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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
PAULO HENRIQUE DE OLIVEIRA
PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES NOS PRIMEIROS ANOS DO GABINETE DE
LEITURA DE JUNDIAÍ (1908-1924)
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
PAULO HENRIQUE DE OLIVEIRA
PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES NOS PRIMEIROS ANOS DO GABINETE DE
LEITURA DE JUNDIAÍ (1908-1924)
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em
História Social, sob a orientação da professora. Dra.
Estefania Knotz Canguçú Fraga.
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
SÃO PAULO
2015
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
Mo ti dedicate
ẹni ti yoo fun mi ni agbara
ẹni ti yoo fun mi ni ifaya
ọkan ti o mu ki mi fò
À Suely Aparecida de Oliveira, cuja experiência
social não pode ser agraciada com os livros.
AGRADECIMENTOS
A caminhada da pesquisa é trajetória que não se percorre totalmente só. Durante o
trajeto, se depara com aqueles que estão no mesmo caminho, abertos ao diálogo, a
compartilhar experiências e a construir saberes. E mesmo quando se está só para escrever, as
lembranças do que se viveu em conjunto tornam presentes as ausências de todos os
caminhantes. Felizmente, no percurso desta pesquisa, deparei-me com pessoas e instituições
que em muito contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho. Deixo aqui os meus
agradecimentos.
Ao Programa de Estudos Pós-Graduandos em História Social da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a todo o seu corpo docente.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela
concessão da bolsa de estudos, que me possibilitou dedicar tempo e esforços para a realização
desta pesquisa.
À minha estimada orientadora professora Dra. Estefania Knotz Canguçú Fraga. Não
imaginava poder receber tanta atenção e dedicação de uma mestra. Agradeço-lhe pelas
inúmeras possibilidades que me concedeu de estar ao seu lado, aprendendo a construir um
pensamento reflexivo sobre a história. Suas contribuições teórico-metodológicas são muito
importantes e certamente sempre nortearão o meu fazer de historiador. Obrigado ainda pelo
zelo para comigo e para com a pesquisa. Você sempre se colocou à disposição para esclarecer
as dúvidas e afastar as incertezas. Pessoalmente, por telefone, por mensagens através do
WhatsApp ou Facebook, pela manhã, à tarde, à noite ou na madrugada. Nunca mediu
esforços para que a nossa comunicação se desse a qualquer hora e em quaisquer
circunstâncias. Espero permanecer em constate diálogo com você.
Ao professor Dr. Fernando Torres Londoño, da PUC-SP, que me ensinou o caminho,
não o das pedras, mas o da pesquisa. Foi o primeiro a sentar-se comigo e me ouvir dizer que
desejava estudar algo sobre livros. Graças a sua colaboração, ingressei no Mestrado.
As professoras Dra. Yone de Carvalho, Dra. Olga Brites, Dra. Maria do Rosário
Cunha Peixoto e Dra. Maria Antonieta Martines Antonaci, mulheres fortes, intelectuais e
inspiradoras. Suas aulas e seminários são fontes para que todo sujeito social aprenda a ler sua
realidade e passe a transformá-la.
Ao Diretor do Gabinete de Leitura de Jundiaí, João Borin, por me permitir entrar na
instituição e me apropriar de seu acervo de documentos.
Aos profissionais do Centro de Memória de Jundiaí (CMJ), em particular a Juliana
Silveira, por junto comigo vasculhar caixas e mais caixas em busca de “fontes”.
À Maria Célia de Barros Silva, revisora, que pacientemente tentou me ajudar a ser
menos “rococó”, em minha forma de escrever, espero ter conseguido. Aprendi muito com
você. Obrigado.
Aos colegas de Pós-Graduação Ana Lúcia Melo, Paula Rizzo, Cristina Cardoso,
Cleyton Costa, Rodolfo Almeida, Amanda Alexandre e Karine Bernadino. Tê-los como
companheiros de pesquisa contribuiu grandiosamente para que esses dois anos passassem em
meio a risadas, conversas, alegrias e sutilezas.
À Cleonice Nascimento, companheira de pesquisa que se tornou amiga para toda a
vida. É certo que sem a sua pessoa muito deste trabalho não teria se desenvolvido. Foi durante
os cafés, nos rápidos lanches e almoços, nas conversas nos corredores e na biblioteca, nas idas
e vindas pelo trânsito de São Paulo, que pude amadurecer ideias, abrir horizontes, trocar
experiências e aprimorar a pesquisa. Tudo isso com você ao meu lado. Obrigado amiga. Sem
dúvida, uma das melhores coisas desses dois anos de pesquisa foi conhecê-la.
À querida amiga Zibia Santana, que mesmo na correria do dia a dia, sem quase nos
vermos, sei que torce e vibra por mim
Aos queridos colegas de profissão, que compartilham comigo suas práticas docentes e
me ensinam a melhorar cada vez mais. Obrigado professores dos colégios Oliveira Telles e
Luterano São Paulo.
À minha família, Ana Paula, Tiffany, Gabriel e Carlinhos. Vocês são o meu mundo,
aqueles por quem todo dia luto para que tenhamos uma vida feliz.
À Suely Oliveira, minha mãe. Seu carinho, dedicação, cuidado e amor para comigo
são fundamentais para que eu possa viver.
À família Mendes Silva, por me receber em sua casa, permitir que eu passasse horas,
dias e semanas, lendo e pesquisando.
Aos meus guias espirituais, que caminham comigo na jornada da vida, dando-me luz,
intuição e direcionamento.
À Roberto Mendes, companheiro, com quem compartilho as alegrias e as tristezas da
vida. Obrigado por todo o apoio, por saber entender e esperar e por acreditar em mim. Você
sabe o quanto contribuiu para a realização dessa pesquisa, a começar pelo seu amor diário.
Obrigado.
É tudo o que uma pessoa, grande ou pequena,
pode ter a ousadia de querer. Como contar o que
se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o
livro na mão. Acho que eu não disse nada.
Peguei o livro. Não, não saí pulando como
sempre. Saí andando bem devagar. Sei que
segurava o livro grosso com as duas mãos,
comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo
levei até chegar em casa, também pouco importa.
Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia
que não o tinha, só para depois ter o susto de o
ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas
maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela
casa, adiei ainda mais indo comer pão com
manteiga, fingi que não sabia onde guardara o
livro, achava-o, abria-o por alguns instantes.
Criava as mais falsas dificuldades para aquela
coisa clandestina que era a felicidade. A
felicidade sempre iria ser clandestina para mim.
Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu
vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu
era uma rainha delicada. As vezes sentava-me na
rede, balançando-me com o livro aberto no colo,
sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais
uma menina com um livro: era uma mulher com
o seu amante.
Clarice Lispector
OLIVEIRA, Paulo Henrique de. Práticas e representações nos primeiros anos do Gabinete
de Leitura de Jundiaí (1908-1924). 2015. 202f. Dissertação (Mestrado em História Social),
Faculdade de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo,
2015.
RESUMO
A pesquisa tem por objetivo compreender o processo de surgimento do Gabinete de Leitura
de Jundiaí. Fundado no ano de 1908, no município de Jundiaí, localizado na região oeste do
Estado de São Paulo. A Instituição foi criada por um grupo de trabalhadores da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro. Tinha por finalidade ser um espaço para a instrução,
promovendo uma sociabilidade livresca, através de conferências e cerimoniais literários e
uma escola de primeiras letras aos associados e frequentadores. Configurou-se como um
espaço destinado aos livros, aos leitores e à prática da leitura, sendo a primeira biblioteca
pública da cidade de Jundiaí. A partir das Atas de Reuniões, produzidas entre 1908-1924,
analisam-se as práticas sociais dos membros da instituição, que se reuniam em Assembleias
Gerais ou em reuniões de Diretoria. Investiga-se a representação da Instituição como um
espaço para a prática da cultura letrada. Para tanto, utilizaram-se as noções formuladas por
Roger Chartier, práticas e representações, na tentativa de compreender como uma realidade
social estava sendo construída, pensada e dada a ler, pelos fundadores e sócios do Gabinete de
Leitura, entendendo que as práticas constroem representações no mundo social. A pesquisa
também analisa a biblioteca do Gabinete de Leitura de Jundiaí. Em 1957, o bibliotecário da
instituição produziu um catálogo de obras contendo 9.027 livros descritos (entre obras
nacionais e estrangeiras), listando-os apenas por título e autor. O catálogo abarca todas as
obras que compunham o acervo da instituição desde a sua fundação. Desse modo, realizaram-
se a classificação e a ordenação das obras, a partir da Classificação Decimal Dewey, com o
objetivo de identificarem-se as preferências literárias, uma vez que os livros eram comprados
de acordo com as escolhas dos leitores, podendo-se assim obter um panorama dos principais
gêneros literários. Por fim, constata-se que o tempo e o espaço, que marcam o surgimento do
Gabinete de Leitura de Jundiaí são reveladores de um período de transformação, em que
novos arranjos sociais eram experenciados, na ordem da Primeira República.
Palavras Chave: Gabinete de Leitura; História da Leitura; Práticas; Representações; Cultura;
Jundiaí.
OLIVEIRA, Paulo Henrique de. Practices and representations in the early years of the
Jundiaí Reading Room (1908-1924). 2015. 202f. Master Thesis in Social History.Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2015.
ABSTRACT
The research aims to understand the process of emergence of Jundiaí Reading Room.
Founded in 1908, in Jundiaí, located in the western region of São Paulo. The institution was
created by a group of workers of Railroads of Companhia Paulista. It was intended to be a
space for education, fostering a bookish sociability, through literary conferences and
ceremonies and a school of first letters to members and patrons. It was configured as a space
dedicated to books, readers and practice of reading, the first public library in the city of
Jundiaí. From Meeting Minutes, produced between 1908-1924, analyzes the social practices
of officials, who gathered in General Meetings or Board meetings. Investigates the
representation of the institution as a space for the practice of literacy. Therefore, we used the
ideas formulated by Roger Chartier, practices and representations in an attempt to understand
how a social reality was being built, and thought given to read, by the founders and members
of the Reading Room, understanding that practices build representations the social world. The
survey also looks at the Library of Jundiaí Reading Room. In 1957, the librarian of the
institution produced a catalog of works containing 9.027 books described (between domestic
and foreign works), listing them only by title and author. The catalog covers all the works that
made up the collection of the institution since its foundation. Thus, there were the
classification and sorting of the articles from the Dewey Decimal Classification, in order to
identify to the literary preferences, once the books were purchased according to the choices of
the readers being able to so get an overview of the major literary genres. Finally, it appears
that the time and the space, marking the emergence of Jundiaí Reading Room are revealing a
period of transformation, in which new social arrangements were experienced in the First
Republic order
.
Keywords: Reading Room; Story Reading; Practices; Representations; Culture; Jundiaí.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Atas de reuniões do Gabinete de Leitura de Jundiaí e o exemplar do
Jornal O Gabinete.................................................................................
19
Figura 2 – Localização do município de Jundiaí no Estado de São Paulo.............. 39
Figura 3 – Recorte do Catálogo de Obras................................................................ 48
Figura 4 – Rua do Rosário, centro da cidade de Jundiaí......................................... 52
Figura 5 – Sede atual do Grêmio C.P...................................................................... 67
Figura 6 – Programa de uma Soriée do Grêmio C.P............................................... 68
Figura 7 – Centro Espírita Fraternidade e a Loja Maçônica Amor e Concórdia..... 74
Figura 8 – Loteamentos e ruas abertas, em Jundiaí, até 1900................................. 77
Figura 9 – Igreja Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí........................................ 78
Figura 10 – Estação da Companhia Paulista em Jundiaí em 1909............................ 79
Figura 11 – Arruamento da Avenida São João, em 1897.......................................... 80
Figura 12 – Rua Barão de Jundiaí, década de 1910.................................................. 81
Figura 13 – Território ocupado pelo Núcleo Colonial em Jundiaí............................ 82
Figura 14 – Padaria e Confeitaria Pauliceia, em 1906. ............................................ 88
Figura 15 – Mapa da Cidade de Jundiaí 1900........................................................... 94
Figura 16 – Folhas das atas de reuniões da diretoria................................................ 95
Figura 17 – Benedito Ferraz...................................................................................... 112
Figura 18 – Capas dos livros de Benedito Ferraz...................................................... 114
Figura 19 – Tibúrcio Siqueira ................................................................................... 114
Figura 20 – Charge de Tibúrcio Siqueira.................................................................. 115
Figura 21 – Waldomiro da Costa............................................................................... 116
Figura 22 – Charge de Waldomiro da Costa............................................................. 116
Figura 23 – Conrado Offa e família........................................................................... 117
Figura 24 – Inauguração da nova sede do Gabinete de Leitura de Jundiaí.......... 129
Figura 25 – Desenho da bandeira e do emblema criados para o Gabinete de
Leitura de Jundiaí. ............................................................................
128
Figura 26 – Desenho do escudo criado para o Gabinete de Leitura de Jundiaí.... 128
Figura 27 – Páginas do Catálogo de Obras........................................................... 130
Figura 28 – Estantes da biblioteca do Gabinete de Leitura de Jundiaí 1926........ 137
Figura 29 – Sede do Gabinete de Leitura Ruy Barbosa na década de 1930......... 182
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Valores auferidos com as mensalidades em 1908 (mil-réis).................... 60
Gráfico 2 – Valores auferidos com as mensalidades em 1909 (mil-réis).................... 60
Gráfico 3 – Quantidade de sócios contribuintes (1908-1917)..................................... 61
Gráfico 4 – Valores auferidos com as mensalidades em 1910 (mil-réis).................... 63
Gráfico 5 – Valores auferidos com as mensalidades em 1911 (mil-réis).................... 63
Gráfico 6 – Número de habitantes da cidade de Jundiaí (1872-1920)........................ 83
Gráfico 7 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por área do conhecimento..... 143
Gráfico 8 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação
(CDD/000 - Generalidades).....................................................................
144
Gráfico 9 – Autores com maior número de obras (CDD/000-Generalidades)............ 145
Gráfico 10 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação
(CDD/100-Filosofia) ...............................................................................
146
Gráfico 11 – Autores com maior número de obras (CDD/100-Filosofia)..................... 147
Gráfico 12 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação
(CDD/200- Religião) ...............................................................................
148
Gráfico 13 – Autores com maior número de obras (CDD/200- Religião).................... 149
Gráfico 14 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação
(CDD/300- Ciências Sociais) ..................................................................
150
Gráfico 15 – Autores com maior número de obras (CDD/300- Ciências Sociais)....... 151
Gráfico 16 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação
(CDD/400 Línguas)..................................................................................
152
Gráfico 17 – Autores com maior número de obras (CDD/400- Línguas) .................... 153
Gráfico 18 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação
(CDD/500- Ciências Puras) .....................................................................
154
Gráfico 19 – Autores com maior número de obras (CDD/500- Ciências Puras).......... 155
Gráfico 20 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação
(CDD/600-Tecnologia)............................................................................
156
Gráfico 21 – Autores com maior número de obras (CDD/600- Tecnologia)................ 157
Gráfico 22 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação
(CDD/700- Artes) ....................................................................................
158
Gráfico 23 – Autores com maior número de obras (CDD/700-Artes).......................... 159
Gráfico 24 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação
(CDD/800- Literatura e Retórica) ...........................................................
160
Gráfico 25 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal -810
Literatura Americana) .............................................................................
161
Gráfico 26 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 820
Literatura Inglesa) ...................................................................................
162
Gráfico 27 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 830
Literatura Alemã) ....................................................................................
163
Gráfico 28 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 840
Literatura Francesa) .................................................................................
164
Gráfico 29 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 850
Literatura Italiana) ...................................................................................
167
Gráfico 30 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 860
Literatura Espanhola) ..............................................................................
166
Gráfico 31 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 869
Literatura Portuguesa)..............................................................................
167
Gráfico 32 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal -
869.9 Literatura Brasileira)......................................................................
168
Gráfico 33 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 870
Literatura Latina)......................................................................................
169
Gráfico 34 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 880
Literatura Grega, Clássica e Moderna) ...................................................
169
Gráfico 35 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 890
Outras Literaturas)....................................................................................
170
Gráfico 36 – Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD–
900 História e Geografia).........................................................................
171
Gráfico 37 – Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 900
História e Geografia)................................................................................
172
Gráfico 38 – Divisão da quantidade de obras por língua estrangeira e sua (%)............ 173
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Classificação Decimal Dewey...................................................................... 45
Tabela 2 – Jornais locais de Jundiaí (1908–1926)......................................................... 87
Tabela 3 – Escolas existentes em Jundiaí (1908– 1926)................................................ 89
Tabela 4 – Nacionalidades dos sócios contribuintes (1912–1917)................................ 106
Tabela 5 – Diretoria do Gabinete de Leitura (1908-1923)........................................................ 108
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 16
CAPÍTULO I – O GABINETE DE LEITURA E SUAS REPRESENTAÇÕES NA
CIDADE DE JUNDIAÍ .......................................................................................................... 52
1.1 Na contadoria, o advento de uma ideia.......................................................................... 53
1.2 Um lugar de leitura se mantém com leitores ................................................................. 58
1.3 Sociabilidade ferroviária................................................................................................ 65
1.4 Para a cidade, um Gabinete de Leitura .......................................................................... 75
CAPÍTULO II - A PRÁTICA REPRESENTA A LETRA ................................................. 95
2.1 O projeto educacional: a escola de Primeiras Letras ..................................................... 96
2.2 O Grêmio Literário ...................................................................................................... 104
2.3 Homens de letras ......................................................................................................... 106
2.4 Entre o público e o privado.......................................................................................... 118
CAPÍTULO III - DA ESTANTE A PÁGINA: A BIBLIOTECA DO GABINETE DE
LEITURA DE JUNDIAÍ E SEU CATÁLOGO DE OBRAS ............................................ 130
3.1 Compondo um acervo .................................................................................................. 131
3.2 Ordenando o desordenado ........................................................................................... 135
3.3 As preferências de leituras ........................................................................................... 143
3.4 Os livros de romances: mulheres leitoras? .................................................................. 176
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 180
FONTES E REFERÊNCIAS ............................................................................................. 186
ANEXOS ............................................................................................................................... 195
16
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa propõe-se a analisar o surgimento do Gabinete de Leitura de Jundiaí,
fundado no ano de 1908, no município de Jundiaí, localizado na região oeste do Estado de
São Paulo. A menção a essa instituição encontra-se descrita na dissertação de mestrado da
historiadora Ana Luiza Martins, Gabinetes de Leitura da Província de São Paulo: a
pluralidade de um espaço esquecido 1847-1890, (1990), examinada durante o processo para a
elaboração de uma monografia, apresentada ao curso de Pós-Graduação, lato sensu, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP): História, Sociedade e Cultura, no
decurso do 2° semestre do ano de 2012, cujo objetivo era investigar os caminhos e lugares do
livro e da leitura no Brasil.
Em sua pesquisa, Martins apresenta uma geografia cultural sobre a Província de São
Paulo, em que os Gabinetes de Leitura, precedentes às bibliotecas públicas fomentadas pelo
Estado, emergiram em maior número, nas regiões do oeste e litoral paulistas, em relação a
outras Províncias do Brasil, acentuadamente no período entre 1860-1888.
Iguape (1847), Sorocaba (1867), Itu (1873), Rio Claro (1876), Ubatuba (1876),
Itapeva (1878), Tatuí (1879), Jundiaí (1882)1, Avaré (1887), São Vicente (1888), dentre
outras, são apenas alguns exemplos de cidades, que durante a segunda metade do século XIX,
de acordo com as respectivas datas de surgimento, possuíam Gabinetes de Leitura. Martins
localizou 20 deles, por meio dos poucos registros existentes. As regiões às quais esses
Gabinetes de Leitura se inseriram apresentavam uma economia em crescimento, pois as
cidades sediavam importantes empresas de estradas de ferro (Companhias: D. Pedro II, São
Paulo Railway, Paulista, Sorocabana, Mogiana e Ituana), com estações e linhas férreas,
responsáveis por promover o trânsito de produtos agrícolas, mercadorias e pessoas,
demarcando as transformações urbanas, comerciais e socioculturais características da época.
Atualmente, no Estado de São Paulo, restam apenas 3 Gabinetes de Leitura, nas
cidades de Rio Claro, Sorocaba e Jundiaí, espaços que, segundo Martins “foram esquecidos
pela historiografia”2. Imbuída então desta acepção, interessou a esta pesquisa a investigação, a
priori, sobre a permanência dessas instituições, existindo e resistindo até os dias atuais, no
Estado de São Paulo.
1 O Gabinete de Leitura surgido em Jundiaí em 1882, não corresponde ao Gabinete de Leitura, objeto desta
pesquisa, fundado em 1908, também na cidade de Jundiaí. Trata-se de instituições distintas, questão que será
abordada ao longo do trabalho. 2 MARTINS, Ana Luiza. Gabinetes de Leitura da Província de São Paulo: a pluralidade de um espaço
esquecido (1847-1890). São Paulo, 1990. 370 p. Dissertação (Mestrado em História) FFLCH-USP, 1990, p. 4.
17
Martins tem como ponto central de sua análise os Gabinetes de Leitura de Sorocaba e
Rio Claro, onde um acervo de múltiplas fontes (atas de reuniões, catálogos de obras e jornais
locais das cidades) proporcionou um estudo pormenorizado dessas instituições. Em sua
pesquisa, a autora menciona apenas o surgimento desses Gabinetes e faz um breve relato
sobre a existência e a curta experiência dos demais 18 Gabinetes de Leitura da Província,
certamente devido à escassez de fontes sobre essas instituições e que a historiadora conseguiu
localizar durante seu trabalho metodológico.
Nesse panorama, buscando um contributo à historiografia cultural brasileira e por
tratar-se de um objeto ainda não aprofundado, em termos de pesquisa acadêmica e por existir
atualmente, optou-se por se enveredar pela investigação sobre o Gabinete de Leitura da cidade
de Jundiaí. Desse modo, a pesquisa foi a campo.
Localizado no centro da cidade, o Gabinete de Leitura de Jundiaí forma – se se
pensar por uma linha imaginária – um triângulo com patrimônio e monumento histórico. À
sua direita, a poucos metros de distância, encontra-se o Solar do Barão, museu histórico e
cultural da cidade de Jundiaí, tombado como patrimônio no ano de 1970. À esquerda está a
Igreja Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí, criada originalmente como capela, em 1651,
símbolo da fundação e do surgimento da cidade, que, ao redor da instituição católica, foi se
desenvolvendo, durante o século XVII. Atualmente o monumento se expressa até mesmo em
cartões postais.
O Gabinete de Leitura de Jundiaí foi também tombado como patrimônio histórico e
cultural, no ano de 2010, durante um longo processo de inventariamento, realizado pela
própria historiadora Martins, funcionária do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), unidade da Secretaria de Estado da
Cultura de São Paulo3.
Nas dependências da instituição, no térreo, depara-se com um lugar de amplo espaço,
salas formando diferentes ambientes, acomodando mesas, cadeiras, uma Secretaria e
lanchonete para os funcionários e frequentadores; quadros de personalidades da cidade de
Jundiaí, muitas janelas, trazendo luz ou somando luz aos livros enfileirados em estantes, da
biblioteca.
Durante o contato com os funcionários do Gabinete de Leitura, procuraram-se
encontrar informações e elementos que remetessem à história local: a mobília, os livros, a
3 Em conversa com Ana Luiza Martins, em Março de 2013, foi explicitado que a pesquisa sobre os Gabinetes de
Leitura na Província de São Paulo, no século XIX, desenvolvida em sua dissertação de mestrado, nasceu durante
um atendimento à chamada de diretores dos Gabinetes de Rio Claro, Sorocaba e Jundiaí, para tombarem como
patrimônio histórico e cultural as respectivas instituições, levando-a, assim, ao universo desses espaços.
18
biblioteca e a materialidade do ambiente como um todo4. Com a autorização do diretor João
Borin, obteve-se acesso às instalações da instituição. Ele inicialmente informou que o acervo
não possuía “nenhuma facilidade tecnológica contemporânea”, ou seja, não havia nenhuma
divisão, catalogação ou material digitalizado. Os antigos registros estavam guardados em uma
sala, sem qualquer tipo de classificação ou ordenamento, pois, ainda segundo ele, “não há
recursos financeiros para a contratação de profissionais que trabalhem com o manejo e a
preservação dos arquivos, para assim constituírem um acervo de fácil consulta a
pesquisadores”.
Mesmo após o tombamento, o Gabinete de Leitura de Jundiaí é mantido entre as
esferas do público e do privado, e para o qual, por meio de sócios contribuintes, aufere-se uma
renda, através das mensalidades, necessárias para a manutenção do local e para as despesas
variáveis. A Prefeitura do município de Jundiaí, por sua vez, oferece subsídios, que são
utilizados para o pagamento de custos fixos, como o ordenado de funcionários e as despesas
administrativas; porém os valores não são tão expressivos, de acordo com as informações
prestadas pelo diretor.
Como historiadores, a indagação sobre não haver possíveis fontes que possibilitassem
uma pesquisa detalhada, com eixos de articulação e reflexões historiográficas sobre o
Gabinete de Leitura em si e sobre a própria cidade de Jundiaí, tornou-se latente. Afinal, são
107 anos existência e de história. Possivelmente, caso houvesse tais fontes, estudos empíricos
poderiam ter sido desenvolvidos, Martins em sua pesquisa, poderia tê-los abrangido.
Entretanto, as indagações estavam equivocadas, a sala continha um armário com cadernos
grandes de capas verdes e com brochuras, enfileirados, que constituíam um vasto arsenal de
registros e que, a despeito do pronunciamento do diretor da instituição, estavam de certa
forma, organizados.
Decorridas algumas horas de leitura, foi possível, de acordo com os títulos de cada
caderno, classificá-los previamente da seguinte maneira: 3 cadernos de Atas de Assembleias,
sendo 1 de Assembleia Geral (1908-1923) e 2 de Reuniões da Diretoria (1914-1964); 1 Livro
de Visitantes (1913); 1 Livro de Registro dos Sócios (1908-1917); 1 Livro Caixa (1924-
1929); 1 Catálogo de Obras, contendo 9.027 obras descritas, sendo 8.090 nacionais e 937 em
língua, dentre elas, obras em francês, inglês, espanhol, italiano e alemão; e 1 exemplar do
4 Dentre outros exemplos possíveis, o historiador André Belo, sinaliza que a estrutura física das bibliotecas
constitui uma bela ilustração de como se podem multiplicar as abordagens, para se estudar o espaço destinado à
leitura: sua arquitetura e o mobiliário, a iluminação, a disposição física em que os leitores nelas se encontram, a
forma como é organizado o acesso aos livros ou aos catálogos e a ordem de arrumação do local. BELO, André.
História e Livro e Leitura. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
19
jornal O Gabinete: orgam do Gabinete de Leitura Jundiahyense com data de 7 de Junho de
1908.
Exceto o jornal, todos os demais registros são manuscritos e somando-se apenas as
atas de reuniões, chega-se a um total de 800 folhas.
Figura 1 – Atas de reuniões do Gabinete de Leitura de Jundiaí e o exemplar do Jornal O Gabinete.
Fonte: Elaborado pelo autor
Esse conjunto de documentos são os indícios das experiências dos diretores e dos
sócios do Gabinete de Leitura de Jundiaí. As atas de reuniões, tanto das Diretorias quanto das
Assembleias Gerais, possuem maior quantidade e consistência de informações, começaram a
ser escritas em 1908, estendendo-se até o ano de 1964. Marcam o cotidiano das ações
desenvolvidas e as questões que permeavam o desenvolvimento e a manutenção da
instituição.
As atas possuem um padrão em sua elaboração. No início das folhas, há sempre um
enunciado registrando a data, o local, o horário e o número de participantes. No corpo do
20
texto, são descritas todas as questões que foram abordadas, todos aqueles que proferiram
alguma palavra são identificados e as decisões que foram tomadas eram sempre postas em
votação. Ao final de cada ata, consta a assinatura de todos os participantes, de modo a
registrarem a ciência das questões tratadas e o seu consentimento sobre elas. Em seu conjunto
elas possibilitam uma visão das questões internas do Gabinete de Leitura.
Os Livros Caixa, de Sócios e de Visitantes, marcam a quantidade de sócios
contribuintes, evidenciam as receitas auferidas com as mensalidades por eles pagas e as
doações, materiais e financeiras recebidas, bem como as despesas com a administração do
Gabinete de Leitura. Porém, esses documentos apresentam muitas lacunas, como folhas
faltantes, descontinuidade dos dados e períodos diferentes de um livro para o outro, o que
impossibilitou o cruzamento de informações. Em algumas folhas, mesmo sinalizadas por
títulos (despesas mensais, saldo em caixa, gastos com assinaturas de jornais e revistas), não há
a descrição das informações.
O Catálogo de Obras apresenta a descrição dos livros e autores que compõem a
biblioteca da instituição. Foi produzido em 1957, porém, possui a descrição das obras
existentes desde 1908, o que possibilita traçar um panorama dos títulos que compunham o
acervo e a quantidade de obras por autor.
Mesmo com essas dificuldades, a leitura desses documentos como registros das
experiências, das idealizações, e das realizações de um grupo social, dentro de uma
temporalidade e espacialidade, possibilitou constituí-los como fontes históricas, na
investigação sobre o Gabinete de Leitura de Jundiaí.
***
No campo da historiografia brasileira, os estudos sobre os Gabinetes de Leitura
existem em diminuta quantidade5; o que não significa que esses poucos estudos e análises de
5 No Brasil entre artigos científicos, comunicações em anais de congressos e simpósios temáticos, dissertações
de mestrado e teses de doutorado, identificaram-se um total de 18 produções acadêmicas nacionais no campo da
história, que exploram os diversificados rumos e as condições de surgimento, atuação e, principalmente, o
contemporâneo esquecimento desses espaços. Compondo esse quadro diminuto de estudos historiográficos, tem-
se: 1 produção na região Norte, no estado do Pará, 8 produções na região Nordeste, nos estados da Bahia,
Alagoas, Paraíba, Sergipe e Ceará, 1 produção na região Centro-oeste, no estado de Goiás, 5 produções na região
Sudeste, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro e 3 produções na região sul, no estado do Rio Grande do Sul.
Em sua totalidade, os estudos evidenciam a existência de 46 Gabinetes de Leitura, espalhados por todo o Brasil.
Nas díspares cidades desses estados encontram-se pesquisas que objetivam analisar as muitas atividades
exercidas por essas, que, em alguns casos, foram as primeiras instituições culturais (bibliotecas) em suas regiões.
Certamente muitos outros Gabinetes, em um maior número de estados, emergiram na larga extensão territorial
brasileira, porém da mesma maneira como surgiram e proliferaram-se por diversas regiões, caíram em um
21
suas existências não compreendam significativas contribuições, dada a abrangência de
aspectos socioculturais que essas instituições apresenta como objeto de estudo, seja em uma
análise direta ou até mesmo indireta.
Aqui faça-se referência aos pioneiros trabalhos dos historiadores estrangeiros Roger
Chartier, Robert Darnton, François Parent-Lardeur e Reinhard Wittmann,que desenvolveram
pesquisas notórias sobre a importância e a complexidade dos fenômeno cultural “Gabinetes de
Leitura”. Os autores trabalham dentro de uma mesma temporalidade e conjuntura, as
sociedades do Antigo Regime, na Europa, entre os séculos, XVI e XIX, essencialmente por
ser esta a temporalidade e a espacialidade características do surgimento dessas instituições.
Roger Chartier, em sua obra Leituras e Leitores na França do Antigo Regime (2004),
examina as práticas de leitura e os usos dos leitores, evidenciando a constante proliferação de
Gabinetes de Leitura nas Províncias francesas – elemento este que o literato Honoré de Balzac
já destacara em sua célebre obra, Ilusões Perdidas (1837).
Robert Darnton, em suas obras, Boemia Literária e Revolução: o submundo das letras
(1989), Edição e Sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII(1992) e O
Beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução (2010) investiga a profusão de ideias
iluministas, na França Pré-Revolucionária, ideias que, segundo o historiador, foram
circunstanciadas pela difusão do livro, da leitura e pela ação dos “intermediários esquecidos
da história”6, dentre eles, autores, editores, impressores, expedidores e livreiros, formando um
circuito de comunicação da cultura impressa, que se encontra presente nesse campo os
Gabinetes de Leitura.
François Parent-Lardeur, em seu estudo Les cabinets de lecture: La lecture publique à
Paris sous la Restauration (1982), faz uma análise do alcance geográfico, no âmbito urbano,
da abrangência sociocultural dos Gabinetes de Leitura espalhados por toda a Paris do século
XIX. A pesquisadora demonstra a forma de ocupação regional e o estabelecimento dos
Gabinetes, diretamente relacionados aos modos de consumo da cultura impressa (livros,
jornais, folhetos, pasquins, etc.), o que não se interliga diretamente a posição socioeconômica
dos leitores, mas aos modos de usos por estudantes, jornalistas, viajantes e demais
profissionais liberais.
Reinhard Wittmann, por sua vez, em seu artigo ¿Hubo una revolución en la lectura a
finales del siglo XVIII?(1997) traçou um estudo sobre a emergência da oferta da leitura em
profundo e encoberto campo de apagamento de suas trajetórias, cujos escassos registros das existências apontam
também para grandes lacunas. 6 DARNTON, Robert. O Beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras,
2010, p. 109-110.
22
algumas cidades eurpeias, na virada para o século XIX, e observou como os Gabinetes de
Leitura contribuíram para o crescente número de leitores, facilitando acessos e barateando
custos em suas dependências.
Esses expoentes autores apresentam alguns elementos a serem considerados,
elementos que se iniciam na própria especificidade dos Gabinetes de Leitura, seja por meio do
registro de suas existências e práticas ou através das características de determinadas épocas e
conjunturas socioculturais, nas quais se inserem, expressando delineações, demarcando sua
origem europeia, seja com posteriores vertentes e desdobramentos também em territórios
norte-americanos e latino-americanos.
Os estudos sobre os Gabinetes de Leitura se inserem ainda dentro do campo de estudos
da história do livro e da história da leitura. Por serem espaços destinados a abrigar livros e um
cenário compósito de uma sociabilidade livresca, estão intrinsecamente relacionados aos
trabalhos que objetivam investigar os muitos caminhos e lugares do livro e as inúmeras
formas de leitura (apropriações) nas mais distintas circunstâncias espaciais e temporais.
Apresentando-se como mecanismos de suporte para a prática da leitura, os Gabinetes
de Leitura convergem, dentre muitas outras possibilidades, para o próprio campo de análise
do objeto material e de consumo, que possui destaque em seu interior, o livro.
Restringindo-se o campo, percebe-se que, no Brasil, o livro e a leitura perfizeram um
movimento de conjunturas históricas e socioculturais. Em exemplo, o controle e a censura,
outorgados aos livreiros e impressores pela coroa portuguesa, no século XVIII, através da
criação da Real Mesa Censória, no período da colonização brasileira e administração do
Marques de Pombal, que proibia a produção, a publicação e a circulação de livros, mas, de
certo modo, não coibia, ao todo, a existência do livro e da leitura, pois, ainda assim, muitos
livros, como objetos materiais, podendo ser carregados, circularam por entre a
clandestinidade7.
A partir de 1808, depois da vinda do Príncipe Regente d. João VI8 e da instalação e
funcionamento da Imprensa Régia no Rio de Janeiro, instituições centrais da cultura letrada
passaram a ter existência lícita e regular no Brasil. Em seu início, apenas com a função de
7 VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo Ilustrado, censura e práticas de leitura: usos do livro na América
Portuguesa. São Paulo, 1999. 443 p. Tese (Doutorado em História) FFLCH-USP, 1999. 8Ressalte-se aqui o detalhado estudo bibliográfico e documental, realizado por SCHUWARCZ, Lilia Mortiz;
AZEVEDO, Paulo Cesar de; COSTA, Ângela Marques da. Alonga Viagem da biblioteca dos reis. Do terremoto
de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Os autores apresentam a tratativa
e a relevância dada à Biblioteca Real, acompanhando sua trajetória, demonstrando como a monarquia portuguesa
esmerava-se na condução de seus livros até mesmo quando em território colonial.
23
publicar os atos e ofícios reais, porém, em pouco tempo, contemplavam os mais variados
gêneros literários para publicação9.
Após a independência do Brasil, em 1822, o número de tipografias aumentara. Um
século antes, essas instituições haviam exercido a tentativa de atuarem em diferentes regiões
da então colônia, porém com inúmeros insucessos, dadas as proibições legais. Assim, em
meio às transformações políticas e culturais, os prelos do nascente país, no século XIX,
imprimiam, em maior quantidade, obras literárias, jornais, folhetos e outros impressos.
A história da leitura possibilita diálogos, delineia interpretações e entrecruzamentos.
Maria Beatriz Nizza Silva (1999) discorre sobre os aspectos que diferenciam a história do
livro e da história da história da leitura. Segundo a autora, a primeiro concentra-se no
processo de estudo de sua produção, já a segundo, especifica-se no estudo detalhado dos usos
dos livros pelos leitores. Não são campos separados de pesquisa, mas ao contrário, são dois
campos que se complementam e devem ser analisados de forma conjunta10
.
Como objeto de análise e pesquisa, a história da leitura é um frutífero meio de
investigação para a produção do saber historiográfico, possibilita averiguações e análises
sobre os múltiplos sentidos que a leitura pode proporcionar aos mais diversos leitores em suas
experiências sociais11
. Entretanto, é também uma dificultosa direção, na busca pela
compreensão das variadas percepções que podem da leitura advir, dada a escassez de fontes,
pois raramente o leitor deixará os registros do seu ato de ler.
Ainda no mesmo viés, há a presença (ou até mesmo a ausência)12
do leitor, que aflora
entre o objeto livro e a prática da leitura, tornando-se mais um elemento de reflexão diante
dessa temática. As relações que o leitor pode estabelecer com a materialidade do livro,
observando-o enquanto um objeto, ou até mesmo por sua cognição, através da operação da
leitura, possibilita observar outras variantes questões, dentre elas, o processo tecnológico e de
produção, empregados na elaboração de uma obra impressa, sendo, seu formato físico, um
9 BRAGANÇA, Aníbal; ABREU, Márcia (Orgs.). Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros. São
Paulo: Editora UNESP, 2010. 10
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. História da leitura luso-brasileira: balanços e perspectivas. In: ABREU,
Márcia (Org.). Leitura, História e História da Leitura. Campinas (SP): Mercado de Letras: Associação de Leitura
do Brasil; São Paulo: Fapesp, 1999, p. 147-164. 11
Cite-se o trabalho do historiador italiano Carlo Ginzburg que em sua obra O Queijo e os Vermes (1976), por
meio da história do moleiro Domenico Scandella, perseguido pela inquisição no século XVI, traça um estudo
sobre a interpretação que ele realiza através da leitura de alguns livros que sumariamente destoavam de seu
universo sociocultural, constituindo a partir daí uma cosmogonia, incitando dogmas católicos. Ginzburg
evidencia em seu estudo uma circularidade entre letramento e oralidade camponesa e as múltiplas variações de
sentidos oriundos da leitura e expressas nos relatos do moleiro durante seu processo inquisitorial. 12
Para um detalhamento sobre as possibilidades de estudo da história da leitura, através da ausência do leitor
consultar: FERREIRA, Jerusa Pires. Leituras de Presença e de Ausência. Livro – Revista do Núcleo de
Estudos do Livro e da Edição (NELE), São Paulo, Ateliê Editorial, vol. 1, n. 1, mai., 2011.
24
componente que evidencia as condutas de normatização para a prática da leitura: seu
tamanho, sua capa, as folhas, a horizontalidade ou verticalidade do texto, paginação e uma
possível definição de sentidos extraído da leitura, que somente o pensamento, o repertório
cultural e a subjetividade de cada leitor podem demarcar.
Existem, porém, alguns mecanismos de se aperceberem essas apreensões, seja por
meio da circularidade de determinadas obras, no registro de solicitação para a compra de
livros, na consulta à retirada de livros dos acervos de bibliotecas (quando houver esses
registros), em catálogos de obras ou em inventários pós-morte. No Brasil, há uma profusão de
estudos que visam a analisar, interpretar e investigar esses inúmeros caminhos elencados e
outras possíveis relações entre o livro, a leitura e os leitores13
.
As bibliografias sobre essa temática apresentam um significativo número de pesquisas,
no campo da história do livro e da leitura. Demonstram ainda como, nas últimas décadas do
século XX, houve um constante aumento do interesse por essa área e no seu aprofundamento
acadêmico nas universidades europeias, estadunidenses e, mais recentemente, porém não
menos significativo, em universidades da América Latina14
.
Em suma, as possibilidades de análise dos Gabinetes de Leitura, além do diálogo com
o livro e a leitura, podem também compreender suas formas de inserção e de atuação nas
cidades em que se localizaram; as ações e trajetórias de seus fundadores; o alcance
geográfico, urbano e social; a promoção de uma cultura livresca, os usos e as apropriações de
seus frequentadores; as análises de acervos e catálogos de obras, revelando o universo das
edições e circulações culturais de impressos. E essas possibilidades não se esgotam aqui, pois:
Le cabinet de lecture, en tant que fait de culture, se révèle donc um objet de
recherche très riche. Il peut être envisagé comme une institution culturelle ou encore
étudié dans ses contenus, si l’on choisit d`en évaluer les fonds litteráires; il participe
d`un enjeu économique, dans le même temps qui`il est un moyen de transmission et
de pouvoir culturels. Définir le cabinet de lecture nécessite donc des approches
différentes selon que l’on privilégie l`analyse des structures institucionnelles ou
celle des contenus idéologiques15
.
13
Para uma análise pormenorizada da produção acadêmica sobre a história do livro, leitura, leitores e práticas de
leitura no Brasil, consultar indicações bibliográficas. In: ABREU, Márcia. Leitura, História e História da
Leitura. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1999, p. 625. Ver ainda BRAGANÇA, Aníbal; ABREU, Márcia.
Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros. São Paulo: Editora UNESP, 2010. 14
BELO, André. História e Livro e Leitura. Belo Horizonte: Autêntica, 2008; EL FAR, Alessandra. O livro e
a leitura no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. Os autores apresentam um breve balanço sobre o
crescimento de produções acadêmicas (artigos científicos, dissertações e teses) cujo campo de pesquisa e
aprofundamento teórico e metodológico tenha como eixo central a história do livro e da leitura. 15
PARENT-LARDEUR, Françoise. Les Cabinets de Lecture: La lecture Publique à Paris Sous la Restauration.
Auteur, Paris: Payot, 1982, p. 1017.“O Gabinete de Leitura, comofato cultural, se revela um objeto de pesquisa
muito rico. Ele pode ser considerado como uma instituição cultural ou então estudado em seus conteúdos se o
objetivo for avaliar seu acervo literário; ele é parte de uma questão econômica, ao mesmo tempo em que é um
meio de transmissão e de poder culturais. Para definir o Gabinete de Leitura é necessário lançar mão de
25
Em análise sobre o Gabinete de Leitura de Jundiaí, privilegiou-se a perspectiva da
história cultural, por ser este um objeto constituinte do campo da cultura16
. Dialogou-se com
as contribuições de Chartier, postuladas em suas obras, A História Cultural: Entre Práticas e
Representações (1990) e O Mundo Como Representação (1991).
Chartier apresenta, dentro de uma discussão mais ampla no interior da historiografia
francesa, como olhar para diferentes lugares e momentos; como uma realidade social pode ser
construída, pensada e dada a ler, o que permiti adentrar nas práticas constituídas e
constituintes da vida social, evidenciando, como os objetos, as formas e os sentidos são
criados para representar as múltiplas configurações sociais em determinado tempo e espaço17
.
Desse modo, trabalhou-se com as noções propostas pelo historiador, na possibilidade
de se interpretarem os sentidos expressos na fundação do Gabinete de Leitura de Jundiaí,
analisando-o através das práticas e representações.
Como prática, o historiador define todas as ações cotidianas de um ser humano,
experenciadas de forma individual ou coletiva, como comer, andar, vestir-se, comportar-se,
falar, relacionar-se, estudar, dentre outras ações. Ações que são usualmente praticadas e que
acabam por se constituir em modos de fazer.
Esse modo de fazer, por sua vez, gera representações. Para o historiador, as ações
praticadas produzem esquemas, cuja inteligência do ser humano cria e organiza, racional ou
irracionalmente, o mundo social, através da produção de esquemas, como discursos, imagens,
textos, signos, objetos, formas, códigos e símbolos. As criações e as organizações são então
incorporadas à vida das pessoas, no próprio dia a dia, formando um campo simbólico repleto
de sentidos e que se constituem num modo de ser e/ou representar.
O modo de ser é então dado a ler, nesse momento. A apropriação, é a forma pela qual
se entra em contato com as representações geradas através das práticas e, assim, trona-se
possível observá-las, interpretá-las, decodificá-las e lê-las. Essa leitura é realizada de
maneiras diferentes pelas pessoas (no âmbito individual ou coletivo), que se apropriam das
representações em seus modos de ver (ler) o mundo social.
Nessa perspectiva e a partir desse momento, a pesquisa desloca o olhar do que se
conjecturou inicialmente, e volta-se para a observação das disposições socioculturais da
abordagens diferentes, dependendo se se pretende privilegiar a análise das estruturas institucionais ou dos
conteúdos ideológicos” (tradução do autor). 16
Sandra Jatahy Pesavento, em História & História Cultural (2014, p. 15), define que “pensarmos as questões
que abarcam o campo cultural, compreende uma série de significados que são comumente partilhados e
construídos pelos homens, para explicar o mundo e nos possibilitam o seu entendimento”. 17
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, São Paulo: Bertrand,
1990.
26
época, buscando compreendê-las e responder as seguintes questões: o que representava ter um
espaço destinado aos livros, à leitura e a promoção de uma cultura letrada? Que sentidos um
Gabinete de Leitura poderia conferir a cidade de Jundiaí? Quais os pressupostos elencados e
praticados por seus idealizadores? A quem se destinava a instituição?
A busca por essas respostas fundamentou-se no exame das fontes internas do Gabinete
de Leitura e nas fontes externas e indiretas a ele.
Neste momento, cabe a compreensão das designações de um Gabinete de Leitura, sua
abrangência e historicidade para, a partir de então, se entender como esses espaços de livros,
leituras e leitores se configuram e podem expressar representações.
***
Surgidos na Europa, entre os séculos XVII e XVIII, tendo um crescimento e maior
atuação, no século XIX. Os Gabinetes de Leitura vieram para corroborar um mercado livreiro
que estava em ascendência. Possibilitavam a distribuição e a leitura de periódicos, folhetins e,
especificamente do livro, item de elevado custo, até então, sem a necessidade de sua compra
ou posse. Chartier ressalta que “dos anos 1660 aos 1780 multiplicaram-se, nos reinos, as
instituições e as práticas que facilitaram a leitura de livros não possuídos pessoalmente. Para
além das coleções particulares”18
.
Os Gabinetes de Leitura atuavam como estabelecimentos comerciais, mas com um
viés cultural, e operavam inicialmente na qualidade de extensão de livrarias. Essa estratégia
fora adotada por livreiros, de modo a concorrerem com as bibliotecas oficiais, ligadas às
ordens religiosas ou às laicas, como as fomentadas pelo Estado, presentes em academias
literárias ou em universidades, que acabaram por se configurar como espaços destinados
preponderantemente ao universo masculino, onde oficiais a serviço do rei, de altos ou baixos
cargos como “nobres, advogados, procuradores, eruditos, médicos e homens de letras
perfaziam e caracterizavam o círculo de frequentadores”19
.
Desse modo, os Gabinetes de Leitura surgiram e expandiram-se na contramão dessas
oficiais instituições (em sua maioria de caráter religioso). Estabeleceram-se como lugares
intermediários da cultura letrada, pois mediavam às relações entre os diferentes atores que
participam e constituíam o universo do livro e da leitura, dentre eles autores, editores,
18
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Editora UNESP, 2004, p.
195. 19
Ibidem, p. 196-202.
27
livreiros e leitores20
. Além do mais, franqueavam o acesso de classes menos abastadas ao
universo do impresso, aumentando contingente de público leitor, ampliando o mercado
profissional da escrita e o espaço para formação e renome de novos autores, o que permitiu a
circulação de um maior número de obras, dos mais variados gêneros literários, visto que a
composição dos acervos e o espaço dos Gabinetes de Leitura eram de caráter laico,
diferenciando-se das bibliotecas oficiais e religiosas.
Acrescenta-se ainda a esse aspecto, o aluguel das obras, podendo ser por hora, mensal
ou anual e a lucratividade dos livreiros que as comercializavam, tornando esse mercado
rentável, disposto de livros e jornais que não eram presentes nas tradicionais livrarias e
bibliotecas, controladas pelo Estado e pela religião. Portanto, a informação através do livro
passava a ter, em certa parte, um cunho igualitário, por meio do consumo de diferentes atores
sociais.
Entretanto, faça-se uma ressalva ao termo “igualitário”, delineando assim, a
característica peculiar dos Gabinetes de Leitura – casa de locação de livros – onde fazia-se
necessário o pagamento de um pequeno numerário, o que pode demarcar uma possível
abrangência e/ou nivelamento social, visto que dispor de um valor para informar-se, por meio
da leitura, conota uma determinada condição socioeconômica não comum a todos.
Mesmo assim, os estudos sobre os Gabinetes de Leitura apontam para um significativo
aumento no número de pessoas com permissão para “usufruir de novelas, relatos de viagens,
ensaios de autores da época, panfletos políticos, folhetins, libelos, tratados filosóficos ou
romances”21
, este último sendo o gênero literário florescente no século XIX.
