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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Elcio Rubens Mota Felix A RELAÇÃO PALAVRA-ESPÍRITO NA CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA DEI VERBUM DO CONCÍLIO VATICANO II MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Elcio Rubens Mota Felix

A RELAÇÃO PALAVRA-ESPÍRITO NA CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA

DEI VERBUM DO CONCÍLIO VATICANO II

MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA

SÃO PAULO

2013

  2

Elcio Rubens Mota Felix

A Relação Palavra-Espírito Santo na Constituição Dogmática

Dei Verbum do Concílio Vaticano II

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como

pré-requisito para obtenção do grau de

Mestrado em Teologia Sistemática.

Orientador: Pe. Dr. Kuniharu Iwashita.

SÃO PAULO

2013

  3

Banca Examinadora

______________________________

______________________________

______________________________

  4

AGRADECIMENTOS

Aos que, de alguma forma, muito ou pouco, fizeram parte deste processo de

reflexão e pesquisa. E cada pessoa, a seu modo, esteve presente.

Aos meus queridos, que, pelo dom da vida e pelo exemplo, ensinaram-me a

escutar.

Ao meu orientador, o padre Pedro Iwashita, por suas orientações precisas e

pela paciência.

Aos professores, que, cada um em sua área, com competência, ajudaram-me

a elaborar meu trabalho:

a Antônio Manzatto, que, na História dos Dogmas, ajudou-me a olhar alguns

fundamentos da fé dentro de um contexto bem maior, que é o do desenvolvimento

ou evolução da fé cristã;

a Boris Agustin Nef Ulloa, que, com base na Sagrada Escritura, abriu-me

caminhos para o aprofundamento sobre a tradição;

a Maria Freire da Silva, que me despertou com clareza para a importância das

técnicas da escrita no trabalho de dissertação;

a Matthias Grenzer, que me ajudou a compreender a importância das

tradições do Êxodo para a formação das fontes da vida de fé do povo de Israel e

também a nossa, enquanto cristãos;

ao professor Ney de Souza, que me fez aprimorar a leitura e a compreensão

sobre o documento da Constituição Dei Verbum, quando do seminário sobre os 50

anos do Concílio Vaticano II.

ao padre Valeriano dos Santos Costa, meus agradecimentos por inspirar-me

e, ao mesmo tempo, instigar os estudos numa futura pesquisa sobre a o Espírito

Santo na Liturgia.

Também não posso me esquecer de agradecer aos meus colegas de

Mestrado e ao Congresso Continental de Teologia, que notificou incisivamente a

  5

necessidade de a teologia partir sempre da realidade, e, para isso, a escuta torna-se

primordial.

À Faculdade Vicentina, na qual desenvolvi os estudos de pós-graduação em

espiritualidade, com base nos quais me foi suscitado o propósito de um mestrado.

Aos amigos e irmãos de Congregação, que muito me estimularam nesta

pesquisa, e aos meus superiores, que, com os devidos apoios, serviram de alento

nos momentos de atribulação.

  6

RESUMO

O presente trabalho pretende verificar a relação entre a Palavra e o Espírito na Constituição Dogmática Dei Verbum, do Concílio Vaticano II. Para isso, vamos, num primeiro momento, nos deter na análise dessa Constituição situando-a no contexto do Vaticano II. É ali que a Dei Verbum é elaborada. Em seguida e com base na análise do texto da Dei Verbum, focaremos nossa pesquisa estritamente nas referências ao Espírito ali feitas. Neste sentido, nossa investigação, de cunho predominantemente bibliográfico, procura mostrar que, embora sejam pouco numerosas as referências ao Espírito naquele documento, em sua leitura é possível caracterizar ou identificar as formas de relação entre a Palavra e o Espírito. E ainda mais se nessa leitura for levado em conta, como é nosso propósito, que a Dei Verbum é essencialmente um documento voltado para expor uma doutrina sobre a revelação da Palavra de Deus. Verificamos também que essa doutrina tem entre seus pressupostos que a relação entre a Palavra e o Espírito provocará a escuta do ser humano à Palavra, levando-o a dar, por sua vez, uma resposta, que é a de também buscar escutá-la. Da genuína escuta da Palavra de Deus que se revela no Espírito, à qual o homem se dispõe, podem depender todas as outras formas de relação em que o ser humano se envolve: a relação consigo mesmo, a relação com o(s) outro(s), a relação com o mundo, com a sociedade e até a relação com as coisas. Da autêntica capacidade do homem de escutar a Palavra de Deus pode depender um novo modo de ser e de viver do homem neste mundo. Algo que o próprio Concílio já aventava, ou melhor, estava pressuposto em suas deliberações. O espírito conciliar propunha essencialmente a atualização da relação com a sociedade, com o mundo, com a ciência. E certamente é a escuta que daria os contornos dessa relação.

Palavras-chave: Dei Verbum, Palavra, Espírito, escuta, homem, mundo.

  7

ABSTRACT

This assignment aims to verify the relation between the Word and the Spirit in the Dei Verbum Dogmatic Constitution, of Vatican Council II. Therefore, we are going to analyze, at first, this Constitution, placing it in the Vatican Council II. It is in it that the Dei Verbum is elaborated. After, we are going to focus our research based on the analysis of the text from the Dei Verbum; we are going to strictly focus our research in the references that are done in it about the Spirit. In this way, our investigation, which is predominantly bibliographical, tries to show that, although there are few references about the Spirit in that document, when you read it, it is possible to characterize or identify the ways of relation between the Word and the Spirit. And even more if this reading is taken into account, as it is our purpose, that the Dei Verbum is essentially a document aimed to present a doctrine about God’s Word revelation. We also verify that this doctrine has among its presumptions that the relation between the Word and the Spirit will cause the human’s listening to the Word, conducting him to give an answer, which is also to look for listening it. From the genuine listening of God’s Word which is revealed into the Spirit, and the man offers to do, they may depend on all the other ways of revelation in which the human being involves himself: the relation with himself, the relation with the others, the relation with the world, with the society and even the relation with the things. From the authentic man’s ability of listening God’s Word can depend on a new way of man’s being and living in this world. Something that the Council has already said, namely it was presupposed in its deliberations. The Council spirit essentially proposed the society’s updating relation, with the world and the science. And definitely it is the listening that could give the outlines of this relation.

Key words: Dei Verbum, Word, Spirit, listening, man, and world.

  8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................11

1º CAPÍTULO: A DEI VERBUM........................................................................18

1. O CONTEXTO ECLESIAL DA DEI VERBUM................................................20

1.1. O Concílio Vaticano II.................................................................................20

1.1.1. Os movimentos que influenciaram o Vaticano II......................................21

1.1.2. O ambiente histórico-social e eclesiástico às vésperas do Concílio........23

1.1.3. Do anúncio do Concílio à sua abertura....................................................25

1.1.4. Abertura e andamento da Assembleia Conciliar......................................26

2. O CONTEXTO HISTÓRICO DA DEI VERBUM.............................................27

2.1. As grandes influências sobre a Dei Verbum...............................................28

3. O ITINERÁRIO DA REDAÇÃO DA DEI VERBUM.........................................32

4. A CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA DEI VERBUM...........................................39

4.1. O tema fundamental da Dei Verbum: a revelação.......................................44

4.1.1. Revelação ............................................................................................. 44

2º CAPÍTULO: A RELAÇÃO PALAVRA-ESPÍRITO NA DEI VERBUM...........56

1. ESCLARECIMENTOS...................................................................................57

2. A PALAVRA...................................................................................................60

2.1. A Palavra de Deus e o Espírito Santo........................................................64

2.1.1. A Palavra de Deus...................................................................................64

2.1.2. O Espírito Santo.......................................................................................73

3. A RELAÇÃO PALAVRA-ESPÍRITO COM BASE NO TEXTODA DEI

VERBUM............................................................................................................78

3.1. Relação Palavra-Espírito numa perspectiva bíblica....................................79

3.2. Alguns aspectos históricos da relação Palavra-Espírito..............................81

  9

3.3. A relação Palavra-Espírito com base nas referências ao Espírito Santo no texto

da Dei Verbum............................................................................................................84

A) 1ª Linha de reflexão: Cristo no Espírito, tem-se acesso ao Pai (DV, 2)................84

B) 2ª Linha de reflexão: O Espírito e a inspiração: o hagiógrafo e as Escrituras (DV,

7, 9, 11, 20)................................................................................................................85

C) 3ª Linha de reflexão: O Cristo ressuscitado envia o Espírito de verdade (DV, 4, 6,

11, 17,19)...................................................................................................................88

D) 4ª Linha de reflexão: O Espírito assiste a Tradição dada por Cristo (DV, 8, 9, 10,

20, 23)........................................................................................................................90

3º CAPÍTULO: A ESCUTA COMO RESPOSTA À PALAVRA QUE SE

REVELA.....................................................................................................................94

1. OUVIR E ESCUTAR: UMA SUTIL DIFERENÇA....................................................95

2. A ESCUTA E A PALAVRA DE DEUS....................................................................97

3. A ESCUTA NO HORIZONTE DA DEI VERBUM..................................................103

3.1. Ouvindo religiosamente a Palavra de Deus......................................................106

3.2. O contexto conciliar...........................................................................................107

A) A Assembleia Conciliar........................................................................................107

B) O contexto da Assembleia Conciliar....................................................................108

4. BASE BÍBLICA DO “OUVINDO RELIGIOSAMENTE A PALAVRA DE

DEUS”......................................................................................................................108

5. JESUS COMO NOVO MOISÉS E MODELO DE ESCUTA..................................112

6. A ESCUTA COMO RESPOSTA...........................................................................117

CONCLUSÃO..........................................................................................................127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................130

  10

SIGLAS

AG Ad Gentes. Constituição Pastoral sobre a missão da Igreja no

mundo

Bíblia do Peregrino

CIC Catecismo da Igreja Católica

ComDV L. Alonso Schökel (ed.). Comentários à Constituição Dei Verbum

Dap. Documento de Aparecida

DB Dicionário bíblico, 9ª ed. São Paulo: Paulus, 2005

DCT Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004

DEB Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis (RJ): Vozes, 2004

Denz. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral

DF Constituição Dogmática Dei Filius sobre a fé católica. Vaticano I

Documento do Vaticano II

DTF Dicionário de teologia fundamental. Petrópolis (RJ):

Vozes/Santuário, 1994, 1094 p.

DM Dicionário de mariologia. São Paulo: Paulus, 1986

DV Dei Verbum. Constituição Dogmática sobre a revelação divina

EDAS Encíclica Divino Afflante Spiritu

EPD Encíclica Providentissimus Deus

ESP Encíclica Spiritus Paraclitus

NDT Novo dicionário de teologia. São Paulo: Paulus, 2009

OT Optatam Totius. Declaração sobre a formação presbiteral

RDV PIAZZA, W. A revelação cristã: na Constituição Dogmática Dei

Verbum

TEB Bíblia Tradução Ecumênica TEB. São Paulo: Loyola, 1996

VD Verbum Domini

VTB Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis (RJ): Vozes, 2005

  11

INTRODUÇÃO

Desde o Concílio Vaticano II (1965), tem-se observado a busca de elaboração

sistemática (pneumatologia) da ação do Espírito Santo na Igreja, no mundo e na

vida do ser humano. Ao mesmo tempo, no próprio Concílio, ouviram-se “vozes:

observadores ortodoxos, protestantes anglicanos que afirmaram que o Concílio

esqueceu-se do Espírito, devido à precariedade de referência ao Espírito Santo nos

textos dos documentos conciliares”.1

Diante da precariedade de referências ao Espírito Santo nos documentos do

Concílio, o tema da relação entre Palavra e Espírito reveste-se de certa dificuldade,

especialmente quando procuramos identificar uma pneumatologia elaborada na Dei

Verbum, por causa da revelação de Deus. Evidentemente com este cenário,

indagamos: que implicações surgem dessa relação entre Palavra e Espírito na Dei

Verbum? Ou que consequências a relação entre Palavra e Espírito pode trazer à

Igreja e aos homens e mulheres de nosso tempo? Essas indagações são pertinentes

e se põem como desafiadoras ao nosso trabalho. Ousamos dizer que vamos buscar

abordá-las.

Nos dezesseis documentos elaborados pelo Concílio Vaticano II, ocorre 260

vezes a referência ao Espírito Santo. Na Dei Verbum, porém, somente 25 vezes é

citado o Espírito Santo. É preciso admitir que há pouca referência ao Espírito na Dei

Verbum, se a comparamos aos demais documentos conciliares, como, por exemplo,

a Lumem Gentium (Constituição sobre a Igreja). Este documento é aquele do qual

mais constam referências ao Espírito Santo. Esta escassa menção ao Espírito,

                                                            1 CODINA, Vitor. Creio no Espírito Santo: pneumatologia narrativa. São Paulo: Paulinas, p. 55. A observação e a crítica mais contundentes quanto ao esquecimento do Espírito no Vaticano II, mas formuladas de modo mais amplo, deram-se de forma mais incisiva pelas considerações do teólogo ortodoxo Paul Evdokimov, que diz: “a ausência da economia do Espírito Santo na teologia dos últimos séculos como também seu cristomonismo determinaram que a liberdade profética, a divinização da humanidade, a dignidade adulta e régia do laicato e o nascimento da nova criatura fiquem substituídos pela instituição hierárquica da Igreja posta em termos de obediência e submissão” (O Espírito Santo na tradição ortodoxa. São Paulo: Ave Maria, 1996, p. 32). Há outras obras que abordam a mesma questão da “precariedade da referência ao Espírito” do Vaticano II: CONGAR, Yves. Creio no Espírito Santo. Vol. 1: Revelação e experiência do Espírito. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 217; SILANES, Nereo. O dom de Deus: a Trindade em nossa vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 205-7.

  12

entretanto, nem por isso significa desprezo ou pouco-caso à terceira Pessoa

Trinitária. Tanto isso é verdade, que, terminado o Concílio, anos mais tarde

(6/6/1973), o papa Paulo VI, numa audiência geral, reconhece: “à Cristologia e

especialmente à eclesiologia do Concílio deve suceder um estudo novo e um culto

novo sobre o Espírito Santo, precisamente como um complemento que não deve

faltar ao ensino do Concílio”.2

Este trabalho de alguma forma apoia-se nesse pensamento do papa Paulo VI,

como a motivação e o propósito de pesquisa. E, dessa mesma afirmação no

Sagrado Concílio até hoje, passou-se quase meio século, tendo já ocorrido nos

tempos atuais enormes transformações no mundo e na Igreja. Aliás, o próprio

Concílio foi e ainda é instrumento de transformação. É o Concílio que nos

recomenda uma sistematização mais elaborada, um estudo mais apurado sobre o

Espírito Santo, ou seja, uma pneumatologia. Por isso, são indispensáveis o estudo e

a compreensão da interação entre Palavra e Espírito. Se o Concílio já apontava para

a renovação da Igreja, são imprescindíveis o estudo e o conhecimento da relação

entre Palavra e Espírito. Porque é o Espírito que dinamiza a Palavra. Também, a

Igreja não vive sem a Palavra, e a Palavra não age sem o Espírito. Portanto, o

estudo da relação entre Palavra e Espírito será relevante para a compreensão deste

trabalho. Compreender essa relação, e seu reflexo para nós e para nossa vida, é

determinante. Com efeito, serão consideradas as implicações da relação Palavra-

Espírito em nosso contexto de fé, ou em nossa vida cristã.

Em outras palavras, o que pretendemos3 é verificar a relação Palavra-Espírito

na Constituição Dogmática Dei Verbum, porque este é o documento que trata sobre

a revelação, em busca da elaboração de uma doutrina da revelação divina ou da

revelação da Palavra de Deus.4

                                                            2 Audiência geral de Paulo VI de 6 de junho de 1973. Insegnamenti di Paolo VI, v. XI, 1973, p. 477 (citado em JOÃO PAULO II. Encíclica “Dominum et Vivificantem” sobre o Espírito Santo na vida da Igreja e do mundo. São Paulo: Loyola, 1986, p. 274). 3 Quando digo “pretendemos”, quero significar “quanto ao objetivo deste trabalho”. 4 É necessário dizer com clareza que entendemos como Palavra de Deus o que a Igreja entende, isto é, ela a vê de forma ampla, tendo um sentido mais abrangente que aquele restrito somente à Sagrada Escritura. Aqui também a Palavra de Deus não se restringe à Sagrada Escritura, e igualmente a Tradição deve ser considerada como Palavra de Deus. Encontramos na Dei Verbum: a sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da Palavra de Deus, confiado à Igreja (DV, 10).

  13

No primeiro capítulo, vamos analisar a Constituição Dei Verbum, situando-a

em seu contexto eclesial e histórico. Abordar o seu contexto é verificar o lugar, as

forças e os envolvidos em sua redação e o itinerário em que é elaborada. É neste

contexto que será produzido o documento que trate de uma “doutrina” sobre a

revelação divina e é só por ela que pensaremos a relação Palavra-Espírito. Para

tanto, será conveniente pinçar para análise, por exemplo, as grandes influências

sobre a redação da Dei Verbum, que não se podem esquecer. Houve várias delas

sobre essa Constituição,5 como o espírito conciliar, alguns documentos do

Magistério da Igreja, a caminhada da Igreja que se fazia até então e,

particularmente, o “clima” de assembleia conciliar,6 em que todos estavam

envolvidos.

Sendo feita essa análise do documento em seu contexto histórico e eclesial,

entraremos no coração de nosso trabalho. Trataremos no segundo capítulo da

relação entre Palavra e Espírito. Era preciso vasculhar o texto da Dei Verbum para

assim nos lançarmos num empreendimento posterior. Com isso, recorreremos às 25

referências ao Espírito Santo no texto do documento da Dei Verbum. E é somente

com base nestas 25 referências que será possível desenvolvermos o respectivo

estudo sobre a relação entre a Palavra e o Espírito. Não é sem sentido a intenção

dos padres conciliares em dispor no texto a sutil harmonia entre Palavra e Espírito,

como a lemos na Dei Verbum, e que podemos ver em algumas partes do texto,

como, por exemplo, “A Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto foi escrita

por inspiração do Espírito Santo” (DV, 9).

E ainda mais numa outra parte do texto, em que encontramos a afirmação de

que a Sagrada Tradição só progride se assistida pelo Espírito. Está assim elaborada

no texto da Constituição: “Esta tradição apostólica progride na Igreja sob a

assistência do Espírito Santo” (DV, 8).

                                                            5 As pesquisas apontam para o fato de que a Dei Verbum não foi elaborada, por assim dizer, da estaca zero, nem foi redigida em papel absolutamente em branco. Há algumas influências sobre este documento, que, a nosso ver, são o espírito conciliar, os movimentos e alguns documentos da Igreja. Noutra linha, consideraremos dois grandes contextos em que este documento surge: seus contextos eclesial e histórico. 6 Quanto às figuras significativas no processo redacional da Dei Verbum, indico ao menos quatro: o papa João XXIII, Alfredo Ottaviani, Agostinho Bea e o bispo de Bruges, Emilio De Smedt. Sobre este último, cf. KLOPPENBURG, Boaventura. Concílio Vaticano II, v. 1. Petrópolis (RJ): Vozes, 1963.

  14

E as demais citações estão em perfeita harmonia entre si. Como são 25 as

referências ao Espírito Santo, abordaremos todas elas buscando fazer uma reflexão

teológica e tendo como base a Tradição da Igreja.

É com apoio nisso que será desenvolvido o estudo desse capítulo.

Procurando elaborar o significado e a contribuição teológica dessa Constituição para

a Igreja e para nossa fé. Portanto, não são sem sentido as referências ao Espírito

Santo ao longo do documento, porque o Espírito está sempre em estreita ligação

com a Palavra, e a Palavra sempre age no Espírito.

Ora, por que há essas constantes referências ao Espírito Santo num texto de

Constituição dedicada à revelação divina, a Palavra de Deus? Cogitamos que a

Igreja quis deixar bem clara a insofismável interação entre o Espírito Santo e a

Palavra que se revela. É tendo em mente essa observação que pesquisaremos o

conjunto das 25 referências no contexto dessa Constituição Dogmática.

Com o estudo do documento da Dei Verbum e a reflexão teológica da relação

entre Palavra e Espírito, focaremos nosso propósito nos desdobramentos ou nas

consequências desta relação. Num outro aspecto, queremos apresentar algo bem

concreto, que possa contribuir para nossa vida cristã. Propondo um caminho que

seja o ponto de chegada em que deságua a relação entre a Palavra e o Espírito. No

último e terceiro capítulo trataremos da ressonância da interação entre Palavra e

Espírito na vida e na fé cristã. Ousamos propor a escuta como este momento

privilegiado e insubstituível, de onde ressoa ou reflete a relação entre a Palavra e o

Espírito. A escuta é uma resposta do “homem à revelação da Palavra”.7 Por isso, é

na escuta que se faz ecoar misteriosamente a revelação da Palavra, porque é o

Espírito quem a dinamiza. Mais ainda: porque é a uma Pessoa que escutamos,

Jesus Cristo! A Palavra de Deus “deve, antes de tudo, ser ouvida”8 (numa escuta). A

escuta de um interlocutor, tal como na ordem shemá, Israel (Dt 6,4).

O tema da escuta permitirá abrir horizontes para um novo modus operandi,9

porque possibilita a relação com a Palavra, que, por sua vez, é dinamizada pelo

Espírito. A escuta acaba por tornar-se o grande sinal do que já nos indicava o

                                                            7 MANNUCCI, Valério. Bíblia palavra de Deus. São Paulo: Paulus, 2008, p. 37. 8 Id., ibid. 9 No latim seu significado remete a um modo de operar, um modo de agir. É o modo ou o jeito pelo qual cada um age em sua vida, em seu dia a dia.

  15

Concílio Vaticano II: aquela abertura do diálogo. Sem a escuta, não se pode chegar

ao diálogo.

Adquirimos certa convicção de que o encontro com as pessoas, a inserção na

sociedade, em nosso mundo, e quiçá a relação conosco mesmos, depende

fundamentalmente e, sobretudo, de nossa capacidade de escutar. Sem a escuta, é

impossível o diálogo tal qual nos propunha o Concílio. Consequentemente, a escuta

pode materializar as implicações que a relação entre Palavra e Espírito pode trazer à

nossa vida de fé ou à nossa vida cristã. Dessa atitude de escuta, pode sobrevir uma

nova forma de posicionar-se na vida. Disso podem depender novas relações, se a

escuta é, sobretudo, uma relação com a revelação divina, sua Palavra e seu

Espírito. É verdade também que a escuta pode instaurar uma nova maneira de

relacionamento com os seres humanos que somos nós. Pode transformar nossa

maneira de nos relacionarmos conosco mesmos,10 com os outros e até nossa

relação com as “coisas”.11

Definidas essas “pretensões”,12 não esquecemos que tudo isso é um grande

desafio. E não devemos perder de vista os grandes desafios existentes no mundo

em que vivemos. Numa sociedade como a nossa, constatamos, especialmente nas

áreas urbanas, a “cultura do barulho”.13 Numa cultura como a nossa deparamos com

sons ensurdecedores, que nos agridem continuamente. Nas ruas, o ronco de

motores de veículos e buzinas; em casa, a televisão, o rádio; e em toda parte

palavrões dos mais variados. Mesmo em nossas comunidades cristãs, observava

Adélia Prado: “não faltam caixas de som cada vez mais potentes de sons

                                                            10 Enfatizo essas palavras para referir-me especialmente à maneira pela qual nós nos escutamos. Quando digo que a escuta pode mudar nossa maneira de escutar a nós mesmos, quero apontar para uma perspectiva nova de as pessoas relacionarem-se consigo mesmas. 11 A escuta também pode ajudar na formação de um novo modo de relacionar-se com as coisas. Quero dizer, especialmente, com a matéria, com o universo dos objetos. Não é grande a preocupação do mundo atual com o consumismo? Preocupação que nos leva a ser dominados ou nos deixarmos dominar pelas coisas, pelo apego às coisas? 12 Tais pretensões são exatamente os objetivos específicos deste trabalho. 13 ALVES, Ephraim Ferreira. A arte de meditar: princípios fundamentais e sugestões práticas. Grande Sinal, fasc. 3, n. 01-03, mai.-jun. 2001, Petrópolis (RJ), p. 293-295. Conferir também reportagem na revista do jornal Folha de S.Paulo, relatando alguns estudos sobre a medição dos decibéis na cidade de São Paulo: vivemos com níveis de ruído muito acima do recomendado. Com o excesso de barulho, os médicos alertam para os danos à saúde, e o mercado de janelas antirruído comemora – a procura, dizem, nunca foi tal alta! (RIBEIRO, Bruno. Silêncio, por favor. Revista de Domingo. Folha de S.Paulo, 28/08/2011, p. 38-44). Conferir também recente exortação do papa Bento XVI aos jovens na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Madri. O papa estimula a juventude a escutar verdadeiramente as palavras do Senhor (Semanário da Arquidiocese de São Paulo, ano 56, n. 2864, 23 a 29 de agosto de 2011, p. A3).

  16

altíssimos”.14 Não é exagero nenhum afirmar que são inúmeras as pessoas

queixosas de não terem sido capazes de escutar e serem escutadas. A

impossibilidade de escutar e ser escutado(a) leva a uma das maiores angústias que

nos assolam na realidade em que vivemos. Ao mesmo tempo em que não

praticamos a escuta, também não a vemos ser praticada.

Numa realidade pastoral, é possível notar essa dificuldade de escutar. Mesmo

a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por suas “orientações

pastorais”,15 reconhece, pela experiência pastoral, a dimensão do problema

existente. Problema particularmente presente na vida dos jovens: “O desafio para o

jovem – assim como para todos os que aceitam Jesus como caminho, verdade e

vida – é escutar a voz de Cristo em meio a tantas outras vozes”.16 O problema está

entre nós e os desafios presentes.

É nesse contexto que vivemos a nossa fé em Cristo. É nessa realidade que

vivemos nossa vida. E, em se tratando de vivência da fé, por estes tempos, temos

deparado com um grande número de pessoas que não escutam mais a Palavra de

Deus, a Sagrada Escritura especialmente – isso sem falar da escuta do Espírito. Os

“sinais dos tempos”, evocados por João XXIII no Concílio Vaticano II, tornaram-se

simplesmente um mistério, porque desaprendemos a escutar.

Diante dessa cultura do barulho, torna-se difícil escutar a Palavra de Deus, e

mais ainda seu Espírito – na hipótese de que seja possível escutar a Palavra sem o

Espírito, pois é o Espírito que dinamiza a Palavra de Deus na vida e no coração do

fiel. Por conta disso, não tomamos consciência de que o encontro com a Palavra de

Deus tornou-se precário, diminuído, substituível. O encontro com a Palavra de Deus

é continuamente substituído pelo contato com outros objetos ou realidades que

comovem ou atraem mais incisivamente homens e mulheres do nosso tempo, como,

por exemplo, a TV, a Internet e os celulares de alta tecnologia. Estes últimos são a

febre do momento, e até as crianças os utilizam. O uso desses recursos eletrônicos

                                                            14 PRADO, Adélia. Missa é como poema, não suporta enfeite nenhum. Vida Pastoral, n. 267, jul.-ago. 2009, São Paulo, p. 3-4. 15 São também chamadas de Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE). Essa problemática, que é de cunho social, reflete-se no âmbito pastoral da Igreja. Há tempos já vem sendo detectada nos últimos documentos pastorais da Igreja (Evangelização da juventude, n. 60, 2007, p. 32 [Publicações da CNBB, n. 3]). Está presente também no documento mais atual, fruto da Assembleia da CNBB deste ano (DGAE, n. 94, 2011-2015, p. 53). 16 Evangelização..., op. cit., p. 32.

  17

provoca experiências mais imediatas de prazer e satisfação, não compromete, não

nos exige, basta consumir. Diferente é o encontro com a Palavra de Deus.

Ora, o que pode ser mais fundamental para nossa fé, se não o que está

sendo deixado de lado, isto é, o encontro com a Palavra de Deus e seu Espírito?

Logo, a escuta17 da Palavra de Deus no dinamismo do Espírito torna-se questão

central. Saber identificar a ação da Palavra de Deus em nossa vida, ou o que a

Palavra de Deus quer dizer no concreto de nossa existência, mostra-se como uma

obrigação. No que a Palavra de Deus pode nos orientar? O que ela significa para

nossa vida? Ou, com base em suas indicações, que referência dela podemos obter

para nossa opção de vida ou nossas decisões, e também nossos princípios e

valores? Tudo isso se torna fundamental para nós quando nos damos conta de que

a Palavra de Deus não age sem o Espírito, nunca está dissociada do pneuma (VD,

n. 16, p. 36).18 O Espírito sempre acompanha, dinamiza e dá vigor, revitalizando a

Palavra. Além disso, não é demais lembrarmos o profeta Isaías, que nos fala sobre a

Palavra de Deus: “Buscai o Senhor enquanto se deixa encontrar, invocai-o enquanto

está perto” (Is 55,6).

A Palavra de Deus19 está presente em nós e entre nós. Nunca se negou a

agir na vida da Igreja e na vida do cristão. A Palavra de Deus e seu dinamismo

provocado pelo Espírito em nós, em nosso coração e na vida de homens e mulheres

que vivem neste mundo,20 tornam-se uma necessidade absoluta. Deveríamos por

ora (re)despertar para essa dimensão. Depurar-nos do que nos impede de valorizar

essa dimensão da escuta da Palavra de Deus e do dinamismo do Espírito.

                                                            17 Lembrar que ao povo de Israel pediu que o escutasse (Dt 6,4). Sobre este tema da escuta especificamente (LORENZIN, Tiziano. “Ouve, Israel” A escuta na Bíblia. Grande Sinal, v. 61, n. 64, jul.-ago. 2007, Petrópolis, RJ, p. 512-520; PEYRON, Francisco. Rezar é escutar. Grande Sinal, v. 63, n. 5, set.-out. 2009, p. 471-477). 18 Diz a mesma exortação apostólica sobre a Palavra de Deus que “não podemos chegar a compreender a Escritura sem a ajuda do Espírito Santo que a inspirou”. 19 É preciso deixar claro que, quando dizemos “Palavra de Deus”, a entendemos tal qual a Igreja: de forma ampla, não restrita exclusivamente à Sagrada Escritura. 20 Existe a afirmação de que só haverá “um modo dignamente humano de falar sobre Deus, se se consistir em primeiro lugar e sobretudo se tentarmos escutá-lo” (FAUS, José I. González; VIVES, Josep. Crer, só se pode em Deus. Em Deus só se pode crer. Ensaio sobre as imagens de Deus no mundo de hoje. São Paulo: Loyola, 1988, p. 16).

  18

1º CAPÍTULO: A DEI VERBUM

A Dei Verbum seguiu os mesmos passos das sessões do Concílio Vaticano

II.21 Começou quando se abria o Concílio, em sua primeira sessão, e quase quando

se encerrava a última sessão do mesmo Concílio, poucos dias antes, esta

Constituição era enfim aprovada e promulgada. A Dei Verbum22 foi um dos mais

importantes documentos do Concílio Vaticano II (1962-1965), assim consideram

importantes estudiosos23 do tema. Alguns padres do Concílio expressam com

clareza os avanços da Dei Verbum. Levando em consideração as tensões no

processo redacional,24 vários padres do Concílio tiveram a firme atitude de expor seu

ponto de vista. O exegeta e cardeal Florit assim se manifestava sobre o projeto da

Dei Verbum:

“é uma das mais breves entre as promulgadas pelo Concílio, mas ao mesmo tempo uma das mais ricas em doutrina e ainda a coloca no coração do mistério da Igreja e no centro do ecumenismo”.25

Outro exegeta, o S. E. Mons. Weber, arcebispo de Estrasburgo, diz “que a Dei

Verbum foi o prefácio da Constituição Lumem Gentium e, ao mesmo tempo, é

prefácio de todos os documentos conciliares”.26

                                                            21 Cf. JIMÉNEZ, G. Humberto. Dei Verbum. Historia de su redacción. Cuestiones Teológicas y Filosóficas, v. 32, n. 78, 2005, Medellín (Col), p. 209-224. Esse autor fez seus estudos em Teologia antes do Vaticano II. Trata-se de um biblista. Foi também aluno de Sebastian Tromp, que mais tarde acabaria sendo o secretário da comissão teológica no Concílio Vaticano II. Ver também o excelente artigo sobre a Dei Verbum, escrito de forma sintética e concisa, em DTF, p. 194-198. 22 Fala-se também da celebração dos 40 anos da Dei Verbum (cf. LLAGUNO, Miren Junkal Guevara. A los 40 años de la Dei Verbum: la palavra recuperada? Proyección, v. 52, n. 219, ed. 219, out.-dez. 2005, Granada, Esp, p. 349-370). 23 Alguns estudiosos referem-se à Dei Verbum como um documento de “grande relevância” em relação aos demais documentos do Concílio Vaticano II: Piazza, por exemplo, considera que a Dei Verbum ocupa no Concílio uma posição-chave (RDV, p. 15). Gregorio Ruiz destaca esse documento por sua importância, vital à revelação. O documento merece louvor porque o tema da revelação é que cria, constitui e mantém a Igreja (ComDV, p. 4); para Latourelle, a Dei Verbum é um documento que pode ser visto como o primeiro entre os grandes documentos do Vaticano II (cf. LATOURELLE, René. Teologia da revelação. São Paulo: Paulinas, 1981, p. 369). 24 Em DTF (p. 190) há uma observação interessante sobre a redação dessa Constituição, referida como uma “odisseia”. Aí também se afirma que “não é arriscado dizer que a Constituição Dogmática Dei Verbum seja o documento mais qualificado do Concílio Vaticano II”. 25 LYONNET, Stanislas. A Bíblia na Igreja depois da Dei Verbum. São Paulo: Paulinas, 1971, p. 9.

  19

Ao longo da elaboração da Dei Verbum, ocorreram embates memoráveis.

Não há dúvida de que essas tensões foram fruto das mentalidades divergentes27

presentes no Concílio. Os conflitos que emergiram durante o Concílio já estavam

presentes antes mesmo do início. Até a promulgação da Dei Verbum (18/11/1965),

três longos anos se passaram. Em relação aos demais documentos do Concílio, a

Dei Verbum foi o que mais tempo tomou para sua aprovação final.

Antes de analisar a Dei Verbum, é conveniente tomarmos conhecimento de

seu contexto, do lugar em que foi redigida. Contextualizá-la será importante, pois

sua elaboração não se deu no vazio, nem sem nexo com outras realidades

circundantes. A Dei Verbum foi um documento elaborado a várias mãos,28 e está

situada em dois contextos: o eclesial e o histórico. A Dei Verbum insere-se

primariamente nesse grande contexto de Igreja, um marco eclesial, que é, sem

dúvida, o Concílio Ecumênico Vaticano II. Deste evento, projeta-se todo seu

itinerário de redação, e seus debates. Era previsível que, em sua elaboração,

estivessem presentes as diferentes visões de Igreja e de mundo. De outro lado, com

uma proposta contrária à dos padres da Cúria, estavam, em maior número, os

padres que esperavam grandes mudanças na Igreja. Esperavam sinceramente as

mudanças necessárias, pelas quais já se gritava havia décadas. E várias delas já se

encontravam em vias de concretização no nível dos movimentos.

                                                                                                                                                                                          26 LYONNET, S. A Bíblia na Igreja..., op. cit., p. 10. 27 Eram alguns grupos de padres conciliares que divergiam em suas posições. Com obras publicadas na Coleção Biblioteca de Autores Cristãos (BAC), havia grupos que tinham mentalidade “antiprotestante”, os quais conflitavam durante todas as sessões com outro grupo que estava mais ligado ao movimento ecumênico (cf. ComDV, p. 129; KLOPPENBURG, B., Concílio Vaticano II, op. cit., p. 78). 28 Refiro-me aos demais conciliares responsáveis pela sua elaboração: a comissão antepreparatória, a comissão preparatória, a comissão teológica, as subcomissões e, é claro, os peritos.

  20

1.1. O CONTEXTO ECLESIAL DA DEI VERBUM

1.1.1. O Concílio Vaticano II

Para melhor compreensão da Dei Verbum, é preciso rever29 o Concílio

Vaticano II.30 Este Concílio, o vigésimo primeiro31 da história da Igreja, foi o evento-

marco em que a Dei Verbum foi elaborada. É nessa assembleia conciliar que

teremos de situar nosso documento temático.

Muitos consideram o Vaticano II um dos maiores eventos eclesiais de todos

os tempos.32 E havia mesmo alguns que, nos bastidores, apontavam-no como um

Concílio francês. O Vaticano II não foi, entretanto, um evento “isolado” no mundo,

nem se pode entendê-lo como um acontecimento gerado somente na “segunda

metade do século XX”.33 Faz-se necessário identificar algumas forças que o

“influenciaram”,34 como, por exemplo, os movimentos bíblico-litúrgicos. Ademais, o

Concílio foi, por assim dizer, uma resposta-reflexo às mudanças em

desenvolvimento no mundo daquele tempo, e já era propósito do papa João XXIII,

ao abrir o Concílio, buscar abertura e diálogo com o mundo. Entre os padres do

                                                            

29 É a proposta de Dom Demétrio Valentin, bispo de Jales (SP), em sua obra Revisitar o Concílio Vaticano II, São Paulo, Paulinas, 2011, 61 p. 30 Nos 40 anos do Concílio Vaticano II, por este tempo, foram publicados diversos artigos em celebração a este evento. Indicamos alguns artigos que podem iluminar seu significado para a Igreja (cf. GOPEGUI, Juan A. Ruiz. Concílio Vaticano II. Quarenta anos depois. Perspectiva Teológica, ano XXXVII, n. 101, jan.-abr. 2005, Belo Horizonte, p. 11-30; CODINA, Victor. El Vaticano II, un Concilio en proceso de recepción. Selecciones de Teología, v. 177, n. 45, jan.-mar. 2006, Barcelona, Esp, p. 5-18; ZULUAGA, Mario Alberto Ramírez. A los cuarenta años de la inauguración del Concilio Vaticano II. Cuestiones Teológicas, 84/02, jun. 2003, Medellín, Col, p. 29-55; DTF, p. 1040-1049). 31 Sua santidade, o papa João XXIII, proferiu o discurso na abertura solene do Sagrado Concílio, em 11 de outubro de 1962. 32 ARIAS, Gonzalo Tejerina (coord.). Vaticano II. Acontecimiento y recepción. Estudios sobre el Vaticano II a los cuarenta años de su clausura. Salamanca (Esp): Universidad Pontificia de Salamanca, 2006, p. 9. 33 COSTA, Sandro Roberto da. Contexto histórico do Concílio Vaticano II. In: TAVARES, Sinvaldo S. (org.). Memória e profecia. A Igreja no Vaticano II. Petrópolis (RJ): Vozes, 2005, p. 97. 34 Quando digo influências, refiro-me aos movimentos que influenciaram os conciliares, influenciando assim o próprio Concílio.

  21

Concílio, havia os que faziam parte de alguns daqueles movimentos, que, por sua

vez, estavam impactados com as mudanças antes do Concílio, como a nova

teologia. Na “nova teologia em gestação, surgia uma nova geração de teólogos que

se destacariam no próprio Concílio, como Congar e Rahner”.35 E os que estudam o

Concílio reconhecem a Dei Verbum como um documento “ecumênico, de

atualização e pastoral”.36 Por isso a linguagem do Concílio é acessível, de fácil

compreensão.

