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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL POLLYANNA NEVES DA SILVA SEGREGAÇÃO URBANA E ESCOLA: reflexões sobre a dualidade na educação e o desenvolvimento local Belo Horizonte 2017

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO LOCAL

POLLYANNA NEVES DA SILVA

SEGREGAÇÃO URBANA E ESCOLA: reflexões sobre a dualidade

na educação e o desenvolvimento local

Belo Horizonte

2017

POLLYANNA NEVES DA SILVA

SEGREGAÇÃO URBANA E ESCOLA: reflexões sobre a dualidade

na educação e o desenvolvimento local

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação strictu sensu Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Área de Concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de Pesquisa: Educação e Desenvolvimento Local. Orientadora: Profa. Dra. Áurea Regina Guimarães Tomasi.

Belo Horizonte

2017

AGRADECIMENTOS

O início, o período de curso e o término do mestrado foram inteiramente

preparados e guiados pelas mãos de Deus, que me concedeu a bênção de

viver esta experiência acadêmica.

À minha orientadora, Profª. Drª. Áurea Regina Guimarães Tomazi, que desde

o início, de forma competente e delicada, contribuiu imensamente para o

desenvolvimento do trabalho. Além disso, ressalto a paciência e os

ensinamentos que ultrapassam a formalidade das orientações.

Às professoras Adilene e Alexandra, por contribuírem para o trabalho com tanto

primor no exame de qualificação.

Agradeço imensamente aos meus pais, Osmar e Marina, pelo apoio, palavras

de incentivo e por acreditarem e sonharem ao meu lado esta conquista. Sem

vocês a jornada seria árdua. Obrigada por acreditarem em mim!

Aos Amigos com que a vida me presenteou, pela paciência nos momentos em

que estive ausente para me dedicar a este trabalho.

Aos colegas, e posso dizer, aos Amigos do mestrado, pela generosidade,

simpatia e amizade ao longo desta etapa.

“O processo educativo escolar recoloca a cada instante

a reprodução do velho e a possibilidade da construção do novo,

e nenhum dos lados pode antecipar uma vitória completa e definitiva”.

Dayrell (2006, p. 137).

RESUMO

A formação e organização socioespacial das cidades brasileiras evidenciam a produção do espaço urbano como resultado da segregação espacial. O modelo clássico de organização centro versus periferia, muito presente nas cidades da América Latina a partir da década de 1960, reflete na constituição de espaços fragmentados, delimitados pelos agentes sociais. O processo de segregação urbana estabelece conexão com a distribuição espacial das escolas, sendo essa relação o principal objetivo do estudo apresentado nesta dissertação. Esta pesquisa investigou os fatores responsáveis por atrair os alunos da periferia de Belo Horizonte em direção às escolas da região centro-sul, bem como os motivos de permanência dos mesmos nas escolas da periferia. Para o desenvolvimento do trabalho, realizou-se estudo bibliográfico sobre segregação, dualidade da educação e desenvolvimento local, com o intuito de dialogar com os resultados da pesquisa de campo realizada com os alunos e gestores da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. Dessa forma, o trabalho buscou avaliar se o acesso às escolas e a gestão das matrículas se aproximam de uma gestão social. E, ainda, se oferece oportunidades para os alunos contribuírem para o desenvolvimento local, visando estimular a construção do conhecimento e provocar uma reflexão em torno de sua realidade local, a fim de que sejam sujeitos transformadores do meio onde vivem e da sociedade como um todo. A pesquisa originou a elaboração de um caderno de formação sobre os múltiplos olhares acerca da cidade, que utiliza como metodologia roda de conversa, que visa construir conhecimento a partir de um processo dialógico. Palavras-chave: Segregação urbana. Acesso à escola. Desenvolvimento local. Dualidade na educação.

ABSTRACT The formation and socio-spatial organization of Brazilian cities show the production of urban space as a result of spatial segregation. The classic model of city center versus periphery organization, very present in the cities of Latin America since the 1960s, reflects in the constitution of fragmented spaces delimited by social agents. The process of urban segregation establishes connection with the spatial distribution of schools, being this relation the main objective of the study presented in this dissertation. This research investigated the factors responsible for attracting students from the periphery of Belo Horizonte toward schools in the South-Central region, as well as the reasons for their stay in the periphery schools. For the development of the work, a bibliographic study was carried out on segregation, education duality and local development, in order to dialogue with the results of the field research carried out with the students and managers of the State Secretariat of Education of Minas Gerais. In this way, the work sought to evaluate if the access to the schools and the management of the enrollments are close to a social management. It also offers opportunities for students to contribute to local development, aiming at stimulating the construction of knowledge and provoking reflection around their local reality, so that they are transformers of the environment in which they live and of society as a whole. The research originated the elaboration of a technical product, being an instrument of participation having as a proposal a wheel of conversation that aims to build knowledge through a dialogical process. Keywords: Urban segregation. Access to school. Local development. Duality in education.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC Base Nacional Comum Curricular

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CCNC Comissão Construtora da Nova Capital

CM Celso Machado

EC Estadual Central

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira

LDB Lei de Diretrizes e Bases

MA Metropolitana A

MC Metropolitana C

NSE Nível socioeconômico

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PNE Plano Nacional da Educação

PREMEN Programa de Expansão e Melhoria de Ensino

PROALFA Programa de Avaliação da Alfabetização

PROEB Programa de Avaliação da Rede Pública da Educação Básica

SEE-MG Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SIMAVE Sistema Mineiro de Avaliação e Equidade da Educação Pública

SMED-BH Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte

SRE Superintendência Regional de Ensino

TRI Teoria da Resposta ao Item

UEH Unidade Espacial Homogênea

SUMÁRIO1

1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 9

2 ARTIGO 1 - SEGREGAÇÃO URBANA NA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL

DAS ESCOLAS E DESENVOLVIMENTO LOCAL......................................

15

3 ARTIGO 2 - SEGREGAÇÃO URBANA E DUALIDADE NA

EDUCAÇÃO: O DESLOCAMENTO DOS ALUNOS DA PERIFERIA EM

DIREÇÃO À REGIONAL CENTRO-SUL DE BELO HORIZONTE...............

47

4 ARTIGO 3 - RODA DE CONVERSA: INSTRUMENTO DE DIÁLOGO

SOBRE A SEGREGAÇÃO URBANA E ESCOLA.......................................

98

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 138

REFERÊNCIAS........................................................................................... 143

APÊNDICES E ANEXOS............................................................................ 144

1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo

Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a ABNT NBR 14724 de 17.04.2015.

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1 INTRODUÇÃO

A produção do espaço urbano fragmentado da cidade contemporânea é

resultado do processo de segregação urbana, determinante na organização

socioespacial e constituído de paisagens distintas dentro de um mesmo espaço

citadino.

É importante fazer uma reflexão acerca do conceito de segregação que tem

sido empregado e compreendido como uma simples diferenciação do espaço

urbano entre classes sociais. Sposito (2013, p. 65) levanta uma discussão a

respeito do conceito polissêmico de segregação e afirma:

Este é, então, um ponto central: só cabe a aplicação do conceito de segregação quando as formas de diferenciação levam à separação espacial radical e implicam rompimento, sempre relativo, entre a parte segregada e o conjunto do espaço urbano, dificultando as relações e articulações que movem a vida urbana.

Sposito (2013) considera a segregação urbana de natureza espacial, mas

associada aos fatores sociais, econômicos, culturais, entre outros. De fato,

mesmo sendo imperceptível, a segregação urbana estrutura o espaço urbano

em conjunto com os agentes sociais, delimitando territórios distintos e

reduzindo a articulação entre os sujeitos na cidade.

Nessa perspectiva, a distinção entre as escolas centrais e as periféricas está

associada ao processo de segregação urbana, fenômeno mais intenso a partir

da década de 1960, nas principais capitais brasileiras. Nesse período, em boa

parte das cidades da América Latina ocorreu intenso êxodo rural. A

transferência da população do campo para a cidade é decorrente da expansão

industrial promovida por investimentos de capital estrangeiro subsidiado por

interferência estatal, além do processo de modernização do campo que, por

consequência, reduziu a mão de obra no meio rural.

A cidade de Belo Horizonte, desde seu planejamento original, desenvolveu-se

de forma fragmentada e segregadora, com áreas centrais destinadas à

12

residência da população de mais poder aquisitivo, enquanto que em áreas

afastadas da região central, a segregação contribuiu para a formação das

periferias urbanas.

Belo Horizonte foi planejada para ser a nova capital do estado de Minas Gerais

e é exemplo de um acelerado processo de urbanização, que reforçou a

segregação urbana. A expansão do município ocorreu paralelamente ao

processo de urbanização que ocorria no Brasil. Como reflexo, a cidade cresceu

de forma desorganizada, mesmo com a ação do Estado em prol de deter que

Belo Horizonte tivesse expansão além do plano original, o que contribuiu para

fomentar um modelo de organização territorial centro-periferia. A partir dessa

relação, surgem territórios marcados por desigualdades sociais como resultado

da segmentação da cidade.

Nessa perspectiva, Serpa (2013) discorre acerca do processo de segregação

responsável pela produção do espaço urbano:

As barreiras culturais e econômicas resultam de uma dialética entre capital cultural e econômico que vai condicionar processos de segmentação/ segregação no espaço público da cidade contemporânea, revelando “identidades” baseadas nos modos de consumo do/no espaço (SERPA, 2013, p. 185).

A partir de observações empíricas, percebe-se que a organização das escolas

públicas estabelecida no âmbito da rede estadual de Belo Horizonte possibilita

uma distinção entre as instituições escolares da área central e as periféricas,

em relação à estrutura e a outros recursos, que parecem provocar o movimento

de alunos das periferias em direção às escolas centrais.

Aguiar (2006), em sua abordagem sobre a construção de Belo Horizonte, relata

que as escolas da rede estadual localizadas na zona urbana da cidade

receberam os alunos de funcionários da antiga capital, Ouro Preto. Devido ao

processo de segregação urbana que ocorria na nova capital, as instituições

passaram a ser organizadas seguindo a lógica da relação centro-periferia.

Hoje, em 2016, parece ocorrer ainda um fenômeno semelhante de

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deslocamento dos alunos das áreas periféricas, almejando estudar nas escolas

públicas da região centro-sul.

Diante do exposto, buscou-se analisar esse fenômeno investigando como a

Secretaria de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) faz a gestão social

referente ao deslocamento dos alunos que saem das áreas periféricas do

município de Belo Horizonte para estudarem nas escolas da região centro-sul.

Objetivou-se, com este trabalho, analisar os fatores que atraem para os

estudantes das escolas de periferia, bem como as razões pelas quais eles são

atraídos para escolas da regional centro-sul de Belo Horizonte.

Os objetivos específicos da pesquisa foram:

a) Identificar os aspectos que atraem os alunos das escolas de periferia

para as da regional centro-sul, à luz dos estudos sobre a segregação

urbana.

b) Relatar as motivações dos alunos para estudarem na região centro-sul.

c) Identificar os aspectos mencionados pelos alunos para rejeitarem as

escolas da periferia.

d) Compreender como a escola pode contribuir para o desenvolvimento

local, pela formação humana e cidadã dos indivíduos

Observações cotidianas realizadas pela pesquisadora como docente

provocaram algumas indagações a respeito do ambiente escolar, que envolve

olhares distintos em relação à escola como um ambiente sociocultural. Nessa

perspectiva, o olhar será direcionado para a relação entre a escola e a cidade.

O trabalho insere-se na linha de pesquisa da Gestão Social e Desenvolvimento

Local, do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local, e teve como proposta discutir a relação entre a escola

e a segregação urbana. Considera-se esse tema relevante, pois visa contribuir

para uma reflexão a respeito do processo de fragmentação da cidade e seus

impactos para os indicadores educacionais.

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Além disso, o Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local propõe o conhecimento em caráter interdisciplinar e,

nesse sentido, a pesquisa pretendeu compor um diálogo entre Geografia,

Geografia Urbana, Educação e Sociologia, atendendo à proposta de

dialogicidade do programa.

A pesquisa foi de grande relevância para a experiência profissional da

pesquisadora, a qual, como docente, poderá ampliar os conhecimentos

teóricos. Estes, por sua vez, refletirão na prática de ensino adotada ao ministrar

as aulas, favorecendo a construção de um novo olhar para as relações

professor e aluno, escola e professor, pois se acredita que é essencial construir

metodologias no ambiente escolar que não estejam engessadas às demandas

da lógica mercadológica.

Outro ponto que se considera de relevância são as discussões acerca da

gestão de matrículas e cadastramento escolar, visto que a investigação aborda

o deslocamento de alunos da periferia para estudarem nas escolas da região

centro-sul de Belo Horizonte. A investigação contribui para novas reflexões

relativas ao tema e para a composição de ações que permeiem a gestão da

SEE-MG, possibilitando o desenvolvimento do processo de ensino e

aprendizagem voltado para a realidade local dos alunos das periferias.

Considerando que a Secretaria de Educação de Minas Gerais é o órgão

responsável pela gestão das políticas públicas da educação no âmbito

estadual, efetuando o cadastramento e distribuição dos alunos na rede de

ensino, a pesquisa teve como ponto de interesse a gestão das matrículas e a

percepção e oposicionamento do Estado em relação a esse deslocamento de

alunos.

A metodologia adotada para concretizar os objetivos desta pesquisa foi

qualitativa. Tem-se o objetivo de analisar os fatores que são responsáveis pelo

deslocamento dos alunos das áreas periféricas para estudar em escolas da

região central de Belo Horizonte. E também se intencionou conhecer o

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posicionamento da Secretaria de Estado de Educação em relação ao

fenômeno, observando-se o zoneamento escolar na cidade.

A pesquisa teve caráter exploratório, com a finalidade de levantar aspectos da

relação entre o processo de segregação urbana e o fenômeno de

deslocamento dos alunos, ao identificar fatores que expulsam alunos das áreas

periféricas e os atraem para a região centro-sul da cidade.

Esta dissertação é composta de três capítulos estruturados em forma de artigo.

O primeiro capítulo apresenta o referencial teórico acerca do conceito de

cidade. Busca-se ao longo do texto construir uma reflexão do processo de

formação da capital de Minas Gerais, discutindo o processo de segregação

urbana estruturador do arranjo espacial da cidade. Ainda nesse capítulo,

levanta-se uma revisão bibliográfica visando fazer uma interface sobre o papel

da escola na construção de sujeitos ativos e participativos que possam ser

capazes de mudar a realidade local em que se encontram. Por último, para

compreender o deslocamento dos alunos da periferia de Belo Horizonte para

estudar na regional administrativa centro-sul, buscou-se levantar as resoluções

em âmbito estadual da Secretaria de Estado de Educação - MG que se referem

ao cadastramento e matrícula escolar.

O segundo capítulo foca no relato da pesquisa de campo, incluindo os dados

coletados em entrevista semiestruturada sobre o posicionamento de 12 alunos

que frequentam escolas estaduais das regiões centro-sul e Barreiro, além de

análise de resoluções estaduais da Secretaria de Educação que dispõem sobre

o cadastramento e matrícula dos estudantes do ensino médio. Inclui ainda uma

entrevista realizada com a gestão da SEE-MG sobre o processo de

cadastramento escolar e o posicionamento da Secretaria a respeito do

deslocamento dos alunos. Nesse capítulo é feita uma reflexão a partir dos

dados levantados, relacionando-os, ao mesmo tempo, à segregação urbana e

à dualidade na educação, que separam tanto os bairros quanto as escolas

para as classes mais e as menos favorecidas.

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No terceiro capítulo apresenta-se o produto técnico oriundo da pesquisa de

campo. Trata-se de uma proposta baseada na metodologia denominada roda

de conversa e elaborada a partir dos dados levantados nas entrevistas

realizadas com os alunos. A roda de conversa tem o objetivo de favorecer o

fortalecimento de um processo dialógico e emancipador dos alunos como

sujeitos. A roda de conversa foi estruturada para ser implementada com grupos

de adolescentes estudantes do ensino médio e se propõe discutir suas

percepções sobre a cidade e a comunidade local, bem como a interferência do

processo de segregação econômico-social no arranjo espacial das cidades.

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2 ARTIGO 1 - SEGREGAÇÃO URBANA NA DISTRIBUIÇÃO

ESPACIAL DAS ESCOLAS E DESENVOLVIMENTO LOCAL

SILVA, Pollyanna Neves da

Geógrafa, professora, mestranda do Programa de Mestrado Profissional Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Centro Universitário UNA.

[email protected].

TOMASI, Áurea Regina Guimarães Socióloga, mestre e doutora em Ciências da Educação e professora do

Programa de Mestrado Profissional Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.

Centro Universitário UNA. [email protected]

RESUMO Este artigo trata da consolidação das cidades diante do fenômeno da segregação urbana e o processo de organização socioespacial da capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, relacionado ao fenômeno de deslocamento dos alunos das periferias em direção à região centro-sul, que parece ocorrer paralelamente à segregação. Primeiramente, buscou-se construir um marco histórico para compreender a atual configuração das cidades para, em seguida, discutir sobre o deslocamento dos alunos. Propôs-se também uma reflexão no sentido de compreender o papel da escola como espaço sociocultural capaz de contribuir para o desenvolvimento local, pela formação humana e cidadã dos indivíduos baseada na Lei de Diretrizes e Bases (LDB)/96. A terceira parte do artigo levanta um questionamento sobre a gestão de cadastramento e matrículas escolar no âmbito do estado de Minas Gerais, a partir da pesquisa das resoluções que dispõem sobre o processo de matrículas, correlacionando aos princípios da gestão social. Espera-se, com este artigo, contribuir para as reflexões no que se refere à configuração das cidades a partir da segregação urbana e como esse processo contribui para o entendimento do arranjo socioespacial do espaço urbano contemporâneo relacionado também à segregação do acesso escolar.

Palavras-chave: Cidade. Segregação Socioespacial. Desenvolvimento Local. Gestão Social. Acesso escolar. ABSTRACT This article deals with the consolidation of cities in the face of the phenomenon of urban segregation and the socio-spatial organization process of the capital of Minas Gerais, Belo Horizonte, related to the phenomenon of displacement of students from the peripheries towards the Center-South region, which seems to occur parallel to the segregation. Firstly, we sought to build a historical landmark to understand the current configuration of cities and then discuss the displacement of students. It was also proposed a reflection to understand the

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role of the school as a socio-cultural space capable of contributing to local development, by the human and citizen formation of individuals based on the LDB /96. The third part of the article raises a question about the management of enrollment and school enrollment within the state of Minas Gerais, based on the research of the resolutions that govern the enrollment process, correlating to the principles of social management. It is hoped, with this article, to contribute to the reflections regarding the configuration of cities from the urban segregation and how this process contributes to the understanding of the socio-spatial arrangement of the contemporary urban space also related to the segregation of school access. Keywords: City. Socio-spatial segregation. Local development. Social management.

2.1 Introdução

Para entender a complexidade da dinâmica da cidade contemporânea, é

necessário compreender o conceito a partir de amplas abordagens que

permitam refletir acerca do arranjo socioespacial configurado a partir dos

processos que envolvem a organização funcional dos espaços citadinos.

Entre as complexidades que envolvem a compreensão da cidade, a

segregação urbana se revela como um processo estruturador e transformador

da cidade, apoiado pelos agentes sociais. A segregação urbana insere-se na

fragmentação da cidade capitalista e consiste na divisão social e econômica do

espaço.

Dessa forma, este artigo busca identificar as abordagens conceituais sobre o

termo cidade, dando ênfase à consolidação e à estruturação, sobretudo, das

principais cidades da América Latina, a partir da segunda metade do século

XX. Esse período reforçou a relação centro versus periferia, que por sua vez

acarretou o intenso processo de urbanização brasileira, condicionada ao

período marcante de industrialização financiada tanto por capital nacional como

estrangeiro.

Nessa perspectiva, o presente trabalho investigou o surgimento da capital de

Minas Gerais, Belo Horizonte, dando ênfase ao processo de urbanização e

segregação urbana da cidade, desde o plano inicial da Comissão Construtora,

19

que destinou áreas distintas de acordo com as classes sociais.

Consequentemente, os equipamentos urbanos também seguiram a lógica de

segregação.

Este artigo orienta-se também para uma discussão acerca dos fatores que

parecem ser responsáveis pelo deslocamento de alunos das periferias em

direção às escolas da regional centro-sul de Belo Horizonte. Essas instituições,

em alguns casos centenárias, são estruturadas para receber as classes sociais

economicamente mais favorecidas, transferidas da antiga capital Ouro Preto.

Em seguida, foi realizada breve revisão de literatura, visando discutir o papel

da escola na busca pela autonomia e emancipação dos indivíduos, bem como

aspectos que envolvem os princípios do desenvolvimento local. Finalmente,

apresenta-se um levantamento das resoluções em âmbito estadual que

dispõem do cadastramento escolar, com o intuito de questionar e refletir se a

mesma se aproxima dos princípios da gestão social.

2.1.1 Considerações acerca da cidade

Para compreender a complexidade da atual configuração das cidades

contemporâneas, é necessário discorrer sobre esse conceito para refletir sobre

a cidade, além de sua organização funcional, tanto como um espaço que

envolve relações sociais, quanto os resultados da formação dos espaços

urbanos.

A discussão sobre o conceito de cidade é bastante abrangente, tendo amplas

abordagens que se unem para a formulação do conceito. Bernardi (2006)

apresenta o termo cidade, que tem sua origem no latim civitas, que dá origem a

outras palavras, como cidadania, cidadão, civismo. A partir das terminologias

oriundas de cidade, é necessário apoiar-se em vastas reflexões com a

finalidade de esclarecer as ideias distintas sobre o conceito apresentado.

A cidade de hoje é resultado de vários acontecimentos que ocorreram nas

cidades do passado, transformadas, destruídas, reconstruídas e produzidas

20

pelos agentes produtores do espaço urbano, que podem ser identificados como

os proprietários fundiários e dos meios de produção, os promotores

imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos, sendo suas ações

completas e visíveis (SANTOS, 2008).

Conforme Iasi (2013), a cidade é a forma concreta das relações sociais

capitalistas, transparecendo o amadurecimento dessas relações, a partir de

contradições pautadas pelas desigualdades sociais e econômicas. Nessa

perspectiva, a cidade é produto dos interesses de seus agentes sociais,

tornando-se campo de lutas e símbolos, fazendo articulações entre seus

diferentes espaços a partir de fluxos, onde ocorrem interações entre seus

agentes sociais, que são responsáveis pelas mutações no espaço urbano.

A reflexão de Harvey (1996 apud BERNARDI, 2006) remete ao conceito de

cidade multifacetada, reflexo do passado e presente, produto das interações

políticas e sociais consolidadas em processos variados de transformações.

Sobre o conceito de cidade na pós-modernidade, o autor afirma:

O pós-modernismo cultiva um conceito de tecido urbano como algo necessariamente fragmentado, um palimpsesto de formas passadas superpostas umas às outras, e uma “colagem” de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros (HARVEY, 1996 apud BERNARDI, 2006, p. 20).

Pensar na cidade contemporânea como produto das interações sociais e

políticas é tão importante quanto relatar o processo de formação das cidades

da América Latina e identificar as transformações da realidade urbana na

contemporaneidade, principalmente a partir de meados do século XX, momento

em que a realidade citadina configura-se na relação urbano-industrial.

O processo de industrialização tardia nos países latino-americanos, iniciado

efetivamente a partir de 1930 e promovido por investimentos estatais

decorrentes da substituição de importação, teve como impulso o período da

Segunda Guerra Mundial, o que desencadeou o desenvolvimento do setor

industrial dos países periféricos da América Latina.

21

Paralelamente ao desenvolvimento industrial nesse período, na América Latina

ocorreu intenso êxodo rural, que impulsionou mudanças rápidas e intensas

ocorridas nas grandes cidades, evidenciando transformação socioeconômica e

reestruturação do capitalismo industrial (KOSLINSKI; RIBEIRO, 2009).

O espaço urbano das cidades configurado após a Segunda Guerra Mundial

apresenta o modelo clássico de organização centro versus periferia. Nessa

perspectiva, Cardoso (2007) afirma que as áreas centrais são ocupadas por

classes privilegiadas que dispõem de equipamentos urbanos que são

necessários e úteis para a sociedade e de serviços de infraestrutura urbana. As

periferias, por sua vez, distantes dos centros, evidenciam a segregação

urbana, sendo subequipadas em relação à infraestrutura urbana e abrigando os

“excluídos” da sociedade. Discorrer sobre o espaço urbano traz ainda outras

reflexões:

O espaço da cidade capitalista, particularmente da grande cidade, caracteriza-se, entre outros aspectos, por ser fragmentado, o que dá origem a um mosaico irregular, com áreas de diferentes tamanhos, formas e conteúdos, assim geradas por distintos processos espaciais e agentes sociais (CORRÊA; PINTAUDI; VASCONCELOS 2013, p. 7).

No Brasil, observa-se, de forma expressiva, a relação centro-periferia na

organização das grandes metrópoles, que apresentaram crescimento urbano

acelerado a partir das décadas de 1960 e 1970, reflexo de investimentos

introduzidos no setor industrial. A trajetória de crescimento urbano

caracterizou-se pela transferência da população do meio rural para as

principais capitais brasileiras. No entanto, esses camponeses passaram a

morar nas áreas distantes dos centros, dispersos devido à especulação

imobiliária e à ação do Estado, que restringia o exercício da cidadania

(CARDOSO, 2007).

Sobre as desigualdades espaciais e econômicas do espaço urbano,

Vasconcelos (2013, p. 18) ressalta:

22

Os processos e formas espaciais são originários das mudanças atuais sobrepostas às inércias do passado. Processos mais amplos como a globalização, mudanças na economia (“pós-fordismo”), redução do papel do Estado, migrações nacionais e internacionais, sem esquecer o papel dos movimentos sociais, são fatores que modificaram as formas das cidades, criando frequentemente novas desigualdades, sem eliminar os conflitos raciais, religiosos e políticos existentes.

Como desdobramento do modelo de organização centro versus periferia, a

segregação socioespacial das grandes metrópoles é um entrave que colabora

para a exclusão social e problemas ambientais urbanos. Entre os mais

complexos, a necessidade por moradia torna-se a mais evidente, devido à

grande demanda de casas populares. Essa organização é resultado da

urbanização planejada pelas ações do Estado, com políticas públicas

ineficientes em garantir os direitos sociais e da ação do mercado. Corrêa,

Pintaudi e Vasconcelos (2013, p. 8) esclarecem sobre a configuração da cidade

capitalista que “[...] na fragmentação do espaço urbano capitalista é possível

conceber uma divisão econômica do espaço e uma divisão social do espaço.”

A construção da cidade de Belo Horizonte, planejada e inaugurada no final do

século XIX para sediar a nova capital do estado de Minas Gerais, é um

exemplo do processo de urbanização e segregação urbana. É um processo

promovido pelo Estado, detentor do poder desde sua origem, bem como

reafirmado e acentuado pela especulação imobiliária com o rompimento das

ligações sociais, que ocorreu nas principais capitais do Brasil de forma mais

intensa a partir de 1960.

2.1.2 O surgimento da capital mineira e seu processo de urbanização e

segregação

Para entender a atual configuração da cidade de Belo Horizonte, cabe

apresentar, de maneira breve, o processo de crescimento e expansão urbana

do município, que foi planejado para sediar a capital do estado de Minas

Gerais.

23

O ponto central de discussão deste artigo não é se dedicar ao conceito

polissêmico de segregação, mas conduzir a ideia conceitual na abordagem

relativa à expansão tendo como foco principal destacar o processo de

segregação urbana de Belo Horizonte, com a finalidade de analisar os

impactos gerados na cidade decorrentes desse processo.

Desde que Minas Gerais tornou-se independente de São Paulo, em 1720, Ouro

Preto foi o município escolhido para ser a capital de Minas Gerais, por

concentrar a atividade mineradora da província. Entrando em decadência a

atividade mineradora no final do século XVIII, Ouro Preto ficou sem expressão

econômica, mas permaneceu por muitos anos ainda como sede administrativa

do governo de Minas Gerais (COSTA, 2005 apud SOUZA, 2008, p. 37).

A partir de um processo eleitoral, foi escolhido o Sítio Curral Del Rey para ser a

capital mineira, arraial que viria a abrigar Belo Horizonte (CARDOSO, 2007). A

construção da cidade teve como engenheiro-chefe o maranhense Aarão Reis,

que fazia parte da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC). O projeto

se inspirava nos modelos modernistas de cidades como Paris e Washington e

tinha como intuito construir uma cidade higiênica, saneada, livre de doenças e

organizada com técnicas apuradas, aliadas a infraestruturas sofisticadas

(AGUIAR, 2006).

Sobre o planejamento inicial para a construção de Belo Horizonte, Le Ven

(1977, p. 58) aborda a escolha e consolidação da nova capital de Minas no que

diz respeito às forças políticas e econômicas:

No período inicial da vida da nova capital de Minas Gerais, o jogo complexo das forças sociais e políticas [...] atuaram como protagonistas na ocupação e organização do espaço. Belo Horizonte foi realmente obra da decisão e da imposição do governo do Estado e dos grupos políticos que tinham interesse em abandonar a antiga Vila Rica inadequada para os novos rumos econômicos e sociais do Estado.

O governo do Estado adquiriu os lotes dos moradores do Curral Del Rey para a

construção da nova capital, mediante desapropriação, a cargo da CCNC. A

aquisição das terras pelo Estado ao longo da consolidação de Belo Horizonte

24

resultou em segregação urbana, tendo como principal agente social a ação de

agentes de especulação imobiliária. Sobre esse acontecimento, Aguiar (2006,

p. 153) comenta:

Portanto, a concepção do espaço urbano da futura cidade de Minas já foi marcada desde seus primórdios pela atribuição de valor monetário à propriedade imobiliária. A terra na nova capital não seria valorizada pelo seu uso efetivo, mas por fatores não vinculados à sua ocupação e utilização. O principal desses fatores seria a localização dos terrenos e edifícios, ou seja, a sua situação dentro da nova cidade e em relação a outros espaços urbanos, existentes ou projetados.

De acordo com Cardoso (2007), o planejamento original no final do século XIX

foi delineado em zona urbana, zona suburbana e zona rural. A zona urbana

tinha o pressuposto de iniciar o processo de ocupação da cidade, sendo

planejada para abrigar a população que dispunha de condições

socioeconômicas privilegiadas. Essa zona, concebida para ser o núcleo da

cidade, foi separada das demais – com o objetivo de valorizar a área urbana –

pelo traçado da Avenida do Contorno. Essa separação fora inspirada em

modelos modernistas, dando-se ênfase à higiene, racionalidade e

funcionalidade na organização das ruas, com formas geométricas regulares em

quarteirões ordenados. Nesse contexto, no que se refere ao processo de

segregação, Vasconcelos, Corrêa e Pintaudi (2013, p. 10) consideram:

A segregação espacial é parte integrante e fundamental da produção do espaço, pois a produção de residências inicia-se tanto no processo de investimentos de capital como estratégia de sobrevivência. Há, nesse sentido, uma gama complexa de agentes sociais que a segregação espacial, construindo tipos de ideias. Os proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, promotores imobiliários e o Estado são esses agentes formais, enquanto os grupos sociais excluídos, os agentes informais.

Segundo Souza (2008), a ocupação da zona urbana de Belo Horizonte se deu

entre os eixos norte e sul, impulsionada pela construção da Avenida Afonso

Pena, com o fito de orientar a expansão do município de dentro para fora, mais

precisamente para o vetor norte, já que ao sul havia o limite da Serra do Curral,

que dificultava a ocupação.

