicos buscam compreender a alteridade religiosa. As santidades indígenas se apropriam de seus signos exteriores e da fala dos padres e os inacianos, da cultura nativa como linguagem. Disputa-se o poder simbólico45.

43 Thomas BRUNEAU. O catolicismo brasileiro em época de transição, Trad. Margarida Oliva, p. 30. 44 Ibid, p. 89. 45 Enio José da Costa BRITO, A identidade indígena: Estratégias políticas e culturais (século XVI e XVII), REVER – Revista de Estudos da religião. http://www.pucsp.br/rever/relatori/notago05.htm. Acesso 19 de Junho de 2007.

43

Essa abordagem de Brito indica o caminho de se construir o sentido do

outro, o indígena, reconhecendo-o como livre. Assim fazendo, também o

missionário abriria a possibilidade de ser reconhecido como diverso e livre,

porem, esta não foi à realidade inscrita na história.

Os antropólogos, hoje, julgam que o ideal seria ter deixado os índios com

sua própria maneira de viver46. Este pensamento contemporâneo se justifica

porque, se tivesse de fato acontecido à liberdade dos nativos, estes teriam

permanecido na sua cultura e nos seus ritos. Entretanto, é muito difícil

compreender como os jesuítas, no contexto histórico daquele período, poderiam

se abster totalmente de influenciar com sua atividade, na cultura e na religião

indígenas. Essa intromissão, ligada ao espírito da colonização, lançou o mal-estar

no evangelizador.

Retrocedendo no tempo e observando a atuação dos primeiros

missionários, não há como duvidar do esforço meritório despendido em seu

apostolado, do espírito pioneiro de busca de convivência, enfrentando obstáculos,

principalmente na maneira de ver e julgar o mundo recém descoberto. Sua

postura reflete a ambivalência da realidade conflitual em que atuavam e viviam.

A dualidade de procedimentos se dava pelo zelo de extirpar as idolatrias e

heresias, levando os jesuítas a pregar a palavra de Deus, evangelizando,

catequizando e impondo suas idéias aos povos indígenas, alterando, assim, as

sociedades com as quais entravam em contato.

Os jesuítas, como profundos humanistas, prezavam o estudo e o domínio

das letras, da palavra e da pregação. Para executarem a tarefa missionária, era

preciso saber convencer, para tanto, era necessário dominar a retórica. Para eles,

falar é convencer; convencer para converter. Seu lema de trabalho missionário:

Palavra e Fé.

Nelson Piletti e Claudino Piletti confirmam esse processo quando dizem:

A intenção principal dos jesuítas era converter os índios ao cristianismo e assegurar o domínio da Igreja Católica nas novas terras descobertas. O rei deu total apoio aos padres, pois sabia que a melhor maneira de dominar os índios seria destruir suas crenças e seus costumes, sua língua, sua

46 Sérgio Buarque de HOLANDA, História Geral da Civilização Brasileira: A Época Colonial, vol. 1 p.112.

44

religião, sua maneira de viver fazendo-os obedecer. Assim, os indígenas deixaram de obedecer as leis de sua tribo e de seguir as ordens de seus chefes; as tribos se desorganizavam os índios se desuniam. Com isso era mais fácil dominá-los e tomar suas terras.47

Glória Kok relata a mudança de perspectiva que se operou na imagem do

índio mediante a catequese jesuítica. Ela chama a atenção para o processo de

ruptura na vida coletiva que se deu pelas imposições cristãs da individualização.

Civilizar os índios era a principal meta da política dos aldeamentos48. A pedagogia

cristã convocou a uma trajetória solitária, seguindo os passos de Cristo. A cultura

cristã criou o espaço dos aldeamentos.

O tempo passou a ser marcado pelo ritmo das orações, dos ensinamentos

e do trabalho envolto em rígida disciplina. No terreiro onde tinha lugar o sacrifício

ritual, plantou-se uma cruz. Sua intenção principal era convencer os índios ao

cristianismo e assegurar o domínio da Igreja Católica nas novas terras

descobertas. A base da conversão ao cristianismo era a catequese realizada pelo

ensino mnemônico (fácil de memorização), totalmente submetida ao crivo dos

jesuítas que julgavam-na favorável ou desfavorável à conversão. A catequese

caminhava junto com a sujeição imposta pelos castigos: os índios escravizados

eram a prova dos frutos colhidos pelo cristianismo 49.

Depreende-se, assim, a necessidade de analisar a infiltração da doutrina

cristã entre os índios e, depois, entre os escravos.

1.2.1 - A invasão e a missão.

Quando os portugueses chegaram, o Brasil era habitado por milhões de

índios. Os europeus, ao se depararem com estes nativos, por pensarem estar

chegando às Índias, deram-lhes o nome de índios. Portanto, não era uma terra

sem dono. Era habitada e sua posse distribuída entre numerosos grupos de

nativos que a ocupavam. A idéia de posse e propriedade, quando referida aos

indígenas, não tem o mesmo sentido que tinha para os portugueses, e que tem

47 Nelson PILETTI e Claudino PILETTI, História e Vida: Brasil da Pré-História à Independencia, p. 108. 48Cf. Maria da Gloria KOK, Os vivos e mortos na América portuguesa: da antoprofagia à água do batismo, p. 120. 49 Cf. Ibid., p. 118-123.

45

ainda para nós, o de propriedade privada. O território brasileiro pertencia aos

índios.

Em 1548, ao assumir o cargo de governador, Tomé de Souza recebeu de

Dom João III um documento com diretrizes políticas, jurídicas e administrativas

para o funcionamento do Governo Geral do Brasil. Neste documento, o rei

afirmava que estaria povoando as terras do Brasil para converter os nativos à fé

cristã. Dizia também que os portugueses deveriam incentivar a catequese sem

oprimir ou desagradar os nativos.

O rei português assumia fortemente seu duplo papel de chefe político e

religioso com o apoio de Roma. Isso fez com que a cultura nativa fosse submetida

a uma profunda invasão50.

Naturalmente, essa forma de pensar levou o governo luso a aceitar o

cativeiro indígena no caso da guerra santa, se estes se recusassem à catequese,

cometessem latrocínio em terra ou em mar e se negassem a pagar tributos, a

defender o rei ou a trabalhar para ele. Os índios eram levados do sertão para o

litoral a fim de serem catequizados nas escolas e muitos eram agrupados em

aldeias onde recebiam instruções e educação religiosa. Assim fazendo, o

missionário perseguia o grande objetivo de estabelecer a religião cristã. Embora a

missão dos jesuítas fosse a catequese dos habitantes das novas terras, a obra

que realizaram foi muito extensa, assentando as bases de uma nova nação,

conforme entende Serafim Leite, citado por Laércio Dias de Moura:

A contribuição dos jesuítas à educação no Brasil por meio das instruções dos índios teve uma considerável expansão e assumiu novas expectativas com a iniciativa da fundação de aldeias. O Aldeamento dos índios obedeceu a um pensamento de catequese: facilitar a garantia, o bom êxito dela, tudo bem estabelecido para fixar caçadores e pescadores andarilhos.51

A relevância da obra missionária dos jesuítas no Brasil se deve a uma

conjugação providencial de favores, entre os quais avulta a visão de Portugal com

relação à terra descoberta. Aqui podemos observar que a religião foi uma

estratégia para delimitar o território conquistado.

50 Mary DEL PRIORE, Religião e religiosidade no Brasil colonial, p. 9 -11. 51 Laércio DIAS DE MOURA, A educação católica no Brasil: presente passado e futuro, p. 34.

46

As igrejas recém-construídas, as ermidas e os oratórios levantados, bem

como as cruzes fincadas marcavam o território português e o domínio sobre

essas almas que tinham de ser conduzidas/levadas (ainda que à força) para

Deus. Nos deparamos, portanto, com a gênese do mal-estar da catequese, pois a

ação missionária dos jesuítas se desenvolvia em uma dualidade conflituosa:

servia aos interesses da política colonizadora do rei de Portugal e procurava

alimentar seus próprios ideais de evangelizadores. Queriam transformar os

“selvagens” em “civilizados”, “salvá-los”, fazendo com que conhecessem a

verdadeira fé52. É aí que se coloca o problema sociológico da relação entre

religião e invasão cultural do índio. Pedro A. de Oliveira observa que:

A conquista colonial portuguesa, mais do que um processo de apropriação de terras dos indíos para a instalação de colônias é, ao mesmo tempo, um processo de desestruturação das comunidades indígenas.53

Esse processo de invasão e de submissão do indígena ao domínio colonial

marcou fortemente a vida dos nativos. Consideramos importante apontar como a

política colonial, secundada pelo trabalho catequético, aprisiona o universo

cultural do índio e do negro nas balizas do mundo europeu católico.

1.2.2 - A cultura nativa nos parâmetros eurocêntricos.

Nessa realidade dicotômica, a saber, colonizar e evangelizar, não havia

preocupação em entender o contexto cultural do nativo, nos termos definidos de

sua vida tribal. Ao contrário, a missão julgava a cultura nativa segundo

parâmetros eurocêntricos54.

O relato de Manoel da Nóbrega, aqui resumido, é suficiente para

demonstrar que, na época da chegada dos colonizadores, os índios tupi-guaranis

já haviam desenvolvido uma forma complexa de cultura. Eles haviam construído

uma cosmologia, uma explicação de seu mundo e de seu destino:

52 Laima MESGRAVIS e Carla Bassanezi PINSKY, O Brasil que os europeus encontraram, p. 66. 53 Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 30. 54 Na visão de Pedro DEMO, Éticas multiculturais sobre convivências humanas possíveis. A cultura eurocêntrica tem dificuldade notória de se conceber apenas diversa. Tem-se superior, tendo encontrado na ciência modernista um baluarte notável com suas compreensões universalistas. p. 23.

47

A Terra sem Mal era também morada de Nandeverusu, criador do mundo. Seus costumes se baseavam numa tradição riquíssima, cuja coerência e continuidade eram sustentadas por rituais religiosos e culturais solidamente estruturados.55

Ao evangelizador engajado no projeto colonizador, condicionado por uma

tradição cultural etnocêntrica, messiânica, faltou uma dimensão antropológica na

sua maneira de ver o evangelizado.

Nos discursos de Nóbrega fica evidente que a matriz da educação básica

da população no Brasil foi essencialmente ideológica – religiosa, transmitida pelas

congregações ou ordens masculinas, que vieram atender às necessidades

espirituais dos colonos e efetuar a catequização dos indígenas.

Embora várias ordens religiosas tenham contribuído com a evangelização

no Brasil colonial, far-se-á um recorte que leva em conta apenas a ação

missionária dos jesuítas, cuja presença foi preponderante na ação religiosa no

Brasil, pois, como missionários “oficiais” da Coroa, exerceram um papel

representativo na formação do sistema educacional da nossa história.

Os jesuítas, com seu espírito pioneiro de busca de convivência com os

índios e com o esforço despendido no seu apostolado, com sua maneira de

pensar e ver o mundo e os métodos preconizados no processo de evangelização

refletem, em sua ação missionária, a ambivalência da realidade conflitual em que

viveram.

A ação jesuítica pode ser considerada de grande importância para a

história dos indígenas no Brasil, por ter provocado uma série de deslocamentos,

não só do ponto de vista religioso, mas também no confronto entre culturas

diferentes. E, ainda, por interrogar sobre a identidade do outro e de si mesmo,

embora essa indagação seja feita numa perspectiva etnocêntrica.

Todavia, não podemos perder de vista que o contato entre culturas

radicalmente distintas sempre foi algo difícil e, em geral, ao longo da história, o

“diferente’’ torna-se sinônimo de “inimigo” que deve ser destruído ou colonizado.

Esta mentalidade influenciou a ação catequética, porque embora fazendo

concessões aos elementos da cultura aborígine, estrategicamente o movimento 55 Manoel da NOBREGA, S. J. Diálogo sobre a Conversão do Gentio. In: Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. Preliminares, anotações históricas, criticas de Serafim Leite, S. J, vol. II, p. 325.

48

evangelizador não foi em direção ao outro, para o outro, mas contra o outro. A

pesquisa das relações entre os protagonistas da catequese e o nativo permite

desencadear um incipiente processo de busca da gênese do primeiro cenário de

mal-estar.

1.2.3 - A violação da cultura indígena.

A violação da cultura indígena no período colonial, ou seja, no início da

colonização do Brasil, pode ser referência e matriz fundante que serve para

entender, em parte, a complexidade do ensino religioso na atualidade.

A questão do processo religioso referente aos índios do Brasil, nas áreas

de colonização, nos primeiros tempos, (a catequese56 a cargo dos jesuítas57)

constituiu um atentado e uma violação da cultura, um real crime de genocídio

cultural.

Com o governador geral chegaram os padres jesuítas, encarregados de

atender os portugueses que aqui se encontravam e da conversão dos índios ao

catolicismo. Este fato não só marca o início da educação no Brasil, mas inaugura

a mais longa e a mais importante fase do país, dada suas conseqüências e

resultados para nossa cultura e civilização.

Oliveira lança um olhar para o início do processo de submissão dos

indígenas e comenta que “submeter os indígenas ao domínio colonial é a primeira

condição para a colonização efetiva do Brasil”58. Nesse processo, o papel da

religião é chave. A catequese não significou apenas um caso de autoridade

56 O termo catequese, neste contexto, estará vinculado, (na narrativa do missionário) à necessidade da imposição da ordem, de discutir o medo com relação ao índio: “catequese no Brasil é Evangelho mas também energia para se lidar com feras [...] os tigres pelo medo que se tem em respeito”. Frei Jacinto de PALAZZOLO, Nas selvas dos vales do Mucuri e do Rio Doce, p. 36. 57 Outros missionários, de diversas congregações e também os padres diocesanos, realizaram importante trabalho junto aos indígenas. Os franciscanos, que constituem a maioria entre 1500 a l549, chegam à nova terra em 22 de abril de 1500. Entre eles está Frei Henrique de Coimbra – OFM- responsável pela celebração da 1ª missa com a presença de nativos em terras brasileiras no dia 26 de abril de 1500. Este ato é significativo por vários motivos, entre eles a curiosidade dos índios perante o desconhecido ritual (religioso) e por ser a marca inicial de “dois mundos”, ainda que, por força do poder, a cultura do agente cristão tenha-se afigurado com o traço hegemônico em meio aos grandes desafios da conquista e da submissão que se deu especialmente com a ação jesuítica Cf. Frei Jacinto de PALAZZOLO, Nas selvas dos vales do Mucuri e do Rio Doce, 39. 58 Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 32.

49

religiosa59 sobre o colonizado, mas traduziu uma questão bem mais complexa de

exercício do poder ideológico dos colonizadores na vida dos povos conquistados

ou seja, fez parte do programa político da empresa colonial.

Os jesuítas60 que chegaram ao Brasil eram produto de seu tempo e de sua

posição na sociedade em que viviam, o orbs christianus, fundamentado na visão

cristã medieval do mundo, cujo princípio era a verdade absoluta, identificada na

figura de um Deus único e representada, na Terra, pela Igreja Católica. No desejo

de legitimar sua fé cristã e de combater os costumes incompatíveis com a fé

católica, os jesuítas objetivavam impor a cultura portuguesa61 e fixar os nativos

em aldeias onde viveriam numa sociedade estável. Dessa forma, por intermédio

da Catequese, seriam libertados do canibalismo, das superstições e seriam

instruídos na fé e nos ideais cristãos. Perseguiam este projeto porque sua visão

de mundo não lhes permitia enxergar outras verdades nem conviver com elas, o

que, conseqüentemente, levava-os à intolerância com o universo indígena.

Portanto, o contato entre a cultura européia e a indígena resultou na opressão

desta mesma cultura.

O índio, e depois o negro, constituíram os subalternos do bloco histórico.

Na análise gramsciana, o subalterno é definido como um segmento social

subjugado e submisso à hegemonia62 das classes dominantes, mesmo quando se

rebelam. Qualquer vestígio de iniciativa autônoma do subalterno é de inegável

valor63

59 Sabe-se que o papel chave da religião é várias vezes enfatizado por Gramsci nos Quaderni. Diz ele: “Uma ideologia nascida em um país desenvolvido difundem-se em um país menos desenvolvido, incidindo no jogo local das combinações [de forças]. A religião sempre foi uma fonte destas combinações ideológico - políticas nacionais e internacionais e, com a religião, as outras formações internacionais, entre elas os intelectuais em geral, cuja função principal, em escala internacional, foi de medir os extremos, de encontrar compromissos intermediários entre as forças externas” GRAMSCI; Quaderni del carcere. Vol, I p. 458, (tradução nossa). 60 Os jesuítas sempre foram considerados por Gramsci como expoentes da intelectualidade da Igreja Católica 61 Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 29-33. 62 Para Gramsci, a hegemonia se constrói a partir da sociedade civil e de suas diversas instituições e do Estado. Assim, a hegemonia sempre terá um certo grau de instabilidade, pois pressupõe a existência de forças contrárias, que de algum modo resistem a esta hegemonia, podendo propor projetos alternativos. Por outro lado, a hegemonia é especialmente tensionada, instável e precária em formações sociais com grandes contradições sociais como a brasileira.Arquivo-Gramsci e o Brasil.http:/ www.artnet.com.br/gramsci/arquiv.htm. Acesso 30/02/08 63 Antonio GRAMSCI, Quaderni del carcere, Vol. I, 1975, p. 300.

50

Analisando as formas de sujeição utilizadas pelo branco, Florestan

Fernandes argumenta que estas contribuíram para destruir as bases de

autonomia das sociedades tribais e reduzir as povoações nativas à dominação do

branco64.

Convém salientar que a tentativa de imposição de novos valores rumo à

transformação não implicou em uma submissão total ao colonizador. A cultura é

expressão humana relativa e está sempre relacionada com uma realidade

específica de cada povo. Oliveira constata que,

Dentro dos parâmetros culturais do colonizador desatento, os mundos dos indígenas são difusos, atrasados e demoníacos. O projeto colonizador é de reduzir o índio a fé cristã. Reduzir os bárbaros à fé é o trabalho próprio do missionário. O índio selvagem, aos olhos do colonizador, é reduzido à condição de civilizado, deixando de ser “índio bravo” para ser “índio manso”. Nesse ponto, o missionário e o colonizador têm o mesmo interesse. Porém, o missionário se opõe ao colonizador na medida em que se opõe à escravização do índio. Tal posição decorre não somente da doutrina católica mas também do interesse próprio do missionário, que é o de preservar o índio da opressão e dos maus costumes dos portugueses. O projeto colonizador, ao contrário, é de transformar o índio em força de trabalho escravo65.

O confronto entre padres jesuítas e colonos em relação aos índios não

muda a posição subalterna destes, porque os primeiros querem o índio como

sujeito a ser doutrinado, os segundos, os querem como escravos.

Esta postura era uma forma de aprisionar o universo indígena nos

contornos do mundo católico. Os rituais indígenas provocaram medo, e esse

medo e horror aos espíritos malignos indicam que padres e colonos não

entendiam o contexto cultural dos nativos, nos termos definidos pela própria tribo.

Ao contrário, tratava-se de julgá-los pelos valores cristãos, isto é, julgavam a

cultura nativa segundo os parâmetros eurocêntricos.

A mentalidade de conquista e da cristandade colonial, assim

compreendida, fez com que os rituais específicos dos nativos não fossem

64 Florestan FERNANDES, Antecedentes indígenas: Organização social das Tribos Tupis. In: Sergio Buarque de HOLLANDA (org), História Geral da Civilização Brasileira, Vol. 1, p. 72. 65Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 37 - 38.

51

respeitados. A justificativa que legitimava a escravidão do índio, a saber, o

objetivo de convertê-los à fé, constituía, sem dúvida, uma violação da cultura

indígena e um cenário de mal–estar.

A postura etnocêntrica impediu uma compreensão do cerne cultural da

comunidade indígena, portanto, que a aculturação simbólica se fizesse livre, lisa e

horizontalmente sem desníveis e fraturas de sentido e valor. O índio era

considerado um ser inferiorizado.

Azzi observa:

Levados por uma interpretação simplista da realidade indígena como um agrupamento humano carente e imbuídos de um sentimento de comiseração por seu atraso cultural e pelas trevas do paganismo em que estavam envolvidos, os jesuítas se lançaram à grande missão de conquistar esses gentios ao redil de Cristo e de imprimir-lhes uma nova cultura.66

Isto vem confirmar que os gestos e os ritmos dos indígenas, que cantavam

e dançavam, já não significavam gestos próprios de fiéis cumprindo sua ação

coletiva e sacral, mas denotavam para o branco poderes violentos. Na medida em

que os missionários mergulham no conhecimento da vida indígena, e percebem a

ausência de rituais consagrados a Tupã ou a Sumé, decidem que devem buscar

em outro lócus simbólico o cerne da religiosidade tupi, isto é, no culto dos mortos,

no conjunto dos bons e maus espíritos67

Em inúmeras ocasiões, os evangelizadores, para atingir o cerne do

significado cultural de cada um dos protagonistas da história, usaram métodos

catequéticos para revelar uma tentativa de busca do “outro”. Todavia, sempre

oscilaram, na pedagogia, entre amor e temor.

Pedro A. Ribeiro de Oliveira considera que o impacto religioso causado

pelo encontro dos índios com os missionários jesuítas revela essa mescla de

amor e temor. Segundo o estudioso,

Num primeiro momento essa tarefa parece ser fácil, pois os índios se mostraram atentos à pregação e pareciam acolher docilmente a fé católica. Poucos anos depois tal otimismo acaba. Os missionários percebem que se os índios acolhem

66 Riolando AZZI, A instituição eclesiástica durante a Primeira Época Colonial, p. 211. 67 Alfredo BOSI, A dialética da Colonização, p. 69.

52

facilmente a fé católica, também facilmente a abandonam. Um missionário compara-os a areia das praias: escreve-se nela o que se quer, mas basta que suba a maré para que tudo se apague e se retorne ao estado anterior. O índio que se fazia passar no mito do bom selvagem, puro mas ignorante, passa a ser visto como bruto que só pela força das armas pode ser submetido à fé católica68.

Neste aspecto, a catequese se transformou em mediação para o opressor

impor sua cultura, que penetra nas massas e destrói as bases da cultura nativa,

impõe suas tradições e seus modos de vida, propaga o mito de sua superioridade

e legitima a dominação que exerce. Aliada ao colonizador, a evangelização nega

as qualidades dos nativos, desumaniza o colonizado, mutíla-o psicologicamente,

fazendo-o aceitar como naturais as condições de exploração.

Isso constitui uma violação do nativo em seu contexto cultural, sua

religiosidade, seus gestos, danças, maneira de lidar com o corpo, costumes,

valores, feminilidade, potencialidades como ser humano. A política colonial de

conversão ao cristianismo por meio da catequese criou um choque entre um

mundo europeizado e a alma do índio adulto, pois lhe era impossível aderir aos

preceitos religiosos, sem renunciar aos próprios princípios.

A história mostra que a reação do nativo foi tão marcante, que se tornou

uma ameaça perigosa para certas capitanias, como Espírito Santo e Maranhão.

Além da luta armada, os indígenas reagiram de outras maneiras, fugindo, se

alcoolizando, cometendo homicídios como forma de reação à violência

estabelecida pelo escravismo colonial. Todas essas formas de reação

dificultavam a organização da economia colonial, podendo, assim, comprometer

os interesses mercantilistas da metrópole, voltados para a acumulação de capital.

Além de todos esses obstáculos, o indígena é amplamente escravizado,

permanecendo como mão-de-obra básica na economia extrativista do Brasil,

mesmo após o término do período colonial.

Nesse processo “civilizatório” pela invasão dos costumes por práticas

sociais impostas, a espontaneidade indígena é sufocada. O importante para os

missionários é obter a “conversão“ dos povos indígenas. Considerados gentílicos,

68 Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 32.

53

incivilizados, pagãos, inimigos da fé, amorais, idólatras e até mesmo dominados

pelo demônio, eles precisavam ser instruídos na fé dos ideais cristãos.

Para ser cristão, o indígena devia, forçosamente, se transformar em

português. Gilberto Freire assim descreve o esvaziamento da cultura indígena:

Os cantos indígenas, de um grande sabor, substituíram-nos os jesuítas por outros, compostos por eles secos e mecânicos; cantos devotos sem falar de amor, apenas em Nossa Senhora e nos santos. Entre os caboclos ao alcance de sua catequese acabaram com as danças e os festivais. Procuraram destruir, ou pelo menos castrar, tudo o que fosse expressão viril de cultura artística ou religiosa em desacordo com a moral católica e com as convenções européias; separaram a arte da vida.69

Isso mostra que, ao transpor a cultura indígena para o mundo da

linguagem dos valores europeus, os jesuítas, condicionados por uma tradição

cultural etnocêntrica, conscientes da superioridade de sua cultura religiosa

integrada numa política de expansão ultramarina, criaram, no trabalho

catequético, uma cisão no conjunto das expressões simbólicas dos índios.

Colheram e retiveram das narrativas recorrentes só aquelas passagens míticas

nas quais apareciam entidades cósmicas (Tupã), ou heróis civilizadores (Sumé),

capazes de se identificarem, em algum aspecto, com as figuras bíblicas de um

Deus Criador ou de Jesus Salvador.

Como os tupis não prestavam culto organizado a deuses e heróis, foi

relativamente fácil substituir a cultura nativa com as “certezas do catolicismo”.

Não conseguindo integrar-se na civilização branca, o índio ficou desamparado,

sem o apoio cultural próprio. Essa forma de vetar a cultura nativa ocasionou uma

situação estranha para os indígenas. O catecúmeno era visto (e se via) como um

ser possuído por forças estranhas das quais o viria salvar um deus ex-machina

pregado pelo abarê, o padre, e distribuído pelos sacramentos com a ajuda de

entes sobrenaturais, como os anjos e as almas dos santos.70

Enfrentando os feiticeiros (pagés), os missionários, acusavam - nos de ter parte com satã. Nas informações sobre as crenças e ritos tupis, tanto missionários como

69 Gilberto FREYRE, Casa grande e senzala, p. 146. 70 Alfredo BOSI, Dialética da Colonização, p. 68

54

cronistas têm o mesmo discurso: negam a existência da religião entre os tupis; referem o medo aos trovões como manifestação de uma divindade, Tupã; narram casos de perseguição e morte dos índios por espíritos maus, Anhangá e Juripari, identificados com demônios; reportam a influência dos pagés e dos caraíbas.71

Nessa mesma corrente de pensamento se insere Brito, que amplia essa

análise e diz:

Portadores de um código religioso, que via no Demônio o principal inimigo da implantação do Reino de Deus na terra, os missionários acreditam estarem as almas indígenas subjugadas ao demônio, através dos seus intermediários, os xamãs, ou pajés ou caraíbas. Daí, a insistência, ao longo da evangelização, na afirmação da falsidade das obras dos feiticeiros (falsos profetas) e na verdade das obras dos padres (verdadeiros profetas).72

A reconstrução deste processo de encontro, que sabemos ter sido

opressor, assimétrico, violento e genocida, passa necessariamente pela

construção do sentido do outro. Isto leva a evidenciar que a alteridade constitui

um elemento indispensável no interior dos horizontes simbólicos, tanto para os

missionários quanto para os evangelizados.

No trabalho de destruição da cultura indígena e imposição da cultura

portuguesa, os missionários se opõem ferozmente aos pagés, guardiães das

tradições indígenas, qualificando-os como feiticeiros a serviço do demônio e

contra os quais devem lutar.

O olho do colonizador não perdoou, ou mal tolerou, a constituição do

diferente e a sua sobrevivência. A rigidez ortodoxa selada pelo Concílio de Trento

(1545-1563) abominava as danças e os cantos afro-brasileiros. Mais tarde, o

gosto acadêmico de molde francês desprezaria a maneira arcaico-popular, ainda

sobrevivente na arquitetura religiosa do século XIX. Sempre uma cultura (ou um

culto) vale-se de sua posição dominante para julgar a cultura ou o culto do outro.

A colonização retarda também a democratização73.

71 Alfredo BOSI, Dialética da Colonização, p. 69. 72 Enio José da Costa BRITO, A identidade indígena. Estratégias políticas e culturais (século XVI e XVII) http://www.pucsp.br/rever/relatori/notago05.htm, Acesso 16/10/2006. 73Cf. Alfredo BOSI, Dialética da Colonização, p. 61.

55

Apesar da violência da catequese e da colonização, o índio foi um

elemento importante para a formação da Colônia e mais tarde, também o negro.

Ambos foram a mão-de-obra considerada a principal base sobre a qual se

desenvolveu a sociedade colonial brasileira e contribuíram profundamente para a

nossa cultura. A evangelização do negro e suas conseqüências serão vistas mais

adiante.

1.2.4 - O mal-estar do evangelizador.

Os jesuítas permaneceram no Brasil como mentores da educação escolar

num período de 210 anos74. Estruturados como uma organização moderna para o

seu tempo, conquistaram efetivação na catequese e na educação no período

colonial. A eles cabia a tarefa de ensinar e catequizar, o que faziam com particular

zelo apostólico e também atendiam às necessidades temporais. Sua estratégia

católica representava uma autêntica teologia missionária. Conforme Brito, ao

sinalizar esta questão:

Nas missões no Brasil, os jesuítas elaboraram uma autêntica “teologia missionária”, seja no âmbito institucional como no teológico. Mostram-se ágeis na adaptação de normas, regras, e tolerantes com “violações“ que não ofendessem a Deus75.

Os jesuítas, verdadeiros estrategistas, se empenharam na organização dos

aldeamentos, ação educativa e missionária ao longo do processo colonizador. A

respeito deste aspecto da ação missionária, Priore relata que até 1580 os jesuítas

tiveram exclusividade na ação religiosa no Brasil, como missionários “oficiais da

Coroa”76”. Esta condição serviu para abrir caminhos e solidificar a colonização,

voltada para a criação de uma grande nação indígena cristã.

74 Os jesuítas exerceram essa função até 1759, quando foram expulsos de todas as colônias portuguesas por decisão de Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777. No momento da expulsão, os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, além de seminários menores e escolas de primeiras letras instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já implantado e consolidado como modelo educacional. Cf. Alfredo BOSI, Dialética da Colonização, passim. 75 Enio José da Costa BRITO. A identidade indígena: estratégias políticas e culturais (século XVI e XVII), http://www.pucsp.br/rever/notago05.htm. Acesso 20 de setembro de 2006. 76 Mary Del PRIORE. Religião e Religiosidade no Brasil Colonial, p. 10.

56

Os missionários viviam numa ambivalência: eram sujeitos da Igreja e

funcionários do Estado; colonizadores e evangelizadores, viviam divididos entre

os interesses religiosos e os interesses do poder. Esta condição provocava

desassossego no evangelizador.

Em matéria de educação escolar, souberam construir sua hegemonia e

conquistaram uma organização escolar eficiente com uma ampla rede

educacional. A prática pedagógica adotada remetia à escolástica medieval,

configurando-se como Pedagogia Tradicional que, na sua vertente religiosa,

tornava a educação sinônimo de catequese e evangelização. Gramsci considera o jesuitismo77, com seu culto pela organização de um

império absoluto espiritual, como a fase mais recente do cristianismo católico.78

Segundo Gramsci,

A Companhia de Jesus é a última grande ordem religiosa, de origem reacionária e autoritária, em carater repressivo e “diplomático”. Sinalizou, com o seu nascimento, o endurecimento do organismo católico. As várias ordens religiosas que surgiram depois têm um sentido “religioso” muito escasso e um grande sentido “disciplinar” sobre a massa dos fiéis. São ou se tornaram simplificações da Companhia de Jesus, instrumentos de “resistência” para conservar posições políticas conquistadas e não forças renovadoras de desenvolvimento. O catolicismo se tornou “jesuítico”79.

Continua Gramsci

Os jesuítas foram indubitavelmente os maiores artífices deste equilíbrio e, para conservá-lo, eles imprimiram na Igreja um movimento progressivo que tende a dar certas satisfações às exigências da ciência e da filosofia, mas com ritmo tão lento e metódico que as mudanças não são percebidas pela massa dos simples, embora elas apareçam “revolucionárias” e demagógicas aos “integralistas”. (Por “integralistas”, Gramsci se referia à ala mais conservadora da Igreja)80.

77 Gramsci em várias passagens dos Quaderni (Cf. por exemplo, VoI. II, p. 98) refere-se ao “jesuitismo” como um entrave à modernização e um baluarte na defesa do catolicismo tradicional. 78 Cf. Quaderni, Vol. III, p. 2233, (tradução nossa). 79 GRAMSCI, Quaderni, Vol. II, p.1384, (tradução nossa). 80 GRAMSCI, Quaderni, Vol. II, p. 1386, (tradução nossa).

57

Como atestam os documentos, esses religiosos enfrentaram, desde o

início, dificuldades de toda sorte e se depararam com uma gama significativa de

desafios que dizem respeito às condições culturais, físicas e sociais, aliadas às

exigências da nascente sociedade, a partir da contribuição do elemento

colonizador, o português (conquistador), o índio (dominado) e, pouco depois, o

negro, trazido compulsoriamente da África, na condição de escravo.

As dificuldades enfrentadas pelos jesuítas eram grandes: privações de

ordem material, resistência dos índios à conversão, a ação anticatequética dos

mestiços e colonos e as dificuldades do trabalho de aculturação lingüística.

Holanda argumenta que os padres não poupavam esforços para aprender, com a

maior rapidez, a língua do “gentio”81.

Entretanto, o conflito e a distância entre as duas culturas obrigam o

evangelizador a níveis de flexibilidade e tolerância, em relação aos costumes

indígenas, pouco compatíveis, ao que parece, com a ortodoxia católica. A nova

representação do sagrado, assim produzida, já não era nem a teologia cristã nem

a crença tupi, mas uma terceira esfera simbólica, uma espécie de mitologia

paralela que só a situação colonial tornara possível82.

Nesta perspectiva, Brito lembra que a tradução de conceitos teológico-

filosóficos para códigos culturais nativos comportava riscos, podendo

comprometer a ortodoxia da doutrina. A língua geral, criada pelos jesuítas, era

uma língua híbrida, colonial, útil para a comunicação, que utilizava palavras

indígenas e estrutura sintática latina. A conquista lingüística constituiu-se num

encontro de horizontes simbólicos83.

Para Anchieta, adentrar no imaginário do outro, transpondo palavras de

uma esfera simbólica para outra, acarretava sérias dificuldades e por vezes,

empecilhos, isto é, um conflito teológico no próprio evangelizador, que não

encontrava meios concretos para passar ao evangelizado as mensagens da

doutrina cristã. Para isso, inventam um imaginário estranho sincrético, nem só

católico, nem puramente tupi-guarani, quando forjam figuras míticas chamadas

81 Sergio Buarque de HOLANDA, História Geral da civilização Brasileira: A época colonial, V.1, p 58. 82 Alfredo BOSI, Dialética da colonização, p. 65. 83 Enio José da Costa BRITO, A identidade indígena: estratégias políticas e culturais (século XVI e XVII), REVER- Revista de Estudos da religião. http://www.pucsp.br/rever/notago05.htm. Acesso 20 de setembro de 2006.

58

karaibebé, nas quais o nativo identificava, talvez, os anunciadores da Terra sem

Mal, e os cristãos reconheciam os anjos mensageiros alados da Bíblia. Ou

Tupansy, mãe de Tupã, para expressar um atributo de Nossa Senhora.

Cabe ressaltar que o ingresso dos índios numa missão religiosa tinha,

evidentemente, significados diversos para eles e para os missionários: os índios

iam à busca do mal menor, procurando sobreviver da forma que lhes era possível,

recriando estratégias e culturas próprias na nova situação colonial; já para os

padres, a missão era o espaço da evangelização, no qual procuravam cumprir

seu ideal cristão, avançando e recuando, conforme as condições que se lhes

apresentavam84.

Anchieta, neste e outros casos extremos, prefere enxertar o vocábulo

português no novo tronco do idioma nativo. O mais comum é a busca de alguma

semelhança entre as duas línguas, com resultado de valor desigual. Essas

inovações muitas vezes criaram dissabores ao missionário, pois nem sempre os

jesuítas foram compreendidos e bem recebidos pela hierarquia.

A concepção simplista da realidade indígena, como um agrupamento

humano carente e atrasado culturalmente, envolvido em trevas do paganismo,

levava o evangelizador a um sentimento de comiseração diante desse “atraso

cultual” e a lançar-se à missão de conquistar estes gentios ao redil de Cristo,85

recorrendo até mesmo a uma ressignificação da cultura e da própria doutrina

cristã. Os dramas de consciência e os escrúpulos teológicos advindos dessa

postura, é possível imaginá-los. Alfredo Bosi ressalta a contradição que se criava

na catequese entre o zelo “civilizatório“ e a submissão cultural do indígena

afirmando que

Os jesuítas, conscientes de seu papel de civilizadores do mundo bárbaro, se puseram em campo, (...), procurando submeter os índios aos seus padrões culturais. Começaram a afastar as crianças de seu ambiente natural. Catequizadas, passavam a rejeitar não só os valores culturais tradicionais, mas também os próprios pais, substituindo-os pelos padres.86.

84 Sobre esse tema cf. os estudos de Maxime HAUBERT. Índios e jesuítas no tempo das missões. Séculos XVII e XVIII. Trad. Marina APPENZELLER, p. 47-110. 85 Cf. Riolando AZZI, A instituição Eclesiástica durante a Primeira Época Colonial: História da Igreja no Brasil, Coleção História Geral da Igreja na América Latina, tomo II. p. 210. 86 Alfredo BOSI, Dialética da colonização, p. 66.

59

Outro aspecto a considerar é que a cultura brasileira dominante era a

cultura que hegemonicamente determinava todas as relações sociais da

sociedade brasileira e que tinha seus valores atrelados à cultura ocidental branca,

portanto, cristã e capitalista.

Aplicando a visão gramsciana de hegemonia a essa realidade, podemos

dizer que a sociedade brasileira, embora pluriétnica, isto é, formada por diferentes

povos e, portanto, culturas, tem, historicamente - através da classe hegemônica,

que domina cultural, política e economicamente as demais culturas-, as mais

diversas formas de dominação e exclusão social.

Segundo Gramsci, por cultura dominante ou cultura hegemônica

compreende-se a cultura que reforça e mantém excluídos os dominados,

desconsiderando-os quando comprometem os interesses do dominador. Assim, a

integração dos projetos de colonização significou a marginalização da cultura

indígena e a submissão à cultura dominante87.

Na ação de ensinar e catequizar, pedagogia e religião se confundiam.

Dada essa confusão, verifica-se que o trabalho pedagógico permitia ver o “outro”

na sua dinâmica social, invadindo e desrespeitando a sua cultura, e contribuindo

para a sua destribalização.

É possível afirmar ter havido uma interação que poderá ser resumida numa

frase, que descreve o perfil assumido pelo evangelizador na colonização: “a

conquista transformou-se em missão, a missão em colonização”88.

A mescla de educação e catequese, invasão cultural e ação missionária,

Estado e Igreja evocam uma versão de ensino religioso, como contempla Saviani:

O ensino jesuíta, então implantado, já que contava com incentivo e subsídio da coroa portuguesa, constitui nossa versão de educação pública religiosa89.

Agravam o mal-estar as condições extremamente difíceis que circundavam

a vida do missionário na época do Brasil Colônia. Apesar da existência do

padroado e da ajuda que poderia ser esperada do rei, os jesuítas encontraram

dificuldades em manter as “primeiras escolas de ler e contar”. Os primeiros 87Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 177-201. 88Cf. Alfredo BOSI, Dialética da colonização, p. 69. 89 Dermeval SAVIANI, A Nova Lei da educação, p. 4.

60

colégios e aulas de ensinar e contar criados pelos jesuítas em várias localidades

do país, a começar pela cidade de Salvador, eram mantidos com sacrifício

mediante esmolas e donativos especiais e pela mão-de-obra nas construções,

que incluía esforço físico dos próprios religiosos, ajudados por índios e alguns

colonos mais prestativos.

As crises também se revelaram na fragilidade da saúde. Enfrentavam, no

cotidiano, doenças que grassavam pela Colônia. Não só deviam evitar as picadas

de insetos e cobras, mas também as febres, a malária, a opilação (falta de ferro

no organismo) e o purupuru (doença dermatológica). Bexigas, tabardilho (febre

eruptiva) câmara de sangue, tosse, fustigavam os evangelizadores90 .”O

impaludismo era a praga nacional mais mortífera, mas a varíola foi especialmente

violenta”91. Desnecessário lembrar que a anestesia não existia. O estudo da

medicina em Portugal era sofrível e a preferência então por feitiços e rezas pode

ser explicada pela falta de bons profissionais médicos.

As comunicações eram muito precárias. Não existiam caminhos e os

deslocamentos eram feitos ao longo do litoral em embarcações improvisadas.

Ocorre aqui mencionar o jesuíta Gabriel Malagrida92, perseguido até pelo bispo

pelo zelo dedicado aos índios. Fez de sua vida uma doação total. Viveu três anos

num cárcere frio e úmido. Foi condenado pela inquisição como herético

escandaloso. Ao lado dessa história de vida, se seguiram tantas outras com uma

extrema dedicação e desprendimento93.

Na visão gramsciana expressa nos Quaderni, os jesuítas foram “a última

grande ordem religiosa, porém repressiva e diplomática, que deu início ao

endurecimento do organismo eclesiástico”94. Na Colônia, a ação evangelizadora

que os jesuítas exerceram ao longo do período colonial é um fato histórico. Eles

implantaram novos padrões culturais, inteiramente distintos dos povos que

habitavam o Brasil naquele período. Portanto, colaboraram para a hegemonia

90 Cf. Laércio Dias de MOURA, Educação católica do Brasil, p. 40. 91 Cf. Laércio Dias de MOURA, Educação católica do Brasil, p.29. 92 Gabriel Malagrida nasceu na Itália em 1711. Entrou para o seminário com 11 anos. Foi a partir de uma apresentação teatral, que decidiu dedicar-se aos pobres. Sacerdote de grande reflexão teológica e filosófica, aos 31 anos veio se estabelecer no Maranhão, em São Luiz, onde permaneceu durante 30 anos, Laércio Dias de MOURA, Educação católica do Brasil, Ibid., p. 32. 93 Cf. Joseph S. J. ANCHIETA, Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre José de Anchieta (Notas: Antonio de Cantar Machado), p. 372. 94Cf. Quaderni, Vol. II, p. 1080, (tradução nossa).