1.1.1. Os movimentos que influenciaram o Vaticano II

O Concílio Vaticano II é reflexo de um longo período de caminhada da Igreja,

e houve vários fatores que o influenciaram. Uns mais, outros menos, como os

movimentos, por exemplo, entre os quais abordaremos aqueles que mais marcaram

o processo de elaboração da Dei Verbum, os movimentos bíblico, litúrgico,

ecumênico e teológico.

O primeiro é o movimento bíblico, porque tem como eixo a Bíblia. Uma

renovação estava se desenvolvendo no interior da Igreja e em vários países.37 Este

movimento é o que lançaria mais luzes na elaboração da redação do futuro

                                                            35 COSTA, S. R. da. Contexto histórico..., op. cit., p. 38. 36 É utilizado usualmente o termo “aggiornamento” para referir-se ao movimento de autêntica renovação ou atualização que marcou o Concílio. Não é só João Batista Libanio que enfatiza essas “características” do Concílio, mas é consenso entre todos os vários estudiosos (LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Loyola, 2005, p. 67). 37 Desde o século XIX, na França, Bélgica e Alemanha já havia uma forte ação de retorno à Bíblia. Dali se fomentaram cada vez mais o uso e o estudo desta, reconhecendo que talvez a Bíblia tivesse sido “esquecida” pelos católicos até então e também levando em conta a traumática experiência da era pós-tridentina, que sucedeu a reforma protestante (com sua insistência na exclusividade da Bíblia) e que gerou um certo “abalo” na relação com a Bíblia. Eis alguns aspectos que fizeram parte do movimento bíblico: a) a aceitação do estudo da Bíblia com base no método histórico-crítico (1930); b) a criação da Escola Bíblica de Jerusalém (1938); c) a publicação da Encíclica Divino Afflante Spiritu (1943), de Pio XII, carta magna dos exegetas; d) a descoberta dos manuscritos de Qumram, que deram novo impulso aos estudos bíblicos (1947); e) começa a se pensar numa teologia bíblica e também na espiritualidade bíblica (COSTA, S. R. da. Contexto histórico..., op. cit., p. 104-105).

  22

documento Dei Verbum. O estudioso J. B. Libanio, entre outros que se

aprofundaram nessa temática, afirma:

“por este movimento a Igreja experimentou os anseios de renovação propostos pela Modernidade. A modernidade entrou no mundo bíblico de forma que o contato com a Ciência e com novos métodos como o histórico-crítico possibilitou uma nova maneira de ‘manusear’ a Bíblia. Dessa forma ocorreu um interesse pessoal do fiel na leitura e no estudo da Escritura”.38

As características desse novo impulso dos estudos bíblicos dão sentido à

influência exercida sobre a Dei Verbum. Com essa nova experiência de retomada da

centralidade da Palavra de Deus, era necessário um documento que pudesse

esclarecer de forma segura e sólida alguns princípios para o uso da Bíblia, e este

veio a ser a Dei Verbum.39

O segundo movimento é o litúrgico, que estava em andamento com diversas

iniciativas em torno da liturgia e da participação ativa dos fiéis batizados, até mesmo

e especialmente os leigos.40 No mesmo espírito de renovação, ocorriam várias

ações ecumênicas. Estas, por sua vez, buscavam maior proximidade entre as

denominações religiosas. Mais tarde, às vésperas do Concílio, a Igreja Católica

acabaria aderindo a essas ações.41

Por último, mas não menos importante, o movimento teológico ou da nova

teologia. Este movimento desenvolvia-se havia décadas em torno da reflexão sobre

a volta às fontes, o retorno à patrística e o contato mais próximo com a Sagrada                                                             38 LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II: em busca..., op. cit., p. 25. 39 A Dei Verbum não foi só um documento iluminador no tocante à Palavra de Deus, mas sobretudo suscitou outros estudos e documentos após sua promulgação. Um deles e muito importante é o documento publicado pela Pontifícia Comissão Bíblica em 1993, sobre a interpretação da Bíblia. O mais recente nessa linhagem de estudos é o “Verbum Domini: exortação apostólica sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”, de 2008. 40 Esse movimento teve sua origem nas primeiras décadas do século XX (1909), no interior de alguns mosteiros belgas. Dom Lambert, no mosteiro beneditino de Monte-César, divulgava milhares de exemplares de texto de missa de cada domingo, traduzido e comentado. Levando os católicos à devida participação na liturgia, especialmente os leigos. Tal atitude propagou-se para além da Bélgica, espalhando-se por diversos países, originando uma profunda “renovação” na liturgia (cf. COSTA, S. R. da. Contexto histórico..., op. cit., p. 101-102). 41 Id., ibid., p. 102-104. No tempo da Segunda Grande Guerra, nos países onde incidiu mais cruelmente o terror, católicos e protestantes acabaram tendo certa aproximação. Atividades comuns amenizariam o sofrimento de muitos soldados de um lado e de outro, tanto quanto de importantes setores das populações. Até o Vaticano II, diversos passos já haviam sido dados na direção do ecumenismo, mesmo sem a presença de parte dos padres da Igreja Católica, estes da Cúria romana, por exemplo. Já durante o Concílio, porém, tornara-se irreversível o envolvimento da Igreja com o ecumenismo.

  23

Escritura. Este movimento retomava de forma revigorada o retorno à teologia dos

santos padres e igualmente à centralidade da Palavra de Deus (Sagrada Escritura)

na vida cristã. Grandes expoentes dessa “nova teologia” contribuíram para o

surgimento de diversas publicações42 e também se destacariam no Concílio.

1.1.2. O ambiente histórico-social e eclesiástico às vésperas do Concílio

Às vésperas do Concílio, o mundo alcançara enormes mudanças, que neste

trabalho não seria possível identificar. Numa esfera mundial do pós-Segunda

Guerra, a guerra fria marcava as relações entre os países,43 e o surgimento de um

“Terceiro Mundo” já se avistava, no qual, assim como na Europa, a Igreja teria que

ser repensada.44 O êxodo rural crescia, provocando o aumento das cidades e o

surgimento de grandes metrópoles como São Paulo e Cidade do México, por

exemplo. A explosão, naquele período e nos anos seguintes, em larga escala da

“miséria em diversos países do Terceiro Mundo principalmente era perceptível e

fazia pouco tempo que o ser humano chegara à Lua; na esfera política ocorria o

recrudescimento da relação capitalismo-socialismo-comunismo”;45 a popularização

dos meios de comunicação crescia ano após ano desde o advento da televisão, e o

mundo iniciava seu processo de globalização. Tudo isso era mais, muito mais que

um mundo em mudança.

Numa dimensão menor, mas preocupante, a Igreja internamente passava por

tempos difíceis, antes e depois da Segunda Grande Guerra (de 1939 a 1945). Além                                                             42 COSTA, S. R. da. Contexto histórico..., op. cit., p. 106-108. Especificamente no âmbito da teologia católica, ocorreu também uma profunda renovação. O movimento teológico configurava-se como uma nova teologia, marcada pela renovação da volta às fontes patrísticas e bíblicas. Tal renovação vinha originalmente da Bélgica, França e Alemanha, especialmente de jesuítas e dominicanos. Podemos destacar alguns nomes presentes nesses inícios que mais tarde tiveram grande atuação no futuro Vaticano II: J. Danielou, K. Rahner, Y. Congar, M. D. Chenu, H. de Lubac. Surgiam também periódicos notáveis como o Étude e o Recherches de Science Religieuse, assim como as revistas Angelicum, L’Année, e outras que renovaram a teologia da época. 43 Id., ibid., p. 95. 44 Id., ibid., p. 96. 45 Id., ibid.

  24

das grandes mudanças no mundo, também houve profundas transformações dentro

da Igreja. Leão XIII faz a transição do século XIX para o século do Vaticano.46 Antes

do Vaticano II, a Igreja conhece a era dos papas “Pios: Pio X (1903-1914), Pio XI

(1922-1939) e Pio XII (1939-1958). Tempo de centralismo e firme defesa da fé

católica e também irredutível na abertura ao mundo moderno que já se iniciara no

século XIX”. A Igreja, mesmo diante das mudanças no mundo, encontrava-se

paralisada, estagnada. O que impera é o continuísmo, o imobilismo doutrinário e o

fortalecimento da hierarquia.47 Posturas que a Igreja, especialmente a hierarquia,

haveria de rever no novo Concílio.

Apesar do anacronismo, há sinais de renovação na Igreja, com avanços e

retrocessos. Além dos movimentos (cf. o item 1.1.1.), há a busca de respostas aos

questionamentos de um mundo em mudança: no diálogo com outras religiões, por

exemplo. Isso também expõe “indícios de insatisfação com as posições da Igreja,

especialmente da hierarquia”.48

O papa Pio XII (1939-1958) chegava ao fim de seu pontificado. Angelo

Roncali sucede-o em meio a grandes dúvidas e preocupações sobre a sucessão.

Angelo então é eleito papa em outubro de 1958. Não foram poucos os que até então

pensavam que o novo papa seria um “papa de transição, por sua idade avançada.

Na época de sua eleição, João XXIII estava com 77 anos”.49 Na escolha de seu

nome, “João, o novo papa inovava. Pois, escolhendo ser chamado de João, levava

em conta sua origem familiar”.50

                                                            46 COSTA, S. R. da. Contexto histórico..., op. cit., p. 98. 47 Id., ibid. 48 Id., ibid., p. 100. 49 LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II: em busca..., op. cit., p. 59. 50 Id., ibid., p. 61.

  25

1.1.3. Do anúncio do Concílio à sua abertura

A expectativa de que o novo papa fosse apenas de transição foi rapidamente

desmentida. Três meses depois de sua eleição, João XXIII anuncia importantes

eventos.51 Na celebração da conversão de São Paulo, “o papa anuncia aos cardeais

presentes sua vontade que imediatamente produziu grande surpresa a todos, que

em breve o mundo tomaria conhecimento”.52 As reações da parte dos cardeais

foram distintas: alguns a acolheram bem, mas outros receberam-na com resistências

e desaprovação. Já estava posto sobre a história da Igreja este grande projeto, que

o papa considerava como “obra do Espírito Santo”.53 Kloppenburg diz que o anúncio

do Concílio levou “surpresa ao mundo e à esfera eclesiástica”.54 Até o próprio papa

se surpreenderia em seguida com o desenvolvimento do projeto. Lembramos a

finalidade do Concílio, que em sua primeira encíclica, a Ad Petri Cathedram,

manifestava: “a finalidade deste Concílio é: 1) incremento da fé, 2) renovação dos

costumes e 3) adaptação da disciplina eclesiástica às necessidades do tempo

atual”.55

Noutro momento, João XXIII dizia: “o principal escopo do Concílio é

apresentar ao mundo a Igreja de Deus em seu perene vigor de vida e de verdade”.56

Precisamos realçar os objetivos do Concílio para mostrar tudo quanto iluminou o

processo de elaboração da Dei Verbum. E tais finalidades foram iluminadoras para

sua redação tanto quanto para a superação das tensões quando estas surgiram.

Após o anúncio do Concílio, a sua preparação deu-se gradualmente. Alguns

autores afirmam que o Concílio já estava sendo preparado desde os primeiros sinais

de surgimento dos grandes movimentos de renovação: o bíblico-patrístico, o

                                                            51 No dia 25 de janeiro de 1959, o papa João XXIII anuncia o sínodo romano, a revisão do Código de Direito Canônico e o Concílio (LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II: em busca..., op. cit., p. 59). 52 Id., ibid., p. 60-61. 53 Id., ibid., p. 59. Conferir também KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. 1, p. 7. Há alguns teólogos que identificam o Vaticano II como Concílio do Espírito (cf. BALTHASAR, H. U. Von. El Concilio del Espíritu Santo. In: Puntos centrales de la fe. Madri: BAC, 1985, p. 85-104). 54 KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. 1, p. 11. 55 Id., ibid., p. 15. 56 Id., ibid., p. 16.

  26

teológico e o litúrgico.57 E também com as luzes lançadas pela publicação das

animadoras encíclicas de Leão XIII, entre elas, a Providentissimus Deus, e a mais

próxima do Concílio, a Divino Afflante Spiritu, de Pio XII. Mais adiante (em

17/5/1959), João XXIII nomearia a comissão antepreparatória, para dar início à

preparação do futuro Concílio. Esta comissão foi presidida pelo cardeal Domenico

Tardini. Fica então estabelecido que esta comissão enviaria cartas às mais diversas

instâncias católicas do mundo inteiro, pedindo sugestões para assuntos ou temas a

serem tratados no Concílio.58 O retorno das respostas foi alentador, sendo de mais

de 70%. Completada aquela fase, na solenidade de Pentecostes (5/6/1960), inicia-

se a “fase preparatória”, isto é, a criação das comissões,59 mais a Comissão

Central,60 presidida pelo papa. Cabe lembrar que a Comissão Teológica ficara

“encarregada de examinar as questões a respeito da Sagrada Escritura, a Sagrada

Tradição, a fé e os costumes”. A esta comissão reservou-se a tarefa de elaborar a

redação da futura Dei Verbum. A Comissão Teológica foi presidida pelo cardeal

Ottaviani.61 Daí até a abertura do Concílio, o papa ainda se reúne algumas vezes

com as diversas comissões, especialmente com a Comissão Central, preparando

gradualmente o Concílio.

1.1.4. Abertura e andamento da Assembleia Conciliar

Em 11/10/1962, o papa João XXIII abre o vigésimo primeiro Concílio

Ecumênico da história da Igreja. Recorda alguns concílios anteriores, esclarece a

                                                            57 KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. 1, p. 25-27. Outros autores, entre os quais João Batista Libanio, propõem a mesma linha de raciocínio. 58 Id., ibid., p. 49. Cf., também, RDV, p. 18. 59 Foram dez as comissões nomeadas pelo papa João XXIII, para que preparassem o Concílio (cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. 1, p. 54; e também RDV, p. 18). 60 Esta comissão era constituída pelos presidentes das respectivas comissões, e sua tarefa era seguir e coordenar, se necessário, os trabalhos de cada comissão (cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. 1, p. 56). 61 Id., ibid.

  27

origem e causa do atual Concílio e ainda reafirma a finalidade deste.62 Na abertura

do Concílio havia cerca de 2.650 pessoas presentes. Da abertura até seu

encerramento passaram-se quatro anos. De outubro de 1962 até 18 de dezembro de

1965, ocorreram quatro grandes sessões.63 A Dei Verbum, nosso documento de

estudo, foi redigida precisamente em sessões que corresponderam exatamente às

quatro sessões realizadas no Concílio.

2. O CONTEXTO HISTÓRICO DA DEI VERBUM

Quanto ao contexto histórico da Dei Verbum, ele é permeado de tensões. A

história de sua redação é polêmica em todo o seu percurso. Desde as primeiras

consultas conciliares até sua promulgação definitiva em 1965, seis anos

transcorreram, sem contar os cem anos precedentes, que gestaram os conteúdos do

documento. Quatro esquemas precederam o texto definitivo.64 O contexto histórico

da Dei Verbum pretende remontar seu itinerário de redação a seus respectivos

esquemas, aos personagens mais significativos para sua redação, a sua estrutura e

a seu tema mais importante.

                                                            62 DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. 3ª ed. São Paulo: Paulus, 2004, 733 p. 63 Ver as sessões do Concílio de forma resumida, em trabalho de Claude Bressolette, DCT, p. 1821-1823. A primeira sessão realizou-se de 11/10 a 08/12 de 1962; a segunda sessão, de 29/09 a 04/12 de 1963; a terceira sessão, de 14/09 a 21/11 de 1964; e a quarta e última sessão, de 14/09 a 08/12 de 1965. 64 SILVA, Valmor da. Ouvir e proclamar a Palavra – as grandes intuições da Dei Verbum. Estudos da CNBB, n. 91, p. 59.

  28

2.1. As grandes influências sobre a Dei Verbum

Podemos dizer que várias influências foram exercidas sobre a Dei Verbum.

Destacamos três grandes influências: o espírito conciliar, os movimentos de

renovação e alguns documentos do Magistério da Igreja.

a) A primeira influência

Ela vem do espírito conciliar.65 Este espírito envolveu os grandes

protagonistas da redação da Dei Verbum. E por isso pôde matizar o estilo redacional

desta Constituição. Este espírito conciliar promovido inicialmente por João XXIII foi

sustentado e firmemente experimentado pela maioria dos padres conciliares, e de

forma incisiva refletiu-se, sobretudo, na Dei Verbum. Ele traduziu-se no espírito de

renovação, de caráter pastoral, ecumênico, e no diálogo com as demais religiões,

tanto quanto com a sociedade e as ciências.

b) A segunda influência

A segunda influência veio dos movimentos da Igreja, formadores, certamente,

dos “ventos” que soprariam sobre todos os conciliares. Entre eles, recebendo

destaque especial os que protagonizaram sua elaboração. E dos quais os mais

importantes foram os movimentos bíblico-litúrgicos, o movimento ecumênico e o

movimento da nova teologia, acolhendo, sobretudo, os grandes avanços que a

ciência bíblica até então havia alcançado. Também a experiência ecumênica de

vários padres conciliares em diversos países contribuiu para influenciar essa

Constituição.

                                                            65 Com espírito, quero dizer o que moveu o Concílio e as finalidades que João XXIII via no Concílio, como diálogo, os avanços ecumênico e pastoral, o aggiornamento.

  29

c) A terceira influência

a) a Constituição Dei Filius sobre a Fé Católica,66 do Vaticano I.

A Constituição Dei Filius sobre a Fé Católica,67 do Vaticano I, foi, de todos os

documentos magisteriais, o mais citado. Abaixo, elencamos em que momentos na

Dei Verbum a Dei Filius é citada.68 Esta Constituição merece certo destaque, por

causa das cerca de 10 citações de trechos seus que aparecem na Dei Verbum.

Destacamos alguns de seus traços relevantes. A Dei Filius sobre a Fé Católica do

Vaticano I é um documento gerado num Concílio que ocorre numa Igreja em “busca

de certezas”.69 A Igreja é confrontada internamente para responder aos ataques, e,

sobretudo, é confrontada externamente em seu fundamento: a revelação.

Questionava-se a “possibilidade da revelação de Deus pessoal, criador e redentor”.70

Desde a “Revolução Francesa causava impactos à Igreja o rompimento de uma

ordem patriarcal e hierárquica”71 junto à qual a Igreja de certa forma se estruturava.

Na época do Concílio Vaticano I, o racionalismo já impunha à Igreja sérias questões.

É neste contexto de modernidade que situamos o Concílio Vaticano I (de 8/12/1869

a 18/12/1870) e, portanto, também a Dei Filius. Nesta Constituição está presente a

preocupação da Igreja em responder de modo claro e firme às questões lançadas

pela modernidade, condenadas pelo papa Pio IX, especialmente na Encíclica

Quanta Cura (8/12/1864),72 lançada poucos anos antes do Concílio. E antes Pio IX

havia lançado outra encíclica, a Qui Pluribus (9/11/1846),73 que já mencionava em

seu texto alguns temas que seriam reafirmados na Dei Filius. Nesta encíclica tocava-

se em pontos como:

                                                            66 Denz. 3000. 67 Id., ibid. 68 No tema da revelação acolhida com fé (DV, 5); no tema das verdades reveladas é citada duas vezes (DV, 6); no tema da transmissão da revelação divina, os apóstolos e seus sucessores, arautos do Evangelho (DV, 7); no tema da Sagrada Escritura (DV, 8); na relação da Tradição e da Sagrada Escritura com toda a Igreja e com o Magistério (DV, 10); no tema da Inspiração divina e a interpretação da Sagrada Escritura, Inspiração e verdade na Sagrada Escritura (DV, 11); e na interpretação da Sagrada Escritura (DV, 12). 69 DTF, p. 1036. 70 Id., ibid. 71 Id., ibid. 72 Denz. 2890. 73 Id., ibid., 2775.

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“a. que a nossa religião foi gratuitamente revelada por Deus à humanidade e recebe toda a sua força da autoridade do próprio Deus que fala; b. do dever da inteligência de inquirir sobre o fato da revelação para obter a certeza de que Deus falou; e, por último, c. de que é necessário prestar fé total a Deus que fala”.74

Algumas afirmações da Dei Filius, na Constituição sobre a Fé Católica, são

inseridas mais tarde na Dei Verbum. A Dei Verbum vai retomar a declaração de que

a revelação de Deus deve ser recebida com obséquio pleno da vontade e

inteligência à fé (cf. DV, 5; Dei Filius, cap. 3).75 A Dei Verbum vai reafirmar, como já

fora feito na Dei Filius, que é o Espírito Santo quem move e converte a Deus os

corações, abre os olhos da alma e dá a todos a suavidade e o assentimento na

adesão à verdade (DV, 5; Dei Filius, cap. 3).76

A Dei Verbum de certa forma toma como referência a Dei Filius, com

assuntos que já haviam sido abordados nas encíclicas de Pio IX. Em síntese, há

alguns temas mais preponderantes, como as fontes da revelação, a necessidade de

uma revelação sobrenatural, os motivos de credibilidade da revelação, a liberdade

do assentimento e as virtudes sobrenaturais da fé e sua necessidade, mistérios da

fé revelada, a relação entre ciência humana e fé divina, a imutabilidade dos dogmas.

Por sua vez, a Dei Filius, sem dúvida, condicionará a seguir os tratados sobre os

temas ligados à revelação, pois tem o “grande mérito de compor num documento

doutrinal o conceito de revelação que é exposto”.77

Em suma, a Dei Filius enfatiza:

Que a revelação sobrenatural é dada no Antigo e no Novo Testamento;

Que desta revelação Deus é o autor e a causa;

A iniciativa da revelação é de Deus;

O objeto natural da revelação é o próprio Deus;

Todo o gênero humano é beneficiário da revelação.78

                                                            74 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 301. 75 Cf. Dei Filius. In: Denz. 3008. 76 Id., ibid., 3010. 77 DTF, p. 1038. 78 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 303.

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Destacamos a seguir as encíclicas papais em que estão presentes

especialmente os temas da Sagrada Escritura e da missão da Igreja (cf. DV 12, 23,

24 e 25).

b) A Providentissimus Deus, de Leão XII (1893), reconhecia:

“A importância dos cursos de Escritura nos seminários; O texto não pode ser interpretado de forma contrária à Tradição, ao consenso dos Santos Padres e a Analogia da fé; Possibilidade de os católicos estudarem as Escrituras; Recomendação dos estudos das línguas orientais, da crítica textual e das ciências naturais; Sua definição de Inspiração tornou-se clássica”.79

Essa encíclica é citada algumas vezes, mas mostra sua importância

especialmente quando trata das Sagradas Escrituras:

* No tema da Inspiração divina e a interpretação da Sagrada Escritura: Inspiração e

verdade na Sagrada Escritura (DV, 11);

* Reconhece a importância da Sagrada Escritura para a Teologia (DV, 24).

No século seguinte, o papa Bento XV, em comemoração ao XV centenário da

morte de São Jerônimo, publica a Spiritus Paraclitus (1920). Novamente tendo o

foco nas Sagradas Escrituras e reforçando seus estudos:

“Sublinha o influxo do inspirador, que impede o escritor de ensinar o erro e não cria obstáculos para que ele manifeste o seu gênio e a sua cultura; Não exclui nenhuma passagem bíblica da inspiração; Descreve a dinâmica psicológica do escritor”.80

Essa encíclica está citada na Dei Verbum:

* No tema da interpretação da Sagrada Escritura (DV, 12);

* Também reconhece a importância da Sagrada Escritura para a Teologia (DV, 24);

* É recomendada a leitura da Sagrada Escritura (DV, 25).

                                                            79 Estudos CNBB, n. 91, p. 23-24. 80 Id., ibid., p. 24.

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Próxima do Concílio veio a público a Encíclica Divino Afflante Spiritu, de Pio

XII. Esta encíclica foi publicada nas comemorações dos 50 anos da

Providentissimus Deus. Foi o reconhecimento de que a caminhada da Igreja nos

estudos da exegese estava no rumo certo. Eis algumas características da Divino

Afflante Spiritu:

“abre caminhos para a exegese católica; Deu frutos como a Bíblia de Jerusalém e o Comentário Católico de toda a Sagrada Escritura; Valoriza as traduções que partem da língua original; Fala pela primeira vez dos ‘gêneros literários’; Convida a se fazer a leitura crítica e histórica da Bíblia e a se utilizar dos muitos resultados das ciências, da arqueologia e da literatura; Busca uma harmonia entre a exegese e as ciências”.81

Na Dei Verbum, as contribuições dessa encíclica estão dispostas:

* No tema da Inspiração divina e a interpretação da Sagrada Escritura: Inspiração e

verdade na Sagrada Escritura (DV, 11);

* No dever apostólico dos estudiosos (DV, 23);

* Quando recomenda a leitura da Sagrada Escritura (DV, 25).

3. O ITINERÁRIO DA REDAÇÃO DA DEI VERBUM

Anunciado o Concílio, coube à comissão antepreparatória82 (17/5/1959)

contatar os bispos e instâncias católicas do mundo inteiro para se informarem sobre

os assuntos pertinentes ao futuro Concílio. Após esta fase, foi nomeada pelo papa a

                                                            81 Estudos CNBB, n. 91, p. 24-25. 82 Tinha como função contatar todas as instâncias católicas do mundo inteiro. São membros dessa Comissão: o cardeal Alfredo Tardini, presidente, e Felici, secretário (RUIZ, Gregorio. Historia de la Constitución Dei Verbum. In: SCHÖKEL, Luis Alonso, ed. Comentarios a la Constitución Dei Verbum. Madri: BAC, p. 40; abreviada como ComDV).

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Comissão Central83 (5/6/1960). E nesta mesma data se nomeava a Comissão

Teológica.84

Na preparação do Concílio foram criadas outras comissões. Em 27/10/1960,

uma subcomissão,85 e, já nas vésperas do Concílio, criava-se a Comissão Doutrinal

(6/9), que seria a sucessora da Comissão Teológica.86 Durante o Concílio outras

comissões seriam criadas: a Comissão Mista e o Secretariado para a União dos

Cristãos.87 Além destas comissões, foram criadas a Comissão Cardinalícia

Coordenadora; a Subcomissão interna da Comissão Doutrinal e a Comissão

Teológica, também da Comissão Doutrinal.88

Entregue pelo papa à Comissão Teológica o encargo de preparar o texto

sobre fé, Sagrada Escritura, Sagrada Tradição e Costumes, assim começa uma

longa jornada de elaboração do texto sobre a revelação divina. Posto em discussão

na primeira sessão do Concílio, foi um dos primeiros documentos a serem discutidos

(14/11/1962) e um dos últimos a serem aprovados (18/11/1965). Relembramos

ainda as sugestões dos bispos, quando dos trabalhos da comissão antepreparatória

– até sua promulgação foram longos seis anos. Consta que, em grande parte das

respostas dos bispos e instituições consultadas, os pedidos eram frequentemente

para que se tratasse sobre o tema da revelação. Com efeito, já pela longa duração

de sua redação e o tempo transcorrido até sua promulgação, a Dei Verbum tornou-

se emblemática. Assim ela foi reconhecida como um documento que “teve a história

                                                            83 RUIZ, Gregorio. Historia de la Constitución..., op. cit., p. 40 (ComDV). Esta comissão, agora preparatória, tinha como função supervisionar e coordenar o trabalho das 10 comissões. Seu presidente era o papa João XXIII, sendo Felici o secretário. 84 Recebeu a atribuição de preparar os nove esquemas e, entre eles, o “De fontibus”. Seu presidente era Ottaviani e o secretário, Tromp. 85 Tinha a função de desenvolver o “esquema compendiosum De fontibus”. Era presidida por Garofalo. 86 Id., ibid. Essa Comissão teria a função de reelaborar esquemas de acordo com as observações dos padres conciliares. Seu presidente era Ottaviani; os vice-presidentes, Browne e Charue; os secretários, Tromp e Philipps. 87 Id., ibid. p. 41. Foram criadas em 24/11/1962. Tinham a função de preparar o segundo esquema. Seu presidente era Ottaviani, para a Comissão Doutrinária, com Browne e Liénart como vices, Tromp, como secretário, e Bea, no Secretariado para a União dos Cristãos, tendo Willenbrands como secretário. 88 Id., ibid., p. 42. A Comissão Cardinalícia Coordenadora foi criada em 18/12/1962. Tinha como função coordenar os trabalhos do Concílio, seu presidente era o cardeal Cicognani, auxiliado por vários secretários. Já a Subcomissão interna da Comissão Doutrinal foi criada em 7/3/1964. Sua função era refundir o segundo esquema de acordo com as observações dos padres. Quem a preside é Charue, e seu secretário é Betti. E a última comissão é a Teológica, criada em 22/9/1965, com a função de classificar “os modi” dos padres, e presidida por Charue. Não há a informação sobre quem era o seu secretário.

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mais agitada de todos os documentos conciliares”.89 Quanto ao itinerário da redação

da Dei Verbum, é importante uma síntese global das votações de seu texto. Consta

de forma reduzida, nos Documentos da Igreja (2004), uma visão mais ampla das

votações.90

A) O 1º esquema sobre a revelação divina

Na primeira sessão do Concílio (11/10 a 08/12 de 1962), o 1º esquema sobre

a revelação divina foi apresentado aos padres conciliares pela primeira vez. E a

discussão do 1º esquema foi feita na aula conciliar da décima quinta à vigésima

quarta Congregação Geral, de 14 a 21 de novembro de 1962, após a discussão

sobre “Liturgia. Em seguida, foi posto em discussão o texto sobre a revelação

divina”.91 No ato de apresentação desta Constituição, havia cerca de 2.220

conciliares, e ao cardeal Alfredo Ottaviani, presidente da comissão teológica, coube

apresentar o novo projeto sobre a revelação. Foram sete dias de debates,

permeados de tensões, até 21 do mesmo mês.92 O projeto apresentado por Alfredo

Ottaviani não foi aceito. Apesar de, mesmo antes do Concílio, ter sido aprovado pelo

papa e depois enviado aos padres antes da aula conciliar,93 este 1º esquema foi

rejeitado por grande número dos padres do Concílio.94 Este projeto foi alvo de

severas críticas e, como vemos, recebeu inúmeras emendas de alterações. Este

esquema inicial teve então que ser revisto em diversos pontos:

“ele não define a natureza e o objeto da revelação; não fala de Cristo, suma revelação do Pai; dá demasiada importância à parte polêmica e pouca importância à parte positiva; dá pouca importância à Tradição; além disso,

                                                            89 SILVA, Valmor da. Ouvir e proclamar..., op. cit., p. 26. 90 DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2004, p. 347. 91 KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., p. 161. 92 Id., ibid., p. 162. 93 A aula conciliar era a reunião dos padres conciliares para tratar sobre os temas. Esta “aula” chamava-se Congregação, por congregar os conciliares no estudo dos demais assuntos. 94 Título: Constituição Dogmática sobre as fontes da revelação; Primeiro Capítulo: das duas fontes da revelação; Segundo Capítulo: da inspiração, inerrância e composição das Escrituras; Terceiro Capítulo: do Antigo Testamento; Quarto Capítulo: do Novo Testamento; Quinto Capítulo: da Escritura na Igreja (RDV, 1986, p. 19). Conferir também o excelente artigo “Historia de la constitución Dei Verbum” (p. 3-43), de Gregorio Ruiz (ComDV).

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afirmando que a revelação está contida em ‘duas fontes’, opõe a Tradição à Escritura, o que nunca foi ensinado pelo magistério da ‘Igreja’”.95

As reações foram fortes, apontando o problema criado por esse esquema

quando se refere a duas fontes da revelação. Ao longo de sete dias de debate,

vários participantes reagem, proferindo discursos tensos. Vale lembrar o notável

discurso de Emilio De Smedt (bispo de Bruges, da Bélgica), que fala em nome do

Secretariado para a União dos Cristãos. Foi graças a este discurso que os padres

conciliares despertaram para a inadequação do primeiro projeto sobre a revelação

divina.96

Após as reações dos apoiadores e dos críticos ao 1º esquema, encerra-se o

momento inicial de trabalho sobre o texto da revelação divina, sem contudo avançar.

O 1º esquema é então rejeitado e recebe uma votação interessante.97 Não havendo

consenso, o papa João XXIII intervém: nomeia uma Comissão Especial, chamada

também de comissão mista, que incluía o cardeal Bea.98 Nessa mesma ocasião

(21/11/1962), o papa comunica em plenário a elaboração de um novo texto,

recebendo então outro título, agora denominado “De Divina Revelatione”.99 A

intervenção do papa era necessária para amenizar uma possível radicalização das

posições contrárias.

B) O 2º esquema sobre a revelação divina

Na segunda sessão do Concílio não foi possível a discussão do texto sobre a

revelação devido às dificuldades da primeira sessão. Encerrada a 1ª sessão do

Concílio (8/12/1962), e não havendo grandes progressos na elaboração do texto, o

                                                            95 RDV, p. 19. 96 KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. II, p. 179-182. 97 O número de votantes era de 2.209, com as seguintes proporções na votação: “Placet”, com 822 apoiadores, e “Non placet”, com 1.368. Com apenas 115 votos a mais de diferença, completar-se-iam os dois terços exigidos pelo regulamento para uma posição (cf. RDV, p. 10). 98 O cardeal Agostinho Bea, padre jesuíta, exegeta, presidira até pouco antes do Concílio a Pontifícia Comissão Bíblica. No tempo do papa Pio XII, era seu confessor e no Concílio foi designado para presidir o Secretariado para a União dos Cristãos. 99 Há uma ligeira mudança do título anterior para o de agora, Sobre a Revelação Divina. O anterior era De fontibus Revelatione (Sobre as fontes da revelação divina) (cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. IV, p. 94).

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Concílio declarou o recesso dos trabalhos, e somente em março do ano seguinte

(1963) o esquema recebeu algumas modificações:

“mudança do título para ‘De divina revelatione’ (sobre a divina revelação); acréscimo de um proêmio para falar da natureza e do objeto da revelação; ‘fórmula de compromisso’, não separar a Escritura da Tradição e não afirmar que a Tradição contém mais do que está na Escritura; maior desenvolvimento dado à parte referente à Tradição”.100

Surge o 2º esquema. Ainda no recesso do Concílio, o 2º esquema é enviado

aos padres conciliares para avaliação. O clima tenso não fora superado, mesmo

durante o recesso.101 A tensão é tamanha, que o cardeal Florit, na segunda sessão

do Concílio, sugere que não se retome mais no Concílio o tema da revelação.102

C) O 3º esquema sobre a revelação divina

Como na segunda sessão do Concílio não fora discutido o texto sobre a

revelação, em julho de 1964, após as sugestões dos padres conciliares e das

correções das Comissões (Central e Teológica), é elaborado o 3º esquema. Antes

de iniciar a terceira sessão do Concílio, em março de 1964, criou-se uma

subcomissão na Comissão Teológica que ficou constituída de sete padres

conciliares e 19 peritos.103 Esta subcomissão estudaria o então 2º esquema e

apresentaria um novo. A subcomissão reelabora então o esquema anterior e

apresenta outro.104

Em julho de 1964 o 3º esquema é enviado aos padres conciliares durante o

recesso. Fito isso, a Comissão Teológica altera alguns pequenos detalhes, e o novo

                                                            100 Cf. RDV, p. 19-20. 101 É bom salientar que durante o recesso, houve as conversações, o encaminhamento de questões espinhosas. O texto sobre as fontes da revelação não deixou de ser focado. O recesso (fora da assembleia) fora um momento de amadurecimento sobre o tema. Este recesso foi do fim da primeira sessão (dezembro de 1962) até o início da segunda sessão (setembro de 1963). 102 Cf. Id., ibid., p. 20. Ermenegildo Florit era o cardeal de Florença. 103 Nessa subcomissão estavam presentes grandes teólogos, como Rahner, Ratzinger, Congar, Moehler e outros (id., ibid.). 104 Proêmio: maior desenvolvimento da noção de revelação (não só palavras, mas fatos...); maior relevo à encarnação (revelação em Cristo). Capítulo 1º: no título, aparece a palavra “transmissão”. Maior relevo à Tradição. Capítulo 2º: formulação mais ampla da noção de “inspiração”. Declaração de que o trabalho exegético deve estender-se a toda a Escritura (também no Novo Testamento). Capítulo 3º: ênfase dada à história da salvação. Capítulo 4º: ênfase dada à índole própria de cada evangelho (contra um conceito demasiado estreito de historização). Capítulo 5º: paralelismo entre Escritura e Tradição; encorajamento dos estudos bíblicos e pastorais.

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papa, Paulo VI,105 poderia abrir a terceira sessão. Agora com as questões mais

difíceis já refletidas durante o recesso, pôde-se nesta terceira sessão continuar o

debate sobre o tema da revelação divina. As dificuldades encontradas anteriormente

tiveram de ser enfrentadas nessa terceira sessão. É claro que o tempo de recesso

favoreceu de certa forma para que os pontos mais espinhosos fossem abordados,

sem que, contudo, o texto fosse posto em votação. A discussão desse 3º esquema

foi feita da nonagésima primeira para a nonagésima quinta Congregação Geral, de

30 de setembro a 6 de outubro do mesmo ano. Assim, retomava-se o projeto

centrado na revelação divina logo após a discussão do projeto “De Eclesia”.106 No

primeiro dia se debateu sobre o primeiro e o segundo capítulo do projeto sobre a

revelação. Este projeto basicamente foi o foco dos maiores conflitos entre as “duas

mentalidades” discordantes, apesar de menos intensos que na primeira sessão.

Para termos uma ideia das reações, citamos.107

Nos demais capítulos, poderíamos apontar pendências no texto sobre a

inerrância, vista como um tema a ser evitado, por ter conotação negativa. É preciso

esclarecer mais e melhor o tema da inspiração, levando em conta as sugestões. O

texto retornou para a subcomissão, sendo então novamente reelaborado. Em 11/11

de 1964 chega à Comissão Teológica e em seguida é aprovado por ela sem maiores

dificuldades.108 No dia 20/11 surge o 4º esquema, que é distribuído aos padres

conciliares.

D) O 4º esquema sobre a revelação divina

O 4º esquema chega aos padres ainda na terceira sessão, mas as alterações

sugeridas serão debatidas somente na seguinte, isto é, na quarta e última sessão do

Concílio (14/9 a 8/12/1965). O 4º esquema sobre a revelação é debatido e votado

nas aulas conciliares (da 131ª à 133ª), do dia 20/9 ao dia 18/11/1965. Sobre este 4º

                                                            105 Após a morte do papa João XXIII, Paulo VI é eleito o novo papa, e este continua a obra do Concílio, iniciada pelo antecessor. 106 Projeto sobre o mistério da Igreja. Conduzirá à futura constituição dogmática que será denominada Lumem Gentium (LG). 107 No cap. 1º, deve-se acentuar a preparação evangélica do Antigo Testamento; ensinar que Cristo é a plenitude da revelação, não só em sua pessoa divina como em sua pessoa humana; no cap. 2º, distinguir claramente entre tradição apostólica (doutrinária) e tradições eclesiásticas (institucionais); afirmar o progresso da revelação. 108 RDV, p. 22.

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esquema da Dei Verbum, vamos levar em consideração os apontamentos utilizados

pela BAC, que são esclarecedores.109

Ainda quanto à redação, algumas figuras tiveram grande importância no

processo redacional. Em destaque estão o papa João XXIII, o cardeal Alfredo

Ottaviani, o cardeal Agostinho Bea e o bispo Emilio De Smedt. Cada um contribuiu,

a seu modo, para a elaboração do texto da Dei Verbum. João XXIII, quando

ressaltou a finalidade do Concílio, deu um caráter pastoral, de diálogo e ecumênico.