A área urbana estava destinada à ocupação da elite da nova capital de Minas

Gerais, como salienta Cardoso (2007, p. 58):

25

As direções e principais investimentos de ocupação inicial da cidade buscaram enobrecer a capital, reservando as melhores áreas às classes de maior renda. A proximidade com os equipamentos e edificações dotados de importância política e social se propunha a instaurar os espaços modernos da elite mineira. Nesse sentido, a lógica de ocupação da zona urbana de Belo Horizonte, desde o início, consolidou a segregação socioespacial supostamente prevista no projeto da Comissão Construtora.

Seguindo o padrão urbanístico da época delimitado pela Comissão Construtora

e os anseios da nova república proclamada no final do século XIX, que

buscava políticas com o objetivo de ampliar o acesso à educação no país2, a

área urbana da nova capital do estado de Minas Gerais recebeu, logo no início

da sua inauguração, escolas públicas para atender às necessidades da classe

de alta renda. Sendo assim, a região centro-sul de Belo Horizonte, nos dias

atuais, abriga escolas centenárias, que contemplam o ensino fundamental I e II,

além do ensino médio (PEIXOTO, 2007).

Segundo Peixoto (2007), a partir da década de 1970, com a promulgação da

Lei nº 5.692/71, não se utiliza mais a denominação grupo escolar. Os antigos

grupos escolares, entretanto, localizados na região centro-sul de Belo

Horizonte e construídos no início do desenvolvimento da nova capital, ainda

são percebidos pela população como escolas de prestígio, devido à trajetória

de referência nos parâmetros educacionais, como é o caso das Escolas

Estaduais Afonso Pena, Barão do Rio Branco, Governador Milton Campos

(antigo Ginásio Mineiro), Pedro II e o Instituto de Educação de Minas Gerais3.

Porém, a área urbana não abrigou somente a população de alto poder

aquisitivo, conforme o planejamento inicial idealizado pela CCNC. Operários

que participaram da construção da nova capital permaneceram nas habitações

precárias fornecidas pela construtora, tendo em vista as restrições de aquisição

de terrenos nas áreas urbana e suburbana, originando as aglomerações ao

redor da Avenida do Contorno (AGUIAR, 2006).

2Peixoto (2007) relata o processo de disseminação da educação básica no Brasil, que começou

após a Proclamação da República no final do século XIX. Os adeptos do governo enfatizavam a necessidade de implantar a escola moderna, que recebera o nome de grupo escolar. 3 Em consulta ao Centro de Referência Virtual do Professor, portal educacional criado pela

Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEE-MG) com o propósito de oferecer recursos didáticos para suporte aos professores da educação básica, é possível resgatar a história das escolas de Belo Horizonte localizadas na região centro-sul.

26

Na tentativa de eliminar as construções com padrão irregular no perímetro da

área urbana e assentar os operários que permaneceram na cidade, o Estado

designou um quarteirão na área suburbana com o preço acessível para que os

trabalhadores pudessem adquirir e obter o título de proprietários logo após a

construção das residências (AGUIAR, 2006).

Em relação ao processo de ocupação da área suburbana, houve duas

situações distintas. Os bairros periféricos desenvolveram-se paulatinamente,

impulsionados pela instalação das linhas de bondes, que favoreceram o

deslocamento da população para o centro da cidade. A especulação imobiliária

contribuiu para determinar a localização das linhas dos bondes. Sobre o

assunto, Cardoso (2007, p. 64) refere:

A grande expansão das áreas a nordeste e noroeste da cidade nesse momento guarda forte relação com o fato destas áreas serem atendidas por linhas de bonde, reafirmando a relação existente entre a oferta de transporte e a construção de bairros residenciais.

Conforme Aguiar (2006), a zona suburbana estendia-se para além da Avenida

do Contorno, sendo compreendida como área de expansão da zona urbana e

de transição para a zona rural. O povoamento dos bairros suburbanos seguiu

basicamente a construção de casas em grandes lotes, formando chácaras. O

preço dos lotes na área urbana era imposto pelo Estado, com o objetivo de

segregar as classes sociais, restringindo a área da população de baixo poder

aquisitivo e impedindo que ocupassem a área central da cidade. A segregação

atingia até mesmo moradores das classes média e alta que moravam na zona

periférica da nova capital.

Mas a ocupação dos bairros na zona suburbana organizou-se, inclusive, por

operários, funcionários públicos e pequenos comerciantes, que povoaram

algumas seções dessa área, originando conjuntos denominados vilas. O

aluguel das casas era barato, o que incentivou sua ocupação por pessoas de

baixa renda.

27

Mas o arranjo espacial da zona suburbana projetava setores diferenciados, com áreas potencialmente mais ou menos adensadas, e estabelecia com clareza os eixos de articulação da nova cidade com seus arredores (AGUIAR, 2006: p. 178).

É notório que o mesmo arranjo espacial implementado na área urbana não se

repetiu na zona suburbana. Aguiar (2013, p. 174) afirma:

Por outro lado, estavam localizados na área suburbana instalações e equipamentos urbanos que certamente participariam da vida cotidiana de uma cidade, mas não da mesma maneira que um mercado, uma igreja, uma escola ou mesmo um hospital e que, de um modo geral, demandavam grandes áreas e acarretavam impactos desfavoráveis nas suas vizinhanças imediatas. Eram o hipódromo, o cemitério, o matadouro, os reservatórios de água, as instalações para tratamento de esgoto e as oficinas de ferroviárias.

Seguindo o plano da Comissão Construtora, a zona rural encontrava-se em

uma área mais periférica da cidade, composta de cinco colônias agrícolas,

responsáveis por abastecer a nova capital com produtos. Entre essas áreas, a

atual região do Barreiro foi povoada por pequenos agricultores, operários e

imigrantes estrangeiros, que vieram para a cidade com o incentivo do estado e

com o objetivo de promover a modernização agrícola. Sobre os objetivos da

aquisição da fazenda Barreiro pelo Estado, Aguiar (2006, p.236) ressalta:

Como a fazenda do Barreiro se encontrava distante da nova cidade, sem justificar ser urbanizada, Aarão Reis a teria considerado adequada a um assentamento rural. Além disso, ao tomar a forma de um núcleo colonial, todo esse assentamento permaneceria ainda por alguns anos sob o controle do Estado, o que não aconteceria se as áreas não diretamente comprometidas com a preservação dos mananciais do Barreiro fossem simplesmente loteadas e vendidas a particulares.

O Barreiro4 surgiu antes mesmo da fundação de Belo Horizonte. A Fazenda

Barreiro era uma grande propriedade rural, situada ao sul do município. Após a

fundação da nova capital, foi desapropriada e serviu como colônia agrícola

para abastecer a nova cidade. Seu crescimento foi impulsionado pela

instalação da indústria siderúrgica Mannesmann, em 1940, que atraiu uma

4 Estavam assentados na colônia Barreiro 198 colonos, sendo 91 italianos, 59 brasileiros, 16

austríacos, 14 espanhóis, 12 alemães e seis franceses, formando 45 famílias (AGUIAR, 2006, p. 256).

28

população majoritariamente operária para residir na região (CARDOSO;

NEVES 2010).

A história oficial do Barreiro teve início no ano de 1855, quando o Coronel

Damazo da Costa Pacheco, cumprindo determinação do governo, fez o registro

de suas terras, declarando que possui no distrito e freguesia do Curral Del Rei

uma fazenda de cultura denominada Barreiro, cujas terras dividem com as

fazendas do Jatobá, Cercado, Olaria e Cachoeirinha (SOUZA, 1986).

O controle de ocupação das terras de Belo Horizonte era feito pelo Estado no

sentido de selecionar os habitantes que iriam residir nas áreas urbanas,

suburbanas e rurais. O Estado utilizou como estratégia a diferenciação dos

preços das terras, de forma que os lotes localizados na zona urbana obtinham

altos valores, o que restringia a ocupação da população de baixa renda

(SOUZA, 2008).

Dessa forma, é possível constatar um processo de segregação urbana desde o

início da organização da cidade, uma vez que o projeto da construtora visava

segmentar as populações de classes sociais distintas, planejando áreas ao

centro com mais privilégio para a ocupação e áreas periféricas onde iriam

residir as classes menos favorecidas. Entre os fatores que reforçaram a

segregação espacial em Belo Horizonte está a ação da especulação

imobiliária, que contribuiu diretamente para a precariedade dos equipamentos

urbanos, como as escolas, fazendo com que as áreas suburbanas e rurais se

caracterizassem pela escassez ou ausência de infraestrutura. Le Ven (1977, p.

142) comenta a respeito do crescimento urbano de Belo Horizonte:

O crescimento de Belo Horizonte ocorre, como se viu, das áreas periféricas para o centro, em decorrência do controle inicialmente exercido pelo Estado sobre as áreas internas ao perímetro da Contorno e posteriormente pela especulação imobiliária.

Como poucos indivíduos tinham grandes concentrações de terra, o controle de

ocupação das terras em Belo Horizonte não saiu como planejado, pois houve

grande especulação no mercado imobiliário. Segundo Souza (2008), a

29

especulação imobiliária no início do século XX, década de 1910, intensificou o

processo de crescimento da cidade de fora para dentro, o que era contrário ao

plano original da construtora.

A partir da década de 1920, o crescimento da cidade ultrapassou o perímetro

da Avenida do Contorno e a ocupação das áreas suburbanas e rurais orientou-

se no sentido leste-oeste. Na década de 1930, a zona suburbana apresentava

grandes áreas com um crescimento que se desenvolviam de acordo com a

lógica para tal área determiada pela Comissão Construtora, sendo um

planejamento urbanístico distinto da zona urbana, e juntamente com esse

crescimento encontrava-se uma população desfavorecida de infraestrutura

básica, como água, luz e esgoto. A preocupação com o crescimento da cidade

nessa década fomentou que profissionais da área do urbanismo elaborassem

um estudo analítico referente à ocupação das periferias em Belo Horizonte,

com o intuito de reverter e corrigir as lacunas do projeto da CCNC, diante dos

problemas urbanos da nova capital (AGUIAR, 2006).

Para controlar o crescimento e organizar o espaço urbano de Belo Horizonte,

duas propostas de planejamento foram discutidas. No início da década de

1920, a princípio o Estado defendia retomar o plano original da CCNC,

concebendo a volta da cidade ideal. Porém, no final dos anos de 1920, de

acordo com o arranjo espacial da cidade real que se constituiu após a sua

inauguração, propunha um novo planejamento que pudesse se ajustar à planta

da CCNC (AGUIAR, 2006).

Aguiar (2006), de acordo com levantamento da legislação entre a inauguração

da cidade e da década de 1920, constata que a ação do Estado foi

determinante para que o planejamento da CNCC fosse novamente aprovado. A

confirmação do plano original de certa forma reforça a ação do Estado como

agente social e fomenta a segregação socioespacial da cidade.

Para viabilizar a retomada do planejamento urbano de Belo Horizonte em

decorrência do crescimento da cidade que se apresentava em desordem em

relação ao plano da CCNC, em 1941 foi apresentado o Plano de Urbanização

de Belo Horizonte. O plano foi elaborado pelo engenheiro Lincoln de Campos

30

Continentino, professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG) e consultor técnico da Prefeitura de Belo Horizonte, de

acordo com as questões sugeridas na década de 1920 (AGUIAR, 2006).

Segundo Aguiar (2006), o Plano de Urbanização de Belo Horizonte, mesmo

não tendo sido oficialmente adotado pela Prefeitura de Belo Horizonte, servira

de embasamento para o planejamento e organização do espaço urbano da

cidade, principalmente entre as décadas de 1940 e 1950. Entre as propostas, o

plano visava rever a falta de articulação por meio das vias de ligação entre o

centro e a periferia. Por essa razão o plano das grandes avenidas deu origem

ao prolongamento e às principais vias de acesso rápido de Belo Horizonte, por

exemplo, as Avenidas Antônio Carlos, Amazonas e Pedro II.

Entre as décadas de 1930 e 1940, Belo Horizonte foi estruturada para o

processo de industrialização que ocorreu a partir de 1950. Entre as obras

estruturantes pode-se destacar o prolongamento da Avenida Amazonas, que

era o acesso para a Cidade Industrial. Isso impulsionou o crescimento do vetor

oeste. O desenvolvimento da Cidade Industrial teve como estratégia a

proximidade da força de trabalho. Assim, famílias desfavorecidas

economicamente instalaram-se na região e forneceram mão de obra para as

indústrias, processo que favoreceu a formação de bairros operários no

subúrbio de Belo Horizonte (CARDOSO, 2007).

Segundo Cardoso (2007), entre as décadas de 1950 e 1960, a expansão da

cidade ocorreu nos sentidos norte e leste. A abertura da Avenida Antônio

Carlos proporcionou o crescimento do eixo norte da cidade, com áreas

carentes de infraestrutura localizadas na periferia do complexo da Pampulha.

Em 1964, o crescimento do tecido urbano de Belo Horizonte se direcionou mais

precisamente ao longo dos vetores norte e leste-oeste. Essa expansão está

vinculada às regiões por onde se tem acesso à rede ferroviária e rodoviária do

município. A ocupação dessas áreas está relacionada ao aumento da

população de Belo Horizonte, ocorrido entre as décadas de 1940 e 1970 e com

a ação da especulação imobiliária, que estimulava a ocupação de loteamentos

31

clandestinos. É importante ressaltar que o crescimento periférico da cidade

está associado à instalação de áreas industriais nos municípios limítrofes,

como Contagem, favorecendo assim a ocupação da classe operária, que servia

de mão de obra para as fábricas.

Em virtude do processo de expansão urbana da cidade e conforme as

tentativas de organização em busca do controle de crescimento, principalmente

das periferias, novos planejamentos urbanos foram esboçados, sendo reflexo

atualmente para a concepção de organização do espaço urbano de Belo

Horizonte. Em consulta à legislação, verificou-se que a consolidação das

regiões administrativas de Belo Horizonte, Barreiro e Venda Nova, em primeira

instância, foi estabelecida no mesmo ano da Lei Federal Complementar nº

14/1973, que estabeleceu também as regiões metropolitanas das principais

capitais do Brasil.

Posteriormente, com o decreto municipal de 1983, as demais regionais foram

criadas com o objetivo de descentralizar o atendimento de serviços públicos

que antes se concentravam na área central da cidade. Atualmente, Belo

Horizonte está subdividida em nove regionais administrativas: barreiro, centro-

sul, leste, norte, nordeste, noroeste, oeste, Pampulha e Venda Nova, que

possuem postos de atendimento da prefeitura para atender às particularidades

do local.

Paulatinamente, ocorre a abertura das vias de acesso que fazem a ligação da

periferia ao centro da cidade. O surgimento de vilas no subúrbio é devido aos

proprietários dos terrenos, que fizeram a divisão desses lotes sem observar

critérios urbanísticos quanto à infraestrutura. Esses lotes aos poucos se

espalharam pela capital, evidenciando o processo de segregação urbana, que

se tornou mais intenso nas décadas posteriores.

Os problemas ambientais urbanos, reflexo do acelerado processo de

urbanização principalmente após as décadas de 1960, impactou na

organização da cidade quanto à demanda de equipamentos e serviços urbanos

e à disputa por moradia. Raichelis (2006) ressalta que a fragmentação das

32

cidades é um agravante da questão social e que a formação de territórios

fragmentados, com diferentes formas de organização, demanda a intervenção

do Estado e políticas públicas que possam alcançar as necessidades

populares, contribuindo para reduzir a dissipação das desigualdades sociais.

Ainda sobre a fragmentação das cidades, Vasconcelos (2013, p. 22) afirma:

A cidade fragmentada, portanto, corresponde a uma mistura de usos desconectados, mal-articulados pelas infraestruturas de transporte. Ela é produzida em parte pela ação (ou inação) do Estado, do mercado imobiliário e, sobretudo, pela ação da população pobre.

Ao analisar a relação entre a cidade e as periferias formadas pela segregação

urbana, percebe-se atualmente um movimento pendular entre os estudantes

das áreas periféricas de Belo Horizonte em direção à região centro-sul, com o

intuito de frequentar as escolas estaduais dessa região. Diante desse

deslocamento, faz-se necessário questionar por quais motivos esses alunos

saem de sua comunidade para frequentar escolas distantes, sendo que todas

fazem parte da mesma rede estadual de ensino.

A participação da comunidade para a construção do ambiente escolar é de

suma importância para a cidadania participativa. O conceito de efeito-

vizinhança estuda os efeitos da segregação socioespacial e provoca uma

reflexão sobre a interação e integração entre escola e comunidade para o

desenvolvimento local. Conforme Koslinski e Ribeiro (2008), o efeito-vizinhança

fomenta uma abordagem analítica acerca da segregação da cidade, que

produz territórios socioeconomicamente distintos, além de considerar como

esse processo de organização social do território influencia nas desigualdades

educacionais. Por esse conceito, as condições socioeconômicas do local são

incluídas de alguma maneira nos estudos referentes aos dados escolares,

principalmente no desempenho dos alunos.

César e Soares (2001) delimitam fatores socioespaciais que são associados ao

contexto social, espacial e demográfico que interferem no desempenho

esperado dos alunos. A reflexão dos autores busca analisar o efeito-escola na

tentativa de demonstrar que a escola exerce papel fundamental nas

33

oportunidades educacionais. Na perspectiva da escola como um espaço

sociocultural, é importante compreender e questionar como tem sido

desempenhado seu papel na formação cidadã dos sujeitos, para além da lógica

da educação inserida no viés apenas mercadológico.

2.1.3 Acesso à escola e desenvolvimento local

A escola exerce um papel social que pode interferir e contribuir para a

construção de uma cidadania participativa, que se inicia pelo conhecimento do

local e seu entorno, aperfeiçoando a relação com a cidade:

Para termos cidadania ativa, temos de ter uma cidadania informada, e isto começa cedo. A educação não deve servir apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la (DOWBOR, 2006, p. 2).

A escola pode desenvolver papel fundamental para o desenvolvimento local, a

partir da construção social dos sujeitos e por meio de uma prática inovadora,

em vez da simples reprodutora das relações sociais, ou seja, uma prática

educativa que colabore para a construção de ações coletivas que se reflitam no

exercício da cidadania:

A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a esta compreensão e à necessidade de se formar pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas (DOWBOR, 2006, p. 1).

Entendida como um espaço sociocultural, a escola, no processo educativo

levado pela ótica de uma formação humana e cidadã, pode contribuir para que

os alunos sejam capazes de analisar a realidade local que os cerca, a fim de

atuar no bairro onde moram, modificando-o e melhorando-o. Sobre a

abordagem da escola como um espaço sociocultural, Dayrell (2006, p. 137)

relata:

34

O processo educativo escolar recoloca a cada instante a reprodução do velho e a possibilidade da construção do novo, e nenhum dos lados pode antecipar uma vitória completa e definitiva. Esta abordagem permite ampliar a análise educacional, na medida em que busca apreender os processos reais, cotidianos, que ocorrem no interior da escola, ao mesmo tempo que resgata o papel ativo dos sujeitos, na vida social escolar.

A tendência do atual processo de ensino e aprendizagem, entretanto, está

vinculada à lógica mercadológica, que visa atender às necessidades de uma

sociedade capitalista, a uma educação com finalidade de formação técnica, em

que a execução é separada do pensar, distanciando-se da formação humana e

cidadã. Considerando essa perspectiva, a educação contemporânea tem

contribuído para a formação de sujeitos individualistas com dificuldades de

envolvimento social coletivo, elemento base do exercício da cidadania, o que

pode ter como desdobramento uma postura na qual esses sujeitos não

interajam com as práticas sociais de seu entorno:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente impostas (MESZÁROS, 2008, p. 35).

Ainda nessa perspectiva da escola entendida como um espaço sociocultural,

Andrade, Rigotti e Soares (2008) se dedicaram a desenvolver uma análise do

efeito-escola no desempenho escolar dos alunos, estabelecendo uma relação

com os efeitos da condição socioeconômica dos discentes. Sobre umas das

abordagens do efeito-escola os autores comentam:

No entanto, para muitos outros usos é importante identificar o efeito de um determinado dado escolar, isto é, quantos pontos os seus alunos ganham por suas políticas e práticas internas. Essa versão da medida efeito-escola é importante para intervenção pedagógica, pois permite conhecer onde as opções pedagógicas e de gestão estão produzindo bons resultados (ANDRADE; RIGOTTI; SOARES, 2008, p. 123).

35

O efeito-escola reforça a importância determinante que as escolas têm na

formação dos indivíduos, principalmente no que diz respeito ao

empoderamento, constituindo um dos fatores essenciais para a participação

política e social dos cidadãos. A emancipação dos indivíduos fomenta a

autonomia e a liberdade de expressão, atreladas ao sentimento de

pertencimento ao local, o que pode proporcionar uma participação social mais

efetiva.

Diante dessa segregação espacial, que produz uma distinção das áreas sociais

da cidade, o papel da escola no contexto desses espaços urbanos

fragmentados poderá ser o de construir, além do conhecimento cientifico,

práticas pedagógicas que sejam capazes de promover a formação humana e

cidadã. E, assim, permitir um desenvolvimento local que considere as

especificidades culturais da comunidade.

A tendência do mundo atual tem sido fomentar o desenvolvimento local devido

ao desdobramento entre o global e o local. Segundo Froehlich (1998), a

relação entre o global e o regional/local precisa ser compreendida de forma

indissociável, além de ser necessário considerar as interpretações da

pluralidade das culturas do mundo. O deslocamento de alunos para estudarem

em locais distantes do seu entorno pode comprometer a atuação e participação

dos sujeitos no local onde residem. Não se pode desconsiderar o

conhecimento adquirido pelos alunos em escolas e locais distantes, porém os

currículos norteadores da educação têm como premissa aproximá-los da

realidade de onde vivem, possibilitando o desenvolvimento local.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/1996)

estabelece normas para os processos formativos que abrangem a educação

básica, a fim de propiciar a formação básica comum a todos. Dessa forma, a

LDB reforça a necessidade de formulação de um conjunto de diretrizes que

possa contribuir para nortear os currículos e conteúdos mínimos (BRASIL,

1997, p. 14).

36

A partir da LDB, diretrizes são formuladas a fim de elaborar currículos comuns

que possam ser aplicados nas instituições escolares do Brasil, seja em âmbito

federal, estadual e municipal, e que principalmente possam se adequar à

realidade local dos alunos. O artigo 2º dessa lei ressalta que “a educação deve

preparar o educando para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho" (BRASIL, 1996).

Em 1997 foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que

constituem um material de referência com o fito de romper o viés da educação

contemporânea e promover uma formação para além do conhecimento

científico. Os PCNs de 1998 propõem uma abordagem sistêmica e

multidisciplinar ao instituir os inovadores temas transversais, para tratar

questões como ética, meio ambiente, pluralidade cultural, saúde, orientação

sexual, trabalho e consumo. O principal objetivo das propostas dos PCNs é

contribuir para que as diversidades socioculturais do país sejam contempladas,

além de promover a participação da sociedade, tornando-se instrumento para

uma educação inovadora (BRASIL, 1998).

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é uma exigência do Plano

Nacional da Educação (PNE) aprovado pela Lei nº 13.005 de 25 de junho de

2014 (BRASIL, 2014). Esta consiste na elaboração de uma unidade para os

currículos nacionais, configurando-se um parâmetro para o planejamento em

todas as etapas e modalidades de ensino. Após o processo de elaboração

preliminar da BNCC com a participação de estados, Distrito Federal e

municípios com mecanismos de participação da comunidade científica,

instituições de ensino públicas e privadas, consultas públicas, fóruns e debates,

a segunda versão foi disponibilizada para consulta a partir do dia 3 de maio de

2016.

Assim como os PCNs, a BNCC reitera a importância da escola na formação do

indivíduo como cidadão ativo e participativo e reforça que os currículos devem

contemplar a realidade local dos sujeitos.

37

2.1.4 Matrícula escolar: gestão social ou segregação?

Para entender como ocorre o deslocamento dos alunos na cidade, é

necessário indagar como é feita a gestão no que se refere ao cadastramento e

matrículas dos alunos. Entre as competências atribuídas ao órgão responsável,

a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) tem por

responsabilidade administrar as escolas estaduais. Entre as suas incumbências

está a gestão do cadastramento escolar em âmbito estadual e municipal,

conforme a legislação federal Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que

dispõe sobre os procedimentos e o funcionamento escolar.

Anualmente, a SEE-MG e a Secretaria Municipal de Educação de Belo

Horizonte (SMED-BH) dispõem de uma resolução conjunta específica que

determina as condicionantes para o cadastramento escolar e a efetivação de

matrículas. A resolução do cadastramento escolar estabelece normas para o

encaminhamento dos alunos do ensino fundamental para o médio.

O cadastramento escolar disposto na Resolução SEE nº 2.772, de 15 de maio

de 2015, no artigo 6°, determina que “o encaminhamento para matrícula dos

candidatos inscritos no Cadastro Escolar para ingresso na rede pública

estadual e municipal de educação de Belo Horizonte obedecerá,

prioritariamente, ao zoneamento escolar” para os alunos do ensino

fundamental (MINAS GERAIS, 2015). Para isso, considerando o endereço

residencial dos alunos para efetivação das matrículas em escolas próximas de

suas residências, principalmente para os ingressos no ensino fundamental das

redes municipal e estadual.

Para as matrículas referentes ao ensino médio, a mesma resolução, no artigo

12º, estabelece os seguintes critérios:

38

I- com prioridade para os concluintes do ensino fundamental na própria escola, quando esta oferecer o ensino médio; II- quando o número de vagas for insuficiente para continuidade na própria escola, terá prioridade de opção o aluno mais novo; III- esgotados os procedimentos previstos nos incisos I e II e constatada demanda excedente para ingresso no ensino médio, será apresentada listagem de escolas da rede pública que ministram o ensino médio para que o aluno escolha, em ordem de preferência, 04 (quatro) escolas respeitados estes procedimentos: a) o encaminhamento para matrícula na unidade de ensino indicada pelo aluno será feito respeitando-se o limite de vagas e a ordem de preferência e de idade; b) quando o número de optantes para determinada unidade escolar for superior ao número de vagas existentes, terá prioridade para matrícula o aluno mais novo considerando dia, mês e ano de nascimento, obedecida a ordem crescente de idade; IV- Os alunos a que se refere o inciso III, que não forem atendidos em nenhuma das quatro opções, serão encaminhados, preferencialmente, para escolas de mais fácil acesso, onde houver vagas.

Segundo os critérios estabelecidos pela resolução, a escolha das escolas do

ensino médio não contempla prioritariamente o zoneamento escolar, sendo que

os alunos podem optar por instituições que se localizam distantes de suas

comunidades locais. Nesse caso, tem-se percebido que o deslocamento ocorre

principalmente em direção à região centro-sul de Belo Horizonte.

O deslocamento em direção à região centro-sul pode influenciar na capacidade

de participação cidadã dos alunos em questões relacionadas às tomadas de

decisão envolvendo o local de origem. Segundo Dowbor (2006), a perspectiva

atual dos currículos da educação é inserir a realidade local para que os alunos

possam, além de conhecer, também participar efetivamente como cidadãos,

reforçando o desenvolvimento local.

Em análise preliminar das resoluções no âmbito estadual em interface com os

princípios da gestão social, certos questionamentos merecem ser suscitados

acerca da participação dos indivíduos, que de forma direta ou indireta estão

envolvidos na gestão de matrícula e cadastramento escolar. A gestão proposta

pela SEE-MG parece não contemplar o princípio da gestão social que é a

participação democrática, uma vez que se percebe que nem os alunos nem

suas famílias foram consultados para a elaboração da resolução pertinente ao

cadastramento escolar.

39

Para Tenório (2005), a gestão social está associada à gestão democrática,

sendo um processo gerencial dialógico e compartilhado entre os participantes

da ação, que envolve qualquer tipo de sistema social. Nesse contexto,

anualmente a SEE-MG delimita os procedimentos para o cadastramento

escolar e efetivação das matrículas, sem promover uma consulta pública e

compartilhada.

Nessa perspectiva, percebe-se que os parâmetros utilizados pela SEE-MG a

respeito do cadastramento e efetivação das matrículas do ensino médio pouco

se aproximam dos princípios da gestão escolar democrática e participativa em

conjunto com os atores sociais, embora a legislação brasileira tenha

contribuído para fomentar as diretrizes da gestão escolar. O Plano Nacional de

Educação (PNE), por exemplo, disposto na Lei nº 13.005 de 25 de junho de

2014, no art. 9º, estabelece critérios para a gestão democrática na educação

pública, em ações conjuntas dos estados e municípios, a partir de instrumentos

de participação que possam envolver tanto os profissionais da educação

quanto a comunidade escolar. Prado (2003, p. 34) reitera a importância da

participação na gestão democrática:

A gestão democrática passa a ser vista, em contraste com a gestão hierárquica, sob forma paternalista ou autoritária, e não tem sido hegemônica na condução da coisa pública. Ela expressa a vontade de participar e o empenho de reverter a tradição que confunde os espaços públicos com os privados.

A gestão democrática se opõe ao desenvolvimento das práticas neoliberais

delimitadas pelo Estado em prol de garantir os direitos sociais por meio de

ações mercantilistas. O que se percebe é que o Estado não viabiliza

mecanismos de participação popular efetiva para a formulação de políticas

públicas que possam suprir as demandas da sociedade, sendo uma gestão

vertical e hierarquizada e que se distancia do conceito de cidadania deliberativa

na qual o cidadão participa e colabora na gestão de interesses públicos

(TENÓRIO, 2005).

40

Maia (2005, p. 5) faz críticas a uma gestão contra o social5, pautada a favor da

lógica de mercado em detrimento do social: “fica plenamente comprovada a

força do capital à medida que sua reestruturação produtiva determina a direção

da reestruturação da vida da sociedade e de suas instituições”.

As políticas públicas devem ser consolidadas a partir da relação entre

sociedade e Estado por meio de um processo dialógico. Tenório (2005) afirma

que a participação leva à comunicação e discussão entre a sociedade civil e

Estado, processo comunicativo do qual os sujeitos participam e têm autonomia

nas decisões do bem comum. A esfera pública é a rede intermediária entre

sociedade e Estado para a discussão e tomadas de decisões.

Ao longo do processo de construção democrática do Estado, o caráter

participativo pouco tem sido viabilizado em consonância com a sociedade, para

que se possa efetivamente gerar um diálogo entre os três setores (Estado,

sociedade e mercado). Estes, bem articulados, podem favorecer decisões

tomadas em âmbito coletivo, princípios então concebidos e defendidos pela

gestão social.

A configuração política e econômica neoliberal a partir da década de 1990

fomenta para a concepção do Estado mínimo, as políticas e demandas sociais

que são determinadas pela lógica do mercado, que por sua vez colabora para a

segmentação e enfraquecimento participativo da sociedade. A gestão social se

configura, assim, como um processo para romper o desafio da restrita

participação social em tomadas de decisão, como afirmam Cançado, Tenório e

Pereira (2011, p. 1):

A gestão social é apresentada como uma tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na inteligibilidade da linguagem, na dialogicidade e no entendimento esclarecido como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação enquanto fim último.

5A partir dessas pontuações, justificamos a nominação de “gestão contra o social” aos

processos de gestão no campo social, implementados a partir dos valores e propósitos do capital (MAIA, 2005, p. 5).

41

A partir de análises das resoluções sancionadas pela SEE-MG referentes à

gestão escolar que envolve a efetivação das matrículas do ensino fundamental,

é possível perceber que a legislação é estabelecida de maneira distinta, além

de não promover um caráter estritamente participativo, conforme é disposto no

PNE a respeito da gestão democrática e participativa da educação pública.

Para a realização do cadastramento escolar, é necessário diferenciar as

normas estabelecidas nas resoluções conjuntas divulgadas anualmente pela

SEE MG e a SME-BH, conforme a Resolução SEE nº 2.974/2016 (MINAS

GERAIS, 2016).