61

cultural do poder colonial, visto que tornaram seus valores aceitos e incorporados

pelos habitantes que povoavam o país.

Os jesuítas forneceram um suporte ideológico religioso necessário para a

dominação política dos colonizadores, o que caracteriza um processo

eminentemente cultural, mas com claras vinculações políticas, embora, como já

vimos, isso lhes tinha custado dissabores e crises doutrinais e existenciais.

1.2.5 – O estigma e a ressurreição do índio.

Reportando-se às opressões cometidas no período colonial, Oscar

Figueiredo Lustosa diz:

Os colonialistas não se contentavam em impor sua lei ao subjugado, esvaziavam-lhe o cérebro de tudo que consideram inadequado para a situação de domínio ao povo oprimido, desfiguram-no aniquilando-o.95

Os europeus descreviam o nativo com os mais fantasiosos traços:

resistentes, saudáveis, inocentes, suaves amantes da paz, bestiais, arrogantes,

ferozes,etc.

O rei Manuel de Portugal escreveu a seu colega, monarca da Espanha:

“meu capitão alcançou uma terra (...) onde encontrou humanos como se

estivessem em sua primeira inocência, suaves e amantes da paz”96.

Todavia, a identidade indígena foi invadida. Seus costumes, suas práticas

sociais e, notadamente, sua maneira de vivenciar sua religião, seus rituais

culturais foram considerados impróprios para um civilizado.

O contato entre o colonizador e o índio mostra que todos os seus hábitos,

como beber, fumar, desejar ser nômade, dançar, enfeitar-se, guerrear, honrar os

ancestrais, reverenciar os deuses e a natureza, pintar o corpo, entre outros, foram

condenados em nome dos valores da civilização.

Do exposto, verifica-se que os colonizadores mostram os indígenas

brasileiros como carentes de qualidades mínimas e imbuídos de maldades que os

tornam uma raça inferior em relação ao europeu. Em seu estudo referente ao

95 Oscar Figueiredo LUSTOSA, A presença da Igreja no Brasil, p. 104. 96 Thomas E. SKIDMORE, Uma História do Brasil, p.31.

62

índio, Skidmore traça, nesse particular, uma clara alusão à negação da alteridade

por parte dos colonos em relação aos índios. Diz:

Os colonos que viviam realmente no Brasil tinham uma atitude menos fantasiosa e mais arrogante em relação aos índios, pois coexistiam, coabitavam e entravam em choque com eles. Sua arrogância é exemplificada pelas palavras de um cronista que escreveu em 1.570 sobre a língua de todos os índios litorâneos: “não acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei: e desta maneira vivem sem justiça e desordenadamente.97

O mesmo comportamento dos índios e dos europeus é avaliado

diferentemente: o português considerava-se cristão por direito e por nascimento; o

indígena era visto como pagão e infiel. Os costumes do primeiro eram civilizados

e cristãos; os dos nativos, selvagens e bestiais. Os nomes portugueses eram

cristãos, os nomes dos indígenas, pagãos. O estereótipo que se lançou à

sociedade tribal era de um estado caótico, carente de ordenação espiritual, moral

e social. Imaginando livrá-lo deste estado de caos e de carência, na sua atuação,

o que fizeram, na verdade, foi justamente colaborar para conduzir o índio à

situação de sua base cultural.

Desde o início, os colonizadores portugueses, com seus hábitos culturais,

começaram por “minar” a cultura nativa, impondo seus costumes. Viram os índios

como uma fonte indispensável de mão de obra. Entretanto, os povos indígenas

eram essencialmente caçadores e coletores. A respeito desse tipo de

ajustamento, Skidmore diz:

Os índios que habitavam o Brasil não formavam exército e não estavam inclinados a resistir e lutar. Tampouco formavam uma hierarquia social ao estilo dos nahuas ou incas que os portugueses pudessem assumir para impor o trabalho disciplinado.98

Sob o domínio do colonizador, o índio subjugado tinha sua cultura

constantemente violentada. Skidmore conclui em sua leitura, que

97 Thomas E. SKIDMORE, Uma História do Brasil, p. 32 98 Ibid., p. 30.

63

Doenças e tratamentos brutais tiveram pesados efeitos também sobre os povos indígenas, mas os que sobreviveram foram, com freqüência capturados com relativa facilidade e organizados em força de trabalho. Os índios que sobreviveram retiraram-se para a floresta tropical ou para o interior temperado, onde portugueses tinham dificuldades para perseguí-los. Espalhavam-se em mais de uma centena de grupos lingüísticos distintos, quase todos ininteligíveis um para o outro99.

Muito tardiamente, na Conferência Episcopal Latino-americana de Puebla,

a Igreja Católica reconheceu oficialmente o valor da religião indígena:

A mentalidade que os portugueses instalaram no Brasil foi de uma fé cristã. Todavia, antes mesmo de ter recebido, da cristandade européia, a fé cristã, os nativos reconheciam, ao seu modo, a presença de Deus criador na natureza, na vida e o cultuavam100.

Mas esse reconhecimento não se deu no trabalho dos missionários na

época da colônia. Por isso, para o indígena, a evangelização representou uma

opressão que lhe causou um triplo mal-estar: na cultura, na língua e na imposição

de um modo de vida diferente.

Os missionários chegaram ao Brasil preparados teologicamente mas não

preparados suficientemente para o reconhecimento da diversidade cultural não só

do índio. O negro também foi aprisionado no contexto da desigualdade e da

exclusão. É o que estudaremos no item 1.3.

Entretanto, na catequese do índio nem tudo se perdeu. Não se pode falar

em aniquilamento da sua cultura. O índio sobrevive em nossa cultura na língua,

na religiosidade popular e na arte em geral. Economicamente, por longos anos,

ele foi o esteio da produção no Brasil, mesmo com o advento da escravidão

negra.

Trabalhos recentes na área antropológica mostram o papel e a

sobrevivência do índio em nosso meio, fato esse relevante a ser considerado no

ensino religioso na atualidade.

99 Thomas E. SKIDMORE, Uma História do Brasil, p. 33. 100 CONFERÊNCIA EPISCOPAL LATINO AMERICANA, Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina. Conclusões da Conferência de Puebla, p. 105 – 106.

64

1.3 - A catequese do negro e os conflitos.

Muitos mitos foram criados em torno do processo escravista brasileiro, e

muitos preconceitos foram gerados a partir dos argumentos que tentavam

legitimar a escravidão. O mundo, regido por políticas de verdades e de

preconceitos, que manipulam as regras de um jogo de dominação. Portugal era

pleno de conceitos como ″sangue limpo″, ″pureza de sangue″ e ″raças

infectadas″.

Pedro A. de Oliveira, ao analisar o capital comercial e a grande lavoura,

chama a atenção ao fato da importância da mão de obra 101 dos negros

africanos102, cuja aptidão para o trabalho agrícola já era bem conhecida103, o que

resultou em forte presença de africanos no Brasil.

1.3.1 - Os conflitos na vida dos negros no Brasil.

Os negros africanos não chegaram ao Brasil de livre e espontânea

vontade, mas foram trazidos à força, vendidos, humilhados, coagidos. À

semelhança de prisioneiros num campo de concentração, eram severamente

punidos pelos seus deslizes. O mais freqüente dos crimes era a fuga: sozinhos ou

em grupos, fugiam para buscar sua liberdade refugiando-se nas matas,

constituindo, assim, os quilombos, sendo o mais célebre o de Palmares, no

Nordeste.

O negro, construído como um sujeito inferior, supostamente irracional e

selvagem, passa do processo de dominação ao processo de exterminação e

subjugação. Era preciso impor a visão européia civilizada de mundo às

populações submetidas ao poder colonial. 101 A escravidão negra no Brasil durou cerca de trezentos anos. Os negros e negras vindos da África, segundo as diversas teses sobre a escravidão no Brasil, foram trazidos com o objetivo de constituir a mão-de-obra do colonizador português, que não aceitava fazer o trabalho braçal em nome de uma nobreza muitas vezes auto-outorgada. 102 Antes mesmo do descobrimento do Brasil os portugueses já traficavam escravos da África. Não existe uma documentação precisa dessas diversas importações, a não ser vagas notícias de paradas de navios negreiros, nesse ou naquele porto do continente negro. A informação mais precisa vem de Azurara, em que o autor da Crônica do Descobrimento da Guiné faz um relato de como Antão Gonçalves, em 1441, capturou e trouxe para o Infante D. Henrique os primeiros escravos africanos, bem como a transação com Afonso Goterres, para aprisionar os negros do Rio do Ouro. http://www.maemartadeoba.com.br/ Acesso:17/11/07 103 Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 42.

65

Aos negros escravizados negou-se o direito à vida. Havia o uso de

ameaças, de violência pelo senhor e/ou autoridades do Estado, e freqüentemente

valia-se da coerção, incluindo brutalidade, para mantê-los em subserviência.

A coerção é exercida pelos mais diversos meios desde os mais suaves aos

mais cruéis e violentos. Oliveira lembra que eram marcados com ferro em brasa;

eles deviam viver agrupados nas senzalas; obrigados a conviver com escravos de

grupos étnicos diferentes, que podiam ser vendidos à peça, sem consideração por

laço familiar. Os castigos corporais eram freqüentes, e não raro chegavam à pena

de morte e torturas104.

O estigma que a sociedade imprime ao negro é que ele é escravo do

branco e, por conseguinte, propriedade sua. De acordo com Pedro A. R. de

Oliveira, ao se reportar a essa forma de dominação,

O que define o escravo é o fato de ser ele propriedade de alguém. Esse atributo essencial do escravo o coloca em condição similar à de animal, pois sobre um e outro o dono pode dispor como bem entender.105

As relações entre senhor e escravo eram de proprietário e propriedade,

como se o escravo fosse animal ou coisa. Elemento essencial na exploração

mercantil e colonial, o escravo foi incluído no capital como coisa. Isso os levou a

construir uma cultura de enfrentamento, por meio da instauração de terreiros e

cultos para poderem manter viva a tradição africana.

Os senhores ordenavam punições públicas para aterrorizar a população

escrava, porém, a elite colonial brasileira estava sempre consciente da

possibilidade de morte ou violência nas mãos de seus próprios escravos. Se

aprofundarmos essas proposições, percebemos que o que está em jogo é a

alteridade. A catequese desqualificou a diversidade religiosa como desvio e

pactuou com a escravidão.

A aversão ao pluralismo religioso nunca foi totalmente superada, assim

como ao sincretismo. Na sociedade atual ainda persiste o racismo, ora explícito,

ora disfarçado, e uma nova forma de racismo, que exclui, faz desaparecer e torna

invisível uma realidade concreta. 104Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 82. 105 Ibid., p. 42.

66

Quando os negros reagem a seu modo, como o caso do caboclo-pardo106,

do Contestado107, e por isso, acabam se tornando visíveis, reivindicando sua

participação no processo histórico, são perseguidos, mal entendidos, odiados,

desqualificados na sua cultura e na sua fé.

Os negros e negras vindos da África, segundo as diversas teses sobre a

escravidão no Brasil, foram trazidos com o objetivo de construir a mão-de-obra do

colonizador português. Todavia, o tráfico negreiro era uma atividade altamente

lucrativa tanto para os traficantes, quanto para a coroa portuguesa. Não podemos

ignorar que estes desdobramentos relativos aos escravos acarretaram

conseqüências às crianças negras filhas de escravos desafricanizados.

1.3.2 - A catequese das crianças negras.

A catequese das crianças negras no Brasil Colonial foi um fenômeno

residual. Os colégios das primeiras letras ocupavam um espaço físico central nas

fazendas da Companhia de Jesus. Estas escolas eram importantes na realização

da catequese.

Glória Kok evidencia metas de trabalho dos missionários que consistiam

em procurar proveito das almas, na vida e doutrina cristã, pregar à fé pela

evangelização e ministério da palavra de Deus, pelos exercícios espirituais, e

normalmente ensinar aos meninos rudes as verdades do cristianismo108. Portanto,

em função da conversão ao cristianismo, os filhos das famílias dos escravos

também foram submetidos à escolarização. Eram crianças negras, filhas de

106Caboclo pardo: Habitante majoritário da Região do Contestado é conhecido como “caboclo pardo”, pelas suas raízes étnico-culturais luso-brasileira e mescla destas com a índia, a negra e seus descendentes. Tropeiro, peão, ervateiro, lavrador ou agregado, residente no território desde meados do Século XIX, que, à época da Guerra do Contestado, participou ativamente do conflito, enfrentando as forças militares estaduais do Exército Brasileiro e as forças civis por esses contratadas para combatê-lo. Seu território é toda a ampla área geográfica no tempo presente integrante das regiões do Sul e Sudoeste do Estado do Paraná, e do Norte e Oeste do Estado de Santa Catarina, que foi objeto da “Questão de Limites entre Paraná e Santa Catarina”, tendo por limites: ao Norte, os rios Negros e Iguaçu; ao Sul, os rios Canoas e Uruguai; a Leste, ora a Serra Geral, ora o Rio Canoinhas, o Rio Timbó, o Rio do Peixe ou o Rio Marombas; e a Oeste, a fronteira do Brasil com a Argentina. 107 “Contestado” termo polissêmico. Importante para compreender a complexidade do termo em seus significados temporal e espacial em visão histórica, geográfica e antropológica, veja-se Nilson, TOMÉ. Contestado: Significados & Conceitos. http://www.pg.cdr.unc.br/RevistaVirtual/NumeroUm/Artigo5.htm. Acesso 04 de julho de 2007.. 108Cf. Gloria KOK, Os vivos e os mortos na América portuguesa: da antropofagia à água do batismo, p.124-128.

67

escravos desafricanizados, que nasciam nas fazendas e propriedades da

Companhia de Jesus.

Todavia, as crianças negras sofriam dois tipos de violências: nasciam

marcadas pela maldição social da escravidão e estavam submetidas a um

processo brutal de aculturação gerada pela visão cristã de mundo.

Serafim Leite, referindo-se a esta realidade, observa que, “quando

começaram a preponderar os negros nas fazendas principais, como a da Santa

Cruz, ao pé do Rio de Janeiro, a escola de rudimentos e de catequese era para o

filho dos escravos”109.

A conseqüência mais nefasta desta metodologia de ensino-aprendizagem

foi o sadismo pedagógico perpretado contra os alunos que se manifestavam

principalmente através de castigos corporais.

Os filhos dos escravos desafricanizados sofreram o processo de conversão

ao cristianismo católico através da catequese e também sentiram na pele a

prática do sadismo pedagógico inerente ao projeto educacional desenvolvido

pelos jesuítas. Em outras palavras: as circunstâncias sociais dos negros eram

piores, pois as condições dos escravos eram mais severas que a dos índios. Não

tiveram, como aqueles, os ‘protetores’ jesuítas, e até o Império continuaram

simplesmente equiparados às ‘bestas’ das Ordenações Manuelinas110.

Isto nos leva perceber que em diversos domínios sociais havia violência

contra os negros escravos. Eles não eram apenas submetidos a proibições, mas,

sob o domínio do “colonizador”, sua cultura era desprezada e até condenada111.

1.3.3 - O código religioso.

Aos negros, a religião muitas vezes constituiu um meio de se conformarem

com a situação em que se encontravam. O escravo negro foi tratado com

indiferença pelo seu paganismo e submetido à escravatura total. Duzentos anos

depois, já no fim do mercantilismo, é que vieram as bulas para excluir

taxativamente o negro das relações de mercadoria, propondo-o destarte como

sujeito da catequese, ao reconhecer-lhe a existência da alma.

109 Cf. Serafim LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 144-145. 110 Cf. Caio PRADO JUNIOR, Evolução política do Brasil, p. 27. 111 Ibid., p. 106.

68

Desta forma, a oposição entre senhor e escravo não podia ser resolvida

pela intensificação da coerção e proliferação dos quilombos. Os senhores de

escravos tinham que ganhar o consentimento dos escravos para a condição

social de propriedade por meio do “paternalismo”, isto é, tinham que ajustar as

relações entre ambos por um relacionamento mais afetivo, de tipo familiar, sendo

o senhor uma espécie de pai ao qual o escravo era submetido como filho. Esse

reconhecimento se faz usando o código religioso:

Sendo o escravo um ser humano, e portanto dotado de alma, é preciso cuidar de sua salvação eterna. Os escravos deviam ser batizados, pois o batismo é a primeira condição para a salvação eterna. Sendo batizado o escravo tinha o direito de ser tratado como pessoa humana 112.

Uma vez batizado, o problema seguinte era fazer o escravo deixar a crença

negra, considerada inferior e demoníaca, e adotar a crença do colonizador,

branca, cristã, tida por superior e divina. Para isso, os jesuítas se valeram do

sincretismo religioso e da catequese músico-teatral (autos e congo), de forma

similar às práticas religiosas indígenas. Em seus estudos, Gilberto Freyre busca

analisar esta realidade e afirma:

As histórias do contato das raças chamadas superiores com as consideradas inferiores é sempre a mesma. Extermínio ou degradação porque o vencedor entende que pode impor ao povo submetido sua cultura moral inteira, maciça, sem transigência.113.

Os escravos, por imposição dos senhores, participavam a contra-gosto dos

cultos católicos, imposição gerando obediência. Todavia, tal obediência era

externa, sem crença. Na intimidade das senzalas, às ocultas, os escravos

extravasavam sua fé. E, ali, os rituais trazidos da África, antigo e singelo exercício

espiritual que perpetuavam as crenças da terra mãe eram praticados aliviando-

lhes a cruel realidade, a escravidão.

A preocupação e o cuidado de não revelar ao colonizador os segredos de

sua crença obrigavam o escravo a revestir sua fé com ritos e símbolos do

opressor. “Pouco a pouco, os ritos e os símbolos do catolicismo, os sacramentos, 112 Gilberto FREYRE, Casa grande e senzala, p. 84. 113Ibid., p.17.

69

o sinal da cruz, o uso da água, imagens, altares etc., foram sendo agregados

pelas roupagens africanas”114.

Aproximando o relato da vida do negro e do índio no Brasil e as influências

acarretadas pela catequese à problemática atual de exclusão, percebemos que

esta é um vício de raiz, é um resquício do domínio colonial, que subjugou o índio

e posteriormente o negro, marginalizando suas culturas.

Essa atitude de exclusão persistiu no período pós-colonial, que privilegiou

as verdades prontas e acabadas do Iluminismo, cujos discursos afirmavam a

hegemonia e a superioridade das elites e da sua cultura, inferiorizando a cultura

popular e suas manifestações religiosas, enaltecendo a liberdade de crença e de

culto, assim como a liberdade de consciência e de opinião115 A questão do

modernismo e suas relações com a religião e os jesuítas, segundo Gramsci, será

abordada no item 1.4.

Esse cenário histórico de exclusão nos convoca a detectar as causas dos

conflitos do ensino religioso que se desenrola na atualidade. Uma das

preocupações é a da consolidação de princípios democráticos e a reafirmação de

princípios éticos, valorização da diversidade humana, da pluralidade cultural,

sublinhada na abertura da Conferência de Santo Domingo. O Papa João Paulo II

procurou enfatizar a sua visão positiva da evangelização, ressaltou o papel da

Igreja na promoção humana e na proteção da cultura nativa. Enfatizou os

primeiros passos da evangelização. O Papa busca enaltecer a posição da Igreja e

afirma:

A Igreja Católica, movida pela fidelidade ao Espírito de Cristo, foi defensora infatigável dos índios, protetora dos valores que havia em suas culturas, promotora de humanidade diante dos abusos dos colonizadores, às vezes sem escrúpulos116.

Em 1967, o Papa Paulo VI em seu documento Africae Terrarum, lançava

um apelo oficial, valorizando a religião africana e colocando-a lado a lado com

114 Eurípedes KÜHL, O homem e a religião, http://www.panoramaespirita.com.br/modules/eNoticias/ Acesso em 19 de Junho de 2007. 115 Thomas E. SKIDMORE, Uma História do Brasil. p. 106. 116 JOÃO PAULO II, “Mensagem do Santo Padre aos Afro-americanos”. In: Documento de Conclusão da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Santo Domingo, Celam, p. 28

70

outras religiões universalmente conhecidas. Irônica ou intencionalmente, esse

documento não foi suficientemente divulgado e amadurecido pelas comunidades

cristãs, o que teria, sem dúvida, diminuído muitos dos preconceitos e

dogmatismos das igrejas locais117.

O mais importante é o fato de o Papa reconhecer a religião africana como

positiva e não mais como uma religião não-cristã. Essa mudança de ótica legitima

e estimula o reconhecimento da diferença como condição fundamental para um

diálogo inter-religioso.

Com base no pensamento de Gramsci, no caso da colonização brasileira,

não resta dúvida de que a Igreja atuou como instância ideológica e agiu na

formação das mentalidades. Era preciso dominar o negro e integrá-lo como força

produtiva da sociedade em formação, por intermédio de práticas políticas

disciplinares.

A Igreja exerceu, pela ação dos jesuítas, um papel importante no

desenvolvimento dessas práticas disciplinares, e assim contribuiu para

transformar o “nativo rebelde” em um “homo docilis”, produtivo para a empresa

colonial. Não podemos esquecer que as realidades sociais e culturais presentes

são parecidas com as das crises do período Colonial, que atravessaram o período

Republicano e chegaram à atualidade, embora com roupagens diferentes.

1.3.4 - Nem tudo se perdeu. A cultura afro-brasileira e a revanche do oprimido.

A contribuição africana na cultura brasileira é importantíssima. Conhecendo

os elementos que a compõem, respeitaremos a riqueza cultural do Brasil e as

diferentes formas de interagir com o meio. A riqueza da humanidade está

exatamente nas muitas formas de ver o mundo. Neste aspecto, respeitar a

diversidade inclui o respeito a si próprio.

O negro não apenas povoou o Brasil e deu-lhe prosperidade econômica

através do seu trabalho. Trouxe, também, as suas culturas que contribuíram para

o ethos próprio da cultura brasileira. Vindos de várias partes da África, os negros

escravos trouxeram as suas diversas matrizes culturais. Aqui sobreviveram e

117 Paulo BOTAS, Uma religião sem mistérios e a serviço do povo,. http://translenza.com.br. Acesso: 28/12/07.

71

serviram como patamares de resistência social ao regime que os oprimia e queria

transformá-los apenas em máquina de trabalho. Após a escravidão, os grupos

negros que se organizaram como específicos, na sociedade de capitalismo

dependente, também aproveitaram os valores culturais afro-brasileiros como

instrumentos de resistência.

Isto não quer dizer que se conservassem puros, pois sofreram e sofrem a

influência aculturadora (isto é, embranquecedora) do aparelho ideológico

dominante. Não se pode afirmar a idéia de uma cultura afro-brasileira única, pura.

O que existe é um processo dinâmico de construção. É uma luta ideológico-

cultural que se trava em todos os níveis, ainda diante dos nossos olhos.

Não existe identidade nacional sem as culturas africana e afro-brasileira.

Por extensão, não existiria arte brasileira sem as artes africana e afro-brasileira.

Ao olhar para os brasileiros, o rosto negro do país deve aparecer.

Os cultos afro-brasileiros são sistemas de crenças herdadas dos africanos,

trazidos como escravos para o Brasil a partir do século XVI. A maior parte desses

negros era proveniente da costa oeste da África, onde predominavam dois

grandes grupos: os Sudaneses e os Bantos.

O sincretismo é uma das marcas da cultura do Brasil. Uma cultura forjada

com contribuições das mais diversas etnias africanas, trazidas no período da

escravidão; das nações indígenas que habitavam este território antes da chegada

dos portugueses; dos demais europeus que migraram para este país; de

japoneses, chineses, árabes, uma cultura, enfim, que é síntese das contribuições

dos muitos povos que foram excluídos ou que escolheram este território para

viver. Estar atento a esta riqueza é fundamental para se entender o papel do

ensino religioso em nossos dias.

72

1.4 – O Bloco Histórico Republicano e as raízes do mal-estar do ensino religioso na atualidade.

A passagem do Bloco Histórico Imperial para o Republicano (laico, liberal,

a-religioso) provoca uma crise também na Igreja e no ensino religioso.

A história do ensino religioso é a história do pluralismo e da alteridade

negada e ao mesmo tempo conquistada, em parte, às custas de muito sacrifício e

luta desde o período colonial concebido como uma molécula e embrião de toda a

estrutura do ensino religioso na atualidade.

Parte-se, portanto, do princípio de que a realidade atual sofre implicações

dos acontecimentos do tempo histórico, permeados por interferências políticas

econômicas e sociais desse decurso. As idéias e pensamentos da cultura

medieval foram trazidas para a educação brasileira, fundamentada na ação

pedagógica dos jesuítas. Ela é uma espécie de chave de leitura para conhecer a

educação nacional e as implicâncias ao ensino religioso.

Ao arrolarmos a temática das relações entre catequese e ensino religioso,

tema de estudo histórico-antropológico, na tentativa de consolidar o incipiente

processo de compreensão do mal-estar do ensino religioso na atualidade, a volta

ao passado revelou sintomas de desassossego que se prolongam na atualidade,

como veremos nos capítulos seguintes.

Essa realidade demarca o mal-estar do ensino religioso, colocando na

mesma arena questões que persistem no interior das buscas e das saídas para

as suas crises. Desta forma, as questões de natureza ideológica, política e

mesmo teórica se mesclam nos acenos históricos que revelam as causas das

crises dessa disciplina na atualidade. Elas revelam a necessidade de adentrar no

período Republicano, pois é nele que se gesta um novo aspecto da crise que

persiste até hoje.

No Bloco Histórico Republicano, ao nosso ver, está a raiz mais próxima da

problemática do ensino religioso da atualidade. Daí desponta a necessidade de

detectar nas entranhas desse bloco, o contexto e as causas visíveis e invisíveis

geradoras do mal-estar que a pesquisa de campo vai desvendar em toda sua

amplidão.

73

1.4.1 Passagem do domínio senhorial para a burguesia agrária.

Ainda no Bloco Histórico Imperial dá-se a passagem do domínio senhorial

(senhores de engenhos) para a burguesia agrária. Esta mudança é provocada

pelas relações sociais de produção capitalistas, introduzidas na grande lavoura

cafeeira a partir de meados do século XIX. Essas novas relações estruturais

produzem mudanças profundas na estruturas econômica, social e política do

Brasil118.

O capitalismo agrário se introduz no Brasil como desfecho da condição

econômica e da formação social e senhorial gerada pela colonização portuguesa

para alimentar o comércio mundial. O sistema senhorial torna-se incapaz de

acompanhar a expansão do Brasil; o escravismo já não propiciava uma produção

de baixo custo e não acompanhava a demanda crescente do mercado mundial.

Esta situação obriga a recorrer a novas práticas econômicas e sociais que não

podem efetivar-se sem implicar no desaparecimento de outras práticas

econômicas e sociais tornadas ultrapassadas como o escravismo, a cultura de

subsistência de pequena lavoura entre outras .

A mudança política, através dos meios legais, implanta o conjunto social de

transformações econômicas e sociais operadas pelo capitalismo agrário, ou seja,a

classe social que dirige o processo de produção no centro dinâmico da economia.

A burguesia agrária torna-se a classe dominante e dirigente e toma o lugar até

então ocupado pela classe senhorial.

A burguesia detém a propriedade dos meios de produção e dirige o

processo produtivo da grande lavoura e, na indústria, faz surgir novas classes

dominadas: os assalariados rurais e os operários que participam do processo

produtivo como vendedores de força de trabalho.

Pedro A. R. de Oliveira mostra a distinção entre hegemonia e ideologia:

118 As mudanças mais visíveis são sem dúvida o crescimento da produção, a abolição da escravatura e a Proclamação da República. Tais mudanças representam a modernidade do País, isto é, a adoção de traços característicos de países mais adiantados. A introdução das relações capitalistas de produção na grande lavoura transforma o conjunto social em sua globalidade, em suas estruturas e seu funcionamento. No bojo dessas transformações está a romanização. Pedro A.Ribeiro de OLIVEIRA. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 169.

74

A hegemonia é a direção intelectual e moral do conjunto social, enquanto a ideologia é a justificação e explicação das relações sociais de produção.119

A religião não desempenha a função de ideologia do modo de produção

capitalista. Todavia, as representações religiosas podem ser úteis ao sistema

dominante, atribuindo, por exemplo, um caráter sagrado à propriedade privada, ou

afirmando que todo o poder emana de Deus e que as autoridades devem ser

respeitadas. Todavia, essa visão ideológica já é dispensável para o

funcionamento do aparelho estatal burguês, porque este, agora, está amparado

por ideologias seculares.

As representações religiosas exercem ainda uma função de apoio da

hegemonia burguesa, porque o clero continua tendo a direção da vontade da

grande massa, exercendo sobre ela uma direção intelectual e moral120.

Indo além da conhecida noção de ideologia de Marx, exposta na Ideologia

Alemã, Gramsci considera-a não apenas como uma visão invertida da realidade,

mas também lhe atribui um sentido mais alto de concepção de mundo que se

manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica e em todas

as manifestações da vida, individuais e coletivas121.

Devido a essa visão ampla da ideologia, nasce o problema de conservar,

em todo o bloco social, a unidade ideológica da classe122.

1.4.2 A cultura, a filosofia e a política.

A filosofia iluminista e positivista e o modernismo constituem os

fundamentos culturais e ideológicos da burguesia liberal no Bloco Histórico

Republicano123.

119 Cf. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 319. 120 Ibid., p 319-320. 121 Quaderni, Vol. II, p. 1380. 122 Ibid., p. 1380. 123 A ideologia liberal-burguesa repousa fundamentalmente sobre a noção de progresso: progresso econômico decorrente do desenvolvimento das forças produtivas liberadas e impulsionadas pelo modo de produção capitalista; progresso político, decorrente da democracia burguesa; progresso social, decorrente do reconhecimento dos direitos civis e da igualdade de todos diante da lei; progresso cultural, decorrente do desenvolvimento das forças produtivas intelectuais, no campo da técnica e da ciência, liberando o homem das crenças sem fundamentação racional. O progresso é o penhor da ideologia liberal. Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 318.

75

A partir de 1750, a Colônia é alvo de transformações administrativas,

implantadas pelo Marquês de Pombal, quando é estabelecido uma espécie de

estado totalitário influenciado pelo Iluminismo124.

Na segunda metade do século XVIII, intensifica-se a crise do sistema

colonial, diante de outros três acontecimentos: a revolução industrial, a revolução

americana e a revolução francesa; ao lado da revolução industrial, dá-se a

revolução intelectual. São fortalecidos os ideais de liberdade, inspirados pelo

iluminismo, dos quais decorrem as manifestações nativistas, libertárias e

abolicionistas em vários pontos do país.

A independência dos Estados Unidos, em 1776, fortalece os sentimentos

de liberdade em todo o continente americano. É nesse clima que, pela primeira

vez, se proclama em lei a garantia da liberdade religiosa através da declaração de

Virgínia, cuja divulgação acontece em plena Revolução Americana125. Esta

declaração constitui um elemento importante para a garantia do direito à liberdade

religiosa; por outro lado, a revolução francesa marca época pelo seu caráter

universal e conseqüências sócio-políticas que influenciaram todo o mundo

ocidental. Ela proclama a declaração dos direitos do homem que também

assegura o princípio de liberdade religiosa como direito do cidadão e estabelece a

igualdade civil126.

A educação religiosa e o ensino religioso são afetados por este novo

cenário que vai culminar com a separação entre Igreja e Estado, e o fim da

hegemonia educacional do catolicismo.

124 Colocando em destaque os valores da burguesia, o Iluminismo favoreceu ao aumento dessa camada social. Procurava uma explicação através da razão (ciência) para todas as coisas, rompendo com todas as formas de pensar até então consagradas pela tradição. Rejeitava a submissão cega à autoridade e a crença na visão medieval teocêntrica. O Iluminismo expressou o aumento da burguesia e de sua ideologia. Foi a culminância de um processo que começou no Renascimento, quando se usou a razão para se descobrir o mundo, e que ganhou aspecto essencialmente crítico no século XVIII, quando os homens passaram a usar a razão (ciência) para entenderem a si mesmos no contexto da sociedade. Tal espírito generalizou-se nos clubes, cafés e salões literários. A filosofia considerava a razão indispensável ao estudo de fenômenos naturais e sociais. Até a crença devia ser racionalizada. Os iluministas eram deístas, isto é, acreditavam que Deus está presente na natureza, portanto no próprio homem, que pode descobrí-lo através da razão. Para encontrar Deus, bastaria levar vida piedosa e virtuosa; a Igreja tornava-se dispensável. Os iluministas criticavam-na por sua intolerância, ambição política e inutilidade das ordens monásticas. http://www. mundoeducacao.com.br/historiageral/iluminismo. Acesso 09/01/08. 125 Cf. José J. A. de ARRUDA. A história moderna e contemporânea, 11ª edição, p. 151-152. 126 Ibid., p. 168-171.

76

1.4.3 O conflito entre a Igreja Católica e o Estado Imperial e seu desfecho no Bloco Histórico Republicano.

A igreja entra em choque com o Império contra o padroado e o regalismo

tendo como suporte a posição “ultramontana” da Igreja de Roma. Thomas

Bruneau, em sua análise do colonialismo brasileiro, fala dos vários fatores que

provocaram a crise entre Igreja e Estado no Bloco Histórico Imperial e

Republicano. Diz ele:

O que provocou o conflito foi a combinação de fatores lógicos que se catalisaram produzindo uma explosão. Os principais fatores foram: o desenvolvimento do ultramontanismo em Roma; suas reverberações entre alguns membros da hierarquia no Brasil; e as reações excessivas do governo imperial. Dessa combinação resultou a Questão Religiosa de 1874 e a separação final entre a Igreja e o Estado.127

Detalhes deste embate, cujo resultado é a separação Igreja e Estado,

serão trabalhados no capítulo terceiro

A separação entre Igreja e Estado foi recebida pelo episcopado brasileiro

de forma ambígua. Primeiro, houve uma reação violenta contra o Decreto de

Separação e a sua inserção na Constituição de 1891, como se pode ver na Carta

de Dom Macedo Costa, líder do episcopado brasileiro. Em seus comentários ao

Decreto de Separação ele afirma o seguinte: “não desejo a separação, não dou

um passo, não faço um aceno para que se decrete no nosso Brasil o divórcio

entre o Estado e a Igreja”128.

Na primeira carta pastoral após a separação, os Bispos reafirmam a

posição contrária, apoiados no princípio dogmático da Igreja Católica, única e

universal, cujo poder, recebido de Cristo, é superior a todos os outros poderes

que a ela devem ser submissos.

Por outro lado, na mesma carta, se regozijam pela libertação que lhes

trouxe o fim do padroado, que sacudiu o jugo que atrelava e submetia a Igreja ao

poder temporal.

127 Thomas BRUNEAU, O catolicismo brasileiro em época de transição, p. 57. 128 Cf. Pedro Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 269.

77

Ainda nesta mesma carta, oferecem colaboração ao Estado, desde que

este respeite os seus direitos129. Por isso, contraditoriamente, a Igreja quer voltar

ao cenário de influência e de privilégios que mantinha no Bloco Histórico Colonial

e Imperial, perdido com o advento da era Republicana. Depois de longo período

de reforma e fortalecimento interno, a Igreja volta a recuperar sua influência e

parte dos privilégios, através da hábil liderança de Dom Leme (durante o governo

de Vargas), que promulgou, em 1934, a segunda Constituição republicana. Nesta,

a Igreja Católica é contemplada com vários favores, entre eles a volta do ensino

religioso na escola pública. Mas, desde então, ele reaparece de maneira

ambígua: obrigatório para a instituição escolar e facultativo para o aluno.

A razão dessa ambigüidade será analisada no capítulo terceiro. Mas desde

já se percebe que as crises e o mal-estar acompanham o ensino religioso desde a

Colônia, passando para o Império, até a República e ainda rebatem nos dias

atuais.

Antes de encerrar este capítulo, recorremos a Gramsci, para explicar duas

coisas. Primeiro, porque a igreja católica, no Bloco Histórico Republicano, entra

em crise, mas consegue dar a volta por cima.

A explicação que ele dá está no espírito de luta e organização da Igreja.

Diz ele:

Esta luta não ocorreu sem graves inconvenientes para a própria Igreja, mas esses inconvenientes se conectam com o processo histórico que transforma toda a sociedade civil e que contém, em bloco, uma crítica corrosiva das religiões; esta luta faz ressaltar a capacidade organizativa na esfera da cultura do clero e a relação abstratamente racional que, no seu entorno, a Igreja soube estabelecer entre os “intelectuais” e os “simples”130.

A força das religiões e da Igreja Católica, de onde vem e o que mira? Eis a

resposta de Gramsci:

A força das religiões especialmente a Igreja Católica constitui e consiste em que elas sentem energicamente a necessidade de união doutrinal de toda a massa “religiosa”

129 Cf. Trechos dessa carta em Pedro Ribeiro de OLIVEIRA, Religião e dominação de classe gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p. 270. 130 Gramsci, Quaderni del-carcere, Vol. II, p. 1381,

78

e lutam para que os estratos intelectualmente superiores não se separem dos inferiores. A Igreja romana sempre foi a mais tenaz na luta para impedir que “oficialmente” se formem duas religiões a dos intelectuais” e a das “almas simples”131.

A segunda questão que requer uma explicação à luz de Gramsci é a

seguinte: porque o estado laico passa a admitir o ensino religioso no espaço

público da escola?

Gramsci vê com muita argúcia a raiz dessa contradição. Em um texto dos

Quaderni ele critica o filósofo italiano Benedetto Croce que, como ministro do

governo italiano, entra em contradição com seus princípios liberais e anti-

religiosos e introduz na escola de primeiro grau (ensino fundamental), “o ensino

de religião confessional”. E diz que isso acontece porque a ideologia liberal “não

consegue se transformar em um elemento pedagógico nas escolas elementares”.

Esta ideologia não tem capacidade de se expandir nas grandes massas, tem um

caráter restrito às elites132.

E continua fazendo uma crítica às filosofias imanentes (Positivismo,

idealismo, liberalismo, iluminismo, laicismo), por não ter capacidade de penetrar

nas massas populares. Diz ele:

Uma das maiores fraquezas das filosofias imanentes em geral consiste justamente em não terem sabido criar uma unidade ideológica entre os segmentos inferiores e superiores, entre os “simples” e os intelectuais. Na história da civilização ocidental, este fato verificou-se no âmbito europeu com o fracasso imediato do Renascimento e, em parte, também da reforma, em confronto com a Igreja romana. Esta fraqueza se manifesta na questão escolar porquanto as filosofias imanentistas nem sequer tentaram construir uma concepção que pudesse substituir a religião na educação infantil; daí surgiu o sofisma pseudo-historicista pelo qual os pedagogos a - religiosos (a - confessionais) e, na realidade, os ateus, fazem concessão ao ensino da religião, alegando que a religião é a filosofia da infância da humanidade, que se renova em toda infância não metafórica133.

131 Ibid., p.1380-1381, (tradução nossa). 132 Cf. Quaderni, Vol. II, p. 1231-1232, (tradução nossa). 133 Cf. Ibid., p. 1381, (tradução nossa).

79

No Bloco Histórico Republicano, após a laicização do Estado e a sua

desvinculação da Igreja Católica, teria desaparecido o legado da negação da

alteridade que caracterizou a catequese do período colonial?

As várias vicissitudes que marcaram o ensino religioso desde o início do

período Republicano até nossos dias, em que ele surge como uma disciplina

obrigatória na grade curricular do Ensino Fundamental Público, já teriam

produzido um ensino religioso satisfatório na atualidade ou as contradições que

marcaram esse ensino na Colônia, no Império e na República continuam coibindo

a caminhada em busca de uma concepção dessa disciplina que responda às

exigências da atualidade? Esta questão será objeto dos capítulos segundo e

terceiro.

80

CAPÍTULO II - O ENSINO RELIGIOSO NA ATUALIDADE: o desconforto e o mal- estar revelados nos dados da pesquisa.

O capítulo primeiro permitiu construir uma narrativa histórico-evolutiva

como esforço de buscar as raízes da problemática do ensino religioso na

atualidade, ou seja, a simbiose Estado e Igreja através do regime de padroado,

uma aliança que rendeu ao governo português uma série de concessões e

licenças, responsáveis por seu fortalecimento e pela moldagem da mentalidade

sob a qual se implantou a catequese no Brasil.

A catequese religiosa e a expansão ultramarina constituíram uma relação

circular que, em seu conjunto, se situava na confluência de interesses do Estado

e da Igreja, cuja complexidade perdurou por séculos, sendo o regime de padroado

uma manifestação daquilo que, no decorrer do tempo, se configuraria como elo

entre o laico e o religioso.

Este segundo capítulo apresenta a pesquisa de campo realizada com o

objetivo de localizar os pontos responsáveis pela crise generalizada que aflige o

ensino religioso na atualidade. Para essa localização do mal-estar no ensino

religioso, a pesquisa de campo foi convalidada em seis momentos, por meio de

quatro procedimentos metodológicos de investigação: entrevista semi-estruturada,

questionário fechado, questionário misto e o questionário aberto.

A pesquisa de campo foi realizada no período de dezembro 2004 a março

de 2006. O critério de escolha dos informantes deveu-se à vinculação mais

significativa que têm com o problema investigado: pais, diretores de escolas,

professores e alunos. Os informantes autorizaram o uso dos dados sob a

condição de permanecerem no anonimato. Por esta razão, criamos pseudônimos

para identificá-los.

Em todas as etapas da pesquisa, procuramos fazer emergir diretamente

dos procedimentos adotados às informações que nos permitissem localizar os

principais pontos em torno dos quais aparecem elementos indicadores do mal-

estar no ensino religioso. Neste sentido, entendemos que a entrevista apresentou-

se como a técnica mais adequada ao início de nossa pesquisa de campo e que

nos possibilitaria um olhar mais cuidadoso e vasculhador sobre nosso objeto de

estudo.

81

2.1 - A entrevista semi-estruturada134.