Acabou determinando as grandes linhas da Dei Verbum. O cardeal Ottaviani,

presidente da Comissão Teológica, daria ao primeiro projeto falando da revelação

divina um teor estritamente conservador, quando insistia numa redação com o título

de “duas fontes da revelação”, reflexo de certa teologia ainda tridentina. O cardeal

Bea foi incisivo em todas as suas intervenções, tanto a pedido do papa João XXIII,

com quem num primeiro momento aceitara prontamente colaborar na resolução do

impasse, mas também ao longo do Concílio com sua pertinente atuação. Seu

empenho para preservar no texto da Dei Verbum o caráter ecumênico e pastoral,

pedido desde o início pelo papa, foi fundamental. O cardeal Bea era exegeta e

também presidente da Secretaria para a União dos Cristãos. A experiência que

adquiriu no campo do ecumenismo fortaleceu sua posição por ocasião dos vários

atritos com aquele grupo de mentalidade contrastante. Ademais, Agostinho Bea foi

“fiel” às finalidades pastoral e ecumênica, definidas desde o início no Concílio por

João XXIII.

Por último, lembramo-nos do bispo Emilio Josef De Smedt, de Bruges, na

Bélgica. De Smedt fez um discurso notável.110 Seguramente, foi graças a esta fala

que os padres conciliares tomaram consciência das fragilidades do 1º esquema da

revelação divina, com o teor “das fontes da revelação” apresentada por Ottaviani.

                                                            109 Dos dias 20 a 22 de setembro houve as votações dos padres sobre o 4º esquema (da 131ª à 133ª Congregação Geral). Logo após, a Comissão Técnica classifica e estuda as “sugestões” dos padres. Depois a Comissão Teológica examina e ratifica os trabalhos da Comissão Técnica, e o papa pede à Comissão Teológica para reexaminar três pontos. Depois há a distribuição do fascículo com as sugestões e suas respostas. Ocorre em seguida a votação sobre as emendas e a aprovação do texto (155ª Congregação Geral). Em seguida, novo texto da Constituição é distribuído aos padres conciliares, e o secretário geral notifica a qualificação teológica da Constituição. Por fim, vem a promulgação da Constituição Dei Verbum (na oitava sessão pública) (ComDV, p. 39). 110 Vale a pena percorrer na íntegra o discurso de De Smedt. Pela lucidez e pela problemática da linguagem lançada no Concílio. Não se havia atentado sobre a questão da linguagem. E nos parece que foi o que o papa João XXIII havia inicialmente apontado. A questão da Igreja não é tanto alterar o conteúdo, mas o uso de uma nova linguagem para o mundo (KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. II. Primeira Sessão, set.-dez. 1962, p. 179-182).

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Dali em diante as reações conclusivas foram de rejeição daquelas propostas, por

parte da maioria da assembleia conciliar.

4. A CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA DEI VERBUM

A Dei Verbum é um dos 16 documentos elaborados pelo Concílio Ecumênico

Vaticano II.111 É uma das quatro “Constituições”,112 todas definidas como

dogmáticas, exceto a Gaudium et Spes (GS), que é pastoral. A Dei Verbum assume

a condição de Constituição Dogmática.113 É Constituição, porque é “reservada para

textos que expõem e discutem verdades doutrinárias, e é Dogmática, porque a eleva

ao de máxima importância como doutrina que tem valor normativo para a fé da

Igreja”.114 A Dei Verbum contém seis capítulos e 26 parágrafos. É Dei Verbum por

tratar da revelação divina. A revelação é seu tema central, e os outros temas

gravitam em torno dela.

O objetivo da Dei Verbum vem exposto em seu próprio texto. Ali é dito que,

seguindo Trento e Vaticano I, vem propor a genuína doutrina sobre a revelação

divina e a sua transmissão (DV, 1). O documento está assim estruturado:

                                                            111 Constituição Dogmática Sacrossanctum Concilium: Sobre a Sagrada Liturgia (SC); Constituição Dogmática Lumem Gentium: Sobre a Igreja (LG); Constituição Dogmática Dei Verbum: Sobre a Revelação Divina (DV); Constituição Pastoral Gaudium et Spes: Sobre a Igreja no Mundo Atual (GS); Decreto Apostolicam Actuositatem: Sobre o Apostolado dos Leigos (AA); Decreto Ad Gentes: Sobre a Atividade Missionária da Igreja (AG); Decreto Cristus Dominus: Sobre o Múnus Pastoral dos Bispos na Igreja (CD); Decreto Inter Mirifica: Sobre os Meios de Comunicação Social (IM); Decreto Orientalium Ecclesiarum: Sobre as Igrejas Orientais Católicas (OE); Decreto Optatam Totius: Sobre a Formação Sacerdotal (OT); Decreto Perfectae Caritatis: Sobre a Conveniente Renovação da Vida Religiosa (PC); Decreto Presbyterorum Ordinis: Sobre o Ministério e Vida dos Presbíteros (PO); Decreto Unitatis Redintegratio: Sobre o Ecumenismo (UR); Declaração Dignitatis Humanae: Sobre a Liberdade Religiosa (DH); Declaração Gravissimum Educationis: Sobre a Educação Cristã (GE); Declaração Nostra Aetate: Sobre as Relações da Igreja com as Religiões Não Cristãs (NA). 112 Constituição Dogmática Sacrossanctum Concilium: Sobre a Sagrada Liturgia (SC); Constituição Dogmática Lumem Gentium: Sobre a Igreja (LG); Constituição Dogmática Dei Verbum: Sobre a Revelação Divina (DV); Constituição Pastoral Gaudium et Spes: Sobre a Igreja no Mundo Atual (GS). 113 É Constituição Dogmática porque promulga doutrina: “este Concílio quer propor a doutrina autêntica sobre a revelação” (Proêmio). Distingue-se dos decretos e declarações e também de uma constituição pastoral (A Igreja no Mundo Atual, GS) (cf. ComDV, p. 125). 114 SILVA, Cássio Murilo Dias da. O impulso bíblico no Concílio: a Bíblia na Igreja depois da Dei Verbum. Teocomunicação, v. 36, n. 151, mar. 2006, Porto Alegre, p. 28.

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• Proêmio;

• no primeiro capítulo: a revelação em si mesma;

• no segundo capítulo: a transmissão da revelação divina;

• no terceiro: a inspiração divina da Sagrada revelação e a sua interpretação;

• no quarto: o Antigo Testamento;

• no quinto capítulo: o Novo Testamento;

• e no sexto e último: a Sagrada Escritura na vida da Igreja.

Eis alguns comentários sobre os capítulos e parágrafos do documento:

● De entrada, o Proêmio, ou a introdução, nos apresenta a disposição do Concílio, a

atitude da Igreja diante da revelação, que é a Palavra de Deus (DV, 1). Há uma

grande novidade, pois os padres do Concílio reconhecem a centralidade da Palavra

de Deus (DV, 1). A certeza de que devemos nos pôr acima de tudo à escuta da

Palavra de Deus. Nesse parágrafo encontramos claramente o objetivo deste

documento: propor doutrina sobre a revelação e sua transmissão (DV, 1).

O primeiro capítulo115 trata da revelação como tal:

● Vai tratar, sobretudo, da natureza e o objeto da revelação. Quanto à natureza da

revelação, o “aprouve a Deus” (nº 2) expressa a iniciativa de Deus, sua gratuidade.

Sua bondade e sabedoria nos mostram um Deus de amor que quer comunicar-se a

nós. Deus busca revelar-se a si mesmo. Há um dinamismo da revelação, ligado às

Escrituras com o termo “dabar” (Palavra), que não é estático.116

● Quanto ao objeto da revelação, não há uma definição conceitual deste objeto.

Usa-se a palavra “mistério”, bem no sentido paulino, que é o segredo que Deus

revela; expressa que a plenitude da revelação é objetivada em acontecimento, por

palavras e gestos há uma realidade humana: Jesus Cristo; Por Cristo no Espírito,

                                                            115 Há um excelente comentário sobre o primeiro capítulo da Dei Verbum, elaborado de forma bastante sucinta pelo padre Latourelle (cf. RDV, p. 46-47). 116 Id., ibid., p. 38.

  41

somos elevados ao Pai.117 Desse modo somos remetidos então ao mistério da

Trindade quando nos diz que somos capazes da participação divina.

● Depois de afirmar que a natureza da revelação cristã é a “autocomunicação de

Deus, ainda neste primeiro capítulo, toca no tema da preparação da revelação

evangélica (nº 3), retomando o tema da criação e da eleição de Abraão. Tudo isto

considerado como uma preparação para o advento do Cristo. Por isto considera o

Cristo como a plenitude da revelação (nº 4). Então, a revelação deve ser acolhida

com fé. Deve-se à obediência da fé: o obséquio, o intelecto e a vontade (nº 5). Por

fim, aborda as ‘verdades reveladas’. Estas verdades reveladas (nº 6) são antes de

tudo a respeito da salvação dos homens”.118

O segundo capítulo aborda o tema da transmissão da revelação divina:

● Pelas linhas acima, compreendemos então que Deus deseja que todos os seres

humanos sejam salvos e que a revelação chegue a todos os povos até os confins

dos séculos. Por isso a importância da “transmissão da revelação”, ela começa

citando os apóstolos como autênticos sucessores pregoeiros do Evangelho (nº 7).

São constituídos por apóstolos, evangelistas e os bispos em seguida, sucessores

dos apóstolos.

Mais à frente vai abordar os temas da Sagrada Escritura, da Sagrada Tradição e da

relação entre ambas (nº 8 e nº 9).

● Quanto à Sagrada Tradição, o texto reconhece a importância da Tradição (cf. nº 8)

para a Igreja, que abrange tudo o que contribui para santamente viver e fazer

crescer o povo na fé, como os “ensinamentos de Jesus, as iluminações do Espírito

Santo e as normas pastorais da Igreja.119 Neste sentido, ocorre um progresso da

tradição, que deve atualizar-se no decorrer dos tempos.

                                                            117 RDV, p. 40. 118 Id., ibid., p. 39. 119 Id., ibid., p. 52.

  42

● Quanto à relação entre Tradição e Sagrada Escritura, nesta perspectiva Tradição e

Escritura se equiparam (cf. nº 9). Promanam da mesma fonte, Cristo.

● Quanto à relação de Tradição, Escritura com a Igreja e o Magistério (nº 10),

reconhece novamente a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura como um só

depósito sagrado da Palavra de Deus confiado à Igreja. Destaca, porém, que a

função de interpretar tanto uma como outra é da Igreja.

O terceiro capítulo sobre a inspiração divina da Sagrada Escritura e a sua

interpretação.

● Neste terceiro capítulo aborda-se uma das questões mais espinhosas da Dei

Verbum. Pois remete ao tema da “verdade” na Sagrada Escritura. A questão se põe

no rol dos problemas acerca da inspiração que é fundamento da verdade revelada.

Está no “fato consignado na Sagrada Escritura e na doutrina tradicional da Igreja; e

que o instrumento que é o homem (hagiógrafo) é empregado por Deus na

redação”.120 Este tema da inspiração e da verdade obrigou a rever outro tema há

muito abordado, o tema da inerrância, que agora seria abandonado por sua

conotação negativa. Neste sentido, a “hermenêutica moderna” tornar-se-ia o meio

mais apto para interpretar as Escrituras.121

● Em seguida (nº 11) reconhece como princípio fundamental: “as Escrituras são

inspiradas, tendo a Deus como Autor e também quem escreve o hagiógrafo”.122

● Noutro momento, aborda o modo de interpretar a Sagrada Escritura (nº 12). Diz-

nos que, para interpretar a Sagrada Escritura, é necessário entender o homem para

entender a Deus,123 isto é, compreender o homem que redigiu o texto sagrado. Mas

não esquece que se deve também entender a Deus que lhe fala por meio do

homem. Encerra este capítulo falando da “condescendência” de Deus (nº 13),

dizendo que Deus se insere na linguagem e na cultura humana.

                                                            120 RDV, p. 57. 121 Id., ibid., p. 68. 122 Id., ibid., p. 60. 123 Id., ibid., p. 68.

  43

O quarto capítulo aborda o Antigo Testamento:

● Reconhece este capítulo que no Antigo Testamento está contida também a

revelação de Deus. No Antigo Testamento ocorre também a história da Salvação (nº

14); a experiência religiosa de Israel é base por causa do aspecto pedagógico, da

dimensão profética e do aspecto teológico. Também reconhece sua importância

para os cristãos (nº 15); por fim, estabelece uma plena e inseparável unidade entre

os Testamentos (nº 16).

O quinto capítulo vai tratar sobre o Novo Testamento:

● Põe o Novo Testamento em relevo, como “excelência”. Segundo Piazza, este

capítulo ressalta: o Novo Testamento é palavra feita carne, aponta o reino de Deus e

não se esquece da missão apostólica (nº 17 da DV).124

● Este capítulo aponta para a origem apostólica dos Evangelhos (nº 18) e sua índole

histórica (nº 19). Não se esquece, porém, dos demais escritos neotestamentários (nº

20).

O sexto e último capítulo da Dei Verbum é dedicado à Sagrada Escritura na

vida da Igreja:

● Primeiro reconhece o sentimento de veneração que a Igreja deve dedicar às

Sagradas Escrituras (nº 21); depois recomenda as traduções da própria Sagrada

Escritura e os estudos apurados desta (nº 22); em poucas palavras define a função

dos exegetas perante a Igreja (nº 23); afirma com clareza o lugar das Escrituras na

Teologia, é “alma da teologia” (nº 24); por fim, sugere a constante leitura da Sagrada

Escritura. No fundo, é uma grande exortação ao zelo e ao apreço pela Palavra de

Deus escrita.125

                                                            124 RDV, p. 77. 125 Id., ibid., p. 87.

  44

4.1. O tema fundamental da Dei Verbum: a revelação

A revelação é o tema central da Dei Verbum, e os demais conteúdos giram

em torno dela. Queremos deixar esclarecido que restringiremos nosso estudo

somente ao documento da Dei Verbum. Para tratar do tema específico da revelação,

vamos utilizar o mesmo esquema empregado no documento mesmo. Já que a Dei

Verbum consta de 6 capítulos e 26 parágrafos, a cada referência da palavra

“revelação” devemos tomá-la do texto para assim tecer alguns comentários sobre

ela. Dessa forma evitaremos fugir do próprio texto, mantendo-nos nos limites que ele

sugere.

4.1.1. Revelação126

                                                            126 Quanto ao termo “revelação”, há um vasto número de textos sobre o tema. Elencamos alguns, especialmente os que constam de dicionários porque são bastante elucidativos. O primeiro é bem sucinto e, sem dúvida, dos dicionários citados, é o mais completo (cf. DTF, p. 816-852; também DCT, p. 1537-1546). Há também um bom texto na linha da catequese: PEDROSA, V. M. et al. (orgs.). Dicionário de catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 954-966. Os outros dicionários são conhecidos, mas talvez sejam mais simples (cf. DEB, p. 1321-1324; VTB, p. 899-908; TAMAYO, Juan José, org. Novo dicionário de teologia. São Paulo: Paulus, 2009, p. 486-492; FRIES, Heinrich, org. Dicionário de teologia. Conceitos fundamentais de teologia atual, v. V. São Paulo: Loyola, 1971, p. 88-97; EICHER, Peter, org. Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. São Paulo: Paulus, 1991, p. 792-800; KONIG, Franz, org. Léxico das religiões. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p. 497-504; VVAA. Dicionário teológico o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1988, p. 798-805; VVAA. Diccionario teológico interdisciplinar, v. VI. Salamanca, Esp: Sígueme, 1987, p. 179-203). Por último, citamos alguns artigos: cf. FLORES, Rogério Luis. As etapas evolutivas da religião até o limiar da revelação cristã, segundo a 1ª parte da obra, o problema de Deus do homem atual de Hans Urs Von Balthasar. Teocomunicação, v. 27, n. 118, dez. 1997, Porto Alegre, p. 507-528; BORMIDA, Jeronimo. Los materiales, revelación, inspiración, historia. Soleriana, v. 23, n. 10, dez. 1998, Montevidéu, p. 173-210; GOMES, Cirilo Folch. A revelação divina. Perspectivas da constituição conciliar “Dei Verbum”. REB, v. 26, fasc. 4, dez. 1966, Petrópolis (RJ), p. 816-837; BALAGUER, Vicente. La Sagrada Escritura, testimonio y expresión de la revelación. Scripta Theologica, v. 40, n. 02, mai.-ago. 2008, Navarra (Esp), p. 345-383; MENDES, Jones Talai. Revelação bíblica enquanto ação comunicativa à dimensão comunitária da inspiração. Teocomunicação, v. 38, n. 161, set.-dez. 2008, Porto Alegre, p. 379-399; GABEL, Helmut. Inspiración y verdad de la Escritura. Selecciones de Teología, v. 42, n. 167, set. 2003, Barcelona (Esp), p. 214-228; JEANRONDE, Werner G. Revelação e conceito trinitário de Deus: conceitos orientadores do pensamento teológico? Grande Sinal, v. ..., n. 289, jan. 2001, p. 126-148.

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O tema da revelação perpassa todo o documento. Por isso, vamos organizar

nosso estudo limitando-nos a sete blocos. Em cada bloco pode haver um ou mais

aspectos na forma de abordar a revelação, como no primeiro capítulo da Dei

Verbum, que trata da natureza e o objeto da revelação, ou no segundo capítulo, que

estudará a transmissão da revelação. Inicialmente, o título e o Proêmio são solenes,

destacando-se dos demais documentos conciliares. O título da Dei Verbum está em

relevo, indicando sua máxima importância. Ademais, todo o documento é uma

investigação sobre a revelação e, por ser Constituição Dogmática, acentua sua

grandiosidade para a Igreja e seu valor normativo de fé, de “doutrina e de dogma”.127

O longo tempo exigido para a redação do texto da Dei Verbum demonstra a

importância da revelação para a Igreja. Pois a revelação “é o que cria, constitui e

mantém a Igreja”.128 Recordando os debates no início do Concílio sobre a revelação

divina, constatamos que era necessário o amadurecimento dos envolvidos no

processo de sua redação. Pois, este tema sendo central, iluminaria certamente os

demais documentos.

No Proêmio lemos:

“Este sagrado Concílio, ouvindo religiosamente a Palavra de Deus e proclamando-a com confiança, faz suas as palavras de S. João: ‘anunciamo-vos a vida eterna, que estava junto do Pai e nos apareceu: anunciamo-vos o que vimos e ouvimos, para que também vós vivais em comunhão conosco, e a nossa comunhão seja com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo’ (1 Jo. 1 2-3). Por isso, segundo os Concílios Tridentino e Vaticano I, entende propor a genuína doutrina sobre a Revelação divina e a sua transmissão, para que o mundo inteiro, ouvindo, acredite na mensagem da salvação, acreditando espere, e esperando ame” (DV, 1).

Merece destaque o Proêmio da Dei Verbum, entre vários motivos, por iniciar

com estas palavras: “Este Sagrado Concílio, ouvindo religiosamente a Palavra de

Deus [...]” (DV, 1). Por esse Proêmio verificamos que a expressão “Palavra de Deus

                                                            127 RUIZ, Gregorio. Historia de la constitución..., op. cit., p. 125 (ComDV). 128 Id., ibid., p. 4. Outro autor reconhece a revelação na Dei Verbum como um conteúdo de tal modo determinante para a fé, que, para a Igreja, tudo depende desse evento central: seu crer e seu operar só têm sentido na medida em que refletem a plena adesão à Palavra de Deus revelada (cf. DTF, p. 190).

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aplica-se, é claro, em primeiro lugar à revelação”.129 O tema da revelação na Dei

Verbum não é elaborado do nada, nem é uma iniciativa inédita dos padres do

Concílio, mas segue os concílios anteriores, a saber, os dois últimos: o de Trento

(1545-1563) e o Vaticano I (1869-1870). Há, porém, diferenças na visão e na forma

de abordar a revelação. De Trento ao Vaticano II houve notável evolução, levando

em conta nessa constatação a referência feita na própria Constituição. Vamos

perpassar esses Concílios para captar a relevância destes quanto ao tema da

revelação.

O tema da revelação só foi tratado tardiamente, no século XIX. No Concílio

precedente ao de Trento, o de Latrão IV (1215), falava-se da profissão de fé na

Santíssima Trindade. Seu contexto conciliar estava, porém, permeado da reação

contra os “albigenses e cátaros”.130 Neste Concílio não se trataria formalmente da

revelação como tal:

“Esta santa Trindade, indivisível conforme a essência comum e distinta conforme as propriedades pessoais, entregou ao gênero humano a Doutrina Salutar, primeiramente por Moisés e pelos profetas e por outros servos seus conforme uma disposição bem ordenada dos tempos”.131

O Concílio seguinte, convocado em reação à “reforma protestante”,132 não se

referiu ao tema da revelação. Este Concílio tratava especialmente de contrapor-se

às doutrinas de Lutero do “sola fide, sola gratia, sola Scriptura”.133 O avanço aqui

nesse Concílio deu-se quando se falou do Evangelho como revelação:

                                                            129 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 369. 130 Seitas originadas na França (no século XI) e desenvolvidas em diversos lugares do sul desse país (século XII). Tinham como características não aceitar os sacramentos da Igreja, e sim os de cunho maniqueísta, pois acreditavam na existência de um único princípio: o do bem e do mal. No quarto Concílio de Latrão, foram terminantemente condenados (cf. KNOWLES, D.; OBOLENSKY, D. Nova história da Igreja. 2 vols. Idade Média. Petrópolis, RJ: Vozes, 1974, p. 393-402). 131 Cf. Denz. 800. 132 Tema já bastante conhecido de todos. No tocante à revelação, porém, é significativa sua menção no bojo dos documentos do Magistério. Esse mesmo Concílio foi, entretanto, absorvido pela celeuma da reforma de Lutero (cf. KNOWLES, D.; OBOLENSKY, D. Nova história..., op. cit., Reforma e Contra-Reforma, p. 44-96). 133 LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II:..., op. cit., p. 382.

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“o Sacrossanto Concílio Ecumênico geral tridentino, legitimamente reunido no Espírito Santo, coloca diante de seus olhos continuamente que a pureza mesma do Evangelho, eliminados os erros, se conserve na Igreja, o qual, prometido antes pelos profetas na Sagrada Escritura, N. S. Jesus Cristo, o Filho de Deus, promulgou então com sua própria boca, em seguida ordenou que fosse pregado a toda criatura pelos seus apóstolos, como fonte de toda verdade salutar e dos costumes de discípulos”.134

É no Vaticano I que se vai tratar pela primeira vez a revelação de modo

formal.135 O contexto deste Concílio era o do “racionalismo”136 e da escola romântica

alemã, que afirmavam: “revelação não é uma palavra de Deus, mas sim uma palavra

de homem”.137 Essa visão trouxe dificuldades ainda maiores para uma elaboração

mais clara sobre a revelação, pois a desfigurava por completo, desviando-a assim

de uma formulação mais clara e apurada. Ao Vaticano I caberia reagir diante de

tantas e sérias indagações. Mas é na Constituição Dei Filius, sobre a fé católica, que

a abordagem do tema sobre a revelação aparece. Assim, encontramos nesta

Constituição:

“A mesma Santa Madre Igreja retém e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido pela razão humana, de modo certo, a partir das coisas criadas, pela luz natural da razão humana. Por isso, aprouve à Sabedoria e Bondade de Deus revelar, por outra via, sobrenatural, a si mesmo e os decretos eternos de sua vontade ao gênero humano”.138

                                                            134 LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II:..., op. cit., p. 382; cf. Denz. 1501. 135 Há certa convergência na afirmação de que se reconhece o Concílio de Trento, o que primeiro tratou da revelação como conceito, mas não a desenvolvendo satisfatoriamente, devido a sua preocupação em responder às questões postas pelo movimento dito modernista. Diversas obras reconhecem isso, entre elas, LIBANIO, João Batista. Teologia da revelação a partir da modernidade. São Paulo: Loyola, 1992, p. 382; LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 298-313. Alguns dicionários também reconhecem o Vaticano I como o grande Concílio que expõe a revelação como tal (cf. PEDROSA et al. Dicionário de catequética, op. cit., p. 956; DTF, p. 830; e o DCT, p. 1544; cf. também PIAZZA, Waldomiro O. A revelação cristã: na constituição dogmática “Dei Verbum”. São Paulo: Loyola, 1986, p. 16). 136 LIBANIO, J. B. Teologia da revelação a partir..., op. cit., p. 383. Trata-se do material mais acurado sobre o racionalismo relacionado a essa discussão. Há um grande número de informações e comentários fartamente publicados sobre o tema. Por ora, remetemos à mesma coleção já citada neste trabalho (cf. KNOWLES, D.; OBOLENSKY, D. Nova história..., op. cit., Sociedade Liberal e no Mundo Moderno I, p. 252). 137 RDV, p. 16. 138 ComDV, p. 384; cf. Denz. 3004.

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Noutro lugar da mesma Constituição, encontramos de forma explícita o termo

“revelação”: “verdades sobrenaturais que somente podem ser conhecidas pela

revelação”.139 É somente no Concílio Vaticano II, com a Dei Verbum, que podemos

dizer que o termo “revelação” é tratado formalmente como um tema. O contexto

deste Concílio diferenciou-se dos demais concílios citados. Este último, o Vaticano

II, já se insere num contexto eminentemente pastoral e ecumênico.

Mesmo com as dificuldades acerca de sua composição redacional, a Dei

Verbum alcançou formidáveis progressos no tema da revelação. Há certo

consenso140 de que a Dei Verbum trouxe avanços significativos ao conceito de

revelação. Anotamos algumas características importantes da revelação assinaladas

por J. B. Libanio: “Uma visão mais histórica, mais dialética e dialogal”.141 Continua

este mesmo autor, em sua reflexão, dizendo que a Dei Verbum reflete a revelação

“de um Deus que se revela pela ação na história por meio de gestas e palavras”.142

Os grandes avanços na concepção de revelação nesta Constituição podem ser

sintetizados da seguinte forma: em primeiro lugar, com a gratuidade, a revelação é a

ação gratuita de Deus, de um Deus que se revela gratuitamente a si (DV, 2); depois,

com o diálogo, a iniciativa da revelação é de Deus mesmo, mas convida o ser

humano a participar de sua vida divina (DV, 2); com a história, é na encarnação e na

história que Deus quis comunicar-se (DV, 6); e, por fim, ela é cristológica e trinitária

(DV, 2).

Num segundo horizonte, a Dei Verbum trata da natureza da revelação e de

seu objeto. Por ora interessa-nos abordar cinco grandes aspectos: 1º) a natureza e o

objeto da revelação; 2º) a preparação da revelação evangélica; 3º) a consumação e

plenitude da revelação em Cristo; 4º) a aceitação da revelação da fé; e, por fim, 5º) a

necessidade da revelação.

Quanto ao primeiro aspecto, devemos considerar que, para elaborar-se uma

doutrina, é forçosa a identificação do que é e daquilo de que se trata na revelação,

ou seja, sua natureza e objeto. O Concílio não quis definir essencialmente um

“conceito” para a revelação, mas procurou explicar evidentemente os elementos que

                                                            139 ComDV, p. 384; cf. Denz. 3005. 140 Os autores pesquisados, unanimemente, aceitam a tese de que a Dei Verbum alcançou grandes progressos acerca do tema da revelação. Entre eles estão, sem dúvida, Libanio, Piazza, Schökel. 141 LIBANIO, J. B. Concilio Vaticano II:..., op. cit., p. 386. 142 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 374.

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pudessem ser compreendidos acerca do tema. Por isso esclarece que a “revelação

por natureza é de livre iniciativa de Deus”.143 “Aprouve a Deus, na sua bondade e

sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade” (DV,

2).

Revelação é a livre iniciativa de Deus numa expressão de sua gratuidade. Por

isso, não é uma iniciativa baseada em “capricho divino nem [em] sentimento

paternalista, mas [decorre] puramente de sua sabedoria e bondade”.144 Sabemos,

portanto, que a revelação de si mesmo está ligada, fundamentalmente, a uma

Pessoa; é o que nos diz o termo bíblico “dabar”.145 Em suma, a revelação de Deus

nada mais é que a autocomunicação, livre e gratuita, de Deus.

No segundo aspecto trataremos sobre a preparação que Deus fez para

chegar à revelação evangélica. Pela criação, Deus se deixa ser conhecido pelos

homens. Depois, manifesta-se nos primeiros pais da Bíblia: Abraão, Isaque e Jacó;

em Moisés; e também nos profetas. Não se trata, entretanto, de várias “revelações”,

mas de uma só. Apenas o “desígnio salvífico de Deus com respeito à

humanidade”.146

No terceiro aspecto serão abordadas a consumação e plenitude da revelação

que é Cristo. Nesse momento, o documento vai referir-se a Cristo como plenitude da

revelação. Este texto adquire sua plena densidade com o reconhecimento de que a

revelação se dá num homem, Jesus Cristo. Jesus Cristo é a Palavra de Deus,

definitiva, porque é o “Verbo de Deus. É o Verbo feito carne”.147

No quarto aspecto será abordada a aceitação da revelação pela fé. Sobretudo

porque o termo “revelação” aparecerá duas vezes. Diz o texto: “A Deus que revela é

devida a ‘obediência da fé’”148 (DV, 5). Este texto é claro, pois a revelação deve ser

recebida com confiança. A inteligência e a vontade humana devem dar seu

assentimento livre à revelação. Ou seja, aderir à fé. E nisso o Espírito Santo tem um

papel importante e único. Já que Ele vai possibilitar ao crente um constante

                                                            143 RDV, p. 39. 144 Id., ibid., p. 30. 145 Id., ibid., p. 39. Segundo esse autor, “dabar” tem conotação ou significado de algo dinâmico, não estático; é ação. 146 Id., ibid., p. 41. 147 Id., ibid., p. 42. 148 Rom. 16,26; e também Rom. 1,5; 2 Cor. 10, 5-6.

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aperfeiçoamento da fé. Para que possa acolher devidamente a revelação. Assim diz

o texto: “Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante

ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo” (DV, 5).

Nesse sentido se evitariam posturas inadequadas na experiência da

revelação. Tanto uma visão puramente “conceitual da revelação, um ponto de vista

somente intelectual ou racional, e uma visão estritamente vinculada aos sentimentos

ou de puro sentimentalismo”.149 Mas o Espírito Santo ilumina o interior do crente,

preparando-o para receber o mistério da revelação que se apresenta à pessoa. O

Espírito Santo de Deus neste aspecto vai auxiliar o crente de forma que o possa

atrair e iluminar.

No último aspecto, o documento vai abordar uma necessidade da revelação.

Para tornar conhecidos sua vontade e seus decretos, sua Pessoa, Deus revelou-se.

Por ora podemos dizer que isto é a Verdade de Salvação, ou verdades reveladas.

No texto lemos: “Pela revelação divina quis Deus manifestar e comunicar-se a Si

mesmo e os decretos eternos da Sua vontade a respeito da salvação dos homens”

(DV, 6). Este tema das “verdades reveladas” foi foco de fortes tensões nas aulas

conciliares. Afinal, ainda persistiam mentalidades contrastantes no Concílio. De um

lado, os que identificavam as “verdades reveladas” com a doutrina antiga do “ditado

verbal”, afirmando que as palavras da Sagrada Escritura foram “ditadas por

Deus”.150 De outro, os que a limitavam, afirmando que nem tudo na “Sagrada

Escritura era Palavra de Deus”.151

Portanto, a definição apresentada na Dei Verbum esclarece que, por

verdades reveladas, deve-se entender: “Os mistérios que dizem a respeito de Deus

(SS. Trindade, encarnação) e aos mistérios relativos à salvação do ser humano

(perdão dos pecados, escatologia, etc.)”.152

Num terceiro horizonte da Dei Verbum, ela vai tratar da revelação e sua

transmissão. Neste horizonte encontram-se os temas que mais geraram debates na

discussão da redação da Dei Verbum, porque o tema da transmissão da revelação

esbarrava na questão de temas natural e historicamente difíceis, como o da tradição

                                                            149 RDV, p. 43. 150 Id., ibid., p. 44. 151 Id., ibid., p. 45. 152 Id., ibid.

  51

(tão caro para a Igreja Católica), em relação com a Sagrada Escritura (esta, por sua

vez, tão cara aos protestantes, desde Lutero). Do Concílio de Trento em diante

parecia estar ainda aberta uma grande e dolorida ferida, especialmente na truncada

relação entre católicos e protestantes.

É importante ressaltar ao menos quatro aspectos da revelação: 1º) os

apóstolos e seus sucessores, transmissores do evangelho; 2º) a Sagrada Tradição;

3º) a relação entre Sagrada Tradição e Sagrada Escritura; 4º) a relação de uma e

outra com a Igreja e com o Magistério eclesiástico.

Num primeiro aspecto da transmissão da revelação estão os apóstolos e seus

sucessores. A vontade de Deus é que todos sejam salvos. Portanto, a revelação

deve chegar a todos (cf. Mc 16). Daí o próprio Cristo constitui apóstolos para

continuar sua missão e os envia (cf. Mc 16), institui assim seus sucessores. Estes

sucessores são primeiramente os apóstolos:

“mandou aos Apóstolos que pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes, o Evangelho prometido antes pelos profetas e por Ele cumprido e promulgado pessoalmente, comunicando-lhes assim os dons divinos” (DV, 7).

Também constitui evangelistas, igualmente com missão de apóstolos. A estes

foi designado fazer nos evangelhos uma “recordação histórica”153 por escrito do que

Jesus fez e falou. Por último, institui os bispos como sucessores dos apóstolos.

Mesmo não sendo testemunhas oculares de Jesus, mas com a mesma missão dos

apóstolos. Isto é, tendo o encargo também, assim como os apóstolos, de pregar o

evangelho, de transmitir vivamente o evangelho de Jesus.154

Há aqui uma perspectiva interessante sobre a relação entre Escritura e

Tradição. Há o reconhecimento claro da importância de uma e de outra, sem,

contudo, diminuir uma ou outra. Também se evita a tendência de supervalorizar uma

em comparação com a outra. O Concílio conclui que ambas (Escritura e Tradição)

têm a mesma fonte, Cristo Jesus (DV, 9), e tendem para a mesma finalidade: a

                                                            153 RDV, p. 50. 154 Id., ibid.

  52

salvação do homem (DV, 9). Tanto Escrituras como Tradição estão

“acompanhadas”155 do Espírito Santo.

Num segundo aspecto, o texto foca sua atenção sobre a Sagrada Tradição. A

Tradição da Igreja é muito ampla e pode ser vista de múltiplos pontos de vista. A

Igreja concebe como Tradição apenas aquela formada pelo testemunho dos

apóstolos. Pelo que testemunharam do que Jesus falou e viveu. Neste sentido, a

Tradição tem como objeto “os ensinamentos de Jesus e as iluminações do Espírito

Santo e as normas pastorais da Igreja”.156

A Tradição está continuamente progredindo, não é fixa, porque é uma

mensagem viva de salvação.157 Recebe, porém, uma permanente assistência do

Espírito Santo: “Esta tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do

Espírito Santo” (DV, 8). Eis o que é diferente na Tradição da Igreja, que é sempre

viva. Não está fixada em normas, como vemos na Sagrada Escritura.

Num terceiro aspecto tratar-se-á da relação entre Sagrada Tradição e

Sagrada Escritura. Encontrando definição na Dei Verbum, que resolveu enfrentar a

forte tensão entre Tradição e Escritura. Ambas são equiparadas. Diz o texto: “A

Sagrada Tradição, portanto, e as Sagradas Escrituras estão intimamente unidas e

compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem

como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim” (DV, 9). Mesmo sendo uma

“unidade”, porém, também diferem. Pois a Sagrada Escritura “transmite a revelação

em forma estratificada na linguagem e nas categorias culturais”158 e a Tradição,

sendo transmitida oralmente, transmite a revelação de modo novo, com a linguagem

correspondente de cada época,159 podendo assim progredir sempre. Continua

Piazza, em sua obra, dizendo que a Escritura oferece um texto objetivo como ponto

de referência para a pregação cristã, já a Tradição dá vida e sentido ao texto escrito,

ligando a linguagem do passado com a linguagem do presente.160 Com efeito, a

Escritura não é outra coisa que a Tradição tornada escrita por inspiração do Espírito

Santo.                                                             155 A presença do Espírito acompanha tanto a Palavra quanto a Tradição. Acompanha a Palavra no sentido de inspirá-la e acompanha a Tradição no sentido de assisti-la. 156 RDV, p. 52. 157 Id., ibid. 158 Id., ibid., p. 53. 159 Id., ibid. 160 Id., ibid., p. 54.

  53

Num quarto e último aspecto será abordada a relação de uma e outra com a

Igreja e com o Magistério eclesiástico. Na Dei Verbum está assim: “A Sagrada

Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da Palavra de

Deus, confiado à Igreja” (DV, 10). Nesse texto, tanto a Escritura como a Tradição

são confrontadas pela Igreja. É à Igreja que Jesus confiou a interpretação de ambas:

Tradição e Escritura. “Porém, o múnus de interpretar autenticamente a Palavra de

Deus escrita ou contida na Tradição foi confiado só ao magistério vivo da Igreja”

(DV, 10). Nesta relação há aqui uma sutil tensão. Tanto dentro como fora da Igreja.

Mas a Igreja reconhece no final do mesmo capítulo: “Este Magistério não está acima

da Palavra de Deus, mas sim a seu serviço, não ensinando senão o que foi

transmitido” (DV, 10).

No quarto horizonte da Dei Verbum, será focado o tema da inspiração divina

da Sagrada Escritura e sua interpretação. Este tema da inspiração e da

interpretação também foi pivô de inúmeros debates no Concílio, mas chegou-se a

uma boa conclusão. O termo “inerrância” entra em questão, e propõe-se que não

seja mais usado, sendo substituído pelo termo “inspiração” no novo texto da Dei

Verbum. Os padres conciliares acabam por evitar o emprego de inerrância por este

ser de conotação negativa, passando a falar de “inspiração”. Neste aspecto, o

Vaticano II ratifica a doutrina da inspiração “originada lá no Concílio de Florença”.161

No tocante à interpretação, reconhece a autenticidade dos escritores da Bíblia

(hagiógrafos), que são como que cultores da Bíblia (DV, 11). Deus é o autor por

excelência. Certamente assume e confirma a Encíclica Providentissimus Deus

(EPD). Ainda, a interpretação também foi pauta de forte discussão entre os padres

do Concílio. A importância da interpretação da Sagrada Escritura verifica-se na

medida da celeuma com os protestantes. Neste sentido, a interpretação da Sagrada

Escritura mereceria que fosse feita tendo o cuidado de atender as seguintes

orientações: “levar em conta a intenção do hagiógrafo e os gêneros literários” (DV,

12). A Dei Verbum, porém, salvaguarda a ação do Espírito Santo. Assim como é o

Espírito quem inspira o hagiógrafo a escrever as letras sagradas, também deve ser

com este mesmo espírito que deve ser lida e interpretada a Escritura162 (DV, 12).

                                                            161 Estudos CNBB, 91, p. 21. 162 Denz. 3007. 

  54

Um último tema desse horizonte, e ao qual deveria caber maior espaço, é o

tema ou o subtema da verdade. Este tema tomou grande tempo dos padres

conciliares, pois era importante definir a questão. Articulava-se com os demais

temas da inspiração e da interpretação. No fundo, não seria o caso de focar o tema

da verdade, como na filosofia, mas sim considerar que a verdade na Dei Verbum

está ligada à salvação do homem (DV, 11).

