a arte de escutar, palestas em adyar, india - krishnamurti

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A Arte de Escutar Palestras em Adyar, Índia

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Aos Pés do Mestre

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  • A Arte de Escutar

    Palestras em Adyar, ndia

  • Palestra - 29 de dezembro, 1933

    O Senhor Warrington, o Presidente Interino da Sociedade Teosfica, amavelmente me convidou a vir a Adyar e dar algumas palestras aqui. Estou muito satisfeito de ter aceitado o seu convite e aprecio a sua amizade, que espero continuar, muito embora possamos divergir completamente nas nossas idias e opinies. Espero que todos ouam as minhas palestras sem preconceito, e no pensem que estou a tentar atacar a vossa sociedade. Quero fazer outra coisa muito diferente. Quero estimular o desejo da verdadeira busca, e isto, penso eu, tudo o que um professor pode fazer. tudo o que quero fazer. Se eu puder despertar esse desejo em vocs, terei cumprido a minha tarefa, porque desse desejo chega a inteligncia, aquela inteligncia que est livre de qualquer sistema e de qualquer crena organizada. Esta inteligncia est para alm de qualquer pensamento de compromisso e falso ajustamento. Portanto durante estas palestras, aqueles de entre vocs que pertenam s vrias sociedades ou grupos, por favor tenham em mente que estou muito grato Sociedade Teosfica e ao seu Presidente Interino por me terem pedido para vir aqui falar, e que no estou a atacar a Sociedade Teosfica. No estou interessado em atacar. Mas afirmo que embora as organizaes para o bem-estar social do homem sejam necessrias, as sociedades baseadas em esperanas e crenas religiosas so perniciosas. Portanto, ainda que possa parecer que falo de modo spero, por favor lembrem-se que no estou a atacar qualquer sociedade em particular, mas que estou contra todas estas falsas organizaes que, embora professem ajudar o homem, so na realidade um grande obstculo e so um meio de explorao constante. Quando a mente est cheia de crenas, idias, e concluses definitivas a que chama conhecimento e que se torna sagrado, ento o movimento infinito do pensamento cessa. o que est a acontecer maioria das mentes. Aquilo a que chamamos conhecimento apenas acumulao; impede o livre movimento do pensamento, no entanto mantemo-nos fiis a ele e adoramos esse pretenso conhecimento. Assim a mente fica enredada, emaranhada nele. somente quando a mente libertada de toda esta acumulao, das crenas, dos ideais, dos princpios, das memrias, que existe o pensamento criativo. No podem pr de parte cegamente a acumulao; s podem ficar livres dela quando a compreenderem. Ento h pensamento criativo; ento h movimento eterno. A mente j no est separada da ao. Ora as crenas, os ideais, as virtudes, e as idias santificadas que perseguem, e s quais chamam conhecimento, impedem o pensamento criativo e pem assim termo ao amadurecimento do pensamento. Porque pensamento no significa o seguimento de um canal especfico de idias, hbitos e tradies estabelecidos. O pensamento crtico; uma coisa parte do conhecimento herdado ou adquirido. Quando apenas aceitam idias, tradies, no esto a pensar, e h uma lenta estagnao. Vocs dizem-me, Temos crenas, temos tradies, temos princpios; no estaro carretos? Devemos livrar-nos deles? No vou dizer que devem livrar-se deles ou que no devem. De fato, precisamente a vossa prontido em aceitar a idia de que devem ou no se livrar destas crenas

  • e tradies que os impede de pensar; esto j num estado de aceitao, e por conseguinte no tm a capacidade de ser crtico. Estou a falar com indivduos, no com organizaes ou grupos de indivduos. Falo-lhes como indivduos, no para um grupo de pessoas possuindo certas crenas. Se a minha palestra tiver algum valor para vocs, tentem pensar por si mesmos, no com a conscincia de grupo. No pensem com os princpios com os quais j se comprometeram, porque eles so apenas formas subtis de conforto. Dizem, Perteno a uma certa sociedade, a um certo grupo. Fiz certas promessas a esse grupo e aceitei dele certos benefcios. Como posso pensar separadamente destas condies e promessas? Que devo fazer? Eu digo, no pensem em termos de compromissos, porque eles impedem-nos de pensar criativamente. Onde existe a mera aceitao no pode haver pensamento criativo, livre e fluente que por si s inteligncia suprema, que por si s felicidade. O pretenso conhecimento que adoramos, que nos empenhamos em obter lendo livros, impede o pensamento criativo. Mas porque eu digo que tal conhecimento e que tal leitura impedem o pensamento criativo, no se voltem imediatamente para o oposto. No digam: No devemos ler de todo? Estou a falar destas coisas porque lhes quero mostrar o seu significado inerente; no os quero impelir para o oposto. Agora, se a vossa atitude for uma de aceitao, vivem com medo da crtica, e quando surge a dvida, como tem que surgir, vocs cuidadosa e diligentemente destroem-na. Contudo somente atravs da dvida, atravs da crtica, que se podem realizar; e o objetivo da vida realizar, no acumular, no alcanar, como presentemente explicarei. A vida um processo de busca, no de buscar um fim especfico, mas de libertar a energia criativa, a inteligncia criativa do homem; um processo de movimento eterno, livre de crenas, de conjuntos de idias, de dogmas, ou do pretenso conhecimento. Portanto quando falo de crtica, por favor no sejam partidrios. Eu no perteno s vossas sociedades; no detenho as vossas opinies e ideais. Estamos aqui para examinar, no para tomar partido. Por isso por favor acompanhem o que vou dizer com esprito aberto, e tomem partido se tiverem que tomar partido aps estas palestras estarem concludas. Porque tomam partido? Pertencer a um grupo especfico transmite-lhes uma idia de conforto, de segurana. Pensam que porque detm certas idias ou princpios, desse modo amadurecero. Mas no presente, tentem no tomar partido. Tentem no ser influenciados pelo grupo especfico a que agora pertencem, e no tentem tambm tomar o meu partido. Tudo o que tm a fazer durante estas palestras examinar, ser crticos, duvidar, descobrir, procurar, aprofundar os problemas vossa frente. Vocs esto habituados oposio, no crtica. (Quando digo vocs, por favor no pensem que estou a falar com uma atitude de superioridade.) Dizia que no esto habituados crtica, e atravs desta falta de crtica esperam desenvolver-se espiritualmente. Pensam que atravs desta destruio da dvida, livrando-se da dvida, avanaro, porque ela foi colocada perante vocs como um das qualidades necessrias para o progresso espiritual; e so desse modo explorados. Mas na vossa cuidadosa destruio da dvida, no fato de terem posto de parte a crtica, apenas desenvolveram oposio. Vocs dizem, As escrituras so a minha autoridade para isto, ou Os professores disseram isso,

  • ou Eu li isto. Por outras palavras, mantm-se fiis a certas crenas, a certos dogmas, a certos princpios com os quais se opem a qualquer situao nova e contraditria, e imaginam que esto a pensar, que so crticos, criativos. A vossa posio como a de um partido poltico que age apenas em oposio. Se forem verdadeiramente crticos, criativos, jamais simplesmente se oporo; estaro ento preocupados com realidades. Mas se a vossa atitude for apenas uma de oposio, ento a vossa mente no se encontrar com a minha; ento no compreendero o que estou a tentar transmitir. Portanto quando a mente est habituada oposio, quando foi cuidadosamente treinada, atravs da suposta educao, atravs da tradio e da crena, atravs de sistemas religiosos e filosficos, para adquirir esta atitude de oposio, ela naturalmente no tem a capacidade de criticar e de duvidar verdadeiramente. Mas se me quiserem compreender, esta a primeira coisa que devem ter. Por favor no fechem as vossas mentes quilo que estou a dizer. A crtica verdadeira o desejo de descobrir. A faculdade de criticar s existe quando querem descobrir o valor inerente de uma coisa. Mas vocs no esto habituados a isso. As vossas mentes so inteligentemente treinadas para atribuir valores, mas por esse processo nunca compreendero o significado inerente de uma coisa, de uma experincia, ou de uma idia. Para mim, portanto, a verdadeira crtica consiste em tentar descobrir o valor intrnseco da coisa em si, e no em atribuir uma qualidade a essa coisa. Vocs atribuem uma qualidade a um meio, a uma experincia, somente quando querem obter algo deles, quando querem ganhar ou ter poder ou felicidade. Ora isto destri a verdadeira crtica. O vosso desejo pervertido atravs da atribuio de valores, e por conseguinte no podem ver claramente. Em vez de tentar ver a flor na sua beleza original e completa, vocs olham para ela atravs de vidros coloridos, e por isso nunca a podem ver como ela . Se quiserem viver, desfrutar, apreciar a imensidade da vida, se realmente a querem compreender, no apenas repetir, como um papagaio, o que lhes foi ensinado, o que lhes foi repetido inmeras vezes, ento a vossa primeira tarefa retirar as perverses que os enredam. E garanto-lhes que esta uma das tarefas mais difceis, porque estas perverses fazem parte da vossa formao, fazem parte da vossa educao em crianas, e muito difcil desligarem-se delas. A atitude crtica requer ausncia da idia de oposio. Por exemplo, vocs dizem-me, Ns acreditamos em Mestres; voc no. O que tem a dizer a isto? Ora essa no uma atitude crtica; , mas por favor no pensam que estou a falar rudemente, uma atitude infantil. Estamos a discutir se certas idias so em si fundamentalmente verdadeiras, no se ganharam algo com essas idias; porque o que ganharam podem ser apenas perverses, preconceitos. O meu objetivo durante esta srie de palestras despertar a vossa prpria capacidade crtica, para que os professores se tornem desnecessrios para vocs, para que no sintam a necessidade de conferncias, de sermes, para que compreendam por vocs prprios o que verdade e vivam completamente. O mundo ser um lugar mais feliz quando no houver mais professores, quando um homem j no sentir que tem que pregar ao seu prximo. Mas esse estado s pode acontecer quando vocs, como indivduos, estiverem realmente despertos, quando duvidarem enormemente, quando tiverem verdadeiramente

