o dever de sentar-se

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O DEVER DE SENTAR-SE Preâmbulo ••••• o ••• o. Um dever desconhecido Reflexões sôbre o dever de sentar-se o o Conselhos práticos 1 3 6 18 Dever de sentar-se e "partilha" o o o o o o o o 24 Testemunhos Primeiras experiências o 25 Ao longo dos anos o o o 27 Re fl exões o o o o o o o o o o 33 A idade madura 36

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Page 1: O DEVER DE SENTAR-SE

O DEVER DE SENTAR-SE

Preâmbulo ••••• • o ••• • o.

Um dever desconhecido

Reflexões sôbre o dever de sentar-se o o

Conselhos práticos

1 3

6 18

Dever de sentar-se e "partilha" o o o o o o o o 24

Testemunhos Primeiras experiências o 25 Ao longo dos anos o o o 27 Refl exões o o o o o o o o o o 33 A idade madura 36

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Publlcaçao ll'lensol doa Equipes de NaSIO Senhora

Caso! Responsável:

Nancy e Pedra Meneou Jr.

Redoç6o e expedlçaa: Rua 13 de Maio, 1263 Fone: 34-1 888 - São Paulo 3 - SP

Com aprovação eclés!óstlca

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PREÂMBULO

Por vezes pronunciamos ou escrevemos palavras a que não deixamos certamente de dar importância, mas sem lhes atribuir um valor especidl. Eis que se tornam conhecidas, repetidas, di­fundidas; tinha-se lançado uma semente e ela se torna árvore, floresta . Passam-se os anos e, ante a importância que estas pala­vras, adquirem, somos obrigados a revê-las, a fim de verificar a razã o de ser desta fecundidade .

Tal é a aventura do "dever de sentar-se". Em meados de 1945, a revista "I' Anneau d'Or" publicava um pequcono editorial intitulado "um dever desconhecido" . Citando um trecho do Evan­gelho de São Lucas, até então pouco explorado pelos comentado­res, êste editorial explicava aos casais porque era necessórlo "sentar-se" , isto é, porque era preciso que marido e mulher rom­pessem a engrenagem cotidiana a intervalos regulares, a fim de poderem se reenccntrar para um diálogo em que outra preocupa­ção néo tivessem, do que fazer um balanço em comum e porem­se à escuta do Senhor.

!:ste "dever" foi imediatamente adotado pelos grupos de ca­sais que viriam a ser as Equiipes de Nossa Senhora. Com o correr do tempo a expressão tornou-se, para milhares de casais, como que uma palavra chave, quase um talisman. Todos os que a adotaram ( ncc certamente a .palavra, mos o que ela representa) , encontraram nela o ponto de partida para uma vida nova.

Por que tal sucesso? ~ a pergunta que formulámos a nó~ mesmos; e êste número especial da Carta Mensal, nada mais é do que a nossa resposta . Nêle irão ler, em primeiro lugar, a certdõo de nascimento, o texto de São Lucas inspirador do de­ver de sentar-se . Em seguida o editorial de 1945 que indicava

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os seus objetivos profundos e o seu sentido espiritual. Propor· lhes-emas depois algumas considerações sôbre a filosofia e a mística dêste dever, o que nos levaró a conselhos próticos. Fi­nalmente - e principalmente - encontrarão alguns testemu­nhos vivos.

Ser6 preciso acrescentar que estas notas não têm a preten­são de esgotar o assunto, mas querem, s.im, provocar outras ex­periências e outras reflexões? Uma idéia foi lançada e a resposta foi dada pelo própria vida. Mas a vida é sempre mais rica de que qualquer Idéia; devemos pois estar atentos à vida, se qui­sermos descobrir os caminhos invls 'veis da graça, na nossa con­dição de casados .

Deixando o ómbito conjugal, o "dever de sentar-se" ten­tou conquistar outros tipos de comunidades, particularmente a fam'lia . São numerosos os casais das Equipes que praticam, em Intervalos mais ou menos próximos, um "dever de sentar-se" fa­miliar. Deixamos de fazer aqui referências a esta modalidade do dever de sentar-se, .porque êste número especial tem por obje­tivo único, desenvolver a obrigação dos Estatutos que leva êste nome. Outros números trataram ou Irão tratar do dever de sen­tar-se com os filhos .

"Quem de vós, !:Om efeito, q1terendo edificar uma t()rre, n.1o se .'~enta antes para calcular os ga.stos que B<!o neceesários, a fi•m de 1Jer se tem com que a..:'abá-la? Para que, depois que ti11er lançndo os alic:erces, e não puder acabá-lo, tados os que o virem não comecem a zombar dêle. dizendo : t;:ste homem principiou a oli/i­car, mtZI8 não pôde te-rminar! Ott qual o rei qu.e, estando para guerrear com ott.tro rei, nd.o se senta primeiro para considerar se com dez miZ homens poderá en/rB11-tar o que vem contra eze cem~ -tnnte mil f De outra ma­neira, quando o outro ainda está longe, er.,'IJ'ia embai­tmdores e lhe pede CO'IJdtições de pa-z".

(B'V011gelho de sao Lucas, Oa;p. 14, 28-34)

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O EDITORIAL DE 1945

um dever desconhecido

Cristo. no cap:tulo 14 do Evangelho de São Lucas, convida 0t1 seus ouvintes a praticarem o devet' de sentar-se. Hoje, no século das velocidacles vertiginosas, é mais oportuno do que nunca, aconselhar a prática 6iste dever desconhecido.

Não creio emitir um juiso temerário ao afirmar que os casaia mais cristãos, mesmo aqu~les que nunca esquecem o de­ver de ae ajoelhar, transgridem 110 entanto, com frequência, o dever de aentar-se.

Antq de empreenderem a construção do lar, voc~s con­frontaram sem dúvida seus pontos de vista, pesaram os seus re­cursos materiais e esj)irituais, elaboraram um plano. Mas, depois que se entregaram ao trabalho, não terá havido de sua parte negligência em sentarem-se juntos, para examinar a tarefa já realisada, reencontrar o ideal entrevisto, conlSultar o Mestre da obra?

Sei quais são as objeções e dificuldades, mas sei também que a casa desmoronará um dia se não tivermos vigiado a sua estrutura. No lar onde não se reserva um certo tempo para a reflexão, a desordem material e moral vão se introdusindo in­sidiosamente; a rotina apodera-<se da oração em comum, das re­feiçãH e de todos os ritos familiares; a educação dos filhot fica redusida a reflnos mais ou menos nervo•os; a união con· Jugal enfraquece.

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...

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Estas deficiências e muitas outraa, observam..lse não só nos ~asais sem formação, naquêles que ignoram os problemas da edu­cação e da espíritualidade conjugal, mas também, muitas veses, naquêles que são considerados como competência.s em ciências familiares - e o são na realidade... teóricamente. Por não to­marem distância para .,ma boa visão de conjunto, . os esposos não vêm o que qualquer visitante percebe logo ao transpor 3

porta da casa : o "deixa correr" que é comentado pelos amigos desolados, mctJI do qual não ousam falar aos Interessados, temen­do a incompreensão ou a susceptibilidade.

Casais houve que compreenderam o perigo. Estudaram e !Hiotaram vários meios para o combater. Um dêles dlsla-me recentemente, segundo a própria experiência, quanto é útil para os esposos abandonarem todos os anos os ,seus filhos e irem repousar juntos, ou viajar durante uma semana. Poderão pensar, ao ler- me, que não é dado a todos ter à sua di&posição pessoal, amigos ou parentes a quem possam confiar os filhos. Há, no en­tanto, outras soluções. Sei ele três famílias que se associaram para as férias; foram para o m•smo lugar e cada casal pôde au­sentar-se durante uma semana, deixando aos outros dois, o cui­dado dos fi I h os,

Para evitar o perigo da rotina no lar , hó outro recurso a respeito do qual lhes quero falar mais demoradamente.

Tomem a sua agenda e , assim como anotariam um concer­to ou uma visita , marquem um encontro com vocês mt~mos, fi­cando bem entendido que estas duas ou tNis horas são "tabu" ... !ligamos, sagradas - é mais cristão - não admitindo que um motivo qualquer que não lhes faria cancelar o espetáculo ou ., visita de amigos em ~ua própria. casa , seja capu de fad-los fal ­tar a êste encontro marcado com vocês mesmos.

Como utilisar estas horas? Em primeiro lugar tomem a de­cisão de que não estão com pressa. Uma vez não é costume.

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Delx. m a praia, indo para o alto mar. C absolutamente neceu6-rio mudar de ambiente e esquecer •• preocupações. Leiam jun­tos um capítulo bem escolhido de um livro posto propositalmen­mente de lado para essa ocasião privilegiada.

Em seguida - ou em primeiro lugar - façam longamente uma oração. Que cada qual, quanto possível, faça em voz alta uma oração pessoal e espont4nea ; esta forma de oração _em menospre:r:ar as outras, aproxima milagrosamente os corações. Depois de ter penetrado assim na pa:r: do Senhor comuniquem um ao outro aquiles pensamentos, aquelas confidências, aquelas queixas que não é fácil nem .•ecomendá­vel f zer no decurso dos dias agitados e ruidosos e que, no en­tanto, seria perigctso fechar no segredo do coração, porquanto, bem o sabem vods, "há silêncios inimigos do amor".

Não se detenham somente sôbre si mesmos, ou sôbre as preocupações atuais. Façam uma excursão àt fontes de seu amor, reconsiderando o ideal entrevisto quando, juntos, Iniciarem o caminho com pano célere. Renovem o seu fervor. "t preciso crêr naquilo que fazemos e fazA-Io com efltusiamo".