Num sexto horizonte, a Dei Verbum tratará do Antigo e do Novo Testamento.

Evidentemente que ambos formam uma unidade. A Dei Verbum reconhece

notavelmente o Antigo Testamento como livro histórico, que também é revelado (DV,

14). Assim como reconhece a importância do Antigo Testamento para os cristãos,

dizendo que a economia deste destinava-se, sobretudo, a preparar, a anunciar

profeticamente e significar com várias figuras o advento de Cristo, redentor

universal, e do Reino messiânico (DV, 15). E que entre o Antigo e o Novo

Testamento existe o “princípio teológico que de forma definitiva liga um e outro

testamento, pois ambos são de autoria divina e inspirados pelo Espírito Santo”.163

Quanto ao Novo Testamento, a Dei Verbum o reconhece como livro escrito em que

se “apresenta e manifesta o Verbo que se fez carne”, e lhe dá mais relevância. Há

alguns traços bem definidos no Novo Testamento que a Dei Verbum enfatiza, neles

centrando as principais discussões. Por ter o Novo Testamento como fonte, no

Evangelho de Jesus Cristo, palavra definitiva de Deus, podem-se perceber as

seguintes características:

“que a Sagrada Escritura, no Antigo Testamento, era antes um Deus que falava aos homens: primeiramente aos pais da Bíblia: Abraão, Isaque, Jacó; mais tarde a Moisés e aos profetas. Mas agora no Novo é a palavra que se fez carne,164 instaura um novo modo de entender o mundo, a vida, inaugurando o reino de Deus.165 Também aponta a geração apostólica como continuadores da pregação do evangelho, presente no Novo Testamento. Aborda a origem apostólica dos ‘sucessores de Cristo’, a historicidade dos evangelhos e o reconhecimento dos demais escritos do Novo Testamento”.166

                                                            163 RDV, p. 75. 164 Id., ibid., p. 77. 165 Id., ibid. 166 Id., ibid., p. 76-80.

  55

Num sétimo horizonte, a Dei Verbum vai tratar da Sagrada Escritura na vida

da Igreja. É o tema da revelação em sua vertente pastoral. Ou seja, a importância da

Sagrada Escritura em relação à vida pastoral da Igreja.167 Evidentemente a Dei

Verbum consagra todos os documentos do Magistério que já habilitavam e

orientavam a Igreja quanto à relação com a Sagrada Escritura.168 Mostra de forma

clara como a Igreja sempre tratou a Escritura: com veneração (DV, 21). Com efeito,

propõe a toda a Igreja que a Escritura deve ser estudada (DV, 23),169 lida (DV, 25) e

meditada continuamente (DV, 21, 22 e 23). Chega-se à conclusão de que a Sagrada

Escritura é a “alma da teologia” (DV, 26). Portanto, o ministério da palavra, composto

de pregação, catequese e toda espécie de instrução religiosa (DV, 24), deve ser

alimentado pela Escritura.

                                                            167 RDV, p. 82. 168 Providentissimus Deus, Spiritus Paraclitus, Divino Afflante Spiritu. 169 OT 15, 16. Optatam Totius: Decreto sobre a Formação Sacerdotal. É clara a exigência de conhecimentos aprofundados da Sagrada Escritura para uma boa formação sacerdotal.

  56

2º CAPÍTULO: A RELAÇÃO PALAVRA-ESPÍRITO NA DEI VERBUM

Este capítulo pretende ser o “coração” de todo o nosso trabalho, porque

centra o estudo e a reflexão no núcleo da relação entre a Palavra e o Espírito com

base nas referências ao Espírito no texto da Dei Verbum. Sabemos certamente que

a obra de Deus Pai é sempre permeada pela ação da “Palavra no Espírito”.170 Os

desígnios são do Pai pelo Filho no Espírito. Como não é possível, entretanto,

adentrar neste mistério sem o auxílio de Deus, invocamos a luz divina para ajudar-

nos neste empreendimento. Sobretudo porque já é da vontade de Deus que nós o

conheçamos.171

Num primeiríssimo momento, vamos esclarecer sobre o que queremos dizer

quando falamos da relação entre a Palavra e o Espírito. Para isto é necessário

entender, principalmente, os significados dos termos “pessoa” e “relação”. Num

segundo momento, vamos tratar sobre o tema da palavra como um fenômeno do

humano. O ser humano é, na expressão latina, “homo loquens”, isto é, um ser de

linguagem. Num outro e terceiro momento, adentraremos a temática da Palavra de

Deus e do Espírito Santo, procurando descrever qual o ponto de vista da Igreja, o

que a Igreja pensa sobre o que seja a Palavra de Deus e também sobre o que pensa

que seja o Espírito Santo. Por fim, faremos o estudo da relação entre Palavra e

Espírito com base nas referências ao Espírito Santo no texto da Dei Verbum. É com

as referências ao Espírito no texto da Constituição Dogmática Dei Verbum que

podemos identificar, não sem dificuldades, mas com clareza, a relação entre a

Palavra e o Espírito. Há várias dessas referências na Dei Verbum, ao todo 25,

porém, podemos reduzi-las a 5 em vista de obter uma melhor compreensão.

                                                            170 BOFF, Leonardo. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade: a Trindade, a sociedade e a libertação. Petrópolis (RJ): Vozes, 1986, p. 42. Lembramos Santo Irineu (135-208), que nos recorda que o Filho e o Espírito constituem as duas mãos pelas quais o Pai nos toca e nos molda à sua imagem e semelhança (Adv. Haer., V, 6, 1, na p. 42 desta obra). 171 Cf. DV, 2.

  57

1. ESCLARECIMENTOS

Este item do capítulo trata especificamente da relação Palavra-Espírito na Dei

Verbum. Antes de prosseguir, faremos alguns esclarecimentos, a saber, dos

significados dos termos “pessoa” e “relação”. Palavra e Espírito devem ser

considerados pessoas.172 O conceito de pessoa segue um árduo debate filosófico e

teológico. Percorreremos um longo caminho no desenvolvimento desse termo.

Houve “uma relação entre filosofia e teologia na elaboração do termo”.173

Neste percurso encontra-se uma verdadeira “história do conceito”.174 O “termo

‘pessoa’ foi forjado nos séculos IV e V nos debates que presidiram a elaboração do

dogma trinitário”.175 Vem do latim e “significa persona. No sentido comum, é o

homem em suas relações com o mundo ou consigo mesmo. No sentido geral,

pessoa é um sujeito de relações”.176 O termo “pessoa” figura certamente entre os

“conceitos fundamentais da teologia [...], por penetrar a autorrevelação divina [...] e,

no esforço de sua elaboração como conceito acabou por fim favorecendo a

elaboração teológica da cristologia e da doutrina trinitária”.177 Desde a fase nascente

do cristianismo, em “Tertuliano, já se definia o conceito de pessoa na doutrina da

trindade, que afirmava: uma substância, três pessoas”.178 Na língua latina de então,

o termo “pessoa era aplicado à máscara do ator teatral e depois se relacionou com

                                                            172 Cf. também LOEHER, M.; FEINER, J. Mysterium Salutis III/8 – O evento Cristo como obra do Espírito Santo. Petrópolis (RJ): Vozes, 1974, p. 6. Citamos preferencialmente alguns manuais e dicionários, como SCHNEIDER, Theodor (org.). Manual de dogmática. v. II. Petrópolis (RJ): Vozes, 1992, p. 446-488. Outra obra interessante é LIBANIO, J. B. Teologia da revelação a partir..., op. cit., p. 232-234. Para uma linguagem das pessoas divinas, cf. LADARIA, Luis F. O Deus vivo e verdadeiro. O mistério Trindade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 262-288; ComDV, p. 194-198. Citamos também alguns documentos oficiais da Igreja, publicados como Documentos de Aparecida n. 136, 243, 244, 292. No Catecismo da Igreja Católica (CIC): sobre as três Pessoas da Trindade, o n. 189; sobre a profissão de fé nas três pessoas divinas, o n. 190. Por fim, a sugestão de um artigo bastante interessante sobre o tema da pessoa e suas dimensões: FERNÁNDEZ, Emilio José Gil. La persona y sus dimensiones. Auriensia, n. 10, jan.-dez. 2007, Ourense (Esp), p. 255-293. Ver também, em MONDIN, Battista. O Homem, quem é ele? São Paulo: Paulinas, p. 290. Nesta mesma obra, ver o tema da pessoa com um problema, p. 291; e o da pessoa como um princípio de autonomia, comunicação e transcendência, p. 302. 173 FRIES, H. Dicionário de teologia. Conceitos..., op. cit., vol. IV, p. 239. 174 WERBICK, Jürgen. Persona. In: EICHER, Peter (org.). Diccionario de conceptos teológicos. 2 vols. Barcelona: Herder, 1990, p. 228. 175 DCT, p. 1393. 176 BOSI, Alfredo (coord.). Diccionario de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 730. 177 WERBICK, J. Persona..., op. cit., p. 228. 178 Id., ibid.

  58

seu papel”.179 Depois, os “padres capadócios lançaram a equação: o conceito de

pessoa na trindade não se referia à aparição de Deus destinada ao homem, mas à

realidade divina do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.180 Mas é no “Concílio de

Constantinopla que se confirma a questão ao se falar da unidade do Deus-Logos

com o verdadeiro homem Jesus”. Resolvendo que a encarnação do Logos não

destruía a humanidade de Jesus”.181

Na Idade Média Boécio (480-525) entendia por pessoa a naturae rationabilis

individua substantia, chegando à definição de que “as pessoas divinas só podem ser

pensadas desde sua mútua relação como pessoas indistintas em si e distintas umas

das outras”.182 Já na modernidade encontramos Fichte (1762-1814), que diz: a

“pessoa é simplesmente impensável se não comporta a limitação e a finitude”.183

Hegel, por sua vez, aponta: a “pessoa, como fato ou processo de correspondência,

tem na trindade sua relação mais pura”.184 Em sua obra A Santíssima Trindade é a

melhor comunidade, Boff refaz o percurso pelo qual passou o termo “pessoa”,

exatamente para fazer compreender a Trindade Santa. O autor afirma ter sido

necessário forjar o termo “pessoa” na tentativa de elaboração do discurso sobre a

Trindade, citando alguns dos que mais contribuíram nesse processo. No início

aparece “Irineu (130-202), que diz: eis a regra de fé: Deus Pai incriado [...]; o Verbo

de Deus, o Cristo Jesus Senhor nosso [...] no Espírito Santo, pelo qual os profetas

profetizaram [...]”.185 “Orígenes (182-253) já considera a Trindade como um eterno

dinamismo de comunhão”.186 É o primeiro a usar o termo “hipóstase” (pessoa). Mas

é em “Tertuliano (160-220) que se exprime a fórmula ‘uma substantia três personae’.

Isto vai significar a unidade de Deus, que é sempre a unidade das Pessoas, o um

‘em Deus resulta dos três’”.187 Pouco mais tarde os padres “capadócios elaboraram:

as Pessoas divinas constituem um jogo de relações”.188 E Santo Agostinho (354-

430) vai dizer: “as Pessoas como sujeitos respectivos e eternamente

                                                            179 WERBICK, J. Persona..., op. cit., p. 229. 180 Id., ibid. 181 Id., ibid. 182 Id., ibid., p. 231. 183 Id., ibid., p. 232. 184 Id., ibid., p. 233. 185 BOFF, L. A Santíssima Trindade..., op. cit., p. 71. 186 Id., ibid., p. 73. 187 Id., ibid., p. 74. 188 Id., ibid., p. 75.

  59

relacionados”.189 Mais tarde, Santo Tomás (1225-1274) vai afirmar o “Deus uno e

trino, e aprofunda a relação entre as Pessoas divinas”.190

Nos tempos da modernidade, a pessoa é constituída essencialmente da

subjetividade, que encontra seu espaço e valor, tanto quanto a inteligência, o

pensamento, dotado de razão (Locke, 1632-1704).191 Hegel (1770-1831) vai propor

que pessoa tem a ver com o sair de si mesmo,192 e Lutero (1483-1546) vai pensar a

pessoa em relação a Deus,193 porém, mais tarde, Marx (1818-1883) vai oferecer a

primeira crítica à subjetividade, propondo que a pessoa é, sim, produto de

relações.194 Descartes (1596-1650) já afirmara o seu “cogito, ergo sum”,

reconhecendo o valor da lógica e da razão. Mas, na esteira da idade

contemporânea, as “filosofias” da pessoa vão dar determinação à comunhão, que

passa a ser a gênese do eu. Refletindo neste sentido encontramos Max Scheler

(1874-1928) e Martin Buber (1878-1965), com sua obra Eu e tu.195

Nos limites da modernidade e mais próximo de nós está o pensamento de

Locke, que ainda impera. Locke vai afirmar que cada pessoa é um centro de

consciência de si, tendo determinada liberdade em suas ações e relações com os

outros e até com Deus. E que, em retrospecto, a pessoa está referida profunda e

inexoravelmente às relações e à comunhão que possa ter.

Noutro esclarecimento, falamos sobre o termo “relação”,196 algo mais ou

menos abstrato. Mas se, por relação, levar-se em conta a “linguagem trinitária,

significa a ordenação de uma Pessoa às outras ou a eterna comunhão entre os

divinos Três”.197 O termo “relação” é importante quando falamos de Trindade, porque

remete ao tipo de movimento que as Pessoas divinas mantêm na sua vida “ad intra”.

Mais profundamente porque nos orienta a compreender como as Pessoas divinas

                                                            189 BOFF, L. A Santíssima Trindade..., op. cit., p. 76. 190 Id., ibid., p. 79-80. 191 DCT, p. 1397. 192 Id., ibid. 193 Id., ibid. 194 Id., ibid. 195 BUBER, Martin. Eu e tu. São Paulo: Centauro, 2010. 196 LADARIA, L. F. O Deus vivo..., op. cit. Ver o capítulo “As relações divinas”, nas p. 255-262. Também encontramos material para refletir a respeito nessa excelente obra: SCHNEIDER, Theodor (org.). Manual de dogmática, vol. II. Petrópolis (RJ): Vozes, 1992, p. 445-493. Outro texto a ser consultado com essa finalidade é THEOBALD, Christoph. “Deus é relação”: a propósito de alguns enfoques recentes do mistério da Trindade. Concilium, v. - , n. 289, jan. 2001, Petrópolis (RJ), p. 47-90. 197 BOFF, L. A. A Santíssima Trindade..., op. cit., p. 290. 

  60

comportam-se, chegando ao ponto máximo de uma espécie de interpenetração que

é designada por um termo de origem grega, “pericórese”.198 O termo “relação”

também é objeto de estudo no campo da filosofia,199 não nos restringimos, em seu

estudo, portanto, apenas ao sentido teológico, área em que figura como termo

técnico para a compreensão da Trindade.

2. A PALAVRA

Ao iniciar esta reflexão sobre a Palavra, escolhemos a poesia para ilustrá-la,

já que é a poesia que, por excelência, consegue tocar no mistério das coisas,

usando tão divinamente os termos disponíveis, ou criando-os. Recordemos:

“Antes do nome

Não me importa a palavra, esta corriqueira. Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe, os sítios escuros onde nasce o ‘de’, o ‘aliás’, o ‘o’, o ‘porém’ e o ‘que’, esta incompreensível muleta que me apóia. Quem entender a linguagem entende Deus cujo Filho é o Verbo. Morre quem entender. A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser calada. Em momentos de graça, infreqüentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão. Puro susto e terror”.200

Para esse mistério da “palavra” que a poesia usa tão bem, ousamos dizer que

o ser “humano é um animal que fala”.201 Persiste, porém, o mistério sobre a

                                                            198 BOFF, L. A. A Santíssima Trindade..., op. cit., p. 290. Esse termo designa a mais profunda relação entre as Pessoas divinas. “Pericórese” é de origem grega e significa uma Pessoa conter as outras duas (em sentido estático), ou então que cada uma das Pessoas interpenetra as outras, e reciprocamente (sentido ativo); o adjetivo “pericorético” quer nomear o caráter de comunhão que vigora entre as divinas Pessoas. Com base na tradução latina, poder-se-ia chegar ao termo (ainda não dicionarizado) em português “circum-incessão”, ou “circum-insessão”. 199 Além das fontes acima, também buscamos apoio nas fontes de cunho filosófico (cf. AUDI, Roberto, dir. Dicionário de filosofia de Cambridge. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 810-812; DCT, p. 1656-1660, 2004; Catecismo da Igreja Católica, CIC, n. 251, 252 e 255). 200 PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991, p. 22. 201 MANNUCCI, V. Bíblia Palavra..., op. cit., p. 16.

  61

linguagem, que se define como uma das principais características de um ser

humano. A palavra ou a linguagem no ser humano insere-o no “limiar de ingresso no

mundo humano”.202 Em síntese, a palavra ou o “uso da palavra faz o homem

compreender-se a si mesmo”.203 Isso comporta um grande e complexo problema.

Durante a escolástica já dizia “Santo Tomás: a Palavra manifesta o pensamento a

outra pessoa mediante sinais”.204 Numa fase posterior, na idade contemporânea,

surge a “psicologia da linguagem”, inaugurando um caráter interpessoal, existencial,

dinâmico e ablativo da palavra. Karl Buhler propõe, contudo, como “aspectos da

palavra: 1º) a palavra tem um contexto; 2º) é uma interpelação; 3º) é manifestação

da pessoa”.205 A palavra tem funções, não tão simples, mas ela é dinâmica. Tem

exatamente três funções: de “informar, de expressar e de apelo”.206 O problema da

“palavra” ou da linguagem não é algo iniciado no tempo da escolástica, mas assenta

raízes na filosofia remota. Há culturas mais antigas

“Que sinalizam sobre a importância da palavra [...], considerando-a sempre sagrada, como a dos dogons da áfrica negra ou a dos índios guaranis do paraguai, que acreditam que deus criou o fundamento da língua antes de materializar a água, o fogo, o sol”.207

Neste sentido a palavra é a “Palavra-Princípio vital imortal [que] já se encontra entre

os índios da América do sul, especialmente nas crenças dos taulipangs. Diz-se que

entre os canaques da Nova Caledônia, a palavra é um ato, é um ato inicial”.208

Em se tratando de cultura semita, há indícios de que

“tanto nos antigos povos do Oriente como nos povos primitivos, a palavra (do hebraico dabar, aquilo que é pronunciado, coisa) não é apenas a manifestação do pensamento ou da vontade, mas coisa concreta que existe objetivamente e é como que carregada da força da pessoa que a pronunciou”.209

A palavra na cultura semita tem uma conotação singular, diferenciando-se nesse

aspecto em relação a outras culturas. Especificamente nas “línguas semíticas, o                                                             202 MANNUCCI, V. Bíblia Palavra..., op. cit., p. 16. 203 Id., ibid., p. 17. 204 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 420. 205 Citado em id., ibid. 206 Id., ibid. 207 CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983, p. 679. 208 Id., ibid., p. 680. 209 DEB, p. 1094.

  62

mesmo verbo significa pensar e falar: falar é externar o que a pessoa fala no

coração. A palavra pronunciada, porém, não é apenas um som, mas também um ser

real, mesmo que invisível, como o hálito que, juntamente com a palavra, sai da boca.

Então, a “palavra está diversas vezes em paralelo com o ruah”.210

Mas como compreender sua importância e sua relevância nos destinos da

humanidade? Em si mesma a palavra é fundamental para o que é criado com base

nela, a linguagem. Isso aponta uma questão interessante para o nosso estudo, já

que a própria filosofia indica o homem como capaz de linguagem. Podemos definir o

ser humano de diversas formas, mas a que de modo algum se pode negligenciar é a

do homem como um ser de “linguagem”.211 O ser humano pode ser um ser social,

capaz de fabricar instrumentos e tantas outras formas de defini-lo, porém há uma

definição que de fato o caracteriza: a do “homem como ser falante: o homo loquens”.

Portanto, antes de tudo, e sobretudo, o “Homem é um ser que fala”.212

Na antiga Grécia, nos tempos da filosofia clássica, deu-se ênfase a esse

problema, ainda em termos metafísicos. Tempos depois, já com Descartes, o

conhecimento torna-se a preocupação principal. Ocorre que é a partir de “Moore,

Wittgenstein, Russell e a escola de Viena que começa o deslocamento dos

problemas filosóficos para a linguagem. Dessa virada surgem os discípulos de

Heidegger”.213 A filosofia ajuda-nos a compreender mais profundamente a

importância da linguagem. E colabora com a teologia em sua tarefa de investigar a

fé. Por isso, “há uma convicção geral de que a linguagem é argumento de reflexão

filosófica. Assim é o tema dos que trabalham a partir desta ótica: Huxley, Cassirer,

Gusdorf, Ploangi e Heidegger”.214 Cada um desses estudiosos da filosofia da

linguagem aborda determinada faceta da própria linguagem. Huxley sugere: “o que é

que faz do homem o que é? A linguagem”.215 Cassirer afirma que a linguagem é um

dos meios fundamentais do espírito, graças ao qual se realiza a nossa passagem do

mundo da sensação ao mundo da visão e da representação.216 Já Gusdorf reitera

que “a invenção da linguagem é a primeira das grandes invenções, a que contém

em estado embrionário todas as outras, talvez menos sensacional que a                                                             210 DEB, p. 1024. Ruah quer dizer hálito, sopro, espírito; ver nos Salmos: Sl 33,6; 147,18. E também em Is 34,16; Prov. 1,23; Jó 15,13. 211 MONDIN, B. O homem..., op. cit., p. 132. 212 Id., ibid. 213 Id., ibid., p. 133. 214 Id., ibid., p. 134. 215 Id., ibid. 216 Id., ibid., p. 135.

  63

demonstração do fogo, mas mais decisiva”.217 Depois Heidegger, em sua obra

monumental, diz que “a linguagem é a primeira e mais importante epifania do ser”.218

Quanto à origem da linguagem, há três hipóteses. “Ou foi recebida de Deus

(ou da natureza) ou foi inventada pelo homem”.219 Não há, porém, um estudo

definitivo sobre o tema. Existem muitas outras questões em aberto. Como, por

exemplo, as semelhanças entre os sons pronunciados pelo ser humano e os da

natureza. Há alguns estudiosos afirmando, como “Renan, que, nas línguas semíticas

e especialmente no hebraico, a formação pela onomatopeia é sensibilíssima para

um grande número de raízes, e sobretudo para aquelas que têm um caráter especial

de antiguidade e de monossilabismo”.220 O “léxico indo-europeu é abundante de

palavras onomatopeicas e também o léxico latino”.221 Quanto á função da

linguagem, podemos apontar algumas. A linguagem tem “função descritiva”,222

função comunicativa,223 função de valor existencial224 e função ontológica: valor do

mito.225 Quando a palavra humana surge, vem em vista de “nomear a realidade, e

expressar a realidade interior do próprio homem, mas, de modo particular nas

relações sociais, a palavra é uma interpelação”.226 Para o ser humano, a palavra por

excelência é a “forma plena de comunicação humana, Deus escolheu também e,

sobretudo, essa forma de comunicar-se, de revelar-se”.227

                                                            217 MONDIN, B. O homem..., op. cit., p. 135. 218 Id., ibid. 219 Id., ibid., p. 139. 220 Id., ibid. 221 Id., ibid. 222 Id., ibid., p. 142. 223 Id., ibid., p. 144. 224 Id., ibid., p. 145. 225 Id., ibid., p. 147. 226 PEDROSA, V. M. et al. Dicionário de catequética..., op. cit., p. 844. 227 SCHÖKEL, L. Alonso. A palavra inspirada. São Paulo: Loyola, 1992, p. 31. 

  64

2.1. A Palavra de Deus e o Espírito Santo

2.1.1. A Palavra de Deus228

Sabemos que tratar sobre a Palavra de Deus pode configurar um

empreendimento ousado, tamanho é o número de formas de abordagem. A

compreensão da Palavra de Deus remete-nos à certeza de que a Palavra de Deus

ela mesma não se “limita ao livro da Sagrada Escritura, embora seja a Sagrada

Escritura o lugar e o momento privilegiado da Palavra de Deus”.229 Neste sentido, a

Palavra de Deus é muito mais ampla que a Sagrada Escritura. É o mesmo que dizer

revelação e que, “considerada em sua totalidade, apresenta-se como um fenômeno

da palavra, claro que com grande variedade de formas e de meios de

                                                            228 Sobre o tema da Palavra de Deus há este interessante trabalho: COLLANTES, Justo. La Iglesia de la palabra, tomo II. In: Historia Salutis. Madri: BAC, 1972, p. 116-229. Outro artigo muito interessante que trata a Palavra de Deus como um lugar teológico e existencial é MARTÍNEZ, Ma. Carmem Román. La Palabra que da Vida. Reflexión acerca de la palabra de Dios como espacio teológico e existencial. Proyección, v. 54, n. 226, jul.-set. 2007, Granada (Esp). Outros artigos mais simples são úteis para uma reflexão sobre o tema Palavra de Deus no nível pastoral: GRANDE SINAL. Da redação. A Escritura na vida dos cristãos. Grande Sinal, v. 62, n. 3, mai./jun 2008, Petrópolis (RJ), p. 277-295; PAUL, Claudio. “Pura e perene fonte de vida espiritual”. A palavra de Deus como alimento da nossa vida no Espírito a partir da Dei Verbum. Revista Convergência, Brasília, p. 599-616; RETAMALES, Santiago Silva. A “Palavra de Deus” na V Conferência de Aparecida. Atualidade Teológica, ano XI, n. 27, set.-dez. 2007, Rio de Janeiro; OÑORO, Fidel. De sacra scriptura: la Palabra de Dios, escuela de oración. Cuestiones Teológicas y Filosóficas, v. 32, ex. 78, n. 78, 2005, Medellín (Col), p. 435-440; PERSPECTIVA TEOLÓGICA. Editorial. A palavra de Deus. Perspectiva Teológica, v. 41, n. 114, mai.-ago. 2009, Belo Horizonte, p. 157-163. Para uma perspectiva de teologia da Palavra de Deus são interessantes os seguintes artigos: PEÑALVER, Javier Carnerero. La palabra de Dios como fundamento último de la norma positiva. Proyección, v. 55, n. 230, jul.-set. 2005, Granada (Esp), p. 235-262; ETSPUELER, José. Teologia da palavra de Deus. In: REB, n. XXIV, fasc. 3, set. 1964, p. 566. Acerca do recente sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, realizado em 2009: LLAGUNO, Miren Junkal Guevara. “La palabra de Dios en la vida y la misión de la Iglesia”. Un Sínodo pastoral, novedoso y mediático. Proyección, v. 55, n. 231, out.-dez. 2008, Granada (Esp), p. 353-372. Para uma relação da Palavra de Deus referenciada ao Vaticano II ou à Dei Verbum: idem, A los 40 años de la Dei Verbum: la palavra recuperada? Proyección, v. 52, n. 219, ed. 219, out.-dez. 2005, Granada (Esp), p. 349-370. Há também um artigo mais específico sobre a Palavra de Deus em relação às pesquisas de Erich Przywara: LUCIANI, Rafael. Misterio y palabra. Elementos para la comprensión del estatuto epistemológico del lenguaje teológico según Erich Przywara a partir de la lógica de la contradicción. ITER, v. 15, n. 35, set.-dez. 2004, Caracas, p. 69-94. 229 FIORES, Stefano de; GOFFI, T. (orgs.). Dicionário de espiritualidade. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 888.

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comunicação”.230 Certamente que em “Jesus Cristo essa analogia da palavra chega

à sua plena e estrita realização”.231 As considerações anteriores, de que há uma

imensa diversidade de formas de tratar a Palavra de Deus, não impedem nossa

reflexão sobre ela. Há questões bem mais complexas do que aquela, por exemplo, o

contraste existente entre a Palavra de Deus e a nossa mentalidade. Há uma “quase”

e insuperável oposição entre a forma com que pensamos e o que de fato seja a

Palavra de Deus. De modo que nossa razão não consegue alcançar o que significa

ou o que seja a Palavra de Deus. Como podemos pensar “uma palavra que corre

velozmente sobre a terra?” (Sl 147,15). Para nossa mente é difícil pensar numa

palavra voando. Portanto, ocorrem “duas mentalidades contrastantes”.232

Podemos inicialmente tecer alguns comentários sobre as características da

Palavra de Deus. A “Palavra de Deus é luz”,233 é “força, pois sua Palavra revela o

poder daquele que a pronuncia”.234 A Palavra de Deus é “realidade, pois revela a

fidelidade de Deus que a pronuncia”.235 É “promessa, porque Deus se revela como o

futuro do homem”,236 e também é “mistério, porque Deus vai se revelando e nunca é

revelado por inteiro”.237 Por isso,

“Deus revela e ensina uma verdade. O conteúdo de sua Palavra é o conjunto das verdades reveladas [...]. A característica da Palavra de Deus é sua clareza e certeza. Onde estas duas qualidades não forem perfeitas, o Magistério Eclesiástico as define melhor. A preocupação principal diante da Palavra é conservá-la sem erro e levá-la ao conhecimento dos fiéis em toda a sua integridade. A atitude fundamental do homem ao receber a Palavra é a fé, [...]”.238

Para os hebreus, porém, uma coisa que tivesse todas essas qualidades seria a

realização plena e acabada daquilo que eles entendiam por “palavra”.239 Nisso o

Vaticano II se destaca, pois resgata a centralidade da Palavra de Deus e, no mesmo                                                             230 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 419. 231 Id., ibid. 232 MESTERS, Carlos. A concepção bíblica da palavra de Deus. REB, v. 29, fasc. 1, mar. 1969, Petrópolis (RJ), p. 13-37. 233 Id., ibid., p. 16. 234 Id., ibid., p. 17. 235 Id., ibid., p. 18. 236 Id., ibid., p. 21. 237 Id., ibid., p. 22. 238 Id., ibid., p. 15. 239 Id., ibid.

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documento sobre a revelação divina, afirma textualmente as grandes características

da Palavra de Deus: “é interpessoal, é existencial, é dinâmica e ablativa”.240

Na cultura semita, a Palavra de Deus inscreveu-se numa história.241 Mas é

partir do Antigo Testamento que nascerá a expressão “Palavra de Deus”, que já era

empregada ordinariamente.242 A tradição dos profetas prova tais afirmações. Além

dessa conotação mais associada aos demais profetas bíblicos, também

consideramos a Lei. Na Torá dada a Moisés não se encontra senão a palavra de

Javé. Nesta perspectiva estão os mandamentos ou o decálogo.243 Neste sentido,

aos “portadores da Palavra” recai grande responsabilidade. Tanto os profetas como

os sacerdotes.244 Ainda na esfera do Antigo Testamento, a Palavra de Deus tem

certos atributos. A Palavra de Deus é una e diversificada, e exprime-se

diferentemente conforme o tempo, as circunstâncias e a fase da história e também

as variadas formas literárias.245 A Palavra de Deus transmitida pelos profetas é um

evento que pede para ser acolhido pelos ouvintes.246

No Novo Testamento, a expressão “Palavra de Deus” é rara nos Evangelhos.

Não é, porém, menos reconhecida e valorizada do que no Antigo Testamento. A

Escritura chega a ser reconhecida como Palavra de Deus, e mais tarde, após o

período neotestamentário, já na era dos santos padres, a Palavra de Deus vai

adquirir um conteúdo especificamente cristão.247 Apenas em João identificamos

algumas peculiaridades. Encontramos na literatura joanina uma Palavra de Deus

revelada em Jesus Cristo, e Jesus revela-se por sua palavra e seus atos como um

profeta.248

Num outro prisma, a teologia sistemática vai tratar a Palavra de Deus como

central para a fé cristã. Reconhecendo logo que a Palavra de Deus é escrita

                                                            240 MANNUCCI, V. Bíblia..., op. cit., p. 32. 241 DCT, p. 1328. 242 Id., ibid. 243 Id., ibid., p. 1329. 244 Id., ibid. 245 Id., ibid. 246 Id., ibid. 247 Id., ibid., p. 1330. 248 Id., ibid.; cf. Jo 4,19.

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(verbum scriptum), encarnada (verbum incarnatum) e também proclamada (verbum

praedicatum).249

A reflexão acima permite compreender que a Igreja deu saltos valiosos em

sua compreensão sobre a Palavra de Deus. Ao longo do tempo a Palavra de Deus

foi sendo assumida de modo diferente. Na Antiguidade deu-se a busca de afirmar os

possíveis livros canônicos.250 E a Igreja punha-se paulatinamente na interpretação

da Palavra de Deus. É na época da patrística que se dá acento à importância da

tradição. E a Igreja é a responsável pela interpretação da Palavra de Deus. Desta

forma, a tradição foi-se firmando sempre mais e quase em detrimento da própria

Palavra de Deus. A relevância da tradição sobre a Palavra de Deus chegou a tal

ponto, que, na Igreja, se identificava com dificuldade a Palavra de Deus à Sagrada

Escritura. A maior e a mais contundente reação diante do exagero da tradição se

dariam na modernidade com a “sola scriptura” de Lutero.251 É claro que a Igreja

respondeu de outro lado com outro enrijecimento, reforçando ainda mais o acento na

tradição.252

Avançando um pouco mais na compreensão do verdadeiro sentido da Palavra

de Deus, é necessário “partir da concepção semítica da ‘palavra’, que forma a

infraestrutura de toda a ‘concepção bíblica da Palavra de Deus’”.253 Neste sentido

podemos imaginar a Palavra de Deus como uma obra de arte. Para o “semita, a

obra de arte é algo que se reproduz no objeto não com neutralidade, mas segundo o

sentido profundo que este tem para o artista”. A palavra exprime o objeto ou a

pessoa, dando a conhecer a sua estrutura íntima, seu sentido profundo, sua razão

última de ser.254 Quando nós usamos coisa ou fato, para os hebreus é a palavra, e,

segundo sua cultura, a palavra como nome dá inteligibilidade à coisa.255

Noutra perspectiva, a fé nos dá a certeza de que Deus é um “Deus que

fala”.256 Deus nos fala,257 a “Sagrada Escritura é prova disso”.258 “O Antigo e o Novo

                                                            249 DCT, p. 1331. 250 Id., ibid., p. 1332. 251 Id., ibid. 252 Id., ibid. 253 MANNUCCI, V. Bíblia..., op. cit., p. 16. 254 Id., ibid. 255 DB, p. 682. 256 VD, 2. Ver também VTB, p. 700. 257 VVAA. La parole de Dieu en Jésus-Christ. Cahiers de l’Actualité Religieuse, 15, 1964, Casterman. 258 DV, 12.

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Testamento não fizeram outra coisa senão descrever-nos o itinerário da Palavra de

Deus”.259 Desde o Antigo Testamento tem-se esta certeza tão presente na vida do

“Povo de Deus, especialmente nos profetas”.260 No contexto bíblico do Antigo

Testamento, porém, nunca se faz referência à Palavra de Deus como “objeto de

especulação abstrata, como em outras correntes (cf. o logos dos filósofos

alexandrinos). Antes de tudo, a Palavra de Deus é fato experimental”.261 Se a

Palavra de Deus é dada, então deve ser transmitida. Por isso, envolve não só a

quem a recebe, mas envolve todo um povo. “A Palavra de Deus não é para um

pequeno grupo, mas para o povo de Deus”.262

Aqui está o dinamismo da Palavra de Deus, pois Deus fala e, se Deus fala,

não se identifica com os ídolos mencionados nos tempos proféticos de modo mais

particular. Dizem alguns textos: “têm boca, mas não falam” (Sl 115,5). Deus fala, e,

falando, se revela e age. Desse modo, a Palavra de Deus tem dois aspectos

relevantes em sua natureza: “revela Deus e, ao mesmo tempo e através de sua

Palavra, seu agir”.263 Segundo Antônio Artola,264 a Palavra de Deus pode ser

entendida de três formas: “sob a forma da Lei, sob a forma da sentença sapiencial

ou sob a forma de oráculo profético”.265 O termo original hebraico, e que expressa

devidamente o que seja a Palavra de Deus, é “dabar”,266 e corresponde, em nossa

linguagem, a coisa e palavra.267 Noutro aspecto a Palavra de Deus adquire algumas

finalidades.268 Segundo o próprio Mesters, ela tem o intuito de “dar ordem, isto é,

ordenar, unificar, unir, dar a paz, gerar fraternidade, amor e serviço”.269

Numa outra perspectiva, tomamos a Palavra de Deus como “Pessoa”. A

“Palavra de Deus é o próprio Deus que se dirige ao homem. A Palavra de Deus

                                                            259 MANNUCCI, V. Bíblia..., op. cit., p. 15. 260 VTB, p. 700. 261 Id., ibid. 262 Id., ibid., p. 701. 263 Id., ibid., p. 702. 264 ARTOLA, Antônio M. A Bíblia e a Palavra de Deus. São Paulo: Ave-Maria, 1989, p. 21-53. 265 Id., ibid., p. 27. 266 MESTERS, C. A concepção bíblica..., op. cit. Para Mesters, dabar é o mesmo que “coisa” para nós. É “coisa” e “palavra”. Já para Artola, significa a coisa mesma denominada pela palavra. Na ordem dos acontecimentos, dabar é o evento em si, o sucedido histórico (ARTOLA, A. M. A Bíblia e a Palavra..., op. cit., p. 27; cf. FORTE, Bruno. Teologia da história: ensaio sobre a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus, 1995, p. 128; e também LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 25-27). 267 MESTERS, C. A concepção bíblica..., op. cit., p. 24. 268 Cf. Is 55, 11. 269 MESTERS, C. A concepção bíblica..., op. cit., p. 29-32.

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interpela numa relação interpessoal. É um Eu que se dirige a outro”.270 A Dei

Verbum já nos lembrava esse aspecto “pessoal” da Palavra de Deus.271 Também, a

Palavra de Deus é palavra de amizade e amor.272 Num quadro maior, a Palavra de

Deus revela “a autodoação de Deus”.273 Sobre este seu aspecto em que figura como

Pessoa, merece maior destaque a Palavra de Deus quando nos referimos ao Verbo

encarnado. A Dei Verbum diz que a revelação de Deus alcança sua plenitude em

Jesus Verbo encarnado,274 Palavra encarnada. Temos a dizer que o Verbo

encarnado não é outro senão a mesma Palavra de Deus, “não se divide”.275 O Verbo

eterno (Palavra eterna) é o mesmo Verbo encarnado.276 É a mesma Pessoa, a

Pessoa do Filho de Deus. Em Jesus concentra-se a plenitude da revelação.277 Após

esta revelação, não haverá mais outra revelação pública, diz a Dei Verbum.278 Além

disso, a Palavra de Deus em Jesus, o Verbo encarnado, comunica-nos a

Trindade.279 Revela-nos o Pai,280 nos fala do Espírito.281

É importante saber que foi a partir do Vaticano II que uma “teologia da

Palavra” adquiriu um grande vulto. Neste sentido, a teologia contribui para elaborar

de forma sistemática o que se concebe sobre a Palavra de Deus. “K. Barth já

afirmava a distinção entre Palavra de Deus revelada (Jesus Cristo), Palavra de Deus

escrita (Bíblia) e Palavra de Deus pregada (a pregação da Igreja)”.282 Com outras

formulações, aparecem excelentes reflexões em torno da mesma problemática.