  • comeado a questionar no meio do sofrimento. Ento deixam de sofrer. Sufocaram as vossas mentes com explicaes, com conhecimento; endureceram os vossos coraes. No esto interessados no sentimento, mas sim nas crenas, nas idias, na santidade do pretenso conhecimento, e por isso esto famintos; j no so seres humanos, mas meras mquinas. Vejo que abanam as cabeas. Se no concordam comigo, faam-me perguntas amanh. Escrevam as vossas perguntas e entreguem-nas, e eu responderei. Mas esta manh vou falar, e espero que acompanhem o que tenho para dizer. No h lugar de descanso na vida. O pensamento no pode ter lugar de descanso. Mas vocs esto procura desse tal lugar de descanso. Nas vossas vrias crenas, religies, procuraram esse lugar de descanso, e nesta procura deixaram de ser crticos, de fluir com a vida, de desfrutar, de viver amplamente. Conforme disse, a verdadeira procura que diferente da procura de um objetivo, ou da procura de ajuda, ou da persecuo de ganho a verdadeira procura resulta na compreenso do valor intrnseco da experincia. A verdadeira procura um rio que se move veloz, e neste movimento h compreenso, um eterno devir. Mas a procura de orientao resulta apenas num alvio temporrio, que significa a multiplicao de problemas e um aumento das suas solues. Ora o que que procuram? Qual destas que querem? Querem procurar, descobrir, ou querem encontrar ajuda, orientao? A maioria de vocs quer ajuda, alvio temporrio do sofrimento; querem curar os sintomas mais do que encontrar a causa do sofrimento. Estou a sofrer, dizem vocs, d-me um mtodo que me liberte do sofrimento. Ou dizem, O mundo est numa situao catica. Dem-nos um sistema que resolva os seus problemas, que produza ordem. Assim, a maior parte de vocs procuram alvio temporrio, refgio temporrio, e contudo chamam a isso a procura da verdade. Quando falam de servio, de compreenso, de sabedoria, esto a pensar apenas em termos de conforto. Enquanto apenas quiserem aliviar o conflito, a luta, o desentendimento, o caos, o sofrimento, so como um mdico que lida apenas com os sintomas da doena. Enquanto estiverem apenas interessados em encontrar conforto, no esto realmente procura. Agora vamos ser bastante francos. Podem ir longe se forem realmente francos. Vamos admitir que tudo o que esto a procurar segurana, alvio; esto a procurar segurana da mudana constante, alvio da dor. Porque so insuficientes dizem, Por favor d-me suficincia. Portanto aquilo a que chamam procura da verdade realmente uma tentativa para encontrar alvio da dor, o que nada tem a ver com a realidade. Em coisas que tais somos como crianas. Em tempo de perigo corremos para a nossa me, sendo essa me a crena, o guru, a religio, a tradio, o hbito. Aqui nos refugiamos, e por isso as nossas vidas so vidas de imitao constante, sempre sem um momento de valiosa compreenso. Depois podem concordar com as minhas palavras, dizendo, Tem toda a razo; no procuramos a verdade, mas alvio, e esse alvio satisfatrio de momento. Se esto satisfeitos com isto, nada mais h a dizer. Se tiverem essa atitude, o melhor no dizer mais nada. Mas, graas a Deus! Nem todos os seres humanos tm essa atitude. Nem todos alcanaram o estado de estar satisfeitos com as

  • suas prprias pequenas experincias a que chamam conhecimento, e que estagnao. Ora quando dizem, Estou procura, do a entender que esto procura do desconhecido. Desejam o desconhecido, e esse o objeto da vossa busca. Porque o conhecido para vocs aterrador, insatisfatrio, intil, carregado de dor, querem descobrir o desconhecido, e por isso inquirem, O que a verdade? O que Deus?. Daqui surge a pergunta, Quem me ajuda a alcanar a verdade? Precisamente nessa tentativa de encontrar a verdade ou Deus criam gurus, professores, que se tornam os vossos exploradores. Por favor no se ofendam com as minhas palavras, no fiquem com idias preconcebidas contra o que estou a dizer, e no pensem que fao isto por no ter nada melhor para fazer. Estou apenas a mostrar-lhes a causa de serem explorados, que a vossa procura de uma meta, de um fim; e quando compreenderem a falsidade da causa, essa compreenso liberta-los-. No lhes estou a pedir que sigam os meus ensinamentos, porque se desejarem compreender a verdade devem permanecer completamente sozinhos. Qual uma das coisas mais importantes em que esto interessados na vossa procura do desconhecido? Diga-me o que est no outro lado, dizem vocs, diga-me o que acontece a uma pessoa depois da morte. resposta a tais perguntas vocs chamam conhecimento. Portanto quando se interrogam sobre o desconhecido, encontram uma pessoa que lhes oferece uma explicao satisfatria sobre isso, e refugiam-se nessa pessoa ou na idia que ela lhes d. Por esse motivo essa pessoa ou essa idia tornam-se o vosso explorador, e vocs prprios so responsveis por essa explorao, no o homem ou a idia que os explora. De tal interrogao sobre o desconhecido nasce a idia de um guru que os conduzir verdade. De tal interrogao chega a confuso sobre o que a verdade, porque, na vossa procura do desconhecido, cada professor, cada guia, oferece-lhes uma explicao sobre o que a verdade, e essa explicao naturalmente depende dos seus prprios preconceitos e idias; mas atravs desse ensinamento vocs esperam aprender o que a verdade. A vossa procura do desconhecido apenas uma fuga. Quando conhecerem a causa real, quando compreenderem o conhecido, no se interrogaro sobre o desconhecido. A procura da verdade e a diversidade de idias sobre a verdade no produzir compreenso. Vocs dizem para si prprios, Vou ouvir este professor, depois ouvirei outra pessoa, depois outra; e aprenderei de cada um os vrios aspectos da verdade. Mas por este processo nunca compreendero. Tudo o que fazem fugir; tentam encontrar aquilo que lhes d maior satisfao, e quele que lhes der mais aprecia-lo-o como o vosso guru, como o vosso ideal, como a vossa meta. Portanto a vossa procura da verdade terminou. Agora no pensem que o fato de eu lhes mostrar a futilidade desta procura apenas engenho da minha parte: estou a explicar-lhes a razo da explorao que est a ocorrer em todo o mundo em nome da religio, em nome do governo, em nome da verdade. O desconhecido no lhes diz respeito. Tenham cuidado com o homem que lhes descreve o desconhecido, a verdade, ou Deus. Tal descrio do desconhecido oferece-lhes um meio de fuga e alm disso, a verdade desafia qualquer

  • descrio. Nessa fuga no h compreenso, no h realizao. Na fuga s existe rotina e decadncia. A verdade no pode ser explicada nem descrita. Ela . Afirmo que existe uma beleza que no pode ser posta em palavras; se o fosse, seria destruda; ento j no seria a verdade. Mas vocs no podem conhecer esta beleza, esta verdade, perguntando sobre ela; s a podem conhecer quando tiverem compreendido o conhecido, quando tiverem alcanado o significado total disso que est perante vocs. Portanto esto constantemente a procurar fugas, e dignificam estas tentativas de fuga com variados nomes espirituais, com palavras altamente e imponentemente sonantes; estas fugas satisfazem-nos temporariamente, isto , at que a prxima tempestade de sofrimento chegue e arrase o vosso refgio. Vamos por agora pr de lado este desconhecido, e preocupar-nos com o conhecido. Ponham de lado, por agora, as vossas crenas, a vossa escravido das tradies, a vossa dependncia no vosso Bhagavad Gita, nas vossas escrituras, nos vossos Mestres. No estou a atacar as vossas crenas favoritas, as vossas sociedades favoritas; estou a dizer-lhes que se quiserem compreender a verdade do que digo, tm que tentar escutar sem idias preconcebidas. Atravs dos nossos variados sistemas de educao que podem ser a formao universitria, ou o seguimento de um guru, ou a dependncia no passado na forma de tradio e de hbito, que cria a incompletude do presente atravs destes sistemas de educao temos sido encorajados a obter, a adorar o sucesso. Todo o nosso sistema de pensamento, bem como toda a nossa estrutura social, est baseada na idia de obteno. Olhamos para o passado porque no podemos compreender o presente. Para compreender o presente, que experincia, a mente tem que estar aliviada das tradies e dos hbitos passados. Enquanto o peso do passado nos dominar, no podemos compreender, no podemos colher integralmente o perfume de uma experincia. Portanto tem que haver incompletude enquanto houver a procura de obteno. Que todo o nosso sistema de pensamento est baseado na obteno no uma mera suposio hipottica da minha parte; um fato. E a idia central da nossa estrutura social tambm uma de obteno, de consecuo, de sucesso. Mas porque eu disse que a vossa procura desta idia de obteno no resultar no viver completo, no pensem por isso em termos de oposto. No digam, No devemos procurar? No devemos obter? No devemos ter sucesso? Isto demonstra pensamento limitado. O que quero que faam questionar a idia de obteno. Conforme disse, toda a estrutura social, econmica, e pseudo-espiritual do nosso mundo est baseada nesta idia central de lucro: lucro da experincia, lucro da vida, lucro dos professores. E desta idia de lucro gradualmente cultivam em si prprios a idia de medo, porque na vossa procura de lucro esto sempre com medo da perda. Portanto, tendo este medo da perda, este medo de perder uma oportunidade, criam o explorador, seja ele o homem que os guia moralmente, espiritualmente, ou uma idia qual se apegam. Tm medo e querem coragem; por isso a coragem se torna no vosso explorador. Uma idia torna-se o vosso explorador. A vossa tentativa de consecuo, de lucro, apenas uma fuga, uma fuga da insegurana. Quando falam de ganho esto a pensar em segurana; e aps estabelecerem a idia de segurana, querem encontrar um mtodo de obter e

  • manter essa segurana. No assim? Se tiverem em considerao a vossa vida, se a examinarem criticamente, descobriro que ela se baseia no medo. Esto sempre a cuidar de ganhar; e depois de procurarem e encontrarem as vossas seguranas, aps constitu-las como os vossos ideais, voltam-se para algum que lhes oferece um mtodo, um plano, para alcanar e proteger os vossos ideais. Por isso dizem, Para alcanar essa segurana, tenho que me comportar de uma certa maneira; tenho de procurar a virtude, tenho que servir e obedecer, tenho que seguir gurus, professores e sistemas; tenho que estudar e praticar para obter o que quero. Por outras palavras, uma vez que o vosso desejo segurana, encontram exploradores que os ajudaro a obter o que querem. Portanto vocs, como indivduos, constituem religies para servir de seguranas, para servir de padres para a conduta convencional; devido ao medo da perda, o medo de perder algo que querem, aceitam guias ou idias como os que as religies oferecem. Ora tendo constitudo os vossos ideais religiosos, que so na verdade as vossas seguranas, tm que ter modos de conduta, prticas, cerimoniais e crenas especficas, para alcanar esses ideais. Ao tentar lev-los a cabo, a surge a diviso no pensamento religioso, resultando em cises, seitas, credos. Vocs tm as vossas crenas, e outros tm as deles; vocs mantm-se fiis vossa forma especfica de religio e outros deles; vocs so Cristos, outros so Muulmanos, e outros ainda Hindus. Tm estas distines religiosas, mas contudo falam de amor fraternal, tolerncia e unidade no que tenha que haver uniformidade de pensamento e idias. A tolerncia de que falam apenas uma inveno engenhosa da mente; esta tolerncia apenas indica o desejo de se apegarem s vossas prprias idiossincrasias, s vossas prprias idias limitadas e preconceitos, e de permitirem que os outros procurem as deles. Nesta tolerncia no h diversidade inteligente, mas somente uma espcie de indiferena superior. Existe absoluta falsidade nesta tolerncia. Dizem, Vocs continuem no vosso caminho, e eu continuarei no meu; mas sejamos tolerantes, fraternais. Quando houver verdadeira fraternidade, amizade, quando houver amor no vosso corao, ento no falaro de tolerncia. Somente quando se sentem superiores na vossa certeza, na vossa posio, no vosso conhecimento, somente ento falam de tolerncia. So tolerantes somente quando h distino. Com o cessar da distino, no se falar de tolerncia. Nessa altura no falaro de fraternidade, porque ento nos vossos coraes sero irmos. Portanto vocs, como indivduos, constituem vrias religies que atuam como a vossa segurana. Nenhum professor constituiu estas religies organizadas, exploradoras. Vocs prprios, a partir da vossa insegurana, a partir da vossa confuso, a partir da vossa falta de compreenso, criaram as religies como vossos guias. Depois, aps terem constitudo religies, procuram gurus, professores; procuram Mestres que os ajudem. No pensem que estou a tentar atacar a vossa crena favorita; estou simplesmente a constatar fatos, no para que os aceitem, mas para que os examinem, os critiquem e os verifiquem. Vocs tm o vosso Mestre, e outros tm o seu guia particular; vocs tm o vosso salvador o outros tm o deles. De tal diviso de pensamento e crena cresce a contradio e o conflito dos mritos dos vrios sistemas. Estas disputas colocam o homem contra o homem; mas uma vez que intelectualizamos a vida, j no