Ao iniciar a busca dos dados sobre o mal-estar do ensino religioso, a

entrevista se constituiu um canal eficaz para nos situar e dar continuidade ao

processo investigativo das informações relativas aos sintomas de mal-estar do

ensino religioso.

Partimos de um questionário previamente formulado com perguntas

abertas que permitiram detectar informações contidas na fala dos professores

entrevistados, os sujeitos da pesquisa que vivenciam a realidade que está sob

investigação. Sua forma de realização foi de natureza individual, com perguntas

numeradas de 1 a 11 (Anexo nº 01), para que os entrevistados pudessem

responder livremente sobre o tema proposto.

Para esclarecer os dados da entrevista referentes às crises do ensino

religioso, nos apoiamos em Gomes quando este fala sobre a interpretação dos

dados, entendendo que análise e interpretação estão contidas no mesmo

movimento: o de olhar atentamente para os dados da pesquisa135.

Essa dinâmica, que envolve a coleta de dados referente ao ensino religioso

no Brasil, captou relevantes pontos que permitiram compreender as tendências de

origem que permanecem no ensino religioso na atualidade. Os pontos de maior

incidência e ênfase foram colhidos de três entrevistados que apontaram o caráter

complexo do “conhecimento, adequação e efetividade da legislação”. Os profissionais entrevistados, todos engajados no ensino religioso,

reconheceram a importância de se trabalhar, em sala de aula, a perspectiva

pedagógica articulada a partir da nova LDB. Todavia, levantaram

questionamentos sobre as formas de se conceber a legislação em vigor, sobre

suas orientações, exigências, aplicabilidade, conquistas e perdas educacionais.

Até mesmo a ambigüidade da Lei foi questionada.

As entrevistas geraram reflexões vinculadas à temática do Art. 33 da Nova

LDB quanto à sua inadequação à prática escolar, pois estabelece uma postura 134 Segundo Otávio CRUZ NETO, torna-se possível trabalhar com as entrevistas abertas ou não-estruturadas, situação na qual o informante aborda livremente o tema proposto, bem como as estruturadas, que pressupõem perguntas, previamente formuladas. Há formas, no entanto, que articulam essas duas modalidades, caracterizando-se como entrevistas ‘semi-estruturadas’. 135 Remeu GOMES, A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: Maria Cecília de Souza MINAYO (org), Pesquisa social: teoria, método e criatividade, p. 68.

82

dual: obrigatória para a escola e facultativa para o aluno136. Essa realidade nos

leva a afirmar que a temática da Nova LDB impõe problemas ao ensino religioso,

que transcendem a realidade da escola. Talvez por isso, recorrentes opiniões

acompanharam a temática em questão e enfatizaram a necessidade de se

compreender a natureza e os objetivos da mesma, que se apresentam como uma

reflexão pouco aprofundada para a consecução dos objetivos propostos. Um dos

entrevistados concebe que:

O ensino religioso passa por transformações profundas. A Nova LDB em seus dispositivos contempla o ensino religioso em seu art. 33, todavia, não há interesse para um estudo e a comunidade escolar não conhece a lei. Suas orientações não foram discutidas, logo, suas exigências não foram colocadas em prática137.

A crise acima assinala a dificuldade de se adequar a lei à prática, pois,

mesmo sob regulamentação legal, no efetivo exercício as condições reais acabam

condicionando o professor da disciplina de ensino religioso a fazer ao contrário do

que a lei prevê e orienta. Por conseqüência, nos deparamos com a dificuldade de

se implantar o ensino religioso tal como ele precisa ser trabalhado. Seja pela

carência de professores especializados na área, seja pela falta de conhecimento

da lei, a escola acaba adequando a legislação conforme a própria capacidade de

resolver o problema, o que nem sempre é satisfatório, pois acaba prejudicando o

aluno e o próprio professor da disciplina de ensino religioso138.

Tal incoerência leva a afirmar que há outro ponto responsável pelo mal-

estar do ensino religioso, ou seja, a comunidade não conhece a lei139. Portanto, há

necessidade de estudar a lei em questão, pois suas orientações não foram

discutidas, logo, suas exigências não foram colocadas em prática.

O desconhecimento do que preconiza a lei brasileira para o ensino religioso

nas escolas, foi sublinhado pelos entrevistados com o seguinte alerta: nem todos

os professores conhecem bem a lei, em especial o artigo 33 da Nova LDB que

trata do ensino religioso140. Essa carência de conhecimento decorre da “falta de

136Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 04. 137 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 29. 138Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 29. 139Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 5. 140 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 29.

83

adequação das exigências da lei à prática do ensino religioso”. Tal problemática

foi observada por um dos entrevistados no seguinte comentário:

Suas orientações não foram interpretadas, logo suas exigências não foram colocadas em prática. O ensino religioso cria certa confusão no sentido de adotar duas posturas. A maneira como o ensino religioso é preconizado em lei quando diz que é obrigatório para a escola e facultativo para o aluno. É difícil adequar a lei à prática. No momento em que a lei afirma que o ensino religioso é obrigatório para a escola e facultativo para o aluno, compromete toda uma estrutura de trabalho.141

Na coleta de informações sobre o conflito entre a obrigatoriedade do ensino

religioso para a escola e seu caráter facultativo para o aluno, em suas

argumentações, os entrevistados julgaram a aplicação da lei na prática tão

confusa a ponto de não ajudar no bom desempenho da disciplina.

Os três entrevistados confirmaram o desassossego no ensino religioso, ao

opinar sobre a Nova LDB. Mani argumenta:

Na minha opinião o mal-estar do ensino religioso está justamente nessa lei que torna a interpretação difícil: como pode ser facultativa para o aluno e obrigatória para a escola? Ela influencia em toda a estrutura de trabalho do professor e no próprio andamento da escola. E acrescenta: As orientações contidas no art. 33 da Nova LDB no que diz respeito ao ensino religioso, a meu ver, são confusas e não ajudam ao bom desempenho na escola. Quando diz que o ensino religioso é obrigatório para a escola e facultativo para o aluno, está criando margem para sérios transtornos na vida escolar, para o professor e sobretudo para o aluno.142

Outro entrevistado revelou mais um ponto de desassossego no ensino

religioso quando se referiu às implicâncias da lei que interferem no conhecimento

da programação da disciplina por parte do aluno. Ele questiona e argumenta o

seguinte:

Como pode o aluno fazer escolha para participar ou não das aulas de ensino religioso se não conhece a programação? Como pode o professor de ensino religioso

141 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 02, p, 17. 142 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 02, p 24.

84

apresentar a programação bimestral ou anual, se nunca fez um curso e muito menos tem formação específica para esta área? A meu ver é urgente uma boa formação para o professor que administra esta disciplina tão importante para a vida da pessoa humana.143

As formas de conceber, interpretar e aplicar os dispositivos da lei que

regulamenta o ensino religioso, segundo a concepção dos entrevistados, pode

provocar resultados inesperados, com conseqüências negativas, quanto à

proliferação de pontos negativos. Eles entendem que a maneira como o ensino

religioso é contemplado na Nova LDB provoca uma cascata de pontos negativos

na vida do educando e na instituição escolar, em razão do modo pelo qual é

conduzida a disciplina, ou seja, obrigatória para a escola e facultativa para o

aluno144.

A questão da nomenclatura é outro sintoma de inquietação do ensino

religioso. Constatou-se na fala dos entrevistados que o nome “ensino religioso”

causa conflito. Sua interpretação parece estar longe do que preconiza a lei

“Ensino”- Como ensinar religião?145.

Este nome, segundo Igor Mani, passa uma visão de “ensinar religião” Isto

pode lembrar ensino de uma religião146. Os entrevistados se mostram, portanto,

incomodados em relação à nomenclatura porque sua interpretação pode conduzir

à escolha de temas e abordagens específicas de um determinado segmento

religioso, situação bem diversa do que se pretende com o ensino religioso na

escola.

É interessante considerar que essa nomenclatura vem acompanhando a

história do ensino religioso no Brasil, conforme cada um dos desdobramentos

específicos de cada período histórico.

Ao discorrer sobre a Lei que regulamenta o ensino religioso nas escolas,

houve ênfase negativa em relação à mesma. Todavia, ouvindo a argumentação

de outro entrevistado, encontramos aspectos também positivos. De acordo com

Karoline Mok,

143 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 03, p. 29. 144 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 6. 145 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 02, p. 18. 146 Ibid., p. 25.

85

O ensino religioso é indispensável para a formação humana. Ele faz o resgate de valores e é através desta disciplina que buscamos nossas raízes culturais. Eu percebo que estas questões, bem trabalhadas, levam a respeitar a diversidade religiosa nos alunos. Desta forma, os educandos só teriam a ganhar. O ensino religioso permite fazer o resgate da fé e da esperança no humano147.

É importante perceber, nos relatos, que as opiniões dos entrevistados se

repetem, possibilitando-nos, assim, uma melhor compreensão dos pontos de

estrangulamento, responsáveis pelas crises e dos pontos positivos que circundam

o ensino religioso. Karoline Mok entende que:

O ensino religioso é a disciplina que leva o educando a cultivar o respeito com os que praticam outras religiões, conhecer melhor a sua própria religião e também perceber pontos importantes que convergem nas religiões. Ao meu ver, os conteúdos do ensino religioso ajudam a promover a paz na sociedade, constróem esperança no educando, e lhe dá sentido e respeito à vida148.

Os resultados das entrevistas confirmaram nossa escolha por esta técnica

de pesquisa, pois através delas obtivemos informações relevantes sobre a

importância do ensino religioso nesse novo paradigma, que o prevê como

disciplina curricular das escolas de ensino fundamental. Em suas falas os

entrevistados afirmaram que:

O ensino religioso passa por transformações profundas. Não surpreendem, por isso, as dificuldades encontradas quando se procura estudar a legislação. Suas orientações não foram discutidas, logo suas exigências não foram colocadas em prática. Há necessidade de se esclarecer suas orientações, que permitem ao ensino religioso ser visto sob outro prisma. Através do ensino religioso buscamos nossas raízes culturais, que nos levam a perceber e a respeitar a pluralidade, própria da sociedade brasileira. Ele proporciona conhecimento do fenômeno religioso, zelar pelos valores, dar sentido à vida e conduzir tanto a vida pessoal como a vida da sociedade para valores perenes149.

147 Karoline MOK, Entrvista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 6. 148 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 30. 149 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº.2, p. 20.

86

Conforme os entrevistados, há uma inadequação da Lei em relação à

prática escolar150; bem como há necessidade também de se esclarecer o papel do

ensino religioso na escola como disciplina regular. Sobressai nos relatos um

alerta para o risco de se colocar o ensino religioso na grade curricular, preterindo

sua especialidade.

De acordo com Karoline Mok o mal-estar está em se transformar o ensino

religioso em uma matéria como outra qualquer, fria, calculista”151. Esta forma de

pensar tem influência na valorização do professor de ensino religioso como

profissional, o que pode interferir nas condições psicológicas e sociais em que se

exerce a docência.

Ao indagar sobre possíveis fatores que contribuem para detectar a auto-

imagem do profissional, aspecto que poderia configurar a presença de mal-estar

no ensino religioso, obtivemos o seguinte depoimento:

Sinto que não existe valorização do profissional do ensino religioso. Não há consideração pela disciplina. O ensino religioso não tem apoio, gerando uma insegurança e uma desvalorização do mesmo. O professor perde o estímulo quando percebe que apesar de sua boa vontade os alunos não apreciam as aulas de ensino religioso.152

Este ressentimento velado, abafado, que vai se produzindo no ambiente

escolar, provoca inquietação nos profissionais da área, quando professores de

outras áreas assumem a disciplina de ensino religioso, sem preparo específico

para o mesmo, comprometendo, neste caso, a imagem da referida disciplina. Esta

situação ficou evidente no discurso de Igor Mani:

Pessoas sem conhecimento da área aceitam assumir a disciplina, não por amor à causa, mas para aumentar a carga horária. Os conteúdos específicos de ensino religioso não são trabalhados. Isto desgasta a imagem do ensino religioso e faz supor proselitismo. Quando trabalhado por professores de outras disciplinas, que não têm o conhecimento dos conteúdos específicos em ciências da religião, é um repasse de conteúdos catequéticos. Isto prejudica os alunos e causa mal-estar aos próprios

150 Karoline MOK, Entrvista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 4. 151 Karoline MOK, Entrvista semi-estruturada, fichário nº, p.14. 152 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada; fichário nº.2, p. 21.

87

professores da área de ensino religioso. Impedem o professor da área de progredir profissionalmente.153

As entrevistas acenaram também para as dificuldades salariais enfrentadas

no exercício da profissão, e revelam uma crítica à interpretação dada por pessoas

despreparadas, que entendem a profissão do professor de ensino religioso como

“missão”, descaracterizando-o, assim, do caráter da relação de trabalho. Assim

desabafa um dos entrevistados: “A gente não consegue se sustentar

economicamente com uma carga horária tão baixa”154.

Sendo assim, podemos inferir que o reconhecimento da identidade do

profissional é mais amplo que o próprio trabalho, pois está intimamente associado

a outros espaços de legitimação de saberes e de competências nos sistemas de

ação.

Constatou-se nas entrevistas um segundo leque de mal-estares

perceptíveis no espaço escolar, quando os informantes questionaram a

dificuldade de implantar a disciplina de ensino religioso, conseqüente da escassez

de professores com formação específica em Ciências da Religião155.

Enfatizaram ainda os entrevistados que a disciplina exige muito

conhecimento religioso e uma cultura geral. Neste contexto, os saberes que a

Ciência da Religião veicula em nosso país, representam um dos frutos mais

recentes na árvore do conhecimento, ao oportunizar um novo olhar sobre as

religiões, o que requer um diálogo com diferentes saberes para que se possa

compreender o próprio universo.

Outro aspecto de mal-estar no ensino religioso, revelado pelos

entrevistados, também nos chamou a atenção. Os participantes da pesquisa se

ressentem do número reduzido de aulas de ensino religioso e, às vezes, as

passam para profissionais de outras áreas, como complemento da carga

horária156. São estes profissionais, pela própria inexperiência, os responsáveis

pelo ensino proselitista157.

Sobre este assunto, assim se expressa Ivoni Sá:

153 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº.2, p. 23. 154 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 32. 155 Questionário de perguntas abertas, passim. 156 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 23.. 157 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 13.

88

A gente não consegue se sustentar economicamente com uma carga horária tão baixa. Estes problemas geram insegurança. Esta é, decorrente também da falta de conhecimento que automaticamente gera a desvalorização, o pouco respeito como profissional e não conseguimos motivar o aluno158.

As observações dos entrevistados direcionaram-se também para a

carência de material com linguagem apropriada e conteúdo específico159,

destacam ausência de planos de trabalho político-pedagógicos160 e deixam claro

que, além das dificuldades salariais, há interferência política quanto à indicação

de coordenadores regionais e do Estado. A esse respeito, o que causa

desassossego é o fato de os coordenadores indicados não possuírem os

conhecimentos específicos da área161.

Foi possível perceber que a imagem formada pelo professor sobre sua

profissão está condicionada pela exigência de posturas requeridas pela

sociedade. Ela está, portanto, aquém do ideal da função do professor, requerido

pela comunidade escolar, pela família e por ele próprio. Isto remete a um nível de

tensão que ocasiona estresse elevado, comprometendo, assim, a eficiência do

docente e prejudicando sua eficácia no trabalho.

A profissão de trabalhar com o ensino religioso às vezes é confundida não como profissão, mas estado de vida. É lógico que daí surgem dificuldades que repercutem no salário em primeiro lugar. A carga horária reduzida, uma aula por série por semana, dificulta muito o aprendizado do aluno, traz conseqüências para o professor não só no aspecto econômico, mas também no aspecto pedagógico, bem como tem dificuldade de animar os alunos e avançar no ensino162.

O conhecimento e a necessidade de formação específica do professor de

ensino religioso estão contemplados na Nova LDB, e os próprios entrevistados

afirmam que a Nova Lei requer uma formação adequada para os professores.

Todavia, o docente se diz carente de melhor qualificação, ao afirmar que:

158 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 32. 159 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 14. 160 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p 34. 161 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 13. 162 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº.2, p. 26.

89

A Nova LDB cria necessidade de zelar pela formação do professor. Ensinar ou aprender religião é diferente de aprender o que é específico de uma confissão religiosa. Então, como o conhecimento, hoje, é muito informativo, objetivo, sinto necessidade de entender e trabalhar com um conhecimento mais amplo como requer o ensino religioso163

A a carência de material com linguagem apropriada e conteúdo específico

constituiu uma das principais fontes de preocupação do professor de ensino

religioso, visto que o tema foi constante, conforme se pode depreender das falas

dos entrevistados que afirmam:

É muito difícil exercer a profissão de professor de ensino religioso pela falta de formação que sinto. Se o professor não tem conhecimento dos conteúdos específicos, ele segue a formação de berço dentro dos conhecimentos de sua religião e vai prejudicar a formação dos alunos, uma vez que este profissional não possui a formação específica para trabalhar o ensino religioso. Confundem o ensino religioso com ensino de uma religião e, com isso, se limitam a trabalhar o que eles sabem.164

Os professores também revelaram os desafios encontrados no exercício da

profissão. Além das instâncias atingidas pelo dispositivo legal, que exigem uma

radical transformação na maneira de compreender e administrar a disciplina, eles

se defrontam ainda com dificuldades relativas ao conceitual epistemológico e com

os limites ideológicos de nossa cultura, profundamente influenciada pelo

Cristianismo, fator que muitas vezes impede uma visão pluralista da realidade

social, estabelecendo, assim, uma tendência de volta à catequese.

Nos relatos, um dos entrevistados discorreu sobre a formação do professor

de ensino religioso e expressou a seguinte opinião: Percebo que é muito importante a formação específica para o professor de ensino religioso. O professor que não tem formação específica em Ciências da Religião, se limita a transmitir e a trabalhar o que ele sabe. Daí porque trabalha catequese como ele recebeu. Este professor não tem o conhecimento do que realmente deve trabalhar, desta forma, ele não trabalha com ensino religioso, mas com catequese, voltada assim para uma confissão religiosa. Quando o professor de ensino religioso não tem o conhecimento dos conteúdos, o aluno não é motivado,

163 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 6. 164 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 36.

90

acaba não gostando das aulas. Mais do que qualquer outra disciplina, o ensino religioso exige muito conhecimento não só religioso, mas de cultura geral.165

Observa-se, nas manifestações dos professores, que as exigências da

nova LDB provocaram a necessidade de estudos e aperfeiçoamento na área,

oportunizando um novo olhar sobre a disciplina no contexto do atual pluralismo

religioso.

A falta de conhecimento da área traz insegurança. Isto vem confirmar que a LDB supõe um novo paradigma, provoca novo olhar ao ensino religioso. Ela evidencia que agora é indispensável contemplar as diferentes culturas, em sala de aula, onde a diversidade se faz presente e a pluralidade cultural muitas vezes tem sido ignorada, silenciada, ocorrendo manifestações discriminatórias entre os alunos e até entre os professores.166

As entrevistas apontaram para a importância do conhecimento dos

conteúdos do ensino religioso e afirmaram que a carência deste cria

“estereótipos” ao perfil do professor, quando há falta de valorização profissional.

O ensino religioso é uma disciplina que exige muito conhecimento. A falta de conhecimento da área traz uma insegurança, isto vem confirmar que a LDB supõe um novo paradigma, provoca novo olhar ao ensino religioso. Portanto o novo contexto de ensino religioso exige uma formação contínua. Nesse aperfeiçoamento continuum emerge minha segurança..167

Percebeu-se, na repetição das falas, que a transposição didática dos

conteúdos das Ciências da Religião para o ensino religioso constitui um desafio168.

Assim, as investigações revelaram impasses e dilemas vivenciados pelos

professores de ensino religioso, diante das formas plurais de uma cultura, às

quais esta disciplina não consegue se adequar, por manter, ainda, a herança e o

mito da homogeneidade.

165 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 7. 166 Ibid., p. 8. 167 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 01, p. 8. 168 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 37.

91

Alguns docentes são sensíveis aos enfrentamentos inerentes à mudança

que exige “um ouvido diferente e um olhar profundo”. No clima das incertezas que

permeiam nossos dias, um dos entrevistados afirmou:

Existe um mal-estar presente no ensino religioso. É uma crise ideológica de identidade que a modernidade nos legou onde não sabemos mais para que lado andar. Há uma mentalidade de salvação, mas também de destruição. Nesta incerteza do dia-a-dia, a vida agitada, o acúmulo de informações provoca angústia, acaba fazendo com que não se dê ouvidos nem olhos para ver o que o ensino religioso pode provocar no educando. O professor de ensino religioso necessita um ouvido diferente e atento, um olhar profundo, um sentimento muito humano para cultivar a própria religiosidade e contemplar a do outro. Com o ouvido atento e coração compassivo é evidente a necessidade de um método diferente para se trabalhar o ensino religioso.169

Os entrevistados ressaltaram a carência de material didático pedagógico

específico à área de ensino religioso, fator que compromete o alcance das metas

propostas para esta disciplina:

Há carência de material que contemple as diversas tradições religiosas com uma linguagem que responda às exigências do mundo atual. A inexistência de material pedagógico impede o educando de interagir nas diferentes realidades do meio em que vive. A existência do mesmo, além de auxiliar o aluno na sua aprendizagem, auxilia o professor na autoconfiança como educador. Se o professor não tem a formação específica, mas se tem material à disposição, pode haver certo equilíbrio no rendimento da aprendizagem que supre a falta de conhecimento específico da matéria.170

Conforme se pode depreender destas observações, faz-se urgente a

produção de material apropriado com linguagem acessível e que aborde

conteúdos capazes de auxiliar na elaboração do planejamento do ensino religioso

com objetivos claros. A entrevista revelou a dificuldade dos professores em

elaborar o planejamento de forma clara e com uma seqüência lógica que facilitem

a prática docente no cotidiano da sala de aula171. Este requisito, se cumprido, faz

com que o professor de ensino religioso encontre a satisfação de ensinar.

169 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 14. 170 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 20. 171 Ibid., p. 26.

92

Essa afirmação e a que segue convergem para a necessidade de

atualização constante de material didático.

Uma das dificuldades que encontro nas aulas é a falta de material didático. Não se encontra conteúdo de ensino religioso que venha ao encontro das necessidades desta pluralidade religiosa. Daí porque se cai nos conteúdos bem mais direcionados para uma determinada religião.172

Ao longo das entrevistas foi possível notar que o Plano político-pedagógico

se caracteriza como um dispositivo burocrático perante a administração escolar, e

que nem todos os professores participaram de sua elaboração: “Onde eu trabalho

existe um plano político-pedagógico, onde o ensino religioso é citado brevemente,

mas não aparece como parte complementar do projeto pedagógico”173.

Dessa afirmativa emergiu outra argumentação:

Não há participação efetiva dos professores na elaboração do plano político-pedagógico da escola e na elaboração dos conteúdos. O ensino religioso exige um conhecimento amplo e formação humana e religiosa174.

Na opinião a seguir, percebe-se um conjunto de argumentações

reveladoras de exigências para o bom desempenho no processo didático-

pedagógico, situação diretamente relacionada com a qualidade do material

didático:

Há carência de material com conteúdos de ensino religioso que venha ao encontro das necessidades desta pluralidade religiosa. Daí, porque, se cai nos conteúdos bem mais direcionados para uma determinada religião175.

Na medida em que o ensino religioso configura um processo não

concluído, compreender a lógica, as contradições e a dinâmica de implementação

das reformas significa adentrar num caminho sinuoso. A respeito desta questão,

os entrevistados revelaram também o impasse quanto às interferências políticas

172 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 32 173 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº.2, p. 22. 174 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 33. 175 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 32.

93

que atrapalham, e até impossibilitam trilhar esse percurso de busca por reformas

que oportunizem a afirmação do ensino religioso como disciplina necessária à

formação do educando:

Existem situações em que a interferência política aparece visível também no ensino religioso quanto à indicação de coordenações, na maioria das vezes pessoas despreparadas, tanto nos conteúdos como na falta de conhecimento da lei e, o que é mais prejudicial ainda, quando apelam pela própria formação religiosa, num sentido mais fundamentalista e até proselitista176.

Mediante as colocações dos entrevistados, somos levados a deduzir que

não é fácil traçar uma diretiva para o ensino religioso, que seja capaz de superar

o proselitismo, conforme requer a laicidade do Estado brasileiro. Essa visão está

expressa no pensamento de Karoline Mok:

Na história sabemos da experiência de Deus feita de diferentes maneiras por diferentes pessoas como é o caso de Catarina de Sena, São Francisco, Santo Antônio e outros. Todos com a mesma experiência do transcendente, mas cada um dentro de sua especificidade, levaram a uma única transcendência. Copos diferentes, mas a água era a mesma. Então, quem pode ensinar religião são aquelas que têm o desejo de contacto com o Transcendente, e não conhecimento meramente racional177,

Essa visão é indicativa da existência de um paradigma relativamente

recente, porém ainda carente de dinamização no espaço escolar, no qual aflora o

papel da escola como agente formador. No campo da política educacional, as

propostas e ideologias, por parte da escola, têm um peso significativo e por vezes

estranho, conforme se pode observar também na fala de Karoline Mok.

Há instituições de ensino que não dominam o conhecimento dos conteúdos e da exigência da Lei e acabam favorecendo um proselitismo, isto é, acabam exigindo conteúdos de sua própria tradição religiosa. Faz do ensino religioso uma doutrinação178.

176 Ibid., nº 3, p. 34. 177 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p, 12. 178 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 35

94

Tal depoimento evidenciou que, embora ocorram algumas discussões

teóricas sobre as formas de se conhecer a perspectiva pedagógica, articulada a

partir da nova LDB que orienta o ensino religioso, essa prática é bastante

acanhada. Vale ressaltar que, em suas falas, mais de uma vez os entrevistados

acenaram para a necessidade de profissionalização: “Quando trabalhado por

professores de outras disciplinas, que não têm o conhecimento dos conteúdos

específicos em Ciências da Religião, é um repasse de conteúdos catequéticos”179.

Ficou claro nas entrelinhas que há dificuldade para se modificar a estrutura

do modelo normativo, já cristalizado. Conclui-se então, segundo os entrevistados

que a disciplina de ensino religioso não se solidificou no espaço escolar180.

179 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p, 11. 180 Ibid., passim

95

2.2 - Questionário Fechado: Descrição dos dados, os números e os gráficos.

2.2.1 - Questionário: Pais de alunos do ensino fundamental.

1. Em sua opinião quanto à eficácia do ensino religioso que seu filho recebe na escola:

Sim % Não %

a) Oferece pistas para enfrentar os problemas da vida?

9 39 14 61

b) Leva a respeitar a religião do outro? 16 70 7 30

c) Ajuda a amar a própria religião? 11 48 12 52

d) O ensino religioso, como ministrado, é bom? 21 91 2 87

Total das respostas: 57 62 35 57

Demonstração Gráfica:

A eficácia do ER. na escola

57

35

0

20

40

60

80

Sim Não

Número de

respostas

Figura 1 – O ensino religioso na escola.

96

2. Quanto à influência na sua família, o ensino religioso:

Sim % Não %

a) Provoca interesse em conhecer mais a Religião? 15 65 8 35

b) Favorece o diálogo na Família e na Comunidade? 13 57 10 43

c) Permite consolidar a prática da própria religião? 19 83 4 17

Total das Respostas: 47 68 22 32

Demonstração Gráfica:

A influência E.R. na família

47

22

0

20

40

60

Sim Não

Número de respostas

Figura 2 – A influência do ensino religioso na família.

97

2.2.2 - Questionário: Diretores de escolas estaduais do Ensino Fundamental.

Assinale com "Sim" ou "Não" as questões abaixo.

1ª.: O ensino religioso em sua escola:

Sim % Não %

a) Favorece a harmonia entre os alunos? 21 70 9 30

b) Ajuda no plano político-pedagógico da escola? 15 50 15 50

c) Provoca atitude de respeito e diálogo? 24 80 6 20

Total de respostas: 60 67 30 33

Demonstração Gráfica:

O ER. na escola

Sim67%

Não33%

Sim

Não

Figura 3 – Aspectos positivos e negativos do ensino religioso

na escola.

98

2a.: Os conteúdos de ensino religioso discutidos nas aulas são:

Sim % Não %

a) Temas atrativos? 13 43 16 53b) Correspondem às expectativas dos estudantes 16 53 14 47

c) Provocam interesse pela Religião? 10 33 20 67

Total de respostas: 39 43 51 55

Demonstração Gráfica:

Conteúdos discutidos nas aulas de E.R.

39

51

0

20

40

60

Sim Não

Número de respostas

Figura 4 – Conteúdos discutidos nas aulas de ensino religioso.

99

3ª.: O ensino religioso na vida dos alunos:

Sim % Não %

a) Desperta o desejo de aprofundar a própria religião e conhecer as outras?

18 60 12 40

b) Desencadeia certo interesse frente à própria religião?

17 56 12 40

c) É desejado e se torna necessário? 22 73 8 27

Total das Respostas: 57 63 32 36

Demonstração Gráfica:

O ER. na vida dos alunos

57

32

0

20

40

60

80

Sim Não

Número de respostas

Figura 5 – O ensino religioso na vida dos alunos.

100

4ª.: O ensino religioso na vida da Comunidade:

Sim % Não %

a) Tem sua nova proposta curricular, conhecida? 8 27 22 73

b) A comunidade questiona essa nova proposta? 6 20 24 80

c) A comunidade está satisfeita com o ER. 21 70 9 30

Total das Respostas: 35 39 55 61

Demonstração Gráfica:

O ER. na vida da comunidade

35

55

0

20

40

60

Sim Não

Número de respostas

Figura 6 – O ensino religioso na vida da comunidade.

101

2.2.3 - Questionário: Estudantes do ensino fundamental

1ª: Seu relacionamento com os pais é:

Ótimo: 31 59,6 Bom: 14 26,9 Regular: 5 9,6 Difícil: 2 3,3 Total da Respostas: 52 100

Demonstração Gráfica:

Influência do ER. com os pais

Ótimo59%

Regular10%

Difícil4%

Bom27%

Ótimo Bom Regular Difícil

Figura 7 – Influência do ensino religioso na família

102

2a.: Quem mais colaborou até agora para a formação de sua vida?

%

1 Os pais 30 57,7 2 Os professores de ensino religioso 8 15,6 3 Os amigos 10 19,2 4 A Igreja 4 7,5 Total da Respostas: 52 100

Demonstração Gráfica:

O ER. na vida do aluno

30

810

4

0

10

20

30

40

1 2 3 4

Número de respostas 1

2

3

4

Figura 8 – Quem mais influenciou a formação do aluno para a vida.

103

3ª.: Quanto aos conteúdos de ensino religioso discutidos na aula:

Sim % Não %

a) Ajudam a entender melhor sua religião? 35 67 17 33

b) Há temas cansativos? 36 69 16 31c) Suscitam desinteresse em seguir sua religião? 30 58 22 42

Total das Respostas: 101 65 55 35

Demonstração Gráfica:

O ER. na sala de aula

35 3630

17 1622

0

20

40

a b c

Número de respostas

Positivo Negativo

Figura 9 – Aspectos positivos e negativos do ensino religioso

discutido em sala de aula.

104

4a.: O ensino religioso em sua vida:

Sim: % Não %

a) Despertou para o diálogo e respeito consigo e com os outros?

40 77 12 23

b) Melhorou o diálogo com os pais?

28 54 24 46

c) Despertou para o sentido da vida?

34 65 18 35

Total das Respostas: 102 65 54 35

Demonstração Gráfica:

O ER. na vida do aluno

40

28

34

12

24

18

0

10

20

30

40

50

a b c

Número de respostas

Sim

Não

Figura 10 – O ensino religioso na vida do estudante.

105

2.2.4 - Interpretação dos dados do questionário fechado.

O questionário fechado, realizado com pais de alunos do ensino

fundamental, diretores de escola e alunos teve por finalidade dar prosseguimento

à identificação de pontos que ocasionaram desassossego no ensino religioso.

Na leitura dos dados do questionário realizado com os pais de alunos, no

que concerne à 1ª. Questão, "Eficácia do ensino religioso", os aspectos positivos

montaram 57 das respostas.

Portanto, entende-se que os pais confirmam a eficácia do mesmo no

respeito pela religião do outro e no amor à própria religião, sendo este resultado

considerado bom. As 35 respostas negativas que colocam em xeque a eficácia do

ensino religioso, evidenciam que a eficiência desta disciplina vem sendo atingida

em termos razoáveis.

A segunda questão no que tange à influência do ensino religioso na família,

o subitem C, demonstrou que a maioria dos respondentes acreditam que o ensino

religioso permite consolidar a prática da própria religião. Isto evidencia que,

apesar da ambigüidade da legislação, item também apontado nas entrevistas, o

ensino religioso vem alcançando seus objetivos de maneira satisfatória.

Com os diretores das escolas de ensino fundamental buscamos identificar

dados que revelassem as causas do desassossego no ensino religioso. Na 1ª

questão, “ensino religioso em sua escola”, ficou visível nos três quesitos

pesquisados um aspecto positivo de 67%, enquanto o aspecto negativo foi de

apenas 33%.

Quanto à questão "Os conteúdos de ensino religioso discutidos nas aulas”

(2ª. questão), os aspectos positivos se revelaram em 39 respostas e, os negativos

em 51 respostas.

É preciso destacar, porém, que 55% dos entrevistados “não acham os

temas atrativos”, e que 67% do total de respondentes, acreditam que os

conteúdos ministrados em sala de aula ”não provocam interesse pela religião”.

Pode-se aferir, então, que os conteúdos carecem de melhor direcionamento,

considerando-se que 51% das respostas obtidas apontaram para falhas no ensino

religioso, no que diz respeito à influência deste na vida dos alunos, em

contraponto às apenas 39 respostas positivas, ou seja, que consideram os temas

106

atrativos, portanto, adequados à disciplina e suas metas no processo de ensino

aprendizagem.

No tangente à 3ª. Questão, "O ensino religioso na vida dos alunos",

observou-se uma relevância indiscutível da disciplina na vida dos alunos, uma vez

que os aspectos positivos representaram 57 das respostas positivas, enquanto

que as negativas somaram apenas 32. Evidencia-se nesta questão, o quesito C, o

"ensino religioso é desejado e se torna necessário", que alcança 73% de

confirmação positiva.

Todavia, outro dado a ser considerado é que “O ensino religioso na vida da

comunidade" apresenta 55 respostas negativas, número muito superior aos

positivos, que obtiveram apenas 35 respostas. Há de se observar que o "vilão"

dessa questão foram os itens (a) e (b), desconhecimento da nova proposta

curricular, introduzida pelo Artigo 33", da LDB em sua nova versão, que

apresentou uma nova dinâmica no ensino religioso.

Os dados apontam que, para os diretores, aos diretores a comunidade

aprova e está satisfeita com o ensino religioso na escola (70%), no entanto, as

respostas a esta mesma questão deixam transparecer que os mesmos se sentem

incomodados, porque a comunidade nem conhece e nem questiona a nova

proposta.

As respostas obtidas do questionário dos estudantes evidenciaram

resultados importantes quanto ao "Relacionamento com os pais", pois 86% dos

respondentes classificam esse relacionamento entre ótimo e bom.

Na questão sobre ”Quem mais colaborou na formação em sua vida” 58%

dos alunos entrevistados atribuíram esse aporte aos pais, 19% aos amigos e 16%

aos professores. A Igreja apareceu com 7,5% de influência na formação destes

educandos.

Em relação aos “Conteúdos do ensino religioso” (3ª Questão), os pesquisados

afirmaram que, apesar de os conteúdos trabalhados em sala de aula serem um

tanto ou quanto cansativos, eles ajudam a entender melhor a própria religião.

Cabe ressaltar na questão três, subitem C, o equilíbrio numérico das

respostas, porém, com visões bem diferentes, ou seja 58% dos alunos afirmaram

que os conteúdos suscitam desinteresse no seguimento da própria religião,

enquanto que, no questionário aplicado aos pais, 83% deles responderam na (2ª

107

questão) não haver desinteresse dos filhos. Aliás, segundo os genitores, o ensino

religioso permite consolidar a prática da própria religião.

Causaram-nos surpresa as respostas da questão 4, "A Influência do ensino

religioso na vida do aluno", pois, 77% dos entrevistados acreditam que o ensino

religioso despertou para o respeito consigo próprio e aos outros.

Pode-se afirmar, a partir da interpretação dessas respostas, que o ensino

religioso tem contribuído de forma especial na formação do caráter dos

estudantes e no que concerne ao seu relacionamento com as outras pessoas, ao

respeito a si e ao próximo. Também influencia no diálogo com os pais e desperta

os alunos para o sentido da vida.

Emergiu dos questionários dos pais, diretores e alunos, uma dissensão a

respeito dos diferentes aspectos visados pela pesquisa de campo. As respostas

contidas nesses instrumentos de sondagem permitiram coletar dados referentes

aos mal-estares do ensino religioso.

Ao interpretarmos as informações e confrontá-las com os resultados dos

demais instrumentos de pesquisa, notamos que em determinadas situações elas

se apresentam aparentemente contraditórias.

Na opinião dos pais, os conteúdos do ensino religioso, tais como são

ministrados na escola são bons181. Contudo, as respostas dos estudantes revelam

que os conteúdos do ensino religioso não despertam interesse pela disciplina nem

em seguir a própria religião182. Os diretores, quando questionados sobre o mesmo

tema, afirmaram que os conteúdos não correspondem às expectativas dos

estudantes183 e 67% dos mesmos, afirmam que os conteúdos de ensino religioso

não provocam interesse pela religião184.

As respostas dos três instrumentos de pesquisa levam a acreditar que,

apesar das referências desfavoráveis em relação aos conteúdos, o ensino

religioso enseja valiosas contribuições especificamente no que concerne ao

relacionamento dos educandos com os pais e amigos e, também, com a

comunidade.

181 Questionários aplicado aos pais, 1ª questão, item d. 182 Questionários aplicado aos estudantes, 3ª questão, item c. 183 Questionários aplicado aos diretores, 2ª questão, item b. 184 Ibid., item c.

108

Os questionários fechados apontaram para a necessidade de produção de

conhecimento através de pesquisas e estudos que desvelem as informações

sobre as causas dos mal-estares do ensino religioso. Um conhecimento que

avance no modo de apreensão das formas de pensar, sentir e agir dos

professores de ensino religioso. Faz-se, então, necessário explicitar esses mal-

estares, fato que remeteu à aplicação do questionário misto.

109

2.3 - Questionário Misto: Descrição dos dados, os números e os

gráficos.

2.3.1 – Estados onde obtivemos dados sobre o ensino religioso

LEGENDA

11. RJ 12. RO 13. RS 14. SC 15. SP

6. MG7. MS 8. PA 9. PB 10. PR

1. AP 2. BA 3. CE 4. GO 5. MA

Figura 11 - No mapa, a relação e localização dos Estados onde obtivemos dados

sobre o ensino religioso mediante os informantes da pesquisa que responderam

ao questionário misto.

110

2.3.2 - Ensino Religioso.

1a: Como você vê o E.R. quanto á:

Ótimo % Bom % Regular % Ruim %

a) clareza: 9 16 29 52 17 30 1 2 b) abrangência: 9 16 31 55 14 25 2 4 c) eficácia: 7 13 31 55 17 30 1 2 Total das Respostas: 25 15 91 54 48 29 4 2

Demonstração Gráfica:

Ótimo15%Regular

29%

Ruim2%

Bom54%

Ótimo

Bom

Regular

Ruim

Conteúdo programático

Figura 12 – Conteúdo programático do ensino religioso.

111

2.3.3 - Aceitação na grade curricular.

2a Questão:

Sim % Com reserva

% Não %

a) A disciplina é aceita na unidade escolar? 40 71 16 29 0 0

b) A Disciplina é aceita pelos alunos? 45 80 10 28 1 2

Total das respostas: 85 76 26 28 1 1

Demonstração Gráfica:

O ER. na grade curricular

85

26

10

20

40

60

80

100

Sim Com ressalva Não

Número de respostas

Figura 13 – Aceitação na grade curricular.

112

2.3.4 - Recursos pedagógicos disponíveis.

3a Questão:

Sim % Não % Ás

vezes % Nunca %

a) Existem recursos adequados?

19 34 29 52 5 9 3 5

b) Há interesse na aquisição dos mesmos pela escola?

18 32 11 20 14 25 13 23

c) E pelo Estado? 19 34 4 7 20 36 13 23 Total das Respostas: 56 33 44 26 39 23 29 17

Demonstração gráfica:

Recursos pedagógicos disponíveis

Não26%

Nunca17%

Às vezes23%

Sim34% Sim

Não

Às vezes

Nunca

Figura 14 – Recursos pedagógicos disponíveis.

113

2.3.5 - A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos.

4aQuestão:

Sim % Não % Ás vezes %

a) Os alunos são receptivos à Disciplina? 18 32 35 63 3 5

b) A Disciplina tem contribuído para o aprimoramento dos valores humanos?

31 55 20 36 5 9

c) A Disciplina tem propiciado o respeito à alteridade e a boa convivência?

29 52 22 39 5 9

Total das Respostas: 8 46 77 46 13 8

Demonstração gráfica:

Receptividade do ER.

78 77

13

0

20

40

60

80

100

Sim Não Às vezes

Número de respostas

Figura 15 – A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos.

114

2.3.6 - Realização profissional.

5a: Como você se sente, como professor(a) de E.R, no que concerne à:

Ótimo % Bom % Regular

% Ruim

%

a) Satisfação pessoal: 34 61 18 32 4 7 0 0 b) Valorização como profissional perante os demais professores:

16 29 17 30 22 39 1 2

c) Capacitação pessoal para o exercício da função:

20 36 31 55 5 9 0 0

d) Disponibilidade de oportunidades para o aperfeiçoamento profissional:

14 25 27 48 9 16 6 1

Total das Respostas: 84 38 93 41 10 18 2 3

Demonstração gráfica:

Realização profissional

Ótimo38%

Regul.18%

Ruim3%

Bom41%

Ótimo Bom Regul. Ruim

Figura 16 – Realização profissional.

115

2.3.7 - Mal-estar no ensino religioso.

6a: Assinale no rol das questões abaixo, quais os principais problemas que você detecta no ER.