                                                            270 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 423. 271 DV, 2. A verdade profunda contida nesta revelação (Palavra de Deus), tanto a respeito de Deus como a respeito da salvação dos homens, manifesta-se, porém, a nós na pessoa de Jesus Cristo, que é, simultaneamente, o mediador e a plenitude de toda a revelação. 272 Id., ibid. Em virtude dessa revelação, Deus invisível (cf. Col 1,15; 1 Tim. 1,17), na riqueza de seu amor, fala aos homens como amigos (cf. Ex 33, 11; Jo 15, 14-15) e convive com eles (cf. Bar 3,38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele. 273 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 425. 274 DV, 4. Com efeito, enviou o Seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina a todos os homens, para habitar entre os homens e manifestar-lhes a vida íntima de Deus (cf. Jo 1, 1-18). Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado “como homem para os homens [...]”. 275 FORTE, Bruno. Teologia da história..., op. cit., p. 108. 276 Id., ibid., p. 105-117. 277 DV, 4. 278 Id., ibid. 279 DV, 2. Aprouve a Deus em sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério de sua vontade (cf. Ef 1,9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina (cf. Ef 2,18; 2 Ped 1,4). Também cf. FORTE, B. Teologia da história..., op. cit., p. 39-40. 280 Idem, A Trindade como história: ensaio sobre o Deus cristão. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 92 (cf. BOFF, L. A Santíssima Trindade é a melhor..., op. cit., p. 44). 281 FORTE, B. A Trindade como história..., op. cit., p. 112 (cf. BOFF, L. A Santíssima Trindade é a melhor..., op. cit., p. 49). 282 MANNUCCI, V. Bíblia Palavra..., op. cit., p. 197.

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Como, por exemplo, “A. Schlater, O. Weber e P. Stuhlmacher afirmavam que no

Novo Testamento [...] a Palavra de Deus tem aspecto múltiplo: a Palavra de Deus é

Palavra de Deus como Palavra testemunhada ou a Palavra de Deus é Palavra

anunciada”.283 Em nosso âmbito católico, encontramos

“C. M. Martini, que propõe: a Palavra de Deus é o Verbo de Deus (Jo 1,1-2), o logos; a Palavra de Deus é Jesus Cristo, o Verbo no meio de nós, manifestado na história; a Palavra de Deus se torna ‘palavras de Deus’, no plural; a Palavra de Deus são também as palavras escritas, e finalmente a Palavra de Deus é a palavra da pregação de Cristo na Igreja”.284

A Igreja nunca se esqueceu do significado e do que representa a Palavra de

Deus, e, nos últimos tempos,285 tem-se observado cada vez mais a necessidade do

contato e do cultivo constante com a Palavra de Deus, para a fé, para a vida da

Igreja. A Igreja não vive sem a Palavra de Deus. Esta afirmação é fruto dos

trabalhos do mesmo Sínodo, e ali encontramos: “De fato, a Igreja funda-se sobre a

Palavra de Deus, nasce e vive dela”.286

Quanto à exortação sobre a Palavra de Deus do último Sínodo, é interessante

salientar a relevância da Palavra de Deus, pois este documento reconhece a

presença de Deus, que, diante de seu mistério, “se comunica a Si mesmo por meio

do dom de sua Palavra”.287 A Igreja assume como prioridades: “reabrir ao homem

atual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor para que

tenhamos vida em abundância”.288 O Sínodo reconhece o grande significado que o

Concílio Vaticano II trouxe para a Igreja por meio da Constituição Dogmática Dei

Verbum. Este documento proporcionou uma “redescoberta da Palavra de Deus à

vida da Igreja”,289 em que fundamentalmente se presume que Deus é um Deus do

diálogo, que se comunica conosco. A tal ponto, que nos comunicou seu Filho Jesus,

                                                            283 MANNUCCI, V. Bíblia Palavra..., op. cit., p. 198. 284 Id., ibid., p. 199. 285 Identifico os “últimos tempos” com o Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja (RIXEN, Eugênio. A palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Perspectiva Teológica, v. 41, n. 114, mai.-ago. 2009, Belo Horizonte, p. 253-260; KONINGS, Johan. XXI Assembleia geral ordinária do sínodo dos bispos sobre a palavra de Deus. Perspectiva Teológica, v. 41, n. 114, mai.-ago. 2009, p. 165-190). 286 VD, p. 6. 287 Id., ibid., p. 3. 288 Id., ibid., p. 5. 289 Id., ibid., p. 7.

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o “Logos, o Verbo eterno do Pai”.290 Nesse sentido, a fé da Igreja, que é nossa fé

desde a fé “apostólica, testemunha que a Palavra eterna se fez um de nós. A

Palavra divina exprime-se verdadeiramente em palavras humanas”.291 Na

perspectiva de uma “teologia da Palavra”,292 podemos considerar de forma

abreviada as principais linhas dessa teologia:

“a) que a Palavra de Deus é Palavra que Deus fala de si; b) que a Palavra de Deus fala aos homens pela criação; c) a Palavra de Deus fala aos homens pela revelação; d) a Palavra de Deus é Palavra escrita na Bíblia; e) a Palavra de Deus é Palavra de Deus anunciada pelos Apóstolos e pela Igreja; f) Ela é viva e eficaz”.293

Com tudo o que foi dito, reafirmamos que o termo “dabar” corresponde

exatamente ao que queremos dizer sobre “Palavra de Deus” ou ao que significa

mais fielmente Palavra divina. “Pelo seu conteúdo ‘noético’, é palavra que realiza,

que faz o que diz”.294 Ao mesmo tempo, a Palavra é eterna, presente no Mistério do

Filho.295 Sendo assim, a Palavra eterna revela-se na Palavra feita carne, que é a

mesma e única Pessoa.

Num primeiríssimo momento, podemos visualizar a Palavra de Deus como

Escritura,296 mas novamente recordamos o Vaticano II, que na Ad Gentes já se

                                                            290 VD, n. 7, p. 17. 291 Id., ibid., n. 11, p. 26. 292 VVAA. La parole de Dieu em Jésus-Christ. Cahiers de l’Actualité Religieuse, 15, 1964, Casterman, p. 18. Noutro sentido, ver nesta obra os subtítulos “La théologie du Verbe de Dieu”, “La théologie protestante” (p. 27) e “La théologie catholique” (p. 30). 293 ETSPUELER, José. Teologia da palavra de Deus. REB, v. 24, fasc. 1, set. 1964, Petrópolis (RJ), p. 566-574. Este texto foi publicado antes do término do Concílio Vaticano II, porém, é pertinente citá-lo neste trabalho, pois indica de modo claro os elementos fundamentais de uma teologia da Palavra. 294 FORTE, B. Teologia da história..., op. cit., p. 128. 295 Id., ibid., p. 105. 296 Alguns artigos que tratam da Sagrada Escritura: BALAGUER, V. La Sagrada Escritura..., op. cit., p. 345-383; idem, La economía de la Sagrada Escritura en Dei Verbum. Scripta Theologica, v. 38, n. 3, set.-dez. 2006, Navarra (Esp) (este artigo é mais de linha pastoral, ainda que faça uma abordagem histórica da relação da Igreja com a Bíblia); HORTAL, Jesús. O uso da Bíblia, na Igreja Católica, antes do Concílio Vaticano II. Teocomunicação, v. 25, n. 109, set. 1995, Porto Alegre, p. 411-418. Sobre o tema da Escritura em alguns documentos da Igreja: CIC, n. 89 e ss., 101, 102 e ss.; é Cristo mesmo que está presente quando se leem as Escrituras e na Igreja (n. 1088); Jesus ressuscitado explica as Escrituras aos seus discípulos (n. 1347); a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada pela oração (n. 2653). Em alguns documentos do Concílio Vaticano II, por exemplo, na Dei Verbum (p. 9, 11, 12, 13, 21, 22, 23, 24, 25, 26); “Na exortação apostólica sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja” (VD); “O Corpo do Filho é a Escritura que nos foi transmitida” (id., ibid., p. 40). Por fim, no Documento de Aparecida (DA ap.), “a Bíblia mostra […] Deus criou o mundo

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referia à Sagrada Escritura como semente do Verbo.297 A Bíblia, outro nome dado à

Sagrada Escritura, não surgiu da noite para o dia, foi “surgindo com o próprio devir

de uma longuíssima história”.298 Até “judeus e cristãos dão ao conjunto de seus

escritos sagrados o mesmo nome de Bíblia”.299 Noutra palavra, Bíblia “é o conjunto

de todos os livros do Antigo e do Novo Testamento, a coleção completa de tudo o

que foi escrito sob a inspiração do Espírito Santo”.300 Conforme a doutrina da Igreja,

a revelação divina encontra-se na Bíblia e na tradição oral (traditio divina), e,

portanto, a Bíblia descreve a história da salvação, mostrando como Deus a

prometeu e esboçou e como começou a realizá-la.301

A Escritura também tem um longo e atribulado caminho. Diversos são os

nomes que damos a esse Livro: Sagrada Escritura, Bíblia, Livros Sagrados, palavras

divinas, divinas Escrituras, mais amplamente referida como “Palavra de Deus”. Em

nosso trabalho vamos adotar, simplesmente, Bíblia.

A Bíblia (Sagrada Escritura) percorreu uma longa jornada para que hoje a

tenhamos à nossa disposição, como vemos em nossas comunidades ou em casa.

Aqui importa a abordagem dos temas que têm ligação com o sentido de nosso

trabalho: relação entre Palavra e Espírito na Dei Verbum.

Nos tempos mais remotos, ainda na época veterotestamentária, nas “culturas

antigas da Babilônia ou Egito, já se valorizavam as escrituras, todas tidas como

sagradas, e até mesmo quem as manuseava: os escribas”.302

Em torno da Sagrada Escritura ocorreram diversos conflitos, pois nem mesmo

no “cristianismo (ramos) há acordo sob a canonicidade dos livros sagrados”.303 Isto

certamente nos dá a dimensão da delicada questão da Palavra de Deus quando se

trata de Sagrada Escritura. Olhando por este prisma, percebemos que ainda há uma

longa caminhada por se fazer em termos de estudos ou pesquisas sobre a Bíblia, já

                                                                                                                                                                                          com sua Palavra” (n. 27); a prioridade nas traduções católicas da Bíblia (n. 94); e, ainda mais, sugere um contexto maior e mais direto com a Bíblia (n. 262). 297 DTF, p. 262. 298 MANNUCCI, V. Bíblia Palavra..., op. cit., p. 125. 299 DCT, p. 292. 300 DEB, p. 181. 301 DEB, p. 181. 302 VTB, p. 283. 303 DTF, p. 262.

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que são razoavelmente novas as pesquisas nesse campo. Mas especialmente

quando situamos a Bíblia em relação à revelação divina.304

Mesmo reconhecendo em “outras tradições religiosas as Escrituras Sagradas

inspiradas pelo Espírito Santo”,305 está distante o fim dos conflitos entre as diversas

denominações religiosas, a começar pela composição da lista dos livros

canônicos.306 Vale ressaltar a este respeito que sua lista fixa só aparece

verdadeiramente nos séculos III e IV,307 e sua composição histórica estende-se ao

longo de todo o primeiro milênio (a.C.).308

Podemos dizer que a Bíblia se constrói da seguinte forma: numa primeira

etapa Deus faz no coração dos videntes uma palavra secreta, presente nas

tradições religiosas; numa segunda etapa fala oficialmente a Israel pela boca dos

profetas, e o Antigo Testamento recolhe esta palavra; e, por fim, na terceira e última

etapa, Deus revela-se em plenitude em Jesus Cristo.309 Lembramos que

independentemente das querelas, a Bíblia serve à história da salvação, mostrando

seu “sentido na salvação em Cristo”.310 De que a finalidade primária da Bíblia é de

caráter religioso e diz respeito à salvação dos homens.311

2.1.2. O Espírito Santo

O modo de tratar sobre a Pessoa do Espírito Santo tomou grande impulso

após o Vaticano II. Neste Concílio ocorre uma reviravolta, será superada a

                                                            304 DTF, p. 262. 305 Id., ibid. 306 DCT, p. 293. 307 Id., ibid. 308 Id., ibid. Cf. também KONINGS, Johan. A Palavra se fez livro. São Paulo: Loyola, 2010, p. 44-67; ARENS, Eduardo. A Bíblia sem mitos. São Paulo: Paulus, 2011, p. 75-87. 309 DTF, p. 265. 310 DEB, p. 182. 311 Id., ibid.

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mentalidade pré-conciliar, por influência da renovação bíblica, patrística e litúrgica.312

Antes, o Espírito ocupava a função de conservador da instituição fundada por Jesus

Cristo, ou, no máximo, o Espírito era, em relação ao povo, um “dulcis hospes

animae”.313 Podemos dizer que, numa fase posterior à do Vaticano II, a reflexão

sobre o Espírito Santo vai adquirir outra visão, por mérito da nova reflexão sobre a

revelação divina. Por isso a reflexão sobre o Espírito será claramente cristocêntrica,

mas não cristomonista.314 O quadro mais atualizado à luz da nova teologia da

revelação impõe-se da seguinte forma: o Pai revela-se à humanidade e a atrai para

si, mediante as “duas mãos” (cf. Irineu, Adv. Haer., V, 6,1), ou seja, mediante a ação

conjunta do Verbo e do Espírito. Cristo põe a realidade objetiva de salvação e da

revelação, e o Espírito a inspira e a interioriza.315 E no modo operante de Deus a

ruah sempre se vai cristalizar em dabar (“palavra”).316

Poderíamos elencar variadas causas desta “guinada”. Poderia ser a intuição

do papa João XXIII, em referência a Pentecostes? Ou a abertura da Igreja ao

mundo, à ciência, ao diálogo? Ou poderia ser tudo isto. Verificamos uma razoável

dificuldade em falar sobre o Espírito. Mas verificamos também que em todas as

línguas clássicas e bíblicas “espírito” tem diversos sentidos.317

Há uma diversidade de modos na compreensão do Espírito. Nos tempos

posteriores ao Vaticano II, destacamos vários estudos sobre o Espírito em relação à

história.318 Em grande parte sobressaem os estudos sobre a Pessoa do Espírito,

como que uma nova redescoberta que a Igreja faz. De modo geral, suscitou grande

número de estudos.319 Com a evolução nos estudos sobre o Espírito foi-se

                                                            312 DTF, p. 266. 313 Id., ibid., p. 265. 314 Id., ibid. 315 Id., ibid., p. 267; cf. também Denz. 377. 316 QUEIRUGA, André Torres. Repensar a revelação: a revelação divina na realização humana. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 33. 317 VTB, p. 293. 318 PERALTA, Pablo. El Espíritu Santo, artesano de un mundo nuevo. La obra: la manifestación del Espíritu de vida en una cultura de la muerte. Soleriana, v. 23, n. 10, dez. 1998, Montevidéu, p. 241-260; COMBLIN, José. O Espírito Santo e a história. Teocomunicação, v. 25, n. 107, mar. 1995, Porto Alegre, p. 55-67; IZQUIERDO, César. El Espíritu Santo en la historia. Dimensión pneumatológica de la teología fundamental. Revista Estudos Trinitarios, v. XXXIX, 2005, Salamanca (Esp), p. 525-542; VAZ, Henrique C. de Lima. O Espírito e o mundo. Grande Sinal, v. 26, n. 1, jan.-fev. 1972, Petrópolis (RJ), p. 5-22. 319 FIORES, Stefano de; MEO, Salvattore. Dicionário de mariologia. São Paulo: Paulus, 1986, p. 445-470; BLANK, Renold Johann. A dinâmica escatológica do Espírito Santo. Revista de Cultura Teológica, ano VI, n. 25, out.-dez. 1998, p. 7-17; MOINGT, Joseph. El Espíritu Santo: El tercero. Selecciones de Teología, v. 42, n. 168, dez. 2003, Barcelona (Esp), p. 319-325; CORTÁZAR, Blanca

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avançando em outras áreas, como na relação do Espírito com a vida espiritual (ou

espiritualidade),320 ou na relação com a Igreja,321 ou ainda na relação com os

sacramentos da Igreja.322

Certo é que há uma redescoberta da fundamental importância do Espírito na

vida da Igreja. Isso aponta para outra direção, já que tal “redespertar” da ação do

ruah divino deveu-se antes de tudo ao retorno à patrística e à Palavra de Deus.

Veremos a seguir, em perspectiva bíblica, como isto se dá.

                                                                                                                                                                                          Castilla y. El nombre propio del Espíritu Santo. Revista Estudos Trinitarios, v. XXXII, 1998, Salamanca (Esp), p. 115-166; VIRGULIN, Stefano. La problemática en torno a la procedencia del Espíritu Santo. Revista Estudos Trinitarios, v. XVII, 1983, Salamanca (Esp), p. 43-65; VIVES, Josep. Creer en Dios, Padre, Hijo y Espíritu Santo. Revista Estudos Trinitarios, v. XVI, 1982, Salamanca (Esp), p. 81-104; GUEMBE, Miguel Ma. Garijo. La pneumatología en la moderna teología ortodoxa. Revista Estudos Trinitarios, v. IX, 1975, Salamanca (Esp), p. 359-383; KLOPPENBURG, Boaventura. O Espírito Santo na Santíssima Trindade. Grande Sinal, v. 26, n. 4, mai. 1972, Petrópolis (RJ), p. 243-248; CORBELLINI, Vital. O Espírito Santo e Basílio. Teocomunicação, v. 28, n. 122, dez. 1998, Porto Alegre, p. 531-543; COMBLIN, José. A teologia do Espírito Santo hoje. Teocomunicação, v. 25, n. 108, jan. 1995, Porto Alegre, p. 273-289; PERALTA, P. El Espíritu Santo, artesano..., op. cit., p. 241-260; MIGUEL, José María de. Dios Padre se revela por Cristo en el Espíritu a los hombres. Revista Estudos Trinitarios, v. XVI, 1982, Salamanca (Esp), p. 427-468; ELENA, Santiago del Cura. Espíritu de Dios, Espíritu de Cristo: una pneumatología trinitaria (217-259). Revista Estudos Trinitarios, vol. XXXIII, 1999, Salamanca (Esp), p. 375-405; CATÃO, Francisco. A teologia do Espírito Santo: novas perspectivas. Revista de Cultura Teológica, v. 17, n. 66, jan.-mar. 1998, São Paulo, p. 93-112. 320 TROCCOLI, Milton. La vida en el Espíritu. Algunas reflexiones. Soleriana, v. 23, n. 10, dez. 1998, Montevidéu, p. 211-240; GOMEZ, Enrique. Seguimento de Jesús en el Espíritu. Acercamiento a la dimensión cristológico-pneumática de la “espiritualidad de lo real”. Revista Estudos Trinitarios, v. XXXIII, 1999, Salamanca (Esp), p. 291-323; CHAPELLE, Albert. A vida no Espírito. Grande Sinal, v. 57, n. 5, set.-out. 2003, Petrópolis (RJ), p. 597-656. 321 Espírito Santo e Igreja ou relacionado a eventos eclesiais: SILANES, Nereo. La pneumatología del Vaticano II. Revista Estudios Trinitarios, v. XVII, 1983, Salamanca (Esp), p. 367-382; CASTILLO, José Ma. Espíritu, Iglesia y comunión. Revista Estudios Trinitarios, v. XX, 1986, Salamanca (Esp), p. 69-86; MIGUEL, José María de. El Espíritu Santo en la Encíclica Dominun et Vivificantem (18-V-1986). Revista Estudios Trinitarios, v. XXII, 1988, Salamanca (Esp), p. 145-165; HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. A Igreja e o Espírito Santo. Teocomunicação, v. 28, n. 119, mar. 1998, Porto Alegre, p. 13-41; MOECH, Olavo. O atuar do Espírito Santo na Igreja. Teocomunicação, v. 28, n. 122, dez. 1998, Porto Alegre, p. 519-530; SILANES, Nereo. Trinidad y revelación en la “Dei Verbum”. Revista Estudios Trinitarios, v. XVII, 1983, Salamanca (Esp), p. 143-214; MIGUEL, J. M. de. El Espíritu Santo..., op. cit., p. 145; LÓPEZ, José Gómez. Trinidad – Eucaristía – Iglesia: un único misterio de comunión. Auriensia, n. 3, dez. 2000, Ourense (Esp), p. 93-112; idem. Evangelización y Espíritu Santo. Anotaciones sobre el tema a la luz da la Evangelli Nuntiandi. Auriensia, n. 1, dez. 1998, Ourense (Esp), p. 37-70; CINTRA, Raimundo. A ação do Espírito Santo nas religiões não-cristãs. Grande Sinal, v. 26, n. 2, mar. 1972, Petrópolis (RJ), p. 83-94; BOFF, Leonardo. A era do Espírito Santo. Grande Sinal, v. 26, n. 10, dez. 1972, Petrópolis (RJ), p. 723-733; idem. A Igreja, sacramento do Espírito Santo. Grande Sinal, v. 26, n. 5, jun. 1972, Petrópolis (RJ), p. 323-336; MANRIQUE, Andres. La pneumatología en torno a Nicea. Revista Estudios Trinitarios, v. VIII, 1974, Salamanca (Esp), p. 375-405; BLASZCZYSZYN, Jakub. Insegnamento pneumatologico di Giovanni Paolo II. Kairós, ano IV/I, v. 4, ed. 1, ed. 32, jan.-jun. 2007, Prainha, p. 45-96. 322 Espírito Santo e Sacramentos: MANRIQUE, A. La pneumatología en torno..., op. cit.; SOUZA, José Antônio Gil. Espírito Santo y Eucaristía. Auriensia, v. -, n. 9, jan.-dez. 2006, Ourense (Esp), p. 27-59; LORIZIO, Giuseppe. La dimensión trinitaria de la revelación. Una reflexión teológico-fundamental a 40 anos de la Dei Verbum. Revista Estudios Trinitarios, v. XLI, 2007, Salamanca (Esp), p. 285-320; MIGUEL, José María de. Presencia del Espíritu Santo en la celebración eucarística. Revista Estudios Trinitarios, v. XXIV, 1990, Salamanca (Esp), p. 141-159. 

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O Espírito é mais conhecido por ruah no “Antigo Testamento323 e que em

hebraico significa sopro”.324 É conhecido também como vento, sopro do ar, força

viva no homem, princípio de vida (respiração), em oposição à carne, não ao

corpo.325 A concepção de sopro é a mais comum a partir do Antigo Testamento,

porém a ideia de “sopro” é também verificada em outras religiões antigas, como no

xamanismo, por exemplo.326 É tal a nitidez da ação do Espírito na literatura

veterotestamentária, que podemos iniciar um exame de suas ocorrências

mencionando Samuel, que se vê sob a ação do sopro de Iahweh (I Sm 10,5-6).327 O

mesmo Espírito noutro texto comunica discernimento e sabedoria a José no Egito

(Gn 41,38).328 Em Moisés reparte com os anciãos seus dons.329 Suscita líderes,

como os juízes Otoniel (Jz 3,10), Gedeão (Jz 6,31) e, mais tarde, unge Saul (I Sm

10,6-13) e a Davi, seu sucessor (I Sm 16,13).330 No tempo dos profetas, as palavras

pronunciadas por estes eram ações do Espírito, especialmente em Isaías (48,16;

61,1) e Ezequiel (2,2).331 É também no Antigo Testamento que se verifica na

“literatura sapiencial a aproximação com o Espírito”.332 De fato há similaridade entre

sabedoria e Espírito. “A Sabedoria procede de Deus, tem função cósmica. Por isso é

semelhante ao Espírito, porque tem caráter de força, de energia interior de

transformação”.333 O Sopro-Espírito de Deus é, na Bíblia hebraica, a ação de Deus.

Para conceder a animação, a vida. E assim conduz seu povo, suscitando heróis,

guerreiros poderosos, reis, líderes, profetas, enfim, sábios.334

No horizonte neotestamentário o termo grego pneuma já é reconhecido, como

a palavra ruah do Antigo Testamento.335 Mas o Novo Testamento continua com as

mesmas concepções do Antigo.336 O Espírito é, porém, entendido como a força de

                                                            323 CONGAR, Y. Creio..., op. cit., v. 1, p. 19-30. 324 HILDEBRANDT, Wilf. Teologia do Espírito de Deus no Antigo Testamento. Santo André (SP): EAC, 2004. Também verificar em CODINA, Victor. “Não extingais o Espírito” (1Ts 5,19): iniciação à pneumatologia. Trad. de P. F. Valério. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 34-44. 325 CONGAR, Y. Creio..., op. cit., v. 1, p. 18. 326 Id., ibid., p. 20. 327 Id., ibid. 328 Id., ibid., p. 21. 329 Id., ibid. 330 Id., ibid., p. 22. 331 Id., ibid., p. 23. 332 Id., ibid., p. 27. 333 Id., ibid. 334 Id., ibid., p. 30. 335 SESBOÜÉ, Bernard. O Espírito sem rosto e sem voz. Aparecida do Norte (SP): Santuário, 2012, p. 10. 336 DEB, p. 485.

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Deus, especialmente em Mateus e Marcos. Ora é uma força sobrenatural, pela qual

Deus, em casos particulares, intervém,337 ora aparece como força santificante e até

como pessoa.338

Outro aspecto que ocorre na literatura neotestamentária e é núcleo

fundamental é a Pessoa de Jesus Cristo. Fica evidente que a forma de compreender

o Espírito no horizonte neotestamentário é o evento Cristo. Podemos dizer que a

partir de Jesus Cristo tornou-se inevitável a unidade Cristo-Espírito. Podemos dizer

que Cristo estará inseparável do Espírito. Nisto vemos a ação do Espírito em Jesus

(cf. Mt 3,11), na sua concepção, por exemplo (cf. Mt 1,20; Lc 1,35). Neste sentido,

Jesus age sempre no Espírito (cf. Lc 4,14). Em João, Jesus promete o Espírito (cf.

14,16 e ss.; 26) e ao mesmo tempo dispõe do mesmo Espírito (cf. Jo 19,30).339

Na literatura do Novo Testamento outro grande evento que vai determinar a

forma de compreender o Espírito é a Páscoa de Jesus. Este evento pascal de Cristo

vai determinar outro olhar sobre o Espírito de Deus. A forma de compreender o

Espírito vai dar uma guinada graças à “centralidade da Páscoa do Senhor”.340 Neste

evento da Páscoa irrompe o Espírito que será dado por Cristo. Não mais o Espírito

sobre Jesus, mas o Espírito de Cristo.341 É este mesmo Espírito que será dado à

Igreja nascente. Sob esta mesma perspectiva, da centralidade da Páscoa, Bruno

Forte vai dizer que o evento da Páscoa revela a história do Espírito, pois foi neste

evento que o Filho ofereceu-se ao Pai na hora da cruz.342

                                                            337 DEB, p. 485. 338 Id., ibid., p. 487. 339 VTB, p. 299-302. 340 MADONIA, Nicolò. Cristo siempre vivo en el Espíritu: fundamentos de cristología pneumatológica. Salamanca (Esp): Secretariado Trinitario, 2006, p. 93. 341 Id., ibid., p. 99. 342 FORTE, B. A Trindade como História..., op. cit, p. 112.

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3. A RELAÇÃO PALAVRA-ESPÍRITO COM BASE NOS TEXTO DA DEI VERBUM

Antes de adentrarmos no tema da relação entre Palavra e Espírito no

documento da Dei Verbum, recordamos a título prévio um documento mais recente,

a Verbum Domini. Este documento, fruto do trabalho dos bispos sobre a Palavra de

Deus, reconhece a relevância da interação entre a Palavra e o Espírito. Diz a

Verbum Domini: do mesmo modo, confessamos, que Deus comunicou a sua Palavra

na história da salvação, fez ouvir a sua voz, com a força do seu Espírito.343 A

urgência do retorno à centralidade da Palavra de Deus exigiu da Igreja uma nova

tomada de posição. Ademais, não é possível a compreensão exata e fiel da Palavra

de Deus sem o auxílio do Espírito: de fato, não é possível uma compreensão

autêntica da revelação cristã fora da ação do Paráclito.344 Isto é uma consequência,

continua a exortação apostólica, pois isto se deve ao fato de a comunicação que

Deus faz de Si mesmo implicar sempre a relação entre o Filho e o Espírito Santo.345

Olhando agora o nosso documento objeto de estudo, a Dei Verbum, podemos

caracterizá-la como cristológica,346 talvez por sua finalidade.347 Sendo Constituição

Dogmática, tem bases para uma doutrina da revelação e por isto é centrada mais

em Cristo que no Espírito. Do ponto de vista da teologia trinitária, Cristo é a Palavra.

A Palavra é o verbo de Deus, Jesus Cristo. No sentido amplo, quando dizemos

Palavra, queremos dizer Cristo. Cristo e Palavra são uma mesma e única Pessoa.

A Dei Verbum expressa claramente que a revelação divina é a Palavra de

Deus em Jesus Cristo. Esta Palavra de Deus é Jesus Cristo, o Verbo encarnado

(DV, 2). Se a Dei Verbum tem como característica ser cristológica, pode ser

dificultoso fazer nesta a demonstração da relação entre Palavra e Espírito.

Observando mais detalhadamente, porém, acabamos por identificar nas poucas

referências ao Espírito Santo, uma sutil relação entre Palavra e Espírito. Certamente

que, nas 25 referências ao Espírito Santo na Dei Verbum, nem todas correspondem

                                                            343 VD, p. 18. 344 Id., ibid., p. 34. 345 Id., ibid., p. 35-37. 346 ComDV, p. 127. 347 DV, 1. Por isso, segundo os Concílios Tridentino e Vaticano I, entende-se propor a genuína doutrina sobre a revelação divina e a sua transmissão.

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à relação entre as pessoas divinas. Por aí, seria inviável o estudo da Dei Verbum,

pela escassa referência ao Espírito Santo.

No horizonte da Dei Verbum, porém, a relação entre Palavra e Espírito só

pode estar associada ao contexto de teologia da revelação. A referência ao Espírito

Santo na Dei Verbum prende-se, sobretudo, à convicção de que a revelação é uma

ação conjunta do Cristo e do Espírito. Não seria possível pensar a revelação cristã

sem a ação conjunta das duas pessoas divinas. Congar diz que o “Deus da Bíblia

nunca se dá a conhecer nem age, a não ser na ação conjunta da sua palavra e do

seu sopro, do seu Verbo (encarnado) e do seu Espírito (comunicado)”.348

Ousamos dizer que há na Dei Verbum certa “fraqueza” pela escassez de

referência ao Espírito, que é, ao mesmo tempo, sua maior riqueza. Lembramos São

Paulo: “é na fraqueza que temos a força”349 (2 Cor. 12,10). É na fraqueza da Dei

Verbum que está sua força: sendo marcadamente cristológica, sem ser

cristomonista, ela presta-se a uma análise pneumatológica e, simultaneamente,

identificamos suas “limitações” e descobrimos sua força. De modo geral, o que é

central na Dei Verbum é Jesus Cristo. O centro é Cristo, mas com o Espírito.

Vejamos como se dá essa relação entre a Palavra e o Espírito na Dei Verbum e se

este trabalho contribui para a unidade entre a cristologia e pneumatologia. Assim,

serão fundamentais o aspecto bíblico da relação entre Palavra e Espírito e os

aspectos históricos. E, enfim, o contexto redacional em que são feitas as referências

ao Espírito Santo na Dei Verbum.

3.1. Relação Palavra-Espírito numa perspectiva bíblica

No tocante à Bíblia, a relação entre Palavra e Espírito pode iniciar com Deus

mesmo, “pois Deus na Escritura é o Pai. A Palavra no Antigo Testamento350 é a

Palavra de Deus, isto é, do Pai. O Espírito é o Espírito de Deus, isto é, do Pai.

                                                            348 CONGAR, Yves. A palavra e o Espírito. São Paulo: Loyola, 1989, p. 7. Ver também LOEHER, M.; FEINER, J. Mysterium Salutis III/8..., op. cit., p. 7. Ali encontramos: só entramos em relação com Cristo por intermédio de seu Espírito. Cf. também a p. 9 da mesma obra. 349 Cf. 2 Cor 12,10. Diz o texto: “Pois, quando sou fraco, então sou forte”. 350 Para uma maior e melhor consistência no Antigo Testamento, cf. HILDEBRANDT, W. Teologia do Espírito..., op. cit. Também verificar CODINA, V. “Não extingais...”, op. cit., p. 34-44; CONGAR, Y. Creio..., op. cit., v. 1, p. 17-30.

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Ambos saem da boca de Deus”,351 e, em se tratando de Antigo Testamento, a boca

é o órgão da palavra e também do sopro.352 Não são mera coincidência as

referências à Palavra e ao Sopro de Deus. No princípio, o Sopro paira sobre a

criação que Deus realiza dizendo: pela Palavra (Gn 1,2 e ss.). De forma similar,

encontramos a unidade Palavra-Espírito nos profetas, e, por isto, “Espírito e Palavra

estão especialmente unidos nos eventos proféticos: profetizar envolve uma ação do

Espírito (Jl 3.1)”.353 No mesmo sentido encontramos a “Sabedoria”, que também sai

da boca do Altíssimo (Eclo 24,3).354

O Novo Testamento355 tem as mesmas impressões do Antigo. No Novo

Testamento encontramos o “Espírito e a Palavra unidos em vários momentos, antes

de tudo nos Sinóticos”,356 como vemos pelo batismo de Jesus (Mt 3,16-17; Mc

1,110-11). Ou em Lucas, que diz: “Tu és meu Filho amado...” (Lc 3,22). Já no quarto

evangelho há um estreito “vínculo entre a Palavra e o Espírito: água viva (Jo 4,10);

as palavras que vos disse são espírito e vida (Jo 6,63). Em João a Palavra e o

Espírito sempre são a partir do Pai”.357

Além dos evangelhos, encontramos essa unidade entre Palavra e Espírito, no

“ministério dos apóstolos que mostram sempre o Espírito acompanhando a

palavra”358 (Gl 3, 2, 5, 14; Ef 1,13). Não é tarefa difícil levantar amostras da unidade

entre Palavra e Espírito no Novo Testamento, ocasiões em que, em síntese,

verificamos que, quando o “Espírito age, existe palavra. E só com Ele existe palavra

eficaz de salvação”.359 O que afirmamos anteriormente, sobretudo o que nos falam

as “Escrituras, do Gênesis ao Apocalipse, de seu primeiro versículo até o último, dá

testemunho da associação do Espírito e da Palavra”.360

                                                            351 CONGAR, Y. A palavra..., op. cit., p. 25. 352 Id., ibid. 353 Id., ibid., p. 26. 354 Id., ibid., p. 27. 355 Outras literaturas no Novo Testamento: CODINA, V. “Não extingais o Espírito”..., op. cit., p. 44-73; CONGAR, Y. Creio no Espírito Santo, v. 1, op. cit., p. 31-90; MADONIA, N. Cristo siempre vivo..., op. cit., p. 21-107. 356 Id., ibid., p. 27. 357 Id., ibid., p. 29. 358 Id., ibid. 359 Id., ibid., p. 30. 360 Id., ibid.

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3.2. Alguns aspectos históricos da relação Palavra-Espírito

O Concílio de Constantinopla (381 d.C.) é importante para a definição da

Igreja sobre a divindade do Espírito, e o é também para nosso trabalho: nesse

evento conciliar a Igreja responde oficialmente à controvérsia acerca da divindade

do Espírito Santo, após longos debates361 sobre a divindade de Cristo, que, em

Niceia (325 d.C.), teria sua divindade afirmada. Em Constantinopla a Igreja

reconhece a divindade do Espírito. Este Concílio é ponto de chegada!

A controvérsia sobre a divindade do Espírito contribuiu para o progresso da

reflexão da relação entre a Palavra e o Espírito, pois, após Niceia, foram aparecendo

outros debates que punham em dúvida a divindade do Espírito. Até meados do

quarto século (350), a divindade do Espírito Santo não havia sido posta em questão.

“Não havia um discurso formal reconhecido pela Igreja sobre a personalidade do

Espírito Santo.”362 A disputa sobre sua divindade e a posição oficial da Igreja viria

somente em Constantinopla (381), mas aquela acerca da divindade do Espírito havia

começado lá pelo ano de 360. Tinham surgido dúvidas sobre este ponto,

disseminadas pela Ásia Menor e parte da África (Egito) e especialmente em

Constantinopla. Punha-se em dúvida a divindade do Espírito Santo a reboque da

afirmação de Ário (250-336) de que Cristo era criado, e não consubstancial a Deus

Pai. Os “trópicos” já afirmavam a não divindade do Espírito Santo. Alegavam não

encontrar nas Escrituras a comprovação de sua geração, como está clara a geração

do Filho. Os trópicos eram fiéis cristãos de Serapião, bispo de Thmuis, no Delta do

Nilo,363 e diziam que, se o Espírito Santo for divino, ou é gerado pelo Pai, sendo

então irmão de Jesus, ou, se for gerado pelo Filho, o Pai é seu avô.364

Foi necessária a refutação desse pensamento. Do Oriente surgiram Atanásio

e Basílio de Cesareia, e do Ocidente, Hilário de Poitiers. Foram os maiores

expoentes contrários à heresia de Macedônio e os pneumatômacos.365 Macedônio,

arcebispo de Constantinopla pregava que o Espírito Santo era criatura de Cristo,

assim como Cristo era criatura do Pai, segundo Ário. Portanto, o Espírito é inferior ao

                                                            361 Refiro-me aos grandes debates acerca da divindade de Cristo, que foram travados mais intensamente nos cem anos anteriores e que foram tratados oficialmente no Concílio de Niceia (351). 362 SESBOÜÉ, Bernard (org.). O Deus da salvação, v. I. São Paulo: Loyola, 2002, p. 227. 363 Id., ibid., p. 228. 364 Id., ibid. 365 ALBERIGO, Giuseppe (org.). História dos concílios ecumênicos. São Paulo: Paulus, 2005, p. 67. 

  82

Filho e mais ainda ao Pai. A este arcebispo de Constantinopla e seus seguidores foi

dado o nome de macedonianos ou de pneumatômacos, defensores do pensamento

de Macedônio. Mais tarde, porém, os discípulos de Macedônio, foram denominados

“pneumatômacos”, combatentes inimigos do Espírito Santo, por seu extremismo

contra sua divindade.

Os debates em torno da divindade do Espírito são relevantes para o objetivo

deste trabalho, pois constituem o ponto de chegada depois de longo tempo de

debates sobre a Trindade. Não seria possível pensar uma reflexão sobre a relação

entre Palavra e Espírito sem considerar a evolução acerca da divindade do Espírito.

Portanto, os debates em torno da divindade de Cristo e a subsequente afirmação do

Espírito em Constantinopla são primordiais para uma elaboração consistente da

relação entre as duas pessoas divinas, sendo preciso um Concílio.366 Teodósio o

convoca para dissipar as heresias em seu império.367 Por isso o Concílio de 381

completou Niceia no que concerne à divindade do Espírito. Não chega a dizer que o

Espírito é Deus ou consubstancial ao Pai e ao Filho, mas diz: “Senhor que dá a vida,

e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado”.368

Quando dizemos relação entre Palavra e Espírito na Dei Verbum, não se trata

em princípio da relação das duas pessoas divinas no seio da Trindade. Nosso

trabalho agora não busca uma reflexão que aborde a relação das pessoas divinas

em sua vida intradivina, mas especificamente, a partir da encarnação, que é o que

nossa pesquisa aponta na Dei Verbum. Evidentemente não se trata de

desconsiderar o “antes” da encarnação da Palavra,369 mas nosso foco restringe-se

ao que consta da Dei Verbum, que é a teologia da revelação. E revelação quer dizer

a autocomunicação de Deus, isto é, a revelação de Deus que se faz ad extra, em

nossa história, em nossa vida humana.