  • lutamos abertamente: tentamos ser tolerantes. Por favor pensem no que estou a dizer. No aceitem ou rejeitem as minhas palavras simplesmente. Para examinar imparcialmente, criticamente, tm que pr de lado os vossos preconceitos e idiossincrasias, e abordar a questo abertamente. Em todo o mundo, as religies mantiveram os homens separados. Individualmente cada um procura a sua prpria pequena segurana e est interessado no seu prprio progresso; individualmente cada um deseja crescer, expandir-se, ser bem sucedido, alcanar, e portanto aceita qualquer professor que se oferea para o ajudar na direo do seu avano e crescimento. Como resultado desta atitude de aceitao, a crtica e o verdadeiro questionamento cessaram. Implantou-se a estagnao. Se bem que se movam ao longo de um estreito sulco de pensamento e de vida, j no h pensamento verdadeiro, j no h o viver completo, mas somente uma reao defensiva. Enquanto a religio mantiver os homens separados no pode haver fraternidade, assim como no pode haver fraternidade enquanto houver nacionalidade, que sempre ter que causar conflito entre os homens. A religio com as suas crenas, as suas disciplinas, os seus engodos, as suas esperanas, os seus castigos, fora-os em direo ao comportamento correto, fraternidade, ao amor. E uma vez que so forados, ou obedecem autoridade externa que ela estabelece, ou que a mesma coisa comeam a desenvolver a vossa prpria autoridade interna como uma reao contra a externa, e seguem-na. Onde existe crena, onde existe a persecuo de um ideal, no pode existir um viver completo. A crena indica a incapacidade de compreender o presente. Agora no se voltem para o oposto e no digam, No devemos ter crenas? No devemos ter quaisquer ideais? Estou simplesmente a mostrar-lhes a causa e a natureza da crena. Porque no podem compreender o movimento imediato da vida, porque no podem colher o significado da sua veloz fluidez, pensam que a crena necessria. Na vossa dependncia na tradio, nos ideais, nas crenas ou nos Mestres, no esto a viver no presente, que eterno. Muitos de vocs podem pensar que o que estou a dizer muito negativo. No o , porque quando realmente virem o falso, ento compreendem o verdadeiro. Tudo o que estou a tentar fazer mostrar-lhes o falso, para que possam encontrar o verdadeiro. Isto no uma negao. Pelo contrrio, este despertar da inteligncia criativa a nica ajuda positiva que lhes posso dar. Mas podem pensar que isto no positivo; provavelmente s me chamariam positivo se lhes desse uma disciplina, um curso de ao, um novo sistema de pensamento. Mas no podemos avanar mais nisto hoje. Se colocarem questes sobre isto amanh ou nos prximos dias, tentarei respond-las. Os indivduos criaram a sociedade agrupando-se com objetivos de obteno, mas isto no ocasiona a verdadeira unidade. Esta sociedade torna-se a sua priso, o seu molde, e contudo cada indivduo que ser livre para crescer, para ser bem sucedido. Assim cada um torna-se um explorador da sociedade e , por sua vez, explorado pela sociedade. A sociedade torna-se o cume dos seus desejos, e o governo o instrumento para levar a cabo esse desejo conferindo honras aos que tm o maior poder de possuir, de ganhar. A mesma atitude estpida existe na religio: a autoridade religiosa considera o homem que se conformou inteiramente aos seus dogmas e crenas uma pessoa verdadeiramente espiritual. Confere honra ao homem que

  • possui a virtude. Assim, no nosso desejo de possuir e novamente no estou a falar em termos de opostos, mas antes, a examinar precisamente a coisa que causa o desejo de posse na nossa procura de posse, criamos uma sociedade da qual inconscientemente nos tornamos escravos. Tornamo-nos peas de engrenagem nessa mquina social, aceitando todos os seus valores, as suas tradies, as suas esperanas e anseios, e as suas idias estabelecidas, porque ns criamos a sociedade, e ela ajuda-nos a obter o que queremos. Assim a ordem estabelecida seja do governo ou da religio pe fim ao questionamento, procura, dvida. Por isso, quanto mais nos unirmos nas nossas vrias posses, mais tendncia temos para nos tornarmos nacionalistas. Afinal, o que uma nao? um grupo de indivduos que vivem em conjunto com o objetivo da convenincia econmica e autoproteo, e explorando unidades similares. No sou economista, mas este um fato bvio. Deste esprito de aquisitividade surge a idia de a minha famlia, a minha casa, o meu pas. Enquanto existir esta possessividade no pode existir verdadeira fraternidade ou verdadeiro internacionalismo. As vossas fronteiras, as vossas alfndegas, as vossas barreiras alfandegrias, as vossas tradies, as vossas crenas, as vossas religies esto a separar o homem do homem. O que se criou com esta mentalidade de lucro, de separatividade, proteo, segurana? Nacionalidades; e onde existe nacionalismo tem que haver guerra. a funo das naes prepararem-se para as guerras, caso contrrio no podem ser verdadeiras naes. isso o que est a acontecer em todo o mundo, e encontramo-nos beira de outra guerra. Cada jornal encoraja o nacionalismo e o esprito de separatividade. O que tem sido dito em quase todos os pases, na Amrica, na Inglaterra, na Alemanha, na Itlia? Primeiro ns e a nossa segurana individual, e depois consideraremos o mundo. Parecemos no compreender que estamos todos no mesmo barco. As pessoas j no podem ser separadas como o eram h alguns sculos atrs. No devamos pensar em termos de separao, mas insistimos em pensar nacionalisticamente ou com conscincia de classe porque continuamos ligados s nossas posses, s nossas crenas. O nacionalismo uma doena; no pode ocasionar a unidade do mundo ou a unidade humana. No podemos alcanar a sade atravs da doena; temos que nos libertar primeiramente da doena. A educao, a sociedade, a religio, ajudam a manter as naes separadas, porque cada uma individualmente procura crescer, lucrar, explorar. Ora deste desejo de crescer, lucrar, explorar, criamos inumerveis crenas crenas relativas vida aps a morte, reencarnao, imortalidade e encontramos pessoas que nos exploram atravs das nossas crenas. Por favor compreendam que ao dizer isto no me refiro a qualquer lder ou professor em particular; no estou a atacar nenhum dos vossos lderes. Atacar algum uma pura perda de tempo. No estou interessado em atacar nenhum lder especfico, tenho algo mais importante a fazer na vida. Quero agir como um espelho, explicar-lhes as perverses e desiluses que existem na sociedade, na religio. Toda a nossa estrutura social e intelectual est baseada na idia de lucro, de consecuo; e quando a mente e o corao esto dominados pela idia de ganho, no pode existir o verdadeiro viver, no pode existir o fluxo livre da vida. No assim? Se esto constantemente a contar com o futuro, com uma consecuo, com uma obteno, com uma esperana, como podem viver completamente no

  • presente? Como podem agir inteligentemente como um ser humano? Como podem pensar ou sentir na plenitude do presente quando esto sempre a vigiar cuidadosamente o futuro distante? Atravs da nossa religio, atravs da nossa educao, somos convertidos em nada, e tendo conscincia desse nada, queremos ganhar, ser bem sucedidos. Assim procuramos constantemente professores, gurus, sistemas. Se realmente compreendem isto, agiro; no o discutiro apenas intelectualmente. Ao procurarem o ganho perdem de vista o presente. Na vossa procura de lucro, na vossa confiana no passado, no compreendem totalmente a experincia imediata. Essa experincia deixa uma cicatriz, uma memria que a incompletude dessa experincia, e dessa incompletude crescente desenvolve-se a conscincia do eu, o ego. As vossas divises do ego so apenas o refinamento superficial do egosmo na sua procura de ganho. Intrinsecamente, nessa incompletude da experincia, nessa memria, tm o ego as suas razes. Por muito que possa crescer, expandir-se, sempre preservar o centro do egosmo. Assim, quando procuram lucro, sucesso, cada experincia aumenta a autoconscincia. Mas discutiremos isto noutra altura. Nesta palestra quero apresentar o mximo que possa do meu pensamento, para que durante as prximas palestras eu tenha tempo para responder s questes que possam colocar. Quando a mente apanhada no passado ou no futuro, no pode compreender o significado da experincia presente. Isto bvio. Quando esto a prestar ateno ao ganho, no podem compreender o presente. E uma vez que no compreendem o presente, que experincia, ela deixa a sua cicatriz, a sua incompletude na mente. No esto libertos dessa experincia. Esta falta de liberdade, de plenitude, cria memria, e o aumento dessa memria no seno autoconscincia, o ego. Assim quando dizem, Deixa-me contar com a experincia para me dar liberdade, o que realmente esto a fazer a aumentar, a intensificar, a expandir essa autoconscincia, esse ego; porque esto a contar com o ganho, a acumulao, como o meio para obter felicidade, como o meio de compreender a verdade. Depois de terem estabelecido na vossa mente a conscincia do eu, a vossa mente alimenta essa conscincia, e da surge a questo sobre se vivero ou no aps a morte, se podero ter esperana na reencarnao. Querem saber categoricamente se a reencarnao um fato. Por outras palavras, utilizam a idia da reencarnao como um meio de protelao, retirando da conforto. Dizem, Atravs do progresso obterei compreenso; o que no compreendi hoje compreenderei amanh. Por isso deixa-me ter a garantia de que a reencarnao verdade. Assim agarram-se a esta idia de progresso, esta idia de obter cada vez mais at que cheguem perfeio. a isso que chamam progresso, adquirir cada vez mais, acumular cada vez mais. Mas para mim, perfeio realizao, no esta acumulao progressiva. Usam a palavra progresso para significar acumulao, obteno, consecuo; essa a vossa idia fundamental de progresso. Mas a perfeio no reside no progresso; ela realizao. A perfeio no compreendida atravs da multiplicao de experincias, mas plenitude na