Em Belo Horizonte, o Cadastro Escolar para o ensino fundamental, sendo

incumbência do município, é coordenado por uma comissão constituída de

representantes da Secretaria de Estado de Educação, das Superintendências

Regionais de Ensino Metropolitana6 A, B e C e da Secretaria Municipal de

Educação.

Nos demais municípios, a coordenação do cadastro escolar é exercida pelas

Superintendências Regionais de Ensino do Estado, que organizam as

Comissões Municipais de Cadastro e Matrícula em cada município, assim

constituídas: secretário municipal de educação; um diretor/coordenador e um

professor, representando as escolas municipais; um representante da

Superintendência Regional de Ensino (geralmente um inspetor escolar), um

diretor e um especialista em educação básica, representando as escolas

estaduais; dois representantes de pais de alunos; um representante do

Conselho Tutelar do Município; e um representante do Conselho Municipal de

Educação.

Essa resolução, portanto, parece não priorizar a participação coletiva mais

ampla, como ressalta Tenório (2005, p. 103) quando explica sobre a gestão

6 As Superintendências Regionais de Ensino (SRE) têm por finalidade exercer, em nível

regional, as ações de supervisão técnica, orientação normativa, cooperação e de articulação e integração estado e município em consonância com as diretrizes e políticas educacionais. Belo Horizonte e os municípios que englobam a região metropolitana estão divididos entre as metropolitanas A, B e C.

42

democrática e participativa: “a gestão social deve ser determinada pela

solidariedade, portanto, é um processo de gestão que deve primar pela

concordância, em que o outro deve ser incluído e a solidariedade o seu

motivo”.

Assim, ao investigar os processos relativos à gestão de matrículas e

cadastramento escolar proposta pela SEE-MG, é importante levantar

questionamentos se a mesma se aproxima da gestão social ou se de certa

forma reforça a segregação urbana. Outro ponto importante é pensar na

participação da comunidade escolar em relação à gestão de matrículas e

cadastramento, ou seja, indagar se ocorre uma relação social participativa,

visto que nas resoluções o caráter participativo não está evidente. Tenório

(1990, p. 163) comenta a respeito da participação nas relações sociais:

O que se precisa entender é que participar é fazer política e esta depende das relações de poder percebidas. Que participar é uma prática social na qual os interlocutores detêm conhecimentos que, apesar de diferentes, devem ser integrados. [...] Que participar é repensar o seu saber em confronto com outros saberes. Participar é fazer “com” e não “para”.

Em alguns casos, a escolha das escolas está associada ao efeito que suas

políticas e práticas internas têm sobre seus alunos, ou seja, quais escolas

possuem os melhores resultados, sendo este um dos parâmetros de

manifestação do efeito-escola. No caso de Belo Horizonte, os alunos se

deslocam em direção à região centro-sul na qual historicamente se localizam

as escolas mais antigas e vistas com prestígio, construídas para receber a

população de mais poder aquisitivo transferida da antiga capital Ouro Preto. A

segregação urbana consolidada no início da construção da cidade atualmente

parece ser reforçada pela distinção das escolas da periferia e da região centro-

sul.

Andrade, Rigotti e Soares (2008), a partir de estudos realizados para o

Observatório das Metrópoles, buscaram investigar a influência da localização

das escolas públicas de Belo Horizonte no desempenho dos seus alunos,

levando em consideração o nível socioeconômico do aluno, da unidade

43

espacial da cidade e da escola. Constataram que o nível socioeconômico das

áreas com aspectos homogêneos é superior ao das escolas. A hipótese que se

aproxima para explicação dos resultados da pesquisa é do deslocamento dos

alunos na cidade.

A distinção entre as escolas da região centro-sul e da periferia pode ser

entendida pela dualidade estrutural. Campello (2009) afirma que a dualidade

estrutural se expressa pela fragmentação da escola para atender às classes

sociais conforme a divisão social do trabalho. As escolas construídas nas áreas

periféricas de Belo Horizonte, ou seja, fora do perímetro da Avenida do

Contorno, receberam a população menos favorecida de recursos econômicos

que englobava a classe de trabalhadores formada principalmente por operários

das indústrias. E de acordo com a necessidade de formar mão de obra técnica,

as escolas apresentavam caráter de formação profissional, perfil distinto das

instituições escolares localizadas na região centro-sul da cidade.

Nessa concepção consolidada na separação entre o trabalho intelectual e

instrumental, Kuenzer (2007, p. 1155) expõe:

No Brasil, esta diferenciação correspondeu à oferta de escolas de formação profissional e escolas acadêmicas, que atendiam populações com diferentes origens de classe, expressando-se a dualidade de forma mais significativa no nível médio, restrito, na versão propedêutica, por longo período, aos que detinham condições materiais para cursar estudos em nível superior.

Diante das lacunas existentes em relação à gestão do cadastramento escolar e

matriculas, torna-se necessário, portanto, indagar sobre como é realizada essa

gestão. E também verificar qual é a percepção de alunos da comunidade e do

próprio órgão administrativo da educação estadual em relação ao

deslocamento dos alunos na cidade, em especial das escolas da periferia para

as de centro-sul, e refletir sobre a relação desse movimento em paralelo à

segregação urbana.

44

2.2 Considerações finais

O conceito de cidade apresenta múltiplas abordagens, sendo que discutir sobre

o termo implica entender os processos que estão atrelados à consolidação do

arranjo socioespacial desse espaço. Conforme relatado no artigo, a cidade é o

resultado das ações dos agentes sociais produtores e transformadores do

espaço citadino, configurado de acordo com os anseios de uma sociedade

capitalista, sendo símbolo de luta das distintas classes sociais que habitam os

seus diversos espaços.

Entre os processos atrelados à consolidação das cidades, a segregação

urbana determina a produção dos espaços da cidade com paisagens distintas

associada aos fatores sociais, econômicos e políticos em conjunto com os

agentes sociais que estruturam e delimitam territórios distintos.

A produção do espaço urbano fragmentado marcante nas cidades da América

Latina, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, originando a relação

centro versus periferia, é resultado do processo de segregação urbana como

fruto das ações dos agentes sociais, em alguns casos em especial do Estado e

da especulação imobiliária.

Nesse sentido, em Belo Horizonte, cidade planejada para sediar a nova capital

do estado de Minas Gerais, é possível constatar um processo de segregação

urbana desde o plano original da construtora que separava as classes sociais.

A área central era destinada à população com mais poder aquisitivo, enquanto

as zonas suburbanas e rurais tinham por objetivo a ocupação das classes

menos favorecidas. Conforme a cidade foi sendo estruturada e fragmentada de

acordo com as classes sociais, os equipamentos urbanos da cidade, em

especial as escolas, também foram planejados para atender às demandas das

populações residentes em áreas distintas, como resultado da segregação

urbana.

Dessa forma, o artigo discutiu, de acordo com observações empíricas, o

deslocamento dos alunos da rede estadual de ensino que saem das periferias

45

para estudarem na região centro-sul de Belo Horizonte, principalmente nas

escolas construídas logo no início da inauguração da capital, sendo instituições

destinadas a atender a população de mais poder aquisitivo.

Nessa perspectiva, reconhecendo a escola como um ambiente sociocultural,

discutiu-se a respeito do papel da escola tanto para preparar os indivíduos para

uma formação humana e cidadã, como para a qualificação do trabalho, como

disposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB/1996. E sobre o viés

de formação humana e cidadã atrelada aos princípios do desenvolvimento

local, que reforça a emancipação dos indivíduos, espera-se que de acordo com

os currículos de educação os alunos tenham contato com a realidade local,

conheçam, discutam e reflitam sobre ela, contribuindo para que sejam agentes

ativos e transformadores da comunidade em que estão inseridos.

Esse questionamento provocou, finalmente, a elaboração de um segundo

artigo em sequência a este, a partir de uma investigação de campo sobre o

posicionamento da SEE-MG quanto ao deslocamento dos alunos e da relação

desse fenômeno com o processo de segregação urbana de Belo Horizonte.

Realizou-se também um questionamento junto aos alunos para identificar os

fatores responsáveis pelo deslocamento dos alunos para estudarem na região

centro-sul e permanência nas periferias. No entanto, trata-se de uma questão

que merece ainda mais aprofundamento e constante pesquisa, dada a

dinâmica da realidade urbana sempre em movimento.

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49

3 ARTIGO 2 - SEGREGAÇÃO URBANA E DUALIDADE NA

EDUCAÇÃO: O DESLOCAMENTO DOS ALUNOS DA

PERIFERIA EM DIREÇÃO À REGIONAL CENTRO-SUL DE

BELO HORIZONTE

SILVA, Pollyanna Neves da Geógrafa, professora, mestranda do Programa de Mestrado Profissional

Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Centro Universitário UNA. [email protected]

TOMASI, Áurea Regina Guimarães

Socióloga, mestre e doutora em Ciências da Educação e professora do Programa de Mestrado Profissional Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local. Centro Universitário UNA.

[email protected] Resumo As cidades são construídas conforme certa lógica e relações de poder que geram espaços diferenciados e segregados, devido à ação dos agentes sociais. Como desdobramento, a organização socioespacial da cidade parece se refletir em diversos setores, incluindo a educação. Dessa forma, buscou-se investigar o motivo do deslocamento dos alunos da regional Barreiro, periferia de Belo Horizonte, para frequentar as escolas da regional centro-sul da cidade. A pesquisa se apoia em um referencial teórico baseado no processo de crescimento urbano e segregação espacial de Belo Horizonte. Posteriormente, o artigo discorre sobre dualidade estrutural das escolas e desenvolvimento local. A metodologia adotada foi a qualitativa, de cunho exploratório, realizada a partir da pesquisa bibliográfica e de campo. Como procedimento metodológico de coleta de dados, optou-se pela entrevista semiestruturada com alunos e gestores da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEE-MG). Após a transcrição, foi realizada a análise de conteúdo temático. Os resultados desta pesquisa revelaram que, entre os motivos da escolha das escolas localizadas na regional centro-sul, está a qualidade do ensino como um fator preponderante, segundo a fala dos entrevistados. Este trabalho se propôs a explorar um pouco esse problema e provocar uma reflexão por parte de alunos, escolas e SEE-MG. Palavras-chave: Segregação espacial. Dualidade educacional. Acesso à escola. Desenvolvimento Local.

50

ABSTRACT

The cities are built according to a certain logic and relations of power that generate distinct and segregated spaces, due to the action of social agents. As a result, the socio-spatial organization of the city seems to be reflected in several sectors, including education. Thus, we sought to investigate the reason for the displacement of the students of the regional Barreiro, periphery of Belo Horizonte, to attend the schools of the South-Central region of the city. The research is based on a theoretical framework based on the process of urban growth and spatial segregation of Belo Horizonte. Subsequently, the article discusses the structural duality of schools and local development. The methodology adopted was qualitative, of an exploratory nature, based on bibliographical and field research. As a methodological data collection procedure, we opted for a semi-structured interview with students and managers of the State Secretariat of Education of Minas Gerais (SEE-MG). After transcription, the thematic content analysis was performed. The results of this research revealed that, among the reasons for the choice of the schools located in the Center-South region, is the quality of teaching as a preponderant factor, according to the interviewees' speech. This work aims to explore this problem a bit and provoke reflection on the part of students, schools and SEE-MG. Keywords: Spatial segregation. Duality education. Access to school. Local Development.

3.1 Introdução

A discussão central do artigo trata sobre um fenômeno paralelo à segregação

urbana, que é o deslocamento de alunos que saem da periferia para estudar

nas escolas da região centro-sul que tradicionalmente, desde o início da

construção de Belo Horizonte, são vistas com mais prestígio, por se

localizarem na área planejada para receber a classe social mais favorecida. O

artigo apresenta um breve histórico acerca do processo de crescimento urbano

de Belo Horizonte e propõe uma reflexão a respeito do arranjo espacial da

cidade diante da segregação urbana, como resultado da produção do espaço.

A segregação espacial é, assim, produtora da cidade, delimitando e

configurando áreas distintas e contribuindo para a construção de um mosaico

irregular em vários aspectos. Vasconcelos, Corrêa e Pintaudi (2013, p. 7)

salientam:

51

A distribuição das áreas industriais, das áreas de lazer, dos espaços públicos, dos locais de consumo, das vias de tráfego e dos meios de transporte, das escolas e dos hospitais, da limpeza e da segurança pública está, em diferentes graus, ligada à segregação espacial, exibindo também uma nítida espacialidade diferencial.

Em seguida, o artigo traz uma discussão entre dualidade estrutural e

desenvolvimento local. Nessa perspectiva, o trabalho procura fomentar também

uma reflexão sobre a importância da escola como espaço sociocultural, o qual

pode contribuir a partir de práticas pedagógicas não apenas para o

conhecimento técnico e científico, mas para a formação humana e cidadã dos

indivíduos.

Para compreender o fenômeno em foco, foi realizada pesquisa de campo para

identificar os fatores que estimulam o deslocamento de alunos da periferia para

estudar nas escolas da região centro-sul de Belo Horizonte. Dessa forma, a

pesquisa de campo contou com uma entrevista semiestruturada com a

participação de 12 alunos das Escolas Estaduais Celso Machado, localizada no

Barreiro, e Governador Milton Campos (Estadual Central), localizada no bairro

de Lourdes, para levantar algumas pistas a respeito desse deslocamento. Ao

mesmo tempo, indagou-se junto a algumas superintendências da Secretaria de

Estado de Educação de Minas Gerais, por meio de entrevista, consultas de

documentos e resoluções, sobre como é efetuada a gestão de cadastramento

escolar e matrícula pelo órgão estadual.

O conteúdo deste artigo é, portanto, essencialmente, uma reflexão sobre o

resultado desta pesquisa de campo, sem qualquer pretensão de esgotar a

investigação sobre o tema, mas esclarecer um pouco sobre os fatores que

motivam o deslocamento de alunos de escolas da regional Barreiro para as da

regional centro-sul, procurando principalmente levantar algumas pistas para

uma discussão em torno desse fenômeno.

52

3.2 Segregação urbana: uma análise do surgimento e o processo de

urbanização da cidade de Belo Horizonte

Ao pensar no espaço urbano das cidades brasileiras, principalmente em

meados do século XX, no que se refere à organização socioespacial, depara-

se com o processo segregatório produzido pelos agentes sociais, com a ação

do Estado, especulação imobiliária e os grupos sociais excluídos.

A produção do espaço urbano capitalista no Brasil é reforçada pelo processo

de industrialização mais intenso ocorrido a partir da década de 1930, resultado

do modelo de substituição de importação decorrente das Guerras Mundiais. A

ação do Estado constituiu papel importante para a instalação do parque

industrial brasileiro, visando obter vantagens estruturais nas principais cidades

localizadas na região Sudeste do país, como é o caso de São Paulo

(CARDOSO, 2007).

Paulatinamente ao processo de industrialização, a urbanização brasileira

ganha impulso a partir da década de 1940. O êxodo rural se intensifica, nesse

contexto, e observa-se a transferência da população do campo para a cidade

em busca de moradia e emprego no setor industrial. Na década de 1960, o

deslocamento da população para a cidade se dá, sobretudo, pela procura de

emprego, uma vez que a modernização e a mecanização do campo geram

desemprego.

Como desdobramento do acelerado processo de urbanização, as metrópoles

brasileiras tiveram crescimento urbano acentuado, concebendo uma

fragmentação socioespacial. Vasconcelos, Corrêa e Pintaudi (2013, p. 8)

discorrem a respeito da fragmentação da cidade:

O espaço da cidade capitalista, particularmente da grande cidade, caracteriza-se, entre outros aspectos, por ser fragmentado, o que dá origem a um mosaico irregular, com áreas de diferentes tamanhos, formas e conteúdos, assim geradas por distintos processos espaciais e agentes sociais.

53

No Brasil, observa-se, de forma expressiva, a relação centro-periferia na

organização das grandes metrópoles, que apresentaram acelerado

crescimento urbano a partir das décadas de 1960 e 1970, reflexo de

investimentos introduzidos no setor industrial. Como desdobramento do modelo

de organização centro versus periferia, a segregação socioespacial das

grandes metrópoles é um entrave que colabora para a exclusão social e

problemas ambientais urbanos (CARDOSO, 2007).

Carlos (2013, p. 95) faz uma reflexão sobre o processo de segregação:

[...] a segregação – característica fundamental da produção do espaço urbano contemporâneo -, em seus fundamentos, é o negativo da cidade e da vida urbana. Seu pressuposto é a compreensão da produção do espaço urbano como condição, meio e produto da reprodução social – portanto um produto histórico e de conteúdo social.

A cidade de Belo Horizonte, planejada e inaugurada no final do século XIX com

o propósito de sediar a nova capital do estado de Minas Gerais, remete ao

processo de segregação socioespacial por meio de estratégias políticas e

econômicas. A produção do espaço urbano belorizontino consolidou-se

inicialmente mediante a ação do Estado e agentes da especulação imobiliária

como agentes sociais detentores de poder (SOUZA, 2008).

O plano original da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) sob direção

do engenheiro chefe Aarão Reis definia a cidade em zona urbana, zona

suburbana e zona rural. Cada zona era destinada a funções diferenciadas e

principalmente para abrigar populações economicamente distintas.

O processo de segregação urbana em Belo Horizonte expõe de forma evidente

a fragmentação da cidade por interesses econômicos e políticos, que por sua

vez delimitou e produziu espaços distintos marcados pelas desigualdades

socioespaciais. Carlos (2013, p. 96) expõe suas considerações acerca de

segregação no espaço urbano:

54

A segregação vivida na dimensão do cotidiano (onde se manifesta concretamente a concentração da riqueza, do poder e da propriedade) apresenta-se, inicialmente, como diferença, tanto nas formas de acesso à moradia (como a expressão mais evidente da mercantilização do espaço urbano), quanto em relação ao transporte urbano como limitação de acesso às atividades urbanas (como expressão da separação do cidadão da centralidade), bem como através da deteriorização/cercamento/diminuição dos espaços públicos (como expressão do estreitamento da esfera pública).

Nessa perspectiva, a produção do espaço urbano de Belo Horizonte é

concebido por meio de ações que reforçaram a segregação urbana. Notório

que os equipamentos urbanos instalados na zona urbana não foram os

mesmos introduzidos na área suburbana e rural. Aguiar (2006, p. 174) afirma:

Por outro lado, estavam localizados na área suburbana instalações e equipamentos urbanos que certamente participariam da vida cotidiana de uma cidade, mas não da mesma maneira que um mercado, uma igreja, uma escola ou mesmo um hospital e que, de um modo geral, demandavam grandes áreas e acarretavam impactos desfavoráveis nas suas vizinhanças imediatas. Eram o hipódromo, o cemitério, o matadouro, os reservatórios de água, as instalações para tratamento de esgoto e as oficinas de ferroviárias.

A área urbana, de acordo com plano original da CCNC, planejada e inspirada

em modelos modernistas, com ênfase à higiene, racionalidade e funcionalidade

na organização das ruas e avenidas com o intuito de abrigar a população

transferida da antiga capital, Ouro Preto, dispunha de melhores condições

socioeconômicas. No entanto, as áreas suburbana e rural foram destinadas às

populações economicamente menos favorecidas, compostas de camponeses e

operários, sendo que o planejamento da área urbana não se estendeu para o

restante da cidade (AGUIAR, 2006).

Nesse sentido, a segregação do espaço urbano de Belo Horizonte refletiu

diretamente na distribuição das escolas, reforçando a relação centro versus

periferia. Esse modelo clássico consolidou-se a partir da Segunda Guerra

Mundial, momento em que se acentuou na América Latina o desenvolvimento

das atividades industriais, decorrente da substituição de importações e também

por investimentos de capital estrangeiro. Cardoso (2007) afirma que as áreas

centrais são ocupadas por classes privilegiadas que dispõem de equipamentos

urbanos que são necessários e úteis para a sociedade e de serviços de

55

infraestrutura urbana. As periferias, por sua vez, distantes dos centros,

evidenciam a segregação urbana, sendo subequipadas em relação à

infraestrutura urbana e abrigando os “excluídos” da sociedade.

Em observações empíricas percebeu-se o deslocamento dos alunos das

periferias de Belo Horizonte para estudarem nas escolas da região centro-sul,

que foram construídas no início do desenvolvimento da capital a fim de receber

os filhos dos funcionários transferidos de Ouro Preto. Essas escolas

tradicionalmente são vistas pela população com mais prestígio e referência nos

parâmetros pedagógicos. Entre essas escolas podem-se citar: Escolas

Estaduais Afonso Pena, Barão do Rio Branco, Governador Milton Campos

(antigo Ginásio Mineiro), Pedro II e o Instituto de Educação de Minas Gerais.

Diante desse cenário, buscou-se, além de investigar o fenômeno de

deslocamento dos alunos em direção à região centro-sul, que parece ocorrer

paralelamente ao processo de segregação urbana de Belo Horizonte, averiguar

também na SEE-MG como é realizada a gestão do cadastramento escolar e

matrículas.

Em análise preliminar das resoluções estaduais que dispõem a respeito do

cadastramento e matrículas dos alunos, procurou-se indagar se a gestão da

SEE-MG contempla os princípios da gestão social. A gestão social é

apresentada como um processo democrático que visa romper a participação

social restrita nas tomadas de decisões que são pautadas na concepção do

Estado e na lógica do mercado, enfraquecendo a participação da sociedade.

Os princípios da gestão social contemplam a participação coletiva e diálogo

entre o Estado, sociedade e mercado nas tomadas de decisões de caráter

público. Tenório (2005, p. 102) faz uma reflexão sobre esse conceito:

Portanto, entenderemos gestão social como o processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não governamentais). O adjetivo social qualificando o substantivo gestão será entendido como o espaço privilegiado de relações sociais em que todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação.

56

A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais anualmente dispõe de

resoluções específicas que determinam as condicionantes para o

cadastramento escolar e efetivação das matrículas para a educação infantil,

ensino fundamental I e II e para o ensino médio, sendo este último

procedimento um dos pontos de investigação da pesquisa de campo.

Nesse contexto, percebe-se que o Estado neoliberal, a partir da década de

1990, não viabiliza mecanismos efetivos de participação social para a

formulação de políticas públicas, com o objetivo de suprir as demandas da

sociedade, ou seja, essa gestão se configura por ser hierarquizada e vertical,

na qual não ocorre o diálogo entre Estado, sociedade e mercado (TENÓRIO,

2005).

O que se observa é que as políticas públicas em prol de suprir as necessidades

da sociedade partem de uma gestão verticalizada, ou seja, a cidadania

deliberativa que pressupõe a participação dos cidadãos é em parte negada,

pois o processo não é compartilhado e o diálogo entre atores sociais tem sido

pouco eficaz (TENÓRIO, 2005).

A busca da participação social nas tomadas de decisões dar-se-á a partir da

construção da autonomia dos sujeitos para que sejam ativos e participativos e

que principalmente possam ser capazes de reconhecer as demandas da

sociedade e atuar em consonância com o Estado para a formulação de

políticas públicas. Maia (2005, p. 15) relata sobre a participação na gestão

social:

Assim, compreendemos gestão social como um conjunto de processos sociais com potencial viabilizador do desenvolvimento societário emancipatório e transformador. É fundada nos valores, práticas e formação da democracia e da cidadania, em vista do enfrentamento às expressões da questão social, da garantia dos direitos humanos universais e da afirmação dos interesses e espaços públicos como padrões de uma nova civilidade.

Nessa perspectiva, investigou-se na SEE-MG sobre a gestão de matrículas e

cadastramento escolar visando analisar se a mesma se aproxima da gestão

57

social no que se refere ao processo participativo da comunidade escolar e, se,

além disso, induz ou reforça a segregação urbana.

3.3 Dualidade da escola e desenvolvimento local

Embora a Constituição de 1988 defenda o direito à educação e exista um

discurso da “educação para todos”, é também certo que a educação não é da

mesma qualidade para crianças e adolescentes de todas as classes sociais.

No século XXI avançamos muito no Brasil em relação ao acesso e ao número

de vagas na escola pública, entretanto, constata-se oferta bastante

diferenciada de escola entre a rede pública e a rede privada e mesmo no

interior dessas duas redes.

Dessa forma, desde que a escola se abriu para os filhos da classe

trabalhadora ela já guarda certa distinção, a qual é denominada por alguns

autores de “dualidade”. A dualidade estrutural, segundo Campello (2009), se

expressa pela fragmentação da escola para atender às classes sociais de

acordo com a divisão social do trabalho. O atual regime de produção, modelo

de acumulação flexível, adotado pela Toyota após o término da Segunda

Guerra Mundial, modifica as relações de trabalho e interfere diretamente na

educação. O sistema educacional insere práticas da pedagogia toyotista que

estejam em consonância com o mundo do trabalho de acordo com as novas

demandas do mercado. O Estado neoliberal, em atuação a partir da década de

1990, e o mercado desempenham papéis fundamentais no financiamento da

educação, que fomenta para uma formação voltada para atender o mercado de

trabalho (KUENZER, s/d).

Nesse sentido, é possível identificar formas distintas da dualidade

estabelecidas pelo modelo de acumulação flexível. Os processos pedagógicos

se configuram para o disciplinamento da força de trabalho, tendo como base as

demandas e processos da acumulação flexível (KUENZER, 2007).

Os sujeitos são formados de acordo com os princípios do regime de

acumulação flexível, para suprir as demandas do mercado de trabalho, porém

58

esse modelo contribui para aprofundar as diferenças entre as classes sociais,

sobretudo aprofunda a dualidade estrutural (KUENZER, s/d).

A transição entre o modelo fordista e o regime de acumulação flexível

transformou substancialmente as relações de trabalho e as formas de

apropriação do espaço, principalmente do espaço urbano. Essas mudanças

estruturais demandavam um novo tipo de homem, para se adaptar aos novos

métodos de produção, modos de pensar e viver. No entanto, as mudanças no

mundo do trabalho não foram suficientes para romper a alienação do

trabalhador vivenciada no fordismo. Nessa perspectiva, Kuenzer (2007, p.

1153) faz algumas ponderações sobre a acumulação flexível e mercado: “a

dualidade se aprofunda a partir da relação que se estabelece entre o mercado,

que exclui a força de trabalho formal para incluí-la de novo através de

diferentes formas de uso precário ao longo das cadeias produtivas”.

Ocorre, nessa perspectiva, a fragmentação entre o trabalho intelectual e

instrumental que viabilizou a oferta de escolas de acordo com a classe social.

Gramsci (1978, p. 118) manifesta-se sobre a dualidade estrutural: “A divisão

fundamental da escola em clássica e profissional era um esquema racional: a

escola profissional destinava-se às classes instrumentais, ao passo que a

clássica destinava-se às classes dominantes e aos intelectuais”.

Nesse âmbito, as escolas acadêmicas e escolas de formação profissional eram

destinadas para atender às classes sociais de acordo com as origens dos

alunos. No Brasil, a partir da década de 1940, período do processo de

expansão industrial no país, fomentou-se a necessidade de mão de obra, com

o objetivo de compor o quadro de funcionários das unidades industriais. Sendo

assim, as classes sociais menos favorecidas economicamente foram

direcionadas para a escola profissional (técnica), enquanto a burguesia tinha

acesso à escola acadêmica. Kuenzer (2007, p. 1165) destaca a dualidade na

escola:

Para a formação/disciplinamento desses dois grupos, a educação básica atua de modo diferenciado: para os primeiros, assume caráter

59

propedêutico, a ser complementada com formação científico-tecnológica e sócio-histórica avançada. Para os demais, assume o caráter de preparação geral que viabiliza treinamentos aligeirados, com foco nas diferentes ocupações em que serão inseridos ao longo das trajetórias laborais, em diferentes pontos de distintas cadeias produtivas [...]

Gramsci (1978) e Kuenzer (2007) defendem a ideia de que a escola é uma das

formas de materialização da fragmentação do trabalho fundamentada na

valorização do capital, ao passo que reproduz a divisão entre meios de

produção e a força de trabalho. As transformações na apropriação dos

territórios de caráter social induzidas pelo sistema capitalista, assim como o

processo de globalização, que fomenta a mundialização do capital e das

culturas, têm contribuído para a perda das identidades locais. Notável que a

relação de pertencimento do local tem sido enfraquecida, o que colabora para

que o exercício da cidadania seja reduzido, o que pode comprometer na

participação ativa e coletiva dos cidadãos na sociedade (FROEHLICH, 1998).

O papel da escola, por ser um espaço também sociocultural, pode interferir na

formação humana e cidadã, mesmo sendo vinculada para atender à lógica de

mercado. A construção social dos sujeitos pode ser conduzida a partir de

práticas pedagógicas inovadoras capazes de aproximar os indivíduos da

realidade local em que estejam inseridos. Segundo Christoffoli (2010, p. 229):

“O espaço local se constitui, portanto, num locus para o enfrentamento social e

político, mais até do que o espaço central, num projeto de desenvolvimento”. O

desafio do sistema educacional está na dicotomia entre os princípios do

desenvolvimento local e a educação para atender o mercado de trabalho

conforme a tendência da valorização do capital inserido nos processos

pedagógicos.

Fragoso (2005) considera que o local não pode ser visto de forma indissociável

das ações externas do global/regional. O desenvolvimento local é uma

possibilidade de as populações se organizarem em busca da melhoria da

qualidade de vida e assim promoverem o desenvolvimento e a emancipação

dos sujeitos por meio da autoconfiança. O autor reforça que um dos princípios

60

importantes do desenvolvimento local inclui construir um processo coletivo e

educativo profundo.

Em suas discussões, Dowbor (2006, p. 1) aborda a relação entre educação e

desenvolvimento local:

A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a esta compreensão e à necessidade de se formar pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas (DOWBOR, 2006, p. 1).

Ainda nessa mesma concepção, Montenegro-Gómez (2002) reporta que o

desenvolvimento local surge com a proposta de superação da crise do capital e

assim busca iniciativas que priorizam o desenvolvimento dos territórios locais,

visando implementar políticas que possibilitem abarcar o social, o econômico e

o político.

Os princípios do desenvolvimento local pressupõem um caráter participativo e

emancipador dos indivíduos. E embora não se possa desvincular o

desenvolvimento local da lógica do capitalismo, a valorização e acúmulo de

capital não devem ser o foco para o desenvolvimento local, mas sim um

processo transformador da realidade local pelos sujeitos, almejando mais

igualdade social, por meio de ações objetivas e concretas. E a educação pode

ser uma delas (DOWBOR, 2006).

Para que ocorra o desenvolvimento a partir das características e demandas do

local e para que este seja efetivo, é necessário buscar estratégias facilitadoras

para a geração de emprego, movimentação da economia local, mas

perpassando pela emancipação dos indivíduos e sustentando a participação

em todos os níveis. Dessa forma, o papel da escola tem muito a contribuir com

um processo educativo que seja integrador e discuta sobre os desafios

inerentes à comunidade local.

Não se pretendeu com esta pesquisa comprovar quais são os impactos no

desenvolvimento local a partir do deslocamento dos alunos da periferia de Belo

61

Horizonte para estudarem nas escolas da região centro-sul, mas sim discutir

sobre como a relação entre o processo de segregação urbana e dualidade na

escola pode interferir no desenvolvimento local.

3.4 Procedimentos metodológicos da pesquisa de campo

A metodologia da pesquisa de campo apoiou-se em uma abordagem qualitativa

de finalidade exploratória. A abordagem qualitativa se justifica pela busca de

compreender de forma aprofundada a relação e organização de um grupo

social (GOLDEMBERG 2007), no caso de estudantes do ensino médio que se

deslocam entre bairros para estudar. Trata-se também de uma investigação de

caráter exploratório, na qual foi adotado um planejamento flexível para

considerar os mais variados aspectos relativos ao fato pesquisado (GIL, 2002).