Voltem então para o presente. Confrontem o ideal e a rea­lidade; façam o exltme de conscií!ncia de seu pr6prio lar - não digo o exame de consciência pessoal - tomem as resoluções práticas • oportun11 para curar, consolidar, rejuvenescer, arejar, abrir o lar. Empreguem neste exame, lucidez e sinceridade; re­montem às causas do mal diagnosticado.

Por que não consagrar também alguns instante• em medi­tar tabre cada um dos filhos, ~dindo ao Senhor que ponha "a suas pr6prias vistas dentro de seus corações", egundo a sua promessa, a fim de que possam ê-los como lle próprio e con­duzi-los segundo os seut designios?

Finalmente e acima de tudo, perguntem a si mesmos se Deus é o primeiro servido em ,seu lar. Se sobrar tempo, façam aquilo que entenderem, mas, suplico-lhes, não voltem às bana­lidades ou ao rádio. Não tAm mais nada para M dizer? entio

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flq~am calecloa juntos; talvu não Mia o momento de meftbt proveito. Lembrem-se daquela palavra de Maeterlink: '"NcSo nos conhecemos ainda , não ousamos ainda calar-nos juntos".

Ser6 de grande importc\ncia escrever um pequeno apanhado daquilo que se tiver •oberto, estudado ou decidido no de­correr do encontro, Mas Isto pode ser feito depois por um dos dois e ser6 lido por ambos, juntos, no pr6ximo encontro.

O que acabo de lhes dlser ncSo é mais cfo que um meio de conservar jovem e vivo o amor que se dedicam, como tam­bém o seu lar. H6 seguramente muitos outros, mas êste, adota­do por numeroeos casais que conheço, j6 deu provas de aua efi­citncia.

HENRI CAFFAREL

REFLEXOES

SOBRE O DEVER DE SENTAR,.SE

O dever de ~ntar-se é, na sua essência. um meio para atingir a própria finalidade do casamento : a unidade do casal, os empreendimentos do casal, a realização humana e eobrenatural do casal e de ca.'da um dos c'Onjuges. Se a linha de mira tOr menos elevada, já não será o dever de sentar-se.

, Nll.o é portanto um simples momento de agradável dis-. tensão ou repouso que marido o mulher se permitem. Sem dllvida é bom. é agradável e util que o casal se encontre,, depola do cansaço do dia, d.aa preocupaçOes domésticas, da

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pressão exercida pelos filhos, para usufruir alguns instantee de diálogo ou de silêncio intimo, um ao lado do outro. Mas esta serenidade nada tem de comum com o dever de sentar-se.

Se chegarmos a compreendê-lo, dissiparemos as objeçõee que lhe podem ser feitas mas defrontar.nos-emos, ao mesmo tempo, com suas verdadeiras dificuldades.

Que é entã~ o dever de sentar-se? Pode ser definido da. torma seguinte : um longo momento que passamos calma­mente todos os meses, marido e mulher juntos, para um ba­lanço de nossa vida, sob o olhar de Deus.

I - OBJEÇõES E DIFICULDADES

Falta de es>p'ontaneidade

Uma objeção muito frequente ao dever de sentar-se é a sua falta de espontaneidade: "o amor é espontâneo; requer a livre expressão de si mesmo. Como pretender que haja es­pontaneidade em dias fixos, com enc·ontro marcado, ou quan.:­do nos esforçamos à seriedade, à profundidade, afastando­nos das formas naturais da vida? Não será muito mais pro~ veitoso aguardar as ocasiões, tendo o cuidado de não deixar escapar as oportunidades?

Todos nós sabemos, porém, que as ocasiões não se apre­sentam. :1!:: preciso provocá-las. Temos sempre um trabalho à nossa espera, não mais importante, é certo, mas mais ur­gente do que um encontro entre nós, para falannos de nós.

:1!:: esta uma evidência incontestável, mas, independente-· mente dela, seria também interessante interrogarmo-nos sO­bre a "espontaneidade". O que se esconde por trás desta pa. lavra, aparentemente tão simples e simpática?

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Há. a espontaneidade do primeiro movimento: coruliste em externar as próprias impressões tal como surgem. Mas 6 inf~mtil por natureza. Ora, como tudo o que é infantil, esta forma de espontaneidade é agradável, encantadora; resta sa­ber, porém, se revela muita coisa de nós mesmos, se é um verdaediro alimento para o amor.

Existe uma outra forma de espontaneidade mas, esta, adquirida. própria do adulto; é a que !le alcança após longo exercido, após uma aprendizagem paciente e contrnüa: é a espontaneidade do atleta no estádio; a da dona de casa, à von­tade no meio de seus convidados.

Melhor ainda, há a espontaneidade do santo que, à custa de ascese e de oração, adquiriu esta flexibilidade. esta ele­gância espiritual em meio às coisas de Deus e às coisas hu­manas.

Acontece o mesmo para os esposos. A espontaneidade entre êles (esta espontaneidade que revela com simplicirlade, com facilidade o fundo mesmo do coração e da alma), só se adquire lentamente, por uma educação continua. Não pode ser exigida já no ponto de partida, como uma condição primeira; é preciso prepará-la e esperá-la como um resultado e quase como uma. graça.

A assiduidade ao dever de sentar-se, longe de se opôr à e!lpontaneidade (a verdadeira), leva-a a um amadureci­mento gradativo, como o de um belo fruto.

Os desacoH.los possíveis

"Que adianta esta abertura do próprio intimo? Se abri­mos o nosso coração, muito cedo a conversa degenera em dis­cussão, em rixa. E, finalmente, acabamos por nos vermos tão diferentes, tão em oposição, que o remédio é pior que o próprio mal. ::m melhor calar-se e confiar no tempo, na vida, para realizar a düicil unidade do casal".

Sim, o defrontar dos caracteres, o pôr-em-comum das

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dificuldades, nl!o deixam de oferecer perigo!!. Porisso mesmo há regras de prudência a observar: não se deve vir para o dever de sentar-se como para um "ajuste de contas", nem St: deixar levar pelà eloquência fácil do ressentimento. Df've­se atender para o estado físico, nervoso, moral do cônjuge que nem sempre está em condições de tudo ouvir, como também não estamos nós mesmos em estado de alma para tudo dizer ... Na realidade, o tacto, a delicadeza, a terna prudência, seriam incompatíveis com a sinceridade? Porque não submeter isto ao amor? Alguém poderia se arrepender de assim proceder?

No entanto é preciso ir bem mais longe ainda, pois a ob. jeção de que nos ocupamos, nos leva a encarar uma dificuldade profunda: O oasaJ. n.ão é feito de dois seres itMnticos qut'Jl plm.'lann, sentmn, reagem. do mesmo modo s6bre t0àa8 as coi~ sas; quando isto acontece, é uma grande infelicidade, pois é a prova de que urn dos dois abdicou da própria personalidade, para nada mais ser do que a sombra, o reflexo, a cópia do outro. Quantos maridos (ou mulheres) vangloriam-se de sua "unidade" quando na realidade se contentam em rebocar os restos de um naufrágio!

Entre o homem e a mulher há, em primeiro lugar, a di­ferença irredutível dos sexos e é preciso respeitá-la como uma fonte de enriquecimento. Mas, além desta diferença, há o defrontar de duas personalidades que se vão afirmando cada vez mais no decorrer da vida. Dever-se-á então adotar a tática do avestruz e esconder a cabeça? Ou, ao contrário, ter a coragem de abordar os problemas difíceis, a coragem de explicar-se com toda a lealdade, a coragem de ouvir a opi­n!!i.o do outro, mesmo quando não há, aparentemente, nenhu­ma conciliação possível? Haverá pelo menos a vantagem de conhecer e respeitar a personalidade do outro e, quem sabe, a de procurar junto de Deus uma unidade mais profunda que o desacõrdo humano.

O testemunho que citamos mais adiante nos dá, a êste respeito, um julgamento muito formal: "Dois cônjuges que limitassem voluntAriamente o seu campo de investigações aos

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pontos sObre os quais têm certeza de uma ·tmlão de vistas, teriam certamente uma união mais pobre do que a daqueles que sondaram os abismos que os separam, num espírito de confiança e de esperança cristã" .

O mM.o àe saber

Na realidade, tôdas as objeções opostas ao dever de sen­tar-se - e que podem de fato ser um obstácUlo - têm a sua raiz numa dificuldade tanto mais temivel, quanto mais ar. raigada dentro de nós mesmos; é o mêdo de saber. Mêdo ésta, nem mesino suspeitado, o mais das vezes . Tenhamos a cora­gem de anallzá-lo nos seus diferentes nivela.

Há. em primeiro lugar o mêdo de saber o que nós mesmos eomos. Habitualmente, flutuamos na superfície de nosso próprio ser: a vida, a profissão, as relações, a própria fami­lia, nos impõem um certo n(Unero de atitudes, de comporta­mentos e acabamos por confundir comportamento e perso­nalidade O ser fica. marcado pelo agir. O dever de sentar­se nos obriga a. despir esta roupagem e a nos vermos em tOda ·a nossa. nude!:. l ' )

Porquanto 6 preoiso, em primeiro lugar, que nos expres­semos e que nos julguemos nós mesmos; em seguida, deve­mos colocar-nos sob o olhar da testemunha mais atenta e exigente: o cGnjuge, êle que nos vê todos os dias e a quem n!.o podemos burlar. E isto 6 penoso. A pergunta: "Quem sou eu? Em que ponto estou?" é a ma.is insuportável para o homem. Tanto mais insuportável quanto mais avançados pe. la vida a dentro;. o esforço para nos modificarmos se torna então mais dificil.