  • experincia, plenitude na prpria ao. O progresso separado da plenitude, conduz total superficialidade. Um sistema de fuga assim dominante no mundo de hoje. A vossa teoria da reencarnao torna o homem cada vez mais superficial, em que ele diz, Como no me posso realizar hoje, fa-lo-ei no futuro. Se no se podem realizar nesta vida, retiram conforto da idia de que h sempre uma prxima vida. Daqui surge o questionamento sobre a vida aps a morte, e a idia de que o homem que adquiriu mais conhecimento, que no sabedoria, alcanar a perfeio. Mas a sabedoria no o resultado da acumulao; a sabedoria no posse; a sabedoria espontnea, imediata. Enquanto a mente foge do vazio atravs da obteno, esse vazio aumenta, e no tm um dia, um momento, em que possam dizer, Eu vivi. As vossas aes so sempre incompletas, no realizadas, e por esse motivo a vossa procura de continuao. Com este desejo, o que aconteceu? Vocs tornaram-se cada vez mais vazios, cada vez mais superficiais, irrefletidos, sem sentido crtico. Aceitam o homem que lhes oferece conforto, certeza, e vocs, como indivduos, criaram-no como vosso explorador. Tornam-se seus escravos, escravos do seu sistema, dos seus ideais. Desta atitude de aceitao no h realizao, mas protelao. Por isso a necessidade da idia da vossa continuidade, a crena na reencarnao, e da surge a idia de progresso, acumulao. Em seja o que for que fizerem, no h harmonia, no h significado, porque esto constantemente a pensar em termos de obteno. Pensam na perfeio como uma finalidade, no como realizao. Ora, conforme disse, a perfeio reside na compreenso, em compreender completamente o significado de uma experincia; e essa compreenso realizao, a qual imortalidade. Portanto tm que se tornar plenamente conscientes da vossa ao no presente. O aumento da autoconscincia chega atravs da superficialidade da ao e atravs da explorao incessante, comeando com as famlias, maridos, esposas, crianas, e alargando-se sociedade, ideais, religio; porque todos eles esto baseados nesta idia de obteno. O que realmente esto a procurar aquisitividade, ainda que possam estar inconscientes dela, e da vossa explorao. Quero esclarecer que as vossas religies, as vossas crenas, as vossas tradies, a vossa autodisciplina esto baseadas na idia de ganho. So apenas engodos para o comportamento correto, e delas surge o explorador e o explorado. Se estiverem procura de aquisitividade, procurem-na conscientemente no hipocritamente. No digam que esto procura da verdade, porque no se chega verdade desta maneira. Ora esta idia de crescer cada vez mais para mim falsa, porque aquilo que cresce no eterno. Foi j alguma vez demonstrado que quanto mais tiverem, mais compreendem? Em teoria poder ser assim, mas na realidade no assim. Um homem aumenta a sua propriedade e cerca-a; um outro aumenta o seu conhecimento e limitado por ele. Qual a diferena? Este processo de crescimento acumulativo nscio, falso desde o princpio, porque aquilo que susceptvel de crescimento no eterno. uma iluso, uma falsidade que nada tem em si de realidade. Mas se andarem atrs desta idia de crescimento acumulativo, andem atrs dela com toda a vossa mente e com todo o vosso corao. Ento descobriro como superficial, como intil, como artificial. E quando perceberem que falsa, ento sabero a verdade. Ento j no

  • procuraro a verdade para substituir pelo falso; porque na vossa percepo direta j no existe o falso. E nessa compreenso h o eterno. Ento h felicidade, inteligncia criativa. Ento vivero naturalmente, completamente, como a flor, e nisso h imortalidade.

  • Palestra 30 de dezembro, 1933. Conforme estava a dizer ontem, o pensamento mutilado, invalidado, quando est limitado por uma crena, contudo a maioria dos nossos pensamentos uma reao baseada na crena, numa crena especfica ou num ideal. Assim o nosso pensamento nunca verdadeiro, fluindo, criativo. sempre controlado por uma crena especfica, uma tradio ou um ideal. S se pode compreender a verdade, essa verdade duradoura, quando o pensamento est continuamente em movimento, liberto de um passado ou de um futuro. Isto to simples que muitas vezes no o compreendemos. Um grande cientista no tem objetivo na sua pesquisa; se ele estivesse apenas a procurar um resultado, ento deixaria de ser um grande cientista. Assim tem que ser com o nosso pensamento. Mas o nosso pensamento est estropiado, limitado, cercado por uma crena, por um dogma, por um ideal, e assim no h pensamento criativo. Por favor apliquem o que digo a vocs mesmos; ento podero acompanhar facilmente o que quero dizer. Se apenas ouvirem como um divertimento, ento o que digo totalmente frvolo, e s haver mais confuso. Em que baseiam a vossa crena? Em que se fundamentam a maior parte das vossas idias? Se prestarem ateno, descobriro que a crena tem como motivao ou a idia de obteno, de recompensa, ou de que serve como um engodo, uma orientao, um padro. Dizem, Procurarei a virtude, agirei desta ou daquela maneira, para obter felicidade; descobrirei o que a verdade, para vencer a confuso, o sofrimento; servirei para ter as bnos dos cus. Mas esta atitude em relao ao como um meio de aquisio futura est constantemente a mutilar o vosso pensamento. Ou, mais uma vez, a crena se baseia no resultado do passado. Ou tm princpios externos, impostos, ou desenvolveram ideais internos segundo os quais vivem. Os princpios externos so impostos pela sociedade, pela tradio, pela autoridade, os quais se baseiam no medo. Estes so os princpios que constantemente usam como o vosso padro: Que pensar o meu vizinho? O que sustenta a opinio pblica?, O que dizem os livros sagrados ou os professores? Ou desenvolvem uma lei interna, que nada mais que uma reao ao exterior; isto , desenvolvem uma crena interior, um princpio interior, baseado na memria da experincia, na reao, para se orientarem no movimento da vida. Assim a crena ou do passado ou do futuro. Isto , quando h uma carncia, o desejo cria o futuro; mas quando se orientam no presente de acordo com uma experincia que tiveram, esse padro est no passado; j est morto. Assim desenvolvemos uma resistncia contra o presente, qual chamamos fora de vontade. Ora para mim, a fora de vontade existe somente onde h falta de compreenso. Porque queremos a fora de vontade? Quando compreendo e vivo uma experincia, no tenho que a combater; no tenho que lhe resistir. Quando compreendo completamente uma experincia j no existe o esprito de imitao, de ajustamento, ou o desejo de lhe resistir. Compreendo-a completamente, e por isso estou liberto da sua carga. Tm que refletir sobre o que estou a dizer; as minhas palavras no so to confusas quanto possam parecer.

  • A crena baseia-se na idia de aquisio, e o desejo de obter resulta da ao. Procuram obteno; esto a ser moldados por conjuntos de crenas baseados na idia de ganho, na procura de recompensa, e a vossa ao o resultado dessa busca. Se estivessem no movimento do pensamento, no procurando uma finalidade, uma meta, uma recompensa, ento haveria resultados, mas no se preocupariam com eles. Como disse, um cientista que procura resultados no um verdadeiro cientista; e um verdadeiro cientista que procura profundamente, no est preocupado com os resultados que alcana, mesmo que esses resultados sejam teis para o mundo. Portanto preocupem-se com o movimento da ao em si, e a h o xtase da verdade. Mas tm que se tornar conscientes de que o pensamento limitado pela crena, que esto a agir apenas de acordo com um conjunto de crenas, que a vossa ao est estropiada pela tradio. Nesta liberdade de conscincia existe a plenitude de ao. Suponham, por exemplo, que sou professor numa escola. Se eu tentar moldar a inteligncia dos alunos no sentido de uma ao especfica, ento j no se trata de inteligncia. Como o aluno empregar a sua inteligncia com ele. Se ele for inteligente agir verdadeiramente, porque no estar a agir por motivos de obteno, de recompensa, de seduo, de poder. Para compreender este movimento do pensamento, esta plenitude de ao, que nunca poder ser esttica como um padro, como um ideal, a mente tem que estar livre da crena; porque a ao que procura recompensa no pode compreender a sua prpria plenitude, a sua prpria realizao. Contudo a maior parte das vossas aes esto baseadas na crena. Acreditam na orientao de um Mestre, acreditam num ideal, acreditam em dogmas religiosos, acreditam nas tradies estabelecidas da sociedade. Mas com esse pano de fundo da crena nunca compreendero, nunca aprofundaro a experincia integralmente, com todo o vosso ser. S quando j no estiverem limitados pela crena que conhecero a plenitude da ao. Agora no tm conscincia deste fardo que perverte a mente. Tornem-se plenamente conscientes deste fardo na ao, e essa mesma conscincia libertar a mente de todas as perverses. Responderei agora a algumas das questes que me foram colocadas. Pergunta: Pela ratificao das escrituras e a concorrncia de muitos professores, a dvida tem sido considerada atravs dos tempos como uma grilheta a ser destruda antes que a verdade possa comear a aparecer na alma. O senhor, pelo contrrio, parece olhar para a dvida a uma luz bastante diferente: Chegou mesmo a chamar-lhe um precioso ungento. Qual destas duas opinies contraditrias a correta? Krishnamurti: Deixemos as escrituras fora desta discusso; porque quando comea a citar as escrituras para apoiar as suas opinies, tenha a certeza de que o Diabo tambm pode encontrar textos nas escrituras que apiem a opinio completamente contrria! Nos Upanishads, nos Vedas, tenho a certeza de que pode ser encontrado o completo oposto daquilo que diz que as escrituras ensinam: tenho a certeza que podem ser encontrados textos que dizem que se deve duvidar. Portanto no vamos citar as escrituras uns aos outros; como arremessar tijolos cabea um do outro.

  • Conforme disse, as vossas aes baseiam-se em crenas, em ideais, que herdaram ou adquiriram. No tm realidade. Nenhuma crena jamais uma realidade viva. Para o homem que vive, as crenas so desnecessrias. Ora como a mente est estropiada pelas muitas crenas, pelos muitos princpios, pelas muitas tradies, falsos valores e iluses, tm que comear a question-los, a duvidar deles. Vocs no so crianas. No podem aceitar seja o que for que lhes oferecido ou imposto. Tm que comear a questionar o prprio alicerce da autoridade, porque esse o incio da verdadeira crtica; tm que questionar para descobrir por vocs prprios o verdadeiro significado dos valores tradicionais. Esta dvida, nascida do conflito intenso, por si s libertar a mente e dar-lhes- o xtase da liberdade, um xtase liberto da iluso. Assim a primeira coisa duvidar, no acalentar as vossas crenas. Mas a alegria dos exploradores inst-los a no duvidar, a considerarem a dvida uma grilheta. Porque deveriam temer a dvida? Se esto satisfeitos com as coisas como elas esto, ento continuem a viver como vivem. Digam que esto satisfeitos com as vossas cerimnias; podem ter rejeitado as velhas e aceitado as novas, mas ambas so a mesma coisa no final. Se esto satisfeitos com elas, o que eu digo no os perturbar na vossa tranqilidade estagnante. Mas no estamos aqui para ser limitados, para ser seduzidos; estamos aqui para viver inteligentemente, e se desejarem viver assim, a primeira coisa que tm que fazer questionar. Ora a nossa pretensa educao destri implacavelmente a inteligncia criativa. A educao religiosa que autoritariamente mantm perante vocs a idia de medo sob variadas formas, impede-os de questionar, de duvidar. Podem ter descartado a velha religio de Mylapore, mas aceitaram uma nova religio que tem muitos No faas e Faz. A sociedade, atravs da fora da opinio pblica que forte, vital, tambm os impede de duvidar; e vocs dizem que se resistissem opinio pblica, ela esmaga-los-ia. Assim, em todos os lados, a dvida desencorajada, destruda, posta de lado. Contudo s podem encontrar a verdade quando comearem a questionar, a duvidar dos valores de que a sociedade e a religio, antigas e modernas, os rodearam. Portanto no comparem o que estou a dizer com o que dito nas escrituras, dessa maneira nunca compreenderemos. A comparao no leva compreenso. Somente quando pegamos numa idia em si e a examinamos profundamente, no comparativamente nem relativamente, mas com o objetivo de descobrir o seu valor intrnseco, somente ento compreenderemos. Tomemos um exemplo. Sabem que costume aqui casar muito novo, e isso se tornou quase sagrado. Ora, no devemos questionar este costume? Questionam este hbito tradicional se realmente amam os vossos filhos. Mas a opinio pblica est to fortemente a favor do casamento antes do tempo que no se atrevem a ir contra ela e portanto nunca questionam honestamente esta superstio. Descartaram certas cerimnias e aceitaram outras novas. Porque desistiram das velhas cerimnias? Desistiram delas porque no os satisfaziam; e aceitaram outras novas porque so mais prometedoras, mais atraentes, oferecem maior esperana. Nunca disseram, Vou descobrir o valor intrnseco das cerimnias,