Contudo, a prática de locação de livros não é uma criação dos Gabinetes de Leitura,
segundo Maria Angélica Lau Pereira Soares, “na Inglaterra, já no ano de 1661, o livreiro
20
É nesse ínterim que Robert Darnton conceitua o estudo do livro e da leitura como componentes de um sistema
de comunicação, composto por diferentes sujeitos sociais, delineando etapas de um sistema que, em cada fase,
relaciona-se e interfere, das mais diversas maneiras, nas condições de constituição de um livro até que se chegue
ao leitor, em cujos Gabinetes de Leitura se inserem. Somam-se a essas condições “as influências intelectuais e
publicidade; conjuntura econômica e social; sanções políticas e legais”. Compreendendo que dessas múltiplas
relações, faz-se necessário ao ofício do historiador lançar mão da interdisciplinaridade, pois, se o livro, no
momento de sua produção, distribuição e circulação, envolve uma trama de diferentes “intermediários”, das mais
diversificadas instâncias sociais, é, portanto, imprescindível o diálogo com outras disciplinas (antropologia,
sociologia, etc.) que podem contribuir para a construção do conhecimento histórico, que por sua vez, se
enriquece na incorporação de novas possibilidades de abordagens e conceituações. DARNTON, Robert. Edição
e Sedição: O universo da literatura clandestina no século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 126-
128. 21
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime, p. 206.
28
Francis Kirkman, fazia menção ao aluguel de livros para os que não poderiam ou não
desejassem comprá-los”22
.
Um século após, em 1761, na França, a menção ocorre quando se começa a editar a
Nouvelle Heloise de Jean Jacques Rousseau, ação registrada posteriormente no Tableau de
Paris, de Louis Sébastien Mercier, em 1781, que dedicou um capítulo inteiro de sua obra aos
chamados “locatários de impresso”23
.
Todavia, a prerrogativa da prática de locação de livros coube aos Gabinetes de Leitura.
Denominados de “Circulation Lybrary” ou “Reading Room” na Inglaterra, “Free Circulating
Library” nos Estados Unidos, “Leihbibliotheken” na Alemanha, “Cabinet de Lecture” na
França e “Gabinete de Leitura” em Portugal e no Brasil, esses espaços abrigavam muito além
de uma biblioteca, tornaram-se recinto da sociabilidade, local de encontros políticos, da
prática folhetinesca, do lazer pautado e organizado em discussões literárias. Emergiram como
elemento moderno, representativos de uma indústria livresca e de um processo de editoração
em crescimento de acordo com as conjunturas socioeconômicas em cada país de origem.
Evidenciando uma “tipologia”, Martins compreende que os Gabinetes de Leitura
surgem como “suportes para uma indústria do impresso e do livro”, destacando-se o aspecto
de “estabelecimento comercial para um público consumidor”, de forma mais acentuada em
países que “possuem um estágio cultural e de editoração mais avançado”, ou seja, na Europa.
Já em países em que o processo de editoração e a indústria do livro são incipientes, como na
América do Sul, os Gabinetes de Leitura emergem como “instituições de caráter social e
filantrópico com regimentos internos”24
, tendo outras funções além da simples locação de
livros e do espaço destinado a abrigar bibliotecas. Em exemplo, Martins aponta os Gabinetes
de Leitura surgidos no Brasil.
Foi na França que os Gabinetes de Leitura proliferaram, acentuadamente durante o
século XIX e diversificados fatores contribuíram para isso, perante a conjuntura do Antigo
Regime: o aumento do número de alfabetizados; as transformações no processo educacional,
que ocasionaram um crescimento de público leitor; a disseminação de novas linguagens para
o consumo do livro; os ideais do alto iluminismo; a profissionalização do escritor, com a
queda do mecenato e; um detalhe que caracteriza certa relevância, para as práticas sociais de
22
SOARES, Maria Angélica Lau Pereira. Visão da Modernidade: a presença Britânica no gabinete de leitura
(1837-1838). São Paulo, 2006. 197 p. Dissertação (Mestrado em Letras) FFLCH - USP, 2006, p. 13. 23
MARTINS, Ana Luiza. Op. cit. p. 24. 24
Idem.
29
utilização do espaço dos Gabinetes de Leitura, a diferenciação no horário de funcionamento
em relação às bibliotecas públicas25
.
Os Gabinetes de Leitura franceses possuíam horários menos restritos, o que
possibilitava a entrada de um maior número de pessoas de diferentes segmentos sociais em
diversos momentos, durante o decorrer do dia, como mulheres, trabalhadores de ofícios
distintos, empregados domésticos, indo alugar ou devolver livros de seus senhores,
jornalistas, estudantes, viajantes, entre outros. Havia salas para leitura, com confortáveis
acomodações e iluminação, trazendo mais comodidade para a prática da cultura letrada.
Permitia-se a participação de um público fora do círculo acadêmico, em que cerimoniais e
formalidades, fossem de qualquer natureza, não impediam o livre acesso e a consulta aos
livros e a outros impressos. As facilidades também se caracterizavam pela disposição dos
livros em estantes, proporcionando um acessível manuseio, composto ainda por rodas de
conversação, discussões de ideais advindas das leituras e um ambiente frutífero de uma
sociabilidade livresca.
Dentre esses fatores, soma-se ainda a tentativa de atender à demanda pelo considerável
aumento do consumo da leitura. O livro, nos oitocentos, possuía um elevado custo em seu
processo de editoração, de distribuição e de comercialização. Assim sendo, os livreiros e
comerciantes dos Gabinetes de Leitura encontraram uma conjuntura favorável para o seu
processo de expansão.
Por apenas alguns centavos26
, um público de passagem poderia consumir a informação
trazida pelos impressos de diferentes naturezas, poderiam também adentrar ao recinto,
sentarem-se, lerem ou até mesmo alugarem impressos para realizarem a leitura em lugar de
sua conveniência.
Parent-Lardeur observa a distribuição geográfica dos Gabinetes de Leitura, na França,
durante o período da Restauração, identificando um total de 463 instituições, acentuadamente
entre 1815-1830, Paris foi a Província com o maior número deles.
Para a abertura de um Gabinete de Leitura, era necessário cumprir exigências
jurídicas e financeiras, contudo o investimento era de baixo valor, o que facilita o
entendimento sobre os diferentes grupos sociais que faziam as solicitações para abertura de
instituições desse gênero. Viúvas, funcionários do baixo funcionalismo público, militares
25
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime, 2004. 26
Para termos um parâmetro, segundo Françoise Parent-Lardeur, um livro do gênero romance, custava em média
15 francos, o equivalente a um terço do salário de um trabalhador.
30
reformados, pequenos comerciantes, dentre outros, eram alguns dos diferentes sujeitos sociais
que enviavam seus pedidos.
Tinham que apresentar atestado de antecedentes criminais e de boa conduta, expedidos
pela polícia, certificado abonado por quatro livreiros, que confirmariam a capacidade do
requerente e ainda o pagamento de uma taxa proporcional ao valor do local que seria alugado.
Assemelhando-se à solicitação para abertura de uma loja, essas pessoas buscavam por uma
renda própria, através de um pequeno comércio, com possibilidades rentáveis, configurando-
se notadamente como uma “loja de leitura”27
de onde a sobrevivência poderia advir.
As instalações dos Gabinetes de Leitura parisienses eram de acordo com as posições
sociais da clientela; adequavam-se, assim, ao poder aquisitivo do público aquisitivo de cada
localidade. Esses estabelecimentos surgiram, na forma mais modesta, como quiosques e
anexos de livrarias e tabacarias, ou, na forma mais suntuosa, com amplas salas de leitura
mobiliadas, tendo jarras de água, papéis, penas e tinteiros à disposição de seus leitores.
Parent-Lardeur demonstra que o crescimento desses espaços possuía uma relação de
geografia cultural, em sua disposição na Província de Paris. Não eram nos bairros mais
populosos ou em regiões de maior concentração de rendas (entre a nobreza e a alta burguesia),
que se estabeleciam os Gabinetes de Leitura, mas sim, de acordo com as próprias modalidades
de consumo da cultura letrada, estando próximos a tipografias, escolas, redações de jornais,
universidades, livrarias e bibliotecas, ou seja, em lugares onde o impresso era um artigo do
cotidiano.
Esses locais eram também polos onde se caracterizavam o gabinete de leitura em sua
própria definição: atividades ligadas ao mundo da edição e da imprensa, às escolas e
à erudição, ao lazer e ao comércio tipicamente parisiense, assim, reflete-se a
distribuição dos gabinetes de leitura a partir destes diferentes espaços culturais
concretamente situados na geografia parisiense em relação aos grandes eixos de
circulação28
.
Entre 1815 e 1840, os Gabinetes de Leitura em Paris tiveram o seu auge. Outro
importante elemento que contribuiu para esse cenário é o que Darnton, denomina de “livros
sediciosos”, obras que eram proibidas pelo Estado e fiscalizadas pela polícia.
Deve-se entender sedição não como uma tomada de armas nem como uma violência
esporádica contra as autoridades, e sim como um desvio que, mediante o texto e o
no texto, se instaura com relação às ortodoxias do Ancien Régime – Isto é, com
relação ao conjunto das crenças aceitas, das razões comuns, dos discursos de
27
PARENT-LARDEUR, Françoise. Op. cit., p. 1016. 28
Ibidem, p. 1030.
31
legitimação que, no correr dos séculos, haviam sido considerados os fundamentos da
ordem monárquica29.
O mercado de livros sediciosos era inerente ao próprio comércio de livros. Editores,
livreiros e tipografias, com muita dificuldade, conseguiam manter sua estabilidade financeira,
com a vendagem de livros, sem incluir obras proibidas em seus catálogos.
Muitos livreiros atuavam também como caixeiros viajantes, ou seja, locatários
ambulantes de livros, o que facilitava a prática da clandestinidade, e, em decorrência dos
lucros auferidos, acabavam por abrirem Gabinetes de Leitura, porém mantinham a venda
ambulante de livros, fosse atendendo encomendas em outras Províncias ou em busca de
fornecedores que realizassem a impressão de livros sediciosos em regiões fronteiriças da
França, estando assim, “longe do controle e do policiamento de algumas obras”30
.
Esses livros corroboravam a consolidação financeira sobre a atividade comercial dos
Gabinetes de Leitura, penetravam e circulavam em suas dependências, dispondo obras não
presentes em tradicionais bibliotecas públicas e religiosas, mesmo acarretando enredamentos
com a polícia. Assim, os Gabinetes de Leitura ganharam mais espaço e cresceram em número,
possibilitando – além do anteriormente citado – informações e novidades aos leitores e um
aumento considerável na lucratividade dos livreiros que exerciam a prática do aluguel de
livros e outros impressos.
No final da segunda metade do século XIX e início do século XX, o número de
Gabinetes de Leitura espalhados pelas Províncias francesas diminuiu expressivamente. Dentre
os motivos destacam-se a regularidade diária na impressão de jornais, tendo um aumento
significativo em seu número, impressão, distribuição e circularidade, facilitada ainda mais
pelo crescimento extensivo de estradas de ferro.
Da mesma maneira, as novas formas de publicação de romances colaboraram para a
decadência dos Gabinetes de Leitura. As obras passaram a ser impressas por meio de folhetins
publicados em jornais, e cada edição trazia uma parte da obra, provocando a diminuição na
frequência de leitores nas dependências dos Gabinetes de Leitura.
Há ainda o arremedo de livros oriundos da Bélgica, contrafações31
que possuíam um
baixo custo em sua produção e posterior vendagem. Adentraram o território francês e se
29
DARNTON, Robert. Edição e Sedição, p. 11. 30
Ibidem, p. 157. 31
Jacques Hellemans em seu estudo sobre O Comércio Internacional da Edição Belga no Século XIX: o caso
das reimpressões (1815-1854). In: Revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição, n. 1, p. 89-98, mai.,
2011, traz à discussão o emprego dos termos contrafação ou reimpressão, o primeiro cunhado pelos franceses e o
segundo entendido pelos impressores e o próprio reino Belga, que em sua legislação permitia a reimpressão de
32
espalharam entre os leitores, que, em decorrência de seu módico preço, poderiam passar à
condição de compradores de livros.
A imprensa Belga começava a ganhar seu esplendor e a conhecer crescente
prosperidade. Sendo a literatura francesa fecundíssima e procurada em toda a
Europa, as editoras belgas não tinham mais de pilhar tudo o que se publicava em
Paris para enriquecer, daí nascendo a expressão criada por Balzac “Il est plus tôt
contrefait qu’ il n’ est fait” (mais rápido se contrafaz do que se faz).
Se os franceses, e não dos menores, Honoré de Balzac e Jules Janin, para ficar
apenas nesses dois, viram nas edições belgas “contrafações” vulgares, e compararam
os editores belgas a falsários, a coisa tinha caráter diferente para estes últimos, que
se apegavam antes ao termo “reimpressões”. De fato, os editores belgas apregoavam
abertamente seu furto, pois não buscavam em absoluto imitar o formato, o papel ou
os tipos da edição original. Desde Logo falam em “reimpressão”. Além disso, pondo
o livro ao alcance de todos os bolsos, a reimpressão favorecia a troca de ideias entre
os povos32
.
Editores franceses tentaram baratear os custos na produção de seus livros, para
concorrerem com os livros belgas, porém os Gabinetes de Leitura franceses não resistiram
estratégica e financeiramente a todas essas alterações e incrementos no comércio de
impressos, dificultadas ainda mais pelas transformações decorridas no desenvolvimento e no
acesso às bibliotecas públicas, que, aos poucos, iam perdendo seu caráter circunscrito.
No Brasil, sobremaneira, os Gabinetes de Leitura tiveram como marco cronológico de
seu surgimento o século XIX, essencialmente durante a segunda metade, no governo imperial,
chegando às décadas iniciais da Primeira República, no começo do século XX.
Em alguns aspectos, assemelharam-se aos Gabinetes de Leitura europeus,
exclusivamente no que tange a atuação comercial, através de uma subscrição para a leitura de
livros, na prática da sociabilidade livresca, constituindo-se como lugar de encontros e na
disseminação e na popularização da cultura letrada, por meio da circulação e do consumo do
livro a um maior número de leitores.
O próprio termo gabinete oriundo do francês antigo cabinet, era comumente utilizado
para referenciar cômodos particulares de casas opulentas do século XIX. Pequenas ou amplas
salas reservadas de usos diversos, compreendendo diferentes modalidades: “Gabinete de
Estudo”, “Gabinete de Física”, “Gabinete do Rei”, “Laboratório”, “Aposento” ou “Gabinete
de Leitura”. Por fim, um espaço ou móvel, destinado ao momento da intelectualidade, do
recolhimento e suntuosidade burguesa. Um ambiente de uma casa, onde se realizavam
reuniões familiares, “o público ganhava espaço dentro do privado, pois encontros, aspirações
obras estrangeiras, especificamente as francesas, de baixo custo e baixa qualidade do material, portanto, mais
barata e acessível a um maior número de leitores. 32
HELLEMANS, Jacques. Op. cit., p. 90.
33
políticas e negócios eram tratados nesse compartimento residencial, sendo, portanto, um
espaço da sociabilidade privativa do homem”33
.
Na literatura oitocentista, encontra-se menção a expressão gabinete, demonstrando um
caráter civilizador e de progresso, denominando-os como espaços intimistas, da recreação ou
de reclusão pessoal para o deleite da leitura moderna. O escritor português Eça de Queiroz
(1845-1900), o cunhou da seguinte forma “o que, porém, mais completamente imprimia
àquele gabinete um caráter de civilização eram os aparelhos facilitadores de pensamento”34
.
Camilo Castelo Branco (1825-1890), referindo-se aos seus romances, recordava como seus
livros eram concorridos “para os gabinetes de senhoras cuidadosas em possuírem novidades
da literatura recreativa”35
. Ainda como espacialidade de casas abastadas, o próprio mobiliário
e utensílios dispostos nos gabinetes expressavam um ambiente intimista, com quadros,
estantes de livros encadernados ou em brochuras, tinteiros, mesas e cadeiras para uma leitura
individualizada, fossem para correspondências ou para outros impressos, “um recinto
aristocrático” como define Schapochink (1999).
Cabe ressaltar que o espaço do Gabinete não representava diretamente o uso e a leitura
dos livros e o conhecimento por eles propiciado, como ressalva Sergio Buarque de Holanda,
em sua obra, Raízes do Brasil, ao observar o apego bizantino da sociedade brasileira
oitocentista aos livros o autor evidencia que, antes “visam primeiramente ao enaltecimento e à
dignificação daqueles que os cultivam”36
.
Têm se também a utilização do termo “repartição política”, servindo os Gabinetes de
espaço para o exercício de autoridades como monarcas ou demais dirigentes governamentais.
No Diccionário da Língua Portugueza, do lexicólogo brasileiro Antonio de Moraes Silva
(1755–1824), identifica-se essa acepção de forma concisa “GABINETE. s.m. Camarim.
Aposento do Príncipe, ou casa de Conselho d´Estado ou Privado. O Conselho Privado ou de
Estado sobre coisas pacificas”37
. Reduzindo os léxicos do termo e assim diminuindo os
sentidos a ele atribuídos, interessa aqui, os Gabinetes de Leitura como instituições culturais.
Espaços do saber moderno, mercantilizadores do livro e da leitura, do lazer ordenado,
da locação de artefatos textuais, franqueando a instrução e muitas outras variáveis.
Instituições integrantes de uma sociedade composta por redes de bibliotecas, clubes e
33
SCHAPOCHINK, Nelson. Os Jardins das Delícias: Gabinetes literários, Bibliotecas e Figurações da Leitura
na Corte Imperial. São Paulo, 1999. 269 p. Tese (Doutorado em História) FFLCH-USP, 1999, p. 39. 34
QUEIROZ, Eça de apud MARTINS, Ana Luiza. Op. cit., p. 23. 35
BRANCO, Camilo Castelo apud MARTINS, Ana Luiza. Op. cit., p. 23 36
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26° ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 164-
165. 37
SILVA, Antonio de Moraes. Apud SCHAPOCHINK, Nelson. Op. cit., p. 40.
34
associações e agremiações livrescas, possibilitando novas experiências e práticas sociais
ordenadas pela cultura do impresso.
Na experiência brasileira os Gabinetes de Leitura se diferenciam de uma possível
relação com os Gabinetes europeus. No Brasil, possuíram maior atuação, do ponto de vista
social, tendo estatutos e regimentos internos de normatização de suas atividades,
conjuntamente com projetos de educação e de promoção de uma formação literária,
certamente em consonância com as incipientes condições editoriais brasileiras, como bem
salientou Martins e que facilmente pode-se estender, buscando uma melhor compreensão, à
esfera da educação, já que a população brasileira possuía baixos índices de alfabetização.
Os primeiros registros dessas instituições no Brasil são da Gesselschaft Germânia
(1821), British Subscription Library (1826), do Gabinete Português de Leitura (1837) e da
Biblioteca Fluminense (1847), todos surgidos na corte imperial do Rio de Janeiro,
coexistentes aos Gabinetes de Leitura parisienses; entretanto de figurações e atuação distintas.
De acordo com Nelson Schapochnik, configuravam-se como “bibliotecas associativas, que,
não raro, adotavam o nome de gabinetes de leitura, complementando-se com o nome da
comunidade de origem dos associados ou com o nome da província e/ou cidade onde a
instituição fora estabelecida”38
.
Para Schapochnik, os modos de leitura dessas regionalmente denominadas
associações, se constituíam em uma alternativa diante do alto preço dos livros e das restrições
que este fato impunha à formação de acervos privados. Mesmo com a oferta de impressos,
grande parte da população carioca, não dispunha de um ordenado que permitisse a compra
constante de livros. Esses espaços, intrinsecamente reforçavam ainda mais os laços de
identidade entre sócios e frequentadores, por intermédio de uma literatura pátria, visto que
eram instituições cujo quadro societário era predominantemente composto por estrangeiros.
Destarte, em suas formas de atuação tencionavam criar um círculo para difusão,
preservação e manutenção da cultura de seus países de origem. Ingleses, alemães e
portugueses promoveram através da criação de bibliotecas associativas e Gabinetes de
Leitura, no Brasil, uma concorrencial ilustração da abundância literária de suas nações. Toma-
se, como exemplo, a trajetória do Gabinete Português de Leitura.
Fundado por homens de posição ideológica liberal, contrários ao movimento
absolutista miguelista, saíram de Portugal, emigraram para o Brasil e instalaram uma
biblioteca associativa, posterior Gabinete de Leitura, com o intento de contribuir para o
38
SCHAPOCHNIK, Nelson. Op. cit., p. 182.
35
reforço e a importância de suas culturas em terras tropicais. Essa tentativa confrontava-se com
as próprias condições socioculturais da Corte Imperial, à época, pois cada vez mais a cultura
francesa ganhava espaço e dava novos contornos aos moldes de comportamento e civilidade,
em específico no cenário intelectual, na língua e na literatura brasileira; logo, criar um
Gabinete de Leitura de ilustração da língua e cultura lusa estabelecia uma ideia de
pertencimento e de propalação da tradição literária portuguesa.
Esse propósito não se restringiu à Corte Imperial do Rio de Janeiro, nas diferentes
Províncias do Império, onde havia comunidade lusa, estabelecia-se um Gabinete Português de
Leitura. Há notícias dos registros e fundações nas imprensas locais e nos anuários estatísticos
da Bahia, Rio Grande do Sul, Maranhão, Rio Grande do Norte, Sergipe, Goiás, Belo
Horizonte e Paraná, estendendo-se ainda para cidades localizadas em regiões interioranas
desses atuais estados
Na Província de São Paulo, Martins defende a ideia de que os Gabinetes de Leitura
surgiram acompanhando o surto urbano, principalmente nos centros citadinos, que surgiram
e/ou cresceram a partir da instalação das estradas de ferro. Por onde a linha férrea passava, em
território paulista, com a função de abrir caminhos e escoar produtos agrícolas, instalava-se
um Gabinete de Leitura, de forma a constituir um tracejado paralelo. Como citado
anteriormente, Martins localizou registros da existência de 20 Gabinetes de Leitura na
Província de São Paulo39
. Segundo a autora, as instituições são permeadas de singularidades,
mas em linhas gerais, todas surgiram como locais construídos para abrigar ideias iluministas,
liberais, republicanas, democráticas e abolicionistas, ideias essas, que as bibliotecas
circunscritas e a maior delas sediada na capital São Paulo, a Faculdade de Direito do Largo
São Francisco, devido a sua ligação com o clero, não permitia abrigar.
O surgimento do Gabinete de Leitura, instituição tão estranha ao meio, não obstante
sua implantação até festejada aparecia como um grande escândalo para a época. A
iniciativa era inclusive repudiada pelo corpo docente da Faculdade – conservador em
sua maioria – e mais ainda por outro foco do poder, o Seminário Episcopal da
capital São Paulo, reduto ultramontan para onde se dirigiam os filhos das famílias
oligárquicas. Afinal, o livro recebia um templo para seu culto, numa seleção de
títulos laicos, muito distante daquela do apreço da ordem, em que imperavam as
obras de caráter religioso e/ou aprovadas pela igreja40
.
39
Gabinete de Leitura de Iguape (1847), Gabinete de Leitura Campineiro (1865), Gabinete de Leitura
Sorocabano (1867), Gabinete de Leitura de Itu (1873), Gabinete de Leitura Rio Clarense (1876), Gabinete de
Leitura Ubatubense (1876), Gabinete de Leitura Itapevense (1878), Gabinete de Leitura Tatuiense (1879),
Gabinete de Leitura de Jundiaí (1882), Gabinete de Leitura Luso Brasileiro (1883), Gabinete de Leitura “18 de
Setembro” (1886), Gabinete de Leitura Rio Pardense (1887), Gabinete de Leitura Avaré (1887), Gabinete de
Leitura José de Alencar (1887), Gabinete de Leitura São Vicente (1888), Gabinete de Leitura Itanhaense (1888),
Gabinete de Leitura São Manuel (1891), Gabinete de Leitura Lenções (1891), Gabinete de Leitura Mogimiriano
(sem registro de data de fundação). 40
MARTINS, Ana Luiza. Op. cit., p. 403.
36
É importante notar que o surgimento dessas instituições, nas mais diferentes regiões
do território brasileiro, não foi homogêneo. Para além de se constituírem como local de
sociabilidade e possibilitarem o acesso aos livros a pessoas humildes, alguns Gabinetes de
Leitura, em especial os que se instalaram em regiões interioranas, foram ainda responsáveis
por promover a instrução a camadas populares analfabetas. Houve um pioneirismo, de forma
destacada na iniciativa de alguns fundadores de Gabinetes de Leitura, em diferentes regiões,
que, além de criarem bibliotecas e espaços públicos para a leitura, criaram também escolas de
primeiras letras. Com a falta de diligência do poder público para as questões de escolaridade e
instrução da grande maioria da população brasileira (entre o final do século XIX e o início do
XX), grupos particulares sobressaíram-se na ação de promover espaços que possibilitassem a
educação, atendendo cada vez mais pessoas, tanto na esfera pública quanto na esfera privada.
A questão de instrução da população local, em diversas regiões, está presente na
experiência de quase todos os Gabinetes de Leitura a que a pesquisa teve acesso. Bruno
Gaudêncio, em sua pesquisa sobre bibliotecas, gabinetes e livrarias, na cidade de Campina
Grande, no estado da Paraíba, notabiliza que o Gabinete de Leitura 7 de Setembro, fundado
em 1913, surgiu como um lugar onde “os novos (jovens) pudessem encontrar o necessário
para o seu possível desenvolvimento intelectual”41
.
O Gabinete de Leitura 7 de Setembro era uma instituição centralizadora das atividades
artísticas e culturais da região onde se inseria, abrigando, em suas instalações, o que, para
época, conferia um dos maiores efeitos da modernidade: uma biblioteca, assinatura de jornais,
revistas, uma escola pública de primeiras letras e a promoção de eventos cívicos e literários.
Todavia, segundo Gaudêncio, a instituição era mais frequentada por uma elite política
e econômica, em que sobremaneira “comerciantes, médicos, jornalistas, contadores,
professores e políticos apropriavam-se do espaço”42
, certamente devido à escassez de pessoas
letradas, o que corrobora a percepção das especificidades de cada Gabinete de Leitura. Por
mais que características e delineações tracem pontos em comum entre eles, é nas práticas, ou
seja, em suas formas de atuação e de apropriação, que se notabilizam suas diferenças e
singularidades.
Além disso, vale lembrar que os Gabinetes de Leitura brasileiros conotam também o
esforço na tentativa de constituição de um púbico leitor. Não bastava tão somente criar uma
41
GAUDÊNCIO, Bruno. Os lugares de circulação dos livros em Campina Grande – Paraíba: livrarias,
gabinetes de leitura e bibliotecas. XXVII Congresso Nacional de História, Natal, 2013. Disponível em:
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1361023164_ARQUIVO_ArtigoCompleto-
ANPUHBrunoGaudencio.pdf> Acesso em: 26, jun. 2015. 42
Ibidem, p. 11.
37
biblioteca, angariar sócios contribuintes, cobrar mensalidades e promover a tomada de
empréstimo de livros, jornais e revistas. Era indispensável semear o hábito de utilização do
livro gerando o costume e a familiarização com o impresso. Nesse sentido, as escolas de
primeiras letras, normalmente anexas aos Gabinetes de Leitura, exerceram essa laboriosa
função.
Wanderley Menezes, que estudou apenas um dos três Gabinetes de Leitura que
existiram em Sergipe, localizados na cidade de Itabaiana, com fundação datada em 1875,
adverte sobre como a história da instituição foi propositalmente esquecida, em decorrência da
administração pública da cidade, que não incentivou nenhum tipo de ação oriunda da
instituição e de seus sócios, fosse adequando-as de forma a normatizar e a regulamentar as
ações praticadas; fosse de forma a possibilitar isenções e/ou auxílios financeiros ao Gabinete
de Leitura, principalmente em relação ao projeto educacional que atendia à demanda de
grande parte da população carente de Itabaiana: a escola de primeiras letras, “que
possibilitava a pessoas menos abastadas instruírem-se”43
.
Na mesma perspectiva, Valdeniza Barra, investigando sobre surgimento do Gabinete
Literário de Goiana, no estado de Goiás, fundado em 1864, acrescenta que:
Ao se pensar a criação dos gabinetes de leitura no Brasil, talvez possa se aventar
para a hipótese de que estes teriam cumprido um certo papel de tradução de um
projeto maior que, movido pela esteira da racionalidade científica, de uma crença
depositada nas luzes, haveria de criar as condições para a sua própria difusão, para o
que, a escola poderia ter ocupado um lugar de relevo44
.
É nesse “projeto”, que se pode perceber a atuação dos Gabinetes de Leitura no Brasil,
pois foram muito mais atuantes, no que tange o campo social e interferindo nas relações
culturais; do que propriamente no aspecto mercantil. No entanto, não se pode depreender que
a atuação dos Gabinetes de Leitura no Brasil representava apenas a ação instrutiva frente à
escassa escolarização da população.
Membros de camadas sociais mais abastadas, políticos e intelectuais regionais
participaram também desse processo, suas presenças podem ser notadas no momento de
fundação dos Gabinetes de Leitura ou na constituição de acervos das bibliotecas, para o que
muitos colaboraram, doando livros ou recursos financeiros. Em suma, eram esses agentes, de
certo modo relacionados com à cultura letrada, que idealizaram a criação dessas instituições.
43
MENEZES, Wanderlei de Oliveira. Gabinete de Leitura de Itabaiana (1875-1880): Notas Para a História de
Uma Instituição Cultural do Agreste Sergipano no Século XIX. (NUPEP-UFF). Disponível em: <
http://www.historia.uff.br/estadoepoder/6snepc/GT4/GT4-WANDERLEI.pdf>. Acesso em: 15 out. 2014. 44
BARRA, Valdeniza Maria Lopes da. Livros e Leituras do Gabinete Literário Goiano na Sociedade
Oitocentista de Goiás. Revista Educativa, Goiânia, v. 11, n° 1, p. 85-97. jan-jun, 2008.
38
O historiador Jorge Lima, exemplifica essa questão. Estudando os Gabinetes de
Leitura das cidades de Sobral, Granja, Ipu, Camocim e Viçosa, na região norte do Ceará,
fundados entre o final do século XIX e o começo do XX, o historiador constatou que antes
dos livros chegarem aos acervos dos Gabinetes de Leitura, passaram pela produção
tipográfica, distribuição em livrarias, comercialização, realizada por livreiros e comerciantes
de outros ramos, chegando finalmente até os leitores. Esses leitores, pertencentes às elites, por
sua vez, faziam o consumo e a utilização primária dos livros e, posteriormente, em diferentes
circunstâncias, os livros comprados, na esfera privada, constituintes de acervos particulares,
acabaram por ser doados aos Gabinetes de Leitura da região norte do Ceará.
Os carimbos personalizados, selos, emblemas e dedicatórias encontradas nas folhas de
rosto dos livros, permitiram que Lima tracejasse a trajetória percorrida pelos livros dispostos
no acervo, evidenciando um amplo consumo, a localização do comércio livreiro e os pontos
de distribuição nas cidades. Os acervos dos Gabinetes de Leitura demarcam os destinos finais.
Assim, as elites locais, por meio de seu consumo do livro, acabaram por contribuir para a
constituição do acervo de obras desses Gabinetes de Leitura, que, como os demais espalhados
pelo Brasil, durante o século XIX e início do XX, abriram escolas de primeiras letras para
alfabetizar as populações carentes45
.
Ao fim e ao cabo, os Gabinetes de Leitura no Brasil, em diminuta quantidade, ainda
existem. Os motivos que contribuíram para o fechamento dessas instituições são múltiplos,
mas, pode-se citar principalmente a emergência das bibliotecas públicas, o barateamento dos
livros e o aumento na circulação de jornais e revistas. Assim, cada vez mais, ir a um Gabinete
de Leitura ou dele ser associado, aos poucos se tornava obsoleto.
Contudo, pode-se de certo interpretá-los como símbolos da cultura letrada, construídos
pelos mais diferentes grupos sociais para atender a outros diferentes grupos sociais,
fundamentando-se no acesso aos livros e na formação de um público leitor, dentro das ações
do fin de siècle e do seu ideal democrático republicano.
***
O primeiro núcleo populacional de Jundiaí iniciou-se em 1615 pelos bandeirantes
Rafael de Oliveira e Petronilha Rodrigues Antunes, e fora inicialmente denominado de Vila
Formosa de Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí. O nome Jundiaí é originário do tupi-
45
LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Entre Caminhos e Lugares do Livro: gabinetes de leitura na região norte do
Ceará (1879 - 1919). Fortaleza, 2011, p. 209. Dissertação (Mestrado em História) UFC, 2011.
39
guarani cujo significado é “rio dos bagres”46
. Desse local saíram diversas bandeiras que
seguiram para Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, em busca de minas de ouro. A região era
também local de pouso para tropeiros que transportavam gado e comercializavam muares,
sendo comumente denominada de “entrada” e/ou “boca do sertão”47
. Tornou-se freguesia do
município de Santana de Parnaíba em 1651, e conquistou autonomia administrativa em 1655.
Foi elevada a categoria de cidade em 28 de março de 1865, as vésperas de instalação da
ferrovia, época em que se tornou uma das principais cidades da Província de São Paulo, em
decorrência dos lucros advindos do cultivo do café e da construção da Estrada de Ferro
Santos/Jundiaí em 1867.
Figura 2 - Localização do município de Jundiaí no Estado de São Paulo.
Fonte: Google Maps, 2015.
Esse desenvolvimento estimulou a chegada de um bom número de imigrantes
europeus (italianos em maior parte) que passaram a habitar a colônia existente na região,
criada pelos cafeicultores como forma de atender a necessidade de mão-de-obra produtiva
livre48
.
46
Espécie nativa da América do Sul. 47
MAKINO, Miyoko. Jundiaí: povoamento e desenvolvimento 1655-1854. São Paulo, 1981, p.146. Dissertação
(Mestrado em História) FFLCH-USP, 1981. 48
SILVA, Fernando Santos da; PIQUEIRA, Mauricio Tintori. Os municípios do Estado de São Paulo. In:
ODÁLIA, Nilo; CALDEIRA, João Ricardo de Castro (Orgs.). História do Estado de São Paulo: a formação da
unidade paulista. vol. 3 Governo e Municipalidade. São Paulo: Editora UNESP; Imprensa Oficial; Arquivo
Público do Estado, 2010, p. 173-174.
40
Com a instalação e o funcionamento de linhas férreas, a rotina da região passou a ter
novos atores sociais, além de tropeiros e sertanistas. Sendo ponto de passagem para as
diversas cidades do interior e sede de estações ferroviárias, Jundiaí passou por um intenso
processo de transformação urbana.
Em 1872, essas transformações se intensificaram, a partir da fundação da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro, criada pelo então presidente da Província de São Paulo,
Joaquim Saldanha Marinho, que, em conjunto com grandes latifundiários, investiu capital
nacional (e internacional através de empréstimos) na criação da primeira companhia nacional
de estradas de ferro, visando a ampliar a linha férrea de Jundiaí até Campinas e a melhorar o
processo de escoamento do café, produto propulsor e símbolo do desenvolvimento financeiro
e social, e também pauta das principais ações políticas da época, que objetivavam a
manutenção da economia cafeeira49
.
Posteriormente escritórios, armazéns e oficinas da Companhia Paulista foram
instalados em Jundiaí. Muitos empregados da empresa que eram de outras cidades
transferiram-se para a região, aumentando o fluxo e circulação de pessoas.
Na ordem da Primeira República (1889-1930), a região esteve diretamente envolvida
com os acontecimentos da nação brasileira, acompanhando as mudanças de caráter urbano,
industrial, tecnológico, nos transportes, na comunicação e também ideológicos e
socioculturais50
, criando um cotidiano de reconfigurações.
No começo do século XX, a cidade era composta, em sua grande maioria, por uma
população operária (trabalhadores dos transportes ferroviários ou das nascentes indústrias
têxteis e trabalhadores rurais). Em sua estratificação social, quase inexistem indícios da
presença e da atuação de grupos de elite na região51
. Com os pecúlios, oriundos do café, as
camadas mais ricas migraram para cidades maiores como Campinas e São Paulo. Entretanto,
os operários constituíram diferentes camadas sociais em Jundiaí, formando uma
hierarquização, delineada por seus cargos e funções, a partir dos vínculos empregatícios então
existentes na localidade.
49
AQUINO, Ítalo de. Apontamentos sobre a história do café em São Paulo: das origens a 1930. In: ODÁLIA,
Nilo; CALDEIRA, João Ricardo de Castro (Orgs.). História do Estado de São Paulo: a formação da unidade
paulista. vol. 2. A República. São Paulo: Editora UNESP; Imprensa Oficial; Arquivo Público do Estado, 2010. 50
O estudo de Jorge Nagle sobre Educação e Sociedade na Primeira República (1974, p. 1) compreende as
primeiras três décadas, após a proclamação da República, como um momento de “correntes de idéias e
movimentos políticos e sociais”, destacando, dentre eles, “socialismo, anarquismo, nacionalismo, catolicismo,
tenentismo, modernismo, integralismo, o entusiasmo pela educação e a posição do Estado pela educação”. 51
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias, Cidades e Trabalhadores (1870-1920). São Paulo, 2002, p.190. Tese
(Livre Docência) FAU-USP, 2002.
41
Nesse panorama a sociedade jundiaiense ramificou-se em posições dos trabalhadores e
nos símbolos de relevância das empresas promotoras de empregos e geradoras de rendas, em
específico a ferrovia, que, à época, representava o marco do desenvolvimento econômico e
social da cidade, emblema da modernidade e dos novos tempos.
O Gabinete de Leitura de Jundiaí que nascera em meio a essas transformações, fora
criado por um grupo de trabalhadores da Companhia Paulista, que, em seus pressupostos
objetivavam “estabelecer, a criação de um ambiente de contato direto com os livros, com a
prática da leitura e seus significados”52
, o que demonstra o modo como exprimiram suas
relações com seu mundo social e as refletiriam.
Existente ainda, na atualidade, o Gabinete de Leitura de Jundiaí representa um
passado de um grupo que se preocupou em investir na instrução, por meio da cultura letrada,
um grupo que fundou a primeira biblioteca pública da cidade. A trajetória desse grupo pode
ser rastreada pela própria fachada do Gabinete de Leitura, que na contemporaneidade de sua
fundação (1908), marcava a gênese de um projeto cultural.
***
Em um trabalho metodológico de recorte e seleção espacotemporal, optou-se por
privilegiar o período de 1908 até 1924, abrangendo assim os 16 anos iniciais da trajetória do
Gabinete de Leitura de Jundiaí. Tal escolha se deu pela impossibilidade técnica (tempo,
pesquisa, levantamento de fontes e bibliografia) de se abarcar todo o período de sua existência
e também em decorrência da percepção de dois marcos importantes sobre sua história.
O primeiro marco trata das condições de surgimento da instituição, em 1908; o
segundo limita-se a suspensão do funcionamento do Gabinete de Leitura, em 1924, em
decorrência da Revolução Tenentista53
. Naquele momento o Estado de São Paulo passava por
conflito bélico de origem militar, que eclodia em diferentes regiões do Estado. Esse processo
revolucionário levou os dirigentes do Gabinete de Leitura a interromperem o funcionamento
da instituição, que passou a abrigar, em suas dependências, uma família de militares, que se
52
Ata de Assembleia Geral. 28-04-1908, p. 1. 53
Existe um profícuo debate na historiografia brasileira sobre a terminologia a ser empregada ao conflito bélico
ocorrido no estado de São Paulo em 1924. Empregamos aqui o termo Revolução no sentido em que a
historiadora Ilka Stern Cohen definiu em sua pesquisa, cujo entendimento é de que: “o movimento se passava
por revolucionário, porque propunha uma transformação de grande amplitude; para os defensores da ordem
legal, entretanto, tudo não passava de uma tentativa de subversão da ordem e, nesse sentido, vários foram os
termos empregados para se referir à situação: rebelião, quartelada, motim, sedição, mazorca ou revolta, e seus
agentes eram, portanto, rebeldes, sediciosos ou mazoqueiros. COHEN, Ilka Stern. Bombas Sobre São Paulo: A
Revolução de 1924. São Paulo: Editora UNESP, 2007, p. 46.
42
refugiava na cidade de Jundiaí, fato comum à Revolução, pois muitos outros militares e
políticos fugiram de constantes ataques, dentre eles Carlos de Campos, então presidente do
Estado (1924-1927), e foram acolhidos no interior de São Paulo54
.
Somente no ano de 1925 é que o Gabinete de Leitura de Jundiaí retomou suas
atividades. Assim, delimitou-se o período de análise. Certamente questões emergiram para
esta pesquisa, fazendo-a ora recuar, ora avançar, na procura por indícios que ajudassem na
problematização e no entendimento das dinâmicas de relações constituintes da vida social, em
suas múltiplas experiências, ou até mesmo quando indagações feitas às fontes levavam a
outras demarcações espaçotemporais. Afinal, o trabalho do historiador não se confina tão
somente em marcos cronológicos, segundo Antoine Prost:
O tempo da história não é uma unidade de medida: o historiador não se serve do
tempo para medir os reinados e compará-los entre si – essa operação não teria
qualquer sentido. O tempo da história está incorporado, de alguma forma, às
questões, aos documentos e aos fatos; é a própria substância da história55
As atas de reuniões do Gabinete de Leitura, no tempo de sua produção, de uma
maneira geral, evidenciam um corpus de hábitos, caracterizando um ritual de reuniões durante
os sucessivos encontros Diretivos e/ou de Assembleias Gerais, promovidos pelos sócios.
Esta pesquisa, portanto, se orientou pela leitura e pela análise desses documentos. Não
se pode estabelecer uma relevância de sua produção social, se elas foram elaboradas como
praxes ritualísticas do cotidiano de sujeitos que se reuniam para discutir assuntos de interesse
comum ou se constituíam algum ato de solenidade no dado momento de sua produção.
Entretanto, as atas aproximam-se de uma possível “autenticidade”, em sua transcrição das
muitas falas pronunciadas nas deliberações dos participantes reunidos, evidenciando, desse
modo, o cotidiano da instituição e as ações de seus envolvidos, e, como os sujeitos, de forma
singular ou coletiva, marcaram sua existência e seu simbolismo.
Durante o processo de desenvolvimento desta pesquisa – neste momento utilizo a
primeira pessoa do singular – ingressei como professor na Secretaria da Educação do Governo
do Estado de São Paulo. Dentre as muitas funções de um docente de cargo público, encontra-
se a participação em reuniões de Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC), em que
questões do cotidiano escolar, seja do alunado, professorado, coordenação, direção e diretoria
de ensino, são tratadas de forma a organizar, planejar e definir estratégias de atuação para a
prática docente. Nessas reuniões são produzidas atas, com o objetivo de registrar todas as
54
ASSUNÇÃO FILHO, Francisco Moacir. 1924- Delenda São Paulo: a cidade e a população vítimas das armas
de guerra e das disputas políticas. São Paulo, 2014. 181p. Dissertação (Mestrado em História). PUC-SP, 2014. 55
PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014, p. 96.
43
atividades desenvolvidas em conjunto, bem como, as orientações e regras hierarquicamente
instituídas, em consonância com a legislação vigente sobre a área da educação.
Importa que, no decorrer das reuniões, ordinariamente uma pessoa é eleita para
registrar os assuntos tratados em ata. Segue-se sempre um padrão em seu enunciado e no
corpo do texto: a ordem dos acontecimentos. Ao final, cada participante da reunião assina, de
forma a documentar sua ciência e participação. Entretanto, como participante ativo das
reuniões, em algumas delas até mesmo como escriturário, fui percebendo a produção desse
documento. A coordenação comumente inicia as reuniões, transmitindo informações
correlatas aos professores, que, por sua vez, respondem concordando, discordando,
acrescentando novos dados e informações, fazendo ressalvas, objeções, seguidas, muitas
vezes, de comentários, entre os professores, ou mesmo gestos, olhares e feições aprovativas
ou discordantes, cujo verbal ou a escrita formal não abarcam.
Portanto, muito da realidade ou veracidade dos acontecimentos ficam de fora do
registro escrito, as intenções, ações e falas em sua totalidade, não são grafadas, restringindo a
percepção sobre os possíveis sentidos e tensões existentes. Não objetivo comparar as atas do
Gabinete de Leitura de Jundiaí com a minha experiência, pois as respectivas escritas
compreendem tempos e espaços distintos, bem como as intenções e pressupostos de suas
elaborações. Contudo, utilizo essa exemplificação de modo a demonstrar a subjetividade
presente na descrição de uma reunião em formato de ata, de forma que normatizações
(explícitas ou implícitas) conduzem a ação da escrita, porém, de certo modo, intentam em
compreender e/ou conformar a fidelidade dos acontecimentos.
Atrás de indícios que permitissem observar as questões e tensões da temporalidade,
espacialidade e do campo sociocultural do Gabinete de Leitura de Jundiaí, a pesquisa
examinou ainda os acervos da Biblioteca Municipal de Jundiaí Professor Nelson Foot, que
contribuiu com obras que abordam a história da cidade56
. Na sessão de hemeroteca da
biblioteca, encontraram-se recortes de jornais de 1970 até 2011, que noticiaram, nas datas de
aniversário do Gabinete de Leitura, um pouco de sua criação e trajetória, o que auxiliou na
percepção sobre os sentidos de sua fundação.
Atas da Câmara Municipal, entre 1914 e 1916, foram localizadas no Centro de
Memória de Jundiaí (CMJ), corroborando questões reflexivas sobre a cidade e o seu processo
56
Ressalte-se que localizar bibliografias sobre a região acarretou certas dificuldades, dada a escassez de obras,
pois somente autores jundiaienses, às vezes, de forma memorialista, saudosista ou em comemorações de
aniversários, escreveram sobre a história da cidade, o que nos conferiu acentuada operosidade à leitura dessas
obras, que em linhas gerais apresentam demasiado ufanismo.
44
de urbanização, como a chegada das estradas de ferro, a imigração e algumas questões de
ordem política.
No Arquivo do Estado de São Paulo, em consulta aos Anuários Estatísticos de São
Paulo, entre o período de 1906-1926, levantaram-se informações que contribuíram para o
entendimento do cenário educacional, cultural e econômico (censos escolares: municipais,
estaduais e particulares; bibliotecas públicas; teatros; jornais; igrejas; números populacionais
e principais atividades econômicas), não apenas de Jundiaí, mas também de toda a esfera
estadual, levantando-se as relações existentes entre a cidade e as principais questões da
Primeira República.
No Sebo Jundiaí, localizado na Rua Dr. Tôrres Neves, no centro da cidade, a pesquisa
encontrou um acervo iconográfico, batizado com o nome do proprietário do sebo, Maurício
Ferreira. O acervo dispõe de fotografias da cidade de Jundiaí, seus lugares e pessoas, dentro
do período aqui analisado57
. Desse modo, imagens foram selecionadas e acrescentadas a este
trabalho, como artefatos da época e registros de uma realidade representada58
, mas que não
serão problematizadas, por não constituírem a centralidade desta análise.
Procuraram-se ainda jornais da cidade de Jundiaí que fossem contemporâneos ao
aparecimento do Gabinete de Leitura e que fornecessem indícios de olhares externos sobre a
instituição, o que poderia contribuir para caracterizar sua imagem e representatividade frente à
sociedade jundiaíense. Todavia, esses documentos não foram localizados em nenhuma das
instituições de pesquisas supracitadas. Mesmo a cidade de Jundiaí, tendo sua constituição
social composta, em sua maioria, por operários, nas primeiras décadas do século XX, período
de intensas agitações, manifestações e movimentos da classe operária no Brasil, não se
puderam localizar registros que evidenciassem essas articulações dos grupos sociais da
cidade, na imprensa local e/ou alternativa. Nesta questão, apenas a bibliografia consultada
possibilitou algumas referências.
Cabe ressaltar que o trabalho com as fontes do Gabinete de Leitura de Jundiaí, não
estava dado e sistematizado. Em diversos momentos, a pesquisa teve que recolher os “cacos
da história”, ordená-los e classificá-los, para a construção de um panorama que pudesse ser
analisado de forma lógica e fundamentada. Durante dois anos, idas e vindas ao acervos de
pesquisa foram necessárias. Cada folha manuscrita solta dentro de um armário, cada caderno
57
Parte do acervo iconográfico está no perfil de uma rede social do Sebo Jundiaí e pode ser consultado online
através do link: https://www.facebook.com/professormauricioferreira/photos_stream?tab=photos_albums. 58
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014.
45
guardado em caixas, no canto de salas e cada impresso achado, configurava-se em uma
descoberta que contribuía para a interpretação sobre o Gabinete de Leitura de Jundiaí.
Próximo a finalização desta pesquisa, o contato com a historiadora Ana Lúcia Duarte
Lanna, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP (FAU) facilitou a investigação sobre
as relações empregatícias dos fundadores do Gabinete de Leitura com a Companhia Paulista.
Nos anos 2000, Lanna desenvolveu uma pesquisa sobre cidades e ferrovias em São Paulo,
Naquele momento, por uma eventualidade, teve acesso ao acervo da Ferrovia Paulista S.A.
(FEPASA) em Jundiaí, extinta desde 1998, mas cujos registros documentais estão em poder
do Museu da Companhia Paulista59
. Frequentando o local diariamente, Lana deparou-se com
muitas caixas que ficavam na entrada do prédio e, a cada novo dia, as via sumirem aos
poucos. Em conversa com os seguranças do local, obteve autorização para retirá-las da
instituição. As caixas continham prontuários (fés de ofício) dos empregados da Companhia
Paulista, entre 1850-1920. Guardavam informações sobre, cargos, salários, promoções,
transferências, moradias, etnias, ocorrências no trabalho, filiação, dependentes e fotos60
. A
parir desses elementos, Lanna elaborou uma base de dados dos funcionários da Companhia
Paulista, contendo 2.000 prontuários. A historiadora colocou esse material à disposição desta
pesquisa tardiamente, o que impossibilitou seu exame detalhado, mas, ainda assim, contribuiu
para a análise sobre a atuação da Companhia Paulista, na cidade de Jundiaí, ao permitir a
observação das práticas ferroviárias, características de um modo de sociabilidade e de
experiências.