Este mêdo, entretanto, é menor que êste outro: o de saber o que é nosso cônjuge. Construímos dêle uma imágem, familiar e confortadora. Ao passo que, lá fóra, é preciso lutar, esgotar-se, saboreamos a. felicidade - a felicidade ani­mal - de encontrar em casa. aquela. segurança, aquele con·

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f.órto, aquela tra.n.qullidade tépida.. Não queremos, no lar, nenhuma aventura. E se, de repente, fôssemos descobrir que êste ser é diferente de.quêle que imaginávamos? E se outros instintos, outras aspirações se revelassem nêle? ... que talvez nã.o mais o satisfazemos ou, pelo menos, que vai ser preciso atender a outras exigências? Não, não, é prefer!vel nada saber!

Mêdo de si mesmo, mêdo do outro ... Uma terceira forma de mêdo, mais misteriosa, mais temível, ameaça o dever de sentar.se: o mêdo de Deus. Porquanto "sentamo-nos' n l(lQ

sõmen~ os dois, frente a frmtte, mas· os dois frente a DetiJ8. Ora, pensando bem, esta presença de Deus não é feita para tranquil!zar. Pode bem acontecer que l!Jle nã.o se satisfaça oom os nossos pequenos esforços, nossas pequenas virtudes ... e até mesmo com nossos grandes esforços e nossas grandes Virtudes. Na medida de seu amor para conosco, de nosso amor para com l!Jle, :li:le pede sempre mais. Mais amor, portanto maior desplrtlendimento.

Perguntar-lhe, no silênc!io do dever de sentar-se: "Senhor, que esperais de nós?" é expor-se a ouvir uma resposta. Então, ao mesmo tempo em que a nossa oração se dirige a :S:le,ao mesmo tempo em que nos entregamos a :S:le e imploramos a sua ml<&ericórdla, uma outra prece, muito menos nltida talvez, brota do fundo de nós mes­mos, aquela mesma que Jacques Riviêre teve a lucidez de anotar: "Meu Deus, afastai de mim a tentação da san­tidade, nll.o sou feito para Isto".

li - FILOSOFIA E M!STICA DO DEVER DE SENTAR.SE

Objeções, perigos, dificuldades ... Quantas barreiras o de­ver de sentar-se encontra pela frente! Já é tempo de mostrar que, se a aua rea..l!.zação não é fácil, merece no entanto ser tmt&4&.

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lfl um olhar lúcido sôbre tôda a vida do casal, para que marido e mulher se ajudem mutuamente a caminhar para uma perfeição maior.

"TOda a vida" é uma expressão um tanto vaga. Procu­remos precisar o seu significado.

Trata-se em primeiro lugar da 'Vida pessoal. Porquanto, se existe um mistério inviolá.vel da pessoa, onde só Deus tem o direito de penetrar (e ainda assim respeita a nos­sa llherdade), o amor c o c·a!::amento são feitos para que a nossa personalidade desabroche e cresça com o apOio do ser amado. Abrir-nos a êle, apelar para êle, é pois responder a uma exigência proftmda de nossa personalidade, au mesmo tempo que a uma missão do amor.

"Tôda a vida", é ainda a vida a dois, em todos os seus planos : carnal, inteletual, religioso, estilo de vida do lar, todo o "pequeno mundo" da união conjugal.

"Tôda a vida", é a vida familiar, principalmente a vida de pais e os inúmeros problemas da educaçllo.

Finalmente, "tôda o vida' é a 'Vida social e ecleS'ial, as responsabilidades de cada um e do casal, nêstes dominios.

Sem dúvida, tôdas estas questões são abordadas na vida corrente, ma s às pressas, 3. mercê dc.s incidentes cotidianos, sem uma visão de êonjunto e sem elevação; em tais condições , adquirem o colorido do momento e, com demasiada frequên ­cla, o julgamento calmo e refletido é substituído pelo impulso, o estado de almt:o. do momento. Nada tem de comum com o exame feito à luz 'do dever de sentar-se.

Além disto, o dever de sentar-se, já o dissemos, convida ao diálogo um outro parceiro: DetllS. No fundo, é l!:le que chamamos, que ouvimos, a propósito de todos os problema,s

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da vida pessoal, da vida a dois, <la vida familiar. Todo dever de sentar-se está. impregnado de prece. Também ai, seu cará.. ter de ''intervalo" em meio à lufa.lufa cotidiana é indispen­sável: Deus só fala no silêncio.

Vemos pois que o dever de sentar-se é realmene uma luz que inunda tôda a vida do casal: tôda a sua vida hu­mana e tôda a sua vida sobrenatural.

Pequena filosofia do dever de sentra-se

Um homem e uma mulher estão sentados um diante do outro, sob o olhar de Deus, sem outra preocupação a não ser construir o próprio lar. Que vão l!lcs dizer wn ao outro? Todos os dias trocam êles impressões; entretanto são im­pressões ditadas pelas necessidades cotidianas; ficam muitas vezes na superfície, sem permitir que haja a comunicação do mais inbmo de sí mesmos. Mais ainda, com a repetição dêstes gestos e palavras, acabamos perdendo consciência de nosso eu profundo. Sob a nossa consciência clara e ocupada pelas preoccupações imediatas, estende-se uma penumbra onde pululam em desordem, pensamentos obscu;:m,, senti-. mentos Informes., vagas aspirações que se perdem por não tererr. oportunidade de serem expressos e realizados.

lt justamente ai que intervém o dever de sentar-se. Gra­ças ao olhar atento e exigente daquele que nos ama, somos "intimados" a sair de nossa nobulosa interior, a exprimir aquilo que não exprimimos. AbTir o próprio intimo, é ao mesmo tem,p.o conhecer a sí mesmo e d.ar-se, conhecer-se pa­ra dar-se.

Vemos bem, portanto, que o dever de sentar.se não é sómente um convite para uma contemplação de nós mesmos e para penetrar nos meandros do nosso eu; obriga-nos a noa conhecermos diante do outro e para o outro; é J?Ois, de fato, um ato de amor. Mas au mesmo tempo que nos constrange, também nos ajuda; faz aflorar a nossa personalidade mais l'ecôndlta, já que é preciso, diante do outro, desalojar ao mes-

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mo tempo a mesquinhez, as maldades, o rancor, como ta.mM'm os impulsos, as generosidades, os sacrif1cios que, sem isso, continuariam a ser vagas veleidades.

O dever de sentar-se é portanto um meio de tomar cons­ciência de nós mesmos; é uma escola de personabda<ie.

Mas, ao mesmo tempo que nos leva a nos conhecermos, leva-nos também a conhecer o outro. E não é certamente um benefíc1o insignüicante, pois o amor tem necessidade de conhecer. E, francamente, conhecemo-nos muito? A prmcl· pio, a efusão sentrmental tudo leva de roldão. Em seguida, o hábito de viver juntos nos dá a ilusão de nos conhecermos; mas, será que fazemos muitas vezes o esfOrço de ir à procu­ra ou à descoberta deste personagem famillar que e nosso cônjuge? No entanto, toda pessoa é um mistério; é preciso que dela nos aproximemos com httmtlde re.spe?.to, com atenç<io incansável, se quisermos envolvê-la tôda inteira com o nosso amor e se qwsermos que o nosso amor a re• ele a si mesma e a ajude a desabrochar. As próprias divergências conjugais - e particularmente elas - obrigam.nos a êste choque, a esta revelação, a êste respeito, a ê~>te serviço do outro.

Assim, obrigando-nos a nos conhecermos e a conhecer o outro ,o dever de sentar-se estabelece entre os e&posos uma comunhão de pensamentos e de sentimentos que nada tem de comum nem com as trocas de idéias coudlanas, nem com as simples efusões do coração. São verdadeiramente dois ae­res, na sua realidade mais "existencial", que se olham, se conhecem, se def1·ontam e se unem; é a relação marido-mu­lher, na sua tensão permanente, mas também na sua solidez indestrutível que se promove e se constróe.

Para tudo resumir numa só palavra, o dever de sentar-~ ensina a pessoa e o amor a viverem em plena luz, isto é, na. verdade e na pureza. 1!: êste um tema profundamente evan­gélico: Cristo é a luz do mundo (Jo. 8,12), o cristão é "filho de luz" (Ef. 5, 8; I Tesa. 5,5; Jo 12,36), combate com "armas de luz" (Rom. 13,12). Esta luz é, ao mesmo temt>o, a de uma.

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oonsol.ênc'ia que quer ver claro él'll si e rejeita o que é vapO· roso, vago, obscuro- e é também a luz da graça. que pro­jeta a clarida{!e de Deus no que há de pior e de melhor em nós mesmos.

Pequena teologia e mística do dever de sentar-se.

lil preciso pois que nos compenetremos de que o dever de sentar-se não é apenas a obra dos dois cônjuges, 11 tamb'm a obra de De1ts. Melhor ainda, é antes de tudo a obra de Deus. Mas é preciso que nos disponhamos a acolher a a çã.o divina, dando à oração um lugar de destaque. Descuidar-se dêste detalhe é arriscar-se a um rendimento precário do d ev~r de sentar-se, ou até mesmo, atirá-lo contra obstáculos intrans­ponlveis.

Ao lado pois da filosofia do dever de sentar-se. é pre­ciso considerar a sua "teologia". Vamos resumi-la numa úni­ca frase: o diever de sentarr-se é um ponto alto do ll'(lcra­mento do m.atrirn61Vi.o. No dia em que receberam, ou melhor, se deram um ao outro o seu sacramento. os esposos assu­miram mutuamente o encargo um do cutro; fizeram o ju­ramento, com a graça de Deus, de estabelecer a sua união em Deus, e de, juntos, caminharem ao encontro de Deus. Consagrando-se um ao outro. consagraram-se também mu­tuamente a Deus. Em troca dêste juramento, Deus por sua. vez comprometeu-se a contrair uma "aliança" com o casal, para protegê-lo, ampará-lo, conduzi-lo :ttle mesmo, através dos caminhos da santidade.