A reflexão sobre a relação Palavra-Espírito não é tão atual. Na Bíblia370

encontramos suas raízes, e o Vaticano II de certo modo resgatou sua relevância.

                                                            366 ALBERIGO, G. História dos concílios..., op. cit., p. 104. O Concílio citado é o de Constantinopla (381 d.C.). 367 As heresias formuladas pelos macedônios e os pneumatômacos. 368 Id., ibid.; cf. Denz. 150. 369 Verbum Domini, n. 6. Nesta exortação sobre a Palavra de Deus, reconhece-se evidentemente que o Verbo de Deus é preexistente a sua encarnação. Diz o texto: o Verbo preexiste à criação. E, portanto, no coração da vida divina, há a comunhão, há o dom absoluto. 370 Artigos bem interessantes sobre o Espírito Santo na Bíblia: MARTÍNEZ, Daniel. El artesano: el Espíritu Santo en la Bíblia. Soleriana, v. 23, n. 10, dez. 1998, Montevidéu, p. 145-171; CARMONA, A.

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Podemos citar, por exemplo, a referência às pessoas divinas nas quatro

constituições, SC, DV, LG, GS.371 Após o término do Concílio (8/12/1965), foram

desenvolvidos significativos estudos sobre a relação entre Cristo e o Espírito.372

Pontualmente, o Vaticano II imprimiu uma renovada reflexão sobre a relação entre

Cristo e o Espírito, rompendo com o pensamento pré-conciliar do “cristomonismo,

inaugurando uma nova reflexão mais cristocêntrica”,373 e assim associando o Cristo

ao Espírito.

Houve tentativas de elaboração dessa relação entre Cristo e o Espírito,

assumindo vários nomes: “Espírito-cristologia, ou cristologia no horizonte do Espírito,

ou ainda cristologia pneumática, ou simplesmente cristologia espiritual”.374 Tais

pontos de vista buscavam elaborar teologicamente a relação entre Cristo e o

Espírito. Na patrística falava-se de uma cristologia do Espírito,375 ainda que fosse um

tema complexo para aquela época.376 Os padres dos primeiros quatro séculos

configuraram várias maneiras de conceber a relação Cristo-Espírito. Inicialmente

Clemente, Ignácio de Antioquia, Pastor de Hermas e Justino tinham uma

compreensão arcaica377 da relação Cristo-Espírito, entendendo o Espírito como um

“elemento divino preexistente de Cristo. Desta forma há certa confusão entre Cristo

                                                                                                                                                                                          Rodríguez. El Evangelio del Espíritu Santo. Proyección, v. 45, n. 189, abr.-jun. 1998, Granada (Esp), p. 123-138; GUIMARÃES, Almir Ribeiro. O Espírito Santo no Novo Testamento. Grande Sinal, v. 27, n. 5, jul. 1973, Petrópolis (RJ), p. 335-351; idem. O Espírito Santo no Antigo Testamento. Grande Sinal, v. 26, n. 3, abr. 1972, Petrópolis (RJ), p. 163-170. 371 Ali na Lumem Gentium encontramos a afirmação de que o sagrado Concílio é congregado no Espírito Santo (LG 1); noutro lugar, o Espírito santifica a Igreja (LG 4). Nesta constituição o Espírito Santo aparece cerca de 70 vezes. Na constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje, a Gautium et Spes, encontramos 35 referências ao Espírito Santo; reconhece a comunidade de Cristo reunida pelo Espírito Santo (GS 1) e que a Igreja no mundo é conduzida pelo próprio Espírito (GS 3). Das Constituições, porém, a Sacrosanctum Concilium é a que menos referência faz ao Espírito. 372 Podemos elencar uma grande variedade de trabalhos sobre o tema da relação entre Cristo e o Espírito no tempo do pós-Vaticano II, mas preferimos os assinalados a seguir. São vários os artigos que tratam sobre o Espírito Santo e Jesus: GRANADO, Carmelo. Cristo y el Espíritu. Proyección, v. 45, n. 189, abr.-jun. 1998, Granada (Esp), p. 91-108; HAMMES, Érico João. O Espírito Santo e Jesus. Teocomunicação, v. 32, n. 138, dez. 2002, Porto Alegre, p. 659-683; PIKAZA, Xabier. Hijo eterno y Espíritu de Dios. Preexistencia de Jesús, concepción virginal, persona del Espíritu. Salamanca (Esp): Secretariado Trinitario, 1987; idem. El Espíritu Santo y Jesús: delimitación del Espíritu Santo y relaciones entre pneumatología y cristología. Salamanca (Esp): Secretariado Trinitario, 1982; SANTANA, Luiz Fernando Ribeiro. O Espírito Santo na vida de Jesus. Por uma cristologia pneumática. Atualidade Teológica, a. XIV, n. 36, set.-dez. 2000, Rio de Janeiro, p. 265-292; ELENA, S. del C. Espíritu de Dios..., op. cit., p. 375-405, 1999. 373 HAMMES, É. J. O Espírito Santo..., op. cit., n. 138, dez. 2002, p. 659. Congar diz que a reflexão inaugurada pelo Vaticano II da relação entre Palavra e Espírito de certa forma ameniza os danos e os riscos de um cristomonismo, mas também de um pneumatocentrismo (CONGAR, Y. A palavra e o Espírito..., op. cit., p. 8). 374 Id., ibid., p. 660. 375 Id., ibid., p. 661. 376 MADONIA, N. Cristo siempre vivo..., op. cit., p. 107. 377 MADONIA, N. Cristo siempre vivo..., op. cit., p. 112.

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e o Espírito”.378 Depois, em Irineu, Hipólito e Tertuliano, há uma evolução, porém

persiste uma oposição entre “carne e espírito e suas derivações de caráter

antropológico. Mas aqui o Espírito já vai adquirir a concepção de Pessoa trinitária”379

Após isso já se alcança a concepção de “logos”. Desta concepção do logos fazem

parte Clemente de Alexandria, Orígenes, Atanásio e Hilário.380 Somente com Basílio,

podemos pensar numa “teologia do Espírito, porque há um aprofundamento da

divindade do Espírito”.381

Mais tarde, já na época medieval, não se pode comparar o pensamento então

atingido com o da época anterior, com sua maior profundidade e plenitude, devido a

certa decadência na reflexão sobre o Espírito Santo.382

3.3. A relação Palavra-Espírito com base nas referências ao Espírito no texto

da Dei Verbum

No texto da Dei Verbum ocorre 25 vezes a referência ao Espírito. É com base

nestas referências que podemos elaborar as grandes linhas de reflexão sobre a

relação entre Palavra e Espírito, que, em síntese, podemos agrupar em quatro:

A) 1ª Linha de reflexão: Cristo no Espírito, tem-se acesso ao Pai (DV 2).

Entendemos que por duas Pessoas divinas, Cristo e Espírito, chegamos à

plenitude da comunhão trinitária. Ora, só podemos alcançar esta comunhão se nos

deparamos com as três Pessoas divinas: o Filho, o Espírito e o Pai. Caso contrário,

não haverá uma comunhão trinitária. Disto nos fala o texto da Dei Verbum. Em

Cristo e no Espírito certamente seremos introduzidos na comunhão trinitária. São

Basílio já indicava a fé nas três pessoas divinas quando numa celebração usa a

                                                            378 Id., ibid. 379 Id., ibid. 380 Id., ibid. 381 Id., ibid. 382 SCHÜTZ, Christian. Introducción a la pneumatología. Salamanca (Esp): Secretariado Trinitário, 1991, p. 101.

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fórmula batismal: “Ao Pai, pelo Filho, no Espírito”.383 Podemos dizer que esta

fórmula de fé na Trindade já era professada nas comunidades cristãs e na

comunidade de Basílio. Esta comunhão na vida trinitária também encontra sua base

na Sagrada Escritura (cf. 1 Jo 1, 2-3). Noutro momento, a Dei Verbum deixa clara a

vontade de Deus, isto é, que tenhamos a comunhão em Deus:

“na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos (cf. Ex 33, 11; Jo 15 1415) e convive com eles (cf. Bar 3,38), para convidá-los e admitir à comunhão com Ele” (DV, 2).

A “comunhão” é relevante na Dei Verbum, pois caracteriza essencialmente a

riqueza deste documento, tanto quanto o próprio Concílio, que é realizado em vista e

por causa da comunhão. Evidentemente que a Dei Verbum e o Concílio Vaticano II

são um reflexo desta comunhão entre as Pessoas divinas. Boff manifestou esta

perspectiva quando falou de um Deus de comunhão, a tal ponto afirmando

reconhecer que no “princípio está a comunhão”.384 Esta perspectiva de um Deus da

comunhão encontra seu perfeito significado nos termos “pericórese”, “circun-

incessão”, “circum-insessão”,385 que, todos os três, expressam bem o que significa

um Deus de comunhão.

B) 2ª Linha de reflexão: O Espírito e a inspiração: o hagiógrafo e as Escrituras (DV,

7, 9, 11, 20).

Das diversas linhas de reflexão, o tema da inspiração, juntamente com o da

tradição, foi o que mais gerou tensões durante o debate sobre a revelação divina.

Esse tema constitui uma das referências mais claras e insistentes na Dei Verbum.

Codina, em sua obra de iniciação à pneumatologia, explica que o Espírito é aquele

que inspirou as Escrituras, os profetas e também os escritores sagrados,386 e é por

isso que há certamente uma conexão íntima entre Escrituras, seus escritores e o

modo pelo qual lemos a Bíblia.387

                                                            383 MADONIA, N. Cristo siempre vivo..., op. cit., p. 171-174. Cf. também CONGAR, Y. Creio..., op. cit., v. 1, p. 103. 384 BOFF, L. A Santíssima Trindade é..., op. cit., p. 21. 385 Id., ibid. Cf. também DCT, p. 397-406, sobre o termo “comunhão”. 386 CODINA, V. “Não extingais...”, op. cit., p. 35. 387 CODINA, V. “Não extingais...”, op. cit., p. 35. Diz o texto que, conforme os padres – Orígenes, entre outros –, as Escrituras devem ser lidas sob a inspiração do mesmo Espírito que as fez surgir. Ainda na mesma obra: todas as escrituras estão plenas do Espírito; e não é possível entendê-las sem

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A temática da inspiração passou por um longo processo de evolução388 até

chegar à Dei Verbum. Sua primeira aparição oficial foi no Concílio de Florença.389 No

início do cristianismo não se faziam questionamentos sobre os textos das Sagradas

Escrituras, se eram ou não de origem divina. O tema da inspiração foi crucial para

salvaguardar a origem divina das Escrituras Sagradas.

O tema da inspiração é cercado de controvérsias, e nem sempre é tão fácil de

expô-lo com clareza. O Vaticano II já reconhecia efetivamente a inspiração como

fundamento da equação Bíblia = Palavra de Deus.390 Para chegar até ali, porém, a

reflexão sobre o tema da inspiração percorreu um longo caminho. Do ponto de vista

do judaísmo, já se entendiam as Sagradas Escrituras como inspiradas por Deus;391

nos profetas e por eles, já era evidente a aceitação da inspiração.392 É com base

neste mesmo ponto de vista que os santos padres começam a estruturar seu

pensamento, mesmo sendo na época patrística que se começa a veicular a

expressão “ditado”.393 Nos tempos da patrística já se intensificava uma profunda

“relação entre Palavra de Deus, a palavra humana e Deus que inspira o escritor

humano”.394 De certo modo, os padres no cristianismo nascente vão acabar

afirmando que o escritor sagrado é “instrumento” de Deus.

Lá pelos limites da Idade Média, Santo Tomás diz: “o autor principal da

Sagrada Escritura é o Espírito Santo, e o homem é seu autor instrumental”.395 No

Concílio de Trento houve tentativas pontuais de retomada da reflexão sobre a

inspiração,396 e só no século XVII podemos dizer que novas luzes seriam lançadas

sobre esse tema. De lá até o Vaticano I, não houve grandes progressos. Somente

com o advento do Concílio Vaticano I, já no século XIX, publicações promissoras

são lançadas acerca da inspiração, reafirmando a origem divinamente inspirada da

                                                                                                                                                                                          a ajuda do Espírito. “O Espírito é aquele que acompanha a Palavra, é a boca de Deus que antecipa e anuncia a Palavra.” 388 BOFF, L. Conceitos de inspiração ao tempo do Vaticano II. REB, v. 23, fasc. 1, mar. 1963, p. 104-121. Vale a pena ler o texto sugerido, ainda que publicado pouco antes do Vaticano II. Ele aborda a natureza da inspiração (cf. TOBIAS, José Antônio. Natureza da inspiração. São Paulo: Herder, 1961; ARENS, E. A Bíblia sem..., op. cit., p. 237-272). 389 Denz. 1334. 390 MANNUCCI, V. Bíblia palavra..., op. cit., p. 139. 391 Id., ibid., p. 158. 392 ARTOLA, A. M. A Bíblia..., op. cit., p. 185. 393 Id., ibid., p. 188. 394 MANNUCCI, V. Bíblia palavra..., op. cit., p. 161. 395 Id., ibid., p. 167. 396 Id., ibid., p. 173.

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Escritura.397 Por esse século, o papa Leão XII publica a Encíclica Providentissimus

Deus, o primeiro documento do Magistério ordinário que tenta uma descrição da

natureza da inspiração.398 É um marco nesses estudos. Mais tarde, em

consequência dos debates sobre a inspiração, é publicado outro importante

documento oficial da Igreja, a Encíclica Spiritus Paraclitus do papa Bento XV (1920),

assumindo a mesma perspectiva da encíclica de Leão XIII.399 Mas é com outra

encíclica, a Divino Afflante Spiritu, de Pio XII (1943), que se ratificam de fato e de

vez os progressos nos estudos em torno da inspiração. Esta encíclica tornou-se

referência para grande parte dos exegetas, por suas orientações acerca da Sagrada

Escritura.

O Vaticano II retoma o tema da inspiração como forma de reconhecer a

origem divina das Escrituras. Esse tema é uma importante contribuição para a

compreensão da unidade entre cristologia e pneumatologia, porque reconhece ser

Palavra divina somente a que é inspirada pelo Espírito Santo.400

Numa perspectiva bíblica, tanto o Antigo como o Novo Israel já consideravam

a Palavra de Deus não apenas a revelação (história e palavra), mas também a sua

notícia escrita, o Livro Sagrado,401 levando-se em conta o Antigo Testamento

(especialmente a Torá). Israel sempre a considerou como divina, porque lhe foi dada

por Deus por intermédio de Moisés no “pacto sinaítico”.402

No Novo Testamento, para Jesus e a Igreja primitiva, a Palavra escrita não

podia ser anulada (cf. Jo 10,35).403 Nos evangelhos, reconhecemos em Jesus a

revelação definitiva de Deus. Por isso, a Boa Nova de Jesus é verdadeiramente a

Palavra de Deus,404 e isto se verifica também nas pregações dos apóstolos, tanto

quanto nos escritos apostólicos.405

Pondo, entretanto, o olhar na trajetória de como a Igreja tratava o tema da

inspiração,406 de imediato podemos afirmar, mesmo superficialmente, que a teologia,

                                                            397 MANNUCCI, V. Bíblia palavra..., op. cit., p. 175. 398 Id., ibid., p. 177. 399 Id., ibid. 400 A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus enquanto escrita por inspiração do Espírito Santo (DV, 9). 401 MANNUCCI, V. Bíblia palavra..., op. cit., p. 127. 402 Id., ibid., p. 128. 403 Id., ibid., p. 133. 404 Id., ibid., p. 136. 405 Id., ibid., p. 137. 406 ARENS, E. A Bíblia sem..., op. cit., p. 237-285.

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até o Vaticano II, falhou quanto ao silêncio na reflexão sobre a função do Espírito e

que a própria teologia deveria ter posto em evidência a influência pessoal exercida

por ele.407 Pois o tema da inspiração é bem mais amplo do que imaginamos. É

possível pensar esse “fenômeno” até fora das tradições cristãs. Podemos

reconhecer em outras tradições religiosas as Escrituras Sagradas inspiradas pelo

Espírito Santo.408 A inspiração está presente em diversas denominações religiosas

não cristãs, e permite refletir sobre ela de forma mais encantadora, embora talvez

menos apaixonada, por não possuirmos a exclusividade. Mas o que nos importa é a

inspiração em relação à Palavra de Deus, por sua importância em nossa vida cristã,

sendo a Sagrada Escritura um elemento constitutivo do mistério da Igreja reunida na

Palavra de Deus.409

C) 3ª Linha de reflexão: O Cristo ressuscitado envia o Espírito de verdade (DV, 4, 6,

11, 17,19)

Outra reflexão importante sobre a relação entre Cristo e o Espírito é quando

tratamos do evento da ressurreição de Cristo e o envio do Espírito da verdade410. Há

uma intrincada associação entre as duas Pessoas divinas na ressurreição, com uma

sutil diferença na relação entre Cristo e o Espírito antes e depois da ressurreição.

Durante a vida “terrena” de Jesus, ele é conduzido pelo Espírito: é concebido,411 é

ungido no batismo,412 é levado ao deserto,413 inicia a missão pelo Espírito.414 Após a

sua ressurreição, entretanto, há certa inversão: passa a ser Cristo quem doa o

Espírito e o entrega aos discípulos e à comunidade.415

O Espírito que o Cristo agora ressuscitado dá é o mesmo que o conduziu em

sua vida terrena. Na ressurreição de Cristo situa-se evidentemente o “centro e o

vértice da unidade entre Cristo e o Espírito ou a cristologia pneumatológica, sendo a

                                                            407 DTF, p. 123. 408 Id., ibid. 409 Id., ibid. 410 ARENS, E. A Bíblia sem..., op. cit., p. 213-237. 411 Cf. Lc 1,35. 412 Cf. Lc 3,21-22. 413 Cf. Lc 4,1-2. 414 Cf. Lc 4,16 e ss. 415 Cf. Jo 20, 22-23.

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Páscoa o seu núcleo”.416 Somente após a ressurreição de Cristo será possível o

envio do outro paráclito, porque, livre da morte e de suas amarras, é que se tornará

possível “doar o Espírito”.417 O ressuscitado envia o Espírito da verdade. Envia o

mesmo Espírito que enquanto em vida (terrena) conduzia Jesus. Deste modo, só o

ressuscitado pode dar o Espírito da verdade. Há aqui uma conexão profunda e

misteriosa. A verdade do Espírito adquire um sentido pedagógico: está ligada

intimamente à preservação da memória do Cristo.418

João (o evangelista) é mais claro quanto à referência ao Espírito, quando se

trata da verdade. O outro paráclito (o Espírito) cuidará de manter o que Jesus

anunciou (palavras e gestos). Neste sentido, a verdade está vinculada

essencialmente ao “ensino, que está relacionado à revelação. Desse modo, o

Espírito exerce uma função docente, de recordar. É um ensino interior, uma

iluminação das palavras de Jesus para o pleno entendimento de sua pessoa e

obras”,419 pois a obra do Espírito não é outra coisa senão a continuação, o

prosseguimento da “obra de Jesus”.420

A verdade é um tema delicado para o evangelho e para a Igreja. Não foi e não

é tarefa simples a sua abordagem. Nunca se imaginou pensar que o que está na

Bíblia fosse outra coisa senão a plena verdade. Questionamentos e interrogações

sobre a verdade, enquanto objeto de investigação, não passavam nos horizontes da

fé. Jesus em pleno julgamento, antes de sua crucifixão, havia sido interrogado por

Pilatos sobre o que é a verdade (cf. Jo 18,38). Ele próprio (Jesus) já anunciava ter

nascido e vindo para dar testemunho da verdade (cf. Jo 18,37). O Espírito não

poderia ter outra tarefa, a não ser a mesma de Jesus, isto é, preservar a verdade

anunciada por ele. Por isso, o Espírito continuará a missão de Jesus.

Até nos limites da Idade Média, tudo era pacificamente aceitável quanto à

verdade bíblica. Não se punha em xeque a verdade emanada da Bíblia ou do que

Jesus dissera. É nos tempos da idade moderna, porém, com o advento do

racionalismo, das ciências empíricas e do caso Galileu, por causa da defesa do

geocentrismo,421 que se ousa questionar sobre a verdade bíblica. A “verdade”

emanada da Bíblia encontra suas interrogações. Por ali haveria de abrir-se uma

                                                            416 MADONIA, N. Cristo siempre vivo..., op. cit., p. 33. 417 Id., ibid., p. 39. 418 Id., ibid., p. 82. 419 Id., ibid. 420 Id., ibid., p. 87. 421 MANNUCCI, V. Bíblia Palavra..., op. cit., p. 280.

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nova reflexão, e, na esteira do tema da inspiração, a Igreja proporia falar da

“inerrância”, declarando que na Bíblia não há erro,422 posição que mais tarde, no

Vaticano I, seria abandonada.423

Foi somente nos limites da contemporaneidade, com o papa Leão XIII, que se

iniciou oficialmente uma resposta mais incisiva sobre os questionamentos da

modernidade acerca da verdade, e, a partir do Vaticano I e a Providentissimus Deus,

se buscaria responder a isso com maior clareza.

É na Dei Verbum que se abordará maduramente o tema da verdade, com

lucidez, esclarecendo-o mais precisamente. A verdade está essencialmente (cf. DV,

6, 11) ligada à salvação dos homens. É verdade por estar em relação com a

salvação dos seres humanos, e não em relação com a ciência ou com a história.

D) 4ª Linha de reflexão: O Espírito assiste a Tradição dada por Cristo (DV, 8, 9, 10,

20, 23)

Essa linha de reflexão reconhece no Espírito aquele que assiste a Tradição

dada por Cristo.424 Chama-nos a atenção a reflexão sobre a transmissão da

revelação (cf. DV, 2). A questão de fato é que “Deus quer que todos os homens

sejam salvos e que também Deus quer que a revelação de seus planos de salvação

chegue a todos”.425 Por isso, a questão é “delicada”, pois esbarra em assuntos como

“o ato de transmitir a revelação, o sujeito que transmitirá a revelação e, ainda, o

objeto e o meio da revelação”.426 A Igreja, em relação ao tema da Tradição, sempre

teve um especial cuidado, isto é, sempre zelou para que se assegurasse que a

transmissão da revelação permanecesse íntegra desde sua origem. Portanto, quem

garantirá a fidelidade da Tradição é mesmo o Espírito Santo.

Em Santo Hipólito já se tinha a convicção da presença do Espírito junto à

Tradição427 entregue por Cristo, de que Ele (o Espírito) está presente como que

                                                            422 RDV, p. 57. 423 Id., ibid., p. 58. 424 Para maiores detalhes da Tradição do ponto de vista bíblico e depois, a partir dos apóstolos, cf. ComDV, p. 231-239; cf. também ARENS, E. A Bíblia..., op. cit., p. 349-361. 425 RDV, p. 49. 426 ComDV, p. 277-288. 427 Sobre os debates no Concílio Vaticano II, e os trabalhos nas “crônicas das Congregações Gerais”, verificar KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II..., op. cit., v. 3, p. 93-124; cf. também ComDV, p. 244-250; para a leitura de cunho mais pastoral, ver LIBANIO, J. B. Crer num mundo de muitas crenças e pouca libertação. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 121-129. Para o tema da Tradição em

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“garantindo a conservação da Tradição”.428 Outro padre da Igreja, Santo Irineu,

contava que São Policarpo (seu mestre) dizia: “ele ensinou somente o que aprendeu

dos apóstolos, o que a Igreja transmitiu e o que é unicamente verdadeiro”.429 Mais

tarde encontramos São Gregório de Nissa, que diz: “temos como garantia mais que

suficiente da verdade de nosso ensinamento a tradição, isto é, a verdade vinda até

nós desde os apóstolos, por sucessão, como uma herança”.430

No contexto bíblico,431 encontramos Cristo, que manda seus apóstolos a fazer

discípulos batizando em nome da Trindade,432 e ainda pede que cumpram tudo o

que ensinou (a Tradição). A garantia de que tudo isso será possível é que o próprio

Cristo (no Espírito) estará conosco até a consumação dos tempos.433 No quarto

evangelho encontramos a certeza de que o próprio Jesus assegurará a presença do

Espírito em sua ausência (física), já que era iminente sua partida.434 Jesus deixará a

companhia (física) de seus discípulos, mas por meio do Espírito continuará a missão

do Pai.435 Jesus “delega” ao Espírito a condução dos discípulos a toda a verdade.436

Se olharmos para o termo “assistência”,437 veremos que este termo não nos é

ignorado. Muito pelo contrário, o termo “assistência” é bem conhecido, tem forte

penetração social, pois na sociedade já é comum seu uso em sentidos como

assistência social, assistência técnica, assistência médica. O termo “assistência” em

nossa linguagem tem conotação de estar ao lado de, para assistir quando for

necessário. Embora seja feminino, gera “assistente”, “substantivo e adjetivo de dois

gêneros”.438 Assistência é o mesmo que socorro, ajuda: “os feridos tiveram uma

rápida assistência”. Em outro sentido, pode ser também “proteção, cuidado que se

dedica a alguém”.439 Como este termo está ligado intimamente ao Espírito, temos de

                                                                                                                                                                                          relação à Bíblia, ver MANNUCCI, V. Bíblia palavra..., op. cit., p. 65- 74; cf. também ARTOLA, A. M. A Bíblia e a Palavra..., op. cit., v. 2, p. 318-320. 428 CONGAR, Y. Creio..., op. cit., v. 1, p. 97. 429 Santo Irineu, Ad. Haer., III, 3,4. 430 LIBANIO, J. B. Crer num mundo..., op. cit., p. 123. 431 ComDV, p. 231-244. Esta reflexão é excelente para dar um fundamento à Tradição a partir de Jesus e dos apóstolos. Este texto também esclarece as formas existentes de tradição. 432 Cf. Mt 28,19. 433 Cf. Mt 28,20. 434 Jo 14, 25-26. 435 LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. v. III (capítulos 13-17). São Paulo: Loyola, 1996, p. 94-97. Uma visão mais detalhada das palavras de Jesus ao prometer o Espírito. 436 LIBANIO, J. B. Crer num mundo..., op. cit., p. 125. 437 KLOPPENBURG, Boaventura. Parákletos. O Espírito Santo. Petrópolis (RJ): Vozes, 1998, p. 116-121. 438 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio ilustrado atualizado segundo o Novo Acordo Ortográfico. Curitiba: Positivo, 2008. 439 Id., ibid.

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precisar mais algumas linhas sobre o “sujeito” da assistência que é o Espírito. Diz

Libanio, em obra já citada:

“O influxo do Espírito Santo transcende os fatores humanos, penetra-os, eleva e guia, de modo que a Igreja conserva e desenvolve a verdade revelada. Por isso a atração interna sobrenatural não é um fato milagroso conhecido como tal, que pode ser utilizado como normas objetivas para distinguir o desenvolvimento legítimo de outro ilegítimo; mais que objeto de conhecimento, essa atração interna, dada pelo Espírito, é uma qualidade de quem crê que faz progredir a todos os membros da Igreja no aprofundamento da Revelação [...]”.440

A reflexão sobre a assistência do Espírito à Tradição441 vai mais além porque

não há o perigo de desvio da revelação de Jesus, já que o Espírito não falará de si

mesmo, mas do que ouviu de Jesus, e Ele, do Pai. Tudo o que o Pai tem é também

do Filho.442 E, da mesma forma que Jesus concede ao Espírito esta atribuição da

assistência aos apóstolos, também concederá a cada um de nós “enquanto crê em

Jesus”.443

Nereo Silanes, em sua obra “La Iglesia de la Trinidad”, nos esclarece que a

presença do Espírito na Igreja tem, sobretudo, uma missão assistencial,444 pois o

Espírito vai “salvaguardar” tudo o que Cristo ensinou. Assim, o pneuma desvela o

mistério de Cristo fazendo-nos compreender em profundidade e assiste a Igreja na

tarefa de anunciar Cristo e transmiti-lo.445 Esta missão do Espírito Santo de assistir a

Igreja vai derivar-se num tríplice desdobramento: o “Espírito guia à Igreja; o Espírito

é o Espírito da Verdade; e o Espírito concede à Igreja o dom da infalibilidade”.446

Em síntese, podemos afirmar que quem garante efetivamente a

“autenticidade do desenvolvimento da Tradição e que nunca se desgarre da

Escritura e a Escritura não se fossilize num fundamentalismo é o próprio Espírito

Santo”.447

Chegamos ao término deste trabalho na confiança de que há um enorme

caminho a ser trilhado quanto à reflexão sobre a relação entre a Palavra e o Espírito.

A Dei Verbum abre novos horizontes, se a consideramos como ponto de partida                                                             440 LIBANIO, J. B. Crer num mundo..., op. cit., p. 126. 441 ARTOLA, A. M. A Bíblia e a Palavra..., op. cit., v. 2, p. 318-319. 442 Cf. Jo 16,12-15. 443 LIBANIO, J. B. Crer num mundo..., op. cit., p. 126 444 SILANES, Nereo. “La Iglesia de la Trinidad”. La santísima Trinidad en el Vaticano II. Estudio genético-teológico. Salamanca (Esp): Secretariado Trinitario, 1981, p. 418. 445 Id., ibid. 446 Id., ibid., p. 418-424. 447 LIBANIO, J. B. Crer num mundo..., op. cit., p. 123.

  93

para o estudo ou a pesquisa da revelação de Deus e, especificamente, a revelação

da Palavra conjuntamente com o Espírito. Principalmente quando por este tempo

voltamos nosso olhar para a celebração dos 50 anos do Vaticano II, que a elaborou.

Se for vontade de Deus a ação conjunta, em harmonia com a Palavra e o

Espírito, podemos concluir que é somente por meio de uma genuína escuta da

Palavra pelo Espírito que será possível “tatear” os desígnios de Deus para nós ou

para nossa vida, para nossa humanidade. Portanto, se reconhecemos e aceitamos a

relação Palavra-Espírito como o ato original de Deus ou como o modo de Deus agir,

também haveremos de aceitar a importância da unidade entre cristologia e

pneumatologia. Assumiremos também sua indissolubilidade. Como já dizíamos em

nossa abordagem, teremos que reelaborar nossa reflexão teológica sempre mais em

referência a uma cristologia pneumatológica. Uma cristologia com base no horizonte

do ruah, ou uma pneumatologia alicerçada em Cristo.

  94

3º CAPÍTULO: A ESCUTA COMO RESPOSTA À PALAVRA QUE SE

REVELA

O presente capítulo, ao dizer que a escuta é uma resposta à Palavra que se

revela, buscará em primeiro lugar definir conceitualmente o que seja escutar e

esclarecer a diferença entre ouvir e escutar. Em seguida, dará uma base bíblica à

escuta, pois o tema da escuta essencialmente assenta raízes na Sagrada Escritura.

Depois, faremos um estudo sobre o “ouvindo religiosamente a Palavra de Deus” com

base no Proêmio da Dei Verbum. Esta palavra “ouvindo” é importante para o nosso

estudo. E, num derradeiro momento, vamos abordar qual é o sentido de a escuta ser

uma resposta à Palavra que se revela no Espírito. O que isto pode significar?

Este capítulo não pensa em focar a escuta como um tema de mística ou de

espiritualidade. Quer estar integrado aos dois capítulos anteriores. Antes de tudo,

pensamos na escuta como um ato genuíno de resposta à Palavra que se revela.448

Por isso, o presente capítulo é término de trabalho, pois a Palavra de Deus é sempre

uma Palavra que se revela no Espírito, e, quando a Igreja vai falar da revelação da

Palavra, primordial e principalmente se põe a escutá-la. E é assim que a Dei Verbum

faz seu caminho: “ouvindo religiosamente a Palavra de Deus”. Consta que, depois

da revisão das comissões técnicas, na comissão doutrinária, em que se deu a última

mão à Constituição, mons. Philipps propôs, nessa ocasião, que ela, a Dei Verbum,

iniciasse com estas palavras: “Dei Verbum religiose audiens et fidenter proclamans

[...], que espelham perfeitamente todo o sentido do documento, assim como fora

pensado e elaborado pelas comissões e pelo Concílio”.449

Se a Dei Verbum inicia seu caminho com “ouvindo”, nosso trabalho quer

encerrar, propondo a escuta como Resposta à revelação da Palavra. Ousamos dizer

que para falar sobre a revelação a Igreja propõe primeiro escutá-la. A Dei Verbum já

nos dizia que a revelação será completada pela ação do Espírito (DV, 4). E nem se

pode ouvir a voz do Evangelho na Igreja se não pelo Espírito (DV, 8).                                                             448 MANNUCCI, V. Bíblia palavra..., op. cit., p. 37. 449 RDV, p. 22.  

  95

1. OUVIR E ESCUTAR: UMA SUTIL DIFERENÇA

No dicionário encontramos indicações claras do que seja escutar, que, antes

de tudo, é verbo. Eis algumas definições:

“1. escutar é prestar atenção auditiva, dar ouvidos: escutou impassível às reclamações do cliente; 2. escutar é obedecer, seguir o que é ordenado: as crianças de hoje não escutam mais os pais; 3. escutar é esperar com atenção algum som: ficou escutando atrás da porta. Etimologicamente vem do infinitivo latino auscultare. Este termo do infinitivo latino, auscultare”,

é bastante significativo.450 Mesmo na medicina, por exemplo, está associado ao

“coração ou pulmão, órgãos nobres, importantíssimos, que estão no centro da vida, da vida orgânica, por assim dizer. A ausculta cardíaca, a ausculta do coração que bate, a ausculta do coração da pessoa é cerne da alma. Com efeito, assim como a ausculta do coração permite a um médico perceber o que acontece no interior do coração músculo, a escuta atenta da pessoa permite penetrar no seu íntimo”.451

Na língua portuguesa, escutar, além de verbo transitivo direto, também é

verbo intransitivo e igualmente significa prestar atenção para ouvir alguma coisa,

exercício ou aplicação do sentido da audição. Vamos então procurar clarificar o

significado desse termo.

Interessante e quase imperceptível é a diferença entre escutar e ouvir.

Escutar e ouvir são quase sinônimos. Porque sempre que escutamos nós ouvimos,

mas nem sempre que ouvimos escutamos. Verdadeiramente “escutar nem sempre é

ouvir”.452 Ouvir todo o mundo ouve, exceto os surdos, os deficientes auditivos. Nem

todo o mundo escuta, porém. Mas até os surdos podem escutar. “Ouvir a gente ouve

                                                            450 FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio ilustrado..., op. cit., p. 197. 451 Id., ibid. 452 CENAMO, Ana Clara. Escutar e ouvir não são a mesma coisa. Disponível em <www.dihitt.com.br>. Acessado em 14 de abril de 2011.

  96

o que é dito no campo do significado estrito das palavras.” Bola é bola, coca é coca,

mulher é mulher. Escutar é bem diferente e requer treino, autoconhecimento e

conhecimento do outro. Escutar é do campo da significação das coisas para cada

um, diferente para cada qual sempre. A própria autora desse estudo afirma que ouvir

tem uma conotação dos sentidos, pertence a um dos sentidos. Ouvir é do campo

dos sentidos, e escutar é do campo da espiritualidade. Escutamos sem precisar

ouvir. A escuta é muitas vezes silenciosa, escuta-se o não verbal, a entrelinha, o

gesto, a atuação. Algo bem interessante é que o ouvir, por exemplo, é orgânico.

Depende de um ouvido que funcione perfeitamente, “nervo auditivo normal,

neurotransmissores adequados, processamento auditivo central normal, enfim, é tão

somente um dos cinco sentidos: audição, visão, olfato, tato, paladar”.453

Vale dizer que saber ou não saber o que é uma coisa ou outra faz muita

diferença. A escuta já é outra coisa, supõe atenção! Não vamos confundir o que

“estou pensando” com o que estou escutando. A escuta não se restringe apenas ao

uso do aparelho auditivo. É muito mais! Corresponde à experiência humana,

sobretudo a experiência espiritual, porque envolve o coração, não somente os

ouvidos, mas todo o ser daquele que escuta. Por isso, quando se trata da “escuta”,

pensa-se também numa atitude humilde do coração, da pessoa toda! É o coração

que se dobra, que se posiciona e se rende a escutar.

Pensávamos que escutar é simplesmente o ato de pôr os ouvidos a funcionar,

os psicólogos que o digam! Escutar é, porém, acima de tudo humano. Porque

somente o ser humano é capaz de se postar diante de alguém e centrar-se na fala

de outra pessoa. Só o ser humano pode voltar-se para seu emissor e acolher sua

comunicação. Só o coração humano pode assimilar o que vem da parte de um

“outro” alguém.

Escutar é o ato de pôr a atenção no emissor; posicionar todo o ser “em

direção a”..., focar-se em quem transmite. “Escutar é dar lugar para o outro”.454 Neste

sentido, escutar é algo sublime, porque centra suas energias, toda sua atenção no

emissor, ou seja, em quem emite o conteúdo. Quem escuta esquece-se de si

                                                            453 Em relação ao aparelho “auditivo”, a medicina tem seu ponto de vista, conforme esclareceu numa entrevista oral, a doutora Maria da Penha Abreu, otorrinolaringologista na cidade do Rio de Janeiro. 454 ALMEIDA, Dalton Barros de. Escutar ou ouvir? A escolha faz toda diferença. Jornal de Opinião, jul. 2008, p. 4.

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mesmo, centralizando toda sua atenção no emissor. Podemos dizer que a escuta é

uma arte. É porque arte tem a ver com espontaneidade, liberdade, dom. Usa meios

para chegar a seu destinatário. Usa os recursos possíveis para abordar seu

interlocutor. E, em geral, exige esquecimento de si mesmo (de quem escuta) em

relação ao outro. “Exige plena atenção, sensibilidade e amor.”455 Assim podemos

definir pontualmente esta sutil e clara diferença entre ouvir e escutar.

2. A ESCUTA E A PALAVRA DE DEUS

Escutar já era um modo peculiar de proceder do povo bíblico, que dava

grande valor à escuta da Palavra de Deus. O povo de Israel reconhece a

importância dessa escuta, que estima e preza zelosamente. Em vários textos,456

escutar é também entendido como ouvir, e a fidelidade a Deus dependia dessa

atitude espiritual (a escuta de Deus). Os povos semitas, de um modo geral e desde

suas origens, especialmente o povo de Israel, eram dados à escuta. Por serem

nômades, pautavam suas tradições pela transmissão oral. Sua riqueza de tradição

era transmitida oralmente, de geração em geração! Por ser uma cultura de tradição

oral, a escuta era essencial para a cultura israelita, e também para as dos outros

povos semitas, permitindo a manutenção de sua tradição, de sua experiência de fé,

da perpetuação e garantia de sua memória. A revelação de Deus é essencialmente

uma verdade revelada pela escuta. São Paulo atesta-nos isso, quando se comunica

com a comunidade de Roma, ao dizer: “a fé nasce da audição”.457 É importante

salientar o alto grau em que a escuta é relevante para a cultura israelita, tanto

quanto o ver é importante para a cultura grega. Em relação à cultura semita,                                                             455 ALMEIDA, D. B. de. Escutar ou ouvir?..., op. cit., p. 4. 456 Como são numerosos, citamos apenas alguns: 1. Escuta, povo meu, pois te admoesto, Israel, oxalá me escutaste (Sl 81,9); 2. Vou escutar o que Deus diz (Sl 85,9); 3. Agora, Israel, escuta os mandamentos e decretos que eu vos ensino a praticar (Dt 4,1); 4. Fala, pois teu servo escuta (1 Sm 3,10); O meu filho amado, escute-o (Mt 17,5); 5. A multidão se comprimia ao redor de Jesus para escutar a Palavra de Deus (Lc 5,1); 6. Esse discurso é bem duro: quem poderá escutá-lo? (Jo 6,60); 7. Jesus diz a Pilatos: quem está a favor da Verdade escuta minha voz (Jo 18,37). 457 Cf. Rm 10,17.