  • sejam elas Hindus, Crists, ou de qualquer outro credo. Para descobrir o seu valor intrnseco, tm que pr de lado as esperanas, os engodos, que elas oferecem, e examinar criticamente toda a questo. No pode existir esta atitude de aceitao. Vocs s aceitam quando desejam obter, quando procuram conforto, refgio, segurana, e nessa busca de segurana, de conforto, fazem da dvida uma grilheta, uma iluso a ser banida e destruda. Uma pessoa que quer viver verdadeiramente, compreender a vida completamente, tem que conhecer a dvida. No digam, Haver alguma vez um fim para a dvida? A dvida existir enquanto sofrerem, enquanto no tiverem descoberto os verdadeiros valores. Para compreender os verdadeiros valores, tm que comear a duvidar, a ser crticos das tradies, da autoridade, em que a vossa mente tem sido treinada. Mas isto no quer dizer que a vossa atitude tenha de ser uma de oposio pouco inteligente. Para mim, a dvida um precioso ungento. Cura as feridas do sofredor. uma influncia benigna. A compreenso s chega quando duvidam, no com o objetivo de mais aquisio ou substituio, mas para compreender. Onde existe o desejo de obter, j no existe a dvida. Onde existe o desejo de obter, existe a aceitao da autoridade seja a de um, a de cinco, ou a de um milho. Uma autoridade assim encoraja a aceitao e chama grilheta dvida. Porque esto continuamente procura de conforto, de segurana, encontram exploradores que lhes asseguram que a dvida uma grilheta, uma coisa a banir. Pergunta: Diz que no podemos trabalhar para o nacionalismo e ao mesmo tempo pela fraternidade. Quer dizer que sugere que (1) ns, que somos uma nao dominada e que acreditamos firmemente na fraternidade, devemos cessar de lutar para nos tornarmos autogovernados, ou que (2) enquanto estivermos a tentar libertar-nos do jugo estrangeiro devemos deixar de trabalhar para a fraternidade? Krishnamurti: No olhemos para esta questo do ponto de vista de uma nao dominada ou de uma nao exploradora. Quando nos denominamos uma nao dominada, estamos a criar um explorador. No olhemos de momento para a questo desta maneira. Para mim, a questo no a soluo de um problema imediato, porque se compreendermos integralmente o objetivo ltimo em direo ao qual estamos a trabalhar, ento ao trabalhar para esse objetivo resolvemos o problema imediato sem grande dificuldade. Agora por favor acompanhem o que vou dizer; pode ser novo para vocs, mas no o rejeitem por essa razo. Sei que a maioria de vocs nacionalista e que ao mesmo tempo se supe serem a favor da fraternidade. Sei que esto a tentar manter o esprito do nacionalismo e o esprito de fraternidade ao mesmo tempo. Mas por favor ponham de lado esta atitude nacionalista de momento, e olhem para a questo a partir de um outro ponto de vista. A soluo definitiva do problema do emprego e da fome a unidade mundial ou humana. Vocs dizem que h milhes de pessoas a morrer de fome e de sofrimento na ndia, e que se puderem livrar dos Ingleses, encontraro maneiras e meios de satisfazer as pessoas que esto a morrer de fome. Mas eu digo, no procurem resolver o problema a partir deste ponto de vista. No considerem os sofrimentos imediatos da ndia, mas considerem toda a questo dos milhes que esto a morrer de fome no mundo. Milhes de Chineses esto a morrer por falta

  • de comida. Porque no pensam nestes? No, no, dizem vocs, o meu primeiro dever para com os de casa. Isso tambm o que os Chineses dizem, O meu primeiro dever para com os de casa. o que proclamam os Ingleses, os alemes, os Italianos; o que afirma cada nacionalista. Mas eu digo, no olhem para o problema a partir deste ponto de vista no lhe chamarei um ponto de vista nem tacanho nem amplo. Eu digo, considerem a causa total da fome em todo o mundo, e no por que que um povo especfico no tem comida suficiente. O que causa a fome? A falta de planejamento organizado para toda a raa humana. No assim? H comida suficiente. Existem alguns mtodos excelentes que podem ser usados para a distribuio de comida e roupas, e para dar emprego ao homem. H o suficiente de todas estas coisas. Ento o que nos impede de fazer o uso inteligente destas coisas? As distines de classes, as distines nacionais, as distines religiosas e sectrias todas elas impedem a cooperao inteligente. No ntimo cada um de vocs est a lutar para obter; cada um regido pelo instinto de posse. Eis porque acumulam implacavelmente, legam as vossas posses s vossas famlias, e isto se tornou uma causa de runa para o mundo. Enquanto este esprito existir, nenhum sistema inteligente funcionar satisfatoriamente porque no h pessoas inteligentes suficientes para o utilizar sabiamente. Quando falam de nacionalismo querem dizer, Primeiro o meu pas, a minha famlia, e eu. Atravs do nacionalismo nunca chegaro unidade humana, unidade do mundo. O absurdo e a crueldade do nacionalismo est fora de dvida, mas os exploradores usam o nacionalismo para os seus prprios fins. Aqueles de vocs que falam de fraternidade so geralmente nacionalistas no ntimo. O que significa fraternidade como uma idia ou como uma realidade? Como podem ter realmente o sentimento de amor fraternal nos vossos coraes quando sustentam um determinado conjunto de crenas dogmticas, quando fazem distines religiosas? E isso o que esto a fazer nas vossas vrias sociedades, nos vossos vrios grupos. Esto a agir de acordo com o esprito de fraternidade quando existem estas distines? Como podem conhecer esse esprito quando tm preconceitos de classe? Como pode haver unidade ou fraternidade quando pensam somente em termos da vossa famlia, da vossa nacionalidade, do vosso Deus? Enquanto estiverem a tentar resolver apenas o problema imediato aqui, o problema da fome na ndia confrontado com dificuldades insuperveis. No existe processo, sistema, revoluo que possa alterar a situao de imediato. Livrarem-se imediatamente dos Ingleses, ou substituir uma burocracia obscura por uma burocracia transparente, no dar de comer aos milhes de esfomeados na ndia. A fome existir enquanto existir explorao. E vocs, individualmente, esto envolvidos nesta explorao no vosso anseio de poder que cria distines, no vosso desejo de segurana individual, tanto espiritual como fsica. Eu afirmo que enquanto existir o esprito de explorao, sempre haver fome. Ou, o que pode acontecer isto: Podem ser implacavelmente conduzidos a aceitar um outro conjunto de idias, a adotar uma nova ordem social, quer gostem quer no. Presentemente costume e reconhecido como legtimo

  • explorar, possuir e aumentar as vossas posses, manter, colher, amontoar, herdar. Quanto mais tm, maior o vosso poder de explorao. Em reconhecimento das vossas posses, do vosso poder, o governo honra-os, conferindo-lhes ttulos e monoplios; chamam-vos Sir, tornam-se um K.C.S.I., Rao Bahadur. isto o que est a acontecer na vossa existncia material, e na vossa pretensa vida espiritual existe exatamente a mesma situao. Esto a adquirir honras espirituais, ttulos espirituais; entram nas distines espirituais de discpulos, Mestres, gurus. Existe a mesma luta pelo poder, a mesma possessividade, a mesma terrvel crueldade da explorao atravs dos sistemas religiosos e dos seus exploradores, os sacerdotes. E pensa-se que isto espiritual, moral. Vocs so escravos do sistema que existe atualmente. Ora um outro sistema est a surgir, chamado comunista. Este sistema est inevitavelmente a fazer a sua apario porque aqueles que tm posses so to desumanos, to implacveis na sua explorao, que aqueles que sentem a sua crueldade e o seu carter grotesco tm que encontrar um meio de resistncia. Portanto comeam a acordar, a revoltar-se, e fa-los-o penetrar no seu sistema de pensamento porque vocs so desumanos. (Riso) No, no se riam. Vocs no se apercebem da horrvel crueldade provocada pelos vossos mesquinhos sistemas de posse. Est a chegar um novo sistema, e quer gostem quer no, sero despojados; sero conduzidos como carneiros em direo no-posse, da mesma maneira que so agora conduzidos para a posse. Nesse sistema a honra vai para aqueles que no so possessivos. Vocs sero escravos desse novo sistema tal como so escravos do antigo. Um fora-os a possuir, o outro a no possuir. Talvez o novo sistema beneficie as multides, as massas; se forem forados, individualmente, a aceit-lo, ento o pensamento criativo termina. Por isso eu digo, ajam voluntariamente, com compreenso. Sejam livres da possessividade bem como do seu oposto, a no possessividade. Mas vocs perderam todo o sentido do verdadeiro sentir. Eis porque lutam pelo nacionalismo contudo no esto preocupados com as muitas implicaes do nacionalismo. Quando esto ocupados com distines de classe, quando esto a lutar para manter o que tm, esto realmente a ser explorados individual e coletivamente, e esta explorao inevitavelmente conduzir guerra. No ser isso ostensivamente bvio agora na Europa? Cada nao continua com a acumulao de armamentos, e contudo fala de paz e assiste a conferncias sobre o desarmamento. (Riso) Esto a fazer exatamente a mesma coisa de outra maneira. Falam sobre fraternidade, e contudo agarram-se a distines de castas: os preconceitos religiosos dividem-nos; os costumes sociais tornaram-se barreiras cruis. Pelas vossas crenas, ideais, preconceitos, a unidade do homem est constantemente a ser demolida. Como podem falar de fraternidade quando no a sentem nos vossos coraes, quando as vossas aes se opem unidade do homem, quando constantemente procuram a vossa auto-expanso, a vossa autoglorificao? Se no estivessem a perseguir os vossos prprios fins egostas, querem dizer que pertenceriam a organizaes que lhes prometem recompensas espirituais e temporais? isso o que as vossas religies, os vossos grupos seletivos, os vossos governos esto a fazer, e vocs pertencem-lhes para a vossa prpria auto-expanso, a vossa prpria autoglorificao.