Na análise sobre a fonte Catálogo de Obras, indícios permitiram que se levantassem
algumas possibilidades para se perceber os leitores através do universo de livros a eles
disponíveis na biblioteca do Gabinete de Leitura.
Os livros que compõem o acervo da biblioteca foram comprados e/ou doados por
diferentes pessoas, sócios e moradores de Jundiaí. Durante as reuniões de Assembleia Geral,
comissões eram formadas comissões para realizarem a compra de livros ou angariar doações.
No que tange a compra dos livros, os sócios eram consultados para a escolha dos títulos que
seriam comprados. As atas não mencionam quais eram esses títulos e nem onde seriam
adquiridos (editoras, livrarias, etc.), mas, essa ação de comprar livros a partir da escolha dos
leitores, possibilita observar a formação do acervo como uma junção das preferências
literárias dos leitores.
59
Por questões de organização de seu acervo, atualmente o museu está fechado para pesquisas. 60
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias, Cidades e Trabalhadores (1870-1920). São Paulo, 2002, p.190. Tese
(Livre Docência) FAU-USP, 2002, Anexo, CD-Rom.
46
O Catálogo de Obras não possibilita identificar os leitores e suas práticas de leitura,
entretanto, sua análise mostrou ser possível rastrear os indícios do que possivelmente
poderiam ler.
A formação da biblioteca passou por diferentes arranjos e períodos. O Catálogo de
Obras produzido em 1957, pelo bibliotecário, é a única fonte localizada por esta pesquisa, que
evidencia as obras existentes no acervo. A data de sua produção é posterior ao recorte
temporal estabelecido (1908-1924), porém, de acordo com o próprio bibliotecário, os livros
listados no catálogo, fazem parte do acervo da instituição desde sua fundação. Informação
esta contida na primeira página do catálogo. Esta particularidade possibilitou estabelecer uma
relação dentro do período selecionado, situação esta com que Martins também se deparou em
sua pesquisa.
O catálogo de obras dos dois gabinetes provinciais mais expressivos nas cidades de
Sorocaba e Rio Claro foram produzidos tardiamente no contexto do século XX. A
utilização deles, de forma tardia, se justificou, pois embora a impressão ocorresse já
no século XX, seu conteúdo repetia o acervo legado pelas duas últimas décadas do
século XIX, conforme verificamos nos registros de doações de sócios constantes nas
Atas do Gabinete de Leitura Rio Clarense e Sorocabano61
.
O catálogo de obras do Gabinete de Leitura de Jundiaí tem apenas o registro dos
títulos das obras e dos autores, não há menção à edição ou ao ano de publicação dos livros.
Em sua totalidade são 9.027 obras, divididas entre nacionais e estrangeiras, descritas
manualmente, arroladas em uma ordem numérica sem qualquer divisão por assunto ou área, o
que dificultava sua análise. A tratativa dessa fonte requereu um exame sistemático, detalhado
e de inferência, para que se pudesse compor um quadro que demonstrasse os gêneros literários
e os autores existentes no acervo da biblioteca e, assim, poder compreender o que liam, ou ao
menos, o que poderiam encontrar para ler os sócios e frequentadores da instituição.
O trabalho de dividir, organizar e classificar o acervo da biblioteca possibilitou traçar
uma leitura sobre os gêneros literários e a proporção numérica para cada gênero, criando um
panorama sobre o acervo do Gabinete de Leitura. Dessa divisão em gêneros literários,
emergiram as predominâncias literárias, possivelmente as preferências dos leitores (as).
A partir do século XIX foi desenvolvida por Melvil Dewey (1851–1931), uma
classificação decimal, organizando as áreas do conhecimento humano em dez classes
principais, tendo várias subdivisões em casas decimais, constituindo um sistema numérico e
infinitamente hierárquico, são elas:
61
MARTINS, Ana Luiza. Op. cit. p. 291.
47
Tabela 1 - Classificação Decimal Dewey
Fonte: Elaborado pelo autor
Essa classificação, conhecida como Classificação Decimal Dewey (CDD), passou a
ser utilizada universalmente por bibliotecas, para a organização e a catalogação dos livros62
.
Atualmente a fácil consulta aos livros enfileirados em estantes de inúmeras bibliotecas é
possibilitada em decorrência dessa classificação. Desse modo, realizou-se uma divisão
sistemática, ordenando o desordenado, com o objetivo de alocar as obras nas áreas do
conhecimento segundo a CDD.
A escolha por esse método não foi gratuita. Em abril de 1947, a bibliotecária Ida
Lehner, enviava um oficio aos diretores do Gabinete de Leitura de Jundiaí, contendo a
descrição dos valores que cobraria e dos materiais de que necessitaria para “classificar os
livros por ordem de assunto e arrumação geral dos mesmos por essa classificação”63
. No
ofício, Ida menciona que realizaria esse trabalho a partir da obra de Mevil Dewey, solicitando
inclusive que a obra do autor fosse comprada e constasse no acervo da instituição.
A partir dessa fonte, adotou-se o mesmo modelo de classificação. As obras descritas
nos catálogos foram digitadas numa planilha de Excel, seguindo seu ordenamento inicial,
autor e título da obra, inserindo-se em outro campo o gênero literário. Nessa ação, sites de
busca na internet e bibliotecas on-line foram consultados para localizar os gêneros literários,
pois muitas obras foram produzidas com abordagem ampla de assuntos (romances, ciências,
economia, política) e, portanto, alocam-se em mais de um gênero literário. Desse modo,
62
MILANESI, Luís. Biblioteca. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2013. 63
Ofício de Ilda Lehner, 05-04-1947.
Ordem Numérica Gênero Literário
000 Generalidades
100 Filosofia
200 Religião
300 Ciências Sociais
400 Línguas
500 Ciências Puras
600 Tecnologia
700 Artes
800 Literatura e Retórica
900 História e Geografia
48
privilegiou-se a área de maior produção dos autores. Nessa busca, foi possível identificar as
edições e os anos de publicação de várias obras, muitas dentro do recorte temporal
estabelecido para a pesquisa. Por essa informação não constar no catálogo, não foi possível
afirmar ou sequer supor quais as edições e anos de publicação dos livros descritos no
catálogo. Assim sendo, não se trabalhou com esses dados. Ao término, foram elaborados
gráficos que possibilitaram analisar a composição dos gêneros literários na biblioteca do
Gabinete de Leitura de Jundiaí.
Figura 3 - Recorte do Catálogo de Obras, p. 56.
Fonte: Elaborado pelo autor
Robert Darnton chama a atenção para os perigos de uma história quantitativa e,
portanto, em escala ampla sobre os estudos do livro e da leitura; salienta que as investigações
de acervos, catálogos de bibliotecas e de livrarias, requerentes de uma divisão por gêneros e
classes literárias, ou seja, um modo quantitativo de análise pode, de certo modo, adentrar em
um ordenamento desarranjado, na tentativa de interpretar o mundo social.
Darnton sugere que arrolar livros de forma quantitativa, pode limitar as possibilidades
de análise do historiador, por não abarcar as singularidades do leitor em sua relação com os
livros e em sua prática de leitura. Assim, o historiador propõe uma análise sobre: inventários
pós-morte, registro de compras de livros, registro de consulta ou retirada de livros, que
possibilitar uma análise qualitativa, podendo até mesmo traçar perfis de púbico leitor64
.
64
DARNTON, Robert, O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução, 2010.
49
Para Darnton a análise qualitativa sobre acervos e catálogos de obras evidencia uma
gama de aspectos sobre os leitores e sobre a própria vida humana, na constituição de suas
relações com o universo do impresso. No exame sobre o Catálogo de Obras do Gabinete de
Leitura de Jundiaí a análise quantitativa possibilitou uma interpretação qualitativa, ao
demonstrar a composição dos gêneros literários presente na biblioteca e os indícios sobre as
formas de aquisição desses livros sugerem ainda as preferências dos leitores.
Débora Cristina Bondance Rocha também trabalha em sua pesquisa com a questão
quantitativa, formulando um quadro sinótico da retirada de obras literárias do gênero Belas
Letras, por leitores da Biblioteca Nacional. Os amanuenses da instituição registraram as
consultas realizadas pelos leitores, no período entre 1833-1856, delineando um panorama das
principais obras, datas das retiradas e o período de permanência do leitor com as respectivas
obras, o que possibilita até mesmo a identificação dos leitores, em decorrência de seus nomes
estarem descritos nos livros de registros dos amanuenses. A autora elabora ainda um perfil do
público leitor e suas preferências literárias, autores e gêneros, mesclando a abordagem
quantitativa com a qualitativa65
.
Simone Cristina Mendonça de Souza, por sua vez, trabalha com os catálogos e as
publicações da Impressa Régia, desenvolve um exame minucioso da documentação,
localizando títulos publicados e inventariando as edições. Seu trabalho constituiu um campo
de obras e autores, muitos já esquecidos, mas que circularam nas edições da colônia e até
mesmo ultramar, evidenciando assim, quantitativamente, o circuito livresco da época e os
gêneros mais impressos66
.
Em ambas as pesquisas, as autoras trabalham com o exame de obras, seja através de
catálogos ou por meio do registro às consultas e retiradas de livros, trazendo contribuições
teóricas e metodológicas no tratamento de fontes com catálogos de obras.
A pesquisa não localizou registros de consultas das obras, apesar de este procedimento
ser sido citado nas atas como uma das funções dos bibliotecários do Gabinete de Leitura.
Entretanto, não foi possível a localização desse documento. Segundo o diretor João Borin,
quando do fechamento da instituição, em 1924, muitos papéis e registros foram perdidos ou
deterioraram-se na ocupação do recinto por outras pessoas.
65
ROCHA, Débora Cristina Bondance. Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro: um ambiente para
leitores e leituras de romance (1833-1856). Campinas, 2011. 347 p. Dissertação (Mestrado em Teoria e História
Literária). Unicamp, 2011. 66
SOUZA, Simone Cristina Mendonça de. Primeiras Impressões: romances publicados pela Impressão Régia
do Rio de Janeiro (1808-1822). Campinas, 2007. 158 p. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária)
Unicamp, 2007.
50
Todavia, através dos catálogos e com a menção a compras de livros, por parte da
solicitação dos sócios, conseguiu-se estabelecer um trabalho de ordenamento, classificação,
pesquisa e até mesmo dedução67
, desenvolvendo uma perspectiva de interpretação e de visão
da formação do acervo literário, um acervo que fora formado pelas escolhas dos leitores.
***
A partir das considerações sobre o caminho percorrido para o desenvolvimento
desta pesquisa, optou-se por organizar a análise em 3 capítulos, cujas temáticas centrais
voltam-se para a discussão e interpretação das representações do Gabinete de Leitura de
Jundiaí durante seus primeiros anos.
O capítulo I “O Gabinete de Leitura e suas representações na cidade de Jundiaí”
tem por objetivo analisar a conjuntura que conforma o surgimento do Gabinete de Leitura e
problematizar sua representação em Jundiaí, a partir da sua fundação. O primeiro item “Na
contadoria, o advento de uma ideia”, apresenta a idealização do Gabinete de Leitura, a partir
das ações de seus fundadores. No segundo item “Sociabilidade ferroviária”, se analisam os
vínculos socioculturais que permeavam as relações entre Companhia Paulista e seus
empregados, através da promoção de associações e agremiações, constituindo-se num modo
de socialização dos fundadores e sócios do Gabinete de Leitura. No terceiro item “Um lugar
de leitura se mantém com leitores” se apresenta um quadro das condições financeiras e
materiais da instituição e as dificuldades em mantê-la. No quarto e último item “Para a cidade
um Gabinete de Leitura” buscam-se observar, na cidade de Jundiaí, as transformações
ocorridas com a instalação da ferrovia e como o surgimento do Gabinete de Leitura poderia
simbolizar um espaço para a prática da cultura letrada.
O capítulo II “A prática representa a letra” objetiva problematizar a constituição de
um espaço de letras em Jundiaí por meio das práticas sociais no cotidiano da instituição,
gerando assim, o campo das representações e os sentidos de uma sociedade letrada. No
primeiro item “O projeto educacional: a escola de primeiras letras” problematizam-se a
67
Durante uma entrevista de Roger Chartier concedida a Robert Darnton na ocasião de uma aula inaugural por
ele ministrada no Collège de France em 2007, o historiador, respondendo a questões fez algumas considerações.
Segundo ele, os indícios (fontes) não são obstáculos na construção do processo histórico dentro da história do
livro ou da leitura, são os limites com que o historiador se depara devendo-os reconstruir. Esta reconstrução pode
ser maciça (quantitativa) com uma série de dados, possibilitando o inventariamento da produção. Caso a
reconstrução busque uma história da interpretação ou do uso do livro, não há indícios quantitativos ou
estatísticos que levem para uma conclusão do estudo. Devendo assim, o historiador, buscar os espaços de
interpretação, a hermenêutica da fonte impressa ou manuscrita, não um saber objetivo, mais sim interpretativo.
CHARTIER, Roger; DARNTON, Robert. Entrevista. Revista Matrizes. São Paulo, ano 5, n. 2, p. 159-177, jan.-
jun. 2012.
51
construção da escola e a intenção da diretoria do Gabinete de Leitura de promover a instrução
para os sócios, seus filhos e a população de Jundiaí. No segundo item “O grêmio literário” de
modo síntese mostra-se como os diretores lançaram outras bases para a promoção de uma
cultura letrada. No terceiro item “Homens de letras” por meio das poucas fontes localizadas
sobre a trajetória de vida de alguns membros do Gabinete de Leitura, buscam-se observar, em
suas histórias, as relações por eles estabelecidas e praticadas com a cultura letrada, seus
vínculos com a vida política e intelectual. No quarto e último item “Entre o público e o
privado” se analisa como o poder público, em especial a Câmara Municipal de Jundiaí, possuí
uma presença marcante nas ações desenvolvidas pela diretoria do Gabinete de Leitura e como
interfere em tais ações.
O capítulo III “Da estante à página: A biblioteca do Gabinete de Leitura de
Jundiaí e seu Catálogo de Obras” analisa a constituição do acervo de obras, o crescimento
da biblioteca, sua forma de constituição e divisão por gêneros literários, demonstra-se o que
poderiam ler os sócios e frequentadores do Gabinete de Leitura. O primeiro item “Compondo
um acervo” apresenta a forma de aquisição dos livros pela diretoria do Gabinete de Leitura, a
formação de comissões incumbidas de angariá-los e/ou comprá-los. O segundo item
“ordenando o desordenado” analisa as tentativas de ordenação da biblioteca pela Diretoria,
propõe-se ainda uma lógica de ordenação do acervo. O terceiro item “as preferências de
leitura” apresenta o trabalho de ordenação e de classificação da biblioteca, de acordo com
cada gênero literário, dividido pela CDD. Nesse item, tem-se um panorama das subáreas do
conhecimento e dos autores com o maior número de obras. O quarto e último item “Os livros
de romances: mulheres leitoras?” Promove uma discussão teórica sobre a predominância do
gênero literário romance em relação aos demais gêneros e os possíveis indicativos desses
elementos.
52
CAPÍTULO I – O GABINETE DE LEITURA E SUAS REPRESENTAÇÕES NA
CIDADE DE JUNDIAÍ
Figura 4 - Rua do Rosário, centro da cidade de Jundiaí. Data não localizada.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
53
1.1 Na contadoria, o advento de uma ideia
Foi durante um dia de expediente, na repartição da contadoria da Companhia Paulista,
de Estradas de Ferro, no ano de 1907, entre contas a pagar e a receber, análises de fluxo de
caixa, leituras de escrituras e um ambiente repleto de números, cálculos e finanças, que o
funcionário Benedito de Godoy Ferraz, aos 18 anos de idade, teve uma ideia.
Rapidamente ele a anotou em uma folha de papel. Seu propósito compreendia uma
ação coletiva; para tanto, tratou logo de repassá-la a seus companheiros de trabalho da
contadoria na expectativa de que a aprovassem. O primeiro a receber a folha foi o vizinho de
mesa de Benedito Ferraz, Conrado Augusto Offa, que “leu atentamente, sorriu e assinou”.
Posteriormente foi a vez de Francisco de Andrade, outro colega de trabalho, leu e “assinou
sem hesitar”, seguido ainda por Morivalde Lobo da Costa e outros companheiros como Carlos
Hummel Guimarães, Carlos Mendes do Amaral, Arthur Basílio de Oliveira, João Xavier dias
da Costa, Cassalho Junior e Ignácio Ventania da Costa Wilke68
.
Passada a folha e com a ideia inicial aprovada, logo organizaram uma reunião para
tratarem do assunto então proposto. A reunião ocorreu na casa de Conrado Offa, que,
segundo Benedito Ferraz, “foi quem deu corpo e forma à idéia”69
por ele pensada.
Muitos outros encontros se seguiram para que a ideia despontasse do papel e ganhasse
determinada concretude. Todos os que inicialmente assinaram a folha participaram dos
encontros em que conversavam sobre possibilidades da realização do projeto, levantavam
questões, pensavam e repensavam a ideia. Depois de inúmeras confabulações, o número de
adeptos aumentara significativamente, sendo necessário executar o projeto. O primeiro passo
foi organizar a eleição de uma diretoria, responsável por dar continuidade às ações seguintes.
Com este objetivo, foi convocada uma Assembleia Geral.
No ano de 1908, contando com sessenta e cinco pessoas a Assembleia Geral reuniu-se,
no dia 28 de Abril, às 19h00, na Rua do Rosário, número 153, bem no centro da cidade de
Jundiaí, no estado de São Paulo. Na ocasião, abriu-se um livro de atas para que fossem
registradas as reuniões.
A primeira ata destaca a eleição para uma diretoria provisória, quando foram eleitos os
senhores Conrado Augusto Offa (Presidente); Arthur Basílio de Oliveira (Vice – Presidente);
Carlos Hummel Guimarães (1o Secretário); Benedito de Godoy Ferraz (2
o Secretário); Manoel
Martins de Azevedo (Orador); Ignácio Ventania da Costa Wilke (Tesoureiro) e João Xavier
68
TOMANIK, Geraldo B. Os Traços, as fotos e a história. Jundiaí, São Paulo: Literarte, 2005, p. 168. 69
Ibidem, p. 169.
54
Dias da Costa (Bibliotecário). Compondo-se assim a diretoria, foram definidas as tarefas
atribuídas a cada cargo da “sociedade”, termo que aparece no registro da reunião70
. Em
seguida, foi eleita uma comissão, que teria a incumbência de elaborar os estatutos e
regimentos internos para essa autodenominada sociedade.
Para integrar a comissão, foram escolhidos: Conrado Augusto Offa, Thomaz da
Silveira, George L. S. e João Xavier Dias da Costa.
A folha inicialmente passada por Benedito Ferraz aos seus companheiros de trabalho
trazia escrito, em seu alto, “Lista dos que apóiam o plano de fundação de um centro literário
em Jundiahy”. O gosto pela literatura era partilhado por praticamente todos os funcionários da
contadoria. Versos e poesias eram escritos e lidos durante o expediente. Contudo, Benedito
Ferraz, salienta que não possuía tanta vocação para as letras, pois, segundo ele, era mais uma
derivação. Ao contrário de seus colegas e amigos, não lhe foi possível seguir os estudos
acadêmicos em São Paulo71
. Possivelmente essa falta o motivou a criar um espaço destinado
às letras na cidade de Jundiaí. Como foi proposto inicialmente, o projeto seria um centro
literário; dessa forma, poderiam “organizar uma biblioteca, ler, escrever, falar e aprender”72
.
Os demais funcionários partilhavam o mesmo propósito. Francisco de Andrade
possuía um irmão poeta, falava sempre com veemência sobre ele aos demais companheiros da
contadoria. Ele mesmo, sempre que podia, escrevia seus versos e os dava a Benedito Ferraz,
para que fossem lidos. Morivalde da Costa, por sua vez, de acordo com Benedito Ferraz, era
um dos homens mais cultos da contadoria, pois não somente era o autor de poemas admirados
por todos os que liam, como também estimulava os próprios companheiros da contadoria para
o exercício de se expressarem por meio das letras versadas. O ambiente letrado e humanístico,
onde o gosto pelas letras estava presente, não se limitava às dependências da contadoria, mas
também, segundo Benedito Ferraz, era percebido no cotidiano dos jovens da cidade de
Jundiaí. Em suas palavras “os rapazes apreciavam a arte, o jogo da inteligência, escreviam
contos, sonetos, faziam discursos e aprimoravam a arte fina do trocadilho e dos ditos
humorísticos”73
.
O fato é que a ideia de criação de um centro literário foi se concretizando e, após
várias reuniões de Assembleias Gerais, foi instalado o Gabinete de Leitura de Jundiaí.
No dia 21 de Junho de 1908, em uma nova reunião, os estatutos dessa sociedade foram
aprovados. A ata de reunião desse dia registrava, “O Gabinete de Leitura de Jundiahy,
70
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral, 28.04.1908, p.1. 71
TOMANIK, Geraldo B. Op. cit., p. 169. 72
Ibidem, p. 168. 73
Idem.
55
fundado em 28 de Abril de 1908, é uma associação de indivíduos sem diferença de sexo,
nacionalidade, religião e sem limitação de tempo e número”74
.
Entre as finalidades da sociedade estavam: “1° manter uma bibliotheca para uso
exclusivo dos associados; 2° crear escolas de instrução primária e secundária para os
associados e seus filhos, e 3° promover conferencias essencialmente litterarias e também
cerimoniais”75
. Os sócios seriam os fundadores da instituição e os futuros membros que
desejassem se associar, sendo divididos em duas categorias: sócios contribuintes, “os que
concordassem com a jóia e as mensalidades determinadas por estatuto” e os sócios benfeitores
“os que prestarem relevantes serviços ou fizerem donativos à sociedade”76
. A joia tinha o
valor em estabelecido em 5$000 (cinco mil réis) e a mensalidade 2$000 (dois mil réis)77
.
Os estatutos ainda estabeleciam que os sócios contribuintes tivessem como obrigação
“cumprir as disposições contidas no regulamento”78
o que não era pouco, pois os estatutos
estavam organizados em 13 capítulos, contendo 41 artigos com a discriminação dos direitos e
dos deveres de todos os membros da sociedade, porém em maior proporção para a categoria
de sócio contribuinte.
Entre os deveres de todos constavam: comparecer às reuniões de Assembleia Geral e
tomar posse de suas deliberações; aceitarem cargos e/ou comissões para os quais fossem
eleitos ou nomeados; cooperar com a sociedade e oficializar, junto ao presidente sua saída,
caso não desejasse mais ser sócio contribuinte. Sobre os direitos, poderiam propor e discutir,
em Assembleia Geral, decisões da diretoria ou questões de interesse à sociedade; votarem e
ser votados para a eleição de cargos e recorrer ao presidente da Assembleia Geral, contra
ações prejudiciais do presidente do Gabinete de Leitura, conjuntamente com um número
mínimo de 10 sócios79
.
Os sócios benfeitores não poderiam votar ou serem votados para a eleição de cargos e
sua nomeação, na condição de benfeitor, deveria ser posta em pauta em Assembleia Geral ou
de Diretoria, por meio de um relatório detalhado da ação benfeitora, realizada pelo candidato
à nomeação de sócio benfeitor.
74
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral, 21.06.1908, p. 2. 75
Idem. 76
Ibidem, p. 3. 77
O salário mínimo pago para um funcionário de escritório da Companhia Paulista, segundo a historiadora Ana
Lúcia Duarte Lanna, em consulta aos prontuários dos funcionários, era da de 120$000 réis. Portanto, para termos
um parâmetro, a joia cobrada pelo Gabinete de Leitura correspondia a 4% deste salário e as mensalidades 2%.
Contudo, os prontuários indicam promoções com aumentos salariais durante a carreira do funcionário, desse
modo, temos que considerar variações. Os salários dos funcionários das oficinas e armazéns variavam entre
70$000 réis, portanto, 7% joia e 3% mensalidades e 100$000 réis, 5% joia e 2% mensalidades. 78
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral, 21.06.1908, p. 2. 79
Ibidem, p. 4.
56
Anualmente também seria eleita uma diretoria incumbida de gerir as questões
financeiras e administrativas da sociedade. Entre as atribuições desse conselho estavam
representar a sociedade; fazer cumprir os estatutos aprovados em assembleia; nomear
bibliotecários; contratar professores e demais empregados que se fizessem necessários à
sociedade, devendo a diretoria acompanhar suas atribuições e desempenho, demitindo-os em
caso de falta grave; zelar pela organização interna; convocar assembleias extraordinárias
sempre que necessário e dela receber as propostas discutidas e aprovadas; comprar livros
indicados por uma comissão formada em assembleia e entregar, ao final do ano e de sua
administração, um relatório minucioso com um balanço da instituição80
.
Apenas o cargo de bibliotecário seria ocupado através de uma nomeação realizada por
um conselho fiscal, composto por três pessoas pertencentes à diretoria. Entre as suas
atribuições estavam o registro da entrada e retirada de livros; a apresentação de um relatório,
ao final de cada ano, à diretoria, sobre as condições da biblioteca; o registro das obras mais
procuradas pelos sócios e posterior relatório, à diretoria, sobre essa demanda; e o registro de
todas as compras de livros.
Os livros poderiam ser emprestados aos sócios, que, por sua vez, deveriam devolvê-los
no prazo máximo de 10 dias. Em caso de não devolução ou perda, o sócio deveria ressarcir a
importância financeira do livro em questão à biblioteca81
.
Segundo os estatutos da sociedade, a receita auferida com a verba das mensalidades e
possíveis donativos seria destinada ao pagamento das contas que “deveriam ser pagas
mensalmente e, havendo saldo, 20% seriam destinados a um fundo reserva e o restante
utilizado para a compra de livros”82
. A eleição para nova diretoria ocorreria sempre em
Assembleia Geral, com oito dias de antecedência para o término de administração da diretoria
vigente, não excedendo o primeiro domingo do mês de janeiro de cada ano. Para realizar a
assembleia era necessária a presença da metade dos sócios contribuintes.
Os sócios poderiam ser penalizados pela diretoria da sociedade, nos seguintes casos:
por não pagamento das mensalidades; por não obediência ao estatuto vigente; por desacato a
qualquer membro (diretoria, sócios, empregados ou visitantes) nas dependências do Gabinete
de Leitura; por desvio de qualquer verba destinada à sociedade; por retirada de livros sem
devolução no prazo estabelecido e por deterioração do patrimônio físico83
. Dentre as
penalidades, encontra-se descrita somente à expulsão pelo não pagamento da mensalidade
80
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral, 21.06.1908, p. 4. 81
Ibidem, p. 6. 82
Idem. 83
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral, 21.06.1908, p. 6.
57
durante três meses consecutivos, mas que poderia ser revogada, caso fosse comunicado por
escrito à diretoria o motivo do não pagamento.
Descritas todas as normas e o estatuto então aprovado em Assembleia Geral, as
atividades do Gabinete de Leitura de Jundiaí se iniciaram, mantendo-se a diretoria provisória
eleita na primeira reunião. A eleição para uma nova diretoria ocorreu somente em Janeiro de
1909. O número inicial de sócios contribuintes do Gabinete de Leitura era de setenta e sete,
doze a mais, em relação aos que assinaram a primeira ata de reunião.
Um mês após a abertura, em junho de 1908, era lançado, na imprensa local, pela
própria instituição, um jornal noticioso dos objetivos e das atividades, intitulado “O
Gabinete”, anunciando o que tencionavam:
Surge na arena da publicidade O Gabinete, jornal literário e noticioso, consagrado
aos interesses da esperançosa associação que lhe empresta o nome. Consiste o seu
programa em pregar pelo desenvolvimento do Gabinete de Leitura, instituição que
felizmente, para o bom renome desta terra, tem merecido applausos das pessoas
cultas. Vem elle proporcionar aos habitantes de Jundiahy, na sua quase totalidade,
composta de operários, não só os livros com que possam augmentar a somma de
conhecimentos que possuem como também um centro de agradável e proveitosa
diversão.
A verdade contida no velho adágio – nunca é tarde para se aprender, é incontestável.
Em Samuel Smiles (escritor britânico) vemos entre muitas notabilidades que
iniciaram seus estudos em idade avançada, Franklin o notável physico e Boccaccio,
o apreciado literato.
Mesmo entre nós, dentre outros, dois exemplos belíssimos: um professor publico,
contando mais de trinta e cinco anos de idade, inicia agora seus estudos na
Faculdade de Direito em São Paulo e outro vae fazer exame perante um
estabelecimento de ensino superior afim de diplomar-se.
Se outros não fazem o mesmo é por que o seu pequeno ordenado não o permitte. O
gabinete a esses ávidos de saber proporcionará os competentes livros, lacuna essa
lamentada e que elle vem preencher. Um bravo aos propugnadores de tão elevado
ideal e farta messe de felicidade ao seu orgam de propaganda – “O Gabinete”. S.N.84
O impresso de cunho “literário e noticioso” não teve longa duração85
·. De efêmera
atuação, a divulgação das atividades realizadas internamente fazia-se pela frequentação ao
local, através de comunicados apregoados nas paredes do salão social ou por meio de
circulares, limitando a comunicação extramuros.
Com o passar dos dias, os membros da instituição recém-criada buscaram praticar as
ações propostas em reuniões e no estatuto, angariar um maior número de sócios contribuintes;
84
Jornal, O Gabinete: Orgam do Gabinete de Leitura Jundiahyense. Anno I, N° 1. p.1. 85
Em consulta ao acervo de documentos do Gabinete de Leitura de Jundiaí se localiza apenas a primeira edição
do jornal O Gabinete. Em pesquisas anteriormente realizadas pela atual diretoria foi localizada uma edição do
ano de 1970, dentro da mesma linha editorial, “literária e noticiosa”. Percorreram-se ainda outros caminhos, no
Centro de Memória de Jundiaí e na Biblioteca Municipal, na tentativa de localizar edições das décadas de 1910 e
1920, entretanto sem êxito.
58
ampliar o acervo de livros e tornar o Gabinete de Leitura um espaço de cultura e de
sociabilidade livresca, tarefas essas que não eram tão simples.
1.2 Um lugar de leitura se mantém com leitores
A lei 1.803, posteriormente modificada pelo decreto 2.711, ambas do ano de 1860,
assegurava a autorização legal para a criação de sociedades anônimas durante Império. No
decreto lei, eram estabelecidos os procedimentos para organização dessas sociedades, cujas
naturezas poderiam ser das mais variadas (científicas, beneficentes, recreativas, religiosas,
entre outras.). Esses procedimentos foram alterados com a lei 3.150 de 188286
e, a partir do
advento da República, a lei 164 de 1890, estabelecia os novos moldes para a criação de
“companhias ou sociedades anônimas, civis ou comerciais”, sem a necessidade de autorização
do governo republicano.
Todavia, para que a sociedade pudesse funcionar e se constituir como pessoa jurídica,
deveria ter estatutos; uma lista nominativa dos subscritores com a descrição da entrada
financeira de cada um; uma certidão de depósito do capital em um banco; uma ata de
instalação de assembleia geral e a nomeação dos administradores da instituição. Esses
documentos deveriam ser encaminhados à Junta Comercial da cidade, onde a sociedade
possuísse sede, para assim receber seu registro jurídico.
A lei ainda determinava que os estatutos fossem publicados em um jornal local da
cidade ou no jornal da cidade mais próxima e que se reproduzissem posteriormente como
publicação no diário oficial do respectivo Estado87
. As prescrições do poder público
certamente foram seguidas pela diretoria do Gabinete de Leitura, apesar de as atas produzidas
em 1908, não fazerem menção ao cumprimento das respectivas disposições legais. Somente
em ata de reunião da diretoria, em dezembro de 1911, quando ocorreram reformulações no
estatuto da sociedade, a diretoria solicita a publicação do novo estatuto nos jornais locais de
Jundiaí, “mantendo os efeitos legaes”88
, portanto, seguindo as regulamentações.
86
JESUS, Ronaldo Pereira de. Associativismo no Brasil do século XIX: repertório crítico dos registros de
sociedades no Conselho de Estado 1860-1889. Disponível em: http://www.ufjf.br/locus/files/2010/02/74.pdf>
Acesso em: 28, jun. 2015, p. 144-170. 87
Em consulta as publicações do Diário Oficial do Estado de São Paulo no ano de 1908, através do site:
<http://www.jusbrasil.com.br/diarios/DOSP/1908/> não se localizou menção a fundação do Gabinete de Leitura
de Jundiaí. Os jornais locais da cidade ou de Campinas poderiam ter publicado os estatutos, porém, a pesquisa
não teve acesso a essas publicações. 88
Livro de Registro de Reunião da Diretoria, 09.12.1911, p. 30.
59
A sede inaugural do Gabinete de Leitura era alugada, localizava-se na Rua Barão de
Jundiaí, número 69, no centro da cidade, próximo ao local onde ocorreram as reuniões para a
sua fundação. O valor do aluguel não é registrado nas atas de reuniões. Seu horário de
funcionamento era das 07h00 às 21h00, todos os dias da semana. Em feriados e dias
santificados, funcionava das 10h00 às 16h00
Sobre seu espaço físico, as atas mencionam que as instalações não eram tão
apropriadas às finalidades pretendidas; dificultavam a organização e as formas de utilização e
acomodação, não somente dos sócios, como também do próprio mobiliário e demais objetos
ornamentais, em específico no tocante à biblioteca, que precisava de um amplo espaço físico
para sua disposição, muito em virtude da atuação das comissões formadas para a compra de
livros, que consideravam necessárias “novas armações, visto como as existentes eram
pequenas e não comportavam os volumes existentes”89
, já que o número de volumes crescia
constantemente.
Novas armações requeriam também um espaço maior. Assim, o aluguel e as
adequações da materialidade à espacialidade, recaíam sobre gastos financeiros.
Conjuntamente com outras despesas fixas como água e luz, também mencionadas em atas,
mas, cujos valores não são descritos.
Analisando as atas de reuniões da diretoria, durante o primeiro ano, a partir da
administração diretiva de Conrado Offa (Presidente); Carlos Guimarães (Vice-Presidente);
George L. S. (1° Secretário) e Benedito Ferraz (2° Secretário) têm-se descritas algumas
dificuldades para a manutenção da sociedade, pois seguidamente, ocorriam algumas perdas no
quadro societário. Mendes do Amaral, Antônio Marcondes e Serafim Martins, foram alguns
dos sócios que não pagaram as joias e mensalidades, portanto, “não satisfizeram o exigido
pelo parágrafo 1º do artigo 5º (deveres dos sócios), previsto em estatuto”90
. Outros como,
Manuel Marcondes e Benedito Honorato dos Santos apenas acabaram por contribuir com a
fundação do Gabinete de Leitura, todavia, não desejavam permanecerem como sócios.
Além desses, e por motivos diversos, outros sócios também declinaram de suas
participações e contribuições financeiras junto ao Gabinete de Leitura. Ao término do
primeiro ano, 21 associados deixaram a instituição. Contudo, mantinha-se um crescimento
gradual com a entrada de novos sócios.
Entretanto, era justamente a constante saída e a posterior entrada de sócios, que
ocasionava oscilações, não somente no quadro social como também no quadro financeiro, que
89
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral, 14.08.1909, p. 9. 90
Ibidem, 15.01.1909, p. 7.
60
em seus primeiros passos, ainda ansiava por uma estabilidade. Os proventos para a
manutenção da sociedade eram oriundos das mensalidades pagas pelos sócios contribuintes ou
por meio de doações realizadas por benfeitores, portanto, qualquer subtração, incidia
diretamente na tesouraria e na administração da instituição.
As mensalidades auferidas, entre 1908 e 1909, organizadas nos gráficos abaixo,
apresentam as variações dos valores de um mês para o outro, em constantes acréscimos e
decréscimos, seguindo a própria entrada e saída de sócios.
Gráfico 1 - Valores auferidos com as mensalidades em 1908 (mil-réis)
Fonte: Elaborado pelo autor baseado no Livro de Registro de Sócios Contribuintes
Gráfico 2 - Valores auferidos com as mensalidades em 1909 (mil-réis)
Fonte: Elaborado pelo autor baseado no Livro de Registro de Sócios Contribuintes
Essa situação notadamente causava contratempos a serem superados pela diretoria,
tornando-se pauta das reuniões. A diretoria deveria tratar de todas as pendências dos sócios,
os que contribuíram apenas no mês de nascimento da instituição, os que não pagavam no
224.000
174.000
90.000
70.000 66.00054.000 56.000 60.000
Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
66.000
86.000
46.000
118.000
76.000
96.00094.000
90.000
94.00092.000
166.000
122.000
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
61
decorrer dos meses subsequentes e os que simplesmente não mais desejavam ser sócios. Os
reflexos dessas dificuldades eram sentidos nas receitas financeiras do período.
Em fevereiro de 1909, visando a solucionar esses problemas e ademais questões de
ordem financeira, o sócio, Ignácio Wilke, durante uma Assembleia Geral, propôs que a joia,
no valor de 5$000 (cinco mil réis), paga no ato da entrada, pelos que desejassem se associar
deixasse de ser cobrada, como forma de diminuir os custos de associação e, assim, poderem
angariar um maior número de sócios. Posta em votação, sua ideia fora aprovada por todos os
membros presentes na assembleia e, em sequência colocada em prática.
Nas atas de reuniões posteriores, não há nenhuma menção quanto à eficácia dessa
ação, mas seguramente surtiu efeitos positivos, pois acompanhando o número de sócios
contribuintes, nos anos que se seguiram, verifica-se uma estabilidade e até mesmo o
crescimento em determinados períodos, como nos anos de 1913, 1914 e 1917, uma vez que a
joia deixara de ser cobrada permanentemente.
No gráfico que segue, pode se observar esse movimento, atentando-se que, para o ano
de 1915, não há o registro da quantidade de sócios existentes.
Gráfico 3 - Quantidade de sócios contribuintes (1908-1917)
Fonte: Elaborado pelo autor baseado no Livro de Registro de Sócios Contribuintes
Havia ainda os que faziam doações financeiras e/ou materiais e acabavam por auxiliar
economicamente; entravam para a instituição na condição de sócios benfeitores, guardadas as
devidas restrições, previstas em estatutos. Em janeiro de 1909, o sócio Alfredo Elias doou
“mobiliários para auxiliar na composição do patrimônio físico da sociedade”91
.
91
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral, 15.01.1909, p. 7.
77
105
132 134121
156
209
156
245
1908 1909 1910 1911 1912 1913 1914 1916 1917
62
A partir do segundo semestre de 1909, além das doações, tiveram início as subvenções
concedidas ao Gabinete de Leitura pela Câmara Municipal de Jundiaí, através da figura do Dr.
Eloy Chaves (1875-1964), então vereador, que passava a designar valores anuais,
aproximadamente 20$000 (vinte mil réis), para contribuir com as finanças da instituição e
passava a atuar nas esferas políticas, municipal e estadual, para a concessão de futuras e
maiores subvenções.
Em junho do respectivo ano, em ata de Assembleia Geral, “declarou-se o senhor
presidente [Conrado Offa] que tinha recebido da Câmara Municipal de Jundiaí, a primeira
prestação da subvenção dada pela mesma Câmara ao Gabinete”92
e, meses depois o 1°
secretário, George L. S., registrava em ata que:
O senhor presidente aproveitava-se desta oportunidade para fazer lembrar a casa o
interesse que tem tido o ilustrado Dr. Eloy Chaves pela nossa associação,
trabalhando e prol do seu desenvolvimento, facto esse comprovado pela subvenção
que nos auxilia a Câmara Municipal devido à intervenção do referido Dr. Eloy
Chaves, ainda mais, trabalhando agora activamente para que nos seja dada
subvenção do Governo Estadual, era, pois muito justo que, em sinal de gratidão por
todos esses benefícios em favor do Gabinete de Leitura, e usando da prerrogativa
que confere aos sócios da Directoria do parágrafo 2º do artigo 3º se pedisse para o
mesmo Dr. Eloy Chaves, em assembléia geral, próxima a realizar-se, o título de
sócio benfeitor dessa associação93
.
Esse auxílio era favorável à situação financeira do Gabinete de Leitura, a partir dos
recursos cedidos pelo poder público e tornava mais fácil a gestão e o acompanhamento dos
projetos e das demais atividades da instituição.
Os anos de 1910 e 1911 apresentaram crescimento econômico. A receita oriunda das
mensalidades aumentara, com a entrada de mais sócios, compondo um quadro financeiro
menos oscilante, o que se pode observar nos gráficos a seguir. Doações e subvenções, quando
recebidas, estabilizavam ainda mais esse quadro.
92
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral, 12.06.1909, p. 9. 93
Ibidem, 12.11.1909, p. 9.
63
Gráfico 4 - Valores auferidos com as mensalidades em 1910 (mil-réis)
Fonte: Elaborado pelo autor baseado no Livro de Registro de Sócios Contribuintes
Gráfico 5 - Valores auferidos com as mensalidades em 1911 (mil-réis)
Fonte: Elaborado pelo autor baseado no Livro de Registro de Sócios Contribuintes
A questão de a primeira adversidade ser de ordem econômica configura-se em um
quadro natural, levando-se em consideração que o Gabinete de Leitura acabara de iniciar suas
atividades. Sua consolidação e estabilidade financeira possivelmente se dariam com o tempo
e, com o incentivo da Câmara Municipal, a diretoria eleita para o exercício de 1910, pôde
traçar suas ações, tendo como objetivo outras prioridades, dentre elas,a maior inserção da
instituição no campo social.
158.000
144.000
158.000
150.000
160.000
186.000
124.000
130.000
190.000
204.000
148.000
186.000
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
134.000
164.000
121.000128.000
116.500
135.000
156.000
130.000
117.000121.000
118.000
134.000
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
64
No período entre 1910 e 1914, nas atas de reuniões de diretoria94
, nota-se que os
assuntos tratados de modo recorrente abordavam questões internas, mas que visavam a
aspectos externos ao Gabinete de Leitura, como a compra de livros para a biblioteca e para o
aumento do acervo; alterações no horário de funcionamento; autorização para entrada de não
sócios contribuintes à instituição e a utilização dos livros por eles; a contratação de dois
funcionários, um para a vigilância e organização interna das dependências e do patrimônio
material e outro para atuar no projeto educacional da sociedade. Essas ações fazem parte da
reforma do estatuto de 1911.
Desse modo, percebe-se que a busca pelo crescimento do quadro societário e a
melhora na forma de atuação e interação frente à sociedade jundiaiense, de acordo com o
próprio estatuto, tornava-se indispensável, no intento de um contínuo desenvolvimento.
“Um espaço destinado à leitura se mantém com livros e leitores”95
. Nessa perspectiva,
o Gabinete de Leitura, ao término do ano de 1909, praticava algumas ações restritivas, como
pagamento de mensalidades, obrigatório até então para a frequentação do local e para o uso
dos livros; limitação de sócios, que, em sua maioria eram os mesmos que participaram da
fundação e a própria ausência de ações que inserissem, cada vez mais, pessoas ao cotidiano da
instituição, desvencilhando-a de qualquer conotação estrita.
Para o crescimento da sociedade, não bastava simplesmente estar localizado na região
central da cidade, onde havia grande movimento e circulação de pessoas, que pudesse
despertar o interesse dos que ali passassem, a ponto de entrarem e se associarem. Certamente,
poucos possuíam os necessários recursos financeiros e a suficiente intimidade com os livros,
indispensáveis ao ato de associar-se.
Além de se abrirem as portas do Gabinete de Leitura, outras formas de aproximar os
mais diferentes grupos dos quadros sociais precisavam ser praticadas, para assegurar a
manutenção material, por meio de novas mensalidades e oferecer um encontro com os livros
aos novos associados.
94
Para esse período somam-se um total de 35 atas de reuniões, com uma média de 7 atas para cada ano. 95
CASTILLO, Gómez Antônio. Livros e leitores na Espanha do século de ouro. Cotia, SP: Ateliê Editorial,
2014, p. 84.
65
1.3 Sociabilidade ferroviária
A criação do Gabinete de Leitura de Jundiaí possui forte relação com o modo de
sociabilidade dos funcionários da Companhia Paulista. Benedito Ferraz e demais
companheiros de trabalho eram empregados da empresa.
De grande importância para a economia estadual, a empresa de transportes ferroviários
era vista, conforme aponta a bibliografia como “símbolo do progresso e do desenvolvimento,
econômico e social de Jundiaí”96
.
As principais instalações da companhia, oficinas, armazéns e escritórios, ficavam na
cidade de Campinas. Após uma epidemia de febre amarela na região, ocorrida em 1892, as
instalações foram transferidas para Jundiaí. Uma cidade pequena em relação à Campinas,
porém de participação ativa no setor ferroviário, possuía estações e linhas férreas que
constituíam grandes ramais, como os que interligavam a cidade ao porto de Santos, através da
São Paulo Railway Company, fundada em 1867, e demais cidades interioranas, como as
Companhias Soracabana, Mogiana e Ituana de Estradas de Ferro, fundadas em 1870, 1872 e
1873, respectivamente.
Conrado Offa era funcionário da companhia desde 1892, ainda na cidade de Porto
Ferreira. Transferiu-se, no ano de 1900, para a sede de Jundiaí, quando recebera uma
promoção ao cargo de contador, função que exerceu na empresa até junho de 1925, quando se
aposentou97
.
Morivalde Costa foi admitido em 1893, na função de escriturário da contadoria.
Trabalhou na Companhia até 1900, quando foi demitido, mas sendo posteriormente
readmitido, em 1901. A partir de então, exerceu diferentes funções como ajudante de chefe
interino e posteriormente como chefe de arquivo, até sua aposentadoria no ano de 192898
.
Tibúrcio Siqueira iniciou suas atividades na Companhia Paulista, em 1896, trabalhou
até o ano de 1926, passou por três promoções em sua trajetória profissional, exercendo as
funções de escriturário, sub-auxiliar e auxiliar99
.
Muitos outros sócios do Gabinete de Leitura eram também funcionários da Companhia
Paulista, como Sebastião Gonçalves Dias, Abel Fraga, José Honorato de Lima, Carlos
Guimarães e João Xavier Dias da Costa. O vínculo empregatício com a empresa ferroviária
96
DEBES, Célio. A Caminho do Oeste: História da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. São Paulo:
Edição Comemorativa de Fundação da Cia Paulista, 1968, p. 22. 97
Ficha 929. Caixa n° CP 75.4-166. Prontuário 2019. 98
Ficha 52. Caixa n° CP 75. 4-84. Prontuário 1686. 99
Ficha 438. Caixa n° CP 75.4-90. Prontuário 1746.
66
não era condição para se tornar membro do Gabinete de Leitura, bastava associar-se e cumprir
com as obrigações dispostas no estatuto, mas, certamente, o surgimento da instituição, entre
os trabalhadores do setor ferroviário, a princípio, acabava por delimitar o círculo social.
Examinando a lista de nomes dos sócios contribuintes nos anos iniciais, entre 1908 e 1911,
averigua-se que 84% eram empregados da Companhia Paulista100
.
Jundiaí tinha uma população de aproximadamente 12.000 habitantes, em 1890. A
empresa ferroviária empregava uma importante parcela da força de trabalho da região, gerava
empregos diretos e até mesmo indiretos, como a terceirização de algumas atividades de
soldagem e serralheria para as oficinas e armazéns.
Outro importante setor empregador na cidade era o têxtil, característico das nascentes
indústrias tecelãs e do processo da industrialização brasileira, ao final do século XIX.
Localizavam-se na região as indústrias: Companhia de Fiação e Tecidos São Bento, atuando
desde 1874, a Fábrica de Tecidos Japy e a Sociedade Industrial Jundiaiense, posteriormente
denominada de Argos Industrial, ambas fundadas em 1913. Juntas, “as três empresas
empregavam, aproximadamente 2.000 pessoas”101
.
A despeito da grandeza do setor têxtil, é no setor ferroviário, que se pode melhor notar
a presença do progresso. É marcante a atuação da Companhia Paulista, conjuntamente com
seus empregados, na criação de instituições socioculturais em Jundiaí. Para além das relações
internas entre empregadora e empregados, a empresa ferroviária, interligava o trabalho, ao
lazer e à família. Construía relações extramuros ao universo do trabalho. Estabelecia
mecanismos e formas de ordenação da sua força de trabalho por meio da sociabilidade.
Em 1900, antes do surgimento do Gabinete de Leitura, Tibúrcio Siqueira, Arthur
Oliveira, Carlos Guimarães e Conrado Offa, em conjunto com outros grupos de ferroviários,
participaram da criação do Grêmio Recreativo dos Funcionários da Companhia Paulista de
Estradas de Ferro, comumente batizado de Grêmio C.P.
Essa iniciativa assinalava o princípio de instituições socioculturais, que tinham por
caráter associar os trabalhadores e seus familiares numa convenção de eventos recreativos e
festivos, criando um espaço voltado para o lazer de seus associados, onde, mesmo em
momentos de distração, estavam sob o assentimento e a ordenação da Companhia Paulista,
100
Esse exame foi possível através do cruzamento de informações entre a base de dados desenvolvida por Ana
Lanna, em consulta a 2.000 prontuários de funcionários da Companhia Paulista, entre e a lista de nomes no Livro
de Registro de Sócios Contribuintes do Gabinete de Leitura, contendo 134 associados, até 1911. Desse total, 112,
possuíam prontuários como funcionários da Companhia Paulista. 101
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias, Cidades e Trabalhadores (1870-1920), p. 138.
67
que, por sua vez, estimulava a existência desses “meios”, que ligavam os trabalhadores à suas
normatizações.