Para a coleta de dados optou-se pela entrevista semiestruturada, elaborada

com perguntas abertas e fechadas, previamente definidas de acordo com os

temas visando explorar o fenômeno do deslocamento dos alunos. Essa escolha

se deu pelo fato de a entrevistadora poder intervir no momento da entrevista

para enfatizar alguma questão relevante ou alguma questão que não tenha

sido respondida com clareza (MINAYO, 2004).

A entrevista foi aplicada entre alunos do ensino médio, com o intuito de

conhecer os fatores responsáveis pelo deslocamento para a região centro-sul

bem como a permanência nas áreas periféricas. Buscou-se investigar, na SEE-

MG, informações referentes à gestão de matrículas e ao cadastramento escolar

promovido pelo órgão, verificando qual é a percepção daquele órgão em

relação ao deslocamento dos alunos na cidade.

Além das entrevistas, com a intenção de sondar e entender os motivos que

levam os alunos a se deslocarem para estudar na região centro-sul, houve a

oportunidade de realizar conversas informais com os adolescentes nos ônibus

coletivos e também nas escolas, a fim complementar a investigação sobre o

que as direciona para a escolha por escolas distantes dos bairros onde

residem. Outro ponto relevante em relação à entrevista face a face com os

62

alunos é que, a partir desse instrumento, os alunos têm a oportunidade de

serem ouvidos sobre suas decisões

O cenário da pesquisa foi constituído de duas escolas da rede estadual de

ensino, a Escola Estadual Celso Machado, localizada na região Barreiro, a

Escola Estadual Governador Milton Campos (Estadual Central), localizada na

região centro-sul, e de superintendências da Secretaria de Estado de

Educação de Minas Gerais. Nesses locais foram aplicadas as entrevistas. Nas

escolas, com aos alunos e na SEE, como o setor responsável pela gestão de

matrículas e de cadastramento escolar.

Os sujeitos da pesquisa foram alunos, tanto do sexo feminino quanto

masculino, com 18 anos ou mais, que residem na região do Barreiro,

estudantes do ensino médio, dos turnos manhã e noite, das duas escolas

públicas estaduais. No total, foram entrevistados 12 alunos, sendo a mesma

quantidade de alunos que estudam no Barreiro e na centro-sul. Para a coleta

de dados da entrevista, adotou-se o método de saturação de dados. Na SEE-

MG fizeram parte da pesquisa dois gestores responsáveis pela organização

dos procedimentos relacionados ao cadastramento escolar.

Na SEE–MG, em um primeiro momento para desenvolvimento da pesquisa de

campo, buscou-se ter acesso às informações preliminares referentes às leis e

resoluções pertinentes à gestão de matrículas e cadastramento escolar

realizada no âmbito do estado de Minas Gerais. Teve-se por incumbência a

Secretaria de Estado de Educação. A pesquisa das leis e decretos foi realizada

por meio do acesso à internet, na tentativa de construir uma análise

comparativa dos últimos quatro anos de como os procedimentos do

cadastramento e matrícula escolar são efetivados.

Posteriormente, na Secretaria de Educação foram coletados dados na

Superintendência de Informações Educacionais e na Subsecretaria de

Informações e Tecnologias Educacionais com base no banco de dados do

Censo Escolar de 2014, extraído do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Na data de solicitação das informações, o

63

banco de dados de 2015 não estava processado e de 2016 será concluído do

decorrer do ano de 2017.

Em busca de realizar a entrevista na Secretaria de Educação, inicialmente

procurou-se contatar a Superintendência de Organização e Atendimento

Educacional e Superintendência de Desenvolvimento do Ensino Médio.

Finalmente, a entrevista foi realizada em duas Superintendências Regionais de

Ensino (SRE), a Metropolitana A e Metropolitana C, ambas localizadas em Belo

Horizonte.

A entrevista com os alunos das escolas definidas para a pesquisa ocorreu em

momentos distintos. Na Escola Estadual Celso Machado, os alunos foram

entrevistados durante o turno da noite, enquanto na Escola Estadual

Governador Milton Campos “Estadual Central” o procedimento fora realizado

no turno da manhã. Em ambas as escolas, a participação e interesse dos

alunos durante as entrevistas foram bastante exitosos, principalmente ao se

perceber que eles não tiveram receio de expor suas ideias de cunho político e

social ao apresentar relatos da vida cotidiana, e que de certa forma se

preocupam com a realidade local em que estão inseridos. A partir dos relatos,

percebeu-se que os alunos sentem falta de mecanismos de participação mais

efetivos dentro das próprias escolas, com momentos que os docentes

pudessem dialogar sobre assuntos diversos, como, por exemplo, os problemas

socioambientais que envolvem a comunidade.

Entre as informações coletadas do EducaCenso, que se caracteriza por ser um

levantamento de informações estatístico-educacionais de âmbito nacional,

realizado anualmente, para efetuar a pesquisa obteve-se acesso aos dados

referentes às escolas estaduais Celso Machado e Governador Milton Campos

como, nível de escolaridade dos professores, estrutura das escolas

(bibliotecas, acesso à informática, laboratórios de informática) e o número de

alunos segundo o município e bairro de residência, por escola.

O critério de escolha dessas escolas se deve ao fato de que foi uma

observação não sistemática desse movimento de alunos da região do Barreiro

64

em direção ao centro-sul por parte da pesquisadora, o que originou o interesse

por esse problema de pesquisa.

A Escola Estadual Celso Machado foi criada em 14 de setembro de 1971, com

o nome de Escola Polivalente do Barreiro. A construção foi planejada e

executada pelo Programa de Expansão e Melhoria de Ensino (PREMEN).

A escola foi inaugurada em 08 de outubro de 1974 pelo Governador Rondon

Pacheco, que no dia 07 de outubro de 1974 assinou o decreto que dá

denominação à Escola Estadual do Barreiro, ex-Escola Polivalente7 de 1° grau.

Posteriormente a escola passou a se chamar Escola Estadual Celso Machado.

A Escola Estadual Governador Milton Campos (conhecida por Estadual

Central) é a instituição de ensino mais antiga de Minas Gerais, iniciada a

trajetória na antiga capital Ouro Preto criada com o nome de Ginásio Mineiro.

Em 1943 houve a mudança de nome para Colégio Estadual de Minas Gerais.

No ano de 1956 o Estadual Central recebeu sede própria projetada por Oscar

Niemeyer, localizada na região centro-sul. E no final da década de 1970 foi

denominado Escola Estadual Governador Milton Campos.

3.5 Pesquisa de campo: procedimentos metodológicos

A seguir serão apresentados os dados das entrevistas semiestruturadas que

foram trabalhados a partir da análise de conteúdo temática (BARDIN, 2014),

com o objetivo de apreender os principais determinantes que provocam o

fenômeno investigado. Depois de realizada a transcrição dos depoimentos por

temas, identificaram-se as categorias estabelecidas de acordo com as

respostas dos alunos entrevistados, seguindo os critérios de “exclusão mútua”,

“homogeneidade”, “pertinência”, “objetividade”, “fidelidade” e “produtividade”

(BARDIN, 2014, p. 147-148).

7Os polivalentes foram criados para serem centros de excelência e escolas-modelos, a fim de

preparar os jovens para uma vida profissional, suprindo a carência da sociedade por mão de obra qualificada. Portanto, a criação de tais escolas faz parte da reforma educacional já prevista pela Lei 5.692/71, que reformulou os ensinos de 1° e 2° graus, tornando este obrigatório e profissionalizante (SANTOS, 2009).

65

As categorias foram organizadas a partir de dois principais temas de análise.

No primeiro tópico são apresentados os fatores determinantes que motivaram a

escolha dos alunos para estudarem nas escolas, tanto nas regionais Barreiro

como na centro-sul. No segundo, busca-se analisar a relação entre os

estudantes e o local a que pertencem e, sobretudo, identificar, a partir das falas

dos alunos, quais mecanismos de participação social seria pertinente

desenvolver nas escolas a fim de discutir os problemas da comunidade local.

Os sujeitos da pesquisa são aqui identificados de acordo com as letras iniciais

das escolas seguidas de um número, conforme a ordem Celso Machado (CM1

a CM6) e Estadual Central (EC1 a EC6). Os profissionais entrevistados das

Superintendências8 Regionais de Ensino serão identificados como gestor MA

(Metropolitana A) e gestor MC (Metropolitana C).

3.6 Resoluções sobre cadastramento escolar

As resoluções da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais conjunta

com a Secretaria Municipal de Belo Horizonte anualmente estabelecem

critérios para o cadastramento escolar e matrículas, destinadas aos alunos

egressos tanto do ensino fundamental I e II, além dos estudantes ensino

médio, sendo ponto central da investigação da pesquisa.

A matrícula de alunos no ensino médio em escolas estaduais da capital é

realizada de acordo com normas estabelecidas em resolução conjunta entre a

Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais e a Secretaria Municipal de

Educação de Belo Horizonte publicada a cada ano, sendo para o ano de 2017

a Resolução Conjunta SEE/MG – SMED/BH nº 05, de 17/05/2016. Nesse

sentido, a referida resolução apresenta os critérios para ingresso, no ensino

médio, dos alunos concluintes do ensino fundamental da rede pública municipal

ou estadual de Belo Horizonte.

8 Belo Horizonte e os municípios que englobam a região metropolitana estão divididos entre as

metropolitanas A, B e C.

66

Conforme a resolução, os alunos concluintes do ensino fundamental têm

prioridade para continuidade dos estudos na própria escola quando esta

oferecer o ensino médio. Dessa forma, os alunos deverão preencher o

formulário (ANEXO C) Cadastro ao Ensino Médio para alunos que

permanecerão nas escolas. Caso o número de vagas seja insuficiente para

atendimento a toda a demanda, tem prioridade de opção o aluno mais novo.

Os alunos advindos de escolas públicas que não ofertam o ensino médio

realizam sua inscrição em sítio eletrônico próprio

(www.encaminhaensinomedio.educacao.mfg.gov.br), que disponibiliza listagem

de escolas públicas para escolha de quatro opções, em ordem de preferência,

levando-se em consideração, por ordem de prioridade, os seguintes critérios:

opção do aluno registrada no formulário Modelo 01 (1ª/ 2ª / 3ª / 4ª opção), com

o turno escolhido; opção do aluno registrada no formulário Modelo 01 (1ª/ 2ª /

3ª / 4ª opção), qualquer turno; escola que atende o bairro do aluno; escola da

região mais central da capital, de acesso mais fácil para o candidato. Os alunos

devem preencher a ficha de inscrição ensino médio (ANEXO D). O

encaminhamento para a matrícula desses alunos é feita por ordem de

preferência e de idade. Quando o número de optantes para determinada escola

ultrapassar o número de vagas existentes, terá prioridade para matrícula o

aluno mais novo, considerando-se dia, mês e ano de nascimento. O aluno que

não for atendido em qualquer das quatro opções será encaminhado para a

escola onde houver vaga e de mais fácil acesso.

Sobre a gestão de matrículas do Ensino Médio, a Secretaria de Estado de

Educação – MG afirma que a escolha da escola é feita pela família e o

deslocamento dos alunos não é controlado pelo o Estado.

Os adolescentes podem escolher junto com os familiares qualquer escola que ele queira, então há um número de vagas que é disponibilizado e a criança então vai participar do sistema online diante das vagas, concorrendo a essas vagas. A resolução do ensino médio não prevê que o aluno esteja matriculado próximo da residência dele (MA).

67

Portanto, para a efetivação das matrículas do ensino médio, o zoneamento

escolar não é considerado prioritariamente, o que pode favorecer o

deslocamento dos alunos. Outro ponto relevante desta análise permite refletir

sobre políticas públicas que são elaboradas de maneira verticalizada. O diálogo

entre a sociedade e o órgão responsável para a elaboração da política

educacional não ocorre de forma horizontal, ou seja, não há participação

efetiva nas tomadas de decisão que envolve as demandas públicas.

3.7 O deslocamento de alunos: as estatísticas

Antes de perguntar aos alunos o motivo de seu deslocamento, procurou-se

conhecer um pouco desse movimento por meio das estatísticas registradas e

disponibilizadas pela SEE.

Para o levantamento desses dados a fim de verificar o deslocamento dos

alunos da periferia em direção à região centro-sul, as visitas à SEE-MG e as

consultas ao banco de dados da Superintendência de Informações

Educacionais e da Subsecretaria de Informações e Tecnologias Educacionais,

conforme o Censo Escolar de 2015, foram de suma importância para análise

do fenômeno.

A TAB. 1 apresenta os dados que se referem ao número de alunos que

residem na regional Barreiro e estão matriculados em escolas da centro-sul.

Foram citadas escolas centenárias, como as escolas estaduais Afonso Pena,

Barão do Rio Branco e Governador Milton Campos, todas construídas logo no

início da inauguração de Belo Horizonte. Estão localizadas na área urbana,

conforme o plano original da cidade, que atualmente está inserida na regional

administrativa centro-sul.

68

TABELA 1 - Alunos residentes na regional Barreiro que estão matriculados nas

escolas da regional Centro-Sul

ESCOLAS ESTADUAIS

Nº DE ALUNOS RESIDENTES

NO BARREIRO

TOTAL DE ALUNOS NA

ESCOLA

AFONSO PENA 43 857 AUGUSTO DE LIMA 3 377 BUENO BRANDÃO 15 1.086 BARÃO DO RIO BRANCO 47 894 GOVERNADOR MILTON CAMPOS 151 1912 INSTITUTO DE EDUCAÇÃO - MG 220 4290 PEDRO II 32 629

Fonte: Minas Gerais (2014).

Andrade, Rigotti e Soares (2008) investigaram a influência da localização das

escolas públicas de Belo Horizonte no desempenho dos alunos. Nesse estudo,

os autores levantaram dados extraídos do Censo Demográfico 2000 - Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE e Sistema Mineiro de Avaliação e

Equidade da Educação Pública (SIMAVE9), referentes ao nível socioeconômico

tanto das famílias dos alunos, das escolas e do espaço geográfico onde a

escola está situada. Importante ressaltar que o nível socioeconômico da escola

é a média do nível socioeconômico do domicílio de seus alunos. A partir

desses dados, algumas constatações sobre o deslocamento dos alunos foram

identificadas e determinam o aprofundamento da pesquisa de campo.

Esses autores correlacionaram na FIG. 1 os dados entre o nível

socioeconômico das unidades espaciais, entendidas como regiões

homogêneas delimitadas segundo o critério de homogeneidade interna,

contiguidade e tamanho mínimo da população, estabelecendo perfil social e

urbanístico semelhante. Em análise preliminar é possível perceber

semelhanças entre o nível socioeconômico das unidades espaciais e das

famílias dos alunos das escolas de Belo Horizonte. Porém, são notáveis as

9 O Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE) foi instituído pela Secretaria de Estado da Educação em 2000, sendo composto pelos programas de avaliação “PROALFA” e “PROEB”, ambos censitários. As avaliações são promovidas pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais e realizadas por instituições externas vinculadas a universidades federais sediadas em Minas Gerais. A intenção declarada é que os resultados dos programas de avaliação em grande escala serão utilizados como instrumentos importantes para a gestão do sistema público de educação em Minas Gerais, pois levantam dados para o diagnóstico sistemático da rede pública de ensino e fornece informações para subsidiar a definição de políticas educacionais e o planejamento de suas ações.

69

discrepâncias dos valores principalmente nas áreas da regional centro-sul do

nível socioeconômico entre as unidades espaciais e nas famílias dos alunos.

Os valores apresentados na legenda representam a escala utilizada tanto para

medir o NSE dos domicílios incluídos no Censo Demográfico e cujos dados

foram usados para se obter o nível socioeconômico (NSE) das Unidades

Espaciais Homogêneas (UEHs), quanto para o NSE dos domicílios. Os dados

foram fornecidos pelos alunos das escolas que fizeram os testes do SIMAVE

(ANDRADE; RIGOTTI; SOARES, 2008).

O nível socioeconômico das unidades espaciais são maiores no centro-sul de

Belo Horizonte. Em contrapartida, com o nível socioeconômico das escolas são

mais baixos do que dos domicílios, uma vez que as escolas particulares não

foram inseridas na pesquisa, cujos alunos pertencem às famílias com mais

recursos financeiros. Além disso, tal discrepância pode ser explicada pelo

deslocamento dos alunos da periferia em direção às escolas mais centrais.

Dessa forma, é possível perceber que os alunos pertencentes às classes

70

sociais de mais poder aquisitivo não frequentam as escolas públicas

localizadas na região centro-sul (ANDRADE; RIGOTTI; SOARES, 2008).

Os dados da TAB. 1 revelam que alunos residentes da regional Barreiro estão

matriculados nas escolas estaduais da centro-sul. Essa análise reforça a

compreensão da desigualdade socioeconômica existente entre o baixo nível

socioeconômico das escolas da regional centro-sul, mesmo com o alto nível

socioeconômico das famílias nessa unidade espacial. Portanto, as

discrepâncias se devem ao fato de que os alunos matriculados nas escolas da

regional centro-sul são residentes em outras regionais e até mesmo municípios

adjacentes da região metropolitana de Belo Horizonte.

Nesse quadro se identificaram apenas os dados referentes aos alunos do

Barreiro que se deslocam para o centro-sul, mas, da mesma forma, há alunos

de outros bairros periféricos à centro-sul que também fazem esse

deslocamento. Conforme a TAB. 2, percebe-se que os alunos que se deslocam

para frequentar as escolas da regional centro-sul são principalmente das

regionais leste, norte e nordeste. Entretanto, não se trata aqui de um estudo

quantitativo nem de afirmar que alunos da periferia não podem estudar em

escolas da região centro-sul. Busca-se conhecer o motivo de tal deslocamento,

tendo-se como pressuposto o direito de estudar e de ter uma escola de

qualidade próxima de casa.

71

TABELA 2 - Número de alunos, segundo os bairros de residência, por escola

REGIONAL/ BAIRROS

GOV. MILTON CAMPOS

PEDRO II INSTITUTO DE EDUCAÇÃO - MG

CENTRO- SUL/FUNCIONÁRIOS 46 9 55 CENTRO-SUL/SANTO ANTÔNIO 16 1 5 CENTRO-SUL/SION 11 0 5 LESTE/ALTO VERA CRUZ 11 1 46 LESTE/FLORESTA 22 10 21 LESTE/STA. EFIGÊNIA 29 36 204 NORTE/FLORAMAR 19 5 20 NORTE/RIBEIRO DE ABREU 20 8 56 NORTE/TUPI 17 6 54 NORDESTE/GOIÂNIA 23 15 56 NORDESTE/CIDADE NOVA 6 2 7 NORDESTE/RENASCENÇA 16 4 11 NOROESTE/ALÍPIO DE MELO 5 4 6 NOROESTE/CAIÇARA 32 5 45 NOROESTE/SÃO CRISTÓVÃO 24 2 26 PAMPULHA/CÉU AZUL 11 2 10 PAMPULHA/OURO PRETO 2 2 5 PAMPULHA/COPACABANA 4 1 3 VENDA NOVA/SÃO JOÃO BATISTA 3 1 17 VENDA NOVA/ PIRATININGA 5 1 6 VENDA NOVA/ STA MÔNICA 6 1 15

Fonte: Minas Gerais (2014).

Nesse sentido, as informações apresentadas na TAB. 2 dialogam com a

pesquisa de campo realizada, que buscou identificar os aspectos que atraem

e/ou expulsam os alunos das escolas da periferia para a região centro-sul de

Belo Horizonte.

3.8 O que os alunos dizem sobre seus deslocamentos

Paralelamente ao levantamento desses dados, foram entrevistados 12 alunos a

fim de identificar os aspectos que os motivam a se deslocarem para estudar

nas escolas da regional centro-sul.

3.8.1 Fatores determinantes para a escolha da escola

Inicialmente buscou-se identificar quais os motivos da escolha das escolas

estaduais Celso Machado (CM) e Governador Milton Campos “Estadual

Central” (EC). Na Escola EC, os entrevistados foram unânimes em reconhecer

a qualidade do ensino e preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio

(ENEM) como o motivo da escolha da escola.

72

Porque primeiro, na escola onde eu estudava, que era municipal, eh, eu estudei só no fundamental, aí quando eu ia pro ensino médio, tiraram. Aí eu tive que ir pra escola que tenha ensino médio, aí eu escolhi vim pra cá (EC1). Ah, por questões de ensino, né? Porque no Barreiro as escolas, por eu ter estudado o primeiro e o segundo ano lá, eu não tive um ensino de qualidade tão bom, e aqui por influencia da minha tia que estudou aqui também e ela falou que aqui era muito bom e eu vim pra cá (EC2). Eh, na verdade foi porque eu estudava em Contagem. Contagem era um pouco distante pra mim, não tão distante, mas era distante e aí a unidade que eu estudava ia fechar, aí eu queria vir estudar aqui por que a qualidade de ensino é superior do que da escola de bairro lá do Barreiro, aí eu vim pra cá (EC3). Bom. Primeiro, partiu da minha mãe, né? Porque ela conhece a escola, ela sabe que o ensino aqui é mais avançado, aí eu também gostei da escola, gostei do ensino, então isso fez com que eu “visse” pra cá (EC4). Ah, porque é uma escola boa, né? Eh, tem um ensino bom pra te preparar pro ENEM, então é pelo ensino da escola (EC5). Eh, a ideia de um amigo meu, me apresentou a escola e aí eu gostei muito. Eu coloquei o nome de escola lá, coloquei o nome de outras escolas também, mas acabei vindo pra cá, e não quis mudar não, preferir vir pra cá mesmo (EC6).

Além disso, EC4 e EC6 citaram também como fatores determinantes o fato de

gostarem da escola. Outras motivações foram aludidas pelos entrevistados,

como a história da escola relatada pelos amigos, a ausência de escolas que

oferecem o ensino médio próximo de casa e a influência de familiares.

Na Escola CM, a maior parte dos entrevistados declarou que a proximidade da

escola com a residência foi determinante para a escolha:

Ó, eu escolhi estudar aqui porque é perto da minha casa e porque meus amigos iam vir pra cá também. Por causa disso (CM4). É porque [...] tem uma boa recomendação, mediante ao novo diretor, e também porque é perto da minha casa, pelo fato também de estar trabalhando no momento (CM5).

Entre as respostas, os entrevistados também citaram como fator determinante

para a escolha da escola a boa relação com o corpo docente e a nova direção.

E ressaltaram que as mudanças promovidas pela nova gestão transformaram o

ambiente escolar, principalmente nos quesitos organização do espaço e

73

disciplina dos alunos. Segundo os entrevistados, “encontrar com os amigos”

(CM1), “conciliar com o horário de trabalho” (CM3) e “uma das melhores

escolas da região” (CM4) foram os motivos para estudarem na escola CM.

É importante salientar o aspecto formação de professores no desempenho dos

alunos. A TAB. 3 apresenta o nível de formação do corpo docente das escolas

estaduais escolhidas para o cenário da pesquisa empírica. Na Escola Estadual

Governador Milton Campos, do total de 149 professores, 83 possuem apenas

graduação em cursos de licenciatura e 10 têm formação em cursos de

bacharelado. Para o nível de formação em pós-graduação, 54 professores

licenciados possuem especialização nas áreas de bacharelado e licenciatura,

além de dois professores com o título de mestre na área da educação. O corpo

docente da Escola Estadual Celso Machado é constituído de 70 professores,

entre os quais 43 possuem graduação em licenciatura e nove são bacharéis.

No nível pós-graduação, 18 professores licenciados possuem especialização

na área da educação e não existem, no corpo docente da escola, mestres e

doutores.

TABELA 3 - Perfil de formação de professores por escola Escola Estadual Governador Milton

Campos Escola Estadual Celso Machado

Nível de Formação de Professores Nível de Formação de Professores

Graduação Pós-Graduação Graduação Pós-Graduação

Licenc. Bacharel. Especialização Mestrado Licenc. Bacharel. Especialização Mestrado

83 10 54 2 43 9 18 -- Fonte: Minas Gerais (2014).

Portanto, na escola Gov. Milton Campos, do total de docentes há maior

quantidade de professores licenciados com o título de pós-graduados, sendo

especialistas e mestres na área educação. Em contrapartida, na escola Celso

Machado, o corpo docente é menor, dessa forma, observou-se que a minoria

dos professores é pós-graduada, com o título de especialista, não havendo

professores com título de mestre ou doutor.

Isso remete a Albernaz, Ferreira e Franco (2003), que afirmam sobre como o

nível de escolaridade do professor beneficia e aumenta o desempenho médio

dos alunos e faz com que a escola seja mais eficaz. Os autores ressaltam,

74

ainda, que “esse benefício é crescente, somado ao nível socioeconômico

familiar do aluno, de forma que professores mais qualificados contribuem para

o aprendizado de todos, mas de forma mais efetiva para os alunos do

socioeconômico mais elevado” (ALBERNAZ; FERREIRA; FRANCO, 2003, p.

471).

A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais expõe um ponto de vista

a respeito do deslocamento dos alunos, que não foi abordado pelos alunos. Um

dos gestores Metropolitana A (MA) enfatiza vários aspectos que são

observados durante a efetivação das matrículas dos alunos que optam por

estudar nas escolas da regional centro-sul.

Nos nossos atendimentos feitos aqui no setor do cadastro da organização escolar, a gente verifica que na maioria dos alunos do ensino médio querem migrar pras escolas da regional centro-sul porque eles já estão trabalhando, porque eles já estão fazendo o “jovem aprendiz” ou porque eles fazem outro curso num contraturno escolar, um curso profissionalizante no [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial] SENAI, então são várias as demandas, mas é uma escolha do aluno, não uma escolha da secretaria. Além de a centro-sul ser uma região onde há corredor de ônibus, isso facilita a vida dos alunos no trânsito (MA).

Ao serem questionados sobre a participação dos pais para a escolha da escola

EC, grande parte dos alunos entrevistados respondeu que os responsáveis

participaram e consentiram para a efetivação da matrícula nessa instituição.

Participaram, sim, eles incentivaram bastante em relação a isso, que nem, por eu vim de escola particular e ver o ensino que era de uma escola pública que era uma diferença enorme eles aconselharam sim, participaram bastante (EC4). Participaram, minha mãe e meu pai, eles me incentivaram a vir pra cá porque eu queria estudar perto da escola lá do meu bairro mesmo. E mais, eles falaram que pra mim seria melhor vim pra cá (EC5).

Em contrapartida, dois entrevistados citaram que os responsáveis pouco ou

nada participaram da escolha da escola. E que, em alguns casos, os pais

foram contrários: “minha mãe foi contra porque ela trabalha na Prefeitura de

Contagem, então pra ela tudo pra mim Contagem era melhor” (EC3).

75

A respeito ainda da participação dos pais na tomada de decisão para a escolha

da escola, perguntou-se aos entrevistados qual era a opinião dos responsáveis

em relação à escola. A maioria respondeu que gosta da escola devido à

qualidade do ensino.

Ah, eles, a tendência, ah, por eles também terem estudado lá, eles veem o nível que é bem diferente, porque no decorrer dos anos o ensino foi diminuindo bastante, por isso que eles me ofereceram a escola particular, me ofereceram o estudo em uma escola particular e proporcionaram pra vim agora estudar aqui no sul de BH (EC2). A minha mãe pensa que escola do meu bairro não tem o ensino que eu preciso pra mim ter alguma coisa no futuro. Em vista dessa escola, ela já sabe que o meu futuro já está me aguardando, então acho que fica meio assim (EC4). Ah, minha mãe principalmente acha muito superior do que as escolas do meu bairro [...] a minha mãe sempre preferiu que eu estudasse aqui. Meu pai, por ser muito longe, queria que eu estudasse em uma escola mais perto, mas a minha mãe acha aqui superior (EC6).

Em relação à opinião dos responsáveis sobre as escolas da regional Barreiro, a

maior parte disse que os pais não gostam das instituições escolares e atribui

ao fato de o ensino não ter qualidade.

Eh, as escolas do bairro elas têm muita briga, toda hora dá polícia porque tem briga. O ensino não era tão bom, a gente não aprendia o que eu aprendo aqui agora, então, eh, eles preferem que eu estude aqui porque aqui o ensino é muito melhor e não tem esse tipo de confusão, pelo menos não que a gente tenha visto, e realmente o ensino é bem melhor e é bem mais firme (EC3). Ah, eles acham que o ensino daqui é melhor, né? As escolas do bairro, apesar de serem bem mais pertas, o ensino lá não é legal, os próprios alunos têm uns que não são bem da cabeça (EC5).

Ao analisar a participação dos responsáveis na escolha das escolas

localizadas distantes do bairro onde moram, infere-se que se trata de famílias

economicamente bem-sucedidas, que tentam ajudar seus filhos a manter seus

privilégios e certificar-se que “tenham uma boa educação” (JENCKS, 2008).

A participação dos pais na escolha da escola CM foi quase unânime. Os

entrevistados informaram também que foram os responsáveis que decidiram

pela matrícula nessa instituição. Entre os motivos que contribuíram para a

76

decisão, os pais consideram que a escola tem ensino de qualidade e, além

disso, localizam-se próximo da residência, como se percebe nos relatos:

Sim. Eles sentaram. Conversaram comigo. Eles falaram: eh, a escola Celso Machado, o ensino dela tá bastante evoluído comparado às escolas que tá tendo aqui perto, por causa que tem algumas que não tá tendo nem condições de contratar professores e assim vai... (CM1). Na verdade, foram eles que escolheram. Eles nem me perguntaram, só falaram: vai lá e estuda (CM3). Minha mãe participou. Porque ela queria também, só porque é perto (CM4). É, mediante a entrada do novo diretor, eh, a escola tem sido muito bem falada, em relação ao que era antes. Então, meus pais apoiaram no caso (CM5).

Somente um entrevistado citou que os pais não são satisfeitos com a escola

CM. O motivo para a não concordância é a inexistência de qualidade em

alguns aspectos: “Ó, a minha mãe pensa que essa escola tem que melhorar

bastante, bastante mesmo, porque essa escola aqui não tem nenhuma

qualidade” [...]. Entre os pontos evidenciados para melhorias na escola, o

entrevistado CM4 alega que “a quadra da escola precisa ser reformada,

poderia melhorar o acesso aos recursos de informática, além do acesso à

internet”.

Os entrevistados da escola EC foram indagados se as vantagens que essa

instituição oferece compensam o tempo de deslocamento e o gasto com

transporte. Todos afirmaram que mesmo com os pontos negativos de se

estudar distante de casa a recompensa é “o ensino bom” (EC4), “o aprendizado

além da sala de aula” (EC5) e “o investimento no futuro” (EC6). Nenhum dos

entrevistados se manifestou de forma contrária quanto às vantagens de estudar

na escola EC.

Sim. Porque é um ensino bom, né? Então, por mais que gaste muito, vale a pena. Que é bem diferente o ensino de uma escola pública, de bairro, pra cá, pro centro (EC1). Compensa muito, porque só de passagem já gasta mais ou menos um pouco abaixo do salário. Então, eu acho que pelo ensino daqui, acho que compensa muito o benefício (EC4).

77

Eu acho que sim, porque você está investindo no seu futuro, então você vai realmente estar gastando um pouco mais de dinheiro, mas compensa, com certeza, o ensino daqui é muito bom (EC5).

Buscou-se indagar na Secretaria de Educação qual a percepção do órgão

sobre a aceitação ou rejeição das escolas da regional centro-sul em relação a

alunos que vêm da periferia. Os gestores MA e MC afirmaram que não ocorre

rejeição por parte da Secretaria de Educação quanto aos alunos da periferia

que optam em estudar nas escolas da regional centro-sul. A SEE indicou que

durante o ano letivo os alunos que se matricularam, por exemplo, na regional

centro-sul retornaram para estudar nas escolas do bairro de origem.

A coisa mais comum é que o aluno quer vir pra escola porque quando é a escola do desejo, eles vêm pra regional centro-sul, e depois de um tempo eles se deparam com a questão do transporte, do custo da passagem e aí a família acaba retornando com ele pra escola bairro. Essa movimentação a gente assiste com muita frequência aqui no setor (MA).