Mas para que o sacramento opere, é preciso que os espo­sos tomem profunda consciência da graça presente no seu amor, e que depois, periodicamente, retomem consciência desta verdade, a fim de não trairem a sua vocação.

O dever de sentra-se é justamente um dos meios privi­legiados que permitem retomar consciência da missão do amor; permite o confronto das realizações com a promessa, para em seguida, partir novamente, depois de "reativar' a

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eficácia da graça sacramental. 1ll por isso que dissemos que era um ponto alto do sacramento do matrimônio.

Deveríamos acrescentar a esta teologia, uma "mistica" do dever de sentar-se, para melhor compreender as suas res­sonâncias sobrenaturais. Queremos dizer que estas horas privilegiadas de intimidade conjugal são também horas pri­vllég!adas para a graça e que, assim como os esposos "tocam" então a r ealidade substancial de seu amor, podem também "tocar" a realidade de sua graça .

Sob êste aspeto, acontece com o dever de sentar~se o que ocorre com a oração: no momento do dever de sentar-se, Isto é, no momento da intimidade mais intima, Deus permite pm· vezes que a sua presença seja "experimentada", pelo menos sob a forma de uma intensa corrente de caridade entre ma­rido e mulher.

Sem dúvida, esta experiência é fugidia , pode até ser seguida por uma aridez maior, nem torna menos necessários - nem menos illficeis - o claro-escuro da fé e o esfôrço de virtude . Mas, feitas estas reservas, é certo que o fato de ter experimentado a presença misteriosa de Cristo prometida :àaueles que estão unidos em seu nome, ajuda singularmente a crescer no amor e, principalmente, a purificar o amor .

As virtudes neces8árolas

Demos Inicio a nossas reflexões evocnndo as objeções P

dificuldades que se opõem ao dever dP. sentar-se . Vamos en­cerrá-las sem pessimismo, dizendo que o dever dP. sentar-sA requer um certo número de virtudes que, embora não sejam necessàriamente heróicas, nem por Isso deixam de exigi!' um paciente e conttnuo trabalho sôbre si mesmo .

Requer que alijemos rle nó~ o falso pudor, o respeito humano, o orgulho, a impulsividade, a presunção . Requer sinceridade, não sõmente para c·om o outro, mas para con­sigo mesmo; uma boa dose de humildade, para reconhecer o que não se é, e para "engulir" por vezes verdades amar-

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ga~ e coragem para. 1r até o fim no esfOrço empreendido, mesmo quando não rende nada. a princlpio, mesmo ee ameaça levar-nos para onde não queriamos !r ... Em suma, requer que não se trapaceie no jOgo que nos propõe.

Requer finalmente dos esposos uma virtude dificU : a perseverança.. Submeter-se um e outro a êste exame, mês após mês, ano após ano ... Submeter-se a esta pesquisa mul­tas vez sem frutos imediatos nem brilhantes . . . Lembrar­nos-em os, nas horas d!ficeis, que Deus a Isto nos convida, que :E:le nos espera, que :E:le nos ama.

Será muito penoso? Sim e não . Sim, se preferirmos o sono à vigilância, a escuridão à luz, a tranquilidade ao amor. Não, se refletirmos que as próprias virtudes que exige, êle as dá . Ou pelo menos as faz desejar e as desenvolve. l!: sem dúvida ai que vemos Deus em ação.

· Pela só fOrça humana, o dever de sentar-se é talvez uma miragem; mas pela fOrça de Deus torna-se, não fácil, certamente, mas possfvel - mesmo àqueles que, de inicio, apenas lhe concediam um pouco de boa vontade.

Oonclumdo

Reconheçamos, no fim dêste no11so estudo, que o dever 'de sentar-se é dificil: os obstáculos que sw·gem, vindos de fora e de dentro, são númerosos e reais. Mas não é menos certo que é posstvel e que as dificuldades diminuem com o exercicio. Poder-se-ia mesmo dizer que os resultados obtidos são proporcionais às dificuldades encontradas; pois são elas que obrigam a êste minucioso e paciente trabalho sObre 111 mesmo que é a condição de tOda conquista humana e sobre­natUI·al.

Por outro lado, se o dever de sentar-se tem uma grande eficácia, é porque atinge as próprias raizes da personallda· de. no amor e da fé. l!: por isso que requer esfOrço,é por Isso também que merec·e o esfôrço que requer.

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conselhos práticos

Se é verdade que o dever de sentar-se repousa sObre rea­lidades fundamentais que nos parecem vá.lidas para todos, também é verdade que a aplicação ou o método do dever da sentar-~e deppnde da iniciativa pessoal e deve ser o reflexo da vida, da psicologia, dos há.bltos de cada casai.

Os conselhos a seguir nada mais são, portanto, do que uma condensação de experiênc~as. São propostO<> a titulo de "reator", para que cada casal dêles tire apenas o que lhe parecer aproveitá.vel - Isto é, exatamente aquilo que lhe parecer bom para o seu caso particular. On então, para levá.­lo a reagir, determinando, quando mais não fOsse, por oposi­ção, o seu próprio método.

O importante é que adote um método, pois nada desa­grega e deteriora tanto o dever de sentar-se, quanto o fato de abandoná-lo à inspiração do momento, à improvisação, à. incaerência.

Repetiremos portanto a definição dada mais acima (pág. . . .. ) e, a partir dela, procuraremos a maneira con­creta de praticar o dever de sentar-se.

O dever de sentar-se, é um longo momento - passado l!a'lmamente - cada més - jwnJtos - para eliminar lllS causas de àeswnião - e para construir o próprio lar - sob o olhar e com a ajuda de Deus.

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UM LONGO MOMENTO

Não cinco minutos. Nem vários curtos minutos. Quanto tempo, então? Não há duração fixa, mas uma hora parece­nos ser o mínimo. Dedicar-lhe-emas mais tempo, quando os problemas forem mais numerosos. O essencial é "dar-lhe t.odo o tempo necessário"; de modo a ter tempo de falar, e tempo de escutar. 1!l melhor que se trate um único problema, mas tratá-lo a fundo, do que abordar superficial e rà.pida­mente uma multidão de questões.

PASSADO CALMAMENTE

Seria preferivel, sem dúvida, deixar de fazer o dever de sentar-se do que fazê-lo em ambiente de atropêlo ou ner. vosismo. Estar disponível um ao outro. Tudo prever neste sentido, como também para evitar interrupções: crianças deitadas, telefone desligado .. . ; procurar a casa de outro casal ou, - mau grado a aparente contradição - fezê-lo no decorrer de um passeio, etc.

Para sobrepujar as obsessões cotidianos e permitir que o ambiente de calma se estabeleça, é bom prever uma "zona neutra', de duração variávf'l, antes de !entar-se de verdade . Conforme os temperamentos, poderá. ser um pouco de músi­ca, um cigarro, alguns momentos de recolhimento silencioso ...

CADA M~S

:m preCiso evidentemente eatabelecer um prazo e parece que um mês é o mais adequado. Menos de um mês, não é conveni.ente: é difícil ganhar altura· e distância. E, para os escrupulosos, não é oportuno repisar com frequênda certos problemas. Mais de um mês não é prudente: · a memória poderia nos trair.

Quando, dentro do mês? A vontade de cada casal. PaJ:a os metódicos, será, por exemplo, o xo dia do mês, ou o 3.0

sábado ; para os mlsticos, o dia em que se confessam, ot\

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aquêle em que vão à missa ou, ainda, o dia do mês em que ee casaram . ..

JUNTOS

Não é t.ão evidente como parece. 1!: preciso estar juntos e não justapostos. Ir até o âmago dos problemas. Analisar os motivos, as intenções que se escondem por trás de nossas decisões, dos nossos modos de fflzer e de agir. 1!: preciso que, depois do dever de sentar-se os esposos possam dizer : "Nó.'J pensamos . . . nós decidimos. . . nós queremos ... "

PARA DISSIPAR AS CAUSAS DE DESUNIÃO

l!l o momento de dissipar os malentendJ.dos, de assinalar as fissuras. de dizer aquilo que nos magoou, que nos fez so­frer, nos decepcionou.

Um dos grandes benefícios do dever de sentar-se é que, pelo fato de haver um dia em que nos encontraremos, haverá também possibilidade de "explicações" (no verdadeiro sen­tido da palavra). Isto permite que conservemos o silêncio {provisõriamente) quando nos sentimos feridos, que não fa­çamos censuras um ao outro "a quente", e até m esmo, que deixemos passar os malentendidos ou dissensões (aqueles que, passando alguns dias, reconhecemos que nem vale a pena dêles falar, porque de fato não tém importância). Isto permi­te que, com a cabeça em repouso e o coração na calma, pos­samos assinalar os pontos realmente dificeis.

Nunca oprimir ou desencorajar. Saber dosar. Nern sem-I· p1·e é bom que se dliga tudo de uma vez. Há etapas necessá­

rias. Falar entretanto com lealUade. Não esquivar-se em abordar os problemas sob pretexto de "não magoar" ou por­que "somos bastante fortes para suportar sõzinhos". Seria uma traição a mascarar uma covardia; marido e mulher de­vem um ao outro o awc1llo mútuo.

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PARA CONSTRUIR O PRóPRIO LAR

O ponto precedente é apenas uma preliminar que nos permite assegurar-nos que não estamos construindo sObre areia, mas sim sôbre rocha. O dever de sentar-se só even­tualmente terá por finalidade remover entulho. lil importante não cometer a êste respeito um êrro de perspectiva. O fim, em vista é um maior amor, é um lar mais rolidamente edificado, é um lar aberto e irradiante. lil chegar a uma vi. tória da caridade.