No.

respostas %

1) Falta de valorização da disciplina, pela instituição de ensino. 22 6

2) Pouca valorização do professor, como profissional da educação. 30 9

3) Falta de conhecimento da legislação aplicável. 47 13

4) Ausência de uma programação efetiva de aprimoramento profissional por parte da Instituição de ensino. 35 10

5) Proposta curricular Estadual confusa. 29 8

6) Carência de material didático específico para a disciplina. 39 11

7) Insuficiência diretiva da legislação. 37 11

8) Remuneração não condizente com o esforço: 29 8

9) Falta de incentivo familiar na formação religiosa dos filhos: 25 7

10) Concessão de aulas de ER. a profissionais não qualificados: 38 11

11) Interferência politico-administrativa na coordenação da Disciplina: 19 5

Total de Respostas: 350 100

Demonstração gráfica:

Problemas no Ensino Religioso

22

30

47

3529

39 37

2925

38

19

0

10

20

30

40

50

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Número de respostas

Figura 17 – Problemas no ensino religioso.

116

2.3.8 - Pontos que merecem atenção especial.

7a Questão: Você percebe um mal estar em ensino religioso? Caso afirmativo, em quais situações?

Respostas %

1- A importância da disciplina na grade curricular.: 32 13 2- Obtenção de recursos didáticos: 26 11 3- Formação específica do professor de ER 41 17 4- Ausência de interesse dos pais: 18 7 5- Desconhecimento da Lei: 47 19 6- Clareza do papel das instituições no que diz respeito, à legislação aplicável ao ER. 34 14

7- Na competição entre as religiões: 22 9 8- No desrespeito quanto à liberdade religiosa: 26 11

Total das Respostas: 246 100

Demonstração gráfica:

Percepção do mal-estar no E. R.

3226

41

18

47

34

2226

0

10

20

30

40

50

1 2 3 4 5 6 7 8

Número de respostas

Figura 18 – Percepção do mal-estar no ensino religioso.

117

2.3.9 - Legislação aplicável.

8ª.:As exigências consideradas na Lei 9.475, de 22/07/1997, seu Artigo 33, estão sendo cumpridas?

Sim % Não % Em parte %

Total das Respostas: 10 17,8 18 32,1 28

50,1

Demonstração gráfica:

Cumprimento da Nova L.D.B.

Não 32%

Em parte50%

Sim18%

Sim Não Em parte

Figura 19 – Cumprimento da LDB.

118

2.3.9.1 - Pontos que indicam crises no ensino religioso.

8ь - Total de Respostas:

1- Clareza do papel das instituições. 5

2- Maior conhecimento da Lei 14

3-.Valorização do professor. 10

4-. Material específico para o ER. 6

5- Participação do CORER e CONER 1

6-. Mudança de nomenclatura 5

7- Formação dos professores 15

Demonstração gráfica

Pontos de "mal-estar"

5

14

10

6

1

5

15

0

4

8

12

16

20

1 2 3 4 5 6 7

Número de respostas

Figura 20 – Pontos que indicam crises no ER.

119

2.3.10 - Interpretação dos dados do questionário misto.

O questionário misto prosseguiu no mesmo objetivo da entrevista e do

questionário aberto: detectar os mal-estares do ensino religioso. Ficou

evidenciado que esse questionário foi aplicado com o propósito de captar, ampliar

e aprofundar a gama de informações já obtidas com os instrumentos anteriores. A

partir da leitura daqueles dados percebemos dissensões em alguns aspectos que

exigem mais esclarecimento.

Fez–se, portanto, necessário buscar um meio que nos remetesse a um

processo de aglutinação de indicadores, pela sua similaridade e

complementaridade ou contraposição, de modo a nos levar a uma melhor

indicação, que nos permitisse individualizar e localizar os principais mal-estares

no ensino religioso.

As pesquisas anteriores, em seu processo de aglutinação, revelaram dados

com informações aparentemente discordantes, e não obstante apresentaram uma

visão geral do ensino religioso, com resultados surpreendentes.

No questionário misto, foi possível observar que em relação ao Conteúdo

programático, o ensino religioso mostrou-se eficiente em todos os aspectos

pesquisados, com 69% de respostas obtidas entre ótimo e bom. As respostas

regular e ruim apresentaram quase um terço das freqüências, o que representou

menor efetividade, pois revela uma porcentagem relativa de respostas a serem

consideradas.

A questão, “aceitação na grade curricular”, demonstrou que o ensino

religioso está integrado, com 85 respostas positivas. As ressalvas ou

insatisfações somam 27 respostas.

Quanto aos “recursos pedagógicos disponíveis” (3ª questão), a pesquisa

revelou deficiência na disponibilidade dos recursos e no interesse na aquisição

dos mesmos, o que significa que aí está uma das fontes de mal-estar. Nessa

questão, quanto aos resultados esperados, a pesquisa revela um alto índice de

resultados negativos ou duvidosos.

Na receptividade do ensino religioso na vida dos alunos, a pesquisa

evidenciou que os alunos, em sua maioria, não são receptivos à disciplina de

ensino religioso; 35 deles assinalaram “não” contra 18 “sim”. Todavia, esse dado

parece contraditório, pois 55% afirmam, na mesma questão, que a disciplina tem

120

contribuído para o aprimoramento dos valores humanos, com 31 respostas “sim”

e 20 “não”; acrescenta-se, a esse número, as duvidosas, com 13 respostas.

Em termos de realização profissional, as respostas positivas (ótimo e bom)

indicam 79%. As respostas insatisfatórias (regular e ruim), entretanto, não são

desprezíveis, pois indicam insatisfação e mal-estar em 21% dos respondentes.

Na questão referente ao mal-estar no ensino religioso (6ª questão), a

demonstração gráfica evidenciou que todas as questões consideradas são, de

forma geral, igualmente importantes, haja vista a freqüência das respostas.

Os pontos de conflito referem-se aos subitens (3), falta de conhecimento da

legislação aplicável; ao item (6), carência de material didático específico para a

disciplina de ensino religioso; item (10), concessão de aulas a profissionais não

qualificados e (7), insuficiência diretiva da legislação. Os itens (3) e (7) permitem

localizar outro sintoma de mal-estar decorrente do desconhecimento da legislação

aplicável e insuficiência diretiva da legislação.

Novamente a pesquisa, quanto aos aspectos de desassossego, apresenta

pontos que merecem especial atenção (7ª questão), principalmente o item (5),

desconhecimento da lei, que se apresentou como o vilão do quesito (7), seguido

pelo (3), formação específica para o professor de ensino religioso, que obteve um

índice elevado de respostas. A surpresa fica por conta do subitem (4), ausência

de interesse dos pais, que indica, pela freqüência das respostas, o menor índice

de importância do quesito. Este último dado parece entrar em conflito com os

dados do item 1, da questão 2, do questionário aplicado aos pais, no qual os

genitores aparecem como os que mais influenciam na vida dos filhos.

A legislação aplicável (8ª Questão), com apenas 18% das respostas

favoráveis e 82% das respostas desfavoráveis “não” e “em parte”, além de

confirmar os dois itens anteriores (questão 6, item 3) e (questão 7, item 5) coloca

em relevo o mal-estar específico no que concerne à legislação aplicável ao ensino

religioso.

Finalmente, a justificativa às respostas "sim" ou "em parte", no enunciado

da questão 8ь185, na parte b da questão, as justificativas das respostas indicaram

185 Considerando o enunciado da questão 8ª que diz: Lei Nº 9.475 de 22 de julho de 1997, no ‘Art 33 – O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

121

pontos186 que possibilitaram detectar pontos que indicam sintomas de mal-estares.

As respostas apontaram para a complexidade da legislação em vigor, mais

especificamente para a necessidade de maior conhecimento da Nova LDB, no

aspecto que orienta o ensino religioso em sua aplicabilidade. As questões

compiladas evidenciaram também desassossego no que se refere à formação

específica do professor de ensino religioso.

Com o objetivo de fazer emergir novas leituras, obtendo maior clareza e/ou

confirmação das questões já reveladas nos instrumentos de pesquisa, aplicou-se

um questionário aberto a profissionais com formação específica em Ciências da

Religião.

2.4 - Questionário aberto: Interpretação dos dados.

O questionário aberto (Anexo Nº 06) aplicado a profissionais com formação

específica em Ciências da Religião, constituiu-se importante ferramenta para

convalidar, aprofundar e ampliar o processo investigado inerente ao

desassossego do ensino religioso. O questionário com perguntas abertas pode

ajudar-nos a reformular, em termos mais seguros, as questões referentes aos

mal-estares do ensino religioso, uma vez que nos conduziu à detecção das

causas que provocam essas crises, já confirmadas nos instrumentos de pesquisa,

que precederam a esse questionário aberto.

As informações ventilaram questões presentes nos questionários

anteriores, aludindo para a clareza e objetividade da legislação187, o conhecimento

específico para o ensino religioso188, a linguagem no ensino religioso como

mediação para comunicar, compreender e vivenciar a diversidade cultural, a

§ 1º- Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. 8ªa) Você acha que estas exigências estão sendo cumpridas? (Sim) ou (Em Parte) 8ªb) Se você respondeu Sim ou em parte, faça uma pequena justificativa dos pontos que interferem no bom andamento do ensino religioso. 186 Na questão 8ª (b) a fim de melhor esclarecer as respostas do item oitavo, sobre cumprimento da lei, as justificativas apresentaram os seguintes pontos: Clareza dos papéis das instituições. Maior conhecimento da Lei, Valorização do professor. Material específico para o ensino religioso. Participação CONER e CORER. Mudança de nomenclatura. Formação dos professores. 187 Questionário diretivo aberto, questão 6ª, item 6. 188 Ibid., questão 2.4.4. item a.

122

alteridade e a solidariedade; número reduzido de aulas; formação de professores

de ensino religioso com formação em Ciências da Religião189.

Os pontos de maior incidência nas respostas referiram-se ao conhecimento

precário do profissional de ensino religioso190 relativo à temática do artigo 33 da

Nova LDB, à inadequação da lei à prática escolar.

A pesquisa revela vários outros pontos de desassossego, dentre os quais,

a falta de material didático que contemple questões ligadas às várias religiões,

com linguagem não centrada em uma determinada denominação religiosa, que

obteve alto índice de respostas191. Vale lembrar que a temática, “formação do

professor de ensino religioso”, não se apresentou como questão nova, pois

também detectou-se como ponto sintomático nos demais instrumentos utilizados

na pesquisa.

Portanto, as respostas contidas no questionário aberto confirmam

situações já reveladas nos instrumentos de pesquisa aplicados anteriormente. Na

medida em que as perguntas vão sendo feitas diversas vezes, é que se torna

possível avaliar criticamente a investigação com garantia de confiabilidade e

legitimidade de resultados.

2.5 - Pontos de maior convergência.

A pesquisa de campo chamou a atenção para pontos que se repetiram nas

opiniões dos informantes, nos seis instrumentos utilizados.

O tema é complexo, porque aborda uma série de variantes que constituem

desafios ao ensino da disciplina, no tocante à sua identidade, falta de

conhecimento e de clareza da legislação aplicável, desconhecimento da

legislação aplicável, proposta curricular confusa, insuficiência diretiva da

legislação, concessão de aulas de ensino religioso a profissionais não

qualificados, clareza no papel das instituições, bem como a falta de uma

programação específica capaz de estabelecer novos paradigmas de ação e de

práticas pedagógicas que levem o ensino religioso a responder às necessidades e

aos anseios da sociedade atual.

189 Questionário diretivo aberto, questão 2.4.6. item a. 190 Ibid., questão 2.4.10, item b. 191 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 05.

123

Essas variantes, garimpadas na pesquisa de campo, objetivaram visualizar,

com maior segurança, a complexidade das causas que provocam os pontos

críticos que se constituem em mal-estares no ensino religioso. Alguns pontos de

maior relevância constituir-se-ão objetos de análise do III Capítulo.

A pesquisa foi convalidada através de seis instrumentos diferenciados, a

saber: entrevista semi-diretiva, questionários diretivos fechados, questionário

misto e questionário diretivo aberto que, invariavelmente, demonstraram

semelhantes resultados.

A identificação dos mal-estares na pesquisa não resulta de itens

determinados ou aleatoriamente escolhidos, mas da articulação dos instrumentos

que permitem identificar pontos convergentes.

Consideramos altamente positivo o uso desses vários instrumentos na

pesquisa, por nos permitirem a síntese, visando sua apropriação. Ao convergirem

para os mesmos pontos, proporcionaram segurança para identificar alguns fatores

que revelaram com maior incidência os desassossegos no ensino religioso.

Diante da variedade de situações identificadas na pesquisa de campo, fez-

se necessário um recorte que possibilitou aglutinar questões pela similaridade e

complementaridade.

Nessa ação, identificaram-se dois núcleos significativos, como pontos

importantes, que se apresentaram com maior incidência nos instrumentos de

pesquisa, constituindo-se, em prévia avaliação, como fatores preponderantes dos

mal-estares no ensino religioso: a) As implicações da Nova LDB ao ensino

religioso; b) A formação docente.

2.5.1 - As implicações da Nova LDB ao ensino religioso.

A pesquisa revelou que o disposto do Artigo 33 da Nova LDB, modificado

pela Lei 9 475/97, suscita inquietações referentes à situação do ensino religioso

na atualidade.

Os informantes reconheceram que a referida Lei passa por transformações

profundas quanto à sua aplicação, compreensão e adequação192. Sobre esse

192 Entrevista semi-estruturada, passim.

124

aspecto, os respondentes deixaram claro seu desassossego em virtude das

conseqüências geradas pelas orientações do artigo 33, quando este estabelece

uma postura dual: facultativa para o aluno e de obrigatoriedade para a escola193.

Recorrentes opiniões enfatizaram a necessidade de conhecimento da

legislação194, o que significa um descaso na observância da lei. Também deixaram

clara a necessidade de estudo e compreensão da lei195.

As opiniões que apareceram no questionário misto evidenciaram o não

cumprimento da Nova LDB, como ponto de conflito196.

Essa afirmação também se confirmou no questionário aberto que

apresentou, como ponto de mal-estar relevante, a falta de clareza da legislação

que rege o ensino religioso e o desconhecimento da Nova LDB197.

Além da falta de conhecimento da legislação, o questionário enfatizou

também, a inadequação da Lei198 com relação à prática escolar, o que a torna sem

efetividade concreta. Assim, a demonstração gráfica permitiu identificar o não

cumprimento como ponto de conflito199.

As críticas ao Artigo 33 em sua nova formulação alertaram para sua

ambigüidade: facultativo para o aluno e obrigatório para a escola. A pesquisa

revelou que a Nova LDB, no referido Artigo, influencia negativamente na estrutura

do trabalho do professor, na medida em que, tornando o ensino religioso

facultativo aos alunos, compromete objetivos já estabelecidos como: o ensino

religioso como parte integrante da formação básica do cidadão; escola como

espaço socializador do conhecimento; a escola com responsabilidade de fornecer

informações e responder aos aspectos principais do fenômeno religioso, presente

em todas as culturas e em todas as épocas.

Por outro lado, a observância do citado Artigo obriga a escola a manter

profissionais disponíveis para atender os alunos que não freqüentam a disciplina

e, por conseqüência, determina o aumento do espaço físico escolar e do seu

193 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 02. 193 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 02, p. 19. 194 Ibid., fichário nº 02, p.17. 195 Questionário aberto, questão 2.4.10. 196 Questionário misto, questão 7ª item 5. 197 Questionário de questões abertas, capítulo II, subitem 2.4.8. 198 Questionário misto, questão 6ª item 7. 199 Ibid., gráfico 16.

125

corpo docente. Isto conduz à necessidade de readequação ou mais

especificidade quanto aos procedimentos decorrentes dessa legislação.

Há necessidade inegável, portanto, de reconhecer o papel específico do

ensino religioso200 como disciplina, com currículo próprio, da escola pública.

A pesquisa revelou, ainda, que existe conflito entre as condições

idealizadas para a implementação do ensino religioso, e as condições reais

encontradas nas instituições por força da própria legislação. Nota-se que esse

conflito constitui-se em elemento paralisador da atividade docente.201

Identificou-se, através da pesquisa, que há conflitos inerentes ao ensino

religioso que vão desde a incompreensão dos fundamentos da Nova Lei de

Diretrizes e Bases e dos Parâmetros Curriculares do Ensino Religioso até os

problemas com a formação adequada dos professores e disponibilidade de

material didático-pedagógico apropriado.

Apesar disso, os engajados profissionais da área reconhecem a

importância de se trabalhar em sala de aula a perspectiva pedagógica articulada a

partir da Nova LDB, que tem como pontos positivos202, “assegurar a diversidade

cultural e o respeito à diversidade religiosa do Brasil”.

2.5.2 - A formação docente.

Com o artigo 33 da Nova LDB com a nova redação que lhe foi dada pela

Lei nº 9.475 criou-se a necessidade de formação de um profissional com perfil

específico, que domine não só as metodologias de trabalho, mas também a

episteme dessa área de conhecimento, capaz de responder às exigências de uma

sociedade pluralista, inter-racial e multiconfessional203.

Professores se revelaram preocupados com a formação específica para o

ensino religioso, o que implica discutir a autonomia epistemológica, as estratégias

pedagógicas, currículo e temas de vida cidadã, dentre outros.

Os docentes concluíram que a maneira superficial como essa disciplina se

apresenta não contribui para a formação do aluno (nem para a realização

profissional e pessoal) Torna-se, portanto, imprescindível uma reforma e uma 200 Questionário de perguntas abertas, item 1.5.10. 201 Ibid., questão 1.5.4. 202 Ibid., questão 2.4.2. 203 Questionário misto, passim.

126

acurada programação pedagógica dos futuros profissionais da área204. A

identidade pedagógica do ensino religioso seria, então, função das seguintes

variáveis:

Legislação clara, objetiva e adequada à realidade;

Formação ampla em todas as áreas interdisciplinares com o ensino

religioso para o necessário desempenho profissional;

Participação efetiva dos profissionais da área na elaboração de plano

político-pedagógico (PPP) adequado à realidade e às necessidades culturais,

regionais e de linguagem;

Desenvolvimento, aplicação e permanente avaliação de material didático

compatível com os resultados esperados.

Cabe lembrar que o questionário de perguntas abertas também revelou a

necessidade de formação específica para o professor de ensino religioso.

Outro aspecto sinalizado pela pesquisa diz respeito à necessidade de um

processo de capacitação e reflexão coletivo, na continuidade das atividades de

formação e na reestruturação do saber direcionado ao perfil do professor de ensino

religioso205.

No contexto atual, os professores de ensino religioso são afetados pela

falta de atualização de conhecimentos e competências, isto é, do “saber” e do

“saber fazer” das novas concepções sobre as práticas pedagógicas, que vêm

exigindo desses profissionais novos conhecimentos e novas formas de se

estabelecer e compreender o mundo.

No que concerne à formação dos professores, a pesquisa, em sua

extensão, evidenciou que o professor de ensino religioso se sente incapaz de

reagir com devida rapidez às demandas sociais, e que requer uma formação de

clara orientação política, cultural e social.

Isso parece revelar que a formação do professor de ensino religioso é uma

das necessidades principais para se lidar com as distintas realidades que estão

gerando o grande mal-estar nessa área.

Como se pode concluir, a pesquisa de campo utilizada detectou pontos

positivos e negativos. Todavia, a incidência maior, revelada nos vários

204 Questionário de perguntas abertas, questão 1.5.6. 205 Pesquisa de campo passim.

127

instrumentos recaiu sobre dois pontos principais que constituem objeto de análise

do capítulo terceiro.

128

CAPÍTULO III - A LEGISLAÇÃO SOBRE O ENSINO RELIGIOSO E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: dois tópicos de maior incidência do mal-

estar.

O presente capítulo tem por finalidade analisar dois dos itens do mal-estar

do ensino religioso que despontam dos dados colhidos na pesquisa de campo,

constantes no segundo capítulo.

Ao final daquele capítulo, fizemos um trabalho de aglutinar pontos

nevrálgicos que constituem o mal-estar. Tais pontos revelam as inquietações que

afetam esse componente curricular.

A nossa radiografia revelou um vasto panorama de queixas, insatisfações e

críticas, ao lado, também, de avaliações positivas.

Como o objeto desta pesquisa é apontar os pontos de conflito que incidem

sobre essa disciplina, não fixamos, neste momento, nosso olhar nos dados

positivos. Para efeito de análise, discussão e interpretação, selecionamos dois

pontos de mal-estar que apareceram com mais frequência nas entrevistas e nos

questionários. Essa incidência, a nosso ver, caracterizam e constituem os pontos

mais graves que afetam a saúde da referida disciplina.

3.1 - A legislação brasileira: fonte da história do ensino religioso e do seu mal-estar

A legislação brasileira, na opinião dos entrevistados, constitui uma fonte de

inquietação. A explicação desse dado requer uma retrospectiva da realidade

histórico-educacional brasileira, objetivando localizar o desassossego provocado

pela lei, no que diz respeito ao ensino religioso no âmago da conjuntura política e

histórica do Brasil, inserido na periodicidade que convencionamos chamar de

Blocos Históricos.

A legislação transporta para o ensino religioso uma herança estrutural

significativa, ampla, complexa, tecida pelos acontecimentos relacionados com os

interesses políticos, econômicos e culturais, decorrentes de diferentes

concepções, presentes na matéria constitucional. São diferentes visões, por

vezes contraditórias, inseridas na mesma disposição legal. A lei contribui

129

significativamente no processo do conhecimento da história do ensino religioso no

país e possibilita aprofundar a compreensão da política educacional que permeia

o ensino religioso.

A pluralidade de concepções pede um procedimento prudente por parte do

pesquisador que pretende analisar o contexto em que foi elaborada a legislação.

É o que alerta Milton C. P. Amador, ao afirmar que “a legislação não se auto-

explica e o texto da lei não é de modo imprescindível revelador de seus reais

propósitos”206. Seguindo essa linha de pensamento, Amador analisa a legislação,

tendo presente os contextos ideológico, econômico e político que deram

sustentação às políticas públicas, e lembra:

A educação brasileira e sua legislação são compostas de ideologias que estão presentes em todos os seus aspectos e representam, de forma incisiva, os interesses políticos e econômicos das elites nos momentos em que foram produzidos207.

Dentro dessa questão, Severino chama a atenção para o enunciado da

matéria constitucional e recorda que sua interpretação deve levar em conta o

“espírito da lei” ao qual ela está atrelada. Argumenta que a lei é um vínculo

adequado para fazer com que os processos educacionais concretizem os valores

da ideologia que se quer transmitir.208

A Conferência dos Bispos do Brasil, em seus estudos, afirma a importância

do papel da lei na sociedade e a necessidade de conhecê-la no sentido de

orientar as relações da humanidade.

Geralmente as leis orientam as relações dos homens a partir dos valores e dos costumes da sociedade. Conhecer a história significa conhecer os fatos e as leis de cada época no contexto de seus valores209.

A legislação brasileira dá a conhecer o caminho que o ensino religioso

percorreu “legalmente”, ao longo das décadas, e a forma como esses

206 Milton C. P. AMADOR, Ideologia e legislação educacional no Brasil (1946-1996), p. 15. 207 Ibid., p .56, 208 Cf. Antonio Joaquim SEVERINO, Educação ideologia e contra–ideologia, p. 56. 209 CNBB, O ensino religioso nas Constituições do Brasil nas legislações de ensino e nas orientações da Igreja - Estudos da CNBB, nº 49, p. 9.

130

regulamentos jurídicos possibilitaram a sua configuração como disciplina

curricular, para ser seguido pela totalidade da nação.

As diferentes concepções e visões subjacentes a esse processo geraram

sérios paradoxos de âmbito nacional. A própria legislação que inclui o ensino

religioso como disciplina no currículo escolar, o exclui ao mesmo tempo do

sistema de ensino, ao torná-lo facultativo para o aluno e obrigatório para a escola,

o que revela uma ambigüidade de ordem jurídica, com conseqüências

administrativas e pedagógicas.

Esse desfecho, na legislação atual, reflete um mal-estar que perpassa o

ensino religioso desde o ‘bloco histórico’ Colonial, passando pelo Imperial até

chegar ao Republicano, com características específicas de cada época.

Ao longo da história da educação no Brasil, o ensino religioso esteve

sempre na pauta das discussões e debates. Esta questão atravessa de ponta a

ponta a história da educação brasileira210. Por trás do ensino religioso se oculta

um conflito entre a secularização211 ou a laicidade e a hegemonia religiosa nos

sucessivos contextos históricos e culturais.

Na atualidade, o grande desafio é a consolidação de uma proposta

consistente e de uma política que ultrapasse a clássica questão da separação

Igreja e Estado. As saídas adotadas para a implantação do ensino religioso não

estão refletindo essa política e, portanto, a disciplina sustentada pelo Estado

assume um aspecto marginal. Muitas vezes ela sobrevive amparada pelas Igrejas

e volta a ser confessional; ora ela se torna um expediente para completar a carga

horária de professores.

A legislação mantém refém o ensino religioso, como um componente

curricular onde coexistem atitudes antigas e necessidades novas. No percurso de

sua implementação, atuam diferentes atores, que se incompatibilizam pelas

concepções divergentes sobre a natureza e função da disciplina e sua

estabilidade no currículo escolar, ou seja, a sua inclusão na escola pública.

210 Dermeval SAVIANI, Da nova LDB ao Novo plano nacional de educação: por uma outra política educacional, p. 67. 211 Segundo Carlos Roberto Jamil CURY, secularização é um processo social em que os indivíduos ou grupos sociais vão se distanciando de normas religiosas quanto ao ciclo do tempo, quanto à regras e costumes e mesmo com relação à definição última de valores. Um Estado pode ser laico e, ao mesmo tempo, presidir a uma sociedade mais ou menos secular, mais ou menos religiosa. Ensino religioso na escola pública: o retorno de uma polêmica recorrente. http://www.scielo. br/pdf/rbedu/nº 27. Acesso em: 25/01/07.

131

De um lado, permanecem os que toleram o ensino religioso já assegurado

no currículo escolar pela Lei Maior, desde que “sem ônus para os cofres

públicos”; pois o dinheiro público só pode ser destinado a coisas públicas.

Professar religião e ensiná-la é algo da esfera privada.

Outro aspecto a destacar é que o ensino religioso é amparado por uma

legislação especial, ou seja, é implantado a partir de instrumentos legais. Todavia,

ele não se efetiva na prática, por conseqüência, não ocupa um espaço nos

estabelecimentos de ensino com a mesma normalidade das demais disciplinas.

A falta de clareza mantém, no transcurso das décadas, uma atitude

ambígua diante do ensino religioso, uma disciplina incluída e excluída. Incluída

por um estatuto jurídico de grande porte, a Carta Magna do país, e a legislação

complementar (LDB) e imediatamente excluída na organização curricular, pela

presença atuante das idéias laicas, e da laicidade do Estado.

Engolfado no conflito entre escola pública de natureza laica e sua condição

de elemento dependente das instituições religiosas, a disciplina vive desde sua

implementação em uma crise histórica feita de lutas e negociações, que muitas

vezes emperram os avanços nos espaços assegurados pela lei.

Do outro lado, há os que mantém uma posição a favor do suporte público

do ensino religioso, pois se trata de uma disciplina, cuja matéria, a religião, é

elemento integrante da formação do cidadão que freqüenta a escola e exerce seu

direito de opção por esse ensino fundamentado em princípios decorrentes da

Declaração Universal dos Direitos Humanos que, no artigo 18, estabelece:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou de convicção, como a liberdade de manifestar a religião ou sozinho, ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.212

Ao se pronunciar sobre tais questões, a Igreja Católica diz que a laicidade

do Estado pretende ser a expressão de uma sociedade verdadeiramente

democrática em que todos os grupos e instituições, inclusive as religiosas,

possam participar em condições de igualdade213. E afirma que o Estado deve ser

212 Declaração Universal dos Direitos Humanos. http://www.mj.gov.br/sedh/ct. Acesso 02/01/08 213 CNBB, Evangelização e missão profética da Igreja: Novos desafios, n°. 80, p. 16

132

laico e não laicista. Todavia, esse conflito não resolvido entre o Estado laico e o

poder religioso repercute no cotidiano das aulas de ensino religioso provocando

desacertos e idéias opostas em torno da disciplina.

Com a proclamação do Estado laico no regime Republicano a disciplina

passou, gradativamente, por várias etapas, persistindo em todas um conflito e um

mal-estar não resolvido que deságua no desconforto expresso pelos dados da

pesquisa de campo reveladores dos percalços que cercam essa área do

conhecimento. Podemos resumir tais conflitos nos seguintes pontos, que se

referem à lei e ao seu conhecimento e aplicação, e foram expressos pelos

entrevistados:

1. Ela é desconhecida ou pouco conhecida: Conheço pouco da Lei que diz respeito ao ensino religioso. Percebo dificuldade de se implantar o ensino religioso na escola. (...) as próprias direções de escola, coordenadores locais e da Secretaria da Educação não têm conhecimento da Lei. (...) a escola acaba adequando a Lei à sua capacidade de resolver o problema que nem sempre é satisfatório mas acaba sendo prejudicial para o aluno e o próprio professor de ensino religioso. (...) Confundem ensino religioso com ensino confessional. Com isso, eles acabam introduzindo o ensino de uma religião que é o que eles sabem e estão convictos que é assim. Isso porque desconhecem a Lei214.

2. Ela é ambígua e contraditória.

Em minha opinião, o mal estar do ensino religioso está justamente na Lei que é dúbia “facultativa para o aluno e obrigatória para a escola”. Esta ambigüidade acaba influenciando em toda a estrutura da escola, no trabalho do professor de ensino religioso e na própria aprendizagem do aluno. O trabalho do professor diante do que manda a Lei do ensino religioso não encontra uma estrutura na escola que possa auxiliá-lo no desempenho favorável da disciplina215.

3. A sua aplicação é enviesada e, na prática, contrariada.

Na verdade existe uma Lei, mas na prática as condições reais acabam empurrando a gente a fazer completamente diferente daquilo que a Lei prevê. Na falta de conhecimento,

214 Karoline MOK, Entrevista - semi-estruturada,:fichário nº 01, p. 03. 215 Igor MANI, Entrevista - semi-estruturada, fichário nº 02, p. 25.

133

a escola acaba adequando a Lei à sua capacidade de resolver o problema, nem sempre satisfatório, pois acaba prejudicando o aluno e o próprio professor de ensino religioso216.

4. É necessário conhecê-la e discutir sua aplicabilidade na construção do

projeto político-pedagógico do ensino religioso.

Há necessidade de um melhor conhecimento da Lei, sua aplicabilidade, com um projeto claro de educação e formação humana e de clareza no projeto político-pedagógico217.

Os relatos acima indicam que os entrevistados estão postulando uma séria

discussão sobre o Estatuto Legal do Ensino Religioso e deixam transparecer

impasses referentes à disciplina. Esse direcionamento leva a considerar que o

ensino religioso, desde o seu nascedouro, não se apresenta como um

componente curricular pronto e acabado. O processo de reflexão continua e dele

vão surgindo novas sínteses. Importa considerar que a apreciação desse quadro

requer o entendimento de que as transformações humanas não são produzidas

só por processos individuais, mas também pelos coletivos.

Assim, para o entendimento do ensino religioso em seus conflitos e na

diversidade de seus comportamentos, ele necessita de ser estudado no contexto

das necessidades do seu tempo. Isto requer a compreensão de um ensino

religioso a partir da dinâmica da sociedade, como produto histórico e mediante

necessidades diferenciadas, em momentos também diferenciados.

Nessa perspectiva, partimos do principio de que toda a produção ideológica

deve ser entendida dentro de determinadas condições históricas. Por isso, é

extremamente significativo marcar os blocos históricos que assinalaram a ‘’vida’’

do ensino religioso no Brasil. Assim, para melhor compreensão de seu significado,

de suas crises, suas significações ideológicas, sua presença e participação no

contexto educacional brasileiro, optamos por dividir a história do ensino religioso

em três blocos históricos nos quais se insere sua caminhada, com diferentes

configurações.

216 Ivoni SÁ, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 3, p. 27. 217 Questionário misto - Questão 8ª (b).

134

À guisa de colaboração para essa discussão, passamos a fazer uma

retrospectiva sobre essa matéria e apontar o ponto nevrálgico da questão, que é o

conflito entre o ensino religioso e o caráter leigo do Estado instaurado a partir da

República. Esta perspectiva abrangente é importante para os objetivos que nos

propomos perseguir, ou seja, detectar o desassossego no ensino religioso.

Para perceber as diferentes significações ideológicas218 que envolveram a

participação do ensino religioso no contexto educacional brasileiro, é importante

olhar sua caminhada em três grandes etapas: a primeira vai de 1500 a 1889 e

inclui o Bloco Histórico Colonial e Imperial; a segunda, é o Bloco Histórico

Republicano que vai de 1899 até hoje; entretanto, devido ao retorno do Estado de

Direito, com a Constituição de 1988, trabalhamos um terceiro período de 1988 até

hoje.

3.1.1 - O ensino religioso no sistema legal do Bloco Histórico Colonial e Imperial: 1500-1889.

Foram muitas as batalhas ideológicas que marcaram a historia do ensino

religioso no Brasil desde 1500 até os nossos dias. As idéias se mesclaram numa

multiplicidade de acontecimentos políticos, sociais, econômicos e religiosos

significativos, e marcaram as transformações que influenciaram debates em nível

nacional. Ao longo do Bloco Colonial e Imperial, a ênfase foi a integração escola,

igreja, sociedade política e economia. O governo não interfere diretamente como

primeiro interessado, nem impõe uma filosofia educacional. Ele a delega à Igreja

Católica, como religião oficial. O ensino da doutrina católica era parte integrante

dos programas educacionais.

Naquele período, não havia ainda alusão explícita do Estado ao ensino

religioso. Só a partir da Lei Imperial de 1827, é que acontece essa explicitação,

como afirma Cury:

218 Para Gramsci, o cimento da sociedade civil é a ideologia ou a visão de mundo burguesa ou capitalista, sustentada pelas instituições culturais, cujos órgãos principais são os meios de comunicação, as instituições escolares, a Igreja ou o poder religioso. Todas essas instituições têm a função de abrigar, consolidar, conservar e transmitir a visão de mundo ou a ideologia que garante o consenso e a submissão das classes subalternas. Enquanto perdura esse consenso, a classe dominante mantém a sua hegemonia econômica, cultural e política. .

135

A Lei Imperial de 1827 determinava que os professores das escolas além de outras disciplinas deveriam ensinar os princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica.219

Presenciamos, neste bloco histórico, que o Estado e a Igreja se

apresentam solidários no horizonte ideológico. Hugues Portelli confirma esta

posição e diz:

Se a Igreja se apresenta ao mesmo tempo como uma casta intelectual autônoma e como o equivalente, ao nível ideológico, do aparelho do Estado em nível repressivo, é porque ela constitui, afirma Gramsci, uma das engrenagens essenciais do verdadeiro Estado220

Desta forma, entende-se que o Estado não se conduz apenas como

aparato coercitivo, mas é constituído pelo conjunto de redes de relações e de

hegemonia221. O Estado, em um sentido amplo, é constituído pelo conjunto da

sociedade civil e da sociedade política. Severino, assumindo a posição

gramsciana, observa:

Isto pressupõe a percepção de meios e de direção no conjunto da sociedade pela forma como se estabelece relativa hegemonia em relação ao Estado. A sociedade civil é como que o campo do consenso da adesão, enquanto que a sociedade política é o campo da força, expressa pela coesão estatal.222

Portanto, na visão gramsciana, a hegemonia223 não é exclusividade de

classes dominantes, pois ela é partilhada com outros setores não dominantes.224

219 Carlos Jamil CURY, A relação-sociedade-Estado pela mediação jurídico-constitucional. In: Osmar FAVERO (org), A educação nas constituintes brasileiras 1823-1988, p. 8. 220 Hugues PORTELLI, Gramsci e a questão religiosa, p.35. 221 Antonio GRAMSCI, Os intelectuais e a organização da cultura, p. 11. 222 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p.43. 223 O conceito de hegemonia no pensamento gramsciano é concebido enquanto direção e domínio, isto é, como conquista, através da persuasão e do consenso, não atuando apenas no âmbito econômico e político da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer. A hegemonia é a capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social, não se restringindo ao aspecto político, mas compreendendo um fato cultural, moral, de concepção do mundo. Há profunda conexão dos conceitos de sociedade civil, organização e regulamentação. Antonio GRAMSCI. Os intelectuais e a organização da cultura, passim. Etimologicamente, hegemonia deriva do grego eghestai, que significa "conduzir", "ser guia", "ser chefe", e do verbo eghemoneuo, que quer dizer "conduzir", e por derivação "ser chefe", "comandar", "dominar". Eghemonia, no grego antigo, era a designação para o comando supremo

136

É possível constatar essa afirmação gramsciana em Os intelectuais e a

organização da cultura.

Ao tratar do embate ideológico sobre o ensino religioso no âmbito das

polêmicas realizadas antes, durante e depois do bloco histórico colonial e

imperial, é possível constatar que diferentes grupos conceituaram a educação e

por conseguinte o ensino religioso de diferentes formas, atribuindo ao mesmo

objetivos diversos em função de seus interesses de classe.

Gramsci debruçou-se com lucidez sobre os fenômenos religiosos,

percebendo sua importância para a compreensão da sociedade contemporânea e

lembra que dentro de um determinado contexto histórico cada grupo cria para si

próprio camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência de

sua própria função.

O Estado brasileiro, no primeiro período, de 1500 até 1889, serviu-se da

ideologia religiosa contida na doutrina católica que se implantou como religião

oficial. Seus valores impregnaram profundamente a vida social e cultural da

Colônia à época do Império. Severino confirma esta realidade quando diz:

Para a organização institucional da educação e na implementação de sua política educacional, o Estado brasileiro contou com as instituições eclesiásticas e conviveu em íntima colaboração com a Igreja. Os interesses da classe dominante, representados pelo Estado, coincidem com os interesses da Igreja.225

O ensino religioso, neste período, está ligado à presença e à atuação da

Igreja católica, aliada ao Estado Português, com o propósito de desenvolver um

trabalho de evangelização. O ensino religioso, ministrado sob a forma de

catequese, foi um instrumento estratégico na manutenção da ordem, embora

tivesse posturas diferentes em função de seus projetos de Igreja, que ora se

das Forças Armadas. Trata-se, portanto, de uma terminologia com conotação militar. O eghemon era o condottiere, o guia e também o comandante do exército. 224 Quando Gramsci fala da hegemonia como "direção intelectual e moral", afirma que essa direção também se exerce no campo das idéias e da cultura, manifestando a capacidade de conquistar o consenso e de formar uma base social, pois hegemonia "é algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica, a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e sobre os modos de conhecer" Carlos Nelson COUTINHO, e Andréia de Paula TEIXEIRA, (org.) Ler Gramsci e entender a realidade passim. 225 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 62.

137

ligavam ora discrepavam, direta ou indiretamente, da dimensão colonial. Referindo-

se a esse contexto, Severino argumenta:

Dentro desse processo ideológico da política educacional desenvolvida pelo Estado brasileiro, é característica a utilização do ideário católico como concepção de mundo exercendo a função ideológica para a sustentação e reprodução desse modelo de sociedade. A cosmovisão católica serviu de ideologia adequada para a promoção e a defesa dos interesses da classe dominante. 226

O fato da descoberta e colonização do Brasil serem efetuadas sob os

interesses do Estado Português e da Igreja Católica, confere ao ensino religioso

uma singularidade especial, pois ao Estado português interessava solidificar as

conquistas e assegurar a expansão territorial através da catequese e da ação

missionária.

No bloco histórico colonial e imperial, o que se desenvolveu como ensino

religioso foi a religião oficial, como evangelização dos gentios e catequese dos

índios e dos negros conforme acordos entre o Sumo Pontífice e o Monarca de

Portugal, em função do projeto colonizador. As relações entre Igreja e Estado

foram regidas, a princípio, pelo pacto colonial que vinculava os dois poderes e

transformava o missionário e o clero em agentes do poder estatal. A mesma

situação persistiu no bloco histórico imperial, cujas constituições declaravam a

aliança entre a Igreja e o Estado.

A Constituição Política do Império do Brasil, no período de 1824, silencia

no que se refere especificamente ao ensino religioso. Mas, já é clara a ligação

entre Estado e Igreja, no Preâmbulo da Constituição, no artigo 5º e no item V do

artigo 179:

Art. 5 º - A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras serão permitidas com seu culto doméstico ou particular em casa para isso destinada, sem forma alguma exterior de Templo; Art. 179 º item V - Ninguém pode ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Pública227

226 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 70. 227 CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL de 25 de março de 1824. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui. Acesso 19/10/2007.

138

Nessa Constituição de 1824, o ensino religioso usufruiu do esquema de

protecionismo da Metrópole, em decorrência do regime regalista oficial,

implantado nesse período, pois a Carta Magna mantém a Religião Católica

Apostólica Romana como religião oficial do Império (Artigo 5º).

Por isso, a religião passa a ser um dos principais aparelhos ideológicos do

Estado, e cresce a dependência ao poder político por parte da Igreja. Desta

forma, a instituição eclesial é o principal sustentáculo do poder estabelecido, e o

que acontece na escola é automaticamente o ensino da Religião Católica

Apostólica Romana.

Com efeito, nesse período, a formação cristã foi prioridade nas escolas

com práticas religiosas obrigatórias, na intenção de impregnar seus ‘valores’ na

vida social e cultural da Colônia, chegando a ser a religião oficial do país à época

do Império, com o pacto entre Igreja e Estado. A catequese e os padres exercem

função hegemônica, isto é, de direção intelectual e moral da colônia, mas não

teriam exercido a função ideológica, isto é, de legitimação das relações sociais de

produção (escravização) e de domínio dos colonizadores e dos capitalistas

agrários sobre os subalternos. Essa legitimação era exercida pela ideologia

burguesa.

Antonio Joaquim Severino argumenta que “no primeiro período, o conflito

ideológico entre Igreja Católica e Estado não existia. Ao contrário, a ideologia

católica serviu adequadamente aos objetivos do Estado Colonial e Imperial.”228

Exerceu a função de ideologia auxiliar, aliada à visão de mundo burguesa.