  98

destaca-se a fé, já em relação aos gregos o destaque foi a filosofia.458 A própria

Palavra de Deus em si, antes de ser “escrita”, foi transmitida pela comunicação oral.

De geração em geração foram sendo transmitidas as verdades da fé. É nessa

circunstância que se insere a imensa importância da escuta, de seu alcance e

magnitude como atitude fundamental para a preservação das verdades de fé.

Assim, escutar a Deus tornou-se vital para a fidelidade do povo de Israel ao

longo de sua história, e até nos tempos atuais. Tanto para o povo de Deus (Israel)

quanto para nós (cristãos). O ser humano é chamado a escutar a Deus e, dessa

atitude, fazer uma constante: “escuta, Israel”.459 Os homens, porém, em sua

liberdade, também não querem escutar a Deus.460 Disso advém toda a angústia

humana ao fechar-se em relação a Deus. Fechar seus ouvidos significa fechar o

coração, fechar-se a Deus. “Ensurdecer-se aos apelos de Deus.”461 Tal atitude,

contrária à vontade de Deus, prolonga-se até os tempos de Cristo, que ousa dizer

que quem não tem a capacidade de “escutar” a Deus não é de Deus. Jesus Cristo

recupera a verdadeira atitude da escuta: “vós não podeis ouvir minha palavra. Quem

é de Deus ouve a palavra de Deus; se vós não ouvis, é porque não sois de Deus”.462

É evidente que a escuta é também fundamental para Jesus Cristo, e por isso o é

para nossa fé cristã! A referência à importância da escuta nos textos da Sagrada

Escritura, no primeiro Testamento, é digna de nota. Ali no primeiro Testamento

vemos um Deus que primeiro nos escuta, mesmo quando isso é referido pelo termo

“ouvir”. Percebemos que quem revela primeiro a importância da escuta é Deus

mesmo, quando escuta o grito de seu povo. Um Deus que ouve (escuta) o clamor de

seu povo, a aflição do povo hebreu na terra da escravidão. E, desta escuta, desce

para libertá-los.463 O Êxodo é por excelência o livro de um Deus que escuta seu povo

e o liberta. Porque ouve, liberta! Liberta porque ouve.

                                                            458 VTB, p. 688. 459 Cf. Dt 6,4. 460 Cf. Dt 18,16-19. 461 Cf. Jr 6,10. 462 Cf. Jo 8,43-47. 463 “O Senhor disse: Eu vi a opressão de meu povo no Egito, ouvi o grito de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos” (Ex 3,7).

  99

Mas é no Livro do Deuteronômio que encontramos o ponto mais alto quanto à

escuta de Deus.464 Esse pedido de Deus para escutá-lo é, ao mesmo tempo, um

mandato, para que seu povo jamais se esqueça de seus mandamentos e

preceitos.465 Tal pedido para escutá-lo supõe uma atitude dócil e obediente à sua

voz. É no Deuteronômio que encontramos a profissão de fé dos israelitas,466 ápice

da revelação. Portanto, é no “shemá, Israel” no Livro do Deuteronômio o lugar em

que se alcança o ponto mais alto no que diz respeito ao valor da escuta para o povo

de Israel. Cabe então focar no shemá, Israel, que ilumina nosso estudo sobre a

relevância da escuta.

O “shemá, Israel” é parte do Deuteronômio e este, do Pentateuco. Sua

compreensão está ligada à compreensão deste Livro. O Livro do Deuteronômio é o

quinto livro da Bíblia, parte do Pentateuco, chamado Torah. Deuteronômio é uma

palavra que significa “segunda Lei”. Tal livro trata de temas essenciais para o povo

de Israel, como “a iniciativa da ação libertadora de Deus e a importância da

Comunidade e da aliança”.467 Portanto, a consciência e o reconhecimento do povo à

ação de Deus dependem exclusivamente da atitude de escuta. Para não

esquecerem o que Deus realizou! A ação libertadora de Deus tornou-se um

paradigma, pois ressaltará a iniciativa divina em libertar o povo. O Senhor Deus está

à sua frente, livrando seu povo de tudo o que o oprime. É um Deus Libertador. Este

aspecto está vinculado à experiência do Êxodo (a experiência de libertação, da

escravidão à liberdade). Já a importância da comunidade é outro tema que ressalta

o valor e a importância da comunidade, Deus convoca um povo, uma nação. Fala

aos corações das pessoas, mas em comunidade.

Deus é o Deus da aliança, que propõe um pacto com seu povo, para

caminhar com ele. Revelando-lhe seu plano, seu projeto de amor, que pede

resposta. Levando em conta a história do Livro do Deuteronômio, este não foi escrito

de uma só vez, mas por longo tempo. Foi um longo tempo de transmissão, de

geração em geração, e a compilação desses textos assim nos diz: “começa no

momento da conclusão da aliança, logo após a saída do Egito (1250), até a entrada

                                                            464 “Agora, Israel, ouvi os estatutos e mandamentos” (Dt 4,1); “eu os farei ouvir as minhas palavras” (Dt 4,10); “será que vocês já ouviram a voz de Deus?” (Dt 4,33); “escuta, Israel” (Dt 6,4); “que se ouvires estes meus preceitos e praticares, o Senhor teu Deus. Guardará a aliança” (Dt 7,12). 465 Cf. Dt 4,1. 466 Cf. Dt 6,4. 467 A FORMAÇÃO do povo de Deus (Col. Tua Palavra É Vida, n. 2), p. 77.

  100

na Terra Prometida. E toda essa trajetória é explicitada na e pela boca de Moisés,

em seus três discursos”.468

É importante dizer que o povo do reino do sul observou atentamente o que

ocorrera no reino do norte (Israel), das

“grandes crises por que passara aquele povo, seus irmãos: infidelidades, alianças ilegítimas com outros povos, abandono da aliança e, enfim, a destruição do reino do norte. Esse foi o pano de fundo da literatura do Deuteronômio. Após a queda de Samaria (capital do reino do norte), abrangendo o período do século VII até 566”.469

E após as densas crises por aquela época, “alguns levitas emigraram para o sul

(Reino de Judá), fixando-se em Jerusalém, e levando consigo os escritos. Sendo

encontrados por ocasião das reformas estabelecidas no tempo do rei Josias”.470

Como no reino do sul temia-se que acontecesse o que ocorreu no reino do norte,

houve um ambiente favorável para o acolhimento e aceitação das reformas

executadas por Josias com base nesses escritos que valorizavam a renovação da

aliança e da fidelidade a Deus.

O Deuteronômio é um livro, acima de tudo, para o povo, indicando o Amor de

Deus ao seu povo, o valor à vida como dom de Deus, e apontando para uma

contínua renovação da aliança. Estes traços, que são bem característicos do

Deuteronômio, são traços que, até no tempo presente, lançam luzes e abrem

horizontes para todos nós, cristãos deste século.

O “shemá Israel”, como parte do Livro do Deuteronômio, tornou-se profissão

de fé antiquíssima dos judeus, a qual, desde muito cedo, todo israelita reconhece e

com a qual se identifica. A oração que o israelita justo e piedoso recita diariamente

como verdadeira profissão de fé no Deus único e Verdadeiro. É a fidelidade a essa

profissão de fé que abre os ouvidos do povo e de cada um de seus filhos, que

repetem várias vezes ao dia: “Escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é o único

Senhor”.

                                                            468 A FORMAÇÃO..., op. cit., p. 77. 469 Id., ibid., p. 78. 470 Id., ibid., p. 79. 

  101

A história dos “judeus”471 inicia-se com estas palavras do Senhor, para

Abraão: “Vai para a terra que eu vou te mostrar. Farei de ti uma grande nação... e

em ti serão benditas todas as famílias da terra”.472 E mais tarde, com “Seja íntegro e

caminhe diante de Deus”, são firmadas as bases do judaísmo: a promessa da posse

de uma terra, a unidade do povo e o dever não apenas de pôr em prática a vontade

de Deus e de ser íntegro, mas também de ser o arauto, caminhando diante dele

para levar bênção a toda a humanidade. Nesta bênção está implícita a promessa da

época messiânica, quando, sobre a terra, reinarão a paz e a harmonia, porque todos

os homens terão aceitado a Palavra de Deus e porão em prática o amor e a justiça

para com o próximo. Deus estabelece com Abraão uma Aliança, prometendo que

não o abandonará, nem sua família, nem sua descendência; uma Aliança que se

perpetuará de geração em geração por meio do ato da circuncisão, sinal eterno de

comunhão entre os judeus e Deus, sinal do pacto entre Deus e o seu povo.

“Assim, Abraão deixa Ur, na Caldeia, para ir a uma terra desconhecida, a Terra de Canaã, habitada por outros povos, apoiado numa promessa que não prevê riquezas nem privilégios, mas que faz do povo judeu um povo escolhido por Deus para cumprir uma missão.”

Deus continua a realizar seu plano de salvação, depois de Abraão, por meio

dos descendentes deste. No cativeiro no Egito, age poderosamente libertando-os.

Deus, em virtude da Aliança, vela sobre seu povo e o livra da cruel escravidão e do

domínio do faraó. Envia Moisés para soltar os judeus cativos e, sobre o Monte Sinai,

renova com ele a Aliança estabelecida com Abraão. E todo o povo, num ímpeto de

confiança, grita: “nós faremos o que Deus disse e obedeceremos”.473 Então, Deus dá

a Moisés a tábua da Lei, os mandamentos, sinal da Aliança.

A profissão de fé dos judeus (shemá, Israel) está inserida no tempo da

história desse povo, Israel. Porque é Deus mesmo quem age e fala, e este é um

                                                            471 Termo que designou originalmente as tribos de Judá e mais tarde os habitantes do Reino de Judá. Posteriormente se referiria a todo o povo de Israel. 472 Cf. Gn 12, 1-3. 473 Cf. Ex 24,7.

  102

povo que acolhe e escuta. Portanto, o shemá está “entre as primeiras palavras que a

criança aprende de seus pais”474 e as

“últimas que se murmuram antes de morrer. Muitos judeus o recitaram silenciosamente ao entrar nas câmaras de gás. Eles testemunhavam assim que somente o Deus único tinha direito às suas vidas e que, contra toda aparência, nenhum outro poderia arrancá-las”.475

Não se tem conhecimento do exato momento em que começou o costume da

recitação do shemá, Israel para o povo, mas é certo que nos últimos três séculos

antes de Jesus, já eram recitados diariamente.

Em hebraico, podemos transcrevê-lo para “Shem’ yisrae’ el”. Em português,

shemá, Israel é traduzido por “escuta, Israel”. O termo “escuta” refere-se à atitude de

quem ouve. Já o termo “Israel” refere-se exatamente a um povo, como aquele que

escuta. A questão da “tradução” pode parecer irrelevante, mas por ora talvez nos

ajude a compreender melhor as diferenças entre tantas traduções. A melhor

tradução do shemá, Israel, porém, é mesmo como “escuta”.

Sobre essa questão, remetemos a João Carlos de Almeida,476 que aborda o

que nela está em jogo, esclarecendo tal assunto e concluindo que o shemá como

ouvir, embora menos adequado, está presente em várias traduções.477 Mas devemos

ampliar nossos horizontes, no caso da tradução do shemá para o português, como

nos diz João Carlos de Almeida, levando em conta o que diz o Dicionário Houaiss,

segundo o qual ouvir é “perceber pelo sentido da audição”, enquanto escutar seria

“estar consciente do que se está ouvindo”478. A Bíblia de Jerusalém não percebeu

esta diferença e traduziu o shemá, Yisrael por “ouve, ó Israel”. Advoga João Carlos                                                             474 Retiro de abertura da assembleia da CNBB (abril/2008) realizada anualmente. Trecho da pregação de dom Erwin, Itaici, Indaiatuba (SP). 475 DI SANTE, Carmine. Israel em oração. As origens da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 65. 476 João Carlos de Almeida é sacerdote da Congregação do Sagrado Coração de Jesus (SCJ), e é um dos diretores da Faculdade Dehoniana, em Taubaté (SP). Cf. JESUS, Leandro Martins de. Qual a tradução do termo hebraico shemá Yisrael? In: Veritatis Splendor, Memória e Ortodoxia Cristã, 26/3/2008, Brasília. Disponível em <http://www.veritatis.com.br/article/4861>. Acessado em: 15/11/2009. 477 “Ouve, ó Israel: Iahweh nosso Deus é o único Iahweh” (Dt 6,4; cf. A Bíblia de Jerusalém. 4ª impr. São Paulo: Paulus, 2006). 478 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001. 

  103

que a tradução da TEB479 é mais precisa, dizendo: “escuta, ó Israel!” O mesmo

acontece com o termo usado nas traduções italianas, que optam por “ascolta”

(escuta), e não por sentire (ouvir). Diz ainda João Carlos que o shemá não quis

significar ouvir uma voz. E por trás desse pensamento pode estar incutida uma

exegese equivocada, que não segue a tradição católica.

Portanto, o shemá, Israel “abre-se com um imperativo, ‘ouça’, seguido de

vocativo, ‘Israel’”.480 Em síntese, é a atitude de exortar o povo de Israel para que

escute a Deus! Escutar somente a Deus, o único Deus! Configurando assim uma

autêntica confissão de fé do povo judeu. O shemá, Israel é a profissão de fé do povo

judeu. No shemá, Israel, vai aparecer a “confissão fundamental da fé do povo de

Israel”.481 O “shemá”, antes de tudo, era rezado pelo povo judeu antes mesmo de ser

“escrito”, e, na época de Jesus, já era costume de todo judeu recitá-la ao menos

duas vezes ao dia, preferencialmente de manhã e de tarde, como era ensinado na

escola do rabino Shammai. Havia, porém, quem defendesse recitá-la a seu modo,

como na escola de outro rabino, Hillel.482 Tudo isso faz pensar como o shemá, Israel

pode nos ajudar em nossa fé cristã. Com base nessa profissão de fé, ele pode

orientar-nos seguramente!

3. A ESCUTA NO HORIZONTE DA DEI VERBUM

Dessa perspectiva bíblica da escuta, podemos adentrar com propriedade no

documento da Dei Verbum. O que esta Constituição pode oferecer-nos enquanto

tema da escuta. Recordemos novamente o Proêmio da Constituição Dogmática Dei

Verbum, do Concílio Vaticano II:

                                                            479 GALACHE, Gabriel C. (ed.). Bíblia Tradução Ecumênica TEB. São Paulo: Loyola, 1996. 480 LOPEZ, F. G. O Pentateuco. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 92. 481 Id., ibid., p. 91. 482 DI SANTE, C. Israel em Oração..., op. cit., p. 64. Ambos eram grandes mestres do judaísmo pré-cristão e viveram no reinado de Herodes, o Grande.

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“O sagrado Concílio, ouvindo religiosamente a Palavra de Deus proclamando-a com confiança, faz suas as palavras de S. João: ‘anunciamos-vos a vida eterna, que estava junto do Pai e nos apareceu: anunciamos-vos o que vimos e ouvimos, para que também vós vivais em comunhão conosco, e a nossa comunhão seja com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo’ (1 Jo 1 2-3). Por isso, segundo os Concílios Tridentino e Vaticano I, entende propor a genuína doutrina sobre a Revelação divina e a sua transmissão, para que o mundo inteiro, ouvindo, acredite na mensagem da salvação, acreditando espere, e esperando ame” (cf. DV, 1).

Mais do que uma simples afirmação conciliar num documento de constituição

de grande relevância, a expressão “ouvindo religiosamente a Palavra de Deus” é

sobretudo a autoconsciência de uma identidade. Isto é, o reconhecimento de que, na

estrutura ontológica da Igreja (em seu ser), em primeiro lugar, está a escuta da

Palavra de Deus. É somente com base na “escuta” da Palavra de Deus que nos

podemos lançar à sua proclamação. O “ouvindo religiosamente” merece, com efeito,

estudo e reflexão, devido ao lugar que ocupa no conjunto do documento, já que todo

o Concílio (isto é, os padres conciliares) deve em primeiro lugar escutar a Palavra de

Deus. Somente com base nesta atitude é que se pode debruçar sobre os demais

empreendimentos.483 É pela escuta da Palavra de Deus que os padres do Concílio,

em seguida, vão se pôr na tarefa de elaborar a autêntica doutrina sobre a revelação

de Deus e todos os outros documentos.484 Diz a Dei Verbum que o Concílio

pretende propor uma autêntica doutrina da revelação de Deus e sua transmissão.

Quando a Constituição Dogmática Dei Verbum começa com a afirmação “ouvindo

religiosamente a Palavra de Deus”, isto se dá porque tal afirmação sustenta todo o

restante do documento, e sem ela não seria possível ir adiante. Neste momento

pensamos esclarecer sobre a importância da escuta para a vida cristã, com base na

primeira parte do Proêmio da Dei Verbum. Para tanto, é necessário elaborar os

fundamentos que deságuam nessa afirmação conciliar. E tal afirmação é como uma

herança.485 Sendo dois os fundamentos, o bíblico e o teológico, o “ouvindo

religiosamente a Palavra de Deus” possui uma base bíblica, além de uma raiz

                                                            483 Esses empreendimentos referem-se à elaboração dos demais documentos e das árduas discussões travadas nas sessões ao longo do Concílio (KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II..., op. cit., v. 2, p. 168-193). 484 As outras constituições, documentos e declarações. 485 Quero aqui dizer que devemos compreender o tema da herança como tradição. O que recebemos ou o que herdamos.

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teológica. Somente assim, elaborando esses dois fundamentos, obteremos uma

visão mais profunda e correspondente à Constituição Dei Verbum.486

Situaremos o “ouvindo religiosamente a Palavra de Deus”487 no contexto da

Constituição Dei Verbum. De modo que esta afirmação possa ser compreendida

dentro e somente nos limites do documento conciliar. Sem esta premissa não será

possível avançar. O ouvindo religiosamente a Palavra de Deus se dá no contexto de

um Concílio, e este, num âmbito maior de sociedade, de mundo e cultura. Além

disto, qual o sentido ou o significado do “ouvindo religiosamente”?

Outro pensamento é que nos deteremos sobre a Sagrada Escritura, sugerindo

uma base bíblica para o “ouvindo religiosamente a Palavra de Deus”. Esta afirmação

está inserida no contexto de povo de Deus da Bíblia. Mesmo sendo um texto

elaborado no século XX, há de reconhecer-se que o “ouvindo religiosamente a

Palavra de Deus” é parte inerente do modus vivendi de um povo. Este é o povo de

Deus bíblico. O “ouvindo religiosamente a Palavra de Deus” reflete as tradições

bíblicas numa dimensão ampla e as tradições do Êxodo num contexto particular.

Queremos dizer com isto que nas tradições do Êxodo estão firmadas as grandes

bases bíblicas.

Na fundamentação bíblica, identificaremos alguns elementos teológicos dessa

afirmação. Que discurso teológico corresponde ao “ouvindo religiosamente a Palavra

de Deus”? Sem uma fundamentação teológica, é difícil a compreensão do que os

padres do Concílio quiseram dizer na abertura da Dei Verbum.

                                                            486 LYONNET, S. A Bíblia na Igreja..., op. cit., p. 9. O exegeta e cardeal Florit, que, segundo seu parecer, apontava os maiores méritos da Dei Verbum, assim relata: “é uma das mais breves entre as promulgadas pelo Concílio, mas ao tempo uma das mais ricas em doutrina e ainda se coloca no coração do mistério da Igreja e no centro do ecumenismo”. 487 Há pouco tempo era publicado pela CNBB, no número 91 de Estudos da CNBB, o estudo “Ouvir e proclamar a palavra: seguir Jesus no caminho. A catequese sob a inspiração da Dei Verbum” (São Paulo: Paulus 2006, p. 141), resultado do VII Encontro Bíblico-Catequético Nacional. É um estudo simples, mas muito interessante, que especialmente vai tratar em grande parte da mesma questão abordada no presente trabalho: sobre a escuta. Numa perspectiva catequética, porém.

  106

3.1. Ouvindo religiosamente a Palavra de Deus

É extraordinário verificar na Dei Verbum as palavras usadas para abrir sua

reflexão. Perceber que a Dei Verbum é o único documento do Concílio que inicia

com o verbo no gerúndio (ouvindo). Significando que não só o Concílio, mas toda a

Igreja posta-se humildemente diante da palavra de Deus que se revela. Diante da

Palavra, antes de tudo, devemos escutá-la. Assim, encontramos na abertura do

texto: “O Sagrado Concílio, ouvindo religiosamente a Palavra de Deus...” (DV, 1).

Com isso restringiremos o tema da escuta à primeira parte do Proêmio da Dei

Verbum. Por isto o foco no “ouvindo religiosamente a Palavra de Deus”, que dá

sentido a todo o texto. Por ora vamos recordar o que está no Proêmio do documento

conciliar: “O sagrado Concílio, ouvindo religiosamente a Palavra de Deus”.

O “ouvindo religiosamente” é central no Proêmio. Vamos inicialmente nos fixar

na palavra “ouvindo”. A palavra ouvindo é um verbo.488 Significa uma ação sem

término; indica ação no presente sem interrupção.489 Associada ao

“religiosamente”,490 eleva sua importância, pois enfatiza um modo de ser. Portanto, o

ouvindo religiosamente é uma atitude, um modo de ser. É uma adesão pela fé,

sobretudo, é uma “adesão à Palavra de Deus. Por isso, o Proêmio é bastante

“enfático, sobretudo é solene”.491 Com razão, o texto fala do Sagrado Concílio na

primeira pessoa, situando-se como o primeiro “ouvinte”, o que deve primeiramente

“escutar a Palavra de Deus”.492

Quanto à palavra “religiosamente”, ela acaba reforçando ainda mais a

nobreza do “ouvindo”. Assim, a escuta assume um caráter de identidade.                                                             488 CEGALLA, Domingos Paschoal. Nova minigramática da língua portuguesa. 3ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008, p. 145. Ouvindo é gerúndio. Que significa uma das formas nominais do verbo. Também verificar: CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: FAE, 1992, p. 461-462. Celso Cunha diz que o gerúndio pode ser de forma simples ou de forma composta. Em nosso caso, “ouvindo” é a forma simples e expressa uma ação em curso, que pode ser imediatamente anterior ou posterior à do verbo da oração principal, ou contemporânea dela. 489 Id., ibid., p. 462. 490 CEGALLA, D. P. Nova minigramática..., op. cit., p. 201. Na língua portuguesa é advérbio. Advérbio é uma palavra que modifica o sentido do verbo, do adjetivo ou do próprio advérbio. 491 PIAZZA, W. A revelação cristã..., op. cit., p. 36. Outros autores compartilham da mesma visão: para ver outras visões sobre o Proêmio, cf. LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 369. Também cf. SCHÖKEL, Luis Alonso (dir.). Concilio Vaticano II: comentarios a la constitución Dei Verbum sobre la divina revelación. Madri: BAC, 1969, p. 133. 492 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 369-370.

  107

Consequentemente, o “religiosamente” está ligado ao âmbito religioso. Trata-se

essencialmente de um “problema religioso”.493 Os padres conciliares são os

representantes da Igreja Católica no mundo inteiro. O Concílio Vaticano II foi um dos

maiores eventos eclesiais dos últimos séculos, afirmam alguns estudiosos.494

Quando na Dei Verbum temos a afirmação de que o Sagrado Concílio se põe à

escuta da Palavra de Deus, devemos entender que não só os bispos, mas a Igreja

toda deve se pôr à escuta da Palavra de Deus.

3.2. O contexto conciliar

A) A Assembleia Conciliar

Passados três meses de sua eleição, o papa João XXIII anunciava o desejo

de realizar um Concílio (25/01/1959).495 A intenção de convocar um Concílio era

inspirada em outras grandes assembleias, como bem lembraria na abertura do

Concílio.496 João XXIII recordava com veemência várias assembleias que ocorreram

ao longo da história da Igreja, mas especialmente a de Pentecostes.497 Para João

XXIII, o caminho que ele estava abrindo deveria ser outro Pentecostes. Quando toda

a comunidade dos discípulos de Jesus, juntamente com Maria, sua mãe, se punha

em oração (cf. Mt 14,13; 26,36), obedientes essas pessoas a Jesus, que lhes pedira

que permanecessem em Jerusalém, até que fossem revestidos da força do alto (Lc

24,49). O novo papa comparava o Concílio a outro Pentecostes. É com este

contexto de assembleia que situamos o “ouvindo religiosamente a Palavra de Deus”,

porque quem deve escutar a Palavra de Deus não são somente os padres do

                                                            493 PIAZZA, W. A revelação cristã..., op. cit., p. 36. 494 ARIAS, G. T. Vaticano II. Acontecimiento..., op. cit., p. 9. O autor em questão diz que o Vaticano II foi um dos maiores eventos eclesiais de todos os tempos. 495 DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos do Concílio Ecumênico..., op. cit., p. 14. 496 Id., ibid., p. 21. 497 Id., ibid., p. 32.

  108

Concílio. E, para elaborar e redigir uma doutrina da revelação de Deus, antes é

preciso dar-se à escuta da Palavra. Não só o papa, mas toda a Igreja.

B) O contexto da Assembleia Conciliar

Num contexto mais amplo, a assembleia conciliar, antes de tudo, assume

como propósito escutar o mundo, dialogar com a sociedade. João XXIII inspirava-se

na “escuta dos sinais dos tempos”,498 a que o próprio Jesus exortava no evangelho

(Mt 16,3), isto é, a necessidade de observar os sinais dos tempos. Sem distrações, o

papa fala dos sinais dos tempos, e assim convocaria o Concílio. Foi escutando os

sinais dos tempos que João XXIII adquiriu a convicção da urgência e da

necessidade da convocação de um Concílio. Ademais, era premente desenvolver o

diálogo com a sociedade moderna, com a ciência.499 O diálogo fazia-se inevitável, e

um diálogo frutuoso e fecundo dependeria primordialmente da escuta. Como

dialogar com esses diversos segmentos sem escutá-los?500 Verificamos que foi por

causa da escuta que a Igreja do Vaticano II inclinou-se ou deu passos no tocante ao

diálogo. E é bem possível dizer que seja por isso que a Dei Verbum, logo em sua

abertura, pôde proclamar a escuta como o modo de ser da Igreja e de seu estatuto

ontológico, sempre tomando como princípio a escuta da Palavra de Deus.

4. BASE BÍBLICA DO “OUVINDO RELIGIOSAMENTE A PALAVRA DE DEUS”

As tradições do Êxodo têm como central a experiência de libertação da

escravidão no Egito. Na Sagrada Escritura as tradições do Êxodo estendem-se do

                                                            498 DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos do Concílio Ecumênico..., op. cit., p. 10. 499 LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II: em busca..., op. cit., p. 71-72. 500 Refiro-me a segmentos das diversas instâncias no mundo, como a sociedade, a ciência, outras denominações religiosas, com as quais o papa João XXIII deseja desenvolver relações.

  109

Livro do Êxodo até o Deuteronômio. Encontramos nas “tradições do Êxodo”501 a

libertação de Israel da escravidão e, no deserto, o aprendizado, por parte dos

israelitas, de escutar e confiar no Deus único e verdadeiro. E nas origens do povo de

Deus estão essencialmente as tradições do Êxodo: tanto a experiência de libertação

do Egito como a experiência vivida no deserto. Então, podemos inferir que a escuta

tem a ver, em sua mais tenra origem, com a relação entre libertação do Egito e a

travessia do Sinai (adoração a Javé, Lei, monte). Ainda se diz que o êxodo do povo

de Israel é como uma “experiência fundamental”,502 e, por isso, a escuta está

inserida nessa experiência, faz parte!

O ser humano, porém, em sua liberdade, não quis escutar a Deus (cf. Dt

18,16-19), e disso advém toda a angústia humana ao fechar-se para Deus: fechar

seus ouvidos, que significa também fechar o coração, fechar-se a Deus:

“ensurdecer-se aos apelos de Deus” (cf. Jr 6,10). No primeiro Testamento, são

dignos de nota os textos em que se faz referência à escuta. O texto bíblico do Êxodo

relata com eloquência que é Deus quem primeiro se põe a escutar (Ex 3,7).

Certificamos que quem primeiro nos mostrou a importância de escutar é o Senhor

Deus, quando escuta o grito do seu povo. 

Em continuação à trajetória do povo bíblico em processo de libertação, o

Senhor leva-o para o deserto, não para tentá-lo, mas para ensinar-lhe. Ainda nos

primeiros dias de deserto, após um período de sede em Mara,503 o grupo murmura a

Moisés, e o Senhor lhe responde: “se de fato escutares a voz do Senhor, teu Deus,

se fizeres o que é reto aos seus olhos, se prestares atenção a seus mandamentos e

observares todas as suas leis, não te causarei nenhuma das enfermidades que

causei aos egípcios, pois eu sou o Senhor que te cura”.504 

Tudo isso já é uma prova do que vai significar o longo processo de caminho

rumo à Terra Prometida, que antes passa pelo deserto. É ali no deserto que o

Senhor Deus educa seu povo a escutar. É nas duras provas da privação de água,

                                                            501 Há diversas obras que citam o tema das tradições bíblicas. Eis algumas delas: SCHWANTES, Milton. História de Israel: local e origens. São Leopoldo (RS): Oikos, 1984; VVAA. A memória popular do Êxodo. Petrópolis (RJ): Vozes, 1988; FABRIS, Rinaldo (org.). Problemas e perspectivas das ciências bíblicas. São Paulo: Loyola, 1993. 502 VVAA. A memória popular do Êxodo..., op. cit., p. 13. 503 FERNANDES, L. A; GRENZER, M. Êxodo 15,22-18,27. São Paulo: Paulinas, 2011 p. 11. 504 Ex 15,26.

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comida e outras necessidades505 que o povo aprende a duras penas a escutar a

Deus, sua Palavra. Não faltaram as “murmurações”, a raiz da palavra “murmurar”

perpassa a trajetória da passagem do povo de Deus pelo deserto.506 É nessa

experiência de deserto adentro que é gerado um dos mais profundos mistérios do

povo de Deus bíblico: de um Deus que escuta o sofrimento de um povo e um povo

que aprende a escutar seu Deus.507 Há neste mistério uma experiência fontal, de

que a fé israelita fundamenta-se, “justamente porque no grito dos oprimidos encontra

seu centro: Gritamos ao Senhor, o Deus de nossos pais, e o Senhor escutou nossa

voz”. Ainda vai se afirmar: “a decisão de gritar ao Senhor causa esperança, pois foi

justamente o grito ouvido por Deus o que deu origem ao êxodo”.508

As “tradições do êxodo” estão no plural. Porque existem diversas tradições

que sempre remetem à mesma experiência do Êxodo, como o “êxodo-aliança, que

constitui o coração da tradição do Antigo Testamento”509 ou das tradições inseridas

no contexto literário do Pentateuco, como a “tradição profética”.510 Toda e qualquer

tradição é oriunda da tradição oral, pois as fontes escritas veiculam a “tradição

oral”.511 Portanto, o “Pentateuco é composto com base em quatro documentos:

Javista (J), Eloísta (E), Sacerdotal (P) e Deuteronomista (D).512 “Admitindo, portanto,

além disso, que o Pentateuco foi composto por quatro documentos escritos por

pessoas e épocas diferentes”,513 certamente os autores destes documentos seguem

a hipótese documentária, e prevê-se que o conteúdo chegou a suas mãos pela

“tradição oral”.514 Levando em conta as “tradições” no plural, há também outras

tradições como as “tradições do Sinai”,515 a “tradição dos patriarcas”.516 É

necessário, porém, afirmar que na “base das tradições orais do Pentateuco, num

                                                            505 FERNANDES, L. A; GRENZER, M. Êxodo..., op. cit., p. 11-12. 506 Id., ibid., p. 15. 507 Id., ibid., p. 16. 508 Id., ibid. 509 FABRIS, R. Problemas e perspectivas..., op. cit., p. 7. 510 Id., ibid., p. 11. 511 Id., ibid., p. 23. 512 Id., ibid., p. 21. 513 Id., ibid., p. 23. 514 Id., ibid., p. 24. 515 Id., ibid., p. 26. 516 Id., ibid., p. 26.

  111

primeiro grupo, estão Gn, Ex, Lv, Nm e, num segundo grupo, Dt, Js, 1 e 2Sm, 1 e

2Rs”.517

No tempo dos profetas já se fazia referência direta à tradição do êxodo (Os

11,1 Jr 2,6 Deutero-Isaías 55,12).518 Não foram os profetas os únicos que fizeram tal

referência, mas outros grupos o fizeram, aliás, houve grupos que, de certa forma,

foram os portadores da experiência libertadora do êxodo, conforme atestam alguns

estudos. Podemos “deduzir, com muita evidência, quais foram os círculos que

preservaram a tradição do êxodo: os campesinos; as mulheres (1,15 e ss.; 2,1 e

15,20 e ss.) e os círculos proféticos”.519

É importante entender que a experiência de libertação da terra da escravidão

configurou-se num paradigma. E, no conjunto das “tradições veterotestamentárias, o

Êxodo veio a ocupar lugar central. Tornou-se tradição teológica elementar, pois o

Êxodo testemunha um Deus que liberta, um Deus Libertador”.520 E, juntamente com

a experiência no deserto do Sinai, forma outras tradições. “Fruto da tradição é a

estreita vinculação entre o Êxodo e o Sinai.” Quem saiu do Egito acampou no

Sinai.521 No geral a tradição do Êxodo dá sentido à do Sinai.522

                                                            517 FABRIS, R. Problemas e perspectivas..., op. cit., p. 28. 518 SCHWANTES, M. História de Israel..., op. cit., p. 108. 519 Id., ibid., p. 141. 520 Id., ibid., p. 142. 521 Ex 19,1. 522 SCHWANTES, M. História de Israel..., op. cit., 147. Ver também: Ex 20,2 e ss. e Dt 6,20-33.

  112

5. JESUS COMO NOVO MOISÉS E MODELO DE ESCUTA

A experiência do Êxodo que o povo de Deus fez tornou-se um paradigma, por

isso o encontramos no Novo Testamento, tendo Jesus como a figura do novo

Moisés.523 No Novo Testamento encontramos “Jesus fazendo a trajetória que o povo

do Antigo Testamento fez ao descer do Egito e de lá regressar”.524 “Noutro contexto

vemos Jesus transfigurar-se lá no alto da montanha (novamente lembrando Moisés),

e lá tem como testemunhas seus discípulos”.525 O Jesus conforme o evangelho de

Mateus recorda-nos vivamente a figura de Moisés, quando Jesus se depara em

conflito com a Lei do Sábado, por exemplo. Quando Jesus insiste na prática dos

mandamentos, sobretudo o que diz sobre o maior dos mandamentos da Lei (Mt

22,36). Insiste na síntese e na primazia de dois mandamentos sobre todos os

demais: “Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua vida e

com toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é

semelhante: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos

dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22,37-40). Faz-nos recordar Moisés, mestre

da Lei, quando instrui sobre normas e leis e se depara em tensão com os peritos da

lei: impuros (Mt 9,11), sobre o jejum (Mt 9,14). Mas, acima de tudo, quando Jesus

está no alto da montanha e dali faz seu discurso chamado “Sermão da Montanha”

(Mt 5,21.27.31.33.38.43). Jesus também remetia com certa veemência à lei de

                                                            523 Bíblia do peregrino, p. 2317. Há aí um bom comentário neste sentido do Cristo como novo Moisés. Apresenta Jesus como antítipo de Moisés e superior a ele, até. Podemos ver a infância de Jesus (Mt 1 e 2). Também em Mateus, Jesus recomenda os mandamentos da lei judaica; e os corrige, propondo “bem-aventuranças” e acrescentando: “pois eu vos digo”. A comunidade de Mateus não deve ter saudade do passado nem o renegar. Agora se aglutinam em sua lealdade a Jesus, Messias e Mestre, novo Moisés e filho de Davi. Ao longo deste texto mesmo, serão citados vários autores que reconhecem o Cristo, especialmente o Cristo do evangelho de Mateus, como o novo Moisés. Em BORN, A. Van Den (org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis (RJ): Vozes, 2004, p. 956-957 encontramos outro razoável comentário: em Mateus, há provas de que sua intenção era apresentar os ensinamentos de Jesus, agrupados em 5 discursos, como um novo Pentateuco. E, como Moisés é tido como o autor do Pentateuco, então Jesus se lhe equipara. Outro comentário sobre Jesus como novo Moisés está em FERNANDES, L. A. A Bíblia e sua mensagem. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2010, p. 118. Este comentário diz que no evangelho de Mateus o Messias é esperado pelo povo judeu, prometido pela Lei e nas Profecias. Para confirmar este fato, este evangelho utiliza, abundantemente, o AT e o seu conteúdo, que são articulados em função do anúncio de Jesus como Messias. Mateus, ao pôr por escrito as palavras e ações de Jesus, parece ter levado em consideração o Pentateuco, a pessoa de Moisés e a liturgia sinagogal. 524 SCHWANTES, M. História de Israel..., op. cit., p. 108. 525 VVAA. A memória popular do Êxodo..., op. cit., p. 7.

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Moisés e lhe dá sua interpretação: “ouvistes o que foi dito […], porém, eu vos digo”

(Mt 5,21).

Como o novo Moisés, Jesus com frequência vai à montanha para orar, para a

conversa ou o encontro com Deus (Ex 4,27; Mt 14,23). Desce para instruir o povo

(Ex 32,15; Mt 5,1). Não é demasiado afirmar Jesus como novo Moisés e também

como verdadeiro modelo de escuta. No breve tempo de seu ministério e de forma

inequívoca, expressa a importância da escuta, ainda que não tenha explicitamente

verbalizado tal vontade. Deixa claro, entretanto, seu descontentamento pelo modo

como se vive a fé em Israel, pelos desvios cometidos pelos fariseus e os mestres da

lei, os excessos de normas infligidas ao povo. Diversas vezes Jesus manifesta,

mesmo que implicitamente, a intenção de resgatar a fé de Israel.

Jesus não quis transgredir as normas vigentes de seu tempo, de seu povo,

mas resgatar o que estava adormecido, meio que morto, sem vigor, desfigurado! Por

isso, orienta seus ouvintes a não se iludir nem pensar que viria abolir ou dar fim às

leis vigentes. Sua intenção era dar novo vigor, ou retomar o que já tinha sido

esquecido. Não criou nova lei, mas com base no que existia deu um sabor diferente,

talvez, resgatando seu princípio, sua origem. E, portanto, como a escuta era vital

para o povo de Israel, assim o foi também para Jesus.

Os fariseus tinham uma nobre função: ensinar o povo a guardar e preservar

as tradições e as leis dadas por Deus a Moisés desde sua origem. No decorrer do

tempo foram, porém, acrescentando a esse legado uma série de normas,

acumulando preceitos e tornando-se demasiadamente rigorosos e legalistas. Ao

povo caberia praticar essas normas, mas os fariseus eximiam-se pessoalmente de

vivê-las. Jesus falava de “carga pesada” (Mt 23,4), que eles mesmos não viviam,

mas cobravam do povo simples e humilde que a praticasse. Por isso a exortação de

Jesus: “sigam o que eles vos falam, mas não façais o que eles fazem” (Mt 32,3). Há

indícios de que na época de Jesus havia mais de 600 preceitos a serem praticados

cuidadosamente, como, por exemplo, lavar as mãos antes das refeições e 365

preceitos de proibições e 248 preceitos de mandamentos.