Por conseguinte, há nceessidctde de abranger com o olha?' todo o mês decorrido, focalizando um ou QUtro dos pontos enumerados mais abaixo e fazer com que nenhum dêles fique vários meses sem ser examinado Isto requer a previsão de uma "ordem do dia", por mais administrativo que seja êste tenno . Detenhamo-nos por m nll palavra "ordem" que se opõe a desordem!

Alguns possuem uma caderneta onde assinalam durante o mês, os assuntos a tratar, as reflexões que devem ser ob. jeto de estudo . . . Outros fazem anotações em pequenas fichas que guardam numa caixa para isto destinada.

Quaisquer que sejam os problemas particulares que pos. sam surgir da própria vida do lar, há no entanto alguns pon­tos de referência, sem os quais o dever de sentar-se não teria mais sentido. Pode-se pois esquematizar:

Tú e eu: Em primeiro lugar fazer um balanço da vida pessoal de cada um . lil uma boa ocasião para verificar a regra de vida. Sem desvendar segredos que só pertencem à consciên­cia e a Deus, proceder a um julgamento objetivo de si mesmo, sob o olhar e com o auxilio da testemunha mais atenta. Pre­ver a orientação do mês seguinte.

Examinar com lucidez a vida a dois: em que ponto esta­mos em relação à Intimidade carnal, afetiva, inteletual, espi-

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ritual? "Minuto de verdade" quase para se temer, pois, sob pretexto de união, não devemos cair na complascência, nem, sob pretexto de lucidez, descambar para a agressividade .

Não é hora de "desabafar" mas sim, com a cabeça fria e o coração calmo, assinalar os pontos que realmente ofere­cem dificuldades .

Nós e as cria1tÇa.! -1l:ste exame deve ser feito sob a perspec­tiva de educadores. Estamos agindo como é prec'iso? Não temos idéias preconcebidas a respeito dêste ou daquele fi­lho? Não somos por demais sistemáticos? Temos em mente que é para êles que devemos educá-los e não para nós?

Nóll e os outros- Os próximos, os amigos, a familla, a pro­fissão e as relações profissionais, as responsabilidades so­ciais e eclesiais. Certas atividades não abafam as outras (profissão)? Certas outras não são relegadas ao esquecimen­to (cultura pessoal, amigos, tamilia . .. ) ?

NótJ e DeutJ - lt o problema fundamental para onde tudo deve convergir. Há "exercícios religiosos" propriamente ditos: tempo consagrado à oração pessoal, à oração familiar, à re­cepção dos sacramentos. Mas há também a nossa orientação profunda, as nossas leituras, as nossas descobertas ou pes­quisas.

Além desta vu;ao de conjunto, pode-se incluir no dever de sentar-se, um assunto, seja de ordem humana (pensar nas férias, no ano escolar), seja de ordem religiosa: atitude em face de uma virtude (pobreza, justiça, humildade ... ); pre-paração de um tempo litúrgico (Advento, Quaresma ... ) .

Graças a êste exame atento, regular, mensal; graças às orientações precisas e controladas, é pouco a pouco tôda uma. "regra de vida do casal" que se esboça e que, longe de obstar ao impulso da vida, ordena-o, disciplina-o, fá-lo render ao> máximo. , •. ; •~'· ....

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SOB O OLHAR E COM A NUDA DE DEUS

Na ordem progressiva que foi seguida, êste parágrafo vem por último. De fato, é o primeiro em importância. Me­lhor seria. sem dúvida, não fazer o dever de sentar-se do que fazê-lo sem Deus.

No dever de sentar-se não são dois a encontrar-se, mas três: Deus e os esposos. Alguém disse, com muito acêrto, que nêste dever "não há somente duas pessoas, mas dois filhos que interrogam seu P ai". O dever de sentar-;ge é uma verdadeira "passagem do Senhor". Donde a importância de um tempo marcante consagrado à oração: a oração é a pró­pria alma do dever de sentar-se.

Alguns preferem começar pouc·o a pouco, a partir de uma conversa mais familiar, chegando depois à oração e fa­zendo rlela o vértice da reunião. outros, ao contrário, atiram• se a ela decididamente, para ass1m ganhar altura de uma vez e acham que tudo é mais fácil depois. Cabe a cada um examinar e experimentar.

Que forma dar a esta oração? Não há fórmula padrão. Tempo de recolhimento .silencioso e de meditaçã.o, ou leitura de um texto (missa ou oficio do dia, trêcho da Blblia . . . ) , recitação de uma oração vocal. Tudo é posslvel, mas insis­timos para que marido e mulher façam o esfôrço de se diri­gir a Deus. um diante do outro, numa oraçdo espontanea, numa troca de intenções, numa ação de graças. O testemunho de um grande número de membros das Equipes revela que é no dever de sentar-se que aprenderam a rezar um diante do outro, um com o outro e que esta oração do dever de sentar­se os tinha treinado para a oração conjugal.

Se Deus não constróe a casa

Em vão trabalham os que a constróem . ..

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dever de sentar-se e "partilha" "Muitas vêzes, por ocasião da partilha, vemos casais in­

decisos que perguntam a si mesmos se fizeram ou não o de­ver de sentar.a·e ... Parece-me - escreve um casal de liga­ção - que não há dever de sentar-se inconsciente". E nós estamos persuadidos de que êle tem razão!

Lembremos a definição dada: "um longo momento, pas­sados juntos, para eliminar as causas de desunião e para construir o próprio lar, sob o olhar e com a ajuda de Deus". Não se concebe que tenha havido dever de sentar-se quando houve apenas uma conversa ocasional, seja a propósito do tema de estudos, seja em face de um acontecimento qualquer. O dever de sentar-se é consciente e voluntário. Se fiXarmos êste ponto, não ouviremos mais nenhum casal na dúvida se fez ou não o dever de aentar.se, nem os cônjuges em desa­cOrdo quanto à resposta a dar.

Lembrar-se também que a obrigação é mensal. Se, põr uma razão QualQuer, uma reunião de equipe é aâiada, não se é por isso dispensado do dever de sentar-se. Assim também durante as férias.

Durante a partilha, é bom que nos comuniquemos méto­dos, sucessos, quem sabe, causas de fracasso ... Mas é eviden­te Que se deverá manter discreção sObre o conteúdo do dever de sentar-se. Há um segredo do casai que é preciso respeitar. Como ajudar-se uns aos out?·os?

Rezar uns pelos outros. Escolher um dia comum para o D.D.S. de todos os casais

da equipe. Lembretes pelo telefone ou recados escritos. Carregar os fardos uns dos outr·os. . . Há o caso daquêle

equipista que ficou sem fumar até que o casal x · f'Izesse o dever de sentar-se ...

Tomar contru dos filhos de um casal, para que possa sair. Emprestar o próprio apartamento aquêle que, em sua

casa, não poderia encontrar o ambiente de calma necessário. . . . E tudo o que a caridade fraterna sugerir ...

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TESTEMUNHOS

PRIMEIRAS EXPERI~NCIAS

No início demos pouca atenção ao dever de sentar-se, pois pareceu-nos não apresentar dificuldades. A ~ua utilidade era evi­dente; quanto aos detalhes pr6tico3, não lhes tínhamos dado gran­de importância. Pensávamos mesmo, honestamente falando, que j6 pratic6vamos o dever de sentar-se, poi~ falávamos muitas vi­ses de nosso amor, de nossos sonhos de casadoSJ, de nossas aspira­ções, de nos as p•átic<~s religioS3s. Em suma, o panorama de nossa vida j6 es.tava estabt!lecido, embora esporàdicamente e sem ne­nhum método.

Depois de estudarmos mais profundamente êste dever e, prin­cipalmente, depois do nascin1ento de nosso filho, nossa vida assu­miu um ritmo mai!l tumultuado e sentimos esta necessidade que tem o amador de recuar alguns passos para ver o conjunto de sus tela; do escritor que relê as primeiras póginas de seu romance; mas também do viajante que consulta o mapa para ver onde deve ir. Em resumo, era preciso fuer o balanço de nossa vida e, como as ocasõõrJg eram mais raras, tornava-se necessário ganhar em qua­lidade o que pensávamos perder em quanti.dade.

- Durante quatro anos o dever de sentar-se ap·resentou para nós grandes dificuldades. Tal frac.-sso era devido principal­mente a duas causas: insuficiência da oração que não che­gava, assim, a criar o ambiente espiritual neceu6rio; - êrro na escolha dos assuntos e na maneira de abord6-los. O nosso de­ver de sentar-se era principalmente um estudo crítico de nosso modo de viver e uma procura de nouas deficiências.

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lato levava, tôdat u vês•, a um dell&nlmo tal que tlnhamos 11 tentação de renunciar definitiYimente em nos "sentarmos", ou pelo menos, t ínhamos sempre bou desculpae para nos esquivar­mos.

Não con1J~u íamos encontrar os meios edequados, apesar dos conselhos e dos exemplos. Finalmente percebemos que não encarávamos os assuntos com a necessá ria elevação. Modifica­mos então radicalmente nossa maneira de proceder : começamos agora nosso deve r de 'sentar-se por uma oração em comum e um tempo de meditação.

Como t ínhamo• ambos dificuldades na meditação, esco­lhemos como tema de nossos dois últimos "d.d.s." justamente a oração. Retomamos a leitura das "Cartas sôbre a oração" do Pe. Caffarel e anotações de retiro.s. Fisemos assim, em comum, um estudo aprofundado, de um lado do que era a meditação, e de outro, da. disposições de alma necessarlaa. Procuramo• também os meioe práticos, tais como atitude, momentoe, etc... qua nos ajudariam a reur.