O próprio diretor geral da companhia, o Major Gustavo Storch, de origem alemã, fora,
presidente eleito do Grêmio C.P., entre 1900-1928. Na noite do dia 15 de Novembro de 1900,
na Rua Barão de Jundiaí, no palacete do Coronel Leme da Fonseca, realizou-se uma
celebração em comemoração ao surgimento da instituição, a primeira originada no pilar da
ferrovia. “A frequentação às atividades do grêmio era autorizada somente para os funcionários
da empresa e seus familiares, bailes e soirées, com jantares dançantes, eram as grandes
atrações, conjuntamente com os almoços realizados aos domingos”102
.
Figura 5 - Sede atual do Grêmio C.P., localizado na Rua Rangel Pestana, no centro de Jundiaí.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
.
102
TOMANIK, Geraldo B. Op. cit., p. 176.
68
Figura 6 - Programa de uma Soriée do Grêmio C.P., realizada em 1915.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
Para a historiadora Liliana Segnini, a participação da Companhia Paulista na criação
de associações e agremiações que congregavam seus empregados em circunstâncias fora do
ambiente de trabalho correspondia ao próprio panorama das transformações ocasionadas pela
mudança da mão de obra escrava para a livre e assalariada, no começo do século XX.
Segundo a autora, “O capital percebeu, então, a necessidade de acrescentar novos
69
instrumentos que garantissem a continuidade da exploração da mão de obra ferroviária”103
. E
os mecanismos adotados, visando a obter o crescimento produtivo e o controle sobre os
funcionários, pela Paulista, não foram poucos.
A empresa possuía estações em diversas cidades do interior paulista (Campinas,
Americana, Limeira, Rio Claro, São Carlos, Araraquara, Sorocaba, Descalvado, Bebedouro,
dentre outras). Jundiaí era um importante eixo ferroviário dentro dessa ramificação, ponto de
entroncamento e passagem para as demais regiões.
Eram necessários muitos braços e mecanismos, para exercer o controle sobre toda a
força de trabalho existente nos diferentes espaços, exigindo assim, e diversas medidas que
visassem não apenas ao crescente lucro da empresa de transportes, como também, da própria
economia nacional agroexportadora. Desse modo, “o paternalismo, começou a ser introduzido
na Companhia Paulista”104
.
De acordo com Segnini, as relações entre patrões e empregados passavam a ser regidas
pelos mesmos preceitos da vida familiar. Se na esfera doméstica, o pai tomava as decisões
concernentes à sua autoridade; na esfera do trabalho, a empresa, exercendo o paternalismo,
decidia sobre questões referentes à “família ferroviária”.
Essa estratégia pode ser observada nas ações desenvolvidas pela Companhia Paulista,
que em muito excediam o campo do trabalho, estendendo-se às instâncias da vida privada de
seus empregados, organizando e/ou participando da criação de espaços voltados à recreação,
ao convívio e aos encontros de lazer da sua força de trabalho, constituindo um modo de
sociabilidade, entendida aqui, segunda a definição de Julia O’Donnell, como “construção de
relações que sustentam o processo social como um todo, um exercício, fruto de um contexto,
feito de novos espaços e idéias, constituindo-se como prática” 105
.
Dentre as demais instituições criadas a partir do tronco ferroviário, destaca-se a Escola
de Aprendizes, fundada em 1901, que tinha por função preparar mão de obra para o trabalho
na ferrovia, assegurando trabalhadores futuros, condizentes com os ideais da organização106
.
A escola certamente fundamentava o início das relações, que ligavam “trabalho e família”.
103
SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli. Ferrovia e ferroviários: uma contribuição para a análise do poder
disciplinar na empresa. São Paulo: Autores Associados; Cortez, 1982, p. 42 104
Idem. 105
O’Donnell, Julia. De olho na rua: a cidade de João do Rio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008, p. 59. 106
“A escola procurava sanar dois problemas, contraditórios entre si. O crescimento da ferrovia implicava a
necessidade de mão-de-obra (...). Mas essa mão-de-obra era, por contingência da época, recrutada entre
imigrantes. Estes apresentavam um grau relevante de conscientização quanto à problemática relação capital-
trabalho, já que conviviam com ela há muito tempo em seus países de origem. Portanto, em inúmeras ocasiões,
eram “incômodos” para a organização, tendo sido marcados como “anarquistas” inúmeras vezes”. SEGNINI,
Liliana Rolfsen Petrilli. Op. cit., p. 46.
70
De acordo com Ana Lanna, essa “relação” iniciava-se cedo, no vínculo entre pais e
filhos, pois tão logo os filhos entravam na adolescência, eram levados para o trabalho na
ferrovia, seguindo os passos dos pais.
Uma parcela significativa dos trabalhadores entra para a Paulista na condição de
praticante ou trabalhador e trabalha durante alguns meses sem receber salário. A
maioria destes casos é de jovens na faixa dos treze aos quinze anos e que trabalharão
os próximos 40 anos de suas vidas na ferrovia. Constituem aquela geração dos
ferroviários, orgulhosos de sua vida profissional, que empregarão seus filhos nas
ferrovias de São Paulo e que terão como lema: trabalho, família e Companhia
Paulista107
.
Ao retomar a fala de Benedito Ferraz, que dizia que sua vontade era de seguir os
estudos em São Paulo, e sua derivação para com as letras ocorria justamente por ser impedido
de realizar seu desejo, tem se um exemplo dessa trajetória, pois para grande parcela dos filhos
de ferroviários, o ingresso na Companhia Paulista iniciava-se ainda no núcleo familiar, por
meio do incentivo a espelharem-se na carreira dos pais.
Joaquim Ferraz, pai de Benedito Ferraz, decidira que a atividade profissional de seu
filho seria ocupar-se como ferroviário, levando-o, aos seus 13 anos de idade, para o vínculo
empregatício com a Companhia Paulista, onde ele mesmo trabalhava desde 1889 e onde havia
trilhado uma carreira. Exerceu cargos de chefia, como chefe de seção da contadoria e
presidente da cooperativa, aposentando-se em 1934108
.
Benedito Ferraz, certamente como outros jovens, seguia mesmo contrariado, uma
possível tradição familiar em “ser ferroviário”, em pertencer a esse universo profissional, que
assegurava uma estabilidade econômica. Trabalhar na ferrovia poderia representar participar
do emblema do progresso e do próprio processo de urbanização da cidade de Jundiaí,
envolvendo-se no do discurso modernizador do período, distinguindo-se numa determinada
posição frente à sociedade jundiaiense.
Para a Companhia Paulista, por sua vez:
Esta estratégia possibilitava uma significativa estabilidade de força de trabalho num
momento em que um dos maiores problemas enfrentados na constituição do
mercado de trabalho livre no Brasil era exatamente a instabilidade e mobilidade dos
trabalhadores, que deixava atônitos e irritados os empregadores, que destituídos dos
mecanismos coercitivos afeitos ao mundo do trabalho livre. Em vez de contratos de
longo prazo, de punições legais e construção de mecanismos discriminatórios
centrados na idéia da vagabundagem, vemos na Companhia Paulista a utilização de
estratégias outras que passavam fundamentalmente pela valorização do trabalho, de
sua associação com a idéia de família e dedicação109
.
107
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias, Cidades e Trabalhadores (1870-1920), p. 138. 108
Ficha 337. Caixa CP 75. 4-85. Prontuário 1711. 109
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias, Cidades e Trabalhadores (1870-1920), p. 141.
71
A associação com os ideais de trabalho, família e ferrovia, era praticada no cotidiano
da empresa e através dela, ampliando-se as organizações criadas sob a insígnia da empresa.
Que disseminava, entre os empregados, as representações de uma companhia sólida, extensiva
ao trabalho, à família e ao lazer.
Em 1902, surgia ainda a Banda Paulista, associação musical que embalava a trilha
sonora das reuniões e das confraternizações e “animava os comboios dos vagões ferroviários”,
nos eventos da “família ferroviária” aos finais de semana, como os “pic nics”, na cidade de
Rio Claro e também em Carioba, próximo a Americana. Na realização desses eventos, os
carros da composição ferroviária (aproximadamente 20) transportavam a todos, ao som da
Banda Paulista110
.
No período entre 1903-1908, também existiu o Jundiahy Foot Ball Club,
posteriormente denominado de Paulista Futebol Clube, em 1909. Tratava-se de uma
agremiação de caráter desportivo dos empregados, mas que visava ainda “o aprimoramento
social, cultural e também esportivo da população jundiaiense”111
.
É importante assinalar que a criação dessas instituições, para além das relações de
controle e dominação do capital sobre a força de trabalho eram certamente, os modos de ser e
os modos conviver dos próprios empregados, em suas experiências sociais. Suas
participações, conforme aponta a bibliografia consultada, eram voluntárias e abrangiam a
colaboração dos mais diferentes setores da Companhia, dente eles: “administração central,
tráfego, telégrafo e luz elétrica, locomoção e via permanente”112
. A direção da empresa, nem
sempre esteve presente nos quadros diretivos das associações e agremiações criadas por seus
empregados.
Como o Gabinete de Leitura, algumas dessas organizações foram fundadas por meio
da iniciativa somente dos empregados, em uma junção entre os que desejavam promover
ações coletivas e de pertencimento do grupo, somadas a busca pelo aprazimento de suas horas
livres e na ordenação da categoria de trabalho.
Todavia, a companhia constantemente se fazia representar, fosse através da associação
de seu nome as instituições ou simplesmente por seus funcionários constituírem a totalidade
dos quadros de sócios e frequentadores. Além de organizações recreativas, os trabalhadores
ferroviários, em Jundiaí, ao final do século XIX e início do XX, também mostravam-se
110
Publicação comemorativa do centenário do Grêmio C.P., p. 1 111
Ibidem, p. 2. 112
SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli. Op. cit., p. 39.
72
capazes de se organizar para a manifestação de suas insatisfações e queixas trabalhistas, muito
em decorrência de suas próprias posições como força de trabalho.
Para Maria Auxiliadora Guzzo de Decca, que analisou o padrão de vida dos operários
na cidade de São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, a categoria de ferroviários não
era considerada como operária. De acordo com os recenseamentos publicados nos boletins do
Departamento Estadual do Trabalho, em 1927. Os salários e a preparação média exigida para
o exercício das funções na ferrovia caracterizavam, de certa forma, “uma situação um pouco
melhor que a grande maioria enquadrada como operária”113
, principalmente em relação aos
operários do ramo têxtil.
Os trabalhadores ferroviários articularam e impulsionaram o surgimento de
corporações, como a Sociedade Beneficente dos Empregados da Companhia Paulista, em
Jundiaí. Criaram corporação de caráter estrito as reivindicações de melhorias sobre as
condições de trabalho, demonstrando a atuação e a consciência do setor na defesa de seus
interesses dentro da empresa.
Francisco Paes Leme de Monlevade, chefe da locomoção, fora o presidente da
Sociedade Beneficente. A corporação possuía um médico contratado que prestava
atendimento aos funcionários enfermos da Companhia. Sazonalmente também recebiam
visitas e orientações de dentistas para o cuidado e tratamento da saúde bucal.
A empresa ferroviária, na tentativa de atender às solicitações e garantir alguns
benefícios a seus funcionários criou outras corporações como a Cooperativa de Consumo, em
1902, que tinha por objetivo propiciar o fornecimento de alimentos e remédios aos
empregados a preços baixos, tendo algumas facilidades para a compra, pois os valores eram
descontados diretamente na folha de pagamento.
O Fundo Especial de Pensões, criado em 1910, posterior Caixa de Aposentadoria e
Pensões, em 1924, foi outro importante mecanismo de auxílio aos funcionários que se
acidentavam durante o exercício de suas atividades. Afastados pelos mais diversos motivos,
eles ou seus parentes (dependentes), recebiam uma pensão da Companhia Paulista, até a sua
recuperação. Em casos de falecimento, a família recebia assistência do fundo de pensões para
contribuir com despesas de funeral, entre outras.
113
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. A vida fora das Fábricas: cotidiano operário em São Paulo (1920-
1934). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 22.
73
Da mesma forma, surgiram ainda o Horto Florestal, em 1914, e a Associação
Jundiaiense, fundada em 1926, protetora das famílias dos empregados, captando recursos e
destinando-os aos que viviam em condições precárias114
.
Através dessas instituições, podem-se perceber as características e as particularidades
fundamentadas em um “ser ferroviário”. Empregados e companhia participaram da criação de
uma “identidade ferroviária” e do sentimento de pertencimento a uma “família”, cujos laços
externavam-se em seus modos de sociabilidade, “numa empresa e sociedade que imbricavam
trabalho e lazer (...) inseridas num meio urbano extremamente restrito seja pelas dimensões
populacionais seja pelas [poucas] alternativas de trabalho”115
.
Em outra vertente, mas ainda compondo as atuações dos empregados da Companhia
em Jundiaí, encontram-se indícios de suas ações no surgimento de algumas instituições de
caráter religioso e doutrinário, como a loja maçônica Amor e Concórdia, criada em 1893, e o
centro espírita Fraternidade, com data de fundação em 1905.
Ambas as instituições, assim como o Grêmio C.P. perduram até os dias atuais.
Conrado Offa, Thomaz Silveira, João Costa, Morivalde Costa, Sebastião Ferraz e Major
Gustavo Storch são apenas alguns nomes de empregados da Paulista que aparecem
relacionados a essas entidades116
, também compreendidas como espaços de sociabilidades.
São poucos os registros das atividades desenvolvidas pelos empregados da ferrovia
nesse específico campo, merecendo estudos detalhados para uma pesquisa futura. Entretanto,
há indícios que demonstram a atuação dos funcionários da Companhia Paulista em fundar
instituições de caráter religioso e doutrinário em Jundiaí.
114
Essas associações, voltadas para as questões de lutas por melhorias nas condições trabalhistas, constituem um
profícuo campo de estudos e que podem traçar outras dimensões para a compreensão das tênues relações entre os
trabalhadores e os representantes do capital: a diretoria da empresa, cabendo, portanto, estudos mais
aprofundados. Célia Calvo levanta algumas das questões aqui assinaladas em sua pesquisa. CALVO, Célia
Rocha. Trabalho e Ferrovia: A Experiência de Ser Ferroviário da Companhia Paulista (1890-1925). São Paulo,
1994. 117. p. Dissertação (Mestrado em História). PUC-SP, 1994. 115
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias, Cidades e Trabalhadores (1870-1920), p. 148. 116
Em consulta às atas de fundação das respectivas instituições, os nomes citados, ligados a Companhia Paulista
e ao Gabinete de Leitura de Jundiaí, aparecem descritos. A ata de fundação do centro espírita, Fraternidade, data
de 23 de Novembro de 1905, contém os nomes de Conrado Offa e João da Costa. Quanto à loja maçônica, Amor
e Concórdia, a pesquisa não teve acesso direto ao documento de fundação. Foram muitas as tentativas de
contato, com membros da instituição, objetivando consultar o acervo existente. Em nenhum momento
autorizaram a entrada ao local, bem como o acesso aos documentos. Apenas, confirmaram, por telefone, a
descrição dos nomes de Thomaz Silveira, Morivalde Costa, Conrado Offa, Sebastião Ferraz e Gustavo Storch, na
ata de fundação de 1893.
74
Figura 7 – À esquerda, imagem das instalações do centro espírita Fraternidade. À direita, imagem da loja
maçônica Amor e Concórdia. Prédios atuais, localizados no centro da cidade de Jundiaí.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
Conrado Offa (Presidente), Joaquim Rocha (Vice-Presidente), Thomaz Silveira (1°
Secretário), João Costa (2° Secretário) e João Martins (Tesoureiro), compunham o quadro
diretivo para exercício em 1910. Tinham dentre suas tarefas, a incumbência de aumentar o
número de sócios e fazer crescer a “sociedade”. E, de certo, contavam com o fato de
pertencerem a “família ferroviária”.
A forte presença da história da ferrovia e dos ferroviários na cidade de Jundiaí é
facilmente constatável em breve consulta ao acervo de obras da Biblioteca Municipal
Professor Nelson Foot, na sessão de obras sobre a história da cidade de Jundiaí. Muitos são os
títulos que trazem em seus capítulos, quando não em toda a obra, a trajetória e a relevância
das estradas de ferro.
Certamente essa “memória viva” que permeia todos os cantos da cidade decorre das
inúmeras transformações que a ferrovia promoveu na região. Em consultas bibliográficas,
percebe-se que grande parte da história de Jundiaí é contada a partir da própria história da
Companhia Paulista117
. Questão essa que se torna mais evidente, quando se percorrem alguns
117
A coleção de livros, Meu Pai Foi Ferroviário, apresenta-se como um exemplo a essa questão. Experiências
de trabalhadores ferroviários de Jundiaí são rememoradas, por meio dos relatos de filhos, netos e bisnetos de
antigos empregados. São lembranças daqueles que não viveram uma relação direta com a Companhia Paulista,
mas presenciaram, ouviram e sentiram as experiências de seus antepassados, caracterizando as iniciativas e
tentativas de preservação de muitas memórias, nos mais diferentes episódios da cidade e simultâneos ao processo
de inserção e atuação da ferrovia. A Paulista operou, com seus ramais e estações, até meados da década de 1970,
quando foi estatizada, conjuntamente com outras ferrovias. Começou a perder sua condição de empresa modelo
já em 1971, quando o Estado passou a ser seu maior acionista, formando a FEPASA. SANTOS, Eusébio Pereira
(Org.). Meu Pai Foi Ferroviário. São Paulo, Editora: In House, 2006. Série em 6 volumes.
75
“lugares de memória em Jundiaí”118
. Em diferentes espaços da cidade, são várias as
instituições, criadas pelos trabalhadores da Paulista, que foram preservadas e existem até hoje,
como as anteriormente citadas.
Nesse panorama surge o Gabinete de Leitura de Jundiaí, em meio às demais
instituições promovidas pela Companhia Paulista e seus empregados, integrando-se a uma
rede recreativa, configurando-se também como um espaço de sociabilidade, porém de caráter
livresco. Criado para abrigar livros, para a prática da leitura e para os leitores. Sua
particularidade estava justamente disposta nestas finalidades. Diferenciava-se das demais
organizações no tocante aos seus propósitos. Sua função ia além do campo da recreação e/ou
socialização dos empregados da Paulista, pautava-se na intenção de promover a cultura
letrada, possuía um caráter instrutivo e educativo, prezando pelo acesso aos livros e pela
disseminação da prática da leitura.
Nessa acepção, cabe questionar, dentro da temporalidade de surgimento do Gabinete
de Leitura e do grupo social que o fundou, o que esses elementos poderiam representar?
1.4 Para a cidade, um Gabinete de Leitura
A espacialidade e a temporalidade que conformam o aparecimento do Gabinete de
Leitura de Jundiaí são dois elementos que contribuem na busca pela compreensão sobre o que
representava esse espaço de cultura letrada na cidade, ou qual o motivo e a finalidade de criá-
lo? Ao se questionar sobre os possíveis sentidos de sua existência, nota-se que a conjuntura
espaçotemporal, pode revelar alguns indícios.
Olhar para os traços históricos de Jundiaí, na virada para o século XX, possibilita
adentrar em sua dinâmica sociocultural, observar a ocorrência das transformações urbanas, o
crescimento e o deslocamento populacional, a inserção de novas tecnologias e a injeção de
novos recursos que alteravam a fisionomia e o modo de vida na cidade. Através de um
processo heurístico, pode-se perceber o que poderia simbolizar um Gabinete de Leitura para a
região, e assim, delinear sua especificidade.
Procurou-se traçar um olhar externo sobre o Gabinete de Leitura. Entretanto, na
ausência de fontes diretas, daqueles que de algum modo, pudessem ter vivido e registrado
118
OLIVEIRA, Paulo Henrique de. Lugares de memória em Jundiaí: uma leitura através de Aldo Rosi.
Faculdade de Ciências Sociais, PUC/SP – Campus Monte Alegre. Comunicação Pessoal, 2013.
76
suas impressões, até mesmo na imprensa local, optou-se por um olhar fragmentado quase que
míope, numa alusão a Machado de Assis, em crônica intitulada, A Semana, publicada na
gazeta de notícias do Rio de Janeiro, no início da primeira década de 1900, onde o mesmo
escrevia “(...) a vantagem dos míopes é enxergar onde as grandes vistas não pegam”. Portanto,
um olhar pormenor, a partir da bibliografia sobre a cidade de Jundiaí, indiretamente, forneceu
pistas sobre o que poderia representar a criação de um espaço de letramento, numa região que
crescia, diversificava-se e mudava. Segundo Angel Rama:
Toda cidade pode parecer-nos um discurso que articula variados signos-bifrontes de
acordo com leis que evocam as gramaticais. As cidades desenvolvem suntuosamente
uma linguagem mediante duas redes diferentes e superpostas: a física, que o
visitante comum percorre até perder-se na sua multiplicidade e fragmentação, e a
simbólica, que a ordena e interpreta, ainda que somente para aqueles espíritos afins,
capazes de ler como significações o que não são nada mais que significantes
sensíveis para os demais, e, graças a essa leitura, reconstruir a ordem. Há um
labirinto das ruas que só a aventura pessoal pode penetrar e um labirinto dos signos
que só a inteligência raciocinante pode decifrar, encontrando sua ordem119
.
Desde a chegada da ferrovia à cidade de Jundiaí (1867), um processo de intensas
modificações do espaço urbano se iniciou. Pode-se até mesmo dizer que a urbanização na
região, signo de uma modernidade, começou a partir de então120
. O “lugar de passagem” foi
aos poucos se transformando com a formação de um centro urbano e o constante crescimento
populacional. Passou das lavouras de subsistência à cultura cafeeira, a partir do último quartel
do século XIX, e teve seus traços e paisagens modificados.
Diversas mudanças ocorreram, especificamente a partir do aumento da produção nas
fazendas de café, existentes na região e próximas a ela. O incremento dessa produção decorria
da alta demanda dos mercados europeus consumidores do café brasileiro. A ferrovia, São
Paulo Railway, de origem e capital totalmente inglês, era responsável por escoar essa
produção, oriunda das fazendas do interior da Província de São Paulo, até o porto de Santos,
garantindo sua lucratividade e participação no processo da economia nacional
agroexportadora, através de seu ramal ferroviário (Santos/Jundiaí)121
.
119
RAMA, Angel. A cidade das Letras. São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 53. 120
IZAÍAS, Kátia. População e Dinâmica Econômica na Formação da Cidade de Jundiaí (1615-1890).
Campinas, 2012. 208 p. Dissertação (Mestrado em Demografia). UNICAMP, 2012. 121
Os ingleses eram lucrativamente beneficiados com as estradas de ferro no Brasil, desde o material para a
construção das linhas férreas, a tecnologia empregada para a manutenção e funcionamento, a mão de obra
técnica e especializada para o desenvolvimento do trabalho e os empréstimos realizados para a construção das
ferrovias. O mercado inglês e seu capital geravam ônus aos cofres do governo brasileiro. São Paulo Railway era
proprietária do principal trecho agroexportador de São Paulo (Jundiaí/Santos) com 139 quilômetros (km) de
extensão. Grande parte dos produtos comercializados, que vinham do interior da Província passavam por aquele
trecho ferroviário, o que proporcionava elevados ganhos na cobrança de tributos à companhia, o escoamento de
gêneros agrícolas, em especifico o café, recaía num ponto estratégico sob a concessão dos ingleses. Para um
aprofundamento sobre o tema consultar: BRAY, Silvio Carlos. As Companhias Ferroviárias e Os
77
Estações e linhas férreas passavam a dar novos contornos à cidade, circundando a
malha urbana central, que, aos poucos, expandia-se com a criação de novos bairros,
acompanhando a chegada de novos agentes sociais, vindos com a ferrovia.
Figura 8 - Loteamentos e ruas abertas, em Jundiaí, até 1900. As linhas tracejadas, próximo ao centro,
representam as estradas de ferro existentes na região. Os bairros, Anhangabaú e Vila Arens, surgiram após a
instalação das ferrovias, no final do século XIX.
Fonte: MAKINO, Myoko. Jundiaí: povoamento e desenvolvimento. 1981, p. 130.
Em seus estudos sobre cidades e ferrovias no Brasil, Lanna salienta que algumas
cidades surgiram precisamente com a chegada da ferrovia; outras, como no caso de Jundiaí,
simplesmente “passaram a unir o que fora, até então, somente à cidade da praça e da igreja, a
marca das estações ferroviárias”122
. O território jundiaiense, de várzeas e terrenos planos e
baixos, passou a se constituir como ponto de acesso aos produtos agrícolas, desempenhando a
função de integração a outras regiões do oeste paulista. Paulatinamente, passava a se
caracterizar, não somente pelo símbolo da praça ou da igreja, mas também, por suas novas
Ferroviários no Processo de Estruturação Urbana e Socioeconômica de Bebedouro. São Paulo, IMESB-VC,
2011; CALVO, Célia Rocha. Trabalho e Ferrovia: A Experiência de Ser Ferroviário da Companhia Paulista
(1890 -1925). Dissertação de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1994; DEBES, Célio.
A Caminho do Oeste: História da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. São Paulo: Edição Comemorativa
de Fundação da Cia Paulista, 1968; DIAS, Marcio Augusto Saliba. Nos Trilhos do Silêncio: Por Dentro das
Estradas de Ferro Paulistas (1920 – 1940). Dissertação de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 1993. 122
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Cidades e Ferrovias do Brasil no século XIX, p. 3.
78
possibilidades de investimento, economia, transportes e acessibilidade, irradiadoras de uma
cidade e sociedade que se transformavam.
Figura 9 - Igreja Nossa Senhora do Desterro de Jundiaí, localizada na praça da matriz, região central, símbolo de
fundação da cidade, originalmente construída em 1651. (data da foto não localizada).
Fonte: FERREIRA M., 2014.
O ramal Jundiaí/Campinas da Companhia Paulista, quando iniciou suas atividades
(1872), acentuou ainda mais as transformações ocasionadas pela ferrovia na região, que
passava a receber um elevado número de pessoas, fossem comerciantes, buscando produtos e
praças à sua prática; fossem profissionais liberais dos mais diferentes ofícios; ou ainda, mão
de obra especializada para os armazéns e estações da ferrovia, bem como um elevado número
de imigrantes, em sua maioria, italianos, que chegavam à região, como mão de obra para as
lavouras de café. Todas essas mudanças se sucederam, em decorrência do funcionamento e da
manutenção necessária as estradas de ferro, principal aparato urbano da época na região.
79
Figura10 - Estação da Companhia Paulista em Jundiaí em 1909.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
As mudanças não cessaram. A partir de 1890, ocorreram reformas de nivelamento,
calçamento e regularização de ruas. Em 1893, houve a inauguração de linhas de bondes
puxadas por animais, o alargamento do perímetro central, no largo da matriz e o surgimento
de novos bairros, dentre eles: São Bento, Vila Torres Neves e Anhangabaú. A administração
municipal passou a ceder loteamentos aos trabalhadores ligados às atividades da ferrovia e aos
operários da fábrica Companhia de Fiação e Tecidos São Bento. Os terrenos que se
localizavam no bairro Anhangabaú, foram loteados e divididos em ruas e avenidas para a
construção de moradias e expansão da urbanização. Territórios, que até a pouco, eram áreas
desabitadas, na parte alta ou baixa da cidade, foram ocupados com moradias.
Em 1905, ocorreram melhorias na infraestrutura, no saneamento e no sistema de
abastecimento de água e instalação de luz elétrica nos diferentes bairros da cidade. Nessa
ação, os políticos e industriais, Eloy Chaves, Edgard Egydio de Souza e Alberto de Queiroz
Telles, tiveram importante participação, junto ao governo estadual, conseguindo a criação da
empresa, Força e Luz de Jundiaí123
, para o fornecimento de eletricidade.
123
TOLETO, K.; MARTINI, S.; DONIZETTI, A. Museu da Energia – Núcleo de Jundiaí. Disponível
em:<http://www.energiaesaneamento.org.br/media/28713/toledo_karina_pardini_museu_da_energia_de_jundiai.
pdf>. Acesso em: 30 mai. 2015.
80
As ruas Cândido Rodrigues, Rosário, Torres Neves, Barão de Jundiaí, Rangel Pestana
e Senador Fonseca foram as primeiras a serem iluminadas com “postes de ferro tubulares,
lâmpadas incandescentes, de poder iluminante de 32 velas, que funcionariam toda a noite,
desde o anoitecer até o amanhecer, variando durante as estações do ano”124
.
Figura 11 - Arruamento da Avenida São João, em 1897, localizada próxima ao centro da cidade.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
Em 1899, inaugura-se ainda o hospital São Vicente de Paula, com instalações
improvisadas e adaptadas para o seu funcionamento, sendo sua sede definitiva, construída em
1902. Contratos para a limpeza pública da cidade foram fechados pela municipalidade. O
cemitério da cidade, construído na década de 1860, passou por reformas, atendendo as
questões de saúde pública e higiene implantadas por reformas sanitaristas125
·. Todas essas
melhorias fizeram parte do cotidiano da cidade até meados de 1920, visavam adequações do
espaço urbano, do comércio, dos transportes e da acessibilidade, aos moldes de uma cidade
em processo de modernização.
Segundo a historiadora Lanna, em consulta ao Almanach de Jundiaí do ano de 1912,
os moradores da cidade assistiam a essas transformações e viam “diversificaram-se as
atividades profissionais, que passavam a contar com médicos, farmacêuticos, professores de
124
TOLETO, K.; MARTINI, S.; DONIZETTI, A. Museu da Energia – Núcleo de Jundiaí, p. 5. 125
Em 1854 foi promulgada uma lei no Rio de Janeiro abolindo os enterros nas igrejas.
81
piano, padeiros, professores e evidentemente empregados de estação ferroviária”126
. Um
relatório apresentado a Câmara Municipal de Jundiaí, em outubro de 1892 descrevia,
“levanta-se uma nova cidade, as construções multiplicam-se dia-a-dia e os terrenos que não
tinham valor hoje custam preços fabulosos”127
.
Figura12 - Rua Barão de Jundiaí, década de 1910.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
A imigração foi outra marca importante na transformação da cidade. Em 1887,
chegaram os primeiros agrupamentos de imigrantes italianos, para morarem no Núcleo
Colonial Barão de Jundiaí128
. Setenta era o número aproximado de imigrantes que chegaram
e, a partir desses, muitos outros vieram. Vários membros do Gabinete de Leitura tinham
descendência italiana.
126
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Cidades e Ferrovias do Brasil no século XIX, p. 4. 127
Almanach de Jundiaí para 1912, p. 41, apud. LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias, Cidades e
Trabalhadores (1870-1920), p. 181. 128
Os núcleos coloniais eram estratégias adotadas desde o governo imperial para abrigarem os imigrantes que
chegavam ao país, com o intuito de atender aos interesses dos grandes latifundiários e produtores de café, os
núcleos foram criados para fixarem residências dos novos trabalhadores livres próximos às fazendas, facilitando
o trabalho, custo e a cultura cafeicultora. Desta forma, a mão de obra era garantida, dentro de um
empreendimento, onde os mais beneficiados eram os grandes proprietários de terras, que em Jundiaí, resume-se a
figura de, Antonio de Queiroz Telles (1831-1888), proprietário de muitas fazendas e incentivador no plano
financeiro, para a fundação de um núcleo colonial na região.
82
Segundo Elizabeth Filippini, as relações dos imigrantes com o trabalho, a terra e a
família, herança de um modo campesino de vida, engendraram-se na constituição
sociocultural de Jundiaí129
. Os italianos trouxeram seus conhecimentos e interferiram no
comércio e crescimento da região, muitos eram ligados ao ramo da construção, dando uma
importante parcela de contribuição na arquitetura e urbanismo da cidade130
. As lavouras foram
o esteio dos trabalhadores imigrantes, porém, com o passar dos anos também atuaram em
outras frentes como a cerâmica, plantação de videiras, comércio ambulante, nas companhias
ferroviárias e na indústria têxtil. A região ocupada pelos italianos acabou por ser denominada
de bairro Colônia, área com pequenas propriedades agrícolas, localizada a três quilômetros
(km) do centro da cidade.
Figura 13 - Território ocupado pelo Núcleo Colonial em Jundiaí (data não localizada).
Fonte: FILIPPINI, Elizabeth. Terra, Família e Trabalho: O Núcleo Colonial Barão de Jundiaí, 1990, p. 89.
129
FILIPPINI, Elizabeth. Terra, Família e Trabalho: O Núcleo Colonial Barão de Jundiaí (1887-1950). São
Paulo, 1990, p. 182. Dissertação (Mestrado em História Econômica) FFLCH-USP, 1990. 130
Para um aprofundamento sobre o registro e a incorporação à dos imigrantes italianos na arquitetura rural e
urbana de Jundiaí, consultar: FILHO, Walter da Costa e Silva. Jundiaí na História. São Paulo, Ed. Porto de
Ideias, 2008.
83
A partir da entrada de imigrantes italianos, o estabelecimento das estações e ramais
das companhias ferroviárias, (1867/1872), início do processo de urbanização e o surgimento e
a expansão de bairros, a população da cidade cresceu. No período de 48 anos (1872-1920),
esse crescimento chegou a aproximadamente 82%. Ao se desmembrarem esses dados,
observando-se cada decênio, de acordo com o gráfico abaixo, pode-se verificar o crescimento
numérico e gradativo, acompanhando às inúmeras transformações da época, a partir de 1872.
Gráfico 6 - Número de habitantes da cidade de Jundiaí (1872-1920)
Fonte: IPEADATA
Entre 1890-1900, houve um aumento de 19%; em relação ao número de habitantes;
entre 1900-1910, 50% e entre 1910-1920, 32%. Para Lanna, o crescimento populacional de
Jundiaí acompanha as transformações urbanas ocorridas no início do século XX, durante o
processo de embelezamento das cidades, nas melhorias de infraestrutura, saneamento e
salubridade, ocorrendo em Jundiaí, “como de resto em quase todas as cidades brasileiras,
marcando um período de belle époque tropical”131
.
De acordo com o historiador Nicolau Sevcenko os “belos tempos” em um primeiro
momento chegavam pelas transformações “científico-tecnológicas,” que mudavam a feição
das sociedades, suas culturas e costumes seculares. Essas modificações, aos poucos, se
inseriram no cotidiano de Jundiaí. A atividade industrial se expandia. Fábricas de tecelagem,
de cerâmicas e olarias foram se instalando ao longo do século XX. Para o historiador “o
131
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Cidades e Ferrovias do Brasil no século XIX, p. 4.
7.805
12.051
14.990
30.163
44.437
1872 1890 1900 1910 1920
84
consumo de novas e modernas mercadorias e o aumento do comércio confirmava a sociedade
do progresso republicano que se pretendia formar132
.
Em sua singularidade, a cidade delineou-se como “operária”. Sua população era
composta, na grande maioria, por trabalhadores rurais, industriários e ferroviários. As elites
de Jundiaí, tão logo as fazendas de cafés geraram riquezas e possibilitaram um crescimento
econômico e material, transferiram-se para cidades maiores como São Paulo e Campinas. A
ausência de elites na região, conforme define Lanna, “pode ser percebida pela inexistência de
casarões na cidade. O único existente é o Solar do Barão, que foi construí do em 1862, pelo
Barão de Jundiaí”133
. Em diversos bairros, as moradias edificadas eram para atenderem a
demanda de habitações para os operários. Aliás, A Companhia Paulista recebeu da Câmara
Municipal loteamentos próximos ao cemitério e as suas instalações, para que fossem
construídas casas para os seus empregados.
Os terrenos foram concedidos como estímulo da localidade para a instalação das
oficinas da Paulista na cidade. A Companhia afirmava que, para conveniente
acomodação de seus operários, a exemplo do que se praticava nos grandes centros
industriais faria construir, perto das oficinas pequenas habitações, que alugaria aos
seus empregados mediante preço razoável. Achavam-se já prontas 40 casas, em
1894. Em 1924, esse número sobe para 140 casas134
.
A maioria dos trabalhadores ferroviários e os operários das indústrias habitavam as
ruas: XV de Novembro, Prudente de Moraes, Rangel Pestana, Capitão Damazio (hoje
Marechal Deodoro) e Rua do Rosário. Algumas localizadas no centro da cidade, outras
circundantes a ele. As casas nos bairros operários, próprias ou alugadas, possuíam um padrão
em sua construção bem semelhante: “eram geminadas, sem recuo do lote, em geral porta e
janela. As melhores ocupadas por chefes de estação e de oficinas tinham porão e um pequeno
recuo lateral, que fazia as vezes de varanda e criava um distanciamento em relação à rua”135
.
Por outro lado, a ferrovia, os estabelecimentos comerciais e de serviços e as
possibilidades de crescimento dentro das indústrias ocasionaram a emergência de uma alta
camada de trabalhadores, na estratificação social de Jundiaí; uma camada social que, aos
poucos e a partir das novas gerações (filhos), se configurou numa expoente parcela da
132
SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: ____(Org.);
NOVAIS, Fernando. (Coord). História da Vida Privada no Brasil. vol 3.São Paulo: Companhia das Letras, 1998,
p. 20. 133
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias, Cidades e Trabalhadores (1870-1920). São Paulo, 2002, p. 181. 134
Ibidem, p. 182. 135
Ibidem, p. 185. A autora ainda destaca que atualmente, na cidade de Jundiaí, existem casas e arruamentos que
preservaram essa configuração de moradia e acrescenta, como contribuição para o estudo sobre o distanciamento
da casa e do lote como um padrão constitutivo das elites durante o século XIX, o trabalho de Nestor Goulart Reis
Filho, Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1978.
85
sociedade, que ocupava cargos do funcionalismo público ou como profissionais liberais
(médicos, advogados, dentistas e comerciantes).
As classes sociais naquele período eram pouco definidas, pois a cidade experimentava
grandes transformações e, nesse contexto, como compreende Hobsbawm “as classes nunca
estão prontas no sentido de acabadas, ou de terem adquirido sua feição definitiva. Elas
continuam a mudar”136
.
Considerando-se o contexto da Primeira República (1889-1930), verifica-se que a
camada social mais definida eram os trabalhadores, rurais e urbanos, e a burguesia agrária.
Segundo Jorge Nagle, “até a palavra povo, anteriormente empregada num sentido vago e
indiferenciado – pois resumia diversas modalidades de camadas sociais – vai-se decompondo
em outras palavras que traduzem camadas cada vez mais diferenciadas (classes)”137
. Como
em Jundiaí essa burguesia deslocou-se para regiões citadinas mais prósperas como São Paulo
e Campinas, foram os operários que caracterizaram a ascensão de uma classe média composta
por uma alta camada de trabalhadores, muito semelhante ao que Hobsbawm define como uma
“aristocracia operária”.
Com o estabelecimento de indústrias e, sobretudo, com a ferrovia, os trabalhadores
poderiam ser definidos como os símbolos da nova ordem capitalista e da cidade. As empresas
locais, fontes diretas e até mesmo indiretas, contribuíram para a constituição de uma
“aristocracia operária”. Ao verificar os salários pagos pela Companhia Paulista, descritos nos
prontuários e indicador do poder de compra dos empregados, Lana define que eles variaram
de acordo com as funções exercidas.
Conrado Offa, quando se empregou na contadoria da empresa, em 1892 recebia o
ordenado de 120$000 (cento e vinte mil réis), recebendo um aumento, em 1900, passando a
ganhar 200$000 (duzentos mil réis). Morivalde Costa inicia, em 1893, com o salário de
320$000 (trezentos e vinte mil réis), chegando a ganhar 900$000 (novecentos mil réis), em
1928. Tibúrcio Siqueira, empregando-se na Companhia Paulista em 1896, recebia o salário
inicial de 150$000 (cento e cinquenta mil réis) para exercer a função de escriturário. Em
1919, recebe uma promoção passando a ocupar o cargo de sub-auxiliar com um salário no
136
HOBSBAWM, Eric. J. Mundos do Trabalho: Novos Estudos sobre História Operária. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2000, p. 279. 137
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. EPU: Rio de Janeiro, Fundação Nacional de
Material Escolar, 1974, p. 27.
86
valor de 570$000 (quinhentos e setenta mil réis). No ano de 1923, após uma nova promoção,
passa a receber o salário de 700$000 (setecentos mil réis), ocupando o cargo de auxiliar138
.
Esses dados mostram que a empresa possuía uma política de promoção de seus
empregados e possivelmente muitos eram contemplados com aumento salarial, mas também
pode-se inferir que os gastos com habitação, alimentação e vestuário, certamente consumiam
significativa parcela da renda doméstica. Não foi possível averiguar-se o poder aquisitivo
desses salários, bem como compará-los aos salários pagos por outras empresas existentes na
região. Muitos funcionários da Companhia Paulista, de acordo com os prontuários139
, iniciam
e encerram suas carreiras profissionais na empresa. Pode-se assim presumir como os
funcionários conseguiam prover sua subsistência e a de seus familiares, trabalhando nos
diferentes setores da ferrovia (escritórios, armazéns e oficinas), o que parecia não ocorrer em
outras áreas de trabalho da região, como no campo e nas fábricas têxteis. Segundo Decca, os
trabalhadores rurais e das indústrias tecelãs possuíam baixos salários, insuficientes até mesmo
para as necessidades básicas como moradia, alimentação e vestuário140
.
Dentro do próprio conjunto de ferroviários da Companhia Paulista, tal situação
ocasionava rivalidade entre os empregados, os respectivos salários e as posições que
ocupavam (trabalho físico e trabalho intelectual). Utilizando termos da época eram os
“macacões” (oficinas e armazéns) e os “engravatados” (escritórios), os “colarinhos azuis” e os
“colarinhos brancos”141
. Essas denominações foram usualmente utilizadas pelos funcionários
para designar posições e hierarquias em seus cargos funções e, possivelmente, salários. Numa
das eleições para a diretoria do Grêmio C.P., essas distinções foram até mesmo, questões de
embates e discussões, quanto à alternância na direção da instituição, de um “colarinho
branco” para um “colarinho azul”, como que muitos não concordavam. Considera-se ainda
que os nomes de Tibúrcio Siqueira, Arthur Oliveira, Carlos Guimarães e Conrado Offa, são
mencionados nos quadros da diretoria do Grêmio C.P. Eles trabalhavam nos escritórios da
Companhia Paulista, eram os chamados, “colarinhos brancos”, ou seja, levantando-se a
hipótese de constituição de uma “aristocracia operária”, pode-se inferir que eles eram
pertencentes a esta condição.
Por ser uma cidade cuja população, em sua grande maioria, era composta por
operários, mesmo aqueles que constituíam uma “aristocracia”, houve também na região
138
Ficha 929. Caixa n° CP 75.4-166. Prontuário 2019; Ficha 52. Caixa n° CP 75.484. Prontuário 1686; Ficha
438. Caixa n° CP 75.490. Prontuário 1746. 139
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovias, Cidades e Trabalhadores (1870-1920). 140
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. Op. cit. 141
GRÊMIO RECREATIVO DOS EMPREGADOS DA COMPANHIA PAULISTA DE ESTRADAS DE
FERRO. Edição comemorativa do centenário, 2000, p. 26-28.
87
reivindicações por melhorias nas condições de trabalho. A greve do transporte ferroviário,
ocorrida em 1906, nas cidades que possuíam setores de atividades das companhias de estradas
de ferro é um exemplo.
Jundiaí, por ter grande parcela de empregados da ferrovia, teve destaque naquele
momento. A greve na região tomou impulso. Os funcionários da Companhia Paulista
cobravam melhores condições de trabalho e redução da tarifa da caixa de pensão, descontada
na folha de pagamento. Uma agitada e intensa paralisação ocorreu em diversos ramais da
Paulista (1.057 quilômetros de trilhos em 119 estações atingindo aproximadamente 3.800
ferroviários em diferentes cidades)142
. A greve ganhou o apoio da população e dos
comerciantes, estes últimos por terem suas atividades também afetadas com a paralisação das
ferrovias.
Apesar disso, a greve arrefeceu, principalmente após a morte de dois operários da
Companhia Paulista, em Jundiaí, num confronto com a polícia durante uma passeata.
Contudo, a greve mostrou-se como um instrumento de articulação das mudanças nas relações
de trabalho e firmou-se como um dos marcos do movimento operário da Primeira República.
Vale lembrar que em território jundiaiense, havia muitos imigrantes italianos comumente
atrelados as ideias anarquistas do período. Os grevistas e a população mostraram-se
inconformados com as formas da “administração do empreendimento símbolo da
modernidade e respaldada pelas forças do Estado, a ferrovia”143
.
A cidade também possuía um demasiado entusiasmo perante as rápidas
transformações sociais e culturais ocorridas, acompanhando o processo de modernização da
época, o modo cosmopolita de sociabilidade e os desdobramentos que essa estrutura e
conjuntura poderiam lhe conferir.
A inauguração do Teatro Polytheama, em meados da década de 1910, localizado na
região central, na Rua Barão de Jundiaí, foi motivo de agitação popular, pelos espetáculos em
si e também pelas novidades tecnológicas e cinematográficas do período, também exibidas
nas sessões do Cinema Rio Branco. Entre os anos de 1911-1920 as duas casas de
142
SANTOS, Fábio Alexandre. Rio Claro e a Greve dos Trabalhadores da Cia. Paulista de Estradas de
Ferro em 1906. Revista: América Latina En La Historia Económica n. 25 jun. 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.org.mx/scielo.php?pid=S1405-22532006000100004&script=sci_arttext>. Acessado em: 16
jan. 2015. 143
Ibidem, p. 22.
88
entretenimento apresentaram em média 204 representações por ano144
, exclusivamente
cinematográficas.
Dentre os lugares de prestígio, ainda na Rua Barão de Jundiaí, a padaria e confeitaria
Pauliceia – recebeu esse nome, justamente por ser o local de encontro e discussão sobre os
acontecimentos e as notícias vindas da capital – surgiu em 1898. Tornou-se ponto de encontro
para os cafés, para o “desfrute de completos sortimentos de bebidas finas”145
e para os
momentos de reuniões e debates políticos e culturais. Ambiente frequentado pelos
profissionais que trabalhavam nos arredores, nas tipografias, papelarias, escritórios, comércios
em geral, redação de jornais e na administração pública. O local também servia para os que
estavam de passagem, a caminho da onde a ferrovia pudesse chegar (da capital ao interior).
Figura 14 - Padaria e Confeitaria Pauliceia, em 1906.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
144
Média extraída dos registros de existência de teatros e cinemas na cidade de Jundiaí em conformidade com a
consulta aos Anuários Estatísticos de São Paulo para os anos de 1906 até 1926, disponíveis no Arquivo
Público do Estado de São Paulo. 145
Propaganda da Pauliceia. Almanach de Jundiahy: Literário, Histórico, Commercial e Biographico, 1911.
Apud Livro do Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Edição
comemorativa do centenário, 2000, p. 30.
89
A imprensa local, certamente teve um papel sociocultural importante no plano de
divulgação e circulação das ideias no cenário das transformações ocorridas, noticiando os
novos contornos, sendo ainda um mecanismo de representação da sociedade (ou em parte de
seu grupo ideológico e editorial). As informações veiculadas por impressos caracterizavam-
se de forma inerente ao processo urbano, jornais, folhetins, revistas e periódicos
disseminaram-se por toda a sociedade brasileira, na ordem da Primeira República.
O desenvolvimento tecnológico (...) permitia que a imprensa, ampliasse
enormemente o número de rodagens por edição, além de, cada vez mais, oferecer
recursos como ilustração e fotos, que conferiam novas formas a veiculação de
informações estabelecendo relações entre jornal, anunciantes, política, leitores e a
própria cidade146
.
A pesquisa não teve acesso aos jornais locais de Jundiaí, que poderiam conferir um
interessante panorama do contexto aqui analisado147
. Em consulta aos Anuários Estatísticos
de São Paulo (1908-1926), pôde-se verificar somente o registro de alguns jornais que
circularam na cidade, contemporâneos aos acontecimentos supracitados, possibilitando apenas
informações sobre periodicidade, valor de assinatura e tiragens. Apesar de as fontes serem
escassas, pode-se constatar a existência e a circulação da imprensa local.
Tabela 2 - Jornais locais de Jundiaí (1908-1926)
Fonte: Anuários Estatísticos de São Paulo
146
O’Donnell, Julia. Op. cit., p. 73. 147
Consultas foram realizadas nos cervos das instituições, Centro de Memória de Jundiaí (CMJ), Museu
Histórico e Cultural de Jundiaí (Solar do Barão), Biblioteca Municipal, Professor Nelson Foot, no acervo do
Gabinete de Leitura e no Arquivo do Estado de São Paulo. Em ambas as instituições não se localizaram
exemplares de jornais, que circularam na cidade, no período entre 1880-1940.
JORNAL LÍNGUA PERIODICIDADEASSINATURA
MENSALTIRAGEM MÉDIA
A Folha Português Bissemanal 20$000 Até 5.000 exemplares
O Jundiahyense Português Bissemanal 20$000 Até 5.000 exemplares
O Escoterio Português Semanal 20$000 Até 1.000 exemplares
O Jundiahy Português Semanal 20$000 Até 1.000 exemplares
O Artilheiro Português Mensal 20$000 Até 1.000 exemplares
O Município Português Semanal 20$000 Até 1.000 exemplares
90
De modo peculiar, esse rápido painel permite que se possa penetrar, ainda que de
forma fragmentada, em uma sociedade que vivenciava um processo de intensa transformação
histórica, a partir da reconfiguração de sua vida urbana e social. Para além de suas
especificidades econômicas e espaciais, Jundiaí, inseria-se, cada vez mais, no “mundo
moderno”, transformando-se aceleradamente.
Essa concepção modernista e modernizante é característica de um tempo marcado pela
novidade de um sistema político, a República, e de uma espacialidade em vertiginosa
transformação, o urbano, refletindo-se em diferentes dimensões e de maneiras diversificadas
em toda a nação brasileira, adequando-se à conjuntura do capitalismo internacional e àqueles
novos tempos148
.