Para entender quais fatores expulsaram os entrevistados da comunidade local

e, por sua vez, contribuíram para que os mesmos não escolhessem as escolas

da regional Barreiro, os participantes foram indagados sobre o que as escolas

do seu bairro precisariam oferecer para que pudessem frequentá-las. A maior

parte dos respondentes mencionou que as escolas precisam ter “qualidade de

ensino” (ECM2), estrutura” (ECM4) e “disciplina” (ECM5). Além desses

aspectos, a minoria dos entrevistados ressaltou que algumas escolas deveriam

ter continuidade com o ensino médio, segurança e melhor método de ensino.

Voltando ao ponto central da discussão, cabe indagar se a tradição do ensino

de qualidade das escolas localizadas na área central desde o período inicial da

consolidação da capital ainda persiste na cidade. No quesito relacionado à

infraestrutura das escolas, há um contraste. Por um lado, prédios antigos

idealizados conforme o planejamento urbano condizente com o início da capital

se diferenciam dos atuais traços arquitetônicos dos prédios das escolas com

estrutura distinta, para atender às demandas do sistema educacional.

Sobre a desigualdade de infraestrutura entre as escolas abordada pelos

alunos, a Secretaria de Educação expõe:

78

O que a gente assiste é que as escolas agora têm um padrão, então as escolas novas que estão sendo construídas são todas com a mesma metragem de sala, todas têm previsto um laboratório de informática, um laboratório de ciências, então elas já vêm padronizadas. Se você visitar as últimas construções, você vai ver nitidamente que elas são idênticas. Agora a gente tem, por exemplo, escolas com prédios tombados pelo patrimônio [centenários] e isso enchem os olhos da população, as pessoas ainda têm esse apego e aí a diferenças é essa (MA).

Neste contexto, a ideia de dualidade estrutural da escola é reforçada à medida

que o crescimento urbano de Belo Horizonte se direcionava para a periferia

povoada pela população de menos poder aquisitivo, composta de operários,

funcionários públicos e pequenos comerciantes, situada além do perímetro da

avenida do Contorno. O crescimento da cidade foi impulsionado pelo processo

de industrialização a partir da década de 1950, período no qual as principais

capitais brasileiras, a exemplo de Belo Horizonte, receberam investimentos

para o desenvolvimento do setor industrial. Dessa forma, indústrias foram

instaladas e necessitavam de mão de obra técnica. E o sistema educacional foi

reestruturado para atender às necessidades socioeconômicas do país.

Exemplo disso, no início da década de 1970, aprovação pela Lei nº 5.692/71

que dispõe sobre a criação de Escolas Polivalentes direcionadas para a

qualificação do trabalho, implementadas principalmente nas periferias.

3.9 A dualidade das escolas e o sistema de avaliação

As respostas dos entrevistados tanto dos alunos quanto de seus responsáveis

indicam que a qualidade de ensino é um dos fatores determinantes para a

escolha da escola. Diante dessa constatação, levantaram-se dados

comparativos entre as escolas Celso Machado e Governador Milton Campos

em consulta ao Sistema Mineiro de Avaliação e Equidade da Educação Pública

(SIMAVE). O SIMAVE utiliza o Programa de Avaliação da Alfabetização

(PROALFA) e o Programa de Avaliação da Rede Pública da Educação Básica

(PROEB), que se configuram como instrumentos importantes para a melhoria

das práticas escolares e para o planejamento do trabalho pedagógico. Esses

programas de avaliação externa não podem ser vistos apenas como uma

medida de proficiência escolar alcançada pelos estudantes, mas como um

conjunto de informações importantes sobre o nível de desempenho desses,

79

bem como sobre os fatores intra e extraescolares que interferem nesse

desempenho (CENTRO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E AVALIAÇÃO DA

EDUCAÇÃO - CAED, 2015).

.

Para uma análise comparativa entre as duas escolas utilizaram-se os dados da

avaliação do PROEB dos alunos do 3º ano do ensino médio. Esta consiste em

avaliar o ensino dos sistemas públicos e das escolas, nas áreas de Língua

Portuguesa (leitura) e de Matemática, e busca identificar o nível de proficiência

dos estudantes em relação às habilidades e competências (CAED, 2015).

Os valores de proficiência são obtidos a partir da metodologia Teoria da

Resposta ao Item (TRI), que organiza em uma mesma escala (régua de

proficiência) numerada de zero a 500 os descritores que compreendem as

habilidades e competências que os alunos desenvolveram ou precisam

desenvolver. Os valores alcançados em âmbito estadual é resultado da média

de todas as Superintendências Regionais de Ensino do Estado de Minas

Gerais (SRE10). Importante ressaltar que os valores de proficiência das

metropolitanas11 são obtidos com base nos resultados das escolas que, por

sua vez, tem as médias devido às notas que os alunos obtiveram na avaliação

do PROEB.

As informações da TAB. 4 fornecem uma comparação das médias referente

aos resultados de proficiência dos estudantes entre as metropolitanas A e B em

Língua Portuguesa. Não se pretende com isso indicar os motivos das

diferenças entre as escolas. Existem vários fatores que, combinados, podem

ser responsáveis por essas diferenças, como, por exemplo, as características

da escola relacionada à biblioteca e seu acervo, formação e qualificação dos

professores, laboratórios, infraestrutura física, entre outros, como também pode

ser considerado o desempenho dos alunos de acordo com o nível

socioeconômico e cultural das famílias (COLEMAN, 2008). Mas como já

10

As Superintendências Regionais de Ensino (SRE) têm por finalidade exercer, em nível regional, as ações de supervisão técnica, orientação normativa, cooperação e de articulação e integração estado e município, em consonância com as diretrizes e políticas educacionais. 11

Belo Horizonte e os municípios que englobam a região metropolitana estão divididos entre as metropolitanas A, B e C.

80

assinalado, esses dados servem de base para a convicção dos estudantes e

de suas famílias de que a qualidade das escolas é diferenciada entre o centro e

periferia da cidade de Belo Horizonte.

TABELA 4 - Comparação entre metropolitana A e B de Belo Horizonte, dados

de proficiência em língua portuguesa dos alunos do 3º ano em PROEB, de

2010 a 2015

ANO REF. MINAS GERAIS METROP. A METROP. B

2010 282,2 287,7 280,4 2011 271,4 269,9 263,1 2012 273,8 271,7 271,6 2013 280,6 283,7 280,9 2014 281,4 282,3 280,0 2015 274,0 278,9 274,2

Fonte: Tabela PROEB 2015 proficiência em Língua Portuguesa, 2010 a 2015.

A TAB. 4 mostra um comparativo entre os anos de 2010 e 2015 dos dados de

proficiência do PROEB em âmbito estadual entre as metropolitanas A e B em

Língua Portuguesa. A comparação entre as duas metropolitanas se dá pelo

fato de que as escolas estaduais Celso Machado e Governador Milton Campos

(Estadual Central), onde foram realizadas as entrevistas, fazem parte,

respectivamente, da metropolitana A e metropolitana B. Dessa forma, é

possível constatar que os valores de proficiência entre as metropolitanas se

apresentam com relativa discrepância entre os dados, sendo que a

metropolitana A tem, em maior período, nível de proficiência superior em

relação à metropolitana B.

As informações da TAB. 5 fornecem uma comparação das médias entre as

metropolitanas A e B referente aos resultados de proficiência em Língua

Portuguesa dos estudantes das escolas às quais os entrevistados frequentam.

De acordo com os dados da tabela, a Escola Milton Campos possui médias de

proficiência superiores em relação à escola Celso Machado que, em

contrapartida, obteve melhoras no desempenho entre os anos de 2013 e 2015.

81

TABELA 5 - Comparação entre a Escola Estadual Milton Campos e a Escola

Estadual Celso Machado - dados de proficiência média em Língua Portuguesa

dos alunos do 3º ano em PROEB de 2010 A 2015

ANO REF. MINAS GERAIS ESCOLA ESTADUAL MILTON CAMPOS

ESCOLA ESTADUAL CELSO MACHADO

2010 282,2 304,1 273,7 2011 271,4 281,1 260,8 2012 273,8 301,2 274,6 2013 280,6 295,3 287,8 2014 281,4 300,6 293,8 2015 274,0 296,4 292,3

Fonte: Resultados PROEB 2015 proficiência em Língua Portuguesa 2010 a 2015.

A TAB. 6 mostra os dados da avaliação do PROEB no desempenho de

proficiência em Matemática entre as metropolitanas A e B durante os anos

2010 a 2015. De acordo com os dados, é possível constatar que as escolas da

metropolitana A obtiveram médias superiores se comparada à metropolitana B.

TABELA 6 - Comparação entre metropolitana A e B de Belo Horizonte - dados

de proficiência em Matemática do PROEB de 2010 a 2015

ANO REF. MINAS GERAIS METROP. A METROP. B

2010 290,6 291,0 280,3 2011 284,8 280,1 271,9 2012 285,3 279,7 276,6 2013 283,6 284,8 280,0 2014 283,4 280,8 276,4 2015 272,0 274,2 269,1

Fonte: Resultados PROEB 2015 proficiência em Matemática 2010 a 2015.

Os dados exibidos na TAB. 7 comparam os resultados de proficiência em

Matemática entre as escolas Celso Machado e Governador Milton Campos.

Dessa forma, percebe-se que a escola Governador Milton Campos no período

entre 2010 e 2015 apresentou resultados de proficiência superiores aos da

Escola Celso Machado.

82

TABELA 7 - Comparação entre a Escola Estadual Milton Campos e Escola

Estadual Celso Machado - dados de proficiência em Matemática do PROEB de

2010 A 2015

ANO REF. MINAS GERAIS ESCOLA ESTADUAL MILTON CAMPOS

ESCOLA ESTADUAL CELSO MACHADO

2010 290,6 309,7 276,1 2011 284,8 287,9 280,8 2012 285,3 310,1 286,5 2013 283,6 296,0 292,7 2014 283,4 293,4 284,4 2015 272,0 293,0 287,3

Fonte: Resultados PROEB 2015 proficiência em Matemática 2010 a 2015.

Para entender a diferença entre os resultados de proficiência das escolas

mencionadas, a seguir será relatado o desdobramento dos percentuais de

desempenho, conforme o nível de proficiência dos alunos, para melhor

compreender as médias de desempenho alcançadas no período apresentado.

A TAB. 8 mostra os resultados da Escola Estadual Governador Milton Campos

de acordo com o percentual de alunos, conforme os níveis de proficiência e

padrão de desempenho12: baixo, intermediário, recomendado e avançado. Os

resultados em Língua Portuguesa demonstram que a maioria dos alunos se

encontra entre os níveis intermediários, recomendado durante os anos 2011 a

2015, enquanto em Matemática o desempenho dos alunos se concentra entre

os níveis baixo e intermediário, obtendo baixo percentual no nível

recomendado. Importante ressaltar que em 2015 o nível avançado antes não

era considerado foi inserido na escala de proficiência. Dessa forma, a escola

apresenta alto percentual de alunos nesse nível em Língua Portuguesa.

12

Padrões de desempenho: baixo - os alunos que se encontram neste padrão de desempenho demonstram um desenvolvimento ainda incipiente das principais habilidades associadas à sua etapa de escolaridade. Intermediário - esses alunos demonstram atender às condições mínimas para que avancem em seu processo de escolarização, ao responder aos itens que exigem mais domínio quantitativo e qualitativo de competências, em consonância com o seu período escolar. Recomendado - quando o aluno demonstra, nos testes de proficiência, ir além do que é considerado básico para a sua etapa escolar. Avançado – nível de desempenho desejável para a etapa e área de conhecimento, avaliadas.

83

TABELA 8 - Percentual de alunos por nível de proficiência

ANO DE REF./DISCIPLINA

Escola Estadual Governador Milton Campos

2010 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO LING. PORT. 11,7% 31,4% 57% ----- MAT. 40,2% 50,1% 9,7% -----

2011 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO LING. PORT. 26,7% 27,3% 46% ----- MAT. 55,1% 38,1% 6,8% -----

2012 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO LING. PORT. 11,7% 31,4% 57% ----- MAT. 40,2% 50,1% 9,7%

2013 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO LING. PORT. 16% 30,5% 53,4% ----- MAT. 48,2% 46% 5,8% -----

2014 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO LING. PORT. 13,5% 32,3% 54,3% ----- MAT. 54,8% 38,7% 6,5% -----

2015 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO LING. PORT. 16,3% 29,9% 41,8% 12,1% MAT. 38,5% 44,4% 8% 9,1%

Fonte: Resultado PROEB 2015, proficiência em Língua Portuguesa e Matemática 2010 a 2015.

A TAB. 9 apresenta o percentual de alunos de acordo com o padrão de

desempenho e proficiência da Escola Estadual Celso Machado. Em Língua

Portuguesa é possível observar que o desempenho dos alunos em relação à

escala de proficiência obteve melhoras, houve redução do percentual dos

alunos no nível baixo e, por sua vez, aumento dos níveis intermediário e

recomendado. Notável que a partir de 2013 os resultados são satisfatórios,

com gradual aumento do percentual de alunos no nível recomendado. Os

resultados referentes à Matemática merecem atenção, o percentual de alunos

no nível de desempenho baixo é relevante entre 2010 e 2015. E ao longo

desse período o nível intermediário se manteve em valores aproximados. O

nível de desempenho recomendado apresenta baixo percentual, mesmo com

progressiva melhora dos resultados a partir de 2010, em que a escola não tinha

algum aluno nesse nível.

84

TABELA 9 - Percentual de alunos por nível de proficiência

ANO DE

REF./DISCIPLINA

Escola Estadual Celso Machado

2010 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO

LING. PORT. 29,8% 38,6% 31,8% -----

MAT. 62,9% 37,1% 0,0% -----

2011 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO

LING. PORT. 43,8% 29,9% 26,3% -----

MAT. 57% 40,5% 2,5% -----

2012 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO

LING. PORT. 31,1% 40,9% 28% -----

MAT. 63% 36,1% 0,8% -----

2013 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO

LING. PORT. 20,2% 41,0% 38,8% -----

MAT. 59,4% 36,1% 4,5% -----

2014 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO

LING. PORT. 15% 36,1% 48,9% -----

MAT. 61,2% 35,4% 3,4% -----

2015 BAIXO INTERMEDIÁRIO RECOMENDADO AVANÇADO

LING. PORT. 16,7% 35,3% 39,3% 8,7%

MAT. 42,7% 48,7% 4% 4,7%

Fonte: Resultado PROEB 2015, proficiência em Língua Portuguesa e Matemática 2010 a 2015.

Portanto, diante dos resultados que foram obtidos por meio da avaliação do

PROEB, os dados apresentados nas TAB. 8 e 9 revelam que, por exemplo, em

Língua Portuguesa as escolas possuem resultados semelhantes, sendo que a

Escola Celso Machado apresentou melhora do desempenho a partir de 2013.

Porém, os alunos da Escola Governador Milton Campos, tanto em Língua

Portuguesa e em Matemática, exibem resultados superiores.

A partir das tabelas apresentadas, dos resultados de proficiência e

desempenho dos alunos da escola Milton Campos, acredita-se que esses

dados possam constituir um fator favorável para o deslocamento dos alunos da

periferia em direção à regional centro-sul. De acordo com as entrevistas

realizadas com os alunos, os mesmos ressaltaram que um dos motivos

preponderantes para a escolha da escola Milton Campos é devido ao ensino de

qualidade ofertado, sendo um diferencial em relação às escolas da periferia.

85

Os dados apresentados fomentam uma discussão acerca do efeito escola.

Segundo Willms (2008), esse conceito pode ser utilizado para medir o

desempenho de determinada escola em relação a outras instituições com

alunado similar e contexto social também semelhante. Porém, essa tarefa não

é fácil, pois para identificar os efeitos de uma escola sobre seus alunos é

necessário investigar fatores intraescolares que explicam a ação da escola nas

direções encontradas, além de estruturas socioeconômicas do alunado.

Analisar o desempenho das escolas remete a discussões sobre o efeito escola,

sobre o qual Soares e Candian (2003, p. 6) fazem uma reflexão:

Explicar o efeito da escola é problema empiricamente difícil, já que os dados necessários não são usualmente coletados. Sinteticamente, o efeito da escola só pode ser estimado com dados longitudinais, situação em que é possível comparar o conhecimento do aluno no momento de entrada e de saída da escola. A movimentação do aluno na escala de conhecimento ocorrida no período de permanência na escola fornece um dado que mede o aprendizado do aluno. Dados de avaliação medem apenas o desempenho do aluno, construto que reflete não só a ação da escola, mas também a de várias outras estruturas sociais.

O nível de desempenho dos alunos de determinada escola, entretanto, não

pode ser considerado isoladamente para identificar o efeito escola no que se

refere à qualidade de ensino, como afirmam Soares e Andrade (2006, p. 12):

A média do desempenho cognitivo dos alunos de uma dada escola não pode ser tomada como uma medida de sua qualidade, já que escolas diferentes têm alunos com perfis socioeconômicos muito diferentes e é amplamente conhecida a influência do nível socioeconômico no desempenho dos alunos da educação básica.

A partir de estudo realizado para medir a qualidade das escolas de Belo

Horizonte, Andrade, Rigotti e Soares (2008) verificaram que escolas públicas,

mesmo atendendo a grupos socioeconômicos parecidos, possuem resultados

diferentes. Sendo assim, a escolha da escola pode impactar no resultado do

aluno. Esses autores mostraram que as práticas internas da escola, assim

como a gestão e a formação de professores, podem influenciar tanto de forma

positiva como negativa nos resultados dos alunos.

86

3.10 Por que estudar no próprio bairro?

Para os entrevistados da escola CM, perguntou-se sobre as vantagens de

estudarem no próprio bairro ou na comunidade adjacente. A maior parte dos

participantes afirmou que a proximidade com a residência é o motivo

determinante para a escolha da escola. Apenas o entrevistado CM4 respondeu

que não escolheria a escola: “Nenhuma. Porque não tem vantagem. A única

vantagem que eu vou ter é que eu vou tar estudando, né? Porque se fosse pra

mim escolher eu não ia escolher essa escola”.

As vantagens... é que... Tirando que aí fica mais perto, também... É... Por causa também do custo financeiro dela, tipo pagar passagem pra ir em uma escola longe... é bem melhor. Muito perto (CM1). Olha. Tipo assim, o bom, é perto de casa, entre aspas, porque eu moro em um outro bairro praticamente. E também é por causa, tipo assim, o ensino é bom e também, eh, não precisa gastar tanta passagem, tanto dinheiro pra se locomover (CM2).

Os entrevistados citaram, ainda, a falta de recursos financeiros, os gastos com

as passagens de ônibus e o congestionamento do trânsito como empecilhos

para o deslocamento, o que os impede de estudar em outras escolas. O nível

socioeconômico das famílias tem sido muito discutido tanto na literatura

nacional como internacional, com o intuito de correlacioná-lo com o

desempenho dos estudantes (MATOS; RODRIGUES, 2016). As origens

econômicas exercem importante influência na quantidade de educação escolar

que as pessoas recebem (JENCKS, 2008).

É mais perto de casa, chega mais rápido em casa, chega mais rápido aqui também, não tem que enfrentar trânsito (CM3). Não tenho dinheiro. Por causa que ou eu ficava nessa escola ou eu ia pra outra. Como eu não tenho dinheiro... (CM4).

Conforme os relatos, os entrevistados salientaram que se tivessem a

oportunidade optariam por estudar em outras escolas fora da regional Barreiro.

E evidenciaram que a escolha seria principalmente pela busca de um bom

ensino. Ao serem indagados sobre qual seria a escola, os participantes citaram

instituições localizadas nas regiões centro-sul, oeste e escolas privadas.

87

Ah, véi, não sei. Uma do centro particular assim tipo, a Master, por exemplo, mas eu não tenho dinheiro. Eu tô nessa escola aqui por causa dos meus amigos, entendeu? Porque senão eu estudaria em qualquer outra escola sem ser essa escola (CM4). Assim, pensei em estudar no centro, porque antes eu estudava aqui pela manhã, porém aí eu comecei a trabalhar como efetivo na empresa, eu pensei em estudar no “Maurício” ou em uma escola no Belvedere. No caso seria particular, mas aí, mediante a isso, eu achei melhor estudar aqui, porque também é o ultimo ano e acredito que vou ter um bom apoio aqui com os professores que, assim, eu conheço (CM5).

O deslocamento dos alunos em busca de um ensino de qualidade provoca

reflexões acerca da segregação socioespacial. Nessa perspectiva, Andrade,

Rigotti e Soares (2008) afirmam que o deslocamento dos alunos na cidade

reforça o fenômeno da segregação residencial e também das fronteiras

simbólicas entre favela e bairro.

3.11 Participação, lazer e desenvolvimento local

O sentimento de pertencimento dos alunos entrevistados em relação à

comunidade local na qual residem levanta um questionamento sobre como eles

se apropriam dos espaços locais. A compreensão e apropriação dos espaços

relacionados a esse pertencimento remetem a uma reflexão sobre o

desenvolvimento local.

Com o intuito de conhecer um pouco sobre essa relação dos entrevistados com

o local e apreender uma possível existência de vínculos, envolvimento ou de

um sentimento de pertencimento, os entrevistados da escola CM foram

indagados sobre quais espaços costumam frequentar nos bairros que residem

ou nas comunidades adjacentes. Além desses aspectos, buscou-se verificar se

nos bairros existem espaços de convivência em que os jovens frequentam

tanto para o lazer ou algum ponto de encontro onde eles tenham um momento

de socialização. Os entrevistados foram unânimes, tanto os que estudam no

EC quanto os do CM, que atualmente não frequentam espaços de convivência

nos bairros que residem. Parte dos jovens citou que antigamente frequentavam

88

a Praça do Cristo Redentor e o Centro Esportivo, ambos localizados no bairro

Milionários, na regional Barreiro.

Tipo antigamente frequentava o poliesportivo, o Cristo, as praças aos arredores aqui do bairro, mas atualmente não frequento muito não (CM1). Aqui no bairro, nenhum. Nenhum. Ah, vou pro BH shopping, eu viajo pra outros lugares, mas aqui nenhum (CM3). Só a minha casa, só a minha casa. Que eu não gosto de sair muito nesse bairro, esse bairro não tem nada, ôta coisa também que não tem nada, sem esse esportivo já fez os brinquedos, depois que colocô balanço, balanço jogou o menino longe, destruiu o centro esportivo, tem mais nada nesse bairro... Cristo, antigamente cê podia lá curtiu uns negocim, agora, vai lá pro cê ver, cê toma tiro na cara (CM4).

Relacionando com a pergunta anterior, perguntou-se aos entrevistados da

escola CM se eles realizam alguma atividade de lazer com a família e vizinhos

no bairro onde residem. Parte dos entrevistados respondeu que não, enquanto

a minoria relatou que realiza passeios com a família, porém em locais fora da

regional Barreiro. Percebeu-se, nas duas questões, que os entrevistados da

escola CM demonstraram ter pouco envolvimento com o local e que não foram

citados espaços ou grupos de convivência com a participação de jovens.

Ainda sobre o mesmo tema, constatou-se que a maioria dos entrevistados da

escola EC frequenta o Centro Esportivo do bairro Milionários, seguido do

campo de futebol onde ocorrem os jogos do Campeonato Corujão no Vale do

Jatobá e o Parque Burle Marx (Parque das Águas) localizado no bairro Flávio

Marques Lisboa. Registrou-se também que a minoria dos entrevistados

frequenta a pista de skate, local de encontro do movimento hip-hop, os

barzinhos e o centro comercial, espaços localizados no Barreiro de Baixo. Em

desdobramento da pergunta anterior, os entrevistados responderam que

costumam realizar atividades de lazer com a família ou vizinhos.

Centro comercial mesmo e o shopping, que era o mais próximo da minha casa (EC1). Vizinhos, não. Mas é família mesmo, a gente sai assim pra esse shopping que é perto da minha casa e o centro mesmo (EC1).

89

Ah, eu costumo frequentar o centro, o centro comercial, no caso do Barreiro de Baixo, e alguns centros esportivo que tem ali perto, o parque das águas, o poliesportivo, só isso (EC2). Muito pouco, a gente não costuma fazer [inaudível] porque a gente fica meio só na gente ali mesmo, sabe? Saímos sim, mas só pra passear mesmo. Tem o shopping, o Via Shopping que fica ali, aí a gente vai bastante ali, só (EC2). Eu frequento muito o Parque das Águas, é o Poliesportivo do Milionários, é só isso (EC4).

Em contrapartida, um participante relatou que não tem o costume de frequentar

os espaços da regional Barreiro por não se sentir pertencente a esse local: “Na

verdade, eu não ando muito no Barreiro. Eu moro no Barreiro, mas minha

cabeça não é do Barreiro. Eu só frequento alguns barzinhos lá perto e estudo

no Chromos, só” (EC3).

Portanto, é possível notar que os entrevistados pouco se apropriam dos

espaços de lazer da comunidade local, assim como não ressaltam o

sentimento de pertencimento ou laços afetivos com a vizinhança e o local no

qual residem. Percebe-se que os entrevistados preferem frequentar espaços

fora da regional Barreiro, em busca de lazer e também escolas que

supostamente oferecem ensino de melhor qualidade. Essa constatação evoca

Tuan (1980, p. 252), o qual, analisando as relações construídas no local, afirma

que “a satisfação com o bairro depende mais da satisfação com os vizinhos -

sua amizade e respeitabilidade - do que das características físicas da área

residencial.” Nesse sentido, cabe indagar sobre quais as possibilidades de

vínculos que podem favorecer e viabilizar o desenvolvimento local tendo em

vista a procura da educação e do lazer em bairros mais ou menos distantes.

Os entrevistados da Escola Estadual Central foram questionados sobre: se

estivessem matriculados nas escolas de seus respectivos bairros, poderiam

influenciar na percepção e participação como cidadãos para identificar os

problemas da comunidade local e, por sua vez, agir para eventualmente propor

melhorias? A maioria descreveu que, se frequentasse as escolas dos bairros,

poderia ter mais contato com a comunidade e, assim, participar de forma mais

ativa. Ressaltaram, ainda, que a escola tem muito a contribuir nessa relação

90

com ações pedagógicas inovadoras e motivadoras que possam desenvolver os

jovens para a consciência cidadã.

Ah, com certeza, né? Porque eu ia tá lá vendo o que tava acontecendo, ia tá presente. Ver de fora assim fica mais complicado (EC1). Sim, a partit de movimentos sociais, eh, pedindo ajuda dos diretores, mostrando essa diferença de uma escola aqui do centro pra lá, eh, apresentar melhorias pra um ensino de qualidade melhor, porque muita gente que estuda em escola pública lá vem de comunidade, eh, tipo, tem muitas vilas lá, então não tem muito conhecimento eh, apresentar esse conhecimento, apresentar tudo isso a eles (EC2). Acho que sim, o grêmio estudantil [...] a gente pode ajudar mais o bairro, a gente tem comunicação com os professores, com os pais de alguns alunos, então eu acho que isso aí seria bom pra conscientizar aqueles que estão tipo deteriorando o bairro (EC3).

Entre as respostas para a questão desenvolvimento/pertencimento ao local, um

entrevistado opinou que estudar na escola do bairro não iria mudar a realidade

da comunidade, pois teria que haver uma ação coletiva em prol das melhorias

do bairro. Mas também reconheceu a importância entre a relação comunidade

e escola, sendo que esta última poderia desempenhar importante papel para a

aproximação dos alunos para a realidade local que os cerca.

Acho que sim, porque o Estadual não tem obrigação de melhorar o Barreiro, então eu acho que eu estudando lá, eh, as propostas na escola seriam pro nosso bairro, então acho que, estudando aqui no Estadual, eu não vou tá ajudando o Barreiro não (EC4).

Nessa abordagem, Gallichio (2002) considera que o desenvolvimento local

deve ser visto na perspectiva não localista, mas assumindo as interações na

relação entre local e global. O empoderamento constitui fator fundamental na

construção de sujeitos participativos capazes de compreender a realidade local

e atuar como cidadãos ativos, considerados, nesse contexto, como “agente de

desenvolvimento”.

A mesma questão foi exposta para os alunos da escola CM, com o objetivo de

identificar os aspectos que facilitariam de alguma forma a percepção e

participação dos jovens na comunidade local caso estudassem nas escolas dos

bairros onde residem. As respostas mostraram opiniões distintas. Parte dos

91

entrevistados informou que se estudasse em seus respectivos bairros poderia

atentar para a dinâmica da realidade local. E citaram que “o envolvimento

maior da comunidade”, “mais participação” e “comunicação” seriam aspectos

que facilitariam para modificar a comunidade local.

Ah, tipo [...] meio que estudando aqui eu conhecer mais pessoas [...] assim envolveria mais no bairro, [...] conseguia comunicar mais, aí não só pelo que eu vejo, mas também ouço falando, aí normalmente ia crescer um debate ali, uma discussão ali mesmo, [...] evoluindo mais até chegar nos ouvidos das autoridades maiores... (CM1). Acredito, porque assim, muita gente ainda lá fora, tem aquela tendência de acreditar que aqui é uma escola ruim, mas, assim, eh, você mostrando a elas que a escola pode te passar um conteúdo bom, pode te passar, eh, uma imagem para um futuro melhor, você consequentemente influencia aos outros que venham estudar aqui. Independente de tudo, o que faz uma escola não é a escola em si, mas sim o aluno (CM5). Sim, porque o colégio oferece as reuniões do bairro aí, aí nós também participa, aí pode dar ideia (CM6).

Entretanto, uma parcela dos entrevistados realçou que mesmo estudando nas

escolas de seus bairros não poderiam modificar individualmente a comunidade.

Acrescentaram que, para transformar a realidade local, “somente a escola não

é suficiente”, deveria haver envolvimento entre o Estado, mercado e sociedade

por meio de ações coletivas que permitam contribuir para o desenvolvimento

da comunidade local.

Não. Porque, tipo assim, uma pessoa sozinha não dá pra fazer nada, tem que ter um consenso geral, pra tentar fazer alguma coisa. Porque se o governo ajuda e a comunidade ajuda, daria certo, mas, como o governo não se importa com o povo e a comunidade, não se importa com o próprio nariz, nunca vai sair de nada (CM2). Não. Porque uma pessoa só não melhora o bairro inteiro. Teria que ser muitas pessoas juntas pra melhorar um bairro só (CM3). Só pessoas mais chegadas aqui, porque eu acho que não adianta eu só conversar. Eu acho que têm que ou o prefeito ou alguma coisa assim tem que chamar, entendeu? Unir todos e fazer tipo uma assembléia. Invés de chamar pessoas pra falar de política. Faz uma assembleia pra falar de tudo que tá acontecendo no seu bairro, na sua região (CM4).

Os gestores da SEE-MG também foram indagados se o fato de os jovens

estudarem em escolas próximas da residência pode trazer algum benefício

92

para a comunidade local. As respostas indicaram que o principal benefício

dessa proximidade é para a família, com a redução dos gastos com a

passagem de ônibus, ressaltando-se que a proximidade com a comunidade e a

escola favorece o atendimento do aluno. Outro ponto levantado seria o fato de

os jovens estudarem na comunidade local e, assim, poderem contribuir para

transformar a realidade local.

Acredito que sim, uma vez que o objetivo principal da escola é formar sujeitos que possam inserir-se na sociedade de modo a modificá-la positivamente. Dessa forma, os jovens poderão contribuir significativamente para o progresso da comunidade local (MC). Quanto mais próximo a residência, às vezes a escola é menor, o atendimento do aluno, a relação do aluno com o professor, com o diretor, da própria família com os professores, isso é muito mais próximo. Eu costumo dizer, na minha opinião, quanto menor a escola, mais fácil da família ser reconhecida dentro dela e de o aluno pertencer aquele local (MA).