A partir diste eltudo sôbre a meditação, chegamos muito naturalmente aos problemas mais concretos : oração familiar , ora­ção das crianças, preparação da missa, seja para nós, seja para as crianças, preparação de nosso filho para a crisma, etc:. Em uma palavra, tôda a espiritualidade do lar.

Utilisamos uma caderneta onde anotamos u nossas conclu­sões. No mês seguinte, logo no in ício do dever de sentar-se ve­rificamos o modo pelo qual estas concllltJÕes foram levadas em conta.

- t uma das obrlgaçõet mais dif'cels para a maior parte do.11 casais. t também, na nossa opinião, a mais útil. Transformou o estilo de nosso lar,

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Tínhamos 1 2 ou 1 3 a11crs de caeame11to. ~ós noa entendia­mos muito bem e nos amávamos perfeitamente. Entretanto, a agi­tação da vida profissional, a dispersão a que as crianças nos obri­gavam, tinham>- nos levado a nunca encontrarmos tempo para uma pausa, para pensarmos juntos nos dive~s problemas da vida familiar, seja espirituais, seja materiais. ~ão tinhamos ma;s opor­tunidade de nos falarmos, a não ser de modo superficial. Recuá­vamos ante certas explicações, certals confidências, certas críticas. Não exprim'amos entre ·nós, senão idéias banais, evitando os pro­blemas fundamentais, por respeito humano. pelo desejo de evitar os choques, as explicações.

Tal estado de coisas vinha se tornando ·muito grave. Foi quando entramos nas Equipes de Nossa Senhora, o que nos obri­gou ao dever de sentar-se. Os primeiros foram muito difíceis: cons­trangimento, reserva, pudor ...

Pouco a pouco a nossa vida conjugal se foi aclarando. Dis­temo-nos coisas de que não ousávamoa falar desde o início da ca­samento. Ouvimos diser que, por vêse•, isto leva a verdadeira.l "cenas". Tal não aconteceu para nós, embora tenha revelado em nós erros de psicologia ou atitudes que, de boa fé , não t ínhamos perceb do. Assim também, ousámos falar um ao outro, daste ou daquele defeito de que nunca tinhamos ousado queixar-nos. Enca­ramot juntos ora uma decisão a tomar, em relação a um• filho, ou a atitude a assumir em relação à familia , ora certas despesas ...

Ma;s, principalmente, abordamos certas questões que tinham sido evitadas até então, seja sôbre engajamento na vida paroquial, seja sôbre vida espiritual, comunhão, confissão, regra de vida, etc.

AO LONGO DOS ANOS

- Nosso dever de sentar-se nunca dura mais de uma hora e meia, às vêses 50mente uma hora.

Aconteceu, uma ou duas vêsas, que o fisemos estando fatiga-

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dos, "para cumprir a obriga~ou; n6o estamos convencidos que a obediência à regra foue útil nestas circunstâncias, pois é facil cair no enervamento e o objetivo não é assim atingido. lí melhor adiá­lo por alguns dias, o que, entretanto, não deixa de ser perigosc.

Quanto a mim, faço pequenas anotações das coisas que mo parecem interessantes (leituras, pequenos acontecimentos, assun­tos a discutir). Isto corresponde sem dúvida à predisposição natu­ral de meu espírito ordenado e contrasta, aliás, com o modo de agir de Francisca, inimiga dêste formalismo e que prefere um diálogo em que os assuntos vêm ao aca:so. O resultado é que, com raras ex­ceções, o tema do dever de sentar-se é calcado no meu programa, já que Francisca não apresenta nenhum.

t porém verdade que, muitas vêzes, temos problemas comuns que implicitamente tínhamos concordado incluir no pr6ximo dever de sentar-se. Acho contudo que seria preferível que Francisca pro­par também ela o nosso encontro. Nõo é raro, aliás, que o as­sunto previsto soja pâsto de lado até o mês seguinte, deixando o lugar para outro mais urgente e atual, mesmo sem preparação po~évia.

Acho que o dever de sentar-se deve principalmente ser prepa­rado no íntimo do coração, numa disposição do alegria e de prece, para lhe comunicar desde o inicio um cunho ao mesmo tempo es­piritual e repousante. Todavia, também o'lqui, é preciso evitar o ar­tificial.

Devemo,.; ir para o dever de sentar-se, não como se vai para a mesa de trabalho, mas como para um encontro de noivos, co111 todo o mistério das coisas a descobrir, mas também com todo o te­souro das riquezas secretas que o ser amado nos convida a partilhar.

Começamos tôdas as vê.zes por uma revisão da nossa regra de vida: a maneira como foi observada, encorajamentos concretos para lhe sermos mais fieis ... Procuramos sobretudo ser severos um para com o outro , levando em conta as realidades. De tempos a temJliOS fazemos também incidir êste exame de consciência sôbre a manei­ra como cumprimos nossas obrigações para com a equipe e os ca-

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ufa que a compõem <letra e espfrltol: Isto sempre noa ajudou a fazer um novo esfôrço de compreensão e de seriedade.

Damos preferência a um assunto de ordem geral, pois tôdas as vbes que abordamos muitos assuntos, tivemos a impressão de dispersão, de falta de profundidade, Penso que devemos evitar ao máximo as coisas insignificantes, tanto mais que, muitas vhes, são elas um disfarce que esconde a nossa preguiça.

Eis alguns exempiols de anuntos debatidos nos nonos "dever de sentar-se": férias- esp:rito de pobreza (cano, casa, estilo de vida, etc.) - educação dos filhos (várias vêzesl - problemas de acolhimento - nosso apostolado nas Equipes de Nos\Ja Senho­ra - vida de famflia e amizades - aniversário de casamento -regra de vida em profundldade - notas de retiro - ação paro­quial - correção fraterna sôbre certos defeitos - ação profluio­nal - futuro das empregadas e problemas apresentados por elas -preparação de encontros com nosso conselheiro espiritual - pre­paração especial de certos períodos litúrgicos ( QuarHma, por exem­plo) - o compromisso de nossa equipe - preparação do batisado de uma criança - etc.

Terminamdl por vêses com uma resolução prática, mas nem sempre o assunto leva necessariamente a isto. No dever de sentar­se aeguinte, relembramos o esfôrço que tínhamos assentado realisar.

- N'ão exagero ao afirmar que o dever de sentar-se foi para n6s o 6nico momento em que, @ste ano, tivemos oportunidade de converur tranquila e si!riamente.

Com efeito, por causa de um trabalho que lhe ocupa todos os momentos, livrea, M. passa o tempo todo fora de casa. Eu me deito antes dêle e êle se levanta antes de mim. Reservamos as refeições para conversar com os filhos e, mesmo quando êle não falam, não estamos sós. Desta forma, a necessidade do dever de sentar-se se impõe a n6s muito claramente. Marcamos para êle um dia fixo: é aempre a noite do domingo que precede a reunião da equipe (isto

2!il

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acontece hô cloit an.os e temO$ sido quue Inteiramente pontuak). O fato de ~ermos de dar contar à equip11, nos aluda a nos lembrar­mos. Mas é muito raro esquecermos, pois sentimos grande neceni­dade dêste encontro.

Começamo• com uma oração, em geral a invocação ao Eepf­rito Santo. Depois falamos um pouco de nq9, num pequena corre­ção fraterna. Isto não oferece muita dificuldade e é feito com grande caridade, o que não significa que não troquemos cr:tica" sob pretexto de não magoar o outro - com efeito, nós nos con­sideramos respons6vel de nosso apoarfoiçoamento mútuo perante Deus.

Em seguida panam<H nosso• filhos em reviste, detendo-no• em particular sôbre aqu61e que momentaneamente nos parece mais nec:eSiitado de atenção (caráter, tendências, trabalho). Trocamos idéias também tôbre a nossa atitude em relação a todos êles, ati­tude que nos esforçamos em rever Incessantemente, para não tolher o evolver de suas personalidades. Por exemplo: Houve transformação completa em nossa filha mait velha, que se tornou também mais expansiva, no dia em que, depois de um dever de sentar-te sério a Hu respeito, percebemos que a tratávamos demais como "a mais velha" e não bastante como a renlna de 8 anos que ela é real­mente. Outro exemplo: Foi também depo~s de um dever de sentar­se que decidimo• levar nosso filho a um Hpecialista, pois não u­b'amos mais qual atitude e método a emJ)'regar na sua educação. Trocávamos de método todos os meses, abandonando o precedente que não dera nenhum resultado. Juntot, reconhecemos a nossa Ig­norância em pticologia e os conselho• do médico foram de gran­de valia.

Fa:remos ainda a revisão de nossa regra de vida comum: é muito útil, pois temos tendência em deixá-la de lado, apesar de ser bem pouca coisa!

Falamot também de nossa equipe, de notso papel no Movi­mento, da vida social, etc. Isto nos leva a uma visão de conjunto battante completa, o que não 1ignifica que daí decorram grandes re10lu~ .. práticu ...

!lO

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O dever de sentar-se nos ajud·a a confrontar a nossa vida real com a linha do not'IO cristianismo e refletir sôbre o que Deus es­pe~a de nosso lar. Nosso caminhos, que durante um mês são mui­tas vê:r:es divergentes, dada a diversidade de nossos temperamen­tos, se encontram no dia de nosso dever de 'sentar-se, sob o olhar de Deus. Podemos assim, ·no mês seguintes, agir em tôdas as cir­cunstâncias, em acôrdo tácito um com o outro. t isto o que alme­jamos, embora nem sempre o alcancemos, pols bem sabemos que não somos perfeitos, mas apenas pessoas de boa vontade , dispostas a fuer pelo melhor, com a ajuda de Deus.