  • Se se tornarem inteligentes sobre toda esta questo do nacionalismo, se realmente refletirem sobre ela e se portanto agirem verdadeiramente em relao a ela, podem criar uma unidade no mundo que ser a nica soluo real para o problema imediato da fome. Mas difcil para vocs pensar ao longo destas linhas porque foram treinados durante anos a pensar na rotina nacionalista. As vossas histrias, as vossas revistas, os vossos jornais, todos eles enfatizam o nacionalismo. Vocs so treinados pelos vossos exploradores polticos a no ouvir ningum que chama ao nacionalismo uma doena, ningum que diga que no um meio para a unidade do mundo. Mas vocs no devem separar o meio do fim; o fim est diretamente ligado ao meio; no distinto dele. O fim a unidade do mundo, um plano organizado para o todo, embora isto no signifique equalizao da individualidade. No entanto uma equalizao sem vida, mecnica, acontecer se no agirem voluntariamente, inteligentemente. Pergunto-me quantos de vocs sentem a urgncia, a necessidade destas coisas? O fim a unidade humana, da qual tanto falam; mas falam apenas sem vontade e sem ao inteligente; no sentem, e as vossas aes negam as vossas palavras. O fim a unidade humana, um planejamento organizado para todos os homens, no o condicionamento do homem. O objetivo no forar o homem a pensar numa qualquer direo em particular, mas ajud-lo a ser inteligente para que viva plenamente, criativamente. Mas tem que haver planejamento organizado para o bem-estar do homem, e isso s poder ser ocasionado quando o nacionalismo e a distino de classes, com a sua explorao, deixarem de existir. Senhores, quantos de vocs sentem a grande necessidade de tal ao? Tenho bem conscincia da vossa atitude. Esto milhes a morrer de fome na ndia, dizem vocs. No importante atacar o problema imediatamente? Mas o que esto exatamente a fazer sobre isso? Falam sobre fazer alguma coisa, mas o que realmente fazem discutir e debater sobre como os vossos planos devero ser organizados, que sistema dever ser adotado, e quem dever ser o seu lder. Isso est nos vossos coraes. No esto realmente preocupados com os milhes de esfomeados em todo o mundo. por isso que falam de nacionalismo. Se procurassem resolver o problema como um todo, se realmente se compadecessem de toda a raa humana, veriam ento a imensa necessidade de uma ao humana completa, que s poder acontecer quando pararem de falar em termos de nacionalidades, de classes, de religies. Pergunta: Ainda est inclinado a negar terminantemente que um produto genuno da cultura Teosfica? Krishnamurti: O que quer dizer com cultura Teosfica? V como esta questo est ligada com a precedente sobre o nacionalismo. Voc pergunta, No foi a nossa sociedade, a nossa religio, o nosso pas que o criou? E segue-se a pergunta seguinte, Porque ingrato para conosco? A inteligncia no o produto de nenhuma sociedade, embora eu saiba que as sociedades e os grupos gostem de a explorar. Se eu concordasse que sou o produto genuno da cultura Teosfica, seja o que for que isso possa significar, voc diria, Vejam que homem maravilhoso ele ! Fomos ns que o produzimos; portanto sigam-nos a ns e s nossas idias. (Riso) Sei que estou a pr isto de forma tosca, mas assim que muitos de vocs pensam. No se riam. Riem

  • demasiado facilmente, riem superficialmente, mostrando que no sentem vitalmente. Quero que considere porque me faz esta pergunta, no se sou ou no o resultado da cultura Teosfica. A cultura universal. A verdadeira cultura infinita; no pertence a qualquer sociedade, a qualquer nao, a qualquer religio. Um verdadeiro artista no nem Hindu nem Cristo, nem Americano nem Ingls, porque um artista que est condicionado pela tradio ou pelo nacionalismo no um verdadeiro artista. Assim no vamos discutir se sou o resultado da cultura Teosfica ou se no sou. Vamos considerar o porqu de ter feito esta pergunta. Isso mais importante. Porque se mantm fiis s vossas crenas particulares, dizem que o vosso caminho o nico caminho, que melhor que todos os outros caminhos. Mas eu afirmo que no existe nenhum caminho para a verdade. Somente quando estiverem livres desta idia de caminhos que so apenas iluses temperamentais, comearo a pensar inteligentemente e criativamente. Ateno que no estou a atacar a vossa sociedade. Foram suficientemente amveis em convidar-me para falar aqui, e no estou a abusar dessa amabilidade. A vossa sociedade como milhares de outras sociedades em todo o mundo, cada uma sustendo as suas prprias crenas, cada uma pensando, A nossa o melhor caminho; a nossa crena est certa, e as outras crenas esto erradas. Antigamente, as pessoas cujas crenas diferiam das ortodoxamente aceites eram queimadas ou torturadas. Hoje tornamo-nos aquilo a que podemos chamar tolerantes; isto , tornamo-nos intelectualizados. isso o que a tolerncia significa. Fazem-me esta pergunta porque se querem convencer a si prprios de que a vossa cultura, a vossa crena, a melhor; querem trazer outros para essa crena, para essa cultura. Hoje a Alemanha sustm que ser um pas s de pessoas Nrdicas, que s haver uma cultura. Vocs dizem exatamente a mesma coisa de uma maneira diferente. Vocs dizem, As nossas crenas resolvero os problemas do mundo. E isso o que os Budistas e os Maometanos dizem; isso o que os Catlicos Romanos e outros dizem: As nossas crenas so as melhores; a nossa instituio a mais valiosa. Cada seita e cada grupo acredita na sua prpria superioridade, e de tais crenas surgem as cises, as discrdias e guerras religiosas sobre coisas que no importam nada. Para um homem que vive plenamente, completamente, para um homem que verdadeiramente culto, as crenas so desnecessrias. Ele criativo. Ele verdadeiramente criativo, e essa criatividade no o resultado de uma reao a uma crena. O homem verdadeiramente culto inteligente. Nele no h separao entre o seu pensamento e a sua emoo, e por isso as suas aes so completas, harmnicas. A verdadeira cultura no nacionalista nem de nenhum grupo. Quando compreenderem isto, haver o verdadeiro esprito de fraternidade; j no pensaro em termos de Catolicismo Romano ou de Protestantismo, em termos de Hindusmo ou de Teosofia. Mas vocs esto to conscientes das vossas posses e da vossa luta para mais aquisio que originam distines, e daqui surge o explorador e o explorado. Alguns de vocs, eu sei, fecharam as vossas mentes ao que estou a dizer e ao que vou dizer. bvio olhando as vossas caras.

  • Comentrio da audincia: Duvidamos de si, isso tudo. Krishnamurti: perfeitamente correto que duvidem de mim. Fico satisfeito se duvidarem. Mas no esto a duvidar. Se estivessem realmente a duvidar, como poderiam fazer-me uma pergunta tal como esta, se sou o resultado da cultura Teosfica ou no? O pensamento no para ser condicionado, formado, contudo eu sei que isto est a acontecer; mas certamente que no podem aceitar as coisas como so. S aceitam quando esto satisfeitos, contentes. No aceitam quando esto a sofrer. Quando esto a sofrer comeam a questionar. Portanto porque no havero de duvidar? No os convidei desde o incio a examinar, a desafiar tudo o que digo, para que se tornem inteligentes, afetuosos, humanos? Chegaram a essa compreenso inteligente da vida? Estou a pedir-lhes que questionem, que duvidem, no s do que digo, mas tambm dos valores passados e aqueles em que esto agora aprisionados. A dvida provoca uma compreenso duradoura; a dvida no uma finalidade em si. O que verdade s revelado atravs da dvida, atravs do questionamento das muitas iluses, dos valores tradicionais, dos ideais. Esto a fazer isso? Se souberem que esto sinceramente a fazer isto, ento tambm sabero o significado duradouro da dvida. Esto a mente e o corao a libertar-se da possessividade? Se estiverem verdadeiramente despertos para a sabedoria da dvida, o instinto de aquisitividade dever ser completamente destrudo, porque esse instinto a causa de muito sofrimento. Nele no h amor, mas apenas caos, conflito, sofrimento. Se duvidarem verdadeiramente, percebero a falsidade do instinto de posse. Se vocs so crticos, interrogadores, porque se apegam s cerimnias? Agora no comparem uma cerimnia com outra para decidir qual melhor, mas descubram se as cerimnias valem mesmo a pena. Se disserem, As cerimnias que fao so muito satisfatrias para mim, ento nada mais tenho a dizer. A vossa declarao apenas mostra que no tm conhecimento da dvida. Esto somente interessados em estar satisfeitos. As cerimnias mantm as pessoas separadas, e cada crente nelas diz, As minhas so as melhores. Tm mais poder espiritual que as outras. isto o que os membros de cada religio, de cada seita ou sociedade religiosa afirmam, e sobre estas distines artificiais tem havido desavenas durante geraes. Estas cerimnias e outras barreiras assim irrefletidas separaram o homem do homem. Posso dizer outra coisa? Se duvidarem, isto , se desejarem enormemente descobrir, tm que largar essas coisas que lhes so to caras. No pode haver verdadeira compreenso mantendo o que tm. No podem dizer, Manter-me-ei fiel a este preconceito, a esta crena, a esta cerimnia, e ao mesmo tempo examinarei aquilo que diz. Como poderiam? Tal atitude no uma atitude de dvida; no uma atitude de crtica inteligente. Mostra que esto apenas procura de um substituto. Estou a tentar ajud-los a compreender verdadeiramente a plenitude da vida. No lhes estou a pedir que me sigam. Se esto satisfeitos com a vossa vida como ela , ento continuem-na. Mas se no esto, ento experimentem o que estou a dizer. No aceitem, mas comecem a ser inteligentemente crticos. Para viver completamente tm que se libertar das perverses, das iluses em que

  • esto presos. Para descobrir o significado duradouro da cerimnia, tm que a examinar criticamente, objetivamente, e para fazer isto no devem ser seduzidos por ela, enredados por ela. Certamente que isto bvio. Examinem tanto o desempenho como o no-desempenho das cerimnias. Duvidem, questionem, ponderem sobre isto profundamente. Quando comearem a abandonar o passado, criaro conflito em vocs mesmos, e desse conflito tem que chegar a ao nascida da compreenso. Ora vocs tm medo de deixar ir, porque o ato de abandono trar perturbao; desse ato poder chegar a deciso de que as cerimnias so inteis, o que iria contra a vossa famlia, os vossos amigos, e as vossas asseres passadas. Existe medo por trs de tudo isto, portanto apenas duvidam intelectualmente. So como o homem que se agarra a todas as suas posses, s suas idias, s suas crenas, sua famlia, e contudo fala da no-posse. O seu pensamento nada tem a ver com a sua ao. A sua vida hipcrita. Por favor no pensem que estou a falar rudemente; no estou. Mas tambm no vou ser sentimental ou emocional para os instigar ao. De fato, no estou interessado em estimul-los para a ao; vocs mesmos se estimularo para a ao quando compreenderem. Estou interessado em mostrar-lhes o que est a acontecer no mundo. Quero despert-los para a crueldade, para a terrvel opresso, explorao, que est em vosso redor. A religio, a poltica, a sociedade esto a explor-los, e vocs esto a ser condicionados por elas; esto a ser forados numa determinada direo. Vocs no so seres humanos; so uma mera pea de engrenagem numa mquina. Sofrem pacientemente, submetendo-se s crueldades do meio, quando vocs, individualmente, tm as possibilidades de as mudar. Senhores, tempo de agir. Mas a ao no pode ter lugar atravs de meras argumentaes e discusses. A ao s tem lugar quando sentem intensamente. A verdadeira ao s tem lugar quando os vossos pensamentos e os vossos sentimentos esto harmoniosamente ligados. Mas vocs separaram os vossos sentimentos dos vossos pensamentos, porque da sua harmonia, a ao tem que criar um conflito que no esto dispostos a enfrentar. Mas eu digo, libertem-se dos falsos valores da sociedade, das tradies; vivam completamente, individualmente. Com isto no quero dizer individualisticamente. Quando falo de individualidade, quero com isso referir-me compreenso dos verdadeiros valores que os libertam da mquina social, religiosa, que os est a destruir. Para ser verdadeiramente individual, a ao tem que nascer da inteligncia criativa, sem medo, e no aprisionada na iluso. Vocs podem fazer isto. Podem viver completamente no s vocs, mas todas as pessoas em vosso redor quando se tornarem criativamente inteligentes. Mas agora esto decididos a obter, sempre procura de poder. So conduzidos por engodos, por crenas, por substitutos. No h nisto felicidade, no h nisto inteligncia criativa, no h nisto verdade.