Percebe-se que para a efetivação das matrículas dos alunos do ensino médio,

o papel do Estado é garantir que os alunos estejam matriculados em qualquer

escola que tenha vaga disponível. Nesse caso, o deslocamento dos alunos na

cidade é observado, porém para a SEE-MG isso é indiferente, pois a gestão

não se preocupa com tal fenômeno e que a escolha da escola é de interesse

da família.

Na verdade, isso é uma escolha da família, a gente oportuniza, a gente libera vagas tanto na escola bairro quanto nas outras regionais, então o aluno pode estar morando em Ribeiro das Neves e ele vai poder escolher qualquer regional, não só a centro-sul, mas qualquer regional: Pampulha, oeste, leste de acordo com a preferência das escolas ou porque os pais trabalham numa regional, e fica mais fácil ele se deslocar junto com os pais ou por outros fatores da família (MA).

A partir da LDB, os currículos da educação básica são elaborados com a

proposta de serem aplicados nas instituições escolares do Brasil, seja em

âmbito federal, estadual e municipal. E que principalmente possam se adequar

à realidade local dos alunos. O artigo 2º dessa lei ressalta que “a educação

deve preparar o educando para o exercício da cidadania e sua qualificação

para o trabalho" (BRASIL, 1996).

93

No entanto, as políticas educacionais do Estado favorecem, sobretudo, a

educação destinada à qualificação para o trabalho. Dessa forma, a formação

dos alunos direcionada para o exercício da cidadania e da participação não

parece ser prioridade no sistema educacional. Nessa perspectiva, Dowbor

(2006) salienta que a educação para promover o desenvolvimento local deve

ser compreendida com vistas a formar cidadãos ativos capazes de modificar a

realidade local.

Na análise das respostas dos entrevistados de ambas as escolas, é possível

constatar que os jovens sentem a necessidade de exercer sua cidadania.

Porém, para que isso ocorra, é importante que os jovens sejam preparados

para atuar em sociedade a partir de uma educação que esteja voltada não

somente para o conhecimento científico e técnico, mas que principalmente

tenham acesso a uma formação humana e cidadã capaz de contribuir e

aprofundar de fato a emancipação dos sujeitos e que seja de cunho social e

político.

Nessa perspectiva, os entrevistados das escolas Celso Machado e Estadual

Central foram indagados sobre quais seriam as sugestões para discutir a

respeito da realidade da escola onde estudam e do bairro onde residem.

Percebeu-se que as respostas direcionaram a escola como principal instituição

social, com a função de promover mecanismos de participação, visando

estabelecer um diálogo entre a sociedade e o Estado. Entre as formas de

participação, os entrevistados citaram: “debates na escola”, “reuniões e

palestras na escola”, “incentivo à participação da comunidade”. Além desses

aspectos, realçaram que os “meios de comunicação”, a “mídia”, e os

“movimentos sociais” são instrumentos facilitadores para ampliar as discussões

e participação da comunidade.

Chamar atenção do povo, não só como os centros urbanos aqui de BH, que precisa de melhorias, como as periferias também. Chamar atenção desse governo de Minas Gerais pra causar melhorias ali também. Não olhar apenas aqui, o centro de BH, e sim ao redor dela também (EC2).

94

Acho que a escola poderia participar mais da comunidade. Eh, incentivar eles a fazerem alguma coisa pra melhorar entendeu? (EC4). Eu acho que seria legal, dentro da escola, passar a informação para os alunos pra que eles chegassem em casa e divulgassem aos pais, que aí com os pais eles possam pensar, eh, adiante né? Pra discutir sobre... Pra mudar o bairro, aí chegar a um vereador, eu acho que é isso (EC5). Eu acho assim, eu não sei se isso vem ao caso, tem várias propagandas de cerveja e tudo mais. E tem propagandas que é tão absurda, ês podia tipo tirar um horário de todas as redes de TV e emissoras, né? Quer dizer e falar sobre isso, falar assim: ô gente, acorda. Acorda que isso tem que agir, entendeu? Eu acho que isso. [...] ó, conversar pessoalmente já não tá dando certo. Eu acho que alguma coisa muito forte tem que acontecer pra o mundo inteiro cair em ação, entendeu? (CM4). Acho que na escola mesmo, assim, a escola tem uma estrutura boa, tem o auditório, tem a quadra, poderia ser feito palestras aqui, no caso, pra sociedade (CM5).

Entre os relatos, um entrevistado da escola EC destacou iniciativas de

participação mediadas pela gestão da escola que anteriormente frequentava na

regional Barreiro, as quais permitiam um diálogo entre a direção e os alunos

em busca de melhorias internas.

Eu já estudei lá no Barreiro e quando eu estudava lá eu tentava ajudar da minha forma, porque tinha uma quadra, a gente fazia reuniões na quadra, a gente conversava com o diretor, tentava melhorar, só que deu certo até um certo ponto, aí depois eu saí e não sei como ficou, e acabou (EC3).

Percebe-se, assim, que a escola como um espaço sociocultural pode exercer

importante papel na emancipação dos sujeitos, além de incentivar a

participação dos indivíduos nas tomadas de decisões que envolvem a

comunidade local. Essa ideia remete à consideração de Fragoso (2005), de

que o desenvolvimento local seria a possibilidade das populações se

conectarem com a realidade, expressar a ideia de futuro aberto e flexível,

principalmente concretizando ações para a reconstrução do futuro.

3.12 Considerações finais

A pesquisa de campo aqui relatada revelou, no tocante ao processo de

cadastramento e matrículas para os alunos do ensino médio da rede estadual

95

de Belo Horizonte, que o zoneamento escolar não é prioritário. Assim sendo, os

estudantes podem optar por estudar nas escolas que estejam distantes da

comunidade local. A partir de observações empíricas referentes ao

deslocamento dos alunos da periferia de Belo Horizonte para frequentar as

escolas da regional administrativa centro-sul, constatou-se que a escolha da

escola tem o aval da família. A SEE-MG não controla o deslocamento dos

alunos, sendo que o principal objetivo é matricular e manter os estudantes na

escola. Importante ressaltar que não se pretendeu defender a ideia de que os

alunos não possam se deslocar pela cidade, no entanto, buscou-se com o

trabalho levantar uma reflexão de que o aluno deve ter direito de acesso a

escola de qualidade na comunidade local.

O artigo buscou identificar alguns dos fatores responsáveis pelo deslocamento

dos alunos da periferia, no caso a regional Barreiro, em direção às escolas da

regional centro-sul, sendo esse o ponto central da discussão. Os entrevistados

moradores na regional Barreiro identificaram que o principal fator responsável

pela escolha da escola estadual Governador Milton Campos (Estadual Central)

localizada na regional administrativa centro-sul de Belo Horizonte é a qualidade

superior do ensino. A entrevista também foi realizada com os alunos moradores

do Barreiro, com o intuito de investigar os fatores que os fizeram estudar na

Escola Estadual Celso Machado, ou seja, permanecer na comunidade local.

Entre as respostas, a proximidade da escola, conciliação com o horário de

trabalho e a gestão da escola foram os fatores argumentados para a

permanência.

Com a finalidade de investigar se há discrepância na qualidade de ensino entre

as duas escolas, para compreender o que motivou o deslocamento dos alunos

da periferia em direção à regional centro-sul, dados sobre o desempenho de

proficiência em Matemática e Língua Portuguesa foram extraídos das

avaliações do PROEB oriundos do SIMAVE, além de informações sobre a

formação de professores. Esses dados revelaram que existem diferenças entre

as duas escolas em relação ao desempenho de proficiência dos alunos e

também na formação do corpo docente, que podem de fato constituir aspectos

que favorecem o deslocamento dos alunos. Porém, trata-se de algo um pouco

96

mais complexo, pois, como ressalta Willms (2008), para medir a qualidade de

ensino que determinada escola oferece, fatores intraescolares e

socioeconômicos devem ser considerados.

O processo de segregação urbana evidente na cidade de Belo Horizonte

refletiu diretamente na distribuição das escolas em interface com a dualidade

estrutural que resultou na distinção das instituições escolares, sendo que na

periferia a população de menos poder aquisitivo teria acesso à formação

técnica, propositalmente para atender à demanda de mão de obra operária na

indústria. Em contrapartida, as escolas localizadas atualmente na regional

centro-sul foram construídas para atender à população favorecida

economicamente. Notável que os alunos tendem a procurar as escolas

centenárias da capital, planejadas e construídas logo no início da inauguração

da cidade, por representarem para a sociedade espaços de mais prestígio

O deslocamento dos alunos em direção à regional centro-sul foi verificado

também a partir da análise do nível socioeconômico das escolas e dos alunos.

Verificou-se que as escolas localizadas na regional centro-sul possuem baixo

nível socioeconômico em relação à área onde estão situadas. Essa

discrepância pode ser explicada, uma vez que o nível socioeconômico das

escolas é calculado de acordo com o nível socioeconômico dos alunos que as

frequentam. Sendo assim, foi possível verificar também que a população

residente na regional centro-sul não frequenta tais escolas que apresentaram

nível socioeconômico inferior.

Sobre o deslocamento dos alunos, a Secretaria de Estado de Educação – MG

não controla e não possui levantamento específico sobre tal fenômeno. A SEE-

MG ressalta que a escolha das escolas para os alunos é feita segundo a

necessidade da família. E nesse âmbito o Estado tem por incumbência ofertar

vagas e assegurar que os estudantes frequentem as escolas. Nessa

perspectiva, o artigo propõe uma reflexão sobre a possibilidade de esse

deslocamento dos alunos comprometer a atuação e participação desses

sujeitos na comunidade local.

97

No que se refere ao desenvolvimento local, tanto os alunos como os gestores

foram indagados se estudar nas escolas locais poderia trazer benefícios à

comunidade local. A pesquisa evidenciou que os entrevistados consideram que

estudar próximo da comunidade local é capaz de favorecer a participação e a

formação de sujeitos ativos na sociedade que possam contribuir para modificar

a realidade local. Essa concepção vai ao encontro das políticas educacionais

que visam aproximar os currículos da realidade local e reforça a necessidade

de preparar o educando para o exercício da cidadania. Cabe, portanto,

aprofundar essa reflexão e para isso se propõe, no capítulo seguinte, uma

metodologia baseada na roda de conversa que promova essa discussão.

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100

4 ARTIGO 3 - RODA DE CONVERSA: INSTRUMENTO DE

DIÁLOGO SOBRE A SEGREGAÇÃO URBANA E ESCOLA

SILVA, Pollyanna Neves da Geógrafa, professora, mestranda do Programa de Mestrado Profissional

Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Centro Universitário UNA. [email protected]

TOMASI, Áurea Regina Guimarães Socióloga, mestre e doutora em Ciências da Educação e professora do

Programa de Mestrado Profissional Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.

Centro Universitário UNA. [email protected]

RESUMO O presente artigo apresenta um caderno de formação, sendo uma proposta de produto técnico, tendo como metodologia a roda de conversa, elaborada a partir de uma pesquisa de campo que teve como objetivo investigar os fatores que favorecem o deslocamento dos alunos das áreas periféricas de Belo Horizonte para frequentar as escolas da regional administrativa centro-sul. O referencial teórico discorre acerca da segregação socioespacial da cidade de Belo Horizonte, com ênfase na distribuição espacial das escolas, correlacionando o processo de dualidade estrutural como resultado na distinção entre escola de formação técnica e acadêmica. Posteriormente, o artigo irá apresentar a metodologia roda de conversa como instrumento de participação em prol de discutir com os adolescentes temas relacionados à percepção dos alunos sobre sua comunidade local e da cidade, além favorecer a compreensão da segregação do espaço urbano. A roda de conversa, nessa perspectiva, constitui um instrumento de formação que poderá ser utilizado por professores do ensino Fundamental II e Médio que percebam a necessidade de discutir assuntos que envolvem a comunidade local, assim como adaptar a proposta aos conteúdos da educação básica. Palavras-chave: Segregação urbana. Desenvolvimento local. Roda de Conversa. Participação social. ABSTRACT This article presents a proposal for a technical product based on a methodology developed by a field research that aimed to investigate the factors that favor the displacement of students from the peripheral areas of Belo Horizonte to attend the schools from Center. The theoretical framework deals with the socio-spatial segregation of the city of Belo Horizonte, with an emphasis on the spatial distribution of schools, correlating the process of structural duality as a result of the distinction between technical and academic training schools. Afterwards, the

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article will present the speech wheel methodology as an instrument of participation in favor of discussing with the adolescents topics related to the students' perception about their local community and the city, besides favoring the understanding of the segregation of the urban space. The conversation wheel, in this perspective, constitutes a training tool that can be used by professionals in the area of education who understand the need to discuss issues that involve the local community, as well as adapt the proposal to the contents of basic education. Keywords: Urban segregation. Local development. Conversation wheel. Social participation. 4.1 Introdução

Este artigo apresenta um caderno de formação como produto técnico resultado

de uma dissertação de mestrado do Centro Universitário UNA, obtendo o título

Segregação urbana e escola: reflexões sobre a dualidade na educação e o

desenvolvimento local. A pesquisa de campo realizada com os alunos das

Escolas Estaduais Celso Machado e Governador Milton Campos (Estadual

Central), no ano de 2016, teve como intuito compreender os fatores

responsáveis pelo deslocamento dos estudantes da periferia de Belo Horizonte

para frequentar as escolas da regional administrativa centro-sul.

O referencial teórico apresenta uma discussão acerca do processo de

segregação urbana no contexto das cidades latino-americanas, discutindo a

configuração centro versus periferia do espaço urbano. Dessa forma, o artigo

fomenta uma reflexão no tocante à fragmentação do espaço urbano, com

ênfase na distribuição espacial das escolas. A configuração da cidade

segregada reflete diretamente na distribuição dos equipamentos urbanos.

Como desdobramento desse processo, o artigo levanta uma discussão sobre

dualidade estrutural da escolar como desdobramento da segregação

socioespacial.

O produto técnico foi elaborado com base no resultado de uma pesquisa de

campo realizada com 12 alunos distribuídos igualmente entre duas escolas

estaduais: uma da regional centro-sul e outra do Barreiro, escolhidas como

cenário. Os alunos foram indagados sobre quais seriam as sugestões para

102

discutir a realidade local na qual estão inseridos. Os dados a partir dos relatos

das entrevistas revelaram que os estudantes têm a necessidade de expor

opiniões e percebem a escola como principal instituição social, com a função

de promover mecanismos de participação social. Além dos resultados das

entrevistas como fator preponderante na elaboração do produto técnico, a

discussão sobre cidade favorece para reflexões acerca da cidadania e

pertencimento, possibilitando que os indivíduos sejam capazes de construir

contruir conhecimento relacionado ao espaço que estão inseridos, afim que

sejam sujeitos transformadores do meio onde vivem.

Entre os mecanismos de participação que possam promover um diálogo entre

sociedade, Estado e mercado, os alunos mencionaram as seguintes

ferramentas: “debates na escola”, “reuniões e palestras na escola”, “incentivo à

participação da comunidade”. Conforme o relato dos estudantes, o artigo

apresenta o produto técnico baseado na roda de conversa como um

instrumento de participação, baseado numa metodologia dialógica e reflexiva

que orienta a emancipação dos sujeitos (AFONSO; SILVA; ABADE, 2009).

Assim, o produto técnico apresenta propostas de roda de conversa composta

por dinâmicas de participação sugeridas pelos alunos durante a entrevista. A

prática foi elaborada para ser aplicada a alunos do ensino médio com o intuito

de levá-los a discutir e principalmente refletir sobre temas relativos às suas

percepções em relação à cidade e à comunidade local, além de propor um

diálogo sobre a segregação do espaço urbano, mais precisamente no que se

refere à distinção das escolas na relação centro versus periferia.

4.2 Discussão teórica

O processo de segregação urbana evidente nas cidades da América Latina,

principalmente no período marcante da industrialização promovido pela ação

do Estado em meados do século XX, reflete-se na atual configuração das

cidades latino-americanas. Segundo Cid (2009), tal configuração é reflexo da

clássica forma dual em que as cidades foram organizadas, decorrente da

relação centro versus periferia como produtora socioespacial das metrópoles

103

brasileiras. Paulatinamente, no Brasil o processo de urbanização precedido do

avanço industrial nas principais capitais reforçou o processo de segregação

socioespacial.

Como desdobramento desse processo, o espaço das grandes cidades

brasileiras caracteriza-se por ser fragmentado e multifacetado, compreendido

como um mosaico irregular em aspectos sociais e econômicos gerados a partir

de ações dos agentes sociais, sendo determinante a participação do Estado e

da especulação imobiliária. A primeira divisão das cidades é pautada pela

distribuição espacial das atividades econômicas, levando-se em consideração

a lógica de implementação, visando atender às demandas da cidade. A divisão

social caracteriza-se por áreas sociais com relativa homogeneidade interna,

sendo a especulação imobiliária e o Estado agentes fundamentais na formação

do mosaico social da cidade (VASCONCELOS; CORRÊA; PINTAUDI; 2013).

Nesse contexto, a segregação urbana, de acordo com Carlos (2013),

manifesta-se no cotidiano da cidade a partir da concentração da riqueza, do

poder e da propriedade. Marcante nas diversas formas de acesso à moradia,

demonstra a mercantilização do espaço urbano, além da limitação dos

cidadãos em relação às atividades urbanas diante da distinção entre áreas

centrais e periféricas, configurada na cidade capitalista.

No que se refere à distinção espacial das cidades, as principais metrópoles

brasileiras foram estruturadas segundo a lógica centro versus periferia. Essa

configuração do arranjo espacial das cidades brasileiras torna-se mais evidente

no período urbano-industrial, a partir da década de 1930, momento de

investimento no setor industrial subsidiado pelo Estado, e posteriormente com

capital estrangeiro e privado após a Segunda Guerra Mundial, o que fomentou

o processo de urbanização resultado do êxodo rural intensificado na década de

1940 (CARDOSO, 2007).

A cidade de Belo Horizonte, inaugurada no final do século XIX, em 1897,

planejada para sediar a nova capital do estado de Minas Gerais, revela o

processo de segregação socioespacial. O plano original da Comissão

104

Construtora da Nova Capital (CCNC), sob direção do engenheiro chefe Aarão

Reis, definia a cidade em zona urbana, zona suburbana e zona rural

(CARDOSO, 2007).

Nessa perspectiva, a fragmentação do espaço urbano de Belo Horizonte era

concebida por meio de ações dos agentes sociais detentores de poder, em que

Estado e a ação da especulação imobiliária detinham em maior parte o controle

das terras e determinavam o preço dos lotes de acordo com as áreas

(CARDOSO, 2007). Portanto, a produção do espaço urbano da nova capital

remete ao processo de segregação socioespacial decorrente de estratégias

políticas e econômicas marcado pela mercantilização dos espaços da cidade

(LE VEN, 1977).

Conforme o plano da construtora, a zona urbana fora delineada e inspirada em

modelos modernistas, dando ênfase à higiene, racionalidade e funcionalidade

na organização de ruas e avenidas, destinada a abrigar a população de mais

poder aquisitivo. Em contrapartida, as zonas suburbana e rural foram

destinadas às populações economicamente menos favorecidas, composta de

camponeses e operários, sendo que o planejamento idealizado para a área

urbana não se estendeu para o restante da cidade (AGUIAR, 2006).

Dessa forma, a distribuição espacial dos equipamentos urbanos em Belo

Horizonte seguiu a lógica de organização da cidade centro versus periferia,

reforçando a segregação socioespacial. Segundo Cardoso (2007), a zona

urbana fora destinada à elite da nova capital, os equipamentos urbanos e as

edificações foram planejados e dotados de importância política e social. Nesse

contexto, a segregação socioespacial do espaço urbano de Belo Horizonte se

consolida desde o plano original da construtora, segregando a cidade nos

aspectos sociais e econômicos, sendo esse processo de fragmentação

evidente nos dias atuais.

Notório que a partir do momento em que ocorreu a expansão urbana de Belo

Horizonte, a demanda por equipamentos públicos nas periferias ampliou. A

especulação imobiliária viabilizou o crescimento da cidade de fora para dentro,

105

contrariando o plano da construtora, que almejava primeiramente a ocupação

da área urbana (CARDOSO, 2007). Assim, a distribuição espacial das escolas

em Belo Horizonte consolidou-se conforme o processo de segregação

socioespacial entrelaçado à dualidade estrutural, que por sua vez se expressa,

segundo Campello (2009), pela fragmentação da escola para atender às

classes sociais de acordo com a divisão social do trabalho.

As escolas construídas na área urbana de Belo Horizonte foram planejadas

para atender principalmente os filhos dos funcionários transferidos da antiga

capital, Ouro Preto. Essas escolas tradicionalmente são vistas pela população

com mais prestígio e referência nos parâmetros pedagógicos, entre as quais se

podem citar: Escolas Estaduais Afonso Pena, Barão do Rio Branco,

Governador Milton Campos (antigo Ginásio Mineiro), Pedro II e o Instituto de

Educação de Minas Gerais.

Nessa perspectiva, Cardoso (2007) salienta que as periferias de Belo Horizonte

foram ocupadas pela população menos favorecida economicamente, devido à

instalação de áreas industriais nos municípios limítrofes, como Contagem,

favorecendo assim a ocupação da classe operária, que servia de mão de obra

para as fábricas.

Tendo em vista a organização socioespacial da cidade segregada,

paralelamente a dualidade estrutural se revela na distribuição espacial das

escolas. Seguindo essa lógica, as escolas localizadas nas periferias fora do

perímetro da avenida do Contorno apresentavam caráter de formação

profissional devido à necessidade de formar mão de obra técnica para trabalhar

nas indústrias que se instalavam na capital e nos municípios limítrofes. Porém,

as escolas localizadas na zona urbana, atual região centro-sul de Belo

Horizonte, eram destinadas à formação acadêmica.

A partir dessa abordagem sobre a separação entre o trabalho intelectual e

instrumental, Keuezer (2007, p.1155) expõe:

106

No Brasil, essa diferenciação correspondeu à oferta de escolas de formação profissional e escolas acadêmicas, que atendiam populações com diferentes origens de classe, expressando-se a dualidade de forma mais significativa no nível médio, restrito, na versão propedêutica, por longo período, aos que detinham condições materiais para cursar estudos em nível superior.

Dessa forma, as escolas localizadas na região centro-sul de Belo Horizonte são

vistas pela população com mais prestígio, devido à concepção do ensino de

qualidade construída ao longo das décadas, que ainda persiste nos dias atuais.

Essas instituições escolares foram destinadas a atender as classes sociais

mais favorecidas no início da construção da cidade, que por sua vez tinham o

acesso à formação de caráter científico, sendo base para inserção no ensino

superior.

A fragmentação entre o trabalho intelectual e instrumental serviu de base para

a oferta de escolas de acordo com a classe social. Gramsci (1978, p. 118)

esclarece sobre a dualidade estrutural: “A divisão fundamental da escola em

clássica e profissional era um esquema racional: a escola profissional

destinava-se às classes instrumentais, ao passo que a clássica destinava-se às

classes dominantes e aos intelectuais”.

Keuezer (2007) explana que os processos pedagógicos se configuram para o

disciplinamento da força de trabalho, tendo como base as demandas de acordo

com os modelos de produção capitalista. Como desdobramento, a atual

tendência do atual processo de ensino e aprendizagem, entretanto, está

vinculada à lógica mercadológica, que visa atender às necessidades de uma

sociedade capitalista, a uma educação com finalidade de formação técnica, em

que a execução é separada do pensar, distanciando-se da formação humana e

cidadã.

Ainda sobre a visão mercadológica em que se baseiam os aspectos da

educação, Meszáros (2008, p. 35) discorre:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um

107

quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente impostas.

Ao mesmo tempo, Fragoso (2005) esclarece que o desenvolvimento local é

uma possibilidade para as populações se organizarem em busca da melhoria

da qualidade de vida e, assim, promoverem o desenvolvimento e a

emancipação dos sujeitos por meio da autoconfiança. E Dowbor (2006)

completa esse raciocínio afirmando que a educação desempenha papel

fundamental para o desenvolvimento local, principalmente no processo de

formação de pessoas que sejam capazes de participar de forma ativa na

sociedade, assim bem como transformar seu entorno.

Assim, o desafio do sistema educacional está na dicotomia entre os princípios

da educação para o do desenvolvimento local e a educação para atender o

mercado de trabalho, conforme a tendência à valorização do capital inserido

nos processos pedagógicos. Logo, a escola como um ambiente sociocultural

no ponto de vista educativo pode desenvolver um papel fundamental para o

desenvolvimento local, a partir da construção social dos sujeitos e por meio de

uma prática pedagógica inovadora. O papel da escola, dessa forma, se insere

na perspectiva de fomentar práticas educativas que possam favorecer a

construção de ações coletivas que se reflitam no exercício da cidadania, ou

seja, práticas que ultrapassem a formação direcionada a atender o mercado de

trabalho e se volta para a transformação da realidade social.

4.2 Roda de conversa como instrumento de participação

A roda de conversa se apresenta como uma metodologia dialógica e reflexiva.

Nessa perspectiva, Afonso, Silva e Abade (2009) revelam que a prática orienta

tanto para a participação quanto a emancipação dos sujeitos.

Entre os objetivos propostos da roda de conversa, a reflexão do contexto em

que os participantes estão inseridos, apoiada pelo diálogo entre os sujeitos,

108

visa promover os mecanismos de participação que possam contribuir para a

ressignificação de temas abordados (AFONSO; SILVA; ABADE, 2009).

A metodologia participativa da roda de conversa visa à construção e à

reconstrução da realidade. Segundo Afonso, Silva e Abade (2009, p. 19), essa

proposta se apresenta como:

Forma de se trabalhar incentivando a participação e a reflexão. Para tal, buscamos construir condições para um diálogo entre os participantes através de uma postura de escuta e circulação da palavra bem como com o uso de técnicas de dinamização de grupo.

A partir de discussões que englobam outras realidades e contextos de vida, por

meio da prática pedagógica de roda de conversa, o diálogo entre os sujeitos

promove um debate coletivo, em que os participantes se expressam, escutam e

refletem sobre a temática discutida. Como desdobramento do processo

dialógico, o conhecimento é produzido pelo coletivo, não ocorrendo de forma

prescritiva, sendo aberto para adequar-se à realidade dos sujeitos (CRUZ;

MELO, 2014).

A prática de roda de conversa pode ser utilizada em diversos cenários,

buscando-se, assim, relacionar as vivências e conhecimentos ao conteúdo

abordado e discutido pelo coletivo. Para Afonso, Silva e Abade (2009), os

participantes são sensibilizados e motivados a pensar como sujeitos e cidadãos

participativos, proporcionando, durante a prática, questionamentos relativos ao

próprio horizonte, ao grupo, além do que a coordenação da roda de conversa

propõe. Assim, a partir da interação com outros indivíduos, os sujeitos são

capazes de refletir a respeito da sua realidade e, a partir das discussões,

produzir novos saberes.

A roda de conversa é adequada para discutir fenômenos sociais e potencializar

discussões acerca do cotidiano, com o intuito de relacionar a subjetividade e

cultura dos participantes (AFONSO; SILVA; ABADE, 2009). Para os autores,

essa prática permite a troca de ideias entre os participantes, uma vez que os

sujeitos discutem sobre suas próprias questões.

109

Para Sampaio et al. (2014), a roda de conversa como prática pedagógica se

expressa como uma forma de motivar os sujeitos a conhecer e transformar a

realidade em que se encontram. O processo dialógico dessa prática intenciona

novas possibilidades de um movimento contínuo que envolve o “perceber –

refletir – agir – modificar”, baseando-se na horizontalização do poder.

Conforme as abordagens conceituais relativas à roda de conversa, propõe-se

aplicar tal metodologia participativa, em especial com alunos do ensino médio,

com destaque para temas relacionados à cidade, segregação urbana e escola.

O principal objetivo da roda de conversa para o público jovem em específico é

motivá-los a pensar e questionar a respeito da realidade local em que estão

inseridos, refletir como atores sociais sobre os problemas da cidade que

enfrentam no cotidiano e discutir formas de participação na sociedade.

Entre outros questionamentos, faz-se necessário fomentar um debate sobre a

organização da cidade, pensando na distribuição espacial dos equipamentos

públicos, assim como a fragmentação do espaço urbano conforme aspectos

sociais. Logo, a participação colabora para a emancipação dos indivíduos,

implicando a transformação social. Seguindo essa lógica, o processo aberto

permite a troca de experiências e vivências dos sujeitos envolvidos.

4.2.1 Planejamento da roda de conversa

A metodologia da roda aborda temáticas interdisciplinares aplicada em áreas

variadas de acordo com o contexto dos sujeitos, em busca de um debate

coletivo, sobretudo participativo e dialógico. A construção do saber está

vinculada à troca de experiências, a qual pressupõe que a fala crítica é

privilegiada e a escuta favorece a compreensão de outras realidades.

A roda de conversa é compreendida como um espaço de reflexão no qual o

conteúdo a ser abordado deve ser discutido de acordo com o andamento do

grupo. Como destacam Sampaio et al. (2014, p. 1301), os pressupostos da

110

“lógica da roda, que postula necessariamente ninguém atrás ou à frente, mas

todos ao lado”, são de uma aprendizagem significativa.

O planejamento da roda deve ser orientado segundo as demandas e objetivos

de discussão do público. Nessa perspectiva, o processo não deve ser

engessado, permitindo ao longo da prática que o roteiro se adapte aos

questionamentos ao longo da roda de conversa (AFONSO; SILVA; ABADE,

2009). Porém, no sentido de otimizar o processo e atingir os objetivos traçados,

um modelo para o roteiro foi proposto (AFONSO; SILVA; ABADE, 2009;

ÂNGELO, 2006; GATTI, 2005; SOUZA; CADETE, 2016):

a) Dividir o grupo interessado em grupos menores de, no máximo, 10

pessoas;

b) definir o local onde todos possam se sentir confortáveis e acolhidos;

c) definir data e horário que convenham a todos;

d) organizar o local com materiais sobre o tema (revistas, cartazes, frases

e imagens) para incentivar que os participantes foquem no assunto

e entrem no clima da temática a ser abordada;

e) iniciar reunião pelo coordenador, que apresentará a equipe e as

motivações que levaram a proposta dos encontros;

f) abrir espaço para cada um se apresentar brevemente;

g) repassar, no primeiro encontro, as informações advindas da

pesquisa e expressas como importantes pelos sujeitos participantes da

mesma;

h) deixar a palavra aberta depois da apresentação, para discutir os

problemas e dificuldades identificadas sobre as temáticas que eles

gostariam que fossem abordadas;

i) propor o assunto escolhido e a discussão de forma delicada, escutando

os participantes de forma acolhedora para permitir a superação das

dificuldades inerentes ao processo de se expressar em público, de se

comunicar de forma assertiva e reflexiva, deixando de lado os

estereótipos e preconceitos, bem como deixar os participantes à

vontade em um contexto socioinstitucional diferente do usual e incentivá-

los a compartilhar suas potencialidades, dificuldades e limitações. Cabe

111

ao coordenador esse papel e também o de incentivar o debate e a

discussão, interligar a experiência vivida e o saber popular com o saber

científico e dar exemplos práticos para efetivar a construção do

conhecimento;

j) garantir que todos participem de forma igualitária, bem como estruturar

os critérios de discussão, interagir com todos os participantes,

incentivar o debate e a discussão e não permitir a existência de

diferentes status dentro da roda, função que cabe ao mediador;

k) coletar e registrar as falas (função do relator), expressões, gestos, as

entrelinhas e as conexões estabelecidas, bem como os conflitos,

dificuldades, facilidades, entrosamento, bloqueios e todos os

comportamentos que possam ser relevantes para que se alcance o

objetivo proposto;

l) encerrar o debate (papel do coordenador) avaliando a produção do

conhecimento do grupo, legitimando essa construção e sistematizando o

conhecimento produzido.