Pedro A. Ribeiro de Oliveira,229 referindo-se à utilização ideológica dos

valores cristãos pela classe dominante e pelos governantes, alerta que isso não

significa dizer que o catolicismo recebesse uma adesão fiel aos valores cristãos,

pois o cidadão muitas vezes aderia a outros credos e ideais antagônicos como a

maçonaria, ou às posições filosóficas liberais, positivistas, materialistas e

iluministas, o que provocou a questão religiosa de 1874 entre as duas instâncias.

Mesmo ocorrendo um conflito ideológico, a Igreja, em razão do pacto

imperial, continuava dando suporte politico à hegemonia dominante. Isso

228 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 66. 229 Em sua pesquisa se atém à função social de hegemonia (direção intelectual e moral) e não à função social de ideologia (explicação e justificação das relações sociais de produção).Cf. Pedro A. Ribeiro de Oliveira. Religião e dominação de classe: Gênese,estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, p .19.

139

diferencia a posição da Igreja com relação ao papel que exercia na Idade Média,

pois, como afirma Portelli, naquele período, ela era, ao mesmo tempo, aparelho

religioso e aparelho político, na medida em que ela detinha o monopólio

ideológico e político230.

Como se fazem presentes no Bloco Histórico Republicano a religião

católica e sua doutrinação é o tema do próximo item.

O liberalismo e o positivismo231 fortaleciam, cada vez mais, as tendências

republicanas, até o desfecho da mudança do regime. Entre as providências para a

efetivação do novo regime, estava a separação entre a Igreja e o Estado.

3.1.2 - O ensino religioso e a estrutura legal do Bloco Histórico Republicano (1889- 1988)

O período de 1889 a 1988 se caracteriza pelo abandono da ideologia

católica, por parte da política educacional do Estado, e pelo progressivo

predomínio da ideologia liberal, própria de uma burguesia leiga232. Este processo

de superação da ideologia católica e a afirmação da ideologia liberal - uma grande

mudança social e cultural - lançou a Igreja numa nova situação. A burguesia

nacional, sentindo-se suficientemente forte e em condições de prescindir do apoio

da Igreja, desenvolveu sua própria ideologia laica, passando a se apoiar na

ideologia liberal. Ao final do regime imperial, as relações de conflito entre a

ideologia católica e a ideologia liberal tornaram-se cada vez mais agudas.

O liberalismo e o positivismo233 fortaleciam, cada vez mais, as tendências

republicanas, até o desfecho da mudança do regime. Entre as providências para a

efetivação do novo regime, estava a separação entre a Igreja e o Estado.

Com o decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890234, configura-se uma nova

ordem política brasileira, em que impera o princípio de laicidade do Estado, e o

230 Hugues PORTELLI, Gramsci e a questão religiosa, p. 41. 231 Do ponto de vista do ideário, a República nasceu sob a influência e inspiração do positivismo, que marca sobretudo sua visão educacional. Com isso, opunha-se explicitamente ao ideário católico, propondo a liberdade e a laicidade da educação. Antonio Joaquim SEVERINO. Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 76. 232 Cf. Antonio Joaquim SEVERINO, Educação ideologia e contra-ideologia, p. 75. 233 Do ponto de vista do ideário, a República nasceu sob a influência e inspiração do positivismo, que marca sobretudo sua visão educacional. Com isso, opunha-se explicitamente ao ideário católico, propondo a liberdade e a laicidade da educação. Antonio Joaquim SEVERINO. Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 76.

140

governo republicano consumava a separação entre Igreja e Estado. Tem início

uma nova ordem social e um novo Bloco Histórico.

Nesse contexto, o ensino religioso entra no foco de debates. A Igreja

católica e grupos aliados tomam posição em defesa do direito do cidadão, tendo

como base o mesmo princípio da liberdade. Está armado o impasse, e se

estabelece o conflito, desencadeando uma grande polêmica em torno do ensino

religioso nas escolas da rede pública.

Nesse período, o ensino religioso é entendido por todos os setores

envolvidos, tanto os favoráveis como os contrários, como ensino da religião na

escola, isto é, como catequese, pela força de uma tradição de quatro séculos de

regime de padroado.

Dentro dessa realidade, o ensino da religião, segundo os defensores do

Estado laico, deveria ser mantido pela Igreja e não pelos cofres públicos. Este

fato vem à tona em todos os debates constituintes e pós-constituintes dos

regimes liberais, e chega até os dias atuais.

Considerando este aspecto polêmico, Lustosa, referindo-se ao citado

decreto, assim se expressa: “Fundamentalmente, o decreto instituía o Estado

leigo, separando a Igreja do Estado, promulgando a liberdade de cultos,

colocando todos em pé de igualdade”235.

234 O decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, figurou como documento chave para a mudança imediata da vida política brasileira, com os seguintes dispositivos legais: Art.1º É proibida à autoridade federal, assim à dos Estados Federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões filosóficas ou religiosas. Art. 2º A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos atos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto. Art.3º A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos individuais, senão também a igrejas, associações e instituições em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder público. Art.4º Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerrogativas. Art.5º A todas as Igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto. Art.6º O Governo Federal continua a prover à côngrua sustentação dos atuais serventuários do culto católico e subvencionará por um ano as cadeiras dos seminários ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos precedentes Oscar de Figueiredo LUSTOSA. Separação da Igreja e do Estado no Brasil 1890: Uma passagem para a libertação. Revista Eclesiástica Brasileira, vol.35, fasc. 139.Set. 1975, p. 631. O referido decreto é atribuído a Rui Barbosa, que em discurso apresenta o novo projeto, unanimemente aprovado. Oscar de Figueiredo LUSTOSA, Separação da Igreja e do Estado no Brasil, REB, v.35, p. 630-631. 235 Oscar de Figueiredo LUSTOSA, Separação da Igreja e do Estado no Brasil, REB, v.35, p. 630,

141

A polêmica referente ao ensino religioso continua nas discussões do

projeto de lei da Constituição de 1891. Ruy Barbosa propunha no seu artigo 1º,

terceiro parágrafo, que nas escolas mantidas pelo Estado não deveria ser imposta

uma crença236. Na verdade, o respeito à diversidade religiosa representa apenas

uma faceta do conflito das polêmicas que estariam emergindo paulatina e

sistematicamente no país.

A ideologia burguesa já não considerava mais o ensino religioso como

reforço para a hegemonia e para a manutenção das condições econômicas e

sociais que adentram no período republicano.

3.1.2.1 - A laicidade do Estado

A questão da laicidade e suas conseqüências para o ensino religioso na

escola pública têm uma longa história, por vezes conturbada, dependendo do

contexto sócio-religioso político de cada época. As discussões extrapolam o bloco

histórico do período Colonial e Imperial e adentram no século XX e XXI como um

marco divisor de opiniões, conceitos e princípios filosóficos e ideológicos.

A laicidade, ao conviver com a liberdade de expressão, de consciência e de

culto, não pode conviver com um Estado portador de uma confissão. Ao respeitar

todos os cultos, não adota nenhum.

Nas sociedades ocidentais, mais especificamente, a partir da modernidade,

a religião deixou de ser o componente da origem do poder terreno (deslocado

para a figura do indivíduo) e, lentamente, foi cedendo espaço para que o Estado

se distancie dos cultos, sem assumir um deles especificamente como religião

oficial237.

Oliveira aponta a dimensão da crise de hegemonia instaurada no regime de

padroado que se resolve com a proclamação da República e a instituição do

estado laico. A separação entre a Igreja e o Estado parte da iniciativa do próprio

governo e provoca reação na Igreja, que se opõe em nome de um princípio

dogmático.

236 Cf.Gil S.F. FILHO e Sergio R. JUNQUEIRA, Um espaço para compreender história: Questões e Debates, p. 106. 237 Cf. Carlos Roberto Jamil CURY, Ensino religioso na escola pública: retorno de uma polêmica recorrente, p. 2.

142

O episcopado brasileiro se ressente com a separação da Igreja e do

Estado e a liberdade de culto, pois considerava uma afronta à Igreja Católica ser

colocada em pé de igualdade com outras confissões religiosas238. Desde a

primeira República (1889-1930), a liderança católica se coloca em intensa

atividade na defesa de suas posições.

Na fase de laicidade, não há mais pacto, mas separação e autonomia entre

os dois poderes, o civil e o eclesiástico. A Igreja passou a ver o ensino escolar

laico e a exclusão do ensino religioso como uma grande violência imposta à

consciência católica. Alegava que a laicidade conflitava com a maioria dos alunos

que professavam a fé cristã católica239.

No predomínio da ideologia leiga, rejeita-se o monopólio da Igreja na área

do ensino religioso; a educação foi laicizada, sendo a religião eliminada do

currículo240. O conflito entre a ideologia burguesa e a ideologia religiosa acaba

descartando o papel da religião católica e da sua catequese como suporte do

sistema dominante.

É importante observar que a exclusão legal da ideologia católica e a

afirmação da ideologia liberal não constituíram um consenso, nem eliminaram os

conflitos.

Entre os que advogavam um ensino laico e os grupos religiosos

representantes da Igreja católica, que defendiam o ensino religioso nas escolas

públicas, travaram-se sérias discussões. A sociedade se dividiu em grupos

favoráveis e contrários ao ensino religioso nas escolas públicas e ao estado

leigo241.

Antônio Joaquim Severino elucida este fato e argumenta:

238 Pedro A Ribeiro de OLIVEIRA. A religião e a dominação de classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado, p. 269. 239 Laércio Dias de MOURA, A educação católica no Brasil: passado, presente e futuro, p. 97. 240 Thomas BRUNEAU, O catolicismo brasileiro em época de transição, p. 65. 241 A favor do ensino religioso: Cruzada Feminina Deus e Pátria; Conclamação aos membros do Apostolado da Oração e das Congregações Marianas; União de Moços Católicos (1931 contava com mais ou menos 20.000 membros no país); acadêmicos e professores de instituições de Ensino Superior do Rio de Janeiro; Liga Eleitoral Católica; Congresso Católico de Pelotas; Deputados Gaúchos Assis Brasil e Adroaldo M. da Costa na Constituinte de 1933. Estes assinaram emendas favoráveis ao ensino religioso. Contra o ensino religioso: Frente única formada por maçons, metodistas, batistas, adventistas, sete lojas maçônicas, nove sociedades espíritas; Comitê pró-liberdade de consciência organizado pelos metodistas. A favor do Estado Leigo: Coligação nacional pró-Estado Leigo; igrejas protestantes; lojas maçônicas; associações espíritas e 158 associações diversas apresentaram uma mensagem de protesto contra o ensino religioso; sessão cívica contra o ensino religioso e outras.

143

Este processo de superação da ideologia católica e de afirmação da ideologia liberal se deu mediante uma longa e lenta luta, característica de um real confronto entre as novas camadas dominantes e a Igreja242.

As duas forças das quais o próprio Estado dependia eram a Igreja e a

burguesia liberal. A Igreja identificava-se mais com a burguesia agrária e buscava

recuperar a concepção religiosa de vida com uma concepção ético-teológica. Os

liberais identificavam-se mais com a burguesia industrial e buscavam reconstruir a

sociedade com base em ideais puramente laicos de convivência e de

solidariedade.

Nesses acontecimentos, é decisiva a reorganização da Igreja243 no século

XIX. Seu enfraquecimento não lhe permitia resistir, sem risco de desaparecimento

puro e simples.244 Neste período, o bloco católico assumiu uma posição

tradicionalista, conservadora, restauradora, pois só nessa restauração via

condições para uma nova reordenação social. A Igreja vai assumindo novas

posturas: contrapõe-se aos erros da época, reorganiza a disciplina eclesiástica

promove a unidade245 e a solidez da sua doutrina.

A Década de 30 inaugura um quadro de novas exigências na educação,

após a extinção do padroado e a conseqüente separação entre Estado e Igreja.

O ensino religioso é contemplado pelo Decreto nº 19.941, de 30 de abril de

1931246 cujo teor introduziu, pela primeira vez, o ensino religioso nas escolas da

rede oficial de ensino no regime Republicano. Esse decreto teve como mentor

242 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 75. 243 Um dos acontecimentos mais significativos do período é a do 20º Concílio Ecumênico, o Vaticano I (1869-1970). 244 Gramsci observa o aparecimento de três tendências que surgiram no final do século XIX: jesuítas, integralistas e modernistas, com significados mais amplos do que aqueles estritamente religiosos. São partidos dentro da Igreja romana. Lutam pelo controle da Igreja e representam camadas sociais. Hugues PORTELLI, Gramsci e a questão religiosa, p.152-153. 245 Embora se manifeste de maneira aguda na conjuntura contemporânea, o pluralismo cultural ético e religioso não é assunto novo para a Igreja. Ao longo do processo histórico em que a cultura vai ganhando mais e mais autonomia frente à ordem moral e teológica, a Igreja teve, a cada momento, que redefinir suas relações com a escola pública, com a ciência, com o nacionalismo, com as artes, com os meios de comunicação, ou mais simplesmente com o que se convencionou chamar o advento da modernidade. Como se sabe, porém, até recentemente essa relação definiu-se pela condenação sumária dos "erros modernos". Foi apenas a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965) que a Igreja Católica foi capaz de se reconciliar com a modernidade. Gaudium et spes, constituição pastoral editada pelo concílio em 1965, inaugura para a Igreja uma nova visão do homem e uma nova atitude diante da cultura. 246 O texto do Decreto de 30 de abril de 1931, ver Anexo nº 8.

144

Francisco Campos247, contudo, foi o Pe. Leonel Franca248 que apresentou, com

base filosófico-jurídica, as razões do Decreto de 30 de abril de 1931, por meio do

qual admitiu-se o ensino religioso nas escolas oficiais. Sobre o produto final do

Decreto, Leonel Franca tece os seguintes comentários:

O decreto, digámo-lo com toda a lisura da nossa sinceridade – não inferiu coherentemente todas as consequencias das premissas estabelecidas na exposição de motivos. Aqui e alli se lhe podem notar senões; entre a magnitude da reforma introduzida e a ausencia indispensavel de maior estabilidade juridica observa-se uma disproporção incontestavel. São defeitos que ressaltam a vista e mostram que a obra, de primeiro jacto, não foi levada a sua perfeição definitiva. O proprio Governo, com a sinceridade de seus propositos e a clarividencia de seus intuitos, encarregar-se-á com o tempo, de preencher-lhe as lacunas e adicionar-lhe o complemento que as circunstancias do momento actual não permittiriam fossem incorporados na primeira redacção.249

Franca continua dizendo que:

Do ensino religioso, repetimos que depende apenas do mais elementar respeito à liberdade espiritual das familias, e se impõe, sem distincção, a todos os governos livres, monarchicos ou republicanos, aristocráticos ou democráticos, unidos à Igreja ou dela separados. Ensina-se religião catholica aos filhos de familias catholicas na Allemanha e na Inglaterra, na Hollanda e na Rumenia. E quem se lembrou por lá de combater essa disposição legislativa em nome da separação official entre o governo e o catolicismo250.

Na moldura das metamorfoses pelas quais o Brasil passava, a Constituição

de 1934 consolida o monopólio do Estado sobre a Educação, e dedica um

capítulo inteiro, com dez artigos, para a educação e cultura. A novidade ficou por

247 Francisco Campos, mentor do decreto de 1931, reintroduz o ensino religioso nas escolas públicas. 248 O padre Jesuita Leonel Franca foi responsável, a pedido do ministro, por redigir a exposição de motivos e a fórmula do Decreto. No entanto, houve uma modificação no Decreto, pois a fórmula do Padre Leonel Franca estabelecia o ensino religioso obrigatório dentro do horário escolar, enquanto o decreto 131 estabelecia o ensino religioso facultativo fora do horário escolar. Leonel FRANCA, Ensino religioso e Ensino Leigo, p. 92. 249 Leonel FRANCA, Ensino Religioso e Ensino Leigo, p. 132. 250 Ibid., p. 148.

145

conta do ensino religioso que, pela primeira vez na história do Brasil, é tratado de

forma explícita como disciplina escolar.

A Assembléia Nacional Constituinte dos Estados Unidos do Brasil de1934

dedica um artigo específico ao ensino religioso.

Art 153 - O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais.251’

A Constituição de 1934, portanto, marcou a trajetória do ensino religioso no

Brasil, por determinar sua admissão em caráter facultativo para o aluno, desde

1934 até nossos dias.

De acordo com as observações de Cury,

Data desta Constituição a assinalação, até hoje permanente, do ensino religioso como disciplina obrigatória dos currículos das escolas públicas, ainda que de matrícula facultativa.252

Com exceção da Primeira Carta Magna Republicana, de 24 de fevereiro de

1891, as demais Constituições Brasileiras posteriores à de 1934, mantiveram o

ensino religioso garantido como disciplina do currículo escolar, salvaguardando os

princípios da laicidade e da liberdade religiosa característicos de um Estado

Republicano. Pela primeira vez na história do Brasil, a Constituição de 1934 trata

de forma explícita o ensino religioso na escola pública, mesmo que de matrícula

facultativa. Com o mesmo teor, ele aparece na Constituição de 1937.

Seguindo a tendência laicista, a referida Constituição, em seu artigo 176,

determina: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos

horários das escolas de grau primário e médio”. Portanto, (pela primeira vez), a

Constituição Nacional se refere ao ensino religioso nas escolas públicas sem

determinar, no entanto, que seja ministrado de acordo com a confissão religiosa

do aluno e o amplia para abranger o ensino fundamental e médio.

251 BRASIL Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituica. Acesso 20/10/07. 252 Carlos Roberto Jamil CURY, A relação educação-sociedade-estado pela mediação jurídico-constitucional. In: Osmar FAVERO. A educação nas constituintes brasileiras, p. 14-15.

146

Na Constituição Federativa do Brasil de 1934, o artigo 5º, inciso XIV,

apresenta como competência da União, “traçar as diretrizes da educação

nacional”.

Na Constituição do Estado em 1937, Getúlio Vargas dá início ao Estado

Novo. Ocorre uma grande mudança em relação ao ensino religioso. Se na

Constituição anterior ele era matéria regular das escolas públicas, mesmo que de

matrícula facultativa, passa a ser opcional também para a instituição escolar.

Quanto ao ensino religioso, o Artigo 133 da citada Constituição afirma:

Art 133 - O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos.253

Depreende-se, assim, que a nova norma introduzida pela Constituição de

1937 aponta para uma desvalorização do ensino religioso.

No contexto nacional, alguns anos depois, o país entrava em guerra

(1944). Nessa época, o Decreto-Lei 6.535 criou o Serviço de Assistência

Religiosa das Forças Armadas. Estes acontecimentos antecederam a

Constituição de 1946, em cujo artigo 5º 254, o ensino religioso é contemplado

como dever do Estado.

Nesse período, assiste-se a um conjunto de reformas, as chamadas “Leis

Orgânicas de Ensino“, promulgadas entre 1942 e 1946, por Gustavo Capanema,

Ministro da Educação no Estado Novo. O momento é estimulado pela

necessidade de traçar as diretrizes da Educação Nacional. Dois anos depois, o

ensino religioso é contemplado no Art. 168, alínea V 255, da Constituição de 1946.

Esse artigo retoma o estatuto da Constituição de 1934. que regia essa área de

conhecimento como disciplina escolar, oferecida regularmente e com matrícula

facultativa. 253 CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao. Acesso 17/11/07 254 CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 18 DE SETEMBRO DE 1946. : http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/22/1946.htm. Acesso 17/11/07. 255 O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável, CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 18 DE SETEMBRO DE 1946. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao Acesso 17/11/07

147

3.1.2.2 - O ensino religioso na Constituição de 1967 A Constituição de 1967 foi promulgada na ressonância do regime ditatorial

instaurado pelo governo militar.

O Estado brasileiro encontra-se num estágio de mudanças, passando do

populismo para um regime autoritário. O governo militar pretende repensar o

problema do estado educador em termos liberais, em função da política

desenvolvimentista, num modelo capitalista avançado e com base no princípio da

unidade nacional.

O país assiste a uma modernização da própria ideologia burguesa de um

capitalismo avançado. Dentro desse aspecto, o que ocorria em um novo contexto

político econômico, era sua progressiva inserção no bloco do capitalismo

ocidental (Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão) e uma profunda

reorientação ideológica anti-comunista. A classe dominante e o Estado querem

agora uma ideologia em que prevaleça a laicização, modernizada e

pretensamente fundada na ciência.

Essa orientação ideológica imposta pelo capitalismo provocou

consideráveis mudanças na educação, como bem assinala Severino:

A mudança do regime político administrativo do país, em 1964, significou, também, momento de reorientação ideológica na política educacional do Estado brasileiro256.

Essa reorganização do regime político-administrativo do país significou,

também, momento de reorientação ideológica na política do ensino religioso.

A Constituição de 1967 omite o aspecto confessional, presente na

Constituição de 1934 e 1946. O Art. 168, alínea IV estabelece: “O ensino

religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das

escolas oficiais de grau primário e médio”257.

Nesse período, o Estado passa também a exercer um severo controle

político-ideológico sobre a educação, principalmente no nível universitário, em

256 Antonio Joaquim, SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 89. 257 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui. Acesso: 17/11/07

148

que grupos ligados ao novo regime buscavam vincular o ensino superior ao

mercado e ao projeto político de modernização de acordo com as exigências do

capitalismo internacional.

Desta forma, o desenvolvimento era considerado meta principal para a

condição de progresso do país, e é assim que a educação passa a desempenhar

um importante papel. Para gerir e promover o sucesso do projeto político de

desenvolvimento, a educação passa a exercer a função de “aparelho ideológico

do Estado”, através da formação de mentalidades e de recursos humanos (a mão-

de-obra).

Nos diversos níveis da educação, podemos perceber a ideologia

desenvolvimentista presente, objetivando a formação de trabalhadores capazes

de produzir mais a um custo menor. Investe-se no desenvolvimento das

inovações tecnológicas e adota-se uma perspectiva economicista em relação à

educação, colocando o planejamento desta nas mãos de economistas.

A educação precisou se ajustar à ruptura política ocorrida com o Golpe e,

assim, durante o governo militar, ela teve como atribuição a função de formar o

“capital humano”, estando vinculada ao mercado de trabalho e moldada pela

ideologia desenvolvimentista e de segurança nacional.

Durante esse período, as políticas públicas para a educação eram

associadas aos discursos de “construção social” e à proposta de fortalecimento

do Estado, que, por sua vez, foi reorganizado, visando a atender os interesses

econômicos vigentes. E se o Estado foi reorganizado, a educação também

precisava se reorganizar, e foi desta forma que se procurou adaptar o sistema

educacional aos imperativos de uma concepção econômica de desenvolvimento,

transformando educador e educando em mercadorias que, se bem investidas e

moldadas, dariam grandes lucros.

Nesse sentido, o país vive uma serie de contradições entre a ideologia

política e o modelo econômico. Se por um lado existe busca de identidade e de

independência, por outro, tende à internacionalização, submetendo-se ao controle

estrangeiro.

Esta concepção, que atende aos interesses da nova burguesia urbano

industrial, surgida na metade do século XX, exige a modernização de todos os

149

setores da vida social brasileira258. Havia, nessa época, portanto, um clima

ideológico político e social propício para a implantação do neoliberalismo.

Importa considerar que as mudanças ocorrem mais no plano internacional

que nacional. O capitalismo impõe ao país uma nova orientação ideológica de

inspiração tecnocrática259. O desenvolvimento, até então caracterizado pelo

nacionalismo, começa a entrar em contradição com o processo de

internacionalização da economia, por ocasião da instalação das multinacionais.

Antônio Joaquim Severino argumenta:

Ao regime não mais interessava a ideologia católica, porque a essa altura não mais precisa dela. A postura básica do novo regime é ideologicamente laica, além de modernizadora, dispensando qualquer contribuição da ideologia católica, a não ser quando, na sua feição mais conservadora tradicional, colabora para a manutenção da atitude fatalista e resignada da população frente à política do Estado.260

Vários fatores merecem ser levados em conta para se compreender a

significativa história da Igreja e do Estado na vida do país, nesse período.

Entretanto, isso nos levaria para longe do nosso objeto. É conhecida a posição da

Igreja Católica frente ao regime militar logo após o golpe de 1964. A hierarquia se

mostrou condescendente e vários bispos até se declararam partidários do regime.

Porém, diante das violações dos direitos humanos, da tortura, do autoritarismo

exacerbado e da negligência dos militares em promover a justiça social, a CNBB,

a partir de manifestações regionais, passou a enfrentar decididamente o sistema

ditatorial e a aliar-se à luta da sociedade pela volta do Estado de Direito.

Com o governo do General Figueiredo, o país começa a recuperar o

caminho da democracia, que se consolida com a Assembléia Geral Constituinte e

a nova Constituição de 1988, que restaura os direitos civis e a cidadania no país.

258 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p.85 259 No Brasil, a tendência tecnicista foi introduzida no período da ditadura militar (décadas de 60 e 70) e prejudicou sobretudo as escolas públicas. Uma de sua conseqüências é a excessiva burocratização do ensino: para o controle das atividades, são inúmeras as exigências de procedimentos e papéis. Evidentemente, essa tendência ignora que o processo pedagógico tem sua própria especificidade e jamais poderá haver rígida separação entre concepção e execução do trabalho. 260 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. 91.

150

3.1.3 - O ensino religioso na estrutura legal após o retorno do Estado de Direito: de 1988 até nossos dias

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, marcou o início

de uma nova etapa da cidadania brasileira. Ao longo do período de ditadura

militar, a Nação foi se unindo na luta pela independência nacional, pela justiça

social e pela autodeterminação, ideais que esbarravam no cruel realismo das

elites em salvaguardar seus privilégios. As políticas de ajustamento da balança de

pagamento impostas pelo FMI - (Fundo Monetário Internacional) provocaram uma

queda sem precedentes nos salários reais, determinaram as condições gerais de

vida e lançaram no desemprego milhões de trabalhadores.

A sociedade brasileira, nesse período, engajou-se na luta pela

democratização, contra as conseqüências nefastas da ditadura militar em todos

os setores da sociedade, crises em parte já herdadas do período anterior, com

repercussão na educação261, que foi atingida na estrutura escolar, tais como:

encerramento de experiências escolares criativas, professores são cassados, os

períodos escolares são encurtados, o currículo é esvaziado em seu conteúdo

através da eliminação de matérias e imposição de novas, extraordinária redução

salarial dos professores.

O preâmbulo da Nova Constituição expressa o Estado democrático

sonhado de um Novo Brasil262. Nas Constituições anteriores263, a votação correu

por meio de representantes populares com delegação constituinte. A atual

Constituição (de 1988), contou com a participação da comunidade nacional,

mediante a mobilização de amplos segmentos da sociedade civil.

Os Blocos Históricos anteriores revelaram que o ensino religioso fora

usado pelo poder dominante como aliado ideológico, mesmo após a separação 261 Aquela situação caótica era, na verdade, o resultado de mudanças que ocorriam no país, visando sua independência. Eram as reformas de base que provocaram turbulência decorrentes de um modelo econômico. É importante lembrar que a sociedade brasileira foi preparada para produzir para o mercado externo, expandir a indústria multinacional e dedicar-se, ao mercado interno, ao consumo das classes médias e altas. Em conseqüência, era preciso eliminar os segmentos críticos, que lutavam pela libertação do país. 262 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” 263 As oito Constituições do Brasil:1824,1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e a atual de 1988.

151

entre o Estado e a Igreja. A nova Constituição aponta para o objetivo de se criar

uma sociedade mais democrática, conjugada com a alteridade264, evitando as

discriminações de toda a espécie, inclusive a religiosa.

Aqui está a razão da nossa motivação para a escolha da data, 1988, como

marco do início de um segmento especial do Bloco Histórico Republicano, para

nele analisarmos nosso objeto de estudo.

3.1.3.1 – Os indicativos da Carta Magna para a democratização da Educação

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de

dezembro de 1988, dedica uma seção inteira à educação, o que demonstra a

importância da mesma. A nova Constituição destaca os princípios fundamentais e

os objetivos da educação, bem como a organização do sistema educacional.

Estes princípios (fundamentais) de Direito Social estão contemplados no art. 6º265

da atual constituição.

No artigo 205266, estão previstos objetivos básicos da educação: o pleno

desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania, e a

qualificação da pessoa para o trabalho. Como se pode observar, integram-se,

nestes objetivos, valores antropológico-culturais, políticos e profissionais.

3.1.3.2 - A Carta Magna e o ordenamento do ensino religioso

Nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil presenciou uma tentativa de

redemocratização da vida social, que se refletiu na área da educação. Essa

tentativa de redemocratização atingiu o ensino religioso; a disciplina parte em

busca de sua identidade e de sua redefinição no âmbito dos currículos escolares. 264 “Respeitar o outro como alteridade significa entendê-lo como diverso, como outro e, portanto, reconhecê-lo como livre. O reconhecimento da alteridade do outro abre a possibilidade de também ser reconhecido como diverso e livre. Assim, há uma correspondência mútua entre reconhecer a alteridade do outro e ter sua alteridade reconhecida.” Severo HRYNIEWICZ, Introdução e História da Filosofia, p. 109. 265 "Art. 6º. “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” “266 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

152

As dificuldades de compreensão da identidade da disciplina como elemento

integrante da grade curricular sempre geraram discussões que refletiam a

herança do regime anterior autoritário e a crise cultural e educacional que se

instaurou em todos os setores da sociedade.

Podemos perguntar se o ensino religioso, na nova conjuntura, poderia

integrar o processo de redemocratização contribuindo significativamente para a

prática transformadora.

Na Carta Magna, argumentos e propostas são recuperados em vista da

permanência do ensino religioso no currículo, como disciplina. Com isso,

buscava-se permitir ao educando ter, na escola, a oportunidade de compreender

sua dimensão religiosa, oportunizando-lhe encontrar respostas aos seus

questionamentos existenciais, descobrindo e redescobrindo o sentido da sua

busca, na convivência com as diferenças.

No projeto democrático com vistas à pluralidade na alteridade, as escolas

deixam de ser um espaço unitário e coerente de grupos privilegiados. Com a

maior universalização do ensino, a escola tornou-se um espaço de toda a

sociedade, onde as diversas forças sociais e profissionais se articulam para

assumir responsavelmente novas modalidades de funcionamento e de ação

diante da realidade sociocultural do Brasil, cada vez mais plural e diversificada. A

escola democrática abre um espaço que permite avançar em um ensino religioso

aberto à diversidade pluricultural do Brasil.

Nesse sentido, o ensino religioso na escola pode oferecer elementos que,

pedagogicamente, contribuam para que várias visões de mundo possam dialogar.

É verdade que a educação, na modernidade, integra processos de avanços,

porém, também é verdade que a comunidade educativa, sob a formação

econômica capitalista, tem como sustentação e centro gerador de todas as

relações sociais o capital/trabalho.

Gramsci elucida esta afirmação quando diz que “nenhuma reforma

intelectual e moral pode estar desligada da reforma econômica”267.

A educação no Brasil, embora continue atrelada aos interesses dos setores

hegemônicos e privilegiados da sociedade, provoca também mudanças

qualitativas nos segmentos menos favorecidos, em virtude dos espaços que a

267 Antonio GRAMSCI, Os intelectuais e a organização da cultura, 121.

153

classe dominante foi forçada a abrir para as camadas médias e segmentos

subalternos, ampliando os espaços culturais e políticos268.

O ensino religioso no Brasil, como todo o processo educacional, participa

dessa conjuntura educacional de reprodução das condições econômico-sociais

capitalistas da sociedade classista brasileira e da ideologia dominante mas

também inclui um potencial de aliança com os setores educacionais que se

empenham em uma educação democrática a serviço de todos.

Para entender o ensino religioso em seu ordenamento e mal-estar, é

necessário entender a crise da educação nesse processo mais amplo, inserida na

crise do capitalismo de âmbito internacional com repercussões na realidade

nacional.

3.1.3.3 - A trajetória da atual LDB

Em 1961 é publicada a LDB que regulamenta o sistema educacional.

A Lei nº 4.024/61, - a primeira LDB elaborada no Brasil - não se preocupou

muito com o ensino básico. Vale lembrar também que, antes dela, não havia no

Brasil uma lei específica para a educação.

No que concerne ao ensino religioso nas escolas públicas de ensino

fundamental, houve grandes debates antes e depois do período de sua

elaboração, entre o os defensores269 da inclusão do ensino religioso na LDB e os

adeptos da escola pública laica270, seguidores do manifesto dos pioneiros271.

É possível deduzir que os dois grupos de intelectuais conceituaram o

ensino religioso de diferentes formas e atribuíram a ele objetivos diversos em

função dos seus interesses.

Os aspectos ideológicos em jogo eram os mesmos de antes: a conquista

de hegemonia das lideranças conservadoras da igreja contra a ação do Estado,

que se separou da Igreja com a proclamação da República.

268 Antonio Joaquim SEVERINO, Educação, ideologia e contra-ideologia, p 96. 269 Os defensores, grupo liderado pela Igreja católica por meio da AEC, CRN, CNBB. 270 ABE, que seguia os princípios do manifesto dos pioneiros da educação. 271 Documento assinado por 26 educadores brasileiros e redigido por Fernando de Azevedo no ano de 1932 que recebeu o nome de “A reconstrução educacional do Brasil, ao povo e ao governo”O manifesto tinha como objetivo estabelecer uma nova educação laica.

154

Apesar da abertura para a colaboração recíproca entre Igreja e Estado, a

situação do ensino religioso ainda prevalece de maneira restrita no sistema

escolar brasileiro.

O ensino religioso foi contemplado na LDB, no artigo 97 da Lei nº 4.024/61,

com a seguinte redação:

Art. 97. O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1º A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo de alunos. § 2º O registro dos professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa272.

Em 1971, sob o regime militar, promulga-se nova LDB sob a Lei nº

5692/71, que fixava Diretrizes e Bases do ensino de 1º e 2º graus e trazia

alterações no sentido de conter os aspectos liberais constantes na lei anterior,

estabelecendo um ensino tecnicista para atender ao regime vigente voltado para

a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista.

A referida Lei (nº 5692/71) permaneceu em vigor até 1996, quando da

aprovação da nova LDB, conhecida como Lei da Profissionalização do Ensino.

Publicada pelo então presidente Emilio Garrastazu Médici, voltou a

explicitar o caráter obrigatório da oferta do ensino religioso no curriculo dos

estabelecimentos oficiais, mantendo a matrícula facultativa, no artigo 7° §

único:“O ensino religioso de matrícula facultativa constituirá disciplina dos horários

normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus”.

Ela difere da LDB de 1961, pois exclui a expressão sem ônus para os

cofres públicos, não estabelece que o ensino religioso deve ser ministrado de

acordo com a confissão religiosa do aluno e estende o ensino religioso às escolas

públicas de 2º grau.

A LDB nº 5692/71 garantiu a formulação anterior, que previa a autorização

do professor de ensino religioso pela respectiva autoridade religiosa, revogou o

Art. 97 da lei 4024/61, que desincumbia o Estado ao ônus relativo aos professores

de ensino religioso. 272 O acesso pode ser feito através do site: http://www.mec.gov.br

155

Com a promulgação da Constituição do Brasil de 1988, as LDBs anteriores

foram consideradas obsoletas.

A Assembléia Constituinte de 1988 manteve o ensino religioso como

disciplina facultativa, não extensiva ao Ensino Médio273.

A atual LDB Lei Nº 9.394/96, foi sancionada em 20 de dezembro de 1996,

trazendo um dispositivo cujo teor avivou a polêmica sobre o ensino religioso,

porque isentava o Estado de encargos com o pagamento do professor de ensino

religioso, o que contrariava o princípio do direito universal da educação para

todos. Ela contempla o ensino religioso na sessão III (do Ensino Fundamental), no

capítulo II (da Educação Básica), no título V (dos níveis das modalidades de

Educação e Ensino), no Artigo 33274.

As ambiguidades e polêmicas que envolveram o ensino religioso no âmbito

desta Lei voltaram à Assembléia Legislativa. A solução proposta foi a de dar uma

nova redação ao Artigo 33. Essa redação foi dada pela Lei nº 9.475/97, publicada

no Diário oficial da União em 23/07/1997.

O Caput do novo Artigo 33 apresenta a situação objetiva do ensino

religioso para o ensino fundamental: “será de matrícula facultativa; será parte

integrante da formação básica do cidadão, deverá constituir-se em disciplina dos

horários normais das escolas públicas; deverá assegurar o respeito à diversidade

cultural e religiosa do Brasil, e estão vedadas quaisquer formas de proselitismo”

Determina que os sistemas de ensino a que estão vinculados os

estabelecimentos de ensino fundamental: “regulamentarão os procedimentos para

a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para

habilitação e a admissão dos docentes” ( parágrafo primeiro).

273 O texto recebeu a seguinte redação:”O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental“. 274 Este artigo tem a seguinte redação: “Art. 33 - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:

I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou

II – interconfessional, resultante de acordo entre diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa”.

156

O § 2º do mesmo Artigo 33 prevê, ainda, que “os sistemas de ensino

ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para

a definição dos conteúdos do ensino religioso”.

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) com

nova redação de 1997 buscou propiciar uma identidade ao ensino religioso

tentando, assim, superar a lei anterior (Lei 5692/71) que se dispersava em

inúmeras leis menores incluindo Pareceres, Resoluções Federais, Leis Estaduais

de diversas categorias e Leis Municipais, que a regulamentavam.

Todavia, apesar de a nova LDB abrir caminhos ao ensino religioso nos

seus mais diversos recortes teóricos e metodológicos, antropológicos, persistem

problemas não solucionados, o que significa que as medidas propostas pela

referida legislação não compuseram uma proposta consistente.

Francisco Aparecido Cordão275 argumenta que a atual Lei de Diretrizes e

Bases é suficientemente clara ao vetar que a disciplina ensino religioso se preste

à prática de “quaisquer formas de proselitismo”. O ensino religioso deve

assegurar o “respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil”.276

O mesmo autor salienta, também, que

Essa diversidade e pluralidade cultural e religiosa não é um fenômeno genuinamente brasileiro. Ele é praticamente universal. Poderíamos dizer que é uma chama acesa no coração de cada ser humano e que isto, por si só, já é razão suficiente para que uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional contemple a temática ensino religioso.277.

Cordão, ao referir-se aos trabalhos da Câmara de Educação Básica do

Conselho Nacional de Educação - cujos estudos sobre o ensino religioso e sua

prática escolar até hoje não foram concluídos, nem foram aprovados os

Parâmetros elaborados pelo FONAPER278, vê como fator de “alta indagação e

275 Francisco Aparecido CORDÃO, é Conselheiro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação – Diretor Presidente da Consultoria Educacional PEABIRU Ltda – Consultores Associados em Educação. 276 Francisco Aparecido CORDÃO, A formação do educador de ER: perspectivas de uma história, In: Sérgio R. A. JUNQUEIRA e Lilian B. de OLIVEIRA (org.) Ensino Religioso: Memória e perspectiva, p. 120. 277 Ibid., p.121. 278 O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER) é um organismo que trata de questões pertinentes ao ensino religioso, formado por educadores, organismos e entidades envolvidas com o ensino religioso,como espaço aberto para refletir e propor encaminhar, deliberar

157

complexidade” a polaridade entre a laicidade do Estado e da educação e a

inclusão obrigatória de uma disciplina de religião no currículo escolar279. O mesmo

autor acrescenta:

Cada vez que esse tema compareceu à cena dos projetos educacionais, veio sempre carregado de uma discussão intensa em torno de sua presença e factibilidade, em um país laico e multicultural.280

Este estado de crise no ensino religioso revela que a sociedade globalizada

e multicultural requer um “novo” ensino religioso, com um novo jeito de ser

implementado, pensado e afirmado no âmbito do espaço escolar.

Persistem os mal-estares, e a nova Lei tem suas luzes e sombras.

3.1.3.4 - Luzes e Sombras da Nova Lei sobre o ensino religioso

O ensino religioso na atualidade vem passando por transformações e

tensões e essa questão é complexa, porque envolve processos históricos de

laicidade do Estado e, ao mesmo tempo, nos leva a questionamentos relativos ao

próprio nome da disciplina “ensino religioso”, que evoca ensino da religião num

Estado laico.

Observe-se que esta denominação pode acarretar problemas, no sentido

de estabelecer um ensino religioso numa escola multicultural.

Entretanto, a nova Lei trouxe novas luzes, pontos positivos. Um amplo

olhar para o panorama da prática do ensino religioso atual nos mostra uma

realidade rica e complexa, com luzes e sombras, desafios e conquistas.

O ensino religioso nasceu subjugado ao regime político e ideológico. É uma

história de buscas, de reflexão, de redefinição, configuração, compreensão,

encaminhamentos referentes ao ER, sem descriminação de qualquer natureza, “espaço pedagógico centrado no atendimento ao direito do educando. de ter garantida a educação da sua busca do Transcendente”. Carta de Princípios do FONAPER. Carta aberta da Primeira Sessão. Florianópolis SC, 26 de setembro de 1955. (Anexo. 7). 279 Francisco Aparecido CORDÃO, Formação do educador de ensino religioso: Perspectivas de uma história, In. Sérgio Rogério Azevedo JUNQUEIRA; Lílian Blanck de OLIVEIRA (orgs.), Ensino religioso: Memória e Perspectivas, p.120. 280 Ibid., p.122.

158

operacionalização e legalização, deixando claro que ele se orientou em sentidos

diversos, de acordo com as diferentes Constituições.

Na atualidade, é um componente curricular, que tem status de disciplina,

conforme preconiza a Lei nº 9495/97, que modificou o artigo 33 da atual LDB da

Educação Nacional (9394/96), e é nessa proposta legal que aparecem luzes e

sombras.

3.1.3.4.1 – Luzes

Partimos da convicção de que a Nova Lei traz luzes que propiciam uma

identidade ao ensino religioso, uma vez que impulsiona a buscar um consenso

construído por profissionais e especialistas em especial da área de Ciências da

Religião, para definir as suas bases teóricas e metodológicas capazes de superar

abordagens e práticas de recorte catequético e confessional.