  • Palestra - 31 de dezembro, 1933. Se se puder encontrar uma absoluta garantia de segurana, ento no se tem medo de nada. Se se puder ter a certeza de tudo, ento o medo cessa totalmente, seja o medo do presente ou do futuro. Por isso estamos sempre procura de segurana, consciente ou inconscientemente, segurana essa que eventualmente se torna a nossa posse exclusiva. Ora existe a segurana fsica que, no presente estado da civilizao, um homem pode acumular atravs do seu engenho, da sua habilidade, atravs da explorao. Fisicamente ele pode assim tornar-se seguro, enquanto que emocionalmente, para segurana, ele se volta para o pretenso amor, que para a maior parte, possessividade; volta-se para as distines emocionais egostas da famlia, dos amigos, e da nacionalidade. Depois h a procura constante de segurana emocional em idias, em crenas, na busca da virtude, sistemas, certezas, e o pretenso conhecimento. Deste modo entrincheiramo-nos continuamente; atravs da possessividade construmos nossa volta seguranas, confortos, e tentamos sentir-nos seguros, protegidos, certos. isto o que estamos continuamente a fazer. Mas embora nos entrincheiremos por trs das seguranas do conhecimento, da virtude, do amor, da posse, embora edifiquemos muitas certezas, estamos a construir sobre areia, porque as ondas da vida esto constantemente a bater contra os seus alicerces, deixando mostra as estruturas que ns to cuidadosa e diligentemente construmos. Chegam experincias, uma aps outra, que destroem todo o conhecimento anterior, todas as certezas anteriores, e todas as nossas seguranas so arrastadas, disseminadas como palha perante o vento. Assim, embora possamos pensar que estamos seguros, vivemos no medo contnuo da morte, no medo da mudana e da perda, no medo da revoluo, no medo da incerteza torturante. Estamos constantemente conscientes da transitoriedade do pensamento. Construmos inumerveis muros por trs dos quais procuramos segurana e conforto, mas o medo est ainda a torturar-nos nos nossos coraes e nas nossas mentes. Assim procuramos continuamente a substituio, e essa substituio torna-se a nossa meta, o nosso objetivo. Dizemos, Esta crena provou no ser de qualquer valor, portanto deixa-me virar para outro conjunto de crenas, outro conjunto de idias, outra filosofia. A nossa dvida termina meramente na substituio, no no questionamento da crena em si. No a dvida que questiona, mas o desejo de seguranas. Por isso a vossa pretensa busca da verdade se torna apenas numa busca de mais seguranas permanentes, e aceitam como professor, como guia, qualquer pessoa que se oferea para lhes dar segurana, certeza, conforto absolutos. assim que com a maioria das pessoas. Queremos e procuramos. Tentamos analisar os substitutos que os outros sugerem para tomarem o lugar das seguranas que conhecemos e que esto a ser constantemente desgastadas, corrodas, pela experincia da vida. Mas no nos podemos livrar do medo pela substituio, pela remoo de um conjunto de crenas substituindo-o por outro. S quando descobrimos o verdadeiro valor das crenas a que nos agarramos, o significado persistente dos nossos instintos de posse, do nosso conhecimento, das seguranas que edificamos, somente nessa compreenso podemos pr fim ao medo. A compreenso no chega pela procura de substitutos, mas pelo questionamento, entrando verdadeiramente em conflito com as tradies,

  • duvidando das idias estabelecidas da sociedade, da religio, da poltica. Afinal, a causa do medo o ego e a conscincia desse ego, que criado pela falta de compreenso. Devido a esta falta de compreenso procuramos seguranas, desse modo fortalecendo essa limitada autoconscincia. Ora enquanto o ego existir, enquanto houver a conscincia do meu, tem que haver medo; e este ego existir enquanto desejarmos substitutos, enquanto no compreendermos as coisas nossa volta, as coisas que ns estabelecemos, os prprios monumentos da tradio, dos hbitos, das idias, das crenas em que nos refugiamos. E s podemos compreender estas tradies e crenas, descobrir o seu verdadeiro significado, quando entrarmos em conflito com elas. No podemos compreend-las teoricamente, intelectualmente, mas apenas na plenitude do pensamento e da emoo, que a ao. Para mim, o ego representa a falta de percepo que cria o tempo. Quando compreendem um fato completamente, quando compreendem as experincias da vida integralmente, incondicionalmente, o tempo cessa. Mas no podem compreender a experincia completamente se estiverem constantemente procura de certeza, de conforto, se a vossa mente estiver entrincheirada na segurana. Para compreender uma experincia em todo o seu significado, tm que questionar, tm que duvidar das seguranas, das tradies, dos hbitos que edificaram porque eles impedem a plenitude da compreenso. Desse questionamento, desse conflito, se esse conflito for real, desponta a compreenso; e nessa compreenso, a autoconscincia, a conscincia limitada, desaparece. Tm que descobrir o que esto a procurar, segurana ou compreenso. Se estiverem procura de segurana, encontra-la-o na filosofia, nas religies, nas tradies, na autoridade; mas se desejam compreender a vida, na qual no h segurana, conforto, ento h liberdade duradoura. E s podem descobrir o que procuram estando conscientes na ao; no podem descobrir apenas questionando a ao. Quando questionam e analisam a ao, pe um fim ao. Mas se estiverem conscientes, se forem intensos na vossa ao, se puserem nela toda a vossa mente e todo o vosso corao, ento essa ao revelar se esto por esse meio a procurar conforto, segurana, ou essa infinita compreenso que o eterno movimento da vida. Pergunta: Na sua Autobiografia a Dra. Besant disse que tinha passado da tormenta paz pela primeira vez na sua vida quando conheceu o seu grande Mestre. A sua magnfica vida da para a frente teve a sua fora motriz na sua ilimitada e interminvel devoo ao seu Mestre, expressa atravs da alegria de o servir. O senhor mesmo, nas suas poticas palavras, declarou a sua inexprimvel alegria na unio como o Amado (Beloved) e na viso da sua face para onde quer que se voltasse. No poderia a influncia de um Mestre, tal como foi evidente na notvel vida da Dra. Besant e na sua, ser igualmente significativa em outras vidas? Krishnamurti: Est a perguntar-me, por outras palavras, se os Mestres so necessrios, se eu acredito em Mestres, se a sua influncia benfica, e se eles existem. essa toda a questo, no ? Muito bem, senhores. Ora, acreditem ou no em Mestres (e alguns de vocs acreditam neles), por favor no fechem as vossas mentes ao que vou dizer. Sejam abertos, crticos. Vamos examinar a

  • questo exaustivamente, em vez de discutir se vocs ou eu acreditamos em Mestres. Em primeiro lugar, para compreender a verdade tm que permanecer sozinhos, inteiramente e integralmente sozinhos. Nenhum Mestre, nenhum guru, nenhum sistema, nenhuma autodisciplina jamais levantar para vocs o vu que oculta a sabedoria. A sabedoria a compreenso dos valores duradouros e o viver desses valores. Ningum os pode conduzir sabedoria. Isso bvio, no ? Nem precisamos de o discutir. Ningum os pode forar, nenhum sistema os pode instar a libertarem-se do instinto de possessividade at que vocs prprios voluntariamente compreendam, e nessa compreenso h sabedoria. Nenhum Mestre, nenhum guru, nenhum professor, nenhum sistema os pode forar a essa compreenso. Somente o sofrimento que vocs prprios experimentam pode faz-los ver o absurdo da possa da qual surge o conflito; e desse sofrimento chega a compreenso. Mas quando procuram uma fuga desse sofrimento, quando procuram refgio, conforto, ento tm que ter Mestres, tm que ter filosofia e crena; ento voltam-se para os tais refgios de segurana como a religio. Assim com esta compreenso vou responder vossa questo. Esqueamos de momento o que a Dra. Besant disse e fez, ou o que eu disse e fiz. Deixemos isso de lado. No tragam a Dra. Besant para a discusso; se o fizerem, reagiro emocionalmente, aqueles de vocs que tm simpatia pelas suas idias, e aqueles de vocs que a no tm. Diro que ela me criou, que sou desleal, e palavras semelhantes que utilizam para mostrar a vossa desaprovao. Coloquemos de lado tudo isto de momento e olhemos para a questo com toda a franqueza e simplicidade. Em primeiro lugar, querem saber se os Mestres existem. Eu digo que quer eles existam ou no, isso de muito pouca importncia. Agora por favor no pensem que estou a atacar as vossas crenas. Compreendo que estou a falar para membros da Sociedade Teosfica, e que aqui sou o vosso convidado. Mas fizeram-se uma pergunta, e estou simplesmente a respond-la. Assim vamos considerar o porqu de quererem saber se os Mestres existem ou no. Porque, dizem para vocs prprios, os Mestres podem guiar-nos atravs da confuso tal como um sinal luminoso do farol guia o marinheiro. Mas o fato de dizerem isso mostra que esto apenas procura de um porto de abrigo, que tm medo do mar alto da vida. Ou, mais uma vez, podem fazer a pergunta porque querem fortalecer a vossa crena; querem fundamentao, corroborao da vossa crena. Senhores, uma coisa que um brinquedo, embora tornado belo pela corroborao de milhares de pessoas, permanece um brinquedo. Vocs dizem-me, Os nossos professores deram-nos f, mas agora vem lanar a dvida nessa f. Por isso queremos saber se os Mestres existem ou no. Por favor fortalea-nos na nossa crena de que eles existem; diga-nos se o senhor mesmo foi ou no guiado por eles. Se apenas desejam ser fortalecidos na vossa f, ento eu no posso responder a essa pergunta porque no me limito com a f. A f mera autoridade, cegueira, esperana, anseio; um meio de explorao, seja aqui ou na Igreja Catlica Romana, ou em qualquer outra religio. um meio de forar o homem ao, ao correta ou incorreta. O fortalecimento da f no produz compreenso: mais