Jesus, como autêntico judeu, buscou viver originalmente sua fé. Não

exatamente criar coisas novas, uma fé nova, adorar outro Deus. A diferença entre

Jesus e os demais líderes religiosos estava na “forma” de transmitir o ensinamento.

  114

A diferença do ensinamento de Jesus não estava tanto em seu conteúdo, que

estava profundamente enraizado no primeiro Testamento, mas em sua maneira de

ensinar. Ele não dependia das autoridades, como faziam os escribas, mas falava

com base em sua própria experiência de Deus, do Deus da vida, que em seu tempo

estava ofuscado por tantas leis e discussões legalistas e teológicas. Os ouvintes de

Jesus diziam que era um “novo ensinamento, dado com autoridade” (Mc 1,21-28). É

tão real essa preocupação de Jesus, que ele resumiu todos esses preceitos em

apenas dois, dizendo: “faça aos outros aquilo que você quer que vos façam. Essa é

Lei e os Profetas” (Mt 7,12). Ou ainda, em um momento de embate com o grupo dos

saduceus, que não creem na ressurreição, Jesus recorda o Deus dos pais, Abraão,

Isaque, Jacó, calando-os! E aos fariseus, depois que lhes pergunta qual é o preceito

mais importante, afirma que o mais importante dos preceitos é “amarás o Senhor teu

Deus de todo o teu coração” e o segundo e equivalente ao anterior é “amarás teu

próximo como a ti mesmo” (Mt 22,36-40)”. Jesus não quis, portanto, abolir nada, mas

dar o devido valor ao que é essencial para a fé, nada mais que isso.

Podemos lembrar as vezes que Jesus deixava tudo e se punha em colóquio

com seu Pai. Era ali, no silêncio, que Jesus ficava inteiramente à escuta. Levava

para Deus suas experiências do dia e o que estava no íntimo de seu coração e as

apresentava ao Pai. A atitude de Jesus era mesmo a de escutar o Senhor Deus. E

não poderia ser diferente, após o dia de intensos trabalhos. Não podia ser outra a

atitude de Jesus, a não ser a de escuta. Estar ali silenciosamente diante de Deus,

escutando-o. O dia tão repleto de vozes, de insinuações, de ruídos que causam

distração e desvio dos caminhos de Deus. É somente resgatando a escuta de Deus,

que podemos compreender o sentido e significado de nossas vidas.

O shemá, Israel nos diz, antes de tudo, que devemos escutar Deus. E Jesus

nos ensina isto com sua vida, seu exemplo, isto é, ser ouvinte dócil de Deus.

Devemos considerar que, se Jesus gostava de estar a sós com Deus, em que

consistia seu colóquio com Deus: falava, cantava, pedia? Qual era a matéria526 da

qual Jesus se ocupava no tempo de sua “intimidade” com Deus? Ousamos dizer que

Jesus fazia desse tempo um momento de colóquio com Deus para escutá-lo! A

                                                            526 Quando digo matéria, é o conteúdo que constitui ou o que existe efetivamente. Não se pode imaginar a oração de Jesus sem “nada”!

  115

escuta de Deus era o que “preenchia” esse momento. É por meio da escuta de Deus

que Jesus compreendeu sua vontade. É pela “escuta da Palavra de Deus” que

compreendeu sua missão. Numa sinagoga, após escutar a proclamação da Palavra

de Deus do profeta Isaías, toma consciência de sua missão (Lc 4,17-21). Sua Mãe,

Maria, promete ser a serva da Palavra, porque a escutava com docilidade. Jesus

valoriza a atitude de outra Maria, irmã de Marta, quando se põe atentamente a

escutar sua palavra, deixando tudo, seus afazeres domésticos, para escutá-lo (Lc

10,38-42).

No primeiro Testamento escutar é escutar a Deus. No Novo Testamento,

escutar é basicamente escutar a Jesus. Basicamente a fé depende da escuta do

Senhor Jesus, da escuta de sua palavra, que sai de sua boca, porque também Ele,

Jesus, escutava seu Pai. Mateus remete-nos ao pedido de Deus Pai para que

escute seu Filho, Jesus. É uma afirmação do próprio Deus que expressa: “Este é o

meu Filho amado, o meu predileto, Escutai-o” (Mt 17,5). Lucas compreende da

mesma forma esse mistério: “da nuvem veio uma voz, que dizia: Este é meu Filho

escolhido, Escutai-o” (Lc 9,35). Tanto Mateus como Lucas testemunham a

importância da escuta para a fé. Todo o segundo Testamento reconhece, afirmando

categoricamente, que até mesmo a fé depende da escuta: “pelo ouvido, ouvindo a

mensagem do Messias” (Rm 10,17).

Pela escuta obtém-se a fé, pela escuta descobre-se o seguimento de Jesus.

No quarto evangelho encontramos o testemunho que diz que os primeiros discípulos

de Jesus seguiram-no depois de escutar a pregação de João Batista: “No dia

seguinte, João Batista estava com dois de seus discípulos. Vendo Jesus passar, diz:

aí está o Cordeiro de Deus. Os discípulos o ouviram e seguiram Jesus” (Jo 1,35-38).

A escuta tornou-se essencial para nossa fé, na medida em que é essencial para

nossa salvação. O próprio Cristo o atesta e confirma quando diz que é “pela escuta

e a fé em sua Palavra que se alcançará a vida eterna” (Jo 5,24). E “até os mortos

terão semelhante atitude de ouvir o Senhor na ressurreição” (Jo 5,28). Ainda: até as

ovelhas que não pertencem a seu redil também terão tal capacidade de “escutá-

  116

lo”.527 Os que são ovelhas do redil saberão escutá-lo! Pelas palavras de Jesus

compreendemos que “quem escuta Deus Pai irá até Jesus” (Jo 6,45-46).

Há também coisas que escutamos que são bastante difíceis de escutar, é

duro ouvi-las! Porque às vezes o que escutamos nem sempre nos agrada. Se nos

pomos numa atitude sincera de escuta a Deus, não devemos esperar escutar só o

que nos agrada, mas acima de tudo o que Deus quer. Quando nos pomos à escuta

de Deus, Ele fala, convoca e envia! Assim foi para os “ouvintes de Jesus”528 que se

queixaram aos discípulos, considerando serem muito duras as suas palavras,

porque para segui-las deveriam “comer sua carne e tomar seu sangue” (Jo 6,53-58).

Eis literalmente a queixa de seus ouvintes: “Muitos dos discípulos que o ouviram

comentavam: ‘Esse discurso é bem duro: quem poderá escutá-lo?’” (cf. Jo 6,59).

É devido às “exigências” no seguimento do Senhor que muitas vezes

resistimos em escutá-lo. Com isso nos fechamos em nós mesmos. É o que ocorre

em nossa cultura com os “excessos” de barulho, ruídos ou até em nossas orações,

porque, multiplicando palavras, ocupamos nosso interior com aquilo que nos desvia

de Deus. Ocupamos demais o tempo com palavras humanas, mais que à escuta

silenciosa de Deus, para que fiquemos presos em nossas próprias palavras, e não

na voz de Deus. Pedro, em seu veemente discurso diante dos “responsáveis” do

templo, diz aos sacerdotes e comissários do templo, afirmando uma realidade

decisiva na vida da comunidade primitiva: ouvir a Deus ou ouvir aos homens?

Quando as palavras humanas se opõem à Palavra de Deus, não nos resta dúvida:

“Parece justo a Deus que obedeçamos a vós antes que a Ele? Julgai-o. Quanto a

nós, não podemos calar o que sabemos e ouvimos” (At 4,18 b). Assim, estamos

diante de uma verdade da fé: quem não escuta a Palavra de Deus não vem de

Deus. “Aquele que vem de Deus escuta as palavras de Deus. Por isso vós não

escutais, porque não procedeis de Deus” (Jo 8,47). Eis um mistério insondável:

escutar a Deus.

                                                            527 Jesus tem plena consciência de sua missão: “Tenho outras ovelhas que não pertencem a esse redil; a essas tenho de guiar, para que escutem minha voz” (Jo 10,16). 528 Queremos dar agora ao termo “ouvinte” uma conotação negativa, enfatizando ouvinte como aquele(a) que apenas usa os ouvidos para ouvir, nada mais!

  117

6. A ESCUTA COMO RESPOSTA

Indeterminável e imprevisível é a reação do ser humano diante de Deus que

se manifesta. Olhando o primeiro Testamento, é inevitável tomarmos Moisés e Elias

como referência. Moisés, pelo seu “escondimento” diante da presença divina,

esconde seu rosto na sarça que se consumia (Ex 3,6), e Elias no alto da montanha

(cf. 1 Rs 19,13), que se prostra ocultando sua face diante do Deus que passa.529 No

âmbito do Novo Testamento há uma grande diversidade de reações do ser humano

diante da revelação divina. Os fariseus reagem com perplexidade à revelação de

Jesus quando diz: “quem não nascer de novo não poderá entrar no Reino de Deus”

(cf. Jo 3). Seus discípulos se surpreendem e o abandonam por causa de suas

exigências (cf. Jo 6,61) ou do jovem rico (Mt 19,21), e os que restaram reagiram

admirados: “a quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (cf. Jo 6,68).

Há também os que reagem com medo diante da cura que Jesus faz (cf. Mt 9,31) ou

quando caminha sobre as águas (cf. Mt 14,26).

Jesus é a plenitude da revelação, e por isso a escuta será simplesmente uma

entre tantas atitudes possíveis que o ser humano pode ter. A escuta continua,

entretanto, a ser a atitude mais coerente com a nossa fé perante a revelação divina.

Se respondermos, não é porque Deus nos obriga a escutá-lo, pois certificamos que

é possível não o escutar. É, porém, inevitável e intransferível a reação diante de um

Deus que se revela, se podemos dizer a “ação requer uma reação” (DV). A escuta,

sendo uma entre múltiplas reações, é resposta diante de algo ou de alguém que se

manifesta. E, antes que haja a escuta, primeiro vem a revelação de Deus. Assim, a

escuta é um ato segundo que nos impulsiona a focar nossa atenção no ato primeiro,

a revelação. Pensando a revelação como um ato primeiro antes da escuta, nos

obriga a rever, mesmo que em poucas linhas, a evolução da religião.530 A

humanidade trilhou um longo caminho até a aceitação e o reconhecimento da

existência de um Deus ou de uma divindade e dali até reconhecer a um Deus único.

                                                            529 Moisés diante da presença de Deus na sarça ardente. Elias também esconde seu rosto quando o Deus vivo manifesta-se na chegada da brisa suave. 530 Quero dizer com evolução da religião, dos indícios das primeiras experiências da humanidade diante do divino.

  118

Houve, sem dúvida, um processo na relação do homem com a divindade, até chegar

ao monoteísmo.531 Este processo “evolutivo” na relação do homem enquanto ser

religioso532 deu-se num primeiríssimo momento pela inquietação diante dos

fenômenos da natureza. O homem buscava compreender os fenômenos presentes

na natureza: intempéries, trovões, tempestades e arroubos da violência das águas.

O “ser humano pergunta, quer descobrir, quer encontrar respostas e compreender o

que acontece ao seu redor e em si mesmo perante o mistério, e já evidentemente

‘assombrado’ e perplexo”. Desde os tempos mais remotos no ser humano já havia

uma “tendência universal em crer em um Deus”.533 Há alguns estudiosos que

consideram o animismo534 como uma das manifestações religiosas mais primitivas.

Numa outra caracterização, encontramos o fetichismo535 e o totemismo.536

A procura do homem em compreender os fenômenos da natureza, associada

à experiência da morte e da existência humana, levou-o a perguntar-se sobre o

“sentido da vida”. O ser humano vai buscar o sentido último da vida, pela sua

origem, pela indagação do que possa vir após a morte. Nesse contexto vão surgindo

a aceitação e a crença na divindade.537 O fato de ser possível à linguagem falar do

mistério foi determinante. Uma linguagem que pudesse dar conta de falar do

mistério, ou do transcendente, foi fundamental para o processo evolutivo da religião,

pois a religião tem sua linguagem própria. Religião aqui tem a ver com experiência, a

experiência de uma presença, de uma força incomparável, cuja fonte é o Mistério

                                                            531 FOHRER, Georg. História da religião de Israel. São Paulo: Academia Cristã/Paulus, 2006. Nesta obra se diz: houve uma evolução da religião israelita ou um processo até o alcance de um Deus único de todas as nações, p. 26; SCHMIDT, W. H. et al. A fé do Antigo Testamento. São Leopoldo (RS): Sinodal/Escola Superior de Teologia, 2003. Nesta obra o autor vai dizer que os antepassados de Israel ainda não adoravam o Deus uno: “vossos pais [...]. e outros deuses, p. 25; mesmo que nos primórdios da história e religião de Israel encontra-se na penumbra [...] primitivo, p. 37; Porém, num dado momento, na vida da história da religião de Israel vai ‘transparecer um traço essencial da fé em Javé: uma religião de adoradores’”, p. 49. 532 MONDIN, B. O homem, quem é..., op. cit., p. 254. 533 USARSKI, Frank (org.). O espectro disciplinar da ciência da religião. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 58-59. Ver também TAMAYO, Juan José (org.). Novo dicionário de teologia. São Paulo: Paulus, 2009, p. 470. 534 USARSKI, F. O espectro disciplinar..., op. cit., p. 58. Cf. também KONINGS, J. M. H.; ZILLES, Urbano (orgs.). Religião e cristianismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 93. Este diz que o animismo (o africano, antes de tudo) atribui “alma” não só às pessoas, mas às coisas. 535 Id., ibid. É caracterizado por feitichismo, culto de feitiços ou ídolos. 536 Id., ibid. Ao passo que totemismo é o culto do totem ou do animal protetor do clã. Cf. também MONDIN, B. O homem, quem é..., op. cit. Para o historiador Edward B. Tylor (1832-1917), a primeira forma religiosa praticada pela humanidade foi o animismo (citado em id., ibid., p. 241). 537 Id., ibid., p. 224. Nesta obra o autor afirma que a religião é uma manifestação tipicamente humana, e os antropólogos informam-nos que o homem desenvolveu atividade religiosa desde sua primeira aparição no cenário da história. 

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mesmo.538 Neste sentido religião é revelação, pois é a aparição do transcendente no

limite da existência.539 Mesmo assim, as pesquisas avançam no sentido de

aprofundar os “sinais da presença” de Deus. Esta identificação prossegue mais e

mais na descoberta da mais antiga revelação de Deus.540 O que temos é que

sempre podemos chamar de revelação a experiência de que “Deus fala” ou quando

a iniciativa de Deus revela ao homem sua presença e atuação.541 Esta forma de

entender a religião facilita a compreensão do que seja a revelação. É somente num

tempo mais tardio que podemos falar da crença num Deus único, ainda que não tão

nítida. Neste sentido, cabe aos hebreus um lugar de destaque como os que primeiro

assinalaram em sua cultura o culto ao Deus único. É de consenso que a religião do

povo bíblico remete inevitavelmente à revelação de um Deus presente, atuante. A

religião do Antigo Testamento (também a do Novo) caracteriza-se pela “intervenção

de Deus na história, intervenção devida unicamente à sua livre decisão”542. Diz

ainda:

“A concepção de uma intervenção divina é entendida como o encontro de alguém com alguém; de alguém que fala com alguém que ouve e responde. Dirige-se Deus ao homem como um senhor a seu servo, interpela-o, e o homem, que ouve a Deus, responde pela fé e pela obediência. O fato e o conteúdo dessa comunicação nós o chamamos de revelação”.543

Isso dito quer dizer, contudo, que a Palavra verdadeiramente se dá aqui e

agora, em nós e entre nós. Bruno Forte vai dizer que a Palavra vem do Silêncio: “Se

é verdade que a Palavra vem do Silêncio (ou a não Palavra) e para lá voltará”.544

É certo que, para uma verdadeira e profunda atitude de escuta, é preciso o

silêncio. E somente a Palavra pode falar algo ou falar de si pelo silêncio. A voz

humana não pode ocorrer ali, no silêncio, que só a Palavra (divina) alcança. Se for

correta a afirmação desse autor, podemos compreender que só o Espírito, a Palavra                                                             538 KONINGS, J. M. H.; ZILLES, U. Religião e..., op. cit., p. 35. 539 Id., ibid., p. 55. 540 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 15. 541 KONINGS, J. M. H.; ZILLES, U. Religião e..., op. cit., p. 56. 542 LATOURELLE, R. Teologia da revelação, op. cit., p. 13. 543 Id., ibid. 544 FORTE, B. Teologia da história..., op. cit., p. 58.

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e o Silêncio podem então frutificar ou produzir a revelação: “O Espírito será aquele

encontro tremendo entre o Silêncio e a Palavra”.545

É preciso recordar que a escuta tal qual propomos não desconsidera a

caminhada do povo de Deus bíblico. Ao contrário, para a escuta, o povo da Bíblia é

sua referência. A Escuta como resposta a um Deus que se revela situa-se na esfera

das religiões ditas proféticas.546 E está inserida no contexto das religiões

monoteístas de origem semítica.547 Na religião original do povo bíblico está presente

uma espécie de “monoteísmo original que constitui a Revelação original”.548

Com a afirmação anterior podemos definir o seguinte: “se Revelação é

revelação da Palavra pessoal de Deus e se o centro da Revelação não é uma

verdade abstrata, [...], mas uma pessoa que nos fala, nos busca, [...] então a Palavra

de Deus (revelação) antes de tudo deve ser ouvida”.549 Nisto é que consiste e o que

caracteriza o povo de Deus bíblico. Primordialmente é um povo da escuta: shemá,

Israel, escuta, Israel (Dt 6,4). Mesmo que a escuta, entretanto, ainda seja um ato

segundo, é a primeira e básica atitude para um diálogo promissor. Isto inclui o

diálogo com Deus. E não tanto um diálogo que foca sua atenção na mensagem, e

sim, acima de tudo e sobretudo, centra sua atenção naquele que emite a

mensagem, ou seja a pessoa.550

Eis a Palavra que se revela e, em sua infinita soberania, livremente age

quando, onde e em quem quiser. Nisso recorremos insistentemente a Dei Verbum:

“Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a

conhecer o mistério da sua vontade” (DV, 2).

Retomando então o “ouvindo religiosamente” a que a Dei Verbum se refere

não poderá ser outra coisa senão um ato segundo. Identificamos a escuta como

uma resposta à Palavra que se revela. Mas o Espírito acompanha a Palavra que

ecoa ressonante. Verdadeiramente Deus só se pode autoexpressar de uma maneira

total pelo espírito num homem que livremente o acolhe e amorosamente lhe

responde. E, ao inverso, o homem (Jesus) só se pode autotranscender na dimensão

                                                            545 FORTE, B. Teologia da história..., op. cit., p. 58. 546 KONINGS, J. M. H.; ZILLES, U. Religião e..., op. cit., p. 90. 547 Id., ibid., p. 102. 548 DTF, p. 750-751. 549 MANNUCCI, V. Bíblia palavra..., op. cit., p. 37. 550 Id., ibid.

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do espírito ali onde Deus livremente o escuta, o acolhe e lhe responde.551 Palavra,

Espírito e escuta estão entrelaçadas inequivocamente para aqueles que são de

Cristo. E é a Palavra que se dá e se apresenta vivamente. O Espírito a move e a

torna eficaz. Libanio vai nos dizer: “que o que vem em primeiro lugar no

conhecimento da fé revelada é a Palavra: crer é dizer ‘sim’ ao Verbo saído do eterno

Silêncio”. A fé nasce da escuta (cf. Rm 10,17). A escuta só é, entretanto, possível

por ter-se realizado, na história, o evento da palavra, que é o Cristo.552 Ainda diz

mais:

“a obediência da fé não é outra coisa senão a escuta profunda, a escuta daquilo que está por trás da palavra imediatamente ouvida [...]. Se chamarmos este ‘mais além’ da Palavra com o nome de Silêncio, poderíamos afirmar que o verdadeiro acolhimento da Palavra de Cristo é a escuta do Silêncio que a supera e do qual ela provém”.553

A Igreja reconhece, por experiência, o grande desafio quanto à escuta. A

Verbum Domini sugere: só podemos aprofundar a nossa relação com a Palavra de

Deus dentro do “nós” da Igreja, na escuta e no acolhimento recíproco.554 E é de tal

forma relevante escutar a Palavra, que, quando escutamos a Palavra de Deus, isto

nos levará a prezar a exigência de viver segundo esta lei “escrita no coração”.555

Bruno Forte vai dizer que, quando escutamos, acontece uma “guinada por ocorrer

que a escuta nos leva à abertura para o silêncio do ser”.556 E diz mais: onde a

filosofia é pergunta, a teologia é escuta da revelação.557 O autor citado remete esta

reflexão a Heidegger, mas aceita e reafirma a relevância da escuta sobre outras

atitudes. E diz que o traço fundamental do pensamento não é o interrogar, mas o

escutar.558

Essa ação humana (de escutar) como ato segundo se dá porque a Palavra

apresenta-se a nós de diversas e variadas formas e misteriosamente movida pelo

Espírito vem a nosso encontro. A Palavra quer fazer-se conhecida e dialogar

                                                            551 PIKAZA, X. El Espíritu Santo y Jesús..., op. cit., p. 42. 552 LIBANIO, J. B. Teologia da revelação..., op. cit., p. 63. 553 Id., ibid. 554 VD, p. 9. 555 Id., ibid., p. 22. 556 FORTE, B. Teologia da história..., op. cit., p. 76. 557 Id., ibid., p. 77. 558 Id., ibid., p. 78.

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conosco.559 E, se atinamos que isto mereça nosso obséquio, daremos a devida

atenção (cf. Lc 5,4). Desta forma, se focamos nossa atenção na Palavra (pela

escuta), daremos à nossa vida o primado da Palavra de Deus.560

Nesse horizonte temos de reconhecer que pela escuta é possível dizer que

nós, seres humanos, somos destinatários da Palavra.561 Mesmo assim, ainda nos

acercamos da liberdade por ser a escuta, ainda que ato segundo, um ato

absolutamente livre. O Deus e Senhor, Ele mesmo, nos torna, porém, capazes de

escutar a sua Palavra, se o quisermos.

O milagre operado pela escuta à Palavra que se revela é o milagre do

encontro.562 O encontro entre o homem e Deus, Deus e o homem. Nesta linha,

podemos lembrar Rahner quando nos fala do ouvinte da palavra.563 Em sua

proposta, vamos enxergar a possibilidade de o homem transcender a si mesmo e

nessa transcendência encontrar-se com Deus.564 É o homem que depara com o

absoluto.

O que há pouco falamos da escuta como ato segundo nos faz pensar sobre a

realidade social em que vivemos, que é uma contradição. A realidade social em que

vivemos apresenta diversos obstáculos para fazer-se escutar. Por isso, entendemos

não ser inocente o mundo em que vivemos impedir ou dificultar ao máximo o cultivo

e a experiência do silêncio (que favorece a escuta). Há um grande grito de socorro

em nossa sociedade que suplica pela escuta. Nós todos carecemos

existencialmente da escuta. Na falta do silêncio em que todo e cada um se recusa

está escondido o tesouro da escuta. Já dizíamos anteriormente que a escuta é uma

resposta à Palavra que se revela no Espírito. O Espírito está em ação para que cada

um de nós dê oportunidade à escuta da Palavra. Até se diz que a escuta é o silêncio

fecundo habitado pela Palavra.565

Essa clara resistência à escuta é tipicamente uma das “características” da

cultura do barulho e é um sinal dos tempos. Desta cultura fazemos parte, pois ao                                                             559 VD, p. 22. 560 VD, p. 22. 561 FORTE, B. Teologia da história..., op. cit. 562 Id., ibid., p. 169. 563 RAHNER, Karl. Cap. “Ouvintes da palavra” (p. 37-60). In: RAHNER, K. Curso fundamental da fé. 4ª ed. São Paulo: Paulus, 2008, 531 p. 564 Id., Ibid., p. 171. 565 FORTE, B. Teologia da história..., op. cit., p. 27.

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mesmo tempo a promovemos e dela somos vitimas. Já que somos nós os geradores

dos ruídos do dia a dia e das diversas aberrações sonoras que nos afetam a todos.

A cultura do barulho é absurdamente inquietante, não para, as pessoas são dadas

ao estresse facilmente e, por qualquer motivo, se põem em conflito. O silêncio é algo

a ser evitado, não sabemos o que fazer quando chega o silêncio. O tempo é

precioso demais para ser desperdiçado com meditação e o silêncio.

A poetisa Adélia Prado, conhecida nacionalmente, elenca algumas

características típicas dessa cultura do barulho e nos conta de suas experiências

nas celebrações que participa. Como é de confissão católica, pode com segurança

dizer que nas comunidades católicas esta cultura do barulho já chegou. O excesso

de barulho, os ruídos excessivos de nosso dia a dia: nas ruas, dos veículos, as

buzinas e gritarias já estão por toda parte e também em nossas casas e em nossas

comunidades cristãs.566 A estas características enumeradas há pouco, chamamos

“cultura do barulho”. Somos parte dela! Estamos inseridos nela. E não nos

surpreendemos de forma alguma com as estatísticas de danos no aparelho auditivo

e das frequentes queixas de pessoas, nas mais variadas idades, profissões e níveis

sociais, que não conseguem escutar ou nunca são escutadas.

Ainda que no contexto social identificássemos as constantes dificuldades de

escutar a Palavra de Deus, mesmo assim, na Sagrada Escritura, o profeta Amós vai

nos dizer de um paradoxo:

“vede que chegam os dias – oráculo do Senhor – em que enviarei fome ao país: não fome de pão nem sede de água, mas de ouvir a Palavra do Senhor; andarão errantes do nascente ao poente, vagando de norte a sul, buscando a Palavra do Senhor e não a encontrarão” (cf. Am 8,11-12).

                                                            566 A poetisa mineira Adélia Prado faz sua observação das celebrações de que participa: “missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum”. Parece-nos que ela compara a missa com um poema, porque compara a linguagem poética à linguagem litúrgica. Defende a ideia de que a missa é o que há de mais absurdamente poético que existe. É o absolutamente novo sempre! Ainda diz: não precisamos botar mais nada em cima disso, “é só isso”. Como nossas comunidades estão permeadas por cantos barulhentos, instrumentos ruidosos e microfones altíssimos, fruto desta cultura do barulho, então nos falta o espaço para o silêncio, tão essencial para ecoar a Palavra. Por isso a importância e a necessidade do silêncio que não se tem tido nas nossas comunidades católicas (PRADO, A. Missa é como poema..., op. cit.).

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Noutra perspectiva, poderíamos perguntar-nos qual seria então o papel ou a

função do Espírito no ato da escuta que responde à Palavra que se revela? Se a

Palavra se revela é porque o Espírito a move, dinamiza-a. Sem a qual, mesmo a

Palavra se revelando, seria inócua. Poderíamos apenas ouvi-la. Seria apenas uma

ação dos ouvidos (um dos sentidos), nada mais do que isso. A experiência de Deus

que se dá pela escuta da Palavra que se revela só se dá pelo Espírito, ou seja,

“qualquer experiência de Deus depende do Espírito”567. É o Espírito que torna a

Palavra escutada mais viva e eficaz.568 A função do Espírito na escuta da Palavra é

insubstituível, porque, quando fazemos a experiência de Deus escutando sua

Palavra, é o Espírito quem nos põe em relação com a Palavra. O Espírito, antes de

escutarmos a Palavra, vem a nós e nos auxilia em preparação e também para

entendermos a própria Palavra (cf. DV, 5).

Quando nos pomos à escuta da Palavra que se revela no Espírito, não

escutamos qualquer outro, mas escutamos um Outro. Dizemos de um

absolutamente Outro. Deus (ou sua Palavra) é o absolutamente Outro,569 pois o

cristianismo em si mesmo é, sobretudo, a manifestação (revelação) do outro, o puro

desvelar-se Dele.570 Como a Palavra não é eficaz sem o Espírito, ocorre que agem

sempre juntas, nunca separadas. E, se na escuta há a ação da Palavra e do

Espírito, só se “escuta a palavra de um modo que nos faça verdadeiramente recebê-

la e compreendê-la, graças a um dom (Espírito) de Deus. [...] ainda mais: Deus

trabalha o coração para torná-lo atento e acolhedor à palavra”.571 Numa visão

antropomórfica, o movimento ou a ação da Palavra e do Espírito, quando no ato da

escuta, só provém de uma única e mesma origem: da boca de Deus. “Antes de tudo,

Palavra e Espírito, ambas saem da boca Dele”572. É por isso que, quando escutamos

a Palavra de Deus, não pode haver confusão nem dissonância. O caminho se faz do

seguinte modo:

                                                            567 COMISSÃO TEOLÓGICO-HISTÓRICA do Grande Jubileu do Ano 2000. Senhor, a terra está repleta do teu Espírito, p. 18. Ver também LOEHER, M.; FEINER, J. Mysterium Salutis..., op. cit., p. 7-9. Ali se diz que só entramos em relação com Cristo por intermédio de seu Espírito. Cf. também CODINA, V. “Não extinguirás...”, op. cit., p. 35. Neste trabalho se vai dizer que não é possível entender a Palavra sem a ajuda do Espírito Santo; e ainda mais, na mesma página: o Espírito é aquele que acompanha a Palavra, e é a “boca de Deus” que antecede e pronuncia a Palavra. 568 COMISSÃO TEOLÓGICO-HISTÓRICA..., op. cit., p. 19. 569 FORTE, Bruno. À Escuta do outro. São Paulo: Paulinas, p. 36. O autor vai recordar a teologia de Karl Barth, que se refere a Deus como o absolutamente Outro. 570 Id., ibid., p. 14. O autor desta obra também vai lembrar-se do pensamento de Hegel. 571 CONGAR, Y. A palavra e o Espírito..., op. cit., p. 31. 572 Id., ibid.

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A palavra sai da boca de Deus. Atravessa o espaço intermediário, a palavra chega ao ouvido daquele que escuta; pelo ouvido; desce ao seu coração e daí às entranhas, “descem às câmaras do ventre” (Pr 20,30; 26,32). “Daí sobem ao coração” e podem ser emitidas pela boca. Ora, o que sai da boca é alento, sopro, em forma de som. “O mesmo ar, que é respiração e alento, é palavra que se comunica”.573

A função do Espírito faz o sujeito (quem escuta) escutar a Palavra escrita

tanto quanto a Palavra inscrita. É o Espírito que age para que o “ouvinte” “acolha

adequadamente tanto a palavra escrita quanto a palavra anunciada, Lutero vai se

referir a este mistério: de que há uma atuação no interior do coração humano para

que este se predisponha a escutar a Palavra”.574 De outro modo, num outro

documento, vai-se falar desta indissolúvel ação entre o Espírito e a Palavra no

interior do coração humano em relação à escuta:

Só podemos aprofundar a nossa relação com a Palavra de Deus dentro do “nós da Igreja, na escuta e no acolhimento recíproco”.575 Pois só através da Palavra de Deus podemos prezar a exigência de ver segundo esta lei “escrita no coração” (cf. Rm 2,15;7,23).576

A Verbum Domini vai nos dizer: “de fato não é possível uma compreensão

autêntica da revelação cristã fora da ação do Paraclito. Isto se deve ao fato de a

comunicação que Deus faz de Si mesmo implicar sempre a relação entre o Filho e o

Espírito Santo.577 E quando ocorre a revelação divina, Deus mesmo nos torna

capazes de escutar (responder) à sua Palavra. Neste sentido, o ser humano é criado

na Palavra e vive nela; e não se pode compreender a si mesmo, se não se abre a

este diálogo (relação).578 Antes mesmo, porém, de cada um de nós se pôr numa

atitude de escuta, Deus primeiro nos escuta.579

                                                            573 SCHÖKEL, L. A. A Palavra inspirada..., op. cit., p. 254. 574 CONGAR, Y. A palavra e o Espírito..., op. cit., p. 46. 575 VD, p. 9 576 CONGAR, Y. A palavra e o Espírito..., op. cit., p. 22. 577 Id., ibid., p. 34. 578 Id., ibid., p. 48. 579 Id., ibid.

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Felizmente temos a nosso favor uma grande aliada que soube viver a Escuta

em seu tempo e em sua cultura. Lembramo-nos de forma singular de uma mulher,

aquela que soube dar primazia à Palavra, à escuta da Palavra de Deus, Maria:

Ela é modelo perfeito de uma escuta crente da Palavra divina. É figura da Igreja à escuta da Palavra de Deus que nela Se fez carne.580 É também símbolo da abertura a Deus a aos outros; escuta ativa, que interioriza, assimila, na qual a Palavra se torna forma de vida.581

Maria é verdadeiramente o ícone da escuta fecunda da Palavra. Desta forma

ela nos ensina a, além de escutar a Palavra, também a acolhê-la, guardá-la e

meditá-la (cf. Lc 2,19). Depois de Jesus, apontamos Maria como outro grande

modelo de escuta: faça-se em mim segundo a Palavra do Senhor (cf. Lc 1,38). A

felicidade de Maria é ter escutado e acreditado na Palavra (Lc 1,44). É tão profundo

isto, que, até quando Isabel escutou a saudação de Maria em sua casa, o menino

que estava em seu ventre pulou de alegria (cf. Lc, 1, 49). Com isto podemos afirmar

que Maria é um grande modelo de escuta:

“Maria, Virgem da escuta, tu és o silêncio no qual ressoa para nós a eterna Palavra da vida. Ajuda-nos a ser ouvintes do Verbo, dócil e silencioso terreno da sua vinda. Pede para nós o dom do Espírito que ele cubra, também a nós, com a sua sombra e seja penhor, em nós, da vida futura, para nos tornar, neste hoje que passa, promotores de justiça e de paz; antecipadores da festa do Reino. Amém. Aleluia!”582

                                                            580 CONGAR, Y. A palavra e o Espírito..., op. cit., p. 54. 581 Id., ibid. 582 FORTE, Bruno. A Palavra para viver. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 51.

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CONCLUSÃO

Lembramos o velho Simeão, que, ao ver Jesus pequenino, expressou com

tanta eloquência: “uma luz brilhou no caminho” (cf. Lc 2.32). Este trabalho nos fez

sentir como Simeão, que, ao ver a pequenina criança em suas próprias mãos,

reconhece a ação bondosa de Deus que lhe permitiu saborear a vida divina, ali à

sua frente. Este sentimento de Simeão é o mesmo perante a pesquisa que

desenvolvemos. Ao verificar a relação entre a Palavra e o Espírito na Dei Verbum,

num primeiro momento, deparamos com alguns percalços, como a pouca referência

ao Espírito Santo ou o escasso material bibliográfico. Mas num momento posterior,

com o decorrer das pesquisas, foi emergindo um farto e inusitado material. Na

medida em que avançávamos na pesquisa, os rumos desta foram mudando, para

melhor. Neste sentido o nosso tema da relação entre Palavra e Espírito na Dei

Verbum é bem semelhante ao que diz o velho Simeão sobre a luz que surgiu das

sombras.

Podemos enumerar as luzes lançadas com este trabalho ou dos novos

horizontes que foram descobertos. A primeira é a da percepção da atualidade da Dei

Verbum. Por tratar da revelação divina, esta Constituição é relevante para o nosso

mundo. Num ambiente tão plural, secularizado, de “indiferentismos” e dos sem

religião, a Dei Verbum teria um “algo mais” a dizer ao mundo de hoje, mais do que

talvez a Sacrasuntum ou a Lumem Gentium, que tiveram maior repercussão naquela

época no seio da Igreja e na sociedade. Nos tempos de século XXI temos a

sensação de que a Dei Verbum, por sua magnitude e por sua abordagem sobre a

Palavra de Deus, sobre a revelação, ser mais relevante, teria maior penetração e

significado. Ainda mais para uma geração de católicos (e não católicos), tão alheios

e desligados da reflexão teológica.

Outra grande descoberta com a pesquisa sobre a relação entre pessoas

divinas (Palavra e Espírito) é que a relação entre Palavra e Espírito nos obriga

inevitavelmente a rever (ou revisar) nosso próprio relacionamento ou nosso jeito de

viver na relação com Deus, em primeiro lugar, mas nosso jeito de viver na relação

com as pessoas (os outros e nós mesmos), e também em nossa relação com o

mundo (a sociedade) e com as coisas. Sob este prisma da relação entre as duas

Pessoas divinas, atinamos que a escuta tem um lugar relevante. Se na relação entre

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as duas Pessoas divinas encontramos a fonte de nossa própria vida relacional,

então a escuta é inevitável. Se quisermos refazer nossa vida de relações, a escuta

tem uma certa primazia sobre as demais atitudes. A escuta permite a postura

adequada ao que se manifesta diante de nós.

Por isso, diante da reflexão sobre a relação entre a Palavra e o Espírito, a

escuta só pode ser um (re)começo promissor para quem quer reelaborar um novo

modo de viver. Se aprendermos das Pessoas divinas a relacionalidade autêntica, é

pela escuta que vamos dar vazão coerente ao que a Palavra nos interpela no

Espírito. Nesse sentido a escuta pode suscitar um novo modus vivendi. O ponto de

partida é a consciência da relação entre a Palavra e o Espírito, que suscita a escuta

em nós. Mas, em seguida, vem a escuta que nos pode ajudar a refundar ou

reformular nossa vida relacional. Da escuta (mesmo que ato segundo) pode

depender certamente nosso novo modo de relacionar-nos com Deus, com as

pessoas, com o mundo e até com as coisas. Só depende de nossa vontade e

liberdade.

Com tudo isso, reconhecemos humildemente que a escuta não consegue

esgotar a ação reveladora de Deus. A escuta é uma entre muitas atitudes. A escuta

não consegue abarcar a totalidade da presença divina em contato com os seres

humanos, nem é exclusivista ou monopolista quanto à relação entre o homem e a

divindade. É por isso que a escuta pode eminentemente servir à vida cristã em todos

os níveis e dimensões, e de fato tem-se verificado isto quando nos pomos à escuta.

Esta, porém, esbarra em sua própria limitação, pois depende da liberdade e da

vontade humana, pois, mesmo sendo ato segundo, não prescinde do ato livre

daquele que se põe a escutar. Esse ato segundo permitirá plena resposta de fé, a

Deus, aos outros, a si mesmo e a vida que pulsa no interior humano e grita na vida

do mundo. Desta atitude de escuta, sem dúvida, pode surgir outra prática pastoral.

Seja no trato com as pessoas de modo geral, que leve em conta o que elas pensam,

sentem ou vivem. Mas também vai proporcionar melhor qualidade na forma pela

qual lidamos com a liturgia, na relação com a Sagrada Escritura proclamada. A

escuta servirá também para uma constante revisão pastoral. Identificando possíveis

desvios na caminhada pastoral, admitindo novos horizontes que os planejamentos

jamais poderiam prever. Os perigos da acomodação e dos desvios que nos levam à

infidelidade em nossos planos pastorais terão menos força quando nos dermos à

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escuta do ser humano e à escuta da Palavra de Deus. E o Espírito será sempre a

garantia de que nossa escuta nunca será infrutífera ou perda de tempo.

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