Efetivamente há avanços, pois situa o ensino religioso em um processo

educativo amplo, numa sociedade pluralista, e constitui, na escola, um espaço

importante para discussão e reflexão no processo de aprendizagem, da

convivência humana respeitosa e solidária, aberta ao outro, ao diferente, na qual

educadores e educandos procuram resgatar os valores fundamentais da vida e

dar sentido mais profundo e transcendente à existência humana, a partir da

própria religiosidade.

Os dispositivos da nova Lei contêm flexibilidades que permitem avançar em

um ensino religioso aberto à diversidade cultural e religiosa do Brasil.

Considerando-se esse aspecto, ele pode oferecer elementos que,

pedagogicamente, contribuam para que várias visões de mundo possam dialogar.

O ensino religioso, na sua complexidade, busca sua identidade no conjunto

curricular como disciplina, ampliada como área de conhecimento, aberto à

diversidade cultural religiosa, disposto ao diálogo e à prática da

transdisciplinaridade, construindo e transmitindo conhecimento nos seus diversos

recortes teóricos e metodológicos, a partir da necessidade e dos interesses dos

educandos.

Se o ensino religioso escolar como disciplina pode oferecer elementos que,

pedagogicamente, contribuam para que várias visões de mundo conversem entre

159

si, ele tem condições de assumir uma prática pedagógica que se solidifica no

conhecimento efetivo e afetivo das várias expressões religiosas.

A Nova Lei mudou o foco, o pilar de leitura e o tratamento do ensino

religioso, no que diz respeito à seleção de conteúdos, à prática pedagógica e à

formação de professores. Apontou, portanto, o ensino religioso como parte

integrante na construção dos currículos das escolas do ensino fundamental,

capaz de articular-se com a vida cidadã281. Em seu ordenamento específico,

orientou posicionamentos sobre a superação do proselitismo, discriminação e

intolerância no espaço escolar. Assegurou ao ensino religioso uma autonomia que

lhe permite centrar-se nos valores humanos e no direito do cidadão, garantindo a

este a liberdade de religião e pensamento.

A Lei 9495/97 propicia ao ensino religioso um caminho para sua

implementação e consolidação como área do conhecimento no contexto escolar,

com uma identidade definida em termos formais e reconhecido como disciplina

nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Sua leitura não

é mais qualificada nas modalidades de ensino religioso confessional, ecumênico,

inter-confessional e inter-religioso; ele é parte integrante da formação básica do

cidadão282.

A nova Lei, em seu parágrafo primeiro, determina responsabilidade aos

sistemas de ensino que regulamentam os procedimentos para a definição dos

conteúdos do ensino religioso e a habilitação dos professores. Nesse sentido, a

referência feita por Soares aos fatores que incidem sobre a ação do ensino

religioso constitui-se efetivamente, em luzes oriundas da atual LDB em sua

aplicação. Dessa forma, Afonso Maria Ligorio Soares entende que o ensino

religioso Pode ser capaz de proporcionar aos docentes o conhecimento dos elementos básicos do fenômeno religioso a partir da experiência dos alunos: expor e analisar o papel das tradições religiosas na sociedade e nas

281 O FÓRUM, NACIONAL PERMANETE DE ENSINO RELIGIOSO, atribui o seguinte significado à vida cidadã: é o do exercício de direitos e deveres de pessoas, grupos e instituições na sociedade, que, em sinergia, em movimento cheio de energias que se trocam e se articulam, influam sobre múltiplos aspectos possibilitando, assim, o viver bem e as transformações da convivência para melhor. FÓRUM, NACIONAL PERMANETE DE ENSINO RELIGIOSO, Caderno Temático nº 01, p.11. 282 FONAPER. Ensino religioso Capacitação para o novo milênio. Ensino religioso é disciplina integrante da formação do cidadão, p. 14.

160

culturas. Contribuir para a compreensão das diferenças e semelhanças entre as tradições religiosas: refletir sobre as relações dos valores éticos e práticas morais com as matrizes religiosas presentes na sociedade e na cultura: apresentar a religião como referência de sentido para a existência dos educandos e como um fator de condicionamento para a sua postura social e política, elucidar a problemática metodológica, curricular e legal do ER: e explicitar os processos de constituição, identificação e interação das denominações religiosas em seus diferentes contextos.283

O autor observa que a aprendizagem parte da experiência dos alunos e

que o ensino religioso tem, portanto, uma função integradora para o grupo, entre

seus membros, já que a vida é construída pelas relações de uns com os outros.

Na pesquisa de campo, apresentada e descrita no segundo capítulo, os

entrevistados compartilham pontos positivos referentes à LDB, dizendo:

A Nova LDB cria necessidade de zelar na formação do professor. Isto é muito importante pois percebo a necessidade de um melhor conhecimento. Entendo que ensino religioso não é ensinar o que é específico de uma denominada confissão religiosa 284.

Assim, uma das características marcantes da Lei de Diretrizes e Bases

evidenciada pelos entrevistados é a possibilidade de trabalhar o o ensino religioso

em uma direção valorativa do indivíduo e da sociedade. Esse é o teor do seguinte

depoimento: Através do ensino religioso buscamos nossas raízes culturais, que nos levam a perceber e a respeitar a pluralidade, da sociedade brasileira. Ele propicia conhecimento do fenômeno religioso, zela pelos valores, dá sentido à vida e conduz tanto a vida pessoal como a vida da sociedade para valores perenes. É a disciplina que leva o educando a cultivar um melhor conhecimento de sua religião e respeitar os que praticam outras religiões. 285

Confirma-se, portanto, por parte dos entrevistados, a existência de

concepções positivas referentes à nova Lei que orienta o ensino religioso.

283 Afonso Maria Ligorio SOARES, Apresentação da coleção. In. João Décio PASSOS, Ensino religioso: Construção de uma proposta, p.8. 284 Karoline MOK, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 1, p. 6. 285 Igor MANI, Entrevista semi-estruturada, fichário nº 2, p. 20.

161

A pesquisa, como podemos observar, apresenta a relevância da religião

para a vida social e individual, seguindo uma perspectiva disciplinar científica, que

permite avançar para o estudo da religião como caminho para a formação de um

cidadão mais crítico e responsável.

A nova Lei apresenta também características básicas de flexibilidade, de

abertura e de inovações. É possível perceber que a Lei indica horizontes na

busca de soluções para a problemática do ensino religioso no Brasil, capazes de

dinamizá-lo como disciplina.

Mas faz emergir também desafios a superar. Esses pontos negativos não

passaram desapercebidos nas entrevistas e nos questionários e carecem de

análise mais acurada.

3.1.3.4.2 - Sombras No processo de análise dos pontos obscuros que sobressaem da

legislação específica do ensino religioso, buscamos nas palavras de Aparecido

Francisco Cordão a luz para melhor entender essa situação. Em um de seus

trabalhos, Cordão ressalta a complexidade asseverada pela Câmara de Educação

Básica do Conselho Nacional de Educação no caso específico do ensino

religioso:

A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, em estudos não concluídos sobre o “ensino religioso e sua prática escolar”, assevera que o ensino religioso, como parte integrante do currículo, quando legalmente aceito e não só, mas constitucionalmente prescrito para os currículos das escolas do ensino fundamental, na medida em que envolve a questão da laicidade do Estado, a realidade sócio-cultural dos múltiplos credos e a face existencial de cada indivíduo, torna-se uma questão de alta indagação e complexidade, em termos de encaminhamento adequado, frente aos princípios que orientam a convivência democrática da humanidade contemporânea286.

286Francisco Aparecido CORDÃO, A formação do educador de ensino religioso: perspectivas de uma história. In: Sérgio R.A.JUNQUEIRA e Lilian B. de OLIVEIRA (org), Ensino religioso:memória e perspectivas, p.121.

162

O ensino religioso, no panorama atual, reflete a problemática do passado

histórico e se apresenta como uma disciplina difícil de ser situada no contexto

escolar. Não há clareza quanto à sua identidade e seus conteúdos específicos.

Cury explicita esta situação difícil quando diz:

Nos dias atuais, talvez a comparação mais perfeita para a situação neste quadro seja “ver-se em evidência embaraçosa”. A força dessa indução leva a buscar alternativas de pensamento e ação, para sair da crise287.

As expressões utilizadas por Cordão ‘’Uma alta questão de indagação e

complexidade”- e por Cury - “evidência embaraçosa”- indicam que, na área do

ensino religioso, há um desafio provocador, que deve levar a sérias pesquisas, a

freqüentes diálogos, apropriando-se da hermenêutica288 para discutir a fundo as

questões afetas à disciplina e suas significativas mudanças, para conviver com a

alteridade em suas mais variadas manifestações, a partir da ética e dos Direitos

Humanos, entre os quais está o direito de se ter uma opção religiosa.

Esta compreensão desafia as formas tradicionais que ainda persistem em

utilizar a disciplina como meio de doutrinação.

Essa atitude não traz nenhuma contribuição para afirmar essa disciplina

que ainda está em uma fase incipiente de busca de sua identidade,

especificidade, finalidade, conteúdos, metodologia e de profissionais

competentes, como requer a boa pedagogia.

É importante considerar que o debate sobre o ensino religioso vem

acompanhando toda a história de nossa educação e que os pronunciamentos

sobre a matéria estiveram sempre presentes.

Conforme entende Figueiredo, a complexidade que envolve o ensino

religioso, em sua ”raiz”, está implícita no conflito existente na sociedade brasileira,

assumido pelos legisladores, ou seja, Em todo o período permaneceram as tendências de raiz, ou seja, a presença tanto dos defensores do “ensino leigo” – entendido como não religioso, ou a isenção dos encargos de sua manutenção pelos cofres públicos – como dos

287 Carlos Roberto Jamil CURY, Ensino religioso e escola pública: o curso histórico de uma polêmica entre Igreja e Estado no Brasil. Educação em Revista, Faculdade de Educação/ UFMG), Ano VIII- nº 17- junho de 1993, col. 1, p. 26. 288 Como teoria geral, a hermenêutica no ensino religioso é a arte de captar o sentido, tem seu grande valor na interpretação de textos religiosos ou filosóficos.

163

defensores do ensino religioso nas escolas públicas, como direito do cidadão e dever do Estado em garanti-lo, porém com subsídio financeiro.289

João Décio Passos, ao abordar o tema referente a Igreja e o Estado aponta

outra crise:

O centro da questão residia na relação entre ensino público e liberdade religiosa, ou, em termos políticos entre a religião e a laicidade290 inerente ao Estado moderno, resultado entre a separação entre Igreja e Estado291 .

Esta é uma questão central que ainda permanece não resolvida. Ao referir-

se à Constituição de 1934 Cury observa que ela apresenta um marco para o

debate sobre o ensino religioso, pois,

Data desta Constituição a assinalação, até hoje permanente, do ensino religioso como disciplina obrigatória dos currículos das escolas públicas, ainda que de matrícula facultativa. De outro lado, dela data também a exclusão do termo laicidade das constituições federais brasileiras292.

É importante perceber que a luta do laicismo pela exclusão do ensino

religioso presente na Constituição de 1934 tem reflexo até os dias atuais, e

constitui um aspecto sombrio que leva a indagar: teria sido totalmente superado o

laicismo no que tange ao ensino religioso?

Com relação a essa dúvida Queiroz, em texto ainda inédito, traz algumas

importantes reflexões. Ele argumenta que o ensino religioso não aparece na

Constituição da República de 1891 e só se faz presente depois de longos 43

anos, na Constituição do primeiro governo de Vargas, em 1934. Por que essa

ausência?

289 Anísia de P. FIGUEIREDO, Realidade, poder, ilusão: um estudo sobre a legalização do ensino religioso nas escolas e suas relações conflitavas como disciplina “sui generis” no interior do sistema público de ensino, p.34. 290 A corrente laicista assim argumenta: a laicidade permite que se assuma, defenda e promova, sem tibieza ou tergiversações, os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, sem que a liberdade religiosa seja posta em causa ou os crentes beliscados nos seus direitos.Disponível em http://www.geocities.com/.Acesso:01/09/07 291 João Décio PASSOS, Ensino Religioso: Mediações Epistemológicas e Finalidades Pedagógicas, In. Luzia Sena ( org.), Ensino Religioso e formação docente, p.21. 292 Carlos Roberto Jamil CURY, A relação educação-sociedade-Estado pela mediação jurídico-constitucional. In: Osmar FAVERO, A educação nas constituintes brasileiras, p. 14-15.

164

Para responder a essa indagação, ele recorre à pesquisa de Viviane

Cândido, que, na dissertação sobre o ensino religioso em suas fontes,293 trabalha

uma corrente visceralmente contrária ao ensino religioso, a que ela denomina o

“Grupo do Não”, constituído por ateus, liberais, laicistas, luministas,

agnósticos, socialistas etc. Este grupo, desde o fim do Império e a instauração da

República, tem tido presença atuante no cenário cultural e político brasileiro.

Segundo Queiroz, esse grupo foi em parte vencido, mas não extinguido,

pela ação política do lobby católico instituído pelo Cardeal Leme junto ao governo

Vargas. Esse lobby, por meio da LEC ( Liga Eleitoral Católica), conseguiu maioria

católica entre os Constituintes de 1934 e, por conseqüência, a aprovação de

vários privilégios e reivindicações da Igreja, entre elas o retorno do ensino

religioso, que voltou a ser obrigatório nas escolas públicas, porém, desde então

até hoje, como disciplina facultativa para o aluno.

Como se vê, o “grupo do não” perdeu, mas não totalmente, porque

consegue imprimir o caráter facultativo a esse ensino. Tem início, então, o

aspecto contraditório e ambíguo do ensino religioso, que perdura até hoje: é

obrigatório e ao mesmo tempo facultativo. É e não é!

Em 1997, é aprovado o projeto de Lei do deputado petista Roque

Zimmerman que dá nova redação ao art. 33 da LDB. O ensino religioso conquista

o status de disciplina dos horários das escolas públicas do ensino fundamental e

deixa de ser exclusivamente confessional. Aliás, a nova Lei proíbe qualquer forma

de proselitismo e lhe confere a característica de ensino pluriconfessional, pois o

seu conteúdo deve ser definido por entidade civil constituída por diferentes

denominações religiosas.

Queiroz volta sua atenção para a ambigüidade que se agrava por obra

dessa mesma Lei, pois o âmbito federal “lava as mãos” e “joga” para os sistemas

de ensino (estaduais e municipais) a tarefa de definir os conteúdos da disciplina e

as normas para a habilitação e admissão de professores.

O mesmo autor constata que foi por essa razão que os Parâmetros

Curriculares para o ensino religioso, elaborados pelo FONAPER e apresentados

ao MEC em 1998, até hoje não tiveram aprovação oficial, embora a Câmara de

293 Viviane Cristina CÂNDIDO, O ensino religioso em suas fontes: uma contribuição para a epistemologia do ensino religioso, Dissertação (Mestrado em Educação), São Paulo: UNINOVE, 2004.

165

Ensino Básico, naquele mesmo ano, tivesse reconhecido a Educação Religiosa

como uma das áreas de conhecimento.

Essa “liberação” do ensino religioso para os sistemas de ensino parece ser

um dos fatores que vem facilitando o retrocesso do ensino religioso do status de

disciplina e área de conhecimento para a condição de ensino confessional,

catequético, fechado ao diálogo e à dimensão plurirreligiosa.

A inclusão da disciplina do ensino religioso no currículo das escolas

públicas do ensino fundamental, tal como é praticado atualmente, evoca uma

problemática do período Republicano, em meio a amarras e ao peso de um

contexto sócio-político-econômico-cultural.

Observa-se que não há um direcionamento maior dos conteúdos

curriculares do ensino religioso por parte da União, o que vem provocando uma

multiplicidade de pareceres e decretos, como é o caso do Parecer Nº 97/99

(Anexo 09), do Conselho Nacional de Educação-UF:DF, adotado como

embasamento para nossa reflexão.

O Parecer trata da autorização e reconhecimento de cursos de licenciatura

em ensino religioso. O referido documento apresenta o seguinte:

A Lei nº 9.475 não se refere especificamente a esta questão, o problema precisa ser resolvido à luz da legislação maior, da própria Constituição Federal, dentro das limitações estabelecidas pela lei acima referida e pela própria Lei 9394, nos artigos e parágrafos não alterados pela legislação posterior294.

O Conselho Nacional de Educação (CNE), no mesmo documento, levanta

várias considerações e justifica a disposição da lei que delega aos sistemas de

ensino, não só definir os conteúdos, mas também as normas para habilitação e

admissão de professores, dada a impossibilidade de uma diretriz curricular única

e uma licenciatura em ensino religioso com um consenso entre as partes que

organizam as propostas curriculares sobre o conteúdo e uso de metodologias

apropriadas à referida disciplina.

O citado parecer finaliza com a seguinte afirmação:

294 O acesso pode ser feito através do site www.mec.gov.br

166

Não cabe à União determinar, direta ou indiretamente, conteúdos curriculares que orientam a formação religiosa dos professores, o que interferiria tanto na liberdade de crença como nas decisões de Estados e municípios referentes a organização dos cursos em seus sistemas de ensino. Não lhe compete autorizar, nem reconhecer, nem avaliar cursos de licenciatura em ensino religioso, cujos diplomas tenham validade nacional, competindo aos Estados e municípios organizarem e definirem os conteúdos do ensino religioso nos seus sistemas de ensino e as normas para a habilitação e admissão dos professores.295.

Tais posicionamentos nos levam a crer que há uma notável discriminação

do ensino religioso em relação às demais disciplinas, que têm amparo legal e

estão reguladas pela própria União quanto às exigências de curso superior de

licenciatura para o efetivo exercício no magistério e as normas curriculares. Nesse

aspecto, o ensino religioso e seus conteúdos curriculares acabaram sendo refém

de uma tríplice força: as igrejas, as entidades civis e as instâncias legislativas

estaduais e municipais.

Acrescente-se que, atualmente, o acelerado processo de construção de

conhecimento, as novas tecnologias e as leis de mercado exigem dos

profissionais novas habilidades, e isso rebate no professor de ensino religioso

O ensino religioso, um filho gerado e deserdado pela União, não oferece ao

seu profissional o amparo necessário para se atualizar perante as necessidades

dos novos tempos. Esse cenário compromete a educação de qualidade, porque

afeta o cotidiano do profissional em sala de aula, no ato de aprender e de ensinar,

e impede uma educação que, segundo a CNBB,

Deve estar a serviço desse aprender que se radicaliza na liberdade, passa pela libertação da pessoa e culmina na abertura a uma ordem social humanizadora296.

Nessa perspectiva, é importante encontrar caminhos para que o ensino

religioso possa fazer parte do conjunto de saberes, avançar nas discussões e

estudos quanto à sua identidade e à definição de sua episteme, bem como com

relação às necessidade de se implantar uma política específica dessa disciplina.

João Décio Passos afirma:

295 PARECER Nº: CP 097/99 (anexo 9). 296 CONFERÊNCIA DOS BISPOS DO BRASIL, Educação Igreja e Sociedade, p. 40.

167

Desde a nova LDB o Ministério da Educação não conseguiu implantar uma politica do ER que superasse a clássica questão da separação Igreja-Estado, o que significou não conseguir sustentar uma proposta consistente desse ensino: do ponto de vista antropológico, como uma dimensão humana a ser educada; do ponto de vista epistemológico, como uma tarefa de conhecimento com estatuto próprio, conforme indica a Resolucão n 2/98, da Câmara de Educação Básica; e, do ponto de vista político, como uma tarefa primordialmente dos sistemas de ensino e não das confissões religiosas 297.

A democratização do ensino religioso está subordinada ao processo geral

de democratização da educação e da sociedade nacional. Ela exige como

condição para sua realização, o enfrentamento dos mecanismos de exclusão que,

enfeixados no ensino religioso, cerceiam os caminhos para que a educação possa

atuar decisivamente no processo de construção da cidadania, tendo como meta o

ideal de uma crescente igualdade de direitos.

Portanto, a qualificação e habilitação de professores para o exercício pleno

da função constitui um dos grandes desafios, ou sombra, presente no sistema

educacional brasileiro, a ser superado.

Convém destacar que o ensino religioso, por ser mais que um saber sobre

religiões, uma reflexão diversificada sobre a vida humana em todas as culturas,

comporta educadores com formação específica para trabalhar os valores da

religiosidade básica, de raiz, ou seja, anterior e subjacente, em toda pessoa

humana, a qualquer temática e estrutura religiosa.

A ausência de cursos de formação a nível de licenciatura e graduação

plena, de conformidade com as novas exigências do ensino religioso para os dias

atuais, dificultam aos professores aprofundar as informações que receberam em

sua formação geral e interpretá-las em chave de leitura pedagógica, científica e

religiosa. Com dificuldade, trabalham as concepções próprias da religiosidade.

Poucos conseguem chegar a um clima de liberdade e juízo crítico com relação às

mais variadas manifestações religiosas, a partir da ética e dos Direitos Humanos,

entre os quais está o direito de se ter uma opção religiosa.

A nova Constituição, as Leis e Pareceres chamam a atenção para a

urgência de debate sério e profundo sobre a problemática Educacional Brasileira 297 João Décio PASSOS, Ensino religioso: construção de uma proposta, p. 14.

168

e nela o ensino religioso. É necessário uma discussão ampla, envolvendo toda a

sociedade brasileira e não somente os chamados profissionais da educação. Este

aspecto pode constituir objeto de análises posteriores.

O ensino religioso requer uma discussão em âmbito mais amplo capaz de

alimentar a consciência de que, na construção de uma nação, a educação é

responsável pela estruturação de valores, pela visão de pessoa e de sociedade,

pelo uso dos bens públicos, pelo tipo de participação popular, pela construção do

bem comum, enfim, pelo perfil de pessoas e de sociedade que queremos. E esse

cenário toca diretamente a formação do professor de ensino religioso.

3.2 – A formação do professor de ensino religioso: uma ausência e uma exigência repetidas vezes apontadas na pesquisa.

Após situar e analisar o ensino religioso na legislação brasileira, nos

sucessivos Blocos Históricos que marcaram a periodicidade da história da

educação no Brasil, importa agora voltarmo-nos para as inquietações relativas à

formação dos professores, questão que se apresentou como outro agente

provocador de mal-estar. Sobre este indicativo, pretende-se realizar uma análise

tendo como referência a sua grande incidência na pesquisa de campo.

Ao localizar os pontos de maior incidência, a pesquisa de campo revela

que a educação, a epistemologia298 e a ética têm uma relação intrínseca com a

formação, situada no centro das preocupações dos entrevistados. Os dados

mostram que há defasagem na formação específica para a área, no sentido de

um preparo melhor para atuar com a complexidade atual no campo do ensino

religioso, pois as mudanças que ocorreram na estrutura social, principalmente no

processo de trabalho de formação do aluno, passam a exigir um profissional mais

flexível, eficiente e polivalente.

As exigências de qualificação do professor de ensino religioso colocam

desafios à formação deste profissional no aspecto qualitativo, em diferentes

saberes acadêmicos, baseados na experiência, rotinas e guias de ação e teorias

implícitas que requerem análise; outros desafios surgem da expansão política e 298 A epistemologia da prática tem sua raiz em Dewey (1859-1952) que fez uma importante distinção entre o ato humano reflexivo e o rotineiro, colocando a reflexão como uma forma especializada de pensar. No entanto, foi com Donald Schön, na década de 80 do século XX, que este conceito se popularizou e se estendeu ao corpo de formação de professor

169

social dos saberes, isto é, conhecimentos, competências e habilidades que os

professores precisam ter diariamente nas salas de aula e nas escolas, a fim de

realizar concretamente suas diversas tarefas.

Para a construção da competência do docente em ensino religioso, as

exigências são múltiplas, como observa Cortella:

A construção da competência do docente de ensino religioso, por ser área profundamente delicada e usualmente polêmica, carece de maior substância e necessita ser feita de forma embasada, consistente, metódica, com recursos e reflexões da Didática e da Pedagogia sobre os processos educativos299.

Por isso, segundo João Décio Passos, é importante recorrer aos

fundamentos das Ciências da Religião com todo aporte que oferece para

investigações do ensino religioso na história e nas sociedades (de antes e de

agora), nos campos simbólicos, nas relações com o poder político, sempre com a

colaboração multidisciplinar dos vários ramos do saber300.

Essa construção de competências vem constituindo, sempre mais, uma

tarefa urgente na formação do professor. Porém, refletir propositivamente requer

uma adequada consideração do cenário que se visualiza no âmbito nacional e

estadual, quando a educação vai se direcionando à lógica de mercado. Sob esta

perspectiva, como diz Mário Sergio Cortella:

Não há como negar que na atualidade um dos grandes desafios para as universidades públicas está na formação dos professores que vão atuar no ensino fundamental das escolas estaduais do país, no que diz respeito a sua formação técnico-científico-cultural301.

Na decorrência de grandes transformações culturais, sociais e tecnológicas

pelas quais tem passado a humanidade, novos paradigmas têm norteado a

concepção de ensino religioso no Brasil. As modificações do mundo

contemporâneo impõem certas preocupações aos professores de ensino

299 Mario Sergio CORTELLA, Educação, ensino religioso e formação docente, In.: Luzia SENA (org.) Ensino religioso e formação docente, p. 20. 300 João Décio PASSOS, Ensino religioso: construção de uma proposta, p. 23. 301 Mario Sergio CORTELLA, Educação, ensino religioso e formação docente, In.: Luzia SENA (Org.) Ensino religioso e formação docente, passim.

170

religioso, no sentido de proporcionar ao educando informações e reflexões que o

ajudem a cultivar sua religiosidade, encaminhar um projeto de vida, vivenciar

práticas transformadoras, remover eventuais resistências e obstáculos à fé,

compreender as diversas expressões religiosas e o ateísmo; valorizar a própria

crença e respeitar a dos outros.

Tais preocupações não podem ficar alheias à revolução das ciências e dos

meios de comunicação de massa que exigem formar profissionais capazes de

superar preconceitos e fazer frente à complexidade social que se descortina. É

necessário que saibam lidar também com o pluralismo dos novos tempos, nos

quais as religiões e seu estudo devem inserir-se pela ação pedagógica e ética.

Em consonância com a preocupação dos professores entrevistados, cujas

afirmações ressaltam que a formação do professor precisa ser concebida como

um continuum302, ou seja, um processo de desenvolvimento ao longo do seu

trabalho como profissional303, deve-se entender essa formação como um voltar-se

para a profissionalização, para um maior comprometimento com o próprio

desenvolvimento e com os grupos de referência.

3.2.1 - A epistemologia e a formação do professor: mapeando concepções.

A questão da epistemologia304 está no centro do debate sobre a formação

do professor contemplada por vários autores que se tornaram referência neste

estudo.

Teresinha Rios destaca o núcleo específico relacionado com a formação do

educador: a questão da qualidade do trabalho educativo e a questão da

competência do educador. Ela enfatiza a importância da indissociabilidade entre

estas duas dimensões e apresenta a dimensão ética como mediadora entre

ambas. Ao falar da formação do educador, com vistas a uma profissionalização

302 Essa idéia de continuum obriga ao estabelecimento de um fio condutor que vá produzindo os sentidos e explicitando os significados ao longo de toda a vida do professor, garantindo ao mesmo tempo, os nexos entre a formação inicial, continuada e as experiências vividas. 303 Karoline MOK, Entrevista diretiva: fichário nº 1, p. 08. 304 Entende-se por epistemologia do ensino religioso, sua fundamentação teórica e metodológica enquanto área específica do conhecimento, que assume a religião como objeto de estudo, produzindo sobre ele resultados compreensivos que normalmente são credenciados como ciência. João Décio PASSOS, Ensino religioso: mediações epistemológicas e finalidades pedagógicas. In: Luzia SENA (Org.) Ensino religioso e formação docente, p. 23.

171

em que haja competência, menciona o duplo caráter dessa competência: sua

dimensão técnica e política. Também confirma a interface entre a ética, a política

e a técnica, e enfatiza a dialeticidade que aí se instaura. A sua reflexão,

entretanto, não estabelece uma interligação somente entre esses três elementos,

mas vai inserindo e articulando, ao mesmo tempo, uma discussão dessas

dimensões com a questão da formação dos professores305.

Outro autor que situa a questão da formação do professor é João Décio

Passos. Em seu livro intitulado Ensino religioso: construção de uma proposta, visa

situar a problemática epistemológica do ensino religioso. Ele defende o modelo

das Ciências da Religião como um excelente caminho de formação para sustentar

a autonomia epistemológica e pedagógica do ensino religioso. Esclarece o fundo

político da problemática e reconhece o valor teórico, social e pedagógico do

estudo da religião para a formação do cidadão. A consolidação da disciplina do

ensino religioso como prática educativa na formação básica do cidadão aguarda a

formação docente dentro de um quadro epistemológico definido e consistente.

Sublinha, ainda, a necessidade de uma diretriz nacional sobre a formação

docente para o ensino religioso306.

Outra abordagem instigante sobre a questão da epistemologia que está no

centro do debate sobre a formação do professor é explicitada por Maurice Tardif

em Saberes docentes e formação do profissional. Em sua análise, aborda

questões alusivas à formação de professores, que se desenvolve, hoje, no

movimento de profissionalização do ensino. Propõe uma definição de

epistemologia307 da prática profissional e as conseqüências dessa definição.

Chama atenção para um fenômeno dos últimos vinte anos: as profissões e a

formação profissional estariam passando por uma crise geral. Essa crise poderia

ser resumida, segundo o autor, em quatro pontos: crise de perícia profissional;

crise de confiança na capacidade da universidade na formação de bons

profissionais; crise do poder profissional e crise ética profissional.

Nesse contexto de crise da profissionalização do trabalho docente e de

profissões, a questão da epistemologia e da prática profissional se encontra no

305 Cf. Teresinha Azeredo RIOS, Ética e competência, p. 69-80 306 Cf. João Décio PASSOS, Ensino religioso:construção de uma proposta, p. 13-23. 307 Tardif, chama de epistemologia da prática profissional o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas.Cf. Maurife TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 255.

172

cerne desse movimento de profissionalização. Pautando-se na ética, Tardif

mostra que os cursos de formação no âmbito da universidade não têm dado conta

da formação profissional, por estarem centrados no saber acadêmico, teórico e

científico e argumenta:

Querer estudar os saberes profissionais sem associá-los a uma situação de ensino, a práticas de ensino e a um querer estudar uma situação real de trabalho, uma situação real de ensino, sem levar em consideração a atividade do professor e os saberes por ele mobilizados. Finalmente, querer estudar os professores sem estudar o trabalho e os saberes deles seria um absurdo maior ainda.308

A definição que Tardif apresenta quando se refere à epistemologia não

propõe palavras ou coisas, mas uma definição de pesquisa, isto é, uma proposta

com o fim de construir e delimitar um objeto de pesquisa, um compromisso em

favor de certas posturas teóricas e metodológicas, assim como um vetor para a

descoberta de realidades concretas309.

O autor sustenta que é preciso estudar o conjunto dos saberes mobilizados

e utilizados pelos professores em suas tarefas, tendo como referência seus

próprios estudos sobre o trabalho docente e em estudos recentes realizados nos

Estados Unidos.

No que tange à formação dos professores,Tardif entende que esta exige

não só uma mudança curricular nos cursos de formação, como também uma

verdadeira reforma universitária, de maneira que a carreira acadêmica conceda

mais importância ao trabalho de investigação dos saberes profissionais e de sua

atualização nos cursos de formação.

Os cursos deveriam trabalhar segundo uma lógica profissional centrada no

estudo das tarefas e realidades dos professores Propõe opções de trabalhos e

tarefas a serem realizadas pelos professores universitários a fim de reconstituir o

campo epistemológico da formação para o magistério310.

As diferentes visões apresentadas pelos pensadores nestas discussões

sobre epistemologia, formação dos professores e ética colocam-nos na

confluência com os desafios da formação contínua do professor em seu trabalho.

308 Maurife TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 257. 309 Ibid., p. 259. 310 Cf. Maurife TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 269-271.

173

3.2.2 - A formação contínua do professor em seu trabalho

De maneira geral, a formação continuada constitui parte integrante de

todas as reformas que estão se processando, tendo sempre como meta maior a

busca de um aperfeiçoamento eficiente para os professores em seu efetivo

exercício. O fato em si, sem uma análise mais aprofundada, não parece trazer

nenhum problema referente à educação. Contudo, quando examinada de forma

política e contextualizada, pode-se observar que, a formação continuada tende a

amoldar-se às exigências de uma sociedade cada vez mais voltada para o

mercado e à idéia de que a educação se assemelha a uma mercadoria, enquanto

que a escola se identifica com uma empresa.

As grandes transformações sociais, tecnológicas e culturais pelas quais

tem passado a humanidade exigem novo modelo a nortear a concepção de

pessoa e o conhecimento da sociedade; e, conseqüentemente, requerem novos

parâmetros na formação dos professores de ensino religioso.

Parecem existir necessidades urgentes para formar o bom professor e

melhorar a qualidade da educação. Este ponto é considerado no Relatório da

UNESCO, que lembra:

Para melhorar a qualidade da educação é preciso, antes de mais nada, melhorar o recrutamento, a formação, o estatuto social e as condições de trabalho dos professores, pois estes só poderão responder ao que deles se espera se possuírem os conhecimentos, as competências, as qualidades pessoais, as possibilidades profissionais e as motivações requeridas311.

Concordamos com a argumentação de Rosa G. K. Meneguetti e João

Décio Passos, ao afirmarem sobre a necessidade de discutir as condições reais

que os sistemas de ensino têm nas diversas instâncias. É necessário uma

discussão de fundo epistemológico, sobre o objeto de estudo do ensino religioso

que, além de fundamental para lançar luzes esclarecedoras, é imprescindível para

aprofundar as reflexões a respeito desse problema.

311 Jacques DELORS, Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, p. 153.

174

Portanto, a essência dessa problemática do ensino religioso reside no

tratamento dado à disciplina como área de conhecimento que requer uma

formação específica e adequada do professor.312

Pedro Demo pretende destacar a importância da formação dos professores

quando afirma que o nosso maior atraso histórico não está na economia, mas na

educação313.

Para Nóvoa, a mudança educacional depende dos professores e de sua

formação, bem como das transformações das práticas pedagógicas na sala de

aula. Segundo ele:

A formação implica mudanças dos professores e das escolas, o que não é possível sem um investimento positivo das experiências inovadoras que já estão no terreno. Caso contrário, desencadeiam-se fenômenos de resistência pessoal e institucional, e provoca–se a passividade de muitos actores educativos.314

A necessidade de enfatizar a formação continuada não passou

despercebida aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino religioso,

quando estes enfatizam a tarefa de buscar os fundamentos para o conhecimento

humano religioso.

De fato, os Parâmetros entendem que a escola é o espaço de construção

de conhecimento e, principalmente, de socialização dos conhecimentos históricos

produzidos e acumulados. Como todo o conhecimento humano é sempre

patrimônio da humanidade, o conhecimento religioso deve estar disponível a

todos os que a ele queiram ter acesso315.

Entende-se que a escola, na medida em que eleva o nível de saberes, cria

possibilidade de trabalhar os conhecimentos humanos sistematizados, produzidos

e acumulados no decorrer da história, e a criar novos conhecimentos.

312 O texto elaborado por João Décio Passos (Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP) e Rosa CK. Meneguetti (Faculdade de Ciências da Religião da Universidade Metodista de Piracicaba SP) representando as referidas instituições, foi enviado ao Conselho Nacional de Educação (CNE), em maio de 2001. João Décio PASSOS e Rosa Gitana K. MENEGUETTI. Educação, ensino religioso e formação docente, In. Luzia SENA (org.), Ensino religioso e formação docente, p. 111. 313 Pedro DEMO, ABC Iniciação à competência reconstrutiva do professor básico, p.95. 314 Antonio NÓVOA, Os professores e a sua formação, Temas de educação, p.30. 315 FORUM NACIONAL PERMANENTE DE ENSINO RELIGIOSO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Religioso, p. 21.

175

Certamente, essa aquisição de saberes não se dá de uma hora para outra.

É um processo de continuidade e rupturas, avaliações, reavaliações e inovações

que dão resultados satisfatórios. Essa realidade afeta os professores do ensino

religioso. Ameaçados, eles denunciam a presença de ambigüidades, apontam

que a Lei se apresenta envolta por polêmicas que desencadeiam

descontentamento e desencantamento no exercício da profissão316.

Essas situações causam stress e exigem táticas do professor para o

enfrentamento das questões levantadas pelos alunos. Essa problemática,

revelada na pesquisa, é um aspecto importante em que se pode captar momentos

de tensão.

A temática “formação docente” constitui uma grande exigência do ponto de

vista epistemológico, por tratar necessariamente de assuntos concernentes ao

conhecimento que resulta do ensino-aprendizagem, quer do ponto de vista da sua

construção, quer da produção de práticas pedagógicas.

As mudanças marcadas por uma complexidade de condições materiais e

culturais influem na formação do profissional da área, na dimensão do

conhecimento necessário, no aprender o jeito de superar as fragmentações de

saberes insuficientes e parcelares. Elas requerem do professor a postura de

ouvinte crítico, reflexivo, criativo, assumindo uma prática pedagógica que se

solidifique na arte e no conhecimento efetivo e afetivo das várias expressões de

fé.

3.2.3 - As reformas educacionais e as implicações na formação do professor de ensino religioso

A virada do milênio vem trazendo expressivas e rápidas transformações

culturais, políticas, econômicas e sociais e as respostas do sistema educacional

com relação à realidade vivida pela sociedade são muito tênues, dada a

velocidade das mudanças.

Constatou-se uma defasagem na formação dos professores, que se

apresenta distante do perfil requerido pelas novas conjunturas. As reformas

educacionais, nas últimas décadas, partem dos mesmos princípios que regem o

316 Questionário de perguntas abertas aplicado aos professores de CR, passim.

176

sistema neo-liberal: as mudanças econômicas impostas pela globalização,

exigindo maior eficiência e produtividade dos trabalhadores a fim de se adaptarem

mais eficientemente às exigências do mercado.

Estas reformas apresentam um objetivo que envolve a estrutura

administrativa e pedagógica da escola, a formação dos professores, os

conteúdos, os aportes teóricos, enfim, tudo o que possa estar relacionado com o

processo de ensino–aprendizagem.

A introdução de novas técnicas provoca no professor, distanciado das

mudanças que se operam no tempo, um sentimento de desencanto, quando este

compara a realidade de uma década passada aos dias atuais. O sentimento de

mal-estar está na origem da descrença e da recusa em relação às mudanças

introduzidas pela reforma educativa.

As rápidas mudanças podem levar os professores a fazer mal o seu

trabalho, tornando-os alvo de críticas generalizadas, considerando-os como os

responsáveis imediatos das falhas do sistema relativas ao ensino religioso,

quando, na realidade, são problemas sociais que requerem soluções políticas.

Tendo presente estas inquietações, é imprescindível o estudo da influência

das mudanças sociais sobre a função docente. Esteve argumenta:

Só a partir do estudo do modo como a mudança social gera o mal-estar docente, é possível traçar linhas de intervenção que superem o domínio das sugestões, situando-se em um plano de ação coerente, com vista à melhoria das condições em que os professores desenvolvem seu trabalho. Para isso, é preciso atuar simultaneamente em várias frentes: formação inicial, formação contínua, material de apoio, responsabilidades, horário de trabalho, salário317.

As conseqüências das rápidas transformações exigem a integração de

novas exigências na dinâmica da relação permanente e na aceitação das

mudanças de desempenho da profissão do professor de ensino religioso. Dentro

dessa dinâmica é indispensável garantir o apoio ao docente tendo como resultado

um ensino de qualidade.

317 José M. ESTEVE, Professores em conflito, Madrid: Narcea, p. 73

177

3.2.4 - Fatores de pressão da mudança social sobre a formação docente

É possível indicar fatores que apontam novos paradigmas na formação do

professor do ensino religioso. A mudança acelerada do contexto social influencia

de forma significativa no desempenho da atividade educacional.

Há um processo histórico que provoca o aumento das exigências do

professor em suas responsabilidades. Sua tarefa vai além do domínio cognitivo e

além do saber a matéria que leciona. A modernidade exige um pedagogo eficaz,

um facilitador da aprendizagem, organizador de trabalho de grupo, com especial

atenção para o aspecto afetivo e psicológico dos alunos. Todavia, a solução

destas exigências parece um horizonte muito distante, pois as agências

formadoras permanecem engolfadas em programas retrógrados, impedindo o

trabalho atualizado e eficaz conforme as necessidades da época.

As conclusões simplistas por parte da sociedade e dos meios de

comunicação social e, por vezes, até de governantes, que apontam os

professores como responsáveis diretos pelas lacunas no ensino, provocam um

desvio na valorização do profissional da educação, refletida nos baixos salários,

situação que provoca desassossego.

O avanço das ciências e a transformação social requerem mudança

profunda dos conteúdos curriculares, sobretudo os que se apresentam obsoletos,

dando lugar aos que aparecem como imprescindíveis à sociedade do futuro. Isto

pede um professor atualizado, reciclado e informado.

A massificação do ensino e o aumento das responsabilidades não se

fizeram acompanhar de uma melhoria efetiva dos recursos materiais e das

condições de trabalho em que se exerce a docência. Há uma generalizada falta

de recursos para a renovação pedagógica, o que trava as práticas inovadoras.

Outro fator de pressão sobre a formação dos professores é a mudança na

relação professor-aluno. A atualidade revela situações constrangedoras, em que o

professor sofre agressões verbais, físicas e psicológicas. A interação professor-

aluno mudou, tornando-se conflituosa e as escolas não souberam encontrar

178

novos meios para superar a violência, portanto, não conseguiram transformar-se

em locais mais justos e parcipativos, de convivência e de disciplina318.

Outra agressão ao professor pode ser registrada na “fragmentação do

trabalho”. Referindo-se a este aspecto, Esteve comenta:

Muitos profissionais fazem mal seu trabalho, menos por incompetência e mais por incapacidade de cumprirem simultaneamente, um enorme leque de funções. Para além das aulas, devem desempenhar tarefas de administração, reservar tempo para programar, avaliar, reciclar-se, orientar os alunos e atender os pais, organizar atividades várias, assistir seminários e reuniões de coordenação de disciplina, vigiar recreios e cantinas319.