- O dever de sentar-se foi para nós um ponto bastante difí­cil a pbr em prática de maneira válida. Não havia má vontade de n<.'lssa parte, mas P'arecia-nos uma coisa fict!cia. Por naturesa alter­tos um ao outro, ficávamot paralisadoa assim que o nosso encontro usumia o e~ráter de uma obrigação.

Há 5 anos que o punmos em prática, a princ1p1o de modo irregular. Não vou falar dos dias em que foi um fracasso total, ou mesmo ocasião de tempestade. Muita\1 vbes, aste resultado foi de­vicio ao cansaço. Nessas ocasiões só tinha um mérito: a submissão à regra. Creio mais útil, P'Orém, falar das ocasiões em que foi para rtós um verdadeiro apôio.

Fasem agora quatro anos, a n!ljssa intimidade tinha sofrido um ligeiro arranhão, impercept:vel aos outros, mas doloroso para nós. Eu, absorvida com as crianças, a casa, os estudos, vivia nos meus dom ínios. Meu marido, ocupado com o trabalho, os com­promissos sociais, mergulhado nos seus negócios, seus pensamentos, ausentóra-se da vida familiar. Nós nos encontrávamos cada vez menos.

Um dia, após longa reflexão, muitas hesitações e recuos, fize­mos finalmente frente ao problema e entabolamos uma longa con­versa. A princípio o ambiente era bastante tenso; não queríamos confe.ssar nossas dificuldades, com receio de descobrir algo irrepa­rável . Por fim, atinamos com a causa de nosso mau estar.

Casados hnia 12 ano•, queríamo, continuar a viver como um

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jovem casal. Não tínhamos ainda colocado os filhos na jogada. Per­cebemo~! então que não éramos mais os dois filhos únicos do In­tróito da missa de casamento, mas uma célula familiar. Nossos filhos 'r.Õo ·podiam ser causa de uma quebra na nossa intimidade , mas deveriam favorecer uma intimidade mais profunda.

Pouco a pouco percebemos que a oração não ocupava o de­vido lugar no nosso dever de sental'""se. Guardamos na memória uma tarde muito lin.da que se seguiu a esta constatação; nosso dever de sentar-se foi todo uma oração. Após uma meditação em comum, resámos muito lentamente o terço, oferecendo cada dezena por uma intenção especial - de tal forma que, ao terminar o terço, não tínhamos a menor vontade de falar; o nosso silêncio estava singularmente habitado.

hte ano, outro dever de sentar-se foi bem marcante também. Será lembrado muito tempo, pois ajudou-nos a um sério diálogo, depois do qual nos untimos ainda mais unidos. É P'enoso para mim falar nêste assunto, mas a experiência poderá ser útil a outros.

Durante I 5 dias meu marido se ausentara de casa para dedi­car-se a uma atividade social. Eu aceitara de má vontade esta ini­ciativa pois, além de mantê-lo afastado de mim, deixáva-mo so­zinha num lugar solitário, com tôda a responsabilidade da fam ília. Além do mais, pareceu-me ver a í um pretexto de evasão por par­te dêle. Durante os 1 S dias de sua ausência, remoi a minha de­cepção.

Na sua volta tinha resolvido fechar-me num silêncio muito digno e muito frio . . . Incapaz disto, uma hera depois de sua cha­gada, estávamos os dois "sentados". Durante mais de duas horas. esvaziamos nossos coraçãe's, Compreendi então que, por causa de um amor por demais exclusivista, eu quisera nos encerrar num P'e­queno circulo, obrigar meu marido a sentir da mesma maneira que eu, esquecendo que um homem e- uma mulher não são seres idên­ticos, mas sim complementares. Ao passo que é normal que a mu­lher seja rainha e escrava do lar, é também normal que. o ho­mem vá procurar no exterior um enriquecimento que virá depois trazer para o seu lar.

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As Equipes nos prestaram um servi~o inestimável, obrigando­nos a descer no mais profundo de nós mesmo&. Nem sempre é fácil, mesmo para o casal em que marido e mulher são muito aber­tos um ao outro.

Nada quero mais acrescentar, a não ser o seguinte: Fizemos certamente mais de vinte vêzes o dever de sentar-se. Na maior parte das vêzes foram êles provàvelme.nte inócuos. Mas, não hou­vesse na vida mais do que dois, ou mesmo um único dever de s<!n­tar-se essencial, é justamente êste que justifica a obriga~ão dos Estatutos, pois é talvez dêle que dependerá tôda a orienta~ão de um casal.

REFLEXõES APOIADAS NA EXPERI~NCIA

- Ao menos uma vez, r~spondo com alegria a um inquérito. Alegria de poder dizer por escrito, aquilo que não me foi possível falar aos amigos que eu quizera convencer. O que vou dizer ó ape­nas o testemunho de minha experiência, mas escolho os aspectos que mais de perto tocam ou parecem tocar nas dificuldades dos outros.

A FALTA DE ESPONTANEIDADE

O grande argumento contra o dever de senta r-se é a falta de naturalidade de um encontro que somos obrigados a fazer. N.J reunião da equipe ouvir-se-á por vêzes: "Ah, o dever de sentar-se? Mas nós o fazemos a todo momento, cada vez que nos sobra um instante de tranquilidade, para uma conversa despr-eocupada" ... Ou então: "Não fazemos, não fizemos o dever de sentar- .~e. porque a coacção nos constrange; nada de bom pode resultar de um encon­tro artificial".

Parece-me necessário eselarecer que êste aspecto um tanto solene do dever de sentar-se é bem caracter:stico. Nada de extra­ordinário que nos sintamos um pouco emocionados e até mesmo apreensivos. O clima do dever de sentar-se é o dos noivos ao pé do altar, isto é, na presen~a de Deus, no dia de seu casamento.

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Para julgar as dificuldades, os problema. familiares, ou pes­soais, é preciso partir da idéia de que "nossa união é santa". Nos­sos esforços de compreei\SÕo, nossa diplomacia, nossas decisões, tudo será vão se não apelarmos primeiramente .para o Senhor, se não sentirmos que somos três, dos quais dois decididos a obedecer. N'o dever de sentar-se não 5e trata de duas pessoas que se defron­tam, mas sim de dois filhos que interrogam seu pai. t pois uma atitude humilde, séria, que nada tem de comum, com a desenvol­tura de dois jogadores de tenis atirando bolas um contra o outro.

O dever de sentar-se é um gesto eminentemente religioso. Dis­se mais acima que tinha um caráter solene; não quer isto diser que haja necessidade de poltronas e de um salão . . . Mas há sim, necessidade de uma preparação de alma. Sem esquecer que o am­biente tem também a sua importância. Não vejo bem como ;eria possível a um casal fuer o seu dever de sentar-se na plataforma de um trem de suburbio super-lotado . ..

Fica bem claro, portanto, que no dever de ,sentar-se iremos renunciar à espontaneidade, àquele sossêgo que fas o encanto de tantas horas agradáveis entre esposos. t preciso insistir neste pon­to, para evitar malentendidos e decepções no correr dos anos. O que perdemos em espontaneidade, ganhamô-lo em fôrça, a fôrça de Deus. Onde é que encontramos no mundo, grandes criações da espontaneidade? As artes, as ciências, as virtudes, exigem violên­cia a mobilização da vontade, a serviço do coração e da inteli­g6ncia.

UM PROBLEMA DIFICIL

Segundo argumento contra o dever de sentar-se: "Logo no in;cio nos desentendemos, tliscutimas; isto fas certamente mais mal do que bem; nenhuma vantagem nos tras".

Também ai parece-me útil pôr em relevo que o dever de sen­tar-se deve ter por objetivo, justamente os assuntos difíceis que evitamos nos encontros espontâneos! "Não vou estragar ~es pou-

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cós mOmentos de lntlm.iclade, trasendo à baila esta quest&o dellca­.da, êste pomo de discórdia", O dever de sentar-se, pelo contrário, é feito justamente para abordar os problemas difíceis.

Há por exemplo, os conflitCI(s e oposições entre esposos. t certo que o dever de sentar-se não os suprimirá, mas permitirá que os olhemos de frente, talves como uma provação ou um exercício de caridade mútua, e não mais como um combate no qual se tem pressa em ver proclamado o vencedor. Ao abordar tais assuntos, peçamos o auxílio do Senhor e llles se tornarão fecundojl,

f preciso principalmente que os esposos não desanimem, ven­do-se por vêses tão diferentes, quase em oposição. Deve-1e rea­gir contra o mito de um acôrdo verbal, de uma lua de mel perma­nente. Dois esposos que limitassem voluntàriamente seu campo de investigações aos pontos sôbre os quais têm certeza de uma união de vistas, teriam uma união mais pobre do que a daquêles que son­daram os abismos que os separam, num esp:rito de confiança e de esperança cristãs.

Poderá acontecer que não avancemos um passo na solução humana de um determinado problema; penso que, nêste caso, a submissão religiosa da mulher à decisão defendida pelo marido, tem um grande valor e atrái as graç.'ljs do Senhor. Não falo evi­dentemente das decisões que iriam contra a consciência, mas de assuntos importantes, como por exemplo, estilo de vida, escolha de estabelecimento• de ensino para 01 filhos, participação em, tal ou qual atividade ...

Procuremos falar sem paixão dos problemaa difíceis; com o m:nimo de palavras, numa atitude interior de oração ininterrupta. Entreguemo-nos então nas mãos de Deus. Por várias vêses aconte­ceu-nos de nos separarmos, depois do )dever de sentar-se, com a impressão de que tinha sido estéril e vão. Mas tôdas as vbe1 fi­quei maravilhada ao ver como os horizontes se tinham depois acla­rado. A apresentação conjunta do problema, a sua análite aem paixão, na presença de Deus, faxia com que, em seguida, cada um foMe muito malt compreensivo em relação ao ponto de vista

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do outro. Oficialmente, o problema flcara sem toluçõo, mas a gra­ça e os esforços de cada um, tinham criado um clima favoróvef ao entendimento, próximo mesmo da solução.