Jundiaí constituía um caso peculiar de crescimento econômico e urbano, dentro dessa
ordem nacional, alinhando-se ao progresso e ao desenvolvimento, “de um sistema agrário
comercial para o urbano industrial”149
. Desde suas origens, pode-se depreender que a cidade
não fora pacata, esteve sempre atrelada às transformações ocorridas no estado de São Paulo e
sobremaneira no Brasil. As inúmeras mudanças na região tiveram como base de
reestruturação o contexto da economia cafeeira, da imigração, a ferrovia, a urbanização e a
industrialização. Todos esses elementos estavam pautados no eixo de leitura do pensamento
social brasileiro da Primeira República, ou seja, Positivismo e o Nacionalismo, que
reverberaram sobre a nação conjuntamente com os ideais de progresso, civismo e instrução150
.
No campo da Educação, importante aparato urbano, elemento da modernidade e pauta
constante dos ideários nacionalistas da época, a cidade caminhava a passos lentos, no que se
refere à ampliação e à disseminação do ensino público. Percorrendo sua espacialidade,
constata-se que eram poucos os espaços existentes para a instrução pública, ou seja, escolas e
bibliotecas, sendo que esta última, até 1908, não existia na cidade.
Esse panorama certamente ancorava-se nas quase que inexpressivas ações políticas
para educação do governo brasileiro no período entre 1900-1910151
. As escolas existentes em
Jundiaí, em sua maioria, vinham da iniciativa privada, restringindo acessos, limitando ações e
impondo condições.
148
CLODOALDO, Bueno. Política Externa da Primeira República: os anos de apogeu (1902 a 1918). São
Paulo: Paz e Terra, 2003. 149
FURTADO, André Tosi. Celso Furtado e a economia brasileira. Fortaleza, julho de 2005. Disponível
em:<http://www.centrocelsofurtado.org.br/arquivos/image/201108311541080.FURTADO_CF_e_a_economia_b
rasileira.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2015. 150
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A Questão Nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. 151
INFANTOSI, Ana Maria. A escola na República Velha. São Paulo: EDEC, 1983.
91
A primeira escola estadual criada na região foi o grupo escolar Coronel Siqueira de
Morais, em 1894, teve seu prédio inaugurado na Rua Barão de Jundiaí e o início de suas
atividades em 1896. Na esfera particular, ainda no século XIX, e em maior quantidade,
surgiram os colégios, Florence em 1895, um “educandário de meninas”, transferido de
Campinas para Jundiaí, em decorrência da epidemia de febre amarela e posteriormente o
Hydecroft, em 1897. Novas escolas foram criadas em Jundiaí, na virada para o século XX,
mas, em sua maioria, particulares.
Tabela 3 - Escolas existentes em Jundiaí (1908-1926)
Fonte: Anuários Estatísticos de São Paulo
As ações privadas para a promoção da instrução e da formação de uma sociedade
condizente com as novas questões da República – trabalho livre assalariado, industrialização,
ciência e tecnologia, transformações urbanas, transportes, redes de comunicação e
TIPOANO DE
FUNDAÇÃOINSTIUIÇÃO
Escola Particular 1895 Colégio Florence
Escola Estadual 1896 Coronel Siqueira de Morais
Escola Particular 1897 Colégio Hydecroft
Escola Particular 1900 Escola Elementar Portuguesa
Escola Municipal 1901 Escola do Núcleo Colonial Barão de Jundiahy
Escola Estadual 1906 Conde de Parnahyba
Escola Particular 1907 Externato Coração de Jesus
Escola Particular 1907 Colégio Moinho
Escola Particular 1907 Escola do Sagrado Coração de Jesus
Escola Particular 1908 Escola da Varzea
Escola Particular 1912 Escola Parochial Nossa Senhora do Desterro
Escola Particular 1913 Escola e Crehe Asylo Anália Franco
Escola Particular 1914 Escola da Sociedade Protetora da Companhia Paulista
Escola Municipal 1915 Escola da Vila Arens
Escola Municipal 1915 Escola do Bairro Travihu
Escola Municipal 1915 Escola Santa Clara
92
legitimidade ao voto – foram significativamente mais presentes em Jundiaí do que as
públicas.
Ainda que as poucas reformas no Governo Federal buscassem incentivar o surgimento
de mais escolas de ensino primário e secundário152
, observando-se o quadro das escolas
existentes na cidade, no período destacado, nota-se a preponderância de instituições
educacionais privadas. Setores mais humildes, trabalhadores da indústria têxtil, pequenos
comerciantes, trabalhadores rurais ou mesmo alguns grupos de ferroviários, cujos
vencimentos não possibilitavam mais do que a própria subsistência, possivelmente não tinham
acesso à instrução formal.
Aos que não pudessem pagar para se educar, o Gabinete de Leitura, como anunciara
em seu jornal, em 1908, proporcionaria os competentes livros, preenchendo assim a lacuna até
então existente.
O Gabinete de Leitura era a primeira biblioteca pública da cidade, que, na ordem das
transformações e reconfigurações do espaço urbano e de toda a sua materialidade, ainda não
existia. Sonia Gomes, em seu trabalho sobre Bibliotecas e Sociedade na Primeira República,
diz que “uma das condições sociais que exerce influência positiva sobre o surgimento de
bibliotecas é o aparecimento de centros urbanos, que em suas múltiplas atividades, produzem
registros que requerem sistemas sofisticados de informação”153
. Para além dessa acepção,
lendo o Gabinete de Leitura de Jundiaí como um símbolo de uma realidade social
construída154
, pode-se perceber que sua criação representava a institucionalização de um lugar
público para as letras.
Outros lugares que poderiam promover uma aproximação com os livros, a leitura e a
instrução de um modo geral, seriam os acervos de livros, na esfera privada, o que
possivelmente deveria existir. Contudo, seria temerário para a pesquisa negar ou afirmar essa
possibilidade, uma vez que o livro, naquele período, não era um item de baixo custo e ter uma
coleção deles muito provavelmente não estava entre as aquisições elementares de operários.
152
A partir da proclamação da República, o ministério da Instrução Pública Correios e Telégrafos, criado em 12
de abril de 1890, cujo Ministro era de Benjamin Constant, deliberou o decreto n° 981 de 8 de novembro do
mesmo ano, regulando, no âmbito do Distrito Federal, a instrução primária e secundária, seus componentes
curriculares e séries. Desse modo, essa ação, denominada de “Reforma Benjamin Constant” funcionava como
ponto de referência e modelo para outras iniciativas públicas ou particulares no campo da instrução nacional,
promovendo um ensino livre, leigo e gratuito. Ver mais detalhes em: CARTOLANO, Maria Teresa Penteado.
Benjamin Constant e a Instrução Pública no Início da República. Campinas: UNICAMP, 1994. 153
GOMES, Sônia Conti. Bibliotecas e Sociedade na Primeira República. São Paulo, Pioneira; Brasília: INL,
Fundação Nacional Pró-memória, 1983, p. 13 154
CHARTIER, Roger. O mundo como representação, 1991.
93
Uma análise sobre acervos privados contribuiria para a elucidação dessa questão. Nas
fontes e bibliografias consultadas não há nenhuma menção. Conquanto, pode-se, de certo,
afirmar que eles circulavam, fossem comprados, emprestados ou doados e passaram a circular
ainda mais, após a fundação do Gabinete de Leitura.
É nessa perspectiva que se pode melhor compreender o nascimento da Instituição. Em
meio ao “espaço urbano” em que se transformava emergia um novo símbolo para as letras e
todos os demais sentidos que delas pudessem derivar. Construía-se um ambiente de instrução
e ilustração, através do Gabinete de Leitura, para uma realidade em processo de
transformação, em que novos arranjos sociais eram experenciados.
A construção desse novo ambiente fixava-se na cidade, como uma instituição
representativa de um espaço para as letras, podendo ser lida e apropriada pelos sócios e pela
população de Jundiaí.
***
A partir da mancha urbana da cidade de Jundiaí em 1900, elaborou-se um mapa
ilustrativo das principais transformações territoriais e urbanas que ocorreram na região, desde
o final do século XIX, com o objetivo de possibilitar uma leitura visual das modificações na
espacialidade da cidade, em partes mencionadas neste capítulo. Os loteamentos foram
separados por cores seguindo suas datas de abertura. Apenas algumas ruas foram demarcadas,
pela impossibilidade de denominá-las em sua totalidade, pois muitas sofreram alterações em
suas nomenclaturas e o perímetro central concentra as principais transformações urbanas,
como a instalação de escolas, igreja e as sedes do Gabinete de Leitura. Longe de ser um
trabalho geográfico e cartográfico, que requereria escalas e dimensões para elaboração de
mapas, este foi desenvolvido como um mecanismo que busca elucidar o surgimento do
Gabinete de Leitura, no seio das transformações urbanas.
94
Figura 15 - Mapa da Cidade de Jundiaí 1900
Fonte: Elaborado pelo autor baseado no mapa do Anexo I
95
CAPÍTULO II - A PRÁTICA REPRESENTA A LETRA
Figura 16 - Folhas das atas de reuniões da diretoria.
Fonte: Elaborado pelo autor
96
2.1 O projeto educacional: a escola de Primeiras Letras
Se a criação do Gabinete de Leitura representava um espaço de letras na cidade de
Jundiaí, seu simbolismo certamente não se constituiu apenas por sua existência. A
representação de um grupo letrado e possivelmente de uma sociedade letrada, deu-se através
das práticas diariamente exercidas por seus idealizadores e seus frequentadores, de modo
intencional ou não.
É no cotidiano das ações mais usuais e nas formas pelas quais elas eram praticadas que
se podem notar os propósitos expressos e/ou almejados, na imagem criada a cerca do
Gabinete de Leitura. Não se infere aqui que seus fundadores definiram uma simbologia ou
que buscaram imprimir conotações à instituição. Esta pesquisa é que busca explorar os seus
possíveis sentidos. E, para isso, as ações desenvolvidas cotidianamente pela diretoria do
Gabinete de Leitura e seus sócios servem de exemplo para demonstrar como na prática se
constrói a representação155
.
Dentre as ações praticadas nota-se que, já no primeiro estatuto elaborado e aprovado
em 1908, com as definições das normas a serem cumpridas pelos associados, estipulava-se no
Capítulo 1, Art. 1° uma das finalidades pretendidas pela instituição: “crear escolas de
instrução primária e secundária para os associados e seus filhos e para os filhos dos
associados falecidos”156
. Essa finalidade não ficou somente no papel, teve execução. Em
1910, deu-se o início das ações que visavam à concretização do projeto educacional.
Fora aberto um concurso, pela diretoria vigente – não explicitando se qualquer
morador da cidade poderia participar ou se somente os associados da instituição – para que
professores enviassem suas propostas de ensino para ministrarem o curso de Primeiras Letras,
que seria realizado no período noturno, nas dependências do Gabinete de Leitura. Uma sala
seria adaptada a essa finalidade, possibilitando um ambiente reservado para os frequentadores
do curso. Não são descritos, nas atas de reuniões, os requisitos e as exigências estipuladas aos
professores para a participação no concurso.
Em ata de reunião da diretoria, no dia 06 de Janeiro de 1910, registrava-se o insucesso
dessa ação. Por algum motivo não esclarecido, o concurso apresentou várias
“irregularidades”, não se sabe se por parte dos candidatos à vaga ou se pela própria diretoria.
Apenas oficializavam que:
155
CHARTIER, Roger. O mundo como representação, 1991. 156
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral, 21.06.1908, p. 2.
97
Pelo primeiro secretário foi proposto e aprovado pela directoria, que se anulasse o
concurso ultimamente feito para o cargo de professor de escola nocturna do gabinete
visto que nesse concurso notou-se diversas irregularidades e que se abrisse nova
concorrência; ficando para esse fim autorisado o senhor primeiro secretário a fazer a
correspondente oficialização157
.
No dia 20 de Janeiro do mesmo ano, em nova reunião de diretoria, o concurso reaberto
para a contratação de um professor teve andamento. Quatro propostas foram recebidas. Os
senhores José A. F. Afonso Paiva, Pedro Penteado de Castro e Georges L. S. (este último era
sócio contribuinte do Gabinete de Leitura), eram os candidatos. Todos enviaram suas
propostas, em que descreviam seus métodos de ensino e declaravam o ordenado que
desejavam receber, submetendo-os à apreciação da diretoria.
Depois de obtido exame e bastante discutido, assim a directoria aceitou a proposta
do senhor Pedro Penteado de Castro que se propos a dirigir as aulas do curso
nocturno do Gabinete, mediante a quantia de 70$000 (setenta mil réis) e bem assim
manter as clausulas da mesma proposta que fica archivada na secretaria do
Gabinete158
.
Não é possível saber-se como teria sido a proposta de ensino formulada pelo então
candidato aprovado, se era a melhor ou a mais condizente com as necessidades da instituição.
Nota-se apenas que, em comparação com as demais propostas, possivelmente o que
determinou a escolha do professor Pedro de Castro foi o vencimento por ele cobrado, para
exercer a função no valor de 70$000 (setenta mil réis), visto que é este o elemento registrado
em ata e não suas propostas de ensino, que sequer são mencionadas. Certamente, o valor
(baixo) em relação aos demais, era mais viável ao quadro financeiro da instituição, estando
dentro dos recursos destinados ao projeto educacional.
Um mês após, no dia 21 de Fevereiro, o sócio José Sales Guerra, havia conseguido
junto à empresa de energia, Força e Luz de Jundiaí, o fornecimento grátis de luz para a escola
noturna do Gabinete de Leitura, bastando apenas que um ofício fosse enviado à empresa para
que se concedesse a isenção do pagamento, o que foi feito imediatamente, de acordo com o
registro em ata. Os materiais necessários ao funcionamento da escola seriam cedidos pelo
poder público do Estado de São Paulo. Novamente o vereador Eloy Chaves auxiliara. Ele era
também proprietário da empresa de energia e conseguira o fornecimento dos materiais e mais
uma subvenção da Câmara Municipal de Jundiaí, no valor de 20$000 (vinte mil réis), para
contribuir com a inauguração da escola159
.
157
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria. 06.01.1910, p. 11-12. 158
Ibidem, 20.01.1910, p. 12-13. 159
Ibidem, 21.02.1910, p. 14.
98
Para o funcionamento da escola noturna, a contratação de um zelador foi também
requerida pelo presidente Conrado Offa, primando pela segurança do local, pelo cuidado com
os objetos e para com os que ali estivessem durante a noite. O vencimento desse profissional
não poderia exceder 10$000 (dez mil réis) mensais, estando ainda sujeito a serem descontados
2$000 (dois mil réis) durante cinco meses, como forma de garantia do bom desempenho de
seu cargo, devendo também substituir os livros e demais objetos que “por seu desleixo”160
desaparecessem da sociedade.
Com os recursos necessários cedidos e os devidos profissionais contratados, as aulas
se iniciaram. No dia 23 de Fevereiro, terça-feira, às 17h00, na sede do Gabinete de Leitura
ocorreu um cerimonial, que contou com a presença da diretoria e de um grupo de convidados,
para celebrarem a instalação e o funcionamento da escola noturna de Primeiras Letras.
Após esse evento, nenhuma outra informação direta sobre o funcionamento da escola
foi mencionada nas atas de reuniões, seja da Assembleia Geral ou da Diretoria, no período
entre 1911 e 1924. Sua existência muito provavelmente não se findou, pois também não há
menção sobre seu fechamento em nenhuma das respectivas atas. Analisando-as, a contra pelo,
notam-se indícios da continuidade do projeto educacional.
Em Maio de 1911, foi apresentado, por uma comissão eleita em Assembleia Geral, um
novo estatuto. Reformas foram solicitadas pela diretoria, cujo presidente, naquele corrente
ano, era Joaquim José de Araújo. O novo estatuto ia de encontro às diretrizes já estabelecidas,
a partir da diretoria do ano anterior. No desejo de ampliar a atuação do Gabinete de Leitura e
aumentar o número de sócios, esse estatuto passava a permitir a entrada de não sócios
contribuintes à instituição.
O horário definido para a frequentação pública era das 08h00 às 09h00, na parte da
manhã, e das 19h00 às 21h00 no período da noite. Nos feriados e dias santificados, a entrada
era livre durante todo o dia. Assim, qualquer pessoa, mediante a assinatura em um livro de
registros, poderia adentrar ao recinto e usufruir dos livros e das acomodações dispostas para
leitura. Em 1914, o horário para a frequentação pública, no período da manhã, foi estendido
em uma hora, passando a ser das 08h00 às 10h00161
.
Do mesmo modo, os novos estatutos, aprovados em 1911, estabelecendo as normas da
instituição, registravam, no Capítulo 1, Art. 1° que, dentre as finalidades da sociedade,
estavam, “crear escolas de instrução primária nas quais, de preferência, terão matrícula os
160
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria. 06.01.1910, p.14. 161
Ibidem, 21.05.1911, p. 19.
99
sócios, seus filhos, e filhos de sócios falecidos”162
, Nota-se uma pequena diferença nesta
finalidade em relação à descrita no estatuto de 1908. Nesta, a escola criada em 1910, passava
a ser, preferencialmente, para os sócios e seus filhos.
O termo preferência conota uma não restrição, podendo, outros mais, também
participarem do curso de Primeiras Letras, corroborando a abertura e delimitação nos horários
de funcionamento para a frequentação de não sócios ao Gabinete de Leitura.
Preferência apresenta-se como um aspecto fundamental para que se compreenda o
implícito de que o projeto educacional persistia. Possivelmente havia procura (demanda) pela
população local de Jundiaí, desejosa por participar da educação primária, fornecida
gratuitamente no Gabinete de Leitura. E, o fato de não se restringir o curso somente aos
associados e registrar essa normativa em estatuto, especificando a preferência para as
matrículas, evidencia como a escola ainda existia. O que pode também ser indicativo de sua
ampliação e alcance social.
Outro indício é registrado em março de 1912. Refere-se à alteração de lugar de uma
das salas sociais do Gabinete de Leitura, ambiente onde os sócios e frequentadores se
encontravam. E essa sala dispunha de cadeiras e sofás para conversas, o que acabava por
“atrapalhar o andamento das aulas”. Assim sendo, registrava-se em ata, a necessidade de se
transferir a sala social para outro cômodo, de modo que não fosse muito próximo à sala de
aula e não fizesse tanto barulho163
. Esse curto registro de uma medida tomada para
organização do espaço certifica a continuidade do projeto educacional.
No capítulo 14, Art. 42° do estatuto de 1911, também ficava estabelecido que “a
bibliotheca é franqueada ao público independente de pagamento”164
. Qualquer pessoa, a partir
de então, poderia frequentar o Gabinete de Leitura, nos horários determinados ao público
geral e desfrutar de seu acervo literário. Contudo, era necessário saber ler, para que se pudesse
praticar a leitura.
Nesse momento, é possível se observar a particularidade da escola de primeiras letras.
Quando os sócios e diretores colocam em prática o que se anunciara como sendo um dos
objetivos da instituição, percebes-se que para os que não soubessem ler, princípio elementar
para o acesso à biblioteca do Gabinete de Leitura, a escola de Primeiras Letras cumpriria o
papel de agente instrutor.
162
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria, 25.05.1911, p. 21. 163
Ibidem. 04.03.1912, p. 6. 164
Ibidem. 25.05.1911, p. 24.
100
O Gabinete de Leitura era um espaço de sociabilidade livresca, lugar de encontro e
aprazimento dos que se interessavam pelas letras, tinha a função de promover instrução,
conferências e cerimoniais de cunho literário e intelectual. Seu quadro societário inicialmente
restrito aos empregados da Companhia Paulista e àqueles que pudessem pagar para se
associarem, passava a ser, a partir de então, acessível aos que não pudessem pagar pelo
consumo de impressos.
Dentre esses, pode-se tomar como base o zelador do prédio. Seu salário em relação ao
salário do professor contratado para a escola noturna, possivelmente, não lhe possibilitava
destinar uma parcela para despesas com instrução e demais aspectos culturais. Já para o
professor, independentemente de seu cotidiano atrelado às questões culturais e educacionais,
atendo-se aqui apenas ao aspecto econômico, provavelmente sim.
Portanto, para os diferentes grupos sociais, dentro das camadas de trabalhadores
urbanos e de pequenos produtores rurais sem recursos para os estudos e possivelmente
iletrados, a escola de primeiras letras, seria a chave de acesso para que se adentrasse o
Gabinete de Leitura e se usufruísse dele, por conseguinte do universo das letras, das práticas
instrutivas, da alfabetização e da escolarização, estendendo-se ao cotidiano da vida social, em
que independentemente da posse do livro, a cultura da escrita e do impresso estava presente,
de diversas maneiras, nos jornais, em cartazes, nas propagandas, em bulas de remédios, nos
letreiros, informativos, entre outros165
.
Através da escola, a direção do Gabinete de Leitura poderia promover a alfabetização
dos sócios e seus filhos e também de grupos de moradores da cidade de Jundiaí. Aos poucos,
o número de praticantes da leitura na região se ampliaria, aumentando a participação da
instituição frente à população local e, por conseguinte, o número de sócios e frequentadores.
A pesquisa não localizou dados empíricos sobre o quadro geral da população
alfabetizada e escolarizada de Jundiaí, no período de 1900-1920, não se podendo traçar um
panorama da parcela analfabeta da cidade. Os anuários estatísticos de São Paulo apresentam
as escolas estaduais, municipais e particulares existentes na região e o número de alunos
165
De acordo com Roger Chartier, (2004, p. 376) “as taxas de alfabetização, não dão a medida da familiaridade
com o escrito – tanto mais que nas sociedades antigas em que as aprendizagens da leitura e da escrita são
dissociadas e sucessivas, são numerosos os indivíduos (...) que deixam a escola sabendo ler, pelo menos um
pouco, mas de modo nenhum escrever. Igualmente a posse privada do livro não pode indicar por si só a
conveniência com o impresso e seus usos ou efeitos plurais. Mesmo que seja impossível estabelecer o número
desses ledores, que não sabem assinar, nem dos leitores que não possuem nenhum livro, mas que, entretanto,
liam tabuletas e cartazes, pasquins e livros azuis, é necessário postular uma existência numerosa para
compreender o próprio impacto do impresso sobre as formas tradicionais de uma cultura letrada ainda
amplamente oral, gestual e imagética”.
101
matriculados, entre homens e mulheres somente para os anos: 1915 (758 alunos); em 1916
(768 alunos) e em 1917 (1.189 alunos)166
.
Em quadro mais geral, após a Proclamação da República, o Estado de São Paulo,
efetivava, por meio de reformas no ensino público, a partir da lei n° 88, de 8 de agosto de
1892, a estruturação do ensino público paulista, com a criação de escolas públicas em todos os
graus, ensino primário, secundário e superior.
As reformas implantadas eram motivadas pelo ideal republicano, dentro de ações
políticas e projetos liberais, na convicção de que a educação constituía-se como um elemento
de redenção, pautando-se na instrução pública, configurando-se como um instrumento de
formação e de edificação do cidadão republicano. A própria consolidação do novo regime,
suas instâncias de poder e legitimação, atrelavam-se ao poder da Educação, que, no cenário da
administração pública era entendida como um mecanismo capaz de promover “o
desenvolvimento da sociedade”167
.
O ensino público primário paulista, em relação ao secundário e ao superior, sofreu as
maiores alterações, era dividido em preliminar (obrigatório dos 7 aos 12 anos) e
complementar, ambos com a duração de quatro anos, tendo modificações em suas durações
em 1895168
. Outras reformas educacionais nas esferas, estadual e federal, ocorreram durante
toda a primeira República (5 ao total) Tratava-se de mudanças que marcavam as bases das
transformações urbanas, sociais e econômicas ocorridas no período, onde:
A educação popular passava a ser considerada um elemento propulsor, um
instrumento importante no projeto prometéico de civilização da nação brasileira,
articulando-se com o processo de evolução da sociedade rumo aos avanços
econômico, tecnológico, cientifico, social, moral e político alcançados pelas nações
mais adiantadas, tornando-se um dos elementos dinamizadores dessa evolução169
.
As escolas de primeiras letras surgiram em diferentes regiões do Estado de São Paulo,
nas esferas, pública e privada, fomentadas pela própria constituição do Estado, em 1891, e
pelas legislações estaduais posteriores. O Gabinete de Leitura de Jundiaí fora beneficiário de
alguns materiais destinados à fundação da escola, fornecidos pelo Estado. Entretanto, as
166
Anuários Estatísticos de São Paulo 1915, p. 216-227; 1916 p. 212-215; 1917 p. 243-293. Não há o registro
do número de alunos em anos anteriores e não há índices de alfabetização. 167
PAULO, Marco Antonio Rodrigues. A organização das estatísticas escolares no Estado de São Paulo no
período de 1892 a 1920. 253 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2007, p. 12. 168
MARCÍLIO, Maria Luiza. História da escola em São Paulo e no Brasil. São Paulo, Imprensa oficial do
Estado de São Paulo: Instituto Fernad Braudel de Economia Mundial, 2014. 169
SOUZA, Rosa Fátima de. Tempos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de
São Paulo (1890-1910). São Paulo, Fundação Editora da UNESP, 1998, p. 25.
102
reformas educacionais não representavam a escolarização e a alfabetização da maioria da
população paulistana.
Segundo Ana Infantosi, “a difusão do ensino primário não conseguiu nunca atingir o
grau de intensidade necessário para satisfazer ao problema da alfabetização, se não de todo,
ao menos, de uma parte mais considerável da população”170
. Fosse para a parcela infantil ou a
parcela adulta, as ações políticas para a instrução pública foram insuficientes. No Estado de
São Paulo, apenas 25% de uma população de 2.758.078, de acordo com o recenseamento de
1900, eram alfabetizados171
.
Em Jundiaí certamente a oferta de vagas não supria a demanda da população em idade
escolarizada.
A escola de primeiras letras do Gabinete de Leitura para esses, dava os contornos de
concretude e viabilidade na formação de leitores, e, por conseguinte, na constituição de
cidadãos imersos no hábito da leitura e favoráveis a ele. Os alunos seriam também os
frequentadores e, portanto, os praticantes do ato de ler, precisavam aprender os códigos e as
prescrições para acessarem o universo da leitura e da instrução. Dar-se-ia no fazer (estudar, se
dedicar, praticar, aprender) a constituição do ser (leitor).
Estendendo-se a um maior número de pessoas, o projeto educacional afirmava a
formação e/ou conformação de um espaço que se destinava a promover uma tradição em se
praticar a leitura, tornando-se acessível aos que soubessem ler e também aos desejosos por
aprenderem as primeiras letras. Assim, disponibilizavam-se os livros, ensinava-se a ler e a
escrever e, nessa prática cotidiana, representava-se o letramento.
Para Jorge Lima, as escolas noturnas de primeiras letras, criadas pelos Gabinetes de
Leitura em suas dependências, representavam admiração e estima, visto que:
Fundar um gabinete de leitura, nele estabelecer um curso noturno e mantê-lo em
funcionamento era motivo mais do que justo para merecer o respeito da cidade,
tendo em vista o caráter atribuído à nobre missão alfabetizadora, associada ao
próprio processo de conversão de crianças e adultos ignorantes em cidadãos
devidamente preparados para colaborar com o progresso de uma nação republicana
em construção172
.
Ainda segundo o autor.
170
INFANTOSI, Ana Maria. A escola na República Velha. São Paulo, EDEC, 1983, p. 72. 171
GOMES, Sônia de Conti. Op. cit. Consultar ainda: BOMENY, Helena. Quando os números confirmam
impressões: desafios na educação brasileira. Disponível
em:<http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1354.pdf>: Acesso em: 11 jun. 2015. 172
LIMA, Jorge. Op. cit., p. 86.
103
Seja por derivação ou por comunhão de sócios e fundadores, cursos noturnos e
gabinetes de leitura constituem faces da mesma moeda fazendo parte do repertório
de projetos e ações da parte dos homens de letras (...) no sentido de promoverem a
alfabetização e a prática da leitura em suas cidades173
.
Hà que se perguntar qual o perfil dos alunos da escola de primeiras letras do Gabinete
de Leitura e quais os métodos empregados no processo de ensino/aprendizagem. Esta
pesquisa se deparou com dúvidas sobre a permissão a mulheres de frequentar as aulas, quanto
ao o número total de alunos, número total de turmas formadas e período em que funcionou o
projeto educacional e número de professores que por ali passaram. Essas, sem dúvida, são
questões que se colocam como elementos fundamentais para que se possa compreender, de
forma mais complexa e holística, a existência e a atuação da escola de primeiras letras, porém,
são também questões que ficam abertas, como um hiato, em decorrência da falta de
documentação que possibilite responder a essas indagações de modo satisfatório.
Ao se analisarem os poucos registros existentes e confrontá-los com alguns dados
sobre a escola na Primeira República, extraídos da bibliografia, pode-se inferir que a escola de
primeiras letras do Gabinete de Leitura, destinava-se principalmente à educação de adultos,
visto que seu horário de funcionamento era no período da noite, após o cumprimento das
jornadas de trabalho.
Os trabalhadores da Companhia Paulista, matriculados no curso, depois do dia de
trabalho, dirigiam-se a sala de aula da Instituição, no horário estipulado para os estudos, no
período das 18h00 às 21h00, pois as escolas noturnas do Estado de São Paulo funcionavam
dentro desse horário174
e os prontuários consultados dos funcionários da Companhia Paulista,
demonstram que os turnos de trabalho iniciavam-se às 09h00 e se encerravam em grande
parte às 17h00.
Os adultos participantes da escola noturna possivelmente ocupavam postos de trabalho
mais baixos e de baixa remuneração dentro da Companhia Paulista, tendo em consideração
que os fundadores do Gabinete de Leitura trabalhavam na Contadoria, exerciam funções que
exigiam a constante leitura e resolução de cálculos. E quanto aos filhos dos sócios que talvez
frequentassem a escola de primeiras letras, certamente eram homens com idade entre 13 e 14
anos, período em que já poderiam ingressar na Companhia Paulista.
Considere-se ainda que a biblioteca do Gabinete de Leitura possuía em seu acervo
livros pedagógicos (como se verá no capítulo 3), aspecto que, sem dúvida, contribuía para a
aprendizagem dos alunos, não sendo necessária a compra de livros ou qualquer tipo de
173
LIMA, Jorge. Op. cit., p. 88. 174
PRIMITIVO, Moacyr. A instrução pública no Estado de São Paulo. São Paulo, Cia. Editora Nacional,
1942.
104
material didático por parte deles. Utilizavam-se os próprios recursos disponíveis na
instituição.
E, como último elemento, porém não menos importante, os conteúdos trabalhados, nas
escolas de ensino das primeiras letras, de acordo com a bibliografia sobre a escola no período,
pautavam-se no aprender a ler, a escrever e a contar, elementos básicos e necessários a
qualquer cidadão. O estudo das primeiras letras era o que se podia oferecer às camadas mais
pobres da população. Esse modelo de educação básica era herança da educação pública no
Império e sofrera poucas alterações a partir da República, mas mantendo-se o nome,
“Primeiras Letras”, que segundo Luciano Filho, em seu trabalho sobre a instrução elementar
no século XIX:
Essa forma de referir-se à escola que se queria generalizar para todo o povo (...)
possibilita perceber, por um lado, que se queria generalizar os rudimentos do saber
ler, escrever e contar, não se imaginando, por outro lado, uma relação muito estreita
dessa escola com outros níveis de instrução: o secundário e o superior. Nessa
perspectiva, pode-se afirmar, como muitos faziam à época, que para a elite
brasileira, a escola para os pobres, mesmo em se tratando de brancos e livres, não
deveria ultrapassar o aprendizado das primeiras letras175
.
A escola de Primeiras Letras era projeto educacional que tinha como base formar
leitores. Não por acaso, a criação de uma escola, a partir do surgimento do Gabinete de
Leitura, atendia a esse projeto.
O estatuto de 1908 estabelecia ainda a criação de uma escola secundária, porém esse
segundo passo, que certamente daria continuidade ao ensino dos alunos que se formassem na
escola de primeiras letras, não teve seguimento. Em 1911, no novo estatuto, não há menção
sobre o projeto da escola secundária. Nas atas também não há registros. Seguramente nada
fora esboçado no sentido de se prosseguir com a ampliação para outro nível de ensino.
2.2 O Grêmio Literário
A prática de promover e disseminar a instrução assentava-se na base institucional que,
ao poucos, se solidificava e era capaz de se lançar a outras instâncias de legitimação de suas
ações. No dia 24 de Agosto de 1913, dez sócios elaboraram um ofício e o apresentaram em
reunião de diretoria com o objetivo de lançar medidas à fundação de uma “sociedade literária”
que seria anexa ao Gabinete de Leitura.
175
FILHO, Luciano Mendes de Faria. Instrução Elementar no século XIX. In:___;TEIXEIRA, Elaine;
CYNTHIA, Veiga (Org.). 500 Anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 136.
105
Apreciado pela diretoria, o projeto fora aprovado, ficando Conrado Offa (que no
naquele ano exercia a função de tesoureiro), responsável por manifestar o modo de
administração da “sociedade literária em vias de fundação”176
.
Uma nova diretoria foi eleita para dar andamento aos trabalhos, formada pelos
senhores: Dantas Sebastião Mendes da Silva (Presidente); Georges L. S. (Vice-Presidente);
Nestor de Oliveira (2° Vice-Presidente); Sebastião de Oliveira (1° Secretário); Jorge B. Junior
(2° Secretário); Carlos Jorge Marques (3° Secretário) e Waldomiro Lobo da Costa (Orador).
Essa nova cúpula diretiva seria apartada do Gabinete de Leitura, todavia permaneceriam como
membros dele, apenas se encarregariam de cuidar dos preparativos e da organização
necessária para a criação do que posteriormente seria denominado “Grêmio Literário do
Gabinete de Leitura”. Waldomiro Lobo da Costa registrava seus votos de louvor:
Compreendendo a energia, esforço e a dedicação com que a directoria do Gabinete
de Leitura, movida por seu interesse, nobre e elevado, qual seja o de cooperar para o
desenvolvimento intelectual em Jundiaí, empenhou-se na árdua tarefa de auxiliar na
fundação do Grêmio Literário e reconhecendo a louvável abnegação com que se
presta a dar à sólida e augusta sociedade que será o Grêmio recém fundado, a
diretoria do Grêmio Literário, emite seu voto de louvor, testemunhando-lhe o seu
agradecimento e solidariedade177
.
O Grêmio Literário estava também dentre as finalidades pretendidas pelos membros
do Gabinete de Leitura, de desenvolverem “conferencias essencialmente literárias e
cerimoniais”. Não é possível se saber se um novo espaço fora disponibilizado ou se apenas
ocorreriam encontros sazonais, com palestras e conferências, utilizando-se do mesmo espaço
do Gabinete de Leitura, salas e acomodações.
Desse modo, uma nova prática letrada se constituía, um lugar ou alguns momentos
para o intercâmbio e a discussão de obras e autores, onde a palavra viva, proferida pelos
conferencistas escolhidos pela diretoria para ministrarem assuntos literários, estabeleceria as
relações entre as letras e os possíveis ouvintes, permitindo o uso coletivo do livro através de
uma leitura pública.
Dava-se início a outro nível de instruir-se. Enquanto a escola de primeiras letras era
incumbida de alfabetizar, escolarizar e educar alguns membros do Gabinete de Leitura e
cidadãos jundiaienses, o Grêmio Literário, por sua vez, configurava-se como outra forma de
ilustração, também possibilitada aos sócios, em que a participação pressupunha a experiência,
a priori,com a leitura e uma relação maior com os livros, quando a participação em
176
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria. 24.08.1913, p. 43. 177
Ibidem, 27.08.1913, p. 45.
106
discussões, diálogos e apreciação de obras se daria de maneira conjunta, dentro das
conferências e cerimoniais que se realizassem.
Após a fundação do Grêmio Literário, são poucos os registros em ata que fazem
menção à continuidade do projeto, mas saraus ocorriam com frequência. No dia 20 de março
de 1916, em ata de Assembleia Geral, registravam-se agradecimentos àqueles que proferiram
durante os saraus, dentre eles, Waldomiro Costa, Eloy Chaves, João Figueiredo, Olavo
Guimarães (Prefeito de Jundiaí entre 1911-1927), Gustavo Paes de Barros e Sebastião
Silva178
.
2.3 Homens de letras
A trajetória de vida dos fundadores e sócios do Gabinete de Leitura é um importante
elemento para se pensarem as ações por eles desenvolvidas. Se a institucionalização de um
espaço para as letras em Jundiaí se concretizou e os projetos passaram a vigorar, fora através
das ações de seus idealizadores e daqueles que, aos poucos, se somavam à instituição, que se
obteve êxito. Os sócios contribuintes e benfeitores eram atuantes quanto às questões de
administração e organização do Gabinete de Leitura.
As atas de reuniões das Assembleias Gerais e das Diretorias possuem sempre, ao final,
as assinaturas dos participantes, que eram numerosos. Nas reuniões em que ocorria a eleição
de diretoria ou a formação de comissões para desenvolverem determinadas atividades, a
presença da metade, dentre o número total de sócios era exigida, conforme previa o estatuto.
E, analisando as atas, nota-se que eles compareciam. As poucas ausências eram
justificadas por outro sócio e do mesmo modo registradas em ata. Essa participação
demonstra o profundo envolvimento dos sócios na resolução das questões cotidianas e no
tempo por eles despendido à sociedade, caracterizando a importância a ela conferida.
As formas de reunião, de organização e de comunhão de interesses se encontram na
base da construção do Gabinete de Leitura. O espaço idealizado ganhava personificação na
figura dos sócios e por meio de suas práticas.
Ha que se questionar quem eram aqueles homens e quais as funções por eles
desempenhadas no dia a dia, dentro e fora do Gabinete de Leitura. Quais eram as suas
posições nas camadas sociais de Jundiaí e se eles constituíam algum tipo de intelectualidade
na cidade. Essas, como as anteriores, são questões que requereram um trabalho de intensa e
178
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria, 20.03.1916, p. 55.
107
dificultosa busca, pois os registros sobre a trajetória de vida e de atuação dos sócios
fundadores e demais membros do Gabinete de Leitura são escassos, quase que inexistentes.
As únicas informações disponíveis eram seus nomes registrados em atas, no livro de
sócios contribuintes e em algumas poucas publicações sobre suas biografias – mais próximas
até de um resumo (às vezes de um parágrafo) da trajetória de vida do que de uma descrição
biográfica, listadas em sua maioria na Enciclopédia de Paula, publicada no ano de 2006,
tendo poucos exemplares. Distribuídos unicamente para o Museu Histórico e Cultural de
Jundiaí, ao Gabinete de Leitura, ao Centro de Memória e a Biblioteca Municipal Professor
Nelson Foot.
A enciclopédia foi um trabalho que reuniu pesquisadores dessas instituições para
desenvolverem uma coletânea de textos (sínteses) dos principais eventos, pessoas, lugares e
períodos que marcaram a história de Jundiaí. Um trabalho que durou dois anos e que ficou
disponível a esta pesquisa pelo atual diretor do Gabinete de Leitura João Borin.
A partir de fragmentos encontrados na enciclopédia, averiguou-se que esses homens
estiveram intimamente ligados ao universo político-cultural da cidade, ocupando cargos
públicos, atuando na área jornalística ou no próprio campo literário. Em suas particularidades,
observa-se que suas formas de atuação na cidade, desde a juventude, quando escreviam
“sonetos e ditos humorísticos”, atrelavam-se ao próprio meio em que se inseriam: o urbano
em transformação.
Não se afirma aqui que formavam uma camada de intelectuais, mas sim, que foram os
propugnadores de um espaço para o desenvolvimento de uma intelectualidade. Em suas
posições, semearam o acesso ao livro e à leitura, através da fundação da primeira biblioteca
pública da cidade. Quando atingiram a maioridade, enveredaram pelos caminhos dos estudos
superiores. Na ordem da Primeira República, alguns se mudaram para São Paulo ou Rio de
Janeiro, seguiram profissões liberais, atuando como advogados, médicos, cirurgião-dentista e
jornalistas, mas sempre volvidos ao culto das letras, não desvencilhando suas posições dessa
prática, mesmo quando em idade mais avançada e já exercendo suas profissões na área de
formação acadêmica.
Partindo de uma rede de relações familiares e sociais, no início de suas atividades
profissionais, quando ingressos na ferrovia, passaram, ao longo dos anos, a conquistar outros
distintivos sociais, como diplomas escolares, que segundo Sergio Miceli, “acentuam não
apenas a concorrência no campo intelectual, como também a diferenciação e a hierarquização
108
das posições internas em relação às origens sociais”179
. A fundação do Gabinete de Leitura
fora mais um distintivo desse grupo entendido aqui como homens de letras.
Compondo um quadro geral, o primeiro registro localizado sobre os membros do
Gabinete de Leitura, foi o Livro de Sócios Contribuintes, que, além dos nomes e da
quantidade de sócios, para o período entre 1912-1917, também marca as nacionalidades dos
sócios, exceto para o ano de 1915, possibilitando perceber as origens dos que compunham o
quadro societário.
As nacionalidades são descritas identificando cada associado. Na impossibilidade de
listá-los, um a um, organizaram-se essas informações em tabela que viabilize visualizar a
composição geral das nacionalidades existentes no período e que formam o grupo dos sócios
contribuintes. Salienta-se que essa tabela abrange os que “pagavam” as mensalidades, mas
sócios benfeitores e demais pessoas com acesso franqueado também circulavam por entre os
salões sociais da instituição.
Tabela 4 - Nacionalidades dos sócios contribuintes (1912-1917)
Fonte: Livro de sócios contribuintes
O número de brasileiros é preponderante para todos os anos. Exceto no ano de 1913,
representavam mais de 80% do quadro de sócios contribuintes. Italianos, em menor
proporção, em 1913, chegaram a representar 13%, diminuindo essa porcentagem para os
demais anos. Cabe lembrar que, entre o número de brasileiros, muitos poderiam descender de
italianos que imigraram para Jundiaí e habitaram a região do bairro colônia, ou até mesmo
179
MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.115.
Nacionalidades 1912 (% ) 1913 (% ) 1914 (% ) 1916 (% ) 1917 (% )
Brasileira 104 86% 119 76% 184 88% 127 81% 212 87%
Italiana 7 2% 21 13% 9 4% 10 6% 10 4%
Portuguesa 3 2% 4 3% 4 2% 5 3% 5 2%
Espanhola 3 2% 4 3% 2 1% * * 1 _
Francesa 3 2% 6 4% 3 1% 2 1% 2 1%
Russa 1 1% 2 1% * * * * 1 _
Alemã * * * * 4 2% 9 6% 5 2%
Sueca * * * * 1 _ * * 2 1%
Inglesa * * * * 2 1% 2 1% 2 1%
Turca * * * * * * 1 1% 1 _
Síria * * * * * * * * 4 2%
109
advindos de outras cidades do Estado de São Paulo, constituindo-se na 2° ou 3° geração de
descendentes. Portugueses, franceses, espanhóis e alemães, em menor quantidade, também
compunham o quadro social, variando entre 2% e 6%. A participação de ingleses se mantém
em 1%, no período entre 1914-1917. Russos, suecos, sírios e um turco ainda estiveram no
quadro social, confirmando o que os estatutos definiam: “o Gabinete de Leitura era uma
associação de indivíduos sem diferencia de nacionalidade”.
Delimitando esse quadro, percebe-se que aqueles que formavam as diretorias anuais
eram majoritariamente brasileiros, como Conrado Offa, Arthur Oliveira, Benedito Ferraz,
João Costa, Tibúrcio Siqueira, Waldomiro Costa, Sebastião Silva, dentre outros.
As escolhas dos dirigentes davam-se através de eleições, com a participação de todos
os sócios, reunidos em assembleia. Desse modo, a nacionalidade não era um elemento
distintivo. Apenas marcava a heterogeneidade da instituição, sinalizando como esses homens
compunham não somente o quadro social do Gabinete de Leitura, mas também as diferentes
atividades profissionais na operária cidade de Jundiaí.
De acordo com as atas que registram as reuniões para a eleição de diretorias, entre
1908-1923, elaborou-se o quadro a seguir, com as posições hierárquicas, de modo a
denominar e identificar quem eram as pessoas eleitas e que tinham, dentre suas tarefas, a
responsabilidade de conduzir as questões de ordem administrativa, observando-as em seu
campo sociocultural.
110
Fonte: Elaborado pelo autor baseado nas atas de reuniões da Diretoria
Tabela 5 - Diretoria do Gabinete de Leitura (1908-1923)
ANO PRESIDENTE VICE-PRESIDENTE 1° SECRETÁRIO 2° SECRETÁRIO TESOUREIRO COMISSÃO FISCAL BIBLIOTECÁRIO
1908 Conrado Augusto Offa Arthur Basílio de Oliveira Carlos Hummel
Guimarães Benedito de Godoy Ferraz Ignácio Ventania da Costa Wilke - João Xavier Dias da Costa
1909 Conrado Augusto Offa Carlos Hummel Guimarães Georges Le Seur Benedito de Godoy Ferraz Ignácio Ventania da Costa Wilke Estevam Giraud João Xavier Dias da Costa
1910 Conrado Augusto Offa Joaquim Silva Rocha Thomaz Silveira João Xavier Dias da Costa João Martins João Bravo João Xavier Dias da Costa
1911 Joaquim José de Araújo Estevam Girau José Honorato de Lima José Martins José Rossi G. Pereira Manoel José da Costa, Nilo Paes e
Francisco dos Santos Paes João Xavier Dias da Costa
1912 Conrado Augusto Offa Joaquim Silva Rocha José Antonio Ribeiro Arthur Marciano Ignácio Ventania da Costa Wilke Manoel José da Costa, Laurentino
Santos e Joaquim dos Santos -
1913 Joaquim Guilherme da
Silva Rocha Alfredo Elias da Silva José Antonio Ribeiro José Martins Conrado Augusto Offa
Francisco dos Santos Paes, Manoel Jose
da Costa e Carlos Reynaldo Del Porto -
1914 Luis Rosa Georges Le Seur Waldomiro Lobo Da
Costa Francisco dos Santos Paes Conrado Augusto Offa
Sergio Martins, Carlos de Queiroz e
Joaquim dos Santos -
1915 Carlos Reynaldo Del
Porto José Martins
Waldomiro Lobo Da
Costa Carlos de Queiroz Conrado Augusto Offa
Getúlio Nogueira, Alfredo Elias da
Silva e Dr. Sebastião Mendes Silva -
1916 Sebastião Mendes da
Silva Tiburcio Siqueira
Waldomiro Lobo Da
Costa Jorge Cardoso de Oliveira Joaquim da Silva Rocha
João Martins, Carlos Reynaldo Del
Porto e Ignácio Ventania da Costa
Wilke
-
1917 Waldomiro Lobo Da
Costa
Joaquim Guilherme da Silva
Rocha Thomaz Silveira José Elias de Camargo Jorge Cardoso de Oliveira - -
1918 Virgílio Ferraz de
Camargo Benedito de Paula Brazil Otaviano Faber José Martins Alberto Benedito Pereira - -
1919 Waldomiro Lobo Da
Costa Thomaz Silveira
Sebastião de Oliveira
Aparecido Serafim Martins Sergio Martins - -
1920 Waldomiro Lobo Da
Costa Thomaz Silveira Serafim Martins Abílio Del Porto Benedito de Paula Brasil - -
1921 Waldomiro Lobo Da
Costa Thomaz Silveira Alceu de Toledo Pontes José Elias de Camargo
1° Benedito de Godoy Ferraz
- -
2° Benedito Brasil de Paula
1922 Waldomiro Lobo Da
Costa Thomaz Silveira Alceu de Toledo Pontes José Elias de Camargo
1° Benedito de Godoy Ferraz
- -
2° Benedito Brasil de Paula
1923 Waldomiro Lobo Da
Costa Thomaz Silveira Alceu de Toledo Pontes José Elias de Camargo
1° Benedito de Godoy Ferraz
- -
2° Benedito Brasil de Paula
111
A partir do quadro exposto, a pesquisa buscou levantar informações sobre as
trajetórias de vida dos membros da diretoria. Porém, foi possível reunir documentos apenas
sobre Benedito Ferraz, Conrado Offa, Waldomiro Costa e Tibúrcio Siqueira, personagens
importantes na história do Gabinete de Leitura de Jundiaí, sínteses do grupo social que
compunham. Eram homens de letras e essa condição estava ligada às suas práticas,
representadas por um importante bem simbólico: a relação que possuíam com a cultura
letrada. Relação individual, com os livros e objetos que denotam a posse da cultura escrita
e/ou coletiva como a idealização e realização do Gabinete de Leitura e as posições e funções
por eles exercidas dentro da instituição.
Benedito Ferraz nasceu na cidade de Rio Claro, em 1889, filho de Joaquim Ferraz
Júnior e de Dona Joaquina de Godoy Ferraz. Mudou-se com a família para Jundiaí, no ano de
1898, quando seu pai fora transferido pela Companhia Paulista para ocupar o cargo de
Contador180
.
Em 1901, (de 12 para 13 anos de idade), ingressou na empresa ferroviária, seguindo as
determinações do pai. Em 1904, após permanecer por quase três anos no setor de tráfego da
companhia, Benedito Ferraz foi transferido para a sessão da contadoria, passando a trabalhar
sob a supervisão direta do pai. Sonhando, porém, com um futuro diferente daquele que o pai
lhe traçara, mas também sem causar-lhe contrariedade, dedicou-se, paralelamente aos estudos,
pagava professores e comprava livros com seu próprio ordenado para instruir-se181
. Nesse
período, teve a ideia de fundar um Gabinete de Leitura na cidade, conjuntamente com seus
companheiros de trabalho, participando do primeiro quadro diretivo nos anos de 1908 e 1909.
Seis anos mais tarde, Benedito Ferraz, concluiu seus estudos, conseguindo o diploma
necessário para ingressar no nível superior. A pesquisa não teve acesso à informação sobre a
escola de Jundiaí em que ele estudou. Ante a propensão do filho em seguir a carreira médica,
em 1911, Joaquim Ferraz, permitiu que Bendito partisse para o Rio de Janeiro, a fim de
diplomar-se na Faculdade de Medicina. As atas de Assembleia Geral e da Diretoria, não
registram sua saída do quadro societário do Gabinete de Leitura.