As várias incumbências não permitem atender às responsabilidades que se

têm acumulado sobre o professor. Jose M. Esteve afirma estar o professor

sobrecarregado e que a fragmentação de seu trabalho é uma das pressões que

este sofre no sistema de ensino, paradoxalmente, numa época dominada pela

especialização320.

3.2.5 - A reavaliação da formação docente perante as mudanças sociais

Ao reavaliar a formação de ensino religioso é importante ter em mente um

planejamento preventivo para rever os limites e incorporar novos modelos na

formação inicial.

A estrutura de apoio é sem dúvida um modo de ajudar o docente a

encontrar respostas aos seus anseios e assimilar as grandes transformações que

se projetaram no ensino religioso, no contexto social, adaptando-se ao estilo de

ensino e ao papel que vai desempenhar.

318 Estudiosos relacionam o aumento de conflito com a expansão da escolaridade obrigatória; segundo estes autores a violência institucional que se exerce sobre os alunos, obrigando-os a freqüentar uma escola até os 16 ou 18 anos, provoca reações de agressividade que se canalizam contra os professores, enquanto representantes mais próximos da instituição escolar. Revista Brasileira de Psiquiatria, Transtorno da conduta e comportamento anti-social. www.scielo.br. Acesso: 02/01/2008. 319 José M. ESTEVE, O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores, Trad. Durley de CARVALHO CAVICCHIA, p. 105 320 Cf. José M. ESTEVE. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Trad. Durley de CARVALHO CAVICCHIA, p. 76.

179

Na seleção docente é importante estabelecer critérios de personalidade e

de qualificação intelectual, sendo que a área de atuação e a substituição de

abordagens normativas321 por abordagens descritivas, na formação inicial do

professor; visam a adequação dos conteúdos da formação à realidade prática do

ensino.

Os problemas dos professores em início de carreira merecem uma atenção

especial. Vários pensadores se referem à ênfase dada à formação nos aspectos

cognitivos e uma deficiente preparação no plano das relações e da organização.

Dentre estes pensadores, destaca-se Esteve, que diz:

A formação prática incluída no preríodo da formação incial deverá permitir ao futuro professor: identificar-se a si próprio como professor e aos estilos de ensino que é capaz de utilizar estudando o clima da turma e os efeitos que os referidos estilos produzem nos alunos; ser capaz de identificar os problemas de organização do trabalho na sala de aula, com vista a torná-lo produtivo. Os problemas de disciplina e organização da classe são os mais agudos durante os primeiros anos de exercício da profissão; ser capaz de resolver problemas decorrentes das atividades de ensino, procurando tornar acessíveis a aprendizagem a cada um de seus alunos322.

Estes aspectos, quando verificados, permitem ao professor vivenciar

situações de segurança e valorização profissional que constituem elementos-

chave para o desempenho eficiente do seu trabalho, e assim responder às

exigências indispensáveis à consecução de suas atividades, através do

conhecimento específico.

Neste sentido, o curso de Ciências da Religião com habilitação em ensino

religioso oferece a base epistemológica ao futuro profissional. A oferta dessa

licenciatura contribui no sentido de permitir aos profissionais da área melhores

condições para analisar o campo religioso em sua complexidade, a partir de um

olhar interdisciplinar. O profissional de ensino religioso tem uma grande

contribuição a dar, apresentando aos alunos questões que estão no cerne da 321 José M. ESTEVE chama de abordagens normativas aos programas de formação orientados por um modelo de professor “eficaz” ou “bom”. Com base neste modelo, convertido em norma, definem-se as actividades e abordagens da formação de professores, transmitindo ao futuro professor o que deve fazer, o que deve pensar, o que deve evitar para adequar a situação educativa ao modelo proposto. José M. ESTEVE. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Trad. Durley de CARVALHO CAVICCHIA, p. 110. 322 Ibid; p. 118.

180

vida, motivando-os para desenvolver a religiosidade presente em cada um,

orientando-os para a descoberta de critérios éticos, para a ação dialógica e para o

processo de aproximação e de relação com as diferentes expressões religiosas.

Conforme foi dito no item deste capítulo sobre a legislação, o ensino

religioso é obrigatoriamente um componente curricular facultativo, estabelecido no

Brasil desde a Constituição da República, com concepções e práticas

historicamente sedimentadas e politicamente não resolvidas. Assenta-se sobre

incoerências epistemológicas que levam a referida disciplina à margem do

currículo escolar, com ausência de diretrizes nacionais. Décio Passos confirma

essa realidade:

A ausência de uma diretriz nacional explícita sobre a formação docente para o ensino religioso tem impedido o avanço de experiências concretas e cursos superiores nas universidades supervisionadas pelos órgãos gestores do Ministério da Educação323.

Evidentemente, além dessa problemática, a convicção e a valorização do

ensino religioso passam pela questão da laicidade do ensino que exclui os

conteúdos religiosos como ameaça aos princípios fundamentais do Estado

moderno.

A incerteza epistemológica fragiliza o ensino religioso, no que concerne ao

conhecimento. Estas duas questões: a laicidade e a fundamentação

epistemológica requerem um ajuste a ser feito no sentido de reavaliação do

estudo da programação curricular do ensino religioso como área de

conhecimento, com autonomia teórica e metodológica, capaz de subsidiar

práticas de ensino de religião dentro das exigências da sociedade pluricultural,

trazendo em seus objetivos a formação de indivíduos de acordo com a resolução

2/98 (Anexo Nº 10) da Câmara de Educação Básica. Esta Resolução atribui essa

tarefa primordialmente aos sistemas de ensino e não às confissões religiosas324.

Neste sentido, Passos argumenta sobre a necessidade da formação básica

do cidadão, que decorre da formação básica dos docentes de ensino religioso,

323 João Decio PASSOS, Ensino religioso: construção de uma proposta, p. 17. 324 Cf. Ibid., p. 15.

181

para que esta disciplina possa efetivar-se como prática educativa legítima e

eficiente no currículo e na vida dos educandos325.

3.2.5.1 - A formação docente e a ética

Acreditamos que a formação docente tem relação com a ética que se

apresenta como tema transversal. Queiroz, com base em Morin, afirma que todo

olhar sobre a ética deve perceber que o ato moral é um ato individual de

religação; religação com o outro, com a comunidade, com uma sociedade e, no

limite, religação com a espécie humana. Ele vai além, quando lembra o aspecto

da solidariedade, que pertence à fonte individual da ética, impressa no princípio

da inclusão que inscreve o indivíduo na comunidade326.

Queiroz volta a sua atenção para a modernidade ética, lembrando os

grandes deslocamentos que ocorreram no período republicano, com forte

influência no ensino religioso até os nossos dias, quando a laicização retira da

ética a força do imperativo religioso. Ele acredita que houve ganhos nesse

processo de secularização, pois a era planetária, aberta aos tempos modernos,

suscita, a partir do humanismo laico, uma ética metacomunitária em favor de todo

o ser humano, seja qual for a sua identidade étnica, nacional, religiosa ou

política.327

A ênfase em unir a ética e o agir solidário tem conseqüências importantes

para a formação do professor e, em especial, para a formação do docente de

ensino de religioso O relatório da UNESCO lembra que a ética e a formação

moral são ensinadas através de exemplos concretos328.

Considerando que a educação é característica do ser humano e implica o

seu envolvimento com o meio social, com o outro e consigo mesmo a partir da

sua faculdade de memória e da sua competência de fazer, essa constatação

suscita um alerta:

325 Cf João Decio PASSOS, Ensino religioso: construção de uma proposta, p. 23. 326 Cf. José J. QUEIROZ, Educar para a solidariedade: princípios e rumos. In:Cleide ALMEIDA e Isabel PETRAGLIA, Estudos de complexidade, p. 50. 327 Cf. José J. QUEIROZ, Educar para a solidariedade: princípios e rumos, In:Cleide ALMEIDA e Isabel PETRAGLIA, Estudos de complexidade, p. 51. 328 Cf. Jacques DELORS. Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, p.62.

182

Se o espaço escolar permanecer compartimentado no saber e fechado à comunidade e à sociedade, dificilmente poderá promover uma educação responsável e solidária329.

Essa visão ética da convivência humana, que habilita o professor em sua

formação a fazer a leitura do real, abrindo-lhe possibilidade de intervir no seu

contexto cultural e nas relações com as várias dimensões da vida social, é

contrária à crença de que a aprendizagem consiste na reprodução da informação,

sem mudanças, como uma cópia na memória do que se recebe através de

diferentes canais. Nesse sentido, a proposta é que a escola se transforme no

lugar da razão crítica, da argumentação, do diálogo intercultural, da

democratização, da religação, compreensão, consciência, solidariedade e

responsabilidade do saber com a função de propiciar aos professores o

desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, contribuindo, assim, com as

condições cognitivas e afetivas da sua formação.

Uma vez que o ensino religioso tem como fim a educação da alteridade,

isso envolve o respeito à responsabilidade na formação do professor. Este precisa

estabelecer vínculos indissolúveis entre solidariedade, complexidade e liberdade,

aspectos fundamentais para educar. Por isso, a questão ética e seus aspectos

políticos não podem ser negligenciados. Queiroz destaca que a ética política

incita a trabalhar por uma sociedade de alta complexidade, ou seja, de

solidariedade e liberdade330.

No processo de formação, do ponto de vista ético, há uma convergência

entre pensadores, como Queiroz (2006), Heerdt (2005) e Morin (2005), todos

unânimes em afirmar que não se trata de uma ética entendida como um conjunto

de regras e proibições, mas aquela que desenvolve a capacidade de discernir e

vivenciar atitudes e valores de forma subjetiva (individual) e objetiva (no campo

social e comunitário)331.

Levinas deu importância significativa à ética. Segundo ele, a idéia de Ética

nasce na visão do rosto do Outro, que materializa a nossa abertura para a

329 Cf. José J. QUEIROZ, Educar para a solidariedade: princípios e rumos, In:Cleide ALMEIDA e Isabel PETRAGLIA, Estudos de complexidade, p. 52. 330 Ibid., p. 60. 331 Aldo COLOMBO, Como educar hoje? In. Mauri Luiz HEERDT e Paulo de COPPI (Org.), Reflexões e propostas para uma educação integral, p 34.

183

alteridade e a nossa responsabilidade face ao que é, ao mesmo tempo, igual e

diferente de nós, ao que é da nossa espécie e todavia irredutível na sua

singularidade332.

A ética, no aspecto social e histórico, tem grande importância na medida

em que a formação do professor de ensino religioso faz parte essencial da

estrutura e funcionamento da sociedade, que carrega em sua tradição o ethos de

um povo, seus anseios e valores.

Podemos dizer que o ensino religioso exige conhecimento do passado,

para evitar erros já cometidos; exige lucidez em relação ao presente, para poder

dar ao educando condições de entender a vida e saber vivê-la. Exige, também,

abertura ao futuro, porque o futuro está começando agora mesmo333.

3.2.6 A formação e os saberes do professor em seu trabalho.

A questão dos saberes334 dos professores de ensino religioso que

englobam conhecimento, saber e saber fazer, e a questão das novas concepções

sobre as práticas pedagógicas, que servem de base ao trabalho dos professores

no ambiente escolar, indicam que o saber dos professores depende, por um lado,

das condições concretas nas quais o trabalho deles se realiza e, por outro, da

personalidade e da experiência profissional dos próprios professores.

O saber dos professores parece estar assentado em trocas constantes

entre o que eles são (incluindo as emoções, o conhecimento, as expectativas, a

história pessoal deles etc) e o que fazem. O ser e o agir, ou melhor, o que eu sou

e o que eu faço ao ensinar, devem ser vistos, então, não como dois pólos

separados, mas como resultado dinâmico das próprias transações inseridas no

processo do trabalho escolar.335

332 Levinas, apud Jorge SAMPAIO, O Cérebro entre o Bem e o Mal, http://www.oa.pt/Publicacoes/ Boletim/detalhe_artigo.aspx. Acesso: 23.10.07 333 Aldo COLOMBO, Como educar hoje? In. Mauri Luiz HEERDT e Paulo de COPPI (Org.), Reflexões e propostas para uma educação integral, p. 13. 334 Para essa discussão tomamos como interlocução preferencial as idéias de Paulo Freire e de Maurice Tardif. A Obra de Paulo Freire, a partir da Pedagogia da Autonomia, indica os saberes importantes da profissão do professor, vinculando aos saberes mobilizados na pratica. Os estudo de Tardif estabelece correspondência entre a realidade e os saberes mobilizados pelos docentes brasileiros, usando em especial a categoria profissional-professor. 335 Maurice TARDIF. Saberes docentes e formação profissional, passim.

184

Quais são os saberes profissionais dos professores de ensino religioso, isto

é, quais os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e as habilidades que

eles precisam ter efetivamente em seu trabalho diário, para desempenhar suas

tarefas e atingir seus objetivos? São interrogações vitais para que se amplie a

compreensão sobre o quê e o como da formação do docente do ensino religioso.

Vários estudiosos procuraram estabelecer a genealogia dessa questão,

estudando os laços que a ligam ao movimento de profissionalização do ensino, às

recentes reformas escolares ou às transformações do saber que afetam nossas

sociedades modernas avançadas ou pós-modernas. Não se pretende refazer

essa genealogia, percorrer os escritos contemporâneos que mais fortemente vêm

influenciando o campo educacional. Prende-se tão somente situar, ainda que

breve, o saber do professor, estabelecendo nexos com a sua formação, mediante

alguns fios condutores, tal como concebe Tardif.

Os saberes de um professor são uma realidade social materializada

através de uma formação, de programas, de práticas coletivas de disciplinas

escolares, de uma pedagogia institucionalizada, e são também, ao mesmo tempo,

saberes dele.

Este saber do professor deve ser compreendido em íntima relação com o

trabalho dele na escola e na sala de aula, isto é, com as situações,

condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Significa dizer que as

relações mediadas pelo trabalho fornecem princípios para enfrentar e solucionar

situações cotidianas.

Essa idéia evoca duas funções conceituais: primeiro, visa relacionar

organicamente o saber à pessoa do trabalhador, ao seu trabalho e àquilo que ele

é e faz, mas também ao que foi e fez, a fim de evitar desvios em direção a

concepções que não levem em conta sua incorporação num processo de

trabalho, no intuito de dar ênfase à socialização na profissão docente e na

atividade de ensinar.

A segunda função indica que o saber do professor traz em si as marcas de

seu trabalho, aponta que ele não é somente utilizado como meio de trabalho mas

é produzido e modelado pelo trabalho.

Dessa forma, trata-se de um trabalho multidimensional, que incorpora

elementos relativos à identidade pessoal e profissional do professor, à sua

situação sócio-profissional, às suas tarefas diárias na escola e na sala de aula.

185

A diversidade do saber ou o pluralismo do saber docente implica em

conhecimentos e em um saber-fazer pessoais, “curriculares”, isto é, abrange os

programas e os livros didáticos, apóiam-se em conhecimentos disciplinares

relativos às matérias ensinadas, confiam em sua própria experiência e apontam

certos elementos de sua formação profissional.

Em suma, o saber dos professores é plural, caracterizado pela

heterogeneidade, porque envolve, no próprio exercício do trabalho,

conhecimentos e um saber fazer diversos, provenientes de fontes variadas, de

humor diferente.

O saber do professor é plural e também temporal, uma vez que é adquirido

no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional. Dizer que o

saber do professor é temporal significa dizer que ensinar supõe aprender a

ensinar, ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes necessários à

realização do trabalho docente.

Essa diversidade dos saberes traz à tona a questão da hierarquização

efetuada pelos professores que não colocam todos os saberes em pé de

igualdade, mas tendem a classificá-los em função de sua utilidade no ensino.

Quanto menos utilizável no trabalho é um saber, menos valor profissional parece

ter336.

Nesse aspecto, os saberes originários da experiência do trabalho cotidiano

parecem constituir o alicerce da prática e da competência profissionais, pois essa

experiência é, para o professor, a condição para a aquisição e a produção de

seus próprios saberes profissionais.

Os saberes e a formação de professores são posteriores aos saberes que

a humanidade dispõe, todavia, há necessidade de repensar a formação dos

professores de ensino religioso para o exercício de sua profissão, levando em

conta os saberes e as realidades específicas de seu trabalho cotidiano.

A idéia de levar em consideração os saberes dos professores permite

renovar e mudar a concepção não só a respeito da formação docente, mas

também de sua identidade, das suas contribuições e dos seus papéis

profissionais.

336 Cf. Maurice TARDIF. Saberes docentes e formação profissional, p. 21.

186

A grande relevância dessa perspectiva reside no fato de os professores

ocuparem, na escola, uma relação fundamental no conjunto dos agentes

escolares, em seu trabalho cotidiano com os alunos. São eles os principais atores

e mediadores da cultura e dos saberes escolares.

Tardif, em suas discussões, contempla a competência docente e

argumenta que ela integra diferentes saberes, saberes plurais, formados pelos

saberes da formação profissional, com os quais o corpo docente mantém

diferentes relações, ou seja:

Pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares curriculares e experiências337.

Entendemos que, na concepção deste autor, o saber do professor tem

repercussão direta em sua identidade. Nesse contexto, ao focalizar a existência

da pluralidade desses saberes no profissional do ensino religioso, fica evidente a

necessidade de mudar os modelos tradicionais de formação para se ajustar às

novas concepções de práticas pedagógicas e compreensão do mundo ou, melhor

dizendo, ancorar as novas tendências em práticas mais modernas e flexíveis.

3.2.6.1 - Competência profissional

Não é nossa pretensão entrar em discussão a respeito da noção da

competência profissional, dos saberes e experiências fundados no trabalho

cotidiano do professor, que tem como ponto de partida os desafios que encontra

em sua prática pedagógica.

Apenas destacamos alguns trechos da obra de Tardif que se referem à

competência profissional. Ele sustenta que essa competência deve expressar

todos os domínios de saberes:

O saber dos professores não é um conjunto de conteúdos cognitivos definidos de uma vez por todas, mas um processo em construção ao longo de uma carreira profissional na qual o professor aprende progressivamente

337 Maurice TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 36.

187

a dominar seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o interioriza por meio de regras de ação que se tornam parte integrante da sua consciência prática338.

Sobre a competência profissional, os professores entrevistados, em sua

maioria, estão cientes das novas tendências relativas à formação dos

professores. Eles comentam a necessidade de diversos saberes e de diferentes

visões a serem implantados nos espaços da escola e reconhecem a ineficácia do

modelo convencional, que obstaculariza o agir do profissional de ensino religioso.

Nesse aspecto, há que se considerar pertinente a observação de um professor

entrevistado:

O universitário de modo geral, em todas as áreas, vem de uma formação escolar deficitária e há uma cultura de que nas áreas humanas não há necessidade de empenho cognitivo339.

Maurice Tardif faz uma leitura analítica dos contextos formativos e das

práticas dos docentes, trazendo observações de aspectos rotineiros, relativos às

implicações e às práticas da formação dos saberes profissionais. O saber implica

em um processo de aprendizagem e de formação. Quanto mais desenvolvido,

formalizado e sistematizado é um saber, como acontece com as ciências e com

os saberes contemporâneos, mais longo e complexo se torna o processo de

aprendizagem, o qual, por sua vez, exige uma formalização e uma sistematização

adequadas. Nesse contexto, a produção de novos conhecimentos é apenas uma das

dimensões dos saberes e da atividade científica ou da pesquisa. Ela pressupõe

sempre um processo de formação baseada em conhecimentos atuais. E, ainda,

como requer Tardif, o novo surge e pode surgir do antigo exatamente porque o

antigo é retualizado constantemente por meio de processos de aprendizagem.340

Há professores sensíveis à problemática das mudanças atuais. Um deles

comentou:

338 Maurice TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 14 339 Karoline MOK, Entrevista - semi-estruturada: fichário nº 01, p. 03 340 Maurice TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 36.

188

É indispensável contemplar as diferentes culturas, especialmente em sala de aula, onde a diversidade se faz presente, a pluralidade cultural muitas vezes tem sido ignorada, silenciada, ocorrendo manifestações discriminatórias entre os alunos e até entre os professores341.

Os grupos de docentes que realizam efetivamente o processo educativo no

âmbito do sistema de formação em vigor são convocados, de uma ou de outra

forma, a definir sua prática em relação aos saberes que possuem e transmitem.

Essa prática se transforma em interrogação ou mal-estar a partir do momento em

que é preciso “ensinar”. Nesse sentido, Tardif especifica a distinção entre

aprender a ensinar e começar a ensinar. Ele diz:

Aprender a ensinar é um processo que continua ao longo da carreira docente e que, não obstante a qualidade do que fizermos nos nossos programas de formação de professores, na melhor das hipóteses só poderemos preparar os professores para começar a ensinar342.

Embora tal formação seja uma condição necessária, dependendo da

concepção pela qual se paute, ela não é suficiente em si mesma para conseguir

melhores professores, no sentido de prepará-los para a profissão.

Aprender a ensinar é uma aprendizagem que se deve dar por meio de

situações práticas que exija uma prática reflexiva e que, para além de conceitos e

procedimentos, sejam trabalhadas e consideradas também atitudes. Desta forma,

consideramos singular a necessidade de uma melhor ênfase à formação dos

professores de ensino religioso.

Observa-se que a questão dos saberes constitui o desafio de concretizar

um ensino religioso diferente do modelo que conhecemos e vivenciamos. Nesse

contexto, o modelo convencional de formação de professores, seja inicial ou

continuada, vem sendo questionada.

Relevante é, pois, a observação feita por Luiz Alberto de S. Alves:

341 Karoline MOK, Entrevista - semi-estruturada: fichário nº 01, p. 03 342 Maurice TARDIF, Saberes docentes e formação profissional, p. 34.

189

O professor de ensino religioso se defronta com algumas dificuldades no exercício de sua profissão. Além do político-pedagógico, defronta-se com o conceitual epistemológico343.

Isto vem confirmar o relato de um professor entrevistado:

Mais do que qualquer outra disciplina, o ensino religioso exige muito conhecimento não só religioso, mas de uma cultura geral. Ao meu ver é urgente uma boa formação para o professor que administra esta disciplina tão importante para a vida da pessoa humana. Pois, a falta de formação específica o impede de garantir o respeito às diversidades culturais, étnicas, religiosas e políticas, que atravessam nossa sociedade e estão presentes nas escolas344.

Esse pressuposto coloca em evidência a forma como os profissionais de

ensino religioso reagem, dentro desse contexto, sobre o papel que desempenham

e sobre as novas estratégias que é preciso adotar para responder às mudanças

produzidas pela aceleração das transformações sociais no decurso das últimas

décadas e que tiveram forte impacto, efeitos e reflexos sobre o ensino religioso. A

defasagem na formação dos saberes consta nos escritos e nas análises de vários

estudiosos. Aqui privilegiamos Pimenta, que observa:

Na história da formação dos professores, esse saberes têm sido trabalhados em blocos distintos e desarticulados. Os cursos de graduação, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividades de estágios distanciados da realidade das escolas (...), pouco têm contribuído para gestar uma nova identidade do profissional docente345.

Isto nos leva a dizer que a eficácia do ensino não se reduz a uma função

de transmissão de conhecimentos já estabelecidos. Exige dos professores novas

concepções, novos conhecimentos, novas formas de se compreender o mundo,

em síntese, uma nova formação profissional. Esse aprimoramento de saberes

desafia o processo educativo no âmbito do sistema de formação em vigor e

questiona a sua prática em relação aos saberes que possui e transmite.

343 Luiz A .S. ALVES, O Sagrado como foco do fenômeno religioso. In. Sergio R. Azevedo JUNQUEIRA e Lílian B. de OLIVEIRA (Org.), Ensino religioso: memória e perspectivas, p.71. 344 Igor MANI Entrevista - semi-estruturada: fichário nº 2, p. 06 345 S. G. PIMENTA, Formação de professores: identidade e saberes da docência . In. S. G. Pimenta (org.), Saberes pedagógicos e atividades docente, p. 16.

190

Pesquisadores da formação dos professores e de suas implicâncias no

cotidiano escolar têm contribuído para a discussão do contexto e do significado

em que essa formação está imbricada. Apontam novas práticas, novas relações e

condições de educabilidade dos professores, entre si mesmos e com seus

educandos.

3.2.7 - A práxis pedagógica e a formação docente

A ênfase na prática pedagógica é um componente vinculado à formação do

professor. A justificativa é a de que, à semelhança de outras profissões, o futuro

professor precisa entrar em contato real com o meio em que atua, assumindo,

desde o início, tarefas específicas de acompanhamento direto para melhor

desempenhá-las. Podemos lembrar, também, que os cursos de formação têm

sido muito teóricos e desvinculados do meio escolar.

Formar professores exige dos estabelecimentos que se propuserem tal

ação um olhar global acerca da práxis pedagógica, pois esta precisa ir muito além

do simples associar teorias a práticas.

Francisco Imbernón fala da paixão pelo saber, que permite ao professor

apaixonar-se por ele, ser capaz de conviver com suas dúvidas pessoais e fazer

sempre mais perguntas.

Com essa escolha, é possível ao sujeito aprendente viver as alegrias e o

conflito da eterna busca, com luz própria, capaz de mostrar novos caminhos.

O autor salienta que a fraca relação com o saber pode conduzir a uma

acomodação em caminhar sem rumo ou seguir a trilha que alguém,

eventualmente, indicar. Assim, defende a educação que emancipa, pois entende

que:

O objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social. A obrigação de ensinar tem essa obrigação intrínseca346.

346 Francisco IMBERNÖN, Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza, p. 27.

191

Pode-se afirmar que a formação do professor é um requisito que ajuda a

enfrentar o desafio de animar uma pedagogia da inclusão com respeito à

pluralidade cultural religiosa e ao direito à cidadania.

Desta forma, a nova formação centrada na escola sem ser unicamente

escolar desenvolve, na prática, um paradigma colaborativo entre seus pares,

cultivando o diálogo, objetivando a redefinição de suas funções e papéis, a

redefinição do sistema de ensino religioso e a construção continuada do projeto

político-pedagógico da escola. Como afirma Imbernón, “a formação, mais que

uma estratégia de colaboração, é uma filosofia de trabalho”347.

O saber assume a responsabilidade de ser útil para o ser humano, de tal

forma que seja um instrumento para um melhor diálogo com a realidade e, ao

mesmo tempo, uma forma de estreitar relações com a realidade.

Nossa natureza é ímpar e cheia de oportunidades; o ser humano pode

buscar alternativas depois que se decidiu a isso. Nesse aspecto, o ensino

religioso é chamado a colaborar com a emancipação individual e social,

despertando a consciência dos valores do sentido da vida, da consciência ética e

da espiritualidade, criando assim, novos espaços de conhecimento.

As novas tecnologias possibilitam novos espaços educacionais. Agora,

além da escola, também o espaço da família, da sociedade e do trabalho tornam-

se educativos. A cada dia, mais pessoas estudam fora do espaço sistemático.

Podem, em casa, acessar o ciberespaço da formação e buscar em espaços

alternativos as informações disponíveis nas redes de computadores interligados e

os serviços que respondam às suas demandas por conhecimento.

A instauração de uma nova ordem mundial provoca rápidas transformações

e marca a sociedade atual com uma ampla pluralidade de universos em todos os

sistemas. A velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas, culturais e do

cotidiano traz implicâncias no desempenho do ensino religioso. O seu imbricar

nas rápidas transformações provoca um agudo desconforto, quando o professor

for incapaz de ler adequadamente os avanços e desafios e de fazer opções.

Para caracterizar este estado de crise que interfere na prática pedagógica,

O’Dea usou o termo anomia. Esta palavra caracteriza um estado de

347 Francisco IMBERNON, Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza, p. 81.

192

desorganização social em que ocorre o colapso de formas sociais e culturais

estabelecidas348.

Parafraseando a Crítica da Razão Pura, de Kant, em educação, essa

conjuntura paradoxal deveria tirar-nos do ‘’sono dogmático da razão profissional’’,

mantendo-nos alertas diante dos riscos e perigos que ela comporta para a

educação e formação. Nesse contexto em mutação, uma nova epistemologia da

prática profissional na área do ensino religioso torna-se uma questão

emergencial.

Se admitimos que o movimento da formação do professor é, em grande

parte, uma tentativa de renovar os fundamentos epistemológicos do ofício de

professor, então devemos examinar, seriamente, a natureza destes fundamentos

e extrair daí elementos que nos permitam enfrentar o estado de mal-estar do

professor de ensino religioso mediante um processo reflexivo e crítico sobre as

práticas formadoras.

Cabe a essa disciplina, como importante área educacional, fortalecer o

conhecimento religioso, o relacionamento inter-pessoal e a religação do humano

com o sagrado.

A sociedade globalizada e multicultural requer do ensino religioso uma

nova forma de se pensar e entender a sua implementação no espaço escolar.

Rompendo a unidimencionalidade da sociedade tradicional, a modernidade

possibilita a pluralidade religiosa, provocando o surgimento de cultos, mensagens,

buscas, produções de cultura, experiências variadas, freqüentemente

potencializadas pelos meios de comunicação social, que são os novos púlpitos

para a sua pregação.

A multiplicidade variada de religiões, tão antiga quanto a humanidade,

constitui um fato que, em nossos dias, atinge concretamente a Igreja no Brasil. No

passado, o catolicismo hegemônico, patrocinado pelo Estado, resistia à

proliferação das outras religiões. Atualmente, a veloz multiplicação das

manifestações do religioso provoca uma incômoda situação, que foi caracterizada

como um grande supermercado de ‘’ bens religiosos’’.

Entende-se que a diversidade requer da escola que esta se torne um lugar

de compreensão e de convivência da pluralidade e da alteridade. Vivemos em um

348 Thomas F. Ó DEA, Sociologia da Religião, p. 80

193

mundo diversificado de idéias e práticas religiosas, onde cada uma delas se

manifesta como detentora da liberdade de crenças e cada uma traz a sua leitura

da “verdade”.

Na transição da sociedade colonial à sociedade nacional, o Estado não

rompeu com o passado, pois, na prática, foi e continua sendo um sistema que

mais favorece os segmentos privilegiados, apenas atualizando e superando, pelas

vias democráticas, a herança colonial, caracterizada pelo mandonismo e pela

admissão explícita da dominação social.

A modernidade causou um impacto fortíssimo sobre a religião. Ligada a

uma crise histórica e de estrutura, ela traz, como uma de suas características

principais, pensar-se não mais miticamente, mas historicamente, reger-se não

mais pelos parâmetros religiosos, mas por uma visão de mundo que não pretende

conhecer absolutos, em que há espaços não para a eternidade, mas para a

temporalidade349. Gesta no homem moderno a idéia de progresso compreendido

como caminhar, avançar, conquistar, dominar sempre mais o mundo, pondo-o a

serviço da técnica e da ciência; a doutrina do progresso leva o homem a crer ser

ele mesmo o próprio ser supremo, o detentor do poder, do ter e do saber.

A ideologia antropocêntrica leva o homem a isolar-se não apenas da

natureza, mas dos outros seres humanos. Ele próprio se emancipa. Mas aí se

escraviza, acorrentando-se ao mais terrível opressor, que é ele mesmo, agora

reduzido apenas à sua dimensão ‘’racional’’. Grandes teóricos da modernidade

dizem ser esta uma época caracterizada por um processo de racionalização.

Weber, por exemplo, busca suas raízes no Cristianismo.

Sem admitir concorrentes, a razão vai compartimentando o saber, o

conhecimento e o viver do homem, despedaçando a visão de um mundo como

uma unidade cósmica e integrada. Em seu lugar, aparece a visão segmentada,

diferenciada em subsistemas, cada qual com sua lógica própria e fragmentada.

Caracterizada como pré-científica e pré-moderna, a religião foi ameaçada

de ser varrida para a periferia da história. Na modernidade, desaparece sua

centralidade e sua importância como chave de explicação da realidade. Este

fenômeno complexo, multiforme e racional, provoca grande impacto sobre a

vivência da religião. 349 Cf. José J. QUEIROZ, As religiões e o sagrado nas encruzilhadas da pós-modernidade. In QUEIROZ, José J. (org.) Interfaces do sagrado em véspera de milênio, p. 9-22.

194

Entretanto, depois de um período de dormência, como bem o expressa J.J

Queiroz, na pós-modernidade uma imensa constelação do sagrado explode em

todos os recantos da terra. Entre as mudanças profundas e radicais ocorridas em

relação a religião, na pós-modernidade, o pluralismo religioso aparece como um

sintoma por ela gerado350.

Esse pluralismo penetra o sistema escolar e constitui um grande desafio a

exigir uma formação adequada do professor do ensino religioso para que este

saiba lidar com esse fenômeno.

Finalizando este capítulo e lançando um olhar retrospectivo sobre o

caminho percorrido, podemos afirmar que a pesquisa de campo, entre os vários

tópicos de mal-estar do ensino religioso, foi realmente realista ao identificar no

fundamento legal e na formação dos professores, dois temas nevrálgicos e

merecedores de análise e aprofundamento.

Foi o que buscamos fazer neste capítulo. Portanto, se se pretende uma

saída eficaz para a crise histórica que envolve o ensino religioso, é sobre essas

duas teclas que se há de insistir e buscar a superação dos entraves que nossa

análise fez despontar.

Cumpre valorizar o que há de positivo nesta legislação e na atual formação

do professor dessa disciplina e, ao mesmo tempo, envidar esforços para dissolver

as ambiguidades da legislação e da sua aplicação, bem como superar as lacunas

e deficiências que envolvem a preparação do docente em uma matéria tão

relevante e, ao mesmo tempo, tão difícil de ser trabalhada satisfatoriamente.

350 Cf. José J. QUEIROZ, As religiões e o sagrado nas encruzilhadas da pós-modernidade. In QUEIROZ, José J. (org.) Interfaces do sagrado em véspera de milênio, p. 15.

195

CONCLUSÃO.

Ao finalizar nosso trabalho, lançamos um olhar retrospectivo sobre o

caminho percorrido para apontar os resultados alcançados, os percalços, as

limitações e abrir pistas para novas pesquisas.

Como se depara da Introdução, a pesquisa partiu de uma metáfora oriunda

da área da saúde. De maneira epidérmica, percebe-se que o ensino religioso

sofre de um mal-estar, a guisa de um organismo enfermo. Não foi nossa intenção

assumir a expressão mal-estar como categoria analítica. Deixamo-la em seu

sentido metafórico. A questão, a ser pesquisada, é a localização dessa crise

generalizada que aparece insistentemente em reuniões, conversas, congressos e

escritos. Localizá-la de maneira geral, e mais especificamente, nos pontos em

que ela mais incide. Outra indagação é saber de onde vem esse mal-estar, a sua

gênese.

O trabalho iniciou-se pela gênese, pela busca histórica do fio condutor da

crise. Foi uma opção mais teórica do que prática. Se preponderasse o critério

prático, talvez tivesse sido melhor começar pela localização. Fiel ao arcabouço

teórico que adotamos, a concepção de mundo gramsciana, pela qual o cerne do

pensamento dialético é a filosofia da práxis, e esta é “um historicismo absoluto, o

qual, ao contrário da posição hegeliana, se encarna no mundo e na terra”, como

diz o autor nos Quaderni (vol.II, p. 1432), como preâmbulo à nossa pesquisa de

campo, decidimos buscar as raízes históricas do fenômeno em pauta.

Seguindo as pistas do pensamento gramsciano, o primeiro passo foi uma

ida aos primórdios do ensino religioso, no Bloco Histórico Colonial e Imperial, no

qual a hegemonia do poder dominante pactuava com a Igreja Católica, então

atrelada à empreitada da colonização. E a forma principal da colaboração da

Igreja era o serviço da catequese ou evangelização, que visava tirar o índio e

depois o negro do paganismo, torná-los cristãos e bons súditos da coroa, dando-

lhes “uma fé, uma lei e um rei”. O domínio dos subalternos – o índio subjugado e

depois o negro escravizado – se fez pela força das armas e da catequese a cargo

dos religiosos, em especial, dos jesuítas.

196

Por ter aceito sem restrições a Reforma Tridentina, Portugal recebeu do

Papado a dádiva do padroado, que conferia ao poder real o direito de intervir no

setor eclesiástico. Em troca de prover ao sustento do clero, e de outros privilégios,

como o de ser, a católica, a religião oficial da coroa, o monarca, pelo pacto do

Padroado, recebia inúmeros direitos: tinha voz ativa na nomeação de bispos e

padres, na ereção de dioceses e paróquias, no controle das finanças da Igreja e

podia até mesmo consentir ou vetar a divulgação de documentos pontifícios. Era

o chamado poder do “placet”.

No regime de aliança, pelo menos até as últimas décadas do Império, não

havia crise política entre Igreja e Estado, como vai acontecer no fim regime

Imperial e na instauração da República. A crise era de índole administrativa e

pastoral, pois a Igreja, embora agradecendo a posição de privilégio, sempre

sentiu-se amarrada, em sua autonomia jurídica e pastoral, pelo “cesaropapismo”

do padroado.

Entretanto, sob as águas tranqüilas da calmaria política assegurada pelo

pacto, a primeira forma de ensino religioso na Colônia e no Império, a catequese

do índio e do negro, foi um mar agitado que causou inúmeros dissabores a

evangelizadores e evangelizados. O índio foi despojado da sua cultura e da sua

religião.

Na medida do possível, rebelou-se, resistiu, mas teve que ceder à força

maior da evangelização e da cristianização sustentada pelo poder dominante. O

próprio evangelizador também foi vitimado pela sua própria postura de invasor.

Entrou em conflito com o poder eclesiástico quando tentou novas formas de

aculturação da doutrina, que fugia à ortodoxia tridentina; foi forçado a enfrentar o

colonizador quando tentava proteger a liberdade do índio e do escravo e, muitas

vezes, acomodou-se, tornando-se ele mesmo escravocrata. Enquanto índios e

negros viviam na angústia da invasão da sua cultura e da sua religião, o

evangelizador também entrava em crise profunda oriunda de uma consciência

perplexa por não conseguir conciliar a mensagem do evangelho, que liberta, com

a negação da alteridade do evangelizado, ao perceber que culturas estavam

sendo destruídas, e seres humanos, iguais em direito e dignidade, estavam sendo

marginalizados, considerados inferiores, gentios, pagãos, possuídos pelo mal,

objetos a serem resgatados da ignorância e do pecado. Isso, sem contar os

197

inúmeros incômodos materiais, físicos e morais que a missão acarretava ao

missionário.

No Bloco Histórico Republicano, o mal-estar assume novas características.

O Estado laico burguês dispensa o serviço da Igreja como religião oficial. Sente-

se seguro em sua hegemonia sem precisar recorrer aos serviços oficiais da

religião. A Igreja agradece sua autonomia administrativa e pastoral advinda com o

fim do padroado. Mas lamenta os privilégios perdidos e julga seu direito mantê-los

no âmbito da coisa pública, em especial, o direito de educar e ensinar a sua

doutrina.

Daí o conflito Igreja/Estado, que penetrou no ensino religioso e assumiu

várias nuances ao longo da história do regime republicano, que vai desde a

legislação sobre a matéria até a sua prática no cotidiano escolar

Quando dissemos que, na catequese do índio e do negro, no período da

Colônia e do Império, está a gênese do mal-estar do ensino religioso, que penetra

no Bloco Histórico Republicano e chega à atualidade, é óbvio que se trata de uma

aproximação analógica, pela qual se deve salvar as semelhanças mas enfatizar

as diferenças. A semelhança parece residir em um imaginário de crise que teve

suas características próprias na sua gênese, mas assume novas feições quando

penetra no contexto sócio-econômico e político, que se estabelece no cenário

Republicano.

A catequese se desenrola na dialética senhores e escravos. Abolida a

escravidão, já no final do Império, e com o advento da República, não há mais

senhores e escravos e a dialética agora é entre a dominação burguesa e os

subalternos formalmente livres mas subjugados pelo poder econômico nas

relações de trabalho.

A tranqüilidade política do pacto colonial desaparece e surge a ebulição do

conflito político entre a Igreja e o Estado. A figura catequética de missão entre os

gentios desaparece. Todos são batizados e a grande maioria é católica. A

questão agora é “missionar” no espaço do ensino publico escolar, que outrora era

privilegio da Igreja e agora se torna problemático pela laicidade do Estado e pela

separação dos dois poderes. A catequese, pelo menos em tese, passa a ser

exercida em caráter de pastoral no âmbito interno da igreja. Em seu lugar,

aparece agora uma nova figura de evangelização, a estrutura pública de ensino

religioso a ser ministrado nas escolas, não mais a pagãos a serem convertidos,

198

mas a cidadãos que, pelo menos formalmente, pela Constituição burguesa, são

formandos, que já carregam a marca de pessoas livres, detentoras da liberdade

de consciência, e da livre manifestação do pensamento, de optar e praticar suas

religiões ou crenças, ou até de serem descrentes e ateus, integrantes de uma

sociedade plural sob os aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, raciais

e religiosos.

Nesse novo contexto, aquele mal-estar que marcou a catequese na

Colônia e no Império, pela invasão cultural que caracterizou a evangelização

colonizadora, agora tem outros cenários de desassossego, presentes em

inúmeros tópicos que a pesquisa, com seus vários instrumentos de levantamento

de dados, conseguiu mapear. Apesar das diferenças, que caracterizam a

comparação analógica, parece claro que, desde a Colônia, criou-se um imaginário

de crise, que cerca o ensino religioso em toda a sua história, apesar dos aspectos

positivos que sempre estiveram e continuam presentes.

O conhecimento da história pregressa permite ver com mais clareza a

radiografia da complexa realidade do ensino religioso contemporâneo; mostra que

a dialética de outrora tem continuidade e os arranjos e soluções provisórias ainda

persistem suscitando um amplo espectro de inquietações, que vão desde a

identidade conceitual e epistemológica da disciplina até a ambigüidade da sua

figura legal e as seqüela práticas e pedagógicas dela decorrentes, que rebatem

constantemente na formação do professor e no próprio material didático.

Antes de apontarmos a localização tópica dos vários incômodos revelados

no capítulo segundo, é oportuno frisar a crise que se deu com a chegada do Bloco

Histórico Republicano, porque ai está a gênese próxima da situação atual.