PARA ABORDAR A IDADE MADURA

- Só viemos a conhecer u Equipes de Nossa Senhora em 1943, quando já tínhamos 12 anos de casados. Smpre tivémos a graça de um amor muito límpido, mas estamos certos que a obri­gação do · dever de entar-se permitiu aprofun.dar o nosso amor e nos presta um grande serviço para abordar a idade madura.

Como acontece para os esposos da nossa idade, corremos sem­pre o risco de nos fecharmos cada qual no seu domínio e de não mai1 procurar alimentar o amor com istes diálogos, esta comuni­ca~rão profunda das almas que não é assim tão natural, já que exige esfôrço de generosidade, de dom, de humildade. Quanto mai1 avançamos pela vida a dentro, mais a experiincia de nós mesmos e dos outros casa*' nos convence de que o dever de sentar­se é realmente essencial.

Os que lhe fasem objeções é porque não o compreenderam ou o fizeram sem amor. Deveria ser sempre ponlvel, se cada qual procurasse tras-er em ai a caridade do Senhor.

Quando e como?

Aqueles que levam uma vida muito 1obrecarregada ou agi­tada, tlim certamente um contínuo esfôrço a fanr para 18 desven­cilhar materialmente dos impedimentos, e apresentar-se com o co­ração aberto e o espírito livre, dispoaiçõet necessárias a todo e qualquer diálogo. t preciso ter fé na necessidade do dever de 18n­tar-se, no seu valor.

Nós mesmos ordenamos as coisa. para que o sábado ou o domingo não se passem, sem que tenhamos reservado uma ou duat horu para nos ncontrarmos juntos, tranquilamente - geralmente fora de casa. A ocasião mais favorável é geralmente uma boa ca­minhada que facilita o relaxar dos nervo• e o Isolamento. lste en-

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contro semanal nos permite abordar a non semana com muito mais fôrça e P'lll e um amor renovado 110 Senhor.

O dever de sentar-se exige uma ruptura no evolver da. ocupa­sões, dos pensamentos, das 9reocupaç6es, dos pequenos problemas cotidianos. Cabe a cada casal descobrir como conseguir esta rup·­tura e hte so~o: visita ao Santíssimo, passeio ao ar livre .. . talve. o cinema! O fundamental é o esfôrço de disponibilidade por parte de cada um.

Bem sabemOIS que a partida nunca está ganha mas, assim mesmo, esta abertura de um para com o outro, esta necessidade de transparência, torna-se cada ves mais uma atitude natural e fundamental que, com o tempo, nada mais tem de sistemático.

FALAR DO SENHOR

Os assuntos que abordamos no dever de sentar-se tão nume­rosos e inesgotáveis, principalmente depois que o Senhor nos con­cedeu a J!IÇa de podermos falar cl'!leo juntos, como de um ser VIvo que está sempre conosco, que é tdstemunha, fonte e tenno de nosso amor. O HRetiro Fundamental" de S dias e- a medltaçõo do Evangelho na equip.e, ajudaram multo esta nossa abertura es­piritual.

Falar do Senhor, juntos, é chamar a sua presensa para junto de nós: "Quando dois ou três estiverem reunidos em meu nome . .. " Ora, lle nada mais pede do que •ser convidado para o nosso dever de sentar-se.

Falar do Senhor, juntos, é uma fonte inesgotável de alegria c de plenit11de no amor. No dom 'n!o espiritual, como em todos os outros, marido e mulher $Õo chamados a se completar, a se aju­dar mutuamente. É realmente a graça do matrimônio, a faculdade que têm os cônjuges ele se dar o Senhor um ao outro. Cada um é um sacramento para o outro.

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Falar do Senhor, juntos, é· dizer aquilo que compreendemos d'!le, o que !le é para cada um de n~1, o que nos pede. Isto per­mite um melhor conhecimento da vocasão do outro, permite que o ajudemos a corresponder a esta vocasão (objetivo essencial do amor). t realmente olhar o outro com o olhar do Senhor, o que permite compreender e diser tantas coisas, sem nada referir a si.

Mas, falar do Senhor juntos, nem sempre é fácil. Há perío­dos de capacidade, para um ou para o outro. t preciso sair dêste estado de ânimo, A Jus retorna, por meio do diálogo, portador de graças. Deixar a graça agir, :sem ·nada for~r, saber esperar. Aliás, êste intercâmbio espiritual requer sempre, a princ 'p:o, uma pro­cur_a sincera, humilde, e uma acolhida respeitosa do balbuciar do outro.

Disseram-nos muitas vêses, nas Equipes, que o amor se ali­menta de encantamentos. Tanto é verdade para a idade madura como para os primeiros pa!lsos do amor: o Senhor vem então em nosso socorro, deixando-se descobrir e admirar na alma de nosso cônjuge. ~ !le que alegra a nossa juventude, mesmo se ns anos vincaram nosso rosto.

A CAMINHO DA CLARIDADE TOTAL

O dever de sentar-se deve conduzir os esposos para uma cla­ridade total entre si , pelo menos para o desejo desta claridade to­tal. O que não significa, entretanto, que tudo deva ser dito ao outro: há o dom'nio secreto da alma com Deus, muitas vêses lnex­prim'vel; há as tentações mais ou menos consentidas. . . Inútil esmiuçar. Basta saber que o outro precisa ser ajudado, pela ora­ção, por est• ou aquela atitude ...

O diálogo sôbre a regra de vida parece-nos totalmente dentro da linha do dever de sentar-se, sob a condisão de- haver sempre entre os esposos, uma grande discre!;ão e um grande respeito pelo trabalho de Deus sôbre o outro. ~ aí que- se pode falar em "jar­dim ·secreto". Na nossa Regra de Vida, Incluímos · certas orienta­ções que exigem uma comunidade de esforços e, portanto, encora­Jame-nto e conselhos mútuos. Para «:rtas obrigações próprias a cada

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um, o controle de um pelo outro pode ser um aux'lio ponderável: por exemplo, tôdas as noites perguntamos um ao outro se fizemos a medita~ão.

Ainda no plano da Regra de Vida, o dever de sentar-se per­mite rever juntos determinada atitude de um ou do outro, deter­minado gesto a faser em rela~ão aos outros, o estilo de vida do lar, as responsabilidades externas, a disponibilidade, tal virtude a ser particularmente vlvlda, tal conselho evangélico o o o Em tudo lato, ter uma grande preocu.,ação do outro, muita paciência e muita ca­ridade mútua. Compreender o outro e respeitar nêle as etapas do Senhor.

"O primeiro a amar" o o o A meditação da primeira ep'stola de São João nos ajudou a compreender melhor o que o Senhor pede que sejamo para nosso cônjuge, através de teu amor primeiro, g~atuito. Amar o primeiro é antecipar-se ao outro (isto nos ajud.1 muito a aplainar as dificuldades do dever de sentar-se) • Se algo não vai bem - dificuldades de caracteres, divergências de pontos de vista, capacidade de um em relação ao outro - é preciso pro­cu rar ~empre e em primeiro lugar a causa em sí e não no outro.

EDUCAÇÃO E EDUCADORES

Para a educação dos filhos, o dever de sentar-se dos pais é essencial : permjte que o trabalho seja feito de completo acôrdo e que nunca manifestemos divergências P'lrante os filhos, Se um êrro aparece, seja de um ou de outro, roserva-se a sua discussão para o dever de sentar- se, o que permite uma. an61ise calma, reflexão, oração. Ao falarmos juntos de um filho, achamos muitas vêses a ocasião ,para retificar ttossa posiçõo em relação a êle. Funciona aqui também, o julgamento complementar do homem e da mulher -esclarecemo-nos mutuamente sôbre o car6ter, os recu•~s. as ne­cessidades da criança. Pai e mãe, temos às vêses julgamentos, rea­ções diferentes que é interessante e útil confrontar, para compre­ender, agir, ou calar- se o o o Aconteceu mu itas vêses que noa en­corajamos um ao outro, seja para mai1 paciência, seja para mais severidade.

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lste encontro entre pais, evita multas cénsuraa infellses fel­tas aos filhos llob o Império do nervosismo, da irrlta~;ão, da Impa­ciência. Aconteceo por vêsea que nos acusamos entre esposos, por uma atitude lnfells em rela!iÕO 1 um filho: lrro de educa~;ão, irro de amor que pode comprometer 1 linha de conduta que ju11tos tí­nhamos trasado em rela~o. por exemplo, a um filho maior que atravessa uma crbe de crescimento e que, por Isso, requer uma atitude especial dos pais.

Tudo isto representa evidentemente um lde~l para o qual de­wmos tender, mas que nunca será atingido. Em t&du as Idades do amor o dever de sentar-se requer pesqulus e orienta~;ões no­vas. Através de nossa experlinda, da experiência de casais da nos­sa Idade que conhecemos bem, tomamos consclncla de que ne­nhuma aqulsi9áo ' definitiva nêste domínio, porque ' preciso sem­pre lutar em nó.& contra as tenclanciaa pessoais, egolatas, orgulho­sas. Na Idade madura, certas tendêncl~ assumem às vises for­mu novas ou ~la rígidas que são um terrlvel obstáculo para o dever de untar-se.

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CENTRO DIRETOR . Secr, C.ral . lO, Rue dea A,lennins . PARIS XVII

BRASIL . Secretariado . R. 13 da Maio, 1.263 - Fone: 34-1888 . SP. 3