  • exatamente, o prprio duvidar dessa f e a descoberta do seu significado trazem compreenso. Que diferena faria se pudessem ver os Mestres fisicamente todos os dias? Todavia continuariam a agarrar-se aos vossos preconceitos, s vossas tradies, aos vossos hbitos; seriam todavia escravos das vossas crueldades, das vossas crenas fanticas, tacanhas, da vossa falta de amor, do vosso orgulho na nacionalidade, mas estes vocs conservariam secretamente fechados a sete chaves. Depois da primeira questo surge a segunda: Duvida dos mensageiros dos Mestres? Eu duvido de tudo, porque s atravs da dvida se pode descobrir, no atravs de colocarmos a nossa f em algo. Mas vocs evitaram cuidadosamente, perseverantemente a dvida; desfizeram-se dela como de uma grilheta. Ento de novo diro, Se eu entrar em contacto com os Mestres, posso descobrir o seu plano para a humanidade. Referem-se a um plano social, um plano para o bem-estar fsico do homem? Ou referem-se ao bem-estar espiritual do homem? Se responderem, Ambos, ento eu digo que o homem no pode alcanar o bem-estar espiritual atravs da atuao de outra pessoa. Isso est inteiramente nas vossas mos. Ningum pode planear isso para outro. Cada homem tem que descobrir por si mesmo, tem que compreender; h plenitude na realizao, no no progresso. Mas se disserem, Procuramos um plano para o bem-estar fsico do homem, ento tm que estudar economia e sociologia. Ento porque no fazer de Harold Laski o vosso mestre, ou de Keynes, ou de Marx ou de Lnin? Cada um destes oferece um plano para o bem-estar do homem. Mas vocs no querem isso. O que vocs querem, quando procuram um Mestre, abrigo, um refgio de segurana; querem proteger-se do sofrimento, esconder-se da confuso e do conflito. Afirmo que no existe tal coisa como um refgio, como conforto. Podem apenas fazer um refgio artificial, criado intelectualmente. Porque o fizeram durante geraes, perderam a vossa inteligncia criativa. Tornaram-se limitados pela autoridade, estropiados com crenas, com falsas tradies e hbitos. Os vossos coraes esto secos, duros. Eis porque apiam todas as formas de sistemas de pensamento cruis, que conduzem explorao. Eis porque encorajam o nacionalismo, porque lhes falta fraternidade. Falam de fraternidade, mas as vossas palavras so desprovidas de sentido enquanto os vossos coraes estiverem limitados pela distino de classes. Vocs que acreditam to profundamente em todas estas idias, o que que vocs tm, o que so vocs? Conchas vazias retumbando palavras, palavras, palavras. Perderam todo o sentido de sentimento pela beleza, pelo amor; apiam instituies falsas, idias falsas. Aqueles de vocs que acreditam nestes Mestres, no seu plano, nos seus mensageiros, o que so vocs? Na vossa explorao, no vosso nacionalismo, nos vossos maus-tratos das mulheres e das crianas, na vossa aquisitividade, so to cruis como o homem que no acredita em Mestres, no seu plano, nos seus mensageiros. Apenas estabeleceram novas instituies para as antigas, novas crenas para as antigas; o vosso nacionalismo to cruel como o antigo, s que vocs tm argumentos mais subtis para as vossas crueldades e explorao. Enquanto a mente estiver aprisionada na crena, no h compreenso, no h liberdade. Assim, para mim, se os Mestres existem ou no totalmente irrelevante ao, realizao, com a que nos deveramos preocupar. Mesmo

  • que a sua existncia seja um fato, no tem qualquer importncia; porque para compreender tm que ser independentes, tm que estar entregues a si prprios, completamente nus, despojados de toda a segurana. Foi isto o que eu disse na minha palestra introdutria. Tm que descobrir se esto procura de segurana, conforto, ou se esto procura de compreenso. Se realmente examinarem os vossos prprios coraes, a maior parte de vocs descobrir que procura segurana, conforto, locais de proteo, e que nessa procura se munem de filosofias, gurus, sistemas de autodisciplina; esto assim a frustrar, a restringir continuamente o pensamento. Nos vossos esforos para fugir do medo, entrincheiram-se nas crenas, e aumentando desse modo a vossa prpria autoconscincia, o vosso prprio egosmo; apenas se tornaram mais subtis, mais astutos. Sei que disse todas estas coisas anteriormente duma forma diferente, mas aparentemente as minhas palavras no tiveram qualquer efeito. Ou querem compreender o que digo, ou esto satisfeitos com as vossas prprias crenas e sofrimentos. Se esto satisfeitos com eles, porque me convidaram para vir aqui falar? Porque me ouvem? No, fundamentalmente no esto satisfeitos. Podem preconizar que esto satisfeitos; podem associar-se a instituies, efetuar novas cerimnias, mas interiormente sentem uma incerteza, uma dor interminvel que nunca se atrevem a enfrentar. Em vez disso, procuram substitutos; querem saber se lhes posso dar novos refgios, e por isso que me fizeram esta pergunta. Querem que eu os apie nessas crenas das quais no tm a certeza. Querem estabilidade interior, mas eu digo-lhes que no existe tal estabilidade. Querem que eu lhes d certezas, garantias. Eu digo-lhes que tm tais certezas, tais garantias s centenas nos vossos livros, nas vossas filosofias, mas elas no tm qualquer valor para vocs; so p e cinzas porque no vosso prprio ntimo no h compreenso. S podem ter compreenso, garanto-lhes, quando comearem a duvidar, quando comearem a questionar precisamente os refgios em que se confortam, em que se refugiam. Mas isto significa que tm que entrar em conflito com as tradies e com os hbitos que estabeleceram. Talvez tenham posto de parte as velhas tradies, os velhos gurus, as velhas cerimnias, e tenham aceitado novos. Qual a diferena? As novas tradies, os novos gurus, as novas cerimnias so exatamente o mesmo que os velhos, exceto que so mais exclusivos. Pelo questionamento constante descobriro o real, o valor inerente das tradies, dos gurus, das cerimnias. No lhes estou a pedir que abandonem as cerimnias, que deixem de seguir os Mestres. Esse um assunto de menor importncia e pouco inteligente; se efetuarem cerimnias ou contam com os Mestres para vossa orientao no importante. Mas enquanto houver falta de compreenso h medo, h sofrimento, e a mera tentativa de encobrir esse medo, esse sofrimento, atravs de cerimnias, atravs da orientao dos Mestres, no os libertar. J me tinha feito esta pergunta antes; fizeram-me a mesma pergunta no ano passado. E de cada vez que a fazem, fazem-na porque querem refugiar-se por trs da minha resposta; querem sentir-se protegidos, pr um fim dvida. Ora eu posso contradizer a vossa crena; posso dizer que no existem Mestres. Depois chega outro para lhes dizer que os Mestres existem. Eu digo, duvidem de ambas as respostas, questionem ambas: no se limitem a aceit-las. Vocs no so crianas, macacos a imitar a ao de algum; so seres humanos, no para serem condicionados pelo medo. Pressupe-se que sejam criativamente

  • inteligentes; mas como podem ser criativamente inteligentes se seguem um professor, uma filosofia, uma prtica, um sistema de autodisciplina? A vida rica somente para o homem que se encontra no movimento constante do pensamento, para o homem cujas aes so harmoniosas. Nele h afeto, h considerao. Esse cujas aes so harmoniosas usar um sistema inteligente para curar as feridas do mundo. Sei que o que estou a dizer hoje j o disse inmeras vezes; disse-o muitas vezes. Mas vocs no sentem estas coisas porque lhes deram explicaes satisfatrias, e nestas explicaes, nestas crenas, tomam refgio, conforto. S esto preocupados convosco prprios, com a vossa prpria segurana, com o vosso prprio conforto, como os homens que lutam por ttulos governamentais. Fazem o mesmo de maneiras diferentes, e as vossas palavras de fraternidade, de verdade, nada significam; so apenas conversa oca. Pergunta: O nico desgosto da Dra. Besant diz-se ter sido o fato de que no correspondeu s suas expectativas como o Professor do Mundo. Alguns de ns compartilhamos francamente desse desgosto e desse sentido de desapontamento, e sentimos que de forma alguma sem qualquer justificao. Tem alguma coisa a dizer? Krishnamurti: Nada, senhores. (Riso) Quando digo Nada, quero dizer nada que atenue o vosso desapontamento ou o desapontamento da Dra. Besant se que ela estava desapontada, porque muitas vezes me expressou o contrrio. No estou aqui para me justificar; no estou interessado em justificar-me. A questo , porque esto desapontados, se que esto? Tinham pensado colocar-me numa certa gaiola, e uma vez que eu no sirvo para essa gaiola, naturalmente ficaram desapontados. Tinham uma idia preconcebida daquilo que eu deveria fazer, do que deveria dizer, do que deveria pensar. Eu afirmo que existe a imortalidade, um eterno devir. A questo no que eu o saiba, mas sim que existe. Tenham cuidado com o homem que diz; Eu sei. A vida do eterno devir existe, mas para a compreenderem, a vossa mente tem que estar liberta de todas as idias preconcebidas sobre o que . Preconceberam idias de Deus, da imortalidade, da vida. Isto est escrito em livros, dizem vocs, ou, Algum me disse isto. Construram assim uma imagem da verdade, assim imaginaram Deus e a imortalidade. Querem agarrar-se a essa imagem, a essa impresso, e ficam desapontados com quem quer que seja cuja idia difere da vossa, com quem quer que seja cujas idias no se adaptem s vossas. Por outras palavras, se essa pessoa no se tornar a vossa ferramenta, vocs ficam desapontados com ela. Se essa pessoa no os explorar e vocs criam o explorador com o vosso desejo de segurana ento ficam desapontados com ela. O vosso desapontamento no se baseia no pensamento, no se baseia na inteligncia, no se baseia na afeio profunda, mas sim numa qualquer imagem de vossa prpria feitura, por mais falsa que possa ser. Encontraro pessoas que lhes diro que as desapontei, e criaro um corpo de opinio sustentando que eu falhei. Mas dentro de cem anos no creio que v importar muito se esto desapontados ou no. A verdade de que falo, permanecer no as vossas fantasias ou os vossos desapontamentos.

  • Pergunta: Considera um pecado que um homem ou uma mulher se gozem de relaes sexuais ilegtimas? Um jovem quer livrar-se de tal felicidade ilegtima que ele considera errada. Tenta continuamente controlar a sua mente mas no consegue. Poderia mostrar-lhe uma maneira prtica de ser feliz? Krishnamurti: Em coisas assim no h maneiras prticas. Mas consideremos a questo; tentemos compreend-la, embora no do ponto de vista de um determinado ato ser pecado ou no ser pecado. Para mim no existe tal coisa como o pecado. Porque que o sexo se tornou um problema na nossa vida? Porque h tantas distores, perverses, inibies, represses? No ser porque estamos esfomeados mental e emocionalmente, porque estamos incompletos em ns prprios, porque apenas nos tornamos mquinas imitativas, e a nica expresso criativa deixada para ns, a nica coisa na qual podemos encontrar felicidade, a coisa a que chamamos sexo? Como indivduos, deixamos de o ser mental e emocionalmente. Somos apenas mquinas na sociedade, na poltica, na religio. Ns como indivduos fomos absolutamente, implacavelmente destrudos atravs do medo, atravs da imitao, atravs da autoridade. No libertamos a nossa inteligncia criativa atravs de canais sociais, polticos e religiosos. Por isso a nica expresso criativa que nos foi deixada como indivduos o sexo, e a isso atribumos naturalmente uma tremenda importncia, nisso colocamos uma enorme nfase. Eis porque o sexo se tornou um problema, no ? Se puderem libertar o pensamento criativo, a emoo criativa, ento o sexo deixar de ser um problema. Para libertar completamente, integralmente, essa inteligncia criativa, tm que questionar o prprio hbito do pensamento, tm de questionar a prpria tradio em que vivem, essas mesmas crenas que se tornaram automt