Próximo de concluir os estudos médicos, Benedito Ferraz, demonstrou a vocação que
nunca perdera, iniciada por uma simples derivação e que possivelmente florescera entre um
livro e outro nas dependências do Gabinete de Leitura: a de poeta.
Publicou o livro Dentro de um Sonho, em 1916, cujo escritor carioca Leôncio Correia
prefaciou, com as seguintes considerações:
180
PAULA, Celso de. Enciclopédia Cultural de Paula. Vol. I. Jundiaí, SP: Editora Literarte, 2006, p. 216. 181
Idem.
112
O seu engenho há de vencer a indiferença da época, como os raios de sol vencem,
dourando e desfazendo as longas névoas das hibernais manhãs... Quem assim sente e
sabe se exprimir, traz consigo o fogo sagrado, os cantares doces como os dos
pássaros, perfumados como os beijos da brisa nas noites floridas, límpidos como um
olhar de criança, dourados como uma aurora de maio.
Felizes os que ainda podem atirar às aragens sonoras as canções de amor e os hinos
dos seus sonhos. Amar é viver dentro de um sonho: o amor nasce do sonho, como da
flor o fruto desabrocha. É na rede do sonho que o amor se embala182
.
Quando concluiu o curso, regressou a Jundiaí. De imediato não passou a clinicar, por
não conseguir trabalho. Mudou-se para Monte Alto, no interior do Estado, retornando a
Jundiaí somente em 1918, quando fora chamado por outros médicos da cidade para contribuir
no atendimento aos enfermos da gripe espanhola.
Sua contribuição na região fora de tanta importância, que o chefe efetivo da Sociedade
Beneficente dos Empregados da Companhia Paulista, Dr. Cavalcanti, exigiu da referida
instituição a contratação de Benedito Ferraz como médico efetivo, passando o mesmo a
residir em Jundiaí. De 1920 até 1923 exerceu a função de tesoureiro do Gabinete de Leitura.
Trabalhou na Sociedade
Beneficente até meados de 1926,
passando a ocupar o cargo de chefe
de clínica da Caixa de Pensões e
Aposentadoria dos Ferroviários no
mesmo ano.
No campo da política, em
1929, acumulou, além das funções
de diretor e médico, a de vereador
da Câmara Municipal de Jundiaí,
exercendo dois mandatos entre as
décadas de 1930-1940.
Em paralelo às atividades médicas. Benedito Ferraz não perdeu o gosto pelas letras.
Publicou artigos, não somente na área da medicina, como também escreveu poemas, versos e
sonetos. Em 1922, publicou o livro No Meu Silêncio, que foi por ele dedicado ao Gabinete de
Leitura de Jundiaí, instituição que certamente colaborou para o seu interesse pelas letras.
No campo da medicina, publicou a obra Médico Tua Missão é Curar! no ano de 1946.
Em sua dedicatória escrevia “a minha mulher, companheira dedicada, que me tem ajudado a
manter acesa, a despeito de qualquer sacrifício, a flama do meu idealismo”183
.
182
CORREIA, Leôncio. Apud, PAULA, Celso de. Op. cit. p. 217.
Figura 17 – Benedito Ferraz.
Fonte: TOMANIK, Geraldo B. Os Traços, as fotos e a
história. Jundiaí, São Paulo: Literarte, 2005, p. 168.
113
O livro marca o registro de encontro que Benedito Ferraz tivera com a medicina
homeopática anos atrás, onde o autor anunciava:
Em toda a minha vida de médico, desde 1917, nunca eu havia prestado atenção ao
fato de existir, ao lado da minha medicina, uma outra, a que denominavam de
homeopatia. Sempre havia suposto que o tratamento homeopático não passasse de
mania inofensiva de algumas criaturas bem intencionadas, que encontravam na
prescrição das suas gotas uma oportunidade para serem amáveis. Quanto aos
médicos homeopatas, viva-os em minoria chocante, como boas pessoas certamente,
mas, um tanto místicas, a quem se atribuíam curas milagrosas que eu, polidamente,
explicava pela influência da fé e não do remédio.
Um dia, porém, me vi lendo o “Organon da arte de curar”, de Hahnemann, 5°
edição. Confesso que um verdadeiro deslumbramento se apossou de mim, quando,
depois de muitos meses de leitura e de meditação, cheguei a última página. Nunca
havia lido um livro de doutrina médica que me empolgasse quanto esse de
Hahnemann. Todas as comparações que pude estabelecer entre os princípios da
velha escola e os da escola nova, pareciam convencer-me de que, afinal, ali estava o
desenho lógico, seguro, da medicina do futuro184
.
Posteriormente, em 1968, publicou outro livro de poemas, intitulado Viver! Sentir!
Amar! Quando já estava aposentado, mas o gosto pelas letras continuava a acompanhá-lo.
Nessa última publicação escrevera um poema dedicado a Waldomiro Lobo da Costa. Poema
batizado de Jundiahy.
E quando abri a janela, e respirei
Êste arque meu pulmão já reconhece,
Disse comigo: – Graças que sarei!
Agora é Jundihay que me aparece,
Que boceja, abre os braços, que estremece,
Dando a impressão de que a despertei.
Manhã de Jundiahy, que não se esquece,
Evocativos ares do que amei...
Como estás diferente, minha terra!
Mas, eu te reconheço pela serra
Que emoldura a colina em que te espraias.
Pelas tôrres da igreja. Pela brisa,
Por este vento que por mim desliza
E pelo pôr do sol em que desmaias185
.
Benedito Ferraz faleceu no dia 13 de Março de 1976, aos 87 anos de idade. Em seus
escritos, deixou um pouco de suas impressões poéticas sobre sua época e a cidade onde
cresceu e viveu grande parte de sua vida, Jundiaí.
Esse tempo em suas palavras “era um período boêmio, em que se intercalavam fases
de ardentes aspirações e de aventuras realmente vividas”186
. Desde sua meninice pegou gosto
pelas letras e seguiu com ele por toda a vida.
183
FERRAZ, Benedito de Godoy. Médico, tua missão é curar! Rio de Janeiro: Livraria Científica, 1946,
dedicatória. 184
Ibidem, p. 7. 185
FERRAZ, Benedito de Godoy. Viver! Sentir! Amar! Rio de Janeiro: Pongetti, 1968, p. 42.
114
Figura 18 - Capas dos livros de Benedito Ferraz. Médico Tua Missão é Curar e Viver! Sentir! Amar!
Ambos localizados em sebos virtuais.
Fonte: Elaborado pelo autor
Tibúrcio Siqueira nasceu em Jundiaí, no dia 08 de
Setembro de 1877, exerceu funções de ferroviário, jornalista
e também político. Era filho do capitão da Guarda Nacional,
Luiz Estevam de Siqueira e de Dona Maria Idelfonso de
Abreu. Iniciou suas atividades profissionais como auxiliar
da agência de correios de Jundiaí, quando saiu, em 1896,
para ingressar na Companhia Paulista, onde trabalhou até se
aposentar, em 1928187
.
186
TOMANIK, Gerado B. Op. cit., p. 167. 187
PAULA, Celso de. Op. cit.
Figura 19 - Tibúrcio Siqueira.
Fonte: Enciclopédia cultural de Paula,
2006, p. 403.
115
Teve grande destaque e atuação na imprensa jundiaiense. Em 1890, tornou-se
colaborador de A Folha e correspondente do periódico paulistano A Platéia. Em 1900, fundou
na cidade o jornal O Sentido, fora também redator do jornal A Borboleta e, logo depois, em
1905, assumiu a direção do jornal A folha, que manteve sob sua responsabilidade até o ano de
1944.
No decorrer desse período, teve participação nas diversas agremiações e associações
criadas pelos empregados da Companhia Paulista, como o Grêmio C.P., a Banda Paulista e o
Paulista Futebol Clube. No Gabinete de Leitura, ocupou a função de vice-presidente no ano
de 1916.
Na década de 1930, durante dois
mandatos consecutivos, foi vereador de
Jundiaí e posteriormente assumiu o cargo de
subprefeito da cidade. Em 1940 assumiu
como juiz de paz a comarca de Jundiaí. Veio
a falecer em 28 de Fevereiro de 1948, seu
corpo fora velado na sede do Gabinete de
Leitura.
Um Jornal puclidado na década de
1930, em Jundiaí, descrevera-o como
“decano dos nossos batalhadores da imprensa
e recordam da pressa”188
. Sem dúvida fora
um jornalista importante para Jundiaí,
trabalhando para o desenvolvimento da
imprensa local e diretamente ligado ao
mundo das letras.
Figura 20 - Charge de Tibúrcio Siqueira,
publicada em um jornal da cidade de Jundiaí na
década de 1930.
Fonte: TOMANIK, Geraldo B. Os traços, as
fotos e a história. Jundiaí, São Paulo:
Literarte, 2005, p. 165.
188
TOMANIK, Geraldo B. Op. cit., p. 165.
116
Outro membro que teve atuação política e
jornalística foi Waldomiro da Costa. Nasceu em
Campinas, no dia 23 de Abril de 1894, mudou-se para
Jundiaí com a família aos dois anos de idade.
Fez seus estudos preliminares no grupo escolar
Conde de Parnaíba e, em 1917, bacharelou-se em
Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco em
São Paulo.
Teve importante colaboração na imprensa
local de Jundiaí, durante muitos anos, escrevendo
crônicas, poesias, artigos, versando sobre política e
economia189
. Foi presidente do Gabinete de Leitura no
período entre 1917-1919 e novamente entre 1920-
1924.
Entre 1927-1930, tornou-se prefeito da cidade
de Jundiaí, atuando até a sua deposição do cargo, com
a Revolução de 1930. Após esse acontecimento,
mudou-se para a cidade de São Paulo, onde exerceu a
advocacia, chegando ao posto de ministro do Tribunal
Militar do Estado. Na década de 1950, proferiu
diversas palestras e eventos cerimoniais no Gabinete
de Leitura.
Waldomiro, de acordo com a documentação
compulsada, possuía empreendimentos comerciais na
cidade de Jundiaí. Tinha uma condição econômica
elevada, caracterizando-se como um homem de ideias
liberais, posicionando-se na imprensa local e
exercendo papéis políticos. O período de sua
presidência no Gabinete de Leitura, fora justamente o
período em que a instituição recebera as maiores
contribuições da Câmara Municipal de Jundiaí.
189
PAULA, Celso de. Op. cit.
Figura 21- Waldomiro da Costa, data
não localizada.
Foto: FERREIRA M., 2014.
Figura 22 - Charge de Waldomiro
da Costa, publicada em um jornal
da cidade de Jundiaí na década de
1930. Foto: TOMANIK, Geraldo
B. Os traços, as fotos e a história.
Jundiaí, São Paulo: Literarte,
2005, p. 165.
Fonte:
117
Conrado Offa nasceu na cidade de Tatuí, no dia 20 de fevereiro de 1877, era filho de
João Pires de Campo (que por motivos pessoais mudou seu nome para João Offa Augusto
Onofre) e Anna Cezarina Coelho de Oliveira. Conrado Offa viveu a infância e a juventude em
Porto Ferreira (na época Comarca de Pirassununga-SP) e, aos 16 anos, ingressou na
Companhia Paulista, na função de auxiliar de escritório.
Aos 22 anos, casou-se com Guilhermina Aparecida de Andrade, com quem teve 11
filhos, dos quais apenas 4 sobreviveram. Após seu casamento, transferiu-se para a cidade de
Jundiaí, ocupando o cargo de escriturário da empresa ferroviária na cidade, permanecendo até
a sua aposentadoria. Foi presidente do Gabinete de Leitura entre 1908, 1910 e 1912.
Ainda como empregado da Companhia Paulista, formou-se em odontologia na Escola
de Farmácia de Pindamonhangaba, passando a exercer a profissão de cirurgião dentista, após
encerrar sua carreira na Paulista. Seu gabinete dentário localizava-se próximo ao Gabinete de
Leitura, na Rua do Rosário, n° 70 e depois na rua Barão de Jundiaí, n° 86.
Como Tibúrcio Siqueira, Conrado Offa, teve importante papel na fundação de outras
associações e agremiações dos funcionários da Companhia Paulista. Veio a falecer em Junho
de 1952, aos 75 anos.
Figura 23 - Conrado Offa sentado ao centro ao lado de sua esposa Guilhermina Offa e sua família, filhos e netos.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
118
Embora as informações sobre a vida de Benedito Ferraz, Tibúrcio Siqueira,
Waldomiro Costa e Conrado Offa sejam sucintas, em decorrência dos poucos documentos
encontrados, suas formas de atuação não o foram. Exceto Waldomiro Costa, os demais
trabalharam na Companhia Paulista, seguindo os passos de seus pais. Desde a juventude
estabeleceram ligações com a cultura do escrito, tendo como máxima a fundação do Gabinete
de Leitura da cidade. Participaram do desenvolvimento da imprensa jundiaiensee a
incentivaram. Entrando na vida adulta, formaram-se e exerceram suas profissões de
formação. Não bastasse terem atuado no campo intelectual, promovendo mudanças culturais,
também adentraram na política. Na vida pública, deram continuidade aos seus projetos “de
iniciativas dignas de serem tentadas”.190
Como o fora o próprio Gabinete de Leitura.
2.4 Entre o público e o privado
O Gabinete de Leitura de Jundiaí nasceu na esfera privada, através de iniciativas
particulares, porém, o poder público, especificamente a Câmara Municipal da cidade, sempre
destinou verbas para a manutenção da Instituição. Havia uma relação muito próxima entre os
membros do Gabinete de Leitura e os políticos de Jundiaí. As trajetórias de vida de alguns
sócios, anteriormente descritas, e suas relações com a política demonstram essa proximidade.
Contudo, as subvenções dadas ao Gabinete de Leitura, estipuladas nos orçamentos anuais da
cidade e o próprio interesse da Câmara Municipal em manter uma instituição desse gênero
antecedem o ano de 1908.
Em 1882, através da figura de José Feliciano de Oliveira (1868–1962), foi proposta e
aceita, em sessão na Câmara Municipal de Jundiaí, a criação de um Gabinete de Leitura para a
cidade. Com seus 14 anos de idade, José Feliciano, ganhava o apoio de 40 sócios
contribuintes e um acervo de livros, doado pela Câmara, mais uma subvenção anual, para
iniciar o acervo bibliográfico da instituição191
. O apoio principal para a fundação partiu de
membros da família Queiroz Telles, de importante influência política, proporcionando
inúmeras iniciativas de âmbito cultural e intelectual na cidade e o promissor espaço destinado
às letras não passou despercebido.
Entretanto, a iniciativa não teve longa duração. Mesmo com esforços, José Feliciano
não conseguiu manter a instituição por muito tempo. Os registros de surgimento,
190
TOMANIK, Geraldo B. Op. cit., p. 168 191
CASARI, Regina Heloísa Romano. É festa, Rui Barbosa faz 80 anos. Jundiaí, Gabinete de Leitura Rui
Barbosa, 1988.
119
desenvolvimento e declínio desse Gabinete de Leitura são muito poucos, há apenas o Livro de
Ata da Câmara Municipal de Jundiaí192
, contendo a proposta de fundação (1882), votação e
aprovação, e uma correspondência entre José Feliciano e Conrado Offa (em 1930), em que o
primeiro felicitava o segundo, então fundador de um novo centro literário, e ainda “desejava
que desseis informações sobre o Gabinete de Leitura. Sua fundação progresso e condição de
estabilidade. Minha antiga experiência na matéria faz-me admirar que essa utilíssima
instituição já dure 22 anos”193.
São instituições distintas, o Gabinete de Leitura fundado por José Feliciano, que
chegou ao posto de professor da Escola Normal de São Paulo e a ser membro do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro em 1903 e o Gabinete de Leitura, fundado pelos
funcionários da contadoria da Companhia Paulista. Porém ambos foram beneficiários das
subvenções dadas pela Câmara Municipal.
Em Jundiaí, no início dos anos 1900, não havia instituições de leitura (bibliotecas,
grêmios e associações literárias) na esfera pública ou até mesmo privada. As escolas, em sua
maioria, eram particulares e a circulação de uma cultura letrada certamente era circunscrita.
As questões de instrução e de escolarização da população competiam ao poder público.
Todavia, na ingerência de tais aspectos, iniciativas particulares, que visassem a romper com
as mazelas de uma sociedade iletrada, notadamente seriam favorecidas no âmbito político.
Segundo Felipe Matos, “uma das consequências diretas do desenvolvimento da cultura
letrada sobre uma sociedade está relacionada com o consumo de produtos impressos e as
mudanças de hábitos”194
. Nessa acepção, o Gabinete de Leitura tornava público o consumo de
impressos e possibilitava a emergência de novas práticas culturais. A escola de primeiras
letras reafirmava ainda mais as tentativas de tornar a cultura letrada acessível às camadas
sociais de Jundiaí.
As subvenções cedidas ao Gabinete de Leitura, pela Câmara Municipal a partir de
1909 tiveram a intermediação de Eloy Chaves.
192
Livro de Atas da Câmara de Jundiaí, Março de 1879 a Março de 1883. Ata da 3° sessão de 29.12.1882, p. 83.
“Um ofício datado de 2 do corrente mes assinado por Joaquim Teixeira Carvalhosa e José Feliciano de Oliveira
comunicando que tendo lhes em vista organizar um Gabinete de Leitura nesta cidade, cujo progresso depende
desta Câmara, solicitarão as obras existentes no Arquivo para fazerem parte do mesmo Gabinete. Posto em
discussão, foi deferido responsabilizando-se os signatários do referido ofício pelas obras que recebessem da
Câmara. Em ata posterior, Ata da 4° sessão, de 15.02.1883, p. 92: “A comissão depois de ter tomado em
consideração o ofício do Tenente Coronel Antonio Leme da Fonseca Presidente do Gabinete de Leitura desta
cidade, é de parecer que se lhe entregasse os livros existentes nesta Câmara de que trata no mesmo ofício,
responsabilizando-se porém pelas obras que receber. Posto em discussão foi aprovado. 193
FELICIANO apud CASARI, Regina Heloísa Romano. Op. cit., p. 1-2. 194
MATOS, Felipe. Antigos tipos, novos leitores: a circulação de cultura letrada e emergência da comunidade
de leitores na ilha de Santa Catarina (Florianópolis, século XIX). In: BRAGANÇA, Aníbal; ABREU, Márcia
(Orgs.). Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p. 471.
120
O político nasceu na cidade de Pindamonhangaba. Filho de um diplomata formou-se
advogado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Foi um dos precursores da
eletricidade no Estado de São Paulo, destacando-se não só como empresário, mas também
como político. Recém formado, transferiu-se para Jundiaí em 1897 assumindo o cargo de
promotor. Em 1898 se casou com Almerinda Mendes Pereira, filha de um influente major da
cidade, o que o auxiliou no começo da carreira. Por volta dos vinte e poucos anos de idade
renunciou ao cargo de promotor e se enveredou para a política, elegendo-se vereador. Foi
presidente da Câmara Municipal de Jundiaí e depois deputado federal pela legenda do Partido
Republicano Paulista (PRP)195
.
Fez parte de importantes comissões, inclusive a incumbida de reorganizar o quadro do
funcionalismo público federal. Em sua carreira de legislador instituiu a chamada “Lei Eloy
Chaves”, de 24 de janeiro de 1923, quando criou a primeira Caixa de Aposentadoria e Pensão
dos Ferroviários, a base da política previdenciária nacional, da qual resultaria o atual INSS.
No executivo estadual, geriu a pasta da Justiça e Segurança Pública do Estado nos governos
de Rodrigues Alves (1912–1916) e Altino Arantes (1916–1920)196
.
Através de seu poder político, Eloy Chaves determinava, no orçamento anual da
municipalidade, uma subvenção mensal no valor de 20$000 (vinte mil réis) ao Gabinete de
Leitura de Jundiaí, totalizando uma contribuição de 240$000 (duzentos e quarenta mil réis)
por ano. Dentro do período de análise desta pesquisa, as subvenções não cessaram entre 1909
e 1924. Nas atas de reuniões das Assembleias Gerais, ao término de cada ano e no início da
administração de uma nova Diretoria, registravam-se os votos de agradecimento à Câmara
Municipal pela subvenção doada e em especial à figura de Eloy Chaves.
Além dos valores financeiros, houve também a isenção na taxa de luz, inicialmente
para a Escola de Primeiras Letras, em 1910 e posteriormente para toda a sede do Gabinete de
Leitura em 1911197
.
Pereira de Carvalho Queiroz é outro nome do cenário político jundiaiense
frequentemente citado nas atas de reuniões (não foi possível localizar seu cargo público).
Contribuía para que o Gabinete de Leitura com uma verba no valor de 1:200$000 (um conto e
195
Informações extraídas do site da Fundação Energia e Saneamento de Jundiaí. Disponível em:
<http://www.museudaenergia.org.br/media/26352/a_relevanciaeloychaves_setor_energetico_paulista.pdf>.
Acesso em: 06 jul. 2015. 196
Idem. 197
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria. 23.04.1911, p. 21.
121
duzentos mil réis) no orçamento anual do Estado de São Paulo, para o exercício dos anos de
1910 e 1911198
.
Eloy Chaves e Pereira de Carvalho Queiroz fizeram ainda doações para a biblioteca do
Gabinete de Leitura, a quantidade de livros não é descrita, porém, segundo os registros em
atas, elas ocorreram nos anos de 1910, 1911, 1913 e 1915. E, as relações entre o poder
público e as ações privadas dos membros do Gabinete de Leitura não pararam por aí, como se
pode perceber na escrita das próprias atas.
A estrutura das atas das assembleias do Gabinete de Leitura, cada vez mais,
assemelhava-se à estrutura das atas da Câmara Municipal. Em 1911, já aparecia o termo
expediente. Em 1918, o título ordem do dia. Depois de 1920 as atas passam a iniciar-se com o
expediente, (geralmente o exame das correspondências recebidas), terminando com a ordem
do dia, (discussão dos assuntos em pauta) mesclando as formas de se registrar as questões
particulares com o modelo público das atas da Câmara Municipal199
.
Demonstrando ainda mais o interesse em auxiliar na manutenção do Gabinete de
Leitura e caracterizando a forte relação existente entre os políticos da cidade (prefeito e
vereadores) e os sócios do Gabinete de Leitura, no dia 4 de agosto de 1921, Benedito de
Paula, segundo secretário, registrava em ata uma proposta recebida da Câmara Municipal:
A câmara municipal mandou construir um prédio no valor de 30: 000$000 (trinta
conto de réis), para sede deste Gabinete de Leitura, cujas condições impostas pela
Câmara são: O Gabinete de Leitura introdusirá em seus Estatutos, um artigo que
declare pertencer a Câmara Municipal, prédio, bibliotheca, moveis e todos os bens a
elle pertencente, em caso de dissolução da sociedade. Assumirá também o
compromisso de pagar a importância de 15:000$000 (quinze conto de reis) no prazo
de dez annos200
.
A diretoria do Gabinete de Leitura, presidida por Waldomiro Costa, no respectivo ano,
“congratulou-se com a sociedade” pelo benefício recebido da Câmara Municipal, solicitando
que fosse marcada uma reunião de Assembleia Geral para providenciar a elaboração do novo
artigo que atendesse às exigências propostas pela Câmara. Francisco Paes Leme de
Monlevade, diretor da Companhia Paulista, participante da reunião prometia ainda “mandar
construir as estantes necessárias para a bibliotheca da nova sede”201
.
O Gabinete de Leitura de Jundiaí sempre teve suas instalações alugadas. A primeira
sede em 1908 – anteriormente citada –ficava na Rua do Rosário número 153. Em 1909, por
198
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria, 19.06.1911, p. 25. 199
Livro de Atas da Câmara de Jundiaí, abril de 1914 a junho de 1916. 200
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria, 04.08.1922, p. 27. 201
Idem.
122
questões financeiras (possivelmente em decorrência dos custos com o aluguel), transferiu-se
para um prédio na Rua Barão de Jundiaí número 69, onde permaneceu até 1913, quando
retornou para a Rua do Rosário, porém em outro prédio, no número 61.
O terreno cedido pela Câmara Municipal para a construção de uma sede própria para o
Gabinete de Leitura ficava de esquina entre a Rua do Rosário e a Rua Cândido Rodrigues.
A aprovação das condições impostas pela Câmara Municipal fora unânime, durante a
Assembleia Geral realizada no dia 21 do mesmo mês. No dia 7 de setembro de 1922, ocorreu
a instalação de uma pedra fundamental no terreno onde seria construída a nova sede. Nesse
dia registrava-se em ata:
Ás quatorze horas, com a presença de todos os senhores vereadores, diretores do
Gabinete, sócios e demais pessoas gradas, aproveitando-se assim essa grande data,
que é o primeiro centenário da independência de nossa Patria, para realizar-se essa
grata e generosa dádiva com que a Câmara, por intermedio de seus dignos
vereadores, vae fazer ao Gabinete este ato, parte integrante do programa, traçado
pela digna comissão dos festejos do centenário, Resolveu então a diretoria, que
preliminarmente, ficasse constando em acta o seu mais profundo e sincero
agradecimento a Câmara e seus vereadores, pelo seu gosto nobre e patriótico, vindo
com esse auxilio satisfazer o maior e mais ardente desejo dos sócios e diretores do
Gabinete, qual de ver a sede social instalada em um prédio próprio202
.
Ainda na mesma data e ata, registrava-se que o “reverendo vigário da Parochia, o
cônego Higino de Campos”, fora chamado para benzer a pedra fundamental do novo edifício.
Entretanto, os membros Thomaz Silveira e Orlando Belizze, não aprovaram tão medida e
solicitaram que sua posição contrária “ficasse constando em ata, pois não acharam
necessidade em ser feito esse benzimento”203
. De um modo ou de outro, a sociedade estava
em “festejos”, e, com a ajuda da Câmara Municipal, o Gabinete de Leitura passaria a ter sua
sede própria. O dinheiro gasto com o aluguel poderia ser revertido em atender outras
finalidades, a condição financeira se estabilizaria cada vez mais e o espaço seria adequado aos
fins da sociedade.
Entretanto, a sede precisava ser construída e, para tal, levou-se um pouco mais de um
ano. Nesse ínterim, várias ações foram tomadas, visando a angariar fundos para a compra do
mobiliário necessário às novas instalações. Nessas ações, verifica-se como a relação
público/privado interligava-se por meio das práticas sociais.
A diretoria do Gabinete de Leitura tinha como prática formar comissões responsáveis
por angariar, junto aos moradores da cidade, o que fosse necessário à manutenção da
instituição. Se ela possibilitava a leitura e a instrução para a população jundiaiense, em contra
202
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria, 07.09.1922, p. 31. 203
Idem.
123
partida, a população poderia retribuir com donativos (materiais e financeiros) contribuindo
para o pagamento das despesas.
Após a notícia da doação do terreno e da verba destinada à construção da sede do
Gabinete de Leitura, várias comissões foram formadas, visando a desenvolver diferentes
atividades para recolher donativos, dentre elas uma quermesse na paróquia Nossa Senhora do
Desterro; sessões de cinema e espetáculos de teatro no Polytheama, com a lotação vendida e
destina aos cofres do Gabinete de Leitura; um jogo de futebol entre o Paulista Foot Ball Club
e o Paulistano de São Paulo, também destinado a reforçar as despesas com a compra de livros,
mobiliários e a manutenção de serviços do novo prédio; palestras com personalidades como
Cornélio Pires (1884-1958), jornalista, escritor e folclorista, que esteve em Jundiaí, algumas
vezes, para dividir a arrecadação de seu espetáculo com o Gabinete de Leitura. Houve ainda a
criação de campeonatos de jogos (dama, xadrez, dominó e gamão) com inscrições pagas,
angariando mais recursos.
Essas atividades ocorreram no decorrer do primeiro semestre do ano de 1923,
enquanto a construção da nova sede estava em andamento, contando com a participação de
políticos e civis de Jundiaí.
No dia 13 de agosto de 1923, o presidente do Gabinete de Leitura, Waldomiro da
Costa solicitava em uma reunião da diretoria:
Deveria-se tratar agora da sua inauguração, organizando-se para isso um programa
mais ou menos grandioso, pois esse fato é digno de ser cuidadosamente festejado,
celebrando, mas que o dia oportuno para essa inauguração deverá ser no próximo
mez de setembro, por ser o dia sete, feriado nacional coincidindo essa data com o
aniversário da colocação da pedra fundamental204
.
Novamente o aniversário da independência brasileira fora escolhido como data
honorifica para também representar a inauguração da nova sede do Gabinete de Leitura de
Jundiaí. Se a memória de um país liberto e independente era escolhida como marco
cronológico, somava-se a ela a ideia de surgimento da nação brasileira, representada pelas
práticas de seus concidadãos, de criarem espaços para os livros, a leitura e a formação de
leitores.
O evento grandioso aconteceu. Moradores da cidade de Jundiaí compareceram à
inauguração. Crianças, jovens e adultos estavam presentes conjuntamente com os diretores e
sócios do Gabinete de Leitura. A nova sede simbolizava não apenas um novo espaço próprio e
apropriado às finalidades pretendidas. Expressava ainda a relevância da Instituição, ante o
poder público e a sociedade jundiaiense. O espaço para o “aprimoramento” dos cidadãos
204
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria, 13.08.1923, p. 34.
124
fixava-se na territorialidade da cidade, erigido como símbolo do progresso, para ordenar a
sociedade através da educação.
Figura 24 - Inauguração da nova sede do Gabinete de Leitura de Jundiaí. Data 07 de setembro de 1923.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
A leitura das atas demonstra que, a partir da década de 1920, os alicerces do Gabinete
de Leitura estavam assentados. Entre 1920 e 1924, percebe-se que as questões em pauta nas
reuniões de diretoria são de ordem administrava e não mais financeira. Inclusive em
diferentes atas desse período, registrava-se a crescente solicitação de pessoas desejando se
associar, passando a diretoria a analisar e a deliberar sobre a aprovação ou não da entrada de
novos sócios contribuintes na Instituição. Certamente os auxílios concedidos pela Câmara
Municipal, por intermédio dos vereadores e do prefeito da cidade, Olavo Guimarães,
corroboraram esse cenário solidificador.
É significativa a forma como a esfera política, portanto pública, interferiu nas questões
de administração e de manutenção da materialidade do Gabinete de Leitura. Possivelmente,
sem os subsídios da Câmara Municipal, a Instituição teria passado por crises financeiras mais
agudas e até mesmo poderia ter fechado suas portas. Contudo, cabe ressaltar um importante
elemento, que serve como reflexão para se pensar essa intervenção sobre a esfera privada do
125
Gabinete de Leitura. Conforme citado anteriormente, alguns membros do Gabinete de Leitura
eram maçons (Conrado Offa e João da Costa). Desde o Império e durante a Primeira
República, muitos personagens políticos importantes participaram dessa associação. O
movimento republicano, iniciado em 1870, esteve sob forte influência dos ideais maçônicos205
intensificando os laços sociais e políticos entre os membros da elite econômica brasileira. Em
São Paulo, essa relação se deu fortemente através da formação do PRP e da criação de lojas
maçônicas. A principal fora a loja América, criada em 1868, foco propagador do ideário
republicano em toda a Província206
. Segundo Lauê Ribeiro, a loja América utilizava-se da
organização maçônica para articulações políticas, dedicando-se em disseminar o projeto
político republicano, contribuindo para a abertura de novas lojas maçônicas no oeste Paulista,
dentre elas, a loja Amor e Concórdia de Jundiaí (1893), “iniciando novos membros, fundado
escolas e bibliotecas populares, sendo pioneira neste tipo de projeto e incentivando outras
lojas a fazerem o mesmo”207
.
Dentre as iniciativas maçônicas pode-se destacar a defesa e a expansão da
escolarização popular, a formação de cidadãos próximos dos ideais liberais, a laicização do
Estado e a prática da igualdade e aprendizagem, tendo como estratégia de sua implementação
a formação de uma rede de sociabilidade e cultura política208
. Em Jundiaí não foi possível
mapear as formas de constituição e o modo de socialização da maçonaria e seus membros.
Contudo, alguns indícios podem ser percebidos na vida política e cultural da cidade.
Na política, a bibliografia consultada aponta que o vereador Eloy Chaves iniciara-se
na loja América de São Paulo por volta de 1899. O prefeito de Jundiaí, Olavo Guimarães, era
também iniciado da mesma loja209
. Através da política ambos auxiliaram significativamente o
Gabinete de Leitura. De acordo com Souza:
A maçonaria configura-se como um modo de sociabilidade próprio baseado na
filantropia, na rede de solidariedade entre os pares, nos juramentos e rituais que
205
“A Maçonaria considera a si mesma como uma instituição universal e composta de um corpo de doutrinas
acabadas, que permaneceram imutáveis através dos tempos. Entretanto, foi justamente a realidade
idiossincrática, assumida pela ordem nas diversas partes do mundo, que dificultou, por vezes, a tarefa de
demarcar o campo conceitual maçônico. Não obstante tal dificuldade é possível buscar no texto primeiro da
maçonaria, ou seja, na Constituição de Anderson, e em vários outros escritos, ideais recorrentes que apontam os
preceitos fundamentais da instituição. Os componentes desses ideais são o progresso, a razão, a liberdade, a
igualdade, a moral e a fraternidade”. SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Organização, preceitos e elementos
da cultura maçônica: fundamentos para a introdução aos estudos da maçonaria. In: SILVA, Michel (Org.).
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade. Jundiaí, Paco Editorial, 2015, p. 19. 206
RIBEIRO, Lauê Carregari Carneiro. A maçonaria e a formação do Partido Republicano Paulista. In:
SILVA, Michel (Org.). Op. cit. 207
Ibidem, p. 114. 208
CANDIÁ, Milena Aparecida Almeida. A instrução do povo pelo povo: a maçonaria e o movimento
associativista pela expansão da educação popular no Brasil (1870-1889). In: SILVA, Michel (Org.). Op. cit. 209
RIBEIRO, Lauê Carregari Carneiro. Op. cit.
126
criam laços de pertencimento, percebe-se, na maçonaria, a existência de mecanismos
próprios de dominação, constituindo-se em um dos espaços, fora do domínio direto
do Estado, por onde o poder circulava e os homens faziam política210
.
É certo que, entre os mecanismos da sociabilidade maçônica, personalidades políticas
e civis de Jundiaí, dentro de um ideal maçônico comum, partilharam e incentivaram projetos
característicos e constituintes de seus laços socioculturais e políticos. A existência da loja,
Amor e Concórdia, na região, corrobora a necessidade de se pensar sobre essa questão. Outro
aspecto, e já adentrando no âmbito cultural, seria a própria criação do Gabinete de Leitura.
Possivelmente, outros membros além de Conrado Offa e João da Costa, eram maçons. A
idealização da instituição e suas finalidades, de manter uma biblioteca e promover a instrução
de forma gratuita, estavam entre as determinações do ideário maçônico211
. O anúncio nos
estatutos de que a instituição era desvencilhada de qualquer religião, conferindo-lhe um
caráter laico, também pressupõe essa relação, uma vez que, “a liberdade de expressar uma fé,
bem como de conviver com pessoas e credos diferentes foi, sem dúvida, um dos principais
responsáveis pela espantosa expansão da ordem maçônica pelo mundo”212
.
No dia 6 de janeiro de 1919, em uma reunião da diretoria, fora solicitado que se
criasse um emblema para o Gabinete de Leitura, uma bandeira e escudo, contendo este
emblema. A intenção era que a bandeira ficasse hasteada na entrada da sede213
. No dia 26 de
Abril do mesmo ano, os desenhos do emblema, da bandeira e do escudo foram apresentados à
diretoria, a partir da seguinte descrição:
Bandeira de cor azul e branca em cinco listas, horizontaes, sendo trez azues e duas
brancas, tendo um canto superior junto a haste e sobre o quadro branco o signo de
Salomão e as inicias do Gabinete de Leitura, em ouro. O escudo de forma singela
com listas das mesmas cores em diagonal, tendo no centro um escudo menor,
branco, com o emblema idêntico ao da bandeira, sendo que o escudo maior terá uma
orla borda em ouro de trez centímetros de largura. Pelo senhor presidente foi posta
em discussão esse projeto que foi unanimente aprovado, devendo ser affixado para
conhecimento de todos os senhores sócios, conforme deliberação da Assembleia
Geral, ficando a Diretoria encarregada de receber os votos e uma vez aprovado por
maioria faze-lo executar.214
Aparentemente tratava-se de um simples adorno criado para personificar e identificar a
instituição. Todavia, na descrição dos elementos que compõe o emblema, a bandeira e o
escudo, pode-se perceber alguns elementos que remetem à maçonaria.
210
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. cit., p. 18. 211
RIBEIRO, Lauê Carregari Carneiro. Op. cit. 212
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. cit., p. 23. 213
Livro de Registro das Atas de Reuniões da Diretoria, 06.01.1919, p.52. 214
Ibidem, 26.04.1919, p. 74.
127
As cores, azul e branco, são o primeiro exemplo. A maçonaria é divida por diferentes
graus215
, cada grau corresponde a uma sessão, onde as cores azul, verde, vermelha, negra e
branca simbolizam uma sessão. Azul, compreende os graus simbólicos: aprendiz,
companheiro e mestre. Branco: simboliza a paz e a serenidade do iniciado que alcançou a
plenitude da iniciação216
. Cabe lembrar que as cores da loja Amor e Concórdia em Jundiaí são
também azul e branco.
O signo de Salomão, por sua vez, é múltiplo e remete a vários elementos, segundo
Souza:
O corpo simbólico maçônico foi alimentado por elementos culturais múltiplos,
advindos da cultura grega, egípcia, oriental e, principalmente, judaico-cristã. O mito
de origem da ordem, bem como a base do ritual maçônico, giram em torno do
personagem bíblico de Hiram, o arquiteto chefe da construção do templo de
Salomão, já os graus simbólicos (aprendiz, companheiro e mestre), os ornamentos e
insígnias maçônicas (esquadro, compasso, prumo, malhete, trolha, etc) aludem a
cultura medieval das antigas corporações de construtores217
.
O escudo é utilizado como base que comporta todos os elementos simbólicos do ritual
maçônico e também é representado pela estrela da Davi.
Na tentativa de esboçar a simbologia maçônica expressa na criação da e no escudo do
Gabinete de Leitura, elaboraram-se desenhos que ilustram essa “linguagem dos símbolos” e
das suas múltiplas significações218
de acordo com a descrição em ata.
215
Os graus representam uma hierarquia escalonada dentro de um sentido de evolução nas práticas e ritos que
compõem a maçonaria. 216
SILVA, Michel. Por uma história da maçonaria no Brasil. In:_______. (Org.) Maçonaria no Brasil:
história, política e sociabilidade. Jundiaí, Paco Editorial, 2015. 217
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. cit., p. 31. 218
Para um aprofundamento sobre os signos e símbolos da maçonaria ver: ASLAN, Nicola. Estudos maçônicos
sobre simbolismo. Rio de Janeiro: Editora Aurora, 1984.
128
Figura 25 – Desenho da bandeira e do emblema criados para o Gabinete de Leitura de Jundiaí.
Fonte: Elaborado pelo autor
Figura 26 - Desenho do escudo criado para o Gabinete de Leitura de Jundiaí.
Fonte: Elaborado pelo autor
Os documentos de que a pesquisa dispõe para afirmar sobre a influência e a relação da
maçonaria com o surgimento do Gabinete de Leitura são poucos e não possibilitam um
129
aprofundamento teórico e reflexivo sobre essa questão, mas esses poucos registros fornecem
indícios para abordagem e interpretação sob este viés, carecendo, porém, de mais fontes
verificáveis. Após esse registro em ata, no ano de 1919, não há mais menção à bandeira ou ao
escudo, criados para a Instituição.
Esses elementos contribuem para a reflexão sobre as dimensões do público/privado do
Gabinete de Leitura. A maçonaria possui como prática de sua rede de sociabilidade o
estabelecimento das relações políticas. Como citado, haviam dois importantes políticos
ligados à maçonaria em Jundiaí. Certamente outros mais eram, porém esta pesquisa não teve
acesso a essa informação. Seguidamente, as relações dentro da maçonaria configuravam-se
em uma economia de favores e interesses, sendo muito comum que maçons prestassem
auxílios (financeiro, político, jurídico, entre outros) entre si219
. Desse modo, construiu-se
histórica e culturalmente a noção de fraternidade dentro da associação. A partir dessas
premissas, se se puder inferir que a criação e a manutenção do Gabinete de Leitura
compunham as iniciativas dos maçons em Jundiaí, nota-se que as decisões políticas
influenciavam diretamente o desenvolvimento econômico e social das atividades particulares
do Gabinete de Leitura. Como exemplo, têm-se as subvenções mensais, o terreno e a verba
cedidos para a construção da nova sede pela Câmara Municipal.
A perspectiva maçônica trata-se de uma hipótese, sobre a qual os indícios encontrados
por esta pesquisa não possibilitam afirmar, configurando-se mais como conjecturas, na
tentativa de interpretação das relações do poder público com o Gabinete de Leitura. O que se
pode averiguar é que, para além de um ideário maçônico, políticos jundiaienses e diretores do
Gabinete de Leitura praticavam uma relação de comum interesse visando a o progresso da
instituição.
219
SILVA, Michel. Op. cit.
130
CAPÍTULO III - DA ESTANTE A PÁGINA: A BIBLIOTECA DO GABINETE DE
LEITURA DE JUNDIAÍ E SEU CATÁLOGO DE OBRAS
Figura 27 - Páginas do Catálogo de Obras em Português do Gabinete de Leitura de Jundiaí.
Fonte: Elaborado pelo autor
131
3.1 Compondo um acervo
Se toda a biblioteca é um espelho do universo, então todo catálogo será espelho de
um espelho220
.
Tentar reunir o conhecimento humano produzido nas mais diferentes épocas e lugares
é tarefa antiga. Da tableta de argila dos sumérios aos impressos saídos dos prelos da idade
moderna, muitos foram os homens (escribas, sacerdotes, nobres, príncipes, entre outros) que
se empenharam em reunir formas de escrita, livros, manuscritos e outros impressos221
. Essa
reunião de obras acabou por se constituir na ação de se formarem acervos, acumulando-se o
pensamento filosófico, artístico e científico do homem, em um desejo sempre inalcançável de
se alcançar o conhecimento sobre o universo.
A imagem de uma biblioteca e a figura do bibliotecário são possivelmente a síntese
mais atual e usual, quando se pensa na reunião de muitos livros e naquele responsável por
reuni-los. Mesmo com os avanços da informática e com os inúmeros acervos documentais e
bibliográficos reunidos e dispersos na internet, a qualquer leitor navegador, a biblioteca e o
bibliotecário são ainda imperativos na ordem dos livros222
. Enquanto a biblioteca é uma
coleção de livros organizados e que serve aos que procuram livros para ler, o bibliotecário é o
responsável por escolhê-los, ordená-los e dispô-los aos leitores para serem lidos. Em uma
metáfora de Chartier “o bom bibliotecário é um jardineiro que poda sua biblioteca”223
.
No Gabinete de Leitura de Jundiaí, a biblioteca foi implantada logo na fundação da
Instituição. Sua criação era a primeira, dentre as três finalidades pretendidas pelos fundadores.
Durante quatro anos consecutivos (1908-1911), os sócios contribuintes elegeram João Xavier
Dias da Costa para exercer a função de bibliotecário. Ao que se conseguiu apurar sobre sua
vida, João da Costa era jornalista, colaborador de alguns jornais de Jundiaí como A Borboleta
e A Comarca e escreveu para o periódico A Elite, que passou a circular em Jundiaí em 1911,
“com conteúdo crítico, humorístico, literário e noticioso”224
.
Incumbido de registrar as consultas realizadas aos livros do acervo, fazer um balanço
da biblioteca, expondo suas condições e apresentá-lo anualmente à diretoria do Gabinete de
220
MANGUEL, Alberto. A biblioteca à noite. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 52. 221
Para se aprofundar sobre a história da construção e destruição das bibliotecas consultar: POLASTRON,
Lucien X. Livros em chamas: a história da destruição sem fim das bibliotecas. Rio de Janeiro: José Olympio,
2013. 222
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP, 1999. 223
Ibidem, p. 127. 224
PAULA, Celso de. Op. cit., p. 1.
132
Leitura, João da Costa, segundo os registros em ata demonstram, era o sócio mais indicado
para tal tarefa. Ao se lerem as atas das reuniões de Assembleias Gerais para a eleição do
bibliotecário, nota-se que a escolha de seu nome é sempre unânime entre os votantes.
Competia ao bibliotecário muito mais as tarefas de administrar a biblioteca e zelar por
ela do que escolher os livros que comporiam o acervo. A diretoria do Gabinete de Leitura
nomeava comissões que eram responsáveis por comprar livros e angariar doações, sem
necessariamente ter a participação do bibliotecário. Essas comissões eram definidas
trimestralmente durante a Assembleia Geral.
A comissão nomeada para efetuar a compra de livros é composta pelos senhores
João Xavier Dias da Costa, José Martins e Thomaz Silveira. (02/03/1909).
Para o presente trimestre foram nomeados para a comissão de compra de livros os
sócios senhores Laurentino Santos, Pedro Penteado de Castro e José Martins.
(11/01/1910).
Pelo senhor presidente foi proposto e aceito por todos a nomeação dos senhores
Morivalde Costa, Laurentino Santos e Theodoro Paes para a compra de livros do
corrente anno (06/01/1911).
Foi deliberado a nomeação dos senhores Conrado Offa e Joaquim da Silva Cunha
Santos para a compra de livros que em breve será feita. (17/02/1913)
Nomeados em Assembléia Geral os senhores Alfredo Elias e Ignácio Ventania para
comporem a comissão para a compra de livros. (15/03/1914) 225
.
Após a formação das comissões, os livros que seriam comprados eram escolhidos
durante a mesma assembleia, de acordo com as escolhas dos sócios participantes das reuniões.
Porém, em nenhuma das atas consultadas há o registro dos títulos solicitados ou menção à
quantidade de livros a serem comprados por cada comissão. Ainda assim, a comissão
consultava os sócios e muito provavelmente suas “preferências literárias” emergiam, naquele
momento, quando podiam interferir na escolha dos livros.
Os sócios reunidos nesta Assembléia Geral elegeram os livros a serem comprados
por esta sociedade. (02/03/1909).
A comissão nomeada para a compra de livros vae apurar com os sócios os livros que
deverão ser comprados. (11/01/1910).
Deve a referida comissão nomeada consultar os sócios para a escolha dos livros
(06/01/1911).
Solicita-se a comissão que averigue com os sócios os livros para serem comprados,
como sempre se tem feito (17/02/1913)226
.
Schapochink e Martins, em seus estudos sobre os Gabinetes de Leitura, nas Províncias
de São Paulo e Rio de Janeiro, no século XIX, observam que comumente as diretorias dos
Gabinetes realizavam a escolha dos livros que seriam comprados. Posteriormente formavam
um catálogo de títulos, que eram impressos nas tipográficas locais, ficavam nas sedes dos
225
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral. 226
Idem.
133
Gabinetes de Leitura e também eram enviados aos jornais locais para publicação e
conhecimento do público. No Gabinete de Leitura de Jundiaí o processo ocorria de modo
diferente.
Os livros eram escolhidos, porém as formas pelas quais eles eram comprados não são
mencionadas nas atas. Após a formação das comissões, não é possível averiguar se eram
comprados em livrarias, editoras ou sob algum tipo de encomenda. Os estatutos de 1908,
reformados em 1911, mencionam apenas que 20% do saldo existente no caixa da Instituição
seriam destinados para a compra de livros. Todavia, também não é possível saber quais os
valores mensais desses saldos, para que se pudesse ter uma quantia aproximada do que era
destinado à compra de livros. E, ao que se pôde verificar, as atas não mencionam a impressão
de catálogos, nem a sua divulgação na imprensa local.
No ano de 1908 o jornal da Instituição, O Gabinete, tornava pública a situação inicial
da biblioteca e pedia, a quem pudesse, donativos de livros jornais e revistas.
Movimento do Gabinete desde a fundação
Existem na bibliotheca 104 obras - com 184 volumes.
Sahiram 75 obras.
Foram consultados 2 volumes.
Folhetos existem diversos, 17.
Jornaes da capital 3 – Jornaes do interior 4 – Jornaes desta cidade 2
Aos que receberem esta folha, pede-se uma oferta de um livro, revista, epusculo,
manuscripto ou outra qualquer dadiva util a esta casa de utilidade publica227
.
Com a formação das comissões, esse número começou a crescer, aumentando
significativamente o acervo da biblioteca. Pelos Anuários Estatísticos de São Paulo a
biblioteca apresentava o seguinte panorama: 800 obras com 1.060 volumes, em 1910; 1.160
obras com 1.298 volumes, em 1911; 1.276 obras com 1.325 volumes, em 1912228
.
No mês de dezembro de 1912, o bibliotecário, cujo nome não é citado, registrava em
ata de reunião da diretoria o movimento da biblioteca:
Obras retiradas para leitura – 1.896 Volumes
Obras consultadas por pessoas estranhas á sociedade – 212 Volumes
Existia o ano passado - 1.298 Volumes
Adquiridos por compra - 97 volumes
Foram inutilizados por imprestáveis – 119 volumes
Em resumo existem atualmente 1.276 volumes229
.
Como se observa, o acervo pouco se alterara, tendo até mesmo uma diminuição de
1.298 volumes (1911) para 1.276 (1912), mesmo com a compra de 97 volumes novos. Os
227
Jornal, O Gabinete: Orgam do Gabinete de Leitura Jundiahyense. Anno I, N° 1, p.4. 228
Anuários Estatísticos de São Paulo 1910-1926, p. 194-199. 229
Livro de Registro das Atas da Diretoria 25.12.1912, p. 8.