Ainda sobre o planejamento da roda no que diz respeito às técnicas para

facilitar a dinâmica do grupo, Afonso, Silva e Abade (2009, p. 31) reiteram:

[...] facilitam a comunicação, a associação entre aprendizagem e experiência, permite vivenciar situações dentro de regras combinadas, etc. Entretanto, é preciso não abusar das técnicas. O tempo colocado para cada técnica e/ou atividade é apenas uma estimativa. É muito importante que não se torne uma “camisa de força”.

Dessa forma, a fim de facilitar o desenvolvimento da prática, a roda de

conversa pode ser planejada em três momentos distintos: preparação, trabalho

e avaliação, que serão apresentados a seguir (AFONSO; SILVA; ABADE,

2009). Importante ressaltar que elementos didáticos podem ser incorporados

para melhor desenvolver o processo, além de facilitar a comunicação entre os

sujeitos e a ação do coordenador.

O primeiro momento destinado à preparação tem papel fundamental,

caracteriza-se pelo acolhimento para os participantes, sensibilização do tema,

112

viabilizando a interação e construção do diálogo. Não há necessidade de a

acolhida ser extensa, mas esse momento é de extrema importância para os

participantes se sentirem confortáveis (AFONSO; SILVA; ABADE, 2009).

Seguindo a ordem, o segundo momento destina-se a trabalhar o tema que será

abordado, buscando compreender o que o grupo pensa, introduzir elementos

novos e estimular a reflexão. O grupo poderá ser subdividido em subgrupos,

para realizar atividades coletivas, sistematizando ao final o conhecimento

produzido (AFONSO; SILVA; ABADE, 2009).

O terceiro momento consiste em avaliar a produção do grupo. O fechamento do

trabalho é consolidado pela sistematização e legitimação da produção, de

acordo com as discussões e reflexões construídas na roda de conversa

(AFONSO; SILVA; ABADE, 2009).

O papel do coordenador é fundamental no acompanhamento do grupo.

Segundo Dutra (2015), a atuação do coordenador durante a prática se revela

de suma importância, identificando limites e potencialidades do grupo, não

necessitando obter formação específica. Porém, é preciso ter conhecimento do

tema e da metodologia participativa.

Afonso, Silva e Abade (2009, p. 34) discorrem sobre o papel do coordenador

na prática da roda de conversa:

O papel do coordenador na RODA DE CONVERSA não é do detentor da verdade, sua postura deve ser democrática, de fazer circular a palavra. É preciso sensibilizar os participantes para percepção de suas experiências no contexto social, ajudá-los a desconstruir preconceitos e estereótipos [...]

Conforme discutido e apresentado anteriormente, elaborou-se uma proposta

denominada aqui de “produto técnico”, idealizado a partir de entrevistas com

jovens do ensino médio que reconhecem a escola como importante espaço de

interação social, principalmente para discutir a respeito da realidade local dos

sujeitos.

113

4.3 Produto técnico

Em observações empíricas e de dados secundários, percebeu-se o

deslocamento dos alunos da periferia em direção à região centro-sul de Belo

Horizonte, para estudarem nas escolas construídas nas primeiras décadas da

inauguração da cidade.

Para entender as motivações dos alunos que se deslocam da periferia com o

intuito de frequentar as escolas da região centro-sul de Belo Horizonte,

pesquisa de cunho exploratório foi realizada em duas escolas da rede estadual

de ensino. As entrevistas foram realizadas nas escolas estaduais Celso

Machado e Governador Milton Campos (Estadual Central) com os alunos do

terceiro ano do ensino médio, ambos moradores da regional Barreiro.

A partir da entrevista foi possível identificar que um dos fatores responsáveis

pelo deslocamento na visão dos alunos é o ensino de qualidade ofertado na

escola localizada na regional centro-sul. Outro aspecto indagado aos alunos foi

quais seriam as sugestões para discutir a respeito da realidade da escola onde

estudam e do bairro onde residem. Entre as formas de participação, os

entrevistados citaram: “debates na escola”, “reuniões e palestras na escola”,

“incentivo à participação da comunidade”. Além desses aspectos, detectou-se

que os “meios de comunicação”, “mídia” e “movimentos sociais” seriam os

instrumentos facilitadores para ampliar as discussões e participação da

comunidade.

A seguir, será apresentada a proposta de um caderno de formação técnica

composto de três rodas de conversa, com o objetivo de instrumentalizar e

orientar o profissional que irá aplicar a prática.

114

MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE A CIDADE:

UMA ABORDAGEM DO PONTO DE VISTA DO ADOLESCENTE

“O processo educativo escolar recoloca a cada instante a reprodução do velho

e a possibilidade da construção do novo, e nenhum dos lados pode antecipar

uma vitória completa e definitiva”.

Dayrell (2006, p. 137.

AUTORES

Pollyanna Neves da Silva Possui graduação em Geografia pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2010), pós-graduação em Consultoria e Licenciamento Ambiental pelo Centro Universitário UNA (2012), atualmente mestranda do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local no Centro Universitário UNA. Tem experiência em licenciatura em Geografia para o ensino fundamental II, ensino Médio e para os cursos técnicos de Meio Ambiente, Edificações e Controle Ambiental.

Áurea Regina Guimar

Graduação em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Federal de Minas Gerais (1979); pós-graduação em Ciências Sociais Aplicadas à Educação - Faculdade de Educação da UFMG (1982); mestrado em Ciências da Educação - Université René Descartes - Paris V Sorbonne (1994) e doutorado em Ciências da Educação - Université René Descartes Paris, V Sorbonne (2005). Foi coordenadora do Programa de

115

Capacitação de Dirigentes (PROCAD), da Secretaria de Estado da Educação SEE/MG. Foi tutora no curso de Formação Superior de Professores - Veredas, pela Universidade do Estado de Minas Gerais (FAE/UEMG). Tem experiência na área de Metodologia Científica e Sociologia, com ênfase em Educação. Atualmente é professora adjunta na graduação da Faculdade de Ciências Humanas, no Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, do Centro Universitário UNA e na graduação em Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Tem atuado em ensino, pesquisa e extensão nessas instituições, principalmente nas seguintes subáreas: organizações populares, escola, formação de professores, sociologia da leitura e pesquisa.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................... 115

2 I RODA DE CONVERSA...................................................................... 115

2.1 Texto introdutório 1............................................................................ 118

3 II RODA DE CONVERSA..................................................................... 121

3.1 Textos introdutórios........................................................................... 123

4 III RODA DE CONVERSA.................................................................... 124

4.1 Texto introdutório............................................................................... 128

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 133

REFERÊNCIAS........................................................................................ 136

116

1 INTRODUÇÃO

Este caderno de formação é um produto técnico que integra a

dissertação no Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local, tal como previsto no art. 4º Portaria Normativa nº 17,

de 28 de dezembro de 2009, que dispõe sobre Mestrado Profissional no âmbito

da Fundação e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES).

O objetivo deste caderno de formação é orientar os professores do

Ensino Fudamental II e Médio na discussão com adolescentes sobre os

múltiplos olhares sobre a cidade a partir da metodologia roda de conversa.

Vale salientar que a perspectiva das rodas de conversa considera o

adolescente um sujeito de direitos, de conhecimentos e de percepções que

podem contribuir para a discussão de temáticas relacionadas ao meio em que

vive.

A prática foi elaborada para ser aplicada a alunos do ensino médio, com

o intuito de levá-los a discutir e principalmente refletir sobre temas relativos à

suas percepções em relação à cidade e a comunidade local. Além disso,

objetiva-se propor um diálogo sobre a segregação do espaço urbano mais

precisamente, no que se refere à distinção das escolas na relação centro

versus periferia.

A estrutura proposta nas rodas de conversa preserva como ponto de

partida as percepções e os saberes dos adolescentes para nortear as

discussões das rodas. Nesse processo, o que se almeja é a articulação dos

conhecimentos discutidos com a realidade vivenciada pelos participantes,

ressignificando, assim, suas percepções.

117

2 I RODA DE CONVERSA

Conceitos: comunidade local, cidadania e desenvolvimento local

Questão norteadora: qual a percepção dos adolescentes sobre sua

comunidade local?

SENSIBILIZAÇÃO

1º momento: dinâmica da obra de arte

a) Explicar aos adolescentes que o objetivo do encontro vai ser discutir as

percepções sobre a comunidade onde eles moram.

b) Fazer uma “obra de arte” usando arame.

c) Colocar os alunos sentados num círculo, colocar a obra de arte no

centro da roda e pedir para que cada aluno descreva, a partir de sua

percepção, aquela obra: o que ela remete, no que pensa quando olha

para ela...

2º momento: reflexão dialógica

a) Ao final, realizar uma reflexão dialógica com o grupo com foco em

mostrar que o objeto é o mesmo, mas cada pessoa o percebe de uma

forma. Isso ocorre porque cada pessoa carrega gostos, preferências e

vivências singulares.

b) Sensibilizar o grupo para refletir que da mesma forma é o local onde

vivemos, cada pessoa gosta de algo e essas percepções são

importantes para a valorização da comunidade onde vivem.

PROBLEMATIZAÇÃO

3º momento: levantamento de percepções sobre a comunidade local

a) Dividir os adolescentes em quatro grupos e cada grupo receberá um

kraft:

o Dois grupos ficarão com o cartaz, no qual deverão responder à

seguinte questão: o que você mais gosta no lugar onde mora?

o Dois grupos ficarão com o cartaz, no qual deverão responder: “o

que você não gosta no lugar onde mora?”

118

b) O coordenador da roda deverá expor os cartazes e solicitar que cada

grupo escolha um integrante para auxiliar na apresentação dos cartazes

(nesse momento, estimular os participantes a expor suas opiniões

acerca do que eles discutiram na construção do cartaz).

c) Abrir um espaço para que os dois grupos que não participaram da

construção do cartaz apresentado tenham a oportunidade de

complementar (poderão levantar e registrar informações no cartaz).

4º momento: apresentação do texto introdutório sobre as potencialidades

e desafios da comunidade local

a) O objetivo desse momento é contribuir para a discussão e fortalecimento

do grupo com informações sobre empoderamento da comunidade local.

b) Poderão ser utilizados mapas conceituais ou apresentação em ppt.

c) 5º momento: levantando potencialidades e desafios

d) Apresentar o mural de potencialidades e desafios.

COMUNIDADE LOCAL

POTENCIALIDADES DESAFIOS

e) Explicar aos alunos que os aspectos mais recorrentes nas respostas que

eles construíram no cartaz sobre “o que mais gosta no lugar onde mora”

irão compor o mural de potencialidades.

f) Os aspectos mais recorrentes nas respostas sobre “o que não gosta no

lugar onde mora?” irão compor o mural de desafios.

g) Os participantes listam e a coordenadora da RC registra.

SISTEMATIZAÇÃO

6º momento: Plano de ação

a) Dividir os alunos em quartetos

b) Cada grupo receberá um plano de ação, como o modelo abaixo:

EMPODERANDO A COMUNIDADE LOCAL

Potencialidades Como fazer para

dar mais Dificuldades

Como superá-las

119

visibilidade?

c) A partir do cartaz de potencialidade e desafios, cada quarteto deverá

escolher uma potencialidade e um desafio listado para poder preencher

o plano de ação.

d) Organizar os participantes em roda e pedir para cada grupo expor seu

cartaz.

7º momento: quadro-síntese

a) A coordenadora da RC utilizará um quadro igual ao do plano de ação

(feito no kraft), onde irá registrar a síntese do que foi apresentado. Ou

seja, a construção coletiva do grupo sobre como empoderar a

comunidade local.

b) Os alunos deverão auxiliar na construção do quadro, ajudando a

sistematizar o que foi listado: agrupar ideias afins, melhorar a redação

das propostas.

AVALIAÇÃO

a) Construir um barquinho de papel.

b) Explicar que esse barquinho vai navegar entre os participantes.

c) Cada um deve colocar uma palavra que represente um sentimento que

predominou durante a sua participação na roda de conversa.

2.1 Texto introdutório I

Para compreender a complexidade da atual configuração das cidades

contemporâneas, é necessário discorrer sobre esse conceito para refletir sobre

a cidade, além de sua organização funcional, tanto como um espaço que

envolve relações sociais, quanto nos resultados da formação dos espaços

urbanos.

A discussão sobre o conceito de cidade é bastante abrangente, tendo

amplas abordagens que se unem para a formulação do conceito. Bernardi

(2006) apresenta o termo cidade, com origem no latim civitas, que dá origem a

outras palavras, como cidadania, cidadão, civismo. A partir das terminologias

120

oriundas de cidade, é necessário apoiar-se em vastas reflexões para

esclarecer as ideias distintas sobre o conceito apresentado.

A cidade de hoje é resultado de vários acontecimentos nas cidades do

passado, transformadas, destruídas, reconstruídas e produzidas pelos agentes

produtores do espaço urbano, que podem ser identificados como os

proprietários fundiários e dos meios de produção, os promotores imobiliários, o

Estado e os grupos sociais excluídos, sendo suas ações completas e visíveis

(SANTOS, 2008).

Conforme Iasi (2013), a cidade é a forma concreta das relações sociais

capitalistas, transparecendo o amadurecimento dessas relações a partir de

contradições pautadas pelas desigualdades sociais e econômicas. Nessa

perspectiva, a cidade é produto dos interesses de seus agentes sociais,

tornando-se campo de lutas e símbolos, fazendo articulações entre seus

diferentes espaços a partir de fluxos em que ocorrem interações entre seus

agentes sociais, que são responsáveis pelas mutações no espaço urbano.

A reflexão de Harvey (1996, apud BERNARDI, 2006) remete ao conceito

de cidade multifacetada, reflexo do passado e presente, produto das interações

políticas e sociais consolidadas em processos variados de transformações.

Sobre o conceito de cidade na pós-modernidade, o autor afirma:

O pós-modernismo cultiva um conceito de tecido urbano como algo necessariamente fragmentado, um palimpsesto de formas passadas superpostas umas às outras, e uma “colagem” de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros (HARVEY, 1996 apud BERNARDI, 2006, p. 20).

Pensar na cidade contemporânea como produto das interações sociais e

políticas é tão importante quanto relatar o processo de formação das cidades

da América Latina e identificar as transformações da realidade urbana na

contemporaneidade, principalmente a partir de meados do século XX, momento

em que a realidade citadina configura-se na relação urbano-industrial.

O espaço urbano das cidades configurado após a Segunda Guerra

Mundial apresenta o modelo clássico de organização centro versus periferia.

Nessa perspectiva, Cardoso (2007) afirma que as áreas centrais são ocupadas

por classes privilegiadas, que dispõem de equipamentos urbanos que são

necessários e úteis para a sociedade e de serviços de infraestrutura urbana. As

121

periferias, por sua vez, distantes dos centros, evidenciam a segregação

urbana, sendo subequipadas em relação à infraestrutura urbana e abrigando os

“excluídos” da sociedade. Discorrer sobre o espaço urbano traz ainda outras

reflexões:

O espaço da cidade capitalista, particularmente da grande cidade, caracteriza-se, entre outros aspectos, por ser fragmentado, o que dá origem a um mosaico irregular, com áreas de diferentes tamanhos, formas e conteúdos, assim geradas por distintos processos espaciais e agentes sociais (CORRÊA; PINTAUDI; VASCONCELOS, 2013, p. 7).

No Brasil, registra-se, de forma expressiva, a relação centro-periferia na

organização das grandes metrópoles, que apresentaram crescimento urbano

acelerado a partir das décadas de 1960 e 1970, reflexo de investimentos

introduzidos no setor industrial. A trajetória de crescimento urbano

caracterizou-se pela transferência da população do meio rural para as

principais capitais brasileiras. No entanto, esses camponeses passaram a

morar nas áreas distantes dos centros, dispersos devido à especulação

imobiliária e à ação do Estado, que restringia o exercício da cidadania

(CARDOSO, 2007).

Sobre as desigualdades espaciais e econômicas do espaço urbano,

Vasconcelos (2013, p. 18) ressalta:

Os processos e formas espaciais são originários das mudanças atuais sobrepostas às inércias do passado. Processos mais amplos como a globalização, mudanças na economia (“pós-fordismo”), redução do papel do Estado, migrações nacionais e internacionais, sem esquecer o papel dos movimentos sociais, são fatores que modificaram as formas das cidades, criando frequentemente novas desigualdades, sem eliminar os conflitos raciais, religiosos e políticos existentes.

Como desdobramento do modelo de organização centro versus

periferia, a segregação socioespacial das grandes metrópoles é um entrave

que colabora para a exclusão social e problemas ambientais urbanos. Entre os

mais complexos, a necessidade por moradia torna-se a mais evidente, devido à

grande demanda de casas populares. Essa organização é resultado da

urbanização planejada pelas ações do Estado, com políticas públicas

122

ineficientes em garantir os direitos sociais e da ação do mercado, Corrêa,

Pintaudi e Vasconcelos (2013, p. 8) esclarecem sobre a configuração da cidade

capitalista que “[...] na fragmentação do espaço urbano capitalista é possível

conceber uma divisão econômica do espaço e uma divisão social do espaço”.

3 II RODA DE CONVERSA

Conceitos: comunidade local, cidadania e desenvolvimento local

Questão norteadora: como a cidade é vista pelos adolescentes?

SENSIBILIZAÇÃO:

a) Propor aos adolescentes que organizem uma apresentação em estilo de

“telejornal” com os assuntos discutidos na primeira roda de conversa.

b) O objetivo é resgatar os conteúdos trabalhados e compreender o que de

fato os adolescentes entenderam do tema discutido na primeira roda.

c) Ao final a coordenadora da roda pode pontuar algumas questões, no

sentido de resgatar os conceitos abordados.

PROBLEMATIZAÇÃO:

1º Momento: Onde você mora?

a) Colocar num cartaz a pergunta: onde você mora?

b) Deixar que eles registrem.

c) Analisar as respostas na perspectiva do pertencimento: “moro em Venda

Nova, Na Serra...” Será que eles compreendem que moram em Belo

Horizonte? Ou simplesmente vão a Belo Horizonte quando chegam ao

centro da capital?

2º Momento: leitura de imagem

a) Dividir os adolescentes em grupos.

b) Entregar para cada grupo a imagem a seguir:

123

c) Cada grupo deverá fazer sua leitura da imagem e registrar numa folha

as suas percepções.

d) Apresentar suas percepções para os demais.

e) O coordenador poderá fazer intervenções de forma a conduzir o

levantamento dos conceitos de centro e periferia.

3º momento: Discussão do texto introdutório

a) Apresentar os conceitos-chave do texto: perifeira e centro.

SISTEMATIZAÇÃO

4º momento: Onde você mora?

a) Resgatar o cartaz preenchido no 1º momento e voltar a perguntar: onde

você mora?

b) Deixar que eles façam novos registros, se necessário.

c) Propor que os alunos façam registros (por meio de desenho) da

caracterização do centro e da periferia: como eles enxergam esses

espaços. Disponibilizar flipchart, lápis variados, tinta, pincel.

5º momento: Galeria de Artes

a) Fazer a exposição das percepções dos alunos nas paredes ou em um

varal, simulando uma galeria de artes.

124

AVALIAÇÃO

a) Organizar um balão fixado num palito com a seguinte afirmativa:

b) Cada participante completa a afirmativa.

3.1 Textos Introdutórios

O papel da escola, por ser um espaço também sociocultural, pode

interferir na formação humana e cidadã, mesmo sendo vinculada para atender

à lógica de mercado. A construção social dos sujeitos pode ser conduzida a

partir de práticas pedagógicas inovadoras capazes de aproximar os indivíduos

da realidade local em que estejam inseridos. Segundo Christoffoli (2010, p.

229): “O espaço local se constitui, portanto, num locus para o enfrentamento

social e político, mais até do que o espaço central, num projeto de

desenvolvimento”. O desafio do sistema educacional está na dicotomia entre os

princípios do desenvolvimento local e a educação para atender o mercado de

trabalho conforme a tendência da valorização do capital inserido nos processos

pedagógicos.

Fragoso (2005) considera que o local não pode ser visto de forma

indissociável das ações externas do global/regional. O desenvolvimento local é

uma possibilidade de as populações se organizarem em busca da melhoria da

qualidade de vida e, assim, promoverem o desenvolvimento e a emancipação

dos sujeitos por meio da autoconfiança. O autor reforça que um dos princípios

importantes do desenvolvimento local inclui construir um processo coletivo e

educativo profundo.

Em suas discussões, Dowbor (2006, p.1) refere sobre a relação entre

educação e desenvolvimento local:

Eu não sabia e agora sei que...

125

A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a esta compreensão e à necessidade de se formar pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas (DOWBOR, 2006, p. 1).

Ainda nessa mesma concepção, Montenegro-Gómez (2002) aborda que

o desenvolvimento local surge com a proposta de superação da crise do capital

e, assim, busca iniciativas que priorizam o desenvolvimento dos territórios

locais com o intuito de implementar políticas que possibilitem abarcar o social,

o econômico e o político.

Os princípios do desenvolvimento local pressupõem um caráter

participativo e emancipador dos indivíduos e, embora não se possa desvincular

o desenvolvimento local da lógica do capitalismo, a valorização e acúmulo de

capital não devem ser o foco para o desenvolvimento local, mas sim um

processo transformador da realidade local pelos sujeitos, visando mais

igualdade social, por meio de ações objetivas e concretas. E a educação pode

ser uma delas (DOWBOR, 2006).

Para que ocorra o desenvolvimento a partir das características e

demandas do local e para que este seja efetivo, é necessário buscar

estratégias facilitadoras para geração de emprego, movimentação da economia

local, mas perpassando pela emancipação dos indivíduos e sustentando a

participação em todos os níveis. Dessa forma, o papel da escola tem muito a

contribuir com um processo educativo que seja integrador e discuta sobre os

desafios inerentes à comunidade local.

4 III RODA DE CONVERSA

Conceitos: cidade, segregação urbana, centro, periferia.

Questão norteadora: como a segregação urbana é percebida pelos

adolescentes?

SENSIBILIZAÇÃO

1º momento: projetar a imagem a seguir, em slide:

126

a) Deixar que cada participante comente o que percebe a partir da imagem.

b) Coordenador poderá fazer perguntas para conduzir as reflexões:

o Onde o adolescente está?

o Como está sua postura?

o O que ele observa?

o O que ele está vendo?

PROBLEMATIZAÇÃO

2º momento: texto introdutório

a) Apresentação do conceito de segregação urbana

b) Foco na segregação urbana na cidade onde eles vivem (Ex. BH)

3º momento: em quais momentos vivencio essa segregação?

a) Distribuir os adolescentes em grupos.

b) Cada grupo recebe uma imagem retratando:

o Escolas centro e periferia.

o Adolescentes com roupas.

o Lojas centro e periferia.

o Trabalhos centro e periferia.

127

c) As imagens não devem conter legendas, apenas permitir que os

contrastes entre centro e periferia sejam percebidos.

d) Cada grupo faz a leitura das imagens e aponta em quais momentos eles

vivenciam, em sai realidade, essa segregação.

e) O coordenador deve fazer intervenções para conduzir a discussão.

SISTEMATIZAÇÃO

4º Momento: segregação e escola: qual a relação?

a) Propor que os alunos sentados em uma roda reflitam sobre a questão

anterior.

b) Projetar a imagem no slide:

c) Propor uma discussão circular (em que a cada momento um

adolescente responde e não pode ser interrompido até que termine).

Utilizar as questões:

o As escolas representam a relação centro x periferia na cidade?

o Qual a diferença dessas escolas?

o Para quais profissões as escolas de centro e periferia preparam seus

alunos?

128

o Enquanto os alunos respondem, o coordenador registra num kraft as

palavras-chave.

5º momento: Alinhando conceitos

a) Retomando as palavras-chave, o coordenador contribuiu com a

discussão, auxiliando na interpretação da imagem:

o No tabuleiro da escola localizada na periferia, os desenhos dos

jovens irão representar profissões que não exigem formação no

ensino superior, enquanto no teto da escola os jovens representam

as profissões que exigem formação no ensino superior.

o O adolescente entre as duas escolas com uma interrogação,

propositalmente para discutir segregação urbana e dualidade na

educação.

6º Momento: distribuição espacial das escolas

a) Propor aos alunos uma reflexão sobre sua escola:

o Onde sua escola está localizada?

o É uma escola de centro ou periferia?

o Quais as características que vocês atribuem à escola que a definem

como uma escola de centro ou de periferia?

b) Sair para uma Trilha Urbana no entorno da escola:

o Observar a fachada.

o A forma como é organizada.

o A estrutura física.

o Os alunos que a frequentam.

c) Levar um kraft e pedir que eles desenhem a escola e coloquem nela as

coisas que a caracterizam.

o O objetivo é levá-los a perceber com outro olhar esse espaço.

o Quais suas relações com a comunidade?

o Qual o público atendido?

d) Afixar a construção do grupo na parede.

AVALIAÇÃO

Colocar na parede um kraft como o modelo a seguir:

129

Onde moro? Onde estudo? O que mais gosto no lugar onde moro e

estudo?

4.1 Texto introdutório

Para entender a atual configuração da cidade de Belo Horizonte, cabe

apresentar, de maneira breve, o processo de crescimento e expansão urbana

do município, que foi planejado para sediar a capital do estado de Minas

Gerais.

Desde que Minas Gerais se tornou independente de São Paulo, em

1720, Ouro Preto foi o município escolhido para ser a capital de Minas Gerais,

por concentrar a atividade mineradora da província. Entrando em decadência a

atividade mineradora no final do século XVIII, Ouro Preto ficou sem expressão

econômica, mas permaneceu por muitos anos ainda como sede administrativa

do governo de Minas Gerais (COSTA, 2005 apud SOUZA, 2008, p. 37).

A partir de um processo eleitoral, foi escolhido o Sítio Curral Del Rey

para ser a capital mineira, arraial que viria a abrigar Belo Horizonte

(CARDOSO, 2007). A construção da cidade teve como engenheiro chefe o

maranhense Aarão Reis, que fazia parte da Comissão Construtora da Nova

Capital. O projeto se inspirava nos modelos modernistas de cidades como

Paris e Washington e tinha como intuito construir uma cidade higiênica,

saneada, livre de doenças e organizada com técnicas apuradas, aliadas a

infraestruturas sofisticadas (AGUIAR, 2006).

De acordo com Cardoso (2007), o planejamento original no final do

século XIX foi delineado em zona urbana, zona suburbana e zona rural. A zona

urbana tinha o pressuposto de iniciar o processo de ocupação da cidade,

sendo planejada para abrigar a população que dispunha de condições

socioeconômicas privilegiadas. Essa zona, concebida para ser o núcleo da

cidade, foi separada das demais – com o objetivo de valorizar a área urbana –

pelo traçado da avenida do Contorno, que fora inspirada em modelos

130

modernistas, dando-se ênfase a higiene, racionalidade e funcionalidade na

organização das ruas, com formas geométricas regulares em quarteirões

ordenados. Nesse contexto, no que se refere ao processo de segregação,

Corrêa, Pintaudi e Vasconcelos (2013, p. 10) consideram:

A segregação espacial é parte integrante e fundamental da produção do espaço, pois a produção de residências inicia-se tanto no processo de investimentos de capital como estratégia de sobrevivência. Há, nesse sentido, uma gama complexa de agentes sociais que a segregação espacial, construindo tipos de ideias. Os proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, promotores imobiliários e o Estado são esses agentes formais, enquanto os grupos sociais excluídos, os agentes informais.

Segundo Souza (2008), a ocupação da zona urbana de Belo Horizonte

se deu entre os eixos norte e sul, impulsionada pela construção da avenida

Afonso Pena com o objetivo de orientar a expansão do município de dentro

para fora, mais precisamente para o vetor norte, já que ao sul havia o limite da

Serra do Curral, que dificultava a ocupação.

A área urbana estava destinada à ocupação da elite da nova capital de

Minas Gerais, como salienta Cardoso (2007, p. 58):

As direções e principais investimentos de ocupação inicial da cidade buscaram enobrecer a capital, reservando as melhores áreas às classes de maior renda. A proximidade com os equipamentos e edificações dotados de importância política e social se propunha a instaurar os espaços modernos da elite mineira. Nesse sentido, a lógica de ocupação da zona urbana de Belo Horizonte, desde o início, consolidou a segregação socioespacial supostamente prevista no projeto da Comissão Construtora.

Seguindo o padrão urbanístico da época delimitado pela construtora e os

anseios da Nova República, proclamada no final do século XIX, que buscava

políticas com o objetivo de ampliar o acesso à educação no país13, a área

urbana da nova capital do estado de Minas Gerais recebeu, logo no início da

sua inauguração, escolas públicas para atender às necessidades da classe de

alta renda. Sendo assim, a região centro-sul de Belo Horizonte, nos dias atuais,

13

Peixoto (2007) relata o processo de disseminação da educação básica no Brasil, que começou após a Proclamação da República no final do século XIX. Os adeptos do governo enfatizavam a necessidade de implantar a escola moderna, que recebera o nome de grupo escolar.

131

abriga escolas centenárias, que contemplam o ensino fundamental I e II, além

do ensino médio (PEIXOTO, 2007).

Segundo Peixoto (2007), a partir da década de 1970, com a

promulgação da Lei nº 5.692/71, não se utiliza mais a denominação grupo

escolar. Os antigos grupos escolares, entretanto, localizados na região centro-

sul de Belo Horizonte e construídos no início do desenvolvimento da nova

capital, ainda são percebidos pela população como escolas de prestígio. Essa

percepção se deve à trajetória de referência nos parâmetros educacionais,

como é o caso das Escolas Estaduais Afonso Pena, Barão do Rio Branco,

Governador Milton Campos (antigo Ginásio Mineiro), Pedro II e o Instituto de

Educação de Minas Gerais14.

Porém, a área urbana não abrigou somente a população de alto poder

aquisitivo, conforme o planejamento inicial idealizado pela CCNC. Operários

que participaram da construção da nova capital permaneceram nas habitações

precárias fornecidas pela construtora, visto as restrições de aquisição de

terrenos nas áreas urbana e suburbana, originando as aglomerações ao redor

da avenida do Contorno (AGUIAR, 2006).

Na tentativa de eliminar as construções com padrão irregular no

perímetro da área urbana e assentar os operários que permaneceram na

cidade, o Estado designou um quarteirão na área suburbana com o preço

acessível para que os trabalhadores pudessem adquirir e obter o título de

proprietários logo após a construção das residências (AGUIAR, 2006).

Em relação ao processo de ocupação da área suburbana, houve duas

situações distintas. Os bairros periféricos desenvolveram-se paulatinamente,

impulsionados pela instalação das linhas de bondes, que favoreceram o

deslocamento da população para o centro da cidade. A especulação imobiliária

contribuiu para determinar a localização das linhas dos bondes. Sobre o

assunto, Cardoso (2007, p. 64) escreve:

14

Em consulta ao Centro de Referência Virtual do Professor, portal educacional criado pela SEE-MG com o propósito de oferecer recursos didáticos para suporte aos professores da educação básica, é possível resgatar a história das escolas de Belo Horizonte localizadas na região centro-sul.

132

A grande expansão das áreas a nordeste e noroeste da cidade nesse momento guarda forte relação com o fato destas áreas serem atendidas por linhas de bonde, reafirmando a relação existente entre a oferta de transporte e a construção de bairros residenciais.

Conforme Aguiar (2006), a zona suburbana estendia-se para além da

avenida do Contorno, sendo compreendida como área de expansão da zona

urbana e de transição para a zona rural. O povoamento dos bairros suburbanos

seguiu basicamente a construção de casas em grandes lotes, formando

chácaras. O preço dos lotes na área urbana eram impostos pelo Estado, com o

objetivo de segregar as classes sociais, restringindo a área da população de

menos poder aquisitivo e impedindo que ocupassem a área central da cidade.