Essa crise não incidiu, de início, diretamente sobre ensino religioso. Ela foi

institucional e política, decorrência da proclamação do Estado laico, da ruptura do

pacto entre Igreja e Estado e da separação dos dois poderes. O ensino religioso é

reflexo desse conflito maior, pois foi alijado do espaço escolar público. A Igreja

não se conforma com a nova situação e reivindica seu direito de estar presente no

espaço escolar com a sua doutrina, alegando que a quase totalidade dos

educandos era católica. Instaura-se então uma ampla batalha que opõe duas

grandes correntes: o chamado “grupo do não”, que contesta a volta do ensino

religioso escolar, congregando uma gama de segmentos e interesses

diversificados. Lá estavam liberais, laicistas, materialistas, iluministas, maçons,

199

livre pensadores, ateus e até grupos religiosos, como os espíritas e determinadas

denominações protestantes, que temiam a volta da hegemonia da Igreja Católica

no espaço publico. Pelo sim militavam o clero, os intelectuais católicos, as

associações religiosas e a poderosa liga eleitoral católica (LEC), braço secular da

Igreja na política.

O conflito institucional é superado no governo Vargas com a volta do

ensino religioso no espaço escolar público instaurado pela Constituição de 1934.

Mas surge então uma nova crise, afetando diretamente o ensino religioso. É a

crise que poderia ser chamada de “pendular”. A Constituição de 1934 admite o

ensino religioso como uma saída negociada entre os blocos em conflito e como

uma barganha com o poder e a influência política da Igreja Católica. Mas tanto no

diploma legal de 1932 como em todas as Constituições posteriores, não se

chegou a uma clareza com relação a essa disciplina. Daí as saídas “pendulares”

conforme sopravam mais fortes os ventos dos blocos em conflito. Desde o início,

surgem ambigüidades: a disciplina é admitida no espaço escolar ora como

obrigatória, ora como facultativa para a instituição. Ora merece a subvenção do

Estado, ora o Estado joga seu ônus para as instituições religiosas, o que

implicitamente significa caracterizá-la como catequese, embora esteja excluído

oficialmente o monopólio da Igreja Católica.

A partir da Constituição de 1934, a disciplina assume a figura definitiva de

obrigatória para a Instituição Escolar. E, na atual LDB, com a nova redação do

artigo 33, ela é obrigatória para o poder publico mas facultativa para o aluno.

Porém, desde o início, em todas as Constituições, ela sempre foi facultativa para

o aluno. De um lado, essa medida se justifica porque pretende salvar a liberdade

de crença (e de não crença). Porém, sob o aspecto político, ela é uma forma de

condescendência com o “grupo do não” em suas investidas contra a religião em

geral e contra o ensino religioso. Não tendo força política suficiente para alijá-lo

do espaço público, esse grupo consegue descaracterizar o sentido pleno de

disciplina. Permite seu ingresso pela porta do fundo, como um ensino minorado e

marginalizado, sintoma de um mal-estar político nunca resolvido.

Mas a característica de disciplina facultativa traduz também um incômodo

epistemológico, porque revela não se ter chegado até hoje a uma visão clara da

concepção central deste ensino. Como a ética e as demais transversais, também

essa disciplina deveria participar da formação integral do cidadão porquanto

200

trabalha a dimensão transcendente do humano, presente mesmo em quem não

professa nenhum credo ou até se professa ateu. Não se atinou que a vivência

espiritual é um fenômeno cultural de profunda penetração em todos os povos, a

merecer, por isso, independentemente dos credos e das posições adversas, um

tratamento específico no espaço escolar, na formação de crianças, adolescentes

e jovens.

Além do mal-estar político e da crise pendular, a pesquisa, no capitulo

segundo, apontou incômodos pontuais na atualidade. Conseguiu localizá-los na

epiderme e na sua profundidade. Entre os tantos pontos desafiadores,

sobressaem a falta de conhecimento da legislação, a sua incongruência,

ambigüidade e insuficiência; a formação dos professores precária ou até mesmo

inexistente; a atribuição da disciplina, não raras vezes, a profissionais sem o

mínimo preparo para ministrá-la; a carência de material didático adequado; a

interferência político-administrativa da instituição de ensino na coordenação da

disciplina; o lugar de relativa importância que ocupa na grade curricular e a sua

ausência quase corriqueira no planejamento escolar.

O conteúdo da disciplina foi muito visado. Basta lembrar que 69% dos

entrevistados reclamam de temas cansativos; 31% apontam a falta de clareza e

de eficácia e julgam-nos excessivamente abrangentes.

Voltando à metáfora do mal-estar, a radiografia revelou não se tratar de

uma enfermidade terminal. Há também tópicos que indicam que, em parte, o

paciente é saudável. A disciplina é em geral bem aceita por pais, alunos e direção

escolar; os professores, em sua maioria, sentem-se valorizados e satisfeitos em

ministrá-la; em geral ela responde às exigências do mundo atual; é importante

porque trabalha a dimensão religiosa e dá preciosas indicações para a vida; em

varias manifestações, aparece a palavra esperança, uma esperança que teima

em se manter pelas possibilidades que o ensino religioso encerra em ajudar o ser

humano a ser melhor; apesar da angústia pelos percalços da disciplina, nota-se

uma disposição a trabalhar para enfrentá-los e levá-la a bom termo, embora haja

muito por fazer.

Neste momento, é importante um olhar para os procedimentos de coleta de

dados que adotamos. Nossa intenção foi elaborar uma radiografia a mais ampla

possível dos sintomas que poderiam estar afetando o ensino religioso. Por isso é

que recorremos a vários métodos de coleta, no intuito de abranger todos os

201

atores do ensino religioso: pais, alunos, diretores, professores. Evidente que a

maior e a principal fonte de informação foi colhida entre os professores. Por isso,

eles foram solicitados a dar informações mediante vários procedimentos. Parece-

nos que o resultado foi satisfatório.

Podemos afirmar, a guisa de conclusão, que os tópicos de mal-estar e os

pontos positivos parecem refletir o que acontece no ensino religioso em toda a

sua extensão. Evidente que se trata de um levantamento geral, e não é possível,

pelos limites da pesquisa, afirmar categoricamente que os tópicos sejam os

mesmos em toda parte e com a mesma ênfase que foi colhida nas informações.

Parece-nos também que o método de agrupamento temático conseguiu dar

uma visão organizada dos dados e ao mesmo tempo chegar a perceber onde há

maior incidência da crise.

Pela extensão dos dados revelados, não foi intenção desta pesquisa,

analisar cada dado individualmente. Mas acreditamos termos levantado inúmeras

situações, positivas e negativas, que poderão ser, cada uma, objeto de novas

pesquisas e análises.

Nosso trabalho analítico limitou-se a dois tópicos que recolheram o maior

índice de sintoma de mal-estar: a legislação, seu conhecimento, as ambigüidades

que existem nela mesma e na sua aplicação e a formação do professor e seus

percalços.

O estudo analítico da legislação revelou luzes e sombras. Ela traz pontos

positivos porque, na sua redação final, pela lei que altera o artigo 33 da LDB,

apresenta uma identidade incoativa e embrionária do ensino religioso,

caracterizando-o como disciplina escolar. Neste sentido, ela representa um

incentivo para profissionais e especialistas, em especial os que se dedicam às

ciências da religião, a definirem suas bases teóricas e metodológicas, que

superem as abordagens e práticas de recorte catequético e confessional.

Com certeza, é um avanço situar o ensino religioso no amplo processo

educacional, numa sociedade pluralista, que tem na escola um importante espaço

de discussão e reflexão sobre o processo de aprendizagem; um espaço também

de convivência, que deveria ser solidária e respeitosa, aberta à alteridade, ao

diferente, no qual educadores e educandos deveriam resgatar os valores

fundamentais da vida e buscar o sentido profundo e transcendente da existência

humana.

202

Os dispositivos da nova lei, em que pesem as ambigüidades

remanescentes, contêm flexibilidade para permitir um avanço da disciplina,

abrindo-se à diversidade cultural e religiosa do Brasil, podendo também contribuir

para que diferentes visões de mundo possam dialogar.

As sombras, entretanto, são múltiplas. Algumas já salientamos, como a

falta de clareza. Por isso, a legislação que institui a obrigatoriedade do ensino

religioso no espaço escolar público, torna-se uma “questão de alta indagação e

complexidade”, como diz Cordão, em obra que trata sobre a formação do

educador de ensino religioso, já citada anteriormente. Essa perplexidade

acontece porque a disciplina passa a fazer parte integrante do currículo do ensino

fundamental, por determinação constitucional, o que envolve a questão da

laicidade do Estado, a realidade sócio-cultural dos múltiplos credos, a face

existencial de cada indivíduo, a tendência constante das instituições religiosas a

usarem o espaço concedido pela lei para voltar ao sistema de doutrinação e à

catequese confessional. Situação esta que Cury qualifica de “evidência

embaraçosa”, ao dissertar sobre o Ensino Religioso e a Escola Pública.

Persiste ainda entre os laicistas que militam no campo educacional um

explícito repúdio ao ensino religioso no espaço escolar público, o que indica a

permanência constante do “grupo do não”. Diante desse prolongado impasse, a

União lava as mãos e, após gerar o ensino religioso no espaço público, o

deserda, não reconhecendo suas diretrizes curriculares, deixando seu conteúdo a

cargo das instituições religiosas, o que propicia o retorno do “confessionalismo”, já

em andamento em vários Estados, e relegando a decisão sobre a habilitação de

professores dessa disciplina a cargo das instituições educacionais estaduais e

municipais de ensino.

O Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação nega até mesmo a

sua competência em autorizar, reconhecer e avaliar cursos de licenciatura em

ensino religioso, cujos diplomas tenha validade nacional. Parecer CNE/CP nº

097/1999 (Anexo nº 9)

É preocupante o que afirma João Décio Passos:

Desde a nova LDB, o Ministério da Educação não conseguiu implantar uma política de ER que superasse a clássica questão da separação Igreja-Estado, o que significou não conseguir sustentar uma proposta consistente desse ensino:

203

do ponto de vista antropológico, como uma dimensão humana a ser educada; do ponto de vista epistemológico, como uma área de conhecimento com estatuto próprio, conforme indica a Resolução n. 2/98, da Câmara de Educação Básica; e, do ponto de vista político, como uma tarefa primordialmente dos sistemas de ensino e não da confissões religiosas 351

No que tange à formação do professor de ensino religioso, apontada

muitas vezes na pesquisa de campo como uma ausência e uma exigência,

discorremos sobre a necessidade dessa formação para a criação de um perfil

desse docente que responda às demandas teóricas e praticas às quais deve

responder um docente qualificado e competente. Nesse discurso, seguimos as

orientações de renomados educadores.Trata-se de uma formação que deve

acontecer não só em teoria mas no próprio trabalho do professor, e não apenas

em fragmentos, mas continuada e permanente, mediante um plano coerente, com

material de apoio adequado e amparo legal, além de ser constantemente

reavaliada perante as mudanças sociais. Infelizmente essa formação revela-se

inconsistente e desamparada, sendo que apenas recentemente instauram-se, em

nível de pós-graduação, alguns cursos de ciências da religião voltados

especificamente ao docente de ensino religioso.

Mais uma vez, a questão da formação desse professor também rebate na

questão política, como bem notou João Décio Passos, ao afirmar, em seu

trabalho Ensino religioso: construção de uma política (p.17), que “a ausência de

uma diretriz nacional explícita sobre a formação docente para o ensino religioso

tem impedido o avanço de experiências concretas e cursos superiores nas

universidades supervisionadas pelos órgãos gestores do Ministério da Educação”.

Finalizando, contamos que esse trabalho possa ter lançado algumas luzes

sobre uma disciplina tão necessária e ao mesmo tempo tão polêmica, tendo em

vista especialmente nossos companheiros de magistério, que labutam no dia a dia

para fazer do ensino religioso aquilo que dele se espera, a incumbência de ser

uma orientação “intelectual e moral”, no sentido que essa expressão adquire no

pensamento gramsciano: a formação plena, intelectiva, afetiva e passional de

cidadãos que vivam a transcendência na imanência, isto é, assumindo a religião

não só como sentido pleno para a vida, algo que a ideologia burguesa, assentada 351 João Decio PASSOS. Ensino Religioso: construção de uma proposta, p. 14-15.

204

no iluminismo, não é capaz de oferecer, mas também como um fator de

compromisso social e político, rumo à emancipação do ser humano e da

sociedade.

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RUEDELL, Pedro. Trajetória do Ensino Religioso no Brasil e no Rio Grande

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RIBEIRO, Maria Luiza Santos. História das políticas educacionais : a

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Associados; HISTEDB; 2003.

218

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essenciais, competências e habilidades. Florianópolis: SED, 2003.

______________. Secretaria de Estado da Educação, Ciência e

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Curriculo do ensino religioso. Florianópolis: SED, 2001.

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Por uma outra política educacional. 5ª. ed. Campinas, São Paulo: Editora Autores

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______________. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas.

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SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22ª. ed.

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teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

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introdução. São Paulo: EDUC, 2002.

219

SIQUEIRA, Gisele Prado. Tensão entre duas propostas de ensino religioso:

Estudo do fenômeno religioso e/ou educação da religiosidade, Dissertação

(Mestrado em Ciências da Religião) São Paulo: PUC, 2003.

SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil. Trad. por Raul Fiker. São

Paulo: Paz e Terra, 1998.

SOARES, Afonso Maria Ligorio. Apresentação, In: PASSOS João Décio,

Ensino Religioso: Construção de uma proposta. São Paulo: Edições Paulinas,

2007.

SODRÉ WERNECK, Nelson. Formação histórica do Brasil. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1976.

______________. História da burguesia brasileira. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira,1976.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petropolis:

Vozes, 2002.

TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo. São Paulo : Ática,

1998.

TRIVIÑOS, Augusto. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa

qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987

RIOS, Teresinha Azerêdo. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 2006.

WILLEKE, Venâncio. Missões Franciscanas no Brasil-1500/1975.

Petrópolis: Vozes, 1976.

220

ANEXOS

221

ANEXO 1

ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA SOBRE O ENSINO RELIGIOSO.

O que se pretende: Pesquisar professores de Ensino Religioso que estão atuando na área, com o

objetivo de conhecer a avaliação que fazem do Ensino Religioso e sua satisfação ou

insatisfação com relação ao mesmo.

1 - Como você vê o Ensino Religioso, em relação à legislação:

a - Conhecimento, da Legislação;

b - Adequação de suas orientações (Lei 9.475/97 art. 33);

c - Pontos positivos e pontos negativos da legislação;

2 - Importância do ensino religioso na grade curricular;

3 - Satisfação do professor de ensino religioso no que concerne a: valorização

profissional respeito dos colegas, da direção, e dos alunos, salário, possibilidade de

crescimento profissional, formação específica, aprimoramento constante, carga horária,

carga horária desejável e função na grade, existência de conteúdos específicos;

4 - Existência, disponibilidade e adequação de material didático – pedagógico

especifico ao ensino religioso;

5 - Existência de um plano político – pedagógico na escola que contemple o

ensino religioso, com objetivos claros e que responda à diversidade religiosa do mundo

atual;

6 - Disponibilidade de professores com formação na área de Ciências da

Religião;

7 - Concessão de aulas à professores não qualificados para o ensino religioso;

8 - Interferência política e ou administrativa na orientação dos conteúdos;

9 - Participação efetiva do professor de ensino religioso na elaboração dos

conteúdos programáticos da disciplina;

10 - Posicionamento das instituições de ensino frente às orientações da Lei

(respeito às denominações religiosas, ausência de proselitismo);

11 – Em sua opinião, resumidamente, onde estaria o mal-estar do ensino

religioso e o que sugere para enfrentá-lo?

222

ANEXO 2

QUESTIONÁRIO PARA PAIS DE ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL.

Estimados pais.

Esta pesquisa tem como objetivo nos fornecer informações necessárias

para uma avaliação do Ensino Religioso. Por isso pedimos a gentileza de nos

responder as questões que seguem. Sua colaboração trará benefícios à toda

sociedade.

Queira marcar (sim) ou (não) nas questões que seguem

1ª. Questão: Em sua opinião, quanto à eficácia do Ensino Religioso que seu filho recebe na escola:

Sim

Não

a) Oferece pistas para enfrentar os problemas da vida?

b) Leva a respeitar a religião do outro?

c) Ajuda a amar a própria religião?

d) O ensino religioso, como ministrado, é bom?

2ª. Questão:Quanto à influência na sua família, o E.R.:

a) Provoca interesse em conhecer mais a Religião?

b) Favorece o diálogo na Família e na Comunidade?

c) Permite consolidar a prática da própria religião?

223

ANEXO 3 QUESTIONÁRIO PARA DIRETORES DE ESCOLAS ESTADUAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL.

Estimado (a) diretor (a)

Esta pesquisa tem como objetivo nos fornecer informações necessárias

para uma avaliação do Ensino Religioso. Por isso pedimos a gentileza de nos

responder as questões que seguem. Sua colaboração trará benefícios à toda

sociedade.

Queira assinalar (sim) ou (Não) nas questões abaixo.

1ª Questão :O Ensino Religioso em sua escola: Sim Não

a) Favorece a harmonia entre os alunos?

b) Ajuda no plano Político-pedagógico da escola?

c) Provoca atitude de respeito e diálogo?

2a. Questão: Os conteúdos discutidos nas aulas de Ensino Religioso, são:

a) Temas atrativos?

b) Correspondem às expectativas dos estudantes

c) Provocam interesse pela Religião?

3ª.Questão:O Ensino Religioso na vida dos alunos:

a) Desperta o desejo de aprofundar a própria religião e

conhecer as outras?

b) Desencadeia certo interesse frente à própria religião?

c) É desejado e se torna necessário?

4ª. Questão: O Ensino Religioso na vida da Comunidade

a) Tem sua nova proposta curricular, conhecida?

b) A comunidade questiona essa nova proposta?

c) A comunidade está satisfeita como o E.R.

224

ANEXO 4

QUESTIONÁRIO PARA ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL. Estimado estudante.

Esta pesquisa tem como objetivo nos fornecer informações necessárias

para uma avaliação do Ensino Religioso. Por isso pedimos a gentileza de nos

responder as questões que seguem, pois sua colaboração trará benefícios a toda

sociedade.

Dados pessoais: a- Sexo M ( ) F ( ) b- Idade ( )

c –Você é estudante do Ensino fundamental da ( ) série.

Queira marcar com (X) a resposta que julgar necessária.

1ª Questão: Seu relacionamento com os pais, é: ( ) Ótimo: ( ) Bom: ( ) Regular ( ) Difícil:

2a. Questão: Quem mais colaborou até agora para a formação de sua vida?

1 Os pais ( )

2 Os professores de ensino religioso ( )

3 Os amigos ( )

4 A Igreja ( )

3ª. Questão: Os conteúdos de Ensino Religioso discutidos na aula: a) Ajudam a entender melhor sua religião? Sim ( ) Não ( )

b) Há temas Cansativos? Sim ( ) Não ( )

Suscitam desinteresse em seguir sua religião? Sim ( ) Não ( )

4a. Questão: O Ensino Religioso em sua vida:

a) Despertou p/ o diálogo e respeito consigo e com os outros? Sim ( )

( ) Não.

b) Melhorou o diálogo com os pais? Sim ( ) Não. ( )

c) Despertou para o sentido da vida? Sim ( ) Não. ( )

225

ANEXO 5

QUESTIONÁRIO MISTO PARA PROFESSORES DE ENSINO

RELIGIOSO EM NÍVEL NACIONAL

O que se pretende:

Pesquisar professores de Ensino Religioso que estão atuando na área

com o objetivo de conhecer a avaliação que fazem do Ensino Religioso e sua

satisfação ou insatisfação com relação ao Ensino Religioso.

Identificação:

Nome:________________________________Telefone:______________

Escola onde

atua______________________________________________

Município______________________________

Estado________________

1 - Como você vê o Ensino Religioso, no que concerne :

1.1. Conteúdo Programático

1- Quanto à clareza: Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( )

2- Quanto à abrangência: Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( )

3- Quanto à eficácia: Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( )

1.2. Aceitação na Grade Curricular

1- A disciplina é aceita na unidade escolar? Sim ( ) Com reservas ( )

Não ( )

2- A disciplina é aceita pelos alunos? Sim ( ) Com reservas ( ) Não ( )

226

1.3. Recursos pedagógicos disponíveis.

1- Existem recursos adequados? Sim ( ) Não ( ) Algumas vezes ( )

Nunca. ( )

2- Há interesse na aquisição dos mesmos pela escola? Sempre ( )

Algumas vezes ( ) Nunca ( )

3- E, pelo Estado? Sim ( .) Algumas vezes ( .) Nunca ( )

1.4. Quanto aos resultados esperados

1-Os alunos são receptivos à disciplina? Sim (. ) Não ( ) às Vezes ( )

Nunca ( )

2- A disciplina tem contribuído para o aprimoramento dos valores

humanos? Sim ( ) Não ( ) Ás Vezes ( ) Nunca ( .)

3- A disciplina tem propiciado o respeito à alteridade e a boa

convivência?

Sim ( ) Não ( ) Ás Vezes ( ) Nunca ( )

1.5. Como você se sente, como professor(a) de Ensino Religioso, no que concerne a:

1-Satisfação pessoal: ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim

2- Valorização como profissional perante os demais professores:

Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( )

3-.Capacitação pessoal para o exercício da função: Ótimo ( ) Bom ( )

Regular ( ) Ruim. (. )

4-Disponibilidade de oportunidades para aperfeiçoamento profissional:

ótimo ( ) Bom ( ) Ruim ( ) Regular (..)

1.6 Assinale com um x no rol das questões abaixo os principais problemas que você detecta no Ensino Religioso.

227

1- Falta de valorização da Disciplina pela Instituição; ( )

2- Pouca valorização do professor como profissional da educação ( )

3- Falta de conhecimento da legislação aplicável ( )

4- Ausência de uma programação efetiva de aprimoramento

profissional por parte da instituições de ensino. ( )

5- Proposta curricular confusa. ( )

6- Carência de material didático específico para a disciplina ( )

7- Insuficiência diretiva da legislação aplicável ( );

8- Remuneração não condizente com o esforço ( )

9- Falta de incentivo familiar na formação religiosa dos filhos ( )

10- Concessão de aulas de Ensino Religioso a profissionais não

qualificados( )

11- Interferência político-administrativa na coordenação da disciplina ( )

Pontos que na sua pinião merecem mais atenção. 1.7 - Você percebe um mal estar em ensino religiso ? Caso

afirmativo em quais situações 1. A importância da disciplina na grade curricular.( ):

2. Obtenção de recursos didáticos ( )

3. Formação específica do professor de ensino religioso ( )

4. Ausência de interesse dos pais ( )

5. Desconhecimento da Lei ( )

6. Clareza do papel das instituições no que diz respeito à legislação

aplicável ao ensino religioso ( )

7. Na competição entre as religiões ( )

8. No desrespeito quanto à liberdade religiosa ( )

8a - Considerando o que diz a Lei Nº 9.475 de 22 de julho de 1997, no

‘Art 33 – O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da

228

formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas

públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural

religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º- Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a

definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a

habilitação e admissão dos professores.

§ 2º -Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas

diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino

religioso.

8.a Você acha que estas exigências estão sendo cumpridas? Sim ( )

Não ( ) Em Parte ( )

8 b) Se você respondeu Sim ou em parte, faça uma pequena justificativa:

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

229

ANEXO 6

QUESTIONÁRIO DE PERGUNTAS ABERTAS.

1- Como você vê o ensino religioso?

2- Quais os principais problemas que você detecta no ensino religioso?

3- Como você se sente como professor(a) de ensino religioso?

4-Você percebe o mal-estar em relação ao ensino religioso? Onde e em

que situação você localiza o mal-estar?

5- O ensino religioso responde as expectativas, exigências e a conjuntura

do mundo atual?

6- O que você acha da formação dos professores para o ensino religioso?

7- A instituição responsável pelo ensino religioso tem clareza sobre

ensino religioso?

8- Com relação a lei 9.475/97, Artigo 33, você acha que estas exigências

estão sendo cumpridas?

9- Como as instituições educacionais públicas e privadas estão se

posicionando e aplicando a lei?

10- Quais os principais conflitos que você nota em relação ao Ensino

Religioso e seus conteúdos?

230

ANEXO 7

CARTA DE PRINCÍPIOS - FONAPER

Considerando a memória histórica do Ensino Religioso no Brasil, que une

esforços de autoridades religiosas e educacionais, da família e da sociedade em

geral, para sua efetivação na escola.

Considerando o trabalho das diferentes organizações que acompanham o

Ensino Religioso, em todo território nacional, na garantia de educação para o

Transcendente;

Considerando o contesto sócio-político-cultural e pluralista que aponta

mudanças de paradigmas.

Os signatários, representantes de entidades e organismos envolvidos

com o Ensino religioso no Brasil instalaram, no dia 26 de setembro de 1995, em

Florianópolis – SC – o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso como:

Espaço pedagógico, centrado no atendimento ao direito do educando de

ter garantia à educação de sua busca do Transcendente;

Espaço aberto para refletir e propor encaminhamentos pertinentes ao

Ensino Religioso, sem discriminação de qualquer natureza.

Esta “Carta de Princípios” contém o contrato moral que todo signatário

desse Fórum estabelece consigo mesmo e com seu comprometimento ético com

a Educação, contrato que se projeta para além de compromissos jurídicos e

institucionais:

1 – garantia que a Escola, seja qual for sua natureza , ofereça o Ensino

Religioso ao educando, em todos os níveis de escolaridade, respeitando as

diversidades de pensamento e opção religiosa e cultural do educando;

2 – definição junto ao Estado do conteúdo programático do Ensino

Religioso, integrante e integrado às propostas pedagógicas;

3 – contribuição para que o Ensino Religioso expresse uma vivencia ética

pautada pela dignidade humana,

231

4 – exigência de investimento real na qualificação e capacitação de

profissionais para o Ensino Religioso, preservando e ampliando as conquistas de

todo magistério, bem como garantindo-lhes condições de trabalho e

aperfeiçoamento necessário necessários.

Florianópolis, aos 2 anos do Conselho de Igrejas para Educação

Religiosa

232

ANEXO 8

DECRETO Nº 19.941 - DE 30 DE ABRIL DE 1931.

Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil

decreta:

Art. 1º Fica facultado, nos estabelecimentos de instrução primária,

secundária e normal, o ensino da religião.

Art. 2º Da assistência às aulas de religião haverá dispensa para os alunos

cujos pais ou tutores, no ato da matrícula, a requererem.

Art. 3º Para que o ensino religioso seja ministrado nos estabelecimentos

oficiais de ensino é necessário que um grupo de, pelo menos, vinte alunos se

proponha a recebê-lo.

Art. 4º A organização dos programas do ensino religioso e a escolha dos

livros de texto ficam a cargo dos ministros do respectivo culto, cujas

comunicações, a este respeito, serão transmitidas às autoridades escolares

interessadas.

Art. 5º A inspeção e vigilância do ensino religioso pertencem ao Estado,

no que respeita à disciplina escolar, e às autoridades religiosas, no que se refere

à doutrina e à moral dos professores.

Art. 6º Os professores de instrução religiosa serão designados pelas

autoridades do culto a que se referir o ensino ministrado.

Art. 7º Os horários escolares deverão ser organizados de modo que

permitam aos alunos o cumprimento exato de seus deveres religiosos.

Art. 8º A instrução religiosa deverá ser ministrada de maneira a não

prejudicar o horário das aulas das demais matérias do curso.

233

Art. 9º Não é permitido aos professores de outras disciplinas impugnar

os ensinamentos religiosos ou, de qualquer outro modo, ofender os direitos de

consciência dos alunos que lhes são confiados.

Art. 10. Qualquer dúvida que possa surgir a respeito da interpretação

deste decreto deverá ser resolvida de comum acordo entre as autoridades civís e

religiosas, a fim de dar à consciência da família todas as garantias de

autenticidade e segurança do ensino religioso ministrado nas escolas oficiais.

Art. 11. O Governo poderá, por simples aviso do Ministério da Educação

e Saude Pública, suspender o ensino religioso nos estabelecimentos oficiais de

instrução quando assim o exigirem os interesses da ordem pública e a disciplina

escolar.

Rio de Janeiro, 30 de abril de 1931, 110º da Independência e 43º da

República.

Getúlio Vargas.

Francisco Campos.

234

ANEXO 9

PARECER Nº 97/99 :

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARECER CP 97/99 INTERESSADO: UF - Conselho Nacional de Educação DF

ASSUNTO: Formação de professores para o Ensino Religioso nas escolas públicas de ensino fundamental

RELATOR(A) CONSELHEIRO(A): Eunice R. Durham PROCESSO Nº: 23001.000110/99-06 PARECER Nº CP 97/99: CONSELHO PLENO APROVADO EM: 06/04/99

I – RELATÓRIO

A formação de professores para o ensino religioso se enquadra na questão

mais ampla da oferta de formação religiosa para os alunos dos estabelecimentos

públicos de ensino e está relacionada à separação entre Igreja e Estado, que tem

sido no Brasil, objeto de permanente debate.

De fato, o problema não existiu, nem no Brasil nem em outros países,

enquanto o Estado reconhecia uma religião oficial. Neste contexto, cabia à Igreja

oficial tanto a determinação do conteúdo do ensino religioso, como a formação ou

credenciamento dos professores para ministrarem esta disciplina nos

estabelecimentos públicos. Esta situação ainda persiste, hoje em dia, em muitos

países muçulmanos.

A separação entre Igreja e Estado se generalizou no ocidente durante o

século XIX, tanto nos países republicanos como nas monarquias constitucionais e

esteve associada ao reconhecimento da liberdade e da pluralidade religiosa. A

exceção foi constituída, no século XX, pelos países de regime comunista, que

desencorajaram ou mesmo coibiram as manifestações religiosas.

Nos demais Estados, a questão se colocou de outro modo; orientou-se no

sentido de que o Estado não interferisse nos diferentes cultos e não se

manifestasse sobre a validade desta ou daquela posição religiosa.

235

A questão, no Brasil, tem se revelado particularmente espinhosa no que

tange ao ensino religioso nas escolas públicas e o Estado tem se orientado em

sentidos diversos, de acordo com diferentes constituições.

A constituição Brasileira de 1988 trata a questão geral da separação entre

Igrejas e Estado no artigo 19:

“Art. 19. É vedada à União, aos Estados e aos municípios.

1 – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-

lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de

dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse

público”.

Por sua vez, o artigo 210 estabelece, no seu parágrafo 1º:

“§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos

horários normais das escolas fundamentais”.

A versão original do artigo 33 da LDB, regulamentava a matéria de forma a

evitar qualquer interferência do Estado no conteúdo do ensino religioso, ou na

preparação de professores para esta área, dispondo:

“Art. 33 - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos

horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido

sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas

pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:

I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu

responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e

credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou

II – interconfessional, resultante de acordo entre diversas entidades

religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa”.

Como se pode facilmente constatar da leitura do artigo, a orientação do

ensino religioso é de decisão dos alunos ou responsáveis, seu contento depende

das organizações religiosas que foram objeto de opção (Igrejas ou associação de

Igrejas, no caso do ensino interconfessional), organizações estas responsáveis,

inclusive, pela preparação dos professores ou orientadores religiosas.

O Conselho Nacional de Educação, através do Parecer 05/97, baseado

nesta versão original da LDB, assim se manifestou:

“A Constituição apenas reconhece a importância do ensino religioso para a

formação básica comum no período de maturação da criança e do adolescente

236

que coincide com o ensino fundamental e permite uma colaboração entre as

partes, desde que estabelecida em vista do interesse público e respeitando – pela

matrícula facultativa – opções religiosas diferenciadas ou mesmo a dispensa de

tal ensino na escola.

Por ensino religioso se entende o espaço que a escola pública abre para

que estudantes, facultativamente, se iniciem ou se aperfeiçoem numa

determinada religião. Desse ponto de vista, somente as igrejas, individualmente

ou associadas, poderão credenciar seus representantes para ocupar o espaço

como resposta à demanda dos alunos de uma determinada escola. Foi a

interpretação que a nova LDB adotou no já citado art. 33.

A Lei nos parece clara, reafirmando o caráter leigo do Estado e a

necessidade de formação religiosa aos cuidados dos representantes

reconhecidos pelas próprias igrejas. À escola cabem duas obrigações:

1 – garantir a “matrícula facultativa”, o que supõe que a escola, em seu

projeto pedagógico, ofereça com clareza aos alunos e pais quais são opões

disponibilizadas pelas Igrejas, em caráter confessional ou interconfessional;

2 – deixar horário e instalações físicas vagas para que os representantes

das Igrejas os ocupem conforme sua proposta pedagógica, para os estudantes

que demandarem o ensino religioso de sua opção”.

A lei nº 9475, de 22 de julho de 1997 alterou a formulação original do Artigo

33 da Lei nº 9394 e exige uma nova posição do conselho. As alterações cruciais

residem no caput nos parágrafos primeiro e segundo da referida lei, os quais

estabelecem:

“Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da

formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das

escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade

cultural, religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

“§ 1º os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a

definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a

habilitação e admissão dos professores.

“§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas

diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino

religioso”

237

Nesta formulação, a matéria parece fugir à competência deste

Conselho, pois a questão da fixação de conteúdos e habilitação

e admissão dos professores fica a cargo dos diferentes sistemas

de ensino.

Entretanto, a questão se recoloca para o Conselho e, especialmente, para

esta Câmara, no que diz respeito à formação de professores para o ensino

religioso, em nível superior, no Sistema Federal de Ensino.

Têm chegado ao Conselho solicitações de autorização e reconhecimento

de cursos de licenciatura em ensino religioso.

Como a Lei nº 9.475 não se refere especificamente a esta questão, o

problema precisa ser resolvido à luz da legislação maior, da própria Constituição

Federal, dentro das limitações estabelecidas pela lei acima referida e pela própria

Lei 9394, nos artigos e parágrafos não alterados pela legislação posterior.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que, atribuindo a lei aos diferentes

sistemas de ensino, não só a definição dos conteúdos do ensino religioso, mas

também as normas para habilitação e admissão dos professores, é impossível

prever a diversidade das orientações estaduais e municipais e, assim, estabelecer

uma diretriz curricular uniforme para uma licenciatura em ensino religioso que

cubra as diferentes opções.

Em segundo lugar, precisamos reconhecer que a Lei nº 9475 não se refere

à formação de professores, isto é, ao estabelecimento de cursos que habilitem

para esta docência, mas atribui aos sistemas de ensino tão somente o

estabelecimento de normas para habilitação e admissão dos professores. Supõe-

se portanto que esses professores possam ser recrutados em diferentes áreas e

deveriam obedecer a um processo específico de habilitação. Não se contempla,

necessariamente, um curso específico de licenciatura nesta área, nem se impede

que formação possa ser feita por entidades religiosas ou organizações

ecumênicas.

Considerando estas questões é preciso evitar que o Estado interfira na vida

religiosa da população e na autonomia dos sistemas de ensino. Devemos

considerar que, se o Governo Federal determinar o tipo de formação que devem

receber os futuros professores responsáveis pelo ensino religioso, ou estabelecer

diretrizes curriculares para curso específico de licenciatura em ensino religioso,

238

estará determinado, em grande parte, o conteúdo do ensino religioso a ser

ministrado.

Esta parece ser, realmente, a questão crucial: a imperiosa

necessidade, por parte do Estado, de não interferir e portanto

não se manifestar sobre qual o conteúdo ou a validade desta ou

daquela posição religiosa e, muito menos, de decidir sobre o

caráter mais ou menos ecumênico de conteúdos propostos.

Menos ainda deve ser colocado na posição de arbitrar quando,

optando-se por uma posição ecumênica, diferentes seitas ou

igrejas contestem os referidos conteúdos da perspectiva de sua

posição religiosa, ou argumentem que elas não estão

contempladas na programação.

Por estas razões, parece-nos impossível, sem ferir a

necessária independência entre Igreja e Estado, estabelecer

uma orientação nacional uniforme que seria necessária para a

observância dos processos atuais de autorização e

reconhecimento.

II – VOTO DOS RELATORES

Ante o anteriormente exposto e considerando:

- a enorme diversidade das crenças religiosas da população brasileira,

frequentemente contraditórias umas em relação às outras e muitas das quais

não estão organizadas nacionalmente;

- a liberdade dos diferentes sistemas de ensino em definir os conteúdos de

ensino religioso e as normas para a habilitação e admissão dos professores,

da qual resultará uma multiplicidade de organização do conteúdo dos cursos;

- a conseqüente impossibilidade de definir diretrizes curriculares nacionais para

a formação de professores para o ensino religioso e critérios de avaliação dos

cursos que não discriminem, direta ou indiretamente, orientações religiosas de

diferentes segmentos da população e contemplem igualmente a diversidade

de conteúdos propostos pelos diferentes sistemas de ensino,

concluímos que:

Não cabendo-a União, determinar, direta ou indiretamente, conteúdos

curriculares que orientam a formação religiosa dos professores, o que interferiria

239

tanto na liberdade de crença como nas decisões de Estados e municípios

referentes à organização dos cursos em seus sistemas de ensino, não lhe

compete autorizar, nem reconhecer, nem avaliar cursos de licenciatura em ensino

religioso, cujos diplomas tenham validade nacional;

Devendo ser assegurada a pluralidade de orientações, os

estabelecimentos de ensino podem organizar cursos livres ou de extensão

orientados para o ensino religioso, cujo currículo e orientação religiosa serão

estabelecidos pelas próprias instituições, fornecendo aos alunos um certificado

que comprove os estudos realizados e a formação recebida;

Competindo aos Estados e municípios organizarem e definirem os

conteúdos do ensino religioso nos seus sistemas de ensino e as normas para a

habilitação e admissão dos professores, deverão ser respeitadas as

determinações legais para o exercício do magistério, a saber:

- diploma de habilitação para o magistério em nível médio, como condição

mínima para a docência nas séries iniciais do ensino fundamental;

- preparação pedagógica nos termos da Resolução 02/97 do plenário

Conselho Nacional de Educação, para os portadores de diploma de ensino

superior que pretendam ministrar ensino religioso em qualquer das séries do

ensino fundamental; diploma de licenciatura em qualquer área do conhecimento.

Brasília-DF, 06 de abril de 1999.

Eunice R. Durham

Lauro Ribas Zimmer

Jacques Velloso

José Carlos Almeida da Silva

III – DECISÃO DO CONSELHO PLENO

O Conselho Pleno acompanha o voto dos Relatores.Plenário, 06 de abril de 1999.

Conselheiro - Éfrem de Aguiar Maranhão – Presidente.

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ANEXO 10

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL.

Resolução Câmara de Educação Básica, nº 2, de 7 de abril de 1998 institui As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.

O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de

Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º § 1º, alínea "c" da Lei 9.131, de 25

de novembro de 1995 e o Parecer CEB 4/98, homologado pelo Senhor Ministro

da Educação e do Desporto em 27 de março de 1998,

RESOLVE:

Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais

para o Ensino Fundamental, a serem observadas na organização curricular das

unidades escolares integrantes dos de diversos sistemas ensino.

Art. 2º Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definições

doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimento da educação básica,

expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação,

que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino na organização,

articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas.

Art. 3º. São as seguintes as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino

Fundamental: a) As escolas deverão estabelecer como norteadores de suas

ações pedagógicas: os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da

solidariedade e do respeito ao bem comum; b) os princípios dos Direitos e

Deveres da Cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem

democrática;

c) os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de

manifestações artísticas e culturais.

II - Ao definir suas propostas pedagógicas, as escolas deverão explicitar o

reconhecimento da identidade pessoal de alunos, professores e outros

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profissionais e a identidade de cada unidade escolar e de seus respectivos

sistemas de ensino.

III - As escolas deverão reconhecer que as aprendizagens são

constituídas pela interação dos processos de conhecimento com os de linguagem

e os afetivos, em conseqüência das relações entre as distintas identidades dos

vários participantes do contexto escolarizado; as diversas experiências de vida de

alunos, professores e demais participantes do ambiente escolar, expressas

através de múltiplas formas de diálogo, devem contribuir para a constituição de

identidade afirmativas, persistentes e capazes de protagonizar ações autônomas

e solidárias em relação a conhecimentos e valores indispensáveis à vida cidadã.

IV - Em todas as escolas deverá ser garantida a igualdade de acesso

para alunos a uma base nacional comum, de maneira a legitimar a unidade e a

qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional. A base comum nacional e

sua parte diversificada deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, que

vise a estabelecer a relação entre a educação fundamental e:

a) a vida cidadã através da articulação entre vários dos seus aspectos como:

1. A saúde

2. A sexualidade

3. A vida familiar e social

4. O meio ambiente

5. O trabalho

6. A ciência e a tecnologia

7 a cultura

8 as linguagens.

b) as áreas de conhecimento:

1. Língua Portuguesa

2. Língua Materna, para populações indígenas e migrantes

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3. Matemática

4. Ciências 5. Geografia

6. História

7. Língua Estrangeira

8. Educação Artística

9. Educação Física

10. Educação Religiosa, na forma do art. 33 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

V - As escolas deverão explicitar em suas propostas curriculares

processos de ensino voltados para as relações com sua comunidade local,

regional e planetária, visando à interação entre a educação fundamental e a vida

cidadã; os alunos, ao aprenderem os conhecimentos e valores da base nacional

comum e da parte diversificada, estarão também constituindo sua identidade

como cidadãos, capazes de serem protagonistas de ações responsáveis,

solidárias e autônomas em relação a si próprios, às suas famílias e às

comunidades.

VI - As escolas utilizarão a parte diversificada de suas propostas

curriculares para enriquecer e complementar a base nacional comum,

propiciando, de maneira específica, a introdução de projetos e atividades do

interesse de suas comunidades.

II - As escolas devem trabalhar em clima de cooperação entre a direção e

as equipes docentes, para que haja condições favoráveis à adoção, execução,

avaliação e aperfeiçoamento das estratégias educacionais, em conseqüência do

uso adequado do espaço físico, do horário e calendário escolares, na forma da

arte. 12 a 14 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Art. 4º Esta Resolução

entra em vigor na data de sua publicação.

ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET

Presidente da Câmara de Educação Básica

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