134
volumes descartados, por serem considerados “imprestáveis”, certamente o eram em
decorrência da frequente circulação. Possivelmente os exemplares eram constantemente
consultados e/ou retirados pelos leitores e o registro dos 1.896 volumes retirados para a leitura
no respectivo ano demonstra essa frequência.
Em 1913, a biblioteca teve um acréscimo de 100 títulos no acervo, passando a ter
1.376 obras com 1.454 volumes. Esse número se manteve para o ano de 1914. Em 1916, o
número subiu para 1.476 obras com 1.554 volumes, chegando a 1.503 obras com 2.457
volumes em 1917, mantendo esse mesmo número de obras para o ano de 1918, porém
diminuindo o número de volumes para 2.357.
Em 1919, a biblioteca apresentava 1.500 livros, três a menos que no ano anterior,
contendo 1.824 volumes, 533 a menos. O motivo da perda desses volumes não é citado.
Possivelmente foram descartados por desgaste.
No ano de 1920, o número de obras subiu para 1.655 passando a ter 2.150 volumes,
mais que dobrando para o ano de 1922, quando a biblioteca passou a ter 4.120 obras com
5.271 volumes, mantendo essa quantidade até o ano de 1926230
.
Além das compras que eram realizadas pelas comissões, os livros também chegavam à
biblioteca do Gabinete de Leitura por meio de doações. Sócios, políticos e civis de Jundiaí
doavam livros.
As comissões eram também formadas para angariar donativos à Instituição. Nesse
processo, livros somavam-se a outras modalidades de doações e benfeitorias à Instituição. No
dia 18 de Janeiro de 1911, em reunião da diretoria que passava a assumir o exercício do
respectivo ano, registravam-se os agradecimentos aos que haviam feito doações ao Gabinete
de Leitura no ano anterior, dentre elas, livros:
Agradecemos ao senhor, Laurentino Santos, pelo seu tino e abnegação na comissão
de angariar livros e aos senhores:
Gabriel Peuliar pela doação de 70 volumes
Eloy Chaves 30 volumes
Benedito Pacheco 30 volumes
Manuel Derruda 16 volumes
Dr. J. Ulhôa 12 Volumes
Antonio C. Sobrinho 6 volumes
Manuel Martins 4 volumes
Antonio E. Sobrinho 4 volumes
Bianco Pereira 3 volumes
Pedro Peutrear 1 volume
Francisco Sucupira 1 volume
Luiz Caldas 1 volume
José Martins 3 volumes
Sérgio Martins 2 volumes
230
Anuários Estatísticos de São Paulo. Op. cit.
135
Matias M. Pereira 2 volumes231
.
Essas doações ocorreram com frequência em diferentes anos. Não é possível precisar a
quantidade de livros doados em cada ano, pois, em muitas atas, registravam-se apenas os
agradecimentos às pessoas que doaram, sem contudo se mencionar o número de obras doadas.
A directoria agradece ao senhor Joaquim Silva Rocha pelos livros cedidos a
sociedade (03/04/1912).
Votos de louvor aos senhores José Camargo e Manuel Ferreira pelos livros doados
ao gabinete de leitura (05/06/1914).
Um voto de profundo agradecimento ao Sr. Alceu Guimaraes pelos livros doados a
sociedade (15/02/1918)232
.
Esse cenário demonstra como a constituição do acervo não obedecia a um padrão.
Tanto as comissões formadas para comprar ou angariar livros, quanto qualquer cidadão
jundiaiense poderiam contribuir para o crescimento da biblioteca do Gabinete de Leitura
doando livros.
Jornais e revistas também compunham esse acervo. A diretoria assinava os jornais: A
Folha, Ferroviário, Correio de Campinas, Correio Paulistano, O Jundiahense, Folha da
Tarde, Telephone, O Jornal, Comércio e o Livre Pensador. Dentre os periódicos, constavam
A Elite e o Escal. Dentre as revistas, eram assinadas: A cigarra, Biblioteca Cor de Rosa,
Feminina, Novíssima, D. Quixote e Brasil.
Esses impressos variavam entre publicações locais, de outras cidades e nacionais.
Eram jornais e “revistas de cultura”, “revistas de variedades”, “revistas ilustradas”, que
abordavam desde questões literárias, passando por arte, moda, costumes, humor, esportes,
economia e comércio233
. Desse modo, os sócios e frequentadores do Gabinete de Leitura
poderiam se manter informados das variedades e dos acontecimentos.
Como esse acervo era organizado dentro da biblioteca?
3.2 Ordenando o desordenado
De acordo com o bibliotecário Luís Milanesi, bibliotecas públicas têm a função de
prestar serviços, através de uma coleção de livros organizados. Dentro do acervo de uma
biblioteca, há inúmeros discursos literários, dos quais os leitores buscam se apropriar. Para
231
Livro de Registro das Atas da Diretoria 18.01.1911, p. 2. 232
Livro de Registro das Atas da Assembleia Geral. 233
CRUZ, Heloisa de Faria. (Org.). São Paulo em Revista: catálogo de publicações da imprensa cultural e de
variedades paulistana 1870-1930. (Coleção, memória, documentação e pesquisa, 4). São Paulo, Arquivo do
Estado, 1997.
136
tanto, é preciso que as partes (livros) do todo (acervo) estejam ordenadas com objetividade,
em vista da localização posterior de uma dessas partes pelos leitores234
. É preciso a desordem
para que se estabeleça a ordem. Encontrar um livro em uma biblioteca pode ser uma tarefa
simples, se houver uma indicação que oriente com exatidão a sua localização dentro do
acervo. Segundo Milanesi, “essa indicação é feita pelo bibliotecário, avaliando a ordenação
das partes para se formar um todo lógico e coerente”235
.
Desse modo, acervos até mesmo idênticos, podem ser organizados de modos
diferentes, de acordo com cada bibliotecário, pois o conhecimento humano não tem o mesmo
sentido para todos e sua expressão, em forma de texto, obedece a diferentes arranjos.
Como os bibliotecários do Gabinete de Leitura de Jundiaí eram escolhidos anualmente
pelos próprios sócios, notadamente a constituição e a organização do acervo passavam por
diferentes olhares e lógicas de ordenação.
Um registro fotográfico datado de 1926 mostra que os livros da biblioteca do Gabinete
de Leitura ficavam em estantes dispostas atrás de um balcão, onde possivelmente o
bibliotecário e outros colaboradores permaneciam a postos para pegarem os livros solicitados
pelos sócios e demais frequentadores.
Observando-se a imagem, pode-se perceber que o acervo não ficava à livre disposição,
para que os leitores pudessem manuseá-lo, retirando e recolocando os livros nas estantes. O
papel do bibliotecário e/ou encarregados da biblioteca era necessário para mediar a consulta
das obras e o contato físico entre leitores e livros.
Cabe ressaltar que a imagem referida retrata as instalações do Gabinete de Leitura, na
década de 1920, portanto, anterior a esse período, não se pode atestar que o acervo estava
disposto da mesma forma.
234
MILANESI, Luís. Ordenar para Desordenar: centros de cultura e bibliotecas públicas. Editora Brasiliense,
1986. 235
Ibidem, p. 33.
137
Figura 28 - Estantes da biblioteca do Gabinete de Leitura de Jundiaí, 1926.
Fonte: FERREIRA M., 2014.
Sobre a maneira de organização dos livros, dentro das estantes, pelos bibliotecários,
pode-se supor que eles eram ordenados, na biblioteca, desde a sua fundação em 1908, de
forma numérica, seguindo a sequência arábica (1, 2, 3, 4, 5...), sem qualquer relação com os
títulos, seus temas e autores.
Em janeiro de 1945, certamente no período em que uma nova diretoria do Gabinete de
Leitura assumiu o exercício de suas funções, uma comissão formada para organizar o acervo
da Instituição apresentou em folhas avulsas seu parecer sobre a situação da biblioteca e dos
livros existentes.
Aos senhores eleitos para o cargo de diretor da Biblioteca do Gabinete de Leitura
(...) de Jundiaí, impusemos ao senhor presidente, Benedito de Godoy Ferraz, uma
condição para assumirmos nossas funções: a Diretoria providenciaria um inventário
e balanço da biblioteca. Atendidos nessa condição plenamente, assumimos então o
nosso cargo, com o conhecimento absoluto da quantidade dos volumes da biblioteca.
A comissão incumbida desse balanço foi constituída dos senhores Ivo Serafim,
Potyguara Offa, Alcides Pereira da Silva e Deodoro Pestana, sob a minha direção.
As fichas do levantamento bem dizem o que foi esse serviço, cuja principal virtude
foi a de nos proporcionar meios para sabermos da verdadeira situação da biblioteca.
A situação não está muito promissora; havia falta de continuidade no número de
volumes nas estantes, existiam muitos números vagos – inexplicadamente – faltas de
numeração etc. Há a tradição oral de que cada diretor bibliotecário adotou um jeito
específico de numeração, escolhendo para o início determinado milhar – ex. 4 000 –
sem a preocupação com os números vagos na ordem da numeração. Corre outro
rumor, também de tradição oral, de que a biblioteca fora assaltada duas vezes, uma
em 1930 e outra em 1932, tendo havido subtração de livros. Ora, diante dessas
138
notícias, era natural que não quiséssemos assumir as funções de devotos da
biblioteca, sem a tranqüilidade na medida por nós solicitada – não nos convinha
comprar novos exemplares.
A providência do balanço foi salutar porque mostrou a verdadeira situação da
biblioteca, ficando a Diretoria, bem como os senhores associados, sabendo da
quantidade e da qualidade do material que nos era entregue para organizar em
biblioteca fichada e de contrastes perfeito para o gênero de leitura de cada livro.
Com esse inventário foi fixado o marco inicial de reformas de algumas utilidades
para o Gabinete e seus associados.
Confirmamos que não nos lançaríamos a tomar conta do cargo sem sabermos
quantos e quais volumes existentes na biblioteca, e isto foi amplamente corrigido – a
biblioteca possuía 3.858 volumes.
A numeração estava no número 4.989, existiam nas estantes números de 3.858
estavam vagos ou faltantes 1.131 volumes. 3 livros com a numeração em duplicata,
conforme constam das fichas do balanço.
Praticamente, pois, iniciamos a nova pasta de abertura da biblioteca com 3.858
volumes. Se quisermos conhecer a quantidade de volumes adquiridos ou oferecidos
ao Gabinete é o bastante preenchermos as claras as fichas do balanço e apanharmos
pelos livros das estantes. A ordem do senhor Ferraz era a de preenchermos os
números vagos, para depois reiniciarmos a numeração. Esta ordem foi transmitida a
Silvete encarregada da biblioteca, cabendo a ela, organizar um apanhado nesse
sentido.
O reinicio da numeração na nova pasta deu-se com o número 4.990 “O Rio de
Janeiro do Meu Tempo” de Luiz Eduardo. Todos os demais volumes comprados ou
adquiridos por doação pelo Gabinete vão para os números vagos, de sorte, que fácil
será conhecermos a atual situação fazendo um apanhado dos números preenchidos,
cujas vagas constam das folhas acima referidas.
Estou às ordens da Digna Diretoria atual para melhores esclarecimentos.
Desejo receber de volta essa explicação para salvaguarda da minha empreitada
(Jundiaí 16/01/1945)236
.
O parecer da comissão permite observar como estava a situação do acervo, bem como
possibilita ainda delinear um panorama da biblioteca do Gabinete de Leitura em períodos
anteriores a 1945. Para que a comissão pudesse desenvolver seu trabalho de organização, foi
previamente solicitado à diretoria a elaboração de um balanço das reais condições do acervo,
de modo a evidenciar os livros faltantes, para que a referida comissão não fosse
responsabilizada quando da sinalização das obras não constantes no acervo.
Esse balanço foi realizado em 1938 (Anexo II) e a partir de 1945, deu-se início à
tentativa de se reorganizar a biblioteca.
Como se pode verificar no parecer, os livros eram organizados em sequência numérica
e, a “tradição oral”, ou seja, os “rumores” diziam que cada bibliotecário construíra sua própria
lógica de ordenação, tendo como parâmetro apenas o número (milhar) para indicar a entrada
de novos livros, sem, contudo se preocuparem com os livros que porventura tivessem sido
descartados pelo desgaste, não devolvidos ou até mesmo furtados da biblioteca. Desse modo,
os números faltantes nas estantes, não eram reordenados, fazendo com que a biblioteca
registrasse a existência de 4.989 livros em 1945, porém tendo verdadeiramente em suas
236
Parecer da comissão responsável por organizar a biblioteca do Gabinete de Leitura de Jundiaí 16.01.1945, p.
6-9.
139
estantes 3.858 livros. Essa prática configurava-se como uma “tradição”, de cujo método os
bibliotecários, segundo o parecer, sempre se utilizaram, para organizarem a biblioteca,
possivelmente desde 1908.
O parecer sinaliza ainda que a ordenação da biblioteca seria feita por gênero literário
de cada livro, mas se contradiz, ao mencionar que o presidente do Gabinete de Leitura,
Benedito Ferraz, ordenara que os novos livros que entrassem para a biblioteca fossem
alocados nas numerações faltantes, de modo a zerar o número de livros vagos nas estantes. E
dava continuidade à sequência numérica, a partir do número 4.990, onde a obra O Rio de
Janeiro do Meu Tempo, do autor Luiz Eduardo, marcava o fim de uma desordem e o
começo de uma nova ordem para o acervo, mas, ainda assim, seguindo a lógica
tradicionalmente praticada.
Esse modo de ordenação certamente ocasionava contratempos, haja vista a falta de
1.131 livros na biblioteca. Todavia, essa “coerência” de organização reforça os motivos pelos
quais os leitores não poderiam manusear os livros e certamente a disposição do acervo,
retratado na imagem de 1926, era a forma “tradicional” de se manter a estrutura física da
biblioteca. O fato de haver um balcão e as estantes com os livros estarem atrás dele, sob a
supervisão do bibliotecário e de seus encarregados, intermediando a relação entre leitores e
livros, demonstra como as partes (livros) do todo (acervo) não estavam ordenadas de modo
objetivo, em vista da sua localização e da impossibilidade de posterior recolocação nas
estantes pelos próprios leitores.
Para Milanesi “é o bibliotecário quem estabelece os critérios de organização e os
transforma em algo concreto: a biblioteca”237
. Provavelmente, os critérios para arranjar o
acervo do Gabinete de Leitura ainda não estavam totalmente definidos.
Em abril de 1947, a bibliotecária Ida Lehner enviava um oficio aos diretores da
Instituição, propondo seu ordenado, método de trabalho e o material que precisaria para
classificar os livros por ordem de assunto, e assim, poder arrumá-los dentro da biblioteca.
Levando-se em consideração que o leitor vai buscar, no interior das possibilidades
temáticas de uma biblioteca o seu especifico objetivo, Ilda Lehner, consultada pelos diretores,
propunha lógicas de ordenação mais usuais e práticas, para que fossem implementadas na
biblioteca do Gabinete de Leitura:
Considerando que um ordenado mensal de um bibliotecário varia a partir de Cr$
950,00, proponho que, durante os meses de duração do serviço de organização da
237
MILANESI, Luís. Ordenar para Desordenar, p. 35.
140
biblioteca me sejam pagos pelo menos Cr$ 850,00 mensais. O serviço não poderá
ser por menos, uma vez que consta do seguinte: - classificação dos livros por ordem
de assuntos e arrumação geral dos mesmos por essa classificação; catalogação e
organização de um fichário dicionário, em que os livros poderão ser procurados pelo
título, autores, colaboradores, assunto, etc.; organização de um perfeito serviço de
retirada e devolução de livros, debaixo do maior controle possível; organização da
secção de referência da biblioteca (obras como enciclopédias, dicionários, anuários,
almanaques, bibliografias, de consulta imediata e que devem estar à inteira
disposição do leitor); secção infantil – o aproveitamento da que já existe, com a
aplicação dos mesmos métodos usados na biblioteca dos adultos, para acostumar as
crianças ao gôsto pela consulta disciplinada.
Auxiliares – o trabalho mecânico de confecção de fichas, seu desdobramento,
cartões de leitores, etc., deverá ser feito por duas datilógrafas competentes, pelo
menos.
Material – a média de fichas por livro, conforme as adquire a Biblioteca Pública
Municipal de Campinas, recentemente fundada pela Escola de Biblioteconomia, é de
10 fichas. Há livros que não necessitam de mais de 5 fichas, mas em compensação
há outros que precisam de 100 ou mais.
Para o acervo de 7.000 volumes do Gabinete de Leitura, serão necessárias, portanto,
70.000 fichas de cartolina, à razão de Cr$ 5,00 o cento. (Cr$ 3.500,00 de fichas).
Há ainda os impressos: cartões de livros (bookcards), cartões de registro de leitores,
cartões de revistas, de reserva de livros, etc., que devem ser comprados em número
suficiente para atender a todos os leitores do Gabinete de Leitura.
Dois livros indispensáveis que devem ser adquiridos “Classificação de Mevil
Dewey”, obra norte-americana no valor de Cr$ 400, 00 e a “Tabela de Cutter”, no
valor de Cr$ 150,00. Se a verba de modo algum permitir a compra do primeiro, pelo
menos o segundo deve ser comprado. Essa tabela põe em ordem alfabética dos
autores os livros, já arranjados por assunto. A “Classificação Dewey”, pode em
último caso ser substituída, naturalmente com desvantagem, por outras menores
editadas pelo instituto nacional do livro, e que o Gabinete já possui.
Duração do trabalho – levando-se em conta que a biblioteca pública de Campinas,
com um acervo inicial de 3.000 volumes, foi entregue ao público em 3 meses, tendo
auxiliado na catalogação de livros as alunas de biblioteconomia, e na confecção
funcionários do instituto agronômico, cremos que o nosso trabalho levará cerca de 8
meses para ficar completo. É claro que, quanto maior for o número de auxiliares,
tanto mais curto será o espaço de tempo que tomará a organização do Gabinete de
Leitura238
.
Tendo em consideração a temporalidade (1947), a proposta de Ida interligava-se aos
avanços do campo de estudos da biblioteconomia, baseando-se em recursos lógicos, práticos e
manuais.
A partir de seu trabalho, a biblioteca do Gabinete de Leitura seria amplamente
classificada, ordenada por assuntos, as crianças teriam sua própria sessão para consultas e
possivelmente os leitores poderiam manusear os livros entre as estantes, uma vez que, dentro
da lógica de ordenação, os livros seriam localizados facilmente e facilmente poderiam ser
devolvidos às estantes.
Seguramente o tempo necessário para a realização desse trabalho de classificação, os
valores que seriam gastos, com o ordenado da bibliotecária, fichas de catalogação e auxiliares,
levaram os diretores do Gabinete de Leitura a negarem a proposta.
238
Ofício de Ida Lehner 05.04.1947.
141
Em fevereiro de 1957, o bibliotecário, José Pacheco, desenvolvia um catálogo de
obras (nacionais e estrangeiras) para a biblioteca do Gabinete de Leitura239
. Esse material era
produzido de forma manual e ainda mantinha a mesma lógica de ordenação do início da
formação do acervo, sequência numérica, ou seja, nenhum investimento para a melhoria na
organização do acervo havia sido feito. 9.027 obras foram listadas numericamente pelo
bibliotecário (8.090 em português e 937 em línguas estrangeiras), tendo a descrição dos títulos
e autores.
Esse catálogo resistiu ao tempo. E, no processo desta pesquisa, essa fonte configurou-
se como uma gama de informações a serem ordenadas e interpretadas.
Segundo Milanesi “ordenar o caos da informação é a única possibilidade de dar
sentido a um determinado universo informativo”240
. Assim, a pesquisa observou, no catálogo
de obras, a possibilidade de se traduzir o acervo do Gabinete de Leitura na síntese dos livros
comprados (ao longo de 49 anos, 1908-1957) de acordo com as preferências dos sócios
(leitores) da Instituição. Mesmo aqueles que eram doados o foram por pessoas que praticavam
a leitura, frequentavam o Gabinete e se apropriavam de seu acervo, doando livros na
expectativa de vê-lo crescer e se diversificar em gêneros literários.
Certamente muitos livros, em decorrência da passagem do tempo, não constavam mais
no acervo, quando da elaboração do catálogo em 1957. Contudo, José Pacheco registrava na
página inicial do catálogo “as obras que aqui serão descritas compõem desde o acervo inicial
do Gabinete de Leitura até presente momento (28/02/1957)”.241
Em partes, esse catálogo possibilita uma leitura sobre o que poderiam encontrar os
sócios e frequentadores para lerem na biblioteca, dentro do recorte espaçotemporal desta
pesquisa.
No campo da historiografia, os estudos sobre bibliotecas tendem a apresentar os
leitores. A partir dos registros de consultas e retiradas de obras, as pesquisas identificam e
qualificam aqueles que buscavam impressos para lerem242
.
Como citado anteriormente, os bibliotecários do Gabinete de Leitura de Jundiaí eram
responsáveis pela guarda e organização do acervo. Tinham, dentre suas tarefas, a incumbência
de registrar as obras mais consultadas e de fazer um balanço do quadro geral da biblioteca,
239
Em nenhuma das atas de reuniões consultadas há menção sobre a elaboração de um catálogo de obras.
Levando-se em consideração que muitos documentos do Gabinete de Leitura foram perdidos em 1924, o
catálogo de obras produzido em 1957 é o único registro que permite observar os livros que compunham o acervo
da instituição. 240
MILANESI, Luís. Ordenar para Desordenar, p. 36. 241
Catálogo de Obras do Gabinete de Leitura de Jundiaí, 1957, p. 1. 242
ROCHA, Débora Cristina Bondance. Op. cit., 2011.
142
para apresentarem anualmente. Esses documentos, no entanto, se perderam, ao longo do
tempo, impossibilitando uma aproximação direta com o universo de livros, leitores e suas
práticas de leituras.
Em consulta às atas de reuniões e averiguando-se a prática de comprar livros para a
biblioteca, pautada nas escolhas dos sócios e seus possíveis gostos literários, o olhar sobre o
acervo possibilitou a esta pesquisa delinear um panorama do que os sócios poderiam
encontrar para ler de acordo com suas escolhas.
Vale destacar ainda que não havia uma pesquisa minuciosa acerca da biblioteca, na
perspectiva de interpretação do catálogo de obras. Isso provocou certa dificuldade na
condução da análise.
Com vistas a encontrar uma direção, em meio a tantas informações, algumas escolhas
foram necessárias. Diante de uma fonte como esta, com uma imensa quantidade de
informações, era preciso cautela. Era necessário escolher um caminho para trabalhar com essa
vasta fonte primária.
O sistema de CDD foi então adotado como uma lógica, para se ordenar o catálogo de
obras, uma vez que adotá-lo, como meio de ordenação, já havia sido cogitado na história da
biblioteca do Gabinete de Leitura de Jundiaí.
A partir das obras descritas, foram identificados os títulos e classificada tais obras, de
acordo com os gêneros literários. Esta identificação foi feita a partir da consulta em
dicionários bibliográficos, catálogos de bibliotecas on-line, em dados de outras pesquisas e
em sites de busca na internet, ordenando as obras em planilhas de Excel e, ao final, obteve-se
um panorama dos gêneros literários e suas predominâncias dentro da biblioteca.
Foi possível ainda listar os autores com maior número de obras, dentro das
classificações principais. Os autores possuem menos ou mais títulos em cada classificação,
então, para cada uma, foi estabelecido um número de corte, de forma que tornasse possível
apresentá-los em gráficos. Fez-se também uma breve descrição de alguns de seus títulos,
atentando-se para o fato de que as datas de publicações, às vezes informadas, não eram
necessariamente as datas em que esses livros haviam entrado para a biblioteca do Gabinete de
Leitura.
O catálogo de obras em português possui uma sequência numérica com 8.090 títulos
descritos, não separados por volumes. Deste total, 44 títulos estavam em branco (sem a
descrição do título e autor) e 3 não foram possíveis de se identificar, pois as descrições
estavam ilegíveis. Portanto, foi realizada a classificação de 8.043 títulos nacionais.
143
O catálogo de obras em línguas estrangeiras (937 obras) foi apenas organizado de
modo a demonstrar o número de livros para cada língua (inglês, francês, italiano, espanhol e
alemão), sem, contudo, separá-los por gêneros literários. Tarefa que demandaria mais tempo,
já escasso a esta pesquisa.
3.3 As preferências de leituras
Iniciando-se com o catálogo de obras em português, produzido em 1957, a biblioteca
do Gabinete de Leitura de Jundiaí, após a sua ordenação segundo a CDD, apresenta a seguinte
composição em seu acervo:
Gráfico 7 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por área do conhecimento
Fonte: Elaborado pelo autor
No quadro geral, a maioria dos gêneros literários representa de 1% a 3% das obras
descritas no catálogo. Ciências Sociais (14%), História e Geografia (16%) concentram o
maior número de obras descritas e Literatura e Retórica predominam (57%). Esse rápido
panorama das obras caracteriza o interesse dos leitores por produções literárias que
abordavam as temáticas de seu tempo e vida social (política, economia e cultura), as questões
144
históricas da nação e possivelmente a literatura ficcional como meio de fruição para a
imaginação243
.
Ao desmembrar as classificações, observando-se suas subclassificações, verificam-se
as composições detalhadas de cada gênero e os autores com maior número de obras,
iniciando-se pelo gênero 000 - Generalidades.
Gráfico 8 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/000 - Generalidades)
Fonte: Elaborado pelo autor
A classificação 000-Generalidades compreende obras de miscelâneas como
dicionários, revistas, jornais, enciclopédias, coleções, bibliotecas, entre outros. No catálogo de
obras do Gabinete de Leitura há uma predominância dos dicionários (27%), enciclopédias e
anuários (24%), revistas, jornais e séries (22%) e manuscritos e livros raros (11%).
Publicações de caráter mais informativo e de cunho generalizado. Os autores que apresentam
o maior número de obras (a partir de 3 títulos), dentro das subclassificações são:
243
CHANTAL, Horellou-Lafarge; SEGRÉ, Monique. Sociologia da leitura. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2010.
Neste livro as autoras discutem a presença da leitura e da literatura na vida cotidiana e como ela foi se
constituindo em diferentes suportes materiais (jornais, revistas, cartazes, livros e etc.). Como leitura de
entretenimento a outras finalidades, em específico quando atinge em grande consumo de impressos durante o
século XIX.
145
Gráfico 9 - Autores com maior número de obras (CDD/000-Generalidades)
Fonte: Elaborado pelo autor
O termo N.N. aparece constantemente no catálogo de obras indicando a autoria de
diversos títulos. Durante a pesquisa não foi possível identificar se se tratava de uma editora ou
de algum autor, porém, dada a recorrência do termo na autoria de vários títulos, dos mais
diferentes gêneros literários, possivelmente, N.N., era a abreviatura de um grupo editorial que
publicava coleções244
. Dentro das subclassificações de Generalidades o termo possui o maior
número de obras, contendo títulos como Tesouros da Juventude, enciclopédia voltada ao
conhecimento de jovens e crianças, a Enciclopédia e Dicionário Internacional e a
Biblioteca Internacional de Obras Célebres. Laudelino Freire, segundo maior autor com
número de obras, aparece com os títulos Revista da Língua Portuguesa e Dicionário da
Língua Portuguesa. O autor Carlos Malheiros Dias está na subclassificação de obras raras,
com o título, História da Colonização Portuguesa no Brasil. Os demais autores também
estão classificados como obras raras, dentre eles Hegel com Enciclopédia das Ciências
Filosóficas.
No gênero 100 – Filosofia, as subclassificações possuem a seguinte composição:
244
Durante a pesquisa foi possível verificar que os títulos que possuíam autoria N.N. eram em sua maioria
editados pela W. M. Jackson Inc. companhia de editores com sede em São Paulo. Entretanto, não foi possível
estabelecer a relação com a sigla N.N.
77
40
4 3 3 3
N. N. Laudelino Freire Carlos Malheiros
Dias
Georg Hegel Instituto Nacional
do Livro
Augusto Magne
146
Gráfico 10 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/100-Filosofia)
Fonte: Elaborado pelo autor
As obras de Psicologia aparecem em maior número (43%). Cabe ressaltar que os
títulos de psicologia possuem destaque nas temáticas que abordam a análise do
comportamento humano. Seguidamente a subclassificação Filosofia Ocidental Moderna
apresenta (25%) e Teoria da Filosofia (20%). Os demais subgêneros variam entre 1% e 4%
dentre o total. Essas obras caracterizam a variedade de assuntos existentes no acervo, mas
certamente eram livros destinados a estudos e pesquisas específicas, principalmente no que se
refere à psicologia. Nota-se que o pensamento filosófico (teorias e escolas) estava entre as
aquisições e/ou doações literárias. Os autores com maior número de obras (a partir de 5
títulos) são:
147
Gráfico 11 - Autores com maior número de obras (CDD/100-Filosofia)
Fonte: Elaborado pelo autor
O filósofo francês Ernest Renan consta com o maior número de obras, suas
publicações foram traduzidas para o português e, entre os títulos estão: A Igreja Cristã, Os
Evangelhos e O Anti Cristo, livros que tecem críticas aos dogmas da igreja católica. José
Ingenieros, psicólogo, figura com os títulos, Leis Psicológicas, Os Tempos Novos e
Psicologia da Curiosidade. Rousseau e Voltaire são as sínteses do pensamento filosófico
Iluminista e expoentes do Romantismo, seus títulos predominantes no catálogo são Emílio,
Seleções e As Confissões. Paulo Mantegazza publicou diferentes obras nas áreas da
Antropologia, Neurologia e Filosofia. No acervo do Gabinete de Leitura, comparece com os
títulos No Mundo das Coisas Belas e Filosofia do Ódio. Gustave Le Bon aparece com Leis
Psicológicas e A Revolução Francesa e a Psicologia das Revoluções. Suas teorias sobre
“psicologia de massas” foram um importante instrumento teórico de exclusão social, em
poder da burguesia, fortemente expressivo no pensamento intelectual brasileiros ao final do
século XIX e início do XX245
.
No gênero 200 – Religião – as subclassificações demonstram o seguinte quadro:
245
PEREIRA, Andréa R. S. O movimento operário brasileiro e as massas populares: massas obreiras/
revolucionárias ou massas ignorantes/ inertes. Revista de Sociologia Política. Curitiba. n.13. nov. 1999. p.1.
Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44781999000200010>. Acesso
em: 09 jan. 2015.
12
9
8
7 7
5
Ernest Renan José Ingenieros Jean Jacques
Rousseau
Paulo Mantegazza Gustave Le Bom Voltaire
148
Gráfico 12 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/200- Religião)
Fonte: Elaborado pelo autor
Os títulos de Cristandade e ideologia Cristã aparecem em maior porcentagem (58%),
seguido de Outras Religiões (31%). Interessante perceber como o pensamento social cristão
está presente e é predominante entre as obras religiosas, por outro lado, os livros classificados
como Outras Religiões, são, em sua totalidade, obras espíritas. O Gabinete de Leitura era uma
instituição laica e seu acervo, mesmo que em menor proporção, traduz essa característica.
História do Cristianismo também possui destaque com (7%) dos títulos. Os demais gêneros
figuram entre (1%), mas ainda dentro dos títulos de cristandade. Pelo que se pôde perceber,
obras protestantes não aparecem no acervo.
Os autores que apresentam o maior número de obras (a partir de 4) para esta
subclassificação são:
149
Gráfico 13 - Autores com maior número de obras (CDD/200- Religião)
Fonte: Elaborado pelo autor
O lusitano Padre Manuel Bernardes aparece com maior número de títulos, dentre eles,
Nova Floresta, Armas da Castidade e Sermões e Práticas, obras de espiritualidade e
doutrina cristãs, publicadas pela primeira vez no século XVIII. O monge franciscano Frei
Pedro Sinzig, de importante atuação na imprensa católica brasileira, no início do século XX,
consta com os títulos Os Segredos da Harmonia, Reminiscências de um Frade, São
Francisco de Assise A Infância de Jesus. O chinês Lin Yutang também aparece em
destaque. Suas obras se tornaram populares no mundo ocidental e figuram entre literatura
chinesa e religiosa, pois seus escritos possuem um viés cristão, constando em bibliotecas de
teologia246
. Entre os títulos aparecem Entre Lágrimas e Risos, A Viúva, a Religiosa e a
Cortesã e A Importância de Viver. Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico
Xavier, está entre os autores de títulos espíritas. Suas obras começaram a ser publicadas a
partir da década de 1930, portanto, entre 1908-1924. Seus títulos não figuravam entre o
acervo de obras do Gabinete de Leitura. Dentre seus livros aparecem Os Mensageiros, Nos
Domínios da Mediunidade e Emmanuel. Os franceses, Emile Fagnet, Léon Denis e Maurice
de Lachâtre são outros exemplos de autores espíritas, suas obras tiveram grande repercussão
na França, dando continuidade ao trabalho iniciado por Allan Kardec. Seus livros foram
traduzidos em português e publicados no Brasil, a partir de 1900. Entre os títulos aparecem
246
Para citar apenas dois exemplos, encontram-se obras deste autor na biblioteca do Arquivo da Arquidiocese de
São Paulo e na biblioteca da PUC-SP, campus Ipiranga, onde o acervo de obras é predominantemente composto
por obras cristãs.
12
10 10
9
5
4 4
Padre Manuel
Bernardes
Frei Pedro
Sinzig
Lin Yutang Francisco
Cândido
Xavier
Emile Fagnet Léon Denis Maurice de
Lachâtre
150
Os Dez Mandamentos, de Fagnet, Cristianismo e Espiritismo, de Denis e Os Crimes dos
Papas, de Lachâtre.
No gênero 300 - Ciências Sociais, terceira maior classificação dentro do percentual de
obras do acervo, as subclassificações constituem o seguinte panorama:
Gráfico 14 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD /300- Ciências Sociais)
Fonte: Elaborado pelo autor
Ciência Política está entre mais da metade dos livros nestas subclassificações (53%).
Essas obras variam entre discursos, conferências, ensaios, anais de congressos e análises
políticas, econômicas e sociais realizadas por políticos, intelectuais e industriais nacionais e
internacionais, em diferentes épocas. Dentre eles nomes como, José Bonifácio, Monteiro
Lobato, Getúlio Vargas, John Kenedy e Henry Ford. Nesta subclassificação constam ainda
obras de autores denominados de esquerda, como A Conquista do Pão, do ativista russo Piotr
Kropotkin, O Imperialismo e Táticas e Objetivos da Revolução, do revolucionário Lenin e
Anti Duhringde Friedrich Engels. Porém não estão entre os autores com o maior número de
obras. Sociologia e Antropologia também possuem destaque (12%), seguido dos livros sobre
Educação (10%). Nessas subclassificações destacam-se os livros pedagógicos que
151
possivelmente eram utilizados na escola de primeiras letras do Gabinete de Leitura. Obras de
Administração Pública e Ciências Militar (8%) e Direito (7%) aparecem em proporção um
pouco maior e as demais subclassificações variam entre (1%) e (4%). Os autores que
apresentam o maior número de obras (a partir de 11) são:
Gráfico 15 - Autores com maior número de obras (CDD/300- Ciências Sociais)
Fonte: Elaborado pelo autor
Contemporâneo ao Gabinete de Leitura de Jundiaí, Rui Barbosa concentra o maior
número de títulos dentre os autores, sua atuação na política brasileira durante a Primeira
República foi significativa, bem como o número de suas publicações. Dentre outros temas o
polímata escreveu sobre: política, economia, imprensa, educação, diplomacia, direto, etc.
Entre seus títulos aparecem, Discursos e Conferências, Queda do Império, Oração aos
Moços, Trabalhos Jurídicos, Discursos Parlamentares, Ditadura e República, A
Constituição de 1891, Cartas Políticas e Literárias e muitos outros, suas publicações
variam entre 1877-1920. O termo N. N. figura com os títulos Anais do Primeiro Congresso
Nacional do Ministério Público e Primeiras Letras, compondo os volumes Leituras 1-6, 7-
12 e 13-18. Certamente esses livros auxiliavam no projeto educacional do Gabinete de Leitura
no processo de alfabetização dos alunos, há ainda entre seus títulos, Pedagogia, A Moral na
Escola, Práticas de Redação, Educação Física, Educação Rural, Enciclopédia do Curso
Primário, Primeira Gramática e Princípios Elementares de Educação. Joaquim Nabuco,
figura diplomática importante no Império do Brasil está presente com os títulos Um Estadista
do Império, Abolicionismo (Discursos), Campanha Parlamentar e Minha Formação,
publicadas inicialmente entre 1883-1900. O também polímata Gilberto Freyre produziu obras
com diferentes abordagens (sociológicas, antropológicas e históricas) em sua interpretação
107
29
16 14 14 12 11
Rui Barbosa N. N. Joaquim Nabuco Gilberto Freyre Plínio Salgado W.M. Jackson Epitácio Pessoa
152
sobre o Brasil. Dentre seus títulos encontram-se Sociologia e Sobrados e Mucambos,
publicados originalmente nas décadas de 1930 e 1940, respectivamente. Plínio Salgado,
representante do integralismo no Brasil, partidário de princípios fascistas aparece com os
títulos O Esperado, A Voz do Oeste e Livro Verde (Da Minha Campanha). Da companhia
de editores associados W. M. Jackson consta o título Prática Comercial Norte Americana e
do ex-presidente da República, no período entre 1919-1922, Epitácio Pessoa, aparecem os
títulos Pareceres Jurídicos, Discursos Parlamentares e Projeto de Código de
Direito,dentre outros. Em suma, são livros de diferentes vertentes políticas e sociais, em sua
maioria que abordam questões nacionais e evidenciam a heterogeneidade do acervo de obras
do Gabinete de Leitura, bem como, de seu público leitor.
Para o gênero 400 – Línguas, as subclassificações apresentam a seguinte composição:
Gráfico 16 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/400 Línguas)
Fonte: Elaborado pelo autor
Os livros em Português e Espanhol possuem predominância (65%), seguidos das obras
sobre Linguística (17%), Língua Inglesa e Inglês Antigo (9%). As demais subclassificações
variam entre (2%) e (5%). Os autores que apresentam o maior número de obras (a partir de 3),
são:
153
Gráfico 17 - Autores com maior número de obras (CDD/400- Línguas)
Fonte: Elaborado pelo autor
Augusto Magne consta com os títulos Antologia Latina e Gramática Latina,
publicados inicialmente em 1919. O professor e linguista, Ernesto Carneiro Ribeiro, aparece
com os títulos, Estante Clássica da Revolução da Língua Portuguesa e Serões
Gramaticais, publicados inicialmente em 1915. M. Said Ali, importante estudioso da língua
portuguesa no Brasil, possui no catálogo os títulos Formação de Palavras e Síntese e
Gramática Histórica da Língua Portuguesa, ambas publicadas inicialmente na década de
1920.
O gênero 500 - Ciências Puras, classificação de pequena proporção no total de obras
do acervo, apresenta a seguinte composição em suas subclassificações:
3 3 3
Augusto Magne Ernesto Carneiro Ribeiro M. Said Ali
154
Gráfico 18 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/500- Ciências Puras)
Fonte: Elaborado pelo autor
Ciências da Vida e Biologia possuem destaque (46%), em sua maioria livros didáticos.
Na sequência Matemática com (17%) e Física (16%). As outras subclassificações figuram
entre (1%) e (6%). Em quadro geral, as Ciências Exatas possuem pouca expressividade no
catálogo de obras, mas livros de lições de Matemática, Àlgebra e Aritmética compõem este
quadro, possivelmente utilizados nos estudos das primeiras letras. Dentre os autores que
apresentam o maior número de obras (a partir de 4) estão:
155
Gráfico 19 - Autores com maior número de obras (CDD/500- Ciências Puras)
Fonte: Elaborado pelo autor
O biólogo britânico Julian Huxley aparece com o título A Ciência da Vida, obra
publicada inicialmente em 1930, em conjunto com outros autores. Igualando-se à quantidade
de obras de Huxley está Ernst Haeckel, também biólogo, porém este alemão, intimamente
ligado ao Positivismo. Seus títulos são A Origem do Homem, Os Enigmas do Universo e
Religião e Evolução. Suas obras foram publicadas inicialmente no final do século XIX. Do
químico Mário Saraiva consta o título, Química Orgânica Alifática. A. Munhoz Mader,
professor de Física, publicou diversos livros sobre Matemática. No catálogo de obras do
Gabinete de Leitura constam os títulos, Curso de Matemática e Lições de Matemática. O
astrônomo Camille Flammarion aparece com o título Deus na Natureza, obra publicada
inicialmente em 1836.
Importa insistir que se observe a heterogeneidade dos gêneros literários, mesmo os que
possuem menor quantidade, como Ciências Puras. São indícios que sugerem indagações sobre
os critérios de escolha dos diferentes títulos pelos leitores, critérios esses que não se podem
definir. Problematizando ainda mais essa questão, podem-se perceber os livros não somente
como suportes materiais, mas como veículos de ideias, composto de estéticas literárias,
presentes na vida social. Segundo a definição de Robert Darnton “os livros são objetos que
circulam em um sistema de comunicação inseridos dentro de uma conjuntura econômica e
social”247
.
Observando ainda mais esses livros, o gênero 600-Tecnologia dentro de suas
subclassificações possui a seguinte composição:
247
DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução, p. 126.
9 9
6
4 4
Julian Huxley e
Outros
Ernst Haeckel Mário Saraiva A. Munhoz Mader Camille
Flammarion
156
Gráfico 20 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD /600-Tecnologia)
Fonte: Elaborado pelo autor
Medicina e Saúde têm maior dimensão (75%). Ressalte-se que Benedito Ferraz
apreciava os estudos medicinais, vindo a formar-se nessa área. Seu livro Médico, Tua
Missão é Curar, publicado em 1946, está entre esses títulos. Agricultura (12%) também
possui destaque e tem vários títulos em forma de manuais (do solo, das aves, do leite, do
lavrador e da orgânica). Em sequência, as subclassificações Indústria Para Usos Específicos e
Engenharia aparecem com (6%). Os demais estão entre (0,4%) e (1%). Os livros de
Tecnologia, em menor quantidade, configuram-se como obras de conhecimento técnico e,
portanto, específico, destinadas a profissionais que atuavam nas áreas da Agricultura,
Engenharia, Medicina, Construção e Indústria.
Os autores com maior número de obras possuem a mesma quantidade (4), são:
157
Gráfico 21 - Autores com maior número de obras (CDD/600- Tecnologia)
Fonte: Elaborado pelo autor
Ministério da Agricultura aparece com os títulos Criação de Búfalos, Problemas
Referentes ao Leite, Departamento Nacional da Produção e Agricultura, obras de cunho
técnico. N.N. possui os títulos Vida Sexual, Artefatos de Madeira, Manual do
Empalhador e Estofador e também Urbanismo e Indústria em São Paulo. Esses livros
demonstram como o possível “grupo editorial” N.N. publicava temas de diferentes assuntos, o
que caracteriza a preferência por se adquirirem essas publicações – diversificadas – caso eles
tivessem sido comprados pelos sócios do Gabinete de Leitura e não doados, o que
provavelmente ocorreu, dada a recorrência de seus títulos no catálogo de obras. O médico
Paulo Garnier consta com os títulos O Nanismo, Impotência, O Celibato e O Mal de Amor,
livros lançados inicialmente em 1905, pela conhecida Editora Garnier do Rio de Janeiro.
Todos esses títulos são obras de ciências aplicadas.
No gênero 700 Artes, em menor proporção dentro do acervo, o catálogo revelou a
seguinte constituição:
4 4 4
Ministério da Agricultura N. N. Paulo Garnier
158
Gráfico 22 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD /700- Artes)
Fonte: Elaborado pelo autor
O gênero Música possui maior representatividade dentre as obras (29%), seguido por
Esportes, Jogos e Diversão (20%), sendo que para este constam títulos como Xadrez
Elementar e Manual de Xadrez, do autor Eurico Penteado, publicados inicialmente na
década de 1940. Ressalta-se que, na década de 1920, campeonatos de xadrez, gamão, dama e
dominó foram realizados no Gabinete de Leitura com inscrições pagas, para angariar recursos
para a nova sede da instituição, que estava em construção. De acordo com o atual diretor João
Borin, nas décadas de 1940 e 1950, esses campeonatos voltaram a ser realizados entre os
sócios do Gabinete de Leitura.
Desenhos e Artes Decorativas representam (15%), seguidos por Pinturas (12%) e
História da Arte (10%). Os demais gêneros variam entre (2%) e (7%).
Os autores com maior número de obras (a partir de 2) são:
159
Gráfico 23 - Autores com maior número de obras (CDD/700-Artes)
Fonte: Elaborado pelo autor
Os títulos de Sergio Milliet são A Pintura Norte Americana, Marginalidade da
Pintura Moderna e Diário Crítico, publicados inicialmente em 1917. Sheldon Cheney
consta com o título História da Arte. N.N. aparece com os seguintes títulos Arte da Dança
na Sociedade, Arte Gráfica do Hemisfério Ocidental e Arte Contemporânea do
Hemisfério Ocidental. C. Rubens figura com os títulos Pequena História das Artes
Plásticas e Andersen - Pai da Pintura Paranaense. O título de Domingos Barbosa é Viola
de Lereno, obra inicialmente publicada no século XVIII.
O gênero 800-Literatura e Retórica representa mais da metade das obras descritas no
catálogo. Sua composição está dividida entre as principais subclasses da literatura universal,
podendo ter ainda outras divisões para cada subclasse248
. Porém, esta divisão por subclasse
não foi adotada durante a ordenação dos títulos. Optou-se por constituir um panorama apenas
das subclasses principais e listar os autores com maior número de obras.
Dessa forma, construiu-se um quadro das obras de ficção que compõem o acervo do
Gabinete de Leitura. A predominância desse gênero é de certa forma natural. Afinal, segundo
as próprias palavras de Benedito Ferraz, um Gabinete de Leitura serviria para “organizar uma
biblioteca, ler, escrever, falar e aprender”. Portanto, a literatura seria posta à disposição, fosse
para distrair-se ou instruir-se.
800 - Literatura e Retórica apresenta a seguinte composição:
248
Tem-se, por exemplo: Classificação: 800 – Literatura e Retórica; Subclassificação: 810 – Literatura
Americana; Subdivisões: 811 – Poesia, 812 – Teatro, 813 – Novela, 814 – Ensaios, 815 – Oratória, 816 – Cartas,
817 – Sátira e Humor, 818 – Manuscritos Miscelâneas, 819 – Não atribuído.
4 4
3
2 2
Sergio Milliet Sheldon Cheney N. N. C. Rubens D. Assis Barbosa
160
Gráfico 24 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD/800- Literatura e Retórica)
Fonte: Elaborado pelo autor
Literatura Brasileira está em maior quantidade (35%), possivelmente porque os
autores nacionais eram mais requisitados pelos leitores. Seguia-se a Literatura Francesa,
apresentando (22%) dos títulos. A intelectualidade brasileira teve seu pensamento social (e
hábitos também) fortemente influenciado pelo pensamento europeu, em específico pelos
escritores franceses, durante a segunda metade do século XIX e início do XX, que, em suas
produções literárias, inspiraram os escritores brasileiros. Literatura Americana e Inglesa
aparecem na mesma proporção (11%). Literatura Portuguesa também possui destaque com
(8%). As demais subclassificações estão entre (0,5%) e (5%).
Para os autores com maior número de obras, tem-se as subclassificações, iniciando-se
com 810-Literatura Americana, elencando-se os autores que possuem a partir de 7 obras
descritas no catálogo:
161
Gráfico 25 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal -810 Literatura Americana)
Fonte: Elaborado pelo autor
Orison Swett Marden é o autor norte-americano que possui mais títulos, dentre eles,
Aperfeiçoamento Individual, O Crime do Silêncio, A Mulher e o Lar e Os Milagres do
Amor. Suas obras abordam temáticas do cotidiano com enlaces de auto-ajuda. Suas
publicações iniciais variam entre 1894-1925. Pearl S. Buck possui entre seus títulos O Amor
Acima de Tudo, Um Coração Altivo, A Boa Terra, Mulher Imperial, dentre muitos
outros. Suas obras são romances, a maioria publicados a partir da década de 1930. Ronnie
Wells aparece com os títulos O Homem Solitário, A Serpente de Bronze, Dicks Peter
Contra Teia Invisível e O Crime da Represa Velha, obras de ficção, envolvendo romance e
aventura. Thomas Mayne Reide figura com os títulos Nas Terras do Ouro, A Caçadora
Selvagem, Os Náufragos de Borneu e Aventuras de Terra e Mar. Suas obras são também
romances de aventura e todas foram publicadas inicialmente entre 1850-1892. Edgar Allan
Poe divaga entre romances, contos e novelas, gêneros que, muitas vezes, envolvem mistérios
e casos policiais, em sua construção ficcional. Entre seus títulos constam Poesia e Prosa,
Contos de Imaginação e Mistério, Novelas Extraordinárias e Duplo Assassinato na Rua
Morgue, obras inicialmente publicadas entre 1940-1949. James Fenimore Cooper foi um
novelista, publicou obras do gênero romances históricos e policiais. Entre seus títulos no
catálogo constam Henriqueta, O Corsário e O Último dos Moicanos, esta última considera
sua obra prima. Mary Roberts Rinehart publicou muitos romances de mistério e, dentre seus
títulos, aparecem A Dupla Morte, A Dama Alucinada, O Caso de Jane Brice, O Mistério
da Escada Circular e O Homem do Leito Número 10.
26
20
10 109
7 7
Orison Swett
Marden
Pearl S. Buck Ronnie Wells Thomas Mayne
Reide
Edgar Allan Poe James Fenimore
Cooper
Mary Roberts
Rinehart
162
Ao que se pode verificar, romance é o gênero literário principal desses autores, que
mesclavam aventuras e mistérios para tramar estórias envolventes. Possivelmente, muitas
dessas obras constavam do acervo do Gabinete de Leitura, desde seus primeiros anos, por
terem sido publicadas inicialmente no século XIX.