A segregação atingia até mesmo moradores das classes média e alta que

moravam na zona periférica da nova capital.

Mas a ocupação dos bairros na zona suburbana organizou-se inclusive

por operários, funcionários públicos e pequenos comerciantes, que povoaram

algumas seções dessa área, originando conjuntos denominados vilas, cujas

casas possuíam aluguel barato, o que incentivou sua ocupação por pessoas de

baixa renda.

Mas o arranjo espacial da zona suburbana projetava setores diferenciados, com áreas potencialmente mais ou menos adensadas, e estabelecia com clareza os eixos de articulação da nova cidade com seus arredores (AGUIAR, 2006, p. 178).

É notório que o mesmo arranjo espacial implementado na área urbana

não se repetiu na zona suburbana. Aguiar (2013, p. 174) afirma:

Por outro lado, estavam localizados na área suburbana instalações e equipamentos urbanos que certamente participariam da vida cotidiana de uma cidade, mas não da mesma maneira que um mercado, uma igreja, uma escola ou mesmo um hospital e que, de um modo geral, demandavam grandes áreas e acarretavam impactos desfavoráveis nas suas vizinhanças imediatas. Eram o hipódromo, o cemitério, o matadouro, os reservatórios de água, as instalações para tratamento de esgoto e as oficinas de ferroviárias.

Seguindo o plano da Comissão Construtora, a zona rural encontrava-se

em uma área mais periférica da cidade, composta de cinco colônias agrícolas,

responsáveis por abastecer a nova capital com produtos. Entre essas áreas, a

atual região do Barreiro foi povoada por pequenos agricultores, operários e

133

imigrantes estrangeiros, que vieram para a cidade com o incentivo do estado e

com o objetivo de promover a modernização agrícola. Sobre os objetivos da

aquisição da fazenda Barreiro pelo Estado, Aguiar (2006, p. 236) ressalta:

Como a fazenda do Barreiro se encontrava distante da nova cidade, sem justificar ser urbanizada, Aarão Reis a teria considerado adequada a um assentamento rural. Além disso, ao tomar a forma de um núcleo colonial, todo esse assentamento permaneceria ainda por alguns anos sob o controle do Estado, o que não aconteceria se as áreas não diretamente comprometidas com a preservação dos mananciais do Barreiro fossem simplesmente loteadas e vendidas a particulares.

O Barreiro15 surgiu antes mesmo da fundação de Belo Horizonte. A

Fazenda Barreiro era uma grande propriedade rural, situada ao sul do

município que, após a fundação da nova capital, fora desapropriada e servira

como colônia agrícola para abastecer a nova cidade. Seu crescimento foi

impulsionado pela instalação da indústria siderúrgica Mannesmann, em 1940,

que atraiu uma população majoritariamente operária para residir na região

(SILVA; CARDOSO, 2010).

A história oficial do Barreiro teve início no ano de 1855, quando o

Coronel Damazo da Costa Pacheco, cumprindo determinação do governo, fez

o registro de suas terras declarando que possui no distrito e freguesia do Curral

Del Rei uma fazenda de cultura denominada Barreiro, cujas terras fazem divisa

com as fazendas do Jatobá, Cercado, Olaria e Cachoeirinha (SOUZA, 1986).

O controle de ocupação das terras de Belo Horizonte era feito pelo

Estado no sentido de selecionar os habitantes que iriam residir nas áreas

urbanas, suburbanas e rurais. O Estado utilizou como estratégia a

diferenciação dos preços das terras, de forma que os lotes localizados na zona

urbana obtinham altos valores, o que restringia a ocupação da população de

baixa renda (SOUZA, 2008).

Dessa forma, é possível constatar um processo de segregação urbana

desde o início da organização da cidade, uma vez que o projeto da construtora

visava segmentar as populações de classes sociais distintas, planejando áreas

ao centro com mais privilégio para a ocupação e áreas periféricas, onde iriam

15

Estavam assentados na colônia Barreiro 198 colonos, sendo 91 italianos, 59 brasileiros, 16 austríacos, 14 espanhóis, 12 alemães e seis franceses, formando 45 famílias (AGUIAR, 2006, p. 256).

134

residir as classes menos favorecidas. Entre os fatores que reforçaram a

segregação espacial em Belo Horizonte, está a ação da especulação

imobiliária, que contribuiu diretamente para a precariedade dos equipamentos

urbanos, como as escolas, fazendo com que as áreas suburbanas e rurais se

caracterizassem pela escassez ou ausência de infraestrutura. Le Ven (1977, p.

142) comenta a respeito do crescimento urbano de Belo Horizonte: “O

crescimento de Belo Horizonte ocorre, como se viu, das áreas periféricas para

o centro, em decorrência do controle inicialmente exercido pelo Estado sobre

as áreas internas ao perímetro da Contorno e posteriormente pela especulação

imobiliária”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade é resultado tanto de ações dos agentes produtores do espaço,

identificados como os proprietários fundiários e dos meios de produção,

promotores imobiliários, o Estado e os grupos excluídos, e também conforme

os acontecimentos decorrentes do passado (SANTOS, 2008).

A proposta desse produto técnico estruturado a partir da metodologia

prática roda de conversa buscou, sobretudo, aproximar os alunos de um

processo dialógico e participativo para refletir sobre temas relativos à cidade,

cidadania, segregação urbana e escola. Acredita-se que a abordagem desses

temas possibilitará abrir um diálogo sobre cidadania, cujos sujeitos possam

perceber seu papel como cidadão na sociedade. Outro aspecto relevante da

metodologia proposta é construir um olhar sobre a escola que frequentam

como um espaço sociocultural.

Convém ressaltar que esta proposta contempla os objetivos da LDB nº

9.394/1996, que estabelece normas para os processos formativos que abrange

a educação básica e que principalmente possam se adequar à realidade local

dos alunos. No artigo 2º desta lei, “a educação deve preparar o educando para

o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (BRASIL, 1996).

Atualmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é uma

exigência do Plano Nacional da Educação (PNE) aprovado pela Lei nº 13.005

de 25 de junho de 2014, consiste na elaboração de uma unidade para os

currículos nacionais, configurando-se um parâmetro para planejamento em

135

todas as etapas e modalidade de ensino. No processo de elaboração preliminar

da BNCC, houve a participação dos estados, Distrito Federal e municípios, com

mecanismos de participação da comunidade científica, instituições de ensino

públicas e privadas, consultas públicas, fóruns e debates. Portanto, a BNCC

reitera a importância da escola na formação do indivíduo como cidadão ativo e

participativo e reforçam que os currículos devem contemplar a realidade local

dos sujeitos.

Esse diálogo aberto levará os estudantes a refletirem a respeito da

organização e produção da cidade por meio do processo de segregação

urbana. A roda de conversa permitirá que os estudantes percebam como a

segregação urbana interfere em seu cotidiano e principalmente na distribuição

espacial das escolas, visto que a proposta propõe um debate sobre a relação

centro versus periferia, que constrói o arranjo espacial do espaço urbano.

Portanto, a roda de conversa, nessa perspectiva, constitui um

instrumento de formação que visa à construção e reconstrução da realidade

com metodologia dialógica e reflexiva entre os sujeitos, promovendo um debate

coletivo, em que não há hierarquização do poder. O processo dialógico

intenciona a construção do saber baseando-se horizontalização do poder, cujos

participantes interagem e aprendem com os relatos de suas experiências.

4.4 Considerações finais

A cidade é resultado tanto de ações dos agentes produtores do espaço,

identificados como os proprietários fundiários e dos meios de produção,

promotores imobiliários, o Estado e os grupos excluídos, e também conforme

os acontecimentos decorrentes do passado (SANTOS, 2008).

A proposta do produto técnico estruturado a partir da metodologia prática roda

de conversa busca, sobretudo, aproximar os alunos de um processo dialógico e

participativo com o intuito de refletir temas relativos à cidade, cidadania,

segregação urbana e escola. A metodologia da roda de conversa sugere como

prática a discussão e busca instigar a percepção dos alunos em relação à

cidade e à comunidade local à qual os mesmos pertencem. A abordagem

desses temas possibilitará abrir um diálogo aberto sobre cidadania, em que os

136

sujeitos poderão perceber seu papel como cidadão na sociedade. Outro

aspecto relevante será construir um olhar sobre a escola que frequentam como

um espaço sociocultural.

Convém ressaltar que esta proposta contempla os objetivos da LDB nº 9.394 /

1996, que estabelece normas para os processos formativos que abrangem a

educação básica e que principalmente possam se adequar à realidade local

dos alunos. No artigo 2º dessa lei, “a educação deve preparar o educando para

o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (BRASIL, 1996).

Atualmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNC), que é uma exigência

do Plano Nacional da Educação (PNE) aprovado pela Lei nº 13.005 de 25 de

junho de 2014, consiste na elaboração de uma unidade para os currículos

nacionais configurando-se um parâmetro para planejamento em todas as

etapas e modalidade de ensino. O processo de elaboração preliminar da BNCC

contou com a participação dos estados, Distrito Federal e municípios com

mecanismos de participação da comunidade científica, instituições de ensino

públicas e privadas, consultas públicas, fóruns e debates. Portanto, a BNC

reitera a importância da escola na formação do indivíduo como cidadão ativo e

participativo e reforça que os currículos devem contemplar a realidade local dos

sujeitos.

Esse diálogo aberto levará os estudantes a refletirem a respeito da organização

e produção da cidade por meio do processo de segregação urbana. A roda de

conversa permitirá que os estudantes percebam como a segregação urbana

interfere em seu cotidiano e principalmente na distribuição espacial das

escolas, visto que a proposta é de um debate sobre a relação centro versus

periferia, que constrói o arranjo espacial do espaço urbano.

Portanto, a roda de conversa, nessa perspectiva, constitui um instrumento de

formação que visa à construção e reconstrução da realidade com metodologia

dialógica e reflexiva entre os sujeitos, promovendo um debate coletivo, onde

não há hierarquização do poder. O processo dialógico intenciona a construção

137

do saber baseando-se na horizontalização do poder, cujos participantes

interagem e aprendem com os relatos de suas experiências.

REFERÊNCIAS

AFONSO, Maria Lúcia Miranda; SILVA, Marcos Vieira; ABADE, Flávia Lemos. O processo grupal e a educação de jovens e adultos: uma articulação entre Paulo Freire e Enrique Pichon-Rivière. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 14, n. 4, p. 707-715, out./dez., 2009. AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues. Vastos subúrbios da nova capital: formação do espaço urbano na primeira periferia de Belo Horizonte. 2006. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. ÂNGELO, Adilson de. A pedagogia de Paulo Freire nos quatro cantos da educação da infância. In: I CONGRESSO INTERNACIONAL. PEDAGOGIA SOCIAL, 1, 2006, Proceedings online. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2006. BERNADI, Jorge Luiz. Funções sociais da cidade: conceitos e instrumentos. Dissertação (Mestrado em Gestão Urbana) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília: MEC, 1996. CAMPELLO, Ana Maria. Dualidade na educação. Dicionário da Educação Profissional em Saúde. 2009. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/ dicionario/verbetes/duaedu.html. Acesso em: 12/01/2017. CARDOSO, Leandro. Transporte público, acessibilidade urbana e desigualdades socioespaciais na região metropolitana de Belo Horizonte. 2007. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. CARLOS, Ana Fani Alessandri. A prática espacial urbana como segregação e o “direito à cidade” como horizonte utópico. A cidade contemporânea: segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2013. 207 p. CHRISTOFFOLI, Pedro Ivan. A luta pela terra e o desenvolvimento local no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2004, 375 p. CID, Gabriel da Silva Vidal. Segregação urbana e segmentação escolar: efeitos do lugar num equipamento público de ensino no interior de um condomínio fechado no bairro da Barra da Tijuca. 2009. Dissertação (Mestrado Planejamento Urbano e Regional) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.

138

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DUTRA, Gislene Silva. Participação do conselho escolar em processos decisórios de escolas municipais. 2015. Dissertação (Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local) – Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, 2008.

DOWBOR, Ladislau. Educação e apropriação da realidade local. 2006, p. 1-17. FRAGOSO, António. Contributos para o debate teórico sobre o desenvolvimento local: um ensaio baseado em experiências investigativas. Revista Lusófona de Educação, n. 5, p. 63-83, 2005. Disponível em: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/pdf/rle/n5/n5a04.pdf. Acesso em: 27 mar. 2015. GATTI, Bernadete Angelina. Grupo focal na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas. Brasília: Liber Livros, 2005. GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 4. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. 239 p. IASI, Mauro Luís. A rebelião, a cidade e a consciência. In: MARICATO, Ermínia, et al. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1. ed., São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013. KEUEZER, Acácia Zeneida. Da dualidade assumida à dualidade negada: o discurso da flexibilização justifica a inclusão excludente. Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1153-1178, out. 2007 Disponível em http://www.cedes.unicamp.br LE VEN, Michel Marie. As classes sociais e o poder político na formação espacial de Belo Horizonte (1893-1914). Dissertação (Mestrado em Educação) – Plambel, Belo Horizonte: 1977. 174p. MESZÁROS, István. Educação para além do capital. 2. ed., São Paulo: Boitempo, 2008. MONTENEGRO-GÓMEZ, Jorge. Crítica ao conceito de desenvolvimento. Pegada Eletrônica, Presidente Prudente, v. 3, n. 1, 2002, p. 20-32. Disponível em: <http://revista.fct.unesp.br/index.php/pegada/article/viewFile/798/821> Acesso em: 01 nov. 2015. PEIXOTO, Ana Maria Casassanta. Barão do Rio Branco: de 1º grupo escolar a escola estadual - marcos de um educandário de Belo Horizonte: Foco, 2007, p. 61-71.

139

SAMPAIO, Juliana et al. Limites e potencialidades das rodas de conversa no cuidado em saúde: uma experiência com jovens no sertão pernambucano. Revista Interface, v. 18, Supl. 2, p. 1299-1311, 2014. SANTOS, Milton, A urbanização brasileira. 5. ed. reimpr., São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008. SILVA, Pollyanna Neves da; CARDOSO, Leandro. A urbanização e seus impactos ambientais: um estudo de caso do uso e ocupação do solo do bairro solar na regional Barreiro, Belo Horizonte. Centro Universitário UNI-BH, 2010. SOUZA, Alcione Aguiar; CADETE, Matilde Meire Miranda. Comportamento alimentar das famílias dos alunos do primeiro ciclo do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais. Dissertação (Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local) Centro Universitário UNA. Belo Horizonte, 2017. SOUZA, Augusto Antonio. Barreiro: 130 Anos de história. Belo Horizonte: Braga e Goular, 1986. SOUZA, Joseane. A expansão urbana de Belo Horizonte e da região metropolitana de Belo Horizonte: o caso específico do município de Ribeirão das Neves. 2008. Tese (Doutorado em Ciências Econômicas) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. VASCONCELOS, Pedro de Almeida; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria. A cidade contemporânea: segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2013. 207 p.

140

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar na consolidação das cidades contemporâneas sob o viés da lógica

capitalista direciona para uma discussão no que se refere ao processo de

segregação urbana presente na realidade das grandes metrópoles,

principalmente a partir da segunda metade do século XX. O conceito de cidade

apresenta múltiplas abordagens, sendo o resultado das ações dos agentes

sociais produtores e transformadores do espaço citadino, conforme demanda o

contexto e período histórico vigente, sendo símbolo de luta das distintas

classes sociais que habitam os seus diversos espaços.

Nesse contexto, para a abordagem relativa à segregação urbana torna-se

necessário compreender a produção e organização do arranjo espacial da

cidade. A segregação urbana delimita espaços distintos na cidade e produz

paisagens diferenciadas associadas aos fatores sociais, econômicos e

políticos.

Acredita-se que discutir e compreender as dinâmicas que envolvem a cidade

não é tarefa tão simples, pois os processos de consolidação desse espaço são

mutáveis e quase sempre são determinados pelas ações do Estado e agentes

imobiliários que controlam o preço da terra e determinam as funcionalidades

dos espaços citadinos. Entretanto, a percepção da cidade, principalmente pelas

classes sociais que residem nesse espaço, é um tema que merece ser

aprofundado numa perspectiva do desenvolvimento local.

A produção e fragmentação do espaço urbano das cidades da América Latina,

resultado da segregação urbana principalmente após a Segunda Guerra

Mundial, resultou na relação centro versus periferia, sendo fruto das ações do

Estado e da especulação imobiliária. Dessa forma, constatou-se que o arranjo

socioespacial das cidades brasileiras resultaram do processo de segregação

urbana, reforçando a distinção entre seus espaços que, por sua vez, foram

141

criados com certa homogenidade, mas revelam discrepâncias sociais e

econômicas em seu interior.

No planejamento e construção da cidade de Belo Horizonte planejada para

sediar a nova capital do estado de Minas Gerais, é possível constatar um

processo de segregação urbana desde o plano original da construtora que

separava as classes sociais. Conforme a cidade fora estruturada e

fragmentada de acordo com as classes sociais, os equipamentos urbanos da

cidade, em especial as escolas, também foram planejados para atender às

demandas das populações residentes em áreas distintas, como resultado da

segregação urbana.

Convém ressaltar a discussão proposta no trabalho, que apresentou uma

discussão que a escola, como espaço sociocultural, tem relevância para a

formação humana e cidadã, contribuindo para a construção da autonomia do

indivíduo, que é umas das principais necessidades sociais. Essa autonomia

reflete diretamente no desenvolvimento local das comunidades, favorecendo o

processo de tomadas de decisões individuais e coletivas que reconfiguram as

relações socioespaciais. Sobre o tema da autonomia, destaca Horta (2013, p.

26 apud PEREIRA, 2011, p. 71): “A autonomia não é só ser livre para agir

como bem se entender, mas, acima de tudo, é ser capaz de eleger objetivos e

crenças, valorá-los e sentir-se responsável por suas decisões e por seus atos”.

E sobre o viés de formação humana e cidadã atrelada aos princípios do

desenvolvimento local, que reforça a emancipação dos indivíduos, espera-se

que, de acordo com os currículos de educação, como, por exemplo, os PCNs e

a atual BNCC, em âmbito nacional, os alunos tenham contato com a realidade

local, conheçam, discutam e reflitam sobre ela, contribuindo para que sejam

agentes ativos e transformadores da comunidade em que estão inseridos.

De acordo com o arranjo espacial da cidade de Belo Horizonte e a partir de

observações empíricas, percebeu-se o deslocamento dos alunos da rede

estadual de ensino que saem das periferias para estudarem nas escolas da

regional administrativa centro-sul, antiga zona urbana da capital. Importante

142

salientar que essas escolas foram construídas logo no início da inauguração da

capital, sendo instituições destinadas a atender a população de mais poder

aquisitivo.

A pesquisa de campo dedicou-se a investigar quais fatores provocaram o

deslocamento dos alunos da regional Barreiro para frequentarem a Escola

Estadual Governador Milton Campos (Estadual Central) localizada na regional

centro-sul da cidade. De acordo com as entrevistas realizadas, o fator

preponderante na escolha dos alunos foi a qualidade de ensino. Mesmo com

os entraves diários do deslocamento, os estudantes consideram que o

Estadual Central pode oferecer um diferencial na formação, além da

preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), diferentemente

das escolas da regional Barreiro. A entrevista também foi realizada com os

alunos moradores do Barreiro, com o intuito de investigar os fatores que os

fizeram estudar na Escola Estadual Celso Machado, ou seja, permanecer na

comunidade local.

Entre as respostas, a proximidade da escola, conciliação com o horário de

trabalho e a gestão da escola foram os fatores argumentados para a

permanência. A gestão da escola é um fator que poderá ser posteriormente

aprofundado para identificar quais são as práticas pedagógicas, ação do

gestor, entre outros aspectos que colaboram para a escolha da escola distante

da comunidade local, assim como a permanência na periferia.

Diante das respostas dos entrevistados, buscou-se construir uma análise

comparativa entre as duas escolas estaduais com base nos dados do Sistema

Mineiro de Avaliação (SIMAVE). Os dados analisados tratam das avaliações do

Programa de Avaliação da Rede Pública da Educação Básica (PROEB) no

desempenho por aluno nas disciplinas Língua Portuguesa e Matemática.

Verificou-se que a escola Estadual Central apresenta melhor desempenho em

relação à escola Celso Machado. Porém, como documenta Willms (2008), para

medir a qualidade de ensino que determinada escola oferece, fatores

intraescolares e socioeconômicos devem ser considerados e cabe serem

explorados.

143

Realizou-se também um questionamento na Secretaria de Estado de Estado –

MG, na tentativa de compreender como ocorre o processo de gestão de

matrículas e cadastramento escolar para o ensino médio. A pesquisa revelou

que o zoneamento escolar não é prioritário para as matrículas dos alunos do

ensino médio, além de evidenciar que para o Estado o deslocamento dos

alunos é indiferente, sendo competência das famílias a escolha da escola.

Como desdobramento, discutiu-se se o deslocamento dos alunos pode

comprometer a atuação dos sujeitos como cidadãos ativos e participativos na

comunidade local.

O trabalho não pretendeu discutir se os alunos podem ou não se deslocar pela

cidade, visto que esse movimento favorece para criar concepções e identidade

com o espaço ao qual se pertence. Buscou-se, sim, refletir a respeito do direito

do aluno ter acesso à escola de qualidade na comunidade local.

A distribuição espacial das escolas em Belo Horizonte é um reflexo do

processo de segregação urbana em interface com a dualidade estrutural na

educação, sendo que as instituições escolares na periferia foram destinadas à

população de menos poder aquisitivo direcionada para a formação técnica. Em

contrapartida, as escolas da atual regional centro-sul foram construídas para

atender a população economicamente favorecida.

O resultado da pesquisa gerou um produto técnico baseado na metodologia de

roda de conversa para discutir os temas que foram abordados neste trabalho. A

proposta surgiu a partir da entrevista com os alunos das escolas estaduais

Celso Machado e Governador Milton Campos, que sugeriram alguns

mecanismos de participação na escola para avaliar os problemas da

comunidade local. A partir da lógica da prática, o diálogo e a construção do

saber devem ser relevantes. Entre os temas discutidos na roda de conversa, o

fito é refletir sobre temas relativos às suas percepções de cidade e comunidade

local, além de propor um diálogo sobre a segregação do espaço urbano, mais

precisamente no que se refere à distinção das escolas na relação centro versus

periferia.

144

Espera-se que este produto técnico seja aplicado para alunos do ensino médio,

sendo passível de adaptação para distintas realidades e que proporcione aos

estudantes momentos de reflexão e conhecimento crítico e principalmente

contribua para formar cidadãos ativos e participativos na sociedade.

145

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues. Vastos subúrbios da nova capital: formação do espaço urbano na primeira periferia de Belo Horizonte. 2006. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília: MEC, 1996. SANTOS, Milton, A urbanização brasileira. 5. ed. reimpr., São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008.

146

APÊNDICES E ANEXOS

Apêndice A - Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social,

Educação e Desenvolvimento Local - Centro Universitário UNA

Projeto de pesquisa: Segregação urbana e escola: reflexões sobre a

dualidade na educação e o desenvolvimento local

ROTEIRO DE ENTREVISTA

1) Em qual bairro você mora?

2) Há quanto tempo estuda nessa escola?

3) Por que escolheu estudar aqui?

4) Seus pais participaram dessa escolha? O que eles pensam sobre essa

escola e as do seu bairro?

5) Você conhece a escola-polo?

6) Você concorda com a existência de escolas-polo? Por quê?

7) As vantagens dessa escola compensam o tempo e o dinheiro que você

gasta nesse deslocamento? Por quê?

8) O que a escola do seu bairro precisaria ter para que você pudesse

frequentá-la?

9) Que espaços você frequenta no seu bairro?

10) Você faz alguma atividade com sua família ou vizinhos no seu bairro?

11) Você acredita que estudando no seu bairro poderia fazer alguma coisa

para melhorá-lo? Por quê?

12) Você conversa sobre isso com os colegas ou com seus vizinhos?

13) Caso seja feito algo para discutir sobre a realidade da escola e do seu

bairro, o que você sugere?

147

Apêndice B - Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social,

Educação e Desenvolvimento Local - Centro Universitário UNA

Projeto de pesquisa: Segregação urbana e escola: reflexões sobre a

dualidade na educação e o desenvolvimento local

ROTEIRO DE ENTREVISTA

1) Nome do entrevistado:

2) Cargo:

3) Como é realizada a gestão do cadastramento e o zoneamento escolar

pela SEE- MG?

4) A SEE-MG tem conhecimento do deslocamento dos alunos das áreas

periféricas para frequentar as escolas da região centro-sul de Belo

Horizonte?

5) A SEE possui o registro do deslocamento dos alunos?

6) Já fez alguma análise sobre o fenômeno?

7) Já fez alguma discussão e/ou já propôs alguma estratégia para atuar

sobre esse fenômeno?

8) Qual a percepção da SEE-MG em relação ao deslocamento dos alunos

de suas comunidades, levando-se em conta as diretrizes dos currículos

(PCN, BNCC) que enfatizam o conhecimento da realidade local?

9) Que outros setores da SEE se relacionam com essa faixa etária de

alunos adolescentes? O que ela propõe nesse sentido?

148

Anexo A - termo de compromisso de cumprimento da resolução 466/2012

Nós, Pollyanna Neves da Silva, RG-MG-xxxxxxxx, e Áurea Regina Guimarães

Tomazi, RG-MG xxxxxxx, responsáveis pela pesquisa intitulada “Segregação

urbana e escola: reflexões sobre a dualidade na educação e o

desenvolvimento local”, declaramos que:

a) Assumimos o compromisso de zelar pela privacidade e pelo sigilo das

informações que serão obtidas e utilizadas para o desenvolvimento da

pesquisa;

b) os materiais e as informações obtidas no desenvolvimento deste

trabalho serão utilizados para se atingir o(s) objetivo(s) previsto(s) na

pesquisa;

c) o material e os dados obtidos ao final da pesquisa serão arquivados sob

a nossa responsabilidade;

d) os resultados da pesquisa serão tornados públicos em periódicos

científicos e/ou em encontros, quer sejam favoráveis ou não,

respeitando-se sempre a privacidade e os direitos individuais dos

sujeitos da pesquisa, não havendo qualquer acordo restritivo à

divulgação;

e) assumimos o compromisso de suspender a pesquisa imediatamente ao

perceber algum risco ou dano, consequente à mesma, a qualquer um

dos sujeitos participantes, que não tenha sido previsto no termo de

consentimento;

f) o CEP do Centro Universitário Newton Paiva será comunicado da

suspensão ou do encerramento da pesquisa, por meio de relatório

apresentado anualmente ou na ocasião da interrupção da pesquisa;

g) as normas da Resolução 466/2012 serão obedecidas em todas as fases

da pesquisa.

Belo Horizonte, ____de______________de________.

Pollyanna Neves da Silva Áurea Regina Guimarães Tomazi

CPF xxxxxxxxxxx CPF xxxxxxxxxxx

149

Anexo B - Autorização para coleta de dados

Eu, ___________________________________________________________,

portador da identidade nº. _______________, expedida por

___________________, AUTORIZO a coleta de dados do projeto

“Segregação urbana e escola: reflexões sobre a dualidade na educação e o

desenvolvimento local” dos pesquisadores Pollyanna Neves da Silva e Áurea

Regina Guimarães Tomazi, nas instalações físicas do (ESCOLA ESTADUAL

CELSO MACHADO) após a aprovação do referido projeto pelo Comitê de Ética

em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Newton Paiva.

BH, ___ de___________ de_____.

ASSINATURA:

CARIMBO:

150

Anexo C – Ficha de inscrição Ensino Médio

151

152

Anexo D – Cadastro ao Ensino Médio para os alunos que permanecerão nas

escolas

153

AUTORIZAÇÃO PARA COLETA DE DADOS

Eu, ____________________________________________________________,

portador da identidade nº. _______________, expedida por

___________________, AUTORIZO a coleta de dados do projeto

“SEGREGAÇÃO URBANA E ESCOLA: reflexões sobre a dualidade na

educação e o desenvolvimento local” dos pesquisadores Pollyanna Neves da

Silva e Áurea Regina Guimarães Tomazi, nas instalações físicas da

(SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO – SEE-MG) para coleta de

dados qualitativos e quantitativos referente ao cruzamento da localização

residencial do aluno e a localização da escola em que está matriculado na rede

estadual do município de Belo Horizonte, após a aprovação do referido projeto

pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Newton

Paiva.

BH, ___ de___________ de_____.

ASSINATURA:

CARIMBO:

154

Anexo E - Termo de consentimento livre e esclarecido

Título da pesquisa:

Nome do Pesquisador Orientador(a): Áurea Regina Guimarães Tomazi

Nome do Pesquisador Aluno: Pollyanna Neves da Silva

1. Natureza da pesquisa: você está sendo convidado(a) a participar desta

pesquisa que tem como finalidade verificar os fatores que atraem e/ou

expulsam os alunos da periferia para estudarem nas escolas na região

centro-sul de Belo Horizonte.

2. Participantes da pesquisa: alunos do ensino médio que estudam nas

escolas estaduais localizadas na região centro-sul de Belo Horizonte e

gestores da Secretaria de Estado de Educação (SEE–MG) responsáveis

por administrar o cadastramento escolar.

3. Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo você permitirá que

o pesquisador possa desenvolver contribuição técnica na área de educação

voltada ao desenvolvimento local e com características de inovação social.

Você tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar

participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo. Sempre

que quiser poderá pedir mais informações sobre a pesquisa por meio do

telefone da pesquisadora do projeto e, se necessário, por via telefone do

Comitê de Ética em Pesquisa.

4. Sobre as entrevistas: as entrevistas serão semiestruturadas, realizadas

com os alunos das escolas estaduais da região centro-sul e os

responsáveis na Secretaria de Estado de Educação (SEE-MG) pela gestão

do cadastramento escolar.

5. Riscos e desconforto: um possível risco pode ser o de constrangimento

social e cultural, que tentará ser evitado. A participação nesta pesquisa não

traz complicações legais. Os procedimentos adotados nesta pesquisa

obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos,

conforme Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum

dos procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade.

155

6. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são

estritamente confidenciais. Somente a pesquisadora e a orientadora terão

conhecimento dos dados. Caso haja publicação, a identidade dos

participantes será protegida seguindo normas éticas de anonimato e

confidencialidade.

7. Forma de acompanhamento e assistência: não se aplica.

8. Benefícios: ao participar desta pesquisa você não terá qualquer benefício

direto. Entretanto, com o desenvolvimento da pesquisa espera-se contribuir

para reflexões acerca da segregação urbana e desenvolvimento local com o

objetivo de se pensar em uma gestão escolar participativa e democrática.

9. Pagamento: você não terá qualquer tipo de despesa para participar desta

pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.

Após esses esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre

para participar desta pesquisa. Portanto, preencha, por favor, os itens que se

seguem.

Obs.: Não assine este termo se ainda tiver dúvida a respeito.

Consentimento Livre e Esclarecido

Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,

manifesto meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi

cópia deste termo de consentimento e autorizo a realização da pesquisa e a

divulgação dos dados obtidos neste estudo.

Assinatura do Participante da Pesquisa

Nome do Participante da Pesquisa: _________________________________

Assinatura do Pesquisador Assinatura do Orientador

Pesquisador Principal: Pollyanna Neves da Silva / (31) 98639-2324

Demais pesquisadores: Áurea Regina Guimarães Tomazi / (031) xxxxxxxxx

Comitê de Ética Pesquisa Newton Paiva. Endereço: Avenida Carlos Luz, 987 Bairro: Caiçara - Telefone: (31)3516-2547.