Os autores com maior número de obras em 820-Literatura Inglesa (a partir de 13) são:
Gráfico 26 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 820 Literatura Inglesa)
Fonte: Elaborado pelo autor
De Edgar Wallace constam os títulos A Estranha Condessa, O Anjo do Terror, A
Morte Mora em Chicago e Os Olhos Velados de Londres. Suas obras são romances
policiais, publicados a partir de 1910. W. Somerest Maugham, romancista britânico, aparece
com os títulos A Hora Antes do Amanhecer, Uma Dama na Malásia, As Três Mulheres
de Antibes e Vinte e O Pecado de Lisa. Suas publicações iniciaram-se em 1897,
estendendo-se até 1960. Shakespeare, autor clássico da literatura britânica, consta com os
títulos Romeu e Julieta, Macbeth, Othelo e Hamlet, obras consagradas na literatura
mundial. Walter Scott possui a mesma quantidade de obras de Shakespeare. Entre seus títulos
de romance histórico constam As Desposadas, A Prisão D'Edimburgo, A donzela do
Nevoeiro e Quintino Durward. Elionor Glyn, escritora precursora de romances eróticos
femininos, de grande repercussão no início do século XX, aparece com os títulos Cegueira de
Amor, O Homem e a Escrava, Seu Único Amor e Macho e Fêmea.Florence L. Barclay,
escritora de romances para o público feminino, publicou obras entre 1908-1920. Entre seus
títulos no catálogo estão Amor Pelo Telefone, O Rosário, Enquanto é Tempo de Amar e
Um Nobre Amor. Concordia Merrel aparece com os títulos Casamento de Experiência,
Adão e Algumas Evas, O Casamento de Ana e Casada Por Dinheiro. Em todos os autores
27
23
20 20
15 15
13
Edgar Wallace W. Somerest
Maugham
Shakespeare Walter Scott Elionor Glyn Florence L.
Barclay
Concordia
Merrel
163
o romance predomina; em alguns casos, as obras foram produzidas e direcionadas ao público
feminino.
Os autores com maior número de obras na 830-Literatura Alemã (a partir de 4) são:
Gráfico 27 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 830 Literatura Alemã)
Fonte: Elaborado pelo autor
As obras de E. Marlitt estão em predominância dentre os autores, romancista alemã,
publicou suas obras inicialmente no último quartel do século XIX, entre seus títulos figuram,
Sonhos de Amor, Perdão Senhora, A Dama dos Rubis, A Indomável e No Castelo dos
Sonhos. Goethe, importante figura da literatura alemã, aparece com os títulos A Serpente
Verde, Fausto, Poesias e Os Sofrimentos do Jovem Werther, este último considerado um
clássico do romantismo.E. Hoffmann e Lion Feuchtwanger aparecem com a mesma
quantidade de obras, entre seus títulos estão Contos Fantásticos, do primeiro e Raquel a
Judia, do segundo. Os três autores seguintes também possuem a mesma quantidade de obras,
dentre outros títulos aparecem, de Gustav Schwab, Odysseus, de Marie Eschenbach, A
Incompreendida, de Thomas Mann, Sua Alteza Real. Entre esses autores prevalece o gênero
romance.
Os autores com maior número de obras na 840-Literatura Francesa (a partir de 29) são:
28
65 5
4 4 4
E. Marlitt Goethe E. Hoffmann L. Feuchtwanger Gustav Schwab Marie Eschenbach Thomas Mann
164
Gráfico 28 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 840 Literatura Francesa)
Fonte: Elaborado pelo autor
Homens, correntes de pensamento e objetos de procedência francesa adentraram o
Brasil, durante a segunda metade do século XIX. Inclusive os livros. Muitas obras francesas
encheram as prateleiras das livrarias brasileiras249
. Segundo Laurence Hallewell havia “uma
receptividade excepcional aos adornos da cultura francesa”250
. No catálogo de obras do
Gabinete de Leitura, a presença de autores de língua francesa, com suas obras traduzidas para
o português, é marcante. Alexandre Dumas encabeça a lista, dentre os seus muitos títulos
constam A Dama das Camélias, Uma Mulher Como Há Poucas, Os Moicanos de Paris, A
Condessa de Charny, O Conde de Monte Cristo e Uma Aventura de Amor. Entre os
títulos da romancista Magali aparecem Uma Garota Rebelde, Um Amor de Rapariga,
Começou Numa Viagem, Sonho Nupcial e O Amor Tomou Parte Na Viagem. O
consagrado escritor Honoré de Balzac figura com os títulos A Comédia Humana, Uma
Mulher de 30 Anos, Ilusões Perdidas e A Vida Por Um Desejo. Júlio Verne consta com os
títulos As Grandes Viagens, Uma Cidade Flutuante, A Mulher do Capitão Brainican e O
Caminho da França. O escritor realista Guy de Maupassant, cujas obras foram publicadas
inicialmente entre 1885-1890, aparece com os títulos Nosso Coração, Forte Como a Morte,
Os Domingos de um Burguês em Paris e Uma Vida. M. Delly era o pseudônimo dos irmãos
Fréderic e Jeanne Marie Rosiére, que juntos publicaram centenas de livros do gênero
romance. Literatura de fácil apreensão, com histórias de amor agradáveis, suas obras foram
249
COSTA, Emília Viotti da. Alguns aspectos da influência francesa em São Paulo na segunda metade do século
XIX. Revista de História. São Paulo: FFLCH-USP, n° 142-143, 1° semestre de 2015. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18903> Acesso em: 14 jul. 2015. 250
HALELEWELL, Laurence. O livro no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1985, p. 117.
64
53
4542
38
34
29
Alexandre
Dumas
Magali Honoré de
Balzac
Júlio Verne Guy de
Maupassant
M. Delly Max Du Veuzit
165
disputadas pelas editoras (até mesmo as brasileiras). No Brasil, fez parte de coleções editoriais
como Biblioteca das Moças, da Companhia Editora Nacional, publicadas entre 1920-1960.
Entre seus títulos aparecem Foi O Destino, A Casa do Lírio, O Sentimento do Amor,
Sonho de Amor, A Casa dos Rouxinóis e Um Sonho Que Viveu. Max Du Veuzit também
escreveu centenas de romances. Entre seus títulos estão Único Amor, A Mulher que
Venceu, O Melhor é Casar, Paixão que Domina e Tenho Direito ao Amor. A temática do
amor e seus enlaces são constantes nessas obras. Sua predominância demonstra o interesse
dos leitores do Gabinete de Leitura por obras desse gênero.
Os autores com maior número de obras na 850-Literatura Italiana (a partir de 4) são:
Gráfico 29 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 850 Literatura Italiana)
Fonte: Elaborado pelo autor
Carolina Invernizio aparece com mais títulos, dentre eles O Último Beijo, A Mulher
Amada, As Vítimas do Amor,Sacrifício de Mulher e A Pecadora, romances inicialmente
publicados entre 1887-1912. Pitigrilli, pseudônimo de Dino Segre, teve suas obras publicadas
a partir de 1920. Entre seus títulos no catálogo constam Lições de Amor, O Umbigo de
Adão, A Mulher de Putiva e A Volúpia do Mistério. Rafael Sabatini, por sua vez, figura
com os títulos Amor em Armas e O Grande Amor de Anthony Welding. Dante Alighieri
consta com o clássico A Divina Comédia. Na mesma proporção, o escritor Emilio Salgari
aparece com os títulos O Prisioneiro dos Tempos, Aventuras de Um Garimpeiro e
Viagens Pela Terra. O literário italiano Giovanni Boccaccio, consta com os títulos
Decamerão e Os Famosos Contos de Boccaccio. A literatura italiana está em menor
proporção no acervo, se comparada às demais, mas da mesma forma, prevalece com estilo
romântico.
20
14
12
7 7
54
Carolina
Invernizio
Pitigrilli Rafael Sabatini Dante Alighieri Emilio Salgari Luigi Pirandello Giovanni
Boccaccio
166
Na 860-Literatura Espanhola, os autores com maior número de obras (a partir de 4)
são:
Gráfico 30 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 860 Literatura Espanhola)
Fonte: Elaborado pelo autor
O romancista e dramaturgo espanhol Enrique Escrich lidera a lista. Dentre seus títulos
contam A Promessa Sagrada, História de Um Beijo, A Mulher Adúltera e Formosura da
Alma. Do escritor de estilo naturalista Vicente Ibánez, cujas obras foram publicadas entre
1893-1926, consta os títulos A Mulher Nua, Sangue e Areia, O Paraíso das Mulheres e
Terras Malditas. A escritora de novelas Concha Becerra consta com os títulos O Homem
Daquela Noite, A Conquista do Homem e Sete Mulheres e Um Beijo. Alberto Insua
aparece com Um Coração Ludibriado e Fumo, Dor e Prazer. Com a mesma quantidade de
obras, Miguel de Cervantes consta com seu clássico da literatura mundial Dom Quixote.
Na 869-Literatura Portuguesa, os autores com maior número de obras (a partir de 12)
são:
54
16
5 4 4
Enrique Escrich Vicente Ibánez Concha Becerra Alberto Insua Miguel de Cervantes
167
Gráfico 31 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 869 Literatura Portuguesa)
Fonte: Elaborado pelo autor
Camilo Castelo Branco, com maior quantidade de obras, aparece com os títulos Horas
de Paz, A Queda de Um Anjo, Lágrimas Abençoadas, A Sereia, dentre outros. Eça de
Queiroz figura com os títulos O Crime do Padre Amaro, Os Maias, O Primo Basílio e A
Cidade e as Serras. Antonio Castilho consta com Casos do Meu Tempo, O Avarento e
Amor e Melancolia e outros mais. Júlio Dantas, importante intelectual português, aparece
com os títulos Mulheres, Arte de Amar, Eterno Feminino e Eva. Almeida Garrett, por sua
vez, aparece com Viagens Na Minha Terra, Helena e O Romanceiro. Dentre os contos de
Fialho de Almeida, constantes no catálogo há Os Gatos, A Esquina e Vida Irônica. Pinheiro
Chagas aparece com os títulos, Novelas Históricas, A Varanda da Julieta e Casamentos
Fidalgos. Do escritor Abel Botelho, citando apenas alguns de seus títulos há O Livro de
Alda e Mulheres da Beira, obras do final do século XIX.
Na 869.9-Literatura Brasileira, predominante entre as demais, os autores com maior
número de obras (a partir de 20) são:
55
44
28
2523
17
1312
Camilo Castelo Branco
Eça de Queiroz Antonio Castilho Júlio Dantas Almeida Garrett Fialho de Almeida
Pinheiro Chagas Abel Botelho
168
Gráfico 32 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 869.9 Literatura Brasileira)
Fonte: Elaborado pelo autor
Machado de Assis aparece em destaque. Entre seus títulos estão Ressurreição,
Helena, Papéis Avulsos, Relíquias da Casa Velha, Dom Casmurro e outros mais. José de
Alencar consta com O Guarani, As Minas de Prata e Senhora. Coelho Neto figura com
Jardim das Oliveiras, Velhos e Moços dentre outros. Diversos Autores é uma coleção de
obras que reúne contos de autores brasileiros, cujo título é Obras Primas do Conto
Brasileiro. Humberto de Campos aparece com os títulos Carvalhos e Roseiras, Memórias
Inacabadas e Sombras Que Sofrem. De João Grave há Os Vivos e os Mortos e O Passado.
Félix Pacheco, por sua vez, consta com os títulos Opúsculos de Piedade, Martha, Luar de
Amor e A Aliança de Prata. Com a mesma quantidade de obras, Menotti Del Picchia
aparece com os títulos O Crime Daquela Noite, A Filha do Inca e A Tormenta. Por último
Afrânio Peixoto figura com os títulos Maria Bonita, Poeira da Estrada, Romances
Completos e Sinhazinha. Cabe ressaltar que foram citados apenas alguns títulos dos autores
mencionados. Este rápido quadro permite observar como alguns dos principais autores
nacionais estavam presentes na biblioteca do Gabinete de Leitura. Outros mais, que aparecem
em menor proporção, poderiam ser citados, contudo estes se traduzem em uma bela síntese da
literatura brasileira. Seus escritos, em diferentes estilos, certamente circularam com
frequência entre os leitores do Gabinete de Leitura.
Na 870-Literatura Latina, de quantidade pouco expressiva no catálogo, os autores com
maior número de obras (a partir de 2) são:
56
5047
34 33
28
22 2220
Machado de
Assis
José de
Alencar
Coelho Neto Diversos
Autores
Humberto de
Campos
João Grave Félix
Pacheco
Menotti Del
Picchia
Afrânio
Peixoto
169
Gráfico 33 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 870 Literatura Latina)
Fonte: Elaborado pelo autor
O escritor colombiano Vargas Villa aparece com o título O Rosal Pensante, obra
inicialmente publicada em 1914. Diversos Autores, em seu título, demonstra ser uma
coletânea que reúne Maravilhas do Conto Universal Hispano Americano. A escritora
chilena Maria Luisa Bombal aparece com o romance Entre a Vida e o Sonho.
Em 880-Literatura Grega, Clássica e Moderna, os autores com maior número de obras
(a partir de 2) são:
Gráfico 34 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 880 Literatura Grega, Clássica e
Moderna)
Fonte: Elaborado pelo autor
3
2 2
Vargas Villa Diversos Autores Maria Luisa Bombal
3
2 2 2 2
Homero Demóstenes Suetônio Ovídio Platão
170
Entre os títulos de Homero constam Ilíada e Odisséia. Demóstenes aparece com A
Oração da Coroa. De Suetônio A Vida dos Doze Césares, de Ovídio, Arte de Amar e por
último Platão com O Banquete do Amor.
Por fim, 890-Outras Literaturas, compreendem obras de diferentes nacionalidades
como Russa, Irlandesa, Canadense, Austríaca, etc. Os autores com maior número de obras (a
partir de 6) são:
Gráfico 35 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 890 Outras Literaturas)
Fonte: Elaborado pelo autor
O romancista austríaco Stefan Zweig possui o maior número de títulos, dentre eles,
Confusão dos Sentimentos, A Mulher e a Paisagem e O Caso de Um Coração. O russo
Leon Tolstói aparece com os títulos Última Palavra, Guerra e Paz e Ressurreição, obras
também do gênero romance. Archibald Joseph Cronin, romancista escocês, figura com os
títulos A Dama dos Cravos, Sob A Luz das Estrelas e Três Amores. Dostoiévski, um dos
maiores romancistas da literatura russa aparece com os títulos O Jogador, Crime e Castigo e
Recordações da Casa dos Mortos. O romancista polonês Henry Sienkiewicz aparece com os
títulos Sem Dogma, O Campo da Glória e O Dilúvio. Máximo Gorki, de nacionalidade
russa, consta com os títulos Na Prisão, A Mãe e Minha Infância. O também russo Ivan
Turgueniev aparece com os títulos de romance Terra Virgem, Primeiro Amor e Fumaça.
Do comediante Bernard Shaw constam no catálogo os títulos A Milionária, O Homem do
Destino e Major Barbara. Thomas B. Constain, autor de romances históricos canadenses
consta com Entre a Pena e o Sabre, Duas Mulheres em Meu Destino e Herdeiro de Cem
Coroas.
26
1918
1211
98
6 6
Stefan Zweig Leon Tolstói Archibald
Joseph Cronin
Dostoiévski Henry
Sienkiewicz
Máximo
Gorki
Ivan
Turgueniev
Bernard Shaw Thomas B.
Constain
171
O gênero 900-História e Geografia, segundo maior em porcentagem, apresenta a
seguinte composição em suas subclassificações:
Gráfico 36 - Divisão da quantidade de obras e sua (%) por subclassificação (CDD – 900 História e Geografia)
Fonte: Elaborado pelo autor
As obras sobre História do Brasil representam um pouco menos que a metade, dentre
todos os livros de História e Geografia (48%). Sua expressividade caracteriza o interesse dos
leitores pelo conhecimento da história pátria. Observando-se os títulos dessa subclasse, os
temas predominantes são obras que abordam o período colonial brasileiro e também
coletâneas sobre a História Geral do Brasil. Possivelmente esse quadro se traduza no profícuo
debate intelectual e historiográfico da Primeira República e até posterior a ela, de repensar a
nação, em seu processo de transição para o urbano-industrial, alterando costumes,
pensamentos e realidades sociais. Nesse processo, o olhar histórico sobre os primórdios do
país, a colônia, sua construção territorial, étnica e cultural, importavam para se refletir sobre a
identidade brasileira, durante a constituição da federação. Segundo Fábio Franzini “fosse pelo
declínio do Antigo Regime, fosse pela crise do Antigo sistema Colonial, o processo de
formação dos Estados nacionais promovia a crescente valorização do passado como elemento
172
construtor das novas identidades forjadas nas lutas políticas”251
. Essa valorização certamente
se dava pela publicação de livros sobre a história nacional, em que coleções de estudos
sociológicos, antropológicos, geográficos e históricos estavam na pauta dos intelectuais e das
editoras brasileiras.
Biografia e Genealogia possuem destaque com (18%). São obras que abordam
trajetórias de vida de personalidades históricas, de âmbito nacional e internacional, como Rui
Barbosa e Abraham Lincoln. Em sequência, História Geral (11%) concentra obras que
abarcam estudos sobre a Europa, América, África e Ásia. Geografia e Viagem com (10%) e
evidencia os livros que analisam as muitas territorialidades brasileiras. Há predominância de
títulos com temáticas regionais sobre estudos geográficos de rios, solos e fronteiras do Brasil.
Na subclassificação História da Europa com (8%) prevalecem os livros de estudos sobre a
Idade Moderna, as grandes navegações e o processo de expansão. As demais
subclassificações variam entre (0,2%) e (2%).
Os autores com maior número de obras (a partir de 18) são:
Gráfico 37 - Autores com maior número de obras (Subclassificação Decimal - 900 História e Geografia)
Fonte: Elaborado pelo autor
Dentre os títulos de Alfredo Taunay estão São Paulo No Século XVI, Visões do
Sertão, O Grande Imperador, Império e República, Dias de Guerra e Sertão, Brasileiros
e Estrangeiros e Rio de Janeiro de Antanho. N.N. figura com os títulos O Estado de São
Paulo e o Centenário da Independência, História das Nações e História da Expansão
251
FRANZINI, Fábio. À Sombra das Palmeiras: a coleção Documentos Brasileiros e as transformações da
historiografia nacional (1936-1959), p. 220.Tese (Doutorado em História) FFLCH-USP, São Paulo, 2006, p. 18.
37
26
2322
2018
Alfredo
Taunay
N. N. Gustavo
Barroso
Emil Ludwig Cezar Cantu Pedro Calmon
173
Portuguesa no Mundo. Gustavo Barroso, membro da Ação Integralista Brasileira (AIB)
aparece com os títulos O Quarto Império, História Militar do Brasil, História Secreta do
Brasil e O Brasil na Lenda e na Cartografia. Emil Ludwig, escritor alemão, consta com
biografias e, entre os títulos, estão Bolívar, Stalin, Napoleão e Lincoln. Cezar Cantu,
historiador italiano, figura com o título História Universal. O historiador brasileiro Pedro
Calmon aparece com os títulos História do Brasil, A Princesa Isabel, a Redentora e
História da Civilização Brasileira, dentre outros.
O catálogo de obras em língua estrangeira apresenta a seguinte composição:
Gráfico 38 - Divisão da quantidade de obras por língua estrangeira e sua (%)
Fonte: Elaborado pelo autor
Os livros em francês representam mais da metade (53%) dos livros em língua
estrangeira dentro do acervo. O número de franceses associados ao Gabinete de Leitura
sempre foi baixo. 6 foi a quantidade máxima de sócios franceses registrados no Gabinete de
Leitura em 1913, o que contrastava com a abundância de livros em idioma francês que
podia ser notada, não somente nas estantes do Gabinete de Leitura como também em
174
diversas livrarias brasileiras ao final do século XIX e início do XX. Dentre os autores listados
constam Alexandre Dumas, Xavier de Montépin, Vitor Hugo, Eugene Sue, Germaine
Acrement, Ponson Terrail, Maurice Maeterlinck, Gustave Flaubert, Moliére, Émile
Zola,Honoré de Balzac, dentre outros.
Os ingleses também não tiveram grande presença dentre os sócios da Instituição, que
registrava a existência de apenas 2 ingleses em seu quadro societário, entre 1914 e 1917.
Apesar disso, as obras em idioma inglês constituíam (25%) dos livros estrangeiros, dentre os
autores aparecem Berta Ruck, W. Somerest Maugham, Baroneza Orczy, Samuel Smiles,
Oscar Wilde, Arthur Conan Doyle, Walter Scott, Sax Rohmer,Charles Dickens e Anne Kelly.
Livros em língua italiana representam (10%) de obras no acervo. Os autores que mais
figuram são Pitigrilli, Ignazio Silone, Giovannino Guareschi, Mário Soldati, Ricardo
Bacchelli, Giovanni Boccaccio, Dante Alighieri, Lorenzo Gualtieri, Alessandro Manzoni,
Justino de Montalvão, Luigi Pirandello, Ferdinando P. Della Gattina e Carolina Invernizio.
Dentre os livros espanhóis, que representam (8%), constam os autores Enrique Perez
Escrich, Vicente Blasco Ibánez, Miguel de Cervantes e Concha Linares Becerra. Dos livros
em alemão (4%) aparecem os autores Marie Von Ebner Eschenbach, Paul Oppenheim, Gustav
Schwab, Franz Von Seeburg, Goethe e E. Marlitt.
Apresentado o quadro detalhado da biblioteca, sua composição (divisão) por gêneros
literários, o panorama dos principais autores, seus títulos existentes no acervo e, de forma
sucinta, a composição dos livros em língua estrangeira, passa-se agora a breve um balanço.
Um dos aspectos que se destacam na observação do acervo é seu traço leigo. O baixo
número de obras religiosas (3%), dentro do espaço de leitura que o Gabinete representava, em
Jundiaí, evidencia seu caráter laico, justamente em um momento em que Igreja e Estado
atuavam em posições separadas, na esfera pública, desde a instauração do regime republicano.
A cultura religiosa (fosse o catolicismo ou protestantismo) ainda possuía forte presença nas
questões sociais, nas primeiras décadas do século XX. Particularmente no que se refere à
educação (pública e particular), mecanismo de preservação e manutenção da moral, dos
costumes e das tradições cristãs. Todavia, aos poucos, espaços e instituições seculares, como
o Gabinete de Leitura, faziam emergir grupos letrados, cada vez mais envoltos nas
transformações da época (trabalho livre, ideais liberais, urbanização, avanços científicos e
tecnológicos, entre outras) e menos nas condutas e devoções religiosas.
175
Significativa a presença de obras de Ciências Sociais (14%) e História (16%). A
primeira era composta, em sua maioria, de estudos sobre ciências políticas, demonstrando o
interesse do público leitor em compreender o cenário político e econômico da nação por meio
dos livros. Há que se ter em consideração que o quadro societário do Gabinete de Leitura era
preponderantemente masculino, portanto, um público leitor que de fato se apropriava das
questões públicas, fosse movido pelo próprio interesse ou pelas prescrições da vida social, que
delegavam à figura masculina o conhecimento sobre os impasses da esfera pública. A
presença das mulheres não era proibida na Instituição, mas não figuraram no quadro
societário, ao menos no período aqui analisado. Contudo, certamente estavam presentes entre
o público leitor. Os livros sobre educação, instrumentos auxiliadores no processo da
educação, instruindo e alfabetizando, também compõem significativamente esse percentual. O
projeto de Educação do Gabinete de Leitura seguramente se valeu de suas obras pedagógicas
para promover os estudos das primeiras letras. A segunda (História) traz em questão o
possível apreço dos leitores pelo conhecimento sobre a formação da nação e seus
desdobramentos sociais, levando-se em consideração que os títulos sobre História do Brasil
possuem maior proporção (48%) dentre os livros de História. O processo de transição
brasileira do sistema agrário-comercial para o urbano-industrial notadamente fazia com que
novos arranjos fossem sentidos e experenciados, somando-se ainda a esse processo os
embates frente as representações políticas, levando os cidadãos ao interesse, cada vez maior,
sobre a identidade, a cultura e as sociedades brasileiras.
Notável também o predomínio da classificação Literatura e Retórica (57%), em que o
gênero romance prevalece, sobretudo com títulos nacionais e estrangeiros (franceses e
ingleses) que caracterizam a figura feminina com enlaces de amor, paixão, sonhos e desejos.
Histórias romanceadas e que remetem à presença da mulher dentro do Gabinete de Leitura. Os
demais gêneros aparecem em menor proporção, porém marcam ainda a diversidade dos temas
presentes nas estantes da biblioteca, possibilitando aos leitores aprenderem a ler, a escrever e
a falar ou a aprimorarem essas ações.
Importante ressaltar que os 9.027 livros descritos no catálogo, aos poucos, foram se
somando, entre compras e doações, para comporem em sua totalidade o acervo do Gabinete
de Leitura.
A biblioteca teve um aumento de 82% em seu número de livros, de 1908 até 1957,
quando o catálogo foi produzido. O crescimento deu-se de modo gradativo e natural,
certamente com muitas perdas e descartes, no decorrer do tempo, mas acompanhando o
176
próprio desenvolvimento da Instituição252
. Em 1922, apresentava 5.271volumes, segundo o
Anuário Estatístico de São Paulo, para aquele ano, portanto, se infere que aproximadamente
mais da metade (58%) dos livros que compunham o acervo, naquele período, puderam ser
ordenados, por esta pesquisa, por gêneros literários, permitindo uma leitura sobre o que os
sócios e frequentadores do Gabinete de Leitura “preferiam” e “poderiam” encontrar para ler.
3.4 Os livros de romances: mulheres leitoras?
A predominância de romances no catálogo de obras examinado possibilita indagar
sobre a presença de mulheres leitoras no Gabinete de Leitura. Conforme citado anteriormente,
os estatutos prescreviam a igualdade entre os sexos dentro da sociedade, portanto, o público
feminino poderia livremente frequentar as dependências da instituição, mas, na prática, não se
pôde notar a atuação de mulheres frente às questões cotidianas de organização e
administração do Gabinete de Leitura.
O Livro de Registro dos Sócios Contribuintes e as atas de reuniões de Assembleia
Geral e da Diretoria não mencionam a participação das mulheres nem registram nomes
femininos que pudessem atestar suas presenças. Contudo, no rastro dos indícios, a expressiva
quantidade de livros do gênero romance e seus títulos, que remetem à figura da mulher em seu
mundo de esposa, mãe e do lar253
, fazem pensar sobre a presença das mulheres no Gabinete de
Leitura como leitoras possivelmente assíduas desses romances.
O gênero romance teve seu lugar no Brasil e em outros países marcadamente ao longo
do século XIX. Deriva das novelas e romances de cavalaria surgidos na Europa entre os
séculos, XVII e XVIII. Segundo Sandra Vasconcelos, esse gênero, quando surgiu na
Inglaterra “foi associado ao popular e visto por muitos como uma literatura pouco
recomendada”254
. Aos poucos seu campo literário foi se delineando. Sua disseminação e
popularização fizeram com que o gênero passasse a ser visto como “instrumento pedagógico”.
Elementos como atitudes, regras de comportamento, posição das mulheres, relações
familiares, as representações do amor (materno e conjugal), a vida e os bons costumes dentro
252
A título de curiosidade, atualmente o Gabinete de Leitura conta com 45.000 volumes. 253
MALUF, Marina; MOTT, Lúcia Maria. Recônditos do mundo feminino. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.);
NOVAIS, Fernando. (Coord). História da Vida Privada no Brasil. vol. 3.São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 254
VASCONCELOS, Sandra Guardini T. Formação do Romance Brasileiro: 1808-1860(vertentes inglesas).
Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/>. Acesso em: 16 jul. 2015.
177
do matrimônio e os sentimentos foram associados aos romances, prescrevendo as condutas a
serem seguidas na vida social255
, em específico às mulheres.
Os leitores de romances eram formados e instruídos de modo impercebível, “para
muitas mulheres inclusive o romance era a única forma de acesso a informação e
educação”256
. Foi durante o primeiro quartel do século XIX que o gênero passou a ser
considerado como qualidade de expressão literária da classe burguesa. Em Paris, entre 1880-
1890, os romances representavam mais da metade dos empréstimos em bibliotecas
públicas257
.
No Brasil, o gênero também sofreu diversas críticas, sua aceitação e posterior
popularização entre as camadas sociais, possivelmente se deu quando o gênero, “de pouca
retórica e poesia, passou a ser visto pelos críticos como uma literatura épica e de alta
tradição”258
, somando-se a ele, o caráter instrutivo.
Os textos eram narrados de forma a possibilitar uma leitura agradável, de fácil
assimilação, não sendo necessário ser um exímio leitor para que pudesse se familiarizar com a
obra. Tanto na Europa quanto no Brasil, os Gabinetes de Leitura, bibliotecas circulantes,
folhetins e jornais, contribuíram para a difusão do gênero. Uns barateando os custos e
possibilitando um maior acesso à leitura, outros pela regularidade das publicações diárias, que
sempre contavam com trechos das obras.
Outro elemento que contribuiu para a popularização do gênero foi a narrativa de
histórias com questões cotidianas dos leitores. Dos acontecimentos mais usuais às paixões
avassaladoras, qualquer leitor poderia apreciar um romance, identificar-se com a história e o
desenrolar de sua trama.
Para Vasconcelos “O tempo dos romances é o tempo presente e suas histórias
envolvem aspectos familiares circunscrevendo-se ao mundo doméstico”259
.
Por meio dessas obras era possível ainda guiar os leitores com exemplos de moral,
trabalhando as características psicológicas dos personagens, suas virtudes ou intemperanças,
vícios e qualidades, de modo que a heroína, quando guiada por bons costumes, recebia os
frutos de sua boa conduta. Caso contrário, a morte ou a solidão eram os castigos por ter se
perdido nas tentações do amante ou nas armadilhas do vilão. A mescla do realismo com a
edificação moral dava o tom das histórias, levando o leitor a outros cenários e realidades.
255
VASCONCELOS, Sandra Guardini T. Op. cit. 256
Idem. 257
CHANTAL, Horellou-Lafarge; SEGRÉ, Monique. Op. cit. 258
ABREU, Márcia. Trajetórias do romance: circulação, leitura e escrita nos séculos XVIII e XIX. Coleção
Histórias de Leitura. Campinas (SP): Mercado das Letras, 2008, p. 298. 259
VASCONCELOS, Sandra Guardini. Op. cit.
178
O gênero romance diversificou-se em estilos: histórias de amor, aventura, policial,
histórico, mistério e erótico. Sua prosa de ficção se direcionou aos homens com temáticas de
suspense, aventuras, situações de perigo, investigação de crimes e assassinatos. Às mulheres,
os enlaces do amor, histórias de luta pela paixão, pela virtude do casamento e contra as
tentações. Ao primeiro era destinada a educação para a vida pública, para o trabalho; à
segunda, muitas vezes até desprovidas de educação formal, destinava-se apenas o “recôndito
do lar”260
.
Em suma, o gênero disseminou-se pelo Brasil, durante o século XIX. Muitos romances
ingleses, franceses e posteriormente nacionais poderiam ser adquiridos em livrarias, tendo
capas luxuosas e altos custos, ou até mesmo em formatos mais simples, podendo até mesmo
ser tomados de empréstimo na biblioteca de um Gabinete de Leitura.
No acervo do Gabinete de Leitura de Jundiaí, como observado no exame do catálogo
de obras, o gênero predominava. Seus títulos demonstram o público a que se direcionavam:
Uma Mulher Ideal (Mr. Maryan), Esposa e Mãe (M. Lilles), Coração de Mulher (M.
Aigueperse), Romance de Uma Mulher (Guy de Maupassant), Dois Casamentos na Vida
de Uma Mulher (Magali), O Sentimento do Amor (M. Delly), dentre outros. Resta se
perguntar quem eram essas leitoras e como os livros de romances poderiam indicar suas
presenças no Gabinete de Leitura.
Tentar responder a essas questões não é tarefa simples, pois as fontes de que a
pesquisa dispõe não as solucionam diretamente. Porém, em uma releitura do que até aqui se
pode analisar, é possível notarem-se alguns indícios.
Uma das possibilidades de se perceber a presença das mulheres é através do próprio
quadro societário da Instituição. Muitos sócios do Gabinete de Leitura eram homens mais
velhos, certamente casados e pais, como demonstra os prontuários dos que eram funcionários
da Companhia Paulista.
Das 112 fichas consultadas, 55 constavam como casados e com filhos (em média de
3)261
. Portanto, esse panorama permite levantar, como possibilidade, a frequência de esposas e
filhas no Gabinete de Leitura, cujo marido e/ou pai era associado. Caso não fossem
pessoalmente, os livros poderiam ser tomados de empréstimo e devolvidos após dez dias,
permitindo diversas formas de se praticar a leitura do impresso.
260
MALUF, Marina; MOTT, Lúcia Maria. Op. Cit. 261
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovia, Cidades e Trabalhadores: a conquista do oeste (1850-1920). Banco de
dados de funcionários, 2002. 1 CD-ROM.
179
Outra possibilidade é que o Gabinete de Leitura possuísse dois horários para
frequentação pública, (das 08h às 10h e das 19h às 21h). Desse modo, moças e mulheres de
Jundiaí também poderiam se dirigir à Instituição e realizar a leitura dos livros.
Há que se considerar também que a própria existência predominante desses romances
na biblioteca demonstra que as compras de livros realizadas pelas comissões privilegiavam o
gênero romance. Com a possibilidade de os sócios interferirem nas escolhas dos títulos,
certamente levavam em consideração as preferências de seus familiares (dentre eles as
mulheres). A constante procura e consulta desses livros por outras frequentadoras da
Instituição visavam a atender o interesse desse público.
Desse modo, o acervo caracteriza-se como o indício mais forte da presença das
mulheres. Porém, levando-se em consideração as palavras de Martins, é certo que o gênero
romance também era muito apreciado pelo público masculino.
Em São Paulo, reduto dos ideólogos da República, à parte o universo do jornal, lia-
se muito romance, do folhetim de capa de espada de Alexandre Dumas ao
romantismo brasileiro de José de Alencar, ao realismo português de de Eça de
Queiroz ao naturalismo francês de Emile Zola. Muitos divulgados pelos
publicistas262
.
Desse modo, não faltaram suportes materiais para que os romances pudessem circular,
fossem jornais, revistas, folhetos, livros e opúsculos. Nos Gabinetes de Leitura a presença de
romances é marcante. E, certamente no acervo do Gabinete de Leitura de Jundiaí homens e
mulheres se apropriaram desse gênero literário.
262
MARTINS, Ana Luiza. Op. cit., p. 305.
180
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa buscou compreender o processo de surgimento e o desenvolvimento nos
primeiros anos do Gabinete de Leitura de Jundiaí. Para tanto, foram analisadas as atas de
reuniões produzidas pelos sócios e diretores da instituição entre 1908-1924. As atas revelaram
o cotidiano de homens que estavam às voltas com o estabelecimento e a manutenção de um
espaço destinado aos livros, aos leitores e à prática da leitura na cidade de Jundiaí.
Procurou-se observar o surgimento do Gabinete de Leitura como uma realidade social
que vinha sendo construída por um grupo de trabalhadores da Companhia Paulista de Estradas
de Ferro, diante das transformações econômicas, urbanas, sociais e culturais que ocorriam em
Jundiaí, desde o final do século XIX, em decorrência da instalação das linhas férreas
(Santos/Jundiaí) e (Jundiaí/Campinas), entre outras. A cidade passava por um processo de
intensas mudanças; seu espaço urbano crescia, diversificava-se, novas edificações eram
erigidas para o trabalho, para o comércio, para as moradias e para o lazer. Desse modo,
constatou-se que ante as transformações que ocorriam, o Gabinete de Leitura representava um
espaço para as letras na esfera pública.
Não havia nenhuma biblioteca pública em Jundiaí, no início do século XX. As
escolas, em sua maioria, eram particulares; possivelmente a demanda da população da cidade
não era totalmente atendida no aspecto da Educação. Não que a criação do Gabinete de
Leitura sanasse todos os problemas de alfabetização e de escolarização da população, porém,
sua existência confirmava a tentativa de se promover a instrução popular, principalmente com
a criação da Escola de Primeiras Letras.
Pôde-se perceber que as camadas sociais da cidade eram compostas por trabalhadores
camponeses, industriais e ferroviários. A cidade constituiu-se como operária. Os ferroviários
possuíam uma distinção na cidade, em relação às outras categorias de trabalhadores, muito em
decorrência de suas posições hierárquicas ocupadas dentro dos setores da Companhia Paulista
(escritórios, armazéns e oficinas). Esses trabalhadores constituíram a camada social média da
cidade e foram os atores principais na trama das transformações.
No decorrer da pesquisa, perceberam-se indícios de que a conjuntura da Primeira
República propiciava a criação de novos arranjos sociais. As primeiras décadas do século XX
marcavam um tempo de embates políticos, discursos ideológicos, avanços científicos e
tecnológicos, entre outros, pautados nos ideais de progresso, civismo e educação. Não se
adentrou nessas questões de forma complexa e detalhada, como o próprio período (1889-
1930) o foi, porém ficou em evidência que esses elementos inseriam-se no cotidiano da
181
sociedade jundiaiense, por meio do trabalho livre e assalariado, através da modernização do
sistema de transportes, da acessibilidade, do crescimento econômico, da imigração, do
crescimento populacional e pela própria fundação do Gabinete de Leitura.
Em Jundiaí, o Gabinete de Leitura emergia como um espaço para as letras. Certamente
essa não é a única acepção que um Gabinete de Leitura imprime, como se analisou essas
instituições não múltiplas, de características distintas, possuindo traços e singularidades em
cada contexto em que surgiu, possibilitando o acesso aos livros a pessoas humildes. Contudo,
em Jundiaí, pôde-se depreender que a instituição configurava-se como um símbolo da cultura
letrada. Sua relevância foi construída através das práticas sociais de seus sócios, que
ordinariamente reuniam-se em Assembleias Gerais ou em Reuniões da Diretoria, para
tratarem das questões de administração de uma instituição cultural. Em seus modos de fazer,
dentro e fora da instituição, como em suas trajetórias de vida, acabaram por conferir ao
Gabinete de Leitura, seus associados e frequentadores, sentidos de instrução, letramento e
ilustração.
A pesquisa não pôde analisar como esses elementos eram apropriados pelos sócios,
frequentadores e, portanto, leitores da instituição. Não foram localizados documentos (jornais
ou fontes manuscritas) que permitissem uma interpretação da recepção dessas representações.
Todavia, os incentivos financeiros recebidos da Câmara Municipal de Jundiaí, puderam, de
alguma forma, demonstrar como o Gabinete de Leitura era visto como um espaço para o
“aprimoramento do espírito” e para o “refinamento da sociedade” 263
, um aparato urbano que
vinha a preencher uma lacuna cultural existente na cidade: a dificuldade de acesso aos livros.
Os vereadores e os prefeitos de Jundiaí prestaram importantes auxílios à diretoria do
Gabinete de Leitura. Essa relação entre o poder público e as ações particulares foram
significativas para o desenvolvimento da Instituição. Além da concessão de um terreno e a
construção de uma sede própria para o Gabinete de Leitura, em 1923, o prefeito da cidade de
Jundiaí, Olavo de Queiroz Magalhães, solicitou que o nome da instituição passasse a ser
Gabinete de Leitura Ruy Barbosa. Naquele ano, o jurista Ruy Barbosa havia falecido, sua
trajetória política no Império e sua atuação para a constituição do regime republicano, foram
significativas na conjuntura nacional. Importante intelectual brasileiro, deputado, senador e
ministro durante a Primeira República, Ruy Barbosa, chegou a lançar-se em candidaturas para
a presidência da República, entre 1910-1919, porém sua campanha civilista não venceu, ante
263
Jornal, O Gabinete: Orgam do Gabinete de Leitura Jundiahyense. Anno I, N° 1. p.3
182
as tensões políticas, oligárquicas e militares que permeavam os jogos de interesses
econômicos e sociais do período (1889-1930) 264
.
Seus discursos políticos e análises econômicas, que versavam sobre diferentes
aspectos da sociedade brasileira, o transformaram em um polímata de grande influência no
campo literário e intelectual. Ruy Barbosa defendia o ideal progressista, defendia a
democracia republicana, o civismo e a educação popular. Certamente esses elementos de sua
personalidade e trajetória política corroboravam a representação do Gabinete de Leitura de
Jundiaí, que, em maio de 1923, passava a ser denominado de Gabinete de Leitura Ruy
Barbosa.
O presidente Waldomiro Lobo da Costa pediu que fosse acceita a ideia aventada
pela Camara Municipal, isto é fosse dado, ao Gabinete de Leitura, o nome do
Egrégio Patrício Ruy Barbosa o mais legitimo representante da intellectualidade
Brasileira. Os presentes já aceitaram e approvaram a proposta do Bacharel
Waldomiro Lobo da Costa em virtude da qual a denominação deste Gabinete de
Leitura passa a sêr “Gabinete de Leitura Ruy Barbosa” em homenagem àquelle cuja
vida sempre representou uma verdadeira licção de civismo265
.
Figura 29 – Sede do Gabinete de Leitura Ruy Barbosa na década de 1930.
Fonte: FERREIRA, M. 2014.
264
SANTOS, Marcelo Henrique Pereira dos. Rui Barbosa e Pinheiro Machado: disputa política em torno da
candidatura e do governo do Marechal Hermes da Fonseca. São Paulo, 2005. 301 p. Tese (Doutorado em
Ciências Sociais) PUC-SP. São Paulo, 2005. 265
Livro de Registro das Atas de Assembleia Geral 14.05.1923, p. 99.
183
Como se pode perceber, nos documentos das atas de reuniões e nos livros de registros
que guardam a história do Gabinete de Leitura, as representações da instituição compreendem
diferentes instâncias sociais, políticas e culturais e perpassam diferentes períodos. Esta
pesquisa não pôde analisar a todos, bem como se aprofundar em outras questões, como as
experiências sociais dos empregados da ferrovia e suas relações para com o Gabinete de
Leitura. Há que se aprofundar em pesquisas sobre as condições da classe operária jundiaiense,
no contexto da Primeira República, em especial a classe dos ferroviários.
Há possibilidade de se buscar ainda compreender como os trabalhadores ferroviários
organizaram-se e como partilharam suas experiências, reunindo-se em agremiações
esportivas, literárias, beneficentes e dançantes, em outras cidades do interior de São Paulo.
Contudo, seriam necessários levantamentos bibliográficos, pesquisas de campo e em acervos,
tempo e outros investimentos. Fica em aberto, portanto, a possibilidade de futuras pesquisas,
com a probabilidade de se ver revelado um universo cultural que estava presente em
diferentes dimensões, entre as cidades do Oeste Paulista, demonstrando-se que, além dos
grandes centros urbanos, nas grandes cidades, constituiu-se uma significativa e agitada vida
sociocultural.
A análise sobre o acervo de obras da biblioteca do Gabinete de Leitura de Jundiaí
revelou as preferências literárias dos leitores. Mesmo com as especificidades dessa fonte, sua
produção fora do período de análise desta pesquisa (1957), as perdas e os descartes de livros
ao longo do tempo, a lógica de ordenação numérica, desfavorável a uma compreensão geral
sobre os gêneros literários, foi possível reordenar a fonte Catálogo de Obras, classificá-la e
apresentar os principais gêneros literários existentes.
Este trabalho com o catálogo de obras evidenciou a predominância de áreas do
conhecimento como Ciências Sociais, História e Literatura e Retórica. Para esta última, o
gênero Romance prevalece, demonstrando o interesse do público leitor por essas temáticas e a
presença do público leitor feminino.
A figura da mulher pouco foi citada nas fontes consultadas, porém, não as silencia ou
minimiza suas participações nas dependências do Gabinete de Leitura, certamente elas
estavam presentes, atuaram de diferentes maneiras, de modo indireto e de interferências
múltiplas. Contudo, esta pesquisa pode apenas perceber os indícios de suas presenças na
biblioteca do Gabinete de Leitura, através da predominância do gênero romance e pelos
títulos dessas obras, cuja mulher era o personagem principal.
O caminho escolhido para o desenvolvimento desta análise representa apenas uma das
possibilidades de percurso. Olhar o surgimento do Gabinete de Leitura de Jundiaí como um
184
elemento representativo de uma realidade social em construção, por um grupo de
trabalhadores ferroviários, para servir como um espaço de letras a outros grupos sociais foi
uma possibilidade de investigação historiográfica selecionada por esta pesquisa. No entanto,
muitos outros caminhos poderiam ser trilhados para que se pudessem traçar outras abordagens
e que possibilitassem outras compreensões sobre este múltiplo objeto de estudo, o Gabinete
de Leitura.
Procurando contribuir com a historiografia brasileira, na perspectiva da historia
cultural, esta pesquisa buscou investigar e evidenciar a representação do Gabinete de Leitura
de Jundiaí, como espaço de letras, através das práticas sociais de seus sócios.
O Gabinete de Leitura de Jundiaí, atual Gabinete de Leitura Ruy Barbosa, está em
funcionamento nos dias atuais. Qualquer pessoa pode adentrar a Instituição, apropriar-se de
seu acervo literário e, caso queira, associar-se. Sua história, assim como esta pesquisa, não
cessa aqui. Há muito para se investigar e em que se aprofundar, em termos de conhecimento
histórico sobre a Instituição. Esta pesquisa encerra sua investigação e abordagem em 1924.
Naquele ano, o Estado de São Paulo passava pela Revolução Tenentista, iniciada no
dia 5 e encerrada no dia 23 de Julho. A Revolução era de caráter militar, contudo, os civis
foram as vítimas das “armas de guerras e das disputas políticas” 266
. Em meio ao conflito
bélico, o Gabinete de Leitura fechou suas portas, encerrando o seu funcionamento, no dia 7 de
agosto de 1924 e em ata de reunião da diretoria registrava-se:
Durante o período anormal que acabamos de atravessar. Leva-se ao conhecimento
dos directores presentes que em virtude da anormalidade verificada em todo o
Estado, por effeito da revolução que irrompeu na Capital, na madrugada de 5 de
julho, a sociedade teve o seu funcionamento suspenso durante o mez de julho e até
agora não está totalmente restabelecido.
Durante o período anormal, em Jundiahy, mais que em outro qualquer ponto do
interior, se fez sentir, por ser esta cidade ponto de concentração de tropas revoltosas,
o Gabinete não pôde deixar de suspender o seu funcionamento. A diretoria procurou
protellar o mais possível esta medida extrema até que, por ordem do Tenente Nestor
Nunes, que nesta cidade representava o Comando das forças revoltosas, se viu
obrigada, não só a fazer cessar o seu funcionamento, como também, a remover os
livros e mais objectos para uma das salas da Câmara Municipal, gentilmente cedida
pelo prefeito Dr. Olavo de Queiroz. Mais tarde, permittindo o commando revoltoso
que o Gabinete Voltasse ao domínio da diretoria, julgou esta prudente, não
restabelecer seu normal funcionamento enquanto durasse o período de incertesa que
estamos atravessando, pois ninguém podia prever o rumo que tomariam os
acontecimentos e, até onde seria necessário ir para restabelecer o regime da
legalidade. Conserva-se posi as portas fechadas até que, a aflluencia de forasteiros e
a escassez de accomodações estavam indicando o passo que na grave emergência, se
deveria dar: a entrega da sede às famílias que, retirando-se do foco da luta fratricida
demandaram-se a nossa cidade. E assim foi feito. Foram entregues as chaves ao
266
ASSUNÇÃO FILHO, Francisco Moacir. Op. cit., p. 1.
185
senhores (espaço em branco) que com suas famílias se instalaram nas dependências
do Gabinete de Leitura267
.
A diretoria do Gabinete de Leitura retomou as atividades apenas em janeiro de 1925.
267
Livro de Registro das atas de Reunião da Diretoria 07.05.1924, p. 43.
186
FONTES E REFERÊNCIAS
FONTES
Livro de Registro das Atas de Reunião da Diretoria, N° 1, 1914–1964. Gabinete de Leitura
Ruy Barbosa – Jundiaí.
Livro de Registro das Atas da Assembleia Geral, N° 1, 1908–1923. Gabinete de Leitura Ruy
Barbosa – Jundiaí.
Livro de Registro de Sócios Contribuintes, N° 1, 1908– 1917. Gabinete de Leitura Ruy
Barbosa – Jundiaí.
Livro de Registro de Visitantes, 1913.
Livro Caixa – N° 1, 1924-1929.
Catálogo de Obras em Português e em Língua Estrangeira, 1957.
Jornal - O Gabinete. Jundiaí, 1908.
Anuários Estatísticos de São Paulo, 1906-1926.
Propaganda da Pauliceia. Almanach de Jundiahy: Literário, Histórico, Commercial e
Biographico, 1911.
Livro de Atas da Câmara Municipal de Jundiaí, 1914-1924.
Livro de Atas da Câmara Municipal de Jundiaí, 1879-1883.
Jornal O Jundiahyense – Orgam do Partido Republicano. anno 3. Jundiahy, 17, Jan. 1904.
Ofício de Ilda Lehner, 05-04-1947.
LANNA, Ana Lúcia Duarte. Ferrovia, Cidades e Trabalhadores: a conquista do Oeste
(1850-1920). Banco de dados de funcionários, 2002. 1 CD-ROM
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196
ANEXO I
Mapa da cidade de Jundiaí em 1900.
Fonte: TOMANIK, Geraldo B. Os Traços, as fotos e a história. Jundiaí, São Paulo: Literarte, 2005, p. 21
197
ANEXO II
Balanço feito em 1938 para conhecer a situação da existência e faltas dos livros na biblioteca
do Gabinete de Leitura Ruy Barbosa. (Relação numérica de livros faltantes).